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Essa “leva de galeras” de meados dos 1990, como apontou Dias (2009),
funcionava como uma articulação da juventude a partir da identificação com fenômenos
culturais, como a dança, a música e a pichação. Dias também ressalta a
“uniterritorialidade” dessas galeras, pois a identificação com os bairros de origem é o
traço fundamental dessa geração.
De início essas rivalidades entre galeras não representavam grande ameaça as
forças de segurança. Mas com o passar do tempo, essas rivalidades se acirraram, e nos
finais dos anos 1990 e início dos anos 2000, com a entrada massiva dos mercados ilegais
de drogas e de armas em São Luís, esses conflitos se tornaram cada vez mais violentos e
Nas periferias mais distantes, pelo menos no Maiobão, a guerra entre gangues
de pichadores se estendeu até 2005 pelo menos. Teixeira (2007, p. 31), em sua pesquisa
de campo no Bairro do Coroadinho, realizada nos anos de 2005 e 2006, também
encontrou um cenário fragmentado, de um bairro dividido em pequenas gangues:
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É preciso lembrar que o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, localizado na Zona Rural de São Luís,
concentrava e concentra ainda hoje a maioria esmagadora dos presos de todo o Estado do Maranhão.
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década de 1990). Quando, a partir de uma luta de classes renhida no cárcere, surgem as
primeiras instituições de autorregulação e autodeterminação no mundo do crime,
respectivamente Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC).
Definimos facções como instituições de autorregulação e autodeterminação no mundo
do crime, a partir de uma leitura de conjunto da ampla literatura acumulada sobre esse
universo (FELTRAN, 2018; DIAS, 2013; BIONDI, 2018; MARQUES, 2010; LESSING,
2008; MATTOS, 2016), entre outros. A nosso ver, demonstra-se, mediante processos
metodológicos diversos, que as facções são agentes estabilizadores no complexo unitário
cadeia-favela, pois funcionam como mediadoras de conflitos nessa rede de sociabilidade.
Especialmente entre os indivíduos diretamente vinculados ao mundo do crime, mas não
somente. Composta em suas bases, majoritariamente, por jovens pobres periféricos, as
facções, enquanto instituição dessa fração de classe, encarnam um programa político de
luta contra o Estado, numa articulação a partir da prisão, e enxergam como legítima e
desejável a ascensão social pelo crime. Dentre diversas funções desse tipo de instituição,
a autorregulação se dá mediante a vigilância para que os contratos firmados entre
parceiros numa empreitada criminal sejam cumpridos, o que inaugura novas formas de
sociabilidade, encarnando um novo padrão ético-político baseado na autodeterminação
que reivindica um modelo de “proceder” na vida do crime. Facções rivais, estupradores,
delatores, dentre outros execráveis, são considerados inimigos por representarem de
alguma forma a negação radical a esses parâmetros autoestabelecidos por essas
instituições.
Dessa maneira, o Bonde dos 40, como instituição do mundo do crime da
capital, encontrou facilidade em se espalhar pelas quebradas de São Luís, especialmente
pela sua periferia antiga, isto é, aquela que surgiu e se consolidou até os anos 1980.
Enquanto com o PCM, naturalmente se dá o oposto: rapidamente se espalha pelas
quebradas do interior do Estado, tendo pouquíssima penetração nos bairros da periferia
antiga ludovicense. Na Capital, o PCM só consegue se estabelecer massivamente nos
bairros da periferia recente, isto é, aqueles surgidos (ou que foram densamente povoados)
a partir da década de 1990. Esse processo é bastante interessante, pois nos mostra que o
mapa das facções na Ilha, tem a ver com a história da ocupação de seu território.
Percebemos na nossa pesquisa, que há um choque entre a periferia antiga e a periferia
recente da Ilha, ao mapear as quebradas do Bonde dos 40 e do PCM principalmente a
partir dos proibidões, mas também de observações de campo e levantamento na imprensa.
Assim constatamos que as quebradas que sofreram processo de ocupação e se
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consolidaram até a década de 1980 tem uma forte tendência a ser um território do Bonde
dos 40. Enquanto as quebradas surgidas a partir dos anos 1990, ou que só foram
densamente povoadas a partir dessa época, tem uma tendência a ser um território do PCM.
