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ISSN: 0044-5967
http://acta.inpa.gov.br
Desmatamento na Amazônia: dinâmica, impactos e controle
Philip M. FEARNSIDE1
RESUMO
O desmatamento na Amazônia procede a um alto ritmo por várias razões, muitas das quais dependem de decisões do governo. O
desmatamento leva à perda de serviços ambientais, que têm um valor maior que os usos pouco sustentáveis que substituem a floresta.
Estes serviços incluem a manutenção da biodiversidade, da ciclagem de água e dos estoques de carbono que evitam o agravamento
do efeito estufa. Retroalimentações entre as mudanças climáticas e a floresta, por meio de processos tais como os incêndios florestais,
a mortalidade de árvores por seca e calor e a liberação de estoques de carbono no solo, representam ameaças para o clima, a floresta e
a população brasileira. Eventos recentes indicam que o desmatamento pode ser controlado, tendo a vontade política, pois os
processos subjacentes dependem de decisões humanas.
PALAVRAS CHAVE
Aquecimento global, Biodiversidade, Desmatamento, Carbono, Cíclo hidrológico, Efeito estufa, Serviços ambientais
1
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA. Coordenação de Pesquisas em Ecologia-CPEC. E-mail: pmfearn@inpa.gov.br
La Niña, quando a floresta pode ganhar carbono, implica em espectro do “efeito estufa fugitivo”, onde o aquecimento global
uma perda a longo prazo de quantias grandes de carbono. Vários escapa de controle de humano e continua aumentando
estudos apontam para o efeito estufa como a causa subjacente do independentemente de quaisquer cortes nas emissões
aumento de El Niño (por exemplo, Timmerman et al., 1999). antropogênicas que possam ser alcançadas. Uma pesquisa recente
O aumento contínuo do aumento do efeito estufa, como indica que ocorreram perdas de estoques de carbono do solo na
projetado por todos os modelos climáticos na ausência de Grã Bretanha mesmo com o modesto nível atual de aumento da
mudanças significantes nas emissões antropogênicas mundiais, temperatura global desde 1900, de apenas 0,8oC Hansen et al.,
implica em eventos de El Niño que são mais freqüentes e, 2006). Os estoques globais de carbono contidos nos solos, como
provavelmente, mais severos. os da Amazônia, dê a este, o potencial para alcançar o limiar para
O efeito estufa pode causar a morte da floresta amazônica o efeito estufa fugitivo (Fearnside, 2007).
diretamente, além de seu efeito provável por meio do El Niño. Uma indicação da capacidade de mudança climática para
Médias de temperatura mais altas exigem que cada árvore use liberar grandes estoques de carbono independente da vontade
mais água para executar a mesma quantia de fotossíntese. O humana foi provida pela seca na Amazônia em 2005. Esta seca
efeito estufa não acontece uniformemente sobre o planeta, e é causou níveis de água muito baixos em todos os afluentes do
esperado que a Amazônia seja um dos locais com os maiores lado sul do rio Amazonas, assim como também nas calhas
aumentos de temperatura (Stainforth et al., 2005). Simulações principais dos rios Amazonas e Solimões. Incêndios afetaram
que presumem alta sensabilidade climática (a quantidade de muitas áreas que não estão historicamente sujeitas a fogos, inclusive
elevação da temperatura média global para cada unidade de a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre. A seca não foi
concentração de CO2 adicional na atmosfera) indicam aumentos causada pelo El Niño, mas sim por uma massa de água morna no
de temperatura média tão alto quanto 14oC na Amazônia Oceano Atlântico (Fearnside, 2006). Na época do período de
(Stainforth et al., 2005, p. 405). Isto implica em picos de pico da seca na Amazônia, a zona de convergência intertropical
temperatura de bem mais de 50oC, o que não só resultariam em (ITCZ) ficava situada aproximadamente na latitude de 12o N,
morte da floresta mas também em aumento na mortalidade ou seja, em cima da área de água morna. A energia da água morna
humana. Projeções mais modestas indicam aumentos de causou a intensificação da ascensão de ar no ITCZ, assim
