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Düdos lntcmncioua1s de ('1u .1lo��o nll 1'�1blic.açi'ia (CIP)
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Se, por um lado, ninguém perdeu os sentidos andando a 1111 1 <11\1 lh 11n:is mais fr..1gmentndas, em que as pcrcepções são
130 km/h pelo impacto da força G sobre o corpo em si, por outro, 1 h h1111111dos .: rcconstl'lUídas pelo que se transforma também no
o índice de mortes e graves lesões por atropelamentos e acidente~ 1tj1•th1 q1111ndt• ele, at111vés da passagem do tempo, alinhava e
de carro e moto está muito longe de ser engraçado. Seria mais 11 ,t111 t1111v11 ~ua 11arrativa, retomando os traços nele inscritos' e
elegante não dizê-lo. mas é fato: fazer um transplante de órgãM p111lt mln rcs~ ignificá-los de forma inusitada em sua extensão e
cm São Paulo euma boa opção. Não ~ó pela competência lécnico- i, 11.-1111·~11 discursiva.
científica. mas também porque hil mais úrg5os disponíveis do que 1•8,c bombardeio sensorial fragmentário é tal q ue surgem
em out1as localidades, provindos. nada menos, da quantidade de 1111•~~Ms tais como desver, ou seja. querer retToativamente
corpos de jovens motoqueiros acideniados que trabalham. por 1h11 11 percepção, ou., como nada ingenuamente ironiza, acerca
exemplo, em tele-enh·cgas. ,1 1111~so ~JlOCa, UI]) colega da á rea de cultura: "Vejo de ludo e
Sem chegarmos a tais extremos. é ,negável que a velocidade 11!11 11t11rro!''. Se, no tradicional ditado popular "morro e não vejo
muda o modo como percebemos o que nos rodeia. Não é o 11111! 11", ~ublinha-se a capacidade bumana de realizar invenções,
mesmo a contemplação da paisagem andando a pé. de bicicleta 1,,, 111 8C, nessa inversão lógica, que, na atualidade, mais do que
ou de trem-bala. Quando nos deslocamos rápido. percorremos 11111 hll tpreendente ser humano, encontramos um ser exaurido
muito mais paisagens em menos tempo. mas também perdemos 1, 111 Cflrâtcr compulsivo de ver mais e mais da era digital.
os detalhes do cam.u1ho. Quando j untamos. a esse excesso de imagens. os textos
Quando estamos expostos à vcloc1dacle voraz de centenas 11111 vci 111ais curtos. fica evidente que não só a relação tempo-
de imagens por dia, através de nossas tdas portáteis conectadas 1'•1\''' de nossas vivê11cias mudou, mas também como passamos
à internet, vivemos também expostos 3 um bombardeio sensorial , 1 p1 L·icntar o que nos acontece. Não se edita do mesmo modo a
que satura nosso sistema perceptivo. lissa quantidade de Ili,, 1111 era do Romance, como gênero literario. e na era dos 140
pcrcepções modifica o modo como tramitamos mentalmenLc o 11 ,11•1l'rcs estipulados pelo Twitte1:
que chega até nossos olhos e ouvidos. porque passamos a carecer 11:i uma descontimiidadc produzida pela era digital nos
do tempo nece~sário para elaborar o percebido no jogo cntrt 111,ulus d~ estnbelecer o laço social e 1ll!S formas discursivas de
esquecime11to e memória. f , 11111~ 1dcrênçi,1 .:iqui a textos de Freud rwbre o !!OSSO registro de m~ória, que
l · 11,11111Mll LQmo uma caplllt~l holográfic.a, míl."i peln ln!>crição de traçm;. Ver: FRElíD, S.
É preciso um intervalo temporal para esquecer e poder 1 •"-l l'roi(!h> par-ÍI uma psicologia cie:ntlfic:i. ln. ___ Edifdo standard brtiJi/tirc, das
, / -ri riloglms amrp!eta1. Rio de Janeim: lmago, 19n. v. l , p. 421~22..; I dem. Carta 52 :i
rememorar, para passardo impacto inicial chc iode cores cstridentes 1IH%I, ln: FREUD, S. Obmscompfotas.. ~drid: fd. 8lblIQteca Nue'\"êl, 19~, p.949-
a uma evocaçào que revisita a vivência, transformando-a em 1 hh•m A lntcrpreta.çici d<>$ ~<.mho:s:!1'900]. rn: - ~ Edição st,mdard &r(1s1/t?irtJ
11l1f1h púwlógico..f completa.s. Rio de Janeiro: [mago. 1977. v. 4 e 5~ Idem. Uma nota
memória, às vezes com cores mais queimadas e esmaecida, 1
o •• hloco m:igico [l92S], ln.;_ ~ Ediç?Jo Slilndard brasilt!itu das.obrns psic,,~gialS
11,1/11.a 1(10 Jc J:andro: Imago.. 1977. Y. 19, p. 2&3-290.
IS
lntoxict1çô~6 clctninicas
sustentar subjetivamente as experiências. lsso comparece cm ,,_ niodo, idcai~ de , iver. e os sintomas mudam com eles. Nos
nossos consultórios, levando-nos a interrogar que rede sustenta 10111H111iúrios. constatamos as consequências dcs1e outro inevitável
o sujeito contemporâneo no balanço entre o público e o privado. l,1!1,1 da moeda que ·apresenta o ideal pelo avesso. Mesmo que as
entre O lazer e o trabalho, entre a rea lidade e a ficção, ao ser e 111•s,rn1, nada qL1ei.ram saber dele, ele vai junto com aqueles que
estar lançado virtualmente na web. h,lltm il porta dos consultónos públicos e privados, revelando a
""l\l~ncia <lo mal-estar na civilização-'.
Costumamos supor que o estado de pem1anente ligação
pcrceJJLiva própria da ern digilll l nos .;ausa1ia uma intcnsificaçO:o 1 1t1<·h•dode ,k, pós-verdade: afogado.> ao 11c,1-egar na in/eme/
110 ví,cr, no entanto acabamos por .:xperimentar o quanto essa
excitação em que se está pcnnancntemcnte "ligado" pode A internet transfonnou a forma de se relacionar. porque
resultar mortificante. A velocidade elas imagens e infonnaçõcs .,11, 1cm deito nos modos discursivos de re()resentarmos nossa
exige que estejamos sempre atento:, ao último acontecimento, , ,p~nência de viver. Basta clicar (palavra inexistente há pouco
diante do qual o jornal, que traz os aconlcci,m:ntos de ootcm, l1·1111x1) com nosso indicador para termos acesso à informaç~o
toma-se um meio de comunicação do pa5sado. Hoje em dia, 11! h1bliotecas :ls quais não teríamos como chegar ou à previsão
ontem foi hâ muito tempo! Mas, quando é preciso eStar em um ,lu duna de amanhã em uma cidade do outro canto do mundo.
pcnnuncnte estado de alerta, pare.;~ não haver mais tempo para 1.~11 n,1o só dcmocn\liza o acesso à informação. mas também o
nossas elaborns,ões, poi~ o tran~curMl diacrônico que elas exigem lo 11110 muito mais rnpido. Ainda que a inclusão digital seja uma
já as faria nascer ullrapassadas, diante de um novo fato que •I'" ,lllo cm pauta em diversos países do terceiro mundo, devido a
permanentemente se apresenta. A,,1m. o sujeito parece recair a l'"h1 ~za, ou que, em países que vivem sob regimes totalitários ou
cada instante na ubso/eJcénci" />rogramt«la' junto com os seus , ,h htados religiosos. a censura go,ernamental impeça a livr~
11 gadg~t:,· eletrônicos rapidamente ullwpallsados. 111, uluçno de documentos (tal como China. Coreia do "lorte. Irã,
1'1111111,1,10, Turquia ou Arábia Saudita, cmre outros). o acesso ó
Ao mesmo tempo, é in~t1ste11tável e até mesmo
lnlormaçào nunca foi mais equânime do que na atualidade.
insuponávcl, para a maioria, a simples ideia de , iver sem essa
velocidade. Não hã volta. nílo se quer volwr. mas se sofre i'ssa questão diz respeito à própria regulamentaç.lo da
mesmo assim. De outros modos, mas mc,,mo assim. Por isso a 111h mel e da discussão política que pcm1eou sua origem, na
saída tampouco se apresenta por um saudosismo ou idealização m, ,hdn cm que se escolheu, como modo de articulação de sua
do passado. Está aí o paradoxo quo; se apresenta, pois mudam 1,·de, 11m.: o seu conteúdo não cstana subordinado a nenhum
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~oç{lcscktnlci<m
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governo nem empresa privada. e ,im gerida por umo junta de 11\ mnis vi;to,. e s.1o mais vistos novo111cn1~ porqu~ c,lllo ali.
entidades c1viti. c;Ubclecendo um pl'incípio de 11ão censura f',1Li.oad.1s. lorotas e embuste,, sâo twm.idos e rc1,.ittados à
pnh ,a do que circula na web. l ,.111,1.10. de tal fonna que o conteúdo cn,1ado re1orna para 0
\lo entanto ct>m que im,trumcntos de pn.-cisão contamo, 11111Ssanu de forma c,rculor poucos minut~ depois. tn4 uanto
pam na\egar pela ll'eb? O que 1111K guia"! A maiolia das pcs~oas. ls,o. nesse movimento. frP11ucntemcn1e
--, ,e ..cmpu~a-
... paru bJIXO
·
cm lugar de navegar, acaba fie.indo n,~rcada e oté mesmo ,ln hstn li.> notíc ias imeMigmivas. porque elas inevit.ivelmonle
ofogadl em um mar d.-: pscudor<>t1cia, que mais dcsmfonnam do 111,i,licJm uma exlcns.io e co,nple:udade que não cabem na pressa
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que mfonnam ao cnar uma bat,cf de cquivaknc ,h opiniáticas -n1cmpor:lnc!a de viver AsMm, os fatOll ficam ocultos e perdidos
que se eximem ()e cstobcfecer quJlqucr compromi,so lógico com .,tr,h dos C)ciindafos em um Jogo no qual se retroalimcntu a
ol~ma verdade do, fatos. 11·,uso du verdade. Eis o p.iradoxo que vi\emo~: nunca se teve
1,0111 oces~ à informaçao, mas a grand.: ma1ona parece mesmo
1':ão à toa o "gnificant, f><ÍH·,·nlade 101 ane~ado ao
11,10 quer nem saber.
