Sunteți pe pagina 1din 132

.111 h 'd 1' pnl1faL.I~ púhh~.1s, principalmente: nas obord.

tw•n 111111 111 1


n.t n aologat polftllJ, tem vindo a pór em evidência a impor I 111 llt1l1 1
11m J'rolt sos de rec omposiçao do papel do Estado c na .tltc'r.t\ 111lu 111 "
k ant<·rvl nç.1o governativa. Essa importância resulta do f<K to de .pu1 11111 I I
.1 1 ti r a uma tentativa de continuar a assegurar ao Estado 11111 I'"J'IIt l1 " 1
11.1 ddiniçao, pilotagem c execução das políticas c da att,.\o puhlh t 111 • 1
out ro lado. ele ser obrigado a partilhar esse papel com a intc·rvc'll\ \11111 1 1111> I
outras entidades c actores, que se reportam a referendais,luK III' c I''"' ., I
dcLisao distintos
A presente obra dá conta desta problemática, em Portug.tl, no domlull• ol1 1
lític as públicas de educação, a partir dos resultados do projcllo t'Uiop u f l1o111
111 regulntion modes nnd social production of inequalities "' c'dm ''t'""''' 1 '' "
a Puropean comparison, e designado pelo acrónimo Rt•gult•dw m·tw"'A I h I'''
JCLio fo i subsidiado pela Comissão Europeia e integrou sete nJUip '' pc ri 111 1"
ILs às seguintes instituições: EPRU, Institute of Education, UniVt'r~lly ui I""
don, coordenada por Stephen Ball; CPPR, King's College I.ondon, wuuh 111.1 1
por Martm 'Ihrupp; GIRSEF, Université Catholique de Louvain, wordc•nult I'"'
Christian Maroy - coordenador geral do projecto; CERISIS, Uniwr ih I 1tluo
ltque de Louvain, coordenada por Bernard Delvaux; OSC, Centre N.ltiCIIIIII .J,
l.t Rec herche $cientifique, Paris, coordenada por Agnes van Zanten; I HO ~I r
Univcrsité des Sciences et Techniques de Lille, coordenada por Li c I)( 11111111~
FI:fE, Faculdade de Letras de Lorand Eotvos da Universidade de Budapcslt•, Wttl
denada por Ivan Bajomi; e Faculdade de Psicologia e de Ciências da Edul ''r''"
LOordenada por João Barroso.

JoÃo B ARROSO -Professor Catedrático da Faculdade de Psicologia L' dt' Cihlrltl


da Educação da Universidade de Lisboa. Doutorado e Agregado cm Cihu 1111 ""
I ducaçao pela mesma universidade, exerce a sua actividade docente t' clt• 1111'1
trgação no domínio da Política e da Administração Educacionais. f: a11t111 ,/,
diversos livros, artigos e outras publicações nesta especialidade, nomecltillltll'lltc,
Os Ltceus. Organização Pedagógica e Administração (1836-1960), editwl" ""'
1995, pela Fundação Calouste Gulbenkian e junta Nacional de lnvestigtl(tlo ( /r 11
tlfiw e 1ecnológica. Esta obra ganhou o Prémio Rui Grácio, atribuído em /99(1 pclrl
'u11 icdade Portuguesa de Ciências da Educação e Fundação Calouste GulbrtrAiclll

roi o coordenador da equipa portuguesa que integrou o Pro;ecto de invt·~t1J(rl 1 ""


R gu lcducnetwork em que se baseia n presente obra.

Ediç5o apoiada pela Fundaç5o para a Ci~nc1a c a Tecnologia

ISBN 972 - 8036 - 85 - X


t lllll O<lfN<IASDAJ 1 1Hl<At, 11
llll I I (,AO III AN I tiNJO Nll 11
JoÃO BARROSO
Org.
com a colaboração de
SOFIA VISEU

A Regulação das Politicas


Públicas de Educação:
Espaços, Dinâmicas e Actores

Natércio AFONSO
João BARROSO
Luís Leandro DINIS
Berta MACEDO
Christian MAROY
João PINHAL
Sofia VISEU
Agnes van ZANTEN

Educa I Unidade de I&D de Ciências da Educação


2006
SUMÁRIO
BIBLIOTECA NACIONAL - Catalogação na Publicação
A regulação das políticas públicas de educação:
Espaços, dinâmicas e actores I org. João Barroso
(Ciências da Educação: 1)

ISBN-lO: 972-8036-85-X
ISBN-13: 978-972-8036-85-0
I - Barroso, João. 1945-

CDU 37
INTRODUÇÃO -A investigação sobre a regulação
das políticas públicas de educação em Portugal 9
JOÃO BARROSO
EDUCA I UNIDADE DE I&D DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
A regulação das políticas públicas 11

Universidade de Lisboa Os estudos sobre política educativa em Portugal 15


Alameda da Universidade 26
O Projecto Reguleducnetwork
1649-013 Lisboa
Tel. 217 943 6oo Apresentação da obra 31
Fax 217 933 408 Referências bibliográficas 34
educa@fpce.ul.pt
uidce@fpce. ul.pt
CAPÍTULO 1 - O Estado e a Educação: a regulação
transnacional, a regulação nacional e a regulação local 41
A Regulação das Políticas Públicas de Educação: JoÃo BARROSO
Espaços, Dinâmicas e Actores
© Educa I Unidade de I&D de Ciências da Educação I Autores, 2006 Introdução 43
Regulação transnacional 44
Orga ni zação:
João Barroso
Regulação nacional 50
com a colaboração de Sofia Viseu Microrregulação local 56

Orientação grá fi ca de O !ímpio Ferreira


Metarregulação 59
Referências bibliográficas 67
Novembro de 2006

Impressão e acaba mentos: Imprensa de Coimbra, Lda. CAPÍTULO 2 - A Direcção Regional de Educação:
um espaço de regulação intermédia 71
Depósito legal: 252431!07
NATÉRCIO AFONSO
ISBN-lO: 972-8036-85-x
ISBN-13: 978-972-8036-85-0
Introdução 73
Modos e instâncias de regulação da educação 74
A Direcção Regional de Educação: breve contextualização 76 A regulaçáo interna 171
O discurso dos actores da regulação intermédia 79 As lógicas de acção dominantes 177
A DREL como instância de regulação intermédia Conclusão 187
perante a agenda da política educativa 91 Referências bibliográficas 190
Conclusão 94
Referências bibliográficas 96 CAPÍTULO 6 - Interdependência competitiva e as
lógicas de acção das escolas: uma comparação europeia
CAPÍTULO 3 - A intervenção do município AGNES VAN ZANTEN
na regulação local dá educação 99
]OÃO PINHAL Introdução 193
Uma definição de conceitos e o modelo de análise 194
Introdução 101 Lógicas de acção, domínios escolares e actores 197
O quadro legislativo das autarquias em educação "Ideais-tipo" de lógicas de acção competitivas 210
e a organização interna da Câmara Municipal 102 Conclusões: lógicas de acção, eficácia,
O discurso e as práticas dos actores 108 segregação e desigualdades 221
Conclusão 125 Referências bibliográficas 223
Referências bibliográficas 128
CAPÍTULO 7 - Convergências e divergências
CAPÍTULO 4 - A interdependência dos modos de regulação numa perspectiva europeia 227 .
entre escolas: um espaço de regulação 129 CHRISTIAN MAROY
]OÃO BARROSO e SOFIA VISEU
Introdução 229
Introdução 131 Algumas conclusões 230
A lógica de mercado em educação 132 Algumas recomendações 241
A relação de interdependência entre escolas de um território 142
Lógicas de acção 149 ANEXO METODOLÓGICO 245
Conclusão 157
Referências bibliográficas 160 Introdução 247
Componentes e fases do projecto de investigação 247
Características do território em estudo 250
CAPÍTULO 5 -A regulação interna das escolas: lógicas e actores 163
JoÃO BARROSO, Luís LEANDRO DINIS,
Metodologias 255
BERTA MACEDO e SoFIA VISEU

Introdução 165
A atractividade das duas escolas 166
INTRODUÇÃO
A INVESTIGAÇÃO SOBRE A REGULAÇÃO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL

João BARROSO
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade de Lisboa

A regulação das políticas públicas


Os estudos sobre política educativa em Portugal
O Projecto Reguleducnetwork
Apresentação da obra
A regulação das políticas públicas

A análise das políticas públicas, principalmente nas abordagens mais inspi-


radas na sociologia política, tem vindo a pôr em evidência a importância da
regulação nos processos de recomposição do papel do Estado e na alteração
dos seus modos de intervenção governativa. Essa importância resulta do
facto de, por um lado, se assistir a uma tentativa de continuar a assegurar
ao Estado um papel relevante na definição, pilotagem e execução das polí-
ticas e da acção públicas, mas, por outro lado, ele ser obrigado a partilhar
esse papel com a intervenção crescente de outras entidades e actores, que se
reportam a referenciais, lugares e processos de decisão distintos.
Para melhor compreensão deste fenómeno, convém fazer, desde já,
duas precisões sobre os conceitos aqui mobilizados: "política pública"
e "regulação".
O conceito de ''política pública" é visto numa perspectiva socioló-
gica e construtivista, no sentido que lhe dá Duran (199~, p. 108): "pro-
duto dum processo social que se desenrola num tempo determiQado,
no interior de um quadro que delimita o tipo e o nível dos recursos
através de esquemas interpretativos e escolha de valores que definem a
natureza dos problemas políticos colocados e as orientações da acção".
Como nota a este propósito Anne Van Haecht (1998), esta perspectiva
permite "pensar em conjunto as lógicas processuais que dão corpo à
acção pública e as lógicas institucionais graças às quais os actores se
definem em relação ao político (compreendendo aqui a construção da
sua identidade e afirmação da sua legitimidade)" (p. 24).
Para Muller (2ooo), as políticas públicas constituem, assim, um
nível privilegiado de interpretação específica da actividade política,

11
J OÃ) liA H llOSO I NTJt O OU Ç

ond e o qu e está em causa não é a cap acidade do estado impor uma No primeiro caso es tamos em presença de um a reg ul ação in sli-
ordem política global, mas sim de resolver problemas. "Ao pôr a tu cional, normativa e de controlo que pode ser definida como "o con-
tónica na observação dos resultados da acção do Estado, o estudo junto de acções decididas e executadas por uma instância (governo,
das políticas públicas lança a dúvida sobre a própria racionalidade hierarquia de uma organização) para orientar as acções e as interac-
da acção pública. Este facto contribui para a deterioração progressiva ções dos actores sobre os quais detém uma certa autoridade" (Maroy
da visão hegeliana, tão forte na Europa, dum Estado omnisciente ou e Dupriez, 2ooo). Esta definição põe em evidência, no conceito de
omnipotente cuja racionalidade estava em condições de transcender a regulação, as dimensões de coordenação, controlo e influência exerci-
irracionalidade dos interesses particulares" (Muller, 2000, p.191). das pelos detentores de uma autoridade legítima, sendo por isso pró-
É esta a razão porque Lascoumes defende uma "visão que privi- xima da acepção que prevalece na literatura americana (no domínio
legia a dimensão incremental da acção pública" que tenha em conta da economia, mas também da educação) enquanto intervenção das
o facto de "a heterogeneidade dos interesses em presença, a complexi- autoridades públicas para introduzir "regras" e "constrangimentos"
dade das estratégias dos actores envolvidos, os meandros da tomada no mercado ou na acção social.
de decisão pública, as reinterpretações quando da sua concretização, No segundo caso, estamos em presença de uma regulação situa-
os efeitos de retorno e os reajustamentos regulares das disposições dona!, activa e autónoma. Ela é vista, sobretudo, como um processo
iniciais tornarem impossível qualquer raciocínio linear e casual" (van activo de produção de "regras de jogo" (Reynaud, 1997 e 2003) que
Zanten, 2004, p.26). compreende, não só, a definição de regras (normas, injunções, cons-
A análise das políticas públicas não pode ficar confinada, por isso, trangimentos, etc.) que orientam o funcionamento do sistema, mas
ao estudo de certas dimensões dos seus processos de concepção e de também, o seu (re)ajustamento provocado pela diversidade de estra-
execução e dos efeitos que determinam. Como assinala van Zanten tégias e acções dos vários actores, em função dessas mesmas regras.
(2004), aplicando este conceito às políticas educativas, é preciso dis- De acordo com esta abordagem, num sistema social complexo (como
por de "quadros globais que permitam integrar, ao mesmo tempo: o é o sistema educativo) existe uma pluralidade de fontes , de finalidades
estudo das ideias e dos valores que orientam a tomada de decisão; a e modalidades de regulação, em função da diversidade dos actores
autoridade e o poder dos actores implicados; as consequências das envolvidos, das suas posições, dos seus interesses e estratégias (Bar-
acções para os seus beneficiários e para a sociedade em geral" (p.24). roso, 1999, 2005a).
Isto implica, segundo a mesma autora, estudar o "poder político em A mobilização da teoria da regulação para análise das políticas
exercício", através de uma "análise compreensiva" do Estado "em con- públicas aparece igualmente associada a outras evoluções recentes no
creto" ou "em acção". domínio do que vem sendo designado como uma "sociologia política da
Quanto ao conceito de "regulação", apesar de ser passível de dife- acção pública" e de que destaco duas abordagens fundamentais e com-
rentes significados, conforme o quadro teórico, disciplinar, linguístico plementares: a necessidade de apreender o Estado pela sua acção; a neces-
em que se insere (ver a este propósito, Barroso, 2005c), ele é utilizado, sidade de apreender a acção do Estado através dos seus instrumentos.
neste contexto, para descrever dois tipos de fenómenos diferenciados, Quanto à primeira abordagem, ela decorre do facto de, como subli-
mas interdependentes: os modos como são produzidas e aplicadas as nha Muller (2ooo), a análise das políticas públicas incorporar hoje um
regras que orientam a acção dos actores; os modos como esses mes- conjunto de conceitos oriundos da sociologia das organizações (actor,
mos actores se apropriam delas e as transformam. poder, estratégia, informação, etc.), que permitem abrir a "caixa negra"

12 13
) J( IJA Rll S I N'l' ll OU J(

do Estado, interrogando-se não só sobre as suas determinantes, mas técni cas e funcio nalistas que dominam grande parte das pro pos tas da
também sobre o seu funcionamento: ''A análise das políticas contribuiu "n va govern ança", estes autores defendem que os "instrumentos não
para sociologizar o nosso olhar sobre o Estado, na medida em que, em - são neutros e produ zem efeitos específicos, independentes dos objec-
vez de apreender o Estado por cima e em bloco, ela vai permitir-nos ti vos visados, que estruturam, segundo a sua própria lógica, a acç-ão
observá-lo por baixo e em pormenor" (Muller, 2000, p. 193). pública" (.. .). "Cada instrumento é, por isso, uma forma condensada
Quanto à segunda abordagem, ela decorre do facto de a acção de saber sobre o poder social e as formas de o exercer" (idem, p.29).
pública ser vista como "um espaço sociopolítico construído quer por
técnicas e instrumentos quer por finalidades, conteúdos e projectos de
actor" (Lascoumes eLe Gales, 2004, p.12). A noção de "instrumento Os estudos sobre política educativa em Portugal
de acção pública" é, neste contexto, essencial para perceber o modo
como se operam, hoje, as mudanças nas políticas públicas e o papel O estudo da regulação das políticas públicas, de acordo com as pers-
que os novos modos de regulação desempenham na reorganização pectivas que aqui brevemente se resumiram, só muito recentemente
do Estado e das suas formas de governo. Como dizem Lascoumes e tem vindo a ser praticado na análise política em educação. Contudo,
Le Gales (2004, p.13), "um instrumento de acção pública constitui um a importância e visibilidade destes estudos têm vindo a aumentar,
dispositivo ao mesmo tempo técnico e social que organiza relações quer por força da alteração do quadro teórico a que fizemos referên-
sociais específicas entre o poder público e os seus destinatários em cia, quer pelas mudanças em curso na natureza e papel do Estado,
função das representações e significados de que é portador" e, nesse nomeadamente, no quadro dos processos de globalização económica
sentido, traduz sempre uma determinada concepção de regulação. e da "crise" do Estado Providência, quer, ainda, pelas transformações
É este, também, o sentido dado, por exemplo, por Salomon (2002) estruturais que ocorrem nos modos de governo ("new governance")
numa obra de referência no domínio da análise das políticas públicas e de administração pública. ("new public management")'.
intitulada "The Tools of government. A guide to the new governance": Entretanto, na literatura internacional, muitos dos contributos
"Um instrumento da acção pública consiste num método identificável mais relevantes para compreender as novas formas de regulação na
através do qual a acção colectiva é estruturada com o fim de resolver
um problema de natureza pública" (p. 19). Segundo o mesmo autor, 1 Actualmente, começam a surgir na literatura francófona da educação (bem como na
literatura lusófona, por ela influenciada) trabalhos específicos centrados na problemática da
estes instrumentos distinguem-se pelo seu grau de "coercividade", regulação. Ver, por exemplo, os dois números da revista "Éducation et Sociétés. Revue Interna-
"directividade", "automatismo" e "visibilidade" e abrangem entre outras tio na/ de Sociologie de l'Éducation", editada pela DeBoeck: o no6 (200/2), organizado por Clau-
de Lessard, e intitulado "Nouvelles régulations et professions de I' éducation" e o no 8 (2001/2),
modalidades, a regulação económica e a regulação social (p.29). organizado por Yves Dutercq e Agnes van Zanten, intitulado "Nouvelles régulations de l'action
Convém, contudo, frisar que, quer se tratem de instrumentos publique en éducation". Ver igualmente a obra coordenada por Dutercq (2005) intitulada preci-
samente "Regulation des politiques d 'éducation", para além de inúmeros trabalhos difundidos
legislativos, económicos, informativos, comunicacionais, de gestão
pelas equipas que integraram o projecto Reguleducnetwork e que a que se fará referência espe-
ou outros, estes dispositivos configuram sempre, como notam Las- cial na secção respectiva. Na literatura lusófona destaca-se, a título de exemplo, o número espe-
coumes e Le Gales (2004), para além dos seus efeitos próprios, uma cial que a revista "Educação & Sociedade" (no92, 2005) editada pelo CEDES (Campinas, Brasil)
dedicou ao tema "Políticas Públicas de Regulação: problemas e perspectivas da educação bási-
determinada concepção da acção pública (do seu sentido, do seu qua- ca", em particular os artigos de Barroso (2005) sobre a realidade europeia e de Oliveira (2oo5) e
dro cognitivo e normativo) e um modo específico de materializar e Krawczyk (2005) sobre o Brasil e outros países da América Latina. No mundo anglo-saxónico
as principais referências a este tema aparecem nos trabalhos sobre "educational policies" com
operacionalizar a acção governamental. Contrariando as abordagens larga tradição quer no Reino Unido quer nos Estados Unidos da América.

14 15
lO 11/l.ltlt OS I N 'l' 110 ll \JÇ

educação, em particul ar no que se refere à reg ul ação es tatal, não lhos), é possível identifi ca r dois grandes grupos qu e se apresentam c
resultam de trabalhos especialmente focados nos processos de regu - s ' ·ara lerizam de seguid a•.
lação, mas sim de estudos mais abrangentes sobre a intervenção do _ O primeiro grupo, é constituído por teses que adoptam uma pers-
Estado na educação, ou sobre a decisão política, ou sobre as alterações pecliva mais próxima da "sociologia política" com recurso a aborda-
decorrentes da introdução de novas regras e modos de administração gens organi zacionais, neo-institucionalistas ou de "public action" (para
educativa2 • ulili zar a classificação de Pollet, 1987). De um modo geral elegem como
Em Portugal, os estudos sobre política educativa raramente se objecto de estudo políticas educativas concretas, em diferentes domí-
centram especificamente no estudo dos processos de regulação das nios (administração e gestão escolar, ensino privado, avaliação de alu-
políticas e da acção pública em educação (com as características atrás nos, ensino profissional, etc.), mas procurando articular dois níveis de
descritas), embora existam contributos importantes para o esclare- análise: o estudo das ideias e da formulação legal das políticas; o estudo
cimento desta temática e afins (coordenação, pilotagem, governação, dos processos de aplicação e recontextualização das políticas através da
acção do Estado), sobretudo em trabalhos que adoptam uma perspec- análise dos discursos e das práticas dos actores em situação.
tiva sociológica no estudo de determinadas políticas educativas3 • Como exemplo de teses integráveis neste grupo são de referir:
Importa, por isso, fazer uma breve resenha de alguma da litera- - O trabalho fundador de Licínio Lima (1992) 5, onde o estudo das
tura mais relevante que tem como principal objecto de investigação o políticas de gestão escolar (após 1974) é baseado num modelo de análise,
estudo de políticas educativas no nosso país, embora seja de assinalar sustentado teoricamente na sociologia das organizações, que faz a ponte
desde já a enorme diversidade campos disciplinares, referenciais teó- entre o nível macro de defmição das políticas de gestão escolar e seus
ricos e desenhos metodológicos que são mobilizados. referenciais e a sua aplicação local numa escola concreta (estudo de caso).
Propondo uma "análise multifocalizada dos modelos organizacionais de
TESES DE DOUTORAMENTO escola pública" o autor sistematiza, num suplemento à 2• edição da sua
Se tomarmos como corpus mais significativo as teses de doutora- tese (1998) aquilo que já era central, no seu trabalho inicial, para o estudo
mento em Ciências da Educação (pela própria consistência e profun- das políticas de gestão escolar e dos seus processos de regulação: a articu-
didade de análise que advém da revisão da literatura, da construção lação entre a análise dos "modelos organizacionais de orientação para a
teórica e da investigação empírica subjacentes a este tipo de traba- acção" e dos "modelos organizacionais praticados ou em acção" (p.593).

2 Alguns desses estudos foram referenciados no levantamento que realizei, no âmbito do 4 Como se depreend e do que foi dito, a li stagem fe ita, quer das teses quer de outras publi-
projecto de investigação Reguleducnetwork (Barroso e Bajomi, org. 2002 e Barroso, 2003a) cações, não tem qualquer pretensão de exausti vidade ou representatividade "objectiva", tipo
e permitiram identificar os contornos de uma problemática comum sobre o caso particular "estado da arte". Trata-se, unica mente, de uma selecção pessoal que tem a ver, sobretudo, com
da alteração dos modos de regulação no contexto das mudança das políticas públicas e das a minha própria hi stória acadé mica, os meus referenciais teóricos e os meus percurso de inves-
formas de governo, na educação (ver capítulo 1 da presente obra). tigação neste domínio e que ajudaram a construir o quadro conceptual do trabalho realizado
3 Aplica-se aqui o que Salomon (2002) diz da "nova governança": "A exemplo do que se pela equipa portuguesa no projecto Regu leducnetwork e de muitas das reflexões pessoais a
passa com qualquer nova abordagem de um tópico tão antigo como a administração pública, que este projecto deu origem. Entre as omissões é de referir, por exemplo, a tese de Ana Maria
dificilmente a "nova governança" pode ser encarada como algo de inteiramente novo. Esta Seixas sobre as políticas educativas do en sino superior em Portugal (Seixas, 2003), que não
abordagem baseia-se numa rica história do pensamento produzido, com mudanças de enfo- tive a oportunidade de consultar para o presente trabalho.
ques e incorporação de novos elementos, mas é pouco provável que substitua tudo o que está 5 Cuja m atriz teórica e metodológica, em particular no que se refere à combinação de um
para trás. O resultado é, pois, uma nova síntese, um novo paradigma que permite obter uma análise macro-política com uma análise micro-organizacional, está presente em muitas das
melhor perspectiva sobre uma determinada realidade e, consequentemente, perceber melhor teses qu e orientou no Departamento de Sociologia da Educação e de Administração Edu cacio -
o sentido de aspectos centrais do trabalho a realizar". (p.9) nal do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho.

16 17
JO () 1\ i\R it()SO I N T lt () D \1 Ç O

- A minha lese de doutoramento (editada cm 1995) onde , adop- - 1\ tese de doutoramento de Maria da Co nceição de Castro
tand o um a perspec tiva só cio -histórico para o es tud o da evolu ção da Ramos (defendida em 2001) c inlitulacla "Os processos ele autonomia
admini stração e organização dos liceus entre 1836 e 1960, é posto em c J escentralização à luz das teorias de regulação social. O caso das
evidência o modo como se construiu, em Portugal, uma regulação políticas públicas de educação em Portugal". A autora mobiliza o
burocrática da política educativa, para este sector de ensino, e a sua contributo das teorias da burocracia (na perspectiva weberiana) e da
posterior evolução para uma regulação burocrático-profissional. Os regulação social (em particular de Reynaud) para analisar, respecti-
quadros teórico e metodológico utilizados baseiam-se em proces- vamente, a formação de um "modelo" dominante na administração
sos dedutivos e indutivos, abordagens macro (quadro legal) e micro educativa portuguesa e a emergência, no período em estudo (1979 e
(relatórios dos reitores) que permitem analisar as interacções entre as 1993), de "modos" divergentes (autonomia regional e descentralização)
"racionalidades a priori" das políticas e os efeitos de retorno que resul- resultantes da estratégia de diferentes actores macropolíticos (foram
tam das "racionalidades a posteriori'' dos actores em contexto local. entrevistados 2 ministros ela educação, 4 secretários regionais de edu-
- A tese de doutoramento de Carlos Estêvão (editada em 1998) cação das duas regiões autónomas, 3 dirigentes da Associação Nacio-
sobre a "escola privada como organização" que mobiliza contributos nal de Municípios).
teóricos diversos (nomeadamente perspectivas neo-institucionalistas) - A tese de doutoramento de Virgínia Sá (editada em 2004) que,
para a construção de um modelo de análise específico dos "impactos a partir de um quadro teórico-conceptual de inspiração "institucio-
institucionais sobre as dimensões organizacionais". É neste contexto e nalista", analisa as políticas educativas, no período posterior a 1974,
tomando como referência uma consistente revisão da literatura sobre que regulam a participação dos pais na escola pública portuguesa.
"políticas públicas e educação privada" que a investigação realizada por O autor combina uma "análise macropolítica" que põe em evidência
este autor permite caracterizar a evolução e os modos de "regulação a evolução do quadro jurídico-normativo e o modo como as políticas
estatal" deste tipo de ensino, tomando como referência não só o qua- educativas definidas ao nível dos "países centrais" são recontextuali-
dro normativo legal, mas também os dados obtidos com a pesquisa zadas pelo Estado português, com uma análise sócio-organizacional"
empírica realizada numa escola privada concreta. que permite caracterizar "acções organizacionais" concretas, os seus
- A tese de doutoramento de Almerindo Janela Afonso (editada actores e as suas práticas.
em 1998) onde, como fundamento teórico do estudo empírico sobre as -A tese de doutoramento de Fátima Antunes (editada em 2004)
políticas de avaliação dos alunos do ensino básico nos inícios da década que analisa o subsistema de escolas profissionais em Portugal, entre
de 1990, é apresentada uma "proposta de quadro teórico-sociológico" 1987 e 1998 no contexto do desenvolvimento das dinâmicas da "globa-
para a análise das relações entre Estado, mercado, comunidade e lização", da "regulação supranacional", das transformações sofridas
avaliação, bem como a sua operacionalização para a compreensão pelo "Estado de Bem-estar" e dos novos "arranjos institucionais" daí
das opções de política educativa tomadas no período compreendido decorrentes. Das várias teses aqui referenciadas esta é uma das que
entre 1985 e 1995. Trata-se de um texto fundamental, no domínio da assume, de uma maneira mais central, como quadro teórico e foco de
sociologia política em Portugal, para o estudo da "reforma educativa" análise, a temática da regulação, em particular a emergência de novos
como instrumento de acção pública e para a compreensão do seu sig- modos de regulação, que combinam as formas de actuação do "Estado
nificado no contexto dos processos de recomposição do Estado nos de competição" e do "Estado-articulador".
finais do século XX.

18 19
O IJAilllOSO I NT ilO il liÇ

Para além destas teses defendidas em Portugal são de citar, ainda as orno cs trat gia de "inculcação da passividade c do co nformismo" na
teses de doutoramento de: Clementina Marques Cardoso, defendida em população portu guesa. A investi gação centra-se, fundamentalmente,
2001, na London School ofEconomics and Politicai Science da Universi- na análi se da "teo ria e prática" do Estado Novo, no domínio da edu-
dade de Londres, onde é feita uma análise comparativa das políticas de ação, ao longo do período em estudo (1926-1968), através dos textos
descentralização e autonomia, no contexto da recomposição do papel do doutrinários e legislativos dos governantes. O elemento central do seu
Estado, em Inglaterra e Portugal, no período de 1986 a 1996; e de Maria trabalho empírico baseia-se numa exaustiva análise de conteúdo de
Beatriz Bettencourt, defendida em 2004, na Universidade de Montreal, um conjunto de diplomas fundamentais que estruturaram a organi-
que, embora si mando o seu campo empírico no estudo da avaliação ins- zação e administração do ensino secundário (reforma, estatutos, etc.)
titucional em estabelecimentos do ensino superior do Canadá (Quebe- e a apresentação dos resultados procura pôr em evidência a constitui-
que), mobiliza as "teorias da regulação" como quadro teórico explicativo ção na educação de um "estado administrativo" e da "centralização
do sentido político dos processos de avaliação externa. co mo estratégia de desmobilização para a passividade".
Embora não se situando no campo específico da análise das - A tese de doutoramento de António Sousa Fernandes (defendida
políticas públicas, como as anteriores, é possível encontrar contribu- em 1992), através do tratamento exaustivo que faz do quadro legal,
tos igualmente significativos para o estudo de aspectos sectoriais do descreve e interpreta, de um ponto de vista normativo, o modo como
fenómeno da regulação destas políticas, nas teses de doutoramento era exercida a coordenação estatal (controlo político e centralização
de Natércia Afonso (1994) e de Manuel Sarmento (2ooo) -regulação administrativa) do ensino secundário em Portugal, entre 1836 e 1926.
interna das escolas; de Fernando Ilídio Ferreira (2005) - regulação Também aqui predomina uma perspectiva jurídico-administrativa
local; de Jorge do Ó (2003)- regulação do aluno. da análise política, de influência weberiana, que põe em evidência o
processo de "normativização burocrática do ensino secundário" no
O segundo grupo de teses de doutoramento que foi identificado período liberal e no período republicano.
é tributário de uma abordagem da política educativa mais dominada - A tese de doutoramento de Joaquim de Azevedo (editada em
por perspectivas teóricas e metodológicas de tipo funcionalista, 2000) centra-se num estudo comparado de um conjunto de reformas
racionalista ou instrumental (para utilizar a classificação de Pollet, do ensino secundário em 9 países europeus, na década de 1990 6 • As
1987). De um modo geral elegem como objecto de estudo as "ideias "reformas" são vistas como textos normativos que configuram objec-
políticas" vistas essencialmente através dos quadros normativos e tivos de mudança dos sistemas educativos e cuja análise permite
legislativos e das estruturas organizativas e administrativas definidas identificar referenciais, estruturas e modos de organização específi-
pelo poder político. De pender menos sociológico, mas mais histórico, cos. O estudo comparativo realizado concluiu pela existência de uma
filosófico, jurídico, económico (ou com várias influências disciplina- convergência das políticas estatais em direcção ao que o autor designa
res ao mesmo tempo), estas investigações situam-se no domínio mais por "neoprofissionalismo" que se desenvolve num contexto político
formal da análise política convencional, mesmo quando estudam
6 Os países seleccionados pelo autor (cujos critérios são explicados na p. 230) são os se-
fenómenos como a "regulação transnacional", o "sistema mundo", guintes: Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Noruega, Suécia e Suiça.
a participação, etc. Embora a investigação não inclua Portugal, a reforma portu guesa (em que o autor esteve en-
volvido) não deixa de estar presente "como contraponto". Daqui decorre a sua inclusão neste
-A primeira referência é a tese de doutoramento de João Formosi- inventário, até porqu e ilustra, com bastante rigor um modo específico de análise da política
nho (defendida em 1987) que analisa a política educativa do Estado Novo educativa.

20 21
O li A lt lt LI S 0 I N Tit \l lltJ Ç n

c económico mais vasto, marcado pela globali zação c pela emergên - OuTRAS PUIJLt CAÇÕ ES
cia de um "sistema educativo mundial ". Este sistema é responsável Além destas teses, muitas outras publicações contendo ensaios, sín-
pela "construção e acção de modelos educacionais transnacionais" teses, revisões de literatura, relatos de investigação sobre a política e a
e, consequentemente, pela "convergência" nos princípios, discursos ad ministração da educação em Portugal poderiam ser referenciadas para
e formas que definem e regulam as diferentes políticas educativas um levantamento de um corpo de conhecimentos enquadrador de uma
nacionais neste domínio. O material empírico compulsado é consti- reflexão sobre a "regulação das políticas educativas" no nosso país7•
tuído essencialmente pelos próprios textos legislativos, dados estatís- Não sendo esse o objectivo do presente texto, não quero no
ticos e questionários a "actores sociais" directamente envolvidos. entanto deixar de referir algumas publicações que têm permitido dis-
- A tese de doutoramento de António Teodoro (editada em 2001) por de sínteses importantes sobre a evolução da política e da adminis-
sobre a "construção política da educação", onde é posta em destaque tração da educação em Portugal, em particular no período posterior
a influência estruturante da situação semiperiférica de Portugal no ao "25 de Abril de 1974" e que ajudam a perceber, se lidas a partir do
"sistema mundial", no que se refere à definição e execução das políticas referencial da "regulação", muitas das transformações que ocorrem,
educativas, em particular na segunda metade do século XX, no qua- neste domínio, em Portugal.
dro do que o autor caracteriza como "crise e reconstituição do Estado". Entre as várias referências possíveis são de citar:
O material empírico trabalhado é constituído sobretudo pelos textos -Os trabalhos precursores de Stephen Stoer, e especialmente Stoer
e discursos de protagonistas políticos "centrais" (no governo e na alta (1986), onde, pela primeira vez, é ensaiada uma análise crítica e siste-
administração), com recurso a fontes documentais diversas, bem mática da evolução da política educativa em Portugal na transição do
como entrevistas expressamente recolhidas no quadro da investiga- pós-25 de Abril (1970-1980), bem como a obra organizada por este autor,
ção realizada. Luísa Cortesão e José Alberto Correia (2001) intitulada "Transnaciona-
- A tese de doutoramento de Henrique da Costa Ferreira (defen- lização da educação. Da crise da educação à "educação" da crise".
dida em 2005) onde apresenta, numa perspectiva marcada pela - Os inúmeros trabalhos de Licínio Lima, em particular durante
História e Filosofia Política, o contributo da "teoria dos sistemas a década de 1990, que acompanharam com olhar crítico, e numa pers-
políticos" e da "teoria organizacional" para a "análise das formas pectiva assumidamente sacio-política, a evolução da administração
do Estado e da Administração Educacional Primária", entre 1926 e da educação em Portugal e de que é possível obter uma síntese, em
1995, em particular no que se refere à "participação dos professores
na organização da escola e do processo educativo". Os contributos
7 Como já foi referido, es ta reflexão tem como principal objec tivo ca racteri zar a inves ti -
desta investigação, para a compreensão do fenómeno da regulação gação produzida no domínio da "análi se política da ed ucação" em Portuga l. Ela não tem em
(numa perspectiva predominantemente funcionalista), resultam conta, por isso, as publicações d e muitos autores portugueses (oriundos des te ou de outros
campos disciplinares). constituídas por textos d e reflexão, en sa io, análise crítica, revisão da
de uma detalhada descrição da evolução político-administrativa e literatura, etc. sobre temas re lacionados com problemas e tend ências das políticas educat iva s
político-educacional do Estado português no período em estudo em geral , que afecta m Por tuga l e os outros países, como por exemplo: os trabalhos de Antó-
nio Nóvoa sobre a política educativa europeia (ver entre outros, Nóvoa 2001, 2002 e 2005); a
e da tentativa de construção de um modelo de análise baseado na
obra organizada por José Augusto Pacheco (2000) sobre a in tluência do "neo-liberalismo" na
distinção entre "participação decretada", "participação praticada" e educação; as retlexões de Carlos Estêvão (2002) sobre a "globa li zação e mudança educacio-
"participação auto-instituída". nal ", o u de Natércia Afonso (2004) sobre "a globalização, o estado e a escola pública", ou de
Neto-Mendes (2004) sobre a "reg ulação da profissão docente", ou de Antun es (2005) sobre "a
regulação supranacional na governação da ed ucação"; e muita s outras.

22 23
IJAitlt OS
I N'l"ll OIJ ÇÃ

contraponto co m os traba lhos que Almerind o Afonso produ ziu sobre Para term inar, uma breve re ferência a outros trabalhos de
o mesmo tema, na obra organizada por estes dois autores "Reforma da investigação que, não tendo sido produ zidos no contexto de provas
Edu cação Pública. Democratização, Modernização, Neoliberalismo" de doutoramento (como o corpu s anteriormente analisado), nem se
(Lima e Afonso, 2002). enquad rem , por vezes, expressamente no domínio da análise política,
- Os textos de intervenção e de reflexão crítica de João Formosi- apresentam contributos importantes para o seu estudo, a nível global,
nho sobre a administração da educação, muitos deles em colabora- nacional ou local":
ção com Joaquim Machado, e de que se pode encontrar uma síntese, - Os trabalhos produzidos pela equipa portuguesa (constituída
juntamente com textos de outros investigadores do Instituto de Estu- por António Nóvoa, Rui Canário e Natália Alves) que participou no
dos da Criança da Universidade do Minho, numa obra que visa pôr projecto EGSIE (Education, Governance and Social Integration and
em evidência as continuidades e descontinuidades "da mudança de Exclusion), publicados nos Uppsala Reports on Education (Lindblad e
paradigma da acção pública em educação" (Formosinho, Fernandes, Popkewitz, eds. 1999, 2000, 2001a, 2001b, 2001c);
Machado, Ferreira, 2005). -A investigação de Natália Alves, Belmiro Cabrito, Rui Canário e Rui
- Os meus textos sobre a análise das políticas de reforço da auto- Gomes (1996) sobre a "territorialização das políticas educativas", tomando
nomia da escola, onde a problemática da regulação estava presente como objecto de análise a "escola como espaço local" de ensino;
desde o início, nomeadamente no texto publicado em 1998 pela - O projecto de investigação promovido pelo Departamento de
revista Colóquio/Educação e Sociedade da Fundação Calouste Gul- Avaliação e Prospectiva do Ministério da Educação sobre "A evolução
benkian (Barroso, 1998) e no texto publicado no número temático da do sistema educativo e o PRODEP" (entre 1986 e 1996). Este projecto
revista Inovação, organizado por Berta Macedo (Barroso, 1999). Uma deu lugar à realização de 16 estudos de caso efectuados por diversas
síntese das principais ideias por mim desenvolvidas neste domínio equipas de investigadores em diferentes escolas, bem como à publi-
está disponível na obra "Políticas Educativas e Organização Escolar", cação de 10 sínteses temáticas coordenadas por reputados especialis-
em especial os capítulos ''A regulação da educação" e ''A nova gestão tas universitários: administração do sistema educativo e das escolas;
pública e a autonomia das escolas" (Barroso, 2005), bem como na obra desenvolvimento das infra-estruturas; financiamento da educação;
"Escola pública. Regulação, desregulação e privatização" (Barroso, educação pré-escolar; ensino básico; ensino secundário; educação de
org. 2003) que reúne já alguns textos meus e de Natércio Afonso da adultos; formação de professores; processos e estratégias de inovação
fase inicial do projecto Reguleducnetwork (Barroso, 2003a e 2003b; (AA.VV. 1998). Para uma visão de conjunto do projecto consultar Fon-
Afonso, 2003), bem como textos de Clementina Marques Cardoso seca, Freitas, Barroso e Sequeira (1998);
(2003) e Henri Levin (2003), sobre o mesmo tema. - Os trabalhos de João Pinhal e Sofia Viseu (2001), João Pinhal (2004)
- De citar ainda, alguns artigos de síntese e interpretação crítica e Graça Guedes (2002) sobre políticas educativas municipais, bem como,
sobre a evolução da politica educativa portuguesa, que assinalam para uma análise recente da intervenção autárquica na definição e provisão
perspectivas diversas a propósito dos "25 anos" que se seguiram à
revolução de 1974, como por exemplo o artigo de José Alberto Correia 8 Deste levantamento não constam igualmente as dissertações de mestrado que se enqua-
dram no estudo das políticas públicas em educação que, embora seja um campo de investiga-
(1999) sobre "as ideologias educativas" e o de Rui Gomes (1999) sobre ção ainda pouco visível, no contexto destes cursos, se tem vindo a afirmar, particularmente,
"a expansão e crise de escolas de massas". no domínio da formação pós-graduada em Administração Educacional (ver por exemplo,
e para o caso da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa,
Almeida, 2005 e Bem, 2005) .

24 25
IJ i\ lt lt o s() I N Til C I) III( 0

das polflicas cducalivas, o cxcelenle esludo empírico realizado na Região Embo ra a refl exão prod uzida se siLue na co nlinuid adc de muilos
Norle por Jorge Martins, Gracinda Nave e Fernando Leite (2006). dos esludos de polílica edu caliva realizados em Portugal (referencia-
- O relatório da autoria de Rui Santiago, António Magalhães dos na secção anlerior), este projecto de investigação, ao centrar-se
e Teresa Carvalho (2005) relativo ao projecto "O surgimento do sim ultanea mente nos processos de regulação (transnacional, nacional,
managerialismo no Sistema de Ensino Superior Português" onde a i nler média, local), no quadro de uma análise comparada de diferentes
emergência da "nova gestão pública" neste subsistema de ensino que países, e ao adoptar uma perspectiva construtivista para o seu estudo,
ressalta da análise dos discursos dos entrevistados é no quadro da permitiu elucidar aspectos importantes de uma temática pouco desen-
alteração da "reforma" do Estado Providência e das suas modalida- volvida em Portugal.
des de controlo. Para uma melhor compreensão do contexto em que se realizou a
investigação sobre a regulação da educação em Portugal, bem como
das suas características, apresenta-se de seguida, de maneira sumária,
O Projecto Reguleducnetwork a problemática, os objectivos e o dispositivo metodológico do projecto
Reguleducnetwork que influenciaram, naturalmente, o trabalho das
O Projecto "Reguleducnetwork" (em que se baseia a presente obra) diferentes equipas e o modo como se desenvolveu a investigação nos
constitui, por referência ao levantamento dos sobre políticas educati- diferentes paíseS 10

vas, anteriormente efectuado, um caso particular, na medida em que,


pelo referencial teórico, pela sua problemática e pela metodologia PROBLEMÁTICA E OBJECTIVOS
utilizada, se situa, claramente, no domínio da "análise das políticas Nas últimas duas décadas do século vinte, vários países europeus, do
públicas" nos termos referidos no início desta Introdução. continente australiano e da América do Norte (e, progressivamente, de
Esse projecto, intitulado Changes in regulation modes and social outros continentes) conheceram reformas importantes nos modos como
production of inequalities in educational systems: a European compa- é exercida a orientação, a coordenação e o controlo das acções das esco-
rison, e designado pelo acrónimo Reguleducnetwork, decorreu entre las, dos profissionais ou das famílias no interior dos sistemas educativos."
Outubro de 2001 e Outubro de 2004 tendo abrangido cinco países O número e variedade de países abrangidos sugerem que estas mudanças
europeus: Bélgica (só a Comunidade francesa) , França, Hungria, Por- não são meramente circunstanciais, mas traduzem tendências consisten-
tugal e Reino Unido (só a Inglaterra e País de Gales).9 tes (e relativamente convergentes) na transformação do regime de regula-
ção institucional, tal como foi definida no início desta Introdução.
9 O projecto Reguleducne twork foi subsidiado pela Comissão Europeia, no âmbito do pro- A fase de expansão dos sistemas educativos, após a segunda guerra
grama "Improving lhe socio-economic knowledge Base" (Contrato no HPSE-CT-2oot-ooo86) . mundial (décadas de 1950 a 1970), com o desenvolvimento da "escola
A investi gação foi realizada por sete equipas pertencentes às seguintes instituições: EPRU,
Institute of Ed ucation , University of London, coordenada por Stephen Ball; CPPR, King's
College London, coordenada por Ma rtin Thrupp; GIRSEF, Université Catholique de Louvain, 10 Como é evidente, no contexto da presente introdução não faz sentido apresentar uma
coordenada por Christian Maroy - coordenador geral do projecto; CERISIS, Université Ca- síntese, mesmo que sumária, dos re sultados alcançados pelo proj ecto Reguled ucnetwork. Esse
tholique de Louvain, coordenada por Bernard Delvaux; OSC, Centre National de la Recherche é o objectivo do texto escrito pelo coordenador do projecto, Christian Maroy, que constitui o
Scientifique, Paris, coordenada por Agnes van Zanten; IFRESI e Université des Sciences et capítulo 7 da presente publicação. Uma apresentação detalhada dos resultados encontra-se no
Techniques de Lille, coordenada por Lise Démailly; ELTE, Faculdade de Letras de Lorand Relatório final do proj ec to (Maroy, 2004).
Eotvos da Un iversid ade de Budapeste, coordenada por Ivan Bajomi; e Faculdade de Psicologia 11 A apresentação do projecto (problemática, objectivos e di spositivos metodológicos) é
e de Ciências da Educação, coorden ada por João Barroso. baseada em Bajomi e Barroso, 2002 e Maroy, 2004.

26 27
O 11 1\ R R OSO
I N'J' J\ OU Ã
ele massas", foi dominada por um modelo de regulação "burocrático-
omo, a variedade e a complexidade dos processos através dos quais
-profissional", cuja origem remonta à criação dos sistemas educativos
as autorid ades públicas orientam e coordenam as políticas e as acti-
nacionais (século XIX). Este modelo, apesar de importantes variantes
vidades em função da regulação estatal, das forças de mercado e da
nacionais, caracterizava-se por uma combinação entre uma "regulação
procura social; o modo como a regulação pública ao nível central,
de controlo, estatal de tipo burocrático e administrativo" e uma "regu-
intermédio e local interage com outras modalidades de regulação de
lação autónoma, corporativa de tipo profissional e pedagógico" que
"quasi -mercado" presentes, nomeadamente, na regulação externa e
se traduziu numa "regulação conjunta" baseada na concertação (e por
interna das escolas.
vezes, aliança, compromisso e partilha) entre o "Estado educador" e os
professores, individualmente considerados ou representados pelas suas
D ISPOSITIVO M E TODOLÓGICO
associações pedagógicas ou profissionais (Barroso, 1999 e 2005, p.75).
A descrição, análise e comparação dos diferentes modos de regu-
O que está em causa na transformação actual dos modos de regula-
lação foi feita em três níveis (nacional, mesa e micro), com recurso
ção é a perda da legitimidade e da coerência estrutural deste modelo, por
a metodologias quantitativas e qualitativas, tendo sido seleccionados
força de um conjunto de alterações aparentemente avulsas e aparente-
co mo espaços locais pertinentes de estudo seis "territórios" situados
mente contraditórias, mas cuja articulação constitui o cerne do próprio
nas aglomerações urbanas de Budapeste, Charleroi, Lille, Lisboa,
dispositivo de regulação: o reforço da autonomia dos actores e entidades
Londres e Paris.
locais na gestão, coordenação e pilotagem de certas responsabilidades
De acordo com o programa aprovado (ver Maroy, 2004), o pro-
educativas e gestionárias (o que põe em causa os princípios da buroCI·a-
jecto desenvolveu-se em três grandes etapas com a estrutura e compo-
cia estatal); o controlo da autonomia desses actores e dessas entidades
nentes que se apresentam de seguida".
locais através da introdução de novos métodos e instrumentos, como
- Nível macro: análise das tendências globais dos sistemas educa-
por exemplo: reforço dos dispositivos de avaliação, em particular pela
tivos dos diferentes países e dos seus modos de regulação. O objectivo
"obrigação de resultados"; mecanismos de escolha e concorrência das
consistiu em comparar os arranjos institucionais que contribuem para
escolas; controlo das escolas pelos utilizadores através de mecanismos
orientar, coordenar e controlar a acção no interior de cada sistema edu-
de participação e prestação de contas; etc.
cativo, com o fim de pôr em evidência as especificidades nacionais e as
É no contexto desta problemática (aqui brevemente resumida)
tendências convergentes. No plano metodológico, cada equipa nacional
que se definiram como objectivos gerais do projecto de investigação:
elaborou, numa primeira fase, uma revisão da litératura nacional e
comparar o desenvolvimento da regulação das políticas públicas na
internacional sobre a evolução dos modos de regulação institucional,
educação secundária dos países em estudo, e analisar de que modo as
seguindo-se, numa segunda fase , uma comparação dos diferentes rela-
transformações em curso afectam a organização local da escolariza-
tórios nacionais para identificar e interpretar tendências transversais.
ção, incluindo o modo como os actores locais intervêm no processo
Paralelamente foi efectuada, uma análise comparativa, no plano estatís-
de reprodução e produção das desigualdades e da segregação esco-
tico, das desigualdades e hierarquias escolares entre os diferentes países
lares. De acordo com estes objectivos e tendo em conta o referencial
ou regiões estudadas, a partir do inquérito internacional PISA.
teórico de "análise das políticas públicas" definiram-se dois grandes
eixos de análise: o efeito combinatório que resulta da coexistência de 12 Estas diferentes etapas deram origem a 20 relatórios nacionai s, 4 relatórios transversais,
várias instâncias e modos de regulação num mesmo território, bem um relatório com a análise estatística de dados do Pisa e um relatório fin al que podem ser con-
sultados em www.fpce.ul.pt\centros\ceescola ou em www.girsef.ucl.ac.be/europeanproject.htm.