temperatura de aproximadamente 6oC, que também seriam aumentando a circulação de Hadley, inclusive a descida do ar
catastróficos. seco em cima das cabeceiras dos afluentes do lado sul do rio
Os resultados de Stainforth et al. (2005) indicando aumento Amazonas. Anomalias de temperatura no Atlântico seguem um
de 14oC na Amazônia até aproximadamente 2070 sob alta ciclo natural de 60 anos, e este ciclo estava em um ponto alto em
sensitividade climática está defasada devido a revisões para baixo 2005 (Marengo & Nobre, 2005). De junho a outubro de 2005
das probabilidades de valores muito altos para a sensitividade a temperatura média da superfície do mar no Atlântico Norte
climática (Hegerl et al., 2006). Presumindo proporcionalidade, Tropical era 0,92oC acima da média para 1901-1970; a metade
o aumento de 14 oC seria alcançada 30 anos mais tarde em 2100. disto (0,45oC) era devido ao aquecimento global, o resto sendo
do ciclo natural de 60 anos (< 0,1oC), o efeito residual de El
Espera-se atualmente que o sistema de clima global se
Niño no ano anterior (0,2oC) e de fenômenos com variabilidade
mantenha em um El Niño permanente caso o efeito estufa
de ano a ano (0,2oC) (Trenberth & Shea, 2006). Um fator
continue aumentando sem mitigação. Este resultado foi
adicional que contribui à acumulação de água morna no Atlântico
encontrado primeiro pelo modelo do Hadley Center, do Escritório
pode ser a redução da velocidade de movimento da Corrente
Meteorológico do Reino Unido (Cox et al., 2000, 2004).
Marinha do Golfo, como resultado da debilitação da circulação
Inicialmente, os outros modelos de clima global não mostravam
termohalina (por exemplo, Bryden et al., 2005). É esperado
isto, mas agora foram acrescentadas a estes modelos as
que o efeito estufa debilite esta circulação e, além disso, pode ser
retroalimentações de sistema acoplado biosfera-atmosfera que
esperado que o aquecimento geral dos oceanos faça massas de
foram incluídas primeiro no modelo do Hadley Center, com o
água morna exceder as temperaturas de limiar com maior
resultado que hoje a maioria dos modelos (5 entre 7) apresentam
freqüência em geral, incluindo tanto as anomalias de temperatura
a formação do El Niño permanente. O modelo do Hadley Center,
no Atlântico, assim como o aquecimento da água superficial do
que projeta o cenário mais catastrófico para a Amazônia, também
Oceano Pacífico que ativa o fenômeno El Niño.
é o modelo que melhor representa o clima atual desta região (J.A.
Marengo, declaração pública, 2005).
CONTROLE DO DESMATAMENTO
A morte da floresta amazônica contribuiria numa
O controle do desmatamento é essencial para evitar os
retroalimentação significativa para intensificar o efeito estufa,
impactos da perda de floresta. Muito do processo do
tanto por liberação de carbono da biomassa da floresta
desmatamento está atualmente fora de controle do governo (por
(Huntingford et al., 2004) como por liberação de carbono do
exemplo, Torres, 2005). Não obstante, a ação de governo já
solo (Huntingford et al., 2004; Jones et al., 2005). Isto eleva o
mostrou ter uma influência notável sobre as taxas de apoio financeiro. P.M.L.A. Graça fez comentários sobre o
desmatamento onde foram aplicados esforços para fazer cumprir manuscrito.
a legislação indo mais além do que uma base simbólica. Um
exemplo histórico importante é o programa de licenciamento e LITERATURA CITADA
controle de desmatamento executado pelo governo do estado de Barbosa, R.I.; Fearnside, P.M. 1999. Incêndios na Amazônia
Mato Grosso de 1999 a 2001 (Fearnside, 2003b). Este alcançou brasileira: estimativa da emissão de gases do efeito estufa pela
reduções significantes no desmatamento no estado como um queima de diferentes ecossistemas de Roraima na passagem do
todo, como mostrado pelas tendências em municípios onde uma evento “El Niño” (1997/98). Acta Amazonica 29: 513–534.
fração significativa da floresta continuava em pé exposta ao Bryden, H.; Longwort, H.; Cunningham, S. 2005. Slowing of the
desmatamento. A explosão subseqüente do desmatamento no Atlantic meridional overturning circulation at 25 N. Nature 438:
665-657.
