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Márcio Silveira
O Eunuco
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Agosto - 2018
© Copyright by, Márcio Silveira
Todos os direitos reservados, protegidos pela Lei
9.610/98. Nenhuma parte desta edição pode ser
utilizada ou reproduzida, em qualquer meio ou forma,
nem apropriada e estocada sem a expressa autorização
do autor.
ISBN: 978-85-67270-63-0
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SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS 7
PREFÁCIO 8
CAPÍTULO I
TRAIÇÃO E MORTE 9
CAPÍTULO II
O SÁBIO 26
CAPÍTULO III
OLHOS EM TODA A PARTE 37
CAPÍTULO IV
O PRIMEIRO MILAGRE 50
CAPÍTULO V
A DOR DE KABENNA 66
CAPÍTULO VI
OS SEPULCROS DE GHERALTA 113
CAPÍTULO VII
“EU SOU O QUE SOU” 126
CAPÍTULO VIII
O SEGUNDO MILAGRE 140
CAPÍTULO IX
A CAMINHO DE ROMA 163
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CAPÍTULO X
O PRESENTE DO REI LAGABORA 182
CAPÍTULO XI
O TESOURO DE MOFAR 204
CAPÍTULO XII
O TERCEIRO MILAGRE 225
CAPÍTULO XIII
FILIPE E O EUNUCO 240
CAPÍTULO XIV
O REENCONTRO 258
CAPÍTULO XV
O QUARTO MILAGRE 273
CAPÍTULO XVI
O GRANDE FAVOR DE DEUS 287
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AGRADECIMENTOS
7
PREFÁCIO
8
CAPÍTULO I
TRAIÇÃO E MORTE
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mares, transformar um povo, também poderia nos conceder
redenção e vitória. Nossa maior arma em muitos momentos foi
a fé. Mesmo agora, após todos esses anos, ainda sinto todas
essas miríades de emoções à flor da pele. Muitas das coisas que
vou relatar aqui foram fatos por mim presenciados e outros
tantos por outras pessoas e amigos mais próximos que em
algum momento puderam se maravilhar com a força
transformadora do amor e da perseverança. Então me deixe
iniciar os relatos a partir dos acontecimentos que
desencadearam nossa saga.
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e feijão. O grande obelisco no centro da cidade era a forma
imponente que traduzia a majestade do nosso reino. O palácio
era deslumbrante, cercado com jardins de toda a sorte de
árvores frutíferas, flores belas e todo o seu entorno era
perfumado pelo aroma que se desprendiam das mais belas
plantas. O Nilo “Azul” banhava nossas terras e transformava
nosso solo em terras férteis, nos dava os mais variados tipos de
peixes que ajudavam na alimentação de grande parte do povo.
Adorar o Nilo foi uma das heranças deixadas pelos egípcios,
além de seus deuses Amon e Apedemak. Os lagos Turkana e
Tana eram nossos maiores patrimônios naturais, pois banhavam
nossas terras altas e faziam com que nosso reino se expandisse.
Ao norte e sul tínhamos os Montes Batu e Talo, que serviam
como barreira física contra invasão de povos inimigos do reino.
A depressão de Afar e as montanhas Siemen eram
estrategicamente importantes, pois dificultava a locomoção de
homens sobre animais, haja vista, seu solo irregular e íngreme.
Nossa maior benção eram as chuvas que sempre na mesma
época do ano nos agraciavam com sua chegada e, sua partida
era sentida por todas as tribos e povos do nosso reino. Mas era
no palácio longe de todas as belezas naturais do nosso reino que
nossa história tomava forma.
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- Tenho tido maus pressentimentos ultimamente, sonhos que
me aprisionam dentro de um mar de angústias sem fim. Me
vejo juntamente com meu povo sendo levado a cativeiro pelos
romanos, muito sangue de inocentes, nossas terras sendo
queimadas e nosso palácio sendo habitado por toda espécie de
animais selvagens, simplesmente aterrador e isso me preocupa
demais. O que você acha, Mofar?
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ângulo de onde se olhava, dava a impressão que possuía um
olho só, como um ciclope. Porém o que mais chamava a
atenção eram seus dentes, que pareciam sempre prontos a nos
despedaçar e isso me causava muito medo.
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pensamento era infringir dor e pavor aos povos conquistados.
Era temido por sua maldade ímpar ao ponto de ser mal quisto
pelo próprio senado romano.
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rebelião contrária ao golpe da rainha Dawa. Começando pela
capital Axum, todas as grandes famílias importantes que aqui
residiam e que não concordaram com as imposições do novo
reinado e que de certa forma detinham riquezas foram
assassinadas, oficiais fiéis a rainha Shebelle e suas famílias
foram tirados de suas casas e mortos em plena rua. Todos os
que tentavam fugir da cidade eram capturados pelas tropas
romanas que esperavam ao lado de fora dos muros que
circundavam a capital e eram mortos ali mesmo. Antes do
amanhecer milhares de corpos estavam sendo queimados nas
diversas fogueiras espalhadas por toda a capital, Axum. A
barbárie fez verter sangue da nossa própria gente, as trevas
encobriram nosso céu, nossos jardins choravam através de suas
árvores que derramavam suas folhas como sinal de luto por
nosso povo, os gritos e gemidos ecoavam por milhares e
milhares de quilômetros.
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rainha Shebelle relutou bastante, mas concordou com o plano
desde que sua esposa Mille e seu filho recém-nascido fossem
juntos. O general acatou a vontade da rainha e se prepararam
para a partida.
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sendo poupados somente a rainha, sua filha e o general Ganale
Dorya. Outro ponto importante era que a esposa do general
Ganale Dorya deveria ser decapitada na frente de todos, pois a
rainha Dawa nutria muita inveja por ela, só pelo simples fato de
Mille ser a melhor amiga da sua irmã.
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obtiveram a vitória. Seguindo literalmente as ordens do general
Marcius, mataram todas as servas, servos, crianças e jovens que
estavam na companhia da rainha. Os sábios que aconselhavam
à rainha foram enterrados vivos e os anciãos simplesmente
foram enforcados. Tiveram suas vidas preservadas somente a
rainha e o general. Indagados sobre o paradeiro de uma serva
por nome Mille e da princesa Kabenna nada disseram e, tal
gesto deu início aos intermináveis castigos físicos e
psicológicos.
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nosso povo. E mesmo que tire minha vida, jamais lhe direi
onde elas estão. Faça o que tiver que fazer comigo.
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enquanto seu marido não retornasse para buscá-los, pois não
sabia quanto tempo ao certo iriam permanecer naquele local.
Os soldados haviam deixado uma boa quantidade de
mantimentos, além de uma cabra e certo valor em moedas que
poderiam ser usadas caso precisassem comprar algo nas vilas
mais próximas. Deixaram também roupas comuns e queimaram
tudo que os ligassem de certa forma a família real.
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a maior parte do tempo. No jardim encontravam-se além da
rainha Dawa, o seu conselheiro Mofar, o General Marcius, o
capitão Valerius, Erer que era o capitão da guarda e um
capataz. Os servos que presenciaram o que acontecera naquela
noite disseram que todas às rosas deixaram cair suas pétalas,
era como se elas chorassem por tamanha covardia e crueldade.
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Então possuída de extrema ira a rainha Dawa tomou a espada
do general Marcius e com um golpe decepou a cabeça da sua
irmã. A terra ficou escarlate, o sangue espargido sobre todos
que ali estavam impregnou não só às vestes mas também as
almas. O general Ganale Dorya chorava silenciosamente e
clamava aos deuses que multiplicassem seus dias na terra para
que pudesse ter vingança. Mas o general Marcius desejava
tirar-lhe à vida, porém a rainha o proibiu, permitiu que o
ferisse, mas não o matasse. O general Marcius segurou um
punhal e o colocou nas brasas dos fogareiros que iluminavam
os jardins do palácio e então ao rubor do metal incutiu-lhe nos
ouvidos, deixando-o instantaneamente surdo. Para concluir a
sádica sessão de tortura cortou a língua do general e jogou aos
cães que ficavam vigiando os jardins reais.
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condenados durante a audiência com a rainha. Era um lugar que
inspirava pavor, isolado da civilização, onde às temperaturas
giravam em torno de 50 graus durante o dia na superfície e
mais de sessenta graus no interior da mina, os cheiros de suor e
dos corpos que ficavam em estado de decomposição no interior
da mina se misturavam produzindo uma essência que os
prisioneiros colocaram o nome de “aroma de Duat”. O trabalho
exaustivo de até dezesseis horas por dia sem interrupções era o
que havia de pior naquele lugar esquecido pelos deuses, por
vezes, os prisioneiros eram acorrentados uns aos outros e
ficavam sem ver a luz do sol por meses seguidos. O índice de
mortandade era gigantesco e isso demandava um número maior
de condenados a fim de manter a cota de extração de ouro
diária. O calor era insuportável e a punição para quem tentasse
fugir das minas era a morte por desmembramento. Essa era a
razão pela qual a rainha poupou a vida do general.
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CAPÍTULO II
O SÁBIO
Dez anos se passaram desde que a rainha Shebelle foi morta e o
general Ganale Dorya fora mandado aos serviços forçados nas
minas de Gheralta, ninguém nunca mais havia tido notícias
dele, todos na capital do reino acreditavam que estava morto.
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Quando uma criança nascia com alguma deformação física, que
a impedisse de servir à rainha, eram realocados nas plantações
de milho e feijão e tidas como cidadãos de segunda categoria e
poderiam ser descartadas caso ficassem doentes ou impedidas
de trabalhar por algum outro motivo.
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as línguas predominantes e necessárias para que pudessem
desenvolver qualquer atividade comercial ou diplomática. Mille
achava essencial que elas aprendessem tais idiomas já que o
futuro era uma incógnita. Kabenna estava com 13 anos e a cada
dia que passava ficava mais parecida com sua mãe, a rainha
Shebelle. Por sua vez, Awash se tornava um jovem vigoroso e
destemido, era o responsável pela caça desde que atingiu seus
08 anos de idade; tornou-se um exímio arqueiro e desbravador
daquelas terras. A semelhança com seu pai era inacreditável, a
ponto de Mille lhe chamar de “generalzinho Ganale”.
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Aquela noite reservava uma grande surpresa a todos, seria uma
experiência transformadora e reveladora na vida de cada um,
algo que iria acompanhá-los pelo resto de suas vidas. Não era
uma noite comum, ela estava mais fria que de costume e
parecia que os animais e todos os insetos que viviam naquele
habitat haviam desaparecido, até o vento não se fazia presente.
Aquele silêncio era simplesmente aterrador. Mas foi o som de
batidas na porta que causou maior espanto em todos, afinal
ninguém nunca havia ido ali naquele lugar, ninguém sabia da
existência daquela cabana no meio do nada. Todos ficaram
relutantes em atender ao chamado e seus olhares se cruzavam
como se perguntassem o que deveriam fazer naquele momento.
Mille segurou-os fortemente em seus braços e gesticulava para
que não emitissem som algum, mas novamente os sons das
batidas penetravam aquela sala, feria-lhes os ouvidos e então
num ato de extrema coragem Awash se desprendeu de Mille e
atendeu à porta.