D1cw1111no O,jn --.!em 2016. no qu111 se l.-SCOlh.:. a c.ad,1 ano, incluir
palavras considerudas como um fenômeno fc\lcal, na medida em / ,,,.,•. /(Jt<' meu... da1 e.w/111rões nmdtica.f <10.S li11c/1ame111os
que seu surgimento ,e tomou ,mprcscindívef p~ra nomear o que 1·11l111ut
IK
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lnloxi~1ções detrõnica s
O sujeito na era da.~ relaçõe, virtuais
em sala de aula. e... pronto! .\1.ontado o dispositivo da difamação. i nl imidade devido a um desentendimento conjugal. O personagem
Não in1po1ia o que ela tenha reito (e tinha feito quase nada com é chamado a responder em público por a1innações das quais se
seus 13 anos). De pouco vale dizer que o menino que fez isso era ,uprime o caráter de iron ia. Porque é claro que, com os amigos
um adolescente desesperado de desejo diante do corpo feminino íntimos, é possível fala r sem se justificar a cada momento, sem
e, que, ao se sentir ainda incapaz de poder lidar com isso, se viu ter de esclarecer os possíveis mal-entendidos que surgem a cada
impelido a fazer o único que podia /Oar. Ao não poder gozar com
fr .1se. Mas como fica esse diálogo se entrecortado e retirado de
o outro, enveredou pelo caminho de go,ar do outro. Mesmo que
l'o11tcxlo, dando lugar a um linchamento virtual?
ele tenha pedido desculpas por isso, sido chamado a se retratar
pela diretora, sido advertido junto ao~ pais de um possh,el A borda entre o público e o privado que se borra, que se
processo por difamação. a loto já havia ido para o Facebuok derrete, pode ter facetas mais trágicas ou mais risíveis, tal como
que, na época, ainda não era considerado ·'c01<;a de velho", como 11 1•ídeo vira/i:ado do professor em política no qual, enquanto
Jfinnam alguns adolescentes da atualidade5 • Mesmo que a foto l''llava ao vivo em jornal da BBC (no início de 2017). dando
tenha sido retirada, já era tarde demais. O "cofrinho" circulou uma entrevista sobre a situação política da C'orérn do Sul,
de celular cm celular, de mão em mão. e não foi fácil para essa \C1110s entrar uma criança brincando e cantarolando, seguida de
menina se recobrar disso. Foi preciso falar e muito. 11111 bebe em um andador, seguido de um cachorro, concluindo
llllll uma mãe que se arrasta pelo chão na ilusão de que está
A afirmação '·uma imagem vale mais que mil pa lavras",
1nm do enquadramento da câmera. A tudo isso, o senhoria l
oriunda da filosofia chinesa de Confúcio, situa o lugar dos
p1ofcssor procura segurar todos para trás enquanto tenta não
ideograma!. como modo de representação. ~o entanto, em tempos
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l'l 1dcr a coerência de sua análise política. Poderia acontecer com
em que tal afirmação virou uma máxima publicitária, talvez
q1111lquer um, mas o tragicômico da cena reside na desesperada
seja preciso recordar que uma imagem não pode valer so:ánha,
h-11lntiva de procurar disfarçar que está trabalhando cm casa e
<iubstituindo por um único flash a coerência da série discursiva
111~· poderia por que não'? pegar a criança que entra em seu
com que o sujeito sustenta os atos da sua vida.
l olo sem, por isso, perder a seriedade. Ele mesmo, com bastante
No livro O trib11na! da quinta-feira, de M1chel Laub\ a humor, comentou postcnormentc: "Não imporlct o quanto tenha
troca de mensagens do protagonista com um amigo é tirada da 1 tudado academicamente o tema dessa matéria. serei lembrado
po1 esta imagem".
•ln1crc.:.aote faar norar que, m1,.-,,,no ~-un: ioda a e'<po iç3o que tmphca fiucr porte das
redes sociais, o~ mais jovens, no enlllnto, não qucn.:111 liuer parte dn '.11csmu rede que
<eU5 pais e fanuh=• pró\Cunos o fim de evicar um pn~sl\'cl ~encontro v1l'tual" com ele.\. Mas nem sempre essa fixação do sujeito reduzido à
rm comentários deste, cm .uus po,tugens: ou ~1a: trata-se de esmr aberto para todo,.,
aUIS montendo a devida di.tancia e scpw11çilo entre as gerações. Es,a questiio que 5c 1111 imagem provém como uma violência dos semelhantes.
rcaprc,cnta nas rede~ ,;ocia,ç digitais 1cm feito que C3da geraçil:o prefira uma plntaforrnu
li. ~1cmunhamos o quanto a hipcrexposição nas mídias virtuais
diforcntc da utilimda nu geração an1enor. Qual será a pró:um:i?
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LAUll, M. O 1ribunal da quinta-feira. São Pau lo: Compaohiu das Letras. 2016. 111111c por um reco11e quc realiza uma exaltação narcísica.
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Fn;quentcmcntc, o sujeito. na contemporane1dad.:. suspe11dc a d1111csa,. como afirmava Oscar \\ildc. E:,sa cuhaçào n:ircísica
condição de viver uma exrenénc,a para urar mais e mais r,•//1er •rrc,cnta. cm sua con1racam. uma facetll !11elancólica. em que o
de ~• mesmo. em um pcrmancote re111stro da própria imagem. 1111c110 se ~ente esva;,iado de sentido, com u "bola murcha... a se
enquanto se silencia a po;s1b1licladc d.: produzir uma enunc,ação , Hmp:irurá ..bola cheta" da plenitude imagin.mo que vmuaimente
a parllrdo que foi ,ixido. , ••n,t1tu1 pan si.
Walter Benjamin. cm 1933. fala do cmudcctmcnto que No estódio do c~p.:lho. é pelo olhar do Outro primordial
comparecia em ex-soldado, qu, ha,1.1m passado. durante a 1111l "' produz o cndcm;amen10 a uma inm1•• ideal d.: si.
Pnmc1ra Gucrn por acon•~-cimrnh,,; 111~di10, da humanid:ide ,,,, an1e1:1pa a potência de uma imagem 1deahzada pela qua l o
e que, no entanto, não conseguiam c(11111>an1IM- los. Míls não 1111,•111c matemo reconhece a criança ao ahrmar: ·'Esse é você.
é preciso nenhuma grande catâ,trol.: r.1,a que se produza c!>Se 111<· 11 lilho!'... Enquanto, ll3 realiza\JO es~-cu,J do cM.1d,'> do
dispositivo. l:lc tambem comparece no co1101ano, como aponta 1
11-:lho, o bebê se rego1ija e emra cm júbilo, na cena da m,eja,
Aga 111bcn" 1!,·1~rita por Santo Agos1111ho e retomada por Lacan. a criança
Recordo. nesse sentido, a b;u e, ao m.:,mo tempo, • i,1pal1d~-cc. perdendo as ,uas cores. diante do trmão de peito
imp,1ctante cena do enc~·rmm.:nto das Ohmp1ado~ ocorridas no 111,1111,indo, ou seja, a cnançase morde de m, ejm ao i.er tspcctodor
Brastl em 2016. na qual o mundo lodo mundo ª''"lia à passagem • ,1rn10 do dc.frute de ou1ro. tomado então co1110 usurpador do
da, delega~re MJ,. e, ,mo ,e bso n..n lii.,s.: sufi.:i..:nte para fa.:cr 1,1t•o~t,> lu~ar ideal cm que go~cana ele es1ar"
do que ocorria uma cena di1-'ll~ <1, ser,,, 1th os esportistas que As redes sociais parecem ns5im. ocupar o lugar análogo
ali eswvam empunhavam cada um. "' ,uas prúprias comeras, 1,1 110espelho da rainha má do conto du Branca d~ '-;e\ e.
filmando e lo1ografando a~• mesmos enquanto crum film.Jdo, e flh•du,rnJo a emcll!ênc,a de amor-ódío, c,iunes. m,cJo e
olhaJns pelo rc to do mundo. l\~-:-,a nw,1ugcm de h1pcrsatur11çao 1h,1hJJdc con,igo mc,1110 e com o, outros. ao pôr cm rclc~o,
do olh,1r e reg1s1ro especulnr de s, mesmos, eles deixavam de IIH rcluções. n chave de monlage11• c,pccularc, diante d.1, quais
cscnr ali e un'! com°' outro, 1r c,ah:, a instantaneidade do bnlhu narcisico e ~e cmpalideL'C
Se iodo\ parecem fd,✓,c, no Fad:l~••t tal plcnintdc: ti, 1nvcJa. c~ercendo u encamaml-nlo e o ódio da ri,ohd.,dc.
imaginária dificilmcmc se sustenw na ,ida para levar. /\~,iro, 1e,·..: oc assim. nas rede, ~oci~. ,m.t trama q11c se sup.!rpõc ao
cs•-a imagem pl~na do Eu-idca cm que <eC"Sta com "a bola ioda.. <11lctiv<1 d.1 soc1edaJe. impondo um j1wo ,ora, tm que u "'jeito
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ln10xic.~1~ eleuimic;:is.
