Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
MAURIZIUS"
RESUMO
ABSTRACT
The twentieth century has presented great breakthroughs in the construction of theories
about legal interpretation, but the exacerbation of antipositivism was lost in the artificial
dichotomy that puts the law in on one side and the judge on the other. The work “The
Maurizius Case”, by Jakob Wassermann, in what reflects and dialogues with the reality
Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF
nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.
Trabalho indicado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul
2068
of its country and time, is unsparing of clues about the motives that lead the German
pandectism to the ruin and that erected its radical antagonists. The mimesis of this
reality is fixed in the relation established between the main characters: the baron
Andergast, the father, and Etzel Andergast, the son, occupy different sides in
Wassermann’s plot, and represent respectively the cult of the pyramid built by the
“jurisprudence of concepts” and the ruin of the identity between legislation and Law
that the “jurisprudence of interests” had started to denounce. In order to understand the
genesis of this dichotomy it will be necessary (i) to surprise the literary and historic data
that plunged into the work, (ii) to analyze the burden of tradition that ties the baron
Andergast and (iii) to verify in Etzel Andergast the subjectivism that would reign in the
following decades. After extracting of this evolution “three models of judge”, this work
will show how the notes of justice and security reconcile when the false opposition
between text and interpreter is dissolved, highlighting the need for objectification and
control of judicial work, and for the rediscovery of doctrine as essential to the moment
of conflict resolution.
I. INTRODUÇÃO.
2069
integral e descuidar de lhe dar o leite que precisa”[7]. A palavra ‘justiça’ na obra de
Jakob Wassermann, como se vê, está mais para a significação que lhe dá o guarda
Klakusch, ao conversar com o presidiário Leonardo Maurizius: “É uma palavra que
parece um peixe; escapa-nos quando a seguramos”[8].
De todas essas variações que a justiça assume pelas mãos hábeis de Jakob
Wassermann a mais curiosa para o direito é a que se apresenta no primeiro dos três
romances, pois revela paradigmaticamente, no antagonismo entre Wolf e Etzel, pai e
filho, adulto e adolescente, a falência das construções lapidadas no século XIX pelos
juristas alemães: a de identificar direito e lógica, e acreditar que um sistema
perfeitamente erigido – quase que sacralizado pela enormidade do edifício – só poderia
produzir resultados justos. Etzel é como aquele personagem do grande escritor peruano
Julio Ramón Ribeyro que herda de seu bisavô uma famosa e enorme biblioteca,
recheada de livros do século XIX, mas que a descobre, quando abre sua porta, reduzida
a poeira: “o que numa época tinha sido fonte de luz e prazer era agora excremento,
caducidade”[11].
Ressalta aqui, dessa maneira, que as conexões entre direito e obra literária parecem se
estabelecer na perspectiva contextual: da mesma maneira que não se compreendem os
sentidos das palavras senão quando surpreendendo seu uso, os textos literários, por sua
2070
natureza mimética[12], não podem ser desvinculados de seu contexto, dos dados de
tempo e de espaço em que situados autor e obra. Essa é a chamada “dimensão histórica”
da literatura, conforme aponta Carlos Reis: “vivendo num tempo e num espaço
concretos, dialogando de diversas formas com a cultura e com o imaginário em que se
acha inserido, o escritor representa uma cosmovisão que de certa forma traduz essa
relação com o seu tempo e espaço históricos”[13]. Trata-se de resgatar a noção de obra
literária enquanto “cronótopo”, introduzida por Mikhaïl Bakhtine, e que firma a
interação do texto com a realidade através dos vínculos de tempo (krónos) e de espaço
(topos)[14] – resguardada, é claro, a “mensagem transhistórica” das obras literárias
quando no trato dos grandes temas[15].
2071
A retrospecção exige, antes de tudo, situar historicamente o autor e sua obra –
não apenas descobrindo a realidade alemã que foi forjada na intensa transição do século
XIX para o século XX, mas também localizando em que correntes literárias se coloca
Jakob Wassermann (ponto A). A abordagem revelará as linhas gerais de “O processo
Maurizius”, e oportunizará, daí para frente, que se ajuste o foco naquilo que realmente
interessa para os vínculos do texto literário com o direito: o antagonismo que se
estabelece entre o Wolf e Etzel Andergast, temperado pelas valiosas denúncias de
Leonardo Maurizius. A peça de xadrez, então, estará nas mãos do barão: é de suas
convicções que tratará o ponto B deste capítulo.
Eric Hobsbawm bem adverte que não se pode compreender o curto século XX
senão sob as chamas das guerras que o incendiaram[21]. Esse foi um dos séculos mais
bélicos da história da humanidade, sobretudo porque os conflitos, já tonificados pela
massificação das sociedades e pelos pródromos da globalização, assumiram proporções
multinacionais e intercontinentais. A guerra marcou profundamente os cem últimos
anos, e principalmente na pele daqueles que sofreram mais diretamente todos os seus
prenúncios e efeitos. Jakob Wassermann[22], por ser alemão e descendente de judeus,
habitante da Alemanha do entre-guerras e participante ativo das letras nacionais, talvez
tenha sido um ícone desse torvelinho: ele parece ter absorvido com agudeza – e disso
não poderia escapar – as aflições de sua realidade ambígua. Foi um fervoroso alemão,
mas não deixou de insurgir-se marcantemente contra o anti-semitismo quando ele
redundou em perseguições e homicídios[23].
2072
especialmente em “O processo Maurizius”, escrito no entremeio das guerras e no
rodamoinho de fatos que preparavam a ascensão dos nazistas ao poder. As passagens
mais significativas sobre esses temas estão relacionadas ao barão Andergast, a
Warschauer-Waremme e a Melchior Ghisels, que compõem na obra uma tríade
interessantíssima: o primeiro como o típico produto do século XIX, o segundo
conscientemente exaltando os valores bélicos e nazistas, e o terceiro ponderando com
temor o futuro que assomava no horizonte alemão. É claro que a contraposição mais
relevante se dá entre os dois últimos, haja vista que ocupam lugares antagônicos:
enquanto que Warschauer-Waremme exalta a superioridade germânica, Ghisels teme as
conseqüências desses pensamentos[27].
Nas seara das idéias, seu antagonista é o escritor Melchior Ghisels, de alma
elevada e saber indiscutível. Talvez seja um dos personagens mais apreciados pelo
próprio autor (não por acaso, Ghisels é escritor), justamente por incorporar os temores
que tanto atormentaram Jakob Wassermann em sua vida de lutas contra o anti-
semitismo. As antecipações de Wassermann pela boca de Ghisels são impressionantes:
“Um profundo e mórbido desejo de destruição se manifesta nas fileiras daqueles que
vibram diante dos grandes problemas. Se não se puder remediá-lo (e tenho receio que já
seja muito tarde), é forçoso esperar daqui a cinqüenta anos um cataclismo pavoroso que
ultrapassará em horror todas as guerras e todas as revoluções que vimos até hoje. É
estranho que a destruição emane freqüentemente desses mesmos que se crêem os
guardiões dos valores considerados os mais sagrados”[30]. Não demorariam dez anos
para que essas previsões se concretizassem.
2073
Mas não é apenas o enquadramento na sociedade de sua época que define o
escritor e que produz uma compreensão mais completa da obra em exame. Há que se
averiguar quais as correntes literárias que influenciaram Jakob Wassermann, e aqui,
paradoxalmente, é importante frisar que o autor fez parte de um dos mais fulgurantes
movimentos da literatura alemã: o Simbolismo, que deita raízes na fortíssima virada
filosófica de Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) e que é fruto da prosperidade
alemã anterior à Primeira Guerra Mundial[31]. Como indica Otto Maria Carpeaux, a
nova literatura, derivada dos tempos prósperos, exigia uma nova língua, “e essa língua
foi Nietzsche quem a deu aos alemães”[32], contra o passadismo, contra o liberalismo e
contra o racionalismo[33]. A primeira grande guerra – diga-se de passagem – não foi
capaz de quebrar com essas tendências, mas, bem ao contrário, revigorou ainda mais o
pessimismo que provinha de Arthur Schopenhauer (1788-1860) e que era a base de boa
parte da filosofia nietzschiana.