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dar descanso ao meu burrico. Posso pagar pela hospedagem
caso desejar. Seus pais estão em casa?
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eram tão limpas que deixaram todos envergonhados. E era um
homem com uma voz tão doce e meiga, tinha tanta educação
que fez Mille se lembrar da época em que vivia no palácio da
rainha. Devia ter já certa idade, mas não aparentava ser muito
velho.
- Mas me fale de onde o senhor vem e pra onde está indo a esta
hora já bastante avançada?
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- Me perdoe, me chamo Mille e estes são a pequena Kabenna e
o menino ali naquele canto é o pequeno Awash, mas agora, por
favor, coma e descanse um pouco, vejo que o senhor é uma
pessoa honrada e é bem-vindo em nossa casa. Vou providenciar
água e um local para que repouse e amanhã caso queira partir
estará com suas energias restabelecidas.
- Sente aqui ao meu lado jovem senhor. Este rolo aqui contém
salmos que foram escritos por pessoas muito importantes e que
pertenciam a outro povo. Foram homens guiados e inspirados
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por Deus, pessoas que tiveram uma missão e a realizaram
mesmo com o sacrifício da própria vida. Foram homens como
Abrão, de sua descendência surgiram vários povos, dentre eles,
o povo israelita e ismaelita. Seu filho Isac e Jacó, seu neto.
Moisés, o Rei Davi e Salomão, seu filho, por exemplo. Moisés
há muitos anos atrás sob a proteção e direção de Deus libertou
seu povo da opressão egípcia e para isso o Altíssimo fez as
águas do Mar Vermelho se abrirem diante dos olhos de todos.
Davi foi o maior rei que o mundo já viu, homem segundo o
coração de Deus. Aqueles outros rolos ali nas cestas presos ao
burrico são de um profeta chamado Isaías e são o que possuo de
mais precioso aqui nesta terra.
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- Nobre Senhora, jovem Awash e senhorita Kabenna, saibam
que os levarei sempre na minha memória e em meu coração e
um dia algo me diz que iremos nos encontrar novamente.
Desejo que o Deus Altíssimo os guarde e os guie em suas vidas
e agradeço por dias tão maravilhosos. Awash lhe entrego esta
missiva e se um dia precisar use-a para me encontrar, nela está
escrito o meu nome e meu selo dirá de onde e quem sou, é
prova da inestimável amizade e carinho que sinto por todos
vocês.
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CAPÍTULO III
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Após cinco dias de viagem avistou uma pequena vila que ficava
próxima ao Vale da Grande Fenda. Como já estava escurecendo
decidiu passar a noite ali e ir ao vilarejo somente ao amanhecer.
Mille não sabia o que tinha acontecido, mas ficou com medo de
perguntar a alguém o porquê de todo aquele caos. Continuou a
caminhar pela cidade e logo avistou um vendedor de sementes
e fez negócio com ele, contudo não encontrava nenhum animal
a venda.
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- Porque andas sozinha pelas ruas, onde está seu marido
mulher?
Com medo de dizer que estava sozinha falou ao homem que seu
marido estava bebendo em um bordel próximo à entrada da vila
e que a pediu para procurar o animal enquanto se divertia
naquele lugar.
- Minha placa meu senhor foi perdida nas últimas chuvas que
atingiram nossa região e quando em um ato de desespero tentei
salvar nossos animais da enchente, a perdi, porém todo o meu
esforço foi em vão. Mas meu marido irá providenciar outra. Ele
está embriagado naquele bordel mais na entrada da cidade e me
pediu que viesse procurar outro animal para substituir o que
perdemos.
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- Para fazermos negócio terei que subornar os guardas,
adulterar os livros e claro acrescentar a minha comissão. Então
pelos meus cálculos isso iria lhe custar quatro moedas de prata.
Claro que se esta quantia for muita pra você é melhor ir embora
e chamar o seu marido.
- Não meu senhor, eu compro aquela cabra que ali está pelo
valor que pediste. Aqui estão às quatro moedas e lhe agradeço
por mim e por meu marido.
- Minha mãe senti muito sua falta e pedia ao Deus que Gaspar
orava para lhe proteger em todos os seus caminhos e vejo que
Ele atendeu minhas orações. Como é bom sentir seu abraço.
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Na capital do reino Dembi tentava adentrar ao palácio para
comunicar o que havia descoberto e após falar com alguns
soldados que lá faziam a guarda foi encaminhado ao
comandante Erer. Então após ser recebido pelo comandante
colocou-se a contar-lhe tudo o que acontecera. Imediatamente o
comandante Erer solicitou uma audiência coma rainha Dawa.
- Ele não quis me dizer minha rainha. Acho que é algo muito
importante.
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Enquanto o povo chorava por seus velhos e suas crianças que
mal tinham forças para se levantarem de seus leitos por não
terem quase nada para se alimentar, a rainha dava banquetes
para uma classe abastada do reino.
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Deus que ele sempre lhe falara. Ainda tinha muita curiosidade
por saber mais sobre Ele.
Mas o pior estava por acontecer com ele, sua mãe e Kabenna.
No meio da noite grande barulho se fez ao redor da cabana
acordando a todos. Olhando pelas frestas da cabana Awash
pôde ver que havia muitos guardas com tochas e prevendo que
algo ruim estava prestes a acontecer escondeu sob o piso da
cabana a carta que seu amigo Gaspar havia lhe dado. Em um
ato de coragem segurou sua mãe e a princesa pelas mãos e
saíram, pois a fumaça já começava a sufocá-los. Uma voz
exigiu que todos se calassem e o silêncio tomou conta do lugar,
só se ouviam a respiração dos animais. Então a rainha Dawa
desceu de sua liteira e se aproximou deles.
- Não rainha! Eu lhe suplico que não lhes façam mal. Senão
fosse por Mille não conseguiria ter sobrevivido e Awash é meu
amigo. Se for fazer-lhes mal é bom que reserve a mim o mesmo
tratamento. Exclamava a princesa Kabenna.
O PRIMEIRO MILAGRE
O caminho era tortuoso e a distância a ser percorrida era
inatingível para uma mulher e uma criança, ainda mais com
suas mãos atadas e seus pés descalços. A cada passo que davam
as palavras de incentivo e de amor de Mille direcionadas a
Awash o faziam continuar. Durante três longos dias
caminharam durante o dia todo e só paravam ao cair da noite. O
sofrimento era tão grande que Awash sentia convulsões e sua
mãe impotente diante daquele cenário procurava consolá-lo.
- Mãe, não consigo mais caminhar, acho que vou morrer. Meus
pés sangram, meu corpo não aguenta mais tanto esforço. Não
fique triste por mim, pois a senhora foi a melhor mãe que um
filho poderia ter. Lamento apenas não ter conhecido meu pai,
mas meu coração está preparado.
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lhe falara por diversas vezes e então em total submissão orou a
Deus.
- Deus que não sei o nome; Deus que conheci através do meu
amigo Gaspar, te rogo que preserve a vida do meu filho e a
minha se for possível. Responda a mim se realmente existires e
saberei que tu és o único Deus a quem devemos adorar.
Compadece-te desta criança meu Senhor.
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- Então minha rainha Dawa como foi à viagem? Encontrou o
que procurava?
- Kabenna! Que bom que você está bem. Senti saudade de você
e das nossas conversas. Mas saiba que Gaspar estava certo. Um
dia irei lhe contar o que aconteceu e saiba que não há outro
Deus como o que nos acompanhou até aqui.
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- Me perdoe meu general e minha rainha, mas já estive lá e não
me pareceu o lugar ideal para infringir sofrimento insuportável.
Indico um lugar que é o inferno na terra, lá a morte é desejada,
contudo difícil de ser encontrada, o ar é rarefeito e as doenças
são constantes. Chama-se Tullianum ou simplesmente Prisão
Mamertina em Roma.
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- Minha rainha, como posso eu opinar sobre a vida de um deles,
haja vista, que são meus amigos e os amo de igual modo. Não
me sobrecarregue com tal fardo.
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pedia que não fosse, tentava sentir um pouco mais o toque, o
cheiro e o olhar de carinho de sua mãe. Mas sabia que o
afastamento era inevitável.
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Mas Awash nada respondia e mal lhe olhava nos olhos, porém
percebia-se que seu olhar mudava somente quando a princesa
Kabenna e sua acompanhante Wajja passavam ao largo do
jardim. Era expressamente proibido que qualquer escravo
dirigisse a palavra a qualquer membro da realeza sob pena de
ser penalizado com cem chibatadas.
- O que você quer comigo? Não sei do que está falando, talvez
isso seja fruto da sua imaginação.
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- Não sou seu inimigo, fique tranquilo. Mas se não quer
conversar está tudo bem. Adeus!
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- Aqui estou rainha Dawa. Peço que desculpe os trajes do seu
servo pois é o mesmo desde que cheguei aqui. Gostaria de me
apresentar com uma aparência melhor perante Vossa Alteza.
Awash sabia que na realidade ela não queria figos, ela queria
simplesmente puni-lo na presença da princesa Kabenna, não
importando qual figo levasse. Então ao invés de figo escolheu
rosas.
- Não entendeu que pedi figos escravo insolente? Por que vem a
mim com flores? Bradava em alta voz a rainha Dawa.
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ousadia levará trinta chibatadas por não ter trazido os figos e
mais trinta por ter reclamado de suas roupas.
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- Arrume outro energúmeno e coloque no lugar, Mofar. Acho
que em um reino deste tamanho isso não deva ser problema.
Qual não foi a surpresa quando viram que o escravo que havia
sido trazido por ele era na verdade o jovem Awash, filho
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bastardo da prisioneira Mille que havia sido enviada à morte
pela rainha Dawa.
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nesta função poderei desempenhar e desenvolver um excelente
trabalho.
Awash nunca esqueceu o que seu amigo havia feito por ele e
prometeu que sempre iria ajudá-lo até o dia em que fossem
livres novamente. Ele se lembrava constantemente da sua mãe,
de Gaspar e da princesa Kabenna. A imagem da sua mãe sendo
levada permaneceria marcada na sua mente assim como as
marcas dos chicotes que carregava. Mesmo sendo ainda uma
criança orava em silêncio ao Deus que não sabia o nome mas
que os haviam livrados das garras da morte naquela viagem
pelo deserto. Não sabia o porquê da sua ajuda mas tinha plena
convicção de que um dia iria conhecer mais intimamente o
Deus do seu amigo Gaspar.
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CAPÍTULO V
A DOR DE KABENNA
Nos salões do palácio a princesa Kabenna estava sendo
preparada para se tornar mulher e a paciência da rainha girava
em torno disso. Contava com ela para lhe gerar um herdeiro e
após emprenhar, dar à luz e assim que a criança desmamasse
ser finalmente tratada como escória ou quem sabe lhe reservar
algo ainda pior ao que foi destinado a sua mãe. A todo o
momento a rainha procurava saber com a serva Wajja sobre as
condições em que ela se encontrava e ela sempre persuasiva
convencia a rainha que o momento ainda não era o ideal.
Contava com a sorte, pois o reino estava sendo invadido por
tribos que vinham do sul e a atenção da rainha estava voltada
para a resolução dessa questão.
