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“DESCOLONIZANDO O CONHECIMENTO”

Uma Palestra-Performance de Grada Kilomba


FICHAMENTO E MEDIAÇÃO: Bruna Nogueira1 e Lucas Dilacerda2

1. Anastácia e materialidades na arte: flor branca, água, café sem açúcar; terra, café, cacau, açúcar e velas
§ 1 “Na sala de estar da casa da minha avó, havia uma imagem da Escrava Anastácia, pregada acima do sofá, no
lado esquerdo da parede. Toda sexta-feira, colocávamos uma vela, uma flor branca, um copo de água limpa e uma
tigela de café fresquinho – sem açúcar.” (p. 1).
§ 2 “A minha avó costumava me contar como Escrava Anastácia havia sido encarcerada numa máscara – como isso
era comum e se passava com todos aqueles/as que falavam palavras de emancipação durante a escravidão – e eu,
dizia minha avó, deveria sempre me lembrar dela.” (p. 1).

2. A teoria da memória e a teoria do esquecimento


§ 3 “Claro que me lembro, porque esta história foi memorizada. Não posso esquecê-la. O passado colonial está
memorizado de tal maneira, que se torna impossível esquecê-lo. Às vezes, preferiria não me lembrar, mas, na
verdade, é algo que não se pode esquecer. A teoria da memória é, na realidade, uma teoria do esquecimento. Não se
pode simplesmente esquecer e não se consegue evitar lembrar.” (p. 1).
§ 4 “A máscara não pode ser esquecida.” (p. 1)

3. A máscara
§ 5 “Por isso, a máscara levanta tantas perguntas: Quem pode falar? Quem não pode? E acima de tudo, sobre o que
podemos falar? Por que a boca do sujeito Negro tem que ser calada? Por que ela, ele, ou eles/elas têm de ser
silenciados/as? O que o sujeito Negro poderia dizer se a sua boca não estivesse tampada? E o que é que o sujeito
branco teria que ouvir?” (p. 1-2).

4. O medo branco e as verdades mantidas como segredos


§ 6 “Existe um medo apreensivo de que, se o/a colonizado/a falar, o/a colonizador/a terá que ouvir e seria forçado/a
a entrar em uma confrontação desconfortável com as verdades do „Outro‟. Verdades que supostamente não
deveriam ser ditas, ouvidas e que “deveriam” ser mantidas "em silêncio como segredos". Gosto muito dessa
expressão, “mantidas em silêncio como segredos”, pois ela anuncia o momento em que alguém está prestes a
revelar algo que se presume não ser permitido dizer (o que se presume ser um segredo). Segredos como a
escravidão. Segredos como o colonialismo. Segredos como o racismo.” (p. 2).

5. A repressão
§ 7 “O medo de ouvir o que possivelmente poderia ser revelado pelo sujeito Negro pode ser articulado com a noção
psicanalítica de repressão, uma vez que a repressão “consiste em afastar algo e mantêlo à distância do consciente”.
(Freud 1923, p.17). Este é o processo pelo qual certas verdades só podem existir (na profundidade do oceano, bem
lá no fundo) no inconsciente, bem longe da superfície – devido à ansiedade extrema, culpa ou vergonha que elas
causam. Imaginem um iceberg flutuando na água azul, todas as verdades reprimidas ainda estão lá, porém imersas e
reprimidas na profundidade. Ou seja, o sujeito sabe, mas quer tornar (e manter) o conhecido, desconhecido.” (p. 2)

6. A boca: fala e enunciação


§ 8 “A boca é um órgão muito especial, ela simboliza a fala e a enunciação. No âmbito do racismo, ela se torna o
órgão da opressão por excelência, pois é o órgão que enuncia certas verdades desagradáveis e precisa, portanto, ser
severamente confinada, controlada e colonizada.” (p. 2).
_________________________
1
Graduanda em Filosofia na Universidade Federal do Ceará. Coordena o GES – Grupo de Estudos em Spinoza e o
GEFI – Grupo de Estudos em Filosofia da Imanência -- brunanogueirafs@hotmail.com
2
Mestrando em Filosofia na Universidade Federal do Ceará. Coordena o GEEFA – Grupo de Estudos em Estética e
Filosofia da Arte e o LAC – Laboratório de Arte Contemporânea – lucasdilacerda3@gmail.com
7. A negociação do ato de falar e o ouvir do ato de autorização
§ 9 “Falar torna-se, então, praticamente impossível. Não é que nós não tenhamos falado, [...] o ato de falar é como
uma negociação entre quem fala e quem ouve, ou seja, entre os sujeitos falantes e seus/suas ouvintes. Ouvir é, neste
sentido, o ato de autorização para quem fala. Eu só posso falar, se a minha voz for ouvida.” (p. 2-3).

