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LUARA FERNANDA DE MACEDO

A DISPOSIÇÃO PARA O CUIDADO: UM ENCONTRO


COM ASSISTENTES SOCIAIS

ARARAS/SP
Dezembro/2018
LUARA FERNANDA DE MACEDO

A DISPOSIÇÃO PARA O CUIDADO: UM ENCONTRO


COM ASSISTENTES SOCIAIS

Trabalho apresentado à banca examinadora do curso de


Psicologia da Fundação Hermínio Ometto – FHO, como parte
integrante da avaliação na disciplina de Trabalho de Conclusão
de Curso, requisito para obtenção do título de Psicólogo.

Orientador Prof. Dr. Pedro Vitor Barnabé Milanesi.

ARARAS/SP
Dezembro/2018
FUNDAÇÃO HERMÍNIO OMETTO - UNIARARAS

Autora: Luara Fernanda de Macedo

A disposição para o cuidado: Um encontro com assistentes sociais.


Monografia apresentada em 06 de dezembro de 2018

Banca examinadora:

NOTA:
Orientador: Prof. Dr. Pedro Vitor Barnabé Milanesi

NOTA:
Profª. Drª. Cristina Coutinho Marques de Pinho

NOTA:
Profª. Mª. Viviana Brandt

NOTA:
Suplente: Prof. Ms. Laudemir Alves

MÉDIA FINAL:
A mulher que me ensinou a graça de viver a luta
da vida, Ilma Rosa de Macedo, minha mãe.
“O que nos interessa é a vida, com suas múltiplas
sensibilidades e formas de expressão. A vida
cotidiana, com todo o saber nela encerrado e que
a movimenta por entre as belezas e percalços do
dia. A sensibilidade que funda nossa vida consiste
num complexo tecido de percepções e jamais deve
ser desprezada em nome de um suposto
conhecimento.”

(Duarte Júnior)
AGRADECIMENTOS

O caminho percorrido durante minha graduação foi o mais tortuoso e colorido que
vivenciei nesses não tantos anos de vida. A grandeza desta experiência e a gratidão por quem fez
dela o que foi jamais poderá ser registrada em qualquer espaço em branco. Ainda assim deixo
aqui a tentativa dos meus emocionados agradecimentos:
Agradeço acima de qualquer coisa terrena, à minha mãe, Ilma, mulher de fibra que
sustentou comigo este desafio sem titubear um segundo se quer. Obrigada por este olhar tão
seguro. Você é todo o amor que existe em mim!
À Alana, minha irmã, meu avesso. Os choros são mais dignos e as risadas são mais
vívidas quando estou com você.
Aos meus outros irmãos, Larissa e Lau, pedaços da minha existência, motivos para eu
querer voltar sempre para casa e, ao meu pequeno Arthur, que me encoraja a buscar um mundo
melhor e mais justo.
A toda minha família, em especial, Nhô Moraes, Vó Selma, Mariana, Tio Carlos, Tia
Lena e Tia Célia, por terem sempre prontas palavras de carinho e de motivação.
Aos meus amigos de caminhada, Handerson, Kleber, Talissa, Beatriz, Diw, Matheus,
Rafa, Natália, Bruno, Eduardo e Reinaldo, por construírem este pedaço da minha vida junto de
mim. Vocês cintilaram a minha vida e a minha casa, hoje estão eternizados na minha história.
Obrigada pela potência destes encontros!
Às minhas amigas de apartamento, Amanda Braga, Amanda Zafani e
Alessandra por suportarem os meus pedidos de silêncio, pelos chás e por tanto carinho.
Aos meus dois companheiros de estágio Sérgio e Paloma por dividirem este ano difícil
comigo, tê-los por perto foi um acalento.
Ao Lucas, por toda paciência e cuidado, por todo amor dispensado, por ser o meu
descanso.
Aos meus companheiros de supervisão Eduardo, Sérgio, Renata, Duda, Larissa, Thaís
e Lú, por compartilharem as incertezas e as angústias, por trazerem companheirismo e solicitude,
por deixarem tudo um pouco mais leve.
À Rafa, miga amiga, pelo companheirismo, pelo olhar cuidadoso, pelo afago.
À Eufrazia, profissional incrível com quem tive o prazer de aprender e quem me inspirou
a produzir esta pesquisa.
À toda equipe CAEF (Central de Atenção ao Egresso e Família) por enriquecer meus
dias com tantas discussões, reflexões e gargalhadas. A minha passagem junto de vocês foi muito
feliz! Tive sorte em encontrá-los.
Aos meus mestres, que me deixaram o legado de ser assim como eles uma profissional
ética e humana. Obrigada por compartilharem tanto!
Às assistentes sociais que se dispuseram a dividir suas experiências comigo e fizeram este
trabalho possível.
Em especial ao Pedro, meu orientador, quem deu créditos aos meus devaneios
possibilitando que eles se tornassem um próspero Trabalho de Conclusão de Curso. Obrigada por
me apresentar a fenomenologia de um modo tão sensível e poético. Ela foi o ponto de luz desta
caminhada. Seus ensinamentos são para a vida!
RESUMO
MACEDO, L. A disposição para o cuidado: Um encontro com assistentes sociais. Trabalho de
Conclusão de Curso do Curso de Psicologia – Fundação Hermínio Ometto, Araras, PP.100, 2018.

No Brasil grande parte da população precisa de algum tipo de atendimento assistencial, sendo que
em alguns casos a relação estabelecida entre profissional e usuário do serviço é uma das únicas
possíveis no contexto do sujeito. O objetivo principal desta pesquisa é compreender como o
cuidado pode se mostrar na prática de assistentes sociais, pensando cuidado como um uma
disposição, um modo de abertura para o outro. Buscou-se a partir do discurso e das significações
das profissionais entrevistadas apreender se “estar” sensível para o cuidado no ofício é algo
possível, pensando o contexto do Serviço Social como campo profissional, e dos obstáculos
enfrentados nesta área de atuação. Utilizando-se de um olhar fenomenológico como metodologia,
a análise de dados se deu a partir de entrevistas desenvolvidas com três assistentes sociais. As
discussões aconteceram em torno de como o cuidado se configura antes mesmo da atuação
profissional, na construção de vida de cada sujeito, também pode-se perceber que, o contexto
pode ser abertura como pode ser dificultador de uma prática cuidadosa. Ao mesmo tempo, as
entrevistas apontaram ainda para um movimento de resistência das assistentes sociais na
manutenção do cuidado, mesmo com obstáculos encontrados, o que leva a pensar que o cuidado,
dada sua dimensão ontológica, assume a forma da nossa condição histórica, conjuntural e de
apelo em direção daquilo que acreditamos.

Palavras-chave: Serviço Social; Cuidado; Fenomenologia, Psicologia.


ABSTRACT

MACEDO, L. The Disposedness for care: A meeting with social workers. PP.100. Final
work of the Course Psychology Course – Fundação Hermínio Ometto, Araras, 2018.

In Brazil, a great portion of the population needs some social assistance, which, in some
cases, have an as unique resource the established relation between professional and patient.
The main objective of this research is understanding how the „care‟ of those social workers is
demonstrated, considering „caring‟ as a disposedness, a connection between worker and
patient. In the context of the professional field of Social Assistance and the obstacles faced in
this area, it was sought from the discourse and the meanings of the interviewed professionals,
understanding if it is possible „being sensible‟ at the profession. Using a phenomenological
view as a methodology, the data analysis was based on interviews developed with three social
workers. It was discussed how the „caring‟ in social assistance is configured even before the
professional help, in the context of each patient‟s lives. It was concluded that the patient‟s
lives context can either facilitate or hinder a „caring‟ practice. At the same time, the
interviews also pointed to a resistance movement of social workers in maintaining care, even
with obstacles encountered, which leads us to think that care, given its ontological dimension,
takes the form of our historical, conjunctural and of appeal towards what we believe.

Keywords: Social Work; Care; Phenomenology, Psychology.


SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO: DA SENSIBILIDADE AO CUIDADO................................................ 1


2. DO CUIDADO EXISTENCIAL PARA A AÇÃO CUIDADOSA ........................................ 6
3. DO ASSISTENCIALISMO PATERNALISTA À ASSISTÊNCIA ENQUANTO
DIREITO. ................................................................................................................................. 16
4. O CAMINHO PERCORRIDO ............................................................................................. 28
4.1 O Método Fenomenológico ............................................................................................ 28
4.2 A construção dos dados: Instrumentais e procedimentos ............................................... 29
4.3 Participantes .................................................................................................................... 31
Sueli................................................................................................................................................31
Sônia...............................................................................................................................................31
Samira ............................................................................................................................................32
4.4 Procedimentos para análise de dados: a bússola para a compreensão ............................ 32
5. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ........................................................................................ 36
5.1 Encontro com Sueli ......................................................................................................... 37
5.2 Encontro com Sônia ........................................................................................................ 42
5.3 Encontro com Samira...................................................................................................... 50
6. DISCUSSÃO ........................................................................................................................ 58
6.1 O vir a ser assistente social. ............................................................................................ 58
6.2 A formação como espaço para o cuidado. ...................................................................... 63
6.3 Como o contexto do trabalho afeta o cuidado (?) ........................................................... 66
6.4 A resistência ou “Apesar de tudo” .................................................................................. 72
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS (INCONCLUSÕES) ............................................................. 74
8. REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 77
9. ANEXOS .............................................................................................................................. 84
1

1. APRESENTAÇÃO: DA SENSIBILIDADE AO CUIDADO

Para situar as questões desta pesquisa, vejo a necessidade de dizer um pouco do


caminho que me fez chegar até aqui, das idas e vindas, das pausas e dos muitos percursos.
Inicialmente fui tocada a me questionar sobre algo que sempre me causava inquietação. O
sensibilizar-se.
A graduação em Psicologia na instituição de formação referida nos convida, no
decorrer do curso, a ter um contato muito particular com este fenômeno, há sempre um
diálogo, uma discussão, um texto, um evento, uma história, um atendimento, que toca e
paralisa, que nos toma por inteiro. Retrato essa sensação não considerando apenas as
minhas experiências, mas levando em conta as muitas conversas pelos corredores,
elevadores e nos círculos de amizades. Diante deste encharcamento de sentimentos me
deparei com outra situação qual também me trazia incômodo e inquietação.
Sempre tive muita identificação e interesse pelo funcionamento de serviços públicos
voltados ao atendimento populacional, uma vez que para mim estes serviços carregam uma
responsabilidade de garantia de cidadania em suas perspectivas mais básicas. Baseava-me
no que senti observando algumas relações entre profissionais e usuários destes serviços,
observando de que forma se dava essa relação onde um sempre necessitava de auxílio, de
assistência, de cuidados e outro ocupava o papel de cuidar, de atender. Onde a necessidade
de um pairava na disposição do outro de se ocupar, de “dedicar-se a”.
O meu olhar se demorava sempre em dois complexos setores: saúde e assistência
social. A relação com uma assistente social em um estágio extracurricular foi decisória para
que os meus questionamentos tomassem como rumo a atuação dos assistentes sociais. Esta
profissional mantinha uma atuação que resistia a todas as dificuldades que apareciam em
seu ofício, um serviço público de reintegração social de egressos penitenciários. A falta de
estrutura e recursos físicos, materiais e humanos, não a fazia ceder lugar para um “não
fazer”, omissão ou passividade, ainda que os traços de cansaço e desesperança fossem
muito notórios.
Colocava a postura desta assistente social em contraste com profissionais que
demonstravam uma prática sempre muito descuidada e tecnicista. Minha hipótese era a de
que a técnica poderia ser uma possibilidade para este “não cuidado”, o funcionalismo
público também soou como a possibilidade de um agravante sabido que estes serviços, por
serem públicos, fora da lógica de mercado, via de regra não são muito valorizados e possui
2

poucos recursos destinados a sua realização.


Voltando à questão inicial da pesquisa “Pensar como a sensibilidade perpassa as
práticas dos assistentes sociais” me pus a interrogar: o que é uma atuação sensibilizada?
A sensibilidade sempre se apresentou para mim na condição de compreensão
simples e definição pronta, isto é, algo fácil e inteligível até o momento em que me propus a
entendê-la, a pensar nela. O simples exercício de tirar este termo da sua usualidade
automática se mostrou uma tarefa enigmática e complexa – e fui eu própria acometida pela
sensação de não saber mais defini-lo.
Esta própria não-conceitualização da sensibilidade ou do sensibilizar-se me colocou
questionamentos. Como iniciar uma pesquisa com a sensação de que o fenômeno principal
a ser olhado é difícil até mesmo de delimitação, de descrição, de medição. No dicionário de
Língua Portuguesa sensibilidade é descrito como:

1. Qualidade do sensível. 2. Faculdade do sentir; sentimento: sensibilidade


literária.3. Propriedade do organismo vivo de perceber as modificações do
meio externo ou interno e de reagir a elas de maneira adequada,
excitabilidade. 4. Faculdade do ser humano sensível (2);
impressionabilidade. 5. Faculdade de experimentar sentimentos de
humanidade, ternura, simpatia, compaixão. 6. Faculdade que tem o artista
de ser especialmente sensível aos elementos que, transmitidos a sua obra,
são capazes de despertar emoções. 7. Disposição para ofender-se ou
melindrar- se, suscetibilidade. 8. Emoção, sentimento, afetividade.
(FERREIRA, 2004, p. 1829).

No Dicionário de Filosofia de Abbagnano (2007) também podemos encontrar quatro


breves conceitualizações para a palavra sensibilidade:

SENSIBILIDADE (in. Sensibility, Feeling; fr.Sensibilité. al. Sinnlíchkeit; it.


Sensíbilitã). 1. Esfera das operações sensíveis do homem, considerada em
seu conjunto, o que inclui tanto o conhecimento sensível quanto os apetites,
os instintos e as emoções. 2. Capacidade de receber sensações e de reagir aos
estímulos. P. ex., "a S. dos vegetais". 3. Capacidade de julgamento ou
avaliação em determinado campo. P. ex., "S. moral", "S. artística", etc. 4.
Capacidade de compartilhar as emoções alheias ou de simpatizar. Nesta
acepção, diz-se que é sensível quem se comove com os outros, e insensível
quem se mantém indiferente às emoções alheias (V. SIMPATIA).
(ABBAGNANO, 2007, p.872).

Fiquei por um longo tempo patinando na tentativa incessante de delimitar o termo


sensibilidade. Deste processo surgiram vários momentos de angústia uma vez que, de um
lado era tomada pela compreensão de que sensibilidade era um estado de grandiosidade por
outro, qualquer definição parecia sucumbir o que de mais próprio eu queria dizer sobre ela.
3

Este desconforto parece muito justificável quando consideramos a tão enraizada


forma de se fazer ciências e pesquisas, pela busca incessante de medição e de objetificação
(SANTOS, 2008). Nestas circunstâncias, compreender sensibilidade é um movimento que
me colocou como pesquisadora em situação de desamparo.
Pela minha experiência, a sensibilidade pouco me dizia pela via da conceitualização,
mas na linguagem íntima do cotidiano, isto é, despretensiosa de razão lógica, parecia se
aproximar bem mais do que buscava nessa pesquisa, me abria caminhos para pensar o tema
que propus interrogar.
Sendo assim, certo dia, já movida por incômodo de não conseguir de modo prático
descrever o que vem a ser sensibilidade passei a palavra a diante e resolvi sem nenhum teor
de pesquisa formalizada perguntar às pessoas: O que é sensibilidade para você? O que é ser
sensível? As respostas que vieram aproximavam sensibilidade de outros diversos conceitos
como empatia, cuidado, bondade, emoção, fraqueza, algumas delas foram possíveis de
serem colhidas de modo literal:
1. “modo como nos relacionamos com o mundo”, 2. “se preocupar com o próximo”,
3. “ter sensibilidade de entender certas situações”, 4. “tem a ver com como as coisas te
afetam”,
5. “o que te torna sensitivo”, 6. “uma vulnerabilidade do sentir”, 7. “a maneira como
lidamos”. 8. “uma pessoa mais aberta ao mundo, com menos defesa, menos dura, no sentido
de se colocar mais no lugar dos outros, mais aberta a entender o mundo do outro, ao mesmo
tempo é alguém que sente muito, as emoções afloram bastante, uma pessoa sensível talvez
viva mais intensamente os momentos, as relações (...)”.
Estes muitos diálogos me fizeram olhar a sensibilidade de dois modos principais, de
um lado ela parecia apontar para uma disposição, um modo de estar, uma abertura para
com o outro, por outro lado, parecia dizer de uma afetação, uma preocupação com o outro.
Morato (2009, p. 25) trazendo a ideia do conceito heideggeriano Befindlichkeit a
partir de Gendlin (1978/79) propõe que:

Se faz parte da condição de ser humano estar aberto para ter acesso ao que
ocorre em sí-em-situações-com-outros, Befindlichkeit refere-se, pois, a uma
disponibilidade para acesso a si e a outros com compreensão ativa e
implícita do que está ocorrendo, bem como da articulação dessa
compreensão para comunicação com outros e ouvir o que deles volte; com
isso, nova abertura ocorre. Esse é um processo relacional e de relacionais,
simultâneo, da condição de ser humano que possibilita abertura e acesso para
outras formas de relações e relacionamentos, e, portanto,
outras possibilidades e/ou mudanças podem ocorrer.
4

Gendlin (1978/79, p. 79 apud MORATO, 2009) usa do termo Befindlichkeit também


para buscar entender o conceito de “sentimento, emoção ou afeto”. Resgata neste movimento
o sentido de experienciado, sendo este o processo que caracteriza a maneira que os
sentimentos se dão, afetando-se ao mesmo tempo em que afetam o mundo. Estabelecendo um
jeito reflexivo de estar nele, mostrando como o indivíduo é a partir da condição que tem de se
ver agindo.
De acordo com estes autores, a disponibilidade é uma abertura para o mundo para que
seja possível senti-lo, se apropriar-se dele, estar sensível a algo. Disponibilizar-se para acessar
a si e aos outros era um modo de pensar que me trazia a sensação de encaixe ao sentido que
buscava propor aqui como sensibilidade. Porém ao ir entrando cada vez mais em contato com
estes assistentes sociais, no decorrer das entrevistas, das trocas de mensagens, esta disposição,
esta abertura, foi se mostrando de uma forma própria. A preocupação e afetação citada como
o segundo modo de entender sensibilidade ganhou no percurso das minhas indagações uma
face mais nítida: cuidado! A abertura, a disposição, ou o modo sensível qual eu me referia era
este, o cuidado.
Em um país como o Brasil, onde grande parte da população precisa de algum tipo de
atendimento da rede pública, onde em alguns casos a relação estabelecida entre profissional
e usuário do serviço é uma das únicas possíveis no contexto desta pessoa, sendo um serviço
de referência na vida do sujeito, acredito ser necessário tentar entender a percepção que
estes profissionais têm sobre sua própria atuação, principalmente quando se diz do setor
público, onde as lógicas do bom atendimento ligado à concorrência de mercado não
existem.
Fica evidente o quão considero necessária que a sensibilidade no sentido do cuidado
ao problema do outro seja corrente na prática dos profissionais de serviços públicos, cabe
responder, de que forma elas se fazem presentes e entrelaçadas à técnica tão presente e tão
usual nos dias atuais.
É então pensando no contexto de políticas públicas assistenciais, no papel que estes
serviços têm e no que representam em relação à população mais vulneráveis, que faço a
interrogação de como a disposição para o cuidado atravessa esta relação, fazendo-se ou não
presente.

Deste modo, o objetivo principal desta pesquisa é compreender como o cuidado pode se
mostrar na prática de profissionais do Serviço Social, pensando cuidado comouma
disposição, um modo de abertura para o outro. Busca-se a partir do discurso e das
5

significações destes profissionais apreender se “estar” sensível para o cuidado no ofício é


algo possível, pensando o contexto do Serviço Social como profissão, e dos obstáculos que
enfrentam em suas áreas de atuação, tentando descobrir de qual modo este cuidado pode se
traduzir no trabalho destes profissionais.
6

2. DO CUIDADO EXISTENCIAL PARA A AÇÃO CUIDADOSA

“Não há como sair ileso desse processo. Tocando


o outro, também sou tocado. Afetando, também sou
afetado. Cuidando, também sou cuidado!”
(Alves, Morato e Caldas)

Neste capítulo, o objetivo não é de interpretar ou discutir a fundo a construção teórica


de Martin Heidegger, mas de usar da linguagem heideggeriana para falar do cuidado em uma
condição existencial. A sensibilidade e o cuidado que se busca discutir, por hora, deixarão de
ser compreendidos em seus significados ônticos (isto é, corriqueiros), para serem olhados
como estruturas ontológico-existenciais (fundamentais a toda e qualquer existência).
Coincidentemente ou não, estes dois conceitos, que ocupam lugar central na discussão,
também ocupam espaço interessante na filosofia de Heidegger.
Como dito, ainda que não seja o objetivo aprofundar o leitor neste nível filosófico,
mas, perpassar por estes conceitos em um campo existencial abre espaço para discussões
interessantes de caráter fundantes e que não exclui, pelo contrário, contribui e contempla a
sensibilidade e o cuidado como estruturas ônticas situadas na ação. Portanto, inicialmente é
isso que funda dúvidas e suscita a investigação contemplando esta pesquisa.
Deste modo, a discussão sobre os conceitos será alargada para apontar na discussão
da prática cuidadosa das assistentes sociais, pois considerando o que propõe Anéas e Ayres
(2011) antes do cuidado ser uma ação, o ser-aí cuida no mundo. Ou seja, o cuidado na ação é
um desdobramento do cuidado existencial, qual será tratado neste capítulo. Além disso, estes
autores consideram que, “[...] voltar-se ao sentido ontológico do cuidado é criar
possibilidades de uma reconstrução prática que escapa, não obstante, aos seus alcances
teóricos” (ANÉAS e AYRES, 2011, p. 653). Para isso, cabe a colocação de alguns conceitos
existenciais que ajudem alicerçar esta discussão e compreender o porquê deste caminho para
chegar a discussão do fenômeno investigado nesta pesquisa.
Em sua maior obra, “Ser e Tempo” Heidegger (2016) busca a compreensão da
existência humana, a partir de uma analítica do modo de ser do homem, para isso denomina
termos específicos como: a “existência”, o “ser-aí” (Dasein), e o “ser-no-mundo”. Heidegger
usa do termo “existenciais” para se referir as estruturas ontológicas do ser-aí.

Sua obra é construída a partir da principal preocupação com o ser e não com os entes.
Para tanto, ele investe na investigação de um ente que tem assinalada abertura ao ser, isto é,
7

o ente que nós mesmos somos, o que Heidegger nomeará de “ser-aí”, que é a tentativa de
olhar para a existência destacando suas características fundamentais, estando consciente de
sua existência (RIBEIRO JÚNIOR, 2003).
Este modo de ser do homem existirá a partir de um espaço e um tempo específico,
onde inevitavelmente ele terá de responder e lidar com a sua condição de “ser-aí”. Como
“ser- aí” o homem é chamado a lidar com a mundaneidade (ser-em) e com os entes outros, os
intramundanos, isto é, ele terá de lidar com a sua condição de estar-lançado, ser/estar-no-
mundo, consigo mesmo e com os outros (LIMA, YEHIA e MORATO, 2009). Uma vez que
estar-no-mundo com os outros é algo determinado, ser-em e ser-com são também condição
existencial do ser-aí (Ibid.).
Com estes conceitos Heidegger aponta para a relação intrínseca que existe entre o
homem e sua exterioridade, ou seja, o mundo, fora dele mesmo (SANTOS e SÁ, 2013).
“Sendo no mundo, ele é abertura que compreende o mundo” (POMPEIA e SAPIENZA,
2011, p.161). Os entes se manifestam para o homem e veem ao encontro do homem, e o
homem quem irá a partir de sua condição de compreensão, dar sentido ao ente e, ao fazê-lo,
dá sentido a si-mesmo (Ibid.). O homem será sempre a partir de uma abertura de sentido.
“Ser aí é o modo de ser do ente que questiona sobre o sentido do seu ser, do ser dos outros
entes, e da totalidade dos entes” (SANTOS e SÁ, 2013, p. 55). Nesse sentido, se “ser-aí” é
“ser-no- mundo-com”, condição de encontro que da abertura para mostrar o sentido das
coisas que vem ao nosso encontro. Somos a todo instante compreensão, ou seja, isto torna-se
uma condição existencial (SANTOS e SÁ, 2013).
Porém, o “ser-aí” não é apenas abertura compreensiva para o mundo, ele está sempre
disposto de alguma maneira. Esta maneira, o jeito que o ser-aí encontra-se nesta abertura
recebendo o nome de disposição (Befindlichkeit), que também é uma condição existencial
uma vez que constitui a existência do “ser-aí” (POMPEIA E SAPIENZA, 2011). Sendo a
disposição uma condição existencial, ela estará essencialmente junta de toda e qualquer
compreensão e modos de ser do “ser-aí”, esta disposição aparecerá como tonalidades afetivas
(POMPEIA E SAPIENZA, 2011). Para Feijoo (2011, p. 33), essas tonalidades são “(...)
determinantes do modo como experimentamos o mundo”.
Pode-se dizer então que sendo no mundo, e estando a todo tempo junto das coisas
que vem ao nosso encontro a partir de tonalidades afetivas, toda experiência humana está

envolvida por algum tipo de afeto, emoção e sentimento (POMPEIA E SAPIENZA, 2011).
Em toda ação cotidiana haverá afetividade presente, ainda que esta afetação, estes
8

sentimentos, apontem para um não sentir, como a apatia e a indiferença, por exemplo, pois
não deixam de ser uma disposição, uma abertura para o mundo (Ibid.).
A disposição, ou seja, o modo qual nos encontramos abertos para lidar com as coisas
e com as pessoas pode ser considerada como sensibilidade. No novo dicionário Aurélio da
Língua Portuguesa sensibilidade em um dos seus significados é descrita como “Emoção,
sentimento, afetividade.” (FERREIRA, 2004, p. 1829), disposição seria então o modo como
você está sensível e afetivo para algo.
Sensibilidade poderá ser entendida como abertura para o mundo, “estar sensível
para”, e estar sensível assim como pontuado anteriormente ao conceitualizar a “disposição”,
não necessariamente dirá de sentimentos otimistas e auspiciosos, a insensibilidade neste
sentido poderá ser um modo de estar sensível a um acontecimento ou situação, o modo de
estar aberto e para ele.
Para se aproximar estas discussões fenomenológicas ao objetivo desta pesquisa, será
discutido mais profundamente uma unidade existencial-ontológica específica apresentada
pelo termo “Cuidado”1 ou ainda “cura”, (Sorge). O Cuidado aqui designado não diz do
sentido de cuidado empregado pelo senso comum, ainda que ele muito interesse nesta
investigação de sentidos.
Assim, o Cuidado neste sentido é a condição de estar aberto às possibilidades,
realizando-as a partir de um sentido. Para Heidegger, o Cuidado terá um lugar central na
estrutura ontológica do “ser-aí”. O autor entende que, o homem é Cuidado porque
ontologicamente ele cuida de ser e cuida dos entes a sua volta, deixando-os aparecer
(SANTOS e SÁ, 2013) “O Cuidado em sentido ontológico quer dizer: o homem sempre
cuida. Mesmo nas relações de desprezo e de descuido, o homem cuida.” (ANÉAS e AYRES,
2011, p. 654).
Para falar de Cuidado, entretanto, Almeida (1999) passa pela angústia, considerando
que este estado de ânimo, esta tonalidade afetiva, se diferencia dos outros estados uma vez
que, enquanto qualquer outro nos coloca diante do mundo, a angústia é o único estado de
ânimo que nos coloca diante de nós mesmos.