28
29
JO Ã O IJ AR H OSO I NT H O DU Ç O

- Nlvel mesa: análise da concretização efectiva dos novos modos ·tgir co lec livos relalivamente às queslões de equidad e e ig ualdad e de
de regulação nos "lerritórios" seleccionados. O trabalho consistiu em sucesso dos alun os.
analisar, numa perspectiva comparada, a execução e os efeitos opera-
tivos destes modos de regulação ao nível de cada um dos territórios,
nos diferentes países. O estudo incidiu, numa primeira fase, nos espa- Apresentação da obra
ços locais definidos pelas relações de interacção e interdependência
entre as escolas. Numa segunda fase, procedeu-se ao estudo das ins- Como foi referido, em cada uma das fases do projecto foram realizados
tâncias de regulação situadas ao nível intermédio (como por exemplo, relatórios nacionais com a descrição e resultados da investigação pro-
organismos descentralizados ou desconcentrados da administração, duzida pelas equipas de cada país. Posteriormente, procedeu-se a uma
autoridades públicas territoriais ou órgãos de concertação situados análise comparativa dos resultados obtidos bem como a uma síntese
entre o Estado central e as escolas). descritiva e interpretativa das principais convergências e divergências.
No primeiro caso, procedeu-se a uma análise estatística e qua- A presente publicação tem como principal objectivo apresentar
litativa, em cada um dos países, para caracterização de um espaço os resultados da investigação realizada pela equipa portuguesa do
de concorrência e interacção entre escolas próximas: análise da sua Projecto Reguleducnetwork sobre a situação existente em Portugal,
estrutura e do posicionamento das escolas nesse espaço; incidências de acordo com o quadro teórico, os objectivos e os dispositivos meto-
nas lógicas de acção dos dirigentes das escolas e efeitos na diferencia- dológicos comuns às diferentes ~quipas e a que se fizeram referência
ção, hierarquização e segregação entre as diversas escolas estudadas. na secção anterior.
No segundo caso, procedeu-se a uma análise qualitativa de ins- A equipa portuguesa foi coordenada por João Barroso e integrou
tâncias e iniciativas de regulação intermédia que visam, explicita- os seguintes investigadores: Natércio Afonso, João Pinhal, Sofia Viseu,
mente, a regular as escolas e os seus actores, em diferentes domínios Luís Leandro Dinis, Berta Macedo. De sublinhar, o relevante contri-
(oferta escolar, afectação de alunos, funcionamento interno, trabalho buto de Sofia Viseu que participou nos três anos que durou o projecto
pedagógico dos professores, etc.). Esta análise incidiu não só na com- como "bolseira de investigação", sendo co-autora de muitos dos rela-
paração das diversas instâncias (do ponto de vista jurídico, compe- tórios, tendo desempenhado um papel importante na organização da
tências, estruturas e meios de acção), mas também dos seus agentes presente obra, quer na fixação dos textos que compõem os diferentes
(composição profissional, estatuto, lógicas de acção). capítulos quer na tradução dos textos de Christian Maroy e Agnes
van Zanten. De registar ainda, a colaboração pontual em diferentes
- Nível micro: estudos de caso em escolas dos territórios selec- momentos da investigação de Rui Canário, Graça Guedes, Ana Pina e
cionados. Nestes estudos procedeu-se à análise das lógicas internas Ana Nascimento.
de dois tipos de escolas igualmente "atractivas" (e bem posicionadas A organização dos diferentes capítulos segue de perto a estrutura
na hierarquia local) mas com estratégias distintas de integração do projecto a que se fez referência anteriormente. Assim:
de públicos escolares (mais ou menos concorrenciais e selectivas). - No capítulo 1, da autoria de João Barroso e intitulado "O Estado
A análise incidiu sobre os novos modos de regulação e o seu efeito e a educação; regulação transnacional, regulação nacional e microrre-
sobre as dinâmicas internas das escolas, nomeadamente, as práticas gulação local", é apresentado um quadro teórico para o estudo e inter-
e o ethos dos professores, as lógicas dos dirigentes e os modos de pretação da regulação das políticas educativas que tenha em conta o

30 31
I N 'l' llOD lJ
J Ã O IJAil ll OSO

efeito da multiplicidade de espaços, dinâmicas e actores que interferem LUdo cen lrou-se na aná lise dos flu xos escolares entre o 9° e o 10° ano e
nestes processos. Es te quadro teórico foi construído a partir da revisão nos efeilos de hierarq ui zação entre as escolas determinado pelo "jogo"
de literatura efectuada sobre um conjunto diversificado de estudos, em nlre a oferta e procura. A compreensão deste fenómeno teve por base
vários países, e pretende clarificar do ponto de vista conceptual os prin- o estudo das relações de "cooperação" e/ou de "concorrência" que se
cipais níveis e modalidades dos processos de regulação, na educação, es tabelecem entre as escolas para gerirem em seu proveito esses mes-
bem como as suas principais tendências de evolução. mos fluxos, bem como, na identificação e caracterização das lógicas de
- No capítulo 2, da autoria de Natércia Afonso e intitulado '~Di­ acção, externas e internas, destinadas a melhorar a posição relativa de
recção Regional de Educação - um espaço de regulação intermédia", cada escola num mesmo espaço de interdependência.
é analisada a organização e funcionamento de uma direcção regional - No capítulo s. da autoria de João Barroso, Luís Leandro Dinis,
de educação enquanto órgão da administração que intervém num Berta Macedo e Sofia Viseu e intitulado '~ regulação interna das esco-
espaço intermédio de regulação. O texto apresenta as principais con- las: lógicas e actores", é apresentado o resultado de dois estudos de
clusões de um estudo empírico realizado na Direcção Regional de caso realizados em escolas igualmente atractivas, mas com população
Educação de Lisboa e põe em evidência dois aspectos fundamentais: escolar diferenciada (do ponto de vista sociocultural) e que adoptam
a representação que os responsáveis têm das suas funções e as lógicas estratégias distintas no modo como gerem a sua posição no espaço
que presidem à sua intervenção junto das escolas; o mo,do como a local de interdependência. Neste estudo foi dado particular destaque à
direcção regional intervém em domínios específicos da regulação do descrição e caracterização dos processos de liderança e gestão escolar,
sistema educativo, nomeadamente, a avaliação das escolas, a constru- bem como à identificação das lógicas de acção dominantes em cada
ção da oferta educativa e o controlo das escolas. uma das escolas, para aumentarem a sua "atractividade".
- No capítulo 3, da autoria de João Pinhal e intitulado'~ interven- - No capítulo 6, da autoria de Agnes van Zanten (coordenadora
ção do município na regulação local da educação" são apresentados os de uma das equipas franceses que participou no projecto) e intitu-
principais resultados de uma investigação efectuada no município em lado "Interdependências competitivas e lógicas de acção nas escolas:
que se integrava o "território" escolar que foi objecto de estudo. Esta uma comparação europeia", é apresentado uma análise interpretativa
investigação teve por principal objectivo descrever o modo como a e comparativa do fenómeno descrito no capítulo 4 (interdependência
câmara municipal se organiza para exercer as suas funções no domínio entre as escolas como espaço de regulação local), tendo em conta a rea-
educativo e quais as práticas desenvolvidas, segundo o discurso dos lidade descrita nos relatórios dos diferentes países que participaram
principais actores envolvidos, na definição, coordenação e execução das no projecto. Para além da comparação propriamente dita, a autora
políticas educativas a nível local. As áreas em análise dizem respeito apresenta um modelo interpretativo das semelhanças e diferenças
quer ao exercício de competências formalmente atribuídas (nos domí- detectadas. Este modelo baseia-se numa tipologia que prevê a existên-
nios da concepção, planeamento, gestão de recursos e apoio a alunos, cia de quatro "ideais tipo" de escolas quanto ao grau de "coerência" e
a nível local) quer as que decorrem da própria iniciava dos municípios. de "consenso" das suas lógicas de acção: "integradas", "polarizadas",
-No capítulo 4, da autoria de João Barroso e Sofia Viseu e intitulado "anómicas" e "conflituais".
'~interdependência entre as escolas: um espaço de regulação", é descrita
-No capítulo 7, da autoria de Christian Maroy, coordenador geral
a maneira como o aumento da interdependência ente as escolas de um do projecto e intitulado "Convergências e divergências dos modos
mesmo território gera um espaço emergente de regulação local. O es- de regulação numa perspectiva europeia", é apresentada uma breve

32 33
I Ã B A R R OS

sínlese das principai s conclusões e recomendações resultantes da liA RR , ). (1995). Os Liceus. Orga nização pedagógica e administra ção (1836 -1960).
investigação efectuada no conjunto dos países integrantes do projecto Li sboa : Fund ação Ca louste Gulbenkian e Junta Nacional de Investigação
Reguleducnetwork. As conclusões abrangem os diferentes níveis de ientffica.
IIARROSO, ). (1998). Descentralização e autonomia: devolver o sentido cívico e
regulação estudados (macro, meso e micro) e põem em evidência
co munitário à escola pública. ln Colóquio/Educação e Sociedade (Fundação
os principais factores que explicam as convergências e divergências Calouste Gulbenkian), no 4 - Nova Série, Outubro de 1998, pp. 32-58.
detectadas. BARROSO, J. (1999). Regulação e Autonomia da Escola Pública: O Papel do Estado,
dos Professores e dos Pais. Inovação. Vol. 12, no. 3, pp. 9-33.
LISBOA, SETEMBRO DE 2006 13A RROSO, J. (org.) (2003). A escola pública: regulação, desregulação, privatização.
Porto: Edições ASA.
13/\RROSO, J. (2003a). Regulação e desregulação das políticas educativas: tendências
emergentes em estudos de educação comparada. ln Barroso, João, (org.). A escola
Referências bibliográficas pública: regulação, desregulação, privatização. Porto: Edições ASA, pp. 19-48.
13ARROSO, J. (2003b). A "escolha da escola" como processo de regulação: integração
AA.VV. (1997-1998). A Evolução do Sistema Educativo e o PRODEP. Estudos Temáti- ou selecção social. ln Barroso, João (org.). A escola pública: regulação, desregu-
cos. Lisboa: Departamento de Avaliação e Prospectiva do Ministério da Edu- lação, privatização. Porto: Edições ASA, pp. 79-109.
cação, vols. I, II e III. 13/\ RROSO, J. (2005a). Les nouveaux modes de régulation des politiques éducatives
AFONSO, A. J. (1998). Políticas Educativas e avaliação educacional. Braga: Univer- en Europe: de la régulation du systeme à un systeme de régulations. ln Dutercq,
sidade do Minho. Yves (dir.) Les régulations des politiques d'éducation. Rennes: Presses Universi-
AFONSO, N. (1994). A Reforma da Administração Escolar. A Abordagem Política em taires de Rennes, pp. 151-171.
Análise Organizacional. Lisboa: IIE. BARROSO, J. (2oosb). Políticas Educativas e Organiz ação Escolar. Lisboa: Univer-
AFONSO, N. (2003). A regulação da educação na Europa: do Estado Educador ao sidade Aberta.
controlo social da escola pública. ln Barroso, João, (org.). A escola pública: BARROSO, J. (2005c). O Estado, a educação e a regulação das políticas públicas.
regulação, desregulação, privatização. Porto: Edições ASA, pp. 49-78. Educação & Sociedade. Revista de Ciências da Educação. Campinas (Brasil):
AFONSO, N. (2004). A Globalização, o Estado e a Escola Pública. A Administração Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), vol. 26, no. 92, pp. 725-751.
Educacional. Revista do Fórum Português de Administração Educacional, no. 4, BARROSO, J. e BAJOMI, I. (org.) (2002). Systemes éducatifs, modes de régulation et
PP· 32-41. d'évaluation scolaires et politiques de lutte contre les inégalités en Angleterre,
ALMEIDA, A. (2005). Os fluxos escolares dos alunos como analisador dos modos de Belgique, France, Hongrie et au Portugal - Synthese des études de cas nationa-
regulação local do sistema educativo: um estudo de caso. Lisboa: Faculdade de les. Disponível em: http://www.fpce.ul.pt/centros/ceescola (02-04-03).
Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa (Dissertação de BEM, R. (2005). A regulação local da educação, os fluxos escolares e as lógicas de
Mestrado policopiada). acção que os determinam . Lisboa: Faculdade de Psicologia e de Ciências da
ALVES, N., CABRITO, B.; CANÁRIO, R. e GOMES, R. (1996). A escola e o espaço Educação, Universidade de Lisboa (Dissertação de Mestrado policopiada).
local. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional. BETTENCOURT, B. (2004). L'évaluation des établissements d 'enseignement en tant
ANTUNES, F. (2004). Políticas Educativas Nacionais e Globalização: Novas Institui- que mode de régulation . Une étude de cas en enseignement collégial. Montréal:
ções e Processo Educativos. O Subsistema de Escolas Profissionais em Portugal Université de Montréal. Faculté des Études Supérieurs (Tbese de doctorat).
(1987-1998). Braga: Universidade do Minho. CORREIA, J. (1999). As ideologias educativas nos últimos 25 anos. Revista Portu-
ANTUNES, F. (2005). Regulação Supranacional e Governação da Educação: Dimen- guesa de Educação, no. 12, pp. 81-110.
sões Europeias. A Administração Educacional. Revista do Fórum Português de DURAN, P. (1996). L'analyse des politiques publiques en perspective, de la crise du
Administração Educacional, no. 5, pp. 6-19. politique à sa recosntruction. Revue Française de Science Politique, Forum, vol.
AZEVEDO, J. (2ooo). O ensino secundário na Europa. Porto: Edições ASA. 46, no. 1, pp. 108-118.

34 35
IJAilll S I NTil DU Ç

DUTERCQ, Y. (dir.) (2005) . Les régulations eles politiques c/'éc/ucntion. Renn es: Pres- I.II.S ;\ RD (2ooo). Préscntation du dossier Nouvelles régulalions et professions
ses Universil.aires de Rennes . de J'éducati on. 8ducation et Sociétés. Revue Jnterrwtional ele Sociologie de
. DUTERCQ, Y. e van ZANTEN, A. (2001). Présentation du dossier L'évolution des l'l1ducation, n•. 6, pp. 5-19.
modes de régulation de l'action publique en éducation. Éducation et Sociétés. J.I(V IN , H. (2003). Os cheques-ensin o: um quadro global de referência para a sua
Revue International ele Sociologie de l 'Éd~cation, no 8, pp. 5-10. avaliação. ln Barroso, João (org.). A escola pública: regulação, desregulação,
ESTÊVÃO, C. (1998) . Redescobrir a escola privada portuguesa como organização. privatização. Porto: Edições ASA, pp. 111-148.
Braga: Universidade do Minho. LI MA, L. (1992). A Escola como organização e a participação na organização escolar.
ESTÊVÃO, C. (2002) . Globalização, metáforas organizacionais e mudança educacio- Braga: Universidade do Minho/Instituto de Educação.
nal. Dilemas e desafios. Porto: Edições ASA. 1.1 MA , L. e AFONSO, A. (2002). Reformas ela Educação Pública. Democratização,
FERNANDES, A. (1992). A Centralização Burocrática do Ensino Secundário - Evo- Modernização, Neoliberalismo. Porto: Edições Afrontamento.
lução do Sistema Educativo Português durante os Períodos Liberal e Repu- I.INDBLAD, S. e POPKEWITZ, T. (eds.) (1999). Education governance and social
blicar/O (1836 -1926). Braga. Universidade do Minho (Tese de doutoramento integration and exclusion: National cases of educational systems and recent
policopiada). reforms. Uppsala Reports on Education, no 34· Uppsala, Sweden: Department
FERREIRA, F. (2005). O local em educação. Animação, gestão e parceria. Lisboa: of Education, Uppsala University.
Fundação Calouste Gulbenkian. 1,1 N DBLAD, S. e POPKEWITZ, T. (eds.) (2000). Public discourses on education
FERREIRA, H. (2005). A administração da educação primária, entre 1926 e 1995: que governance and social integration and exclusion: Analyses of policy texts in
participação dos professores na organização da escola e do processo educativo. European contexts. Uppsala Reports on Education, no 36. Uppsala, Sweden:
Braga. Universidade do Minho (Tese de doutoramento policopiada). Department of Education, Uppsala University.
FONSECA, J. P.; FREITAS, C.; BARROSO, J. e SEQUEIRA, F. (1998). A Evolução do LI NDBLAD, S. e POPKEWITZ, T. (eds.) (2oo1a) . Listening to education actors on
Sistema Educativo e o PRODEP. Reflexões sobre democratização, qualidade e governance and social integration and exclusion. A report from the EGSIE pro-
modernização. Lisboa: Departamento de Avaliação e Prospectiva do Ministé- ject. Uppsala Reports on Education, no 37· Uppsala, Sweden: Department of
rio da Educação. Education, Uppsala University.
FORMOSINHO, J. (1987). Educating for passivity: a study of portuguese education I.!NDBLAD, S. e POPKEWITZ, T. (eds.) (2o01b). Stastical information and sys-
(1926-1928). London: lnstitute of Education of the University of London (tese tems of reason on education and social inclusion and exclusion in internatio-
de doutoramento policopiada). nal and national contexts. A report from the EGSIE project. Uppsala Reports
FORMOSINHO, J., FERNANDES, A. S., MACHADO, J. e FERREIRA, F. (2005). on Eclucation, no 38. Uppsala, Sweden : Department of Education, Uppsala
Administração da Educação. Lógicas burocráticas e lógicas de mediação. Porto: University.
Edições ASA, pp. 307-319. LJNDBLAD, S. e POPKEWITZ, T. (eds.) (2001c). Education governance and social
GOMES, R. (1999). 25 anos depois: expansão e crise da escola de massas. Educação, integration and exclusion: Studies in the powers of reason and the reasons of p ower.
Sociedade & Culturas, no. 11, pp. 133-164. A report from the EGSIE project. Uppsala Reports on Education, no. 39· Uppsala,
GUEDES, G. (2002). As políticas educativas municipais da Area Metropolitana de Sweden: Department of Education, Uppsala University.
Lisboa: o caso dos projectos sócio educativos. Lisboa: Faculdade de Psicologia MAROY, C. e DUPRIEZ, V. (2ooo). La régulation dans les systemes scolaires. Pro-
e de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa (Dissertação de Mestrado position théorique et analyse du cadre structurel en Belgique francophone.
policopiada) . Revue Française de Pédagogie, no. 130, PP· 73-87.
KRAWCZYK, N. (2005). Políticas de regulação e emrcantilização da educação: MARQUES CARDOSO, C. (2001). Decentralization, school autonomy anel the state
socializaçãopara uma nova cidadania? Educação & Sociedade. Revista de Ciên- in England and Portugal: 1986-1996. (PhD Thesis). London : University of Lon-
cias da Educação. Campinas (Brasil): Centro de Estudos Educação e Sociedade don . London School of Economics and Politicai Science (Policopiado).
(CEDES), vol. 26, no 92, pp. 799-819. MARQUES CARDOSO, C. (2003). Do público ao privado: gestão racional e critérios
LASCOUMES, P. eLE GALES, P. (dir.) (2004). Gouverner parles instruments. Paris: de mercado, em Portugal e Inglaterra. In Barroso, João (org.). A escola pública:
Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques. regulação, desregulação, privatização. Porto: Edições ASA .

37
J ÃO UA Rll OSO I NT R OIJ Ç

MARTINS, J.; NAVE, G. e LEITE, F. (2006). As Autarquias e a Educação. Porto: REYNAUD, ). (1997). Les regles du je u. L'action co/lective et la rég ulation sociale.
Associação Nacional de Professores. Paris: Armand Colin (troisieme édilion).
MULLER, P. (zooo) . L'analyse cognitive des politiques publiques: vers une sociolo- IU3YNAUD, ]. (zooJ). Régulation de contrôle, régulation autonome, régulation
gie politique de l'action publique. Reuvue França is e de Science Politique, vol. 50, conjointe. ln Gilber de Terssac (dir.). La théorie de la régulation soei ale de Jean-
noz, pp. 189-Z07. Disponível em: http://séminaire.mespi.online.fr (oz-04-03). -Daniel Reyn aud. Débats et prolongements. Paris: Éditions La Decouverte.
NETO-MENDES, A. (zoo4). Regulação estatal, auto-regulação e regulação pelo SÁ, V. (zoo4). A participação dos pais na escola pública portuguesa. Uma abordagem
mercado: subsídios para o estudo da profissão docente. ln Costa, J.A.; Neto- sociológica e organizacional. Braga: Universidade do Minho.
-Mendes, A. e Ventura, A. (org.). Políticas e gestão local da educação. Aveiro: SALOMON, L. (ed.). (zooz) . Th e Tools oJGovemment. Aguide to the new governance.
Universidade de Aveiro, pp. 23-33. Oxford: University Press.
NÓVOA, A. (zo01). O Espaço público de educação: imagens, narrativas e dilemas. SANTIAGO, R.; MAGALHÃES, A. e CARVALHO, T. (zoos). O surgimento do
AA.VV. Espaços de Educação. Tempos de Formação. Lisboa: Fundação Calouste managerialismo no sistema de ensino superior português. Matosinhos: CIPES/
Gulbenkian, pp. Z37-z63. Fundação das Universidades Portuguesas.
NÓVOA, A. (zooz). Ways ofThinking about Education in Europe. ln Nóvoa, Antó- SARMENTO, M. (zooo) . Lógicas da acção. Estudo organizacional ,da escola primá-
nio e Lawn, Martin (eds.). Fabricating Europe. The Formation of an Education ria. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional. !
Space. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, pp. 131-151. SEIXAS, A.M. (zoo3). Políticas Educativas e Ensino Superior em Portugal. Coimbra:
N6VOA, A. (zoos). Les états de la politique dans !'espace européen del'édcuation. Quarteto Editora.
ln Lawn, Martin e Nóvoa, António (coord.). L'Europe Reinventée. Regards criti- STOER, S. (1986). Educação e Mudança Social em Portugal. 1970-1980, uma década
ques sur !'espace européen de I' éducation. Paris: L'Harmattan, pp. 197-zz4. de transição. Porto: Edições Afrontamento.
6, J. do (zoo3). O governo de si mesmo. Modernidade pedagógica e encenações dis- TEODORO, A. (zo01a). A construção política da educação. Estado, mudança social e
ciplinares do aluno liceal (último quartel do século XIX-meados do século XX). políticas educativas no Portugal contemporâneo. Porto: Edições Afrontamento.
Lisboa: Educa. VAN HAECHT, A. (1998). Les politiques éducatives, figures exemplaires des politi-
OLIVEIRA, D. (zoos). Regulação das políticas educacionais na América latina e ques publiques? Education et Sociétés, no. 1, pp. z1-46.
suas consequências para os trabalhadores docentes. Educação & Sociedade. van ZANTEN, A. (zoo4). Les politiques d'éducation . Paris: PUF, collection "Que
Revista de Ciências da Educação, vol. z6, no. 9Z. Campinas (Brasil): Centro de sais-je?".
Estudos Educação e Sociedade (CEDES), pp. 753-775·
PACHECO, J. (org.) (zooo). Políticas educativas. O neoliberalismo em educação.
Porto: Porto Editora.
PINHAL, J. (zoo4). Os municípios e a provisão pública de educação. ln Costa, J.A.;
Neto-Mendes, A. e Ventura, A. (org.) . Políticas e gestão local da educação.
Aveiro: Universidade de Aveiro, pp. 4s-6o.
PINHA L, J. e VISEU, S. (zo01). A intervenção dos municípios na gestão do sistema edu-
cativo local: competências associadas ao novo regime de autonomia, administra-
ção e gestão. Disponível em: http://www.fpce.ul.pt/centros/ceescola (oz-04-03).
POLLET, G. (1987). Analyse des politiques publiques et perspectives théoriques.
Faure, Alain; Pollet, Gilles e Warin, Philippe (eds.). La construction du sens
dans les politiques publiques. Paris: Éditions l'Harmattan, pp. Z5-47·
RAMOS, C. (zoo1). Os processos de autonomia e descentralização à luz das teorias de
regulação social. O caso das políticas públicas de educação em Portugal. Lisboa:
Universidade Nova de Lisboa. Faculdade de Ciências e Tecnologia (Tese de
doutoramento policopiada).

39
CAPÍTULO 1
Ü ESTADO E A EDUCAÇÃO
a regulação transnacional,
a regulação nacional e a regulação local

João BARROSO
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade de Lisboa

Introdução
Regulação transnacional
Regulação nacional
Microrregulação local
Metarregulação
Introdução

A evolução do sistema educativo português tem sido marcada, ao longo


das últimas décadas (em particular desde os finais dos anos 6o do
século XX), por uma conjunto diversificado de reformas, muitas vezes
contraditórias, que se sucedem ao ritmo da mudança dos partidos
políticos que estão no governo e, muitas vezes, dos próprios ministros,
independentemente das forças políticas que representam. Essas refor-
mas têm-se focalizado, sobretudo, nos aspectos estruturais do sistema
(configuração curricular, plano de estudos, órgãos de gestão, organis-
mos de formação, etc.), sendo frequentemente justificadas em função
de princípios e objectivos gerais (de natureza política, económica ou
pedagógica) que acentuam o carácter retórico das medidas tomadas.
Em sintonia com esta agenda política, a maioria da investigação e
dos estudos produzidos sobre a história recente do sistema educativo
português têm privilegiado a análise destas reformas, discutindo as
suas orientações e motivações, averiguando do sentido e conteúdo das
suas propostas e avaliando os seus efeitos.
A abordagem que me proponho fazer no presente texto'3 diverge
deste ponto de vista pois privilegia não tanto os conteúdos e efeitos
das mudanças que são aprovadas pelas reformas, mas o seu signi-
ficado no quadro de uma evolução dos processos de coordenação e
administração das políticas e da acção educativas.

13 O presente texto foi elaborado a partir da conferência que realizei no 2° Congresso


Nacional do Fórum Português de Administração Educacional, realizada em Maio de 2003,
e cujas actas foram publicadas em edição electrónica (Afonso e Dinis, org. 2005) . Uma versão
francesa deste texto foi publicada em Dutercq, di r., 2005).

43
) OÃ iji\ llll S O ltS Ti\ 1) I! i\ lt UU i\ Ç O

Na verdade, se nos distanciarmos das conjunturas que têm regido ão" ou "legitimação" para adoptarem ou proporem decisões ao nível
0 processo político reformista e adoptarmos uma perspectiva de mais do funcionamento do sistema educativo.
l~nga <iuração, é fácil apercebermo-nos que, para lá do carácter episó-
diCo e anedótico que marcam as diversas reformas, a questão central ORIG E M
desta evolução está relacionada com o modo como são definidas e Esta "regulação transnacional" tem origem muitas vezes nos
controladas as orientações, normas e acções que asseguram o funcio- países centrais e faz parte do sistema de dependências em que se
namento do sistema educativo e, em particular, o papel que o Estado encontram os países periféricos ou semi-periféricos, nomeadamente
e out:as instâncias ou agentes sociais têm nesse processo. no quadro de diferentes constrangimentos estruturais de natureza
. _ E l1o contexto de um movimento lento e complexo de recompo- política, económica, geo-estratégica, etc., que integram os chamados
slçao do poder do Estado e de redefinição dos papéis de diferentes "efeitos da globalização".
agentes sociais no campo educativo que me proponho analisar as Outras vezes, a "regulação transnacional" resulta da existên-
pri~~iPais mudanças que ocorrem nos processos de regulação das cia de estruturas supra-nacionais (como é o caso, para Portugal, da
politicas públicas de educação em Portugal. Esta análise toma como União Europeia) que mesmo não assumindo formalmente um poder
referênqa a existência de três níveis de regulação diferentes mas de decisão em matéria educativa, controlam e coordenam, através das
co_mpletnentares: a regulação transnacional; a regulação nacional; a regras e dos sistemas de financiamento, a execução das políticas nesse
mtcrorregulação local. domínio (ver a este propósito, Nóvoa 2001, 2002 e 2005).
Nas primeiras três secções deste capítulo irei descrever, de Mas além destas modalidades mais formais que resultam da liga-
maneir<t breve, as principais características de cada um dos níveis de ção existente entre o sistema educativo e os outros sistemas sociais,
regulaçã.o, explicitando o seu significado, caracterizando os seus pro- outras formas mais subtis e informais exercem igualmente um efeito
cessos e pondo em destaque os seus principais efeitos. regulador transnacional. É o que acontece com os inúmeros pro-
N~tna quarta secção, irei discutir os aspectos essenciais do que gramas de cooperação, apoio, investigação e desenvolvimento com
po.del:a .ser o "novo" papel do Estado no quadro da emergência de origem em diferentes organismos internacionais (Banco Mundial,
pnnoplos e práticas de governação dos sistemas públicos de ensino, OCDE, UNESCO, União Europeia, Conselho da Europa, Fundação
com recurso ao conceito de "multirregulação". Soros, etc.) que reúnem especialistas, técnicos, ou funcionários de
diferentes países. Estes programas sugerem (impõem) diagnósticos,
metodologias, técnicas, soluções (muitas vezes de maneira uniforme)
Regulação Transnacional que acabam por constituir uma espécie de "pronto-a-vestir" a que
recorrem os especialistas dos diferentes países sempre que são solicita-
DEFINIÇÃo dos (pelas autoridades ou opinião pública nacionais) a pronunciarem-
Por ''regulação transnacional" eu quero significar o conjunto de -se sobre os mais diversos problemas ou a apresentarem soluções.
normas, discursos e klstrumentos (procedimentos, técnicas, materiais
diversos, etc.) que são produzidos e circulam nos fóruns de decisão e PROCESSOS
consulta internacionais, no domínio da educação, e que são tomados, É neste contexto que se assiste a uma espécie de "contaminação"
pelos políticos, funcionários ou especialistas nacionais, como "obriga- internacional de conceitos, políticas e medidas postas em prática, em

44 45
J OÃO BAilR SO ES TA O

diferentes países, à escala mundial (ver a este propósito Barroso et al., passado e importar, ou tomar como emprés timo, modelos, discursos,
2002 e Barroso, org., 2003). ou práticas de outros sistemas educativos" (p.7o).
Uma explicação para este efeito de "contaminação" pode ser dada
pelo facto de, como diz Walford (2001), funcionários, membros do Como explica Schriewer (2001), neste contexto, as referências às
governo, e educadores terem tendência a adoptarem soluções trans- "situações mundiais" cumprem simultaneamente funções de justificação
portáveis, em uso num determinado país, para aplicarem nos seus (de valores e ideologias), de auto-legitimação (dos estudos educacionais
próprios sistemas educativos: enquanto campo académico) e de imputação (dos fracassos das refor-
mas) e podem ser trazidas a lume para vários argumentos políticos.
"( ... ) olhar para os sistemas educativos de outros países e observar aquilo
que funciona, exerce uma atracção evidente nos decisores políticos em "Consequentemente, e do ponto de vista metodológico, as externaliza-
busca de soluções rápidas que lhes permitam evitar as dificuldades, ou ções com recurso a situações mundiais não são intentadas com vista à
legitimar, através delas, as mudanças que propõem para os seus siste- produção de conhecimento sociológico, a partir de estudos comparados
mas" (Walford, 2001, p. 179). sobre configurações culturais distintas. Tais externalizações implicam
antes uma interpretação avaliativa dos dados, estruturas ou questões
Este processo a que Walford (à semelhança de Halpin e Troyna, internacionais visando a extracção de argumentos que sejam "relevan-
1995) chama de "educational policy borrowing" (empréstimo de políticas tes" para as políticas e práticas educativas" (Schriewer, 2001, p.17).
educativas), é comum a outros períodos históricos e conhece hoje um
incremento maior, como vimos, não só pela internacionalização dos Neste sentido, a importância que as referências à situação inter-
fóruns de consulta e decisão política, mas também pela importância nacional assumem, no quadro das discussões de política interna, não
crescente das agências internacionais (lideradas pelos "países centrais") decorre tanto do valor intrínseco dos acontecimentos invocados
nos programas de cooperação destinadas aos "países da periferia". (reformas, inovações, estruturas), mas mais do seu valor explicativo
O "sucesso" deste "empréstimo de políticas educativas" deve-se, como síntese do que se pretende considerar como mais conveniente
I
segundo alguns autores (Schriewer, 2001; Steiner-Khamsi, 2002), ao para pôr em prática no próprio país.
facto de constituir um processo de "externalização" das políticas
nacionais. De acordo com esta perspectiva (baseada na "teoria dos sis- EF EITOS
temas sociais auto-referenciais" de Luhmann) o recurso sistemático Embora esta "contaminação" e este "empréstimo" sejam, por vezes,
a referências internacionais, às "lições que vêm de fora", tem como meramente retóricos e destinados a legitimar, com o exemplo estran-
principal função suprir, na argumentação política, a insuficiência geiro, soluções internas, outras vezes eles traduzem uma convergência
ou deficiência dos exemplos nacionais (tradições, crenças, formas de real com finalidades políticas mais vastas (Ball, 1998). Um dos exemplos
organização). Como diz a este propósito Steiner-Khamsi (2002): mais flagrantes dessa convergência verifica-se na adopção de medidas
"Em épocas de rápidas mudanças sociais, económicas e políticas, as políticas e administrativas que vão, em geral, no sentido de alterar os
referências internas são insuficientes para justificar a persistência ou modos de regulação dos poderes públicos no sistema escolar (muitas
a introdução de reformas. É precisamente nestes momentos que a vezes com recurso a dispositivos de mercado), ou de substituir esses
externalização oferece a oportunidade de romper radicalmente com o poderes públicos por entidades privadas, em muitos dos domínios que

47
)0 O UA itllOS O O I(> I A I) O 11 A li l l ti C: A<; O

constituíam, até aí, um campo privilegiado da intervenção do Estad o. '' l)csdc 1y8o 1u c se vcrill ca, cm vár ios país es da Uni ão l ~ ur opc ia, um a
Estas medidas tanto podem obedecer (e serem justificadas), de um tendência para devo lver cerlos aspectos da tomad a de decisã o c certos
ponto de vista mais técnico, em função de critérios de modernização, poderes operacionais para níveis mais baixos do que os existentes. Este
desburocratização e combate à "ineficiência" do Estado ("new public facto é descrito normalmente como um processo geral de "descentra-
management"), como serem justificadas por imperativos de natureza li zação". Es te termo é, sem dúvida, demasiado grosseiro para captar
política, de acordo com projectos neo-liberais e ueo-conservadores, o complexo processo das mudanças actuais nas estruturas de poder
com o fim de "libertar a sociedade civil" do controlo do Estado (privati- educativo em diferentes países, mas ele exprime claramente um sinal
zação), ou mesmo de natureza filosófica e cultural (promover a partici- do que pode ser descrito como uma orientação comum no processo
pação comunitária, adaptar ao local) e de natureza pedagógica (centrar de decisão política através da União Europeia. Sublinhando esta ampla
o ensino nos alunos e suas características específicas). re-orientação política existem vários factores que são comuns a uma
Esta convergência é patente, igualmente, na transposição para as grande número de estados, incluindo as restrições financeiras, os efei-
políticas educativas dos chamados efeitos da "globalização" (ver a este tos do aumento do pluralismo social, pressões para uma autonomia
propósito, Burbules e Torres, ed. 2ooo). Ou nas políticas recomenda- regional e o impacto de ideologias políticas neoliberais" (pp. 53-54).
das pela OCDE para os países "ex-comunistas" do Centro e Leste da
Europa (Derouet e Bajomi, org. 2002). Ou, ainda, nos programas do Para estes autores, esta política comum de "descentralização da
Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial que, como afirma administração e do controlo educacionais" manifesta-se através de
Oliveira (2ooo), falando do caso do Brasil, fazem da educação pública diferentes estratégias que podem ocorrer, no todo ou em parte, nos
um instrumento da "gestão do trabalho e da pobreza". O mesmo acon- diversos países europeus: dispersão de poderes pelos vários parceiros
tece com os "programas de ajustamento estrutural" do Banco Mundial, sociais; transferências de competências para as regiões; desconcentra-
destinados a impor a "descentralização como mecanismo de reestru- ção regional; territorialização; autonomia institucional; introdução de
turação do Estado", como é visível na análise que Kamat (2ooo) faz do lógicas de mercado (idem, p.s6)' 4 •
relatório desta organização, intitulado "Beyond the Center: Decentrali- Um outro exemplo ilustrativo desta convergência na alteração
zation the State" (Burki, Perry e Dillinger, 1999). dos modos de regulação é visível nas conclusões obtidas com a análise
comparativa da situação existente em cinco países europeus (Bélgica -
EXEMPLOS comunidade francófona; França; Hungria; Portugal; Reino Unido) que
Vários estudos comparados têm vindo a pôr em evidência a existência integram o projecto Reguleducnetwork ("Changes in regulation modes
de uma convergência na alteração dos modos de regulação dos sistemas and social production of inequalities in education systems: a European
educativos nacionais que traduz, em si mesma, como foi dito, um processo comparison"). Conforme assinala Afonso (2003) estes países apresentam
de "regulação transnacional". Isto significa que grande parte da influência as seguintes tendências comuns: diversidade dos dispositivos e níveis de
externa se centra mais no processo de tomada de decisão política e controlo
14 Um dos exemplos mais significativo s deste tipo de convergência descentralizadora é
da sua execução, do que propriamente na imposição de modelos e soluções
conhecida pela designação d e "gestão centrada na escola" (self-management school ou scho-
comuns para a organização e funcionamento dos sistemas educativos. ol based management) e consiste, essencialmente, no reforço da autonomia institucional das
Green, Wolf e Leney (1999) no estudo que realizaram sobre vários escolas, aliada, em muitos casos ao aumento da pos sibilidade de escolha da escola pelos pais,
à adopção de modalidades de financiamento por aluno e à introdução de mecanismos de con-
sistemas educativos europeus assinalam: corrência entre os estabelecimentos de ensino (ver a este propósito Barroso, 1999 e 2000) .

49
JO ÃO II A RR OSO ll S 'I' A I) I( 11 I( 0 U AÇ

controlo; reforço da regulação mercantil; erosão da situação profissio- ) lU l i\ M


nal dos professores; intensificação da avaliação externa institucional e No aso de Po rtugal (como acontece u em outros países) o sistema
do controlo social sobre a escola; diminuição do aprovisionamento de 1(I blte de edu cação foi construído com base no poder e na autoridade
recursos financeiros; promoção da participação social no governo da d > Estado, tend o evoluído progressivamente para uma aliança entre
escola pública (ver igualmente Barroso et al., 2003). o 1\s lado e os profissionais (professores), com manifesta exclusão dos
Finalmente, e como último exemplo desta tendência para criar uma pais dos alunos e da comunidade em geral (Barroso, 1999 e 2ooo). Esta
espécie de "senso comum" internacional sobre as modalidades de coor- " lliança" entre o Estado e os professores fez-se sob o signo da preser-
denação dos sistemas educativos (que constitui um dos aspectos essen- va fto da unidade, homogeneidade e equidade do serviço público de
ciais do que tenho vindo a designar como "regulação transnacional"), •ducação nacional, mas não conseguiu garantir a qualidade e eficácia
veja-se a citação seguinte retirada das conclusões de um estudo sobre do funcionamento global do sistema e dos seus resultados.
as tendências evolutivas das políticas educativas no Canadá, Estados Segundo Clarke e Newman (1997) a institucionalização do serviço
Unidos, França e Reino Unido (Lessard, Brassard e Lusignan, 2002): público, enquanto conjunto de valores, código de comportamentos
· práticas, bem como a própria estruturação do Estado Providência,
"O Estado não se retira da educação. Ele adopta um novo papel, o do fizeram-se através de um compromisso entre dois modos de coorde-
Estado regulador e avaliador que define as grandes orientações e os nação: a administração burocrática e o profissionalismo. Tomando
alvos a atingir, ao mesmo tempo que monta um sistema de .monito- orno referência a situação inglesa, estes autores assinalam o facto
rização e de avaliação para saber se os resultados desejados foram, ou de "a combinação entre a burocracia e o profissionalismo suportar
não, alcançados. Se, por um lado, ele continua a investir uma parte uma representação ideológica específica da relação entre o Estado e a
considerável do seu orçamento em educação, por outro, ele abandona população, na qual aqueles dois elementos servem de garantes institu-
parcialmente a organização e a gestão quotidiana, funções que trans- cionais da prossecução do bem comum" (p.S).
fere para os níveis intermediários e locais, em parceria e concorrência São estas duas formas de coordenação que permitem que o Estado
com actores privados desejosos de assumirem uma parte significativa Providência se organize em torno do "interesse público" (em nome do
do 'mercado' educativo (p.35)." qual actua a burocracia) e do "bem público" (ao serviço do qual está
o profissionalismo).
Esta forma de regulação da educação que combina "burocracia"
Regulação nacional e "profissionalismo" não se fez sem tensões e ambiguidades, particu-
larmente, no que se refere aos seus objectos primordiais: o controlo da
DEFINIÇÃO escola, a orientação sobre as actividades dos alunos e a coordenação
O conceito de "regulação nacional" aplica-se aqui com o sentido, do trabalho docente.
anteriormente expresso, de "regulação institucional", ou seja, o modo Como decorre da investigação que realizei sobre a evolução da
como as autoridades públicas (neste caso o Estado e a sua administra- organização e gestão escolar (Barroso, 1995), a história da escola,
ção) exercem a coordenação, o controlo e a influência sobre o sistema foi marcada, desde o início, por uma tensão permanente entre uma
educativo, orientando através de normas, injunções e constrangimen- "racionalidade administrativa" e uma "racionalidade pedagógica" que
tos o contexto da acção dos diferentes actores sociais e seus resultados. configuram dois modos distintos de regulação:

so 51
J Ã O UARI\ S
ES TAI) E A liDIJ G A Ç

Uma regulação estatal de tipo burocrático e administrativo, em • 1 r ~ss mais visíveis da cri se do Es tado Providência e es tá na ori-
que a escola é vista como "um serviço do Estado", sujeita a uma rede 1\ •m d polflicas de reestruturação do serviço público cujo principal
complexa de normativos que reforçam a intervenção da administração obJ' Livo co nsiste na alteração dos modos de regulação estatal.
central directa (através do seu corpo de funcionários e inspectores)
ou mediatizada através do director da escola, cuja função essencial é i/, JI I'. J'l' OS
fiscalizar o cumprimento das normas e regulamentos. A dege nerescência deste processo de regulação burocrático-
Uma regulação corporativa de tipo profissional e pedagógico, em profissional e a emergência, por efeito da "regulação transnacional" e
que a escola é vista como "uma organização profissional", com uma d • mutações políticas e sociais internas, de novos modos de regulação
gestão de tipo colegial, gozando de uma relativa autonomia pedagó- ·onstituem uma das principais características da situação actual no
gica e financeira, e onde o director exerce as suas funções mais como domínio da regulação nacional.
um líder pedagógico do que como um administrador-delegado do Por um lado, e numa perspectiva diacrónica, assiste-se a um
poder central. processo de sedimentação normativa que resulta da sobreposição de
Este conflito de racionalidades foi responsável por grande parte novas regras, orientações e reformas (produzidas numa volúpia de
das alterações informais introduzidas no quadro legal e pela inversão, Lransformação permanente que raramente ultrapassa a superfície
em muitos casos, do sentido das reformas, o que se traduziu no apare- do sistema), às práticas e estruturas antigas que, na maior parte dos
cimento de uma "escola invisível" (para utilizar a expressão de Hame- ·asos, acabam por subsistir ainda que "travestidas" de uma pretensa
line, noutro contexto), distinta da que era desenhada no discurso e modernidade.
normativos oficiais (ver para o caso português, Barroso, 1995). Por outro lado, e numa perspectiva sincrónica, a introdução, por
A persistência desta conflitualidade acabou por dar lugar a uma via da "regulação transnacional", de discursos e práticas descentraliza-
política de compromisso que, na gestão da escola, se traduziu na coe- doras (imbuídas a maior parte das vezes de uma lógica de mercado ou
xistência e interface entre a "zona de influência dos administradores" privatização) é mediatizada pela influência do contexto nacional (his-
e a "zona de influência dos professores" (Hanson, 1985) e que, ao nível lóri co, político, económico, etc.). Como afirma Derouet (2002), a este
da decisão política, se traduziu na influência crescente dos .sindicatos propósito: "se as palavras de ordem [descentralização e autonomia das
e associações de professores. •scolas] são as mesmas em toda a parte , os que as põem em prática
Esta aliança ou compromisso entre o Estado e os professores referem-se a justificações diferentes conforme as instituições" (p.w).
reforçou as características da escola como "burocracia profissional" Esta situação tem como principal efeito o hibridismo enquanto
(Mintzberg, 1990) e fez-se normalmente à custa da redução da influên- sobreposição ou mestiçagem de diferentes lógicas, discursos e práticas
cia dos alunos e das suas famílias, nomeadamente, na sua participação na definição e acção políticas, o que reforça o seu carácter ambíguo e
na tomada de decisão (quer nas políticas nacionais, quer no governo ompósito'5 •
das escolas). Esta situação é referida por Popkewitz (2ooo), entre outros
O colapso deste regime burocrático-profissional (não só devido autores, pela expressão "hybridization" (hibridismo) para sublinhar
a factores externos de natureza económica e política), mas também o carácter plural, misto, das reformas educativas, dos seus pressu-
internos (como a perda de confiança na sua neutralidade, imagem de
ineficiência e efeitos perversos da impessoalidade), constitui uma das 15 Esta reflexão sobre o "hibridismo" dos processos de regulação é adaptada de Barroso et
o/., 200 2 e de Barroso, 2003.

52
53
J OÃO IIAilll OS li ST A D O I( A IIO U A <,:ÃO

postos, orientações e procedimentos. Para este autor, "esta ideia de reconhecimento da existência destes dois níveis de hibridi smo
sobreposição ou hibridismo no modo como são concebidas e vistas l •m consequ ências evidentes para os estudos comparados dos proces-
as reformas educativas, obriga a repensar as concepção binárias, llOS de regulação:
emergentes no século XIX, de estado/sociedade (sociedade. civil), · - Em primeiro lugar, o "hibridismo" põe em causa (ou relativiza) o
centralização/descentralização, objectivo/subjectivo, e global/local uso de taxinomias com que, por vezes, se procuram descrever, compa-
que guiaram as análises dos programas liberais e de esquerda de rar e classificar as políticas e modos de regulação entre diversos países.
reforma" (p. 172). Principalmente, quando essas taxinornias são basea~as em modelos
Este hibridismo manifesta-se, fundamentalmente, a dois níveis: I !polares (centralizado I descentralizado; regulação burocrática I
- Nas relações entre países, pondo em causa a ideia de que estamos regulação pelo mercado; público I privado; etc.). Na verdade, em todos
em presença de uma aplicação "passiva", pelos países da periferia, dos os países se verifica a ocorrência de diferentes "modelos" e "práticas" e
"modelos" de regulação concebidos e exportados pelo centro••. Neste nem sempre existe coincidência, entre eles, quanto ao que é público e
sentido, o conceito de hibridismo "permite considerar a inter-relação privado, centralizado e descentralizado, estado e mercado, etc.
entre os processos de globalização e de regionalização como algo de - Em segundo lugar, o "hibridismo" faz com que a caracterização
fluido, múltiplo e historicamente contingente, e não, como o resultado dos processos de regulação, num determinado país, não se possa
de uma relação linear e hierárquica produzida por forças estruturais" fazer a partir de normas isoladas e situações avulsas, reduzindo estes
(Popkewitz, 2000, p. 174). processos a um "jogo de soma nula" entre dois únicos pólos de regu-
- Na utilização no mesmo país, de modos de regulação proceden- lação: o que o estado-público-centralizado perde, o mercado-privado-
tes de "modelos" distintos, em particular no que se refere à oposição -descentralizado ganha, e vice-versa.
"regulação pelo Estado", "regulação pelo mercado". Esta coexistência
de "modelos" é descrita por alguns autores com o recurso à metáfora E xEMPLOS
da "cabeça de Janus" (Maassen e Van Vught, 1998; Amaral e Maga- Vários exemplos podem ser dados deste "hibridismo" que, como
lhães, 2001) para sublinhar o "jogo duplo" exercido, simultaneamente, é evidente, não é um fenómeno exclusivamente português. Um des-
pelas estratégias e práticas de controlo (próprias de uma regulação ses exemplos encontra-se no próprio conceito de "quase-mercado"
burocrática e centralizada), por um lado, e pela promoção da descen- (Le Grand, 1991) que Afonso (2002) considera ser "uma espécie de
tralização e da autonomia institucional (próprias dos processos de ex libris do carácter híbrido inerente às políticas adoptadas na fase
auto-regulação pelo mercado), por outro lado. de expansão neoliberal" (p.86). Outro exemplo, igualmente comum,
reside no facto de, ao mesmo tempo que se assiste ao desenvolvi-
mento de estratégias de "desregulação" da escola pública, verifica-se,
16 Como afirmam Lima e Afonso (2002), referindo-se à situação portuguesa"(... ) a maior
de igual modo, uma maior intervenção do Estado na regulação das
atenção concedida ao plano externo e supranacional não pode ser correlativa de uma menor escolas privadas. De um modo geral, pode dizer-se que coexistem,
atenção às especificidades históricas, políticas e culturais portuguesas (...) Parece, portanto, nos diferentes países (e no mesmo país em diferentes momentos)
necessário apostar numa certa tensão entre aquilo que pode ser reconhecido como comum e
como distinto, como influência, mas não necessariamente como cópia ou reprodução, con- estratégias de regulação, desregulação, privatização, recentralização,
trariando quer a produção singular de imagens puramente reflectidas de modelos exógenos, descentralização, autonomia e controlo, mas os referenciais destas
quer a singularidade sistemática, única e incontaminada, de realidades interpretadas como
próprias ou reconhecidas como endógenas" (pp.n-12) estratégias têm, por vezes, sentidos diferentes (em função dos países,

54 55
O IJ i\ lt lt OSO li S TAD O li i\ 1\DlJ . A Ç

da s ideo logias polílicas, J os interesses co nvocad os) e exe rce m-se cm do ·onfronlo, interacção, negociação ou co mpromi sso de diferentes
domín ios di stintos. nl •rasscs, lógicas, raci onalidades e estratégias em prese nça quer,
Estes aparentes paradoxos (próprios a esta situação de hibridismo) num a perspec tiva vertical entre "administradores" e "administrados",
integram-se no que Roger Dale (1990) chama de "modernização con- ' qu •r numa perspectiva horizontal, entre os diferentes ocupantes dum
servadora" para designar uma política que "promove a liberdade dos 111 ·smo espaço de interdependência (intra e inter organizacional)
indivíduos, com fins económicos, ao mesmo tempo que os controla, ·scolas, territórios educativos, municípios, etc.
com fins [políticos e] sociais".
Tomando como referência o caso português, assistimos à coexistên- ) IU GE M
cia de dois movimentos aparentemente contraditórios, mas que têm uma Os pólos de influência da microrregulação local são diversifica-
função complementar, servindo o primeiro de fonte de legitimação do dos c tanto podem situar-se nos serviços da administração desconcen-
segundo. Por um lado, emergência de um discurso político (apoiado em 1r ada ou descentralizada com intervenção directa ao nível local, como
alguns órgãos de comunicação social e grupos de interesse religiosos ou nas organizações educativas individualmente consideradas, como em
empresariais) que privilegia uma regulação pelo mercado (livre escolha grupos de interesses (políticos, sociais, económicos, religiosos, étnicos,
da escola, profissionalização da gestão, controlo pelos resultados, auto- profissionais e outros), organizados, ou não, em associações formais.
nomia e concorrência entre as escolas, etc.). Por outro lado, manutenção Além destas formas mais institucionais ou colectivas de intervenção é
de práticas centralizadoras e burocráticas por parte da administração, necessário ter em conta, igualmente, a influência exercida pelos acto-
reforço do poder das estruturas desconcentradas do Ministério, limita- res individuais com interferência directa no funcionamento do sis-
ção da autonomia das escolas na gestão de recursos. O caso recente da lcma educativo quer como prestadores quer como utilizadores (pais,
aprovação de legislação recente sobre a autonomia e gestão das escolas a lu nos, professores, funcionários, gestores escolares).
(Decreto-Lei no. 115-A/98) é um claro exemplo deste facto, como é visível A importância que é atribuída a estes diferentes elementos no
nos relatórios da avaliação externa realizada (Barroso, 2001). processo de regulação resulta quer dos contributos de uma perspec-
ti va interaccionista e construtivista nos estudo dos processos sociais
(ve r entre outros Crozier e Friedberg, 1977; Friedberg, 1993), quer da
Microrregulação local evidência do crescente protagonismo dos indivíduos e da chamada
"sociedade civil" na organização social.
DEFINIÇÃO
Se a "regulação nacional" remete para formas institucionalizadas PROCESSOS
de intervenção do Estado e da sua administração na coordenação do A complexidade e imprevisibilidade destes processos de micror-
sistema educativo, a "microrregulação local" remete para um com- rcgulação e a variedade de intervenientes tornam difícil a sua descri-
plexo jogo de estratégias, negociações e acções, de vários actores, pelo ção. Contudo parece evidente que para lá da sua diversidade eles se
qual as normas, injunções e constrangimentos da regulação nacional desenvolvem de acordo com uma estrutura reticular.
são (re)ajustadas localmente, muitas vezes de modo não intencional. A utilização da metáfora da rede serve para marcar a ruptura com
Neste sentido, a microrregulação local pode ser definida como o uma visão estruturalista e burocrática das organizações, pondo em evi-
processo de coordenação da acção dos actores no terreno que resulta dência uma perspectiva interaccionista, baseada na multiplicidade de