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famílias poderiam estar novamente juntas. E naquele momento
percebeu que sentia algo diferente por Kabenna, só não sabia
explicar o que aquele sentimento significava na verdade.
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das barracas de iguarias eram simplesmente maravilhosos.
Chocou-se com homens se digladiando em meio a uma roda de
pessoas que pareciam incentivar aquele tipo de barbárie e
percebeu que por dinheiro o homem era capaz até de matar
gente do seu próprio sangue. Não entendeu aqueles lugares que
pareciam oferecer à venda meninas jovens como se fossem
mercadorias e muitos homens e até mesmo anciãos tocavam-
lhes o corpo e beijavam seus lábios. Eram crianças talvez só
com um pouco mais de idade que ele. E muitas vinham até o
senhor Rahad e ofereciam serviços em troca de algum dinheiro.
Só mais tarde entendeu do que se tratava. A quantidade de
imagens de deuses era gigantesca, em cada esquina havia
lugares em que se entregavam oferendas, queimavam alguma
espécie de incenso e realizavam sacrifícios de animais. O
senhor Rahad lhe dissera que quando a rainha Shebelle estava
viva a cidade não era daquele jeito, havia decência entre os seus
cidadãos e o comércio se dava de forma ordenada. Existiam
pouquíssimos pedintes, pois a maioria das pessoas possuíam
terras e plantavam seu próprio alimento. Não existiam tantos
deuses como agora e os sacrifícios e as ofertas eram feitas em
lugares próprios fora da cidade. Enquanto retornavam foi
afetado pela visão mais aterradora que tivera até aquele
momento, viu corpos de crianças, jovens e velhos serem
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empilhados e queimados sob a luz do sol. Aquele cheiro
adocicado que se espalhava pelo ar ficou impregnado em suas
narinas e a lembrança daquele cenário atormentou-o por muitos
anos.
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- Mofar me chame aqui à serva Wajja e me traga também o
comandante Erer. Mais uma coisa, como transcorreu a rotina da
capital e do palácio em minha ausência?
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- Chega de tergiversar serva miserável. Toda vez que ordeno
algo você tenta me dissuadir, acha que realmente podes tu me
enganar? Por sua afronta terá um castigo. Comandante Erer
pegue sua espada e decepe os dedos da mão desta escrava
deplorável. E que isso lhe sirva por sinal, só não lhe mando
tirar a língua porque preciso que me informe como as coisas
estão indo com a princesa Kabenna.
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- Princesa Kabenna com licença minha senhora. Infelizmente
sou portadora de más notícias. Hoje a senhora receberá a visita
de um varão escolhido pela rainha Dawa e ele lhe fará mulher.
Perdoe-me por chorar diante de ti, mas sinto que esta noite será
de tormento para todos nós e muito mais a ti.
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A rainha Dawa ofereceu naquela noite uma grande festa no
palácio e uma estátua do deus Baco foi colocada no meio do
salão principal e desejou que todos os convidados se
embriagassem e se divertissem, pois iriam comemorar a
iniciação da princesa Kabenna. Ordenou que o comandante
Erer levasse seu amante aos aposentos da princesa e que lá
permanecesse ao lado de fora da entrada do aposento até que o
ato fosse consumado.
- Soldado preste atenção ao que vou lhe falar antes que você
entre por esta porta. Ela é apenas uma criança, pense bem, não
precisa fazer isso, mas se você estiver realmente decidido em
perpetrar tal ato de insanidade saiba que se machucar a princesa
eu vou te matar, está me entendendo?
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princesa. Seu choro, sua dor e sua vergonha eram
compartilhados por boa parte da criadagem do palácio. Mas
agora após ter violentado a pobre criança o soldado batia a
porta para que a abrissem e o deixassem sair.
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correr pelos corredores do palácio a fim de chamar o médico
real enquanto Wajja tentava consolá-la.
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De certa forma foi feita justiça por parte do comandante Erer e
aquele soldado além de pagar por seu crime, após algumas
horas de sofrimento teve sua garganta cortada e seu corpo
descartado como lixo.
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ia ter com o seu amigo Ubbi- Ubbi nos jardins do palácio e ali
conversavam sobre muitas coisas e perguntava se havia tido
notícias da princesa Kabenna.
- Minha rainha eis que estou com as pessoas que me pediu que
trouxesse. São o que há de pior no reino e garanto que nem o
submundo é o pior castigo para eles. Não sentem dor, nem
remorso e farão o que lhes for mandado.
- Por que sente tanto ódio por mim rainha Dawa? Ou esse ódio
talvez não seja por mim, mas pela minha mãe? Saiba que irei
suportar tudo aquilo que me impor e vou além, irei sobreviver a
cada castigo que me infringir e meus dias nessa terra serão
multiplicados por Deus e verei minha felicidade através da
minha descendência que não virão destes homens, mas daquele
que Deus escolher para caminhar ao meu lado. Lhe digo mais,
os seus dias jamais terão luz e as suas noites jamais lhe trarão
descanso.
- Faça-a entrar Mofar. Pois bem seus porcos façam tudo o que
desejarem com elas, porém só não lhes tirem a vida.
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- Por que está fugindo de mim escravo? Algo lhe assusta? Diga-
me a verdade ou mandarei açoitá-lo.
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- Nada que se deva preocupar nobre comandante.
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E assim foi feito. Anos se passaram e a rainha Dawa se tornara
uma pessoa ainda mais inclemente, seus atos já beiravam o
limite da sanidade e problemas de saúde começavam a lhe
causar preocupação. Os valores empreendidos com festas no
palácio ultrapassaram todos os limites e o reino já demonstrava
entrar em declínio. Seu conselheiro Mofar agia nas sombras
tentando de alguma forma manter intacta a figura imponente da
rainha ocultando seus atos de loucura. Seus aliados após breve
ida à Roma regressaram ao reino de Abissínia empossados em
novos cargos. O Centurião Valerius Curius fora promovido a
graduação de general e comandante de todas as tropas do
império nestas terras e o general Marcius, fora elevado ao posto
de governador e representante do senado romano, tendo toda a
autoridade necessária para conduzir a política local e
respondendo diretamente ao imperador César. O comandante
Erer se tornara uma resistência oculta aos planos da rainha
Dawa, muitas vezes sabotava-os com o auxílio de outros
oficiais e já não via sentido em tais ordens emanadas pela
rainha e a atual dúvida que permeava a sua mente pairava sobre
a sanidade da soberana do reino.
-Mestre Rahad sei que não aprova tal atitude da minha parte
mas compreenda que faço isso por uma causa maior, que ajo
assim pelo bem do nosso reino. Tudo o quanto conseguirmos
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guardar nos ajudará um dia a comprar apoio de outros povos
afim de destituir essa tirana do trono, trono que ela usurpou da
sua irmã e da legítima herdeira, a princesa Kabenna.
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nascera lá atrás nas florestas do Monte Batu amadurecera e
resistia aos ataques praticados pela rainha e seus asseclas. Por
mais que seus ouvidos não ouvissem os fonemas que
formassem a palavra amor eles já imaginavam o som produzido
por seus lábios. Precisavam se encontrar pessoalmente para
poderem dizer o que sentiam e o que gostariam de fazer. Talvez
planejassem fugir para longe, distante da crueldade da rainha e
de tudo o que ela representava. Mas com certeza tinham que
arrumar uma forma de se verem.
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gemidos e gritos de pavor, estrondava fortemente o nome da
rainha Shebelle e em seu delírio pedia que não a matasse.
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que estava prestes a dar à luz. Não a haviam mandado embora
pois era uma das moças mais requisitadas pelos frequentadores
do estabelecimento. Colocaram-na então sobre o cavalo e
rapidamente voltaram ao palácio.
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receba estes sacrifícios. Tragam vida a rainha Dawa e
restaurem sua saúde.
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A atmosfera foi envolta pelo sentimento mais nobre que habita
no coração do homem, parecia que os animais haviam
silenciado e apenas observavam e desejavam que aquele
momento pudesse durar uma eternidade. Cuidadosamente seus
lábios se tocaram e o amor se materializara, estavam presos um
ao outro, nada ao redor lhes importava mais, só aquele instante
tinha significado. E conversaram abraçados sentados no chão
junto ao feno. Era a primeira vez que conjecturaram acerca do
futuro, sobre seus sonhos e seus anseios. O momento que já
durava algumas horas foi interrompido pela sua serva Wajja
que solicitou a princesa que se apressasse, pois a hora já era
avançada.
92
Awash aguardou ainda alguns minutos e nesse interim sonhava
com os olhos abertos e finalmente o sorriso lhe veio à face e
seus olhos brilharam como fogo e suas mãos suavam como a
corredeira de um rio.
94
tanto que muitas mulheres grávidas tentaram fugir para outras
terras, mas encontravam a morte ao tentar cruzar o Nilo ou o
deserto e quando eram capturadas encontravam seu destino no
lugar das oblações que ficava nos jardins do palácio.
95
- Pois bem minha rainha, eles confabulavam em descobrir uma
forma de lhe tirar a vida para que ela assumisse o trono de
vossa majestade. Intentava envenenar a soberana da Abissínia.
96
- Princesa Kabenna, com licença! Posso adentrar no seu
aposento?
97
medo disse aos soldados que ele se encontrava no seu aposento
e que eles nada tinham a ver com o que ele tivesse feito.
98
a dor por vezes o fazia desmaiar, mas ele não pranteava.
Esperaram ele despertar e colocaram o ferro em ponto de rubor
e esticando seus braços seguraram suas mãos com as palmas
viradas para cima e então com o metal incandescente
queimaram-nas. Seus gritos fizeram com que os prisioneiros
que ali se encontravam pedissem que os soldados parassem
com aquilo, pois iriam acabar matando o homem. Depois de
encerrada aquela sessão de horror jogou-no na cela.
Sob forte dor ele orava ao Deus que lhe havia poupado e
sustentado e pedia que não o deixasse morrer ali, que o fizesse
forte para resistir e pudesse cumprir sua missão aqui nesta terra,
seja ela qual fosse.
99
audiência aos seus súditos e decretava seu veredicto aos servos,
escravos e prisioneiros.
100
e seus olhos vertiam-se em lágrimas. A rainha Dawa então
começou a desferir seu fel.
101
- Escravo Awash quero que veja o que farei com sua adorada
princesa, essa árvore infrutífera que não serve para nada. E lhe
aviso, se acaso desviar seu olhar irei cegá-lo me entendeu?
102
astúcia passou a navalha na cabeça da princesa e nem um fio ali
restou.
- O que falaram naquela noite nada teve a ver com você! Digo
você porque não é rainha e nunca será como sua irmã a rainha
Shebellle. Você matou a sua irmã por inveja e seu sangue está
em suas mãos e um dia a justiça se fará!
103
remuneração. Os soldados a seguraram e arrancaram fora a sua
língua e em seguida a jogaram do alto do palácio e ali ela
encontrou a morte.
- Mas antes de levá-la quero que presencie algo mais. Olhe bem
para isso princesa Kabenna.
104
prazer que o sexo proporciona ao homem. Será para sempre um
EUNUCO enquanto respirar.
- Olá nobre amigo! Lamento muito por tudo isso que lhe
aconteceu. Queria tanto poder lhe ajudar mais.