2074
condenou; não há motivos para fazer-lhe menção. Foram todas essas instituições anciãs
que dão cego valor ao juramento, satisfeitas com sua própria perfeição.
Essa identificação do direito com a lógica leva o barão Andergast a exaltar, por
exemplo, a concatenação interna do próprio processo, que nas mãos de um juiz
consciente de sua atuação estritamente silogística refletiria a perfeição do direito
2075
piramidal: “Os detalhes se combinam com perfeita lógica, para formar um conjunto que
encontrará no veredicto o arremate final. Ali estão verdadeiras pérolas da arte jurídica;
somente agora, a distância no tempo permite que se veja globalmente o edifício
imponente, a solidez dos alicerces, o sutil mecanismo das engrenagens internas; o
profissional sente nisso um prazer estético”[47]. Ao juiz só incumbiria subsumir o fato
– depois de conhecido – à norma abstrata, que em sua perfeição e completude emitira a
natural e unívoca solução do caso[48]. O peso da ciência jurídica construída ao longo de
todo o século XIX não permitiria admitir que ela contivesse incompletudes.
Mas o que jaz por detrás da confiança nesse edifício piramidal e faraônico que,
pelas vagas do tempo, já começava a apresentar fissuras? Se o início de “O processo
Maurizius” traz um procurador firme em suas crenças, o desenrolar da trama o faz
titubear: revela-lhe que o direito que pratica, cego às coisas e às pessoas, atirou um
inocente a anos de uma injusta prisão. A crença de que o direito das pandectas, rico em
conceitos e conexões, pudesse produzir naturalmente resultados justos, equivalendo
segurança e previsão, se esvaece paulatinamente perante os olhos do barão quando, num
exercício de estranhamento, relê os autos do “caso Maurizius” e atenta muito mais aos
fatos do que às previsões abstratas. “Se uma verdade pela qual outrora se testemunhara
perante Deus e perante os homens podia transformar-se, ao fim de um certo tempo,
numa caricatura, o que era então, de fato, a verdade em geral? Ou seria somente nele
próprio que havia alguma coisa de carcomido, o mecanismo do seu eu teria
falhas?”[49].
2076
se desculpa pelo erro judiciário: por ter sido forjado nos fornos do século XIX, ele não
poderia ter agido de outra maneira; ele também é um produto de sua época. A descrença
de Jhering se apodera de sua fala: “Renuncie à idéia de que a verdadeira justiça e a dos
tribunais são e devem ser uma só e a mesma coisa. É impossível, isso ultrapassa as
possibilidades humanas e terrestres. Existe entre elas a mesma relação existente entre os
símbolos da fé e as práticas da religião. Um símbolo não pode fazer você viver”[55].
Era tarde demais, porém, para que a ciência do século anterior se arrependesse do
radicalismo que assumira: os danos não mais poderiam ser evitados. A exacerbação do
romantismo se deturparia em idéias bélicas e pan-germânicas, ao feitio do pensamento
nazista de Warschauer-Waremme, da mesma maneira que a sacralização da doutrina
jurídica seria sua própria prisão: primeiro condenada ao subjugo da lei, foi logo
secundarizada diante do poderio hercúleo do juiz. É significativo que o barão
Andergast, de sua postura radicalmente fria, tirânica e tradicional, tenha feito brotar em
seu filho “o antagonista do seu espírito”, como afirma Sofia. “É admirável ver com que
lógica sua educação o preparou para isso”[56]. No pêndulo secular da história humana,
as reações contrárias são geralmente equivalentes – ou superiores – aos radicalismos.
Do arrependimento tardio de Wolf von Andergast, porém, podem-se extrair mais do que
simples e desgastadas críticas ao sistema da “jurisprudência dos conceitos”. O barão não
é o vilão de “O processo Maurizius”. Bem ao contrário, no fim do livro é possível até
mesmo compadecer-se de sua figura: é um indivíduo que dá-se conta de sua falência
enquanto pai e operador do direito, e por isso perde o filho, enlouquece e acaba
abandonado num hospício. Como o barão Andergast, o direito que ruía também era
resultado de seu tempo. O que foge do lugar-comum, portanto, é verificar essa
formatação com compreensão e contextualização, enquanto produção e necessidade
histórica do direito do século XIX. Não há texto sem contexto, e dessa maneira vê-se
bem que o direito também é “cronótopo”. Em certa passagem do livro, Leonardo
Maurizius, em pensamento, repugna as afirmações do barão da seguinte maneira: “seu
interlocutor defendia uma instituição que não possuía mais senão um simulacro de
existência. Saída das pandectas empoeiradas, efetivamente só sobrevivia na cabeça de
alguns homens que tiraram de fórmulas artificiais os conceitos com os quais contraíram
uma simbiose de fantasmas”[57]. A resposta “cronotópica”, como se vê, está nos
fantasmas e na poeira, nas pandectas e na Escola Histórica.
A vitória de Friedrich Carl von Savigny no embate doutrinário que manteve com
Friedrich Justus von Thibaut representou muito para a Alemanha: sua unidade jurídica
seria construída, e não mais importada do país vizinho[58]. Como se sabe, a resolução
teve efeitos imediatos, pois iniciaram-se os intensos trabalhos de redescoberta e
pesquisa histórica das fontes jurídicas alemãs (com proeminência para o direito
romano[59]), e estabeleceu-se paulatinamente uma espécie de “aristocracia professoral”
pela qual se pretendia conscientemente centralizar nas mãos dos juristas toda e qualquer
criação jurídica. É o que desvela, para este último aspecto, James Q. Whitman, ao
explicar o conhecido repúdio à liberdade judicial não pelo simples argumento iluminista
do juiz como bouche de la loi – e menos ainda num país que não havia recepcionado a
idéia montesquiana de separação dos poderes –, mas sobretudo pela força intencional da
fundação de um Juristenrecht (“direito dos juristas”) ou Professorenrecht (“direito dos
professores”)[60]. Daí a verdadeira razão pela qual reinava um disseminado repúdio ao
precedente judicial, o que inclusive serviu de apanágio às equivocadas interpretações do
2077
processo civil romano que incutiram no iudex dos tempos formulários uma atitude
silogística absurdamente anacrônica[61].
Mas o que seduzia o barão Andergast não era a lei, e sim a perfeição do corpo
doutrinário construído ao longo do século XIX e sistematizado em seu último terço.
Não é por acaso que Leonardo Maurizius insurge-se justamente contra as “pandectas
empoeiradas”: eram elas que constituíam o material com que trabalhavam os juízes
alemães[64]. Esse todo acabado e sistemático, que primava pela ampla previsão de
hipóteses subsuntivas, contudo, se mostrou incapaz de produzir justiça: Leonardo
Maurizius foi condenado pelo sistema. Distanciado dos fatos e iludido pela pretensa
perfeição de sua lógica interna, o direito do barão é “ressecamento”, como caracteriza
Etzel: “É um tradição morta, uma lei sem alma”[65]. Se a ciência jurídica foi viva e
fulgurante no século XIX, por outro lado gerou sua própria morte: sistematizada
matematicamente, ficou aprisionada aos tratados e manuais, que se transmutaram em
códigos e leis. A partir de então, todo o problema da criação jurídica se deslocou para a
dicotomia “legislador versus juiz”, e o Juristenrecht ficou abandonado às traças, como
se fosse “pó de um saber” sepultado pela virada do século. “Um chapéu de Napoleão,
num museu, o chapéu guardado numa urna, está mais morto do que o próprio
dono”[66].