57
I Ã O II Allll O S O 0 I( S'l'A 0 U A 1(0lJ C A ÇÃ

conexões possíveis entre elementos que podem desempenhar funções 1 n la na lona! e um sentido colectivo (se o desígnio de um sistema
distintas. O conceito de rede serve assim para identificar (como assina- pllbll o nacional de ensino, deve continuar, como penso, a subsistir)
lam Boltanski e Chiapello, 1999, p. 156) "estruturas debilmente, ou nada, 1 decisões locais e diversificadas, tomadas em função de interesses
hierárquicas, leves e não limitadas por fronteiras traçadas a priori". ' l1u.lividu ais, ou de grupo, igualmente legítimos.
Apesar de existirem desde sempre, as redes, nas organizações burocrá-
ticas, só tinham uma existência informal ou clandestina e eram vistas I ~ XEMPLOS
como perturbadoras da hierarquia. Mas numa concepção conexionista São inúmeros os exemplos desta microrregulação local, ao nível
de organização, as redes constituem a própria organização, com a natu- uos territórios e das organizações. A "descoberta" de que as escolas
reza fluida, flexível e não pré-determinada das suas formas e fronteir(;J.s. s ·mpre foram diferentes (por muito centralizada e hierarquizada que
Neste tipo de organizações, as relações pessoais e a troca de informa- 1 ·nha sido a sua ~dministração), ou de que há territórios educativos
ções e conhecimentos desempenham um papel essencial, mas não são ·om necessidades especiais, são dois exemplos que ilustram o reco-
definidas em função de uma qualquer "racionalidade a priori". Antes nhecimento "oficial" deste tipo de "regulação autónoma".
pelo contrário resultam dos interesses e estratégias dos actores organi- Hoje em dia abundam os sinais que mostram estarmos a assistir a
zacionais. "Num mundo em rede, cada um procura estabelecer os laços um desenvolvimento (espontâneo, voluntário ou consentido) de pro-
que lhe interessam e com as pessoas da sua escolha. As relações, mesmo cessos formais e informais de regulação local. É o caso, por exemplo,
aquelas que não dizem respeito, directamente, ao mundo do trabalho, Ja crescente diferenciação entre as escolas; da existência de inúmeros
mas à esfera familiar, são electivas" (Boltanski e Chiapello, 1999, p. 156). espaços de concorrência, rede ou partenariado entre as escolas ou entre
estas e outras organizações locais; da multiplicação das normas derroga-
EFEITOS
tórias tendo em vista medidas excepcionais para problemas específicos;
A existência de múltiplos espaços de rnicrorregulação local produz na proliferação de programas e projectos especiais, dirigidos a públicos
um efeito "mosaico" no interior do sistema educativo nacional que c escolas com determinadas características; o aparecimento dos "ter-
contribui para acentuar não só a sua diversidade, mas também, como ritórios educativos de intervenção prioritária" enquanto expressão de
muitos autores acentuam (. .. ) a sua desigualdade. Neste sentido pode um princípio de discriminação positiva no fornecimento do serviço
dizer-se que os processos de "regulação autónoma" (Reynaud, 1997) ine- educativo; da manifestação incontrolada de formas de "autonomia clan-
rentes a este modo de coordenação agravam a tensão existente entre os destina" nas organizações e nas pessoas individualmente consideradas
princípios de justiça, de equidade e democracia intrínsecos ao conceito (alunos, pais, professores); na criação de órgãos de participação local
moderno de educação e o imperativo de garantir a diversidade de meios (conselhos municipais de educação, assembleias de escola) no contexto
e processos ajustados à satisfação das necessidades educativas específi- de processos institucionais de descentralização ou autonomia.
cas dos alunos, individualmente considerados, ou enquanto membros
de diferentes grupos de pertença, definidos em função de critérios
sociais, culturais, étnicos, religiosos, linguísticos e outros. Metarregulação
Como se compreende o desafio não está em eliminar ou restringir
esses espaços de regulação autónoma (tarefa aliás de sucesso duvidoso, O modelo de análise utilizado permitiu pôr em evidência a comple-
· como a experiência o tem demonstrado), mas sim, como dar coe- xidade dos processos de regulação das políticas e da acção pública

58 59
JOÃO li A n nos o ü 1\ S'I'i\llP H i\ I! I IJ C A <; O

em educação, desfaze ndo a ideia (subjacente à cri ação e à críti ca do " ( •• •) 11·m o es tado, nem a sociedade civil consliluem um co nlex lo ade-
Estado Educador) que existe um macroactor (o "Ministério da Edu ca- [lllt do para o exe rcício de uma cidada nia activa e democ rática, através
ção" enquanto representante do estado e agente do governo) que tudo d:t q ua l seja a lcançada a justi ça social. A reafirmação dos direitos dos
decide e controla através de um processo racional, linear, hierarqui - ' ldad; os cm educação parece exigir o desenvolvimento de uma nova
zado e de sentido único. ·s ~ ·r a púb li ca, algu res entre o es tado e a sociedade civil mercantilizada,

Pelo contrário (como tentei demonstrar), a regulação do sistema ' 111 qu e novas fo rmas de associação colectiva possam ser desenvolvidas.

educativo resulta, antes, de um complexo sistema de coordenações ) desafi o reside em saber como sair de um processo de decisão atomi-
(e co-coordenações) com diferentes níveis, finalidades, processos zado, pa ra o ass umi r de uma responsabilidade colectiva em educação,
e actores, interagindo entre si, de modo muitas vezes imprevisível, mas sem recriar um sistema de planificação supercentralizado (. . .)".
segundo racionalidades, lógicas, interesses e estratégias distintas.
Segund o o mesmo autor, se se pretende evitar um processo de
CARÁCTER REDUTOR DA DICOTOMIA ESTADO-MERCADO d • ·isão atomi zada que gera a fragmentação e a polarização entre as
De acordo com a caracterização que foi feita, não se pode reduzir t · ~ ·olas c no interior de cada escola (como acontece actualmente em

a análise (e as alternativas) da regulação em educação, a uma simples Inglaterra), é necessário criar novos contextos de acção colectiva no
passagem (ou escolha) entre a regulação pelo Estado e a regulação pelo lnl eri or da própria sociedade civil. "Isto obriga a uma nova concep-
mercado. Do mesmo modo, e ao contrário do que defendem algumas ,., o Jc cidadania que vise criar a unidade sem negar a especificidade"
soluções mais simplistas para os actuais problemas das políticas edu- (W hitty, 2002, p. 20).
cativas (baseados nos princípios da "economia mista") não é possível
combater as "falhas" do estado com o reforço do mercado, nem as " ( :o v ER NANCE" E "METAGOVERNANCE"
"falhas" do mercado com o reforço do estado. Por um lado, 0 problema A tentativa de superar esta dicotomia entre Estado e mercado
não é de "mais" ou "menos" Estado, mas de um "outro" Estado. Por através de novas formas de governo da coisa pública e de coordena-
outro lado, as forças e os interesses em presença no processo de defi- ç, o J a acção social está na origem da difusão, na ciência política, na
nição, coordenação e execução das políticas e acção educativas são ·iê ncia económica e nas ciências sociais em geral, de um novo con-
muito mais amplos e diversificados. ·eito, de origem inglesa (e cuja tradução não está fixada entre nós) de
Como tenho vindo a afirmar em diferentes momentos e contex- "governance". Ainda que etimologicamente tenha origem num termo
tos (Barroso, 1997, 1999, 2ooo) não é possível reduzir o debate sobre que designava a arte de pilotar os barcos e sugira, por isso, "a acção
os modelos de governação da educação a uma opção entre, por um de guiar ou dirigir num ambiente incerto" (Allemand, 2002, p. 109),
lado, uma administração centralizada, planificada e hierarquizada e ele é hoje um conceito que está na moda e, como sempre acontece
por outro, um mercado, descentralizado, concorrencial e autónomo. nestes casos, sujeito a várias interpretações, usos e controvérsias que
Existem outras alternativas na educação pública, entre o "centralismo aumentam a sua polissemia'7•
estatal" e "a livre concorrência do mercado", entre "a fatal burocracia
do sector público" e "o mito da gestão empresarial", entre "o súbdito" 17 Em francês o termo "governance" foi traduzida para "gouvernance" e é muitas vezes
e o "cliente". Whitty (2002, p. 20) afirma a este propósito: conotado (como acontece igualmente nos países anglo-saxónicos) com a introdução de for-
mas empresariais de governo, redução do papel do estado e desregulação ou privatização dos
serviços públicos, defendidos pelo "neoliberalismo". É este, por exemplo, o sentido dado por

6o 61
JO Ã 6A il ll OSO
O H S'I'AI> O H A HOl i C: A <; 0

Por isso, importa definir qual o sentido em qu e utili zo aqui es te Para que este processo de reg ul ação seja poss íve l é imprescindível
termo e qual a sua pertinência para identificar o papel que deve caber (1t1 nd a s g undo jesso p) qu e existam "meta-estruturas de co ordenação
ao Estado nas novas formas de regulação da educação. Para 0 soció- llll l' I'· Or ra ni zacional que assegurem a metagovernance, isto é, a go-
logo inglês Jessop (2003):
w ma n c da governance" (idem, p. 6).
"Governance é definida como uma auto-organização reflexiva de actores Este conce ito de "metagovernance" é essencial para entender o
independentes envolvidos em complexas relações de interdependência pup •I que cabe ao governo (enquanto representante do Estado) na
recíproca. Esta auto-organização é baseada num contínuo diálogo e 1\lll'an li a d as condições necessárias ao exercício deste processo refle-
partilha de recursos com o fim de desenvolver benefícios mútuos na fvo c auto-o rganizado de multirregulação, tanto mais que ele coe-
realização de projectos conjuntos e gerir as contradições e dilemas que Sl • co m as fo rmas tradicionais de coordenação.
ocorrem inevitavelmente neste tipo de situações" (p. 1).
"Me rcados, hierarquias e heterarquias continuam a existir, mas operam
Neste sentido, e como afirma o mesmo autor, a "governance" num contexto de tomada de decisão negociada. Por um lado, a compe-
distingue-se quer da "mão invisível" de um mercado não coordenado, 1ição pelo mercado deverá ser contrabalançada pela cooperação, a mão

baseado na prossecução de interesses individuais, quer do "punho de invisível deverá ser combinada com um visível aperto de mão. Por outro
ferro" (escondido muitas vezes em "luvas de veludo") que caracteriza a lado, o estado já não é a autoridade soberana. Ele torna-se um partici-
coordenação estatal, conduzida de modo imperativo de cima para baixo. pante entre outros num sistema de pilotagem pluralista e contribui com
os seus recursos próprios para o processo negocial. (.. .) O envolvimento
"No domínio da teoria política, muitos autores sugerem que a 'gover- do estado torna-se menos hierarquizado, menos centralizado e com um
nance' constitui um importante meio para superar a divisão entre carácter menos directivo. A troca de informação e a persuasão moral
governantes e governados nos regimes representativos e assegurar a tornam-se fonte de legitimação e a influência do estado depende mais
entrada e comprometimento de um crescente número de 'stakeholders' do seu papel de fonte primeira e mediador da inteligência colectiva, do
na formulação e execução das políticas. Neste sentido, 'governance' tem que do seu controlo sobre os recursos económicos e da sua coacção
também um significado normativo. Indica a reavaliação de diferentes legítima" (Jessop, 2003, p. 7).
modos de coordenação não só em termos da sua eficiência económica
ou da sua eficácia na obtenção de objectivos colectivos, mas também UM ESTADO REGULADOR ... DAS REGULAÇÕES
em termos dos seus valores associados. 'Governance' adquire assim A actual difusão, no domínio educativo, do termo "regulação" está
uma conotação positiva como 'consulta', 'negociação', 'subsidiaridade', associada, em Portugal, ao objectivo de consagrar, simbolicamente,
'reflexão', 'diálogo', etc., em contraste com a anarquia do mercado ou do um outro estatuto à intervenção do Estado na condução das políticas
'punho de ferro' estatal" (Jessop, 2003, p.2).
públicas. Muitas das referências que são feitas ao "novo" papel regu-
lador do Estado servem para demarcar as propostas de "moderniza-
ção" da administração pública das práticas tradicionais de controlo
De~ouet (2003): Fr~nç~]-desdeo início dos anos 1980 que se deixou penetrar pela ideologia
·:[A burocrático pelas normas e regulamentos que foram (e são ainda)
da gouvernance: d1mmulçao da mtervenção do Estado, esbatimento das fronteiras entre
0 apanágio da intervenção estatal. Neste sentido, a "regulação" (mais
ser:iço público e os interesses privados, introdução do mercado na regulação da educação,
etc. (p.23).
flexível na definição dos processos e rígida na avaliação da eficiência e

62
J O Ã O 11 1\ RR OSO
O ll S T i\1) 0 ll i\ HDIJ C A Ç O

eficácia dos resultados) seria o oposto da "regulamentação" (centrada


Se entendermos a "reg ulação do sistema educativo" como um
na definição e controlo a priori dos procedimentos e relativamente
"sistema de regulações" torna-se necessário valorizar, no funciona-
indiferente às questões da qualidade e eficácia dos resultados).
mento desse sistema, o papel fundamental das instâncias (indivíduos,
Contudo, como vimos, embora no quadro do sistema público de
·struturas formais ou informais) de mediação, tradução, passagem
ensino o Estado constitua uma fonte essencial de regulação, ele não é
dos vários fluxos reguladores, uma vez que é aí que se faz a síntese
a única, nem por vezes, a mais decisiva nos resultados finais obtidos. ou se superam os conflitos entre as várias regulações existentes. Estas
Por isso não é adequado falar-se do "Estado regulador" por oposição ao
Instâncias funcionam como uma espécie de "nós da rede" de diferen-
"Estado regulamentador'' como se o que estivesse em causa no actual
les reguladores e a sua intervenção é decisiva para a configuração da
processo de recomposição do poder do Estado fosse unicamente a sua
estrutura e dinâmica do sistema de regulação e seus resultados.
forma e não a sua substância.
Ora é, precisamente, para assegurar este "sistema de regulações"
Ora a questão que se coloca hoje não é saber como o Estado pode que o estado deve assumir a função essencial de "regulador das regu-
exercer melhor o seu poder, mas sim que poder deve exercer (onde, lações", isto é de uma "metarregulação"•s que permite não só equili-
quando, como e com que finalidades).
brar a acção das diversas forças em presença, mas também continuar
Importa por isso, relembrar, em jeito de síntese algumas das con-
a garantir a orientação global e a transformação do próprio sistema.
clusões que é possível extrair da abordagem utilizada sobre os proces-
É através desta função de "coordenação das coordenações" que o
sos de regulação em educação.
Estado pode continuar a assegurar, como lhe compete a "manutenção
A regulação do sistema educativo não é um processo único, auto- da escola num espaço de justificação política" (Derouet, 2003), sem
mático e previsível, mas sim um processo compósito que resulta mais
que isso signifique ser o Estado o detentor único da legitimidade dessa
da regulação das regulações, do que do controlo directo da aplicação justificação.
de uma regra sobre acção dos "regulados".
Esta alteração do papel do estado (de burocrata e garante da
A diversidade de fontes e modos de regulação faz com que a coor- ordem universal a regulador das regulações e compositor da diver-
denação, equilíbrio ou transformação do funcionamento do sistema sidade local e individual) insere-se no que Dubet (2002) chama de
educativo resultem mais da interacção dos vários dispositivos regulado- "declínio do programa institucional".
res do que da aplicação linear de normas, regras e orientações oriundas
do poder político. Por isso, mais do que falar de regulação seria melhor "Com o desenvolvimento das políticas públicas, o programa institu-
falar de "multirregulação" já que as acções que garantem o funciona- cional não pode aparecer como a cristalização duma teologia moral e
mento do sistema educativo são determinadas por um feixe de dispo- política de que o Estado podia ser considerado como o senhor todo-
sitivos reguladores que muitas vezes se anulam entre si, ou pelo menos, -poderoso. Já não se trata de conceber a acção pública como a execução
relativizam a relação causal entre princípios, objectivos, processos e dum programa através de uma burocracia impessoal, mas de mobilizar
resultados. Os ajustamentos e reajustamentos a que estes processos de as redes e grupos de actores públicos e privados encarregados de atin-
regulação dão lugar, não resultam de um qualquer imperativo (político, gir objectivos definidos como resultados mais ou menos mensuráveis.
ideológico, ético) definido a priori, mas sim dos interesses, estratégias e (...) O interesse geral já não surge como uma categoria transcendente,
lógicas de acção de diferentes grupos de actores, através de processos de
confrontação, negociação e recomposição de ,objectivos e poderes. 18 À semelhança do que Jessop afirmava sobre a "metagovernance" e que analisei no ponto
anterior.
) Ã O IJAitll OSO IJ S TAD ll A lll)U . A Ç

mas como uma produção local resultante de uma acção colectiva e v •rsffi aç. o das formas de associação no inlerior dos espaços públicos
dum modo de regulação contínuo. (...) As grandes arbitragens éticas • > nvolvimento de um maior número de actores confere ao sistema
e políticas, não podendo fazer-se no topo através da magia retórica das d · r gulaçào da educaçào uma complexidade crescente. Esta comple-
instituições ou graças à soberania política, são delegadas aos actores de idade exige um papel renovado para a acção do estado, com o fim de
base, que devem, deste ponto de vista, comportar-se como sujeitos polí- ·ompatibilizar o desejável respeito pela diversidade e individualidade
ticos e morais obrigados a deliberar e a produzir arbitragens" (Dubet, J os cidadãos, com a prossecução de fins comuns necessários à sobrevi-
2002, pp. 63-65). v ncia da sociedade- de que a educação é um instrumento essencial.
Essa compatibilizaçào só é possível com o reforço das formas
Esta "desinstitucionalização" da vida social (pela perda de refe- democráticas de participação e decisão o que, nas sociedades contem-
rência a normas universais) leva à multiplicação dos espaços de pro- poràneas, exige cada vez mais uma qualificada e ampla informação,
dução política (enquanto lugares de legitimação, escolha, invenção de a difusão de instâncias locais e intermédias de decisão, uma plena
normas, construção de projectos e tomada de decisão). Por exemplo, incl usão de todos os cidadãos (particularmente dos que até aqui têm
as escolas deixam de ser (ou de parecer ser) lugares de aplicação de um sido sistematicamente excluídos, do interior e do exterior). É para
projecto educativo único construído a partir do centro, para serem assegurar estas condições que a intervenção do estado é imprescindí-
(ou parecerem ser) lugares de construção de projectos educativos mais vel e é esse o sentido da metarregulação de que falava atrás.
ou menos autónomos. Isto significa, entre outras coisas, que é neces-
sário, no caso da administração das escolas, passar de "uma regulação
pelas normas" a uma "regulação pelos resultados" tendo em vista já Referências bibliográficas
não garantir a sua homogeneidade, mas sim a sua equidade (Dubet e
Duru-Bellat, 2000, p. 206). AFONSO, A. (2002) . A(s) autonomia(s) da escola na encruzilhada entre o velho e
A proliferação de espaços de decisão no domínio das políticas o novo espaço público". ln Lima L. e Afonso A.J. (org.). Reformas da Educa-
(com a descentralização e o reforço da autonomia das escolas e com ção Pública. Democratização, Modernização, Neoliberalismo. Porto: Edições
o alargamento à participação da "sociedade civil") pode conduzir à Afrontamento.
AFONSO, N. (2003). A regulação da educação na Europa: do Estado Educador ao
sua atomização e consequente fragmentação e polarização do serviço
controlo social da escola pública. ln Barroso, João (org.). A escola pública: regu-
educativo. Torna-se por isso necessário, como adverte Whitty (2002, lação, desregulação, privatização. Porto: Edições ASA, pp. 49-78.
p. 92), criar novos contextos para determinar mudanças curriculares ALLEMAND, S. (2002). Gouvernance: le pouvoir partagé. ln Ruano-Borbalan, J.-C.
e institucionais que estejam ao serviço da sociedade no seu conjunto. e Choc, B. (coord.). Le pouvoir. Des rapports individueis aux relations interna-
Isto passa, segundo este mesmo autor, por novas formas de associação tionales. Auxerre: Éditions Sciences Humaines.
AMARAL, A. e MAGALHÃES, A. (2001). On markets, autonomy and regulation the
na esfera pública nos quais os direitos dos cidadãos sejam reafirmados
Janus Head revisited. Higher Education Policy, n•. 14 (1), pp. 7-20.
(e defendidos) face às actuais tendências para a constituição de uma ver-
BAJOMI, I. (2002). Points communs et divergences. ln Bajomi, I. e Derouet, J.-L.
são reduzida do estado e para a mercantilização da sociedade civil. (dir.). La grande récréation. La décentralisation de l'éducation dans six pays
autrefois communistes. Paris: INRP.
Por tudo quanto foi dito, podemos concluir que a repolitização da BALL, S. (1998). Big Policies I Small World: An introduction to international perspec-
educação, a multiplicação das instâncias e momentos de decisão, a di- tives in education policy. Compara tive Education, vol. 34, n•.2, pp. 119-130.

66
J OÃO ll ARRO SO l.i S TAD H A ll i)U AÇ Ã

BARROSO,]. (1995) . Os Liceus: organização pedagógica e administração (1836-1960). I) IN IS,L. c A PONSO, N. (eds.). (2005). Actas do 2° Cong resso Nacional do Fó rum
Lisboa: Junta Nacional de Investigação Científica e Fundação Calouste Gul- Portug uês de Administração Educacional. 'Y\ escola entre o Estado e o Mercado:
benkian (2 volumes). o Público e o Privado na Regulação da Educação". Lisboa: Fórum Português de
BARROSO, ]. (1997). Autonomia e Gestão das Escolas. Lisboa: Ministério da Administração Educacional (edição em Cd-rom).
Educação. UBET, F. (2002). Le déc/in de l'institution. Paris : Éditions du Seuil.
BARROSO,]. (1999). Regulação e Autonomia da Escola Pública: O Papel do Estado, DU BET, F. e DURU-BELLAT, M. (2ooo). L'hypocrisie scolaire. Pour un col/ege enfin
dos Professores e dos Pais. Inovação. Vol. 12, no. 3, pp. 9-33. démocratique. Paris: Éditions du Seuil.
BARROSO,]. (2ooo). Autonomie et medes de régulation locale dans !e systeme éduca- I UTE RCQ , Y. (dir.). (2005) Les régulations des politiques d'éducation. Rennes: Pres-
tif. Revue Française de Pédagogie, no. 130, pp. 57-71. ses Universitaires de Rennes, pp. 151-171.
BARROSO, ]. (2001). L'État et la régulation locale de l'éducation. Réflexions sur FRI EDBERG , E. (1993). Le Pouvoir et la Reg/e. Dynamique de I' Action Organisée.
la situation au Portugal. ln Dutercq, Y. (dir.). Comment peut-on administrer Paris: Éditions du Seuil.
/' école? Paris: PUF. REEN, A.; WOLF, A. e LENEY, T. (1999) . Convergence and Divergence in European
BARROSO,]. (org.). (2003). A escola pública: regulação, desregulação, privatização. Education Systems. London: Institute of Education.
Porto: Edições ASA. IIALPIN, D. e TROYNA, B. (1995). The politics of educational policy borrowing.
BARROSO,]. et ai. (2002a) . Analyse de/ 'évolution des modes de régulation institutio- Co mpara tive Education, 31, 3, pp. 301-310.
nna/isée dans /e systeme éducatif du Portugal. Lisboa. Faculdade de Psicologia e 1-IA NSON, M. (1985). Educational Administration and Organization Behaviour.
de Ciências da Educação de Lisboa. Disponível em: http://www.fpce.ul.pt/cen- Newton: Ally and Bacon Inc.
tros/ceescola (02-03-04). JESSOP, B. (2003). Governance and Metagovernance: on reflexivity, requisite variety,
BARROSO, J. et a/. (2002b). Systemes éducatifs, modes de régulation et d' évaluation sco/ai- and requisite irony. published by the Department of Sociology, Lancaster Uni-
res et politiques de lutte contre les inégalités en Angleterre, Belgique, France, Hongrie versity. Disponível em: http://www.comp.lancs.ac.uk/sociology/socw8rj.htm
et au Portugal. Rapport du troisieme volet de la recherche du projet Reguleducne- (o8-o4-2003).
twork. Disponível em: http://www.girsef.ud.ac.be/europeanproject.htm (02-03-04). KAMAT, S. (2ooo). Deconstructing the rhetoric of decentralization: the state in
BOLTANSKI, L. e CHIAPELLO, E. (1999). Le nouvel esprit du capita/isme. Paris: educational reform. Current Issues in Comparative Education, vol2, no. 2. Dis-
Éditions Gallimard. ponível em: http://www.tc.columbia.edu/CICE.
BURBULES, N. e TORRES, C. (ed.). (2ooo). Globalization and education: critica/ LE GRANO, ]. (1991). Quasi-markets and social policy. The Economic Journa/, vol.
perspectives. New York: Routledge. 101, no. 408, pp. 1256-1267-
BURKI, S.; PERRY, G. e DILLINGER, W. (1999). Beyond the Center: Decentralization LESSARD, C.; BRASSARD, A. e LUSIGNAN, ]. (2002). Les tendances des politi-
the State. Latin American and Carribean Studies. Washington D.C.: World Bank. ques éducatives en matiere de structures et de régulation, d'imputabilité et de
Disponível em: http://www.worldbank.org/html!extdr/offrep/lac/pubs (02-03-04). reddition de comptes. Les cas du Canada (Ontario et Colombie-Britannique), de
CLARKE, ]. e NEWMAN,]. (1997). The Managerial State. London: SAGE Publications. la France et du Royaume-Uni. Montréal: LABRIPROF-CRIFPE, Faculté des
CROZIER, M. e FRIEDBERG, E. (1977). L'acteur et /e systeme. Paris: Éditions du Seuil. ·sciences de l'Education, Université de Montréal.
DALE, R. (1990). The Thatcherite project in education: the case of the city techno- MAASSEN, P. e VAN VUGHT, F. (1998). An Intriguing Janus-Head: The two faces
logy colleges. Critica/ Social Policy, vol. 9, no. 3, pp. 4-19. of the new government strategy towards higher education in the Netherlands.
DEROUET, J. (2002). La décentralisation dans les sociétés en transition du Centre European fournal ofEducation, no. 23, 1/2, pp. 65-77.
et de l'Est de I 'Europe: les apports d'un regard éloigné. ln Bajomi, I. e Derouet, MAROY, C. e DUPRIEZ, V. (2ooo). La régulation dans les systemes scolaires. Pro-
].-L. (dir.). La grande récréation. La décentralisation de /'éducation dans six position théorique et analyse du cadre structurel en Belgique francophone.
pays autrefois communistes. Paris: INRP. Revue Française de Pédagogie, no. 130, pp. 73-87.
DEROUET, ]. (2003). L'avenir d'une illusion ou Comment refender le projet du MINTZBERG, H. (1990). Le Management. Voyage au centre des organisations. Paris:
college unique dans une société postmoderne. ln Derouet, ].-L. (dir.). L e co/Iege Les Editions d' Organisation.
unique en question. Paris: PUF. NÓVOA, A. (2001). O Espaço público de educação: imagens, narrativas e dilemas.

68
J OÃO ll Aili\ OSO

ln AA.VV. Espaços de Educação. Tempos de Form ação. Lisboa: Fund ação


Calouste Gulbenkian, pp. 237-263.
N6VOA, A. (2002). Ways of Thinking about Education in Europe. ln Nóvoa A. e
Lawn, M. (eds.). Fabricating Europe. The Formation of an Education Spa ce.
Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, pp. 131-151.
CAPÍTULO 2
NÓVOA, A. (2005). Les états de la politique dans !'espace européen del'éducation.
ln Lawn M. e Nóvoa A. (coord.). L'Europe Reinventée. Regards critiques sur A DIRECÇÃO REGIONAL DE EDUCAÇÃO:
l'espace européen de l'éducation. Paris: L'Harmattan, pp. 197-224. um espaço de regulação intermédia
OLIVEIRA, D. (zooo). Educação básica. Gestão do trabalho e da pobreza. Petrópolis:
Editora Vozes.
POPKEWITZ, T. (zooo). Reforms as the Social Administration ofthe Child: Globa-
lization ofKnowledge and Power. ln Burbules, N. e Torres, C.A. (ed.). Globali-
zation and education: criticai perspectives. New York: Routledge, pp. 157-186. Natércio AFONSO
REYNAUD, J. (1997). Les regles du jeu . L'action collective et la régulation sociale. Faculdade de Psicologia e de Ciências daEducação
Paris: Armand Colin (troisieme édition) . da Universidade de Lisboa
REYNAUD, J. (2003). Régulation de contrôle, régulation autonome, régulation con-
jointe. ln Gilber de Terssac (dir.). La théorie de la régulation social e de Jean-Daniel
Reynaud. Débats etprolongements. Paris: Éditions La Decouverte, pp.103-113.
SCHRIEWER, J. (zoot). Formas de Externalização no Conhecimento Educacional.
Cadernos Prestige 5· Lisboa: Educa.
STEINER-KHAMSI, G. (2002). Reterritorializing Educational Import: Explora-
tions into the Politics ofEducational Borrowing. ln Nóvoa, A. e Lawn, M. (eds.).
Fabricating Europe. The Formation of an Education Space. London: Kluwer
Academic Publishers, pp. 19-31.
WALFORD, G. (2001). Privatization in Industrialized Countries. Levin, Henry (ed.).
Privatizing Education. Can the Marketplace Deliver Choice, Efficiency, Equity,
and Social Cohesion? Colorado, USA: Westview Press.
WHITTY, G. (2002). Making Sense of Education Policy. London: Paul Chapman
Publishing.

Introdução
Modos e instâncias de regulação da educação
A Direcção Regional de Educação: breve contextualização
O discurso dos actores da regulação intermédia
A DREL como instância de regulação intermédia
perante a agenda da política educativa
Conclusão

70
Introdução

Este capítulo tem como objectivo descrever as práticas de regulação


levadas a cabo pelos actores num espaço de regulação intermédia do
sistema educativo'9 • Para tal, foi seleccionada a Direcção Regional de
Educação de Lisboa (DREL), enquanto instituição de nível mesa do
sistema educativo português, sendo aqui conceptualizada como um
espaço de acção situado no plano intermédio da regulação da educa-
ção, onde se concretizam as interacções que veiculam os dois mod.os
de regulação providentes de outras instâncias de regulação (do nível
"macro", da política educativa e da administração central da educação,
e do nível "micro" que corresponde à gestão escolar, da administração
local e da micropolítica organizacional).
Procurámos identificar, neste espaço institucional, as lógicas de
acção e os dispositivos organizacionais de forma a ilustrar a existência
de fenómenos de multirregulação e, enfim, dos fenómenos que revelem
a contaminação crescente da regulação burocrática, através do aumento
e sobreposição de estratégias, decisões e acções dos actores (dirigentes,
quadros, gestores escolares professores ... ). Como sublinha Reynaud, esta
mestiçagem na regulação das políticas públicas exprime o carácter J;Ilais
ou menos imperativo dos modos de intervenção do estado: "as regras
produzidas pelo estado são cada vez menos normas de constrangimento
e cada vez mais formas de relações contratuais" (Reynaud, 1999, p. 265).

19 O presente capítulo foi traduzido e adaptado do artigo "L' émergence d'espaces intermé-
diaires de régulation dans l'administration de l' éducation au Portugal: le cas des directions ré-
gionales d'éducatíon" , publicado pelo autor em Recherches Sociologiques, 2004/2- Sociologie
des régulations de l'enseignement.

73
NATfl ll 10 AI' ONSO A O lltll Ç ltll I NAL 011 HOU AÇ

Feita apresentação geral do estudo, importa apresentar o presente Nas grandes organizações burocráticas, como os sistemas educa-
capítulo. Em primeiro lugar serão apresentados os principais funda- li v s, dispositivo de ajustamento mútuo surge como uma resposta
mentos teóricos que orientaram este trabalho de investigação. Em s limitações da coordenação centralizada, através da multiplicação
segundo lugar, faremos uma breve apresentação da DREL para, em u níveis de tomada de decisão e de mecanismos de descentraliza-
terceiro lugar, analisar os discursos dos actores que nela trabalham · , o e delegação. Quando os processos de ajustamento interactivo
sobre o quotidiano da sua actividade profissional no sentido de com- predominam, as políticas não resultam apenas do exercício da auto-
preender as suas práticas de regulação. Em terceiro lugar, caracteriza- ridade expressa em normas ou legislação, mas "os processos políti-
remos a DREL como instância de regulação intermédia, com recurso s desenvolvem-se no seio de relações complexas e recíprocas entre
a temas que dominam a agenda da política educativa em Portugal. burocratas, políticos, representantes de grupos de interesses e outros
Finalmente, em quarto lugar, apresentamos uma reflexão centrada na a. tores. O resultado poderá ser imprevisível e nem sempre desejado
concepção da DREL como espaço intermédio de multirregulação. pelos actores implicados" (Lindblom e Woodhouse, 1993, p. 68).
Para Reynaud (1997), estes processos constituem-se como uma
modalidade de "regulação autónoma" que resulta dos efeitos parale-
Modos e instâncias de regulação da educação los da produção normativa e centralização das grandes burocracias.
Tomando como exemplo a burocracia que caracteriza a educação
A evolução histórica da gestão pública nas democracias ocidentais nacional em França, Reynaud (1999) chama a atenção para o facto de
produziu estruturas diversificadas de coordenação da acção colectiva grande parte da legislação do Estado não ser entendida como executá-
que a análise organizacional e a teoria política formalizaram em dois vel e que não é efectivamente aplicada pelos actores locais. Lindblom e
modelos antagónicos e complementares. Woodhouse (1993) evidenciam o mesmo fenómeno ao sublinharem a
De um lado, podemos identificar um modelo vertical, iZaracteri- importância do ajustamento mútuo, "face à impossibilidade das polí-
zado pela "regulação voluntária dos comportamentos, através da regra ticas anunciadas [pelos legisladores], sejam assumidas pelos adminis-
e da lei" (Friedberg, 1995, p. 9). Essa regulação é conceptualizada na tradores" (p. 61).
teoria weberiana na expressão de administração burocrática, baseada Lipsky (1980) recorre ao conceito de "street-level bureaucracy"
na impessoalidade e na formalidade. Para Lindblom (1965) este tipo para caracterizar os processos de refracção (reinterpretação, adap-
de regulação baseia-se num dispositivo de "coordenação centralizada" tação, rejeição e aplicação selectiva) dos instrumentos de regulação
que é próprio do processo político burocrático. Já para Reynaud (1997) normativa, expressos nas políticas formais, e o modo como são efec-
o modelo vertical baseia-se numa "regulação de controlo" que se con- tivamente transformados pelos agentes que os aplicam. Esta trans-
cretiza pelo exercício legítimo do poder, assente na autoridade. formação é legitimada pela adaptação dos agentes aos seus próprios
Por outro lado, podemos identificar o modelo horizontal e difuso, contextos de trabalho, às circunstâncias específicas da provisão de
constituído pela regulação baseada em mecanismos de "ajustamento serviços, mas também de acordo com os seus próprios interesses pes-
mútuo [resultante] dos exercícios multilaterais de influência e poder, soais e profissionais.
incluindo a negociação (Lindblom, 1990, p. 240), sendo as forças de Estes processos de interacção complexa entre os dispositivos e
mercado o exemplo mais significativo desse dispositivo pela plurali- lógicas de acção tributárias da regulação burocrática e de ajustamento
dade de actores e interacções que implicam (idem, p. 241). mútuo produzem um sistema de multirregulação, onde os resultados

74 75
N ATÉ R I AI' NS A 0 IR 6 ÇÃ Illl ,J N A L 06 fiOU AÇ

são marcados pela singularidade, imprevisibilidade e contingência. dos docentes e outros funcionários das escolas, enquanto que um
Deste modo, os fundamentos da própria regulação burocrática, cen- outro departamento central assegura directamente a gestão finan-
trados na abstracção da lei e baseados no formalismo do exercício da ira das escolas, através de orçamentos muito atomizados e regras
autoridade, são postos em causa. Nesse sentido, podemos conceber as ntabilísticas imperativas.
políticas actuais como resultado de decisões e acções concretas em res- As DREs são identificadas como "serviços regionais do Ministério
posta a problemas específicos, concebidos e negociados pelos actores da Educação, dotados de autonomia administrativa, que asseguram a
envolvidos em contextos de acção concretos (Crozier e Friedberg, 1977). rientação, coordenação e apoio às escolas de ensino não superior ao
É justamente o processo de (re)construção de políticas que pre- nível regional" (Decreto-Lei n°. 141/93).
tendemos ilustrar no presente estudo sobre as práticas de regulação de Em termos de competências, a lei confere-lhes "no âmbito das
nível intermédio da administração burocrática da educação. circunscrições territoriais respectivas, funções de administração
desconcentrada, relativas as atribuições do ME e às competências dos
seus serviços centrais, assegurando o apoio e informação aos utentes
A Direcção Regional de Educação: do sistema educativo, a orientação e coordenação do funcionamento
breve contextualização das escolas e o apoio às mesma, bem como a articulação com as autar-
quias locais no exercício das competências atribuídas a estas na área
Em Portugal a estrutura formal do Ministério da Educação é fundada do sistema educativo" (Decreto-Lei ri.o 208/02, Artigo 22°).
em diversos departamentos centrais organizados de acordo com Até à data do trabalho empírico, existiam ainda serviços descon-
diferentes áreas de intervenção: departamentos de recursos huma- centrados da própria DREL, numa base sub-regional, os Centros de
nos, de avaliação e prospectiva, de gestão financeira, de promoção Área Educativas (CAE) organizados numa lógica de proximidade com
da investigação e da inovação, de controlo e de inspecção, de tutela as escolas, com funções muito fluidas de "coordenação, orientação e
pedagógica por nível de ensino. Este tipo de organização configura apoio" às escolas. Os CAEs, entretanto extintos, eram dirigidos por
na terminologia de Mintzberg (1979) uma tecnoestrutura. A tutela um coordenador e seu adjunto que exerciam as suas funções de acordo
político-administrativa das escolas e a gestão operacional do sistema com competências delegadas pelo director regional.
educativo é assegurada pelas cinco direcções regionais de educação. O trabalho empírico desenvolvido no presente estudo centrou-se
A evolução estrutural do Ministério da Educação revela a efectiva especialmente em duas instâncias de gestão intermédia da Direcção
concretização de um processo de desconcentração da administração Regional: a Direcção de Serviços de Assuntos Técnico-Pedagógicos,
educacional, visível na crescente separação entre departamentos Acção Social e Desporto Escolar e um dos CAEs.
centrais de concepção e planeamento estratégico e prospectivo, e de- A DREL contava com cerca de 6oo funcionários, entre dirigen-
partamentos regionais de execução e tutela directa sobre as escolas. tes, técnicos superiores e técnicos, pessoal administrativo e auxiliar
Contudo, apesar desta tendência e do crescente protagonismo das e docentes, sendo estas as suas principais categorias profissionais.
DREs na condução quotidiana da política educativa, a administração A investigação incidiu apenas sobre o trabalho dos dirigentes e dos
da educação permanece ·estruturalmente muito centralizada. Assim, técnicos superiores.
por exemplo, a gestão de recursos humanos permanece centralizada Os dirigentes de topo (o director e os seus três directores adjun-
num departamento central responsável pelo ingresso e mobilidade tos), tal como acontece na generalidade dos serviços da administra-

77
NA T ((Il C I O A PO N SO A D lllll ÇÃ llR I NA I. OU HOU AÇ Ã

ção pública central, são livre e directamente nomeados pelo Governo. Para além destes funcionários superiores de nomeação definitiva,
O recrutamento destes dirigentes tem-se efectuado tradicionalmente o Ministério da Educação integra ainda um número muito significativo
entre os professores dos ensinos secundário ou superior ou entre os d professores dos ensinos básico e secundário requisitados anualmente às
quadros superiores do próprio Ministério da Educação ou de outros r spectivas escolas, por escolha discricionária dos dirigentes dos serviços.
ministérios. Em alguns departamentos, nomeadamente nos de criação mais recente
Os dirigentes intermédios (directores de serviços e chefes de orno as DREs, estes professores requisitados constituem mesmo a grande
divisão) são nomeados na sequência de selecção decorrente de con- maioria dos quadros superiores em serviço. O estatuto precário destes qua-
curso público documental e entrevista. Trata-se de um procedimento dros, sujeitos a uma nomeação temporária e discridonária favorece situ-
recente introduzido na década de 90. As primeiras nomeações pro- ações de dependência política e pessoal face aos dirigentes, e gera elevada
cedentes de concursos realizaram-se no final da década, e, em geral, mobilidade associada às mudanças de liderança política no Ministério.
recaíram sobre os candidatos que já exerciam os respectivos cargos por
nomeação livre efectuada anteriormente à entrada em vigor do novo
regime. A maioria destes dirigentes é recrutada entre os professores O discurso dos actores da regulação intermédia
das escolas secundárias ou entre os quadros superiores do Ministério.
As nomeações de todos os dirigentes são efectuadas em regime Neste ponto, analisamos o discurso dos actores da DREL com base na
de comissão de serviço por períodos de três anos renováveis. As análise de conteúdo levada a cabo das suas entrevistas. Num primeiro
mudanças nos titulares dos cargos políticos no Ministério (ministro momento, faremos uma breve descrição dos entrevistados seguindo-se
e secretários de estado) não obrigam à substituição dos dirigentes. No a apresentação das suas representações sobre as funções , o trabalho e
entanto, é habitual que os dirigentes de topo, nomeadamente os direc- a profissão, sobre a função de regulação da DREL e como concebem a
tores, coloquem os respectivos cargos à disposição do novo ministro, DREL enquanto instituição.
o que em geral se traduz numa efectiva substituição da maioria dos
dirigentes. Os ACTORES
Já no que se refere aos técnicos superiores, são carreiras verticais No âmbito da investigação foram entrevistados dois dirigentes
cujo acesso implica um diploma de grau superior (licenciatura), uma de topo e três dirigentes intermédios. Os dois dirigentes de topo eram
nomeação vitalícia após um primeiro ano probatório, e uma progres- quadros superiores seniores do Ministério da Educação, oriundos
são centrada na antiguidade e na existência de vagas nos lugares dis- da carreira docente do ensino secundário. Foram convidados para
poníveis de cada nível da carreira. os respectivos lugares pelo director regional nomeado na sequência
No Ministério da Educação, a maioria destes quadros superiores da mudança de governo ocorrida em 1995, e ambos se demitiram em
são oriundos da carreira docente dos ensinos básico e secundário 2002, na sequência da substituição desse mesmo director, entretanto
e que trabalharam em escolas como professores, durante inais ou ocorrida. Os respectivos percursos profissionais revelam passagens
menos anos, antes de se integrarem na carreira técnica superior. Os por outros serviços do Ministério: ensino básico, educação recorrente,
quadros superiores que não são oriundos da carreiradocente consti- educação pré-escolar, acção social escolar.
tuem uma pequena minoria e concentram-se em áreas específicas de Os três dirigentes intermédios eram professores do ensino secun-
intervenção (juristas, psicólogos, arquitectos, engenheiros). dário e ingressaram ao serviço da DREna sequência das mudanças

79
NAT H R C I O AF O N SO A l) lll i! CÇ lll! I ( N AL 1) 1! 1! 1 lJ C A Ç (

de dirigentes de topo ocorridas em 1995. Os outros dois entrevistados que me revejo muito nas preocupações de quem telefona, de quem vem
asseguravam a direcção (coordenador e coordenador adjunto) de um [considerando qu e] é diftcil alguém que não tenha passado por uma
dos CAEs. escola e que venha para aqui .. .".
Quanto aos quadros superiores, foram efectuadas entrevistas a Uma imagem convergente surge entre os mais jovens, dirigentes
cinco elementos, dois no serviço central da Direcção Regional e três no e quadros, que tendem a considerar o seu trabalho técnico na DREL
CAE. Apenas um, destes cinco elementos, era funcionário superior do como uma oportunidade de aprendizagem, como uma experiência
Ministério da Educação, exercendo a sua actividade na área da orientação diferente de enriquecimento profissional enquanto professores, enten-
escolar e profissional, tendo anteriormente passado pela carreira docente dendo o serviço como um local de passagem no respectivo percurso
numa escola secundária. Os outros quatro elementos, mais jovens que os profissional.
dirigentes e que os funcionários superiores, eram professores do ensino Em suma, é dominante, entre os entrevistados, uma imagem
secundário requisitados, por uma ano, às respectivas escolas. da administração educativa construída a partir das organizações
escolares e da perspectiva dos professores. Não se recolhe evidência
REPRESENTAÇÕES SOBRE AS FUNÇÕES DO TRABALHO E DA PROFISSÃO significativa de uma construção identitária sólida e autónoma entre
A imagem que os entrevistados detêm sobre as suas funções e estes quadros e dirigentes. A docência constitui-se como o referencial
desempenho está associada a quatro dimensões: profissional, buro- dominante na expressão da identidade profissional destes actores.
crática, gestão e relações de trabalho e política.
Dimensão burocrática
Dimensão profissional A segunda dimensão exprime "a captura e a colonização" da
Observámos que predomina entre os entrevistados uma con- burocracia educacional pela cultura dos professores na constituição
cepção do trabalho técnico na administração da educação como um das equipas de trabalho. Com efeito, a fragilidade identitária da
extensão do trabalho de gestão escolar e do próprio trabalho docente organização e dos seus actores é reforçada pela elevada mobilidade
considerado em sentido lato. resultante do predomínio de critérios de confiança política no recru-
São muito frequentes as referências à indispensabilidade da tamento e selecção de dirigentes e quadros. As mudanças na liderança
experiência docente, nomeadamente na gestão escolar de topo ou política do Ministério da Educação dão origem a uma sequência de
intermédia, para um adequado desempenho técnico ao serviço da mudanças em cascata, imediatas ou diferidas consoante os dispositi-
DRE Assim, por exemplo, um dos dirigentes entrevistados é de opi- vos formais a ter em conta, desde o director e seus adjuntos, passando
nião que "para ser técnico, ou para se trabalhar num gabinete, eu acho pelos dirigentes intermédios e acabando nos professores requisitados
que os princípios fundamentais são estes: ser professor em primeiro anualmente às escolas.
lugar, e depois de preferência ter experiência de gestão na escola (. ..) Este processo é identificado pelos actores como a "constituição
ou como conselho directivo e executivo ou então como coordenador de de uma equipa de trabalho", significando que cada dirigente procura
directores de turma". rodear-se de quadros de confiança recrutados no exterior, em outros
A mesma perspectiva é demonstrada pelos quadros quando, por serviços do Ministério, ou, preferencialmente, nas escolas.
exemplo, um dos entrevistados considera relevante a sua anterior Em consequência, este fenómeno configura uma situação de
experiência como membro do conselho directivo de uma escola: "por- burocracia da administração da educação, que não vê reconhecida a

8o
NA T É ll C I AI' O N SO 11 O I R E Ç ll ll I NAL OH 1\ IH I . A Ç O

sua autonomia e a sua identidade, e é capturada por lógicas de acção Dimensão politica
centradas na ocupação política do território da administração pública. As representações dominantes sobre o quotidiano das práticas
Assim um dos dirigentes refere, a propósito da substituição recente entram-se num registo técnico e reactivo perante as solicitações
do director, "eu disse-lhe que saía quando [ele] saísse, disse que ele do exterior, que deixa na sombra a dimensão política e estratégica
poderia naturalmente estar sujeito a pressões para substituir, portanto da intervenção da Direcção Regional na administração da educação,
eu punha o meu lugar à disposição, mas que estava disposta a ficar nomeadamente no que diz respeito ao relacionamento com as escolas.
enquanto ele ficasse". O discurso mais frequente sublinha duas vertentes principais, quer
A captura concretiza-se por sucessivas ondas de professores numa lógica de prestação de serviços ao público e às escolas (acon-
requisitados que passam transitoriamente pelo serviço, colonizando-o selhamento na decisão, esclarecimentos de dúvidas sobre legislação,
com as suas práticas, a sua visão da educação e das escolas, em suma, encaminhamento de assuntos pendentes) quer numa lógica de tutela
impondo a sua cultura profissional. administrativa pouco relevante (encaminhamento de expediente para
decisão de outras entidades, autorizações formais sem conteúdo real).
Dimensão de gestão e relações de trabalho Contudo, surgem também referências que apontam para a tomada
A informalidade das relações de trabalho é sublinhada por diri- de consciência da dimensão política do exercício de cargos e funções
gentes e técnicos através de referências convergentes à "gestão de aparentemente descritos com meramente técnicos e executivos.
porta aberta", significando o acesso imediato e informal aos gabinetes A propósito das interacções com os responsáveis pela gestão das
dos dirigentes, à opção pelo despacho presencial do expediente como escolas, um entrevistado refere que um bom dirigente é aquele "que
indicador de maior proximidade e confiança entre os diversos níveis é capaz de estabelecer uma relação próxima e é capaz de distanciar-se
de decisão, à valorização do contacto directo, pessoal ou telefónico, quando tem que transmitir directivas e não pode dar margem de folga" .
entre dirigentes e quadros para o estudo e resolução de problemas Sublinhando a dificuldade da assunção de uma postura exclusiva-
concretos, e à importância atribuída à própria presença assídua dos mente técnica, o mesmo entrevistado refere que "nós aqui damos a
dirigentes nos locais de trabalho dos quadros. Todas estas acções cara! por uma política educativa que podemos não defender; podemos
surgem como sinais de colegialidade e abandono do distanciamento pensar 'eu sou uma técnica, estou aqui numa função técnica' (...) mas
hierárquico típico das burocracias clássicas. por vezes isso é um bocado difícil".
A valorização do trabalho de equipa é sublinhada pela divisão de Reconhece também que a sua entrada na DREL e a aceitação
trabalho entre dirigentes, de acordo com os respectivos perfis profis- . de funções dirigentes se relacionou com a sua adesão às orientações
sionais, e entre os quadros em função das necessidades de serviço, de da política educativa da altura, referindo-se à reforma curricular no
que são exemplo as frequentes referências à organização de escalas ensino secundário e à reorganização da rede escolar.
para o atendimento telefónico considerado como uma das tarefas
mais pesadas e exigentes. São também frequentes as referências à rea- 0 DISCURSO SOBRE A FUNÇÃO DE REGULAÇÃO DA DREL
lização de reuniões de trabalho periódicas com o objectivo de trocar Este discurso comporta quatro temas: a introdução de lógicas de
informação e aferir modos de relacionamento com o exterior, nomea- modernização dos serviços da DREL; a preferência por uma activi-
damente com as escolas. dade de ajuda numa lógica de aconselhamento e de proximidade com
as escolas; os constrangimentos de uma lógica burocrática dominante