O suieilo na era des relações vin u..us
se consome em poucos segundos de fama e se faz espectador da ,,N rc;luções mais Últimas: pais vigiam os filhos por câmeras
vida alheia ao incorporar a figura contemporânea do hater que d11111és1icas, conb-o[ando assim seus afazeres, os de suas babás
segue virtualmente os outros para detonar. sentindo-se autorizado 1111 us dos professores nas escolas. N,io só isso estabelece uma
à crueldade em nome da sinceridade de dizer o que bem entende 1•11ndiçrro de vigi lância, mas também a suposição de que, desse
contra o ou tro, disparando ataques ao suposto i11imigo virtual 111odo, poderia se estar com outro, mesmo não estando. Na
de ocasião a partir de um recorte descontextualizado de um ,1f11lllllçll<> de uma mãe -"Assim pela câmera não perco nada do
fragmento da vida da pessoa (imagem. frase ou palavra) enquanto qm• ele faz!"-. consratamos a ilusão de que e preciso a.travessar
se mantém entrincheirado atrás d~ seu teclado. 11111111(10 se suprime a diferença entre a condição de um espectador
, 11 de ulguém que faz pai1e de forma decisiva • o desdobramento
Ver e ser \'isto: naturalização dn sociednde de comro/e
do l•~na que poderá vir a se produzir na criação de uma criança.
Se, por um lado, navegar pela internet nos traz a ilusão de Recordo também, nesse sentido, a tcntaliva desesperada de
liberdade, as bu5cas realizadas virtualmente deixam como rastro 1111111 nine executiva que, devido ao trabalho ern uma multinacional,
a pegado digital. Isso permite não só, por meio de algoritmos, a llll'l'isava ausentar-se por longos períodos e que, diante de um
ex ibição de propagandas dirigidas a públicos-alvo. mas 1ambém o 111111f1c1ttivo atraso de linguage,u de seu fi lho de pouco menos de
rastreamento do perfil de uma pcs~oa. sempre possível de acessar 1h1i~ finos de idade, tentava ''ensiná-lo" a falar mostrando a sua
através dos tempos em que os dados da vida de alguém ficam l'hl!lria foto no celular enquanto dizia repetidamente a palavra
expostos cm muitos casos, sem que seja preciso ncnbuma invasão 11111m~e". Se a mãe é a da tela é porque se considera que estar
!leia ação de um crocker (termo usado para denominar hockers 11, ,rn·po presente seria absolutamente dispensável, quando bem
que não só a lteram ou invadem sistemas digitais, mas o fazem 1h,•111os que, para que a linguagem produza seus primordiais
com um fim prejudicial), Na medida em que alguém não faça, a , i<'llos de inscrição, é decisivo que venha nomear o que afeta o
princípio, nada moralmente condenável, a interrogação costuma nfihi ll,
25
l11,toxicações d~trónicas O sujci10 na era das relações v1nuais
Visualizar não é apenas uma palavra cm si, ela nomeia uma Mas, quando se clama poruma resposta imediata querecubm
transformação nos modos de relação entre interlocutore~, porque, ,lo um ~c11tido instantâneo cada uma das fendas de incompreensão
uma vez que uma mensagem de WhatsApp fo i visualizada, que inevitavelmente comparecem no cotidiano da vid~ as pessoas
instaura-se uma urgência pela resposta que não dá mais lugar 1kix11rn tle se interrogar e, em lugar disso, passam a perguntar, com
para pensar no meio. 1111:1Cncia, nas redes sociais. Recebem. então, centenas de respostas
Se tomam10s aqui o sofisma do tempo lógico de Lacan" 111,tantãncas e simultâneas, que mais desnorteiam do que permitem
~LlllS elaborações. por preencher de forma desorganizadora o tempo
- no qual ele nos fala de três tempos: o 1e111po de ver em que
alguém recebe uma percepção; o tempo de compreender em que do vazio necessário que precede a constrnção inventiva em que o
isso faz algu111 sentido; e o tempo de cond11ir er11 que o sujeito se hlljcito produz um s(l/)erfazer ali com Ll'so".
precipita no ato a pa1tir da compreensão que faz de SlL3 percepção É preciso um tempo de tramitação para que. a panir da
- , enco.ntramos, diante do verl)o vis1111/izm; u ma urgência que 1lvCncia compartilhada do bebê com a r11àe, possa se produzir
exige uma resposta imediata à percepção e impele ao alo, como 11111 laço permeado por um saber fazer que valha singularmente
se nossos atos pudessem ser reflexos e não fossem conduzidos 11,:s~E1 relação. Isso se vê frequentemente atropelado quando o
por uma tramitação consciente e inconscicnle que implica nossa l l1. Google passa a funcionar como o oráculo digital, como um
subjetividade. Diante da viwali:oção de uma mensagem e sua 111ú11de Outro onisci~nte e onipotente diante do qual o sujeito
urgência de resposta, comprime-se o tempo de compreender rnnternporãneo, de bom grado. amansa seus enigmas e se silencia
necessário para a implicação <lo sujeito na escolha da significação ,ll· onodo obediente onde poderia inventar.
desde a qual decidirá a realização de seu ato.
A função de autocompletar do sistema de busca do Google
Essa cucunstância pode parecer muito distante dos 11nn só potencialmente oferece toda e qualquer resposta como até
bebês que padecem de intoxicações eletrônicas, no entanto já 1111:smo "faz" pelo sujeito a pergunta, ao fechar a frase in iciada
se apresenta na lógica discurs iva que cerca os seus cuidados, p~la introdução dos termos mais procurados.
quando a muitas das mães contcmporãneas. bastante solitárias e
Ao digitar no Googte 1+ as palavras "meu filho tem ..."
isoladas de suas famílias de origem. só resta recorrer aos h/ogi·
função de autocompletar impõe, na primeira linha, ''meu
J, parn decidir o que fazer diante das incc11ezas que se apresentam
/i/1,o tem ... autismu leve··. E, diante da frase "meu filho é.....
nas minúcias do encontro com seus filhos no dia a dia: o que
,1 11 ru1recem, em orde1u, as palavras: excluído, nervoso, agitado e.
fazer diante de um choro que não para, uma mamada que não
~m quarto lugar, "meu filho é... hiperativo ". Ora, é no mínimo
acontece, um cocó que não vem, uma papinha que e recusada ...
l'.itarrecedor que, diante da interrogação do que o filho é ou tem,
1
'1 11Jnn • .1. OScmintino,Linv JJ: o sm1ho,,u.1 1975. 1976].
nLACA.:\l. J. E/ rtempa J6giCQ yd <IS~W deei>nftlumbreumicipculo [1945). 'l 111 busca n:,i1hz:m.13 en, 13 jun. 2017.
26 2?
•1toU:~ÓC1'CktJ'Õn..._.~-----------------
a~ primeiras ;,1gni.fica~ões que compareçam d.:sdc o d1scur~o 1lm11nucm a ut.ihaçAo de pesticidas, ,etonzando. por meio de
social, preconiu1das pelo Dr Googll!, sejum nOl11L'S de doenças. 1o1S1rcamento desa1élitc, O'i únicos locais cm que ,sso é necessario.
l!>So rnmu inques11on~vel a ms1auração de um olhar pa1otogizan1c "' .tlgumas das po,,ib,hdades mais imcdiatns diante das quai~
que se dingc à criança, nomeando as dúvidas dos pais diante .,. p1 odu, um foscmio. Curioso é o que ponto nos lc,a a culturn
da reação d01; filho~. a1raws de nomenclatura, omindas da humnna: uma espécie que. em nome da cficac1a da máquina,
nosografia pstquit'nnca. em uma l<lg,ca cm que~ retro(l\imenta I' 11,·cc disposta a substi1uir a si lllClimll.
n fixaçno de s(nLidos 1mpo,tos. advmdo, de um saber 1écn1co-
l 111ualida1ll!. ficçao e transmissão
cicn1ífü:o que ,nuoindu7 a n:peução patológica predominante.