Dessa maneira o temor abre-nos para o mundo e a angústia, para nós


mesmos. A angústia abre o ser-aí numa dimensão em que ele apreende o que
lhe é mais fundamental, que é o seu modo de aparecer no mundo como
cuidado. A angústia abre-nos para o nosso modo mais elementar, originário
de ser, que é o cuidado (ALMEIDA, 1999, p. 51).

1
Para diferenciar os dois conceitos de cuidado empregados aqui, o Cuidado ontológico, no sentido existencial
será iniciado com letra maiúscula enquanto o cuidado ôntico, no sentido da ação será escrito com letra minúscula
9

A angústia será, nesta perspectiva, tonalidade afetiva que lembra o “ser-aí” de sua
abertura contínua e fundamental diante do mundo e de sua existência, mostrando-lhe que a
vida está sob seus cuidados. É necessário que o homem se recolha cuidadosamente em sua
abertura para que possa lançar-se em suas possibilidades mais singulares (LIMA, YEHIA e
MORATO, 2009).
Para ilustrar melhor o significado que o Cuidado ontológico ganha para Heidegger,
será usado a fábula do Cuidado2 de sua obra “Ser e Tempo” para exemplificar o Cuidado
(Sorge) em sua teoria existencial.

Certa vez, atravessando um rio, Cura viu um pedaço de terra argilosa:


cogitando, tomou um pedaço de barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto
refletia sobre o que criara, interveio Júpiter. A Cura pediu-lhe que desse
espírito a forma de argila, o que ele fez de bom grado. Como a Cura quis
então dar seu nome ao que tinha dado forma, Júpiter a proibiu e exigiu que
fosse dado o nome. Enquanto Cura e Júpiter disputavam sobre o nome,
surgiu também a Terra (tellus) querendo dar o seu nome, uma vez que havia
fornecido um pedaço de seu corpo. Os disputantes tomaram Saturno como
hárbitro. Saturno pronunciou a seguinte decisão, aparentemente equitativa:
“Tú, Júpiter, por teres dado o espírito, deves receber na morte o espírito e tu,
Terra, por teres dado corpo, deves receber o corpo. Como, porém, foi a Cura
quem primeiro o formou, ele deve pertencer a Cura enquanto viver. Como,
no entanto, sobre o nome há disputa, ele deve chamar-se Homo, pois foi
feito de húmus. (HEIDEGGER, 2016, p. 266).

A fábula propõe duas interessantes interpretações: a ideia de que o ser-aí pertence ao


“Cuidado” existencial por todo tempo em que estiver em vida, e a alusão à ideia do homem
constituído enquanto corpo e espírito (HEIDEGGER, 2016).
Borges-Duarte (2010) traz uma interpretação interessante sobre a fábula, para autora
a existência não parece estar especialmente demarcada pelo corpo nem mesmo pelo espírito,
já que ao fim da vida voltam a ser de quem lhes doou, mas é o Cuidado o que será o traço
fundamental da existência, o que dá forma em toda a trama da vida. Deste modo, a origem do
ser do homem está no cuidado, não podendo livrar-se dele, sendo governado por ele e
estando preso a esta condição, enquanto “ser-no-mundo” (ALMEIDA, 1999).
A fábula propõe ainda uma intervenção de Saturno que contextualiza a ideia de
tempo, a temporalidade qual estamos lançados e limitados no mundo, enquanto o homem

2
Fábula escrita por Caio Júlio Higino, escritor da Roma Antiga. Cuidado, na versão latina, é denominado Cura.
Não se costuma recorrer a essa denominação por ela ser ainda mais confusa e poder levar ao equívoco da noção
de cura referida nas práticas de saúde. Cura, aqui, assume o sentido de uma curadoria, como quem cuida para
que as coisas se encaminhem.
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aparece nomeado como Terra ou Húmus, aquilo do que foi feito, (LANCETTI, 2010) o que
podemos interpretar como material possibilitador de germinação, campo fértil para o Cuidar,
onde encontra-se sempre projetando-se no tempo e sendo livre a suas possibilidades de vir-a-
ser.

Nestes termos, o cuidado é ao mesmo tempo a forma ou a estrutura


fundamental do homem com a qual ele estará lançado no mundo de que
cuida (o estado de lançado) e também o próprio obrar, agir que o homem
realiza (a projeção). Retomando: o cuidar é ao mesmo tempo origem,
condição de ser através da qual o homem é lançado no mundo e agir, obrar,
ou seja, o cuidado constitui-se em projeção lançada. O cuidar enquanto agir
perfaz a possibilidade do cuidar enquanto origem. (ALMEIDA, 1999, p. 59).

A temporalidade, será também condição ontológica para Heidegger no sentido de


que, o homem não se encontra simplificadamente inserido no tempo, ele mantém uma co-
pertinência junto do tempo, sendo também uma condição existencial de ser do homem, a
existência é então temporalização (SANTOS e SÁ, 2013). “Perante o cuidado, o homem se
adianta a si mesmo, se temporaliza” (LANCETTI, 2010, p. 95).
Nesse sentido, podemos pensar que o homem não tem cuidado, ele é cuidado (LIMA,
YEHIA e MORATO, 2009). É também nestas perspectivas que é possível aproximar – se é
que eles já não são indissociáveis – novamente o Cuidado ontológico e ôntico, uma vez que,
sendo-no-mundo-com, cuidamos de nós enquanto abertura e enquanto disposição afetiva,
agindo e construindo esta existência que está sempre em aberto, ao passo que cuidamos
juntamente dos outros, e das coisas que vem ao nosso encontro.
O Cuidado existencial seria neste sentido a nossa condição de nos organizarmos em
nosso projeto de vida, diante de todas as coisas que nos acontecem enquanto formos
habitantes de um corpo no mundo, cuidando disso tudo. Os nossos movimentos de buscar
organizar, acomodar, ajeitar, ou qualquer que seja o adjetivo que aponte a nossa busca
contínua de nos mantermos no mundo frente a todas as condições adversas e/ou favoráveis
lidando do modo como podemos lidar.
Assim, é existencial porque estamos fadados a essa condição de Cuidar, seja não
cuidando de nós e de outros, seja escolhendo uma “não vida”, seja apelando para apatia e
para a passividade diante de um mundo possibilitador.

Heidegger denomina dois modos fundamentais do Cuidado (Sorge), o primeiro diz da


relação do ser-aí com os entes, Ocupação (Besorgen), e o segundo na relação com outros
homens, Preocupação (Fürsorge).
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Ocupação (Besorgen) definirá o uso que o “ser-aí” faz dos entes que vem ao seu
encontro e estão disponíveis para seu uso, e ocupando-se deles. O ente tem assim a condição
de utensílio, a volta do “ser-aí”, que por sua condição ontológica de ser-no-mundo está
sempre se ocupando dos entes (ALMEIDA, 2008).
Já a Preocupação (Fürsorge), designa o cuidado voltado aos entes que possuem o seu
mesmo modo de ser, ou seja, outros homens (SÁ, 2017) A “Preocupação” existirá na
presente relação de ser-com. “Desse ente não se ocupa, com ele se preocupa”
(HEIDEGGER, 2016. p, 177). Para Heideigger (2016) todos os modos de ser-com o outro,
inclusive o não ser tocado pelo outro, são modos de preocupação.
Heidegger (2016) trará duas diferentes formas de “Preocupação”, a primeira é a
preocupação substitutiva, que diz de uma preocupação que acabar por saltar (Einspringen)
para seu lugar, substituindo a “ocupação” do outro, tomando-lhe o lugar de ocupar-se e
cuidar, assim, este outro recolhe-se e se afasta desta ocupação retornando a ela quando
adquire um status de uma coisa pronta, sem que o outro tenha tido a possibilidade de ele
próprio fazê-la. “Nessa preocupação, o outro pode tornar-se dependente e dominado mesmo
que esse domínio seja silencioso e permaneça encoberto para o dominado” (HEIDEGGER,
2016, p.178).
Já o segundo modo de preocupação, a preocupação libertadora, é um cuidado que se
“Antecipa” (Vorausspringen), coloca-se antes deste outro, não com o intuito de substituí-lo,
mas de mostrar-lhe suas próprias possibilidades de ser (SÁ, 2017). Criando condições para
que o outro assuma suas responsabilidades, e seus projetos, fazendo suas escolhas e cuidando
do seu “ter que ser e de poder ser” (p. 96).
Este antecipar-se deverá ser compreendido como o Cuidado existencial, ou seja, na
condição de entender o outro a partir de sua existência e não como coisa com que se
“ocupa”. Poderá assim colaborar com outro para que ele, a partir de sua condição de Cuidar
possa alcançar a liberdade e a transparência com si mesmo (HEIDEGGER, 2016).
O que Heidegger sucinta é que, mesmo diante desta Preocupação que se “Antecipa”
que o homem pode olhar o outro o reconhecendo como par, como igual, uma vez que dá
condição para que o outro seja “Cuidado”, assim como ele também é, autenticando sua
existência e possibilitando o traço fundamental da existência que o Cuidado, existindo e “se

virando” para dar conta de todas as coisas que vem ao seu encontro, no seu estar-lançado no
mundo.
A sensibilidade ou disposição será o modo como estamos abertos ao mundo e
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concomitantemente o modo como nos apropriamos dele. O cuidado como algo próprio do
ser- aí, apesar de sua estrutura ontológico-existencial, desdobra-se em Ocupação e
Preocupação, sendo este último, o cuidado “sendo-com”, ou seja, o cuidado com os outros
homens. Este último nos será mais interessante aqui uma vez que, nos dá abertura para
pensarmos a preocupação, ou as possibilidades das práticas cuidadosas de assistentes sociais.
Para Boff (2005) todas as palavras carregam em sua origem significados existenciais
que acolhem infindáveis experiências, encontros e buscas, por isso é necessário desvelar as
“riquezas escondidas” nos âmagos destas palavras. Os sentidos originários das palavras
nascem em um pequeno nicho e vão com o tempo se desdobrando e ganhando novos
significados. Para o autor a palavra cuidado parece ter tido este mesmo destino.
Em latim a palavra cuidado significa “Cura”. Em seu estado mais originário, cura
escrita em latim aparecia em contextos de relações humanas de amor e amizade. Cura tinha o
sentido “de cuidado, de desvelo, de preocupação e de inquietação pelo objeto ou pela
pessoa amada” (BOFF, 2005, p. 29). Há ainda a derivação de cogitare-cogitatus, que dá
origem as palavras coyedar, coidar, cuidar. O sentido desta é semelhante à primeira: “cogitar
e pensar no outro, colocar a atenção nele, mostrar interesse por ele e revelar uma atitude de
desvelo, até de preocupação pelo outro. ” (Ibid.).
Cuidado existirá apenas quando a existência do outro lhe importa, fica-se assim,
disposto ao outro, dedica-se à ele, se dispõe a ele a sua existência, participando de sua vida,
de seus sonhos, de seus objetivos, de suas angústias, de aflições, de suas conquistas, de sua
vivência (BOFF, 2005).
Cuidado, deste modo, será entendido como o modo-de-ser que sai de si para demorar-
se no outro, faz presente o sentimento de responsabilidade com o outro, amparado no desvelo
e na solicitude. O cuidado terá basicamente dois significados que se ligam entre eles, o
primeiro como na disposição e desvelo, e a segunda, dando continuidade à primeira, tendo o
significado de inquietação e preocupação, uma vez que ao nos afetarmos, nos preocupamos
com o outro (Ibid.).
Boff (2005) propõe que quando dizemos do “ser-no-mundo”, não estamos nos
referindo especificamente de nossa convivência com os animais, as plantas e os seres
humanos. Ainda que tudo isto esteja incluído o sentido é ainda mais amplo, “Significa uma
forma de estar presente, de navegar pela realidade e de relacionar-se com todas as coisas do
mundo.” (BOFF, 2005, p. 30). Navegando e relacionando-se, o ser humano constantemente
está construindo sua própria identidade, a sua autoconsciência e seu eu mais próprio e
singular.
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Entretanto, Boff (2005) tem em sua obra um caráter exotérico, colocando o cuidado
em uma dimensão mística. Para ele colocar o cuidado em um lugar central nas relações
humanas “Significa captar a presença do Espírito para além de nossos limites humanos, no
universo, nas plantas, nos organismos vivos (...)” (BOFF, 2005, p. 34).
Lancetti (2010) em seu artigo intitulado “Cuidado e território no trabalho afetivo”
apresenta que, apesar de admirar a obra de Boff e sua luta a favor dos menos favorecidos,
discorda da ideia do autor em seu livro sobre cuidado, ao colocar o cuidado em uma
instância superior transcendental, aliás, considera que isto acaba por “despotencionalizar” e
confundir as pessoas enquanto cuidadoras. A discussão de Boff de fato tem muito a
contribuir principalmente quando estamos discutindo o cuidado enquanto solicitude.
Para Heidegger, preocupação com os outros é o Dasein (ser-aí), entretanto, é
importante pontuar que o filósofo não traz o cuidado em uma dimensão ética, e por isso, cabe
fazer uma separação ao discutir cuidado na ordem de valor moral, visto que, como já citado
anteriormente por Anéas e Ayres (2011) mesmo no desprezo e no descuido o homem Cuida.
Crossetti (1997) em sua tese de doutorado intitulada “Processo de Cuidar: Uma
aproximação à questão existencial na enfermagem”, traz a discussão de vários autores em
relação ao cuidado enquanto agir prático, dentre eles destaca-se uma citação.

O cuidado tem como elemento intrínseco a relação pessoa e está presente na


vida humana, no seu processo vital, nas condições naturais e sociais do
preconceber, nascer, crescer, desenvolver, envelhecer e morrer/transcender
(...) o ato/ação de cuidar pode ser aprendido, desaprendido, reaprendido e
transmitido/ partilhado, apesar de ser único, particular e singular, porém em
momentos, espaços e movimentos isolados das situações múltiplas do viver
social. (ERDMANN, 1996, p. 124 apud CROSSETTI, 1997).

A citação reforça que Heidegger não tinha o objetivo de idealizar um modo de cuidar
ou um cuidado específico. Muitos autores partem da ontologia heideggeriana para
desembocar no cuidado da ação e da prática, este é o caso de Maria de Lourdes Pintasilgo,
política portuguesa e leitora de Heidegger que introduziu alguns de seus fundamentos para
estruturar a política e o social e seus campos de atuação (CARRILHO, 2010).
Heidegger, ao caracterizar o “Cuidado”, não tinha intuito algum de referir-se a uma
concepção ou construção ética do cuidar. Sua teoria tinha caráter ontológico. Entretanto
cuidar é sempre cuidar junto-de, já que existir é existir com os outros. Neste sentido ainda
que este “Cuidar” ontologicamente não se situE em sua origem em uma esfera ética, o agir
ético fundamenta-se no cuidar, na perspectiva de preocupação, auxílio, solicitude, assistência
e disposição ao outro (CARRILHO, 2010).
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Pintasilgo (s/d apud CARRILHO, 2010) se aproximará do projeto ontológico de


Heidegger na direção de considerar que, enquanto para este o cuidado se caracterizará como
estrutura mais originária do ser humano, enquanto ser-no-mundo, e ser-com, o Cuidado é o
que o define como tal. O cuidado também se inscreve como unidade constitutiva do ser
humano, fundante na sua condição de homem. Para esta autora, o cuidado será abertura para
o agir, para a disposição e para o fazer que vislumbre como finalidade a dignidade humana
construindo uma ética integrativa que deverá ser global.
Pintasilgo (s/d apud CARRILHO, 2010) entende que, toda ação humana deve
nortear- se pela ação cuidadosa. Este cuidado sim, se instala para ela em um campo de ação,
na prática cotidiana, estruturando as políticas de governos. Para a autora, toda e qualquer
ação política tem de ser fundamentada na existência humana. Sem o cuidado, não existe o
reconhecimento da existência do outro, não existindo assim abertura para a afetação, os
sentimentos, o diálogo e assim não haverá espaço para políticas sociais. A autora
compreende neste sentido o cuidado como fundante de toda relação e troca humana, isto
porque o ser do ser-aí, é sempre ser-com-outros, como colocado por Heidegger.

Para que a política social seja efectiva, precisamos de um sistema de valores


centrado no cuidado pelos outros. […] A ausência do cuidado pelos outros
manifesta-se através da indiferença, da visão a curto prazo, da negligência.
(PINTASILGO, s/d apud CARRILHO, 2010, p. 112).

Essa importante figura política defendia a criação de uma ética centrada no cuidado
que englobasse todos os seres humanos e o planeta, sua casa em comum (CARRILHO,
2010).
Boff (2005) traz o cuidado enquanto preocupação, solicitude para com o outro e com
as coisas, dando relevância a relação do homem com a natureza e suas relações humanas.
Carrilho (2010) traz o posicionamento de Maria de Lourdes Pintasilgo, que também encontra
na filosofia heideggeriana uma abertura interessante para discutir o cuidado em um âmbito
maior. Processo fundamental nas discussões e nas criações de políticas sociais, onde propõe
uma transformação de paradigmas que possibilitem uma ética cuidadosa.
Diante de diferentes concepções de cuidado, o intuito aqui foi o de, ao propor uma
discussão sobre o cuidado, buscá-la como condição existencial proposta por Heidegger, para
e depois retomá-la na importância do cuidado prático, o agir cuidadoso, que também
estrutura os nossos possíveis modos-de-ser no mundo, e na prática profissional, sendo assim
uma continuidade do Cuidado existencial, um modo-de-ser no mundo e com outros.
“Só é possível nos ocuparmos com as coisas e nos preocuparmos com os outros
15

porque as coisas e os outros já se abriram em seu ser como presenças na abertura de sentido
que nos constitui mais essencialmente do que qualquer identidade positiva.” (SANTOS e SÁ,
2013, p. 58). Assim, como a consciência é sempre consciência de algo para Husserl, ser-aí é
sempre ser-no-mundo para Heidegger.
Quando o ser do homem é entendido como cuidado, estamos dizendo que ele é
sempre, impreterivelmente, abertura que torna possível a doação do sentido para as coisas e
os outros. Ao perceber o outro e sua solicitação de ajuda, o modo como nos abrimos a este
chamado já está previamente posicionado diante deste outro que também está sendo-no-
mundo, acrescentando ou retirando dele possibilidades de ser. O cuidado ôntico, qual
podemos dar a ele está a priori, delimitado pelo Cuidado anterior, o cuidado ontológico
(Ibid.).
Porém, a esta altura, as discussões aqui dispostas vão apontando ainda outras coisas:
o quanto dizer de cuidado é complexo e trabalhoso. Implica em dizer da construção do
sujeito, de seu projeto, pois, é somente entendendo as experiências vividas, o modo como o
sujeito cuidou e cuida de sua existência. É o modo como ele perpassou por todos os
acontecimentos e todos os imprevistos que vieram ao seu encontro, o modo como saiu de
todas essas experiências, como se afetou, se abriu ou se recolheu diante delas, que será
possível entender como compreende o cuidado ou como age ou não cuidadosamente.
16

3. DO ASSISTENCIALISMO PATERNALISTA À ASSISTÊNCIA


ENQUANTO DIREITO.

"A essência dos direitos humanos é o direito a ter direitos".

(Hannah Arendt)

Do fenômeno qual se lança a compreender, isto é, a disposição para o cuidado a partir


do olhar das estruturas ontológicas-existenciais desta pesquisa e no contexto da atuação
profissional de assistentes sociais. É importante que se faça uma retomada histórica sobre o
surgimento do Serviço Social no Brasil antes que nos debrucemos ao assistente social, e suas
experiências no ofício e no cotidiano do serviço social.
Assim, este capítulo tem o intuito de retomar acontecimentos históricos significativos
que permearam o tortuoso caminho da história do Serviço Social, e neste sentido abordará
também a história da consolidação da Assistência Social enquanto política pública, uma vez
que a história de uma se entrelaça à outra de modo bastante significativo na compreensão do
lugar que o Serviço Social ocupa hoje no Brasil.
Considera-se ainda que este trabalho não tem como principal intenção a discussão
destes desdobramentos históricos e sim a compreensão de experiências dos próprios
assistentes sociais, a fundamentação teórica terá aqui, o intuito de situar mais genericamente o
cenário político e social e as participações desta categoria de trabalhadores e na implantação e
na efetivação da assistência social enquanto política.
Estevão (2001, p. 07) em seu livro introdutório chamado “O que é serviço social?”,
começa com a seguinte e contundente frase “Assistente social é aquela moça boazinha que o
governo paga para ter dó dos pobres”. Não à toa a autora escolheu esta frase para iniciar a
retomada histórica que fará posteriormente. É muito comum nos depararmos ainda hoje com
esta ideia completamente enraizada no imaginário social. Para desconstruí-la é importante de
antemão saber que ela existe, e que não existe à toa, é de fato na concepção filantrópica e
assistencialista que surgem as primeiras formas do que se configurará tempos depois a
Assistência Social.
O Serviço Social nasce da comum assistência dedicada aos mais pobres, vinda da
benevolência de determinadas mulheres, desde muitos séculos atrás. Tempos depois, muitas
mudanças ocorreram, entretanto, a profissão continua até hoje como uma função ainda muito
feminina. Porém, as mulheres ricas que antes ocupavam este lugar foram perdendo espaço
17

para as “filhas da classe média” e de trabalhadores da cidade (ESTEVÃO, 2001), ou seja,


mulheres de uma classe inferior que não poderiam ajudar da mesma maneira que as mulheres
endinheiradas. Rebento da união entre a urbanização e a industrialização, o Serviço Social
tem como cenário de seu nascimento as questões sociais causadas pelo capitalismo (Ibid.).
A década de 1930 é um momento da história onde podemos identificar os primeiros
traços que darão forma à assistência social no Brasil. As leis sociais tornam-se palavras de
ordem ao passo que as condições desumanas em que está submetido o proletariado começam
a ser evidenciadas por movimentos sociais que reivindicam melhores condições de trabalho.
Com a expansão e consolidação da industrialização, a sociedade sofre uma grande
transformação estrutural (IAMAMOTO e CARVALHO, 1988).
Frente a esta “questão social”3 as diversas classes sociais até mesmo a classe
dominante, submissas ou associadas à igreja e ao Estado são obrigadas a se posicionar frente
estas problemáticas, e impõe necessidade de mudanças sobre a relação estabelecida entre
Estado e classe trabalhadora. A repercussão destas questões sociais é que irá legitimar a classe
operária e sua introdução no cenário político, seu reconhecimento e a criação de políticas
voltadas a suas demandas (Ibid.).
Apesar de uma prática restrita ao assistencialismo e ao paternalismo, são entidades
como as Ligas das Senhoras Católicas, e a Associação das Senhoras Brasileiras que darão os
primeiros subsídios tanto materiais quanto humanitários para o surgimento dos primeiros
cursos de Serviço Social e para a expansão da ação social naquele momento (ESTEVÃO,
2001).
As efetivações das ações advindas destes movimentos são tão perceptíveis e eficazes
que pouco tempo depois as técnicas e especializações decorrentes daquela época tornam-se
formalizadas. Em 1936 inauguram a primeira Escola de Serviço Social de São Paulo,
instituição ligada a Pontifícia Universidade Católica desta mesma cidade (Ibid).
Em 1937, o Estado Novo4 impõe ações de caráter paternalista, com a assistência social
pautada por uma lógica benemerente, isto é, a partir de uma condição de “merecimento”.
Como produto podemos pensar na implementação do salário mínimo (1940), a consolidação
das leis trabalhistas (1943), a Legião Brasileira de Assistência - LBA, (1942), esta última

3
A questão social surgiu inicialmente decorrente do processo de industrialização, que gerou profundas
transformações econômicas, políticas e sociais. Em sua origem, a questão social levantava questões como a
tomada de consciência da sociedade sobre o trabalho urbano e pauperização enquanto fenômeno social.
Atualmente o termo representa as desigualdades e as lutas sociais nos diversos contextos e segmentos sociais
(PINHEIRO e DIAS, 2009).
4
O Estado Novo foi formalmente instituído por um golpe de Estado ocorrido no dia 10 de Novembro de 1937
levando Getúlio Vargas ao poder marcado pelo autoritarismo e pela repressão (D‟ARAÚJO, 2000).
18

responsável em prestar assistências aos familiares de brasileiros que participavam da Segunda


Guerra Mundial (VILLANUEVA et al., 1999).