Nos bairros da periferia antiga mais próxima ao centro, as quebradas aderiram
massivamente ao Bonde dos 40, tais como: Liberdade, Madre-Deus, Macaúba, a maior
parte da Areinha, Coréia de Cima e de Baixo, Codozinho, Monte Castelo, Bom Milagre,
Fé em Deus, João Paulo, Coroado, Barreto, Salinas, Sacavém, etc. Do outro lado da
Avenida dos Africanos, o Bonde também é hegemônico no Bairro do Coroadinho,
dominando a maior parte de suas principais localidades, a exemplo do Morro do Zé
Bombom, Morro do Alecrim, Pocinha e Bom Jesus. A adesão de todos esses bairros a
sigla B.40 significou um apaziguamento de rivalidades presentes em inúmeras dessas
quebradas. Rivalidades históricas foram deixadas de lado quando a maioria dessas
quebradas aderiram a mesma instituição de autorregulação e autodeterminação do crime.
Poucas quebradas da periferia central (portanto mais antiga) aderiam ao PCM, são elas:
o Bairro da Alemanha (com exceção da Rua 4), uma parte da Areinha, e a maior parte do
Bairro de Fátima56. O PCM domina ainda uma parte do Coroadinho (especialmente a Vila
Conceição e proximidades).
Entretanto, o PCM se difundiu rapidamente na periferia recente e distante,
especialmente na Zona Rural de São Luís e suas proximidades, em bairros como: Estiva,
Vila Samara, Coqueiro, Tajaçuaba, Andiroba, Santa Barbara, Vila Funil, Vila Airton
Sena, Vila Real, Vila Magril, Santa Clara, Cidade Olímpica, Vila Riod, Vila Apaco,
Matinha, J. Lima, entre outros. No Munícipio de Ribamar temos a presença do PCM em
bairros como: Vila Alcione, Sarnambi, Vila Julinho, Rua do Mangue. Esses Bairros de
São José de Ribamar que eram redutos do PCM vão aderir ao PCC quando o PCM se
dissolve em fins de 2016. Todos estes bairros do PCM são muito distantes do Centro, e
são também bairros de ocupação recente, nem todos surgiram necessariamente na década
de 1990, mas todos se adensaram popularmente a partir dessa época. São bairros que
ocupam as terras que estão a Leste do enorme quadrante formado pela BR 135 e pela
rodovia MA 201 (Estrada de Ribamar). Isto é, o “fundão” das periferias Leste e Sudeste
da Ilha, que formam o enorme “cinturão vermelho” da periferia recente de São Luís (visto
que essas quebradas, em sua maioria, vão aderir ao CV após a dissolução do PCM e
C.O.M em fins de 2016 e início de 2017, respectivamente). Portanto, o que percebemos
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Posteriormente, por volta de 2017, o Bairro da Camboa vai rachar com o Bonde dos 40 e vai aderir a
bandeira do CV. Por enquanto estamos dando ênfase apenas aos bairros que são “originalmente” PCM.
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é que a rivalidade dentro da cadeia entre presos da capital e presos do interior do Estado,
nas ruas de São Luís se traduziu na guerra entre a periferia antiga contra a periferia
recente. Possivelmente por essa periferia recente, por resultar de processos migratórios
ainda em andamento, manter fortes laços com as cidades do interior, seja no cárcere, seja
na rua.
Na região Itaqui-Bacanga, território de ocupação antiga que se adensou
popularmente até os anos 1980, a hegemonia do Bonde dos 40 também se faz presente,
em ambos os lados da Avenida dos Portugueses: Anjo da Guarda, Fumacê, Vila Mauro
Fecury 1 e 2, Tamancão, Vila São Luís, Vila Dom Luís, Vila Nova, Vila Verde, Vila
Isabel e Vila Bacanga, são bairros dominados pelo Bonde dos 40. Neste lado da Avenida,
na região Itaqui-Bacanga, os únicos territórios dominados pelo PCM são as localidades
da Prohab e do Alto da Vitória. Do outro lado da Avenida dos Portugueses, sendo também
territórios de ocupação antiga, a hegemonia do B.40 também se faz sentir: Sá Viana,
Piancó, a maior parte da Vila Embratel e Gapara, são territórios do Bonde dos 40. Com
exceção da Rua do Arame (Vila Embratel) e algumas ruas do Gapara que aderiram ao
PCM e hoje são territórios do CV.