82
NATf.R I AFONS O A 0 I RH Ç ll I N 1\ I, 0 ll H 0 U A

na organização; e, por último, as campanhas de intervenção organiza- ·ipa Lpreocupação dos gabinetes (. ..), digamos que durante um dia os
das para atender a objectivos políticos prioritários do Ministério. t, Lejones estão sistematicamente a trabalhar, se fi zermos uma média de
10 minutos por conversa, em sete horas de trabalho ... ".
A "modernização" e o "diálogo" A pressão para assegurar o atendimento telefóni<:o constituía
O discurso da "modernização" e do "diálogo" surge nos entre- um elemento estruturante da organização do trabalho nos diversos
vistados num registo optimista, marcado por ganhos de eficácia, sectores e equipas de técnicos, a ponto de se formalizarem rotinas
de acrescida capacidade de resposta face às solicitações das escolas. entradas em escalas rotativas para o desempenho de tal tarefa con-
A modernização e racionalização dos procedimentos administrativos siderada particularmente exigente e sensível: "nós no nosso gabinete
e a informatização, assim como uma maior proximidade e mais diá- somos três elementos, e para que o outro consiga responder por escrito
logo com as escolas são apontados como estratégias que terão pro- nesse dia às questões que tem, e temos uma certa divisão de pelouros,
duzido um desempenho mais satisfatório em relação às expectativas jazemos uma escala; de manhã está a pessoa' X e a pessoa Y a atender
existentes nas escolas. o telefone, portanto a outra finge que não está a ouvir as campainhas e
tenta escrever. .. ".
A "ajuda às escolas" para resolver problemas e gerir conflitos A preocupação de dirigentes e técnicos com o atendimento tele-
O discurso de todos os entrevistados sobre as suas práticas do fónico (e também por fax e correio electrónico) revela a importância
quotidiano profissional é marcado por referências recorrentes e enfá- atribuída ao tratamento casuística e personalizado da interacção com
ticas à ajuda e apoio às escolas como um eixo estruturante da missão o exterior, nomeadamente com os gestores escolares e professores,
da DREL. A caracterização do relacionamento com as escolas numa num registo discursivo que procura distanciar-se dos procedimentos
lógica de aconselhamento e apoio não surge apenas num registo des- formalizados e impessoais tradicionais nas burocracias da adminis-
critivo da actividade desenvolvida. Aparece também num discurso tração pública.
político e normativo enquadrado na retórica da promoção da autono- Para além do atendimento telefónico, este tipo de intervenção
mia das escolas: "nós não estávamos ao serviço do senhor ministro (. .. ), casuístiça e reactiva concretizava-se também através de visitas às
claro que estávamos porque foi ele que nos pôs lá (. ..), mas sobretudo escolas ou entrevistas com gestores, professores, pais e autarcas,
estávamos numa perspectiva de ajudar a construir (.. .) aquela ideia a pedido destes, numa lógica de procura de soluções para problemas
extraordinária da autonomia das escolas". específicos. Estas intervenções caracterizavam-se pela urgência e pelo
Uma grande parte da actividade diária de dirigentes e técnicos imperativo de minimizar efeitos negativos na prestação do serviço,
parece concentrar-se na resposta a solicitações concretas e avulsas sendo habitualmente designadas por "apagar incêndios" na gíria dos
oriundas das escolas, nomeadamente dos seus órgãos de gestão de dirigentes e técnicos. Exemplos destas actividades foram as interven-
topo e intermédia (conselhos executivos, directores de departamentos, ções referidas a propósito da necessidade de assegurar a continuidade
coordenadores de directores de turma). dos órgãos de gestão das escolas em situações de ruptura ou conflito
O carácter informal e reactivo destas interacções com as escolas é interno, ou as intervenções destinadas a gerir conflitos locais entre
bem sublinhado pelas referências abundantes ao peso do atendimento pais e professores, implicando por vezes o encerramento temporário
telefónico no conjunto das tarefas quotidianas. Conforme refere um de escolas e o consequente impacto na comunicação social.
dirigente, "os telefonemas, aquilo que os técnicos dizem é que é a prin-

ss
NAT É R C I O AP O N S A 0 lll H " llll I N AL l) ll H l li ' A Ç

"Burocracia avassaladora" Prioridades da intervenção politica


A preferência pela informalidade e pelo tratamento casuística e A retórica da ajuda e do acompanhamento à gestão escolar e aos
personalizado dos problemas tem como contraponto uma lamentação professores traduz um entendimento das práticas de regulação numa
generalizada e recorrente contra o peso excessivo dos procedimentos lógica de acção casuística e reactiva que tende a deixar na penumbra a
administrativos, formalizados em rotinas diárias enfadonhas e em efectiva intervenção pró-activa da DREL e dos seus dirigentes e técni-
"resmas de papel" que diariamente era preciso ler e encaminhar, não cos, ao serviço de finalidades e prioridades políticas governamentais
deixando "tempo para pensar". claramente definidas. Com efeito, no relacionamento com as escolas,
Na realidade, muitos destes procedimento~ rotinizados concreti- o discurso sobre o apoio, o esclarecimento de dúvidas, a resolução de
zam dispositivos de regulação burocrática centrados na verificação da problemas e de conflitos reporta-se não apenas às questões da gestão
conformidade normativa de actos avulsos de gestão escolar corrente, escolar corrente, mas sobretudo às dificuldades supervenientes da
como por exemplo, a utilização do crédito global de horas lectivas aplicação de medidas concretas de política educativa habitualmente
atribuído às escolas ou a realização de visitas de estudo fora do país. designadas de "reformas" e que veiculam as prioridades políticas das
Noutros casos, a acumulação de processos para decisão adminis- equipas governamentais que se sucedem no Ministério da Educação.
trativa formal, sem conteúdo relevante, decorre da concentração na Na lógica da organização do trabalho da DREL, a concretização
DREL de actos de gestão de recursos humanos das escolas. destas prioridades políticas assume a forma de campanhas de inter-
Outras referências críticas centram-se no elevado volume de tarefas venção que se sucedem cronologicamente, mobilizando parte impor-
de tratamento de informação escrita formalizada em processos admi- tante dos recursos humanos e da logística disponível. Em geral, um
nistrativos. Trata-se, em geral, da análise de situações ou problemas, traço dominante destas "reformas" é a expectativa de um acolhimento
que são objecto de informações e pareceres técnicos preparatórios de relutante ou pouco entusiástico por parte dos gestores escolares e dos
decisão superior na própria DREL ou na direcção política do Ministério professores, pelo que o apoio e acompanhamento se enquadram habi-
da Educação. Em geral, este trabalho não é visto como gratificante para tualmente em estratégias de marketing político (mais ou menos dia-
o dirigente ou técnico e a respectiva substância não é considerada rele- logantes ou autoritárias, consoante o estilo governativo do momento
vante, tendo em consideração que a lógica de acção dominante privile- e o clima político dominante), destinadas a conseguir que nas escolas
gia a relação informal de ajuda com os actores "no terreno" por parte de se concretizem os aç,tos de gestão necessários à efectiva aplicação das
uma administração "com rosto", e que "dá a cara" perante as escolas. referidas "reformas".
Na gestão do quotidiano laboral dos técnicos e dirigentes, é difícil O discurso dos actores permite identificar a sequência destes proces-
a compatibilização entre a pressão desta "burocracia avassaladora" e sos de mobilização de meios a partir do ano lectivo de 1996!1997. Assim,
a preferência por abordagens ao trabalho centradas na informalidade a primeira campanha refere-se a um plano de expansão da oferta de
e no contacto pessoal e directo. Em geral, a solução encontrada passa educação pré-escolar, implicando novos dispositivos de financiamento,
pela consagração da maior parte da jornada de trabalho às tarefas a definição e ampla divulgação de orientações curriculares específicas
"nobres" da "ajuda e apoio" (reuniões, entrevistas, visitas às escolas, para o sector e a negociação de protocolos de cooperação com entidades
atendimentos de telefonemas) remetendo-se a "papelada" para início locais públicas e privadas. A segunda grande campanha de interven-
ou o fim do dia (antes das 9 horas ou depois das 18 horas) ou mesmo ção surge a partir de 1998, associada à publicação de um novo enqua-
para trabalho em casa à noite. dramento legal para o regime de administração das escolas básicas e

86
N A T (; R I A I' N SO A D I ll B Ç R H I 0 N A L I) R 1\ I) l i • A Ç O

secundárias públicas, através do qual se anunciava o desenvolvimento l~m lermos orga ni zacio nais, as primeiras são asseguradas pelo
da "autonomia" das escolas face à administração da educação nacional. lisp slllvo estrutural que cobre os diversos sectores de intervenção
A mobilização seguinte, a partir de 1999, centrou-se numa iniciativa de du ação pré-escolar, ensino básico, instalações e equipamento, acção
"reforma" curricular no ensino básico, e o seu objectivo principal con- s ) iai escolar, etc.), enquanto para as segundas podem ser organizadas
sistia numa tentativa de flexibilização do currículo nacional. Seguiu-se •q ui pas de intervenção que desenvolvem a sua actividade numa lógica
nova "reforma" curricular, desta vez no ensino secundário, apresentada I · projecto, com o objectivo de assegurar a concretização formal das
com a finalidade de reforçar a componente profissionalizante deste r ' •ridas "reformas" num prazo determinado, em função da agenda
nível de ensino. Finalmente, durante o ano em que decorreu o trabalho polflica definida ao nível governamental.
de campo deste estudo, e que coincidiu com a entrada em funções do Neste contexto organizacional, os CAEs eram entendidos como
novo governo saído das eleições da Primavera de 2002, a promoção de ·xt nsões sub-regionais sem qualquer autonomia, justificados numa
agrupamentos verticais de escolas, em esboço desde 1998 foi transfor- ló ica de acrescida proximidade em relação às escolas, de modo a
mada em objectivo político prioritário, numa lógica de modernização OJ Umi zar a acção executiva da Direcção Regional, no acompanha-
e de racionalização da administração da educação a que não é alheia a rl l 'nto da gestão escolar corrente e na aplicação das reformas.
conjuntura de aperto orçamental nas finanças públicas. Esta estratégia de articulação no interior do Ministério da Edu-
.. , ão envolve também as outras DREs, para aferição e uniformização
A REPRESENTAÇÃO DA DREL COMO INSTITUIÇÃO d ritérios e normas de intervenção, através de reuniões periódicas
No que se refere à imagem institucional que os entrevistados •nLJ·c os respectivos dirigentes (Conselho Restrito dos Directores
detêm da DREL, importa atender a dois níveis de acção: a adminis- lt • ionais), e a Inspecção Geral da Educação para onde . são envia-
tração da educação no seio do sistema educativo é a relação com as das as situações "difíceis" susceptíveis de acção disciplinar, e donde
escolas e o "público". remetida informação sobre situações irregulares detectadas pelos
A imagem da DREL é abundantemente veiculada pelos entre- Inspectores nas escolas.
vistados remete para um serviço de natureza eminentemente execu- Estas interacções com os outros serviços da administração da
tiva, com a função de assegurar a administração corrente do sistema ·ducação não estão isentas de dificuldades e problemas. Na relação
educativo, riuma lógica de complementaridade em relação a outros ·om os departamentos centrais "de concepção" referem-se questões de
serviços da administração educacional. Assim, caberia aos departa- d •flnição de fronteiras (nas situações concretas é muitas vezes difícil a
mentos centrais do Ministério da Educação o estudo e a concepção "destrinça entre aquilo que é a competência dos serviços centrais e aquilo
das medidas concretas de política educativa, de acordo com as orien- que deve ser a competências das direcções regionais"), e dificuldade
tações governamentais, enquanto que à DREL competiria a garantia na circulação da informação: tendência para aqueles departamentos
da efectiva concretização dessas políticas nas escolas do respectivo "I )norarem" a DREL na formulação de medidas e na sua divulgação
território. Neste conceito de medidas de política educativa tanto se Junto das escolas, com prejuízo da respectiva adequação às condições
incluem as decisões de administração corrente destinadas a garantir ·oncretas do terreno, e da capacidade da DREL na sua concretização.
as rotinas da prestação do serviço educativo, como as decisões que No que respeita aos serviços de inspecção, a principal dificuldade
configuram "reformas", ou seja, mudanças mais ou menos significati- Identificada decorre de leituras divergentes na interpretação de legis-
vas em aspectos específicos da organização do sistema. lação e de normativos, implicando a formulação de juízos de avaliação

88
NAT i'! RC I AI' N SO A O I R ll ÇÃ RG I NA L O ll llOU C A Ç

diferentes sobre as situações detectadas nas escolas. Destas discrepân- entrada na veiculação de informação oriunda dos departamentos
cias resultam margens acrescidas de ambiguidade na relação entre centrais ou da própria direcção política do Ministério da Educação,
as escolas e a Direcção Regional, "porque uma escola que recebe um e na pressão para o cumprimento da legislação e dos normativos. Este
inspector que diz o contrário daquilo que ouviu da direcção regional, tipo de intervenção é apresentado como uma inevitabilidade, como
aproveita a resposta que lhe interessa mais". uma função difícil e incómoda a que não se pode fugir: "é um papel
Ao nível das relações da DREL com as escolas e o público a ima- ingrato que é o papel de Jazermos cumprir a legislação como máximo
gem institucional insistentemente veiculada é a de um serviço voca- rigor". Todavia, a preocupação central é da assegurar a imagem de
cionado para o apoio às escolas, numa lógica de proximidade, o que uma relação amigável com os professores e as escolas, definindo clara-
supostamente garante o conhecimento concreto das situações e uma mente um limite que atribui a fiscalização e o controlo aos serviços de
maior facilidade na resolução dos problemas com base no relaciona- inspecção: "nós quando vamos às escolas, não vamos lá com o objectivo
mento pessoal com gestores e professores. O que sistematicamente de inspeccionar seja o que for (. .. ), as escolas vêm em nós um amigo,
se valoriza é a "responsiveness", ou seja, a garantia de um dispositivo aquele que vem cá para nos ajudar a construir (. . .) é sempre um papel
reactivo capaz de responder às solicitações, dúvidas e dificuldades de orientação, de aconselhamento".
expressas pelos actores escolas: "uma das nossas principais funções é A ambiguidade resultante da coexistência entre o "papel ingrato"
acudirmos de certa forma àquilo que as escolas necessitam". de impor a obediência à lei e aos normativos, e o papel do "amigo"
Tal ajuda concretiza-se em todos os planos da gestão escolar, que orienta e dá conselhos tende a ser resolvida através do recurso
como o esclarecimento de dúvidas sobre interpretações da legislação ao diálogo e à "negociação" concretizada geralmente no decurso de
ou de outros normativos, a gestão .de conflitos internos (entre mem- visitas às escolas, reuniões ou entrevistas. O objectivo desta estratégia
bros das equipas de gestão, entre professores, entre professores e pais), negociadora consiste em vencer a resistência dos gestores escolares
a realização de pequenas reparações, a orientação nos contactos com em relação a questões específicas (rede escolar, número de alunos por
empresas (fornecimento de gás, serviço de refeições, etc.). Transparece turma, constituição de agrupamentos), persuadindo-os a acatarem as
deste discurso de apoio às escolas uma imagem da direcção das esco- orientações superiores, no pressuposto implícito de que a alternativa
las sem autonomia nem visão estratégica, com défices de liderança e (supostamente não desejada por ninguém) será o encaminhamento
de competências técnicas de natureza gestionária. da questão para os serviços inspectivos.
A mesma perspectiva reactiva, em termos de dar resposta, surge
no relacionamento com o público em geral, alunos e pais que procu-
ram informação e orientação sobre opções de cursos ou de escolas, A DREL como instância de regulação intermédia
ou sobre o modo de agir perante problemas ou situações de conflito. perante a agenda da política educativa
Não se detectam, portanto, sinais de uma visão mais abrangente e
estratégica em termos da gestão do serviço educativo no plano regio- A função reguladora da DREL é claramente documentada no discurso
nal. Estamos assim perante a imagem de um serviço com uma missão dos actores sobre temas que dominam a agenda da política educativa
definida de modo redutor em termos meramente operacionais. em Portugal, nomeadamente a avaliação das escolas e os "rankings",
Contudo, por detrás da insistência na retórica da intervenção a carta escolar e a livre escolha da escola, e a descentralização da
de apoio, surgem referências a uma intervenção mais pró-activa, administração e autonomia das escolas.

90 91
Ni\T B J\ C I O AI' NSO

A AVALIAÇÃO DAS ESCOLAS E OS RANKINGS no mérito escolar anterior merecem censura generalizada, embora se
De um modo geral, a imagem que se recolheu sobre a avaliação reconheça a dificuldade em combater tais práticas geralmente con-
externa das escolas através da elaboração e publicação de rankings é duzidas de forma clandestina e a coberto de critérios aparentemente
a de uma certa ambivalência. Por um lado, salientou-se que se trata legais. A gestão da rede escolar é efectuada em reuniões sectoriais que
de um bom princípio que favorece a transparência do serviço público envolvem grupos de escolas que partilham a mesma área, e onde se
e corresponde à satisfação do direito à informação por parte dos alu- acerta a operacionalização dos critérios de distribuição de alunos com
nos e das famílias, constituindo ainda um ponto de referência para base nas áreas de residência e nas ofertas de cada escola. No entanto,
que as escolas possam melhorar o seu desempenho. Por outro lado, posteriormente, a DREL não exerce qualquer espécie de controlo
quase todos os entrevistados salientaram as perversidades inerentes sobre a aplicação desses critérios nas admissões efectivamente reali-
à elaboração deste tipo de rankings baseado nos resultados escolares zadas por cada escola, com excepção das situações de excesso de pro-
que geralmente acaba por não reconhecer o trabalho desenvolvido cura onde se torna necessário redistribuir excedentes, e das situações
nas escolas situadas em contextos socio-económicos mais difíceis. Os pontuais resultantes de queixas de pais contra as escolas onde lhes foi
efeitos perversos são também referidos a propósito do impacto da ava- recusada a matrícula dos seus filhos.
liação na motivação dos professores que trabalham com populações
mais carenciadas e que se sentem injustiçados pela aplicação ·de crité- DESCENTRALIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO
rios cegos baseados nos resultados escolares. Outro efeito indesejável E AUTONOMIA DAS ESCOLAS
consiste no facto de os rankings premiarem e legitimarem as práticas O discurso dos entrevistados tende a valorizar positivamente a
discriminatórias das escolas que seleccionam ilegalmente os seus alu- desconcentração da administração da educação, defendendo uma
nos rejeitando aqueles que têm um currículo escolar marcado pelo lógica de maior proximidade em relação às escolas, de modo a opti-
insucesso académico, ou por problemas disciplinares. mizar o conhecimento dos problemas e a capacidade de intervenção
na sua resolução. Neste sentido, a criação das DREs é entendida como
A CARTA ESCOLAR E A LIVRE ESCOLHA DA ESCOLA tendo constituído um avanço na melhoria da prestação do serviço de
Parece generalizada uma posição de princípio favorável à livre educação. Já no que diz respeito à municipalização da administração
escolha da escola pelos pais, embora tal opinião apareça matizada da educação as perspectivas não são tão claras. Por um lado, salientam-
pela consciência das consequências potencialmente negativas de tal -se as vantagens de maior proximidade e pertinência para se conside-
opção, tanto em termos de justiça e equidade, como no plano das rar vantajosa uma acrescida intervenção municipal. Por outro lado,
dificuldades técnicas daí resultantes no que respeita à gestão da rede considera-se que não existem condições políticas para que tal evolu-
escolar. O exercício deste direito pelos pais é entendido como uma ção se concretize, não só porque falta intenção política inequívoca no
prática corrente e aceita-se com naturalidade que os pais recorram a Ministério da Educação, como também porque as autoridades locais
atestados de residência "fabricados" para ultrapassarem as determi- não se mostram disponíveis para aceitar tais responsabilidades.
nações da rede escolar, nos casos das escolas mais reputadas onde a Já no que diz respeito à promoção da autonomia das escolas
procura é superior à oferta. parece existir uma convicção generalizada sobre as suas vantagens,
As estratégias conduzidas em algumas escolas para seleccionar havendo mesmo entrevistados que manifestaram grande entusiasmo
alunos com base no estatuto socio-económico, na origem étnica ou e satisfação pela sua participação na aplicação da legislação sobre orga-

92 93
N ATá ll C I O AFONSO A l) lflf( ÇÃ RIJ I NA I. OH ll OU A

nização e gestão escolar publicada em 1998, apresentada à época como utros actores envolvido no processo, nomead amente as direcções
um poderoso instrumento de desenvolvimento da referida autonomia. das escolas e os professores.
Esta "reforma" de administração escolar implicou a reorganização da Estes processos de refracção pa regulação institucional, e de recon-
gestão das escolas, pressionando no sentido da junção de escolas de fig uração dos seus inputs em função de uma visão mais horizontal e
pequenas dimensões em agrupamentos com uma estrutura de gestão autónoma, foram claramente identificados nas entrevistas realizadas,
única. Dada a complexidade do processo, e a previsão de múltiplas que recorrem frequentemente à retórica da informalidade, do diálogo e
resistências locais quanto à sua efectiva concretização, foi constituída da ajuda às escolas em oposição a uma intervenção burocrática de ins-
na Direcção Regional uma "task-force" na dependência directa do pecção e das rotinas da burocracia institucional, entendidas como pouco
director, a quem coube dinamizar (isto é, pressionar e enquadrar) os f mportantes e relegadas para a periferia do quotidiano profissional.
processos que a legislação preconizava deverem ser conduzidos "auto- O discurso dos actores sobre a DREL revela um olhar exterior à
nomamente" nas escolas. Assim, o discurso dos entrevistados expressa Instituição, construído essencialmente a partir da sua própria expe-
o paradoxo da intervenção da Direcção Regional nesta matéria: para riência profissional nas escolas. O trabalho técnico na instituição é
promover, nas escolas, a concretização da legislação que suposta- geralmente entendido na perspectiva de satisfação das necessidades e
mente reforça a sua autonomia, é preciso pressionar, negociar, insistir, dos interesses órgãos da gestão escolar e dos professores. A actividade
convencer, vencer resistências, isto é, torna-se necessário aumentar a do quotidiano é marcada pela utilização de estratégias centradas na
pressão e o controlo sobre as mesmas escolas. negociação e baseadas nos diferentes casos, situações e problemas
concretos que se colocam às escolas. Neste processo, são definidas
micropolíticas específicas e soluções singulares que visam tornar as
Conclusão necessidades e os interesses compatíveis com o quadro normativo da
regulação burocrática onde a DREL é o veículo institucional.
O discurso dos actores transmite a imagem de uma instituição frágil Desse modo, a missão institucional não surge interiorizada soli-
em termos identitários, dominada por lógicas dominantes de ocupa- damente no ·discurso que os entrevistados têm sobre as suas práticas.
ção política da administração educacional e de colonização profissio- Ela aparece antes como uma dimensão exterior e até estrangeira, como
nal a partir dos professores. Essa imagem reflecte-se na concepção uma imposição hierárquica que se sobrepõe à cumplicidade informal
da DREL como um espaço de interacção, de influências múltiplas e das relações entre os actores escolares.
recíprocas, de diálogo e negociação. Uma lógica de transacção tende É patente uma visão da missão organizacional e das práticas pro-
a afectar as políticas efectivamente desenvolvidas e aplicadas, a favor fissionais num registo retórico de ajuda e apoio às escolas, através dos
de uma casuística, de uma lógica de resolução singular dos problemas quais a regulação política se concretiza de modo predominantemente
de cada escola. informal, pela via da negociação, da pressão pessoal, do diálogo per-
Os inputs da regulação burocrática expressos na produção legis- sistente, de uma certa cumplicidade para evitar o mal maior da inter-
lativa de carácter reformista do governo, nas normas da administra- venção inspectiva.
ção e das rotinas dos procedimentos administrativos, estão sujeitos a Deste modo, as dificuldades da direcção política do Ministério
processos de (re)interpretação e (re)avaliação durante a sua execução da Educação em impor as suas "reformas" são retoricamente transfor-
no seio da DREL e nas interacções entre os seus dirigentes e quadros madas em dificuldades das escolas em as aplicar. Consequentemente,

94 95
N A T(( R C I O AF O N S A 0 I ft I! C Ç Ã 0 lt E ( I N A I. 0 lt 1\ I) U , A

(Engla nd), School of Educalion of Sheffi cld Hall am Uni ve rsily fo r t.h e Euro-
a "ajuda" política às autoridades governamentais transforma-se em
pca n Forum on Educalional Admini slralion, pp.195-214 .
"ajuda" técnica às escolas e aos professores. !lA RR O, ]. et a/. (2002a). Analyse de l'évolution eles modes de régulatiorz institu -
O espaço de multirregulação das DREs, território de cruzamento tiormalisée dan s /e system e édu.catif du Portugal. Disponível em: http://www.
e negociação de múltiplas lógicas de acção, está bem expresso neste gi rsef.ucl.ac.be (02-04-03).
conceito de ajuda tão insistentemente referido pelos entrevistados. BARROSO, ]. et ai. (2002b). Systemes éducatifs, modes de régulatiorz et d'évaluation
A duplicidade de tal conceito está plenamente inscrita no papel ambí- scolaires et politiques de lutte corztre les inégalités en Angleterre, Belgique (com -
munauté française), Fmnce, Hongrie et au Portugal. Synthese des études de cas
guo destes actores, situados em posição de se constituírem como
nationales. Disponível em : http://www.fpce.ul.pt/centros/ceescola (o2-04-03).
"correias de transmissão", intermediários ou "gatekeepers" entre os CROZIER, M. (1963) . Le phénomene bureaucratique. Paris: Seuil.
docentes e gestores escolares de um lado, e o topo da administração .ROZIER, M. e FRIEDBERG E. (1977). L'acteur et le systeme. Paris: Seuil.
educacional, do outro lado. A consolidação institucional das direcções FRI EDBERG, E. (1995) . Le pouvoir et la reg/e. Paris: Seuil.
regionais de educação no seio da administração educacional tende a LINDBLOM, C. (1965). The Intelligence of Democracy: Decision Making through
Mutual Adjustment. New York: The Free Press.
reforçar este espaço intermédio de mestiçagem entre a regulação polí-
LINDBLOM, C. (1990). Inquiry and Change. The Troubled Attempt to Understand
tica (de controlo) e a regulação autónoma.
and Change Society. New York: Yale University Press.
Com efeito, a regulação dita "burocrática'' (o exercício do poder pela LINDBLOM, C. e WOODHOUSE E. (1993). The Policy-making Process, Englewood
autoridade, baseado na hierarquia e regulamentação formal) e a regulação Cliffs. New Jersey: Prentice Hall (3d ed.).
exercida pelas forças de mercado ou regulações autónomas (onde o exercí- LIPSKY, M. (1980). Street-level Bureaucracy. Dilemmas of the Individual in Public
cio do poder é feito por influências e ajustamentos mútuos, caracterizados Services. New York: Russell Sage Foundation.
MINTZBERG, H. (1979) . The Structuring of Organizations: A Synthesis of the Rese-
pela informalidade das regras e relações) coexistem em tensão perma-
arch. Englewood Cliffs. New Jersey: Prentice-Hall.
nente mais ou menos intensa com expressões diversificadas e variáveis nos REYNAUD, J. D. (1997). Les regles du jeu. L'action collective et la régulation sacia/e.
diversos domínios públicos e em contextos históricos concretos. Paris: A. Colin.
Depois dos estudos clássicos de Selznick (1949) e de Crozier (1963), REYNAUD, J. D. (1999). Iln'y a pas de regles sans projet. Entretien avec Jean-Daniel
a investigação empírica sobre as organizações burocráticas revela siste- Reynaud. Cabin, Philippe (dir.). Les organisations. État des savoirs. Auxerre:
Sciences Humaines.
maticamente a coexistência e interdependência dos dois modos de regu-
SELZNICK, P.·(1949). TV.A. and the Grass Roots. Berkeley (CA): University of Cali-
lação. A sua conceptualização como modelos alternativos de regulação fornia Press.
da provisão dos serviços públicos não é fundamentada na investigação STRAUSS, A. (1967). Qualitative Analysis for Social Scientists. Cambridge: Cam-
científica; pelo contrário, ela decorre da polarização associada ao debate bridge University Press.
ideológico e a confrontação política sobre a expansão do neoliberalismo TAYLOR, S. et ai. (1997). Educational Policy and the Politics of Change. Londres:
Routledge.
e da decadência do Estado de providência.
WIRT, F. e KIRST, M. (1989). Schools in Conjlict. Berkeley (CA): McCutchan (second
ed.).

Referências bíblia gráficas


AFONSO, N. (2003). The situation in Portugal. Irz Watson , L.E. (ed.). Selectirzg arzd
Developirzg Heads of Schools. Twerzty-three Europearz Perspectives. Sheffield

97
CAPÍTULO 3
A INTERVENÇÃO DO MUNICÍPIO
NA REGULAÇÃO LOCAL DA EDUCAÇÃO

João PINHAL
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade de Lisbo a

Introdução
O quadro legislativo das autarquias em educação
e a organização interna da Câmara Municipal
O discurso e as práticas dos actores
Conclusão
Introdução

Este capítulo visa apresentar as linhas da acção de um município,


no sentido de caracterizar a sua intervenção na regulação local da
educação, tomando como base o estudo realizado no âmbito do
Projecto Reguleducnetwork, em 2003. Esse estudo centrou a aten-
ção nas funções e actividades (estruturas, instrumentos e práticas)
de um município da área metropolitana de Lisboa, no domínio da
regulação local da educação, confrontando aquilo que são normas
gerais e legais com as políticas e acções concretas dos decisores e
técnicos locais.
Os dados obtidos são relevantes, não só pelo défice de informação
existente em Portugal sobre esta matéria, mas também porque eles
permitem esclarecer o modo como uma estrutura da administração
descentralizada (neste caso o município) interfere no processo de
regulação institucional do sistema educativo, ao nível local.
Este capítulo está organizado em três pontos. No primeiro
ponto, procede-se à descrição da organização interna municipal,
na parte relativa à educação, atendendo ao quadro legislativo das
autarquias nesta matéria. No segundo ponto, faz-se uma análise do
discurso dos actores que trabalham na Câmara Municipal na área
da educação sobre as suas práticas e sobre a intervenção do municí-
pio. Finalmente, no terceiro ponto, apresenta-se uma síntese e uma
reflexão sobre o papel do município na regulação local do sistema
educativo.

101
I AO I'INIIAl
A I N T E il VHNÇ 00 M UN I f1>1 N A ll H ULA ÇÃ l A L OA IJOU AÇ

O quadro l~gis~ati.vo das autarquias em educação Atribuições e compet~ncias das câmaras municipais na educação
e a organ1zaçao Interna da Câmara Municipal A intervenção dos municípios na área da educação é, em Por-
tugal, relativamente recente. Ela decorre do aumento da autonomia
Neste ponto iremos sintetizar o quadro legislativo e as competências local consagrado nas leis superiores da República aprovadas depois da
das autarquias em educação, para em seguida salientar alguns elemen- revolução de 1974. No tempo da ditadura, a única competência educa-
tos da organização interna da Câmara Municipal, nomeadamente no cional dos municípios era a construção, conservação e manutenção
que se refere ao sector responsável pela educação. das escolas primárias, mas ainda assim com subsídios provenientes,
caso a caso, do governo central. Depois de 1974, o panorama foi sendo
COMPETÊNCIAS E POLÍTICAS EM EDUCAÇÃO gradualmente alterado no sentido de uma maior e mais significativa
Este ponto tem como objectivo situar a Câmara Municipal do intervenção, sendo hoje, as seguintes, as competências educacionais
ponto de vista formal e legal a três níveis: o lugar ocupado pelos muni- dos municípios, segundo diversa legislação em vigor (em alguns
cípios na administração pública portuguesa em geral; as atribuições e aspectos, por regulamentar):
competências dos municípios em matéria de educação; e, finalmente,
as linhas da política educativa do município em estudo. Competências relativas à concepção e ao planeamento do sistema educativo:
- Criar os conselhos locais de educação
Lugar dos municípios na Administração Pública portuguesa - Elaborar a carta educativa do município
As autarquias locais portuguesas são pessoas colectivas públicas - Propor ou dar parecer sobre a constituição de agrupamentos de escolas
de população e território, dotadas de autonomia administrativa e - Integrar as assembleias de escola e de agrupamento
financeira relativamente ao poder central. A única forma de tutela a - Intervir, como parte, na celebração de contratos de autonomia de esco-
que estão sujeitas é uma tutela de legalidade, a exercer por uma auto- las e agrupamentos
ridade central nos termos definidos pela lei, e destinada a verificar a
correcção dos procedimentos da gestão autárquica e não o mérito da Competências relativas à construção e gestão de equipamentos e serviços:
substância das suas decisões. Como pessoas colectivas públicas, cabe- - Construir, apetrechar e manter os jardins-de-infância e as escolas do
-lhes satisfazer um numeroso conjunto de necessidades públicas, de ciclo do ensino básico da rede pública e participar na construção das
1. 0
que depende, em grande parte, a qualidade de vida dos cidadãos. escolas dos 2. 0 e 3. 0 ciclos
Os municípios são as autarquias de maior dimensão e com maior -Assegurar a gestão dos refeitórios dos jardins-de-infância e das escolas
capacidade de intervenção. Cabe-lhes intervir num vasto conjunto de do 1. 0 ciclo do ensino básico da rede pública
atribuições, que vão desde o ordenamento do território, o urbanismo - Gerir o pessoal não docente da educação pré-escolar e do 1. 0 ciclo do
e a habitação, até à educação, cultura, desporto e tempos livres, pas- ensino básico
sando pelo equipamento rural e urbano, a energia, os transportes e
as comunicações, a saúde e a acção social, a defesa do ambiente e do Competências relativas ao apoio aos alunos e aos estabelecimentos:
consumidor, o saneamento básico, a protecção civil, a polícia e a coo- - Assegurar os transportes escolares
peração externa. - Garantir alojamento aos alunos do ensino básico, quando deslocados
obrigatoriamente da sua zona de residência

102
103
L O C AL DA HOU C A Ç
A I N'I'I\ItVUNÇÃ O MUNI [PI N A llHOULAÇ
) Ã P I N IIAL

- Comparticipar na acção social escolar


Embora a autarquia assumisse que a política municipal de edu-
- Apoiar actividades complementares de acção educativa na educação
' <1 <o decorre da política traçada pelo governo central, "sobretudo
pré-escolar e no 1. 0 ciclo do ensino básico · qua nto a matérias que envolvam a requalificação da escola", a Câmara
- Participar no apoio à educação extra-escolar
Municipal não deixava de garantir que "depois de aferidas as atribui-
~· cs e competências próprias do município, no que concerne a edu-
Política educativa do município em estudo · aç~lo, este terá que se posicionar para programar, realizar e avaliar,
A crescente intervenção municipal na área da educação e da om a autonomia que por lei lhe é conferida, as decisões tomadas",
formação não é uma decorrência directa e linear da evolução da ·omo pode ler-se no documento interno "Observatório da Educação",
legislação sobre a administração do sistema educativo. Antes pelo r ·lalivo ao ano 2002.
contrário, a legislação pareceu ir sempre "a reboque" de experiências Vê-se, pois, que a Câmara Municipal se inseria na lógica nacional,
que, entretanto, os agentes locais, designadamente os municípios, já sem deixar de atender às especificidades locais por si identificadas,
iam levando a cabo. · que se preocupava com o desenvolvimento estratégico do sistema
Com efeito, as carências do sistema educativo e a incapacidade •Ju cativo, certamente em relação com as suas concepções sobre o
revelada pelo Ministério da Educação para responder, de modo con- desenvolvimento local. Os grandes objectivos da política municipal
textualizado, aos problemas das diferentes regiões e localidades do na área da educação eram definidos deste modo:
país, levaram os autarcas a envolverem-se no sistema educativo mais
Facultar à Escola, numa atitude concertada com outros parceiros
" 1. o _
do que seria de exigir, tendo em vista a letra da lei. A resposta a dese-
nas áreas sociais, culturais, desportivas e de juventude, a oportunidade
jos e necessidades urgentes da população e a consciência crescente do
dela própria desenvolver ao máximo as suas capacidades, com a finali-
valor da educação como condição do desenvolvimento local explicam
que esse envolvimento tenha ganho uma expressão considerável em dade de conseguir a qualidade;
.o _Investir numa Escola onde todos possam, de facto, ter as mesmas
muitos municípios, nem sempre pelos montantes envolvidos, mas 2
oportunidades de acesso ao conhecimento, sendo este sustentado, quer
sobretudo pela natureza das intervenções realizadas a mais.
No caso do município em estudo isso também assim foi. Embora por uma educação formal, quer por uma educação não formal;
. o - Reconhecer a necessidade de se investir no reforço da dimensão
não tendo aumentado o peso relativo do sector educação nas despesas 3
do município (antes pelo contrário), aumentou muito o valor absoluto cívica, familiar e comunitária da Escola."
dessas despesas e, sobretudo, diversificou-se a intervenção e a natureza (Observatório da Educação, 2002)

das acções desenvolvidas. É possível observar que desde 1991 até 2001 há
É dentro deste quadro orientador que se desenvolve a acção edu-
um incremento enorme da actividade municipal, sobretudo nos últimos
cacional da autarquia em estudo. No plano de actividades para o ano
anos, atestado pela evolução das despesas totais. Em 1999 houve um
reforço das competências municipais, com a transferência para o poder Jc 2oo2 apresenta-se uma parte justificativa que destaca as acções a
local de novas responsabilidades de investimento em vários domínios, realizar durante o ano e que são relacionadas com:
e isso poderá explicar em parte o incremento das despesas. Note-se,
- A qualificação, manutenção e conservação dos edifícios dos
contudo, que o peso das despesas com a educação nas despesas totais é
maior noutros municípios do que no município que temos em estudo. estabelecimentos;

10 5
104
J ÃO PI N II A L A I NT ll ltV ll N Ç Ã O D MUN I . fl' l NA RI( Ul.A Ç C L AI. DA 1\0U C A Ç

- O apoio a proj ectos pedagógicos e a ac tividades socioeducativas das ' oferla de experiênci as educalivas relevantes, bem como o reforço
escolas; da inlervenção de apoio aos alun os, através da concessão de bolsas
- A dinamização de programas educativos próprios da autarquia; · de esludo e de prémios. Tudo não ultrapassando 10% das despesas do
- O apoio a organizações não escolares da comunidade educativa, plano de actividades, mas não deixando de mostrar que o município
visando facilitar o desenvolvimento dos seus projectos. não queria manter-se dentro do estrito quadro legal estabelecido.

Nestes destaques não estão incluídas as acções de apoio aos alunos, P ESSO A L E CA TEG ORIAS PRO F ISSIONAIS DA CÂMARA MUNICIPAL
que conhecemos pela designação genérica de acção social escolar, ape- De acordo com o respectivo organograma, a Câmara Municipal
sar das preocupações de princípio que merece este aspecto do sistema. está organizada em direcções municipais, departamentos, divisões e
Através de uma análise ao Plano de Actividades, separando as gabinetes, sendo todas estas unidades orgânicas directamente depen-
acções relacionadas com o exercício das competências legais do muni- dentes do presidente da câmara. Contudo, várias delas encontram-se
cípio das restantes acções cuja realização não é exigível ao município, sob a responsabilidade mais directa de vereadores, mediante proces-
mas que, ainda assim, este realiza ("não-competências"), verificou-se so s de delegação de competências.
que cerca de 90% das despesas correspondiam às competências legais. É no Departamento dos Assuntos Sociais e Culturais, responsável
Dentro destas, continuam a ser as despesas relacionadas com a cons- pelas actividades de apoio social e cultural e pela gestão das estruturas
trução, conservação e manutenção de edifícios e equipamentos que destinadas à infância, juventude e terceira idade, que estão incluídos
representam a parcela mais significativa, o que mostra como a política os serviços de educação. A Divisão de Educação, a unidade orgânica
educativa autárquica estava ainda muito presa aos problemas infraes- em que se centrou o estudo, tem como incumbência assegurar a pros-
truturais do sistema. secução das atribuições do município no âmbito do sistema educativo,
Quanto ao apoio aos alunos e aos estabelecimentos de educação nomeadamente através da participação no planeamento do sistema
e ensino, que representavam 4.5% das despesas do plano, eram os educativo local, do desenvolvimento de acções de apoio aos alunos e
transportes escolares a maior parcela, ou seja, ainda uma competên- ás escolas e da construção e gestão de equipamentos educativos.
cia basicamente instrumental, pese embora também incluir subsídios Nos últimos 10 anos registou-se um aumento significativo (cerca
aos alunos. de 13%) do pessoal da Câmara Municipal, mantendo-se a respectiva
Note-se que este município, à data do estudo, tinha uma carta distribuição em termos de categorias profissionais. Devido à existên-
escolar, elaborada pela própria Divisão de Educação, a qual se encon- cia de um número significativo de operários e auxiliares (que con-
trava em revisão. Mas, no ano de 2002, não houve despesas suportadas juntamente somam cerca de 50% dos trabalhadores), verifica-se que,
com este instrumento de planeamento. E, também até ao momento da em termos de habilitações académicas, mais de 50% do pessoal não
recolha de dados, não existia conselho municipal de educação. concluiu o ensino obrigatório. No que se refere às carreiras técnicas
O que há de especialmente interessante na actividade deste muni- importa, no entanto, realçar que se verificou um aumento do número
cípio, para além da importância do bom desempenho das competên- de pessoas com habilitações superiores.
cias instrumentais definidas na lei, acaba por se encontrar no que Na Divisão de Educação, durante o ano de 2001, trabalhavam 14
temos vindo a designar por "não-competências". É aí que encontramos pessoas: 1 chefe de divisão, 5 técnicos superiores, 3 técnicos profissio-
a influência directa da autarquia no currículo, através da concepção nais, 2 estagiários_e 3 auxiliares administrativos.

106 107
JO ÃO I>INilAt A 1 N 'I' ll R V H N Ã I) O MUNI C f Jl I NA lll! O \J L A Ç I, ( G A I, I) A 1\ I) lJ C 1\ Ç O

O discurso e as práticas dos actores provisão local de educação até à definição de regras relativas ao funciona-
mento corrente dos estabelecimentos de educação e ensino.
Embora só em 2003 se tenha tornado obrigatória a criação destes
Apresentadas as competências e a política geral do município em estudo conselhos pelos municípios, a ideia é mais antiga (1988), tendo tido
no domínio da educação, iremos analisar agora o modo como elas eram concretizações espontâneas em vários municípios que criaram órgãos
efectivamente concretizadas e quais as representações que diferentes destes para os ajudarem a desenvolver as suas políticas educativas e
técnicos tinham das actividades exercidas. Esta análise baseia-se funda- para constituírem sedes de concertação entre os parceiros educativos
mentalmente nas entrevistas realizadas a quadros dirigentes e técnicos locais. Esses órgãos tinham composições variadas e dedicaram-se a
dos serviços de educação da Câmara Municipal, bem como na recolha diferentes tarefas, de município para município, obedecendo a lógicas
e tratamento de documentação produzida por esses serviços. determinadas pelas dinâmicas educativas locais. Num estudo realizado
A informação foi organizada em quatro grandes categorias, três no início de 2001, apurou-se que 30% dos municípios tinham já criado
delas construídas a partir da agregação funcional que propomos para um órgão desta natureza e outros 40% estavam a preparar a sua criação,
as principais competências atribuídas ao município no domínio da antecipando-se assim à regulamentação legal (Pinhal e Viseu, 2001).
educação: concepção e planeamento do sistema de ensino, ao nível Este não foi o caso do município em estudo, que só em 2003, depois da
local; construção e gestão de equipamentos e serviços; e apoio aos alu- regulamentação saída, iniciou o processo de criação do conselho muni-
nos e às escolas (Pinhal, 2003). Acrescentamos ainda uma categoria cipal de educação. Há, contudo, certas reservas em relação a este órgão
relativa às iniciativas fora das competências legalmente fixadas (e que, entre o pessoal técnico do sector da educação. Embora o conselho seja
para simplificar, designamos por "não-competências"). considerado "uma boa ideia do ponto de vista de uma abordagem con-
junta democrática", há dúvidas sobre a sua operacionalidade "perante a
CONCEPÇÃO E PLANEAMENTO DO SISTEMA EDUCATIVO quantidade e diversidade de pessoas presentes" (Chefe de Divisão). Por
As actividades mais significativas relacionadas com este domínio outro lado, há quem saliente que se trata de "mais uma estrutura que se
são as seguintes: criação do conselho municipal de educação; elabo- organiza dentro do sistema, que já tem muitas inércias" (Técnico D).
ração da carta educativa do concelho; constituição dos agrupamentos
de escolas; participação nas assembleias de escolas. Elaboração da "carta educativa" do concelho
A carta educativa é presentemente definida como um instrumento
Criação do "conselho municipal de educação" municipal de planeamento e ordenamento prospectivo de edifícios e
Os conselhos são definidos, na legislação, como instâncias "de coor- equipamentos educativos a localizar no concelho, de acordo com as
denação e consulta", que visam, a nível munidpal, "a coordenação da ofertas de educação e formação que seja necessário satisfazer, tendo
política educativa, articulando a intervenção, no âmbito do sistema edu- em vista a melhor utilização dos recursos educativos, no quadro do
cativo, dos agentes educativos e dos parceiros sociais interessados, anali- desenvolvimento demográfico e socioeconómico previsto. Para além
sando e acompanhando o funcionamento do referido sistema e propondo dos edifícios e equipamentos, a carta tem ainda por objecto a identifi-
as acções consideradas adequadas à promoção de maiores padrões de cação prospectiva das ofertas educativas da educação pré-escolar, dos
eficácia e eficiência do mesmo". As suas competências legais são bastante ensinos básico e secundário da educação escolar, incluindo as suas
importantes, indo desde intervenções nos processos de planeamento da modalidades especiais, e da educação extra-escolar.

108 109
J OÃ O I'I N IIAL A 1 N T r; R V EN Ç O M UN I fI' I N A R I( U LAÇ L CA L I) A H 1)\J C A Ç 0

Embora a elaboração da carta educativa pelo município só seja Constituição de "agrupamentos de escolas"
obrigatória desde 1999, alguns municípios anteciparam-se e realiza- . O "agrupamento de escolàs" corresponde a uma nova unidade
ram por sua iniciativa este tipo de planeamento, como foi o caso do orgânica de gestão escolar que reúne diferentes estabelecimentos
município em estudo, onde ela existe desde 1997. de ensino (de diferentes segmentos e níveis do sistema educativo),
No caso vertente, trata-se sobretudo de uma carta de equipamen- segundo critérios de proximidade geográfica e de rentabilização de
tos, muito pormenorizada, que foi feita exclusivamente pelos serviços equipamentos já existentes. As escolas pertencentes a um mesmo
municipais, designadamente pela Divisão de Educação (ao contrário de agrupamento dispõem de projecto educativo, regulamento interno e
muitas cartas que têm sido encomendadas a organismos externos). No orçamento comuns e têm os mesmos órgãos de gestão. Aquando do
dizer do Chefe de Divisão, as previsões então realizadas têm vindo a início do processo de agrupamento de escolas, na Câmara Municipal
confirmar-se, o que mostra a qualidade do trabalho de planeamento em estudo acompanhou-se "a tentativa desesperada do Ministério da
realizado. Educação de criar agrupamentos à força" (Técnico C). Este técnico
Sendo uma carta de equipamentos, não se encontra incluída qual- achou "absurdo o que eles queriam jazer", considerando que "não se
quer previsão de fileiras ou de ofertas educativas (no ensino secundário) pode impor coisas às pessoas quando elas não querem". A então verea-
a desenvolver no futuro, na área do município. Entretanto a carta come- dora do pelouro, recebendo o director regional de educação para tratar
çou a ser revista à luz da nova regulamentação, que estendeu o conceito deste assunto, ter-lhe-á dito, baseando-se na lei, que "a câmara dará
a todos os equipamentos educativos (e não apenas escolares) e também todo o apoio às escolas que se propuserem agrupar-se, mas que não é a
às ofertas educativas (Decreto-Lei n.0 7f2003, de 15 de Janeiro). câmara que vai dizer às escolas que têm que se agrupar" (idem). Como
Quanto ao planeamento de curto prazo, ou seja, da rede educativa resultado lógico, a Direcção Regional de Educação "não foi capaz" de
anual, o município intervém ao nível da educação pré-escolar e do 1.0 proceder à constituição de agrupamentos até à data em que o estudo
ciclo do ensino básico, já que "nos outros níveis de ensino a câmara se realizou. A dificuldade persistiu nos anos subsequentes, porque o
é apenas observadora" (Chefe de Divisão), não podendo intervir, por município entendeu opor-se à constituição de agrupamentos de esco-
exemplo, nas ofertas vocacionais das escolas secundárias. Na educa- las enquanto não estivesse elaborada e aprovada a nova carta educativa
ção pré-escolar e no 1.0 ciclo do ensino básico, a Câmara Municipal concelhia. Assim, no ano de 2003hoo4 ainda não estava constituído
"propõe, estuda e decide" e a Direcção Regional de Educação "autó- qualquer agrupamento neste município.
riza", no que respeita à abertura, às condições de funcionamento e ao
encerramento de estabelecimentos de educação e ensino. O processo Participação nas assembleias de escola
de decisão sobre estas matérias incluiu sempre a realização de reu- No actual regime jurídico da autonomia, administração e gestão
niões com a comunidade educativa, "para explicar as decisões sobre dos estabelecimentos públicos de educação não superior, a assembleia
a rede': e nessas reuniões "é preciso um bocado de arte negocial, de de escola é o órgão de participação da comunidade educativa na
diplomacia" (Chefe de Divisão). Aliás, o contacto com a comunidade definição do programa educacional da escola, cabendo-lhe discutir e
educativa parecia ser uma tarefa muito comum na actuação do chefe aprovar o projecto educativo e o regulamento interno, entre outras
da divisão de educação de então, e não apenas por motivos referentes importantes competências. A sua composição inclui, para além de
ao planeamento da rede educativa. professores, alunos e funcionários, dois representantes dos pais e um
representante do município, podendo ainda haver uma representação

110 111
JO PI NIIA I. i\ l N I'H~V IINÇ O 1)0 Ml/ N I C Í I'I O NA ll liO lJI.i\ Ç ( I, OC /\1 , 1)1\ ll l) l iC. A t,: (

das organizações culturais, artísticas, científicas, ambienlais e econó - ·scola. Se esle é o órgflo de parlic!paçflo de LoJa a comunidade educativa
micas locais com relevância para o projecto educativo de escola. na defin içflo do projeclo educativo da escola e das orienlações daí decor-
Relativamente ao período em estudo, o município fez-se representar renles, espera-se que todos os participantes tenham uma palavra a dizer
em todas as assembleias de escolas existentes no seu teiTitório. A represen - sobre esse assunto. Não se trata de intervir no campo de acção próprio e
tação esteve a cargo dos técnicos dos serviços municipais, que repartiram exclusivo dos professores, mas de ajudar a definir as grandes metas que
entre si esse trabalho. Aquando das reuniões internas da Divisão, os técni - tn d uzem a especificidade do programa de cada escola, dentro dos quadros
cos relatavam o que se havia passado nas reuniões das assembleias, sobre- nacional e local em que se insere. Mas o envolvimento de actores externos
tudo o que pudesse vir a implicar alguma intervenção da Câmara. Quando na administração das escolas ainda está longe de ser consensual.
fosse caso disso, desencadeavam-se os processos dessa intervenção.
A postura escolhida pela Câmara Municipal para a sua partici - Contratos de autonomia
pação nas assembleias foi a de "não interferir em assuntos internos da Nos termos da legislação actualmente em vigor, o reforço da
escola e apenas intervir quando é solicitada ou quando as actividades autonomia das escolas faz-se por contrato a firmar entre a escola,
em debate tenham a ver com o município, ou para limitar e enquadrar a ad m inistração central e o município, onde figurem os direitos e os
um pouco a iniciativa que está a ser proposta pela escola" (Chefe de deveres que estas três partes assumem. A legislação regulamentadora
Divisão). Isso é confirmado por vários técnicos dos serviços, salien- dos conselhos municipais de educação determina que caberá a estes
tando a dificuldade em ir mais além, mas mostrando uma certa aber- órgãos "participar na negociação e execução dos contratos de autono-
tura para uma participação mais activa: mi a". Contudo, este dispositivo contratual nunca foi regulamentado
"Nós não interferimos na gestão das escolas, até por uma questão até hoje, pelo que não se encontra em execução.
de promovermos a autonomia das pessoas. Também não fazemos bem Nesta conformidade, os municípios não tiveram, até hoje, qual-
figura de corpo presente, porque algumas escolas gostam muito que a quer intervenção nesta matéria, incluindo naturalmente o município
gente lá vá. As vezes pode ser útil, pode haver coisas que a gente possa que estamos a estudar. Aliás, foi patente o relativo desconhecimento
desbloquear" (Técnico C). de alguns dos nossos entrevistados sobre o que está previsto relativa-
A presença do município nas assembleias de escola é vista, mui- mente aos contratos de autonomia.
tas vezes, pelas próprias escolas como um modo de mais rapidamente
C ONSTRUÇÃO E GESTÃO D E EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS
poderem apresentar as suas reivindicações e pedidos junto da autarquia,
As actividades mais significativas relacionadas com este domínio
mesmo que a autarquia não tenha competência legal para os atender.
são as seguintes: construção, conservação e manutenção de edifícios
É uma visão utilitarista, frequentemente referenciada em estudos que
escolares e respectivo equipamento; gestão de refeitórios escolares;
temos vindo a fazer sobre esta realidade, e que os entrevistados do muni-
gestão de pessoal não docente em serviço nas escolas.
cípio do presente estudo também focaram: "Acho que as escolas encaram
os representantes da câmara como se fossem a própria câmara e, quando Construção, conservação e manutenção de edifícios escolares
chegamos às reuniões, pedem tudo e mais alguma coisa" (Técnico A). A construção de escolas é a mais antiga competência educacional
Por sua vez, a posição de reserva que os municípios têm adoptado dos municípios embora estivesse confinada ao antigo ensino primário
nesta matéria (e não só o município do nosso estudo) não é compatível (hoje, 1° ciclo do ensino básico) e só depois do restabelecimento do
com o fim visado pela sua inclusão na composição das assembleias de regime democrático fosse exercida de forma verdadeiramente descen-

112 113
J OÃO PI N II AI. A I NT Eit V E N y (I 1) 0 M lJN I C fP I N A 1\li i U I.A Ç I) 1. < C: A I. IJA I( I) IJ< : A <; ()

lralizada. Act ualmente, os municípios são exclusivamente responsá- Embora as verbas mais signiítcalivas fossem, naturalmente, as
veis pela constr ução, conservação e manutenção das escolas do 1° ciclo r ·lalivas à co nstrução c qualifi.cação dos edifícios, essa não era a tarefa
e dos estabelecimentos de educação pré-escolar da rede pública, ao que mais ocupava os técnicos da divisão de educação. As questões
passo que para as escolas dos 2. 0 e 3. 0 ciclos do ensino básico essas da conservação e manutenção das instalações e do fornecimento de
competências são exercidas conjuntamente pelas administrações cen- mobili ário e outro equipamento de apoio impunham-se praticamente
tral e local, no qu adro de contratos a estabelecer caso a caso. todos os dias aos técnicos que têm aquela tarefa entre mãos. As escolas
O município em estudo assume por inteiro estas competências, ·stão constantemente a reclamar obras e o fornecimento de "material",
dedicando ao seu cumprimento uma parte muito importante dos sendo necessário "convencê-las a fazer as coisas faseada mente", como
recursos destinados ao sector educativo. No plano de actividades dizia o Chefe de Divisão, que era raro o dia em que não ia à escola para
para o ano de 2002, as despesas associadas ao cumprimento desta ''co nferir se precisam do que pedem".
competência correspondiam a cerca de 67% das despesas do plano
para a educação, mostrando como esta é ainda a grande competência Gestão de refeitórios escolares
municipal neste domínio. O peso desta competência nas despesas Segundo a legislação em vigor, cabe aos municípios a gestão dos
municipais é parcialmente associ ado à idade dos edifícios onde estão refeitórios dos estabelecimentos de educação pré-escolar e do 1.0 ciclo do
instaladas as escolas do 1. ciclo do ensino básico.
0
ensi no básico, estando a sua construção e equipamento associada à com-
A apreciação que era feita sobre o estado físico das escolas do 1° petência genérica de construção e equipamento escolar que detêm. Há,
ciclo e dos seus eq uipamentos, aliada à preocupação da Câmara em contudo, algumas dúvidas e hesitações nesta matéria, quando não um
proporcionar boas condições de aprendizagem aos estudantes do con- "jogo de empurra" entre os diferentes níveis de administração da educa-
celho, explicava a necessidade de apostar em obras de qualificação e ção, embora o assunto tenha sido recentemente objecto de um protocolo
conservação e no fornecimento de equipamentos. Ao longo da década entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
de 90, registou-se uma clara diminuição do número total de alunos A gestão dos refeitórios está associada basicamente a duas tare-
neste ciclo de ensino, estabilizando-se esse número nos últimos anos fas: a disponibilização de um serviço de refeições e a contratação e
da década. Portanto, a maior necessidade não era propriamente a gestão de pessoal de cozinha e auxiliar que garanta o funcionamento
construção de mais escolas, mas sim a melhoria das existentes. dos refeitórios. Estas tarefas podem ser assumidas directamente pelas
Quanto aos estabelecimentos de educação pré-escolar da rede câmaras municipais, mas também podem ser entregues a outras enti-
pública, a verba gasta com a sua construção, ampliação e beneficiação dades (empresas especializadas ou associações de pais, por exemplo),
aproximava-se bastante da verba relativa às escolas do 1.0 ciclo. Isso não que as executam sob a orientação e o financiamento do município.
se devia, certamente, à idade dos edifícios, mas ao facto de estar ainda Na Câmara Municipal em estudo, o serviço de refeições nos esta-
em instalação o sistema público de educação pré-escolar, que foi uma belecimentos de educação pré-escolar e do 1.0 ciclo do ensino básico era
novidade introduzida com a instauração da democracia. Neste muni- garantido por uma empresa contratada para o efeito, mediante concurso
cípio, de resto, os estabelecimentos de educação pré-escolar da rede público, a qual disponibilizava também todo o pessoal necessário ao fun-
privada e das instituições de solidariedade social são largamente maio- cionamento do serviço. Exceptuavam-se desta regra o serviço de refeitório
ritários (ao contrário do que se passa com os ensinos básico e secundá- relativo a duas escolas do 1.0 ciclo e o prolongamento de horário dos jardins-
rio), tendo recebido 83% das crianças no ano lectivo de 2ooo12oo1. -de-infância, que eram garantidos pelas associações de pais respectivas.