- Mestre Rahad muito obrigado por tudo que fez por mim. Deus
através do senhor preservou minha vida e preciso ainda de mais
um favor do senhor...
106
Rahad compreendeu e concordou com o que Awash havia lhe
pedido e ao se retirar daquele lugar fez tudo conforme haviam
planejado.
107
Acorrentaram a princesa e a colocaram sobre uma carroça e
seguiram viagem pelo Vale do Omo por um caminho estreito e
de difícil locomoção. Tal caminho escolhido pelo general
Valerius Curius era evitado por ter muitos costões rochosos e
uma população muito grande de escorpiões além de ser uma
terra árida demais. Mas via nesse caminho mais uma forma de
impedimento a qualquer um que quisesse intentar algo contra
ele e sua escolta.
108
espias que eles se aproximavam, montou em seu cavalo e pôs-
se no meio da estrada.
- Não me faça rir comandante Erer, acho que você e seu amigo
aí ao seu lado não conseguirão ir contra mim e meus soldados,
haja vista, que estamos em maior número.
109
- General Valerius Curius bem sabes que sou um homem
honrado e lhe digo aqui e agora que se me entregar a princesa
Kabenna podereis seguir em paz ao seu destino.
- Por que não cumpriu com sua palavra? Vocês irão todos
morrer! Sussurrava o general Valerius.
110
Foram então na direção da princesa Kabenna para verificar
como estava.
111
estar precavidos porque a rainha possuíam espiões em todo o
reino.
112
CAPÍTULO VI
OS SEPULCROS DE GHERALTA
- Onde está o escravo por nome Awash carcereiro?
- Vá e busque-o imediatamente!
113
tendo recebido cuidados médicos de um amigo de Rahad. Não
sabia se chegaria ao seu destino vivo, mas lutava contra todos
os prognósticos que fossem contrários à sua sobrevivência.
115
Os soldados acompanharam Borkana até o local onde haviam
escondido os desvios dos impostos, porém ao vasculhar o lugar
não conseguia encontrar nada e continuou até que o sol se pôs.
Já exausto de tanto procurar começou a entrar em desespero
pois sabia que o ouro e as pedras estavam ali mas não sabia o
que acontecera. Solicitou mais algum tempo aos soldados e
permaneceu em grande aflição, pois a hora já era avançada.
Finalmente os soldados o fizeram parar e retornaram ao
palácio.
116
parte e nada encontrei, mas tenho plena certeza de que era lá
que o haviam escondido.
117
- Tragam-no até aqui. Rahad este homem aí ao seu lado é seu
filho Borkana?
- Seu filho nos disse que você e o escravo por nome Awash por
anos desviaram recursos oriundos de impostos e esconderam
em um lugar. Isso é verdade?
- Ah meu amado filho, o que você foi fazer? Por que disse tal
coisa à rainha? O que você esperava receber em troca por
inventar tal calúnia contra seu pai, logo o seu pai que sempre te
amou?
- Minha rainha Dawa faça comigo o que tiver que fazer mas
poupe a vida do meu filho. Ele foi inconsequente e esperando
alguma benesse de sua parte fabulou tal história.
118
- Se isto que me disseste for verdade ele merece uma punição
severa, Rahad. Tem algo a me dizer Borkana?
- Minha rainha, eu lamento muito, mas nada sei sobre tal desvio
de recursos. E saiba que eu te amo muito Borkana, meu filho!
119
Entretanto, foi durante os cuidados médicos mediante a suborno
que Rahad havia conseguido para Awash que foi resolvido que
todos os bens desviados durante os anos que passara como seu
auxiliar direto deveriam ser mudados de lugar pois Awash
desconfiava que alguém poderia querer traí-los. Então Awash
pediu que Rahad procurasse seu amigo Ubbi-Ubbi e explicasse
a situação e o encarregasse de fazer o traslado de tudo o que
tinham conseguido até aquele momento. E assim foi feito e por
causa dessa atitude a rainha Dawa não conseguiu êxito em
encontrar o que lhe haviam tirado.
120
alguma forma sabia que a princesa Kabenna iria precisar da sua
ajuda um dia. Entristecia-se sabendo que não mais poderia ser
homem para ela, mas se contentava em ser seu amigo mesmo
que tal fato lhe ferisse a alma. Imaginava outro homem ao seu
lado, mas tentava superar tais sentimentos e focava no bem
maior dela e do reino. Depois de dias em uma viagem em que
muitos ficaram pelo caminho finalmente chegaram ao seu
destino. A visão daquele lugar era desoladora e a primeira
impressão que teve era de que não duraria mais que alguns dias
naquele inferno. Mas Deus reservava planos extraordinários
para ele e outros que ali pereciam sob o rigor e crueldade dos
soldados da rainha.
- Sim Senhor!
121
possuía somente um elevador que era içado e quando chegava à
superfície retiravam os corpos daqueles que morreram no seu
interior e somente depois abaixavam com outra leva de presos
para ocupar o lugar dos que se foram. O elevador era preso por
cabos enormes e seu acionamento era feito por uma roda de
pedra com um furo ao centro preso a um tronco bem grosso de
madeira. Quando queriam descer giravam para um lado e
quando fossem içar giravam no sentido contrário. Por mais
extenuante que aquele trabalho fosse, somente prisioneiros
selecionados meticulosamente trabalhavam ali, pois era
infinitamente melhor do que viver no interior da mina sem ver a
luz do sol e respirar ar fresco.
122
- Deixe que o prisioneiro entre. Não posso lhe dar bom dia,
tarde ou noite porque não sei que horas são e nem lhe desejar
sorte porque aqui ela não será suficiente para lhe garantir
permanecer vivo. Trabalhe sempre e descanse nas horas que
puder e se alimente quando tiver o que comer. Nas horas do
revezamento você pode descansar no alojamento que fica no
final deste nível, se for pego lá sem autorização sua punição é a
morte. Compreendeu?
- Olá meu amigo, tudo bem com você? Chamo-me Lesser Abay
e poderia saber qual o seu nome?
- Não quero parecer mal educado mas esse tempo precioso que
temos aqui no alojamento precisamos usá-lo para descansar um
pouco, me desculpe.
125
CAPÍTULO VII
- Ubbi-Ubbi é você?
- Mas como isso é possível? Como posso ter certeza que você
fala a verdade?
126
- Ele mandou dizer que se você não acreditasse era para lhe
informar que foram você e Wajja que marcaram o encontro
entre a princesa e Awash naquela noite e que o encontro
ocorreu no estábulo. Se acredita no que digo é para estar
amanhã bem cedo no mercado central que um soldado da
confiança do comandante Erer irá lhe encontrar e leva-lo até
onde eles estão.
- Bom dia senhor! Poderia me passar essa talha ao seu lado para
que possa saciar um pouco a minha sede?
127
própria princesa Kabenna. Ao avistar que seu amigo atendera
ao pedido do comandante Erer saiu em direção a ele.
128
tive notícias acerca dele, estava nas masmorras do palácio e
posteriormente passados alguns meses procurei saber com
alguns criados, mas nada de concreto só suposições.
- Minha princesa por tudo o que lhe foi feito acho pouco
provável que ainda esteja vivo seus ferimento eram bastante
profundos.
129
masmorras do palácio. Eles haviam desviados uma grande
quantia de ouro e pedras preciosas dos tesouros reais e
escondido em um lugar seguro, porém Awash achou melhor
que transferissem os montantes de lugar e pediu que Rahad me
procurasse. Ao me encontrar nos fundos do jardim me revelou
o que haviam feito e me pediu que achasse um lugar para
guardar tal tesouro e solicitou discrição e pressa, além de
absoluto segredo acerca do assunto e o novo lugar escolhido
por mim só seria de conhecimento de nós dois. Assim eu fiz.
130
viagens carregando uns quatro sacos por vez. Então próximo ao
antigo local onde estava escondido o tesouro tem uma estátua
erguida em homenagem ao deus Apedemak, foi exatamente a
cem passos na direção da sua fronte que o enterrei novamente.
131
- Não me incomoda e gostaria de lhe pedir minhas mais
sinceras desculpas pela última vez. Chamo-me Awash e venho
de Axum, capital do nosso reino. E esse ambiente aqui é
insuportável meu nobre amigo. Mas me revele qual é o seu
nome, porque foi mandado para cá e de onde vem?
132
povos que frequentavam o lugar. Porém quando os soldados da
rainha voltaram e nada encontraram em nossos depósitos já que
havíamos negociado o fruto da colheita tempos atrás, ficaram
furiosos. E como punição me prenderam ao carro de bois e me
puxaram por toda a plantação. Meu filho tentou correr para me
soltar e foi morto pelos soldados, minha filha pequena e minha
esposa foram decapitadas ali na minha frente. Então ao me
soltarem consegui tomar a espada de um dos guardas e matei
três dos soldados que assassinaram a minha família. Porém,
como eram em grande número conseguiram me desarmar e me
surraram ainda mais. Todavia, o capitão que os acompanhava
não permitiu que me matassem, pois meu destino seria o pior
lugar da face da terra. E aqui estou eu. E qual é a sua história
nobre amigo Awash?
- Minha mãe era muito amiga da rainha Shebelle e meu pai foi
um grande general de guerra chamado Ganale Dorya,
infelizmente não cheguei a conhecê-lo, pois segundo relatos foi
morto numa emboscada feita pelos soldados da princesa Dawa.
Soubemos que a princesa Dawa matou a sua irmã a rainha
Shebelle e tomou o seu lugar como soberana da Abissínia. Na
época meu pai pressentindo que algo estava para acontecer
enviou a mim, a minha mãe e também a princesa Kabenna para
uma região no Monte Batu e permanecemos lá por muitos anos
133
até a rainha nos encontrar. Minha mãe foi enviada a uma prisão
em Roma e eu e a princesa Kabenna fomos mantidos no
palácio. Após isso só nos restou a dor e os raros momentos de
felicidade que ficaram guardados em nossas lembranças. Meu
sofrimento nunca terá fim creio eu, mas isso é algo que não
desejo compartilhar com ninguém.
- Não desanime, pois creio que Deus não permitiu que morresse
porque ainda não era chegado o seu tempo. Talvez Ele tenha
um grande desafio preparado para você.
134
da sua criação porque intentava destruir os homens pois tais se
afastaram e praticaram todos os tipos de ofensas contra Ele.
- E você sabe qual é o nome desse Deus? Mas antes que Lesser
Abay respondesse foram surpreendidos por um guarda.
- Não consigo Lesser Abay. Vá você antes que não haja tempo
de subir no elevador.
135
- Jamais lhe deixaria aqui para morrer neste lugar meu nobre
amigo Awash. Ajude-me a lhe colocar de pé e deixe que o
restante eu faço. Caminharei até aquela saída por nós dois.
136
Deus e toda vez que ele subia das minas passava o seu dia na
companhia do velho homem. Explicou ao ancião o tipo de
ferimento do seu amigo e então ele lhe preparou um composto
de ervas para colocar no local do ferimento e outro para que
pudesse ingerir.
138
não sei o nome e esse mesmo Deus livrou a mim e a minha mãe
das garras da morte no deserto. Qual é o seu nome?