Como pode-se perceber, estes benefícios foram dados a públicos específicos,


contemplando os trabalhadores formais e as famílias de homens merecedores de honras por
estarem a serviço da nação, reforçando assim a concepção de direitos por mérito.
O Estado neste momento é forçado a dar conta de questões sociais mais amplas que
antes se resumia somente à coerção. Era dele a função de propor ordem, organização,
intermediação, regulamentação chegando até mesmo na educação (MESTRINER, 2008, p.
68).

Ajustando-se às novas tendências mundiais, constituirá uma burocracia


pública forte e tecnicamente preparada e estabelecerá nova relação com
intelectuais, elites e massas. Estruturará aparelhos centralizados para o
Estado, destinados ao exercício do controle e repressão, ao oferecimento de
serviços sociais e à regulação econômica, numa época em que emerge o
proletariado industrial e avança o capitalismo. (MESTRINER, 2008, p. 68).

É neste amontoado de acontecimentos que o serviço social vai se constituindo, criando


suas características enquanto profissão. Como citado no parágrafo anterior, o serviço social é
também ferramenta de controle do Estado que decide como e para quem ele deve funcionar.
Segundo Mestriner (2008), o governo neste momento considera as reinvindicações de
classes trabalhadoras determinadas, mais categóricas, enquanto por outro lado, reprime e não
permite voz aos trabalhadores em massa, proibindo qualquer ato de reinvindicação ou greves
e concedendo espaço apenas a sindicatos onde transitavam trabalhadores registrados.
A promulgação de benefícios trabalhistas aos trabalhadores formais vem acompanhada
de um controle autoritário pelas organizações trabalhistas a considerar o Ministério do
Trabalho que terá suas ações ideologicamente baseadas pela repressão, apontando as soluções
trabalhistas partindo do olhar das classes dominantes (Ibid.).
O trabalho dos assistentes sociais neste momento resume-se em dar assistência
material e organizar as famílias “desestruturadas”5, regularizá-las a partir do casamento
oficial, realizar encaminhamentos para abrigos, para cursos de formação moral, para
empregos, ação não muito diferentes das mulheres caridosas de anos atrás (ESTEVÃO, 2001).
A assistência terá o papel de “ajustamento social”, harmonização e substituição de atos vadios
e degradantes para uma vida regrada pelo trabalho e pelos costumes sadios (MESTRINER,

5
As famílias de classes populares quando comparadas a um modelo de família burguesa são consideradas
erroneamente pela atuação técnica como famílias desestruturadas, ou seja, modos de estruturação familiar que se
constroem de outros modos, mães solteiras, crianças em serviços de acolhimento, etc. (SILVA et al., 2012)
19

2008).
Segundo Estevão (2001) a LBA, criada para “trabalhar em favor do Serviço Social”
(p. 49), foi um órgão importante, se não o mais importante, para a institucionalização da
profissão. Foi devido a ela que, o Serviço Social pode expandir-se e aperfeiçoar-se na sua
formação técnica. Entretanto a prática profissional continuou se desenvolvendo espelhando-se
no modelo norte-americano.
Para Dantas (2016) o “primeiro damismo” é na época, algo muito característico desta
instituição que com trabalhos realizados pelas esposas dos políticos enaltecem o governo
vigente, e colaboram com a concepção de assistencialismo e da filantropia. A LBA foi criada
quatro anos depois da criação do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), com Darcy
Vargas ocupando o lugar deste primeiro-damismo fundado por Vargas e que até hoje, o Brasil
encontra-se enroscado considerando o lugar de primeira dama que ainda paira na política
(MESTRINER, 2008) mais especificamente na assistência social.
Em 1938, a criação do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS) sinaliza a
preocupação do Estado Novo perante a assistência pública, ainda assim este Conselho não
rende ação efetivas na prática (ESTEVÃO, 2001).
Para Ianny (1998, apud MESTRINER, 2008) o projeto de governo de Vargas apesar
de ter como objetivo alcançar a modernização proposta pela República de 1989, não consegue
cumprir com esta cisão revolucionária para as necessárias transformações estruturais no
cenário social brasileiro. Neste sentido apenas promove mudanças reformistas, ou seja, muda
alguns panoramas institucionais, mas mantém as estruturas que originam os problemas sociais
intocáveis.
Nesse cenário, a assistência social acaba por seguir o mesmo caminho, pois, ainda que
seja evidenciada como responsabilizadora de inclusão, ela guia-se por uma concepção seletiva
produzida pela ideologia liberalista, que coloca a assistência social como atribuição de órgãos
privados e não públicos. Sendo assim, apesar da criação do CNSS, a assistência social é
lançada – com incentivos do governo Vargas – ao campo privatizado, conservando a
assistência social a um caráter paternalista e filantrópico (MESTRINER, 2008).
A participação do Brasil na Segunda Guerra mundial traz aumentos na inflação, no
custo de vida e redução nos salários, o que gera a desaprovação gradativa do governo de
Getúlio Vargas e o fortalecimento dos movimentos de liberalização (Ibid.). Com o golpe de
Estado contra Vargas e a consolidação da Constituinte de 1946, o país abre-se a uma maior
participação política e social, em um movimento de liberalização e ampliação da vida política
no Brasil (Ibid.).
20

A primeira regulamentação da profissão de assistente social acontece em 27 de Agosto


de 1957 com a Lei nº 3.252 (BRASIL, 1957), sancionada pelo então presidente Juscelino
Kubitschek.
As reivindicações populares que se desdobraram pelo período de 1930 a 1964
ganharam o nome de populismo. Se estes anos foram marcados pela luta, pelos movimentos
sociais e pela ascensão do proletariado, que reivindicavam reformas políticas e atenção a
classes trabalhadoras tanto da cidade quanto do campo, os anos posteriores marcados pelo
militarismo e repressão calam e reprimem qualquer ato popular (LONARDONI et al., 2006).
“Os assistentes sociais sentiam-se intimidados em apresentar sua prática cotidiana, seu dia-a-
dia que ainda era muito cinzento, porque se a cor não tivesse um tom vermelho o trabalho
profissional não tinha qualidade” (ESTEVÃO, 2001, p. 52).
Assim, durante o período de 1964 até 1984, o poder unifica-se nas mãos do Executivo
Federal, que a partir de uma ideia de preocupação pela segurança nacional justifica todos seus
atos violentos usando-os ainda como eixo convergente em todas as políticas (MESTRINER,
2008).
A condição de intervenção governamental é tão grande neste momento que elimina do
campo de lutas e decisões políticas a participação estadual, municipal, chegando na sociedade
como um todo. As classes trabalhadoras em especial perdem voz e espaço de reivindicação,
são completamente privados do direito de reivindicar. Somente terá espaço e participação no
governo militar os chamados tecnocratas, assessores técnicos responsáveis pelo
desenvolvimento do país e consequentemente da segurança nacional (Ibid.). “Assim, o Estado
Autoritário se une fortemente às forças econômicas dominantes, colocando fim à política de
massas” (MESTRINER, 2008, p. 154).
Segundo Estevão (2001) apesar deste cenário desumano, as pessoas ainda
continuavam “vivendo e comendo” (p. 52) e para isso era necessário trabalhar, a assistência
social continuou assim, o seu trabalho pela Legião Brasileira de Assistência, pois para o bem
ou para o mal a assistência social seria necessária. O autor parece fazer neste momento uma
crítica ao lugar da assistência social durante o militarismo, que acabou por ceder campo para a
concretização de ações desastrosas em seu nome.
Confirmando esta percepção, Mestriner (2008) relata que a assistência social neste
momento volta-se cada vez mais à sua forma tradicional, combinando-se à repressão. Todos
os projetos, programas, propostas são elaborados dentro das instituições e dos gabinetes,
seguindo uma concepção de “racionalismo técnico”, que velava e encobria a truculência e
exploração da classe trabalhadora. O que ocorria na realidade era, usando de uma falsa ideia
21

de redistribuição a partir de ações sociais criavam-se oportunidade para ainda mais


acumulação capitalista.
Em uma observação geral, o período anterior à década de 1980, resume-se a práticas
paliativas, com viés tutelador e assistencialista. Por outro lado, a união e formação de
movimentos sociais que anteciparam a Constituição Federal têm papel essencial para resistir à
barbárie formada pelo autoritarismo ditatorial que atinge diretamente trabalhadores. Neste
cenário, surge a criação das normativas que garantirão os direitos sociais, dentre estes a
Assistência Social (DANTAS, 2016).
No período de 1980 a 1984, João Figueiredo encerra o período ditatorial e começa
haver novamente espaço para eleições partidárias, José Sarney6 na Nova República amparado
ao slogan “Tudo pelo Social” acompanha o movimento latino-americano para instalar uma
política neoliberal (VILLANUEVA et al., 1999).
No final da década de 1980, a sede pela recuperação de um Estado livre e de direitos
movimenta a sociedade em vários âmbitos diferentes, e pede por um novo texto da
constitucionalização. Há uma mobilização efetiva na busca dos direitos sociais junto da
esperança de que esta nova ordem promoverá uma brusca mudança na realidade do país
(MESTRINER, 2008).

Obtém-se, assim, uma legislação com alcance social, que abre perspectivas
às políticas públicas, definindo o direito dos cidadãos à proteção social, o
dever do Estado na garantia deste direito e a exigência da descentralização
político-administrativa na sua gestão, com a efetiva participação da
sociedade no controle social. (MESTRINER, 2008, p. 182).

É com a Constituição de 1988 que a Assistência Social passa a compor o tripé da


política de seguridade social juntando-se à saúde e à previdência social, tornando-se assim
política social de direito universal. No âmbito da previdência a Assistência se vinculará a
ações voltadas as pessoas que não possuem renda, não possuem documentos, os “não
cidadãos” (VILLANUEVA, et al., 1999). Em 1989, Collor inicia seu governo que culminará
três anos depois afastado por meio de impeachment (MESTRINER, 2008).
Em meio a tantos escândalos e corrupções, as políticas sociais sofrem graves
consequências, com as questões sociais voltando a ocupar lugar secundário, há um imenso
retrocesso e estas políticas voltam a assumir caráter paternalista, tendo ainda grande redução
de verba (MESTRINER, 2008).

6
Cabe lembrar que José Sarney foi eleito vice-presidente pelo Congresso (eleição indireta). O presidente
escolhido foi Tancredo de Almeida Neves, que faleceu pouco antes de tomar posse. Isso significa que essa
eleição não teve participação popular direta.
22

Em 1991, as políticas de Assistência Social voltam a ganhar lugar no debate político a


partir do então deputado Geraldo Alckimin Filho, a pedido de Raimundo Bezerra não reeleito
(MESTRINER, 2008).
Em 07 de junho de 1993, uma nova regulamentação da profissão de assistente social é
promulgada, a partir da Lei n° 8.862 (BRASIL, 1993a). É importante pontuar que houve
mudanças significativas neste documento comparadas à legislação anterior. Para Torres
(2004) na lei mais recente de 1993, há uma maior preocupação em clarificar princípios,
competências e atribuições privativas da profissão. Estas clarificações, além da integração e
descrição do papel do CFESS (Conselho Federal de Serviço Social), e CRESS (Conselho
Regional de Serviço Social) pontuam as competências e esclarece os profissionais de outras
áreas sobre o exercício do assistente social.
Já Felippe (2018) coloca que apesar da nova legislação, que entrou em vigor em um
período importante, de consolidação dos princípios teóricos e políticos do serviço social
pouco colaborou com as definições das atribuições da profissão. Para o autor, o novo
instrumento legal além de manter imprecisões acrescentou outras, principalmente no que diz
respeito aos termos “competências” e “atribuições privativas”.
Não há espaço para aprofundar esta discussão aqui, entretanto, de modo geral, ao
comparar a leitura das duas legislações vê-se com facilidade que apesar de algumas
indefinições, a Lei n° 8.862 de 1993 (BRASIL, 1993a) é bem mais ampla e completa do que a
Lei n° 3.252 de 1957, no que diz de regulamentação da formação e do exercício profissional.
É ainda em 1993, exatamente seis meses após a nova regulamentação que acontece a
Promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS (Lei 8742/93) (MESTRINER,
2008). Desta maneira, entre os anos de 1983 e 1993, os direitos sociais dos cidadãos
brasileiros alcança, enfim, o lugar de política pública (VILLANUEVA et al., 1999).

Marcada, portanto, pelo cunho civilizatório presente na consagração de


direitos sociais, o que vai exigir que as provisões assistenciais sejam
prioritariamente pensadas no âmbito das garantias de cidadania sob
vigilância do Estado, a LOAS inovou ao apresentar novo desenho
institucional para a assistência social, ao afirmar seu caráter de direito não
contributivo, (portanto, não vinculado a qualquer tipo de contribuição
prévia) ao apontar a necessária integração entre o econômico e o social, a
centralidade do Estado na universalização e garantia de direitos e de acessos
a serviços sociais e com a participação da população. Inovou também ao
propor o controle da sociedade na formulação, gestão e execução da politicas
assistenciais e indicar caminhos alternativos para a instituição de outros
parâmetros de negociação de interesses e direitos de seus usuários.
Parâmetros que trazem a marca do debate ampliado a da deliberação pública,
ou seja, da cidadania e da democracia. (COUTO, YAZBEK e RAICHELIS,
2014, p. 56).
23

Os movimentos sociais por trás da construção da LOAS uniu diferentes agentes


participativos, abriu caminho para a produção de debates importantes, além da junção de
propostas, transformando a ideia tradicional das instituições e entidades que alicerçaram a
história da Assistência Social (RAICHELIS, 2015).
Para Raichelis (2015) estas entidades filantrópicas e assistenciais não foram
necessariamente eliminadas, foram propostas mudanças que regulamentassem as instituições
já atuantes. Com a LOAS possibilitou-se a inclusão das ONGs (Organizações Não
Governamentais), que até então não tinham tradições históricas na área, mas que foram
convocadas e sensibilizadas a dialogar e fazer parte dos debates da assistência social, tomando
como base suas muitas experiências no campo prático e de pesquisa junto de ações e
movimentos populares.
Quanto aos próprios assistentes sociais, percebe-se que estes agentes a partir de suas
organizações e grupos estiveram a todo tempo presentes tendo grande relevância nos
resultados conseguidos por estas lutas e por isso tendo papel crucial e de destaque diante de
tais conquistas sociais (Ibid.).

Assumiram, em muitos momentos, papel de direção política e cultural,


politizaram os debates, estabeleceram alianças políticas nos campos
governamental, parlamentar, acadêmico e partidário, o que se mostrou
fundamental para o nível de consenso possível que conduziu à aprovação de
proposta final da LOAS. (RAICHELIS, 2015, p. 149).

É importante salientar ainda a importância das produções teórico-metodológicas


produzidas pelos profissionais e pesquisadores de Serviço Social que elaboraram importantes
referenciais teóricos críticos que permearam as propostas concretizadas na LOAS. Os
movimentos oriundos dos conselhos de assistência social foi o que possibilitou as agitações
que alargaram os conceitos e definições da assistência social, assim como, a agregação de
novos conceitos teóricos-metodológicos que rompeu com as idealizações enraizadas neste
campo de conhecimento teórico e prático (RAICHELIS, 2015).
Hoje a Assistência Social mais recentes, implantadas no ano de 2005, referem-se à
Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e o SUAS (Sistema Único de Assistência
Social) que não contemplam qualquer condição contributiva (COUTO, YAZBEK e
RAICHELIS, 2014).
Para Couto, Yazbek e Raichelis (2014) passadas duas décadas da aprovação da LOAS,
ainda é bastante difícil contemplar as “virtudes e vicissitudes” desta nova matriz
24

implementada na assistência social. O motivo é que as potencialidades existentes nestas


matrizes, assim como os avanços esboçados desde a aprovação da PNAS e da criação do
SUAS, têm sofrido impasses desoladores. Agentes sociais comprometidos pela política lutam
para resistirem a esta ruptura que se origina a partir de uma tentativa de instalação política
neo-liberalista, e para garantirem e reafirmarem os direitos sociais da população frente a
assistência social. A PNAS aprovada pela Resolução n° 145, de 15 de outubro de 2004, efeito
de grandes debates nacionais, vem para expressar esse movimento de resistência à garantia
destes direitos sociais (Ibid.).
A PNAS tem o objetivo de esclarecer e apresentar as diretrizes que vão estruturar a
concretização das ações da assistência social enquanto asseguradora do direito à cidadania
sendo papel do Estado promovê-lo, partindo de uma gestão compartilhada pelas três esferas
de governo, que terão suas responsabilidades e funções elencadas, de acordo com a LOAS e
as Normas Operacionais (NOB). A PNAS possibilitou e criou espaço para a constituição e
regulamentação do SUAS, que teve a sua aprovação em 15 de julho de 2005 pelo Conselho
Nacional de Assistência Social (CNAS) (Ibid.). Porém, vale dizer que o mesmo só se
consolidou como lei em 2011.
O SUAS atua fundamentalmente a partir de dois tipos de proteção específicos: a
Proteção Social Básica voltada a serviços de baixa complexidade e a Proteção Social Especial
que atua nas demandas de média e alta complexidade (BRASIL, 2009). Para melhor
elucidação destas propostas políticas será feita uma breve explicitação da estrutura e das
atribuições destes serviços.
O CRAS – Centro de Referência de Assistência Social –, é a unidade física
responsável pela proteção social básica, é dele a função de prevenção de agentes que facilitem
situações de vulnerabilidades e riscos sociais no território, para isso tem o papel de trabalhar
as potencialidades dos usuários, e possibilitar o fortalecimento de vínculo familiares e
comunitários, expandindo o acesso aos direitos e a cidadania de todos (BRASIL, 2009).
Já o CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social – terá um
alcance maior, municipal ou regional, será o serviço de referência para trabalhar com pessoas
e famílias que apresentem risco pessoal e social, a partir da violação de direitos, que
necessitam da execução de ações especializadas abrangidas pelos serviços do SUAS
(BRASIL, 2011). Este deverá oferecer:

(...) Infraestrutura e recursos humanos compatíveis com os serviços


ofertados, trabalho em rede, articulação com as demais unidades e serviços
da rede socioassistencial, das demais políticas públicas e órgãos de defesa de
25

direitos, além da organização de registros de informação e o


desenvolvimento de processos de monitoramento e avaliação das ações
realizadas (BRASIL, 2011, p. 08).

Para Couto, Yazbek e Raichelis (2014) a consolidação da PNAS e do SUAS tem


movimentado forças políticas por todo o país, que mesmo enfrentando resistências tem se
posicionado fortemente em uma disputa pela direção da assistência social buscando assegurar
os direitos que são de sua atribuição, a partir das mudanças propostas na organização, nas
conceitualizações e na concepção de gestão e controle das ações propostas.
Pensando nos usuários destes equipamentos, com quem as assistentes sociais estarão a
todo momento se relacionando Raichelis (2015) coloca que os “assistidos”, ou seja, os
usuários dos serviços assistenciais disponibilizados, são as pessoas “pobres”, conceito
definido a partir da renda e da condição empregatícia que apesar de serem fatores importantes
não dão conta de abarcarem as diversas expressões e manifestações que a pobreza pode
incorporar, considerando que esta pobreza está longe de resumir-se a questões materiais,
espalhando-se e manifestando-se por todas as esferas da vida social. A pobreza para além de
uma denominação econômica é constituidora de lugar social, de identidade, de sociabilidade,
de interação com o mundo.
Segundo Martins (apud YAZBEK 1993, p. 63) a pobreza como expressão direta da
sociedade em que vivemos não se diminui a questões materiais, mas diz de um âmbito muito
maior que alcança a esfera espiritual, política e moral, configurasse como “carência de
direitos, de possibilidades, de esperança”, o autor ainda define esta pobreza como vergonhosa
por ser uma “pobreza de direitos”.
Neste sentido, estas pessoas assistidas pelo SUAS vem de uma dura realidade, onde a
miséria social e emocional se faz muito presente. Torna-se importante questionar qual a
condição de atendimento e contato humanizado que o profissional atuante no SUAS consegue
oferecer ou estabelecer com estes usuários, considerando as limitações subjetivas destes
profissionais para conviverem cotidianamente com tamanho sofrimento, além do suporte do
equipamento para ajudar a lidar com realidades consolidadas profundamente na subjetividade
dos assistidos (BARRETO, 2011).
Pode-se supor que este caminho árduo, de ganhos e perdas em que se instala a
assistência social, busca desde seu início e mais assiduamente com a construção da PNAS a
emancipação da assistência social de um trabalho filantrópico e assistencialista, fundando-se
como uma Política e atuação democrática e de direitos.
Pensando na política de assistência social hoje em comparativo com as principais
26

características de seu passado, Costa e Cardoso (2010), ao falar sobre o funcionamento do


CRAS, relatam que é impossível saber se todos os equipamentos do SUAS conseguem fazer
ações baseadas na concepção de emancipação e transformação social, também não é viável
dizer que eles estarão para sempre liberto de ações paternalistas e assistencialistas.
O que os autores sugerem é que este equipamento terá sempre em seu bojo, a
dicotomia entre práticas assistencialistas e práticas transformadoras. O que possibilita uma
atuação ou outra é a atitude profissional, o modo como este interpreta as leis e políticas, como
se apropria destes conhecimentos e como os relacionam e os incorporam em sua prática
profissional colaborando ou não com as mudanças da realidade social ainda que estas sejam
lentas e gradativas (COSTA e CARDOSO, 2010).
Para além de pensar apenas o CRAS como proposto pelo autor, esta percepção pode
ser usada na discussão de outros equipamentos e serviços do SUAS, uma vez que, como
instituições que têm suas políticas e normativas executadas por um profissional técnico é
impossível assegurar uma prática padronizada e nivelada (Ibid.).
Para Couto, Yazbek e Raichelis (2014), considerando que a assistência social de fato
desenvolve suas ações dispondo de grande esforço humano, garantir condições apropriadas
para que este trabalho seja efetivamente desenvolvido torna-se desafiador. É definido para o
quadro de equipes atuantes no CRAS e no CREAS, uma diversidade de profissionais, de
funções e de competências, o que acaba por trazer mudanças na estrutura e nas relações das
equipes de profissionais do SUAS, isto porque, cada profissão trará uma construção histórica
e uma concepção própria das realidades sociais.
Deste modo, torna-se necessário pensar o trabalho destes profissionais como uma
atuação coletiva, sustentada por um projeto ético-político considerando as divergências de
cada profissão e ainda assim, integrando todas elas com seus conhecimentos e contribuições,
que assim como o Serviço Social, vem ganhando lugar de destaque na construção histórica da
assistência social a partir de produções no campo teórico, técnico e político (Ibid.).
Para isso Couto, Yazbek e Raichelis, (2014) colocarão em questão a “direção política
do trabalho” (p. 84), isto é, a qualidade destes serviços oferecidos e a autonomia profissional
dos técnicos que atuaram frente aos serviços, considerando ainda o controle social, isto é, a
participação democrática levando em conta os usuários do CRAS e do CREAS.

É preciso, pois, enfrentar o desafio de construir e consolidar o perfil do


trabalhador do Suas, no contexto de conjunto dos trabalhadores da
seguridade social, que incorpore a dimensão do compromisso público
associado à sua função de agente público, comprometido com relações e
práticas democráticas, com a afirmação de direitos e com dinâmicas
27

organizativas e emancipatórias da população usuária. E que seja um trabalho


que deixe submeter ao controle social de usuários, conselhos, conferências e
demais fóruns, nos espaços públicos de debates e deliberação da política.
(COUTO, YAZBEK e RAICHELIS, 2014, p. 85).