8. Linguagem e conhecimento
§ 10 “Quando eu falo? O que é que você escuta? E o que é que você não quer escutar? Qual conhecimento você
reconhece como tal? E qual conhecimento continua desconhecido? [...] Qual conhecimento é reconhecido como tal?
E qual conhecimento não o é? Qual conhecimento tem feito parte das agendas e currículos oficiais? E qual
conhecimento não faz parte de tais currículos? A quem pertence este conhecimento? Quem é reconhecido/a como
alguém que tem conhecimento? E quem não é? Quem pode ensinar conhecimento? Quem pode produzir
conhecimento? Quem pode performá-lo? E quem não pode?” (p. 3-4).

9. O conhecimento
§ 11 “O conceito de conhecimento não se resume a um simples estudo apolítico da verdade, mas é sim a reprodução
de relações de poder raciais e de gênero, que definem não somente o que conta como verdadeiro, bem como em
quem acreditar. Algo passível de se tornar conhecimento torna-se então toda epistemologia que reflete os interesses
políticos específicos de uma sociedade branca colonial e patriarcal.” (p. 4)

10. A epistemologia
§ 12 “Deixem-me lembrar-lhes o que significa o termo epistemologia. O termo é composto pela palavra grega
episteme, que significa conhecimento, e logos, que significa ciência.” (p. 4).

11. Quem pode falar?

§ 13 “Epistemologia é, então, a ciência da aquisição de conhecimento, que determina: 1. (os temas) quais temas ou
tópicos merecem atenção e quais questões são dignas de serem feitas com o intuito de produzir conhecimento
verdadeiro. 2. (os paradigmas) quais narrativas e interpretações podem ser usadas para explicar um fenômeno, isto
é, a partir de qual perspectiva o conhecimento verdadeiro pode ser produzido. 3. (os métodos) e quais maneiras e
formatos podem ser usados para a produção de conhecimento confiável e verdadeiro” (p. 04-05).

§ 14 “Epistemologia define não somente como, mas também quem produz conhecimento verdadeiro e em quem
acreditarmos” (p. 05).

§ 15 “Uma hierarquia colonial, pela qual pessoas Negras e racializadas são demarcadas. Assim que começamos a
falar e a proferir conhecimento, nossas vozes são silenciadas por tais comentários, que, na verdade, funcionam
como máscaras metafóricas. Tais observações posicionam nossos discursos de volta para as margens como
conhecimento „des-viado‟ e desviante enquanto discursos brancos permanecem no centro, como norma” (p. 05).

§ 16 “Quando eles falam, é científico, quando nós falamos, não é científico. Universal / específico; objetivo /
subjetivo; neutro / pessoal; racional / emocional; imparcial / parcial; eles têm fatos, nós temos opiniões; eles têm
conhecimento; nós, experiências. Nós não estamos lidando aqui com uma „coexistência pacífica de palavras‟
(Jacques Derrida, Positions, University of Chicago Press, Chicago, 1981), mas sim com uma hierarquia violenta
que determina quem pode falar.” (p. 05).
§ 17 “Esta ideia de superinterpretação tem a ver com a ideia de que o/a oprimido/a está vendo „algo‟ que não deve
ser visto e de que está prestes a dizer “algo” que não é para ser dito” (p. 06).
§ 18 “Dentro do racismo, corpos Negros são construídos como corpos impróprios, abjetos, „deslocados‟ e logo,
como corpos que não pertencem. Corpos brancos, ao contrário, são construídos como aceitáveis, corpos em casa,
“no lugar”, corpos que sempre pertencem. Através de tais comentários, pessoas Negras são persistentemente
convidadas a voltar para o “lugar delas”, longe da academia, nas margens, onde seus corpos estão „em casa‟” (p.
06).