- “EU SOU O QUE SOU” foi o nome dado pelo próprio Deus a
Moisés. Benjamim se referia a Ele como Yahweh. Depois
aquele senhor me falou de grandes reis e profetas que
prediziam a vinda de um “Messias” que iria salvar o seu povo.
Tudo o que ele me falou naquela noite me fez acreditar e passei
então a cultuar este único e maravilhoso Deus.
139
CAPÍTULO VIII
O SEGUNDO MILAGRE
Na capital do reino, a rainha juntamente com o apoio do
governador Marcius reuniu uma grande tropa para caçar o
comandante Erer e recapturar a princesa Kabenna. Iriam se
dividir em duas grandes frentes, uma iria em direção ao norte
chefiada pela rainha Dawa e outro destacamento seguiria rumo
às terras que ficavam mais ao sul, comandadas pelo seu novo
chefe das tropas, o comandante Hawadi. Queria aproveitar tal
incursão para poder observar como andavam a fidelidade dos
seus súditos e o recolhimento dos impostos, queria se certificar
de que não haveria mais fraudadores. Mofar iria ficar
responsável por conduzir os assuntos do reino na capital
durante a sua ausência.
140
Após alguns meses a rainha Dawa e seus exércitos regressaram
a capital sem conseguir, entretanto descobrir a localização da
princesa Kabenna e do comandante Erer.
141
encontrariam em um determinado ponto. O comandante Erer
levaria Ubbi-Ubbi com ele em seu cavalo e o local escolhido
para se reunirem seria próximo ao antigo templo erguido à
Apedemak. Ubbi-Ubbi então iria pela mata sozinho até o
tesouro e após desenterrá-lo daria um sinal para que
começassem o transporte. E após cada qual tivesse carregado
seus cavalos com os sacos retornariam, mas o comandante Erer
e Ubbi Ubii seriam os últimos a deixarem o lugar. No dia
seguinte se reuniram com a princesa e se despediram e foram
rumo ao seu destino. Após alguns dias de viagem todos haviam
chegado com segurança no lugar combinado.
- Chegar até aqui foi a parte mais fácil, porém agora peço que
todos tenham a atenção redobrada, qualquer descuido poderá
ser fatal. Ubbi-Ubbi estabeleceremos por sinal o som do
Marabu, pois é inconfundível. Quando estiver tudo às claras
basta assoprar neste pedaço de madeira que imita o som da ave
e saberemos que poderemos avançar e faremos de maneira
ordenada, de um em um avançaremos até você e no mesmo
instante após carregar os animais partiremos sem olhar para
trás. Orientava o comandante Erer.
142
Ubbi-Ubbi caminhou até o local onde enterrara o tesouro e
começou a descavar e sempre que notava alguma
movimentação parava e se escondia, haja vista, que ali por vez
e outra uma patrulha romana passava. Assim emitiu o primeiro
som e então veio um de seus companheiros e colocaram os dois
sacos com ouro e pedras preciosas no cavalo e puxando-o pelas
rédeas colocou-se a seguir viagem de volta. Então assim fez até
o último som ser emitido. O comandante Erer se aproximou do
local e colocou tudo sobre o cavalo, porém quando iam
seguindo em frente se depararam com uma patrulha romana e
não tiveram outra opção a não ser partir para o confronto. O
comandante Erer sabia que Ubii-Ubbi não podia correr devido
ao seu problema no joelho então em um gesto de muita
coragem o colocou sobre o cavalo e afugentou o animal. O
cavalo saiu em disparada e Ubbi-Ubbi ao olhar para trás viu
que o comandante enfrentava os soldados e que em um dado
momento o viu cair de joelhos atingido por uma flecha e a
distância o impedia de observar mais claramente. Suas lágrimas
iam caindo pela estrada, mas não podia voltar, tinha que seguir
em frente para que o plano fosse concretizado. Ali naquelas
bolsas estavam a preciosa contribuição de Rahad eAwash.
Pressentia que o comandante Erer naquela altura também dera a
143
sua vida para que todos tivessem uma chance de ver sua terra
livre da opressão da rainha Dawa e de Roma.
- É para isso que me perturbas Mofar? Diga logo quem está lá.
- Não lhe disse que estava certa Mofar? Irei agora mesmo.
144
- A senhora da Abissínia tem sempre razão!
145
O levaram e o puseram dentro de um esquife e colocaram
escorpiões juntamente com ele. Seus gritos eram agonizantes e
causavam espanto em todos os outros prisioneiros.
Continuaram o interrogatório por várias horas e o castigava
seguidas vezes. Como nada falava e vendo que suportava o
sofrimento imposto foram avisar a rainha. A rainha decidiu
então que o comandante Erer iria ser morto em praça pública no
centro do comércio da capital e queria que fosse com requintes
de crueldade jamais presenciados pelo povo e os estrangeiros
que estavam ali para negociar.
146
O comandante Hawadi o trouxe e parte das pessoas que ali
estavam reconheceram que era o comandante Erer e
começaram a clamar em alta voz que o soltassem e isso
aumentou o furor da rainha.
147
- Perdemos um grande líder e amigo mas ainda temos uns aos
outros e isso é o que nos unirá pois era a vontade do
comandante Erer. Selemos nosso compromisso de honrar sua
morte através de nossa luta por um reino justo e livre. Façamos
de sua morte uma ode à vida e que cânticos possam ser
entoados em homenagem a todos os que caírem em batalha.
Que descanse em paz.
148
um túnel que estava sendo aberto por um grupo de trabalho e
aconteceu um grande tremor de terra naquele momento e então
parte daquele túnel desabou soterrando-o instantaneamente. Os
prisioneiros com medo de morrerem naquele lugar corriam para
salvarem suas vidas e muitos foram pisoteados e se formou um
enorme aglomerado de pessoas que tentavam a todo custo subir
para o setor mais acima. Mas Awash e Lesser Abay vendo o
que acontecera correram até a entrada do túnel.
149
- Lesser acho que encontrei suas pernas posso sentir pelo tato.
150
E então Lesser Abay conseguiu livrar o senhor Weito de sob a
escora. Após longo e penoso trabalho conseguiram retirar com
vida o senhor Weito, mas uma daquelas imensas madeiras que
Awash não tinha visto ao se arrastar até a saída do túnel se
desprendeu e o feriu nas costas com grande gravidade.
152
Awash era acometido de febre constante e Lesser Abay o
banhava para abaixar a temperatura. Travavam uma luta diária
e mal tinham tempo para descansar. O velho ancião usou todo o
seu conhecimento e depois de alguns dias esperavam o
momento que a morte o viesse buscar, pois não havia melhora.
154
- Saiba que tenho uma grande dívida para com vocês e se os
deuses não o conduzirem através da grande passagem sei como
posso retribuir o que me fizeram.
- Awash! Awash que Deus seja louvado. Senhor, rápido ele está
despertando.
155
- Obrigado senhor por salvar minha vida! Falava Awsh em
baixa voz segurando a mão daquele homem que dedicara muito
do seu tempo a fim de resgatar-lhe dos braços da morte.
156
- Nada meu nobre amigo Awash, sempre que pergunto acerca
do seu passado ele desconversa e me pede para fazer alguma
coisa de útil. Mas acho que este é o momento de perguntarmos
novamente.
- Pois bem meus jovens amigos, mas peço que tudo o que for
dito permaneça entre nós. Caso não entendam o que eu quero
dizer através da mímica, do gesto da minha mão ou do
movimento dos meus lábios eu tentarei representar escrevendo
aqui na areia.
157
tomada de grande inveja e convencida por Mofar e o general
romano a se tornar rainha da Abissínia.
- Meu pai foi morto pela rainha enquanto ainda era recém-
nascido e minha mãe me falava que ele era um bravo guerreiro.
Interrompeu Awash ao seu amigo com lágrimas nos olhos
- Sim meu jovem, não estou entendo como você sabe disso,
quem é você?
160
Dawa nos encontrar. E hoje após todos esses anos o Deus
Altíssimo nos uniu novamente.
161
- Pai infelizmente ela foi enviada à Roma pela rainha Dawa
para um lugar chamado Tullianum. É uma prisão das mais
horríveis que se tem notícias. Mas assim como estávamos
mortos um para o outro, Deus há de nos unir novamente,
mesmo que esse encontro aconteça após nossa morte em outro
mundo em uma nova vida.
162
CAPÍTULO IX
A CAMINHO DE ROMA
Pela manhã vieram soldados com ordens de levá-los novamente
à mina e obedientemente acataram suas ordens e seguiram os
guardas. Despediram-se de Ganale Dorya e foram. Mas antes
de entrarem no elevador que os baixaria até o nível que
cumpriam suas respectivas penas o senhor Weito os chamou à
parte.
- Vocês dois venham aqui. Eis que não poderia conviver vendo
vocês serem enviados ao inferno novamente, deixarei que vão
embora para o lugar mais distante que puderem e levem o velho
junto com vocês. Anotarei ao lado de seus nomes que morreram
naquele dia na mina. Acho que com isso quito minha dívida
convosco.
163
- Não é preciso meus jovens, mas seja o que for aceito com
muita honra.
164
aproximavam dela se sentiu atraída e como que envolta por um
impulso incontrolável se levantou e caminhou em direção ao
mar e adentrou em suas águas e se banhou por poucos
segundos. Foi repreendida pelos guardas romanos e açoitada,
mas cada chibatada valera a pena. Aguardavam famintos os
embarques em uma galé romana quando comerciantes que
negociavam no porto ofereceram vinho e peixe aos guardas e
disfarçadamente lhes passaram porções de peixe seco e
água.Tal atitude refletia o amor de um estranho pelo seu
semelhante, onde não fora preciso ser dita nem uma palavra,
apenas o gesto e atitude já trazia grande significado e fez com
que suas forças fossem em parte restauradas. Deus estava ali
também zelando por ela e por todos aqueles que injustamente
eram conduzidos para longe daqueles que amavam.
167
- Escravas assim como foi dito pelo nobre senhor e amo o
senador Flavius meu nome é Domitius. Sou leal ao senador e
justo com os que procuram agir corretamente. Aconselho-vos a
esquecer que um dia tiveram família ou um país, esqueçam
filhos e esposos, esqueçam os deuses que adoram e labutem
diuturnamente e viverão. Tentem fugir, brigar, ferir algum
guarda ou semelhantes seus e morrerão. Espero ter sido claro.
168
as nuances do campo de batalha e peço que me ajude nessa
difícil escolha. Sei que Deus irá nos apontar a direção certa.
- Pai irei amanhã pela manhã à vila mais próxima tentar sondar
como as coisas estão no reino. Fique aqui com Lesser Abay e
me espere. Ninguém me reconhecerá e sozinho posso andar
mais rapidamente.
169
extirpada seu coração se enchia de tristeza e orava a Deus que
lhe tirasse aquilo da mente e do coração. Ao amanhecer
prosseguia em frente e chegou a uma vila próximo ao Vale do
Omo e como não possuía dinheiro algum começou a procurar
no chão alguma sobra de comida para saciar a sua fome.
170
- Muito obrigado meu senhor por depositar tamanha confiança
em um desconhecido.