Diante deste panorama, Couto, Yazbek e Raichelis (2014) acreditam que, o momento
atual requer redefinições, considerando a organização do trabalho, da gestão, colocando a
formação continuada como estratégia de qualificação dos trabalhadores do SUAS. Para estas
autoras, ao passo que estes profissionais se qualificam menor são as chances de manipulações
e maior as possibilidades de se sustentarem em meio as influência e coerções políticas,
garantindo um trabalho com consistência teórica, técnica e política.
Por fim, a intenção aqui foi dar um panorama ao pano de fundo de onde falam as
entrevistadas, para que seja possível contextualizar os relatos e as experiências que surgirem.
28

4. O CAMINHO PERCORRIDO

4.1 O Método Fenomenológico

“Um caminho se constrói à medida que se caminha...”


(Alves, Morato e Caldas)

Quando nos colocamos na condição de pesquisador, isto é, em uma investigação


cinetífica, é necessário escolher qual veículo conduzirá esta pesquisa, com qual olhar se
buscará o fenômeno e baseado em quais saberes.
A partir do tema pesquisado e da perspectiva que busquei lançar a este tema utilizei do
método fenomenológico para compreender o sentido de cuidado a partir do olhar do próprio
assistente social, atentando-me para as formas que ele se mostra no cotidiano e nas práticas
deste profissional a partir de suas possibilidades, de suas angústias, de sua própria
sensibilidade frente a realidades que lhes surgem.
Para Yehia (2009) não podemos encontrar uma receita pronta sobre como se dá o
método fenomenológico, ao invés disso, é necessário que se adeque este ao fenômeno que
estamos buscando investigar. A fenomenologia busca compreender como as coisas “são” para
nós (e não por si mesmas), deste modo a abordagem fenomenológica se preocupará não em
apenas descrever as características do fenômeno em questão, mas se interessa por todo este
movimento de como ele se mostra, revelando tudo o que o envolve.
Nessa perspectiva, Gendlin (1973, apud CARNEIRO, 2009) propõe a importância da
experienciação como tendo um modo singular de organizar o que é apreendido. Para a autora
experienciar seria uma condição que se diferencia do pensamento lógico e científico. Por esse
motivo a experienciação é objeto de imensa dificuldade para o estudo das ciências humanas,
visto que a ciência se volta à necessidade de conceitualização, enquanto que o experienciar
está voltado para a forma como as experiências se dão e não como elas são.
O que interessa desta colocação de Gendlin (1973, apud CARNEIRO, 2009) é a ideia
de um saber que parte da própria experiência do pesquisador e não somente da descrição que
ele poderá fazer dos acontecimentos. Deste modo, a experiência é via de conhecimento, é
parte da pesquisa e das possíveis interpretações a serem feitas. É este teor que busquei quando
propus olhar o profissional de assistência social junto do cuidado.

Como propõe Yehia (2009, p. 69) “O fenômeno não se mostra se não houver uma
29

palavra que o diga. A fala, assim, é revelação, revelação tanto para mim como para o outro”,
Sendo assim, foi no discurso destes profissionais que acomodei meu processo de investigação.

Considerou-se adequada a utilização de relatos verbais, metodologia que está


em consonância com o que Walter Benjamin, escritor alemão que viveu de
1892 a 1940 chama de narrativa por ser um método em que o pesquisado, ao
contar sua história, narra acontecimentos e afetos que dizem respeito ao seu
percurso através das vivências. Através da linguagem, o pesquisado desvela
sua experiência e, ao mesmo tempo, faz do pesquisador um partícipe dessa
experiência, visto que o pesquisador se dispõe a colher as experiências e não
a coletar informações e explicações (CARNEIRO, 2009, p. 81).

Apropriando-se deste método utilizado por Carneiro (2009), escuta e experienciação


foram pontos preliminares nesta pesquisa, na experiência com o relato do outro, na tentativa
de interpretar como o fenômeno se mostra nele.

4.2 A construção dos dados: Instrumentais e procedimentos

O instrumental escolhido para conduzir a pesquisa foi a entrevista não-diretiva, que


surge a partir de uma técnica psicoterápica difundida por Carl Rogers em sua terapia centrada
no cliente. Este instrumento abre possibilidades para que informações mais profundas se
mostrem no decorrer da entrevista visto que parece dar ao entrevistado uma liberdade maior
para suas formulações (MICHELAT, 1982).
Segundo Michelat (1982) a entrevista não-diretiva tem maior condição, comparada a
outros métodos, de fazer emergir conteúdos sócio-afetivos, sentimentos implícitos, o que
facilita o entrevistador apreender fenômenos que não podem ser acessados diretamente.
Existem, entretanto, cuidados que devem ser tomados por parte do pesquisador para
chegar as estas informações significativas. Manter-se atento e receptivo a toda e qualquer
expressão do entrevistado propondo questões e comentários que fomentem a fala sobre os
assuntos expressivos para a pesquisa. É importante que o pesquisador se mostre solícito a
ouvir o que o entrevistado tem a dizer, e permita que ele fale livremente sobre suas
experiências, proporcionando um ambiente leve e espontâneo que de confiança para
comunicar-se livremente, sem apreensão ou receio de contar sobre seus pensamentos e
atitudes (CHIZZOTTI, 2000).
Deve existir um preparo prévio para que este tenha condição de motivar manifestações
despreocupadas assim como garantir que a fala permeie conteúdos relevantes. Será neste

processo de comunicação que o pesquisador conseguirá aos poucos ir compreendendo o


30

contexto dos atos do sujeito, ajuntando relatos e sentidos que ajude em possíveis
interpretações (CHIZZOTTI, 2000).
Apreender algo sensível como o cuidado, tentar entendê-lo, é desde já um desafio
nesta pesquisa. Como encontro sensibilidade no outro? Há técnicas para isso? Venho
entendendo que não é algo que se mostre tão nítido e clarificado, é necessário pensar com
cuidado quais caminhos podem facilitar esta compreensão. A entrevista não-diretiva mostra-
se, deste modo, interessante, uma vez que só é possível compreender o sentido de algo tão
sensível sendo também sensível.
Partindo disto, a entrevista não-diretiva foi realizada individualmente, com três
assistentes sociais. A escolha dos participantes ocorreu a partir de uma amostra intencional
não probabilística, visto que a escolha se deu pela condição dos participantes em contribuir
com o objetivo da pesquisa, a partir das experiências e conhecimentos que possuem. Deste
modo, optou-se como amostra casos que representem o “bom julgamento” da
população/universo (SILVA e MENEZES, 2005, p. 32).
Nesse sentido, em espaços de conversas informais, fui encontrando participantes a
partir de indicações de amigos e colegas do meio acadêmico. O intuito inicialmente era o de
entrevistar três assistentes sociais com tempo e local de atuação distintos, entretanto devido a
algumas desistências a amostra final configurou-se por uma assistente social já aposentada, e
duas assistentes sociais com seis anos de atuação. Apesar da mesma quantidade de tempo
atuando as duas foram mantidas devido à distinção dos serviços que realizavam e que poderia
ser um modo de trazer mais contribuição na busca de ampliação das experiências apreendidas.
Não houve a necessidade de um número grande de participantes, nem de uma
delimitação estreitamente específica quanto à idade, gênero, área de atuação e outros dados,
visto que na metodologia fenomenológica trabalhamos a partir de uma descrição direta da
experiência, desconsiderando relações causais pré-estabelecidas (GIL, 1999), e sem
preocupações comparativas ou estatísticas. “A realidade é o compreendido, o interpretado, o
comunicado” (BICUDO, 1994, p. 18).
Considerando que nesta pesquisa me propus a olhar para o cuidado, buscá-lo, procurá-
lo e compreendê-lo, não optei por perguntar simples e diretamente “O que é para você o
cuidado?”, no lugar preferi no movimento de colher a narrativa, pedir que contassem sobre
seu percurso dentro dos serviços de assistência social. O meu papel foi tentar de modo

sensível, apreender o que poderia se manifestar nas entrelinhas, uma vez que este cuidado não
seria narrado como uma resposta diretiva, mas nas nuances de suas histórias e significações
31

no contexto da atuação profissional.


Todas as participantes da pesquisa leram e concordaram com o TCLE (termo de
Consentimento Livre e Esclarecido) e as entrevistas só tiveram início após a aprovação do
projeto junto ao Comitê de Ética (vide documentos anexos).

4.3 Participantes

A pesquisa contou com três participantes, nomeadas ficticiamente como Sueli, Sônia e
Samira.

Sueli

Sueli tem 60 anos, trabalhou cerca de 30 anos como assistente social e está aposentada
há sete anos. Trabalhou por todos estes anos em um município no interior de São Paulo,
percorrendo diferentes serviços e atuando com inúmeras finalidades na área de serviço social.
O primeiro contato com Sueli se deu pelo whatsapp a partir de uma indicação
sugestiva de uma colega de curso. Estava no momento à procura de um profissional com um
tempo significativo de profissão. Ao mandar a mensagem obtive como resposta um áudio de
Sueli se disponibilizando de modo muito solícito a conversar comigo. Trocamos mais
algumas mensagens até o dia do encontro que ocorreu num fim de tarde, em sua casa.

Sônia

Sônia tem 48 anos, se formou no ano de 2012, iniciando sua atuação logo depois da
finalização dos cursos, hoje atua em um serviço pertencente à Proteção Social Básica.
O contato com ela foi estreitado a partir da mediação de um colega do meu círculo de
relações. A partir de um pré contato que este teve com ela comunicando sobre o meu interesse
de entrevistá-la fiz o meu primeiro contato também por mensagens de áudio onde eu expliquei
sobre a proposta da minha entrevista e o interesse em conversarmos. Sônia encontrava-se
afastada no período do convite, e por isso questionou-me se era mais interessante que eu
entrevistasse alguém que estava com as atividades laborais normalizadas. Ao buscar

compreender se o afastamento dificultaria que ela desse o relato, se no caso, tratava-se de algo
mais permanente, ela me explicou que não, estava há poucos dias afastada e logo retornaria.
Achei o afastamento neste sentido apenas mais uma informação de possível análise e
32

confirmei a entrevista, alguns dias depois nos encontramos em sua casa.


A entrevista com Sônia foi, das três, a mais longa, durando quase duas horas de
entrevista. Apesar de extensa não tive noção do tempo uma vez que o relato da entrevistada
era muito informativo, com leis, datas, políticas, “causos”, e fez com que para mim passasse
de modo muito rápido.

Samira

Samira tem 27 anos, formou-se em serviço social em 2012, iniciou seu primeiro
trabalho como assistente social logo depois de sua formação em uma Organização Não
Governamental (ONG) na qual trabalha até hoje.
Conhecia uma veterana do curso de Psicologia e sabendo que ela transitava entre os
serviços de Psicologia e de Serviço Social busquei saber se não havia algum profissional que
ela pudesse me apresentar, esta colega me passou o contato da entrevistada. Samira e eu
trocamos mensagens de texto e ela aceitou o convite para a entrevista.
Eu estava bastante animada para a entrevista com Samira, ela atua em um contexto
distinto das outras assistentes sociais e a sensação de que temáticas inéditas apareceriam e
enriqueceriam o conteúdo da minha pesquisa me entusiasmou muito. Foi a única entrevista
que não seria realizada na própria casa da entrevistada, marcamos de conversar em seu local
de trabalho.

4.4 Procedimentos para análise de dados: a bússola para a compreensão

Buscando fundamentar-me no processo de análise de entrevistas, me deparei com


grande dificuldade na organização de tais relatos, isto porque, ao buscar compreensões, ainda
que no momento de coleta de dados (nas entrevistas), era a todo instante atravessada pelo
fenômeno pesquisado, uma vez que este fenômeno estava bastante presente no meu cotidiano
devido ao contato profissional que eu mantinha com uma assistente social em meu estágio
extracurricular.
Nesse sentido, ao decorrer da coleta de dados e do esforço permanente em
compreendê-los a partir das assistentes sociais entrevistadas me vi por incontáveis vezes
perdida diante de um fenômeno que por estar presente no meu cotidiano se desvelava e se
transformava a cada instante ganhando novas cores e interpretações. O assistente social e o
33

cuidado em sua prática era, deste modo, algo sempre em movimento que sem ganhar
estabilidade me fazia patinar na busca de delimitações para análise.
Encontrei em dado momento, um texto de Alves, Morato e Caldas (2009) onde estes
autores discorreram sobre o método fenomenológico existencial, tendo como propósito
principal a compreensão de “Um caminho que se constrói à medida que caminha” (p. 244).
Para estes autores a pesquisa fenomenológica se caracteriza pela condição do sujeito
de despir-se de qualquer segurança ou princípios da razão absoluta para então, abrir-se ao
convite de criar, de construir um novo modo de conhecer, significar as coisas e dar-se de si.
Um dar de si de ambas as partes ao ponto que, o pesquisador e o pesquisado aproximam de tal
forma que é pouco possível saber onde termina um e começa outro, uma afetação mutua que
sinalizará algo crucial: o sentido se dá na relação com outro (ALVES, MORATO e CALDAS,
2009). Ainda que eu não tenha escolhido estar tão próxima ao meu fenômeno de pesquisa esta
era uma realidade colocada.
Outra coisa ainda parece dificultar mais as compreensões das experiências vividas:
quando nos permitimos explorar terrenos desconhecidos ou passar por caminhos antes
despercebidos, agora atentos e dispostos a vê-los e percebê-los sem as lentes automatizadas
que nos acompanham cotidianamente sofremos certa desestabilização, já que perdemos
qualquer referência do já conhecido (HALPERN-CHALOM e MORATO, 2009).
Para Figueiredo (apud HALPERN-CHALOM e MORATO, 2009) quando falamos em
processo, estamos considerando que algo poderá ser desconstruído e naturalmente ser
desestruturado, as pessoas nessa condição tendem a afastar-se ao invés de lançar-se a esta
experiência. “Há uma imersão no caos até que uma ordem possa tomar forma” (p. 209).
Momento de incompreensão, de trevas, de “não saber”. Ao passo que conseguimos sustentar
este momento de escuridão podemos alcançar o feixe de luz, que condiz com a possibilidade
da elaboração desta experiência.
O que tento elucidar aqui é o fato de que fui profundamente afetada pelo fenômeno
estudado, afetação que me custou caro, me colocou em desordem e por um bom tempo me
paralisou. Senti-me nestes momentos como bem expressado pelos autores perdida em uma
incompreensão e um caos que não cindia. Acredito que isso tenha muito a ver com a minha
implicação e busca por compreensões. Por este motivo acho importante colocar que como
mencionado na metodologia, a minha experiência foi parte construtora da pesquisa junto das
experiências narradas pelas entrevistadas, e minha afetação foi condição para as
interpretações que foram sendo feitas.
Diante dos percalços da pesquisa coube a mim enquanto pesquisadora a tentativa de
34

interpretação, tomando emprestado a hermenêutica, metodologia clássica que busca


interpretar textos e relações humanas. A hermenêutica entende que, a realidade social,
principalmente a comunicação entre sujeitos detém aspectos tão diversos e misteriosos que é
necessário atentar-se não só ao que é dito diretamente, mas também o que não é falado.
(GADAMER, 1965, apud DEMO, 1995). Comunicar algo é sempre ocultar algo (Ibid.).

Diante de fenômeno tão humano, frágil e sensível, é mister um método


adequado, dotado de humildade de quem se dispõe a escutar primeiro, para
depois pronunciar-se, compromissado a compreender o sentido real apesar
do texto, dedicado a perscrutar as entranhas das ondas comunicativas que
facilmente se desgarram e “descomunicam”. Ademais, a hermenêutica
coloca-se a missão essencial de compreender “sentidos”, ou seja, o conteúdo
típico humano que se imprime a qualquer contexto histórico, no qual não
existem apenas fatos dados, acontecimentos externos, mas também
“significação”, “sentido”, “valores”. Para o homem, uma árvore morta não é
apenas a constatação externa de um vegetal que deixou de viver e se
encontra em estado de decomposição orgânica. Pode ser o símbolo de um
modo de vida, ou a indicação da agressividade contra a natureza, ou o marco
de uma identidade cultural (DEMO, 1995, p. 249).

A construção desta pesquisa, como já colocado anteriormente, veio da experiência que


o pesquisador obteve com estes profissionais, suas histórias, seus recortes, significados.
Sobre o processo de análise, primeiramente a entrevista foi transcrita, em seguida,
busquei apreender o sentido do todo da entrevista por meio da leitura da transcrição,
considerando a método hermenêutico. A partir dessa leitura, foram identificados unidades de
sentidos no discurso transcrito e estes foram submetidos à interpretação do sentido. Por fim,
foi redigido um texto expressivo do sentido da entrevista. Este texto serviu de base para a
discussão final da pesquisa, cotejando-o com importantes referenciais da literatura pertinente.
Para Alves, Morato e Caldas (2009) a narrativa é um “testemunhar de si”, caracteriza-
se por um movimento de ir e vir na busca do narrador de construir o que conta, incluindo suas
experiências e experiências outras que lhe foram contadas. Deste modo, o narrador, ao passo
que se mostra no relato também convida o novo ouvinte a fazer parte desta “trama”, se
apropriando do que foi ouvido e narrado a sua trajetória de vida.

A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão – no


campo, no mar e na cidade –, é ela própria, num certo sentido, uma forma
artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o "puro em
si" da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a
coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime
na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso.
(BENJAMIN, 1985, p. 205).
35

A escuta da narrativa poderá ser compreendida como uma oficina, onde o já


vivenciado encontra-se com novas produções de sentidos e novas experiências. O narrador
enquanto conta tem a possibilidade de elaborar, reelaborar e ainda transmitir ao ouvinte suas
experiências (ALVES, MORATO e CALDAS, 2009).
Neste sentido, a narrativa coube como forma de me aproximar das falas transcritas,
olhando-as como produções de sentido que ganhariam novas tonalidades transformando-se
ainda em outra narrativa, agora conduzida por mim e pelos sentidos que eu inseri no decorrer
do processo de transcrição, escuta e re-escuta.
36

5. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

Percebo que é necessário ainda me desvencilhar dos meus saberes em relação ao


serviço social. As boas e as más críticas. As experiências pelas quais passei principalmente
em meu estágio extracurricular precisam dar espaço para que as experiências encontradas no
discurso explorado possam tomar este espaço e desvelar-se. Não se pode é claro abster-se dos
sentimentos e vivências que me trouxe a este aqui e agora, não é de neutralidade científica que
se funda o método fenomenológico. Entretanto neste momento é necessário que se ponha o
fenômeno estudado em suspensão, para acessar o sentido que as próprias entrevistas
emprestam à experiência profissional.
As análises que foram realizadas se estruturam a partir da necessidade de olhar mais
de perto as assistentes sociais aqui entrevistadas, implicadas na prática profissional e dando
espaço a todos os meandros que se fazem presentes na cotidianidade da profissão. Deste
modo, o intuito primordial é menos olhar criticamente para o serviço social enquanto campo
profissional e mais para as assistentes sociais, enquanto protagonistas no papel de transformar
todas as regulamentações e construções teórico-metodológicas em um fazer prático e
cuidadoso.
Nesta perspectiva vale dizer que, ainda que o serviço social seja um amplo campo de
conhecimento – e que por isso, torna-se impreterível a compreensão de sua história, suas
construções e conquistas, e hoje sua formação ética e profissional – se não demoramos nosso
olhar aos assistentes sociais este será um campo vazio, pois são eles que consolidam o serviço
social em sua concretude. Sendo assim, o objetivo aqui não é aprofundar discussões teórico-
metodológicas e práticas do serviço social, nem debatê-las, nem polemizá- las.
Não se trata de uma discussão que busca descrever o exercício da profissão a partir de
diretrizes, nem de pôr em pautas discussões políticas que estão engendradas nela, não há
ainda um modelo ideal de conduta ou prática profissional que está sendo posta em análise –
ainda que estejamos interessados no cuidado – por isso, a discussão será permeada pelas
próprias experiências destas assistentes sociais promovendo reflexões a partir do que é
desvelado por elas. Por estes motivos, fui bastante cautelosa ao tentar não cometer o descuido
de ficar analisando as práticas a partir de concepções críticas ao invés de analisar o meu
objeto de estudo que é o cuidado e suas condições de existir na ação destas assistentes sociais.
Finalizo expondo que cada entrevista me desconcertou de um modo diferente, bateu
em mim de um modo distinto, me causou reflexões diversas e me pôs a caminhar cada uma
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em uma direção. Foram necessárias sínteses e mais sínteses, muitas podas de pensamentos
para que ao fim pudesse crescer compressões mais conciliadas com a riqueza de informações
trazidas por estas profissionais e a minha intencionalidade nesta investigação. O processo de
interpretação está então nesta minha busca de compreensão de onde nessas muitas falas se
desvelam a mim, ao meu olhar, o cuidado.

5.1 Encontro com Sueli

A narrativa de Sueli será organizada e contada de modo cronológico. Escolho


organizar assim, pois foi deste modo que me foi contado, de modo temporal, cronológico,
com o início, meio e fim de sua história no serviço social.
Sueli tem 60 anos, e há sete anos é aposentada. Iniciou sua formação em 1977,
concluindo-a no ano de 1981, trabalhou cerca de 30 anos como assistente social em um
município no interior de São Paulo, percorrendo diferentes serviços, atuando com inúmeras
finalidades na área de serviço social.
Ao passo em que ela vai contando sobre suas experiências, elas não aparecem
sozinhas, são acompanhadas de expressões, sentimentos, um assunto que faz lembrar outro,
uma cena que puxa outra, uma história que toma frente de outra, nessas andanças pelas
lembranças Sueli vai e volta, o que contou no início volta a ser falado lá na frente,
complementado, intensificado. Percebe-se que é um discurso já distanciado, a sua história
com o serviço social teve início, meio e fim, hoje ela encontra-se aposentada e conta sua
trajetória como que de fora.
Um aspecto que ganha importância já nos primeiros minutos da entrevista e vai
caminhar por toda conversa é a sua relação com o Espiritismo. O Espiritismo estará presente
desde o momento de escolha e decisão do curso, atravessando todos os anos que esteve
atuando, arrisco dizer, tornando-se uma espécie de base que se fundiu à prática da assistência
social de modo que é difícil vê-las como unidades separadas. Na fala de Sueli não se sabe
onde termina o espiritismo e onde começa o serviço social.

Eu tenho a criação espírita, o serviço social, falo que está dentro de mim já.
Eu fui criada dentro da caridade, minha mãe ajudando os outros. Me
ensinou a gostar de ajudar as pessoas que precisam, sabe?(...) Porque eu
unia, o que eu aprendi no espiritismo com o que eu aprendi na faculdade.

No decorrer destes anos Sueli trabalhou em diversos serviços e setores diferentes.


Nos quinze primeiros anos de profissão trabalhou com representantes de bairros, associação
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de moradores, grupos de mães em creches, projetos com adolescentes aprendizes, visita


domiciliar para adoção juntamente com o Fórum, avaliação socioeconômica para a
contemplação de benefícios como bolsas de estudos e moradias populares entre outros
trabalhos que mostra quão diversificadas foram suas experiências no serviço social. Estes
quinze anos são narrados sem muitas fragmentações, parecem constituir um primeiro bloco
desta história, um espaço de tempo onde a narrativa é mais serena, se instala como
“lembranças de um tempo bom”, uma época fácil de revisitar.

Me puseram pra outra coisa, cuidar dos calceterios, horta. Essas coisas, eu
tenho foto até hoje, tirava foto, sabe? Era muito gostoso lidar com as
crianças. (...) Tinha criança na horticultura, tinha criança que não comia
nada de verdura, aprendeu a comer. Tinha que fazer a festinha de fim de
ano sabe? Fazia jantar para elas. Era a coisa mais gostosa do mundo.

Porém ela traz também as complicações no início da profissão, as dificuldades de


lidar com os problemas que pareciam sem solução.

No começo eu era bem brutona também, e trazia as coisas para casa.


Jamais faça isso! Eu sofria demais. ( ...) Porque assim, você quer resolver o
problema da pessoa e você não vai, não é levando o problema da pessoa
para sua casa que você vai resolver. Já pensou se você levar todos os
problemas dos pacientes para sua casa, como é que você faz?

Um segundo momento se inicia quando Sueli pede para ser transferida para a
Delegacia da Mulher, este parece ser um tempo de grande aprendizado, que dura cinco anos
até que, muda-se o delegado responsável pelo órgão e ela é transferida para outro setor.
Nestes cinco anos, Sueli tem contato com uma figura bastante especial para a sua história, a
delegada responsável pelo serviço no momento em que ela inicia seu trabalho na Delegacia
da Mulher. Esta mulher ensinou Sueli “ser gente”, palavras dela. Ensinou-lhe sobre
ponderação, sobre como tratar o outro, como quem pega no “colo” para ensinar.

Eu tinha ela como se fosse uma irmã mais velha, sabe? Ela sempre me
respeitou. A gente tinha um respeito muito grande por ela, e ela sempre
respeitou a gente. Então, você no lidar com ser humano, você também tem
que respeitar o espaço dele. Não é que eu não respeitava não! É que às
vezes eu falava muito alto, sabe? Às vezes não tinha tanta paciência. "Fala
mais baixo!" "Não é assim que a gente resolve" Então ela foi me lapidando,
sabe? Aquele diamante meio que bruto foi ficando, um pouco mais... Agora
no final eu já estava mais assim, mais condescendente.