tomando-a ainda ma,, pregnantc. A vinualidadc permite-no, expcnmenlnr uma dtssociaçilo
Ainda que aparentc:men1c resulte menos dramáuco. 11,, '"'sso corpo. e is.'IO pode ser e"n:mamcnle prazeroso, na
o, corretores de digitação ,;e sup,:rpõcm à produção de atos 1111•,lttla em que não precisamos pagai com clco que desdobramos
folhas, intro<llll:tndo uma correção ou uma troca de palavra de 11,1 t ,,n1a,1a. 1n que e<;ta n!lo tem valor de ato. D,: forma semelhante
forma automattca Resuham d1~so texto, nos quais o suje ito "' que acontece na ficção. quando assistimos a um filme, ou
não consegue mais se reconhecer. T,11 cstrnnhamcnto não se lrn11,, um lr~m, sci;uimos uma ,cquên.:ta de acontcc1menhl> que
de\·e (\ cmeri;~ncia de uma forrnaçào do mcon..cientc no lap11,s no• uktam e, no entanto. o fuemos ~ntados cm nossa poltrona
dn escrita, pelo qual se escn:,e o que não se queria e,crc1·c1. l.11.111K>S 1mplicados e, ao mesmo kmpo. pr01egtd0:1. Este é um
fazendo comparecer um saber que nlo ,e ,abe. mai; que habita o jtl 111,I ganho da ficção: proprcio1 umn trnnsmt~o simbólica que
~ujeito em seu incon!>CtCntc ao revelar nll supcrfic1e o conteúdo 1111M coloca cm contato com uma verdade da v,da sobre a qual
rec:ilcado que concerne a quem cscre\e. O te,to que resulta do p, ,:, •nos •rrendcr6<..'lll que necc:.sanamente 1enhamo, de vm:-la
com!lor é re,ultado de uma escrita na 4w1l a máquina ·•deltra por 1111, t lrdadc e pagnr por ela com nosso corpo. \i\as, d, forcntemen1e
si... dc.htumdo o dito de qunlqu r <ubJct11·1dade. ,1, 111• octirrc na leitura, na qual há uma transpo,iç~o de n:g,stro
1:.1 idem: am-sc aqui dispn,11,ws por meio d(l, qu,1is o t11h,• a palavra e a imagcrn. ou no teatro e cinema. cm que 11 cena
sujeito contemporâneo perde o lugar nc.:.:s:,tlno para a produ~ào tJ ,l 11IJ a vc,, mn, de modo atrelado a um alinhavo narratl\O. ê
ck um saber que li e diga respeito dentro da cena vividu e. nssim. pn:l 1<1<1 con~iderar o qu:mto muito~ do, jogo, virtuais primam
é expropriado de ~ua exptnência 11111 um e"esso de sensorial. deix:mdo a cnança apas,1vada,
A automaç-Jo é apn:semada t:omo a maior conqu1,ta "Ili" esp..-.;tadora e expectadora de um verdadeiro bombardeio
11:cnológica contcmporànca, podendo ,ubslltuir o sobcr fo,er 11l1 r<·rccpções que excito o corpo e que. mui ias , e1c~. nno vem
dos humanos. Carros que não batem. controle de la1oura, que ,,,rnnp.mludo do, recursos simbólico, para lnmilá-los.
l11(Q)ÜCi1ÇOeS e lettõtUCllS
O soji=it0 nu CT'3 diis rdalrÕes vimm.15
Como paradigma desse excesso sensorial, podemo$ Mas nenhuma o utra imagem reve lou com tanta clareza,
evocar o episódio ocorrido no Japão em 1(, de dezembro de p11m mim. essa questão do excesso seusoria_l da era digital em que
1997, que ficou conhecido corno " Pokemon Shock", no qual 1<il'umos conectados a aparelhos quanto o impactante desenho
aproximadameme 700 crianças foram parar no hospital e tiveram 1111c 11111 paciente adolescente fez no consultório: o corpo de u111
diagnóstico de epilepsia, além de tonturas, desmaios, visão turva 11i.•11ino nu com um cordão umbilica l em cuja ponta havia um
e náuseas, após um episódio no qual o personagem Pikachu usa 1•/1111 conectado à tomada. pela qual estava levando um choque
seu "choque trovão" para destruir mísseis virtuais". Na cena, q111• il ll1zia bru~camente desconectar-se. Seu desenho certamente
i111ercalam-se rapidamente luzes azu is e verme lha-;, que teriam 1\11111 ulgo dele, mas não de fonua isolada e individual, e sim
sido a causa de tal impacm sensorial demasiadamente forte para , 1111uclada" ao social. Esse desenho certamente retrata um modo
alguns que apresentam maior fotossc11sibilidadc. Sem irmos ,\,, N11~tcnt:ar as relações mais íntimas e viscerais em nossos
tão longe, podemos evocar aqui casos clínicos de meninos que h•111pos: tempos nos quais comparecem intoxicações elell"ónicas.
jogam g[lmes virtuais ultravioleotos e que. na sess,io, pedem que
Qualquer dúvida a esse respeito, trago também aqui a
o analista assista enquanto jogam. Isso q ue, a princípio, poderia
11111111cm de u 111 grafite realizada por Mauro Murctz, na Avenida
parecer uma perda de tempo, em alguns casos permite wn ponlo
1IH\ilor Arnaldo, em São Paulo, em muro que separa nada menos
de partida para articular alguma narra tiva acerca de quem se
11111• 11 1lospital das Clínicas da USP do Cemitério do Araçá.
é, pelo que se luta e das causas de um ser bom e outro mau.
1111 la ~e de 11m esqueleto con1 teias de aranha que e5tá agarrado
Falar disso que se faz nos games, passar da "ação do j ogo" a
, ~•·11 l'ciular.
alguma narra\Jva rudimentar, por menor que pareça, implica uma
transposição de regisrro que muitas crianças nem sequer ainda O grafite, por ser um modo de arte que es1á fora da
fizeram. 11111•,c1licaç.'!o, certamente tem o poder de nos devolver, de modo
, 1, 1l('O, o que está recalcado no mal-estar dos nossos tempos.
Ou podemos também considerar os vários casos de crianças
de poucos anos que, em sua curiosidade sexual, depararam com ·nm10 a imagem do me1úno com o fio-cordão umbilical
vídeos poruôs na internet e q ue passaram a produzir importantes 11111· ~lctrifica seu corpo, quanlo a do grafite do esqueleto de
sintomas justamente de suspensão da curiosidade arrebatada pela ,ol~11rn1 que mo1wu agarrado ao celular, revelam um excesso
obs~nidade - pois a pregnância da lfilagem, na falta da palavra, 1 1INilri11l que mortifica, na medida em que esses bombardeios
pa ralisa, imbe a articulação simbólica que daria lugar a hipóteses I" 111•ptivos nilo·são articulados a uma cadeia significante desde
ou pesquisas e, portanto, à produção de um saber singular. 11 q1rnl possa111 ser experimentados como prazer ou desprazer de
11111 111/uito não ultrapassado pelo vivido e, sim. capaz de dizer de
11+Agmdeço oo colega. pedro.tro. psiquiatra e psicanalista, Wagner Rannaque. em oc3s1tso 1111111 c.xp~riência.
de apre~rnt::ic,;Ao de pani.-: destt! b'abalho. recordou·mc desse c:p1sóclio,
) ()
31
Dcs;,c modo, é preciso con,iderar o quanto os corpo• tilo A qucstJo da transmissão anônima e n:lo mediado retorna
agitados, Ião "'elétricos'' das cnanças da atualidade podem dar 111
ndolcscência, momento da vida que cons1~te jusrameme
,e-a-wr como uma monificoçâo e n.1o como\ italidade dentro de 11 • 1\-1' ,agcm entre o lugar que se OCUJln no laço fami liar para
uma culrura de excessos scn,oria1s fmgmenUldos cm que t,ido\ 11
lu~nr que poderá vir a se ocupar no laço social, amorosa e
vi\cmos•·. p11 1h ,,111nal111entc. Essa travessia inc\ ira\elmentc pr<1dtu uma
Assistimos a um.i era curiosa. na qual as criança~ falam r, ,. I" lo ncres,;áno rompunento crecon~truçdo da tmugcm-ideal
dos yo11t11b(•rs como de amigo, ,cm que haja nisso nenhuma 11(11<' J,l nllo cabe mais na imagem infantil)e o reposicionamento do
reciprocidade. Conhecem os detalhes i1nimos de MmS vidas e. no 111,·11n cm relação aos idtai s simbólicos que lhe serão referencia,
entanto. muitns ve,c,, dcsconhec,:m ao que dedicam ou dedicaram 11 1h p,,ra a frente. par.i st1s1cmHr o valor dos seus mos (já não
as suas vidas aqucks 4uc lhes são mais próximo:.. li• 11 mediado, ~los pais e. ~im. pelas ~uas próprias escolha~).