Awash sabia que não poderia demorar a retornar até o lugar que
havia deixado aquele homem e começou a correr por entre a
floresta e para seu alívio o encontrou ainda desacordado.
172
- Mas quem és tu? És por acaso espia da rainha? Peço-te que
não me mates e te prometo que lhe levarei até onde quiseres.
173
- Tenho sim. Sigamos em frente, não precisa se preocupar.
174
Então os homens que passavam a cavalo por ali o viram caído e
seu corpo já estava repleto de formigas que começavam a
comer sua carne. Aqueles soldados as removeram e o
colocaram sobre o cavalo e levaram-no embora. Chegaram a
um acampamento e as mulheres que ali estavam trataram as
feridas que as mordidas das formigas deixaram e com unguento
de ervas enfaixaram seu rosto, pois estava muito inchado e
ferido e o deitaram sobre as pedras das cavernas que tinham
naquele lugar. E foram avisar a princesa Kabenna do ocorrido.
175
com a água de uma fonte que tinha no deserto que os antigos
diziam possuir um poder de cura e após haverem limpado
colocavam a faixa novamente.
176
dia aqueles homens o levaram a presença da princesa Kabenna.
Contudo sua visão ainda estava bastante embaçada.
- Boa tarde meus amigos que a paz esteja com vocês. Tragam-
me o homem que encontraram.
177
- Você continua o mesmo meu querido e o que mais importa
para mim são sua presença e o que preenche seu coração, afinal
nossa aparência é superficial e temporária para nos atermos a
algo tão sem importância. Por favor, vá me chamar Ubbi-Ubbi,
mas não diga do que se trata.
- Eis que tenho uma surpresa para você meu amado amigo.
Olhe com seus próprios olhos mais um milagre que Deus nos
concede.
178
o comandante Erer a tinha salvado dos romanos matando o
centurião Valerius.
- Ubbi Ubbi meu amigo, mas Rahad conseguiu lhe falar acerca
do tesouro?
- Awash meu amado, você poderia ser essa pessoa? Essa figura
que guerreasse à frente de nosso exército?
179
mal conheciam, mas que se fazia presente em cada
circunstâncias de suas vidas. Awash fez um mapa e a princesa
Kabenna enviou dois de seus mais fiéis soldados com cavalos e
provisões para a viagem. Após o vigésimo sétimo dia eles
retornaram e as profusões de sentimentos eram extremamente
contagiantes.
180
- É uma honra conhecer Vossa Majestade! Coloco-me as suas
ordens e a partir deste momento este humilde servo que vos fala
dará sua vida em prol da sua.
181
CAPÍTULO X
182
Em certa noite enquanto conversavam próximo a uma fogueira,
Awash se lembrou do sonho que tivera enquanto se recuperava
do ferimento que quase lhe matara em Gheralta e chamou os
principais que compunham o conselho de guerra criado para
compartilhar suas intenções.
185
logo ao local com rapidez e após três dias de subida avistaram a
cabana. As memórias inundavam a mente de Awash, cada
detalhe ali percebido lhe remetia à sua mãe e a princesa
Kabenna. Mas os soldados da rainha haviam destruído quase
tudo, porém o que ele procurava estava a salvo sob o piso da
cabana.
187
- A rainha não deseja ser incomodada, governador Marcius.
188
- Ainda sou rainha destas terras governador Marcius e ainda o
serei por longa data, mas é melhor me ausentar desta manobra
bélica. Coloco todos os meus soldados e o comandante Hawadi
sob suas ordens. Espero que volte com a cabeça da princesa
Kabenna em um cesto e a entregue para mim.
190
sendo o último a cair ferido gravemente. E os soldados
cumpriram com rigor a ordem do comandante Marcius e
executaram a todos sem exceção. Antes de matarem Lesser
Abay os legionários o levaram até a presença do governador
pois haviam notado que ele liderava o grupo.
192
- Estou melhor nobre governador. O que trouxe para mim nesse
saco? É o que estou pensando? Passe para mim.
193
- Meu general Marcius me perdoe, apenas temi pela minha vida
pois não a encontrei entre os mortos. E aquela mulher parecia
tanto com ela. Mas posso encontrá-la se desejar meu senhor.
194
que lhes socorreram. E puderam descansar por alguns dias na
companhia deles.
- Seu nome é Gaspar e não sei bem ao certo o nome e onde fica
exatamente seu reino. Eis aqui uma carta que me deixou há
muitos anos atrás. Reconhece alguma coisa que possa nos
ajudar?
195
- Sim meu senhor! Trata-se do selo de um conselheiro real dos
povos berberes se não me engano.
- Oh meu Deus como posso agradecer por tudo que nos tem
feito? Peço-te que abençoe também a estas pessoas que tem
sido boas para conosco. E me perdoe o abuso meu nobre amigo
será que poderíamos seguir viagem convosco? Falava o
radiante Awash.
196
comércio local. Logo os prenderam e os levaram para as
masmorras. Após revistarem a ambos, um dos guardas
encontrou a carta que Gaspar havia dado a Awash e então se
retiraram.
197
- Curve-se ante a vossa majestade o senhor destas terras, o rei
Lagabora.
198
- Uma coisa de cada vez. Ouço falar das atrocidades de sua
rainha e lamento pelos seus irmãos que sofrem sob o jugo de tal
pessoa. Porém o homem do qual falava era um grande amigo e
conselheiro do antigo rei. Após a morte do meu pai permaneceu
comigo me ajudando em certas questões do reino. O admirava
muito. Infelizmente ele morreu há algum tempo.
- Pediu que se um dia você viesse até nós era para lhe ajudar no
que fosse necessário. Era um pedido pessoal, compreende? E
pretendo realizar o desejo do meu velho amigo.
199
- Rei Lagabora muito obrigado por receber esse humilde servo.
Peço-te que se for possível solte meu amigo Ubbi-Ubbi que se
encontra em cárcere.
- Claro meu mais novo amigo Awash. Hoje teremos uma festa
aqui no palácio e quero que se divirtam e esqueçam um pouco
de suas preocupações. Mandarei preparar-lhes aposentos e se
também quiserem boas companhias, nossas mulheres são
simplesmente belíssimas. Guardas soltem o preso.
E ficaram ali por mais algum tempo, mas a hora de sua partida
já se aproximava e via a necessidade de pedir um grande favor
ao rei Lagabora. Precisava de homens que os ajudassem a
reaver o reino.
200
morte da rainha Shebelle e que sua filha lutava juntamente com
parte de seu povo contra as forças da rainha e do império
romano. Revelou que seu povo estava perecendo e que já lhes
faltavam o que comer. Então pediu que o rei lhes enviassem
homens a fim de reforçarem seu pequeno exército que haviam
ficado lá.
- Meu senhor, creio eu que não estaremos sós, mas que o Deus
de seus antepassados estará também conosco.
- Mas não se tem notícias que o Senhor tenha pelejado a não ser
pelo seu povo escolhido. Por que achas tu que Deus pelejará a
vosso lado?
201
aguardar a chegada dos meus guerreiros basta-me dizer aonde
irá se dar esse combate?
202
se alegrou grandemente. Despediram-se do rei Lagabora e
seguiram viagem de volta a Abissínia.
203
CAPÍTULO XI
O TESOURO DE MOFAR
Em Roma Mille trabalhava duro e na medida do possível era
bem tratada para uma escrava. O senador Flavius era um
homem sensato e podia-se notar que amava muito sua família.
Permitia que Domitius dependendo da produção dos campos
concedesse um dia de descanso na semana para os escravos
cuidarem de sua higiene, costurasse suas roupas ou apenas
pudessem descansar em seus alojamentos. Um dia aconteceu
algo que iria mudar o destino de Mille. O filho mais novo do
senador que deveria ter uns cinco anos de idade foi brincar nas
plantações de trigo, quando por descuido ao se inclinar na beira
de um poço caiu dentro dele. Este poço ficava quase que no
limite de sua propriedade e era pouco usado, por esse motivo
poucas pessoas passavam por ali com exceção dos guardas que
efetuavam rondas esporádicas. Na casa do senador a mãe da
criança sentiu falta de sua presença e começou a gritar pelo
menino chamando-o pelo nome e isto despertou a atenção dos
servos e dos soldados que faziam a segurança da casa e
imediatamente se colocaram a procurá-lo. Passadas muitas
horas ainda não o haviam encontrado. Por ordem de Domitius
todos os escravos foram colocados em seus respectivos
204
alojamentos e impedidos de sair, mas Mille não se encontrava
entre eles.
205
aquele poço. Após muito esforço retirou a criança e a colocou
nos braços e foi em direção à casa do senador Flavius.
206
por no mínimo de seis meses. Senador Flavius o menino deseja
falar com ambos.
- Obrigado doutor!
207
Domitius ao chegar ao lugar onde Mille se encontrava notou
que estava bastante ferida e pôde ver que estava de joelhos e
abrindo a porta logo lhe perguntou:
208
- Vá à cidade e peça ao doutor para vir aqui novamente
Domitius. E peça a outra escrava que a ajude a se limpar.
209
- Senhor Deus o que aconteceu aqui?Lamentava Ubbi Ubbi.
210
- Meu pai louvado seja o bondoso Deus por preservar sua vida.
E a princesa Kabenna?
- Obrigado meus amigos, pois acho que minha perna que era
ruim acabou de ficar pior. E todos riram por um instante.
- Awash! Meu amor que bom que você regressou pensei que
não mais o veria. Mas Deus o trouxe de volta para mim. O que
houve com você meu nobre amigo Ubbi Ubbi?
- Estou bem princesa Kabenna não deve ser nada grave. Logo
estarei novo em folha.
211
Awash lhes contou o que havia acontecido durante sua viagem
e de como o rei Lagabora o havia prometido soldados para lhes
ajudarem a reaver o reino. Porém o problema é que naquela
altura ainda achavam que possuíam um pequeno grupo, mas
agora eram somente em quatro pessoas. Decidiram que Awash
e Ubbi-Ubbi iriam partir em breve tomando direções opostas
com o objetivo de recrutar simpatizantes e insatisfeitos com a
política adotada pela rainha e que quisessem aderir para a
formação de um exército para combatê-la. E o tempo passava e
só tinham quarenta luas para unir pessoas em prol de um
objetivo dificílimo de alcançar e se deslocarem até o local onde
deveria ser travada a batalha.
212
- Ubbi-Ubbi meu nobre amigo prepare-se pois amanhã bem
cedo partiremos e haveremos de nos encontrar no pé do monte
daqui a vinte luas.
- Pai querido tome conta da princesa por mim. Saiba que meu
amor por ti é muito grande. Esteja orando ao bondoso Deus que
nos conceda amigos para nossa causa.
213
Na capital do reino a saúde da rainha Dawa se deteriorava cada
vez mais e parte da nobreza que antes a bajulava agora se
mantinham a certa distância esperando apenas a hora de sua
morte. Muitos de seus servos começaram a abandoná-la e fugir
do palácio temendo que aquela doença fosse contagiosa. Sua
aparência se assemelhava a alguém que estava prestes a morrer
por inanição e concedia audiência somente ao governador
Marcius, o comandante Hawadi e a Mofar. Mas um
acontecimento a fez começar a ver sua real situação.