Neste e em outros momentos da narrativa, Sueli de fato se mostra como um diamante


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em lapidação, a palavra aprendizagem a acompanha no decorrer de seus anos profissionais.


Tem nesta supervisora de trabalho, a pessoa em quem mais depositou afeto e
coincidentemente, ou não, a pessoa com quem mais aprendeu. Para além das novas
experiências e conhecimentos da prática de trabalho na Delegacia da Mulher, pelas palavras
de Sueli a aprendizagem pessoal marcou estes anos.
A história parece cindir em um terceiro momento quando ocorre a saída de Sueli
deste setor. A partir daí parece acontecer uma ruptura e inicia-se anos de instabilidade
profissional e emocional.

E aí quando mudou o delegado mandaram eu de volta para a prefeitura e...,


daí fiquei jogada! Pra lá, prá cá, não sabia onde ia ficar. Em um dia estava
num lugar, outro dia estava em outro, ninguém sabia o que eu ia fazer.

Sueli, já com vinte anos de profissão, retorna para a prefeitura iniciando um trabalho
junto ao setor de saúde, neste setor ela passa por muitas situações difíceis. Esta é a fase qual
o sofrimento ganha evidência, diferenciando-se dos outros dois momentos que ela narra.
Nomeia estas situações como: perseguição.

Nossa, eu só chorava! Eu falo que todas as "ites" que eu tenho eu peguei na


prefeitura, gastrite, labirintite, todas essas coisas, foi lá! (...) Porque esse
negócio de política é muito complicado porque eles colocam na cabeça
deles que você é de outro partido, aí eles começam a perseguir você. Você tá
entendendo? E eu fui uma dessas vítimas.

Neste momento específico fica claro o quanto a administração política detém o poder
de decisão, e como os funcionários estão à mercê do cenário político e de suas nuances. Mas
é possível perceber esta condição espalhada por todo o discurso de Sueli. Muitas falas vão
dando a entender que o atravessamento da política esteve a todo instante presente em sua
prática profissional, inclusive ditando quando continuava, quando interrompia, sem
autonomia para conduzir seu trabalho.
Sueli permaneceu neste setor por mais alguns anos. Depois é solicitado para que ela
novamente seja transferida. Neste novo setor continua sentindo-se deixada de lado pela
administração, empurravam-lhe os piores trabalhos, segundo ela. No meio destes piores
trabalhos é dada a ela a função de coordenar o serviço de Prestação de Serviço à
Comunidade, e Sueli ganha grande apresso pelo trabalho. “Nossa, eu senti demais de
aposentar e deixar eles”. Lá Sueli encerra seu percurso na assistência social.
Fica a impressão de que o trabalho inicialmente indesejado aos olhos da
administração, e talvez também para Sueli passa a ser estimado por ela, ganha outro sentido
40

que o já estabelecido a priori, ganha seu cuidado. Sobra no restante de sua fala, depois de já
revisitado grande parte de sua história profissional, um forte sentimento de gratidão.
Sueli relembra diversos casos e pessoas que passaram por ela neste tempo
trabalhando com Prestação de Serviço à Comunidade, alguns tornaram-se engenheiros, pais
de família. Na parede da sala um quadrinho pendurado retrata as amizades e os encontros
possibilitados.

Então é umas coisas, assim, que faz bem para você. Você fala, "Poxa vida,
às vezes eu acho que não sirvo para nada, que eu sou uma inútil”, mas se eu
olhar para trás olha quanta coisa que eu fiz, sabe? Então é isso que vale a
pena. É a mesma coisa que você estar no consultório, você fala assim, "Ah,
esse caso é complicado”, mas quando você vê o final daquilo, aquilo é coisa
mais gostosa, a pessoa chegar para você e falar "Olha, se não fosse por
você, hoje eu não seria assim!” Entendeu? Então é isso, é a gratificação de
você ter capacidade para ajudar alguém, o resultado que você vê, sabe?

Gratidão e aprendizagem são palavras chaves nesta conversa, ela é grata pelos
meninos engraxates e calceteiros, hoje com profissões. Grata pelo acolhimento de sua amiga
e chefe delegada. “Nunca reclamar, só agradecer” relata ela.
Teoria e Prática também ganham espaço bastante interessante a partir de algumas
falas da entrevistada. Ela mostra-se ao decorrer da conversa uma profissional pouco ligada a
questões teóricas, a fala é simples, cotidiana. Termos e conceitos específicos, o dialeto da
profissão são coisas que não aparecem em sua narrativa.
O serviço social deste modo deságua em sua experiência de vida, mistura-se com a
personalidade e com a vivência de Sueli sem grandes demarcações do que é pessoal e do que
é profissional.
E não adianta você trabalhar, fazer assistência social e ficar em cima de lei.
"Não, porque é assim, porque é assado". Gente, vamos trabalhar! Vamos
pegar no batente! Vamos fazer! Não adianta você ficar em cima de projeto,
de programa, você tem de fazer aquilo que realmente é necessário. Fica aí
inventando história. "Ah, hoje tem reunião" “Oh, vocês não contem comigo
porque eu não vou para a reunião”. Eu não ia em uma. Falava "Tudo o que
vocês falam na reunião, não sai nada do papel, o que eu vou cheirar lá?"

Os conhecimentos nunca são citados a partir de ensinamentos formais. O aprendizado


vem com pessoas, sempre uma personagem que a orienta, a conduz, “Aprendi muito com
ela”. É este o conhecimento que baseia juntamente com sua crença religiosa o seu fazer
enquanto assistente social. Se buscarmos bases teórico-metodológicas não encontramos elas
presentes no discurso de Sueli, existe um outro modo de atuar, fundamentado em
41

conhecimentos outros.
Outro ponto chama a atenção, sempre que Sueli refere-se aos projetos que realizava,
o verbo utilizado é o “cuidar”.

Eu cuidava das creches, eu cuidei de grupo de engraxates (...) E eu cuidei


disso daí, cuidei de bolsa de estudo, porque a prefeitura dava bolsa de
estudo (...) Aí me puseram pra outra coisa, cuidar dos calceteiros, horta (...)
Eu cuidava dos meus prestadores de serviço.

Pela fala de Sueli, seu fazer é sempre “cuidar de”. Algumas falas que dizem sobre sua
atuação profissional também dão a possibilidade de nos aproximarmos mais ao modo que se
constituía sua prática. Surge em seu discurso a importância de ter paridade com as pessoas
que atende, sentir-se igual, no mesmo degrau, pois este é o único modo de abrir caminho
para uma relação de confiança, onde o outro se sinta à vontade de dizer o que está
acontecendo.
Percebe-se uma preocupação em atender os usuários do serviço, há para ela um jeito
para falar, um jeito para se portar diante deles, um jeito de interpretar suas histórias, um
cuidado em não julgá-las inclusive e a cautela de se colocar no lugar do outro. O jeito, isto é,
o caminho parece ser o do conhecer, entrar em contato, aproximar-se e ouvir.

Você tem que saber lidar porque tem pessoa que você tem que saber
conversar. E outra coisa, o assistente social ele nunca pode estar acima da
pessoa, ele tem que estar praticamente no mesmo patamar. Porque como
você vai entender o problema do cliente se você não se coloca no lugar
dele? Se você não vai ao lugar onde ele mora pra você saber como é que é,
o que ele está passando? Por de trás de uma mesa não adianta fazer o
projeto, eu não conheço a realidade. Não é?

A visita domiciliar ensina você a conhecer as pessoas, o local onde elas


vivem. Porque assistente social não tem que andar emperiquitada,
entendeu? Não tem que andar cheia da frescura, toda pintada, toda
maquiada. Você vai lá, a pessoa fica com vergonha de falar com você,
porque ela vai se sentir lá embaixo.

Sueli mostra-se uma pessoa muito humana, no sentido de cuidado ao outro, de cuidar
de quem na percepção dela, precisa de cuidado. Isto aparece fortemente em suas histórias de
amizade com moradores de ruas, pessoas com quem têm uma grande relação de afeto. O seu
cuidado olhando por esta perspectiva se instala no campo do afeição, com uma prática que se
situa no polo da “ajuda”.

O serviço social em si, é feito disso aí, sabe? De você saber que você pode
42

ajudar alguém a estudar. "Ah obrigada! A senhora quem conseguiu dar a


bolsa para mim.” Não era eu que dava a bolsa. Eu fazia o relatório e
passava. Quer dizer, então depende muito daquilo que eu escrevia.
(...)Então é isso, é a gratificação de você ter capacidade para ajudar
alguém, o resultado que você vê, sabe? Porque quando você vê que a coisa
não flui, então você fala "Poxa vida, falhei né... não consegui" Mas muito
difícil que eu não tenha conseguido. (Destaques meu).

Com a carreira finalizada, Sueli vê muitos ganhos em relação ao trabalho exercido


por tanto anos. Apesar de pontuar várias dificuldades, o sentimento de realização é maior.
Quando pergunto para ela se nunca se sentiu falha, ela me responde:

Não. Muito difícil. Você sabe que você tem porque você não é perfeito. O
único perfeito morreu, mas, é muito mais ganho do que perda. Eu não sou
dona da verdade, mas se o povo me procura, se as pessoas me procuram é
porque realmente eu tenho alguma coisa para dar, então é isso, é essa troca
que faz bem, sabe? O assistente social é isso, é essa troca.

Finaliza dizendo do que é necessário para ser assistente social.

Quando alguém fala assim para mim "Ai, o que você acha de eu fazer
serviço social?” Eu falo "Você gosta? Você gosta de lidar com ser
humano?”. Porque se você não gosta não vai fazer só pelo diploma. Porque
tem que ser uma coisa que gratifica você. Que te enche de orgulho, sabe?
Que você vai fazer com prazer. (Destaques meu).

Por fim, o serviço social é para Sueli, lugar de afeto, é lugar onde ela dá continuidade
às crenças e valores construídos no decorrer de sua vida. O espiritismo, a ajuda, a
benevolência, o cuidado com os mais pobres estão presentes em sua prática profissional, e
são esses princípios que encorpam e dão forma ao cuidado que aparecerá mais tarde na sua
prática profissional, guiando-a mais que qualquer outro conhecimento teórico.

5.2 Encontro com Sônia

Sônia é assistente social há seis anos, concluiu o curso no ano de 2012 e sua
formação em serviço social foi a partir de um curso semipresencial. Chegou a este curso de
forma despretensiosa, pois não tinha conhecimento ou contato com a profissão, conhecia
apenas uma assistente social que atuava na área hospitalar, mas gostava e admirava muito o
trabalho realizado por ela.
O seu primeiro trabalho foi em uma entidade do município onde reside. Trabalhou
por quase dois anos na instituição até passar em um concurso público e iniciar sua atuação no
43

Sistema Único de Assistência Social onde atua até hoje.


Ao falar de sua prática, o código de ética, documento que guia os profissionais, ganha
importância em seu discurso. Sônia coloca que este documento dá base para que ela conduza
sua atuação, amparando-a nas decisões que tomar. É nas leis e em discussões teóricas
voltadas à garantia de direitos que ela parece desenrolar a sua atuação profissional.

Eu tenho que seguir meu código de ética. Se a partir do momento que


alguém me diz uma coisa “Faça isso!” Não for ético, não faço! Entendeu?
Porque a gente tem como se nortear por ele.

Ao buscar a compreensão que ela tem diante de sua profissão esta aparece em uma
caracterização específica: a sua profissão advém de lutas, portanto, sua atuação deve
embasar- se nestes valores que para ela também culmina na ética profissional.

Então ela é uma profissão de luta, de confronto, de briga, de conquista de


direitos, então se um assistente social não lutar nem por ele, eu acho que ele
está fadado ao fracasso em minha opinião. Eu vou falar como minha, mas
eu acho que é geral dos profissionais! “Ah, existe assistente social pacífico
que aceita tudo calado?” Existe! “Tá errado?” Está!

Ser passivo caracteriza-se para ela como algo fora da “natureza” da profissão,
considerando o contexto histórico da criação do serviço social, elucidado no terceiro
capítulo, é possível enxergar consonâncias com discurso de Sônia e o trajeto do serviço
social como uma classe que esteve presente em lutas sociais em busca da consolidação de
direitos e democratização da cidadania.
Pensando ainda na história do serviço social, a conversa com Sônia traz a comum
dualidade Assistência X Assistencialismo. Se a profissão se baseia em garantia de direitos o
assistencialismo e o dó são ações e sentimentos que a afastam do objetivo de seu trabalho.

Eu sou até mais dura mesmo que outras que eu conheço que tudo tem dó. A
minha profissão não é de dó! Minha profissão é de garantia de direitos.
Você tem que entender seu direito, seu dever, eu tenho que cutucar você pra
você voltar a estudar, se tiver curso gratuito na cidade eu tenho que ficar:
“Não, vamos fazer, vai se inscrever...”. Quando abre concurso público, a
gente tem a obrigação de falar que a taxa é gratuita pra você, você tem
direito de gratuidade na inscrição para concurso público por causa da
renda, e mostrar tudo o que eles têm direito, tarifa social de energia
elétrica... Por exemplo, você tem que mostrar tudo o que eles têm direito e
cobrar. (...) Então eu acho assim, que a profissão quanto mais você fala em
dó, mais você desviou da função da profissão, então você tem que enxergar
o ser humano com potencialidade, tem que enxergar assim, está aqui, está
sim um caos, está destruído, mas tem condição, tem como você levantar, tem
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como sair disso!

Traz ainda uma forte crítica aos benefícios desmedidos. Este olhar crítico em relação
aos benefícios converge na percepção da necessidade de transformação de uma gama de
costumes e funcionamentos engessados que dificultam ao invés de andarem juntamente com
a efetivação da política.

Tem programa municipal que eu vejo, quinze anos! Eu não posso ter uma
família quinze anos dentro de um programa! Quando que você pega lá em
noventa e pouco que vem vindo, o estudo socioeconômico dela. Você vê lá
em noventa e pouco, a escolaridade dela é a mesma (...) Aí quando eu vejo
eu falo com a família “O que mudou?” Aí você pega e verifica a mesma
repetição porque isso que acontece dentro da área social.

Só que eu não acho que através de tudo, tudo que você fornece, tudo que
você contempla a pessoa que ela vai modificar. Às vezes você vê que é só um
cabresto, você vê que fica na contramão isso. Você vê que aquela pessoa
fica dependente daquele benefício, ela não tem crescimento.

Sônia entende que os benefícios como transferências de renda são uma ajuda que
deve ter um tempo máximo determinado, servindo como ajuda em um momento de extrema
necessidade, para que assim não haja comodismo e/ou o indivíduo crie dependência do
benefício, afastando-se do que deveria ser o objetivo destas políticas: trabalhar com as
potencialidades.
A questão Política, ou politicagem, é para ela um empecilho na realização de seu
trabalho. Para ela, o político não deseja reclamação da população, não quer desagradá-la,
pois é preciso que gostem e aprovem a administração pública atual, para isso, prioriza um
funcionamento que não cause insatisfação à população e o trabalho de garantia de direitos
vai ficando de lado. Acha ainda que os assistentes sociais são cobrados a “facilitar”, e não
conseguem desenvolver o trabalho caso não tenha pulso para reivindicar isso. Por isso a
assistência social e seus benefícios acabam por servir à compra de votos.

Aqui, você tem que brigar pelo seu trabalho, você entendeu? Além de você
ser profissional você tem que brigar pelo seu trabalho, você tem que falar
“Isso aqui eu não faço!”. Eu vou fazer tal coisa, não me importo quem está
lá fora mais, eu vou fazer isso aqui direito, se não, foi o que eu falei, você
não atende.

Então, o assistente social aqui no município, ele tem que brigar! Para ele
falar assim “Ó, eu estou trabalhando errado! Eu tenho que fazer isso, eu
tenho que fazer aquilo, eu tenho que colocar esses outros serviços aqui, eu
não acho tempo!”.
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Outro impasse que permeia a fala de Sônia é sobre a falta de tempo para
planejamento de ações. Para ela esta necessidade de atendimento da população a todo custo,
como dito anteriormente, impede que sejam planejadas e preparadas ações que tenham de
fato uma fundamentação. Além disso, os acompanhamentos não são realizados de forma
eficaz, a família fica sem acompanhamento muitas das vezes. A necessidade de uma família
às vezes demanda tempo, processos burocráticos demorados, trabalho em rede, busca de
informações, enfim, coisas que não se resolvem de um dia para o outro.

É um acompanhamento mesmo! Eu tenho que conhecer aquela família de


todas as maneiras! Eu tenho que conhecer todos que residem! Eu tenho que
saber se eles trabalham, se eles estudam, qual é o problema que eles estão
passando. Eles têm uma vulnerabilidade por isso eles estão sendo
acompanhados! Eu tenho que visitar! Eles têm que vir, eu fiz um
encaminhamento eu tenho que ter esse feedback, eu tenho que saber! Tá, eu
fiz o encaminhamento, ele conseguiu? Eu tenho que ligar na escola pra ele!
Eu tenho que saber se ele está frequentando porque vai depender qual
problema ele apresenta, qual vulnerabilidade! Se essas crianças estão fora
da escola, o que está acontecendo? Você está desrespeitando a garantia de
direito da criança porque ela tem que estar na escola, por exemplo!

Dentre os desafios da profissão, Sônia traz que em seu trabalho ela tem a “situação
crítica” sempre junto dela, relata que o serviço social quase nunca é um espaço onde as
pessoas aparecem para dar uma boa notícia (não que isso nunca tenha acontecido). Isso gera
dificuldades na condução do trabalho, que é sempre enfrentado realidades duras.

E você precisa esquecer um pouco, né? Você tem que sair de lá em uma
sexta-feira e esquecer um pouco. Porque senão você traz com você. Você
traz com você todos os problemas que você não conseguiu solucionar.
Porque não é tudo que você dá uma solução, né?

O termo “técnica” também aparece quando ela refere-se ao trabalho guiado pela
política da assistência social, o “trabalho técnico”. Parece que este trabalho técnico vez ou
outra é um modo dela distanciar-se da afetação emocional, para conseguir continuar vivendo
e trabalhando. Como se seguir a técnica à risca possibilitasse um caminho menos doloroso.
Sônia deixa claro que se não houver cuidado neste contexto de trabalho o adoecimento é uma
realidade certa.

Eu acho que exige muito do profissional emocionalmente mesmo falando.


Mesmo que você aplique a técnica que você tem dentro dos assuntos (...)
Acho que você tem que ter essa parte mesmo emocional, no lugar!
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Então assim, é um todo, você está vendo? Aí você volta pra casa, já
aconteceu de sexta-feira, pegar um caso desses, meu horário era até às
quatorze, a gente ficou até às dezesseis. A gente faz coisa que não deve,
você não deve pegar a vítima e colocar no carro, nem ir até a casa. Isso
dentro da política mesmo, da técnica. Então às vezes você mistura um
pouco, viu? Isso porque o humano seu fica modificado pela profissão.
Então você tem que ser muito técnico. Se não você mistura. Você não pode
misturar, né? (Destaque meu).

Se você puder pensar no lado burocrático dela (profissão), tem gente que
prefere trabalhar no lado burocrático, tem assistente social que trabalha
no MDSA7, trabalha em Brasília, trabalha nos centros, nos conselhos, aí
ela foge um pouco desse atendimento, da população. (Destaque meu).

Aproximando-nos mais do fenômeno pesquisado, a atuação de Sônia se desvela em


diversas situações onde o cuidado pode ser percebido como um olhar para além da realidade
apresentada. Para citar algumas situações, em dado momento ela conta que desde os tempos
de faculdade havia piadas com a ideia de que assistente social estudava quatro anos para
distribuir cesta básica. Não é mentira que a distribuição de cesta básica é vigente na atuação
assistencial, para Sônia também de modo desmedido. Ainda assim, a cesta básica ganhou
hoje, na atuação, outro significado, abertura para uma realidade além dela.

Só que por trás disso é tão grande também, entendeu? Às vezes pra você
ouvir a demanda verdadeira daquela pessoa, a vulnerabilidade dela, ela
vai atrás de uma cesta básica, mas através disso é que você vai entender
qual o problema. Porque cesta básica ela é o problema que a pessoa
apresenta, mas esse não é o problema, né?

Sônia trouxe também uma discussão em relação a um novo público que passou a
frequentar o CRAS, um público diferenciado, segundo ela, famílias que até conseguiram
conquistar bens materiais, mas hoje com a crise instalada em todo o país perderam o
emprego e tem precisado “bater na porta da assistência”. Para Sônia se não houver um
olhar apurado, que perpasse a ideia do público comum dos programas assistenciais, pode-se
cair no erro de entender aquela família como uma família que não tem necessidade da
assistência.

Porque dentro da nossa área a gente não pode ter nenhum tipo de
preconceito, já é própria da nossa profissão, com nada, e nem um
julgamento e nem pré-julgamento, nem nada! Então você tem que ouvir,

7
Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário
47

tentar entender e ver o que você vai poder fazer para aquela família, porque
às vezes você vai pegar pessoas que tem bens, às vezes você vai pegar uma
família que tem um carro. Por quê? Porque já conquistou também, só que
ele está desempregado. E às vezes ele não vai ter o alimento, acontece...
Porque aí ele: “Poxa, eu estou devendo água, estou devendo a luz, o
terreno”.

Outro momento da conversa Sônia conta sobre sua opinião em relação aos benefícios
e traz o exemplo de um benefício que ela gosta bastante, para ela é um programa de mão
dupla. Um programa de reinserção escolar onde o estudante tem direito a uma bolsa
simbólica em dinheiro para dar continuidade aos estudos. Sônia relata que apesar de muitas
pessoas considerarem que ele também possui um cunho assistencialista, é necessário pensar
que esta pessoa talvez não tenha tido incentivo da família, não tenha conseguido estudar no
tempo certo, oportunidades a que não teve acesso. Sônia considera que o benefício não se
finaliza na reinserção escolar, ao contrário, pode dar abertura a uma gama de outras
possibilidades.

E várias outras coisas, você tem a chance de sair de casa, você se socializa,
de repente dali surgiu uma indicação de emprego daí surge uma outra
amizade que vai te beneficiar, então, você tem que pensar no macro quando
você coloca uma pessoa de volta na escola.

Dentre as muitas situações que Sônia traz para dizer de sua prática, ela traz o exemplo
de uma situação qual deveria encaminhar a família para solicitar vaga em uma escola ou
creche, mas ao sentar com a mãe percebeu que talvez ela não conseguisse nem mesmo
chegar ao endereço encaminhado. Sônia relata que é necessário em situações como esta, a
sensibilidade de entrar em contato com a escola, questionar como é o procedimento, e fazer o
que pode ser feito ali mesmo, pelo serviço. Às vezes em situações piores onde a
vulnerabilidade é extrema, a busca pela vaga ganha uma proporção ainda maior.

Então às vezes a gente precisa de vaga na educação porque às vezes essa


família não tem alimento. Eu preciso pôr essa criança para estudar porque
ela tem que comer.

O “acompanhar”, já presente em outros momentos da análise, é fundamental para


concretização de sua prática, mas acompanhar leva tempo, e mais, exige conscientização
para que a família e suas demandas não sejam abandonadas, esquecidas.

Se você dispensar a família e falar “Tá, depois eu te retorno!”. Se você não


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estiver realmente com a consciência de que é necessário, você não vai fazer
a ligação, você não vai buscar, você não vai encaminhar e você vai deixar
aquele prontuário lá, na sua mesa, parado! Então é um trabalho que você
tem que ter consciência de que,“Ah não, é bobagem!” São vidas, e escola, e
crianças, e tudo mais. E eles têm pouquíssimas informações quanto aos
direitos, eles acham que direito é cesta básica. Está bem invertido, sabe?

A insatisfação profissional toma um espaço considerável em seu discurso e aparece


em duas perspectivas. A primeira, muito em torno de uma sensação de falha, vem ancorada
ao sentimento de que ela não consegue oferecer o que deveria ser oferecido.

Então, na nossa área existe uma insatisfação profissional muito grande, de


tudo! De onde você trabalha, do que você oferece como eu estava te falando.
Você tem que oferecer cinco serviços, você oferece um, então você não tem
para oferecer, então você não faz o trabalho adequado você entende? Então
você começa se recriminar ali. A própria estrutura pública não oferta o que
você tinha que ofertar por lei, claro que a gente sabe que a lei é falha, mas
você pensa “Poxa vida, tem a lei, mas não se cumpre”.

A segunda é a frustração pela falta de resultados, o não sucesso nas intervenções, a


não adesão da população, que traz à tona novamente o sentimento de falha, desânimo e
fracasso.

E outra, você sabe o que desanima nesse trabalho? É o resultado, aquela


hora eu falei meta, não era essa realmente a palavra. É resultado! O
resultado ele é difícil, né? Porque na área social como que você vê um
resultado? Não é difícil? Foi o que eu te falei. Você está trabalhando
naquela família, se não houver adesão, se ela não quiser, não vai mudar
nada!