Saindo do centro de São Luís e seguindo pela Ponte “São Francisco” no rumo
do Bairro homônimo, a hegemonia do Bonde também se faz presente em toda região do
“São Chico” (como dizem nos proibidões do B.40). Além do Bairro do São Francisco o
B.40 domina também a Ilhinha e Residencial Ana Jansen (um pequeno residencial feito
para abrigar moradores que estavam anteriormente instalados em palafitas na região da
Ilhinha e Lagoa da Jansen). Seguindo pela Avenida dos Holandeses (região nobre da
cidade, com poucos bairros periféricos) apenas a Vila Conceição do Altos do Calhau é
domínio do PCM (com a dissolução do PCM em fins de 2016 essa quebrada vai aderir ao
PCC, contrariando a tendência da maioria das quebradas do PCM que após dissolução da
sigla vão aderir a bandeira do CV). Outros Bairros periféricos nessa região da avenida
dos Holandeses são pertencentes ao Bonde dos 40: Olho D’água, Vila Luizão, Divinéia,
Sol e Mar, Araçagi e Turu são os principais deles. Seguindo a Avenida dos Holandeses a
Hegemonia do Bonde dos 40 também se faz presente até o município da Raposa.
No eixo da Avenida dos Franceses, o domínio do PCM se restringe, além do
Bairro da Alemanha já citado anteriormente, uma parte da Vila Palmeira, especialmente
a região das palafitas das margens do Rio Anil (também de ocupação recente)57. Outros
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Que também vão aderir ao CV em fins de 2016.
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Bairros da região são predominantemente Bonde dos 40. Levando em conta os bairros do
mesmo lado da Avenida dos Franceses em que se encontra a Vila Palmeira, temos: outra
parte da Vila Palmeira que é dominada pelo B,40. Assim, como: Santa Cruz, Anil (e
arredores), Vila Lobão (atrás da rodoviária), Santo Antônio, Pirapora, etc. Do outro lado
da Avenida dos Franceses a hegemonia do B.40 também se confirma: Barreto (um dos
principais redutos do Bonde dos 40), Jordoa, Salinas, Sacavém, etc.
Nos bairros no entorno da Avenida Jerônimo de Albuquerque, a hegemonia
do Bonde dos 40 está presente também na maioria deles, como: Vinhais, Bequimão
(incluindo o Cantinho do Céu), Angelim, Maranhão Novo, Cohab (incluindo o entorno:
Vila Isabel Cafeteira e Basílio) e Cohatrac (incluindo o entorno: Trisidela, Itapiracó, etc.).
No Bequimão, temos talvez o mais aberrante exemplo da luta entre periferia recente e
periferia antiga, pois todo o Bairro é dominado pelo Bonde dos 40, com exceção de uma
pequena localidade chamada de “Poeirão”, que são prédios abandonados e inacabados
que foram recém ocupados por famílias de baixa renda numa busca desesperada por
moradia. Em toda aquela região, somente essa pequena ocupação recente é dominada pelo
PCM, posteriormente o “Poeirão” também vai aderir ao CV, a exemplo da maioria das
quebradas do PCM.
O que ressaltamos aqui é a descoberta de uma tendência e não de uma lei
rígida. Ou seja, não quer dizer que todos os bairros antigos de São Luís são Bonde dos 40
e muito menos que todos os bairros recentes são PCM. Mas é fato que essa tendência está
presente no mapa das facções em São Luís. Por exemplo, mesmo nas periferias distantes,
porém antigas, isto é, que foram densamente povoadas até a década de 1980, são
predominantemente pertencentes ao Bonde dos 40, é o caso de Maiobão e Cidade
Operária, mesmo que sejam vizinhos aos bairros da periferia recente dominados pelo
PCM.
O fato de ter crescido no Maiobão, periferia metropolitana de São Luís, me
deu um ponto de vista privilegiado sobre essa questão. Ser jovem ou pré-adolescente no
Maiobão nos anos de 1990 significava conviver com a violência de gangues juvenis, que
rivalizavam entre si e protagonizavam cenas de violência nos espaços onde transitava a
juventude do Bairro: nas Escolas, nos espaços de lazer como praças, bares e festas, etc..
O Maiobão é um bairro surgido e densamente povoado nos anos 1980, situa-se na
periferia metropolitana de São Luís, mais precisamente no município de Paço do Lumiar.
Rapidamente esse Bairro amalgamou ao redor de si uma complexa rede de comunidades,
e a juventude que nelas habitavam, passaram com o tempo a se organizar em gangues
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REFERÊNCIAS
DIAS, Camila Nunes. PCC: Hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo;
Saraiva, 2013.
TEIXEIRA, Marcio Aleandro Correia. Violência e Segurança Pública: uma análise das
relações entre Polícia e Sociedade no Pólo Coroadinho. Dissertação (Mestrado em
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