2078
III. O DIÁLOGO DE JAKOB WASSERMANN COM O DIREITO DE NOSSA
ÉPOCA.
2079
opiniões de Leonardo Maurizius. Desde o início da narrativa, o jovem filho se contrapõe
ao barão com incredulidade, duvidando da “instituição sagrada e eterna” que seu
antagonista defende com tanto ardor. “A lei instituída, eterna! Ei-lo que se agita na
cadeira e morde o dedo com embaraço”, descreve Wassermann. “Não punha em dúvida
o valor do direito como idéia, apenas a eqüidade de uma sentença recente, pura questão
de pensamento e raciocínio, da qual ficava excluído o coração”[69]. Nos olhos de seu
filho, é o próprio pai quem reconhece o fulgurar de toda uma nova fase: “O barão
Andergast talvez compreenda a linguagem silenciosa de que se faz intérprete aquele
rapaz de dezesseis anos, porta-voz do espírito negativista e incrédulo de sua geração,
espírito contaminado pela doença e anarquia da época”[70]. A atenção voltava-se para o
sujeito, o que resta escancarado quando, no bilhete de partida, Etzel conceitua a verdade
como uma “construção individual”.
2080
convicções, “aquela construção, cuja solidez desafiara todos os ataques, apresenta
agora, à agudez do olhar, fendas e falhas por toda a parte”[76].
O “juiz Hércules”, por sua vez, é a quem se atribuem atuações hercúleas: é livre
julgador, presta assistência e é engenheiro social. Exacerbação do modelo anti-
legislativo, tem como máxima representação o realismo norte-americano de Oliver
Wendell Holmes Jr., que via a regra enquanto derivada unicamente da decisão judicial.
Dissolvido na vontade, o direito hercúleo apresentaria também quatro corolários, na
mesma linha de Júpiter: a proliferação de decisões particulares (“Funes, el memorioso”
de Borges, dentro dessa idéia, talvez fosse um ótimo magistrado[80]), a dispersão sem
sentido das autoridades encarregadas de aplicar o direito, a juridicidade esgotada na
decisão particular (indução, em contraposição à racionalidade dedutiva e linear do juiz
Júpiter), e a temporalidade descontínua (feita de irrupções jurídicas descartáveis depois
que usadas). Em seu particularismo não mais acredita que a previsão das hipóteses
fático-jurídicas fará brotar uma justa decisão; a segurança jurídica passa a ser miragem.
Aqui ressalta o niilismo do método: ele nega todo o critério de unidade e deixa tudo à
disposição da vontade humana[81].
Júpiter e Hércules, conforme lições de François Ost, “no son más que dos
imágenes del Derecho, dos modelos, dos tipos ideales bastante alejados de la realidad
jurídica”[82]. O antagonismo da mitologia entre Júpiter-pai e Hércules-filho também se
reflete em “O processo Maurizius”: o barão Andergast encarna a sacralidade jupteriana
e enlouquece; Etzel acha-se hercúleo e, no particularismo radical, violenta-se ao ponto
2081
do quase-suicídio. Wassermann dá indicativos claros de que nenhuma das duas soluções
– nem a do barão e nem a de Etzel – é aceitável. Não à toa, a evolução do direito
jupteriano o fará descer do Olimpo e escutar o pulsar da sociedade, ao passo que
Hércules ascende à racionalidade e passa a levar a sério os direitos fundamentais. A
pausa obscura entre essas duas notas parece ter gerado um outro modelo: o juiz Hermes.
2082
B-) Subjetividade, objetividade e justiça: o “intervalo entre duas notas”.
E todos os aproveitadores
2083
ou legalista. Como refere Friedrich Müller, “precisamos não do antipositivismo, mas de
uma teoria póspositivista do direito”, e isso importa reconhecer que, apesar de sua
importância, os discursos que se insurgiram contra o juspositivismo (tais como a escola
do direito livre, o sociologismo, a análise econômica do direito, a hermenêutica de
Gadamer e as tendências neofrankfurtianas) não superaram o paradigma criticado. “Eles
são para o positivismo mais ou menos o que as suposições cada vez mais complicadas
sobre os “epiciclos” foram para o sistema tardo-ptolomaico da explicação astronômica:
um “deslocamento degenerativo do problema” (no sentido da teoria da ciência de Imre
Lakatos)”[94]. O movimento em prol de um “novo paradigma”, atento a notas de
objetividade e segurança jurídica, possui desdobramentos de índole jusfilosófica,
dogmática e prática, que merecem ser brevemente abordados ainda que de maneira
exemplificativa, resumida e zetética.
É importante mencionar que a doutrina de Hart foi levada às últimas conseqüências por
seu discípulo, John M. Finnis, que, voltando-se contra diversos postulados de seu
preceptor, desenvolveu o “mínimo de direito natural” (conjunto de princípios que
ordena a vida e a comunidade humana) a partir da noção aristotélica da razoabilidade
prática[96]. A aceitação de sua doutrina, obviamente, implicaria uma revisão e uma
reformulação das chamadas “invariantes axiológicas”[97], que não mais descansariam
apenas na historicidade, mas também na invariabilidade dos caracteres intrínsecos à
própria natureza do ser humano.
Já os vínculos que limitam a atuação prática do juiz são variados, e podem ser divididos
de acordo com sua própria atuação: a análise fática (referente à fase instrutória do
processo) e a formação da decisão (momento de interpretação/aplicação da norma e de
solução do conflito). De certa maneira, eles servem para evitar e limitar os
condicionamentos internos dos juízes – ocasionados pela confiança excessiva no
subjetivismo –, criticados com ódio por Leonardo Maurizius do fundo de sua cela
solitária: “Se pensamos que todas essas pessoas – e não somente elas, pois isso vai
muito alto; é melhor não dizer a que grau de hierarquia o mal atinge – se pensamos que
essas pessoas se vingam sobre nós daquilo que lhes azeda o coração, de todas as suas
2084
ambições fracassadas, de suas desgraças domésticas, da insuficiência do seu salário, às
vezes do fracasso de toda uma existência, quando refletimos que esses funcionários
subalternos são quase todos pessoas para quem é um gozo atormentar e fazer sofrer –
nada podem contra isso, a autoridade que possuem e que os embriaga, consola-os, pois
suas vidas são tão sombrias quanto os cubículos que eles guardam ou como os destinos
os quais presidem – quando pensamos nisso, não podemos deixar de perguntar se os
homens foram feitos para condenar, para punir outros homens”[98].
Enfim, na mediação efetuada pelo magistrado entre hipótese abstrata e caso concreto,
tem-se propugnado com muito vigor pela revalorização da ciência jurídica enquanto
fonte do direito. Isso porque, conforme aponta Alessandro Baratta depois de invocar as
lições de Niklas Luhmann, “a concreção pontual da norma abstrata na ausência de um
corpo dogmático poderia comprometer a própria função do direito, a saber, a
institucionalização da estabilização das expectativas no sistema social”[107]. A intenção
é atribuir aos personagens os papéis que de fato lhes incumbem: ao juiz, a decisão; ao
2085
corpo dogmático, a homogeneização (abstração) do direito enquanto experiência
cultural[108]. De certa maneira, trata-se de resgatar o que de melhor a Escola Histórica
legou ao direito hodierno, sem que se caia no dogmatismo exacerbado que ocasionou
sua petrificação em “jurisprudência dos conceitos”, e de certa maneira colher os
evidentes méritos que o Juristenrecht teve para com a construção de um riquíssimo
corpo jurídico-dogmático. A experiência histórica demonstra ser pelo trabalho dos
juristas que se atingem graus de objetividade, segurança e justiça mais elevados e
equilibrados, já que, como aponta Jacques Ghestin, é pela doutrina que se conhece e se
faz conhecer o direito; é ela que esclarece as regras novas e reinventa as já existentes (os
denominados “dados positivos do direito”). Se não há direito sem jurisprudência, não há
jurisprudência – no melhor sentido da palavra – sem doutrina[109].