Surge a desesperança em relação ao êxito, ao alcance do que almeja a Assistência


Social. Segundo ela, para que houvesse melhoras seria necessária uma mudança muito
ampla, englobando a situação econômica do país, transformações na política educacional,
mudança que até o momento ela não vê como possível. Compara-se com algumas de suas
colegas de trabalho que segundo ela, atuam na política com mais esperança. Sônia assume
sentir desespenrançosa.
Porém em outro momento ainda no tema da desesperança ela traz uma preocupação:
o de não passar este sentimento para quem está sendo atendido.

(...) É como eu estava te falando. “Ah, mas poxa, então como ela trabalha
sem esperança, ou desesperançosa?” Então você tem que todos os dias
buscar, assim, ânimo. Porque você não pode, você pode estar desanimada,
você não pode demonstrar! Porque isso é muito profissional! Você tem que
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estar sempre dando esperança, porque aquela pessoa que está na sua frente
não pode ouvir você falar “Ah, não tem jeito!”. Nunca! Jamais! Pode uma
profissional falar assim “Não tem jeito!”. Não existe! E não é que você vai
dar falsa esperança, você vai fazer a pessoa lutar um pouco, batalhar, lutar.
Se não ela não sai disso. Ela fica deprimida, fica frustrada também, com a
vida dela! E é, problemático, então você tem sempre que buscar alguma
coisa que ela possa alcançar e ter sucesso.

Em contrapartida à desesperança e à falta de resultados, surge o contentamento com o


pouco, também bastante falado por ela. A felicidade em conseguir alguma concretização,
ainda que pequena, e que se torna um modo de recarregar as energias, as esperanças e o
ânimo.

Porque é pouco! Acho que por ser pouco você fica até mais emocionada né?
Fala “Poxa, deu certo! Deu certo!” Comemoro com a equipe “Puts, você
não sabe aquele caso, consegui, foi!” A gente fica até se vangloriando! Fica
feliz. “Consegui! Lutei, consegui!” Então é bacana! Porque é pouco, e é tão
pouco que a sensação é sempre nova! Aí você fica “Ahhhh” (Risos).

A apreensão que tenho é de que Sônia significa o serviço social como uma profissão
que “Apresenta o caminho”. Ainda assim, muitos usuários não conseguirão chegar onde
precisam apenas com o caminho apresentado, as vulnerabilidades são muito profundas e os
impendem às vezes de ter acesso ao mais básico. Aí surge o “acompanhar”, quando
apresentar o caminho não é suficiente é necessário acompanhar pelo caminho, andar junto.
Porém, andar junto, demanda tempo, tempo para assistir, tempo para permanecer e tempo
que ela não parece ter para resolver o volume e a complexidade do trabalho.
A frustração de Sônia aparece também quando não se têm caminhos para apresentar,
quando faltam possibilidades a oferecer, ou quando não há vontade em conhecer (os poucos)
caminhos oferecidos. Ela tem uma posição bastante crítica em relação ao seu trabalho e ao
atendimento oferecido pelo equipamento onde atua, enxerga um público insatisfeito.

Eles já estão acostumados que não existe um trabalho bom, eu acho! Eu


observando e analisando, eu mesma. Eu acho que o trabalho não é bom.

Como citado anteriormente essa sensação de falha – que fica bastante claro em sua
fala e que ela não parece ter problemas em evidenciar – tem origem em muitas questões: a
politicagem, um serviço organizado para atender à política e não à população que
consequentemente produz uma atuação destoante das políticas assistenciais. As leis que não
funcionam, os serviços que não são oferecidos, a população que não tem a consciência de seus
direitos e que por isso não os reivindica, contentando-se com a afamada cesta básica.
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A partir das falas de Sônia que sua atuação parece ter implicação em um pensamento
crítico, questionador, mas sua prática parece estar presa às ferragens de um funcionamento
político assistencialista que para ela tem respondido a outros objetivos. Neste sentido, a
impressão é de que para Sônia o cuidado fica no meio do caminho, ao passo que o trabalho
desenvolvido se mostra falho, inconcluso.
O discurso de Sônia faz parecer que a potência que transmite nas suas falas, nas suas
leituras do serviço e das dificuldades que enfrenta não encontra muitas saídas no fazer
prático, ficam enrijecidos, buscando espaço, buscando tempo, buscando uma atmosfera
facilitadora que nunca vem.
A luta mencionada no início por Sônia é o que fica no relato geral, é uma luta
constante. Há uma consciência clara de que o trabalho não é bom, e é preciso lutar para que
seja. Agarrar-se ao código de ética parece ser um modo de não se perder nesta luta, neste
caminho com tantas sinuosidades que podem afastá-la dos objetivos da profissão.
Talvez o maior impasse que Sônia sofra é a preocupação que tem de anteder a
população, porém atendê-la sem criar dependência e comodismo. E a se pensar na história
assistencialista da assistência social esta é mesmo uma luta constante.
O seu posicionamento quanto ao assistencialismo, sua postura considerada por ela
mesma “mais dura”, me fez me questionar sobre o que eu mesma carregava como
expectativa no que diz respeito ao cuidado. Cuidado que eu despejava no campo da
sensibilidade. Sônia havia jogado por terra a romantização que eu mesma ainda trazia até o
momento. Romantizava a postura de uma assistente social e romantizava sua prática.

5.3 Encontro com Samira

Formada em 2012, Samira cursou Serviço Social logo após a conclusão do ensino
médio. Conta que seu período de formação foi bastante conturbado, em meio a greves,
demissões de professores doutores e cortes de gastos. Apesar das reivindicações e confrontos
com a Instituição de Ensino, que era privada, estes movimentos não foram legitimados, para
Samira devido ao fato do curso de Serviço Social não ser economicamente importante para a
Instituição.

Quem tinha doutorado foi mandado embora, eles ficaram no máximo com
quem tinha mestrado e ainda era um ou outro que já estava há muito tempo
na faculdade e ai teve um longo período de greve no início do terceiro
semestre e a gente ficou sem aula, e a gente ia pra cima, a gente brigava, o
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curso que mais teve cortes era o de serviço social.

Dentre a formação conturbada, a experiência mais significativa de Samira aconteceu


em seu último ano quando realizou estágio em um CRAS. Foi a experiência mais próxima da
prática de um assistente social. Ainda assim Samira relata que teve uma péssima formação,
saiu do curso sem compreender a diferença, por exemplo, do que é a assistência social e do
que é o assistente social, “Assistência com política pública e o assistente social como um
profissional que vai executar a política pública”.
Antes mesmo de sua colação de grau foi chamada para trabalhar na instituição que
atua até hoje, uma entidade voltada para a Defesa de Direitos Humanos. Para Samira estar na
prática mostrou o quanto ela não tinha formação para estar na prática. Sua formação fora da
faculdade parece ter sido mais significativa do que o tempo que esteve dentro dela.
Com o sentimento de despreparo, a saída foi buscar conhecimento por si só, relendo
coisas da faculdade, pesquisando, participando de eventos, conversando com outros
profissionais, para que pudesse descobrir qual era o seu espaço. Samira entende que só
conseguiu suprir o despreparo da formação devido à experiência que teve posteriormente no
serviço que atua. Acredita ainda que as compreensões que tem agora só foram possíveis
devido à condição de estar em uma entidade de Defesa de Direitos Humanos.
Atualmente, Samira parece ter mais clareza de qual é o seu lugar e com qual
propósito está atuando.

O instrumento de trabalho do serviço social é atuar frente a expressões da


questão social. A gente entende como questão social todas as mazelas de um
sistema vigente que a gente sabe que é o sistema capitalista, né? Então hoje
eu visualizo que a gente vem mais nessa linha de intervenção e atuação pra
garantia de direitos. Se a gente pensar que estamos atuando com o que não
se enquadra no sistema. Houve uma violação e a gente atua pra garantir
direitos.

Hoje como coordenadora da equipe psicossocial, Samira é responsável por articular


estratégias e intervenções em um contexto macro. Ou seja, para além do público atendido,
Samira é quem dialoga com responsáveis de outros serviços da rede pública para promover
mudanças no que diz respeito a seu púbico alvo: adolescentes que passaram por regime
fechado e seus familiares.
Ao falar de como desenvolve seu trabalho, Samira traz a dificuldade nas discussões
que promove junto a outros órgãos e seus profissionais, evidencia falas e posturas de seus
pares, outros assistentes sociais.
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“Não! Mas aí você está aprofundado muito esse debate, esse menino não sai
das drogas porque ele não quer” (fala de um assistente social). E aí você
para e pensa que tipo de formação profissional a gente tem, sendo que uns
dos primeiros princípios do código de ética do assistente social é a defesa
intransigente de direitos humanos.

Samira conta que hoje é vista por alguns colegas de profissão como militante, ouve
que “Para você fazer o que faz tem que ser militante, né?”. Conta que este tipo de fala lhe
causa tristeza, pois entende que ser militante é uma exigência da categoria, seguir o código
de ética por si só configura-se como uma militância. A sua maior dificuldade hoje, além das
mazelas sociais nas quais atua enquanto profissional, é ser vista como apartada do restante da
categoria, como se sua militância fosse algo para além da obrigação do Assistente Social,
enquanto ela enxerga esta conduta como algo substancial em sua profissão.
Ao pedir para Samira me contar sobre sua afetação enquanto assistente social em
meio a todas as dificuldades que enfrenta e os significados que dá a sua profissão, a resposta
imediata é:

Tô cansada! É sério! Todo espaço que eu vou eu falo “Estou cansada e sou
uma profissional adoecida do SUAS!” Tenho muita clareza disso, mas ao
mesmo tempo em que eu estou tudo isso, eu acredito em uma possibilidade
de mudança!

Samira vai dizendo sobre a importância de uma coletividade, de mais profissionais


que estejam dispostos a transformar a realidade social que enfrentamos hoje, enxerga que o
momento é de dispersão, não só de sua categoria, mas do país como um todo, onde as
pessoas se reúnem, mas não conseguem ter voz. Sente-se cansada, mas o cansaço não a
paralisa.

É isso, depende o dia. Eu estou cansada, mas esse cansaço me faz querer
lutar cada vez mais, pra que um dia a gente consiga uma maioria de luta
para enfrentar o sistema.
É desgastante sim, mas eu acho que todo esse desgaste me dá forças para
continuar, de saber que eu não me conformo com a realidade que a gente
tem, então eu vou lutar.

Samira conta que por esse posicionamento “militante”, não conseguiria trabalhar no
funcionalismo público ou em instituições filantrópicas devido ao caráter de caridade que
estes serviços carregam para ela, além de certa passividade.
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Que é o que eu disse, é militância sim! Tem que ter disposição. A militância
se eu for olhar o código de ética, o amparo legal da minha profissão, a
militância é uma obrigação do fazer profissional, não tem como eu ser
passiva! Hoje o que eu enxergo no momento atual, não dá pra ser passivo
com tudo que está acontecendo, não tenho receita de como não ser passiva,
mas é isso, é estudar, se você tem o contato todo dia com o seu
direcionamento ético-político da profissão você nunca vai conseguir ser
passiva, porque é pra isso que viemos, pra ficar do lado da classe
trabalhadora e das injustiças sociais, lutando contra elas do lado de quem é
injustiçado na verdade. Do lado quem está sofrendo injustiça social e lutar
contra tudo isso! Não dá, não tem passividade no serviço social.

Quando ela cita a passividade eu divido com Samira a dúvida que tenho em relação a
esta passividade, se ela é parte da constituição do sujeito, se é algo que se ganha no momento
de formação ou se tem a ver com o adoecimento e as difíceis condições deste trabalho.
Confesso que no momento que trouxe esta discussão estava muito mais mergulhada
na troca de experiências que acontecia no momento do que propriamente no meu objetivo de
pesquisa. Ainda assim, eram questionamentos que realmente me afligiam, quando eu me
questionava do mesmo modo, pondo em foco a questão do cuidado. É algo que nasce
conosco? É algo que aprendemos? É algo que controlamos? É algo que se perde no
caminho? Samira me respondeu com seu ponto de vista.

Eu acho que tem que ter um pouco da formação do sujeito pra qualquer
profissão, não adianta, você tem que ter. Eu acho que faz parte de você, por
exemplo, eu cresci na militância vendo meus pais na igreja, com os menos
favorecidos na época, com inconformidade, com as injustiças. Então tem um
pouco da minha formação enquanto pessoa. Eu acho que tem que ter, mas é
isso, eu ressalto que é pra qualquer coisa, a gente tem que ter minimamente
a bagagem pra pelo menos estar aberto a..., e aí casado com isso tem que
ter uma boa formação. Porque se você tem uma boa formação mesmo que
você venha de uma má formação como sujeito dá pra romper algumas
coisas, pelo menos se você tiver uma mínima formação e estiver aberto a...,
porque tem gente que entra e sai da faculdade do mesmo jeito, então
também tem que ter uma abertura, mas enfim, eu acho que tem que casar os
dois, talvez não dê pra separar, só da formação enquanto pessoa ou só da
formação profissional, é os dois. Você só vai estar aberto ao profissional se
você estiver aberto enquanto sujeito, porque a transformação ela é a meu
ver completa, o que eu me transformo enquanto profissional eu me
transformo enquanto pessoa. (Destaques meu).

A resposta de Samira colaborou com as minhas dúvidas ainda que não tenha trazido
uma resposta a elas. Trouxe algo que vai ao encontro de encontro com um dos caminhos que
encontrei para pensar estes questionamentos, a abertura, ou tonalidades afetivas, “estar
aberto a....”.
Ao entrar nesta discussão ela puxa outra questão importante, em um movimento de
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reflexão que parece ter se dado ali. Ela sugere que talvez por não existir uma cisão que
separe pessoal e profissional, pela não possibilidade de desligar-se de uma coisa para ser
outra que surja a passividade, como modo de afastar-se do sentimento de sofrimento que não
cessa ao fim do expediente.

A inconformidade é minha! E aí que horas que é essa troca, se foi o


profissional que criou, ou se foi a pessoa que criou a profissional não sei,
mas aí que tá, talvez as pessoas criam uma passividade porque é muito duro
viver assim! (...) Pra se auto defender dessa dor! Porque dói pra caramba
você saber de tudo isso, e ter consciência de tudo isso, e lidar com a
pobreza, não só financeira, mas com a falta de recursos todo dia. É
massacrante! É mutilação! Não tem como!

Samira continua a falar sobre outras condições que na sua perspectiva colaboram com
uma postura passiva. Além da fuga de uma realidade que traz sofrimento, cita o
funcionalismo público, a má formação: “não saber porque estamos aqui” e por último relata
que em sua experiência na faculdade, viu muitas mulheres mais velhas, envolvidas com
movimentos religiosos, “belas, recatadas e do lar”, que ainda enxergavam o serviço social
como um espaço onde poderiam fazer algo de bom, serem benevolentes.

E aí vai ter uma passividade, porque se você justificar a questão religiosa,


né? Que Deus ajuda quem ajuda. E é isso, nunca vai ter um avanço teórico-
metodológico, prático, ético-político de uma profissão que é muito mais do
que aquilo. Aí que está, o que a gente falou do sujeito e da formação.
Porque mesmo que você ofereça a melhor formação para ela, ela só vai
extrair aquilo que é conveniente para ela. E se para ela for conveniente só
entender minimamente um pouco da política pública para poder só orientar
e ponto, e aí se não de tiver cesta básica falar para Dona Maria que não tem
e ela não pode fazer nada, é isso...

Samira retoma a discussão “sujeito e formação”, que desde a primeira entrevista vai
tomando para mim dimensão importante no sentido deste trabalho, afinal, não tem como
falar de cuidado sem que haja intrínseco ali o sujeito do cuidado. E que sujeito é esse? De
onde surgiu e como se constituiu? Estas perguntas serão postas no momento de discussão
deste trabalho.
Quando entramos na discussão sobre benevolência e assistência social, ou Assistência
e Assistencialismo eu trouxe a postura da assistente social com quem trabalhei (e que de
certo modo colaborou com o meu interesse neste tema de pesquisa).

Ela fala “Eu não estou aqui para passar a mão na cabeça de ninguém! Eu
estou fazendo o que eu tenho que fazer. É meu trabalho e eu estou aqui pra
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cumprir uma política.” E ela tem as questões dela, mas eu admiro muito ela
porque ela faz o que tem que ser feito, sabe? E aí, isso, eu comecei... Isso me
colocou a pensar que de alguma forma, de algum modo eu também estava
romantizando a assistência. De alguma forma, quando eu me coloquei a
estudar, a fazer esse TCC em relação à assistência social eu de algum modo
também estava romantizando. Não tão no sentido de assistencialismo, mas,
de que o assistente social, não sei, eu acho que algum momento eu
romantizei e assim, quando você para pra pensar e não, eu tô aqui para
garantir direito não tô aqui para ser bondosa.(Fala minha)

Não sei se foi um erro me colocar tão intimamente como me coloquei. Porém nesta
altura, já tendo realizado duas entrevistas estava de fato em um processo de construções e
desconstruções, tinha a sensação de que eu já não sabia muito bem do que estava falando e
isso me fazia querer encontrar uma linha de raciocínio estável que eu pudesse reorganizar
meus pensamentos, minhas certezas. Seja sobre o que eu entendia como cuidado, seja o que
entendia como serviço social. E fui percebendo que o cuidado às vezes não vinha em um
discurso florido, cheio de afetos benevolentes, às vezes ele era pesado, árduo, sarcástico,
como coloca Samira:

Isso! Isso é legal e é bom saber que tem outras profissionais por aí fazendo
isso. Que vai falar pro cara que está saindo do sistema. Igual quando a
gente fala com a mãe e ela fala “Ah, você me escutou, Ah, que linda que
você é! Ah, depois eu trago um presentinho”. Essa questão do ser boazinha.
Não, dona Maria! Eu não estou fazendo isso porque eu sou boazinha! Eu
sou uma desgraça de pessoa! (Risos). Não dá vontade de falar? (...) Mas eu
estou aqui porque é direito da senhora, aqui é dinheiro público e é
obrigação do Estado oferecer isso para a senhora e eu só estou sendo porta-
voz de um direito, só! Porque o protagonismo é seu! E não tem, e aí que
falta um profissional engajado, comprometido para trabalhar de verdade o
protagonismo.

O cuidado é com a garantia de direito, com o protagonismo, com o dinheiro público,


enfim, o cuidado com o ofício, com o ser assistente social.
Ainda considerando a fala de Samira e sua preocupação em promover o protagonismo
da população, ela faz uma crítica voltada ao CRAS e a não preparação destes equipamentos
para trabalhar com o protagonismo. Dá o exemplo de alguns CRAS que fazem grupos com
famílias beneficiadas pelo programa governamental Bolsa Família e dão palestras sobre
higiene pessoal, o que para ela não se caracteriza como protagonismo ou garantia de direito.
Para Samira garantia de direitos seria questionar se estas pessoas têm água para realizar a
higiene pessoal, e o que poderia ser feito para que pudessem ter acesso a este direito.

E vai embora a dona Maria sem pagar a conta de água e sem ter água. E aí
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amanhã, a gente chama ela porque ela recebe o Bolsa Família, para ensinar
ela como escovar os dentes. Aí ela sai, ela vira chacota porque ela não
estava cheirando bem! É essa questão que a gente precisa entender um
pouco, o que é garantia de direitos? E a gente sai da faculdade sem saber!

Samira retorna a crítica da má formação pela qual passou, e a importância de refletir


sobre a função das universidades particulares, ou seja, para que elas vieram, pensando na
educação como mercado. Afunila ainda para o serviço social, propõe que não é interessante
manter um curso que forma assistente social para “defender bandido”, (exemplificando um
estereótipo da função do serviço social) ou para defender o direito do menino que pulou o
muro da faculdade para roubar os computadores do laboratório de informática, um curso que
não proporciona retorno, na visão mercadológica.
Compreende-se que Samira olha sempre mais amplamente, abrangendo todo o
contexto. O olhar não se restringe só ao garoto que cumpre a medida socioeducativa, integra
a realidade que envolve o menino, o cenário, as conjunturas. Nas ações cotidianas ela
convoca outros profissionais a compartilhar com ela este olhar.

A gente precisa ter um olhar mais sensível à realidade desse menino, né?
Um menino de dezesseis anos que tem uma estatura baixa, que é muito
magro, há uma questão de desenvolvimento que tá relacionado ao ambiente
que ele vive, a história de vida dele. (Destaque meu).

E aí a gente começou a discutir com a juíza isso, de uma maneira bem sutil,
bem leve. “Ah, doutora, poxa, os meninos tão com treze anos indo para São
Paulo, isso tem aumentado o número de quebra de medida, a senhora tem
notado?” “Ah, tenho! Mas sabe o que é né, levando em consideração que
hoje criança de seis anos viaja, né? Viaja sozinha!” Aí você fica olhando,
quem é a criança de seis anos que viaja sozinha? Filha de quem? Quem é o
adolescente de doze anos que viaja sozinho? Que vai para o EUA? Ele anda
de avião, ele é rico, o máximo, o máximo que ele anda é de ônibus, se o
lugar que ele for não tiver avião. E aí, você fica olhando de que espaço a
juíza está falando. O espaço do privilégio dela, né? Que uma criança de seis
anos, nossa, não sabe nem falar direito ainda, por causa do mau
desenvolvimento, por não ter comida, por não ter ido na creche, por viver
em um espaço insalubre. E aí foi a hora que eu falei “Olha doutora sim, tem
crianças que viaja, mas vamos pensar, a gente teria que fazer uma avaliação
socioeconômica e cultural de que família nós estamos falando, né?” Quando
eu vi já tinha falado.

Samira põe em xeque o seu próprio lugar de fala, mulher branca e loira, e o que
separa ela de suas famílias atendidas, as oportunidades concedidas pela sua cor, o privilégio.

O dia que eu entender isso eu vou sentar com a dona Maria se ela tiver
sentada no chão, vou sentar com ela, vou sentar com o Joãozinho, que é isso
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que a gente cobra, que eu cobro muito da equipe. É a gente estar no mesmo
degrau. O que eu faço com o meu privilégio? Eu poderia ser mais um
riquinho, eu não sou rica, mas que me entenderia como rica, que odeia
pobre! Ou eu posso usar esse privilégio para minimamente abrir caminho
para que outras, que não tenha acesso a coisa nenhuma..., eu ia falar um
palavrão... A coisa nenhuma, possa minimamente participar de alguns
espaços, sabe?

Por fim, ela finaliza a entrevista falando sobre o tato profissional, que pelo visto é
possível de se construir se estiver “aberto a...”.

Uma vez eu perguntei assim para um menino, pergunta inocente também


minha, mas foi lá atrás! (Risos) “Qual sua relação com a sua mãe?” O que
ele tem ideia? Relação sexual! Aí ele olhou assustado, bravo, aí eu falei
“Não, como que você se dá? Você se dá bem com a sua mãe?”
(...) Sabe, uma pergunta besta! Porque é isso... A gente precisa ter esse tato
profissional de como a gente vai perguntar e pra quem a gente está
perguntando. E é isso que eu estou falando, a minha formação profissional
foi aqui. Você toma na cabeça!

Samira cuida ao passo que busca a todo instante atuar amparada nas políticas
públicas, considerando que este é o melhor caminho. Retorna aos documentos como o ECA
(Estatuto da Criança e do Adolescente), o código de ética, as diretrizes da política da
assistência social, assim o cuidado se dá muito na perspectiva de atuar embasada e
comprometida com tais documentos, em busca de consolidar o que é proposto neles.
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6. DISCUSSÃO

As análises realizadas desembocaram em quatro principais pontos de discussão que


permeiam e se entrelaçam dentro das categorias aqui propostas e parecem ser pontos de
costuras interessantes para dar forma à trama final deste trabalho. São elas:

O vir a ser assistente social.


A formação como espaço para o cuidado (?)
Como o contexto do trabalho afeta o cuidado (?)
A resistência ou o “Apesar de tudo”.