114 115
)( I' I N li A I . A I N THilV H N C,:ÃO I)() M tiN i t: fi' I O NA llll til liÇÃO I III AI, ll/1 llllll"/1(,: 11

A Câ mara Municipal linha uma técnica expressamente destacad·1 p ·ssoa l qu desenvolvia o se u trabalho no horário normal do s jardins-
para gerir a intervenção municipal nesta área, a qual, no seu própri ti • Infância, já que o pessoa!' relativo aos períodos de prolongamento
dizer, fazia "o controlo da empresa que fornece as refeições, a análise da . d · horário era da responsabilidade das associações de pais.
fa cturação e das receitas dos refeitórios, o controlo de qualidade e a selec- Saliente-se ainda que trabalhavam no serviço de refeitórios alguns
ção dos meninos carenciados que beneficiam do serviço de almoço". 1 •formados, que ajudavam na organização do serviço. No plano de
Apesar do seu interesse pela função, a técnica reconheceu que ,, ·Li v idades para 2002, o trabalho destes reformados tinha uma verba
ocorrem frequentemente, "semana sim, semana sim", muitos "pro- .1~ •ela que rondava os 15 mil euros.
blemas de comunicação" entre os envolvidos, designadamente entre a
escola e os pais. A Câmara Municipal trata dos assuntos relacionados A 1'0 10 AOS ALUNOS E ÀS ESCOLAS
com os refeitórios com a empresa fornecedora, por um lado, e com as As actividades mais significativas relacionadas com este domínio são
escolas, por outro. Cabia, depois, às escolas atender os pais que pre- .1s seguintes: transportes escolares; alojamento de alunos; auxílios eco-
tendam falar ou informar-se sobre a matéria. Mas as tais dificuldades nómicos directos; apoio a projectos das escolas; educação extra-escolar.
de comunicação acabavam por trazer os pais à Câmara Municipal.
No plano de actividades para 2002, as despesas previstas para o Transportes escolares
exercício desta competência correspondiam a 18,7% do total das des- O serviço de transporte escolar é disponibilizado a todos os alunos
pesas do plano, sendo que a maior parte (1.271.705 euros, correspon- Jos ensinos básico e secundário que residam a mais de 3 km da escola (ou
dente a 17,5%) se referia ao fornecimento de refeições nas escolas do 1. 0 de 4 km, no caso de a escola não ter refeitório). A lei determina o mon-
ciclo do ensino básico. tante do subsídio de transporte a atribuir aos alunos dos diferentes graus
Je ensino, estando previstas reduções das suas contribuições em função
Gestão de pessoal não docente em serviço nas escolas de eventuais situações de carência das respectivas famílias, a demonstrar
Esta é uma das mais recentes competências dos mumopws, num processo de candidatura. Cabe aos serviços municipais receber as
embora se encontre largamente por esclarecer, nomeadamente no que candidaturas a subsídios provenientes das escolas, proceder à sua análise
se refere aos aspectos financeiros. A matéria, aliás, tem sido objecto de c determinar o valor dos subsídios a atribuir, à luz dos parâmetros e cri-
divergências e disputas entre o governo e os municípios, na medida em térios de análise definidos na lei e nos regulamentos próprios.
que estes têm sido envolvidos em actividades que requerem o reforço No município em estudo o transporte escolar não tem expressão no
do pessoal não docente das escolas, sem que fique claro a quem com- 1. ciclo do ensino básico, visto que os alunos moram, em geral, muito
0

pete assumir as responsabilidades onerosas relativas à contratação per to da escola que frequentam e são os pais que os conduzem à escola e
e gestão deste pessoal. Vários municípios, reconhecendo a utilidade os vão recolher. Nos restantes ciclos de ensino, aplicavam-se as normas
dessas actividades para as populações que representam, têm acabado da legislação nacional, mas havia as inevitáveis adaptações às realida-
por admitir pessoal para as levar a cabo, onerando, deste modo, os des dos alunos e do município: "A legislação é muito antiga e, como tal,
seus orçamentos, muitas vezes sem as justas contrapartidas. a maioria das câmaras adopta critérios mais de acordo com a realidade
No município em estudo, havia 18 auxiliares e assistentes de acção actual e para abranger mais meninos. Por exemplo, a câmara paga o sub-
educativa dos 14 jardins-de-infância da rede pública que fazem parte sídio de transporte aos alunos do secundário que não têm a área vocacio-
do pessoal adstrito à Divisão de Educação do município. Trata-se de nal desejada na escola da sua área de residência" (Técnica A).

116 117
I
/ OÃ I'I N JIAL 1\ I N 'I' li ll V 6 N Ç O M U N I C (I' I 0 N 1\ ll f!O IJ 1. /\ r; ( I, ()<: 1\ I, I) 1\ I( I) li C 1\ Ç ()

Em contrapartida, a Câmara não atendia a certas pretensões dos pais


relacionadas com a escolha da escola dos filhos: "Há muitos pais que vão
colocar os filhos fora do concelho. Nós temos muitas escolas limítrofes, no
tI
. i
dos ber1efícios a conceder é. baslanle semelhanle ao que é usado para
os transportes. Com base em documenlação sobre os rendimentos das
famílias, são seleccionados os alunos a quem é devida esta contribuição
limite do concelho, e há alunos que residem nessas áreas e que, em vez de irem social, os quais são repartidos por dois escalões, com regalias diferentes.
para as nossas escolas, saem do concelho, mas querem subsídio de transporte. É de salientar que muitos municípios acabam por ter normas
Nós recusamos, porque já estão fora do concelho. Os pais muitas vezes vêm próprias mais generosas do que a lei prevê. Como o financiamento
aqui e eu explico-lhes os critérios e porque é que não tiveram direito ao subsí- que recebem do Estado se baseia no quadro legal estabelecido, pode
dio e a resposta dos pais é que não colocaram ofilho na nossa escola porque dizer-se que esses municípios optam por canalizar para a acção social
não presta, tem má fama, não vou pôr o meu filho ali" (Técnica A). escolar uma parte das suas receitas próprias, em obediência, certa-
Os transportes escolares têm um peso relativamente pequeno no mente, a imperativos de natureza social.
cômputo geral das despesas municipais com a educação. No plano Como já foi dito noutro ponto deste relatório, uma parte da popula-
de actividades para 2002, a verba inscrita para pagamento do serviço ção do município em estudo é económica e socialmente bastante caren-
de transportes foi de 219-471 euros, o que correspondia a 3% do mon- ciada, tendo sido objecto de um programa de erradicação de barracas
tante total das despesas previstas. Esta verba incluía as despesas com levado a cabo pela Câmara Municipal ao longo dos últimos anos. Neste
transportes relativas aos casos especiais já referenciados que, em rigor, programa insere-se uma vertente de acção social escolar, a qual implica
deveriam ser consideradas "não-competências", mas que não foi pos- uma relação frequente e colaborante entre a divisão de educação e as
sível separar. Aliás, o seu valor é muito baixo. divisões de habitação social e de gestão social. É ligada a esta vertente
Saliente-se, ainda, que o valor por aluno das despesas com trans- de reinserção social que se podia encontrar a especificidade da política
portes aumentou nos últimos anos, embora de forma ligeira (de 8,33 de acção social escolar deste município, já que, em relação à restante
EUR em 1996 para 9>47 EUR em 2002). população, eram aplicadas as regras definidas na legislação nacional:
"Eu acho que há uma grande peculiaridade nesta câmara. Há um bairro
Alojamento de alunos de realojamento em que foi construída uma escola muito perto que serve
Compete aos municípios, nos termos da lei, garantir alojamento aos toda aquela população, são oitocentos fogos, e dos 120 alunos da escola,
alunos do ensino básico, quando deslocados obrigatoriamente da sua 99% tem isenção de pagamento de almoço" (Chefe de Divisão).
zona de residência. Isso pode implicar a construção e a gestão de residên- O benefício de que se fala na citação anterior era, em geral, aplicá-
cias estudantis. Trata-se de um dispositivo cuja efectividade se verificou, vel aos auxílios económicos directos, em que estes alunos podiam ter
sobretudo, nas regiões do interior do país. No município em estudo, esta um regime mais favorável que a restante população. Quanto mais não
competência não teve qualquer concretização nos anos mais recentes. fosse porque "não apresentam papéis, é escusado pedir-lhes".
Em 2002, as transferências correntes para as famílias foram orçadas
Auxílios económicos directos em 108 mil euros. Este valor referia-se aos subsídios e reembolsos conce-
Incluem-se aqui as prestações sociais destinadas a cobrir, designa- didos no âmbito da acção social escolar relativa à educação pré-escolar
damente, os gastos com refeições, livros e material escolar, que são atri- e ao 1.0 ciclo do ensino básico (transportes escolares, livros e material
buídas às famílias de mais fracos recursos, tendo em conta o princípio escolar e apoio alimentar), embora incluísse também os subsídios e bol-
da gratuitidade da escolaridade obrigatória. O sistema de determinação sas que se encontram fora da competência estrita da Câmara Municipal.

118 119
JOÃ PINHAL 11 I N TH ilVflN 0 M UN I Íl> l NA Jl fJ U I, A Ç t, AL I A I] I)IIC, AÇÃO

Apoio a projectos das escolas gora isso acabou, porque ava!famos e quantificamos os planos de cada
Cabe aos municípios, nos termos da lei, dar apoio a actividades t!S ola. (.. .) Não sei se antes jaziam planos ou não, sei que não vinham
complementares de acção educativa, na educação pré-escolar e no para a câmara. Nós nem temos legitimidade para pedirmos os planos
ensino básico. Esta tem sido uma zona de ambiguidade na partilha li ' actividades ... Mas agora todas mandam os planos e posso dizer que,
de competências entre as administrações central e local, no domínio . • não mandarem, eu faço um telefonema a pedir" (Técnico C).
educativo. Em princípio, fica excluída da formulação legal a possibi- De entre as actividades geralmente inseridas nos planos das escolas,
lidade de a Câmara Municipal intervir directamente nas escolas atra- • que recebem subsídios municipais, contam-se actividades de preenchi-
vés de actividades educativas de sua iniciativa. Contudo, mesmo que mento de tempos livres dos alunos, de índole desportiva. Estas actividades,
restrito ao simples apoio, o exercício desta competência pode consti- uma vez propostas pelas escolas, recebem um subsídio anual, integrado
tuir uma importante maneira de o município intervir no currículo n subsídio geral concedido ao plano de actividades da escola.
real da escola. É que há muitos tipos de apoio (materiais, financeiros, O parâmetro de avaliação mais relevante para a determinação do mon-
humanos, logísticos) e há, sobretudo, regras próprias de cada muni- lante a conceder a cada escola acaba por ser o número de alunos da escola:
cípio para a sua concessão. Isso condiciona o lançamento e desenvol- "Por muito que queiramos dar-lhe a volta, acabamos por ir ter ao número de
vimento dessas actividades, acrescentando importância ao papel do alunos (. . .) Portanto, isto não é uma regra, nem directamente proporcional,
município enquanto regulador do sistema educativo local. nem inversamente proporcional, é uma ponderação do conhecimento que
Segundo o Chefe da Divisão de Educação do município em estudo, nós temos da realidade socioeducativa das escolas" (Técnico C).
a política da Câmara Municipal em relação a projectos socioeducativos Quanto ao modo como estes projectos são efectivamente con-
"é estimular, acarinhar, acompanhar aqueles que vêm da parte das esco- cretizados, o técnico do município faz o acompanhamento, quando
las e.. . promover também alguns". Interessa-nos nesta parte do reliJ.tÓrio é convidado, para ver "o que os professores andam a fazer, como estão
relevar a intervenção da Câmara nos projectos dos estabelecimentos de a ser empregues os apoios". Interessa-lhe ver "o grau de envolvimento .
educação pré-escolar e do 1.0 ciclo do ensino básico, que são aqueles rela- da escola, dos professores, dos alunos, se o conselho executivo parti-
tivamente aos quais a Câmara assume a competência de intervenção. cipa, como é divulgado". Não há, pois, uma avaliação sistemática da
Neste município, os apoios aos projectos das escolas são decidi- aplicação dos apoios dados pela Câmara Municipal, mas apenas uma
dos após um processo de candidatura que a escola apresenta à Câmara avaliação casuística, nos casos em que é convidada a assistir às realiza-
Municipal. Este processo decorre segundo um conjunto de regras ções associadas ao projecto. Aliás, é o próprio técnico quem diz: "Nós
formais de análise dos planos de actividades das escolas, constantes temos uma falha nas avaliações, não sei se sou só eu, se é o nosso serviço,
de regulamento próprio, aprovado pelo município, e que as escolas ou se é uma questão da mentalidade portuguesa, nós avaliamos muito
conhecem. O trabalho de análise das candidaturas e de preparação pouco, é tudo muito mais intuitivo" (Técnico C).
da decisão final está entregue a um técnico superior da divisão de No plano de actividades para 2002, o valor inscrito para o apoio
educação, por sinal o mais antigo da divisão: "Esta regra de pedirmos às actividades complementares de acção educativa dos jardins-de-
às escolas os seus planos de actividades, a fim de darmos uma verba -infância e das escolas do 1.0 ciclo do ensino básico foi de apenas 1,1%
global, surgiu para acabar com os pedidos avulsos das escolas. Ao prin- do total de despesas previstas no plano de actividades.
cípio havia uma grande quantidade de pedidos de apoio, para visítas Como se vê, não obstante o valor educativo desta intervenção e
de estudo, para festas de Natal, para celebrações de determinado dia. o que ela significa de capacidade para influenciar o currículo real das

12 o 121
J OÃO PI N IIAL 11 I NTii llVHNÇ O MIINI fl'l NA llH ULII Ç 0 L t : lll. I A HUU " II Ç

escolas, o peso que esta competência represe ntava nas despesas com a área da edu cação para o d esenvolvimento das comunidades locais,
educação era diminuto. por um lado, e a alguma insuficiência do Ministério no exercício das
suas competências próprias, por outro. Além disso, enquanto pes-
A educação extra-escolar e ensino recorrente soas colectivas públicas a quem compete prosseguir os interesses e
Segundo a Lei de Bases do Sistema Educativo, a educação extra- aspirações das populações respectivas, os municípios são objecto de
-escolar "tem como objectivo permitir a cada indivíduo aumentar os seus múltiplas solicitações das organizações locais, a quem pouco importa
conhecimentos e desenvolver as suas potendalidades, em complemento da a questão da repartição das competências pelos níveis da administra-
formação escolar ou em suprimento da sua carência", integrando-se numa ção. Tendo legitimidade para intervir na defesa e promoção do seu
perspectiva de educação permanente e visando a globalidade e a conti- território e sendo, em princípio, um interlocutor privilegiado do poder
nuidade da acção educativa. Compete ao Estado promover a realização central, os municípios acabam por se tornar charneiras no tratamento
de actividades extracurriculares e apoiar as que, neste domínio, sejam da de todo e qualquer problema local.
iniciativa de outras entidades, designadamente das autarquias. Para a con- Para o Chefe da Divisão de Educação, a autarquia "excede aquilo a
cretização desta responsabilidade, o Estado, através do Ministério da Edu- que estava obrigada na área da educação", correspondendo a uma polí-
cação, mantém uma estrutura desconcentrada, com delegações ao nível de tica social que tenta combater as desigualdades. Um dos técnicos da divi-
cada município - as coordenações concelhias do ensino recorrente. são (Técnico C), acha que a autarquia se tornou "referencial em muitas
No município em estudo, dava-se justamente apoio a esta coorde- coisas", referindo-se sobretudo a esse combate contra as desigualdades
nação concelhia do ensino recorrente. Esse apoio consistia na cedên- que decorreu da política municipal de habitação e de acção social e da
cia de instalações para o funcionamento dos respectivos serviços e sua relação com a política educativa municipal. Este técnico encontra um
no pagamento das despesas gerais relativas a essas instalações, bem outro fundamento principal para a acção do município, considerando
como na concessão de um subsídio anual destinado à realização de que a Câmara deve "dar um certo contexto local aos currículos, contribuir
actividades de formação de adultos. O plano de actividades para o para reforçar a identificação das pessoas à sua terra, à rua em que vivem",
ano de 2002 previu uma verba de 3.601 euros como valor para este e acha que o município em estudo está a procurar fazer isso.
subsídio. Nesta área, não se registam iniciativas desenvolvidas direc- Embora a verba global prevista para o exercício das "não-
tamente pela Câmara Municipal. -competências" não passasse, no município em estudo, de 728-525
euros (ano de 2002), o conjunto de actividades que ela permitiu
As "NÃO-COMPETÊNCIAs"
realizar revelou-se de importância para a melhoria do sistema edu-
Como já foi salientado, o exercício das competências educacionais cativo local. Algumas dessas actividades confirmam a tendência para
toma 90% do valor do plano de actividades de 2002 para a área da educa- a intervenção crescente dos municípios na área do currículo, o que
ção. Os restantes 10% são ainda actividades de concepção e planeamento constitui certamente a mais significativa alteração, talvez subliminar,
do sistema educativo local, ou de construção e gestão de equipamentos e à essência organizativa do sistema educativo português.
serviços ou de apoio aos alunos e aos estabelecimentos, que o município Referimo-nos em especial aos projectos socioeducativos concebidos
não teria que desenvolver, por não serem da sua competência. e realizados pela própria Câmara Municipal e propostos às escolas e às
A intervenção dos municípios em actividades fora do seu quadro organizações educativas em geral. Os projectos principais eram apenas
de competências deve-se à crescente consciência da importância da três, "porque as escolas já têm muito que Jazer" (Técnico C), mas eram

122 123
I Ã I' I N IIII L 11 I NT li RVHN Ç O MUN I Íl' l NA R IJ UL A Ç L C AL 1)11 fJ I) , 1\ Ç

considerados muito importantes pela Câmara Municipal: um projecto Finalmente, assinale ~ se que este município foi promotor da cria-
de educação ambiental, focalizado sobretudo na problemática do trata- ção de uma universidade particular no seu território.
mento dos resíduos sólidos urbanos, embora abra para outros aspectos
da educação ambiental; um projecto de educação pela arte, baseado na
criação de relações entre as escolas e uma galeria municipal de arte; a Conclusão
promoção do ensino da educação física e da natação nos estabelecimen-
tos de educação pré-escolar e do 1.0 ciclo do ensino básico. A descrição e a análise da intervenção municipal permitiram ilustrar,
Por outro lado, o município também assumia intervenções na de maneira empiricamente sustentada, o tipo de influência que, em
área da construção, conservação e manutenção de escolas, para as Portugal, uma regulação intermédia (com as ~aracterísticas aponta-
quais não era legalmente competente. Foi o que se passou, designa- das) exerce num território de interacção e concorrência.
damente, com instalações de escolas básicas dos 2.0 e 3.0 ciclos e do Importa, por isso, nesta síntese, pôr em relevo, ainda que de
ensino secundário. Assim, o plano de actividades para 2002 previa maneira necessariamente esquemática, quais eram as principais
despesas com a construção e melhoramento de pavilhões desportivos características dos modos de regulação institucional do município,
e com a ampliação de instalações. Estas intervenções representavam enquanto forma de coordenação ou impulsão das políticas e da acção
3SYo do montante geral de despesas do plano de actividades. educativa, num determinado espaço de acção (definido pela sua área
Um montante relativamente próximo (2,9%) era quanto represen- formal de influência).
tava a previsão da intervenção extra -competência na área do apoio aos
alunos e aos estabelecimentos. Esta área incluiu, contudo, algumas - Uma "regulação local centralmente condicionada" - Grande
acções importantes, pelo valor simbólico que têm, enquanto ~anifes­ parte da intervenção formal dos municípios na área da educação
tação da intenção interventiva do município no sistema educativo. É o resulta de um processo de transferência de atribuições e competências
caso das acções insertas na política de bolsas e prémios, concedidos a em domínios mais instrumentais e operacionais do sistema escolar,
alunos de todos os graus de ensino (l,s<Yo do plano) e dos apoios conce- sendo o seu quadro de acção sujeito a normativos constrangedores
didos às escolas básicas dos 2.0 e 3.0 ciclos e às escolas secundárias para da autonomia de execução e com carência de meios e recursos. Este
o desenvolvimento dos seus projectos próprios (1,3%). Note-se que a quadro reduz, muitas vezes, as autarquias ao papel de meros operado-
política de bolsas e prémios, sem deixar de contemplar os casos de res locais de normas emanadas do poder central e por ele (directa ou
carência económica de alunos, estava muito ligada a considerações de indirectamente) reguladas. Contudo, isso não impediu que o municí-
mérito relativas ao desempenho dos candidatos. Muitos dos prémios pio estudado desenvolvesse modos peculiares de cumprir as compe-
concedidos chamam-se mesmo "Prémios de Excelência". tências em causa e que se envolvesse numa série de acções a que não
Saliente-se ainda que o município em causa tinha uma política de estava obrigado. É, evidentemente, difícil apurar o impacto que estes
geminações, que incluía acções de âmbito educacional desenvolvidas com "modos peculiares" tiveram nas escolas, na acção dos directores, no
uma cidade de um país africano de língua oficial portuguesa. Essas acções trabalho dos professores, no rendimento dos alunos e nas condições
traduziam-se na disponibilização de lares para jovens dessa cidade pode- de igualdade de oportunidades. Mas, tratando-se de áreas de inter-
rem estudar em Portugal e na concessão de bolsas de estudo a esses estu- venção relativamente limitadas (sem interferir no currículo nuclear,
dantes (uma despesa de 41.556 euros, correspondente a o,6% do plano). no recrutamento e acção dos professores, ou na avaliação dos alunos),

124 125
J OÃO JIINIIi\L i\ I N 'J' U ll V 1\ N Ç O IJ MUN I (P I N i\ lll! U L i\ Ç t O C i\ I, I) i\ I! I)\ ) C: i\ Ç ()

envolvendo recursos também limitados (os valores mais significativos - Uma "regula ção informal difusa" - As duas características
estão confinados às instalações e equipamentos), em sectores restritos Interiores não impedem, contudo, qu e o município em estudo surja,
do sistema educativo (predominantemente a educação pré-escolar e o · ' Livamente, como uma instância de regulação intermédia e tenha
1° ciclo do ensino básico obrigatório), tem que se caracterizar a influ- vindo a aumentar, progressivamente, a sua influência. Ele intervém,
ência local como sendo ainda bastante minoritária. d · uma maneira difusa e fora do contexto de uma política educa-
tiva municipal claramente expressa, em vários campos da acção
- Uma "regulação educativa nas margens das escolas" - A ambi- ·ducativa, nomeadamente através do que designamos pelo exercício
guidade existente, desde há vinte anos, no processo de transferência das "não-competências", com particular destaque para os projectos
de atribuições e competências entre a administração central e a admi- socioeducativos, ou para a extensão a outros níveis de escolaridade de
nistração local e a indefinição política que tem presidido ao processo ompetências que lhe estão formalmente atribuídas para um deter-
. de descentralização em Portugal fazem com que a intervenção dos minado nível. É no contexto destas iniciativas que é mais visível a
municípios na regulação do sistema educativo se transforme num ·mergência de uma regulação institucional distinta da regulação cen-
terreno de negociação, disputa e "jogo político" permanente, entre a tral, embora os municípios não disponham de um real poder de tutela
administração central e local (um "jogo do gato e do rato", como aqui so bre as escolas, sua gestão e funcionamento. No caso do município
há tempos definia um autarca). De um modo geral, o município em cm estudo, esta regulação intermédia faz-se através de dois processos.
estudo (à semelhança de muitos outros) enjeita qualquer "intromissão" Um processo claramente dirigido ao público escolar, através da oferta
na gestão das escolas, na contratação e supervisão dos professores, de programas educativos ou outro tipo de iniciativas que funcionam
no controlo das aprendizagens dos alunos e na avaliação das escolas, como referência do que seria uma orientação desejada para a pres-
apesar de, formalmente, existirem alguns espaços de intervenção que tação do serviço educativo local, como por exemplo: os programas
possibilitariam essa acção, como por exemplo, a participação de repre- socioeducativos, as bolsas de mérito (Prémio de Excelência), etc. Um
sentantes do município nas Assembleias de Escola. Isto deve-se, por processo mais abrangente no quadro de uma política global do muni-
um lado, ao receio de que essa interferência se transforme, na prática, cípio, através da articulação de iniciativas dirigidas às escolas e aos
em novas competências, não regulamentadas, sem a correspondente alunos com outras iniciativas mais gerais de âmbito municipal, como
transferência de verbas para a sua execução. Por outro lado, continu- sejam: a reabilitação urbana; as bibliotecas municipais; a animação
ando o sistema educativo a ser, no essencial, regulado pela administra- sociocultural; a educação ambiental; etc.
ção central ou desconcentrada, os municípios têm receio de ficarem Estas iniciativas pré-figuram aquilo que poderia ser uma orienta-
com os problemas, sem disporem dos meios necessários à sua solução. ção política divergente no funcionamento local do sistema educativo,
Neste sentido, e exceptuando algumas acções como o programa caso existisse em Portugal uma efectiva descentralização educativa.
de educação física para as escolas do 1° ciclo, o município em estudo, Contudo, na situação actual em que ainda se verifica a permanência
quando toma iniciativas próprias neste domínio, privilegia as acções de uma administração educativa fortemente centralizada, estas ini-
que evitem uma excessiva entrada na escola e um confronto com as ciativas, mesmo que avulsas e limitadas, reforçam o carácter híbrido
orientações, normas e regulações da administração central ou com o da regulação do sistema. Este tipo de acção municipal favorece, assim,
campo específico da "autonomia" da gestão escolar. a complexidade das multiregulações locais, introduzindo factores
de ambiguidade e de adaptação na regulação central, criando novos

126 127
) O ÃO I'I N IIAL

espaços de acção estratégica dos diferentes actores, com o consequcnt •


desenvolvimento de processos de "regulação autónoma".
Finalmente, resta sublinhar que a regulação informal difusa aponta
para uma eventual emergência de novos modos de regulação, privilc CAPÍTULO 4
giando intervenções estratégicas mais dirigidas para uma "política d ·
cidade" e incentivando o desenvolvimento de projectos nas escolas qu • A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ESCOLAS:

possam induzir objectivos e modos de aprendizagem diferentes. um espaço de regulação


Já no que se refere à problemática do combate às desigualdades
na educação, esta encontra-se presente nas medidas de reabilitação
urbana e nos critérios de subsídios da acção social escolar, mas assum ,
quase sempre, uma intenção paliativa dos efeitos da marginalidade c João BARROSO
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
da exclusão social e não de alteração estrutural das condições que lhe
da Universidade de Lisboa
deram origem.
Sofia VISEU
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
Referências bibliográficas da Universidade de Lisboa

BARROSO, J. (2005). A regulação da educação. ln Barr9so, João (org.). Políticas edu -


cativas e organização escolar. Lisboa. Universidade Aberta.
PINH AL, J. e VISEU, S. (2001). A intervenção dos municípios na gestão do sistema
educativo local: competências associadas ao novo regime de autonomia, admi-
nistração e gestão. Programa de Avaliação Externa do Processo de Aplicação do
Regime de Autonomia, Administração e Gestão das Escolas e Agrupamentos de
Escolas definido pelo Decreto-Lei n°. ns-A/98, de 4 de Maio - Relatório Sectorial
6. Lisboa: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade
de Lisboa. Disponível em: http://www.fpce.ul.pt/centros/ceescola/ (02-04-03).
PIN HAL, J. (2003). A actividade educacional das autarquias portuguesas: natureza e
intencionalidade. Comunicação apresentada ao III Congresso Luso-Brasileiro
de Política e Administração da Educação. Recife.

Introdução
A lógica de mercado em educação
A relação de interdependência entre escolas de um território
Lógicas de acção
Conclusão

128
Introdução

Este capítulo visa .a nalisar a criação de novos espaços de regulação da


oferta educativa ao nível das relações que se estabelecem entre esco-
las pertencentes a um mesmo território, bem como reflectir o modo
como é (ou não) garantida a igualdade de oportunidades' 0

Para proceder a este estudo, foi escolhido como indicador central


a análise do fluxo escolar dos alunos, a partir de processos formais e
informais de "escolha da escolà' pelos alunos e suas famílias, tendo
como pano de fundo a existência da carta escolar.
Com base num trabalho empírico num território da área metropo-
litana de Lisboa em que a oferta escolar é superior à procura, foi possível
identificar "desvios" às normas da "carta escolar" que configuram uma
evolução, no planeamento da rede escolar, de "uma regulação pela oferta"
para "uma regulação pela procura". Por seu turno, também observámos
a existência de diferentes lógicas por parte dos responsáveis pela direcção
das escolas no modo como gerem as relações com o externas e internas,
tendo em vista ocupar uma determinada posição no território.
O capítulo está organizado em quatro partes. Numa primeira parte
faremos uma contextualização da problemática da lógica de mercado
na educação, centrando a atenção sobre os dispositivos de regulação da
provisão local de educação, nomeadamente a livre-escolha e a existên-
cia da carta escolar.
Numa segunda parte, apresentaremos os dados recolhidos atra-
vés do trabalho empírico que nos permitiu proceder a uma análise

20 Uma versão parcial deste texto foi publicada na Revista Educação & Sociedade {Barro-
so e Viseu, 2003).

131
J OÃO IIAllll OSO C SO JI I A V I S EU A I NTU ilOU I1 1!NOnN I A RNT ill! 1\S I, A S

dos fluxos de alunos e as relações que se estabelecem enlre as escolas ol j • Uv xpresso de cri arem um "quasi-mercado" de edu cação e de
no mesmo território. Introd uzi mm a lógica económica, que lhe está subjacente, na organiza-
Na terceira parte, faremos a análise das lógicas de acção das ç, c funcionamento da escola pública. Estão, neste caso, po1: exemplo,
escolas envolvidas no estudo, face à posição que ocupam nesse ter- as medidas tomadas por governos conservadores (entre a década de
ritório. Esta análise permitiu identificar como as escolas tiram par- !lo c de 90), no Reino Unido, nos Países Baixos, na Austrália, na Nova
tido da existência de espaços locais de regulação do fluxo de alunos Zelândia, bem como nos Estados Unidos da América, (em particular
para melhorarem as suas condições de oferta escolar, ainda que não o om as administrações Reagan e Bush) e de certo modo, com carácter
façam por assumirem uma política de competição. ma is recente (a partir do início dos anos 90), com o movimento das
Finalmente, num quarto ponto, apresentaremos as principais harter schools. São de incluir, neste grupo, igualmente, muitos dos
conclusões do estudo, col11 particular enfoque em dois pontos. Por programas de ajuda ao desenvolvimento educativo nos países da Amé-
um lado, a existência, em Portugal, no que se refere ao planeamento rica do Sul ou nos países do .Centro e Leste da Europa, pertencentes
da rede escolar, de uma transição en-tre uma regulação pela oferta ao antigo "bloco soviético", conduzidos e financiados por organismos ·
e uma regulação pela procura. Por outro lado, que contributos é internacionais (em particular, o Banco Mundial), ou fundações (como .
possível extrair para a busca de processos alternativos de regulação a Fundação Soros), com os mesmos fins.
das políticas educativas que não fiquem confinados à dicotomia O outro extremo corresponde à adopção de iniciativas mais pon-
Estado-Mercado. tuai; que, sendo muitas vezes do mesmo tipo de algumas.das medidas
anteriores, não assumem o objectivo expresso de substituir global-
' mente o modelo de serviço público existente, mas sim, o objectivo
A lógica de mercado em educação de introduzir ajustamentos ou melhorias no sistema ~ com a intenção
corrigir aquilo que os seus promotores considera~ ser os seus defei-
Embora com cambiantes diferentes, verifica-se hoje uma crise global to s mais nefastos. É o que acontece, por exemplo, na Alemanha, na
do modelo político-administrativo que serviu de referência ao desen- Noruega, ou, particularmente, nos países da Europa do Sul como
volvimento dos sistemas públicos de educação, no pós-guerra, quer Pb~·tugal, Espanha, França e ItáÜa.
nos países industrializados, quer nos países em vias de desenvolvi- Apesar de existir um certo referencial comum, no que respeita à
mento. Essa crise está associada a fenómenos políticos e económicos adopção de determinadas orientações gerais (como sejam a descen-
mais vastos ("choque petrolífero", "crise do Estado Providência", a
tralização, o reforço da autonomia das escoia:s; participação local) e
"emergência de políticas neoliberais", "globalização da economia", etc.) à adopção de medidas de carácter gestionário, inspiradas na moderna
e tem dado lugar à adopção de diferentes medidas de reestruturação gestão empresarial (ligadas à promoção da qualidade, da eficácia e da
do sistema público de educação. eficiência), as duas posições diferenciam-se substancialmente em fun-
Estas medidas têm oscilado entre dois grandes extremos. Um dos ção dos contextos políticos e dos antecedentes culturais e históricos
extremos corresponde ao desenvolvimento de políticas alternativas da administração pública, nos diferentes países.
globais qu~ visam a substituição radical do modelo existente e dos prin- Contudo, grande parte da literatura e dos estudos que têm sido
cípios de "serviço público" em que se baseava. Estas políticas seguem produzidos neste domínio tem tomado como referência as reformas
um modelo neoliberal de "gestão centrada na escola" e assumem o liberais do primeiro tipo, e tem havido uma tendência, por vezes abu-

13 2 13 3
J OÃO BARR OSO e SO I' IA V I SEU A I NTfi i\Ofi f•BNOtN I A fiNTI\6 l!

siva ou não controlada criticamente, para transferir os resultados des- A " I.IVR 8-ESCOL HA" DA ESCOL A
ses estudos e reflexões para outras realidades económicas e políticas Um ·dos principais instrumentos para a criação de um mercado
muito diferentes, como são as dos países do segundo tipo. ducativo tem consistido na possibilidade de escolha das escolas pelas
Importa, por isso, ter em conta que, aquilo que faz a especificidade famílias, quer no interior do serviço público, quer entre escolas públi-
das políticas neoliberais (nomeadamente nos países atrás referidos) as e privadas. A frequência das escolas continua a ser financiada pelo
não é a adopção do princípio da "descentralização" e do "reforço da Estado (em maior ou menor grau, através de financiamento directo às
autonomia da escola", nem a promoção de "novas" técnicas de gestão, fa mílias, ou às escolas, ou através de bolsas, taxas e isenções), mas os
mas sim, a sua "combinação explosiva" com a livre-escolha pelos pais a lu nos deixam de estar sujeitos à obrigatoriedade de frequência das
do estabelecimento de ensino frequentado pelos filhos e com o regime scolas da sua zona de residência ("sectorização"), como é próprio dos
de concorrência entre as diversas escolas públicas, resultante da fór- sistemas onde prevalece o planeamento da oferta educativa através da
mula de financiamento por aluno. chamada "carta escolar".
Na verdade, só perante a conjugação destes ingredientes é que O debate entre os defensores e opositores da "livre-escolha", na
se pode falar de uma política destinada à "construção de um mer- maior parte dos países onde foram ensaiadas experiências nesse sen-
cado da educação". De acordo com esta política, a escola deveria ser tido (Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia, Países Baixos,
"libertada" do Estado, gerida como uma empresa, no quadro de um Chile, entre outros), baseia-se, normalmente, num conjunto de "cren-
sistema de concorrência gerado pela livre-escolha da escola pelos pais. ças". Para os defensores da "livre-escolha" (inspirados principalmente
Isto permitiria a utilização de critérios de rentabilidade e eficácia nas obras de Friedman, 1962 e Chubb e Moe, 1990):
baseados na "satisfação do consumidor", cujos efeitos incidem sobre o
próprio sistema de alocação de recursos públicos (que os mais radicais - A liberdade de escolha da escola é um direito parental;
defendem dever ser feito às famílias, pelo sistema de vouchers, e não - O sistema de administração directa da escola pelo Estado é, intrínseca
directamente às escolas). e inevitavelmente, irresponsável, ineficiente, burocratizado, subordi-
Importa, por isso, distinguir estes casos extremos em que, como nado aos interesses dos funcionários e incapaz de se auto-reformar;
dizem Gaziel e Warnet (1998), "o sistema escolar evolui dum serviço -A livre escolha da escola e a privatização da oferta educativa melhoram
público conduzido por profissionais para um serviço de mercado regido a qualidade das escolas e os seus resultados, ao introduzirem mecanis-
por clientes" (p-4), de outras situações híbridas, onde a "autonomia", mos de competitividade e de responsabilidade perante o consumidor,
a "gestão centrada na escola" e a "escolha da escola" estão longe de terem próprios do mercado.
esta definição tão explícita ou intencional, como é o caso de Portugal.
Isto não significa que no debate que antecede a adopção dessas Os opositores da "livre-escolha" contestam esta opção em função
medidas, ou em algumas opiniões expressas nos meios de comuni- de três críticas principais:
cação social, bem como nas práticas de alguns actores, estas lógicas
de mercado e suas propostas não estejam presentes. Contudo, elas - A liberdade de escolha da escola pelos pais reforça a estratificação
não são maioritárias e acabam por ter de se confrontarem com outras económica, social e étnica entre as escolas, uma vez que os critérios de
lógicas, num processo micropolítico que faz a singularidade destas escolha utilizados pelos pais de estatuto socioeconómico mais elevado
políticas em cada país, como é caso de Portugal. se baseiam mais na "qualidade" dos alunos do que na qualidade das

134 13 5
J Ã UAIUl S C S f i A V I SUlJ A I NTH ll OL!PIINO N , l i\ l!NT ll fi HS 1.1\ S

aprendizagens e os pais das classes populares, ou de minori as étn icas, da "livre-escolha" há alguns seclore · que revelam preocupação por
não têm informação, tempo e recursos para identificarem as "boas csLCs dados e tentam minimi zar os se us "efeitos perversos". É o que se
escolas" e, mesmo se tivessem, não tinham condições para porem em passa, por exemplo, nos Estados Unidos, com d sistema dos "cheques-
prática as suas opções. Ou seja, os comportamentos das famílias não -ensino" (vouchers) onde sectores mais moderados tentam combater
são homogéneos, havendo diferenças claras de estratégias e resultados, os,defensores de um sistema totalmente desregulado (de acordo com
conforme o seu estatuto social e proximidade aos valores escolares pelo as ,. propostas de Friedman), através de um conjunto de medidas regu-
que em vez de diversificar a oferta o que este tipo de regulação faz é ladoras, como por exemplo: os "cheques-ensino" só são concedidos às
hierarquizá-la; famílias de baixos rendimentos ou pertencen.tes a minorias étnicas,
- A competição entre escolas induzida pelos mecanismos de escolha, ou então é imposto um mecanismo de sorteio para seleccionar os
mais do que produzir uma pressão para mudança ou melhoria das candidatos; as escolas privadas são proibidas ae cobrar propinas de
aprendizagens, faz com que as energias e os recursos da direcção das um valor superior ao atribuído no "cheque" (ve( a proposta do Center
escolas se esgote em estratégias promocionais e de marketing para . on Education Policy, 2000). Mas, como é evide~te,a existência destes
atrair os "melhores" alunos; efeitos de segregação como consequência da pO,ssibllidade de escolha
- As políticas de "escolha da escola" pelos pais dos alunos têm sido da escola pelos pais dos alunos é um argumento suficiente para os
promovidas por sectores ligados essencialmente ao ensino privado seus opositores denunciarem o sistema, com base nos riscos que ele
(e confessional) e traduzem uma estratégia elitista na distribuição do coloca à coesão social e ao ideal de bem comum, subjacentes ao ser-
serviço educativo que põe em causa o direito de todos os cidadãos a viço público de educação.
uma educação de qualidade nas suas comunidades de pertença. Por outro lado, dispomos igualmente de evidência empírica sobre
a existência dos mesmos mecanismos de segregação escolar e social
Importa acrescentar que este debate é essencialmente ideoló- nos sistemas de ensino onde não funciona a "livre-escolha". Como as
gico e raramente apoiado em evidências empíricas. Contudo, apesar várias investigações confirmam, nos países onde existe a "carta esco-
da investigação existente ser insuficiente, baseada em experiências lar", com a consequente obrigação de os alunos frequentarem a escola
muito limitadas e não ter em conta a diversidade e complexidade das da sua residência, a situação não é muito mais risonha, uma vez que
dimensões presentes no funcionamento do sistema educativo e nos o mesmo tipo de famílias acaba por conseguir "furar" o sistema, em
seus resul~ados, é possível, no que se refere aos critérios de escolha da função dos mesmos critérios. A polarização social, a hierarquização
escola pelos pais dos alunos e aos seus efeitos, reunir alguns dados que dos estabelecimentos, as desigualdades entre as escolas continua
relativizam os argumentos em presença (Barroso, 2003). a existir nos sistemas que utilizam a carta escolar, embora de uma
Por um lado, dispomos já de um número significativo de dados maneira mais encoberta. Um dos países europeus onde, até há alguns
empíricos que mostram existirem nítidos efeitos de estratificação e anos, vigorou um sistema rígido de obrigação de frequência da escola
segregação provocados pela ''escolha da escola" pelos pais dos alunos. em função da residência (agora em vias de alguma flexibilização)- a
Para os defensores de uma escola elitista esse é um bom resultado e só França - conta hoje com um volume significativo de investigações
prova que a regulação pelo mercado funciona de maneira eficaz como que mostram exis~irem fenómenos sistemáticos e consistentes de
mecanismo de selecção social. Contudo, mesmo dentro das corren- segregação ge1~ados por processos "informais" de escolha da escola
tes liberais e conservadoras onde se encontram os maiores apoiantes pelos pais ou de selecção dos alunos pelas escolas, muitas vezes asso-

13 7
J O ÃO IJAilll OSO e SO F IA V I Sil U A I N T li ll O ft I' ll N 0 nN I A ll N T llll rt S LA

ciados a fenómenos de exclusão escolar e urbana (ver em particular ll um modo de regulação institu cional dos flu xos de alunos, através
Van Zanten, 1996, 2001 e Barthon e Oberti, 2000). Estes processos do ontrolo exercido por uma autoridade reconhecida, que orienta as
informais são muito variados e dependem quer dos conhecimentos e a es e interacções dos indivíduos e elementos do sistema, através da
espírito de iniciativa dos pais dos alunos, quer do seu estatuto econó- produ ção de normativos e informações (Maroy e Dupriez, 2ooo).
mico: obter uma derrogação que permita frequentar um outro esta- Importa, contudo, referir que o processo de elaboração das cartas
belecimento que não o da sua zona de residência; fornecer moradas colares por parte dos municípios foi sendo realizado num quadro
falsas; "negociar" com o director da escola da sua preferência uma de ausência de regulamentação e os casos onde a carta está concluída
medida de excepção à carta escolar; mudar de residência para uma s o reduzidos, verificando-se significativas assimetrias entre municí-
zona mais favorável; recorrer ao ensino privado. Estes mesmos pro- pios urbanos ou rurais (Pinhal e Viseu, 2001). Deste modo, num con-
cessos ocorrem em muitos outros países, nomeadamente nos Estados Lcxto de alguma indefinição nos dispositivos legais, até à aprovação do
Unidos onde, de acordo com uma estimativa feita a partir de estatís- Decreto-Lei n.o 7h003 de 15 de Janeiro, a elaboração da rede escolar e
ticas nacionais por Henig e Sugarman (1999), se calcula que os pais a definição da oferta educativa, tornam-se vulneráveis e alvo de pres-
de cerca de um terço do total dos alunos, que frequentam o ensino sões sobre a decisão política, entre o Ministério da Educação e suas
básico e secundário, escolheram o seu local de residência em função estruturas desconcentradas, as autarquias e, de forma por enquanto
da escola em que queriam matricular os seus filhos (citado por Gill menos expressiva, as famílias e alunos (Macedo e Afonso, 2002).
et al., 2001, p. nS)". Vejamos com mais detalhe como tem sido desen- Ainda assim, a carta escolar estabelece que no ensino básico (esco-
volvido este processo no caso português. lari dade obrigatória) a inscrição dos alunos em escolas públicas faz-se
em função da "proximidade da área de residência, ou da actividade
DA REGULAÇÃO PELA OFERTA À REGULAÇÃO PELA PROCURA profissional dos pais", devendo ser assegurada ao longo de todo o ciclo
Em Portugal temos assistido, desde os anos So, a uma progressiva de escolaridade. No ensino secundário a escolha da escola faz-se em
passagem de uma regulação centralizada através de uma carta escolar função dos cursos ou fileiras que o aluno deseja frequentar (pois nem
elaborada nacionalmente, para uma regulação mais descentralizada todas as escolas oferecem as mesmas opções). Num caso e noutro, sem-
através de cartas escolares municipais elaboradas pelas autarquias, pre que numa escola há uma procura maior do que a oferta, as vagas
apesar destas existirem em poucos casos. deverão ser preenchidas de acordo com a seguinte ordem de priorida-
Assim sendo, prevalece ainda a carta escolar como um importante des: alunos que frequentaram a escola no ano lectivo anterior; alunos
instrumento de planeamento e gestão da oferta educativa e dos equi- com necessidades educativas especiais; alunos com irmãos já matri-
pamentos escolares, através da qual se espera proporcionar o acesso culados na mesma escola; alunos cuja residência ou lugar de trabalho
ao ensino em condições de igualdade e equidade, assegurando o ser- dos pais se situa na área de influência da escola. Nas situações em que
viço público de educação. De certo modo, a carta escolar corresponde a oferta de escolas públicas do ensino básico (obrigató1~io) não é sufi-
ciente, o Ministério da Educação pode realizar contratos de associação
21 Os dados globais desta estimativa, mesmo que indicativos, são elucidativos do processo
com escolas privadas que ficam sujeitas aos mesmos critério$.
de escolha da escola, em Portugal: 41% não exerceram qualquer tipo de escolha; 36% exerce-
ram a escolha da escola através da selecção da zona onde iriam residir; 10% escolheram escolas Em coexistência com o contexto institucional descrito, existe outra
privadas; u% recorreram a mecanismos experimentais de escolha da escola existente em di- forma de regulação do fluxo de alunos, baseada no jogo da oferta e da
versos distritos escolares; 2% preferiram o ensino doméstico; 1% as "charter schools" (Gil! et
al., 2001, p. n8). procura, exercida por parte dos alunos e suas famílias, assistindo-se a