214
repletos de ouro e pedras preciosas desviadas do tesouro
particular da rainha Dawa.
- Mofar o navio que lhe levará é aquele. Peça para falar com o
comandante da embarcação e diga que tu és o passageiro das
quinze moedas de prata. E passe para cá o que combinamos.
215
deixado o porto as águas do mar que antes estavam calmas
começaram a agitar-se e a nau sob seus ataques passou a sofrer
danos estruturais. Todos temeram e havia somente um bote na
embarcação e quando tentaram baixá-lo à agua o cabo
arrebentou e ele se chocou com o costado da embarcação e foi
totalmente destruído.
- Acho que o navio não vai suportar esse mar bravio e vamos
afundar. É melhor procurar algo que flutua e se segure firme
nele.
Mofar temia por sua vida, pois não sabia nadar e começou a
oferecer ouro para quem quisesse ajudá-lo a permanecer vivo,
mas ninguém lhe dava ouvidos e cada um agia por conta
própria.
217
Vivamos e morramos por algo que valerá a pena meus amados
irmãos e irmãs”.
- Awash meu amado. Como é bom ouvir sua voz. Como foi a
viagem, alguém atendeu ao nosso chamado?
218
- Fomos tão felizes aqui meu amado Awash mesmo estando ela
em ruínas parte da minha vida ficará repousada nestes campos.
E um dia pretendo reconstruí-la.
220
- Aqui diz que o exército da princesa Kabenna aguarda suas
tropas para uma batalha na Planície de Dancalia. Quais são as
suas ordens rainha Dawa?
221
- Bem nobre governador Marcius já presumia qual seria a sua
resposta. Então de antemão disse ao mensageiro que
aceitávamos o chamado de guerra e que no dia pactuado para o
combate estaríamos lá.
223
- O rei Lagabora manda suas saudações.
224
CAPÍTULO XII
O TERCEIRO MILAGRE
A noite Awash estava deitado e olhava ao longe as luzes das
tochas do acampamento romano e orava a Deus por ajuda, pois
só Deus poderia lhes conceder a vitória naquela situação e
todos sabiam disso, mas estavam felizes por estarem ali e
fazerem parte daquele pequeno grupo. Eis que algo
sobrenatural aconteceu.
- Quem me chama?
226
- Meus amados irmãos hoje o Senhor Deus pelejará ao nosso
lado. Este Deus também nos fez povo seu pela sua infinita
graça e misericórdia e não mais devemos adorar a outros deuses
a partir de hoje, pois éramos ignorantes no tocante a vontade de
Deus, mas hoje não o somos mais. Hoje o Altíssimo se
manifestará de modo sobrenatural e nada devemos temer,
apenas confiar nas suas fortes mãos. Os nossos inimigos são
inimigos de Deus, pois usam como escudo a injustiça e como
estandarte a arrogância. Agora ouçam com bastante atenção ao
que vou dizer. Cada homem deve pegar com sua mão direita
um punhado de areia e segurar firmemente. Ao meu sinal todos
juntos iremos abrir nossas mãos e assoprar essa areia na direção
do exército a nossa frente e se maravilhar com o que Deus fará
diante dos nossos olhos e dos olhos dos nossos inimigos. E
digamos bem alto: “QUEM PODE CONTRA OS BRAÇOS
FORTES DO SENHOR?”.
227
aguardávamos a ordem de Awash pacientemente. Então quando
os soldados romanos atingiram certa distância de nosso exército
Awash gritou fortemente: “AGORA! ASSOPREM COM
TODA A SUA FORÇA!”. E em seguida em uníssono todos
gritaram a frase que Awash havia ordenado que se falasse. E
para assombro de todos uma forte tempestade de areia formou-
se diante do exército e era tão densa que nada se via através
dela e foi em direção as tropas romanas, porém Awash mandou
que esperássemos o momento certo para atacá-los.
228
sua guarnição descesse e fosse ao campo de batalha, mas a
areia soprada por Deus havia deixado o solo instável e muitos
dos soldados ficavam presos na areia e não conseguiam se
locomover. O exército comandado por Awash avançava e a luta
era ferrenha e o governador já admitia a possibilidade de uma
retirada. Contudo pelo seu orgulho ordenou que continuassem
em campo.
229
E ao fim do dia ao último raio do sol todos se ajoelharam e
renderam graças ao Deus Eterno por lhes ter conduzido e por
ter estendido seu amor e graça a outros povos. E houve grande
brado de vitória e festejaram aquela noite.
- A rainha Dawa deseja lhe falar a sós. Fale com seus homens
que fiquem aqui. Ao amanhecer eu virei e pessoalmente lhe
conduzirei até o palácio.
232
- É melhor ver pessoalmente meu senhor.
- Mande-o entrar.
- Bom dia minha tia. O que houve com a senhora e o que deseja
comigo?
233
- Aproxime-se e sente-se aqui, o que tenho não é contagioso.
Peça ao comandante Hawadi que venha junto, pois quero que
seja testemunha da minha vontade. Não precisa temer por sua
vida.
234
- Me entristece vê-la assim tia Dawa. Não queria que
terminasse seus dias de maneira tão triste. Ainda somos sangue
do mesmo sangue e por mais que me tenha dado motivos para
odiá-la não consigo nutrir tal sentimento por você.
235
- Assim farei minha rainha Kabenna!
- Awash está lá fora um homem que deseja lhe falar, disse que
tem uma carta da rainha para ser entregue a você.
236
a ser uma nação próspera e livre das opressões daqueles que
detém o poder e fazem uso de tal poder em benefício próprio.
Estes serão tirados do nosso meio, venham a capital do reino e
regozijemo-nos.”
237
- Não posso dar-te um herdeiro Kabenna e nem ao menos te
conceder prazer por tal monstruosidade que Dawa me fez.
Como poderia eu viver ao teu lado? É muito difícil para mim,
espero que compreenda minha posição.
239
CAPÍTULO XIII
FILIPE E O EUNUCO
E Awash liderou uma equipe que percorreu todo o reino para
fazer a contabilidade de todas as posses da rainha e libertar
todos os que estavam em campos de trabalhos forçados por
causas injustas. Muitas famílias foram unidas novamente, mas
infelizmente muitos também haviam perecido. Procuraram
reparar todas as aberrações praticadas pela rainha Dawa e na
sua grande maioria muitos do povo receberam suas terras de
volta além de grãos para retomarem o cultivo de suas terras.
- Sim senhor!
- Meu nobre senhor fico feliz que tenha sido recompensado por
sua bondade pois sempre notei que o senhor e seu amigo eram
diferentes mesmo estando naquele lugar de sofrimento.
243
No cais do porto encontraram um homem sentado e que
controlava todas as embarcações que entravam e saíam do
porto.
244
- Sim nobre comandante. Ubbi Ubbi entregue o dinheiro ao
capitão.
- Peço desculpas por não poder lhes levar até Jopa, mas foi por
motivo de força maior. Se preferirem devolvo parte do valor
que me deram.
245
- Então me permita orientá-los por estas terras. Existe uma
hospedaria no final do cais antes da entrada da cidade, neste
lugar muitos comerciantes e peregrinos formam uma caravana
com o intuito de evitar saqueadores durante a viagem até a
cidade de Tiro. Vocês podem ir com eles.
246
- Vejo que não conhece a história do nosso povo. Aqui no cume
deste santo monte o Senhor Deus prometeu ao nosso pai
Abraão que ele seria pai de muitas nações por não ter lhe
negado seu filho Isac. E todos os anos fazemos esta viagem
para relembrar as promessas de Deus para o seu povo.
247
concentração de tropas romanas e muito tumulto nas ruas da
cidade. Awash não conseguia entender direito o que falavam
pois se contradiziam em todo o momento acerca de um homem
de Nazaré que havia ou não ressuscitado.
248
- Ubbi Ubbi sentemo-nos nas escadarias do templo para
descansar um pouco e observar melhor este lindo lugar de
adoração.
249
- Não podem ficar sentados na escadaria do templo. Se vieram
oferecer holocausto ao nosso Deus, o façam e vão embora.
251
- Sim, este mesmo. Nasceu em Belém da Judéia assim como
está escrito no livro do profeta Miquéias: “Mas tu Belém
Efrata, posto que pequena para estar entre os milhares de
Judá, de ti é que me sairá àquele que há de reinar em Israel, e
cujas saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da
eternidade.”.
- Pois bem, estava escrito que no terceiro dia após sua morte
Ele ressuscitaria dentre os mortos. E eis que aconteceu o fato
253
mais fantástico do qual temos notícias, Cristo ressuscitou e
esteve em nosso meio por mais quarenta dias nos preparando
para levar sua palavra de salvação a começar pela Judéia,
Samaria até os confins da terra. Deu-nos autoridade para batizar
todos aqueles que acreditassem na sua mensagem e o
fizéssemos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. E
assim lhes seriam estendidas juntamente conosco o direito a
salvação eterna.
254
Ao saírem do lago foram trocar-se e ao procurarem Filipe não o
encontraram. Em um primeiro momento se assustaram, mas
logo descobriram que Deus o havia colocado ali naquele
caminho apenas para lhes trazer a verdade acerca de Cristo e do
seu plano de salvação para toda a humanidade e sentiam que
algo diferente havia lhes acontecido. E seguiram viagem ao
porto de Gaza. Ao se aproximarem do porto viram uma família
em grande dificuldade, pois o animal que puxava a carroça
havia morrido e se sensibilizaram. Descendo de seu carro o deu
aquela família e que fizessem bom uso dele e dos animais e
seguiram a pé até o cais.
- Eu não irei com você, mas seguirei até Roma. Preciso saber se
minha mãe ainda vive ou se já está morta.
255
- Se for da vontade de Deus, que assim seja, mas preciso fazer
isto. Ao chegar em casa diga ao meu pai e a minha amada
rainha Kabenna que não se preocupem comigo, pois Jesus de
Nazaré está comigo.
- Apenas saiba que onde quer que andes o Senhor estará a sua
dianteira pois crestes no nome do Unigênito filho de Deus, que
é Cristo o Senhor. Jamais tema coisa alguma e não aparte de
256
seus lábios suas palavras que aprendeste através do meu servo
Filipe.
257
CAPÍTULO XIV
O REENCONTRO
E da mesma forma que aquele homem surgiu ao seu lado
naquela embarcação ele também desaparecera. E Awash se
maravilhou com suas palavras, pois serviram de alento ao seu
coração. Alguns dias depois estava no porto de Ostia Antica.
Desembarcando pôs-se a procurar por uma prisão romana por
nome Mamertina e logo foi informado a que direção seguir. Foi
a pé pois queria evitar chamar a atenção e se misturou a outros
viajantes que estavam tomando a mesma direção. Seus pés
pisaram nas pedras da via Àpia e seus olhos puderam se
maravilhar com a arquitetura do Coliseum Romano. Era o
centro do mundo e havia uma miscelânea de povos e línguas
naquele lugar. Porém pensava em como conseguir uma
informação daquelas num lugar como aquele, mas Deus estava
guiando os rumos de sua história.
Viu então dois soldados que faziam ronda e lhes inquiriu acerca
da prisão, contudo os soldados não lhe deram atenção.