6.1 O vir a ser assistente social.

Escolho chamar este tópico de “O vir a ser assistente social” pelo nítido caráter de
construção que as vivências das assistentes sociais vão ganhando em minhas análises. É de
fato um caminho, um percurso. Ainda em aberto para Sônia e Samira, já concluído para
Sueli. Muitos elementos vão encorpando esta discussão: o momento da escolha, o processo
de formação, os espaços de aprendizagem, as experiências possibilitadas. Como afinal, estas
pessoas tornaram-se assistentes sociais? A pergunta não busca apenas os acontecimentos
concretos, acontecimentos temporais, ela interroga as transformações, as afetações, as
bagagens trazidas e deixadas neste caminho.
Ao analisarmos os relatos trazidos vou compreendendo que o tornar-se assistente
social vem de uma construção pessoal própria. Sueli tem fortemente com ela aprendizados
que apropriou do espiritismo e que a ajudou a conduzir seu trabalho por todos os anos de
atuação. Ela nasce e é criada em uma família onde esta crença é muito forte, é base de
construção da identidade, um jeito de estar no mundo.
Samira também mostra o atravessamento que sofre dos pais que, sendo parte da igreja
participavam de movimentos de ajuda aos menos favorecidos na época, nomeia esta postura
dos pais como “militância”. A escolha desta palavra parece dizer muito de suas construções
posteriores, do modo como ela significou isto a partir da sua atuação enquanto assistente
social. Também relata que há uma inconformidade com as injustiças sociais que é anterior ao
processo de formação apontando existir uma bagagem que já era dela, antes mesmo de
tornar-

se assistente social. As reivindicações e brigas para uma melhor qualidade de ensino no


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curso de Serviço Social é um exemplo disso. Conta que a diferença é que hoje ela sabe o que
fazer com isso, sabe onde empregar seu inconformismo, em seu trabalho, na luta pela
cidadania e garantido direitos.
Sônia fala de uma suposta “vocação” para ser assistente social, vocação pelo Novo
dicionário Aurélio da Língua Portuguesa quer dizer “1. Ato de chamar. 2. Escolha,
chamamento, predestinação. 3. Tendência, disposição, pendor 4. P. ext. Talento, aptidão”
(FERREIRA, 2004, p. 2072). O que seria esta vocação para ser assistente social? O que está
por trás desta vocação ou não vocação seria nada além das vivências e construções
possibilitadas (?).
Segundo Bourdieu (2007, apud FERREIRA, 2011) considerando as buscas
profissionais, as vocações não são pertencentes do mundo natural, não partem de uma
premissa genética, elas têm origem na cultura, em sua condição de “estrutura estruturante”.
Este autor ainda considera que quando percebemos certa aproximação ao que parece ser
nossas vocações é possível atentar-se que esta aproximação não decorre de algo intrínseco ao
indivíduo, mas compreende-se que certos grupos tendem a ser direcionados culturalmente
para uma ou outra vocação (BOURDIEU 1983 apud FERREIRA, 2011).
Pode-se pensar neste sentido o motivo pelo qual a formação em Serviço Social é
eminentemente feminina, ou seja, apesar de este curso ser aberto a todos os gêneros há um
contexto histórico e social que “induz” as mulheres a se sentirem com mais vocação que os
homens para conduzir este trabalho.
Anéas e Ayres (2011) trazem o conceito existencial de facticidade para dizer do lugar
que o ser-aí se encontra no mundo, se reconhecendo como tal e, sendo assim, um sujeito
singular. Esta singularidade não existe a partir de uma consciência e suas representações,
mas torna-se possível de acordo com o lugar em que este ser-aí é lançado, ou seja, em um
contexto específico, em determinada família, em determinada casa, em determinado país. O
que não quer dizer que a facticidade aponte para um determinismo da existência, mas mostra
as possibilidades disponíveis para futuros desdobramentos e escolhas de projetos.
Considerar a facticidade é pensar que em cada possibilidade que se abre, outras
possibilidades fecham-se (ANÉAS e AYRES, 2011), é nestes movimentos que vamos sendo
e deixando de ser, escolhas vão nos colocando em lugares, em conversas, em situações e
dando forma ao que somos, lembrando que este ser-aí está sempre em aberto e se
metamorfoseando.

Pensando no que é proposto pelos autores, há neste sentido sempre um horizonte em


60

aberto que nos impõe uma condição de transformação, mas há sempre uma facticidade que
dá certo limite a este horizonte transformador, que direciona nossas escolhas.
O momento da escolha, o que impulsionou a decisão pelo curso de Serviço Social e
não matemática, turismo, ou biologia; o processo de formação, as vivências pessoais, as
crenças e valores, todas estas tiras a princípio soltas se trançam em uma construção, dão a
identidade destas assistentes sociais. Identidade que é balizada a partir de sua facticidade no
mundo e de um mundo que já estava lá, com construções sócio-históricas e culturais. Assim,
as escolhas profissionais ou quaisquer outras escolhas estão de um modo ou outro permeadas
por certa facticidade, que envolve o lugar onde fomos lançados no mundo, da nossa casa até
a cultura vigente.
Ciampa (1998) considera que para além da representação a identidade é uma
constante produção, “Identidade é história” (p. 157). Apesar de no momento inicial a
identidade mostrar-se de um modo estático, permanente, inalterável, ela ao fim apresenta-se
como metamorfose. É nesta compreensão que Ciampa se apoia, confirma sua ideia quando
coloca que o caminho para acessar a identidade é transformando o indivíduo em verbo, ação,
e não mais o que nomeia ser. “O individuo não mais é algo: ele é o que faz” (CIAMPA,
1998, p. 135).
Pompeia e Sapienza (2011) em interessante texto intitulado “Sacrifício do Sonho”
propõem que o sonho é sempre modo de dizer sobre o que estamos desejando, esperando,
nos planejando, é o que põe sentido na vida. Por isso, poder sonhar é o que define a nossa
existência, projetando-nos ao futuro e na busca incessante das nossas possibilidades de ser.
Nestas perspectivas, os autores situam o homem diante de sua existência cumprindo um
papel de tecelão, qual será incumbido da tarefa de costurar vivências. Aquelas que de fato
aconteceram, que ficaram no plano das ideias, esquecidas e substituídas. Destas realidades
alinhavadas, juntadas sobre costuras, forma-se um tecido unido em seu horizonte de
construção, passado, presente e futuro, contemplando o que se tornou realidade, o que deixou
de ser possibilidade e as possibilidades que ainda continuam em aberto.
Ao olhar para este tecido o homem se dá conta do desenho de sua vida, dos
delineamentos presentes nela, e que se mantém inconcluso uma vez que, vivendo, sua
história estará sempre em aberto. Este tecido guarda sua identidade, sua constituição de
sujeito, o que se tornou e o que ainda poderá ser (POMPEIA e SAPIENZA, 2011).

Essa é a tarefa dos homens: reunir, tecer o que existe com o que não existe,
ou seja, reunir a realidade que se dá com as possibilidades, tanto com as
futuras que estão em aberto como com aquelas que, no passado, foram
possibilidades, e que agora não são mais, porque deram lugar à realidade. A
61

humanitas do homem consiste nisso: tecer, fazer história, reunindo tudo


aquilo que, sem história, se mostraria apenas como fatos fragmentados,
estilhaçados. Essa tarefa de fazer história pertence ao homem porque
corresponde à sua essência, que é o cuidado - de si, dos 108 outros homens,
do mundo -,cuidado que junta futuro, passado e presente, que faz história.
(POMPEIA e SAPIENZA, 2011, p. 108).

A citação significa dizer que a ação cuidadosa, solícita, comprometida tem sua forma
inicial muito antes do momento do trabalho, ela existe e muda no decorrer de toda a vida, diz
assim, de identidade, de construção. Não se é cuidadoso pela simples escolha de querer ser,
também não se está destinado nem condenado ao não cuidado, porque nas experiências de
até agora não houve espaço ou possibilidade de ser cuidadoso.
O Cuidado é a possibilidade sempre eminente ao ser-aí que é sempre abertura para
distintas e inéditas compreensões, que outrora não ocorreram, mas que podem no agora ou
no vir-a-ser, se realizarem. O Cuidado é como muitas outras aberturas de ser, construção
histórica, que pode ser facilitado ou aterrado a depender de como fomos sendo cuidados e
aprendendo sobre cuidar no decorrer da vida.
Sendo assim, olhar para as assistentes sociais buscando investigar e indagar suas
possibilidades de promover cuidado torna-se uma busca muito mais difícil e delicada, é
convocação para olha-las para além da realização do trabalho em si, englobando e
respeitando todo o tecido construído durante sua trajetória até ali do Cuidado que se faz
presente.
O que vou tentando construir e pensar juntamente com estas amarrações teóricas é
que, se o vir a ser assistente social é constituído por uma porção de vivências e só é
possibilitado devido a elas, que dão cor e forma a este modo singular de ser assistente social,
o cuidar, fenômeno interessado aqui, é também uma construção histórica, ampla, complexa,
que se dá a partir de uma trama de possibilidades realizadas e não realizadas. O cuidado ou
cuidar não podem, neste sentido, ser pensados como modos de ser ou modos de atuar
apartados da construção pessoal, anterior à construção profissional. Não se pode neste
sentido analisar práticas profissionais destoadas da vivência integral destes sujeitos.
Venho partindo da premissa de que o cuidado, como caracterizado na apresentação da
pesquisa, é indispensável para uma prática efetiva, possibilitadora de ações e transformações
sociais. Busco no cuidado originário para o cuidado na ação como desdobramentos, coloco
este (cuidado) em um processo constitutivo, considero o indivíduo ocupando um tempo e um
espaço e daí dando forma ao seu modo de cuidar. Porém há um momento nesta trajetória que
é obvio, mas que é também imprescindível: o processo de formação, pois é ele quem carrega
62

a promessa de um preparar para a prática. Para elucidar esta questão trago novamente na
íntegra uma fala de Samira, pois ela contribui e sintetiza bem esta discussão:

Eu acho que tem que ter um pouco da formação do sujeito pra qualquer
profissão, não adianta você tem que ter, eu acho que faz parte de você, por
exemplo, eu cresci na militância vendo meus pais na igreja, com os menos
favorecidos na época, com conformidade com as injustiças. Então tem um
pouco da minha formação enquanto pessoa. Eu acho que tem que ter, mas
isso, eu ressalto que é pra qualquer coisa, a gente tem que ter minimamente
a bagagem pra pelo menos estar aberto a... , e aí casado com isso tem que
ter uma boa formação. Porque se você tem uma boa formação mesmo que
você vem de uma má formação como sujeito, da para romper algumas
coisas, pelo menos que se você tiver uma mínima formação e estiver aberto
a. Porque tem gente que entra e sai da faculdade do mesmo jeito, então
também tem que ter uma abertura, mas enfim, eu acho que tem que casar os
dois, talvez não da pra separar é... Só da formação enquanto pessoa ou só
da formação profissional, é os dois. Você só vai estar aberto ao profissional
se você estiver aberto enquanto sujeito, porque a transformação ela é a meu
ver completa, o que eu me transformo enquanto profissional eu me
transformo enquanto pessoa. (Destaque meu)

Quando Samira diz de “estar aberto a”, me obriga pelo caráter da expressão escolhida
retomar a discussão feita sobre a disposição, condição existencial proposta por Heidegger. A
disposição, a abertura para o mundo é que dita o modo como lidamos com as coisas, com as
pessoas, com o trabalho, com as opiniões, com os discursos, com a realidade posta. Ela é
“atmosfera afetiva que dá tom e coloração àquilo que nela vem à luz” (SANTOS e SÁ, 2013,
p. 55). A minha abertura, modo específico de me encontrar no mundo, que ganha sempre
uma tonalidade afetiva (CASANOVA, 2010).
Para exemplificar, o modo como eu me encontro, afetivamente (e por isso tonalidade
afetiva) em uma reunião de equipe, discutindo casos, entusiasmada ou exausta me faz ter
uma atitude diferente a depender por qual destas duas tonalidades estou tomada neste dia.
Posso assim estar cheia de ideias chamando a equipe para atuação como posso matar os
minutos faltantes até o fim da reunião, me fazendo presente apenas de corpo.
Como posto em outros momentos do trabalho, sentimentos como indiferença,
indisposição também são aberturas para o mundo, mas focalizando o sentido que Samira
propõe em sua fala, o “estar aberto a”, mostra-se como um modo otimista de estar no mundo,
uma abertura que possibilite acessar o papel da assistência social, entendê-lo e dar
importância a ele. Assim, ela coloca a importância incontestável que tem a formação desde
que o sujeito esteja “aberto a” para poder construir experiências significativas no decorrer
dela.
Existe a necessidade de uma boa formação, sendo a formação também um jeito para
63

compreender a prática e assim abrir-se e dispor-se a ela. A formação é o conhecimento


formal necessário, é o instrumento disponível do qual nos ocupamos para depois nas práticas
podermos nos preocupar, com os usuários que do serviço necessitar, pensando a ocupação e
preocupação existencial8 (ANÉAS e AYRES, 2011). Entretanto a formação por si só é
suficiente?
Tomando como base os relatos das assistentes sociais, fica claro que a formação é
apenas uma parte deste montante, como bem evidenciado na fala de Samira, para além da
formação deve haver envolvimento. Sueli fala de benevolência, Sônia de luta, Samira de
militância. Isso afinal pode ser ensinado de modo formal e aplicado? Ou demandaria
formações para muito além da graduação? São estas discussões que tento elucidar aqui.
Ainda que os cursos de formação sejam espaços para o aprender-ser assistente social,
não é um tipo de molde onde se é colocado para sair pronto e adequado à prática,
desconsiderando sua formação anterior a este processo. Essa adequação prática fica ainda
mais distante se pensarmos que além do sujeito está por si só sempre em mutação a própria
prática, as políticas, produtos de uma sociedade que são também estão sempre sofrendo
transformações, desconstruindo e se reconstruindo.
Ainda com estas indagações faz-se importante retomar minha preocupação central
deste trabalho e pensando formação, me surge nova interrogação: a formação em serviço
social possibilita uma educação sensível para o cuidar? Isto é, aberta ao cuidado, preocupada
com este modo de atuação?
Não há dúvidas da quão complexa poderia ser uma discussão sobre uma formação
cuidadosa, responder estas perguntas originaria sem sombra de dúvida outra pesquisa, e
ainda sobrariam discussões a serem realizadas. Porém, discutiremos um pouco das literaturas
disponíveis realizadas no campo do serviço social, focalizando a atuação cuidadosa, para se
aproximar que como este assunto tem se mostrado.

6.2 A formação como espaço para o cuidado.

.
Questionei-me ao fim da discussão anterior se a formação em serviço social tem se
preocupado com uma formação para o cuidado, sendo assim achei importante resgatar
literaturas que falassem sobre o cuidado na formação e no ofício do assistente social.
Conforme ia buscando estas literaturas me deparei com dificuldade em encontrar textos e

8
O 2° capítulo desta pesquisa apresenta melhor estes dois termos heideggerianos
64

estudos bibliográficos que falassem sobre esta “atuação cuidadosa”. Estranhei esta
dificuldade, pois nos estudos em psicologia e nas áreas de saúde este era um assunto sempre
muito presente e ao usar a palavra-chave “cuidado” muitas referências surgiam como
resultado de pesquisa.
Por algumas vezes usei discussões sobre cuidado partindo do campo de saúde, mas
não me fazia sentido uma vez que para mim, o contexto da atuação do serviço social,
considerando a vulnerabilidade das pessoas atendidas demandava amplas discussões sobre
um fazer profissional cuidadoso, preocupado e humanizado.
Com a leitura do Código de Ética do Assistente Social (BRASIL, 1993a) e outros
documentos regulamentadores da profissão no SUAS como as publicações “Orientações
Técnicas da Proteção Social Básica do Sistema Único de Assistência Social – SUAS:
Centro de Referência de Assistência Social – CRAS” (BRASIL, 2009) e “Orientações
Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS” (BRASIL,
2011) algumas palavras chaves que ao meu ver se aproximam da ideia de cuidado
apareceram: vínculo, acolhimento, escuta. O vínculo na maior parte das vezes referia-se ao
vínculo familiar, sendo em poucos momentos citadas a importância do vínculo entre usuário
e serviços assistenciais.
Já no documento “Tipificações Nacional de Serviços Socioassistenciais” existe uma
há informações sobre a importância do usuário ter as demandas, interesses, necessidades e
possibilidades acolhidas, além das orientações e encaminhamentos necessários, ter acesso
ao ambiente acolhedor e por último ter a privacidade assegurada (BRASIL, 2014).
No decorrer dessas leituras compreendia até então a brevidade destes conceitos já
que se tratava de documentos regulatórios e de diretrizes, entretanto a dificuldade em
encontrardesdobramentos e ampliações destas discussões em artigos científicos sobre a
prática profissional continuava a me incomodar.
O documento que trouxe uma maior discussão sobre isso foi o documento técnico
intitulado “Equipes de referência no âmbito do Sistema Único da Assistência Social”
(BRASIL, 2010) que aborda com mais profundidade assuntos como o vínculo entre
trabalhadores e usuários. Foi surpreendente, entretanto, que para abordar a concepção de
vínculo e outras ações de cuidado o documento apropriou-se de discussões do campo da
saúde, assim como senti a necessidade de fazer. Neste sentido, vou supondo que todos estes
termos sejam consideravelmente novos na política assistencial, que tem suas discussões
sempre muito permeadas pelo campo dos direitos sociais.
Nestas idas e vindas que se estrutura o processo de pesquisa tive alguns insights que
65

me fizeram criar algumas suposições diante deste meu incômodo constante. Primeiramente
que nas pesquisas eu buscava o cuidado prático, do preocupar-se com o modo de atender,
com o modo de acolher, um cuidado num ato mais concreto e de fato com isso a literatura
pouco ajudou. Porém distanciando o olhar e olhando para todo este complexo campo de
atuação, sua consolidação, seu surgimento, e seu papel atual na política pude perceber algo
que de tão óbvio escapou-me por todo o tempo: O serviço social é cuidado por si só!
Pensando na sua atuação frente expressões de pobreza e na miséria, e seu percurso
ao longo das últimas décadas na estruturação de políticas públicas que busca garantir
direitos e promover cidadania (SANTOS, 2014), cuidar não estaria intrínseco a ela? Não
estaria no mais elementar desta profissão?
Olhar para os menos assistidos, os “subalternizados”, que para Santos (2014) são
negados além dos direitos sociais, a própria condição de cidadão, que contempla o mais
primário direito de existir enquanto indivíduo social não seria a ação política mais
cuidadosa a se ter? Garantir democracia, cidadania e justiça social a todos não seria o mais
básico ato para cuidar?
Deste modo o cuidado se dá no serviço social por muitos outros termos que não
faziam parte das minhas buscas, “garantia de direitos”, “necessidades básicas”, “proteção
social”, “cidadania” entre outros. Assim, compreendo o cuidado como intrínseco na
construção da serviço social, e ainda que seja necessário por uma lupa e olhar mais de perto
como ele tem se desdobrado na atuação profissional, no dia-a-dia dentro das entidades e
dos serviços da rede de assistência, ser assistente social – pensando na ética e na sua
consolidação enquanto profissão – é ser cuidador! Cuidador de uma luta antiga de
emancipação e liberdade, zelador dos direitos humanos ante os retrocessos eminentes,
mantenedor das vozes que reivindica justiça social, protetor dos direitos a serem garantidos.
Seguir o código de ética é de fato trabalhar por esse cuidado maior.
Para finalizar, arriscando um pouco nas suposições, outra possibilidade me apareceu
para tentar compreender o não emprego da palavra cuidado tão recorrentemente usada em
outras áreas que se dão no contato com as dificuldades do outro.
O Serviço Social como vimos na retomada teórica desta pesquisa luta ainda hoje
para desvencilhar-se desta visão assistencialista fundada na bondade, na filantropia, na
doação para atuar sob a lógica de direito (BRASIL, 2010; BRASIL, 2005). Não falar de
cuidado de um modo adoçado, talvez seja uma precaução, uma preocupação em manter
“direitos” e “bem-feitorias” o mais apartadas possíveis para que não correr o risco desta
mistura de objetivos (?). Este modo de dizer de cuidado não poderia soar como algo
66

solidário demais para um campo de atuação que foge de um olhar de solidariedade e de


ajuda e tem o seu papel de promotor de direitos ainda bastante fragilizado? Esta é uma
hipótese.
O fazer prático, o contato, a abertura para o vínculo e a escuta qualificada ainda não
conquistaram a meu ver o espaço necessário na literatura encontrada. Entretanto há de se
considerar a não relevância de comparar este campo de atuação com outros – como eu
mesma no processo de pesquisa fiz – dada a particularidade histórica de cada um e a
importância de olhar para a unicidade da construção do Serviço Social compreendendo seu
momento histórico atual, e suas lutas contemporâneas.
Finalizo relatando que o processo de pesquisa a cada capítulo e a cada discussão vai
me oportunizando as transformações e os diferentes sentidos que podem ganhar o fenômeno
pesquisado. Assim, o cuidado pode se dar de muitas formas, a depender do olhar que se vê.
Para isso é necessário abster-se dos sentidos já consolidados para abrir-se aos tantos outros
jeitos de se dizer de cuidado, cada contexto ao seu modo.

6.3 Como o contexto do trabalho afeta o cuidado (?)

Além da formação, e das diretrizes ético-políticas que guiam o serviço social como
formação e como atuação prática, entendo que existam contextos que possam facilitar para
uma abertura maior ou menor à possibilidade do cuidar, sejam elas de âmbito físico, social,
emocional, político, entre outros. O contexto onde se dá o trabalho e todas as coisas que os
circundam, as condições que são dadas para o trabalho acontecer ainda que não sejam
deterministas ajudam a estruturar as práticas, o fazer. Desta forma, faz-se importante resgatar
nos relatos o que foi sendo demarcado e destacado pelas depoentes a fim de entendermos
sobre qual contexto elas estão sujeitadas.
Conforme os relatos vão se dando muitos dificultadores vão aparecendo, um aparece
pontualmente nas três entrevistas: há uma relação contínua com demandas complexas,
trazendo o sofrimento e a vulnerabilidade para o cotidiano destas profissionais.
O trabalho dos assistentes sociais é de enfrentamento das muitas mazelas sociais, no
exercício da profissão o cotidiano se dá pelo contato constante de manifestações da “questão
social” como famílias negligenciadas, violências contra a mulher, contra a infância e
juventude, abuso sexual, prostituição, criminalidade na adolescência, entre outros dramas
sociais que se expressam na rotina profissional (RAICHELIS, 2009). Neste sentido os
67

assistentes sociais têm papel de mediadores do Estado frente aos conflitos que ocorrem em
âmbito privado, especialmente doméstico e familiar (Ibid.).
Malagris (2004) citado por Silva (2006, p. 93) relata que estudos sobre o burnout
mostram que as profissões que atuam juntamente com pessoas – enfermeiros, psicólogos,
assistentes sociais, professores, médicos, entre outros – se mostram mais propensos a
desenvolver estresse considerando que a atividade principal destas profissões é lidar com
questões emocionais do outro.
A luta dos assistentes sociais pela jornada de 30 horas semanais, por exemplo, que
entrou em vigor em 2010 com a mudança da lei 8.662, de 7 de junho de 1993, tinha como
um dos argumentos desta reivindicação a complexidade do trabalho assistencial em que os
profissionais tinham em seu cotidiano, pensando na carga horária e na exposição a vários
fatores estressantes uma vez que trabalham juntamente com situações de pobreza e todo tipo
de violação de direitos (BOSCHETTI, 2011).
Para Santos (2014) o contato com as desigualdades sociais é atravessado pelos
sentimentos de frustração, impotência, angústia e sofrimento. Frente a esta realidade não é
incomum o adoecimento, o alto índice de rotatividade e afastamento do trabalho.
Ainda segundo a autora, esta afetação advinda da desigualdade social aparece
recorrentemente em duas situações nas profissionais: em uma postura assistencialista, que
mesmo muito criticada, torna-se uma maneira de colaborar com as necessidades mais básicas
e pontuais que se apresenta, e com o tempo pela naturalização deste fenômeno, inclusive
pelo distanciamento afetivo na relação com os usuários e o trabalho em geral (SANTOS,
2014).
Para além deste ponto em comum, outras coisas vão dando forma a este contexto de
trabalho, cada qual com suas a particularidades considerando a diversidade da atuação de
cada uma delas. Sônia traz questões como: muitas pessoas para atender e pouco tempo para
trabalhar com todas elas; o serviço para ela não funciona; não oferece todas as coisas que
deveria oferecer; ela, como profissional, sente-se recriminada desde aí. Quando os benefícios
e programas são de algum modo oferecidos os usuários não aderem, não participam, a
questão da politicagem que está sempre em atravessamento com o trabalho do serviço social
também a incomoda, dá a ela a sensação de não poder fazer seu trabalho direito, tendo de
brigar para trabalhar.
O trabalho de Santos (2014) que discute sobre a vivência das psicólogas no
CRAS/SUAS traz a pouca adesão de usuários como algo frequentemente relatado pelas
profissionais do estudo. Para estas profissionais o contexto adequado para a atuação se
68

configura pela autonomia em promover e conduzir grupos e cursos, a disponibilização de


materiais para isso e a adesão da população aos projetos propostos pelo CRAS.
Em contrapartida Barreto (2011) aponta para a dificuldade em promover laços e
vínculos transformadores com usuários que muitas vezes possuem um histórico de perdas de
vínculos dolorosas o que pode dificultar a promoção de cuidado e de proximidade.
Samira não apresenta a quantidade de demandas como algo prejudicial em sua
prática. Como atua em uma entidade de Defesa de Direitos Humanos com uma população
alvo específica, apesar de atuar a partir das diretrizes do SUAS, não trabalha em nenhum dos
equipamentos públicos, consequentemente seu público é menor. Não possui uma agenda tão
carregada como apresenta Sônia, aparentemente consegue trabalhar em cima de suas
demandas e demonstra empenho em seus debates profissionais entretanto há um ponto em
que os relatos das duas convergem: a falta de mudanças no contexto social e a sensação de
que o objetivo do trabalho nunca é alcançado.
Para Samira este sentimento vem acompanhado por outros fatores, a sensação de
estar apartada da categoria e por isso sentir-se sozinha. Relata que o momento atual é de
dispersão dos profissionais, assim, apesar de mostrar uma garra e um desejo muito forte
sente-se desanimada com a falta de envolvimento dos serviços e dos profissionais da rede de
assistência social e também de outros órgãos atuantes na busca por mudanças da realidade.
O sofrimento decorrente da falta de apoio e de autonomia no trabalho, gerando uma
prática ociosa e focada em trabalhos operacionais que não propicia retornos significativos no
que se refere a transformações concretas na realidade da vida dos usuários também se
mostrou como uma questão presente no estudo de Santos (2014).
Presas a estes problemas que são de uma ordem muito mais complexa e estrutural,
não conseguir ver mudanças diante das intervenções dispostas – quando possíveis de ser –
faz com que elas experienciem o cansaço, o desânimo e o possivelmente o adoecimento.