A experiência histórica talvez indique que a dicotomia entre legislador e juiz, forjada no
século XX pelo embate entre positivismo e antipositivismo, merece superação pelo viés
doutrinário. Hoje já não se pode falar em legislador jupteriano ou em juiz hercúleo;
talvez Hermes, por sua abertura à falibilidade do ser humano, incorpore melhor a
necessidade de que os magistrados se abeberem nas construções da ciência jurídica para
conjugar justiça e segurança. Já é pacífico que ao legislador incumbe forjar sua obra
com aberturas para a natural evolução da cultura humana, mas o juiz segue vagando nas
correntes do subjetivismo: fala-se que a ele incumbe a criação do direito[112], ao passo
que, em verdade, sabe-se que seu ofício precípuo dirige-se apenas e tão-somente à
resolução concreta dos conflitos. A abertura da legislação evoca não a livre criação do
juiz, mas o complemento doutrinário, a ser efetivado caso a caso por meio da atividade
julgadora[113]. Jurisprudência sem doutrina é como a concha descrita pelo barão
Andergast, ao vagar pelos corredores vazios do tribunal: “A concha parece, na verdade,
conter o oceano quando se a encosta no ouvido, mas o seu eterno concerto de órgão é
uma ilusão; só murmura porque é oca”[114].
IV. CONCLUSÃO.
2086
A justiça é a temática transhistórica de “O processo Maurizius”: ela aparece
imiscuída nas reflexões dos personagens consoante suas vivências fáticas e psíquicas,
mas é vista – salvo a exceção doentia de Warschauer-Waremme – sempre e
invariavelmente como um valor a ser preservado. Não se pode negar que as
discordâncias do barão e de seu filho se processam com relação aos meios de sua
realização: ao passo que Wolf acredita na justiça enquanto produto natural do silogismo
judicial, Etzel a descobre asfixiada pela poeira das pandectas, e adianta que a solução
talvez repouse na visão de um juiz que olhe para as coisas e para as pessoas com maior
atenção. Não há, portanto, desavença quanto ao fim-justiça; com sua consecução
concordam os antagonistas da trama. Mas também a segurança jurídica – ainda que de
maneira mais tímida – se apresenta como figura de xadrez nas mãos dos personagens:
antes em simbiose com a previsão totalitária das situações fático-jurídicas – e isso
determinou tanto a sua exaltação pelo barão Andergast quanto o seu repúdio por Etzel –,
hoje ressuscita nos controles que a aplicação do direito demanda sejam fixados.
São duas notas que vibram na obscura pausa entre lei e juiz: a da justiça e a da
segurança, que parecem se afinar na percepção de que o ser humano é falível. O repúdio
ao totalitarismo legal – legislador que não é Júpiter – há tempos vem ensejando
legislações abertas ao pulsar da vida e da história; e as recentes barreiras que se tem
tentado impor à atividade judicial – juiz que não é Hércules – explicitam que uma
decisão só é capaz de alcançar a justiça se guiada por critérios objetivos. Em verdade,
trata-se de redescobrir e reafirmar a função de cada um desses personagens sem dotá-los
de poderes que extrapolem os fins de suas atividades. A atitude esfacela a dicotomia
engendrada no início do século XX, que posicionou o legislador-Júpiter ao lado do
positivismo legalista e o juiz-Hércules como símbolo das correntes antispotivistas, e
resgata a doutrina como via necessária à harmonização de notas de justiça e segurança.
Estas são, portanto, palavras que se afastam e se reconciliam na história do direito: elas
“saltam, se beijam, se dissolvem”[115]. São peões nas mãos humanas, ou “conchas de
marisco” que, abandonadas, se preenchem dos significados que os dados de tempo e de
espaço as presenteiam[116]. Na teia de conexões entre palavras e conceitos em que
Hermes perscruta; na vida globalizada – “geo-diritto”, como denomina Natalino
Irti[117] – e composta por tons de objetividade e subjetividade, em que a justiça e a
segurança, por vezes, parecem com o peixe de Klakusch: “escapam-nos quando as
seguramos”[118]; em tempos que não se pode pretender nem a onipotência do
legislador e nem a onisciência do julgador, o direito se dissolve e se recompõe no
intervalo dos antagonismos: ele não é nem o barão Andergast e nem Etzel, nem
Warschauer-Waremme e nem Leonardo Maurizius. É o direito do ser humano, “pobre
caniço”; o direito do escritor Melchior Ghisels, e que parece ter, na composição com a
literatura, a melhor representação de sua humanidade[119].
[1] Este texto resulta de pesquisa realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa “Direito
Privado: um espaço de mentalidades” coordenado pela Professora Dra. Judith Martins-
Costa no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRGS. As idéias aqui expostas
foram discutidas preliminarmente nos seminários “Direito e Literatura” integrantes da
disciplina “Fundamentos Culturais do Direito Privado” (UFRGS, 2008/1).
2087
[2] “Falamos do fenômeno espacial e do fenômeno temporal da linguagem; não de um
disparate a-espacial e a-temporal. [Nota à margem. Só que se pode interessar por um
fenômeno de modo diferente.] Mas falamos dela, assim como falamos das figuras do
jogo de xadrez, ao indicarmos regras de jogo para elas e não ao descrevermos suas
características físicas. A pergunta ‘O que é, propriamente, uma palavra?’ é análoga à
pergunta ‘O que é uma figura de xadrez?’”(WITTGENSTEIN, Ludwig. “Investigações
filosóficas” (trad. Marcos G. Montagnoli). 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, pp. 70-71).
[4] É o que esclarece Mirko Skarica, antes de apontar outras duas vantagens da metáfora
elaborada por Wittgenstein (SKARICA, Mirko. Signos, convención y verdad. “Anuario
filosófico”. Navarra: Universidad de Navarra, 1984, v. 17, n. 2, p. 69).
[5] SAUSSURE, Ferdinand de. “Cours de linguistique générale”. 2. Ed. Paris: Payot &
Cie., 1992, p. 24.
[8] PM, p. 357. É digno de menção que para Stephen H. Garrin – um estudioso de
Wassermann – é o guarda Klakusch quem encarna de maneira mais significativa a idéia
do autor sobre a justiça, pois nas obras de Wassermann é corriqueira a multivocidade de
significados atribuídos ao vocábulo (GARRIN, Stephen H. “The concept of justice in
Jakob Wassermann’s trilogy”. Berna: Peter Lang, 1979, p. 50).
[11] RIBEYRO, Julio Ramón. O pó do saber. In: “Só para fumantes: contos” (trad.
Laura Janina Hosiasson). São Paulo: Cosac Naify, 2004, pp. 185-192.
2088
[12] “A realidade é o material da criação literária”, afirma Käte Hamburger; é seu
objeto de mimesis, mas mimetismo no sentido aristotélico de poiesis, de criação
(HAMBURGER, Käte. “A lógica da criação literária” (trad. Margot P. Malnic). São
Paulo: Perspectiva, 1975, pp. 2-4). Interessante, outrossim, é a obra de Erich Auerbach,
em que o autor investiga, desde a Antigüidade até o século XX, as mais variadas
maneiras pelas quais os autores representaram e dialogaram com a sua realidade
(AUERBACH, Erich. “Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental”
(trad. [s.n.]). 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004).
[14] BAKHTINE, Mikhaïl. “Esthétique et théorie du roman” (trad. Daria Olivier). Paris:
Gallimard, 2006, p. 237.