- Aqui está o seu dinheiro e agora me leve até lá. Confio na sua
palavra.
- Tranquilize-se e me siga!
259
- Algumas moedas de prata nobre senhor.
260
- Meu nobre senhor vim com boa intenção e não com espírito
de afronta. Caso não seja possível me conceder tal informação
peço que devolva meu alforje que irei embora.
261
Muitas horas mais tarde já a noite despertou e se desesperou
pois estava nu e muito ferido, além de estar em terras estranhas
e sem como poder voltar para casa.
- Tudo bem, mas fique aqui que vou verificar o que viste.
Crianças não desçam da carroça e fiquem com sua mãe.
262
Com uma lamparina em mãos ia iluminando o caminho, porém
nada conseguia observar de diferente. Havendo percorrido certa
distância resolveu voltar para onde sua família o estava
esperando e foi quando ouviu o que parecia um gemido.
E aquele homem movido por uma força que ele não sabia
explicar decidiu adentrar na mata e ouvia aquela voz cada vez
mais próxima, até que finalmente encontrou Awash caído.
- Por Júpiter!! O que houve com você? Não se mexa que vou
buscar o carro para lhe tirar daqui.
263
- Realmente estou. Nunca poderei retribuir o grande favor que
me fez. O senhor me acolheu e mesmo sendo eu um estranho
cuidou bem de mim.
264
Jesus Cristo por amor da humanidade e ouviam atentamente
tudo os quantos lhes diziam.
- Awash meu amigo, mas porque este Jesus sendo filho de Deus
não se rebelou contra os seus adversários que queriam matá-lo?
265
adoramos em Roma. Iremos meditar muito sobre tudo o que
nos disse.
267
- Muito obrigado meu senhor, que Deus retribua em dobro a
sua bondade.
268
- Muito obrigado senhora. Estou indo para uma terra chamada
Abissínia. Agora um lugar de paz, graças a Deus.
272
CAPÍTULO XV
O QUARTO MILAGRE
Embarcaram e seguiram viagem de volta a sua amada terra e
Awash ia contando tudo o que lhes aconteceram durante o
período que ficaram afastados e principalmente da sua
descoberta acerca do “Messias” que seu amigo Gaspar falara
por diversas vezes, mas reservou segredo sobre o fato de seu
pai estar vivo, queria saber qual seria a reação de sua mãe ao
encontrar com Ganale Dorya.
273
- Meu amado filho Awash este palácio me traz boas e más
recordações. É diferente poder pisar aqui novamente, porém
quero deixar no passado aquilo que pertence ao passado.
- Minha mãe é outra época, mas antes que adentre pelas portas
do palácio peço que aguarde aqui no jardim e não saia até que a
chame, quero fazer uma surpresa a rainha Kabenna.
- Está bem meu filho aproveitarei para olhar esse lindo jardim
que seu pai e a rainha Shebelle tanto gostavam.
- Sim minha amada. Ela está aqui nesse palácio, mas antes
quero que meu pai vá aos jardins e a encontre, quero poder
presenciar o poder sobrenatural do amor. Peça que chame meu
pai meu amor.
274
- Awash meu filho querido quanta alegria em poder olhar
novamente em seus olhos e mesmo com um só braço quero lhe
dar um abraço bem apertado. Sei que me comunicar através de
gestos e mimicas pode tornar nosso diálogo um pouco
cansativo, porém o amor em nossos corações é o nosso
intérprete maior. Eu te amo.
- Pai há uma pessoa lá fora nos jardins que deseja lhe falar é
melhor que vá rapidamente.
277
me que se quisesse efetuar um ataque a essa altura já o teria
desferido.
- Awash meu filho por que não utiliza a carta que o senador
Flavius nos entregou? Leve-a pelo menos com vocês pode vir a
ser de grande ajuda.
278
- Ela está sozinha, centurião?
- Mande-os entrar.
279
- Respeito sua opinião nobre general, mas cada qual acredita
naquilo que deseja. Entretanto me permita lhe entregar um
presente como forma de nossa hospitalidade e respeito. São
pedras preciosas, ouro e prata de nossas minas.
281
- Sim general Salvius. Foi...
283
sempre meu amado companheiro. Daqui a muito anos as
futuras gerações se lembrarão do seu nome e da sua justiça,
pois uniu nosso reino sob a direção de Deus.
284
de paz e prosperidade sob o reinado do rei Awash e da rainha
Kabenna. E próximo ao amanhecer todos os convidados já
haviam se retirado e então os noivos se recolheram aos seus
aposentos.
- Meu rei Awash você é homem de fato para mim meu amado.
Se o tenho ao meu lado estou completa e me sinto segura. Por
vezes homens sem escrúpulos me violentaram e tais práticas
apenas me fizeram não ser dependente de nada. O meu amor
por você irá suprir toda e qualquer carência que vier a sentir.
285
milagre acontecera a ele naquele momento, seus testículos
estavam no lugar como se nunca tivessem sido tirados de lá e
não havia mais cicatriz. A rainha percebendo o que lhe
acontecera chorou sobre seus ombros e nada mais falaram o
restante do dia e puderam fazer amor pela primeira vez.
CAPÍTULO XVI
286
acontecido e todos se maravilharam do milagre que Deus
operara em sua vida. O rei Awash se tornara uma pessoa ainda
mais amável e compassiva e todos os dias ia aos jardins do
palácio orar e agradecer ao Senhor seu Deus.
- Meu amado esposo bem sei que Deus nos tem favorecido e
vejo como tem um carinho grande por ti. Oremos a Deus para
que Ele torne meu ventre sadio para que possamos gerar um
filho nosso.
287
- Meu amado rei Awash e se acharmos uma maneira de desviar
água do grande Nilo Azul para irrigar estas terras e assim salvar
essa gente? O problema é como iremos fazer isto.
288
Prontamente atendendo ao pedido do rei Awash lhe cedeu cinco
dos seus melhores engenheiros em aquedutos e ainda homens
para ajudá-lo a realizar tal tarefa. E juntamente trabalharam por
meses a fio, então Awash e Ubbi Ubbi viram que aqueles
homens romanos eram pessoas de boa índole e que mesmo sem
terem qualquer obrigação para com eles trabalharam de igual
modo ou até mais.
- Rei Awash este canal levará as águas do rio até o interior onde
o clima é mais quente e a seca é mais incisiva. Sempre que
aquela região for atingida por um período muito grande de
estiagem devem-se abrir estas comportas e deixar que as leis
que regem a natureza realizem o restante do trabalho. Tudo foi
projetado visando igualar gradativamente os níveis da água do
rio e destes grandes depósitos. Quando isto acontecer deve-se
fechar novamente as comportas. O senhor entendeu rei Awash?
289
- Diga ao general Salvius que assim que eu chegar à capital
oferecerei um grande jantar para ele e para todos vocês que por
todo este tempo trabalharam conosco nesse grandioso projeto.
Que Deus os abençoe. Jamais me esquecerei de vós.
- O senhor tem certeza do que está falando meu pai? Onde ela
está?
290
Ao se aproximar da porta do seu aposento foi impedido por sua
mãe de adentrar no recinto. Mille lhe explicou que a gravidez
era de risco e que a rainha Kabenna ou a criança não poderiam
sobreviver. Explicou que não foi avisado da gravidez por um
pedido pessoal feito pela própria rainha. Ela queria que ao
chegar você fosse surpreendido ao vê-la nas escadarias do
palácio com seu filho nos braços.
291
saiu com a outra criança do quarto e a entregou ao seu filho
Awash. Deus lhe dera não uma, mas duas crianças saudáveis e
a benção eram dobradas. E eram um menino e uma menina e
entrando no quarto com ambas as crianças nos seus braços
olhou para sua amada rainha Kabenna e colocou as crianças
próximas aos seus seios. A rainha estava fraca, porém iria
sobreviver e naquele momento todos se deram as mãos em
volta daquela cama e agradeceram ao Eterno Deus por todas as
suas obras.
- Evite falar muito minha amada esposa. Precisa estar bem para
poder amamentar nossos maiores tesouros. Confesso que
também que até bem pouco tempo atrás isto para mim seria
impossível, mas agora sabemos que nosso Deus é o Senhor das
causas impossíveis.
292
- Amigo Ubbi-Ubbi tal tarefa é incumbida à rainha, ela mais do
que ninguém saberá escolher nomes apropriados para nossos
filhos.
- Bem sei nobre Usno que fez o que estava ao seu alcance.
Como seu amigo e rei sou grato pelo seu empenho.
294
- Há outra coisa nobre rei Awash.
Grande era o lamento por todo o reino e não podia ser diferente
nas dependências do palácio. O rei e a rainha lamentavam pela
morte daquela tão pequenina criança, mas estavam conscientes
que havia um propósito maior por trás daquela tragédia.
Indo contra aquela serva lhe cortou a garganta para que não
gritasse e ao se inclinar sobre o berço para matar a criança não
a encontrou.
297
- Volte aqui sua meretriz antes que eu a mate junto com esta
criança!
- Socorro! Socorro.
298
- O que você quer seu inútil? Saia daqui antes que lhe mate
também.
300
- No dia de hoje retornamos a este lugar para nos despedirmos
do meu pai e grande herói, o general Ganale Dorya. Minhas
palavras seriam insuficientes para descrever o caráter deste tão
honrado homem, que durante sua vida foi um servo fiel da
rainha Shebelle, um marido amoroso e um pai extremamente
carinhoso. Mesmo perdendo seu braço, sua capacidade de falar
e de enxergar direito nunca deixou se abater, pois demonstrou
que os membros são apenas parte do corpo de um homem mas
é o espírito que governa sobre ele. Sei que o Deus Eterno o
usou grandemente durante toda a sua vida e em especial
naquele dia ao salvar nossa filha e a minha mãe de um homem
que se deixou levar pelo ódio. Meu pai e amado amigo
obrigado pelo privilégio de poder ter lhe conhecido. Descanse
em paz.
Houve grande luto em todo o reino por um mês e por onde quer
que se andasse alguém comentava sobre a morte e
principalmente sobre a sua vida do general Ganale Dorya.
301
gêmeos, nos quais puseram os nomes de Ganale Dorya e Lesser
Abay. Desde cedo foram ensinados sobre o imenso amor de
Deus para com os que o servem e o adoram e que
permanecessem em sua presença se desviando de tudo aquilo
que ia contra a Sua vontade e direção. A rainha Kabenna e o rei
Awash até os dias presentes agem seguindo as orientações do
Espírito da Verdade e praticam a justiça e equidade para com
todos do reino.
- Como pode ser ele? Ele não era manco? E todos nós podemos
ver o senhor andar de um lado para o outro aqui no pátio
enquanto contava essa maravilhosa história e em nenhum
momento o vi puxar da perna.
302
pães e peixes. O que é ser curado de uma perna comparado a
estas grandes maravilhas? O maior milagre é poder estarmos
vivos neste momento meu jovem. O maior milagre que pode
acontecer ao homem é ser curado da sua ganância e egoísmo.
Estudem e se dediquem e que Deus os abençoe grandemente.
Sabei que o Senhor é Deus! Foi Ele quem nos fez, e somos
dele; somos seu povo e ovelha do seu pasto.
Fim
303