13 8 139
J OÃO UARR OSO e SOI' IA V I S il U A I N'I'H ilOI\I'GNOfiN C IA HNTitH US I.A S

uma progressiva passagem de uma "regulação da procura" pela oferta, Os três factores mencionados aconselham a que se relativize a
a uma "regulação da oferta" pela procura. Isto significa que a regula- influência dos modos de regulação institucionais a priori como estru-
ção institucional pela carta escolar e pela sectorização (obrigação dos luradores da acção. A regulação é produzida enquanto um "processo
alunos frequentarem a escola da sua residência) vai sendo "subvertida" social de produção de regras de jogo" resultante da "articulação (ou
por formas de regulação mais autónomas, produzidas no contexto da transacção) entre uma ou várias regulações de controlo e os pro-
situacional. Estas formas de regulação resultam, essencialmente, do cessos horizontais de produção de normas nas organizações" (Maroy
jogo da procura social e das estratégias das famílias, em particular e Dupriez, 2000, p. 76). Esta abordagem permite uma leitura e aná-
da classe média, que desejam escolher escolas ou itinerários escolares li se dos fluxos reais dos alunos em função do que seria previsível de
com maiores possibilidades de sucesso e mobilidade social. Importa, acordo com os critérios da carta escolar.
pois, assinalar três factores que estão na origem da emergência deste Por seu turno, os três factores referidos em conjunto com a exis-
outro modo de regulação. lência de um instrumento de regulação institucional sugerem ainda a
O primeiro factor está relacionado com o surgimento de um dis- mobilização do conceito de multirregulação, uma vez que os "proces-
curso apologista da introdução dos conceitos de mercado no domí- sos de regulação não resultam de qualquer imperativo (... ) definido a
nio educativo. Atendendo a experiências semelhant,~s noutros países, priori, mas sim dos interesses, estratégias e lógicas de acção de dife-
nomeadamente no caso. da Inglaterra, estas medidas podem contri- rentes grupos de actores" e "as acções que garantem o funcionamento
buir para a selecção por parte dos estabelecimentos de ensino do seu do sistema educativo são determinadas por um feixe de dispositivos
público escolar, por um lado, e para a introdução de mecanismos de reguladores que muitas vezes se anulam entre si, ou pelo menos, rela-
concorrência entre os estabelecimentos de ensino, por outro, con- tivizam a relação causal entre princípios, objectivos, processos e resul-
duzindo a u_ma situação de exclusão de certas populações escolares lados" (Barroso, 2002, p. 61).
(Woods, Bagley e Glatter, 1998). A existência de processos informais de escolha da escola pelos
Um segundo factor, e certo modo decorrente e estimulado pelo alunos (ou de "escolha" dos alunos pelas escolas), mesmo nos países
discurso descrito, prende-se com a intensificação de estratégias infor- onde vigora o sistema da "carta escolar", constitui um objecto de pes-
mais de manipulação da informação sobre o local de residência ou quisa importante para detectar (e interpretar) a emergência de "quasi-
· da ·a~tividade profissional dos encarregados de educação, utilizada -mercado" e "novos" modos de regulação no domínio das políticas
sobretudo por famílias da classe média e que permitem a escolha da públicas de educação. .
escola (Macedo e Afonso, 2002).
Finalmente, um terceiro factor, que potencia os dois já menciona- Em síntese, podemos dizer que a gestão dos fluxos escolares dos
dos, está associado aos efeitos decorrentes da diminuição do número alunos, em Portugal, continua a obedecer, no essencial, às regras
de alunos sobre a oferta escolar existente. ·Em determinados 'contex- de obrigação de frequência da escola pública em função do local de
tos, nomeadamente em áreas urbanas em que e~ste mais do que uma residência dos alunos ou do local de trabalho dos pais, subjacentes
escola do mesmo grau de ensino e em que se assiste a um decréscimo ao planeamento da oferta educativa pela "carta escolar". Estas regras
do número de alunos, sobretudo no ensino secundário, e apesar dos foram concebidas para fazer face ao planeamento da oferta escolar
normativos institucionais existentes, a livre escolha da escola por num período de expansão da frequência de alunos e perderam muito
parte de alguns alunos e famílias é uma prática corrente. do seu sentido original num período de retracção dessa frequência,

140 141
J O Ã O UA itlt OS e SO I' I A V I S UU 11 I NTU1t11F.PI\NI)~N C I II UNT ill\ HS ' O I.A S

como o que se verifica actualmente em Portugal e como os dados obti - momc nlo em que os alunos das cinco escolas básicas do territóri o,
dos no presente estudo claramente o demonstram. que Lencionam prosseguir estudos de nível secundário, têm de mudar
Na verdade, durante o período de expansão, caracterizado por de escola. Em segundo lugar, este momento de transição corresponde
uma forte procura (aumento da escolaridade obrigatória, democra- a um a alteração nos critérios da carta escolar para a distribuição de
tização do acesso ao ensino), e por um défice de equipamentos e alunos pelas escolas (da morada de residência para o curso e agrupa-
de vagas, os responsáveis pelos estabelecimentos de ensino podiam mento que o aluno deseja frequentar). Finalmente, em terceiro lugar,
desenvolver estratégias "clandestinas" de selecção de alunos e embora · Le é também um momento de selecção no sistema educativo, pois
não haja investigação produzida sobre este fenómeno há evidências or responde à conclusão da escolaridade obrigatória, estando a inscri-
claras (a partir de testemunhos diversos) de que tal acontecia. Con- ção no ensino secundário associada ao reforço de estratégias escolares
tudo, a partir do momento em que, como hoje acontece em muitas para o acesso ao ensino superior.
localidades, a oferta de vagas excede a procura, começa-se a assistir ao A metodologia seguida para o estudo dos fluxos escolares dos
fenómeno inverso, isto é, são os alunos e suas famílias que desenvol- alunos foi composta por duas fases. Numa primeira fase, houve a
vem estratégias (igualmente "clandestinas", ou pelo menos informais) . necessidade de identificar e descrever os fluxos escolares dos alunos
de selecção das escolas. entre as escolas do território. O enfoque atribuído a este momento
de transição implicou um design de investigação do tipo extensivo
c descritivo, com a produção de dois questionários dirigidos aos
A relação de interdependência alunos. O primeiro questionário foi aplicado aos alunos do 9° ano
entre escolas de um território de escolaridade das escolas em estudo no ano lectivo 2001/02, com
o objectivo de conhecer as suas expectativas e desejos quanto à
O estudo empírico que iremos apresentar de seguida elegeu a existência escola, curso e agrupamento a frequentar no 10° ano de escolaridade,
de processos informais de escolha da escola pelos alunos (ou de "esco- Lendo sido devolvidos 517 questionários, o que corresponde a 81%
lha" dos alunos pelas escolas) como objecto de pesquisa, no sentido do universo. O segundo questionário foi lançado no início do ano
de detectar (e interpretar) a emergência de "quasi-mercados" e "novos" lectivo seguinte, 2002/03, aos alunos que frequentam o 10° ano de
modos de regulação no domínio das políticas públicas de educação. .escolaridade nas escolas com ensino secundário, com o objectivo de
A investigação foi realizada num concelho limítrofe de Lisboa que, comparar as suas expectativas à saída do 9° ano com a sua situação
de acordo com informações prévias, constituía uma unidade relativa- escolar, tendo sido obtidas 584 respostas, o que corresponde a 80,3%
mente coerente para a observação dos fluxos de alunos e onde a oferta do universo.
escolar em certos anos de escolaridade é superior à procura. Este terri- Os questionários continham questões para a caracterização
tório urbano é composto por nove escolas: uma escola básica integrada, social e económica dos alunos (nacionalidade, profissão e habilita-
quatro escolas básicas com os 2° e 3° ciclos de escolaridade, três escolas ções académicas dos pais ... ), para a descrição do percurso escolares
secundárias com o 3° ciclo de escolaridade e uma escola secundária. (repetições ao longo da escolaridade, escolas frequentadas ... ) e para
A transição do 9° ano para o 10° ano de escolaridade foi selec- saber se a escola em que se encontravam correspondia, ou não, àquela
cionada como o momento decisivo para a observação dos fluxos de que deveriam frequentar de acordo com os critérios da carta escola
alunos por três motivos centrais. Em primeiro lugar, trata-se de um (residência, local de trabalho dos pais ... ).

142 143
A I NTii lliH! I'I! NO n N I A fi NTfl ll li SC J. A S
J O Ã O IJAilll O S O e SO I' IA V I Sll U

1' 1( lJ it A I - A s l' IUJFll HflN C IA S DOS AL UNOS ll S C RI TÍ! IU OS D A C ARTA ll C I. Ait


Numa segunda fase, o objectivo foi compreender e interpretar
a configuração dos fluxos observados em função dos fenómenos
de interdependência e das "lógicas de ,aÇção" das direcções das
escolas, tendo envolvido, sobretudo, a recolha de dados de natu -
reza qualitativa. Por um lado, a recolha documental de "projectos
educativos", planos e relatórios de actividades, jornais escolares ,
folhetos, enfim, um conjunto de documentação escrita e produ -
zida pelos actores escolares. Por outro lado, a recolha, através de
entrevista, da opinião e'perspectiva dos actores envolvidos nestas
dinâmicas. Estes dados permitiram identificar e analisar diferen-
tes lógicas de acção (externas e internas) desenvolvidas pelos res-
ponsáveis pela gestão das escolas no sentido de con-tribuírem para
a criação, manutenção ou correcção da sua posição relativa no seu
território de pertença.
Os resultados do questionário lançado aos alunos do 9° ano de
LEGENDA :
escolaridade evidenciaram que "apenas 59,2% dos alunos evocaram
____.. Preferências que estão de acordo com os critérios da carta escolar
no boletim de matrícula pelo menos um dos critérios da carta esco -
-- - • Preferências que não estão de acordo com os critérios da carta escolar
lar para fundamentar a sua escolha, o que significa que, ao nível dos
desejos e das expectativas existe um desvio quanto aos critérios da
carta escolar. Estes desvios estão ilustrados na figura seguinte onde
Estes dados foram reforçados pela análise dos resultados do
se comparam as preferências dos alunos que frequentavam o 9° ano
questionário lançado às turmas do 10° ano de escolaridade. Por um
em escolas básicas e o fluxo que seria de esperar de acordo com os
lado, 92,0% dos alunos estão matriculados na escola escolhida como
critérios da carta escolar. A cheio são assinaladas as percentagens
primeira opção. Por outro lado, apenas 58,2% dos alunos inquiridos
de alunos que escolhem uma escola secundária de acordo com os
estão a frequentar uma escola secundária compatível com a utilização
critérios da carta escolar.- A tracejado são indicadas as percenta-
de um dos critérios da carta escolar.
gens de alunos que escolhem uma escola secundária sem atender
Com base nos dados obtidos (nos questionários, nas entrevis-
aos critérios da carta escolar (por exemplo, 11.4% dos alunos da EB
tas e na análise documental) foi possível proceder a um ensaio de
I A preferem a escola secundária da sua área de influência, a ES A,
construção de uma tipologia que permitisse distribuir as escolas
mas 68,6% dos alunos preferem a ES B que não está abrangida pelos
cm função da posição relativa que ocupam num mesmo espaço de
critérios da carta escolar). Note-se que não estão assinalados todos
interdependência/concorrência. ,
os fluxos relativos a cada escola, mas apenas os que são mais perti-
A tipologia foi construída tendo em conta duas dimensões de
nentes para o estudo. ··
análise: a atractividade da escola, em termds de públicos escolares, e a
sua mobilização, pedagógica e/ou organizacional.

145
144
I Ã JIAI\1\ SOe SO I'IA V I S H IJ A I N 'I' li ll ll H I' li N I) • N C I A I( N 'I' ll li li~ c: O I. A S

Em relação à atractividade da escola foram considerados d Is - E sCO LA S POUCO ATI~A C TIVA S MA S MOU ILI ZADAS
tipos de dados. Em primeiro lugar, a análise do fluxo escolar dos alu - A r.osição ocupada pela escola EB 23 O merece uma justificação
nos que evidenciou, como vimos, escolas mais ou menos atractivas detalhada. Por um lado, a escola foi, durante muito tempo, pouco
para as famílias e alunos. Em segundo lugar, a evolução do número d alracliva para as classes médias e altas residentes na sua área de
alunos ao longo dos anos, assim como a composição e características Influência por ser frequentada por alunos de classes sociais baixas,
da população escolar. moradores num grande bairro clandestino e degradado. Apesar das
Em relação à mobilização, entendeu-se considerar o conjunto arac terísticas da população escolar, a escola surgiu sempre como
de medidas desenvolvidas pela gestão para melhorar o funciona - mobilizada pedagogicamente para receber esses alunos e procurou , se
mento geral da escola, com particular enfoque no domínio pedagó - não resolver, pelo menos minimizar os seus problemas. Actualmente,
gico, para promover a sua imagem junto da população local, e para com a extinção do bairro degradado, no quadro de uma política de
garantir a coesão ou consistência das políticas seguidas no combate realojamento, a escola apresenta-se como mais atractiva, sobretudo
às desigualdades. no 2° ciclo de escolaridade, ainda que sofra de uma imagem negativa
O cruzamento destas duas dimensões, permitiu situar as escolas que tende a esbater-se. A direcção continua voluntariosa em melhorar
umas em relação às outras, pela análise das suas características. as condições da escola.

IJ - ESCOLAS POUCO ATRACTIVAS E POUCO MOBILIZADAS


fiGURA 2 -TIPOLOGIA DAS E SCOLAS A EB I é a única escola do território que surge, em simultâneo,
como pouco atractiva e pouco mobilizada. A escola tem apenas
Escola mobilizada
seis anos de existência e funciona num bairro degradado, habitado
I EB23 D EB23 C III sobretudo por imigrantes e seus descendentes, nomeadamente das
ES B ex-colónias portuguesas. As características do bairro reflectem-se nas
ESC
EB 23E características da população escolar e, aos olhos da restante popula-
ção da freguesia, a escola surge como pouco atractiva pela má ima-
Escola pouco atractiva - - - - - - + - - - - - - - - - Escola atractiva
gem pública que lhe é atribuída. A escola foi ainda considerada como
EB I ESA pouco mobilizada e a relação dos professores foi descrita como a mais
ESD difícil e conflituosa.
II EB23 B IV
Escola pouco mobilizada IIJ - ESCOLAS ATRACTIVAS E MOBILIZADAS
Neste quadrante situam-se quatro escolas que foram identificadas
como atractivas e, simultaneamente, mobilizadas. Contudo, a razão
A figura evidencia diferenças entre as escolas no que toca à sua dessa atractividade e o tipo de mobilização são distintos entre as qua-
atractividade e à sua mobilização, sendo necessária a apresentação tro escolas, sendo visíveis maiores diferenças ao nível da ES B e da EB
mais detalhada de cada um dos quadrantes, assim como das escolas 23 C. No caso da escola secundária, esta atractividade é dada pela ele-
que os ocupam. vada procura dos alunos, nomeadamente dos alunos residentes fora

147
I ÃO IJAillt OS e S fl i A V I S il U

A I N 'I' ll ll 0 ll l' ll N D nN I A fl N T ll H ll S C I. A S
da sua área de influência, e pela sua mobilização pedagógica, com 0
desenvolvimento de vários projectos que visam a integração dos alu - a regulação institucional, bem como os efeitos da transição de uma
nos, pela diversificação da oferta escolar. Já no caso da escola básica, "regulação p~la oferta" para a "regulação pela procura". Num território
a atractividade assume, pelo contrário, um carácter mais selectivo de cm que a oferta escolar é superior à procura, a descrição dos fluxos
al~n?s; a elevada procura da escola é explicada pela sua boa imagem escolares permitiu tornar mais visíveis as estratégias de escolha dos
pubhca, sobretudo junto das classes médias e altas. A mobilização a lu nos e famílias e manifestações esporádicas de controlo social da
foi considerada como elevada pelo facto de os professores parecerem escola numa lógica de mercado.
empenhados em manter essa boa imagem, nomeadamente para 0 Apesar dos mecanismos de regulação institucional existentes,
exterior. que supostamente garantem a igualdade e equidade no acesso ao
serviço público de educação, tornou-se possível identificar diferenças
IV- ESCOLAS ATRACTIVAS MAS POUCO MOBILIZADAS entre escolas nos seus graus de atractividade, o que deixa transparecer
Finalmente, três das escolas do território foram identificadas uma certa "hierarquia" nas posições relativas que estas ocupam no
como atractivas e, contudo, pouco mobilizadas, ainda que existam território.
diferenças importantes entre si. O caso da ES D será interessante
pelo facto de ser uma das escolas do ensino secundário com melhor
imagem pública do território, embora os dados recolhidos apontarem Lógicas de acção
par,a alguma falta de mobilização ao nível pedagógico. A boa imagem
esta em grande medida associada ao facto de a escola funcionar num De um modo geral, em Portugal, os princípios enunciados que fazem o
edifico novo, com boas infra-estruturas e equipamentos; a reduzida enquadramento geral para a afectação dos alunos a uma determinada
mobilização está associada à falta de um aproveitamento mais efectivo escola pública são assumidos pelas escolas, embora sejam conheci-
das condições e recursos existentes. Quer a EB 23 B quer a ESA foram das diferentes modalidades informais para, pontualmente, contornar
colocadas neste quadrante pelo contraste existente com as restantes algumas obrigações. Quando numa determinada escola a procura é
escolas do III quadrante. Por um lado, na EB 23 B foi detectada uma superior à oferta, o controlo das regras estabelecidas pela carta escolar
reduzida oferta escolar, nomeadamente no que se refere a actividades é teoricamente mais apertado, mas também é maior a pressão para
extracurriculares e na ES A a existência de maiores clivagens e dife- pô-las em causa, quer por parte da escola, afastando alunos "menos
rentes grupos de interesses entre o corpo docente; estas característi- desejáveis", quer por parte dos pais, arranjando "moradas falsas".
cas conferem às duas escolas uma menor mobilização. Por outro lado, Nestas situações, como o critério de prioridade é determinado pela
a base de recrutamento das duas escolas está muito restringida às suas idade mais baixa, isso significa que os alunos com piores perc~rsos
áreas da influência, apresentando-se como atractivas apenas junto da escolares são mais facilmente deslocados para outra escola. Em con-
população residente nessas áreas. trapartida, se a procura é inferior à oferta, as escolas têm tendência a
flexibilizar os critérios da "carta escolar" admitindo alunos de fora da
Em síntese, o território escolhido para a realização do estudo sua zona de influência.
mostrou-se adequado para ilustrar o modo como a regulação do De registar ainda, o aparecimento, ainda muito reduzido, de estra-
sistema está a ser realizada por múltiplos factores que ultrapassam tégias de promoção de cursos e escolas, no ensino secundário, para
atracção de alunos, bem como a influência que a especialização (actual-

149
JO ÃO IJARR OSO e S OI' I A V I SEU A I N T E ll O E P I) N I) nN " I A I! N T ll I! I! S I, A S

mente em curso) de escolas em determinadas fileiras do ensino secun - nça, foi possível identificai' quatro llpos de espaços e situações de
dário irá determinar no fluxo dos alunos. Finalmente, é de sublinhar Intervenção: ·
nestas novas formas de regulação do fluxo dos alunos o peso progressi-
vamente maior do ensino privado, particularmente no ensino secundá- As "reuniões da rede"
rio, na tentativa que os alunos e suas famílias fazem para beneficiarem Estas reuniões eram da iniciativa e coordenadas pela adminis-
de maiores facilidades na obtenção de classificações mais elevadas que lração desconcentrada do Ministério da Educação (à data do estudo,
permitam melhorar a sua nota de acesso ao ensino superior. o Centro de Área Educativa) onde era definida a distribuição da oferta
Perante as relações de interdependência observadas e o quadro ·ducativa numa determinada área escolar (distribuição do número de
institucional de regulação existente, importava perceber como as vagas de alunos, por escolas, anos de escolaridade e cursos). Esta dis-
direcções das escolas gerem as relações das suas organizações com tribuição era condicionada por alguns constrangimentos estruturais
o ambiente externo e interno, tendo em vista ocupar uma determi- ou normativos que deixam um campo de manobra reduzido às direc-
nada posição no seu espaço de interdependência. Nesta fase do estudo, ções das escolas, para influenciarem a natureza e composição do seu
havia ainda o objectivo de identificar os princípios e estratégias que pú blico de alunos. Apesar destes constrangimentos muitas direcções
estruturam e sustentam essas relações (lógicas de acção) e o modo de escolas conseguem desenvolver, nestas reuniões, estratégias de tipo
como lidam com os fenómenos de segregação e das desigualdades. negocial que permitem flexibilizar as normas, satisfazer algumas pres-
Nesse sentido, o estudo foi aprofundado com preocupações mais sões corporativas internas destinadas a manter uma oferta educativa
qualitativas, implicando duas estratégias de recolha de informação. ajustada às características do seu corpo docente efectivo, desenvolver
Por um lado, a consulta e recolha documental de "projectos educa- iniciativas específicas para atrair alunos potencialmente destinados a
tivos", planos e relatórios de actividades, jornais escolares, folhetos, outras escolas, ou desviar alunos que lhes pertenciam. Nas entrevistas
enfim, um conjunto de documentação escrita e produzida pelos realizadas encontramos alguns sinais elucidativos da existência, nes-
actores escolares. Por outro lado, a recolha da opinião e perspectiva tas reuniões, de estratégias específicas, por parte de algumas direcções
dos actores envolvidos nestas dinâmicas. Foram realizadas três entre- de escola, tendentes a obter vantagens próprias, numa distribuição
vistas por escola: uma ao presidente do conselho executivo, outra ao que se esperaria, à partida, ser definida por regras universais. A título
presidente da associação de pais e encarregados de educação ou seu de exemplo, num caso, foi levantada a suspeita de haver por parte de
representante e, finalmente, uma entrevista a um professor. uma das escolas secundárias critérios de natureza étnica na recusa
Através da análise dos dados obtidos foram identificados espa- de admissão de alunos oriundos da sua escola: "A primeira que eles
ços e situações de intervenção (externa e interna), onde mais se procuram é logo a [escola] que está mais perto, só que imediatamente
afirmam as estratégias dos responsáveis pela gestão das escolas é-lhes dito que não têm vaga e na realidade, muitas vezes, não têm
no sentido de melhorarem a sua posição relativa no seu espaço de vaga, mas os brancos acabam por entrar, apesar de não haver vaga,
interdependência. mas isto, atenção que não pode ser dito, eu não tenho provas, mas isto
é a constatação ... "(EB Verde).
LÓGICAS D E ACÇÃO EX TERNAS Noutro caso, a tentativa de influenciar o recrutamento dos alunos
No âmbito das relações que as escolas estabelecem com o ambiente faz-se pela própria negociação, na reunião da rede, de quais os cursos/
exterior, para influenciar a sua posição relativa no território de per- opções (do secundário) que deverão funcionar na escola. Foi o que

15 0
) OÃ llARR OS O e SO I' IA VI SE U A I N'I'I\ I(i) I\ 1'1\NOP. N C IA ll N'I'R il 1\ SCO I. A S

parece ter acontecido numa escola que "fechou" a opção de Desporto c da su a capacidade eslratégica em angariar apoios para melhorar o
para evitar os alunos que buscam este curso: "a [escola] acabou com atendimento aos alunos e as condições em que é prestado o serviço
os cursos Tecnológicos, de facto, acabou com o Desporto, só no 1° Agru- educativo.
pamento é que têm formação técnica de desporto, portanto, e a escola Em princípio, elas não resultam de uma intenção deliberada de
normalmente, quer dizer desfazem-se dos alunos que acham ou que são conquistarem uma melhor posição no espaço de interdependência
problemáticos ou que não são 'grande espingarda" (ES Cor-de-rosa). com as outras escolas mas, como é evidente, acabam por ter efeitos na
sua imagem junto dos pais e da população em geral e, portanto, nas
Relações com outras escolas suas condições de atractividade.
Uma segunda possibilidade de intervenção da direcção das esco- Entre as entidades exteriores que colaboram com as escolas neste
las, na gestão dos fluxos escolares dos alunos, consiste no modo como processo, o lugar de destaque vai para a Câmara Municipal. E isto
elas gerem as relações das escolas com quem partilham uma mesma é tanto mais significativo quanto as Câmaras Municipais não têm
área de influência. Apesar de não existirem estruturas formais de coo- (ainda) responsabilidades efectivas na administração das escolas
peração ou de concorrência inter-escolas, o certo é que as entrevistas destes graus de ensino. De acordo com os testemunhos recolhidos,
revelaram a ocorrência de algumas iniciativas pontuais com esse fim. a colaboração da Câmara parece depender bastante do grau de persu-
Algumas das iniciativas mais vezes referidas dizem respeito à asão ou conhecimento pessoal da direcção das escolas cotn o execu-
preparação da integração dos alunos que terminam a escola primária tivo, o que explica uma relativa discrepância nas opiniões produzidas
(4o ano de escolaridade) na EB 23 que os irá receber no ano seguinte sobre a sua acção. Eis um exemplo: o director da escola EB Amarela
(so ano): visitas de alunos, reuniões entre as direcções das duas esco- afirma, a este propósito: "Sim, é muito boa [a relação com a Câmara].
las, informações e recomendações dos professores do 1° ciclo sobre os Eu conhecia o [nome do presidente da Câmara] e ele é transmontano,
alunos que transitam para o 2° ciclo. nós os transmontanos somos todos iguais para trabalhar. Em termos de
Apesar destas iniciativas não estarem relacionadas, directamente, verbas, as verbas são conforme as actividades... Mas geralmente nós
com a selecção de alunos, elas podem assumir, em alguns casos, uma temos sempre um belíssimo apoio da Câmara".
estratégia promocional das escolas básicas escolas básicas dos 2° e 3°
ciclos, principalmente quando, num mesmo território, existem alter- Promoção da escola
nativas (públicas ou privadas) para a prossecução dos estudos após a As iniciativas deliberadas de promoção da "imagem pública"
escola primária. da escola (tipo marketing educativo) são praticamente inexistentes.
Embora muitos dos entrevistados reconheçam diferenças sensíveis nas
Melhoramentos "imagens" que os alunos e suas famílias têm das escolas, raramente são
Correspondem a iniciativas destinadas a resolver problemas de referidas estratégias deliberadas (por parte dos responsáveis da escola)
instalações ou de funcionamento que contam com o apoio de entida- no sentido de influenciar essa imagem. A imagem é, sobretudo, "per-
des exteriores (administração regional, câmara municipal, empresas, cebida" e não "transmitida" e resulta de uma diversidade de factores
associações, serviços sociais, de saúde, de segurança, locais, etc.) ou que os responsáveis das escolas parecem, em muitos casos, não querer
da própria associação de pais. Estas iniciativas dependem, sobretudo, ou não poder controlar.
das características da direcção das escolas, do seu sentido de missão

152 153
J OÃO BARR OSO e SO I'IA VI S E U A I N 1' R ll IJ H I' ll N I) N ' I A li N T ll H 11 S C O I. A S

LÓGICAS DE ACÇÃO INTERNAS Projectos e actividades extracurriculares


Quanto às "lógicas de acção" internas, a tentativa da direcção das A reali zação ·de projectos e actividades extracurriculares surge
escolas de controlar a influência do ambiente externo e de lidar com ·o;n o fim de melhorar a prestação do serviço educativo, de os profes-
os fenómenos de segregação, e desigualdade de oportunidades, tendo S( res obterem uma realização profissional não satisfeita pelo modelo
em vista melhorar a sua posição relativa no seu espaço de interdepen- uniforme decidido centralmente e de adaptar (a maior parte das vezes
dência, passa, sobretudo, pelo seguinte tipo de intervenções: de maneira isolada e sectorial) as condições de funcionamento da
•scola às características dos alunos e meio social de pertença. Essas
Controlo dos professores sobre os órgãos de gestão a lividades são uma clara manifestação de margens de autonomia de
Apesar da legislação ter posto a ênfase na assembleia de escola decisão e de auto-regulação na produção e gestão de recursos que a
como estrutura de participação da "comunidade educativa" responsá- •scola utiliza com os fins mais diversos e em função de lógicas muito
vel pela definição das grandes linhas de orientação da política interna distintas. Embora não esteja ausente, na maior parte dos casos, uma
da escola (projecto educativo) e pelo controlo dos seus resultados, ela ·ct'la intencionalidade educativa nas actividades propostas, elas rara-
está longe de desempenhar esse papel e as referências que são feitas a mente se articulam com as actividades de ensino desenvolvidas pelos
este órgão são, em geral, pouco positivas. 1 rofessores na sala de aula. Estão orientadas sobretudo para a "ocu-
pação de tempos livres" (isto é, não integrados no horário escolar), ou
Relações escola-família para a animação cultural e socioeducativa (isto é, não integradas no
Dos dados recolhidos emergiu uma certa visão funcionalista programa das diferentes disciplinas).
das relações escola-família dos alunos, mais centrada na necessidade
dos pais (principalmente dos "piores" alunos) ajudarem a resolver os Organização das turmas
problemas da escola, do que no exercício do direito parental de tutela Observámos ainda a introdução de critérios de selecção de alu-
da educação dos seus filhos. A tónica neste domínio é a lamentação, nos na organização de horários e turmas, sujeitos a um certo enviesa-
por parte dos responsáveis pela gestão das escolas, quanto ao défice menta étnico e social, com reflexos na equidade do serviço educativo
de participação dos pais neste processo, quer nos aspectos mais ins- c igualdade de oportunidades. Nas escolas que funcionam em regime
titucionais (como é o caso da assembleia de escola, já referida), quer duplo este factor é particularmente sensível na afectação dos alunos ao
nos contactos mais pessoais, tendo em vista o acompanhamento da ''turno da manhã" ou ao "turno da tarde". No primeiro caso, o horário
vida escolar dos seus filhos (quem aparece são os pais dos "alunos que das aulas é predominantemente de manhã, com uma ou duas tardes
não dão problemas"). Apesar de não dispormos de medidas fiáveis pa rcialmente ocupadas; no segundo caso, o horário das aulas é pre-
que permitam avaliar, com rigor, o grau e tipo de participação dos dominantemente de tarde, com uma ou duas manhãs parcialmente
pais nas reuniões promovidas pela escola, a impressão geral que se ocupadas. A escolha de um ou outro turno dá lugar a um "jogo" de inte-
recolhe nas entrevistas é que ela é muito variável. Mas há escolas que resses e de influências, por vezes contraditórios, quer entre os professo-
se declaram satisfeitas com o nível de participação (EB Azul, EB Ver~ res quer entre os pais dos alunos. No caso dos professores, existe uma
melha, ES Cinzenta) e nesses casos a escola vê na participação dos pais tendência para os mais antigos e mais graduados (que têm prioridade
sobretudo um meio de eles ajudarem a resolver os problemas que os na escolha de horário) preferirem o turno da manhã, ficando os mais
professores têm com certos alunos. novos e, por vezes, menos habilitados, com o turno da tarde. No caso

15 4 15 5
A I N T li ll IH( P t N I) nN C: I A R N 'I' lll! li S • I. A S
1O Ã O U A R R OS O e S O I' I A V I S EU
Ipa i, procuram caplar a colabo ração dos pais, desenvo lvem projecLos
dos pais dos alunos, existe uma forte pressão para que os seus filh s ,. tra urriculares, estabelece m relações com outras escolas, etc. Con-
fiquem no turno da manhã, pelo que os mais influentes, mais empe- tud o, a tónica dominante continua a ser a de promoção de um serviço
nhados ou com maior capacidade reivindicativa conseguem encontrar 1 ôbli co "universal" para todos os alunos e não a de se adaptarem à
argumentos ou estratagemas para fazer valer os seus interesses. , 1Usfação de diferentes interesses privados.
Como assinala a coordenadora dos directores de turma da ES Cor- Estas escolas mobilizam-se não por imperativos de concorrência
-de-rosa, onde, com a redução do número de alunos foi possível pôr a l' disp uta de um mercado, mas pela sua maior ou menor sensibilidade
escola a funcionar num só turno: "Havia a prática de haver turnos de • ompetência para: atenderem às características dos seus alunos;
manhã e de tarde (. ..). Isso é que era um factor de enorme discriminação ·tunprirem as suas obrigações de serviço público educativo; e explo-
social e de desigualdade de oportunidades. O nós termos conseguido rarem a sua capacidade de negociação e as suas margens de autono-
(. ..)passar as turmas todas para turno único (. ..) é um dos factores que mia, quer nos espaços institucionais de regulação centralizada, quer
também tornou a nossa escola muito apetecível". nos espaços informais de regulação local.
Claro que esta mobilização acaba por ter um efeito de atracção
A análise destas diferentes lógicas (tendo em conta a sua frequên - sobre a procura, quer reforçando as características favoráveis do seu
cia, conteúdo e sentido estratégico) permitiu-nos concluir que, na 1 úblico escolar quer minimizando os efeitos negativos de um público
maioria dos casos, as escolas se limitam a "sofrer" as influências do ' scolar menos favorecido. A atractividade é, por isso, mais uma con-
ambiente social e quando desenvolvem estratégias específicas, nesse sequência do que um móbil das "lógicas da acção".
domínio, elas são essencialmente defensivas ou adaptativas. Já no
que se refere às relações com as outras escolas raramente assistimos a
fenómenos de concorrência na disputa dos "melhores alunos", send? Conclusão
mais comum a estratégia assente numa espécie de "jogo de empurra"
no sentido de evitar ficar com os "alunos problemáticos" (para uti- O estudo empírico realizado, com base na descrição dos fluxos dos
lizar uma expressão frequente nas entrevistas), principalmente nas alunos, na passagem do 9° ano para o 10° ano, veio mostrar que existe
mudanças de ciclo. um desvio significativo entre o fluxo esperado de acordo com os cri-
Na verdade, não se pode dizer que as lógicas de acção externas e Lérios da "carta escolar", o fluxo que seria resultante das preferências
internas desenvolvidas pelos responsáv~is da gestão das escolas sejam manifestadas pelos alunos e o fluxo efectivamente . ocorrido. Este
fortemente marcadas pela necessidade ou desejo de melhorar a sua factor indicia, claramente, a existência de fenómenos de "escolha da
posição relativa, num eventual espaço de concorrência determinado escola" pelos alunos e suas famílias, variável em função das escolas de
pelo surgimento de fenómenos de escolha da escola. origem e de destino. Neste sentido, é possível apresentar de maneira
É certo que as escolas envolvidas no estudo tentam tirar partido sucinta as seguintes conclusões: 1
da existência de espaços locais de regulação do fluxo de alunos para As escolas são diferentemente atractivas e essa atractividade
melhorarem as suas condições de oferta escolar, para evitarem alu- decorre fundamentalmente da composição social (e sobretudo étnica)
nos "problemáticos", para adquirirem mais recursos e promoverem do seu público escolar e do modo como as direcções das escolas lidam
iniciativas que aumentem a qualidade dos serviços prestados. Para com essa situação.
isso utilizam as reuniões da rede, solicitam o apoio da câmara muni-

157
) O À O 1\Ait ltOS e SO I'I A V I S EU A I N T I( R I) li I' 1\ N I) fi N C I A 1\ N 'I' lt 1\ R S C ( I. A ~

A diminuiçào do número de alunos e a existência de processos d' aumentarem o co nlrolo polílico sobre as escolas c promoverem a
informais de escolha da escola explica que se comece a assistir, na lógica de men:ado na regulação dos fluxos escolares, e por outro lado,
regulação dos fluxos escolares dos alunos, a uma progressiva passa- . a onlinu ação da diminuição dos alunos, é provável que a situação
gem de uma "lógica da oferta" a uma "lógica da procura". s · allcrc. A própria "luta pela sobrevivência" (por postos de trabalho
O facto de a distribuição dos alunos pelas escolas começar a ser ' por recursos) pode induzir mudanças nas lógicas de acção que até
regulada pela procura induz o aparecimento de novos espaços de ago ra só são visíveis, pontualmente, no discurso de um número redu-
interdependência entre as escolas e entre estas e o território. :~. ido de entrevistados.
Esses espaços de interdependência ainda não são marcados pela Como se vê, nem o sistema da "livre-escolha" nem o sistema da
concorrência e pela "lógica do mercado" (como acontece em outros paí- "obrigação de frequentar a escola do local de residência" impedem
ses onde a escolha é totalmente livre), embora tenham sido identificadas que se verifiquem processos de segregação escolar com origem em
estratégias, por parte da direcção de algumas das escolas, no sentido desigualdades sociais. No primeiro caso, essa segregação decorre da
de desenvolverem "vantagens competitivas" ("turno único", "oferta de própria natureza da oferta escolar: há escolas "melhores" e "piores"
opções de maior prestígio", "guarda dos alunos após o período escolar", que concorrem entre si para atrair clientes e, claro, os mais "podero-
etc.), tendo em vista reforçar ou melhorar a sua "posição relativa". sos" acabam por vencer. No segundo caso, essa segregação decorre da
A tónica dominante nas lógicas externas e internas desenvolvidas própria natureza da procura: há escolas aparentemente iguais que são
pela gestão das escolas continua a ser a do "serviço público" universal desigualmente atractivas, em função de critérios étnicos, religiosos,
e igual para todos, mesmo se, na prática, ele apresenta deficiências e sociais, de rendimento escolar, etc. que sós os pais mais informados
desigualdades importantes. c mais aguerridos são capazes de descobrir e mobilizar, em benefício
Isto não impede que as escolas procurem tirar partido da existên- dos projectos de vida que têm para os seus filhos.
cia de espaços formais ou informais de regulação local para melhorar Por isso, como dizem Meuret, Broccolichi e Duru-Bellat (2001,
as suas condições de oferta educativa e resolverem os problemas que p. 235), "entre o sistema da carta escolar e a selva do mercado, podem
têm com "alguns" alunos. existir múltiplos dispositivos de escolha controlada que podem
Daí que o principal factor distintivo entre as escolas (para além revelar-se bastante menos desiguais". Ou então, como dizem Dubet
das características sociais e étnicas do seu público escolar) seja a capa- e Duru-Bellat (2ooo, p. 136) "mais do que impedir as famílias de
cidade de mobilização da suas direcções, no sentido de desenvolverem fugir, mais valia dar-lhes boas razões para o não fazer". Isto passa
iniciativas próprias para resolução dos seus problemas e melhoria das por garantir uma escola pública justa e de qualidade para todos, que
suas condições de funcionamento. tenha em conta as especificidades locais, promovendo uma política de
Esta "mobilização" não é determinada por uma tentativa de alte- discriminação positiva que corrija as assimetrias económicas e sociais,
rar a posição relativa entre as escolas, mas parece ter um efectivo peso fazendo da participação dos alunos, dos professores e dos pais um
no seu grau de atractividade (em relação aos alunos e pais). exercício permanente de cidadania.
Finalmente, ainda não é visível, nestas escolas, uma forte influên- É preciso evitar reduzir o debate sobre as políticas educativas à
cia dos "novos" modos de regulação emergentes nas políticas educa- falsa dicotomia entre a administração centralizada, planificada e hie-
tivas baseados numa lógica de mercado. Contudo, tendo em conta, rarquizada, por um lado; o mercado, descentralizado, concorrencial e
por um lado, as orientações recentes do governo que vão no sentido autónomo, por outro. A realidade é mais complexa do que este raciocí-

159
1\Aill\ SO e S P IA V I S HU
A I N T H I\ I) f! I' li N I nN C: I A f! N"l" 1\ fi ll , . LAS

nio pressupõe e existem outras alternativas na educação pública, entre Anglelerre, Uelg iqu e (communauté fmnçais e), Pmn ce, Hongr ie et au Portuga l.
o "centralismo estatal" e "a livre concorrência do mercado", entre "a HE ULEDUCNE 'fWORK Project. Lisboa: Faculdade de Psicologia e de Ciên-
fatal burocracia do sector público" e "o mito da gestão empresarial", ias da Educação da Universidade de Lisboa, pp. 13-40. Disponível em: http:/1
entre "o súbdito" e o "cliente". www.fpce.ul.pt/centros/ceescola/ (02-04-03).
Hi\ RTHON, C. e OBERTI, M. (2ooo). Ségrégation spatiale, évitement et choix des
No caso presente, isso significa que a opção não pode estar limi-
élablissements. ln Van Zanten, Agnes (dir.). L'école, l'état des savoirs. Paris:
tada entre, por um lado, preservar a escola pública impedindo as Éd itions la Découverte.
famílias de fugirem dela, e por outro, aniquilar a escola pública com a CE NTER ON EDUCATION POLICY (2ooo). School Vouchers. Washington, DC:
criação artificial de um mercado educativo sustentado com dinheiro Center on Education Policy.
público. A solução passa, pelo contrário, por um reforço da dimensão CHUBB, J. e MOE, T. (1990). Politics, Markets, and America's Schools. Washington:
Brookings lnstitution.
cívica e comunitária da escola pública, restabelecendo um equilíbrio
OU BET, F. e DURU-BELLAT, M. (2ooo). L'hypocrisie scolaire. Pour un collêge enfin
entre a função reguladora do Estado, a participação dos cidadãos e o démocratique. Paris: Éditions du Seuil.
profissionalismo dos professores, na construção de um "bem comum FRIEDMAN, M. (1962). Capitalism and Freedom . Chicago: University of Chicago
local" que é a educação das crianças e dos jovens. Por isso, em vez de Press.
"dar a cada escola o seu público" é preciso que cada escola se abra à GAZIEL, H. e WARNET, M. (1998). L e facteur qualité dans l'école de l'an deux mille.
"diversidade dos seus públicos", o que só é possível se for intransigente Paris: PUF.
GILL, B. et ai. (2001). Rhetoric versus Reality. Whatwe Know and whatwe need to know
no reconhecimento dos seus direitos e se for solidária com as suas
about vouchers and charter schools. Santa Monica (USA): Rand Education.
necessidades, interesses e anseios. Só assim é possível desenvolver IIENIG, J. e SUGARMAN, S. (1999). The Nature and Extent of School Choice. In
uma nova concepção de cidadania que, como defende Whitty (2002, Sugarman, Stephen e Kemerer, Frank (org.). School Choice and Social Contro-
p. 20) "vise criar a unidade sem negar a especificidade". versy: Politics, Policy and Law. Washington DC: Brookings Institution.
MACEDO, B. e AFONSO, N. (2002). Desenvolvimento dos novos modos de regulação.
Análise da evolução dos modos de regulação institucional do sistema educa -
tivo em Portugal. REGULEDUCNETWORK Project - Changes in regulation
Referências bibliográficas modes and social production of in equalities in education systems: a European
comparison - Deliverable 2. Lisboa: Faculdade de Psicologia e de Ciências da
BARROSO, J. (2003). A "escolha da escola" como processo de regulação: integração Educação da Universidade de Lisboa, pp. 32-50. Disponível em: http://www.
ou selecção social. In Barroso, João (org.). A escola pública: regulação, desregu- fpce.ul.pt/centros/ceescola/ (02-04-03).
lação, privatização. Porto: Edições ASA, pp. 79-109. MA ROY, C. e DUPRIEZ, V (zooo). La régulation dans les systemes scolaires. Propo-
BARROSO, J. e VISEU, S. (2003). A emergência de um mercado educativo no pla- sition théorique et analyse du cadre structurel en Belgique francophone. Revue
neamento da rede escolar: de uma regulação pela oferta a uma regulação pela Française de Pédagogie, no 130, pp. 73-87.
procura. Educação & Sociedade, v. 24, no. 84, número especial, pp. 897-921. MEURET, D., BROCCOLICHI, S. e DURU-BELLAT, M. (2001). Autonomie et choix
BARROSO, J. e VISEU, S. (2003). Areas de interdependência local entre escolas: des établissements scolaires: finalités, modalités, effets. Les Cahiers de l'iredu,
estudo de caso. Relatório da equipa portuguesa do Projecto Reguleducnetwork. Février 2001. Disponível em : http://www.u-bourgogne.fr/iredu.
Lisboa: Centro de Estudos da Escola da Faculdade de Psicologia e de Ciências PINHAL, J. e VISEU, S. (2001). A intervenção dos municípios na gestão do sistema
da Educação da Universidade de Lisboa. Disponível em: http:/lwww.fpce.ul.pt/ educativo local: competências associadas ao novo regime de autonomia, admi-
centros/ceescola (02-04-03). nistração e gestão. Programa de Avaliação Externa do Processo de Aplicação do
BARROSO, J. e AFONSO, N. (2002). La Régulation. Systêmes éducafis, modes de Regime de Autonomia, Administração e Gestão das Escolas e Agrupamentos de
régulation et d' évaluation scolaires et politiques de lutte contre les inégalités en Escolas definido pelo Decreto -Lei n°. 115-A/98, de 4 de Maio- Relatório Sectorial

160
JO Ã O UAR ROSO li S0 11 1A V I SE U

6. Lisboa: Fac uldade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade


de Lisboa. Disponível em : http://www.fpce.ul.pt/centros/ceescola/ (o2-04-03).
VAN ZANTEN, A. (1996). Fabrication et effets de la ségrégation scolaire. ln Paugam,
S. (dir.). L'exclusion : l'état des savoirs. Paris: La Découverte.
VAN ZANTEN, A. (2001). L'école de la périphérie. Scolarité et ségrégation en bar~ ­
CAPÍTULO 5
lieue. Paris: PUF.
VISEU, S. (2005). Modos de regulação e relações de interdependência entre esco- A REGULAÇÃO INTERNA DAS ESCOLAS:
las: análise dos fluxos de alunos. ln Actas do 2° Congresso Nacional 'i\ Escola, lógicas e actores
o Estado e o Mercado: o Público e o Privado na Regulação da Educação ". Lisboa:
Fórum Português de Administração Educacional.
WHITTY, G. (2002). Makir~g Sense of Edu cation Policy. London: Paul Chapman
Publishing.
WHITTY, G.; POWER, S. e HA LPIN, D. (1998). Devolution ar1d choice in educatior1.
João BARROSO
The school, th e state and th e market. Buckingham: Open University Press. Faculd ade d e Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade de Lisboa

Luís Leandro DINIS


Escola Secundária de Alves Redol, Vila Franca de Xira

Berta MACEDO
Escola do 2 .• e) ." Ciclos Avelar Brote ro, Odivelas

Sofia VISEU
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade de Lisboa

Introdução
A atractividade das duas escolas
A regulação interna
As lógicas de acção dominantes
Conclusão
Introdução

Na sequência do trabalho de investigação mencionado no capítulo


anterior, no qual foi possível concluir sobre a existência de escolas mais
e menos atractivas, bem como estabelecer uma hierarquia de posições
relativas entre si apesar da existência da carta escolar, procurou-se
compreender os modos de regulação interna e as lógicas de acção
dominantes nas duas escolas identificadas como as mais atractivas.
Este capítulo pretende justamente dar conta do trabalho reali-
zado no sentido de descrever a escola azul, uma escola básica do 2° e
3° ciclo, e a escola cor-de-rosa, uma escola secundária com o 3° ciclo,
enquanto as mais atractivas do ponto de vista da procura escolar local
no território analisado".
Estas escolas distinguem-se pelas características da sua popula-
ção escolar e por desenvolverem estratégias diferenciadas no que se
refere à gestão da sua posição no espaço local. Estas características
têm consequências decisivas no modo como se organiza a acção colec-
tiva no interior da escola e no modo como é tratada a questão das
desigualdades de oportunidades.
Este capítulo está organizado em quatro pontos. No primeiro
ponto iremos apresentar os factores que nos permitiram identificar as
escolas como as mais atractivas do território, assim como precisar o
conceito de atractividade e o modo como foi entendido neste estudo.
No segundo ponto será discutido o conceito de regulação interna

22 Uma versão reduzida deste texto foi publicada inicialmente no livro organizado por Jorge
Adelino Costa, António Neto-Mendes e Alexandre Ventura, Políticas e gestão local da educação
(Viseu, Barroso, Dinis e Macedo, 2004).
J OÃO BARR OSO , L U I S L E ANDR O DINIS , BERTA MA CEDO e SO I'I A VI SE U A RU ULA Ç I NTilllNA DA S ll LA S

para depois apresentar os dados recolhidos nos dois casos em análise, pais justificou a escolha por esta escola "porque sempre foi apontada
incidindo sobre do estilo de liderança e gestão e das estratégias de como uma escola de referência". A boa imagem da escola cor-de-rosa
exercício do poder. No terceiro ponto serão apresentadas as lógicas de também foi apontada por pais e encarregados de educação e alunos:
acção dominantes de cada escola, através da apresentação de casos e "tem um funcionamento excelente" (mãe); a escola é uma "família alar-
episódios ilustrativos. Finalmente, será realizada uma síntese conclu- gada" (alunos).
siva do trabalho, reflectindo sobre o papel da regulação interna das Uma vez identificados estes três indicadores, e à medida que o
escolas e a produção de lógicas de acção. estudo se desenvolveu, emergiram um conjunto de novos factores que
consideramos como contributivos para essa atractividade no territó-
rio: a boa localização e o bom estado de conservação dos edifícios
A atractividade das duas escolas escolares; a estabilidade do corpo docente e a sua mobilização em
torno dos projectos da escola; a existência de projectos educativos e
A atractividade da escola azul e da escola cor-de-rosa tornou-se visível por planos de actividade que afirmam um conjunto de princípios orien-
referência a três indicadores: a evolução do número alunos nos últimos tadores fortes, como "uma melhor qualidade o ensino" (escola azul) e
10 anos, a base de recrutamento das escolas e a sua imagem pública. "uma escola de todos para todos" (escola cor-de-rosa)"; a extensa oferta
educativa que se refere a projectos e actividades pedagógicas (visitas
FACTORES DE ATRACTIVIDADE de estudo, intercâmbios escolares, clubes de matemática, desporto,
Quanto à evolução do número de alunos, foi possível observar informática, teatro, jornal).
que a escola azul é aquela que mais elevadas taxas de ocupação tem No entanto, apesar deste conjunto de indicadores comuns, que
registado ao longo dos últimos 10 anos, variando entre os 92% e os indiciam uma atitude pró-activa da escola em relação à sua mobiliza-
109%, ultrapassando a sua capacidade máxima; na escola cor-de-rosa, ção pedagógica, a composição da população escolar destes dois esta-
assistiu-se a um relativo decréscimo do número de alunos, mas que belecimentos é bastante diferenciada, o que indicia que as escolas são
não é tão acentuado como outros estabelecimentos do mesmo nível atractivas para diferentes tipos de população escolar.
de ensino no território.
Quanto à base de recrutamento, observamos que na escola azul ATRACTIVAS PARA QUEM? A COMPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO ESCOLAR

os alunos provêem maioritariamente da sua área de influência, ainda A descrição da população escolar será feita em torno da prove-
que sejam reconhecidos vários "subterfúgios" para frequentar a escola niência social dos alunos, características demográficas e resultados
sem atender aos critérios da carta escolar; a escola cor-de-rosa é a escolares. ·
escola secundária com uma base de recrutamento mais alargada do
território analisado, quer em termos da distribuição geográfica dos A composição da população escolar da escola azul
alunos, quer pelo número de escolas básicas do 2° e 3° ciclo de escola- A escola azul está situada numa zona onde predominam as classes
ridade que debitam alunos para esta escola secundária. com altos e médios rendimentos e a população desempenha maiorita-
Finalmente, concluímos sobre a boa imagem pública das duas riamente actividades ligadas ao sector terciário (mais de 70%).
escolas. Uma encarregada de educação da escola azul sublinhou que De acordo com dados recolhidos, concluímos que a maioria dos
"todos querem que os filhos fiquem aqui" e o presidente da associação de alunos é proveniente de classes sociais mais altas (o valor atinge os

166
JO Ã O B A RR O S O, L U Í S L EAND R O D I N I S, BER TA M A C E I) e SO FI A V I SEU A ll ll UI.A Ç I NTE R NA DA S 1\ L/I S