[17] BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: “Magia e técnica, arte e
política: ensaios sobre literatura e história da cultura” (trad. Sérgio Paulo Rouanet). 7.
ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, v.1, p. 223.
[18] CAPOGRASSI, Giuseppe. “Il problema della scienza del diritto”. Milano: Giuffrè,
1962, p. 223. Como afirma Luiz Carlos de Azevedo, “se o direito constitui uma
expressão inseparável de qualquer meio social civilizado; e se este direito não se
conserva estático, mas se dinamiza e se transforma na medida em que as condições
sociais assim exigem; não há como desvinculá-lo da realidade histórica, pois é preciso
saber como este direito foi, até ontem, para entendê-lo, hoje, e melhorá-lo, amanhã”
(AZEVEDO, Luiz Carlos de. “Introdução à história do direito”. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007, p. 22).
[19] Parece não haver incompatibilidade absoluta deste exame com o que centraliza as
relações entre direito e literatura na linguagem, sob uma dimensão que pode ser
chamada de “estética” (para um exame dessas correntes, veja-se MINDA, Gary.
2089
“Postmodern legal movements: law and jurisprudence at century’s end”. New York:
New York University Press, 1995, pp. 149-166). Neste trabalho, no entanto, está-se
priorizando – conforme já afirmado – sua “dimensão histórica”.
[23] As indicações de Luis S. Krausz, ainda que relacionadas a outra obra de Jakob
Wassermann (“Kaspar Hauser”), demonstram bastante bem o conflito interno do autor
entre sua ascendência judaica e sua cidadania alemã, que também transparece em “O
processo Maurizius” no personagem Warschauer-Waremme: “Se ele afirma, de maneira
categórica, não se sentir identificado nem inteiramente à vontade quer entre os alemães,
quer entre os judeus que permanecem mergulhados nas tradições de seus ancestrais, ele
também observa com distanciamento, com apurado senso crítico e não sem certa ironia
os judeus alemães, seus contemporâneos, que parecem estar vivendo num incômodo
limbo, entre dois mundos, sem pertencer realmente a nenhum deles. Ao descrevê-los
Wassermann se coloca no vértice de um triângulo, eqüidistante de dois pólos – o
judaico e o alemão – e a partir deste vértice ele observa, com igual estranhamento, todos
os pontos da reta que leva de um a outro desses pólos, isto é, o longo iter que separa o
judeu do gueto, com suas formas de vida cristalizadas pelos séculos, dos vários graus de
assimilação judaica na Alemanha, que à época de sua juventude atingia o auge na
concepção do Deutscher Bürger mosaischen Glaubens (cidadão alemão de fé
mosaica)” (KRAUSZ, Luis S. Jakob Wassermann e Kaspar Hauser, 100 anos depois.
“Revista Contingentia”. [s.l.]: [s.n.], 2007, v. 2, pp. 11-12, disponível em
http://www.revistacontingentia.com, acesso em 02 de agosto de 2008).
2090
que “while this measure did not yet constitute an official ban, it nevertheless
stigmatized Wassermann and instilled fear in the ranks of German publishers and book
dealers. Publishing and marketing the writings of a blacklisted author became risky
business, both politically and commercially” (p. 187).
[27] O barão Andergast não parece militar num ou noutro sentido, mas simplesmente
incorporar a exaltação germânica como algo natural (representativa de uma população
que, embriagada por seus sonhos patrióticos, não teria forças para se insurgir contra o
regime sucessivo). É o que pode ser lido do seguinte trecho, com fina ironia do autor:
“Por momentos, tinha-se a impressão de que ele se estava ouvindo com complacência
mas, na verdade, não tinha essas fatuidades: apenas, a consciência de sua superioridade,
consciência que lhe entrara no sangue e que se manifestava em suas relações com os
seres sob a forma de um seco pedantismo ou de uma objetividade puramente lógica.
Neste particular, era extraordinariamente alemão – no sentido mais moderno da palavra”
(PM, p. 30).
[29] “Mein Kampf”, escrito por Adolf Hitler em 1924 durante sua prisão e publicado
em dois volumes: o “Die Nationalsozialistische Bewegung” em 1925 e o “Viereinhalb
Jahre des Kampfes gegen Lüge, Dummheit und Feigheit” em 1926. A luta por esse
“espaço vital” transparece, é claro, na intenção de uma expansão bélica e de um pan-
germanismo europeu, presente noutra passagem de “O processo Maurizius” em que, já
como Georg Warschauer, o personagem fala a Etzel Andergast: “Então, aparecia a
finalidade: a política revolucionária e criadora à qual me sentia destinado. A idéia de
uma Europa transformada, de uma unidade continental sob a hegemonia da Alemanha,
uma hegemonia germano-romana, entusiasmava-me. Oh! que sonhos! Sonhos loucos!”
(PM, p. 243).
[31] O Simbolismo foi corrente de grandes autores alemães: dos poetas Hugo von
Hofmannsthal, Stefan George e Rainer Maria Rilke, e dos romancistas Heinrich Mann e
Thomas Mann, que, como Stendhal, talharam na prosa a introspecção psicológica
(CARPEAUX, Otto Maria. “A literatura alemã”. São Paulo: Cultrix, 1963, p. 188).
[32] CARPEAUX, Otto Maria. “A literatura alemã”. São Paulo: Cultrix, 1963, p. 170.
Carpeaux, aludindo às principais obras de Nietzsche, ainda complementa: “Nesses
2091
livros criou Nietzsche uma nova língua alemã, para a prosa e para a poesia. Duas vezes,
a língua alemã tinha sido revolucionada e reformada: a primeira vez, por Lutero; e a
segunda vez, por Goethe e pela tradução de Shakespeare, de August Wilhelm Schlegel.
A terceira revolução é a de Nietzsche. E foi tão profunda que, de qualquer poesia,
romance, novela, drama ou até obra científica alemã dos séculos XIX e XX, o
conhecedor da língua pode logo diagnosticar depois de ter lido poucas linhas: foi escrita
antes de Nietzsche, ou então, foi escrita depois de Nietzsche. Foi uma revolução
lingüística total, à qual ninguém escapou nem quis escapar” (p. 173).
[33] Anatol Rosenfeld, falando sobre Nietzsche, afirma que “o radicalismo da sua
crítica cultural, o pessimismo niilista relativo à civilização européia (ligada ao
“otimismo heróico” do super-homem), a transvalorização dos valores, exerceram
enorme impacto sobre os movimentos em foco”, id est sobre o Impressionismo e o
Simbolismo literários (ROSENFELD, Anatol. “História da literatura e do teatro
alemães”. São Paulo: Perspectiva, 1993, p. 118).
[34] ROSENFELD, Anatol. Reflexões sobre o romance moderno. In: “Texto / Contexto
I”. São Paulo: Perspectiva, 2006, p. 83. Para Rosenfeld, o Zeitgeist do romance
moderno é justamente esse: a relativização do tempo e do espaço, que se traduz ou no
foco à psicologia dos personagens (Marcel Proust, behaviorismo de Ernest Hemingway)
ou, então, num estilo seco, impessoal e desindividualizado (Albert Camus, Franz
Kafka). É, ao fim e ao cabo, a dissolução da perspectiva: “tanto se desfaz nos romances
em que o narrador submerge, por inteiro, na vida psíquica da sua personagem, como
naqueles em que se lança no rodopiar do mundo. Quer o mundo se dissolva na
consciência, quer a consciência no mundo, tragada pela vaga da realidade coletiva, em
ambos os casos o narrador se confessa incapaz ou desautorizado a manter-se na posição
distanciada e superior ao narrador “realista” que projeta um mundo de ilusão a partir da
sua posição privilegiada” (p. 96). Como já se viu, Jakob Wassermann parece dissolver o
mundo na consciência de seus personagens: cada qual o vê de sua posição e de acordo
com suas motivações contextuais.