§ 19 “A academia não é um lugar neutro, tampouco simplesmente um espaço de conhecimento e de sabedoria, da


ciência e erudição, mas também é um espaço de v-i-o-l-ê-n-c-i-a. Ela tem uma relação muito problemática com
Negritude. Aqui, temos sido objetificados/as, classificados/as, teorizados/as, desumanizados/as, infantilizados/as,
criminalizados/as, brutalizados/as, sexualizados/as, exposto/as, exibidos/as e, por vezes, mortos/as” (p. 07).

§ 20 “Fanon utiliza a linguagem do trauma, como a maioria das pessoas Negras quando falam sobre experiências
cotidianas de racismo, indicando um doloroso impacto corporal e a perda característica de um colapso traumático,
pois no racismo o indivíduo é cirurgicamente retirado e violentamente separado de qualquer identidade que ele/ela
possa realmente ter” (p. 07).

§ 21 “Alguém está sendo sobredeterminado/a exteriormente por fantasias violentas que ele/a vê, mas que não
reconhece sendo ele/a próprio/a” (p. 07).

§ 22 “Que alienação ser forçado a identificar-se e a performatizar a si mesmo/a partir do roteiro feito pelo sujeito
branco. Que decepção sermos forçados/as a olhar para nós mesmos/as como se estivéssemos no lugar deles/as. E
que dor encontrar-se preso/a nesta ordem colonial” (p. 07).

§ 23 “Para descolonizar o conhecimento, temos que entender que todos/as nós falamos de tempos e de lugares
específicos, a partir de realidades e histórias específicas. Não existem discursos neutros” (p. 07).

§ 24 “Quando os acadêmicos/as brancos/as afirmam ter um discurso neutro e objetivo, eles/as não estão
reconhecendo que também escrevem a partir de um lugar específico, que, naturalmente, não é neutro nem objetivo,
tampouco universal, mas dominante. Eles/as escrevem a partir de um lugar de poder” (p. 08).

§ 25 “Branquitude, como outras identidades no poder, permanecem sem nome. É um centro ausente, uma
identidade que se coloca no centro de tudo, mas tal centralidade não é reconhecida como relevante, porque é
apresentada como sinônimo de humano. Em geral, pessoas brancas não se veem como brancas, mas sim como
pessoas. A branquitude é sentida como a condição humana. No entanto, é justamente esta equação que assegura que
a branquitude continue sendo uma identidade que marca outras, permanecendo não marcada. E acreditem em mim,
não existe uma posição mais privilegiada do que ser apenas a norma e a normalidade” (p. 08).

§ 26 “Estas não são histórias pessoais ou reclamações íntimas, mas sim relatos de racismo dentro de espaços
acadêmicos, artísticos e culturais. Eles revelam a inadequação desses espaços em se relacionar não só com a
“condição pós-colonial”, mas também com os seus sujeitos, discursos, perspectivas, narrativas e conhecimentos – e
estas deveriam ser as nossas preocupações” (p. 07).

§ 27 “Descolonizar o conhecimento significa criar novas configurações de conhecimento e de poder” (p. 08).
A MÁSCARA

1. Anastácia
§ 28 “Sem história oficial, alguns dizem que Anastácia era filha de uma família real Kimbundo, nascida em Angola,
sequestrada e levada para a Bahia, Brasil e escravizada por uma família portuguesa. Após o retorno desta família
para Portugal, ela teria sido vendida a um dono de uma plantação de canadeaçúcar. Outros alegam que ela teria sido
uma princesa Nagô/Yorubá antes de ter sido capturada por traficantes de escravos europeus e trazida para o Brasil.
Enquanto outros ainda contam que a Bahia foi seu local de nascimento. Seu nome africano é desconhecido.
Anastácia foi o nome dado a ela durante a escravidão. Segundo todos os relatos, ela foi forçada a usar um colar de
ferro muito pesado, além da máscara facial que a impedia de falar. As razões dadas para este castigo variam:
Alguns relatam seu ativismo político no auxílio em fugas de outros(as) escravizados(as); outros dizem que ela havia
resistido às investidas sexuais do mestre branco. Outra versão ainda transfere a culpa para o ciúme de uma sinhá
que temia a beleza de Anastásia. A ela é alegada a história de possuir poderes de cura imensos e de ter realizado
milagres. Anastásia era vista como santa entre escravizados(as) africanos(as). Após um longo período de
sofrimento, ela morre de tétano causado pelo colar de ferro ao redor de seu pescoço. Há outros desenhos de
máscaras cobrindo o rosto inteiro somente com dois furos para os olhos; estas eram usadas para prevenir o ato de
comer terra, uma prática entre escravizados(as) africanos(as) para cometer suicídio.” (p. 173).