63,4% no caso do 9° ano de escolaridade). Ainda assim, a percentagem bai xa. Cerca de 16% do total de alunos da escola aind a benefi cia m do
de alunos que beneficiam do serviço de apoio social escolar varia serviço de apoio social escolar.
entre os 7% e 10%, o que revela, segundo o presidente do conselho Em relação aos resultados escolares, é possível concluir que, nos
executivo, a existência de "umas pequenas franjas" de alunos mais últimos 10 anos, a percentagem de repetências foi, em média, de 12%,
desfavorecidos. sendo esse valor mais significativo no ensino secundário, especial-
No ano lectivo 2001/02, a escola era frequentada por 750 alunos, mente no 10° ano de escolaridade (no ano lectivo 2003/04, 21% dos
o que equivale a 93,8% da sua capacidade máxima. Do conjunto das alunos matriculados nesse ano de escolaridade são repetentes). O nú-
escolas básicas do 2° e 3° ciclo de escolaridade, esta é a escola onde há mero de alunos que abandonam a escola é reduzido ao longo dos anos,
mais alunos do 9° ano de escolaridade de nacionalidade portuguesa mas é crítico no 10° ano de escolaridade, onde se verificam mais casos
(98,4%) e a média de idades deste ano de escolaridade é também a de desistências por parte dos alunos.
mais baixa (14.5 anos) quando comparada com as restantes escolas No que se refere à questão da disciplina, a situação foi descrita
básicas. pelo presidente da associação de pais como "pacífica". O ano lectivo
Em relação aos resultados escolares, concluí-se que a frequência 2002/03 foi considerado como aquele em que menos processos dis-
das repetências de ano é em média de 5,4%. Acrescenta-se também que ciplinares houve, tendo ainda assim sido instaurados 29 processos
a percentagem de alunos que abandonou a escola é residual ao longo disciplinares que resultaram em 59 dias de suspensões ao todo.
dos anos, não chegando a atingir os I%. Os problemas disciplinares
são reduzidos, existindo cerca de dois a três processos disciplinares A construção do conceito de atractividade
por ano. Com base nestes indicadores, e à medida que aprofundámos a
recolha de dados de natureza mais qualitativa, tivemos a necessidade
A composição da população escolar da escola cor-de-rosa de reflectir sobre o significado do conceito de atractividade: Assim,
Após o 25 de Abril de 1974 foram construídos junto à escola cor- nesta investigação, a atractividade passou a ser entendida como a
-de-rosa bairros onde se instalou a população proveniente das antigas capacidade, que a escola demonstra ter, de suscitar a vontade dos alu-
colónias. Como reflexo, durante a década de 8o, a percentagem de nos em querer frequentá-la.
alunos de origens africanas chegou a atingir os 40%. Nessa altura esta E como situar esta definição considerando o facto de em Portugal
era a única escola secundária pública da zona, para onde confluíam existir uma regulamentação rígida, vasta e pormenorizada, acompa-
alunos ''filhos de retornados", de famílias de "classes médias, classes nhada pelo funcionamento de uma administração central e regional?
médias altas, (. .. ) e os que viviam nestes bairros de lata". Actualmente, De facto, a provisão da educação rege-se segundo padrões de um sis-
devido ao realojamento de famílias de bairros degradados que fica- tema centralizado que condiciona e limita a possibilidade das escolas
vam na área de influência da escola, a percentagem baixou para 26% actuarem fora e para além da lógica que rege a escola entendida, de
de alunos de origem africana. Mas este processo de realojamento forma restrita, enquanto serviço público. Isto é, uma escola pensada
implicou um esvaziamento da escola que conta agora com cerca de para ser igual em qualquer que seja o sítio em que se localize, ou qual-
Soo alunos, estando apenas a 58,3% da sua capacidade. quer que seja o público que a frequente.
A maioria dos alunos pertence a famílias de rendimentos médios, Esta mesma lógica informa e domina o tratamento dado à ques-
existindo ainda 21% de alunos pertencentes a classes média-baixa e tão da escolha da escola. Ao estabelecer claramente as regras a que os

168
J OÃO BARR OSO, LUf S LEANDR O DINI S , BERTA MA CHO e SOP IA VI SE U A R F.GU LA ÇÃ I NTil R N A DAS fi LA S

alunos teriam que se sujeitar, a "carta escolar" não deixaria margem - As características do corpo docente;
de manobra nem a alunos/famílias, nem às próprias escolas. Contudo, - A oferta curricular;
a diferença existente entre o fluxo de alunos pensados para cada escola
e o fluxo real registado observadas no território em análise, permitiu- e na "atractividade activa":
-nos verificar um desvio significativo relativamente ao que podemos - O Projecto Educativo e o plano anual de actividades;
considerar como duas situações distintas: o desenho proposto pela - O tipo de actividades extra-curriculares;
carta escolar e a realidade construída. Esta diferença sugere a questão: -Os cursos/opções curriculares;
a que se deve a diferença registada e quais são os factores que contri- - As acções de promoção levadas a cabo pela escola.
buíram para que se verificasse?
Importa sublinhar que a capacidade de atractividade varia de Apesar de ambas registarem uma elevada procura e de terem
escola para escola e resulta de factores de diferente natureza. Assim, características comuns que concorrem para a sua atractividade, ficou
é possível distinguir dois grandes tipos de atractividade diferenciados, demonstrado que as escolas são atractivas para diferentes tipos de
entre si, pela existência ou não, de intervenção assumida e directa da população escolar. Por seu turno, como veremos de seguid~ •. a análi~e
própria escola. Designámos esses dois tipos de atractividade, respecti- dos diferentes factores para os quais contribui a sua atractlVldade sao
vamente, por "atractividade passiva" e "atractividade activa". bastante distintos o que nos conduziu à identificação de modos de
Estaremos perante situações de "atractividade passiva" quando os regulação interna e lógicas de acção opostas. É sobre esses pontos que
factores que levam os alunos a frequentar a escola resultam de situações nos vamos debruçar nos próximos pontos.
e/ou determinações (em regra de natureza institucional) exógenas à
própria escola, isto é, factores externos que são definidos por outros
(legislação, medidas específicas determinadas pelo nível local ou regio- A regulação interna
nal da administração educativa, ou as preferências das famílias).
A "atractividade activa" resultará da acção intencional da escola, Neste ponto analisamos, em primeiro lugar, o conceito de regulação
desenvolvida com o intuito de "captar" e "satisfazer" os alunos, interna e, em segundo lugar, apresentarmos os dados recolhidos mais
traduzindo-se, nomeadamente, na definição de estratégias, na pro- significativos que nos permitiram caracterizar o estilo de liderança e
moção de acções, no despoletar de iniciativas ou medidas que têm as estratégias de exercício do poder de cada escola.
esse objectivo claro, ou, em última análise, embora não tendo essa
intenção expressa produzem ou concorrem para o efeito de atracção MODOS DE REGULAÇÃO
sobre os alunos. Por regulação interna entendemos os processos formais e infor-
Adoptando esta tipologia, podemos considerar, nomeadamente, mais que garantem a coordenação da acção colectiva na escola, atrav~s
como factores que intervêm na "atractividade passiva": da produção e manutenção de regras que asseguram o seu funciO-
- A localização da escola no território; namento. De acordo com Reynaud (1997) estes processos incluem: a
- As características do edifício escolar; "regulação de controlo", que é feita pelos órgãos de gestão formal~ente
- A composição social do meio e as características da população responsáveis pela organização e funcionamento da escola (atraves da
escolar; tradução e aplicação de regras exteriores definidas pelas autoridades

170 17 1
J OÃO llAili\ OSO, LU( S LHANOR O DINIS , UBRTA MA ll O e S I' IA V I SEU A R G ULA I NTP. ItN A DAS HC LAS

~ue ~utelam a escola, ou através da produção de regras próprias no E de notar que durante os doi s dias de observação não foi regis-
ambito das suas competências); a "regulação autónoma", resultante da Lada qualquer actividade relacionada com a problemática das desi-
acção colect~va. organizada de diversos actores, através de produção ualdades escolares.
de regras propnas em função de interesses e estratégias específicas; e,
finalm~nt~, a "regulação conjunta" enquanto processo de interacção ESTRATÉGIAS DE EXERCÍCIO DO PODER DA ESCOLA AZUL
dos dois tipos de regulação atrás mencionados. A observação do estilo de liderança e da vida quotidiana da escola
O principal objectivo da investigação realizada consistia na iden- permitiram identificar três estratégias de exercício de poder: o marke-
tificação dos modos de regulação interna da escola através da acção ling das actividades da escola e da sua direcção; a preocupação em
do presidente do conselho executivo, actor essencial deste processo, manter uma coesão interna forte; a centralização, regulamentação e
bem como no papel desempenhado pelos outros órgãos e por eventu- formalização das acções .
. ais grupos informais com influência na acção colectiva.
A descrição dos modos de regulação interna das escolas será efec- Marketíng interno e externo
tuada por referência à análise de duas dimensões da gestão escolar: 0 No que se refere ao marketing interno, ele assenta sobretudo
estilo de liderança e as estratégias de exercício do poder de cada escola. na realização de acções de carácter social, como convívios, festas e
almoços. Por exemplo, em 2003 foram preparadas actividades come-
0 ESTILO DE LIDERANÇA E GESTÃO DA ESCOLA AZUL morativas do aniversário da escola, envolvendo também antigos pro-
.Na última década, a direcção da escola azul foi assegurada por um fissionais e alunos. A observação desta acção mostrou a preocupação
presidente do conselho executivo que se reformou em 200 1. o actual em manter uma boa relação não só com os actuais professores da
presidente esteve integrado na equipa do seu antecessor, tendo esta escola, através do elogio público do seu trabalho, mas também com
transição sido feita numa certa continuidade. antigos professores e alunos.
O estudo que envolveu o acompanhamento das actividades do A promoção e divulgação das actividades da escola para o exterior
presidente do conselho executivo revelou que este tende a ser formal também foi referida: "gostávamos de ter sempre alguém presente, fazí-
nas suas relações, cultivando algum distanciamento. Organizado, amos questão de convidar sempre os país, a comunidade, a autarquia,
procura manter o trabalho em dia de forma a evitar a acumulação de o Ministério, e às vezes a comunicação social" (presidente do conse-
tarefas, sendo o gabinete o seu local de trabalho preferido. lho executivo). Durante o ano em que decorreu a recolha de dados
Mostra mais à-vontade no tratamento das questões de natureza o presidente do conselho executivo foi eleito para representante dos
administrativa deixando para outros, nomeadamente uma das vice- professores no conselho municipal de educação.
-~residentes, questões da área pedagógica e educativa. Internamente,
e um coordenador e administrador dos recursos. Procura 0 desenvol- Coesão interna
vimento de um projecto educativo comum e um projecto curricular Outra estratégia de exercício do poder corresponde à coesão
que sistematize a vida da escola. Recorre às estruturas intermédias interna, parecendo existir o receio de criar "conflitos" entre profes-
como elementos básicos de apoio da gestão e do desenvolvimento dos sores. Tal como uma professora sublinhou, é importante uniformizar
pro!ectos educativo e curricular. Nesse sentido, desenvolve uma acção procedimentos no sentido de "não haver dispersão, disparidade, para
mais pró-activa do que é comum nas escolas. a escola surgir... ".

172 173
) O Ã O I)A RI\ OSO, LUÍ S I..JlAND il O D INI S, B ll R TA MA llD e SO I'IA V I SH IJ A Rll G Ul. A Ç I N'I'Il ll NA UAS ll I, A S

Na assembleia de escola e no conselho pedagógico há sempre uma porque aceitam as regras." O presidente referiu ainda que já tinha
procura de consensos: "procuro o consenso o máximo passivei que a lido ocasião de explicar o regulamento interno a alguns encarregados
gente conseguir" (presidente do conselho executivo); "[o presidente da de educação e estes têm de assinar um termo de responsabilidade.
assembleia] reserva para ele a primeira parte [da reunião], sempre meia
hora. Leva tudo programado, tudo ... tudo. (. .. ) (O entrevistador ques- ESTILO D E LIDERANÇA E GESTÃO DA ESCOLA COR-DE-ROSA
tiona se o presidente da assembleia recorre muito a votações) Não ...". Existe uma continuidade na liderança da escola cor-de-rosa,
As boas relações entre estes dois órgãos também contribuem para assegurada desde há cerca de 18 anos pelo mesmo professor. Por sua
o estabelecimento de alguma coesão interna em torno da direcção. vez, este professor escolhe, de entre um núcleo de colegas, uma equipa
Numa reunião de assembleia de escola o seu presidente refere que a que se tem mantido constante ao longo do tempo. Esta continuidade
implementação do projecto educativo passa por toda a comunidade foi descrita por professores e alunos como um elemento identificador:
educativa, "mas fundamentalmente pela liderança. (.. .) O presidente a escola "tem muita unidade graças à direcção"; "eu acho que a equipa
do conselho executivo tem-se revelado uma pessoa determinada, inte- é imbatfvel"; "é tão unida!"; "eles têm o monopólio da escola".
ressada, que tenta motivar, e que se vê que tem muita vontade." O re- O estudo realizado em torno das actividades do gestor mostrou
presentante dos pais corrobora: "quando a equipa é boa, arrisca-se a que o presidente do conselho executivo é informal no relacionamento
ser campeã!". com todos os outros actores escolares. Consegue envolver e mobili-
zar com facilidade as pessoas nas actividades, dando-lhes liberdade
Centralização e formalização de acção, umas vezes por vontade outras vezes pelo reconhecimento
Finalmente, a centralização e a formalização surgiram como que outros estão mais habilitados para realizar determinado tipo de
outra estratégia de exercício do poder. Tal como foi referido por um tarefas.
entrevistado, nas reuniões de pedagógico "se algo não corre como pla- Não esconde o seu entusiasmo nas novas iniciativas e desenvolve
neado, (. . .) o presidente do conselho executivo levanta mesmo o tom de um reforço positivo a novas ideias e propostas. A disciplina e organi-
voz e exige saber porque é que as coisas não foram feitas ou entregues zação do trabalho não são os seus pontos fortes. Pelo contrário, caótico
em determinado prazo". no desenrolar das tarefas, vale-lhe o apoio constante de uma das vice-
Um exemplo de alguma centralização nos processos e na regu- -presidentes do conselho executivo. A situação de trabalho preferida é
lamentação e formalização das acções, foi sublinhado por uma mãe a que encontra fora do gabinete, nos pátios, na sala de professores, na
que, para a inscrição do seu filho nas actividades, teve de preencher sala do serviço de psicologia e de orientação, no salão dos alunos, etc.
uma série de papeis, criticando o facto da "escola estar com "muita A sua imagem está associada à informalidade dos processos,
burocracia" e que é "necessária a elaboração de relatórios de tudo o à gestão quotidiana dos problemas, à proximidade dos actores escola-
que se faz". res e às preocupações com o bom funcionamento interno.
Outro exemplo prende-se com o regulamento interno. Numa Relativamente à problemática das desigualdades, por via das
reunião do conselho pedagógico o presidente do conselho executivo próprias condições da escola e das características da sua população
refere a responsabilidade dos encarregados de educação, que se deviam escolar, ela é razão de uma série de actividades do presidente do con-
empenhar e informar-se sobre as regras de funcionamento interno da selho executivo com o gabinete dos serviços de psicologia e orientação
escola: "o regulamento interno é para cumprir e se os alunos andam cá e com os serviços de acção social escolar.

174 175
J O Ã O U A R R O S O , LU f S L E A N O R O O I N I S , U E 1\ T A M A ll O e S 11 I A V I S E U A ll HOU L AÇÃ IN TE RNA D A S E C LA S

ESTRATÉGIAS DE EXERCÍCIO DO PODER NA ESCOLA COR-DE-ROSA A falta de oposição interna


A observação do estilo de liderança e da vida quotidiana da O facto de não ser possível identificar uma oposição à direcção
escola permitiram identificar duas estratégias de exercício de poder: da escola permite a afirmação de uma liderança forte e marcante no
a informalidade e a proximidade dos actores escolares, factores que espaço escolar; existem alguns sinais e sintomas de desacordo, mas
imprimem no estilo de gestão uma certa afectividade; a inexistência não se assumem como uma verdadeira acção de oposição ou con-
de oposição consistente às políticas do órgão de gestão. fronto à lógica de acção dominante na escola.
No início da década de 90 houve pela primeira e última vez uma
A informalidade e a proximidade entre os actores da escola segunda lista na escola para o órgão de direcção mas segundo um dos
A informalidade surgiu como um traço marcante das estratégias entrevistados "as pessoas foram completamente cilindradas e ficaram
de exercício do poder. Da análise do quotidiano do gestor ficou patente muito mal vistas" e a lista desfez-se. Contudo, há quem lamente que
a sua clara preferência para o contacto directo com os docentes, não não surjam mais alternativas, mais que não seja para "as pessoas esco-
havendo registo de contactos com titulares de órgãos e estruturas lherem e discutirem".
intermédias de gestão. Ainda em relação ao pessoal directivo, os dados
demonstraram uma proximidade e informalidade nas relações entre o Os dados demonstram que o estilo de liderança e as estratégias
presidente do conselho executivo e os colegas da equipa directiva (acti- de exercício do poder das duas escolas· são bastante contrastantes e
vidades conjuntas e tempo gasto nas actividades são ambos elevados). configuram modos de regulação interna diferenciados. Contudo, têm
Outro importante indicador que vai no sentido da informalidade em comum o facto de serem ambos estilos de liderança fortes e mar-
e proximidade interna prende-se com a falta de contacto com entida- cantes do ponto de vista da afirmação interna e, como consequência,
des externas. De resto, constituiu uma das críticas realizadas ao estilo foi possível identificar uma lógica que domina a acção em cada uma
de gestão por um dos professores entrevistados que se referiu à falta de das escolas, como iremos ver de seguida.
"marketing das actividades da escola junto da comunidade. As peças de
teatro ou feiras não são na sua opinião conhecidas no bairro da escola".
De facto, tal como o próprio presidente do conselho executivo apontou As lógicas de acção dominantes nas escolas
"não há estratégia de marketing nenhuma. Embora haja escolas que o
façam ... (. .. ). Eu pessoalmente em virtude da proximidade dos alunos Neste ponto, será apresentado, em primeiro lugar, o conceito de lógica
que frequentam a escola penso que, eu penso que não serão necessárias de acção. Em seguida, faremos a apresentação das lógicas de acção
medidas excepcionais". dominantes observadas nos dois estudos de caso para, finalmente,
O atendimento individualizado dos alunos no gabinete do presi- apontarmos alguns factores explicativos para as lógicas descritas.
dente do conselho executivo ou o acompanhamento de situações fora
da escola foram por nós situações observadas, tratando os alunos pelo 0 CONCEITO DE LÓGICA DE ACÇÃO
nome e identificando e/ou resolvendo problemas: "um aluno que teve O conceito de "lógica de acção" é frequentemente utilizado, nos estu-
problemas este ano mas não por causa da escola. Estava apaixonado e dos sobre as organizações, com sentidos diversos, em função dos quadros
não correu bem. Ficou muito mal e depois anda a bater nos namorados teóricos de referência que são mobilizados para descrever e interpretar
da rapariga". o modo como se organiza e coordena a acção colectiva. Neste sentido,

17 7
J OÃO BARR OSO, L U f S L E ANDR O D I N I S , BERTA MA CE O O e S FIA VI SE U A RH U I. A Ç INT E RNA OA S IJC O LA S

o estudo das lógicas de acção pode ser feito a partir de várias abordagens necessários à construção do acordo e compromisso em que se funda
teóricas e abranger diferentes domínios da acção organizada. a acção colectiva.
No primeiro caso (abordagens teóricas) refiram-se, a título de Não sendo aqui o lugar para propor uma hermenêutica do con-
exemplo, os contributos de: Weber (1922), particularmente no que se ceito de "lógicas de acção" (ou de conceitos que lhe são associados,
refere à explicitação do conceito de "acção social" e das suas múltiplas como "princípios de justificação", "modos de legitimação", "racionali-
racionalidades; Boltanski e Thévenot (1991) e a sua teorização sobre a dades"'3), nem para fazer a crítica das diferentes perspectivas com que
construção dos "princípios de justificação" em que se baseia a acção tem sido abordado, importa explicitar o sentido com que esta expres-
colectiva e cuja mobilização permite estabelecer compromissos entre são é utilizada no presente estudo, no quadro da análise dos processos
os actores, tendo em vista a coordenação da acção; Habermas (1987) e de regulação interna da escola.
a sua "teoria da acção comunicativa" segundo a qual os actores sociais De um modo geral, a noção de "lógica de acção remete para a exis-
procuram entender-se sobre as situações concretas em que decorre a tência de racionalidades próprias dos actores que orientam e dão sentido
acção, através de "processos cooperativos de interpretação" que pos- (subjectivo e objectivo) às suas escolhas e às suas práticas, no contexto de
sibilitam a coordenação da acção e a conexão regular das interacções; uma acção individual ou colectiva. Elas constituem, como afirma Sar-
Crozier e Friedberg (1977) com a "análise estratégica" que reconhece mento (2ooo, p. 147), "conteúdos de sentido, relativamente estáveis e con-
um papel central ao conceito de actor "estratégico", isto é, cujos com- solidados, com que os actores sociais interpretam e monitorizam a acção
portamentos são a expressão de intenções, reflexões, antecipações e nas organizações, ordenando, ainda que de forma precária e provisória,
cálculos, e "contingente", isto é que não existe independentemente do a realidade organizacional aparentemente fragmentária e dispersa.".
contexto da acção, condicionando e sendo condicionado por ele; ou, Estas "lógicas" são construídas "na acção" e "pela acção" (pelo que
na mesma linha, Friedberg (1993) com a sua proposta de "abordagem além de "conteúdos" são também dispositivos), podem referir-se a acto-
organizacional da acção colectiva" que "procura reconstruir o com- res individuais ou colectivos, serem objecto de justificação pelos próprios
promisso particular, local e sempre contingente que prevalece entre actores (a partir do sentido que eles atribuem à sua acção) ou unicamente
os princípios de justiça, as lógicas de acção e as racionalidades dos percebidas (e interpretadas) pela descrição e análise dos seus efeitos.
actores e que está contido nas tomadas de posição, na sua visão dos No quadro do presente estudo o que está em causa, fundamen-
objectos, dos outros, isto é, do mundo em que actuam" (p. 307-308). talmente, é a identificação e explicação das "lógicas de acção" ao nível
No segundo caso (domínios da acção organizada) refiram-se, da organização escola, no seu conjunto. Estas lógicas devem ser vistas
a título de exemplo, os estudos de: Sainsaulieu (1977) sobre a "lógica como "as coerências que ressaltam ex post da observação de práticas
dos actores" e sua articulação com o processo de construção da e de decisões na organização relativas a diversos aspectos do funcio-
"identidade no trabalho"; Francfort et al. (1995), sobre as "lógicas de namento desta organização, ou do seu funcionamento global" (Maroy,
comportamento no trabalho" e sua articulação com os "modos de 2003). Deste modo, as "lógicas" são construídas pelo observador a
legitimação da acção colectiva"; Bacharach e Mundell (1993) e a sua
análise das "lógicas de acção organizacional" através das quais se
23 Segundo Friedberg (1993) a assimilação entre princípios de justiça ou de legitimidade,
realiza (nas escolas) a síntese entre "determinações macropolíticas e lógicas de acção e modo de racionalidade pode parecer redutora, mas justifica-se pois, "para lá
estratégias micropolíticas"; Derouet (1992) que analisa a acção escolar das orientações diferentes que podem inspirar a interrogação sociológica, trata-se do mesmo
fenómeno: o dos mecanismos ou dispositivos que fundam o acordo, a evidência do mundo"
em função de diferentes "princípios de justiça", "lógicas" e "mundos" (p.3o8).

179
A R E O U I. A Ç ( I N 'I' I( H NA I) i\ S li LA S
J OÃO 1\AR R O SO, LU Í S LEANDR O DI N I S, llERTA MA . HD O c S PIA V I SHU

"reduzimos as turmas por interesse nosso" (presidenle do conselho exe-


partir dos efeitos que decorrem das práticas, independentemente da
ulivo). Esla gestão visa evitar si lu ações de professores com "horário
consciência que os actores têm do sentido (orientação) das suas acções
zero" c reali zar uma gestão mais flexível do espaço escolar, uma vez que
("lógica objectiva" na acepção de Rémy, Voyé e Servais, 1978).
libcrladas antigas salas de aula foi possível alargar a biblioteca.
De acordo com esta perspectiva, iremos analisar os processos de regu -
Para gerir a elevada procura que regista a escola desenvolveu alguns
lação interna apresentados no ponto anterior, para cada uma das escolas,
mecanismos de afinamento dos critérios da carta escolar, fazendo-se
com o fim de identificar, no conjunto de práticas descritas, as lógicas do mi-
valer da aplicação rigorosa dos normativos e reforçando procedimen-
nantes, bem como os factores internos e externos que as determinam.
tos de controlo; para a matrícula é necessário apresentar documentos
Feitas as considerações teóricas sobre o significado de lógica de
comprovativos da morada de residência, através de um recibo de con-
acção, procuraremos em seguida identificar a orientação que é perce-
las da casa ou de um documento da entidade patronal que confirme a
bida como dominante e que permite explicar o funcionamento global
zo na de trabalho. Este fenómeno transforma-se numa oportunidade de
da escola através da análise das práticas dos actores envolvidos no
exercício de atractividade activa da escola, pois constitui um momento
processo de regulação interna.
de selecção de alunos: os mais novos, que tendencialmente serão os
melhores alunos porque nunca reprovaram e os residentes mais perto
A ESCOLA AZUL: UMA "ESCOLA D E ELIT E "
da escola, em bairro socialmente mais favorecidos.
Na escola azul a coordenação da acção colectiva tem como prin-
cipal lógica de acção a construção daquilo que designamos por uma
Desporto escolar
"escola de elite". Esta expressão (que não deve ser confundida com a
A escola desenvolveu uma área de intervenção no desporto esco-
de "escola para as elites") visa caracterizar o conjunto de práticas,
lar com uma componente mais competitiva para o exterior, com a
acções e discursos detectados que vão no sentido da eficiência, do
representação da escola em torneios ao nível do concelho e do distrito
cumprimento dos normativos e regulamentos, da construção de uma
e, mesmo num projecto de desporto escolar de futebol, no estrangeiro.
boa imagem exterior, adequada aos valores e interesses dos grupos
A participação do s alunos é de carácter voluntário, não havendo
sociais dominantes e da preocupação com o rigor das aprendizagens
qualquer critério de selecção. Contudo, nas actividades que envol-
e a qualidade dos resultados escolares.
vem deslocações ao estrangeiro os critérios de selecção, por força das
A construção da escola de elite emergiu como lógica dominante
circunstâncias, já se prendem com a disponibilidade económica dos
em vários momentos, dos quais destacamos: o modo como é feita a
alunos (para o pagamento das viagens) e com o seu comportamento.
gestão da procura dos alunos que pretendem matricular-se na escola;
a importância que é dada ao desporto escolar; e, finalmente, a criação
Os quadros de excelência I I
dos quadros de "excelência" e "valor".
Na escola foram criados dois estímulos à qualidade dos resultados
dos alunos: um quadro de valor e um quadro de excelência. Os prémios
A gestão do número de turmas e da elevada procura
do quadro de valor são entregues, por consenso entre os membros da
A escola funciona com 30 turmas tendo, no entanto, chegado a ter
turma (professores e funcionários), a alunos que demonstraram, por
36 turmas. Esta redução corresponde a uma gestão cuidadosamente rea-
actos, solidariedade, amizade, que serviram de intermediários em
lizada pela direcção da escola, pois a diminuição do número de turmas
conflitos na busca de uma solução, que intercederam por um aluno,
tem sido realizada mais por "pressão" da escola "do que pela procura":

180
) O Ã O UARR O S O, L U Í S L E A ND R O D INI S, U ERTA MA C ED e SO I' I A V I S EU 11 lt i \CI I/ 1 . 11 ~ ll I NTJ! IlNII I AS I( <; 1./\ b

entre outros. Os prémios do quadro de excelência são entregues aos Gabinete de gestão de conflitos
bons alunos, com responsabilidade, empenho e interesse, assim como No ano lectivo 2003/ 04 a escola deparou-se com a necessid ade de
com um bom comportamento na sala. regul amenta r a ordem de saída de sala de aula pelo professor. A solu-
ção encontrada na criação de um gabinete de gestão de conflitos: após
A ESCOLA COR-DE-ROSA: UMA ESCOLA DE INTEGRAÇÃO a ordem de saída, os alunos deveriam dirigir-se a esse espaço onde,
Na escola cor-de-rosa a coordenação da acção colectiva tem como acompanhados por um professor ou o animador da escola, deveriam
principal lógica de acção a construção daquilo que designamos por proceder ao registo escrito do sucedido e realizar tarefas que tivessem
uma "escola de integração". Esta expressão pretende traduzir o que sido obrigatoriamente indicadas pelo professor da aula que estavam
consideramos ser o sentido dominante na orientação que é dada ao a ter.
processo de regulação interna: a sensibilidade aos problemas sociais Ainda que o presidente do conselho executivo tenha lembrado as
dos alunos, em particular dos oriundos dos bairros mais desfavoreci- dificuldades da escola em atribuir tempos lectivos para esta iniciativa,
dos; a disponibilidade para a promoção e apoio a iniciativas (pedagó- participou activamente para a sua entrada em funcionamento, dis-
gicas, culturais, socioeducativas) que permitissem adaptar a oferta de ponibilizando os recursos disponíveis. E na sequência deste episódio
ensino e de formação às características de um sector significativo da foi realizado um estudo sobre a indisciplina na escola no sentido de
população escolar de origem africana. melhor compreender e resolver o fenómeno.
Para ilustrar lógica de acção dominante da escola cor-de-rosa que
se prende com a integração, apresentamos alguns exemplos recolhidos O projecto de integração dos alunos de origens africanas
durante o trabalho de campo, nomeadamente o facto da escola aceitar Este projecto emergiu como um dos mais emblemáticos quanto à
candidaturas de todos os alunos que pretendam frequentá-la, a criação de integração dos alunos provenientes de bairros degradados que circun-
um gabinete de gestão de conflitos e a integração de alunos de origens davam a escola, na sua maioria emigrantes dos países das ex-colónias
africanas através do desenvolvimento de um projecto pedagógico próprio. portuguesas. Tal como já foi adiantado, a população escolar tem vindo
a alterar-se, mas há uns anos atrás existiam "turmas só com um aluno
Aceitar todos os alunos branco. Eles falavam crioulo entre eles e nós nem percebíamos nada .. .!".
A imagem da escola de que aceita todos os alunos que demonstrem Assim, há cerca de cinco anos uma professora estagiária de português
interesse em frequentá-la surgiu frequentemente durante o trabalho decidiu criar um projecto com os alunos que visava desenvolver "acti-
de campo: "mesmo que não haja vaga, acabam sempre todos por vir vidades de aproximação entre culturas", entre teatro, música, dança e
aqui parar" (professora da escola); com as turmas constituídas e após exposições. Nos primeiros anos do projecto "havia cerca de 6oo pessoas
o início das aulas, a escola tem vindo a receber alunos que "já deram a inscritas". Este processo só foi possível com o apoio incondicional do
volta pelas escolas todas e vêem aqui parar... (. ..). Como sabem que nós conselho executivo e do serviço de psicologia e orientação.
aqui aceitamos os miúdos ... " (presidente do conselho executivo). Segundo vários entrevistados, o projecto foi decisivo para alte-
Os exemplos ilustram a preocupação em receber e acolher todos ração da relação entre professores e alunos, "melhorando muito o
os alunos que desejam frequentar a escola, evidenciando a sua atitude ambiente na escola" e o facto do projecto ter tido projecção na comu-
pró-activa no que se refere à integração da população escolar. nidade africana, "tornou a escola mais apetecível a alunos com as mes-
mas origens, mesmo que fossem de outra área de influência".
J OÃO B ARR OSO, LUÍ S L E AN D R O D INI S, B E R T A MA C ED O e S O F I A V I SEU A R Il U LA Ç I N T ll ll NA 0 A S tl I. A

Contudo, quando diminuiu o número de alunos de origens afri- Vejamos co m maior detalhe as determinantes intern as e extern as
canas, devido aos realojamentos, o projecto deixou de ter tanta con- de cada escola.
sistência e terminou.
Determinantes externas da escola azul
FACTORES EXPLICATIVOS DAS LÓGICAS DE ACÇÃO Embora sujeita aos mesmos princípios, normas e processos que
Os sentidos (princípios legitimadores) e as orientações expressas regulam a prestação do "serviço público de educação", a escola azul
pelas lógicas de acção dominantes nas duas escolas que foram objecto é particularmente sensível à pressão pela eficiência e eficácia dos
de estudo exprimem a síntese possível, em cada um dos contextos resultados escolares, mesmo que em detrimento de uma política mais
organizacionais, entre as determinantes externas e as dinâmicas activa de promoção da igualdade de oportunidades. Beneficiando de
internas (ver figura 1). uma procura social relativamente homogénea, situada predominante-
Quanto às determinantes externas, são de destacar: os princípios, mente nas classes média e média alta, a escola organiza-se em função
normas e processos que sustentam a regulação externa (central ou das características destes alunos, cujo perfil é, aliás, o mais compatível
intermédia); a procura social da escola no seu espaço local de pertença; com as expecta~ivas e práticas do núcleo duro dos professores (mais
a pressão exercida pelo jogo das interdependências entre escolas que antigos, bem qualificados e morando, em geral, na zona de influên-
pertencem a uma mesma área escolar. cia da escola). Finalmente, convém recordar que a escola conserva
Quanto às dinâmicas internas: a "identidade" da escola e sua cul- um lugar de destaque, desde há bastante tempo, no seu espaço local
tura organizacional dominante; as formas de gestão; as micro políticas de interdependência, pela atractividade que exerce sobre os alunos
organizacionais. (mesmo de fora da sua área de influência). Isto explica a existência de
uma certa pressão para manter e, se possível, melhorar a sua imagem
de "boa escola" (face à administração e à população em geràl).
FIGURA 1 - FACTORES EXPLICATIVOS DAS LÓGICAS DE ACÇÃO

Dinâmicas internas da escola azul


DETERMINANTES EXTERNAS
· Regulação externa de controlo
Os valores do "rigor", da "excelência", do cumprimento das nor-
· Procura social mas e da inovação pedagógica estão interiorizados no ethos da escola
· Espaço de interdependência e é por referência a eles que, em geral, são legitimadas mu_itas das deci-

n0
sões relativas às estratégias de aprendizagem e aos modos de organi-
zação pedagógica. Mesmo que, nem sempre, seja possível pô-los em
prática (com todos os alunos e em todas as situações), é em função
LÓGICAS DE ACÇÃO
destes valores que são apreciados os sucessos e lamentados os fra-
cassos. Estas características da cultura organizacional da escola azul
influenciam de igual modo a escolha do presidente do conselho exe-
DINÂMICAS INTERNAS cutivo e o seu modo de actuação. Independentemente da discordância
· Ethos organizacional
que possa haver com algumas das suas opções e modos de actuação,
· Estilos de gestão
· Estratégias micropolíticas as diferentes "sensibilidades" existentes nos professores aceitam a sua·
J OÃO II A RR OSO, I. U f S L E A N DR O DI N I S, IJE R TA M A ' 1!1> 0 C SO f' I A V I S EU A ll ll lJ L A Ç Ã () I N ' I' I! ll N i\ I) i\ S I( ' I. i\ ~

gestão em troca da ordem, segurança e continuidade dos pt:ocessos pedagógica" (mas também clvica c so iai) que caracteriza o grupo dos
que ele garante. professores que, há quase duas dezenas de anos, tem assegurado ages-
tão da escola e dos que têm constituído a sua principal base de apoio.
Determinantes externas da escola cor-de-rosa Neste grupo destaca-se o presidente do conselho executivo (em con-
Prevalece uma interpretação das obrigações do serviço público tinuidade de funções durante este período de tempo) que exerce uma
mais centrada nas questões da democratização (igualdade de opor- liderança efectiva sobre a escola, muito baseada nas relações informais
tunidades de acesso e sucesso), o que leva a relativizar (mas não e na capacidade de mobilização afectiva, claramente orientada para a
a ignorar) a preocupação pela eficiência e eficácia do~ processos de resolução dos problemas dos alunos oriundos de grupos sociais mais
aprendizagem e resultados escolares. Servindo uma população muito desfavorecidos, mas sem pôr em causa a capacidade de acolhimento
heterogénea com bolsas significativas de alunos com dificuldades e satisfação dos outros grupos sociais. A acção do presidente do con-
económicas e problemas sociais graves e oriundos de minorias étni- selho executivo é, por vezes, objecto de contestação, principalmente
cas, a escola organiza-se com o fim de dar resposta a estes problemas por grupos de professores que defendem uma concepção mais elitista
evitando a exclusão desses alunos e permitindo a sua integração. de escola, o que passa por contrariar a política de abertura "a toda a
Contudo, a posição que a escola cor-de-rosa ocupa no seu espaço de gente" e por defender uma estratégia mais orientada pela "pedagogia
interdependência está longe de ser o de uma "escola gueto" ou de uma do esforço e da selecção" do que uma "pedagogia da animação e da
"escola popular" de sucesso. Ela preserva ainda a imagem da "boa integração". Contudo, esta contestação não tem sido suficiente para
escola secundária" que tinha no início da sua criação, na altura em inverter a orientação dominante nem gerar lógicas alternativas.
que ainda não se tinha dado a massificação deste nível de ensino e o
bairro envolvente era habitado quase exclusivamente por famílias da
classe média e média alta. Isto significa que a pressão dos problemas Conclusão
sociais que foram originados pela fixação abrupta, na década de 1980,
de bairros clandestinos com população imigrante ou proveniente das Apesar das duas escolas analisadas serem atractivas no território local
ex-colónias, acabou por ser gerida com relativo sucesso sem levar ao em que operam e desenvolverem uma atitude pró-activa ao nível pedagó-
êxodo dos alunos pertencentes a grupos sociais mais elevados. gico e educativo, representam dois casos bastante contrastantes ao nível
dos modos de regulação interna e das lógicas de acção dominantes.
Dinâmicas internas da escola cor-de-rosa No que se refere à regulação interna, é possível afirmar que as
Os valores da multiculturalidade, do respeito pelas diferenças, escolas estão organizadas em torno de uma liderança forte e marcante
da participação, da flexibilização pedagógica e da proporcionalidade no seu estilo. Por sua vez, esta liderança mostrou-se capaz de desen-
das exigências escolares em função das características dos alunos são volver e afirmar uma lógica de acção que domina as escolas; num caso,
alguns dos elementos constitutivos do ethos da escola cor-de-rosa. está organizada para se manter uma "escola de elite" e noutro caso
Estes valores foram gerados pela necessidade de responder às carac- para se transformar numa "escola de integração".
terísticas de um meio social que se tornou adverso, preservando ao A lógica de acção dominante de cada escola está associada às carac-
mesmo tempo as características que tinham feito o prestígio anterior terísticas da procura social e à posição que ocupa no território: a escola
da escola. Estes valores estão associados a uma certa "militância azul é frequentada por uma população homogénea, sendo particular-

186
J OÃO BARROSO, L U Í S LEAN D R O D I N I S, IJilRTA MA HU O e SO I'IA V I SEU 11 1\ ll ULII Ç I N'I'R ilN/1 I)A S 1\ !: 1.11 8

mente atractiva para os alunos oriundos da classe média e média alta; a - A "lógica de acção" dominante na escola "azul " consiste na
escola cor-de-rosa recebe uma população bastante mais heterogénea do constr ução de uma "escola de elite" (eficiente, cumprid ora, com boa
ponto de vista social, sendo mais atractiva para os alunos de diferentes imagem exterior, adequada aos valores e interesses dos grupos sociais
grupos sociais, nomeadamente grupos mais desfavorecidos. dominantes, possuidora de um núcleo influente de professores que
Como breve síntese conclusiva da análise efectuada sobre os cultiva o profissionalismo, o rigor das aprendizagens e a qualidade
processos de regulação interna das escolas "azul" e cor-de-rosa" bem dos resultados escolares).
como das lógicas de acção que emergem dos seus processos e efeitos é - A "lógica de acção" dominante na escola "cor-de-rosa" consiste
de assinalar o seguinte: na construção de uma "escola de integração" (sensibilidade aos pro-
- A organização e funcionamento de ambas escolas são clara- blemas sociais, respeito pelas diferenças e pela dimensão multicultu-
mente influenciadas pelo modo como é realizada a regulação interna, ral na relação educativa, flexibilização dos conteúdos e processos de
nomeadamente, nos domínios que são objecto do presente estudo aprendizagem, preocupação em evitar a "guetização" da escola, nem
(posicionamento da escola no seu espaço de interdependência e trata- rejeição dos mais desfavorecidos, nem fuga dos mais favorecidos).
mento da questão das desiguaWades de oportunidades). - A distinção entre as lógicas de acção dominantes nas duas esco-
- Esta regulação exerce-se com uma relativa autonomia (muitas las resulta, principalmente, dos seguintes factoreS 24 : representação do
vezes informal e clandestina) que se manifesta quer na capacidade serviço público (primado da eficiência vs. primado da democratiza-
de adaptação (transformação) das normas e dispositivos externos da ção); nas características da procura social (homogénea vs. heterogé-
"regulação de controlo" (central e intermédia) quer na produção de nea); na posição que ocupa no espaço de interdependência (atractiva
regras próprias definidora de uma "regulação autónoma". principalmente para os alunos oriundos da classe média e média alta
- A actividade de regulação interna é, num e noutro caso, forte- vs. atractiva para os alunos de diferentes grupos sociais); no estilo de
mente influenciada pela acção do presidente do conselho executivo e gestão do presidente do conselho executivo (perfil de administrador,
do seu "staff" e pela capacidade que demonstraram de exercer uma privilegiando as relações formais vs. perfil de profissional docente
efectiva liderança sobre o conjunto da organização escolar. privilegiando as relações informais); nas características dominantes
- Esta liderança resulta não só das características pessoais de cada no grupo de professores que constituem o núcleo duro de apoiantes
um dos presidentes dos conselhos executivos, mas também do facto (profissionalismo vs. militância pedagógica).
de serem eleitos e encontrarem-se há bastante tempo envolvidos na
gestão da escola. Como se conclui desta breve síntese, no contexto português e no
-A análise dos processos e resultados desta regulação permite iden- quadro dos resultados obtidos no presente estudo, a escola constitui
tificar coerências e continuidades nos sentidos e orientações na acção um espaço central do processo de regulação das políticas educativas
colectiva (particularmente nos domínios que são objecto de estudo) o mediatizando e transformando os efeitos da regulação institucional
que configura a existência de "lógicas" organizativas dominantes. externa (central e intermédia).
- Estas "lógicas", são geradas pela e na acção, na síntese entre
"determinantes externas" (regulação institucional, procura social,
espaço de interdependência) e "dinâmicas internas" (ethos organiza-
cional, estilo de gestão e estratégias micropolíticas). 24 O primeiro termo de cada um dos pares dicotómicos refere-se à escola "azul" e o segun-
do termo à escola "cor-de-rosa".

188
JOÃO BAI\1\ 0SO , LU fS l. EANDI\ DI NIS, UEI\TA MA HL>O e S I' IA VISilU

Referências bibliográficas
BACHARACH, S. B. e MUNDELL, B. L. (1993). Organizational politics in schools:
Micro, macro and logics of action. Educational Administration Quarterly, 29, CAPÍTULO 6
4, PP· 423-452.
BARROSO, J. e VISEU, S. (2003). Areas de interdependência local entre escolas: um
estudo de caso em Portugal. Lisboa: Centro de Estudos da Escola/Faculdade d · INTERDEPENDÊNCIA COMPETITIVA
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Disponível E AS LÓGICAS DE ACÇÃO DAS ESCOLAS:
em: http://www.fpce.ul.pt/centros/ceescola/ (02-04-03). uma comparação europeia
BARROSO, J.; DINIS, L.; MACEDO, B. e VISEU, S. (2004). Regulação interna e lóg l·
cas de acção nas escolas: dois estudos de caso em Portugal. Lisboa: Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa. Disponível em :
http://www.fpce.ul.pt/centros/ceescola/ (02-04-03).
BOLTANSKI, L. e THEVENOT, L. (1991). De la justification. Paris: Métailié. Agnes VAN ZANTEN
CROZIER, M. e FRIEDBERG , E. (1977). L'Acteur et le systeme. Paris: Éditions du L'Ob se rvatoire socio logique du chan ge m ent,
Seuil. Sciences Po, Paris
DEROUET, J.-L. (1992). École et justice. De l'égalité des chances aux compromis
locaux? Paris: Métailié.
FRANCFORT, I. et al. (1995). Les mondes sociaux de l'entreprise. Paris: Desclée de
Brouwer.
FRIEDBERG, E. (1993). Le Pouvoir et la Regle. Dynamique de l'Action Organisée.
Paris: Éditions du Seuil.
MA ROY, C. (2003). Le concept de logiques d'action: quelques précisions pour le WP9
(documento policopiado e interno do Projecto Reguleducnetwork).
REMY, J., VOYE L. e SERVAIS, E. (1978). Produire ou reproduire. Une sociologie de
la vi e quotidienne. Tome 1. Bruxelles: Éditions Ouvriere.
REYNAUD, J.-D. (1997). Les regles du jeu. L'action collective et la régulation sacia/e.
Paris: Armand Colin.
SAINSAULIEU, R. (1977). L'Identité au travai/, les effets culturels de l'organisation .
Paris: Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques.
SARMENTO, M. (2ooo). Lógicas da acção. Estudo organizacional da escola primá-
ria. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.
VISEU, S.; BARROSO, J.; DINIS, L. e MACEDO, B. (2004). A regulação interna
das escolas e lógicas de acção dominantes: dois casos contrastantes. ln: Costa,
Introdução
J.A.; Neto-Mendes, A. e Ventura, A. (org.). Políticas e gestão local da educação.
Aveiro: Universidade de Aveiro, pp. 391-402. Uma definição de conceitos e o modelo de análise
WEBER, M. (1922). Économie et Société. Paris: Plon (tradução francesa, 1971). Lógicas de acção, domínios escolares e actores
Tipos de lógicas de acção competitivas
Conclusões: lógicas de acção, eficácia,
segregação e desigualdades

190
Introdução

Nos últimos 20 anos, a investigação em educação tem dedicado par-


ticular atenção aos efeitos da introdução de lógicas de mercado nas
dinâmicas internas das escolas. No entanto, importa realçar o facto
da investigação ser sobretudo proveniente de países anglo-saxónicos
(Reino Unido, Estados Unidos da América, Austrália e Nova Zelân-
dia) e estar fundamentada num número limitado de estudos de caso
(Fitz et al., 1993; Lauàer et al., 1994; Witte e Clune, 1990). Além disso,
estes trabalhos baseiam-se numa definição de processo competitivo
que implica uma intervenção política no sentido de criar condições
para a autonomia e "livre escolha" das escolas.
O objectivo deste capítulo'5 consiste em fornecer uma análise
complementar sobre estes processos competitivos, através do estudo
de seis territórios de cinco áreas metropolitanas de cidades europeias
seleccionados no âmbito do Projecto Reguleducnetwork (Londres,
Paris, Lille, Charleroi, Budapeste e Lisboa). Estes territórios parti-
lham aspectos comuns, desde logo por estarem incluídos em grandes
cidades, caracterizando-se por uma composição populacional hetero-
génea do ponto de vista social e étnico, assim como pela diversidade
na oferta educativa no que se refere ao tipo de estabelecimentos de
ensino (públicos e privados).
Apesar das semelhanças, os territórios diferem entre si em mui-
tos aspectos, nomeadamente no que respeita aos modos de regulação
local, às orientações políticas e aos arranjos organizacionais das esco-

25 Tradução e adaptação do artigo "Education policies, multiregulation and inequalities:


A European comparison" apresentado no ECER SYMPOSIUM em 2005.