[35] Essa é a definição dada mentalmente por Leonardo Maurizius, ironizando a defesa
que o barão Andergast acabara de fazer do sistema vigente (PM, p. 207).
[38] BLOCH, Marc. “Apologie pour l’histoire, ou, métier d’historien” (Cahiers des
Annales). 2. ed. Paris: Armand Colin, 1952, p. 39.
2092
[41] PM, p. 30.
[42] E prossegue em mesmo trecho: “Sonhei uma noite que imensa multidão se jogava a
seus pés, suplicando para você voltar atrás em um julgamento; e você permanecia
imóvel, como uma pirâmide de pedra. Imaginar-se infalível, um juiz infalível, que
terrível aberração!” (PM, p, 332).
[43] Essas são palavras de WIEACKER, Franz. “História do direito privado moderno”
(trad. A. M. Botelho Hespanha). 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993, p. 494.
Conforme ressalta esse mesmo autor, não se pode confundir o “positivismo científico”
com outras espécies de positivismo: nem com o “positivismo legalista”, que identifica
no legislador o criador do direito, e nem com o “positivismo científico em geral”,
pertencente à filosofia de Comte (p. 493). De tez ainda mais distinta são as elaborações
de Hans Kelsen e Herbert Hart, que já por serem de outra época não encontram
semelhanças efetivamente contundentes com as que lhes precederam.
[44] “São elas, as matemáticas (…) que nos dão uma visão viva das leis naturais e que,
do mesmo modo como a coroa de uma cúpula junta e reúne tudo o que aparentemente se
exclui e se repele, podem conciliar as faculdades humanas as mais elevadas e as mais
contraditórias” (PM, p. 27).
[45] Afirma Karl Larenz que em Puchta é significativa a presença das concepções
talhadas séculos antes por Christian Wolff (LARENZ, Karl. “Metodologia da ciência do
direito” (trad. José Lamego). 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 27). Como
bem resume Uberto Scarpelli, depois de analisar as obras de Thomas Hobbes,
Montesquieu, Jean-Jacques Rousseau e Cesare Beccaria, “nell’orizzonte illuministico il
sillogismo giudiziario è indispensabile ai valori politici della libertà e dell’egualianza:
l’accettazione dello schema sillogistico non è il frutto di una riflessione a posteriori sul
ragionamento applicativo della legge, bensì la postulazione di una condizione necessaria
perché la legge venga applicata senza spazio dell’arbitrio dell’operatore” (SCARPELLI,
Uberto. Dalla legge al codice, dal codice ai principî. “Rivista di filosofia”. Bologna: Il
Munlino, 1987, v. 78, p. 5).
[48] A relação necessária que há entre sistema fechado e interpretação silogística para a
“jurisprudência dos conceitos” é descrita exemplarmente por Franz Wieacker na
seguinte passagem: “Uma dada ordem jurídica constitui um sistema fechado (i.e.
autônomo e coerente) de instituições e normas e, por isso, independente da realidade
social das relações da vida reguladas por essas instituições e normas. Admitido isto, é
em princípio possível decidir corretamente todas as situações jurídicas apenas por meio
de uma operação lógica que subsuma a situação real à valoração hipotética contida num
princípio geral de carácter dogmático (e implícito também nos conceitos científicos)”
(WIEACKER, Franz. “História do direito privado moderno” (trad. A. M. Botelho
Hespanha). 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993, p. 494).
2093
[50] LARENZ, Karl. “Metodologia da ciência do direito” (trad. José Lamego). 3. ed.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 31. Conforme lições de Franz Wieacker, “hoje, a
condenação do método “histórico-natural” impôs-se, por um lado, pela crítica da
jurisprudência dos interesses; por outro lado, pelos esforços do neo-kantismo no sentido
de uma separação pura entre a construção conceitual das ciências da natureza e das
ciências do espírito” (WIEACKER, Franz. “História do direito privado moderno” (trad.
A. M. Botelho Hespanha). 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993, p. 496, nota 14).
[52] JHERING, Rudolf von. “Law as means to an end” (trad. Isaac Husik). Boston: The
Boston Book Company, 1913, e em especial a p. LIV de seu prefácio, onde há uma
descrição geral da idéia da obra.
[53] LARENZ, Karl. “Metodologia da ciência do direito” (trad. José Lamego). 3. ed.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 62.
[58] Savigny escreveu, no principal trabalho da polêmica, que “solo cuando, merced a
un severo estudio, hayamos adquirido un más completo conocimiento y una mayor y
más aguda perspicacia histórica y política, será posible un juicio recto sobre los
materiales transmitidos hasta nosotros” (SAVIGNY, Friedrich Carl von. “La vocación
de nuestro siglo para la legislación y la ciencia del derecho” (trad. Adolfo G. Posada).
Buenos Aires: Atalaya, 1946, p. 132). Savigny não esclarece, porém, se é contrário à
codificação enquanto projeto ou se apenas e tão-somente a crê inapropriada para a sua
época. Autores como Norberto Bobbio acreditam que Savigny tinha uma “oposição de
princípio” à feitura de um código, pois a necessidade da legislação equivaleria a tempos
de decadência da sociedade (BOBBIO, Norberto. “O positivismo jurídico: lições de
filosofia do direito” (trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues). São
Paulo: Ícone, 2006, pp. 61-62).
2094
[59] A prioridade outorgada ao direito romano advém das idéias medievais de translatio
imperii e do direito romano enquanto “direito da paz” – dentro outras –, presentes
sobretudo na obra de Phillip Melanchton (1497-1560), mas a ela precedentes
(WHITMAN, James Q. “The legacy of Roman Law in the German Romantic Era:
historical vision and legal change”. Princeton: Princeton University Press, 1990, p. 4).
Foi, porém, na época de Melanchton que elas ganharam efetiva força, e nisso a criação
do Reichskammergericht (1495) parece possuir fundamental importância: na Suprema
Corte devia-se aplicar o direito romano sempre que inexistente o direito local (WOLFF,
Hans Julius. “Roman Law: an historical introduction”. Norman: University of
Oklahoma Press, [s.d.], p. 200).
[60] “In promoting the lawmaking claims of learned jurists, Savigny and his followers
were obliged to oppose more than just the claims of the Germanist-sponsored Volk.
They were also obliged to oppose claims of another class of lawyers: judges who might
be inclined to claim legal authority for precedent. It was very important for Savigny and
Puchta that the principal source of law not be prior court decisions but rather learned
essays and treatises. Thus they were fundamentally hostile to the judicial exercise of
power through the making of binding precedent. (…) Indeed, the Historical School’s
Juristenrecht was emphatically intended as a rule of scholars, not judges” (WHITMAN,
James Q. “The legacy of Roman Law in the German Romantic Era: historical vision and
legal change”. Princeton: Princeton University Press, 1990, pp. 129-130). O
Juristenrecht, segundo Alessandro Baratta, ganha seu lugar no sistema das fontes “al
mismo nivel que el derecho legislativo y consuetudinario, idea que desde entonces
permanecerá en el pensamiento jurídico alemán” (BARATTA, Alessandro. La
jurisprudencia y la Ciencia Jurídica como fuente del Derecho. In: “Las fuentes del
derecho: primeres jornadas jurídiques de Lleda (13 y 14 de mayo de 1983)”. Barcelona:
Ediciones de la Universitat de Barcelona, 1983, p. 48).
[61] METZGER, Ernest. Roman judges, case law, and principles of procedure. “Law
and history review” (separata), 2004, n. 22/2, pp. 17-18, e WHITMAN, James Q. “The
legacy of Roman Law in the German Romantic Era: historical vision and legal change”.