Se a cnnnçu da virada do ,él.:ulo XIX ao XX padecia de te1 1>:ií que jogos como "baleia azul". que causou tanto ruído
11
des111 ui1l0 seu dc,CJO de sabi:r. c11mo bem soube cscutur Freud. •• 11·1ks ,ocia1s. ao se afinnar que a elt se de\cna a morte de
legitimando as investii:açõcs infantis e con,1dcrando-as como ~1111111~ adolescente:;. embarcando cm urna sequi:ncia crc-sccnte
teorias". a de hoje em dia se vc lançnda a um conh~-cim~mo ,1 ,1,- ,allos que cons1,1iam cm automutibçõcs e situílÇÕC~ de
virtualmente infinito. mus pt1decc de ter com quem sing11lari1.ar 11~• u 1111! a máxima reali1açdo de pas:.agcm ao ato por mc,o do
os seu:. percursos dt rmcsugação. 1\ tran,mi>siio a crian\as pa5sa J11,, 11111, amda que lenham sido mais boataria do que foto. ,~o
a ocorrer d.: um modo nào mediado e anônuuo. csva,iando f)flrlld,gm.ítico~ de uma situaçào social. Dianre de um adolescente
imponiincia de contar e dar conla do ,w,do na narrot1va entre 1110 \ll~ila .icerca de qual di~-ção tomar (como todo adole,ccnle
geraçõ,:s e do registro do tlmpo 1mphcado nisso Que um a,õ Ili •1111110 em cnse vacila). teme-se o ccwntro. nu chamtda
possa d11er para um neto como lo a ,ua infãncia impona, nãQ li I' 11 ,·h. com uma m.:~tna perversamente .111õmma que, por
por urna idealizaçao do passado ou do futuro. rn.,s pelo próprio 111111111111ial ,uicida. apo111e a tm:ç iO da morte De faro. ~ dificil
registro da diferença que se introduz ah. Seja foi diferente é 1 11, 11111.tr-se com a famlha. Jmigo,, professores e suas rede~ de
porque o mundo pode tambcm ser mudado cm con,;equênc1a de d 14.'Jo e: 1lennnda,. mas é se rela"onimdo e conversando com
nossos otos, atos simbólico, que Cll51Jm em nos'la carne e ooso l•~ud~, l\ara os qua" a %a ~,da conta que o S\JJC1to fom1ula w 110
para ~crem ~ustentadm,. 1opo.,1u pos~ivel para vi\'er de modo desejante.
''
- - - -- -- - . . . a._ _ _lc!Ü~•!',!C~•t~o~n•~e,!'
!• rA da) rdaçôes \'ut~
-
se aí a ilusão de que Seria possível ter acesso a um saber pela 'l 11',,dfala? O que ele quer de mim''.
virtualidade. de,;consideraado a importância que tem para
apreender a transmissão de um saber de alguém que, estando de hstamos, nos í,llimos anos. recebendo nos consultórios
corpo presente, compartilha o gozo de tal realização corporal e 1 111 1n~11·a s gerações de bebês e pequenas crianças que, deS<!e
11
que é justamente por gosiar disso que pode se tomar um bom lllh~uncnto. co11vivem com a cxis1êacia desses gadgei,
1h 11/11111::0 s e gue recolhem as consequências disso n~o Sli
professor. Desconsidera-se também que, para poder vir a saber
disso, é incv1tâvel, cm certa medida, ralar o joelbo. ,ll1<•1amcn1e, na medida cm que eles passam a ser oferecidas
"" lu1,wr dos brinquedos (nllo à toa. 1êm sido fabricados meno
O sujeito ..sem fio" 11a realidade a11menl(1da 1•1111q11cdos e mais jogos eletrônicos). mas 1arnbém indiretamente,
11.1 llll'didu em que convi,em com adultos que não têm mai;
O fenômeno Pokemon Go, ocorrido em 2016, brindou
1· 11 111!1,
porque os eletrônicos b11garn111, descotifigurara111 a bord,
uma pequena amostra do funcionamento social e circulação
' Ilhe o espaço de lazer e de trabalho, e que não têm mai~ lugar
pela cidade com o advento da realidade aumentada pela qual se
,1111.il Hc vive olhando pam janelas virtuais. de corpo prescni'
superpõem imagens vinuais ao mundo real. Vimos assim adultos . . 1
111111 f'"<1u1cnmcn1e ausente.
vagando cm busca de caçar ..bichinhos" raros e "pokeovos".
muitas vezes tendo seus celulares roubados ao se embrenhar em Fm criancinhas pequenas, vemos 1u1rodu2ir-se um artificio
zonas perigosas da cidade. Testemunhamos adultos baleado o 111 11 mt10 do qual o~ enunciados fixos dos nplicathos passam a
carro, entrando em águas coniaminadas, invadindo velórios ou 1 • motriz de sua cn1rada na linguagem. A questão fundamemaj
o museu do holocaus10, levados por um imaginário dilatado que 1111 M' apresenta para um bebê diante do Outro encarnado, que
os fez de~bordar. i ,111 l~ll li ele falando, gcsticulru1do, cantando, olhando, introdui
•1111 ,·n1gma que o convoca_: Che vuoí? 19 ou: ..Se O Outro fala,
Esse cidadão wireless (lermo que Literalmente significa 0
JIH • k quer de mim?" . E a partir d~e enigma que se conn>ea
"sem fio" e denomina a transferência de infonnação entre dois
i ,, , , und1ção de falasser. Mas o que ocorre quando a questão pela
ou mais pomos sem que eles cs1cjam fisicamen1c conectados)
p111I NC mlroduz o bebê na matriz da linguística passa n ser:_ o
parece 1er perdido o fio simbólico da meadn que alinhava o
li I /ala'! O que e/el/ll<!r de mim''
seu fazer, cm um total des,rccon.hecimcnto das bordas reais e
também simbólicas que fazem partt: do mundo que habitamo,. Na medida cm que, nesses ílplica1ho~ dos jogos virtuais,
1
produzindo atuações. como ações fora de conte,,to, e passagens ·1irvdt1/ um artif(cio automático de linguagem. e nllo uma fala
ao ato que o colocam diante de um risco real. 1, ,,,j1111té que introduz um enigma, a consequência disso para
0
1
""''' L.ican II p.1m r do L'OILlO de J C'ol101tc O d, 1~
", e x ~ ~ relOmada por
0
~ I '":,1, 11u~ querdllCr "o que: q~1.~ T. no IC\IO .iSub\-a-Món dcl •-.uje10 )' dia!éc~ll'1
- • -~•• 1 l ~l,TIIOS},, 1960•
34
Jj
O•uici10AaaaWs rt"bÇ6c.~ \atuais
li l< l l'iAIINSKY
. , Juriet·,,. pais,
· crianças
· .
e morutores: uma
"'Qucstllo nbord:kb no • ru;.n 'ºASCNlfl\iil! entre o.-. 11\:05 famili.an.~ e a,1janch1;; "-·utw1,..,
3l)(<O<ntado •• COLÓQL10 O'iDE ESTÁ o PAr!. S-1o p,.,10, 2014, S<dcs S3p1<nll,10.
• ,,u,rnnhguração
11111,,1
.. e familiar
. (2014]. Re1•fs1a da APC- A Fa, ·1·
,11,a
'mpo,·,mea, untiba, Associação Psíc1malitica de Cu ·fba
a~om puhlicado ttelté li,ro. 11 'I\ 115. 2014. n 1 ,
36
37
JERUSALINSKY, Julieta. As crianças entre os laços familiares
e as janela~ virtuais. Apresentado ao COLÓQUIO ONDE ESTÁ
O PAJ?. São Paulo. Sedes Sapicn1iae, 2014.
146 14 7
Por fim: 1crfomos algo a dizer com respeito a isso p:ir., as telas. cspcc1ahncncc a tclevi~'º· em seu hvro Le.v danger.< de
o campo social, uma , ·c z que trabalhamos com bebê~ e cnan\''" la télé pour fel bébésJ, que nos ,ervirá de guia para este tópico.
e que supostamente teríamos um saber 3 u-ansmicir para 1w,
Llm dos apontamentos de TtSseron é que, vi!.to que o bebê
e proressorcs sobre o que se refere ao p:;iquismo nos ·..: 1,
amda nao dÍ\JlÕC de representações internas estávc1,, colocá-lo
primórdios e às condições de sua const1tu1ção?
dia111c da televisão "é prejudicial para suas aquisições" (p. 28)
fa1dcntemente, não somos os primeiros • ter es,:1~ Outra obsen açlo desse autor é J necessidade. para o
1n1errogações e podemos percorrer algumas lnlha~ J~ abeota,. desenvolvimento do mundo mental do beba, do engajamento du
p:.1ru tentar encontrar algumas respostas. Nosso plano de trabalho motricidade, Í$tO é. como para o bebê é cem.ral a possibilidade
é ll'1111SÍlar por esses caminhos teóricos e 1n1zer alguns exemp!. de manipular objetos. Cle retoma Piaget e Wallon pam afirmar
climcos para promover uma rcfledo. a importância do envolvimc1110 motor. do deslocnmento no
Trata-se deum tema 1mportan1ee urgente. 1an1omaisquc n11 e~paço, do encontro com objeto, concretos para manipular. para
Brasil ainda temos poucos 1eMos sobre o as,unto, pnncipalmcnk o dc.~covolv1mento dn chamada rntehgencia sensório-motorn.
no que se reíere a informações mais amplas e possíveis Je Assim, um dos danos da TV aos bebês ó jusurnente privar m
divulgação para a comunidade cm geral. Enquanto isso, t~mo, bebês da motricidade e do encontro com obJClOl> concreto~ e
pai, e professores madvert1damentc usando sem restnçck, man1pulá\'c1s.