2. A máscara do silenciamento
§ 29 “A máscara do silenciamento [...] foi uma peça muito concreta, um instrumento real que se tornou parte do
projeto colonial europeu por mais de trezentos anos. Ela era composta por um pedaço de metal colocado no interior
da boca do sujeito Negro, instalado entre a língua e a mandíbula e fixado por detrás da cabeça por duas cordas, uma
em torno do queixo e a outra em torno do nariz e da testa. Oficialmente, a máscara era usada pelos senhores
brancos para evitar que africanos/as escravizados/ as comessem cana-de-açúcar ou cacau enquanto trabalhavam nas
plantações, mas sua principal função era implementar um senso de mudez e de medo, visto que a boca era um lugar
tanto de mudez quanto de tortura. Neste sentido, a máscara representa o colonialismo como um todo. Ela simboliza
políticas sádicas de conquista e dominação e seus regimes brutais de silenciamento dos(as) chamados(as)
„Outros(as)‟.” (p. 171-172).

3. Paul Gilroy e os 5 mecanismos de defesa do ego branco


§ 30 “Paul Gilroy descreve cinco diferentes mecanismos de defesa do ego pelos quais o sujeito branco passa a fim
de ser capaz de “ouvir”, isto é, para que possa se tornar consciente de sua própria branquitude e de si próprio(a)
como performer do racismo: recusa/ culpa/ vergonha/ reconhecimento/ reparação.” (p. 178).

4. Recusa
§ 31 “Recusa é um mecanismo de defesa do ego que opera de forma inconsciente para resolver conflitos
emocionais, através da recusa em admitir os aspectos mais desagradáveis da realidade externa, bem como
sentimentos e pensamentos internos. Esta é a recusa em reconhecer a verdade. A recusa é seguida por dois outros
mecanismos de defesa do ego: cisão e projeção.” (p. 178).
§ 32 “Este fato [a recusa] é baseado em processos [a cisão e a projeção] nos quais partes cindidas da psique são
projetadas para fora, criando o chamado „Outro‟, sempre como antagonista do „eu‟. Essa cisão evoca o fato de que o
sujeito branco de alguma forma está dividido dentro de si próprio, pois desenvolve duas atitudes em relação à
realidade externa: somente uma parte do ego – a parte “boa”, acolhedora e benevolente – é vista e vivenciada como
„self ‟, como „eu‟ e o resto – a parte “má”, rejeitada e malévola – é projetada sobre o „Outro‟ e retratada como algo
externo. O „Outro‟ torna-se então a representação mental do que o sujeito branco teme reconhecer sobre si mesmo.”
(p. 174).
§ 33 “O sujeito Negro torna-se então aquilo a que o sujeito branco não quer ser relacionado.” (p. 174).
5. Culpa
§ 34 “Após a recusa vem a culpa, a emoção que segue a infração de uma injunção moral. Este é um estado efetivo
no qual o indivíduo vivencia o conflito de ter feito algo que acredita que não deveria ser feito. [...] Culpa é
vivenciada em relação a um ato já cometido, ou seja, o racismo já aconteceu, criando um estado efetivo de
culpabilidade.” (p. 178-179).