Princeton: Princeton University Press, 1990, p. 130. Felizmente, as descobertas
arqueológicas posteriores desvelaram que também os romanos tinham por prática o uso
do precedente, mas longe, é claro, de que isso tenha o significado de um case law
(METZGER, Ernest. Roman judges, case law, and principles of procedure. “Law and
history review” (separata), 2004, n. 22/2, p. 11).
[62] Nesse sentido, afirma Karl Larenz que a “jurisprudência dos conceitos” talvez
jamais surgisse se os seguidores de Savigny tivessem levado a sério sua doutrina sobre a
interpretação, que previa uma constante superação, por via da ciência jurídica, do
desajuste havido entre intuição e forma abstrata (conceito) de cada regra (LARENZ,
Karl. “Metodologia da ciência do direito” (trad. José Lamego). 3. ed. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1997, p. 14).
[63] BORGES, Jorge Luis. El inmortal. In: “El Aleph”. Buenos Aires: Emecé, 2005, p.
21.
2095
manual científico constituir a última instância decisória da prática do direito comum”
(WIEACKER, Franz. “História do direito privado moderno” (trad. A. M. Botelho
Hespanha). 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993, p. 510).
[65] PM, p. 282. Segundo Stephen H. Garrin, o direito do barão é rígido e mecânico tal
qual se apresenta em “O processo” (“Der Prozess”), de Franz Kafka (GARRIN, Stephen
H. “The concept of justice in Jakob Wassermann’s trilogy”. Berna: Peter Lang, 1979, p.
32). A diferença que se pode notar, contudo, é que enquanto Wassermann foca sua
crítica na inaptidão teórica do sistema pandectístico, Kafka parece expor as entranhas
apodrecidas do sistema judiciário de sua época.
[66] RIBEYRO, Julio Ramón. O pó do saber. In: “Só para fumantes: contos” (trad.
Laura Janina Hosiasson). São Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 192.
[68] A analogia com a figura paterna é desenvolvida por Stephen H.Garrin (GARRIN,
Stephen H. “The concept of justice in Jakob Wassermann’s trilogy”. Berna: Peter Lang,
1979, p. 59), a partir de um ensaio escrito por Henry Miller em que Etzel Andergast é
caracterizado como um “Hitler embrionário”: “There is something monstrous about
Etzel Andergast: he is fascinatingly attractive and repellent at the same time. He stands
for the new type of youth which made possible the advent and sway of an Adolf Hitler.
He might even be regarded as an embryonic Hitler. He is “the murderer of the soul”, to
use the language of his victims” (MILLER, Henry. “Maurizius forever”. Waco: Motive,
1946, p. 11).
[71] LARENZ, Karl. “Metodologia da ciência do direito” (trad. José Lamego). 3. ed.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 64.
[72] São palavras de Karl Larenz: “Ao exortar o juiz a aplicar juízos de valor contidos
na lei com vista ao caso judicando, a Jurisprudência dos interesses – embora não
quebrasse verdadeiramente os limites do positivismo – teve uma actuação libertadora e
fecunda sobre uma geração de juristas educada num pensamento formalista e no estrito
positivismo legalista. (…) E isto em medida tanto maior quanto aconselhou idêntico
processo para o preenchimento das lacunas das leis, abrindo desta sorte ao juiz a
possibilidade de desenvolver o Direito não apenas na “fidelidade da lei”, mas de
harmonia com as exigências da vida” (LARENZ, Karl. “Metodologia da ciência do
direito” (trad. José Lamego). 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 69-70).
2096
ocasionou o desaparecimento do retrato e da perspectiva, e expressou-se na abstração de
diversos movimentos, como e.g. o cubismo, o expressionismo e o não-figurativismo.
Essas modificações se refletiram no teatro e no romance moderno, em que se
dissolveram as estruturas de tempo e de espaço tipicamente ordenadas, e passou-se a
valorizar ao extremo o monólogo interior dos personagens (ROSENFELD, Anatol.
Reflexões sobre o romance moderno. In: “Texto / Contexto I”. São Paulo: Perspectiva,
2006, pp. 75-86).
[77] OST, François. Júpiter, Hércules, Hermes: tres modelos de juez (trad. Isabel
Lifante Vidal). “DOXA – Cuadernos de filosofía del derecho”. Disponível no site:
http://www.cervantesvirtual.com. Acesso em 01 de junho de 2008.
[78] Citando Hans Kelsen e Adolf J. Merkl, François Ost assim descreve o modelo
piramidal: “si se trata de apreciar el fundamento de validez de las normas, se ascenderá
de la norma inferior a la norma superior para llegar a la norma fundamental que habilita
a la autoridad suprema a crear Derecho válido; si se trata, en cambio, de prever la
creación de una nueva norma jurídica, se tomará el camino inverso, partiendo de esta
primera habilitación para recorrer seguidamente a los siguientes escalones de la
jerarquía normativa” (OST, François. Júpiter, Hércules, Hermes: tres modelos de juez
(trad. Isabel Lifante Vidal). “DOXA – Cuadernos de filosofía del derecho”. Disponível
no site: http://www.cervantesvirtual.com. Acesso em 01 de junho de 2008, p. 173).
[79] “Il metodo vi è immaginato come un docile attrezzo, adoperato dal giurista nello
studio delle norme. Un utensile, con il quale il soggetto “tratta” l’oggetto, cioè lo afferra
manipola classifica. Estraneo al soggetto ed all’oggetto, ma pur così decisivo che l’uso
di esso fa del soggetto un giurista e dell’oggetto una norma del sistema. Il metodo
giunge al passato, ci precede, costruito della tradizione e dall’autorità delle scuole, e
noi, dinanzi a qualsiasi norma, lo prendiamo ed applichiamo: e qualsiasi norma,
sottoposta al trattamento del metodo, si purifica ed entra nella dignità logica del diritto.
Come un detersivo chimico, che lavi tutte le macchie, il metodo sarebbe capace di pulire
le norme, di renderle nette e decorose, e infine di raccoglierle in qualche superiore
unità” (IRTI, Natalino. Nichilismo e metodo giuridico. “Rivista trimestrale di diritto e
procedura civile”. Milano: Giuffrè, 2002, v. 56, pp. 1.159-1.260).
[80] BORGES, Jorge Luis. Funes, el memorioso. In: “Ficciones”. Buenos Aires: Emecé,
2005, pp. 151-165. No clássico conto de Borges, Funes é o personagem incapaz de
efetuar abstrações: cada coisa, cada pessoa e cada lugar eram, para ele, únicos e
incomparáveis. “Sospecho, sin embargo, que no era muy capaz de pensar. Pensar es
2097
olvidar diferencias, es generalizar, abstraer. En el abarrotado mundo de Funes no había
sino detalles, casi inmediatos” (p. 165).
[82] OST, François. Júpiter, Hércules, Hermes: tres modelos de juez (trad. Isabel
Lifante Vidal). “DOXA – Cuadernos de filosofía del derecho”. Disponível no site:
http://www.cervantesvirtual.com. Acesso em 01 de junho de 2008, p. 180. Ainda aponta
Ost para “la incapacidad de los dos paradigmas para articular, de manera satisfactoria, el
hecho y el Derecho y, por otra parte – y esto no es ajeno a aquello –, de una forma de
obliteración de la vida jurídica real; el Derecho se disuelve, en última instancia, en los
lugares imaginarios de los que se considera procedente: vértice de la pirámide o
extremidade del embudo” (p. 178).
[84] É o que admite, por exemplo, Sergio Chiarloni, pregando uma renovação evolutiva
da legislação pela via judicial apenas depois de bem firmada uma “consuetudine
giudiziaria”, id est a passagem de um certo lapso de tempo conjugada à consolidação de
uma massa crítica de decisões analogamente orientadas (CHIARLONI, Sergio. Ruolo
della giurisprudenza e attività creative di nuovo diritto. “Rivista trimestrale di diritto e
procedura civile”. Milano: Giuffrè, 2002, n. 1, pp. 3-5).