Então com o tempo você tem que ficar reciclando sua cabeça, porque você
fica um pouco assim desanimado sem sucesso, você vê como um fracasso.
(Sônia).

Vasques-Menezes e Codo (1999) segundo a autora Silva (2006, p. 93) apontam que
“A necessidade de estabelecer um vínculo afetivo e a incapacidade de efetivá-lo pode gerar
tensão nos profissionais cuja atividade é cuidar do outro, o que pode levar a um
distanciamento emocional, como forma de proteção do próprio sofrimento”.
Isto vai bastante ao encontro do que apareceu nas entrevistas, pela busca de um modo
69

mais técnico, e mais distanciado de estabelecer a prática.

No começo eu era bem brutona também, e trazia as coisas para casa.


Jamais faça isso! Eu sofria demais. Porque assim, você quer resolver o
problema da pessoa e você não vai, não é levando o problema da pessoa
para sua casa que você vai resolver. (Sueli)

Então às vezes você mistura um pouco, viu? Isso porque o humano seu fica
modificado pela profissão. Então você tem que ser muito técnico. Se não
você mistura. Você não pode mistura, né? (Destaque meu). (Sônia)

talvez as pessoas criam uma passividade porque é muito duro viver assim!
(...) Pra se auto defender dessa dor! Porque dói pra caramba você saber de
tudo isso, e ter consciência de tudo isso, e lidar com a pobreza, não só
financeira, mas com a falta de recursos todo dia. (Samira)

Barreto (2011, p. 415) dispara algumas questões sobre os limites do contato humano
entre técnico e usuário, “Quais os limites e recursos subjetivos dos profissionais para lidar
com tamanho sofrimento? Há suporte institucional para amparar experiências duramente
consolidadas na subjetividade de nossos usuários?”.
Para este autor ter espaços para conversas, compartilhamento e troca de experiências
nos desdobramentos e acompanhamentos dos atendimentos funciona como campo fértil para
estas reflexões. A possibilidade de compartilhar frustrações e conquistas pode vir a ser um
modo de fortalecimento das duras vivências, entretanto nota-se que estes espaços ainda são
raros deixando a desejar as possíveis construções coletivas (BARRETO, 2011).
Sueli, entretanto, não diz deste mesmo cenário, aliás, sua fala monta um contexto
completamente diferente, o cansaço, o esgotamento, não permeiam seu discurso de modo tão
contundente como para as outras assistentes sociais. Os momentos de cansaço aparecem,
porém o que ganha destaque é que Sueli conseguiu concluir suas atividades, conseguiu
atingir seus objetivos, e finaliza seu percurso no serviço social com a sensação de dever
cumprido. Isto fica bastante visível no seu discurso de gratidão, de olhar para trás e ver os
meninos engraxates, hoje homens formados, de passar pelas ruas e ser reconhecida com
afeto. Assim, o sentimento de falha, de não ver efetividade em seu trabalho não apareceu
como algo em destaque para ela, ainda que tenha tido momentos difíceis durante sua atuação.
Este sentimento que se distancia tanto das outras duas entrevistadas tem a meu ver
uma explicação que se ampara no sentido dado a Sueli para o serviço social. Se como
percebido na análise, Sueli vê o serviço social muito pautada na questão da ajuda, de fato ela
atingiu essa busca e conquistou seus objetivos profissionais, uma vez que expõe sobre o
quanto pode ajudar pessoas e o quanto se sente gratificada por isso, ainda que relate períodos
70

de cansaço.
O Serviço Social foi e é até hoje considerado por muitos autores como uma profissão
de “ajuda” (FALEIROS, 2013). Se pensarmos na assistência social, enquanto uma política
que tem sua história bastante amparada à história do serviço social, percebemos
aproximações neste sentido. Para Sposati et al. (2010) a assistência social à nível de senso
comum é entendida como um conjunto de ações imediatas, atuando nas situações
emergenciais desconsiderando a importância da continuidade das ações. O trabalho é visto a
partir de auxílios de benefícios individuais e atividades que mesmo no coletivo se esgotam
momentaneamente sem segmento posterior.
Esta perspectiva se aproxima da atuação de Sueli que narra muitas ações realizadas,
porém fragmentadas, soltas sem fundamentação ou junturas que visem uma transformação
social. De todo modo, não há como desconsiderar o cuidado de Sueli, ainda que seja
necessário dispor um olhar crítico sobre ele, sobre as bases em que foi constituído e suas
divergências com a assistência enquanto política e das discussões na formação em serviço
social.
Já Sônia e Samira que falam a partir um embasamento ético-político e teórico-
metodológico, que entendem a assistência social muito mais como um lugar de segurança
social, de garantia de direitos e de transformação e emancipação das classes subalternas, com
práticas muito amparadas na PNAS não sentem a sensação de cumprimento do trabalho, pelo
contrário, sentem que mesmo diante de esforços o panorama é sempre igual, são engolidas
assim pela “questão social” que nunca finda.
Como fica o cuidado diante de tantos percalços e desafios? Diante de uma realidade
de uma estrutura social e econômica que está para muito além de suas possibilidades de
mudá-la?
Ao meu ver, o cuidado mostra-se existente, se dá do modo como pode, perpassa
muito mais obstáculos do que facilitadores, aparece em cada tentativa e busca de atender
bem, de insistir nos diálogos. Sejam estas tentativas falhas ou não. O cansaço, as
desesperanças vêm de um movimento de frustração, do empenho que não teve o fim
esperado, sendo assim não seriam estes sentimentos manifestações de cuidado? Não nos
exaurimos se não quando nos dispomos a algo, e quando nos dispomos a ponto de nos
afetarmos neste nível estamos mostrando a nossa preocupação.
Olhando mais a fundo e tomando a fala da Samira como emblemática, quando ela
fala que o cansaço a faz ter força para lutar, não seria isso um modo da sensibilidade? Um
cansaço que abre o fazer profissional como força em busca de transformação social. Nesta
71

perspectiva o cansaço não parece ser mais cansaço, torna-se outra coisa.
E aí considera-se tanto a preocupação conhecida do modo comum, de preocupar-se
quanto a preocupação existencial de entender o outro como um par, um igual, reconhecê-lo
em seus direitos. Se afligir, se abater por não conseguir propiciar os direitos – às vezes
mínimos – que o outro deveria ter, parece não ser outra coisa senão preocupação.
Sendo assim, o cuidado se dá. Vale colocar que não buscamos um ideal de cuidado,
mas as possibilidades de tê-lo ainda que as circunstâncias empurrem para um modo
desmotivado de ação. Cuidar é a cada dia buscar modos de resistir a todos estes
contratempos, e não necessariamente conseguir, e não necessariamente não desanimar, não
se recolher, não perder as convicções, mas manter-se cuidando, ouvindo, acolhendo.
Não fecho esta discussão desejando que o cuidado seja visto como suficiente assim
como se dá, buscar modos de potencializar a ação cuidadora é a meu ver pauta
importantíssima, fundamental. Buscar modos de união e resistência destas profissionais,
buscar a consolidação de recursos físicos, materiais, ambientais e emocionais que garantam
condições necessárias para uma atuação cuidadosa é fundamental e faz parte ainda da luta
dos agentes sociais que buscam a promoção do serviço social.
Como dito no primeiro tópico desta discussão cuidado se constrói e para isso são
necessários modos de abertura, disposições afetivas que não se moldam sozinhas, mas a
partir dos contextos disponíveis a nós.
Para Barreto (2013, p. 411)

Há inúmeras iniciativas e provocações nas arenas de trabalhos sociais que


alimentam a bandeira do cuidar do cuidador – um consenso como
concepção, porém muitas vezes esvaído na prática. O cuidar reforça a
disposição íntima da profissão, que oferece suporte à subjetividade que nos
demanda; já o ser cuidado afirma nossa semelhança humana, o encontro na
mobilidade das relações, nossa coerência interna com o serviço que
ofertamos e as necessidades de amparo da subjetividade para dar conta das
manifestações de sofrimento que a contemporaneidade manifesta.

Este autor acredita que a atuação no SUAS só é possível de acontecer se existir


cuidado nas relações existentes. Considerando os processos de trabalho, só é possível
emergir em territórios “marcados” pela criminalidade e pela violência sem prejuízos físicos e
psíquicos cuidando e sendo cuidado (BARRETO, 2013).
Em relação ao contexto que facilite aberturas de cuidado pensando o contexto
histórico dos serviços públicos e de outros serviços universais como o Sistema Único de
Saúde – SUS, ainda é vigente a contínua luta na busca de garantia de recursos adequados e
72

de condições apropriadas para a consolidação de um trabalho de qualidade (Ibid.).


Desse modo, vê-se a necessidade de promover discussões em conselhos e espaços
sindicais, porém é necessário que elas sejam levadas ainda para o fazer cotidiano visando
proporcionar ao profissional integridade ao seu trabalho e dar as condições necessárias para
o exercício, possibilitando nitidez frente aos limites e possibilidades da profissão, e
eliminando jogos políticos, manipulações de poderes e aproximando-se das tramas humanas
e das ações necessárias para atuar por entre elas (Ibid.).

6.4 A resistência ou “Apesar de tudo”.

Por fim, finalizo o que fica a meu ver diante de tanto: há por entre as muitas pedras
nos caminhos, um fluir de águas, que percorre continuamente, ora ganhando potência e
velocidade, ora diminuindo-se a um fino fio. Os átomos que as formam sofrem mudanças
continuamente, reagem e se transformam a depender das condições que o permeia, ganha
cores e densidades diferentes, endurece, evapora e ora ou outra volta líquido de novo,
buscando caminhos para correr, “caçando jeito”, como sugere Manuel de Barros (2010) em
um poema. Este é a meu ver o cuidado como aparece aqui.
Estas mudanças, modulações de cuidado, aliás, será sempre presente no ofício da
assistente social se pensarmos que a esfera social, seu campo de trabalho, está em constante
transformação. O cuidado neste sentido também será sempre multifacetado. Resgatando
ainda a fábula sobre a Cura, o Cuidar é dar forma (BORGES-DUARTE, 2010), é moldar
diante do que se tem posto.
Apesar dos percalços, das atravancas e das impossibilidades elas lançam modos de
continuar. Sueli pode “ajudar” e desta forma – considerando o sentido dado por ela – pode
cuidar, mostrou-se disposta a isso apesar de estar distante da política. Sônia fala sobre o
processo cíclico entre o ânimo e o desânimo, sobre a reciclagem necessária diante da prática.
Samira tem no cansaço o combustível para reiniciar as forças, busca sentido nos significados
da militância. Usando de um escrito de Arly Cravo (2012, p. 45):

“A nossa evolução, como tudo no universo se propaga em ondas. “Altos e


Baixos”.
Não existe linearidade na nossa dimensão. É sinal de saúde ora estarmos
bem, ora nem tanto e ora mal.
Quando estabelecemos uma meta a ser alcançada e rumamos
entusiasticamente em direção a ela, muitas vezes esquecemos que essa
caminhada não será e nem poderá ser retilínea.
73

(...) Parodiando o poeta: “A vida VAI em ondas”. ”

Quero dizer que este movimento “cíclico” diz de resistência, insistência, diz de
continuidade. Resistir, insistir, continuar é cuidar. Por isso não findo a discussão do cuidado
no serviço social sem pôr em questão estes contextos de trabalho. Como trago em todo o
percurso da pesquisa, o cuidado é construção contínua, tanto os sujeitos precisam estar
abertos ao cuidado quanto os contextos serem aberturas para poder cuidar. Para isso é
preciso, entretanto, cuidar de quem cuida e dar possibilidade para cuidar.
74

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS (INCONCLUSÕES)

Retomando aqui o objetivo inicial desta pesquisa, ou seja, compreender como o


cuidado pode se mostrar na prática das assistentes sociais, percorri e visualizei o cuidado de
mil modos diferentes, o que dificultou tentativas de sínteses e me obriga a finalizar com a
sensação que muitas discussões possíveis não foram abarcadas.
Em muitos momentos foi necessário parar e entender de qual cuidado estava dizendo,
e são tantos que não pude reduzi-lo a um em nenhum destes momentos, ao contrário, a cada
entrevista, a cada análise e a cada reflexão para discussão um novo modo possível de cuidado
me aparecia. Tinha a impressão inicialmente que um não cuidado poderia ser produto da
automaticidade da prática, entretanto este ponto não ganhou destaque no decorrer da pesquisa,
uma vez que o que conduz as discussões necessárias são os sentidos dados às entrevistadas e
assim outros caminhos soaram mais interessantes me fazendo me afastar de tais hipóteses,
além do que o objetivo não era (ou não deveria ser) compreender os dificultores do cuidado
mas sim acessá-lo a partir das narrativas, deixando-os desvelar do modo como se mostraram a
mim.
Dizendo um pouco deste meu percurso, ao meu ver, a trama se fazia de tal maneira:
para cuidar é necessário ser sensível. Sendo sensível olhamos, cuidamos e acolhemos. E assim
segui por alguns meses onde a discussão sobre cuidado tornou-se uma nebulosa nuvem que
me faziam não conseguir avistar ao fim o horizonte. Afastei-me dela. Não me sentia na
condição de enfrentá-la. Senti-me angustiada. A sorte é que a angústia paralisa, mas também
movimenta. Nunca esquecerei de uma frase parafraseada de meu professor de Fenomenologia
“A angústia é a resistência à técnica!” Iniciei as entrevistas, na primeira muito sentimento,
sensibilidade, cuidado, caridade (e agora?) Isso é ser assistente social? Depois de um tempo
fiz a segunda entrevista, logo depois a terceira. Nestas últimas o serviço social apareceu com
mais ênfase, o trabalho, o cotidiano, as leis, as políticas, a Assistência, potencialidades,
garantia de direitos, protagonismo, cansaço, sucateamento.
O que fazer com tanto? Qual é o mais correto? Falha que sou, ainda não havia passado
pelo portal da pesquisa fenomenológica, o portal da epoché, da suspensão de valores, ainda
sentia uma mochila pesada com os significados e sentidos do serviço social para mim, a
priori. A este ponto já identificava algo necessário a fazer, suspender para compreender a
partir do outro. Já conhecia o fenômeno a partir dos meus olhos, neste trabalho busquei
compreendê-lo a partir do olhar destas três profissionais.
75

Além disso tudo, que não é pouco, quando me abri de fato ao universo do serviço
social me vi desconstruindo-me dentro desta mesma discussão, desmoronaram-se muitas
concepções. O serviço social a meu ver era pertinente de ser escolhido dentro desta temática
uma vez que demandava cuidado, já que estava a todo instante próximo a duras e difíceis
realidades sociais. Cuidar. Acolher. Dispor-se. Na conversa com elas vi muitas outras coisas
para além dos sentimentos almejados por mim surgirem: Resistência, impasse, cansaço,
desesperança, falta de perspectiva, gratidão. Percebi que a conversa aqui teria de ser muito
maior. Coloquei-me a muitos questionamentos: Existe? Não existe? Como existe? O que
potencializa? O que não potencializa? Afinal, questionar o fenômeno é minha metodologia de
pesquisa.
Com custo, algumas coisas foram se construindo, fui conseguindo dar lugar a alguns
cuidados, pela quantidade de informações achei melhor separá-los por momentos.
Pensando o vir a ser assistente social, pude perceber o quão complexo é pensar sobre
construção de cuidado, sobre como o cuidado se dá por todo o caminho da vida. Já a formação
para o cuidado deu abertura para que eu pensasse como este cuidado aparecia nas discussões
literárias da assistência social. Foi o momento que se deu minha maior compreensão, o
cuidado que é intrínseco à profissão, que perpassa ações demarcadas que eu como
pesquisadora, tanto buscava.
Ao pôr o contexto do trabalho cotidiano como campo pude compreender as limitações
deste cuidado, o quão difícil é se dispor ao outro em situações tão desiguais, o quão difícil é
prosseguir dia-a-dia na mesma dura realidade e sem colher resultados ainda que muito esforço
tenha sido dispensado. Assim pude perceber o quão necessário é cuidar de quem cuida e dar
possibilidade para o cuidado se concretizar.
Foi difícil limitar-me e passar reto por tantas discussões, reflexões, que brotavam
nestas conversas com as assistentes sociais, entretanto elas iam para muito além do objetivo
posto aqui, por isso, abdiquei-me delas e do desejo de desviar para os diversos caminhos
possíveis para falar das práticas do serviço social.
Assim como diz Duarte Junior (2000) é de fato muito difícil pesquisar e trabalhar
colocando como condição para isso a sensibilidade, do sentir, sentir para pensar, sentir para
interpretar, sentir para perceber e reconhecer erros na condução da pesquisa. Por isso este
modo de pesquisa é um caminho que me cobrou alto, me custou caro, mas me propôs um
caminho desafiador e instigante, também exaustivo. Mas um caminho autêntico, legítimo, e
trouxe a mim a sensação de que se por vez tive em boa parte do tempo dificuldade em pensar
o fenômeno pesquisado, e termino com muitas lacunas em pensamento, por outro tive energia
76

de não esmorecer diante de tantas questões que surgiram no emaranhado que teci, se é que é
possível tecer emaranhados. Acredito que quando se olha para dentro de uma pesquisa que
construímos deve haver o sentimento de honestidade com ela. Este sentimento é presente em
mim.
Assim, pontuo que não houve fôlego para dizer de tudo o que gostaria, até porque o
Cuidado continua se transformando para mim, a cada nova leitura, a cada revisão de texto.
Além do que, a partir da relevância que o Cuidado ganhou em minha vida diante deste
trabalho e frente a profissão que escolhi, ele será e estará sempre em aberto...
77

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Porto Alegre. Resumo publicado em evento. Porto Alegre: Ufrgs, 2016. [s.p]. Disponível
em: <https://lume.ufrgs.br/handle/10183/154402>. Acesso em: 17 out. 2018.

SPOSATI, Adaílza et al. Assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras. São
Paulo: Cortez, 2010. 112 p.

TORRES, Mabel Mascarenhas. Atribuições privativas presentes no exercício profissional do


assistente social: uma contribuição para o debate. Libertas, Juiz de Fora, v. 4 e 5, n. especial,
p. 192-219, 2004. Disponível em:
83

<https://libertas.ufjf.emnuvens.com.br/libertas/article/view/1759/1235>. Acesso em: 20 out.


2018.

VILLANUEVA, Elisa Rodrigues et al. História da Assistência Social no Brasil. Multitemas,


[s.i], v. 14, p.154-175, ago. 1999. Disponível em:
<http://www.multitemas.ucdb.br/article/view/1163/1087>. Acesso em: 06 out. 2017

YEHIA, Gohara Yvette. Entre Diagnóstico e Aconselhamento Psicológico. In: MORATO,


HenrietteTognetti Penha; BARRETO, Carmem Lúcia Brito Tavares; NUNES, André Prado
(Org.). Aconselhamento psicológico numa perspectiva fenomenológica existencial: Uma
Introdução. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. Cap. 5. p. 65-74

YAZBEK, Maria Carmelita. Classes Subalternas e Assistência Social. 5. ed. São Paulo:
Cortez, 2006. 184 p.
9. ANEXOS

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


Título do Projeto: A disposição para o cuidado: Um encontro com Assistentes Sociais.

Registro no CEP: 86233418.4.0000.5385

Introdução

Você está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa que buscará compreender
como a disposição para o cuidado pode se mostrar na prática de profissionais da Assistência
Social. Você foi selecionado (a) por ser assistente social e por ter conhecimentos e vivências
que podem contribuir com o tema desta pesquisa, e sua participação não é obrigatória.

Procedimentos do Estudo

Para participar deste estudo solicito a sua especial colaboração em responder uma
entrevista aberta que será gravada pela pesquisadora.

Riscos e desconfortos

Considerando que mesmo a partir de uma entrevista aberta em que os participantes


contarão sobre sua atuação profissional, experiências e vivências, ainda podem gerar riscos
que envolvem o desconforto do participante. Se ocorrer este desconforto imediato ou tardio, a
pesquisadora dará a atenção necessária, também colocando o serviço de Psicologia da FHO-
Uniararas a disposição do participante.
Serviço de Psicologia da Uniararas
Av. Dr. Maximiliano Baruto, 500, Jd. Universitário, Araras/SP
Telefone: (19) 3543-1488

Benefícios

Propor um diálogo que dê abertura para falar sobre a prática no trabalho pode possibilitar
diversos encontros entre o participante e sua experiência profissional, aproximá-lo de seu
ofício e até mesmo religar sentidos esquecidos no decorrer dos anos de atuação.
Pode ainda colaborar com o enriquecimento de pesquisas voltadas tanto para psicologia
quanto para assistência social, contribuindo para a reflexão frente a modos de atuação e
práticas destas profissões.

Acompanhamento e Responsabilidade

Efeitos indesejáveis são possíveis de ocorrer em qualquer estudo de pesquisa, apesar


de todos os cuidados possíveis, e podem acontecer sem que a culpa seja sua ou dos
pesquisadores. Se você sofrer efeitos indesejáveis como resultado direto da sua participação
neste estudo, a necessária assistência profissional será providenciada através do Serviço de
Psicologia localizado na Clínica de Psicologia da Uniararas, através do responsável desta
pesquisa (veja o contato no item participação).

Garantia de Esclarecimento

Todos os participantes desta pesquisa serão acompanhados pela pesquisadora que


passará os devidos objetivos e esclarecimentos aos participantes.

Participação

Sua participação neste estudo é muito importante e voluntária. Você tem o direito de
não querer participar ou de sair deste estudo a qualquer momento, sem penalidades ou perda
de qualquer benefício ou cuidados a que tenha direito nesta instituição. Você também pode ser
desligado (a) do estudo a qualquer momento sem o seu consentimento nas seguintes situações:
(a) você não use ou siga adequadamente as orientações/tratamento em estudo; (b) você sofra
efeitos indesejáveis não esperados; (c) o estudo termine. Em caso de você decidir retirar-se do
estudo, favor notificar o profissional e /ou pesquisador que esteja atendendo-o.

Os pesquisadores responsáveis pelo estudo poderão fornecer qualquer esclarecimento sobre o


estudo, assim como tirar dúvidas, bastando contato com o seguinte endereço e/ou telefone, e-
mail:

Nome do Pesquisador: Luara Fernanda de Macedo


Endereço do Pesquisador: Rua Maria Amália Zocchio Ridolfo n° 249 Ap. 03 – Araras/SP.
Telefone do Pesquisador: (16) 9 9385-2691
E-mail do Pesquisador: nanda_luara@hotmail.com
Caráter Confidencial dos Registros

A sua identidade será mantida em sigilo. Os resultados serão sempre apresentados


como o retrato de um grupo e não de uma pessoa. Dessa forma, você não será identificado
quando o material de seu registro for utilizado, seja para propósitos de publicação científica
ou educativa. Todo o material colhido para a pesquisa (entrevistas transcritas e arquivos de
áudio) serão mantidos em sigilo pela pesquisadora e descartados após 5 anos.

Custos e Reembolso

Você não terá nenhum gasto com a sua participação no estudo e também não receberá
pagamento pelo mesmo.

Declaração de Consentimento

Li ou alguém leu para mim as informações contidas neste documento antes de assinar
este termo de consentimento. Declaro que toda a linhagem técnica utilizada na descrição de
estudo de pesquisa foi satisfatoriamente explicada e que recebi respostas para todas as minhas
dúvidas. Confirmo também que recebi uma cópia deste termo de consentimento livre e
esclarecido. Compreendo que sou livre para me retirar do estudo em qualquer momento, sem
perda de benefícios ou qualquer outra penalidade.
Dou meu consentimento de livre e espontânea vontade para participar deste estudo.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Mérito Científico do Centro
Universitário Hermínio Ometto – UNIARARAS, coordenado pela Profa. Dra. Miriam de
Magalhães Oliveira Levada, que poderá ser contatado em caso de questões éticas, pelo
telefone 19-3543-1439 ou e-mail: comiteetica@uniararas.br ou pelo endereço Av. Dr.
Maximiliano Baruto, nº 500 –Jd Universitário –Araras/SP.
QUALIFICAÇÃO DO DECLARANTE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(Nome):............................................................................................
RG:..................... .......Data de nascimento:........ / ........ / ...... Sexo: M ( ) F ( )
Endereço: ............................................ nº ........................... Apto: .................
Bairro:.....................................Cidade:...........................Cep:................Tel.:.........

______________________________
Assinatura do Declarante

DECLARAÇÃO DO PESQUISADOR

DECLARO, para fins de realização de pesquisa, ter elaborado este Termo de


Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), cumprindo todas as exigências contidas nas
alíneas acima elencadas e que obtive, de forma apropriada e voluntária, o consentimento livre
e esclarecido do declarante acima qualificado para a realização desta pesquisa.

Araras, __ de ____________ de 2018.

______________________________
Luara Fernanda de Macedo

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