6. Vergonha
§ 35 “A vergonha ocorre quando o indivíduo falha em atingir um ideal de comportamento estabelecido por si
mesmo(a). A vergonha está, portanto, conectada intimamente ao sentido de percepção. Ela é provocada por
experiências que colocam em questão nossas preconcepções sobre nós mesmos(as) e nos obriga a nos ver através
dos olhos de outros(as), nos ajudando a reconhecer a discrepância entre a percepção de outras pessoas sobre nós e
nossa própria percepção de nós mesmos(as). [...] O sujeito branco dá-se conta de que a percepção das pessoas
Negras sobre a branquitude pode ser diferente de sua própria percepção de si próprio(a), a medida em que a
branquitude é vista como uma identidade privilegiada.” (p. 179).

7. Reconhecimento
§ 36 “Reconhecimento segue a vergonha; no momento em que o sujeito branco reconhece sua própria branquitude
e/ou racismo. Este é, portanto, um processo de reconhecimento. O indivíduo finalmente reconhece a realidade ao
aceitar a realidade e a percepção de outros(as). Reconhecimento é, neste sentido, a passagem da fantasia para a
realidade – já não se trata mais da questão de como eu gostaria de ser visto(a), mas sim de quem eu sou; não mais
como eu gostaria que os „Outros‟ fossem, mas sim quem eles/elas realmente são.” (p. 179).

8. Reparação
§ 37 “Reparação então significa a negociação do reconhecimento. [...] é o ato de reparação do mal causado pelo
racismo através da mudança de estruturas, agendas, espaços, posições, dinâmicas, relações subjetivas, vocabulário,
ou seja, através do abandono de privilégios.” (p. 180).

9. Da questão moral “Eu sou racista?” ao processo psicológico “Como eu posso desmantelar meu próprio
racismo?”
§ 38 “Estes diversos passos revelam a consciência sobre o racismo não tanto quanto uma questão moral, mas sim
como um processo psicológico que demanda muito trabalho. Desta forma, ao invés de fazer a usual pergunta moral:
“Eu sou racista?” e esperar uma resposta confortável, o sujeito branco deveria perguntar-se: “Como eu posso
desmantelar meu próprio racismo?” e então esta pergunta por si só já inicia este processo.” (p. 180).

MULTIVOCALIDADES

§ 39 Thiago Sant’ana: “É importante ressaltar que, se os conhecimentos e culturas negras foram tomados como
elementos pitorescos e míticos, é porque temem o que tivemos e temos a falar como protagonistas de uma outra
história, afrocentrada e beligerante. O tempo de agora é o de tecer crônicas a partir de perspectivas autônomas
negras, romper com séculos de silêncio, rir de maneira debochada dos contos malditos descritos dia após dia pelo
colonizador e ressaltar o quanto a questão racial não é uma temática, mas uma posição política que condiciona a
nossa própria sobrevivência. Sobreviver – além de qualquer dado físico constante na expressão – é também
permanecer vivo na memória, como um traço imaterial, como uma possibilidade de traçar nossas genealogias. [...]
Escrever histórias atlânticas afrocentradas é criar uma cartografia do invisível, é tirar uma grossa poeira composta
por açúcar, suor e sangue. É nada contra a correnteza de milhares de histórias de vidas naufragadas pelo racismo e
pela violência sistêmica. É efetivar uma arqueologia de gestos, que nos informa como continuar resistindo e não
nos permite permanecer na repetição do repertório do colonizador. Exige uma atividade de debruçar-se sobre
acontecimentos que carregam consigo minúcias e aspectos que são vistos como desimportantes, mas que revelam
um saber próprio e não canônico que foi subjugado. [...] Reagir a isso na contemporaneidade é retomar as memórias
daquelas pessoas que vieram antes de mim e pavimentaram o caminho de energias que me trazendo onde estou.
Meu trabalho como artista e pensador negro é realizar um exercício de disputa de narrativa, partindo de
perspectivas de uma contra-história, da memória ancestral e da arte como subterfúgios para criação de uma zona de
fuga, um quilombo intelectual, uma armadilha fundida de axé artístico e banhada com abô para a luta contra as
mazelas do silenciamento.” (p. 612-613).