c,,,es objeto, virtuais como parte - ou mc,mo substitutos dos No que ~ refere ao qu~ °'
bclx's poderiam apreender do
cuidados de seus filho~ e alunos, respcctM,m...-otc. É cad1 , , que recebem da TV enquanto conteúdo- •~pecto mmto re,sattado
mais comum encontrarmos televisores ligados e111 berçários. ou por aqueles que ofcrum canais ou prog1ijmas "próprio, para
mesmo pa,, cm restaurantes comendo calmam.;nte enquant<• ~ • · • Tisscron (p.lOl. apoiando-se em ~tudos canadense,
"""s bebê5 de pouco, me:,es c:,lão entretidos com seu iPad! Seria afirma: "[ ...] IIJi crianças só começam a apm:nder os conteúdo, J
uma tranqu1hdade inofensiva? p,1rlir de 2 anos e meio. Ante~. elas só veem succ~St'lcs de fomia1
i:olondas e per-onagens". O autor tambem obscrn que, entre 6
l ,1 TVeo.1 l>eoo mese~ e 2 anos, "a única intemção possível pas.<,a relo cara-a-
cara· olhar para a cn: ,nça, falar com ela. fazer ruído,, com a bo<;a
O ~1c:inalista franccs Serge Tisseron2 fe✓ um ex1cn,o
e m1m1Cll!>, eis o que a mobiliza e a regoi1Ja"
trabalho de pesquisa e reflexão sobre a relação entre os bebês ~
1
rm ponu~ (), JWJgOS da TV paro OI J,,,,,1,.o. sem tr'ldú',~" lt~1t..> nu Bnail. At
rdtdn,,.:b.s ltcni.. . , lhro aq1,11 ilpl'Ctmudu foram truJuLl\1t, s-,.ia 1110a.. tcl'U., "'
l'fl,:,«ma pllf'ltu1, doong1111I nhcad.•~ • t..tl.b c1laÇ'ão n.) ~ti> ro.
"JO:)EPHSON, Wendy 1... (rude sur lã ~ílC"I~ th.: la vt0lco« 1clc:hbl)l.•fl( ,-ur lcs c11bnu
wl4.lf'I lcur igti S.unté, Cmad,a Ctnl.J"C t,,n1lç,n11,1 <f.lal1J1111t1un Mtr fA \ 11114.:ntc daJb La
t·1I1,mc. lOOS.
14S 11 11
Intoxicações eletrônicas
Os novos "outros" da infancia contcrnporânea
Tissero11 ressalta que o bebê necessita das trocas com um outro humano", diz o autor (p. 45), que ainda reflete: "ou então
interlocutor vivo e animado para se aproximar do estado mental está se supondo que a máquina teria por voc~ção substitui- lo"
dele e construir sua possibilidade de empatia. Um bebê observa o (p. 46); o que muitos livros e filmes de ficção científica já vêm
comportamento do adulto e depois o imita, no chamado "acordo explorando bastante desde o século XX.
diferido" 5• Assim, o bebê precisa de tempo para olhar o adulto
Fazendo uma análise clínica, Tisseron (p.71) observa que
agir e para imitá-lo depois, e Tisseron (p.32) aponta o quanto a
a televisão excita e acalma ao mesmo tempo, "segundo um ritmo
TV pode retirar este tempo de interlocução e se colocar como
sempre imposto por ela, e com uma intensidade amplamente
"o interlocutor privi legiado, até mesmo o único" do bebê. 1 este
superior às estimulações habituais da vida cotidiana",
sentido, o autor está e m consonância com as pesquisas de D aniel
mostrando como esse tipo de relação se aproxima de um tipo
Stem 6 sobre o "acordo sensorial", que se produz quando há um
de relação patogênica já descrito na clínica com bebês, da mãe
"diálogo postural precoce'', que é ''transmodal" , ou seja: o adulto
hiperestimulante e intrusiva7.
transforma o que recebe do bebê em ações que o convocam de
modo diferente a cada vez, engajando diferentes sentidos. Um No que concerne à construção da imagem inconsciente do
bebê não faz diferenciação entre os sentidos, são "suas prime iras corpo, o autor mostra como a interação da criança com o mundo é
brincadeiras que lhe permitirão construir representações multissensorial e é brincando, se movimentando, experimentando
p síquicas destacadas do que ele vê e ouve, e de se colocar 'djante' concretamente o meio que se estabelece "seu sentimento de estar
do mundo", conforme alerta Tisseron (p.41). ao mesmo tempo 'em seu corpo' e ' no mundo"' (p. 72).
Outra importante observação de Tisseron é quanto à No plano das identificações, Tisseron assinala que a
diferença entre um canal de TV, como programas que se sucedem criança de menos de três anos busca referências em que se
num continuum, e a possibilidade de assistir a um DVD, que apoiar, que podem ser - na tela - personagens que se lhe parecem
pode ser repetido inúmeras vezes. Neste caso, é possível, com próximos, que costumam ser bastante estereotipados, produzindo
a repetição das imagens, que o bebê antecipe as ações, faça identificações muito fixas, que se encontram com suas fantasias
func ionar sua memória e possa elaborar o que vê, principalmente inconscientes: "A caixa de ferramentas das identificações
quando tem a companhia de um adulto vivenciando estas precoces se reduz e as possibiJidades de bricolagem identitárias
experiências com ele. se empobrecem" (p. 100-101). Sua conclusão é de que 0
Dessa forma, o principal elemento nocivo da interação desenvolvimento identificatório da criança toma-se muito rígido:
com uma tela é a falta da "dimensão de identificação com um "ela assume, pouco a pouco, o hábito de se ver sempre em um
mesmo papel" (p. l 00).
5
ST ER N, Dame!. Le monde mlerpe1sonne/ du nm,rrisson, 11neperspectíveptychanalytique
et dél'elnppcmentale. Paris: PUF, 1989.
•1d.. ibid. 'RACAMIER., Paul-Claude. le génie des origine.r. l'ari~: Pay111. 1(J92.
150
15[
lntOX.lCaçõc:s elcuónic.as ()s novos "outros" d.s inf"an cin éllntemp<1rJ11e3
Este importante estudo de Tisseron, juntamente com um;, comunicacionais, em carência pennaaente de mercadorias para
força tarefa que reuniu a sociedade civil e a comunidade científica. consumir~~.
embasou tuna mensagem do Conselho Superior de Audiovisual e
Além de citar aspectos já bem explorados por outros
do Ministério da Saúde da França, a ser inserida obrigatoriarucm,·
autores, como o número excessivo de horas que as crianças
antes da divulgação de programas ditos "para bebês", e que vak
atualmente passam diante da TV e de "seu adestramento precoce
a pena reproduzir aqui, pois resume as ideias do autor (p. 126):
para o cooiswno"'º, bem como os efeitos da violência das imagens,
"Assistir à televisão pode frear o desenvolvimento das crianç,1>
Dnfour vai mais longe e assinala que "as novas tecnologias de
de menos de 3 anos, mesmo quando se trata de canais que s,·
comunicação [...] já têm consequências para a fünção simbólica
dirigem especificamente a elas".
e para as formas de simbolização"". Explorando essa tese, ele
Do mesmo modo, todos os suportes de comunicação fora se detém a examinar o q ue cha tua de "desarraujos sem ióticos
da tela (tais como jornais de assinantes, Joternet, etc.) devem provocados pela imagem televisiva"", ponto que nos interessa
comportar esta menção: destacar, interessados que estamos nos efeitos da TV na
Assistir â1elevisão. inclusive aos canais apresenrados como
organização psíquica das crianças
especificamente concebidos para as crianças de menos de 3 O primeiro desarranjo proposto pelo autor é na relação
anos, pode ocasionar-Ih"" distúrbios do desenvolvimenlotais
como passividade, atrnso de linguagem, agitação. distoírbios entre texw e lmagem. Antes do advento da televisão (e demais
do sono, distúrbios da concentração e dependência de telas. tela.s), Dufour aponta a primazia do texto sobre as imagens,
(p, 127),
ou seja, primeiramente temos as palavras escutadas ou lidas e.
2 O que " TV pode acarretar na organização psíquica em seguida, a montagem correspondente de imagens mentais.
O autor" destaca "essa capacidade de presemificar o que está
Neste tópico, vamos tomar como interlocutor Dany- ausente refere, evidentemente, um ponto chave da simbolização".
Robcrt Dufour, a pattir de seu livro A arte de reduzir as cabeças', Alem disso. Dufour" ressalta a impossibilidade de uma imagem
no qual encontramos uma ampla reflex.ão sobre o papel da poder corresponder exatamente a um texto ou a uma fala: "a
televisão. Na opinião do autor, a televisão constitui uma das ficção produzida pelo texto é irredutível a toda imagem". Já a
instituições (juntamente com o que ele denomina de "nova imagem possui uma independência em relação ao texto. pois
escola") encarregadas de fabricar o sujeito pós-moderno, que não é articulada como um texto o é, o que produz uma potência
o autor define como "disponível para todas as conexões, um ' DUFOUR. Dany•RobcnA anede reduzir asc:abeÇ<J.r.... op, c1l.. p.t 18.
lfi(d., ibJd.,p 121.
sujeito incerto, indefi11idarnente aberto aos fluxos de mercado e 1
'1d.. ibid,, p. 120.
llld., ibi<l.• p. 123.