estado que resultou de uma mudança no governo estadual realça
a importância de políticas de governo por estas tendências Cox, P.M.; Betts, R.A.; Collins, M.; Harris, P.; Huntingford, C.;
(Fearnside & Barbosa, 2004). Em 2005, o Instituto Brasileiro Jones, C.D. 2004. Amazonian dieback under climate-carbon
cycle projections for the 21st century. Theoretical and Applied
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)
Climatology 78: 137-156.
empreendeu a “Operação Curupira” para reprimir a exploração
Cox, P.M.; Betts, R.A.; Jones, C.D.; Spall, S.A.; Totterdell, I.J. 2000.
ilegal de madeira, que também parece ter contribuído para reduzir
Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks
a velocidade de desmatamento naquele ano, embora outros fatos in a coupled climate model. Nature 408: 184-187.
como baixos preços da soja e da carne bovina também
Fearnside, P.M. 1993. Desmatamento na Amazônia: Quem tem
contribuíram.
razão nos cálculos—o INPE ou a NASA? Ciência Hoje 16(96):
Além da repressão ao desmatamento em áreas onde o 6-8.
desmatamento já é bem avançado em propriedades privadas, Fearnside, P.M. 1997. Serviços ambientais como estratégia para o
decisões de governo terão grande efeito sobre a taxa de desenvolvimento sustentável na Amazônia rural. p. 314-344 In:
desmatamento regional quando obras de infra-estrutura de C. Cavalcanti (ed.) Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e
transporte forem aprovadas e construídas. O estudo de impacto Políticas Públicas. São Paulo, SP: Editora Cortez. 436pp.
ambiental (EIA/RIMA), exigido para projetos de rodovia desde Fearnside, P.M. 2001. Soybean cultivation as a threat to the
1986, ainda está sendo testado quando a pressão é grande para environment in Brazil. Environmental Conservation 28: 23-38.
reconstrução de rodovias, como no caso da rodovia BR-319 Fearnside, P.M. 2002. Avança Brasil: Environmental and social
(Fearnside & Graça, 2006). Até agora, estes estudos não refletem consequences of Brazil’s planned infrastructure in Amazonia.
os impactos principais de projetos que são o custo ambiental do Environmental Management 30(6): 748-763.
desmatamento que estende além das rotas de rodovias e o Fearnside, P.M. 2003a. A Floresta Amazônica nas Mudanças Globais.
aumento de migração para áreas novas quando o acesso ficar mais Manaus, AM: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-
fácil (Fearnside, 2002). INPA, 134pp.
O elemento fundamental para reduzir a velocidade do Fearnside, P.M. 2003b. Deforestation control in Mato Grosso: A
desmatamento, e um dia pará-lo, é a vontade política para fazer new model for slowing the loss of Brazil’s Amazon forest. Ambio
32(5): 343-345.
isto. Fluxos monetários dos serviços ambientais da redução da
velocidade do desmatamento poderiam prover a motivação para Fearnside, P.M. 2004. A água de São Paulo e a floresta amazônica.
Ciência Hoje 34(203): 63-65.
isto, assim como a motivação poderia vir dos impactos diretos do
Brasil, tais como a perda de provisão de vapor de água para os Fearnside, P.M. 2005. Deforestation in Brazilian Amazonia: History,
rates and consequences. Conservation Biology 19(3): 680-688.
principais centros de população do País na região centro-sul. A
cima de tudo, os líderes do País têm que ter a confiança que a ação Fearnside, P.M. 2006. A vazante na Amazônia e o aquecimento
de governo realmente pode frear, ou mesmo parar, o global. Ciência Hoje 38(231): 76-78.
desmatamento. Existe uma forte tendência para as pessoas verem Fearnside, P.M. 2007. Estoque e estabilidade do carbono nos solos
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Benites, D.C. Kern & N.P.S. Falcão (eds.) As Terras Pretas de
como as conseqüências da mudança climática. Mas estas mudanças
Índio: Caracterização e Manejo para Formação de Novas Áreas.
dependem de decisões humanas. Nós temos livre-arbítrio, e nós Belém, Pará: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
temos que ter a coragem para usá-lo. (EMBRAPA) (no prelo).
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Recebido em 18/01/2006
Aceito em 13/05/2006