§ 40 Jota Mombaça: “Ao retomarmos o texto de Grada Kilomba, “The Mask”, onde a autora constrói uma análise
do interdito da boca como interdito da fala, adivinhamos aqui uma ponte possível. Se, na perspectiva dessa autora, o
regime escravocrata produziu uma territorialização da boca como lugar de tortura e não-fala, a norma da
heterossexualidade compulsória produziu o cu como lugar de excreção e não-prazer. Em ambos os casos, temos
uma territorialização arbitrária do corpo, que procura reduzir drasticamente as possibilidades de experimentação
com esses órgãos. Duas extremidades de um mesmo tubo, o cu e a boca como órgãos interditados revelam a
dimensão corpo-política da construção da realidade. Seguindo ainda as pistas de Kilomba, podemos inferir que,
como a interdição da boca dos corpos bio-designados negros estava ligada à constituição de um discurso
hegemônico não-negro no contexto da escravidão, a interdição do cu nos corpos adequados à norma
heterocissexista torna possível a manutenção do gênero como ideal regulatório atrelado à heterossexualidade como
regime político.”

§ 41 Gayatri Spivak: “No contexto da produção colonial, o sujeito subalterno não tem história e não pode falar.
[...] O subalterno como um sujeito feminino não pode ser ouvido ou lido. [...] O subalterno não pode falar.” (p. 67;
125; 126).

§ 42 Jota Mombaça: “Se consideramos uma teoria básica do som, no domínio da Física, temos um “espectro
sonoro”, que compreende o conjunto de frequências que podem ser produzidas pelas diversas fontes sonoras, em
relação ao qual o ouvido humano só consegue captar uma fração, precisamente a que vai de 20 a 20.000Hz. A essa
fração a física básica dá o nome de “sons audíveis”. Abaixo dos 20Hz há infrasons, e acima dos 20.000Hz
ultrasons. Inaudíveis, os infrasons e ultrasons não podem ser captados pela escuta humana, de modo que, em
relação a essas frequências, somos todxs como surdos. Isso não significa, de modo algum, que elas não existam,
que não se manifestem e não componham a paisagem sonora do mundo. [...] As falas subalternas, para a escuta
dominante, vibram como os infra e ultrasons para a escuta humana, fora do campo de audibilidade.”

10. Lidando com o racismo na Europa

§ 43 “Em primeiro lugar, o racismo é um problema branco, / Um problema da sociedade branca. / E, em segundo
lugar, não é uma questão ”Sou racista ou não”. / Essa não é uma questão que a pessoa branca deve fazer. / Mas,
sim, a questão: / “Como eu desconstruo meu próprio racismo?” / O dever das pessoas brancas- e o racismo é
definitivamente uma questão delas- é de tornar-se cientes de que elas são brancas. / E o que significa ser branco? /
O que esta branquitude encarna? / Encarna privilégio, encarna poder, encarna também poder e brutalidade. / Como
eu lido com todas essas partes da minha história? / Estas são as questões que as pessoas brancas precisam lidar. / E
este é um processo psicológico, eu penso, para as pessoas brancas quando elas começam a lidar como o racismo. /
Há como um encadeamento… um processo. / Primeiro estamos lidando com a negação dizendo “não, não é bem
assim, não sou branco, e não sou racista, sou diferente”. / Da negação, passamos a um outro momento de culpa,
culpabilidade. / Vem então um terceiro momento de vergonha. / E vem um quarto momento de reconhecimento. / E
então vem a reparação. / E a reparação só é possível… / Reconhecimento e reparação só são possíveis quando a
pessoa branca é capaz de se posicionar. / E esse processo descreve… / Esse é um processo branco. / Para as pessoas
negras, / Nossa tarefa é nos curarmos. / E como sobrevivemos e nos curamos? / Nos abraçando, cuidando bem de
nós, tomando a palavra, reconstruindo livros, documentando nossa história, falando, fazendo filmes… /
Construindo, recuperando o que foi perdido, reavendo o que foi tomado. / Ou recompondo a história, que é uma
história fragmentada. / É isto que estamos fazendo. / É como fazer um filme com pequenos fragmentos de imagens.
/ E na diáspora temos todos este pedaços fragmentados e estamos reunindo-os. / É assim que nos curamos. / Então
nós temos um processo diferente para sobreviver, temos um processo diferente para lidar.”

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