~oUFOUR. Dany-Rohen. A (lrte de reduzír a.f cabeças: sobre a no\'a serv,dão t'la "ld., ;bid.• p. 124.
socic<la(I~ tJIUalibctal. Rio de: J.:mc1ro; Companhia de Frtud, 2-005. 11
1<1 .. ibid.. p. 125.
152 153
h:ilO'IC,eaç6es etctrõucas _ _ _ _ _ __ _ __ __:O::;s~n:::01'..:'.·-" - 001n)s" da ipfhcia contc:mpiri,iea
da imagem em suspender o texto. Ele retoma o que Banhes" ao conjunto de re.feréncias simbólicas, bas,carnente de pessoa~.
ex piorou afravés do conceito de punc/11m na fotografia, um furo de tempo e de espaço. Campo de discurso, essencialmente, que
produzido nas significações pela imagem que a faz precisar de pode ser colocado em perigo pela televisão, quando a crinnça
um texto para recuperar o senlido suspenso, que é, por outro não tem, bem eslabelecidas, as referências simbólicas de tempo,
lado, o que possibilita a uma imagem "figurar o que não se pode espaço e pessoas. Neste ponto. Dufour está cm concordância com
dizer", como expressa Dufour16• o que já apresentamos das opiniões de Tisseron: um sujeito com
Outra fomia de imagem, resgata Dufom da obra de Freud. referencias simbólicas bem fixadas está em posição do inserir
é afanra.sia, que "reenvia, pois, a imagens errantes, conscientes num discur~o as imagens que recebe da TV, podendo inclusive
ou inconscientes, que habitam o aparelho psíquico"'1• O autor se beneficiar das imagens parn ter acesso a ·•novos gozos"'º, ao
observa que a fantasia sendo inconsciente, as imagens que a brincar simbolicamente com elas. Mas o desarranjo se produz
ela remetem têm uma função de repetição e mesmo de intrusão quando essas referências são frágeis: "a imagem externa se toma
para o sujeito: "toda imagem extenor pode cntAo vir a entreter então uma espécie de conex.ão mais ou menos colada nas imagens
a fantasia, colando-se compulsivamente nela em sequêncins internas, nas fantasias que povoam o 3parelho psiquico'.,,. Essas
sem texto"••. Todos esses riscos de desorganização trazidos imagens podem, então, se tomar invasivas, cumulativas, e se
pela imagem suspensiva do sentido só podem ser pareados pelo interpor entre o sujeito e a realidade. afastando o sujeito das
reencontro do tex.to que lhe corresponde- o que se busca em unrn referências simbólicas de tempo. espaço e pcsson, afetando sua
análise, por exemplo, no que se refere à fantasia. capacidt1de discursiva e sua fomia de 111terpretar o mundo que o
O enfrentamento dessedesarranjocausado pela primazia da cerca.
imagem sobre o texto, promovido pelas telas, segundo Dufour"' Dufour conclm essa parte de seu estudo afirmando que a TV
pode-se dar pela via dos uprocessos críticos que interrogam a pode gerar sofrimentos para aqueles que não têm as refor6ncias
imagem", senão, diz ele, a imagem vai conduzir a "seu puro e simbólicas bem fixadas. embora reconheça suas potencialidades:
simples investimento pela fantasia". "As novas tecnologias de comu11icação podem, em suma. levar o
o segundo desarranjo situa-se na transmissão do proccsw domínio das categorias simbólicas de espaço e de tempo até uma
simbólico enquanto tal e da entrada da criança nesse campo, o qu<' potência nova. tan10 quanto inibi-la"'".
requer a troca com os outros familiares, necessária parn o acesso
Observamos que o porllo-chave. lanro para Tisseron
1•eARTHES.. Rolaod. A ,anwru claru: ,,ota ;,obre fotogrní11 l 19801. Rio d~ JIDriro Nov1 quanto para Dufour, no que concerne à relação entre constituição
F,oottir.i, 1984..
i.c>UFOUR, Oany~Robtrt A arte d~ ttrhmr as cohr('IU OJ). c,1., p. 127
1'ld., loc. ciL
,.DUFOUR, Dany•RobertA art~ dt:ITdu:zira, ( ll/:,eços ... op. c1L, p 131
ll JrJ,, tbtd._p.J).2.
is1c1., loc.ciL 11<1., 1bid_, p. ll)
"ld,. ibid .• p.t:i&
154
1"
Intoxicações clc,trônic3s Os novos ..o,Htos" dn 1nfüncia <:ontemporfut~t
psíquica e uso de telas, é o momento em que isso ocorre: parn no horizonte da alienação desde seu início, pensando nas duas
o bebê e para a criança pequena, que ainda estão com su,, operações de causação do homem para Lacan".
constituição em curso, essa relação pode causar danos. Quantl,1 Podemos afirmar que a introdução, cada vez mais precoce,
as bases da constituição do psiqtlismo já se firmaram e podem d.11
das telas na experiência de vida do filhote humano traz um
lugar a novas formas de relação com as imagens e com o cam Jl" elemento estranho, mecân íco,automático, em seu funcionamento,
s imbólico, contudo, essa relação pode ser benéfica. imutável ou mutável a seu bel-prazer, apresentando o risco
de privá-lo disto de que ele mais necessita: a relação com um
3 O papel do Outro e do ourro na estruturação subjetiva
outro burnano significativo, que vai lhe propiciar a vivência da
Como Lacan formulou tão bem desde o início de seu diferença e da falta.
ensino, e qne é consonante com as proposições de Dufou, Do ponto de v ista simbólico, a aquisição e a construção
já apresentadas, o filhote do homem precisa ser inserido nu constante das chaves de significação necessárias para ler o entorno
campo simbólico por um outro da espécie. que estará, neste dependem do que o agente do Outro possa transmitir, num CallJpo
caso, em dupla função: representará ttma ordem que o excede. que é, ao mesmo tempo, singular, familiar, fransgeraciona l
a Linguagem e toda cultura dela decorrente, ao mesmo tempo e social. e que não se pode realizar de modo anônimo, geral e
que será seu semelhante, sua possibilidade de identificação. É sem corpo. Temos então de nos perguntar, diante de crianças
uma condição do homem: sua dependência fündamental. como que passam a maior parte de seu tempo em frente às telas, que
Freud21 poeticamente aponta no Projeto: "fonte de todos os chaves de significação 1nontarão para enfrentar a realidade e
seus motivos morai.s ". Sem a entrada nesta alienação s imbólica, seus impasses? Vimos, atravcs das pesquisas de Tisseron e de
imaginária e real ao Outro/outro, não surge um sujeito, no sentido Dufour, como podem ficar à mercê de fantasias fixas e rígidas,
de que é preciso receber do outro as palavras, as nomeações; um que podem determinar uma maneira idiossincrática de estar no
olhar estruturante da imagem própria e a confirmação desta pelas mundo e interpretá- lo.
palavras; e a entrada no campo do desejo, via circuito pulsionaL
Do ponto de vista im~ginário, quanro à construção da
Nada disso ocorrerá sem a presença de um outro significativo que
imagem corporal, da imagem ínconsciente do corpo, como
se disponha, ao mesmo tempo, a ser agente do Outro, em uma
pensar o que ocorre quando o outro se constitui prioritariamente
situação de interatividade que se abrirá à inter-relação. É esta
de imagens não humanas, autônomas, de personagens 9ue
a condição irredutível para que a operação de separação esteja
''existem" em outro espaço e outro tempo, mas que são, por
vezes, onipresentes na vida de uma criança? Sem a alternância
UfR.EUD, Sigmund. ProjelO para uma psico!ogm cicmific:a [I~95]. ln. _ _. E.diçikJ
.Slándard brasileira da.ç nhras psico!ógiem' compfe1as. Rio de JMeiro: lm&.iO, 1977. v.1, ~LACAN, J_ O&minbrw, l.Jvro li: o.~c.1111.rro c-trnceltruj11ndt1ml!.'1fllLS da p.su::anlifist
p.422. [ 1%3-1964]. Rio dcJoneiro: J9rge Zabai, 1979.
IS6 157
ln1oxicaçõc:s eletrônicas Os novo~ "outros" da intànciaG.OO.temporânca
presença/ausência constituinte da possibilidade de reprcscnt;11 leYar a uma oowpreensãQ maior dos fatos, ma$ na clinica já
o outro faltante, que permite ainda c1iar as oportunida,k, observamos alguns efeitos.
substitutivas do brincar criativo, ficariam também à mercê ti,•
Lembrando, como sugere Tysz.le~, que ·'com Lacan,
uma existência virtual?
passamos de certo modo, forçosamente, de um roteiro q11e
Sobre esse aspecto, ainda precisamos analisar a relaç:i11 permanece imaginário, à lógica de um objeto na língua" (p.34),
com o pequeno semelhante, na construção paulatina tJ:i cabe-nos encontrar, então, a.s palavras para nomear o que nos
relação social, a partir do modelo fraterno. Um dos principa,~ interroga na clinica e fazer hipóteses sobre suas possíveis
resultados de uma pesquisa que realiz.amos - Metodologia /RIJI significações. Tysz.ler ainda salienta: "l-acan nos leva a nos
nas Crechesll - foi a necessidade de criar um eixo a mais ,fo interessar pelo modo como os significantes são trabalhados por
investigação da criança: a " função do semelhante''", justamcnt.: atrativos estranhos, estes objetos que fabricam nosso sintoma
porque observamos a importância que há para os pequeninos da e nosso estilo, bem como por aqueles de uma época e de uma
presença do coleguinha, na creche, e como a relação com est~ coletividade"(p.34). Pensemos, então, a partir do q_ue as crianças
também infiel~ sobre seu desenvolvimento. nos têm trazido aos consultórios quanto a sua relação com os
s ignificantes, as imagens e os objetos.