2098
[85] Como a atividade legislativa acaba sendo vista como uma ars combinatoria,
“l’aumento del numero delle regole comporta, quindi, uno sviluppo esponenziale delle
possibilità di combinazione: più regole vi sono, più si verificano possibilità di
antinomie, di contraddizioni interne dell’ordinamento” (PICARDÌ, Nicola. La
vocazione del nostro tempo per la giurisdizione. “Rivista trimestrale di diritto e
procedura civile”. Milano: Giuffrè, 2004, n. 1, pp. 44-45).
[88] OST, François. Júpiter, Hércules, Hermes: tres modelos de juez (trad. Isabel
Lifante Vidal). “DOXA – Cuadernos de filosofía del derecho”. Disponível no site:
http://www.cervantesvirtual.com. Acesso em 01 de junho de 2008, p. 183.
[92] OTTO, Walter Friedrich. “Os deuses da Grécia: a imagem do divino na visão do
espírito grego” (trad. Ordep Serra). São Paulo: Odysseus, 2005, p. 110.
[93] Apud OTTO, Walter Friedrich. “Os deuses da Grécia: a imagem do divino na visão
do espírito grego” (trad. Ordep Serra). São Paulo: Odysseus, 2005, pp. 96-97.
[96] FINNIS, John. “Natural law and natural rights”. Oxford: Clarendon Press, 2001, p.
18, em que o autor adianta, num breve resumo, os pilares em que uma teoria do direito
natural deve se apoiar.
2099
[97] Essa é a expressão adotada por Miguel Reale, que, diferentemente da visão
jusnaturalista e com influências explícitas de Kant e Husserl, enxerga o problema dos
valores enquanto imerso na história e concentrado no sujeito: “o homem é o valor-fonte
de todos os valores porque somente ele é originariamente um ente capaz de tomar
consciência de sua própria valia, da valia de sua subjetividade, não em virtude de uma
revelação ou de uma iluminação súbita de ordem intuitiva, mas sim mediante e através
da experiência histórica em comunhão com os demais homens” (REALE, Miguel.
Invariantes axiológicas. In: “Paradigmas da cultura contemporânea”. São Paulo:
Saraiva, 1996, p. 107). A questão axiológica é digna de menção por assumir papel
inarredável no processo interpretativo/aplicativo do juiz.
[100] KNIJNIK, Danilo. “A prova nos juízos cível, penal e tributário”. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, p. 19. Como afirma o autor, “essa “objetivização” está dirigida à razão
prática, à lógica do discurso e à teoria da argumentação”, de maneira a transferir para a
avaliação da prova critérios de racionalidade e controle na valoração das provas (p. 17).
2100
como efeito, não apenas impedir-lhe o acesso à independência científica, mas
concentrar o seu interesse na argumentação de carácter erístico ou refutativo”
(BLANCHÉ, Robert; DUBUCS, Jacques. “História da lógica” (trad. António Pinto
Ribeiro e Pedro Elói Duarte). Lisboa: Edições 70, 2001, pp. 19-21).
[106] Como ensina Giacomo Gavazzi, só se poderia dizer que o direito é ilógico –
admitindo-se a existência de uma ciência jurídica – se concebido como decisionismo
(GAVAZZI, Giacomo. Logica giuridica. “Novissimo Digesto Italiano”. 3. ed. Torino:
Editrice Torinese, 1957, v. 9, p. 1.063) – e isso, como já visto, não condiz com o
momento atual das teorias gerais do direito. Bem refere Michele Taruffo que mesmo
tendo sido abandonada a figura do juiz como máquina de silogismos, sobreviveu para os
tempos hodiernos o valor da racionalidade da decisão judicial enquanto garantia de
justiça (TARUFFO, Michele. Legalità e giustificazione della creazione giudiziaria del
diritto. “Rivista trimestrale di diritto e procedura civile”. Milano: Giuffrè, 2001, n. 1, p.
20).
[108] Como afirma Giuseppe Capograssi, “la scienza è la storia continuamente presente
e viva in ogni momento dell’esperienza giuridica: è storia non in quanto scritta, esteriore
all’esperienza, ma la storia in quanto vita, presente alla vita, la storia appunto come
tradizione che sorregge spiega dà un significato unitario alle continue forme nuove nelle
quali la vita del diritto si va realizzando” (CAPOGRASSI, Giuseppe. “Il problema della
scienza del diritto”. Milano: Giuffrè, 1962, pp. 222-223).
[109] GHESTIN, Jacques. Les données positives du droit. “Revue trimestrielle de droit
civil”. Paris: Dalloz, 2002, jan./mar., pp. 22-23.
[110] O ofício do pretor estava embasado no imperium conferido pelo Populus (já que
eleito por assembléia popular) e na auctoritas partilhada pelos jurisconsultos. Conforme
resume Henri Levy-Bruhl, tratando da participação dos juristas na elaboração da
fórmula, “rien ne permet de supposer que le Préteur, conscient de son infériorité
technique, n’ait suivi docilement les conseils du Prudent consulté” (LEVY-BRUHL,
Henri. Prudent et préteur. “Revue historique du droit français et étranger”. Paris:
Recueil Sirey, 1926, ano 5, p. 36).
[111] É o que confirma Aulo-Gélio em trecho das Noctes Atticae (XIV, 2).
2101
279.889-AL, Rel. Min. Francisco Falcão, Rel. para acórdão Min. Humberto Gomes de
Barros, julgado em 14 de agosto de 2002). Afirma o Ministro Humberto Gomes de
Barros: “Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do
Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. (…) Precisamos
estabelecer nossa autonomia intelectual para que este Tribunal seja respeitado. (…) Esse
é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça e a doutrina que se amolde a ele. É
fundamental expressar o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de
ninguém”.
[113] Clóvis do Couto e Silva bem resume esse entendimento na seara pátria quando
analisa a idéia de “Código central” e indica claramente que o “juiz-legislador do caso
concreto” só atua por via dos complementos indicados pela doutrina: “O pensamento
que norteou a comissão que elaborou o Projeto do CC brasileiro foi o de realizar um
Código central, no sentido que lhe deu Arthur Steinwenter, sem a pretensão de nele
incluir a totalidade das leis em vigor no país. A importância está em dotar a sociedade
de uma técnica legislativa e jurídica que possua uma unidade valorativa e conceitual, ao
mesmo tempo em que infunda nas leis especiais essas virtudes, permitindo à doutrina
poder integrá-las num sistema, entendida, entretanto, essa noção de um modo aberto”
(COUTO E SILVA, Clóvis. O direito civil em perspectiva histórica e visão de futuro.
“Ajuris”. Porto Alegre: Ajuris, 1987, jul., pp. 148-149). Conforme indica Pontes de
Miranda, a tradição de recorrer subsidiariamente à opinião dos jurisconsultos é prática
que remonta às Ordenações, e que só foi afastada com o advento da “Lei da Boa Razão”
(18 de agosto de 1769) – e que sofreu, diga-se en passant, duras críticas de juristas da
época, como e.g. José Homem Correa Telles (PONTES DE MIRANDA, F. C. “Fontes e
evolução do direito civil brasileiro”. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, pp. 39-46).
[119] Como afirma Gary Minda, todas as linhas de estudo que procuram conexões entre
direito e literatura parecem ter um arcabouço comum: a recuperação do elemento
humano para o direito. São suas palavras: “The politics of this movement seems to be
aimed at bringing out the human element missing in law” (MINDA, Gary. “Postmodern
legal movements: law and jurisprudence at century’s end”. New York: New York
University Press, 1995, p. 158).
2102