Levando em conta que llm dos pontos mais criticados, de
modo geral, quanto ao consumo televisivo na in.f'ancia, é que o
4 Questões clínicas
tempo dedicado à TV priva a criança da interatividade, da interação
com outras crianças e das brincadeiras conjuntas; temos de refletir A relação com as telas deixa o corpo de fora, tanto o
também quanto aos efeitos de dispor, de modo preferencial, de corpo do bebê, da criança, quanto o corpo dos outros humanos.
parceiros imaginários televisivos, personagens que, como mostraram Sabemos como é central a articulação corpo/linguagem e o papel
Tisseron e Dufour, acima referidos, tendem a se encontrar com as do circuito plllsional que a funda. num contexto em que o corpo,
fàncasias inconscientes de cada um e a fixar identificações cada vcr. ao ser erogeniuid(), vai sendo representado psiq_uicamente e
mais rigidas e sem negociação quando em grupo. adentra o campo do desejo do Outro, para surgir como sujeito
de um desejo próprio. Com as 1elas, nada de montagem de
São questões cm aberto, ainda aguardando pesquisas e a
passagem do tempo necessária às consequências que poderiam circuito pulsional! Trata-se de uma relação "limpa de gozo",
como descreve1J1 os Lef011" para os casos de autismo! Nada
~KUPFER. M.C.; BliRNARDINO, Leda M.; MARIOTTO, R.M. De /,,&é a s,y,-10· ,
metodologia JRDI nas c1-e<:hes, S30 Paulo: Escut.i. 2014. a surpreender que, cada vez mais, crianças venham recebendo
ttiBE.RNAROTNO, Leda M.F.A,1aJi.açiio psica1)3lítica ao~ 3 anos{AP3 ):uma rcvisilncrfüc;1.
ln:CONGR.ESSO INTERNACIONAL DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL, 7.• s ?.TTYSZLER. J.J. De q_uc:1 objet pMle+ on? Ul RevJ1e Lacanienne,1. Toulo1Jse, Êres. n.5,
CONGRESSO BRASILEIRO DF: PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAI., 1)., ~, 11 de p.31-35, 2009. Os uccbos tra.oscritos da originul ern francês fora.o.urndozidos pela autora
setembro de 2016, Jo!lo Pessoa, Paraíba. Anais... João Pessoa: Assock1.ção U1tivers1tana e as. págin~ respe,ct1vas ãs cu.ações estão indicada.-: no prôprlo texlo.
de Pesquisa cm Psioopaiologia Fundamc-nrnl. 20 16 l>. ~EFORT. R.; LEFORT, R. La distincfion del'ClllliSme-. Paris: Sc:uil. 2004.
158 159
lntox1~ações e lelrômcas Os novos ''outros•~ da infância ç:on1cmpor5.ne.a
esse diagnóstico, nestes tempos de objetos virtuais, como 111 cm relação ao tempo; ou que não conseguem ocupar um lugar
desenvolvemos em outro texto,.. Podemos inferir, por excmpl11 que deveria ser o deles, com uma dificuldade, ne_ste caso,
que a criança exposta muito tempo à TV nilo sabe muito h,·111 com o espaço. Esses dados clínicos estão em conformidade
o que fazer com seu corpo, não entende bem a questão .!11 com os desarranjos no campo simbólico descritos por Dufour,
excitayào, do impulso, pois o processamento dessas questões fic11 como apresentamos acima, ua relação com o tempo, o espaço
deficitário entre o que as imagens/cenas/palavrns demandam dl'l11 e as pessoas. provocados pelo consumo televisivo precoce e
unilateralmente e o que nela só responde passivamente, já que cln ex-cessivo.
e$tâ imóvel diante do aparelho. Ou, no caso dos jogos virtuais,
5 Antídotos para a intoxicação virlual
deve encontrar a resposta ceita, não necessariamente a respo51a
que ela própria daria, se pudesse escolher... , Dos autores que trabalhamos, podemos depreender alguns
Clinicamente, podemos relacionar essa inflexão com pontos que poderiam servir como alertas e sucedâneos à cba.tnada
alguns fatos clinicos: recebemos hoje crianças com muita intox icação virtua 1:
dificuldade de brincar, de entrar no campo do faz de conta, tk - não expor o bebê e a criança pequena (ames dos três
inventar situações de modo criativo e próprio. Encontramos
anos) às telas;
também crianças que, embora não sejam psicóticas, são muilo
-com a criança pequena (em torno de 3 a 6 anos), estar ao
rígidas nas suas encenações, na repetição dos personagens.
seu lado no movimento de enteadirnemo/elaboraçào do que os
com dificuldades de ocupar lugares diferentes nas brincadeim5,
programas televisivos, os jogos virtuais. os filmes expõem, com
querendo sempre atuar no mesmo papel. Encontramos aind,i
uma função importante de mediação;
crianças com compulsões corporais, que lembram movimento:,
estereotipados típicos do autismo. mas em crianças que não estão -com as crianças já com suas bases psíquicas constituídas,
neste quadro clínico, que apresentam impulsos incontroláveis, ajudá-las a exercitar seu pensamento crítico, sua resistência ao
embora em outras áreas sejam neuroticamente centradas. consumo, sua possibilidade de escolher os programas, e ajudá-
las, também, no regramento das horas que vão despender nisso,
Na clínica com adolescentes, por sua vez. encontramo-nos
para não substituir atividades importantes, tanto psicomotoras
com jovens com extrema dificuldade de falar, principalmente
quanto sociais;
sobre atos que cometeram sem saber por que, que atuam com
uma rigidez fantasmática, muito dificil de tradu7.ir em 1:,alavras; - com os adolescentes, ajudá-los a dosai· o uso do virtual
que agem com impulsividade, demonstrando muita dificuldade em detrimento da relação ao vivo com os outros. Convocá-los a
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lm<lx1caçc'!cs clctrõnicitS Os novos ··o;u\ms:o- da in ffi11cia cC1oternporã 11ea
atividades de produção cultucal, teatral, de escrita, de fala. cm Além disso, convivemos com uma ignorã11cia da
grupo. que valorizem a produção pessoal e a relação interpesso:1I. comun idade em geral quanto aos efeitos dessa intoxicação
- com a comunidade em geral, divu lgar os estudos sohr,· vmual que vivemos. Na direção oposta, alguns pais muitas vezes
as consequências nocivas do uso precoce de telas, alertar parn parecem orgulhosos de poder fornecer. o mais cedo possível, o
o custo, a longo prazo, da pretensa "comodidade'· que a~ tel:0, objelo/tela de ultima geração para seu filho; ou mesmo muito
trazem à runçilo parenlal. aliviados de ler um objeto/babá que toma seu lugar na função
cducal iva! Neste ponto, é importallte que possamos divulgar os
Considerações finais conhecimentos que construimos, para que as famílias, as escolas
e a comunidade em geral possam dispor de antídotos a essa
Retomando nossas perguntas iniciais, depois d11
mloxicaçâo.
interlocuyão com os autores que citamos e de nossas observaçi\,•,
clínicas, podemos construir a hipótese de que a inversão 11<' São Paulo, 05 de junho de 2017
prevalência da imagem em relação ao texto pode produzir efei111,
importantes no pwcesso de inserção no campo simbólico ,, Sobre a autora
portanto, na organização psíqu ica. Podemos ainda imaginarqu,· Psicanalista, anal ista membro da Associação Psicanalitica
nas gerações futuras, isso acarretará modificações no 1.ratamc111" d,•Curitiba, pesquisadoraFAPESP, douwra em Psicologia Escolar
l' Oesenvolvirnento Humano pelo IPUSP. com pós-doutorado em
da Iinguagem, que poderão, eventualmeute, infletir sobre ,1 l'ratamento e Prevenção Psicológica pela Université Paris 7 -
estrutura simbólica, e ainda são dificeis de caleular para além d,, l)cnis Diderot. exerce prática c linica em São Paulo. ledher@
que discutimos. k rra.com .br
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JnlOu.;.açõcs eletrônicas O:J novos ..ovtrol- da inl~nciu contempor.in~
ELA. Direção: Spike Jonze Produção: Megan Ellison, Spik~ TYSZLER, Jean-Jacques. De quel objct parle+on? La Revue
Jonzc e Vincent Landay. Intérpretes: Joaquim Phoenix, Amy lacaniennen, Toulouse, Érês, n.5, p.31-35, 2009.
Adams, Rooney Mara, Olivia Wilde e outros. Estados Unido-
Annapurna Pictures/Wnmer Bros.Picutres, 2013( 126 min.), son
color.