19 3
AGN~S V A N ZANTEN I NT I( ItOH I'HNOP.N IA . O MP I\T I T I VI\ ll II R t Ó I A S I>H A . Ç ( 1)1\R HS . I.• AS

las neles incluídas. Por exemplo, em alguns casos, a~ escolas, os pais ' (Ui llbrio de forças, mas antes um a relação recíproca , na qual nem
e encarregados de educação gozam de uma autonomia considerável, Lodas as escolas di spõe m dos mesmos recursos.
consagrada, por vezes, no plano legislativo. Noutros casos, essa auto - to qu e acontece com as interdependências competitivas, objecto
nomia deriva de processos mais informais, sejam eles devidos a uma deste capítulo, que surgem quando as escolas concorrem para aceder
maior tolerância em relação à legislação em vigor, seja por falta de um a recursos adicionais, partindo de contextos diversificados e pontos
controlo efectivo. de partida desiguais. Contudo, nem todas as interdependências são
Este texto está organizado em quatro partes. Na primeira parte, de natureza competitiva, podendo suceder que várias escolas se agru-
são apresentados os conceitos essenciais que nortearam a investigação, pem no sentido de desenvolver um trabalho conjunto com objectivos
bem como o modelo de análise utilizado. Na segunda parte, são des- omuns e partilhar benefícios com essa associação.
critos os principais domínios e actores envolvidos na construção das As interdependências competitivas podem variar de contexto para
lógicas de acção de cada escola, quer ao nível externo quer interno. Na contexto, dependendo essencialmente de três factores: as característi-
terceira parte, são apresentadas duas tipologias de análise das lógicas as e acções da escola, as escolhas dos pais e encarregados de educação
de acção, uma construída à luz da posição de cada escola no território c as directivas locais e nacionais. No que se refere às características e
onde está inserida e outra em função do consenso e coerência interna acções das escolas, é importante considerar a variedade e acessibili-
das suas lógicas de acção. Finalmente, na quarta parte, apresenta-se a dade da oferta escolar, os recursos e a autonomia que dispõem. Em
síntese conclusiva da análise realizada. relação aos pais e encarregados de educação devem ser observadas as
suas especificidades demográficas e socioeconómicas, assim como as
possibilidades de escolha existentes no quadro administrativos e legal
Uma definição de conceitos e o modelo de análise c a participação que estes assumem na vida da escola (Hirschman,
t970). Finalmente, no que respeita às directivas locais e nacionais,
A variedade de contextos em que se exerce a regulação de tipo mer- devemos atender ao grau de coordenação entre diferentes autoridades
cado conduziu a que substituíssemos esse conceito pelo de interde- no âmbito da educação e qual a margem de manobra que proporcio-
pendência competitiva, mais frequentemente utilizado no âmbito da nam para a acção local, seja ela voluntária ou involuntária.
sociologia das organizações. Esta substituição pressupõe que as esco- Resta acrescentar ainda que as interdependências competitivas
las, tal como outras organizações, são afectadas não só por directivas aplicam-se aos diferentes tipos de recursos que as escolas procuram e
nacionais ou locais ou pelos seus processos internos, mas também necessitam, sejam de ordem financeira, de oferta curricular ou do perfil
pelo funcionamento das escolas vizinhas, exercendo elas próprias dos professores. Contudo, os recursos mais procurados são os alunos,
influência de forma recíproca nos estabelecimentos de ensino que lhe centrais para as actividades escolares e determinantes na obtenção dos
estão próximos. restantes recursos. Por isso, a competição entre escolas é frequentemente
No entanto, esta definição não implica a existência de uma von- sentida na captação de alunos. Como demonstrado claramente na área
tade consciente em influenciar as outras escolas, nem pressupõe a de Budapeste, existem dois tipos de competição com este fim. Num 1
existência de interacções directas e presenciais entre os agentes das primeiro nível, a competição faz-se no sentido de assegurar alunos sufi-
escolas onde estes processos ocorrem. A definição do conceito de cientes para funcionamento da escola, sendo esta uma opção frequente
interdependência competitiva não implica, ainda, a existência de um nos contextos em que os recursos são atribuídos em função do número

194 19 5
A G NES V A N Z AN TEN I N 'I' I( ll l) lll' I( N I) nN C I A • M I' li 'I' 1'1' 1 V A I( A S I, n IC A ~ IJ I! A C: Ç ) I) A R I! S C:() I. A S
'
de inscritos. Num segundo nível, a competição poderá ocorrer com o i ntern s, nomead amente através da acli vid ade dos órgãos de gestão,
objectivo de atrair os melhores alunos, sendo esta a modalidade mais dos professores, dos pai s, dos alun os e de outros age ntes educativos.
frequentemente observada nos diversos territórios estudados. O impac to dessas influências é mediado, uma vez que as escolas não
Para além do conceito de interdependência competitiva, utiliza- são entidades isoladas, mas sim, elementos de uma configuração local,
mos também neste estudo o conceito de lógica de acção, em detrimento c porque os próprios processos locais exercem um importante efeito.
do conceito de estratégia. A lógica de acção refere-se à orientação Este modelo implica pois a ruptura com uma concepção vertical
global das actividades da escola. Tal como o conceito de estratégia, de escola, enfatizando o impacto das políticas nas entidades individu-
supõe que existe uma racionalidade nas opções das escolas, que pode ais, através da compreensão das dinâmicas locais. O modelo significa
ser reconstituída a posteriori através de uma análise dos discursos e ainda o abandono de uma visão simplista das lógicas de mercado, em
práticas dos actores envolvidos. Contudo, e ao contrário do conceito torno das interacções oferta-procura, que não leva em conta que a
de estratégia, a lógica de acção não pressupõe que os agentes escolares adaptação aos clientes é sempre mediada pelos comportamentos dos
estejam conscientes dos efeitos das suas escolhas, nem que actuem que são envolvidos na competição. Finalmente, este modelo também
de acordo com um cálculo de custos, meios e benefícios, baseado em pressupõe que todas as escolas dispõem de um certo grau de autono-
princípios racionais-instrumentais. Supõe, antes, um conceito mais mia, mas que esta autonomia não é fruto, unicamente, de uma acção
alargado de racionalidade, de escolhas axiológicas conduzidas por política deliberada, mas também, o resultado não intencional de uma
valores e normas, não estando confinada a processos exclusivamente multirregulação ineficiente ou da falta de controlo.
instrumentais. Ela baseia-se mais no conceito de acção, atendendo a
e
rotinas, adaptações inconscientes, reacções espontâneas a situações
imprevistas. Por isso, e mais uma vez em contraste com o conceito Lógicas de acção, domínios escolares e actores
de estratégia, a lógica de acção pode ser baseada numa apreciação
errónea dos contextos e das situações reais e que o habitus das escolas A noção de lógica de acção implica necessariamente a existência de
pode permanecer para além do contexto específico de condições que algum grau de coerência entre as dinâmicas de diferentes domínios
lhe deram origem, mesmo quando as práticas deixaram de ser rele- de acção e um mínimo de consenso entre os actores escolares, ainda
vantes para lidar com os problemas e desafios do presente (Bourdieu que estes dois pressupostos possam ser problemáticos. Em primeiro
e Passeron, 1970). Não assumimos, no entanto, uma visão totalmente lugar, os vários domínios da vida escolar são relativamente autóno-
subjectiva das lógicas de acção, entendendo que podem variar de mos entre si, desde logo, porque são governados por diferentes nor-
acordo com dois factores externos essenciais: a posição das escolas mas e procedimentos internos e, por isso, nem todos são afectados do
nas hierarquias locais e o seu grau de vulnerabilidade na competição mesmo modo pelas interdependências competitivas.
de quasi-mercados locais (Bartlett, 1992; Le Grande Bartlett, 1993). Em segundo lugar, a noção de coerência implica a existência de
Quanto ao modelo de análise utilizado, ele centra-se na relação alguma congruência entre os diversos domínios, construída ao longo
entre escolas e o seu ambiente institucional (Yair, 1996). Este modelo do tempo nas escolas através de múltiplas interacções, narrativas e,
concebe as escolas como organizações cuja actividade é influenciada por vezes, graças à acção deliberada de um determinado agente, fre-
por factores externos, como normas, políticas, directivas, recomen- quentemente, o presidente do órgão de gestão da escola. A coerência
dações, escolhas dos pais e encarregados de educação, e factores . interna não exclui a autonomia relativa de cada domínio e pode estar

197
I N 'I' 1\ 1\1) 1\ 1> 1\ N I) N (; I A ' 0 M ll 11 'I' I 'I' I V A A S I, ( I C h 8 I) I! ,\ )( () I) h I H 1: () I, h
A G NES V A N ZANTEN

ausente, em determinados espaços, por falta de contacto, envolvi - Recrutamento


mento colectivo ou mesmo por fragmentação de diferentes domínios orno já foi referido, os alunos constituem os mai s importanles
levada a cabo pela liderança da escola. r ursos das escolas, pelo facto das suas actividades serem fortemente
Assim sendo, se existe uma lógica de acção que prevalece sobre ondicionadas pelas características académicas, sociais e étnicas dos
as restantes, isso significa que houve, em determinado momento, um s us clientes (Becker, 1952; Lipsky, 1980). A quantidade e qualidade
certo grau de consenso sobre a mesma. Na maior parte das escolas dos alunos determinam também, em certa medida, a obtenção de
existe um certo acordo no que diz respeito aos objectivos, resultados ouLros recursos dentro do sistema educativo.
e problemas existentes, ainda que os diferentes grupos possam dis- Contudo, a capacidade de acção das escolas é limitada neste
cordar em algumas prioridades, meios e causas. Mais uma vez, este domínio por, pelo menos, três factores. O primeiro factor prende-se
acordo é construído através de trocas, de memórias e do trabalho deli- om o número de vagas existentes e com a capacidade de as escolas
berado de alguns actores ~om vista à obtenção de consensos. Contudo, poderem, ou não, aumentar ou diminuir o número de alunos por
existem escolas onde não é possível atingir essa lógica de acção parti - Lurma. O segundo factor relaciona-se com a necessidade das escolas
lhada devido a grandes diferenças de posição entre diversos grupos e atenderem às estratégias dos pais e encarregados de educação e às
aos conflitos existentes entre eles. escolhas que estes realizam, mesmo quando pretendem influenciá-
-las. Por último, o terceiro factor está associado às políticas locais que
A AUTONOMIA DOS DIFERENTES DOMÍNIOS ESCOLARES regulam os fluxos de alunos e com a proibição da selecção com base
Existem vários domínios escolares de acção que assumem dife- cm critérios religiosos (exceptuando o caso da área de Londres) ou
rentes características consoante os países e escolas, dependendo, por étnicos.
exemplo, da existência e importância de actividades extracurricu- Na nossa investigação, as escolas dos territórios húngaro e belga
lares. No Reino Unido, o domínio extracurricular existe sobretudo surgiram como as mais atentas ao recrutamento de alunos e às suas
nas escolas secundárias, o que não é o caso da França. Nesta análise características, por razões demográficas e financeiras, dispondo para
·iremos centrar-nos em seis domínios, seleccionados por duas razões. tal de um conjunto de meios oficiais e não oficiais. Por contraste, as
Em primeiro lugar, são domínios passíveis de serem isolados em cada escolas públicas dos territórios de Londres, Paris e Lille emergiram
um dos contextos observados no âmbito da investigação do Pro- como bastante mais controladas pelas regulações locais. As escolas
jecto Reguleducnetwork. Em segundo lugar, surgiram como os mais do território português foram consideradas as menos preocupadas
influenciados pelas interdependências competitivas e aqueles a que as em agir sobre o recrutamento dos alunos, não só por serem as menos
escolas recorrem com maior frequência para melhorar a sua atractivi- afectadas por regulações locais, mas também por se terem observado
dade ou posição relativa num território local face às escolas vizinhas. estratégias de escolha de escola pouco intensas por parte dos pais e
Distinguimos três domínios que estão mais orientados para o encarregados de educação.
ambiente externo (recrutamento de alunos, oferta de opções curricu-
lares e promoção da escola) e outros três domínios, mais orientados Oferta de opções curriculares
para os processos internos (distribuição dos alunos pelas turmas, No que se refere à oferta de opções curriculares, e em contraste
apoio a crianças com necessidades educativas especiais e resolução de com a situação descrita para o recrutamento de alunos, as lógicas de
problemas disciplinares). acção das escolas são mais controladas pelas autoridades locais. Todos

199
AGNfiS VA N ZAN T!( N I N 'I' H lll) II I' 1\ N O fi N C IA <.: M l'liT I 'I' I V i\ 1\ i\ ~ I, Ó I G 11 S I} 1\ A : Ç ( ll i\ S 11 8 c: I. A R

'
os sistemas educativos locais estudados dispõem de regras, por exem- ol jc ti vo do cslabc lecimenlo de ensino co nsislc em alrair alunos c as
plo, no sentido de prevenir o monopólio, por parte de uma escola, da s suas famíli as. Nos casos em que não existe "livre escolh a", como em
opções mais atractivas. Pra nça, a publicidade e promoção da escola poderá ser utilizada para
Em todos os sistemas, exceptuando talvez o caso do território que os pais e encarregados de educação solicitem, oficialmente, matri-
português, as escolas solicitam novas opções não tanto numa pers- ' ttl ar os alun os em escolas diferentes das previstas pelos normativos
pectiva de enriquecimento e diversificação da oferta curricular em que reg ulam a sua distribuição.
articulação com as finalidades de desenvolvimento intelectual ou Como é evidente, as estratégias promocionais são muito mais
de inserção dos alunos no mercado de trabalho, mas antes, para se desenvolvidas nos territórios em que as escolas são financiadas em
tornarem atractivas para grupos específicos de alunos e famílias da l'u nção do número de alunos e existe possibilidade de escolha. Nos
classe média. É também neste domínio que a influência do ambiente ·asos dos territórios de Budapeste, Londres e Charleroi estas estra-
institucional se torna mais visível. As escolas recolhem informação 1 •gias são mais numerosas e sofisticadas, tendo sido observadas,
sobre o que as escolas vizinhas fazem - ainda que com meios pouco principalmente, em escolas que detêm uma imagem mais degradada.
precisos, como as opiniões dos alunos ou pais, que podem conduzir No território francês estas estratégias são menos frequentes, o que
a conclusões erróneas - e procuram imitar processos ou construir se explica pelo desencorajamento das autoridades locais, ainda que
novos ou específicos nichos (Bagley et al., 1996). as escolas mais activas tenham criado sítios na Internet e folhetos de
A investigação evidenciou que o território da área metropo- div ulgação, desenvolvendo actividades promocionais com o objectivo
litana de Londres concentra o nível de autonomia mais elevado no de se tornarem mais visíveis no mercado local. Mais uma vez, estas
que respeita à oferta escolar, ainda que se trate de uma "autonomia estratégias são pouco visíveis no caso português.
constrangida", na medida em que as escolas são pressionadas a
desenvolver uma oferta especializada neste domínio com o fim de Distribuição dos alunos pelas turmas
obterem recursos externos suplementares. No caso do território belga Esta é uma lógica de acção interna que é influenciada por factores
analisado, a autonomia também é considerável, apesar de existirem endógenos, nomeadamente o número e as características da popula-
mecanismos de coordenação da oferta escolar quer no sector público ção escolar, a defesa que os professores fazem das turmas homogéneas
quer no sector privado (mas não entre si). Em Budapeste e nas duas ou heterogéneas, e outros factores organizacionais relacionados com
áreas metropolitanas em análise em França existe menor autonomia os horários de alunos e professores. Contudo, este domínio de acção
das escolas, consagrada a nível oficial, ainda que, no primeiro caso, lambém é utilizado como um "sinal" para atrair as famílias da classe
algumas escolas beneficiem da falta de controlo por parte das autori- média, pois permite diferenciar internamente os diferentes públicos
dades para o desenvolvimento de estratégias próprias no que se refere escolares, em escolas mais heterogéneas do ponto de vista socioeco-
à oferta escolar. No território português observado não se registam nómico, principalmente quando existe pouca diferenciação oficial nas
acções significativas neste domínio. opções existentes nas escolas secundárias, como sucede em França
(Ball, 2002; van Zanten, 2002, 2003).
Promoção Esta estratégia foi ainda observada no território húngaro por
A promoção das escolas e das suas actividades estão intimamente parte de escolas que oferecem opções curriculares atractivas para a
associadas ao recrutamento e à oferta escolar, sobretudo quando o classe média e, simultaneamente, turmas para alunos com necessida-

200 201
A G NES VAN ZANT ii N I N 1" lt ll I) H P H N 0 N IA M 1> H'l' I T I V A A N I. I • A S I) 1\ A : Ç () I) A S 11 1: ~A

des educativas especiais, obtendo, por este meio, mais recursos finan - on iderável de es pecialistas, i.n lu lnd o psicó logos, psiqui atras c
ceiros da autarquia, do estado ou mesmo de agências internacionais. terapeutas, intervêm nas escolas o que lhes permite obter financia-
Em sistemas como o inglês, onde os pais podem escolher livre- mento extraordin ário.
mente as escolas e existem opções que são utilizadas como mecanis- Em terceiro lugar, algumas escolas, sobretudo as mais vulneráveis
mos de selecção interna, a criação de turmas em função dos resultados às influências do mercado local, não desenvolvem políticas específicas
académicos é menos frequente (ainda que existam em alguns casos) para alunos com necessidades especiais com o fim de evitar serem
e varia conforme as características dos alunos e as percepções dos estigmatizadas como "escolas problemáticas". Este fenómeno foi
professores. Em Portugal, no território em estudo, as turmas tendem observado em algumas escolas dos territórios franceses que excluem
a ser mais heterogéneas, mas existe, por vezes, alguma diferenciação ou marginalizam, de diferentes maneiras, alunos com necessidades
social quando as escolas funcionam em dois turnos: as turmas da especiais, ou desenvolvem politicas que não são muito visíveis para o
manhã são tendencialmente compostas por alunos das classes médias exterior, procurando escamotear as suas acções neste domínio.
e médias altas, que procuram este horário para poderem desenvolver No caso do território belga e, por vezes, no caso português, os
actividades extra-curriculares, enquanto que os alunos das classes alunos com necessidades educativas especiais são encaminhados para
populares são em maior número nas turmas da tarde. fileiras mais profissionalizantes ou técnicas dentro do sistema edu-
cativo. No território inglês, a maior parte dos professores balançam
Apoio a alunos com necessidades educativas especiais entre garantir apoios específicos aos alunos com necessidades espe-
Este domínio parece ser completamente condicionado por fac- ciais, e atingir os objectivos definidos e produzir inovações educativas,
tores internos, ou seja, pelo número de alunos com necessidades de acordo com o estatuto de "escola especializada" (Gewirtz, 2002).
especiais, pela importância e tipo das necessidades, assim como pela
percepção dos professores e director da escola sobre a integração des- Problemas disciplinares
tes alunos. Contudo, a oferta nesta área também pode servir como um O domínio da disciplina é também fortemente influenciado por
sinal para a arena competitiva, pelo menos em três situações. factores internos, como o comportamento dos alunos e dos professo-
Em primeiro lugar, quando existe uma população escolar de res e as concepções dos directores das escolas sobre o que é aceitável
composição socioeconómica mais variada e em territórios onde os e possível para manter a ordem escolar. Contudo, tal como sucede
encarregados de educação têm pouca escolha, a existência de turmas no caso dos alunos com necessidades educativas especiais, as opções
para alunos com necessidades especiais, permite "descansar" os pais tomadas podem ser utilizadas para modificar a imagem da· escola
e encarregados de educação de classe média que poderiam sentir-se (Gewirtz et al., 1995; van Zanten, 2001).
menos confortáveis com a integração destes alunos. Os problemas disciplinares são geralmente mais significativos
Em segundo lugar, o facto destes alunos frequentarem uma nas escolas que se encontram nas posições mais baixas da hierarquia
determinada escola pode contribuir para a captação de financia- local dos territórios observados. A visibilidade deste fenómeno resulta,
mento específico, muitas vezes utilizados em proveito de toda a por um lado, do facto de os profissionais dessas escolas detectarem
escola, nomeadamente, dos alunos oriundos da classe média. Esta e exporem esses problemas com maior frequência, e por outro lado,
situação foi observada no território húngaro onde muitos profes- porque os pais e encarregados de educação que hesitam matricular
sores tiveram formação na área da educação especial e um número os filhos nessas escolas utilizarem a disciplina como um indicador da

202 203
A G Nil S VAN Z ANTHN I N'l' H il l) G 11 H N I) nN IA M P fl 1' I T I V A ll /1 L I'J I AS I) H A ' Ç 0 I) A H ' LA
I

qualidade e a existência da "violência" como um motivo legitimador hui r para que a competição se torne mais ou menos importante para
da fuga da escola (van Zanten, 2002). dclcrminados grupos, nomeadamente professores, pais e encarrega-
Contudo, nos territórios ingleses e franceses, a "melhor disciplina" d s de educação, directores, e de que modo as suas posições podem
é um factor importante na decisão dos pais escolherem entre escolas onvergir ou divergir. Apesar do seu papel fundamental, deixamos os
públicas ou privadas, no caso das escolas situadas nos níveis inter- a lu nos fora desta análise, pois, tendo em conta as idades consideradas
médios da escala. Em todos os países envolvidos no estudo as escolas n presente estudo (u a 15 anos) raramente são considerados como
variam no modo como gerem as questões disciplinares no sentido de participantes nas decisões escolares, existindo a tendência para que
alterar ou manter a sua posição na hierarquia local do território onde outros falem em seu nome.
se incluem.
As escolas que se encontram nos níveis mais elevados da hie- Directores das escolas
rarquia de um território escolar utilizam medidas tendencialmente Em todos os contextos institucionais e entre todos os actores em
mais burocráticas para lidar com a questão da disciplina, como as análise, os directores das escolas tendem a ser aqueles que mais orien-
expulsões ou outras formas de punição. As escolas nas posições mais Lam a sua acção ein função do ambiente externo, o que os coloca na
desfavorecidas na hierarquia confiam-em meios mais carismáticos, interface entre a escola e o contexto institucional. Por esse motivo,
baseados na intervenção de certos professores ou mesmo do director estes actores também tendem a ser os mais informados acerca das
da escola, ou seja, optam por medidas mais pós-burocráticas, como os dinâmicas que se desenvolvem neste nível.
contratos e a negociação, que implicam o estabelecimento de alguma Contudo, a sua implicação na competição com outras escolas
forma de consenso e cóordenação entre a comunidade escolar (Verho- depende de vários factores, dos quais destacaremos aqui três.
even, 1987). Este fenómeno foi observado em muitas escolas dos ter- Um primeiro factor está associado há existência, mais ou menos
ritórios belga e inglês, assim como em certos estabelecimentos dos acentuada, de uma hierarquia de escolas num mesmo território e à
territórios franceses. Algumas escolas do território belga e húngaro percepção negativa da posição que é ocupada pelo estabelecimento
também recorrem a especialistas externos, nomeadamente médicos e de ensino, sobretudo no caso em que, sendo essa posição desfavorável,
psicólogos, buscando também medidas terapêuticas para resolver as poderá afectar o desenvolvimento profissional do director da escola.
questões disciplinares. O segundo factor prende-se com o grau de competição no quasi-
-mercado local e no grau de vulnerabilidade da posição da escola e do
0 RISCO DE COMPETIÇÃO PARA DIFERENTES GRUPOS seu director nesta competição.
Para compreender as lógicas de acção das escolas, no que se refere Finalmente, o terceiro factor diz respeito à vontade do director em
às interdependências competitivas, é necessário atender à autonomia melhorar a posição da escola e a sua atractividade no território onde
de cada domínio educativo e à possibilidade de existirem contradi- se encontra. Esta vontade está, no entanto, dependente dos recursos
ções entre as suas dinâmicas, sobretudo no que se refere aos domínios da escola e da autonomia que o director dispõe para se adaptar às
externos e internos, à posição dos diferentes actores e à possibilidade novas situações e obter consensos numa dada linha de acção.
de poderem divergir entre si. Todos estes factores são influenciados por políticas nacionais ou
Neste ponto, iremos centrar a nossa atenção nos factores que, locais que variam em função dos países e contextos analisados. Em
de um modo geral e em contextos nacionais e locais, podem contri- determinados casos, como por ex:emplo o caso inglês, foram introdu-

204 205
A G NES VAN Z A NTEN I N T ll ll 0 I) I' g N O l\ N C IA M I' ll' l' I 'I' I V A R AS I. Ó 0 I • A I) 1\ Ç OA IJ S ~ 1\

zidas importantes reformas ao nível da gestão e de reforço do mercado põem de uma margem de manobra mai s redu zida, gozam de menos
escolar e, como consequência, os directores são pressionados para aulonomia, e dispõem de menor apoio por parte de professores e dos
melhorarem a posição e a atractividade da escola, de forma a obterem pais que "não" puderam escolher a escola e cuja posição depende
mais recursos financeiros e recompensas simbólicas, gozando de uma menos da acção pessoal do director. No caso dos professores, esse
autonomia considerável para o fazerem. Contudo, o reverso da meda- apoio poderá ser diminuto porque não são recrutados nem avaliados
lha está no facto destas reformas criarem novos antagonismos entre pela direcção da escola. No caso dos pais porque se encontram muito
os directores das escolas, professores e pais o que dificulta a criação mais protegidos da exclusão dadas as regulações existentes dentro do
de consensos alargados. sistema público.
Se os directores das escolas se submeterem por completo a estas
pressões, os professores e os pais podem sentir que estão a ser manipu- Professores
lados por objectivos externos, quer do sistema educativo, quer dos pró- Em todos os contextos envolvidos no estudo, os professores ten-
prios directores, conduzindo ou a uma certa apatia ou a um desacordo dem a implicar-se mais no funcionamento interno das escolas do que
declarado sobre as opções tomadas (Gewirtz, 2002; van Zanten, 2002). nas interdependências competitivas. Este dado poderá ser explicado
No extremo oposto, como Portugal, estas pressões são pratica- por vários factores. Desde logo, pelo facto do trabalho docente se
mente inexistentes, o que conduz a uma fraca preocupação por parte caracterizar por algum isolamento em relação aos pares, mas também
dos directores pelas interdependências competitivas, focando-se mais em relação ao controlo imediato da direcção da escola e dos pais e
no seu papel no interior da escola. encarregados de educação (Lortie, 1970).
Outras situações nacionais e locais estudadas no âmbito do Outro factor importante está associado à escolha da profissão,
Projecto Reguleducnetwork localizam-se entre estes dois extremos à formação e às concepções sobre o trabalho. Os professores do ensino
e podem exibir diferenças importantes, como acontece em França, secundário que concluíram há menos tempo a sua integração na pro-
entre escolas privadas e públicas. fissão estão geralmente mais interessados na sua própria disciplina ou
No caso das escolas privadas, o trabalho dos directores é marcado no trabalho com os alunos. Além disso a sua formação não incidiu, na
pelas preocupações em torno da posição e da atractividade da escola. maioria dos países, na compreensão das dinâmicas locais e nas lógicas
Contudo, eles dispõem de uma grande margem de autonomia para de mercado, mas sobre as concepções de trabalho docente, constran-
actuarem nesses domínios, além do apoio dos professores e dos pais. gimentos e recompensas relacionados com o trabalho na sala de aula
Quanto aos professores, esse apoio resulta do facto de serem recruta- (Tardiff e Lessard, 1999; Maroy, 2002).
dos em função do ethos da escola e dependerem do director para pro- Um terceiro aspecto está relacionado com a ética dominante da
gressão nas suas carreiras. Quanto aos pais, a partir do momento em profissão docente que se focaliza na criança, no seu progresso e acom-
que os seus filhos foram aceites, em particular nas escolas mais selec- panhamento, mais do que em mercados escolares e na competição
tivas, preferem não manifestar-se, com receio de serem excluídos. entre escolas, ainda que a relação com os pais e a comunidade esteja
No caso das escolas públicas, os directores parecem menos preo- presente e varie nos países analisados (Gilly et al., 1993).
cupados com a posição e a atractividade, embora, em dois dos territó- Mesmo com poucas variações nacionais e locais no que se refere
rios estudados, as escolas sejam bastante afectadas pelas hierarquias à posição dos professores ao nível das interdependências competitivas,
locais e pelas dinâmicas de quasi mercado. Em contrapartida, dis- é possível apontar algumas diferenças entre os países.

206 207
A G N ES VAN Z ANTEN I N TII Ili) II I'HNO ftN C I A C MPWI'I T I VA li A , t ÓCl i . AS ll ll A C:Ç llA S HSC( I. A S

Em países onde a matrícula dos alunos depende de dinâmicas de de educação provenientes de classes sociais médias ou altas estão bas-
mercado, seja pela existência de políticas nacionais de "livre escolha" da tante mais conscientes das dinâmicas das hierarquias locais e de mer-
escola por parte dos pais, tal como acontece na Bélgica, seja pelo declínio cado, desenvolvendo estratégicas que lhes permitem aceder às "melhores
demográfico combinado com a falta de controlo ou de recursos, como escolas" e beneficiar da competição existente entre estabelecimentos.
sucede na Hungria, os professores estão mais concentrados nas inter- Existem, contudo, diferenças dependendo do ethos profissional
dependências competitivas, uma vez que o seu trabalho é directamente c social. Os pais que trabalham no sector privado, oriundos de clas-
afectado pelo número de alunos. Perante esta realidade, os professores são ses sociais médias ou altas que detêm rendimentos financeiros mais
encorajados a manterem-se alinhados com a direcção da escola nas acções elevados, tendem a proceder a uma selecção instrumental e social da
destinadas a manter as matrículas dos alunos num nível satisfatório. escola. Nessas circunstâncias, recorrem a estratégias de escolha, com
Esta situação é igualmente válida para o caso inglês, ainda que, base em critérios da residência, ou recorrem ao ensino público ou
no território observado na área metropolitana de Londres, o proce- privado no sentido de melhorar potenciais vantagens dos seus filhos
dimento de agrupar os alunos proteja as escolas, parcialmente, dos reforçando, desse modo, a exclusividade e a segregação.
efeitos demográficos, da competição e da escolha dos pais. Contudo, e ainda considerando as classes mais favorecidas, os
Já nos países em que os alunos são distribuídos pelas escolas de pais que trabalham no sector público, sobretudo professores ou traba-
acordo com critérios oficiais, como é o caso português, ou segundo lhadores sociais, ou mesmo aqueles que trabalham no sector privado
uma lógica de sectorização por área de residência, como sucede em mas em áreas culturais, têm uma perspectiva mais social e expres-
França, os professores parecem menos interessados com a competi- siva, tendendo a preferir escolas públicas. Este grupo de pais tende a
ção de "primeira ordem" entre estabelecimentos, ainda que tenham confiar mais no seu papel dentro da escola, do que na "livre escolha",
maiores preocupações na competição de "segunda ordem", ou seja, para atingir os objectivos desejados para a educação dos seus filhos e,
pela captação dos "melhores" alunos. Esta situação foi bastante mais de certo modo, também para as crianças de outras origens sociais e
visível nos territórios franceses observados do que no caso português, etnias (Ball 2002; van Zanten, 2003, 2005).
tendo sido registado, nos primeiros, um maior nível de diferenciação Os pais do primeiro tipo estão mais preocupados em garantir o reforço
entre os alunos em função do nível académico, social e étnico. do capital social e intelectual próprio do seu grupo, enquanto que os do
Este fenómeno não implica necessariamente que os professores cola- segundo tipo estão sobretudo preocupados em promover esse capital em
borem de forma explícita com o director da escola no desenvolvimento comunidades mais heterogéneas (Putnam, 2000). Esta linha de acção foi
de estratégias de mercado, mas toleram, ainda que de modo encoberto, claramente observada nos territórios inglês e francês da área parisiense.
as estratégias que lhe são mais convenientes, enquanto criticam aberta- No outro extremo, os pais de classes mais desfavorecidas, ou imi-
mente os princípios que lhes estão subjacentes (van Zanten, 2002b). grantes, permanecem mais "leais" às escolas públicas da sua área de
residência (Hirschman, 1970). Vários motivos podem estar na origem
Pais e encarregados de educação deste facto. Por vezes, mesmo quando podem escolher a escola, estes
A posição dos pais e encarregados de educação, no que se refere pais preferem não o fazer, por razões afectivas de ligação à comunidade
às interdependências competitivas, é bastante contrastante do ponto de e à escola local, ou ainda por razões políticas ou morais (de defesa do
vista social, em todos os contextos locais e nacionais analisados, talvez serviço público e do valor da igualdade) ou ainda, finalmente, porque
com a excepção do caso português. Por um lado, os pais e encarregados podem simplesmente não saber como escolher a escola (Ball et al., 1996).

208 209
A G N ES VAN ZANTEN I N 'I' H ll 0 ll P ll N I) ft N IA C M I' U'I' I 1' I V A U A S ~ IC A 0 11 A ' ( I) A S ll S C ~ lo 8
'
Este tipo de fenómeno foi observado em todos os países analisados. qualitativos, como os que foram co ndu zidos no âmbilo do Projecto
Contudo, os pais que se inserem neste grupo são os mais penalizados Regu led ucnetwork.
em sistemas como o belga onde a "livre escolha" encoraja as classes Do ponto de vista empírico, os "ideais-tipo" de lógicas de acção
mais favorecidas a conceberem a escolha como a principal estratégica procuram contribuir para mostrar o modo como elementos diferen-
para melhorar o percurso escolar dos seus ·filhos, mesmo para aque- tes podem estar ligados entre si e dar origem a configurações distin-
les que permanecem fiéis a escolas públicas ou à heterogeneidade de tas. Mas estes "ideais-tipo" não são aqui entendidos apenas como
públicos escolares. Por isso, não surpreende que o sistema belga seja, tipos empíricos, porque ao criarem uma ligação entre novos dados
de entre os cinco estudados, aquele que se caracteriza por uma maior empíricos e modelos teóricos já existentes, minimizam a tendência
segregação social e académica. dos estudos qualitativos em permanecerem demasiado associados a
Por oposição, em Portugal, onde a escolha, apesar de não ser contextos específicos e aumentam a possibilidade de generalizar as
impossível, não é ainda politicamente encorajada, a classe média interpretações para outros contextos e domínios intelectuais (Weber,
parece menos provida de uma visão estratégica no processo de esco- 1939; Schnapper, 1999).
larização e pouco interessada na escolha da escola, com a excepção
da área de Lisboa onde se regista maior procura do ensino privado PRINCIPAIS ORIENTAÇÕES
(Vieira, 2005). Este facto poderá ajudar a explicar os resultados obti- Apesar de, como já vimos, não ser fácil desenvolver lógicas de
dos nas avaliações do PISA, nos quais Portugal aparece como um sis- acção coerentes e coesas, o estudo de 14 escolas no âmbito do Projecto
tema não muito eficiente, mas com uma pequena polarização social e Reguleducnetwork permitiu caracterizar cada uma delas de acordo
académica. com cada um dos quatro tipos que se descrevem:
Contudo, em qualquer dos casos, os pais das classes mais des-
favorecidas ou de imigrantes têm pouca influência seja porque pre-
ferem intervir apenas nos casos em que há problemas, não tendo a fiGURA 1. PRINCIPAIS ORIENTAÇ ÕES

necessidade de o fazer noutros contextos, seja porque tendem a ser Posição no mercado (subjectiva ou objectiva)
ignorados, excepto no caso dos sistemas mais interventivos, como o Quasi-mercado Quasi-mercado
instável e aberto estável e fechado
Inglês, onde eles são objecto, actualmente, de uma tentativa para a .--------.----------~----
Posição Posição elevada Empreendedora Quasi-Monopólio
suare-socialização nos valores e práticas da classe média (Vincent,
na hierarquia ou média elevada
2001; Gewirtz, 2001).
(objectiva Posição média Tacteante Adaptativa
ou subjectiva) ou média baixa

"Ideais-tipo" de lógicas de acção competitivas


Estes "ideais-tipo" foram construídos recorrendo a duas variáveis
Depois de explorar alguns dos factores que podem influenciar as lógi- já mencionadas: a posição que a escola ocupa na hierarquia local e o
cas de acção competitivas, iremos agora proceder a uma síntese dessa desenvolvimento de um mercado escolar. Este esquema negligencia
informação, através da construção de "ideais-tipo". Este processo os territórios em que não existem hierarquias locais claras, com níveis
poderá ser útil para potenciar o valor e a generalização dos estudos reduzidos de escolha das escolas e de competição entre os estabeleci-

210 211
AGNES VAN ZANTEN I NTilROH P HND ~ N IA MPET I T I VA F. A S L I A S l) ll A CÇ DA S HS LA S

mentos. Acrescenta-se ainda que esta organização de "ideais-tipo" de os melhores alunos na área de Budapeste. Es tas opções são atractivas
lógicas de acção se deverá aplicar, unicamente, a sistemas educativos para os gestores que estão orientados para uma internacionalização
e contextos urbanos, e especialmente metropolitanos, onde exista da escola ou para pais e encarregados da educação que procuram uma
diversidade e acessibilidade na oferta escolar. Todos os contextos estu- maior distinção cultural.
dados se inserem nestas categorias, excepto, talvez, o caso de Lisboa. As escolas incluídas neste grupo estão particularmente atentas
Incluímos para essas duas variáveis os conceitos de "objectivo" à selecção de alunos e a estratégias de promoção e publicitação das
e "subjectivo" para sublinhar o facto de cada escola poder agir com diferentes ofertas que dispõem. Os resultados escolares são igual-
base numa apreciação errónea da sua situação real, quer por parte dos mente importantes, pois estas escolas tendem a prestar mais atenção
diferentes actores envolvidos (professores e pais) quer por parte da aos "melhores" e médios alunos do que aos alunos com necessidades
direcção da escola. educativas especiais, desenvolvendo poucas medidas compensatórias
para estes últimos. As actividades destas escolas estão especialmente
Empreendedora vs. Quasi-Monopólio orientadas para o ambiente externo, cabendo ao director da escola um
Se nos centrarmos nas escolas situadas no topo da hierarquia, são papel central neste processo.
observados dois tipos de orientações. Quando o mercado é aberto e Contudo, as actividades empreendedoras só serão bem sucedidas
existe a possibilidade de atrair os "melhores" alunos e, através de um se, pelo menos, um grupo de professores ou de pais e encarregados
"círculo virtuoso", melhorar os resultados e a sua reputação, as escolas de educação partilharem as mesmas preocupações do director da
desenvolvem uma lógica de acção de tipo empreendedor. A abertura escola. De facto, só se existirem professores com vontade em assegu-
do mercado poderá ter origens diversas: a chegada de novos habitantes rar as novas opções e pais que inscrevam os seus filhos nestas ofertas
de classes médias e altas ao território onde a escola se encontra, espe- é que estas actividades podem tornar-se significativas. É importante
cialmente no que se refere a áreas urbanas onde ocorreu um processo sublinhar que também observamos algumas escolas que estão de
de elevação do nível social (Butler e Robson, 2003), como foi obser- certo modo prisioneiras desta lógica empreendedora, realizando mais
vado nos territórios franceses (periferia de Paris e centro de Lille) e no do que seria necessário para melhorar a sua posição e atractividade,
território inglês estudado; a mudança da reputação das escolas que se o que está, por vezes, associado à personalidade, ambição e projec-
encontram no topo da hierarquia; ou, ainda, alterações nos modos de tos profissionais do director da escola. Finalmente, registe-se que o
controlo do fluxo de alunos entre escolas. "empreendorismo" só pode resultar como lógica distintiva, se houver
O meio preferencial de acção desta lógica "empreendedora" con- outras lógicas possíveis. Não é certamente o caso do território inglês
siste na oferta de novas opções e fileiras educativas. Esta acção per- pois aqui todas escolas são pressionadas a serem "empreendedoras".
mite o estabelecimento de novas identidades e a atracção de novos Quando o mercado é fechado ou quase fechado e estável, as
alunos. Nos territórios observados verificámos uma série de exemplos melhores escolas continuam a gozar de um certo monopólio ou quasi-
de escolas que oferecem novas e distintas formas de excelência edu- -monopólio dos "melhores" alunos, não tendo necessidade de se torna-
cativa: a composição de turmas bilingues, quer ao nível europeu quer rem particularmente inovadoras. Nestes casos, as escolas mantêm um
internacional, como foi registado nos casos franceses; a especializa- elevado nível de pressão para a obtenção de bons resultados por parte
ção em determinadas áreas científicas, como foi o caso da História dos seus alunos, não promovendo acções específicas para os alunos com
ou Alemão no território belga; a criação de classes avançadas para necessidades especiais. São, também, escolas que reforçam a disciplina

212 213
A GNES VAN ZAN TE N I NTI!RDHPENOftN C I A C MPil T I T I VA ll A S l I A S DI! A " Ç DA S I!

escolar através da definição de regras estritas, o que é claramente o caso do mercado local. As escolas intermédias, que se encontram em fases
das escolas privadas cuja reputação depende, mais do que as escolas de menor expansão ou em declínio, são aquelas que apresentam uma
públicas, desta dimensão. O currículo destes estabelecimentos perma- atitude mais reactiva quando estão inseridas num mercado escolar
nece bastante "clássico" o que foi visível em algumas escolas francesas competitivo.
e belgas pelo reforço da componente de Latim, Grego ou Matemática. Estas escolas desenvolvem várias tácticas para melhorar a sua
São escolas selectivas mas que confiam na sua reputação para atrair os reputação, mas que não estão integradas, geralmente, num plano deli-
alunos com melhores resultados e oriundos dos lugares "certos", não berado e de médio prazo. Em muitos casos, estas escolas procuram
sentido por isso a necessidade de desenvolver estratégias promocionais estabelecer opções que sejam mais atractivas para algumas fracções
ofensivas. Com a oferta curricular que dispõem associada a um certo da classe média ou de classes trabalhadoras em ascensão, embora
código de conhecimento, estas escolas são tipicamente vocacionadas consideradas menos prestigiantes do que as oferecidas pelas escolas
para a tradicional classe média (Bernstein, 1975). que se situam no topo da hierarquia. Estas opções podem passar pelo
Os grupos sociais para os quais estas escolas estão orientadas "desporto", como observado no caso francês, ou pelas "ciências sociais"
constituem, hoje, uma fracção cada vez menor da classe média alta, ou "artes expressivas", no caso belga. Estas escolas são também aque-
embora algumas famílias que ascenderam recentemente a este escalão las que confiam mais no acompanhamento dos alunos quer enquanto
possam sentir-se atraídas pela tradição (Edwards e Whitty, 1997), pelo estratégia externa destinada a manter a atractividade para os alunos
que estas escolas podem estar a perder alguns dos seus potenciais uti- cujos pais estejam mais indecisos, quer como estratégica interna des-
lizadores. De facto, como foi observado nos territórios franceses, belga tinada a lidar com populações heterogéneas do ponto de vista acadé-
e húngaro, algumas escolas continuam a agir como se tivessem um mico, social e étnico. Este tipo de lógica de acção foi particularmente
efectivo monopólio quando, na realidade, esse monopólio encontra- visível nos casos franceses e húngaro.
-se desgastado pela mudança de expectativas dos pais e encarregados Em sistemas educativos onde as escolas, pelo menos até um certo
de educação ou pelas práticas'de outras escolas vizinhas. Este é o caso ponto, podem escolher os seus alunos, como é o caso belga ou inglês,
de escolas com directores pouco dinâmicos ou com professores que verifica-se uma selecção baseada igualmente em aspectos comporta-
estão no mesmo estabelecimento há muitos anos. Em conjunto com mentais, não necessariamente orientada para os melhores alunos, mas
um grupo de pais mais conservadores, esta configuração ajuda a man- para aqueles que têm uma boa apetência para aprender, sem proble-
ter implicitamente uma orientação consensual. mas de comportamento e oriundos de famílias que apoiam o trabalho
escolar. Estas escolas centram a sua atenção, igualmente, nas questões
Tacteantes ou adaptativas disciplinares, recorrendo à expulsão se necessário, mas também à
As escolas que se encontram nas posições mais inferiores da afectação a turmas especiais, a procedimentos terapêuticos ou dispo-
hierarquia local têm maior margem para introduzir melhorias no sitivos compensatórios, para rejeitar ou isolar alunos "problemáticos"
seu funcionamento, mas também detêm menos autonomia para o ou para minimizar os seus potenciais impactos no funcionamento da
desenvolvimento de estratégias de melhoria quando comparadas escola.
com as outras escolas. Isto não significa que permaneçam passivas Estas tácticas podem adquirir uma certa expressão, se existir na
ou que reajam sempre do mesmo modo. As variações dependem, em escola um director dinâmico e ambicioso, se a rotação dos professores
parte, da posição na hierarquia mas, principalmente, das dinâmicas e restante pessoal não for demasiada, se houver pais e encarregados

214 215
A G N ES VA N Z A N T EN I NT6 1l O il PENDnN IA O M I'ET I T I VA li AS I. ol AS OU A ' Ç DAS ll SC LA S
'
de educação activos e leais que apoiem as opções dos profissionais. Por outro lado, há também um pequeno número de escolas que
Estas tácticas podem desenvolver-se quando coincidem com proces- se procuram adaptar de maneira positiva aos seus alunos e desenvol -
sos de elevação do nível social da "nova" classe média, fiel aos serviços vem uma ética de tipo "igualitarista", fenómeno que foi observado em
e escolas públicas, como foi a situação observada nos territórios das todos os contextos locais e nacionais estudados. Estas escolas recor-
áreas metropolitanas de Londres e Paris. rem a medidas de discriminação positiva para melhorar os resulta-
Em muitos casos, contudo, estas tácticas mais defensivas não são dos escolares dos seus alunos o que, em alguns casos, se revela eficaz,
suficientemente poderosas para atrair famílias mais favorecidas social- muito embora a proliferação de diferentes medidas deste tipo possa
mente, nem mesmo para manter a atracção daquelas que vivem perto da aumentar modalidades de segregação involuntária, como foi obser-
escola ou que a deveriam frequentar, de acordo com os critérios definidos vado em algumas escolas francesas e húngaras.
legalmente. Esta situação ainda é agravada nos casos em que o território
da escola se encontra numa área degradada e em que os pais e encarrega- COERÊNCIA E CONSENSO
dos de educação receiam a violência, a insegurança e a invasão de mino- As escolhas realizadas pelas escolas que correspondem a cada um
rias étnicas. Como se compreende, estas estratégias "tacteantes" não são dos "ideais-tipo" atrás analisados pressupõem a existência de algum
suficientes para competir com as escolas que optem por uma abordagem grau de coerência e consenso dentro das escolas. Estes dois factores
mais "empreendedora" ou que detenham algum tipo de monopólio. podem, contudo, ser sujeitos a variações dando origem a outros qua-
Se os profissionais consideram a sua acção inútil, seja porque a tro "ideais-tipo" representados na figura que se segue:
reputação da escola está demasiado cimentada, seja porque é impossível
encontrar o mínimo de consenso interno sobre o caminho a seguir, seja, FIGURA 2 : COERÊNCIA E CONSENSO

ainda, porque o mercado local parece demasiado imprevisível para as suas


Consenso elevado Consenso reduzido
estratégias, estas escolas tendem frequentemente a virar-se para dentro e
a desenvolver modalidades de captação de alunos de tipo adaptativo. Coerência elevada Integrada Conflitual
Esta lógica de acção pode assumir duas modalidades. Coerência reduzida Polarizada Anómica
Por um lado, há escolas que procuram simplesmente lidar com a
situação existente. Nestas escolas a ética dominante é de tipo "huma- Apesar desta questão ter sido estudada com mais detalhe no
nitário". Os profissionais destas escolas consideram que os alunos âmbito do Projecto Reguleducnetwork, iremos sintetizar aqui as
provenientes de classes sociais mais desfavorecidas ou de imigrantes principais conclusões sobre a capacidade de cada escola desenvolver
tendem a realizar progressos académicos limitados e os professores lógicas de acção específicas.
procuram adaptar o currículo, métodos de aprendizagem e de avalia-
ção a esta percepção. Muitas destas escolas centram-se na socialização Lógicas de acção integrada vs. conflitual
e na manutenção de um bom clima organizacional, prevenindo inci- Em algumas das escolas estudadas verificámos a existência de
dentes ou conflitos, através de um sistema de regras de civilidade, diá- uma forte coerência nas dinâmicas desenvolvidas em cada domínio
logo, contratos e procedimentos terapêuticos. Os responsáveis pelos e um elevado consenso entre os diferentes grupos envolvidos. Este é
órgãos de gestão e os professores também se esforçam por manter o o caso, em particular, das escolas que detém uma elevada reputação
"moral" elevado e um bom ambiente de trabalho entre os adultos. ou dominam um determinado monopólio, e isto por vários factores.

216 217
A G NES VAN ZANTEN I N T ll lt O E P fl N I) fi N IA M I' I! T I 'I' I V A I! A S I. Ó I A S I) li A Ç I) A S ll S C: I. A S

Em primeiro lugar, a correspondência entre as normas de excelên- exemplo, na região de Paris, onde existe uma forte coerência entre as
cia vigentes, ou implícitas, e as características da população escolar. dinâmicas internas dos diferentes domínios, que resultam de esforços
Algumas destas normas servem tanto como um mecanismo organi- do passado para adaptar o estabelecimento às características dos alunos
zacional que comanda o funcionamento de cada domínio como de e às tradições existentes.
quadro de referência ético adequado ao perfil dos alunos. Nas escolas mais conflituantes, o papel dos pais e encarregados
Identificámos duas escolas que reúnem estas características, ambas de educação parece ter outro peso, sendo frequentemente mais deter-
católicas e privadas num território francês e belga, que combinam uma minante do que nas restantes escolas. É comum observar alianças
selecção académica e social, com um sentido ético, de responsabilidade menos estáveis entre a direcção da escola e os pais nas escolas mais
e excelência. Estes dois estabelecimentos foram considerados como bas- ofensivas, enquanto que nas escolas mais moderadas os professores
tante coesos quer pela existência de um corpo docente estável e homo- e pais tendem a colaborar entre si, limitando a ambição do director
géneo, recrutado directamente pela direcção, quer porque os pais são da escola. Em alguns casos, os directores das escolas e os professores
pouco participativos e reivindicativos na vida escolar. também se unem para limitar as estratégias dos pais para melhorar a
Em Portugal e em França existem, contudo, exemplos de escolas sua posição em relação à escola. De facto, observamos nessas escolas
integradas que não se localizam no topo da hierarquia local. A estas uma forte tensão entre orientações mais meritocráticas e de orienta-
situações correspondem escolas que não têm de se preocupar com ções para o mercado (Brown, 2001).
o número de alunos (pela estabilidade ou aumento da procura por
motivos demográficos) ou porque existe um mecanismo de regulação Escolas polarizadas vs. anómicas
local que obriga à distribuição igualitária dos alunos pelos estabele- Contrariamente ao observado nos casos anteriormente descritos,
cimentos de um determinado território. Apesar de não captarem os outras escolas têm muito menos coerência interna, sobretudo aquelas
"melhores" alunos, as escolas não se sentem necessidade de entrar em que são frequentadas por uma população mais heterogénea.
competição de "segunda ordem" com as suas vizinhas porque consi- De facto, observámos que certas escolas desenvolvem uma orien-
deram menos desgastante trabalhar com alunos médios e lidar com tação polarizada, especialmente entre os casos húngaro e franceses.
famílias de classes médias ou baixas que tendem a respeitar as regras Por um lado, os domínios mais vocacionados para o exterior, tais
de escola. Estes estabelecimentos também se caracterizam por um como o recrutamento, a oferta escolar e a promoção das actividades
corpo docente estável e por um largo número pais e encarregados de da escola, visam essencialmente reter e, se possível, atrair os alunos da
educação que permanecem um tanto apáticos em relação à vida da .classe média. Por outro lado, os domínios internos, como a oferta para
escola (Bajoit, 1988). alunos com necessidades educativas especiais ou as questões discipli-
Os dois tipos de escolas podem ser considerados, por várias razões, nares, são orientados para alunos com problemas de comportamento
como "monopólios indolentes" (Hirschman, 1970) por não sentirem a ou para as minorias étnicas. Finalmente, o acompanhamento aos
necessidade de alterar a sua posição na hierarquia local, e de considera- alunos, um domínio que serve quer uma lógica interna quer externa,
rem a situação de quasi-mercado em que se encontram como satisfatória. procura combinar opções mais atractivas com a segregação com base
A noção de indolência é importante no sentido em que a coerência e o no nível académico no sentido de satisfazer os alunos da classe média.
consenso são mais difíceis de atingir quando as escolas tentam melhorar Este processo decorre quer através da criação de turmas especiais com
a sua reputação e atractividade. Nesses casos, observámos escolas, por programas específicos quer através do apoio a alunos com dificulda-

218 219
A GNUS VAN Z ANTEN I NT I"lOEPHNOnN IA O MP ilT I T I VA f! A S l. ÓO I A S l)fl A CÇ I A S llS I. A S

des económicas, tal como sucede com os alunos ciganos das escolas sua acção. De facto, estes casos supõem que os professores e directores
estudadas na região de Budapeste. de escola se mobilizem em torno da defesa de um ideal, necessitando
Esta lógica de acção polarizada é partilhada dentro da escola pelo ainda do consentimento táctico dos pais mais activos na escola que,
director, a grande maioria dos professores e um grupo mais restrito de nestas circunstâncias, raramente se afirmam um apoio explícito.
famílias da classe média, uma vez que consideram que esta é a única Acrescentamos ainda que apesar de ser um fenómeno raro, certas
maneira de evitar o declínio da escola e a sua guetização, por um lado, escolas com populações heterogéneas, e até mesmo mais favorecidas ,
e o crescimento das desigualdades e da violência, por outro. Contudo, podem tender para uma certa "anomia" quando são assoladas por
subsiste uma tensão entre estas escolas quando comparadas com as diferentes definições de excelência, sustentadas por diversos grupos
"escolas integradas" e qualquer mudança - de direcção, de professores que discordam sobre o funcionamento dos vários domínios de acção,
ou mesmo de alunos - pode pe;turbar o precário equilíbrio existente. criando dificuldades na obtenção de um ideal comum.
Nas escolas com populações mais desfavorecidas o equilíbrio
patente nas escolas polarizadas é bastante mais difícil de atingir,
seja pela sua localização pela sua reputação ou ainda acumulação de Conclusões: lógicas de acção,
alunos com dificuldades escolares, provenientes de classes sociais eficácia, segregação e desigualdades
mais baixas ou de famílias de emigrantes. Muitos dos estabeleci-
mentos deste tipo - que foram observados em todos os contextos A análise dos seis territórios considerados no Projecto Reguleducne-
nacionais e locais, ainda que com menos incidência no caso portu- twork mostrou que o funcionamento e as actividades quotidianas das
guês - encontram-se num estado a que Durkheim (1930) qualificou escolas são fortemente influenciados, não só pelas regulações nacio-
de "anómico", referindo-se a um certo estado de desorganização da nais e locais, pela história da escola, pelas suas dinâmicas internas
acção e de confusão quanto aos objectivos a atingir na ausência de actuais e pelas características da sua população docente e discente,
um princípio de regulação. Com efeito, estas escolas têm dificuldade mas também por processos locais, especialmente de interdependên-
em construir uma coerência colectiva da acção e em fazer emergir um cias competitivas com outros estabelecimentos. Este é um importante
ideal, normas e princípios de excelência aos alunos com o perfil des- resultado per se pois, para além de ajudar a compreender o funciona-
crito. Por seu turno, a dificuldade em construir um consenso nestas mento das escolas, permite o cruzamento de estudos sobre as orga-
condições e, mais especialmente, as difíceis condições de trabalho e nizações escolares com outras áreas de investigação mais focalizadas
a má imagem da escola, provoca uma fuga por parte dos professores na importância das influências do ambiente nas organizações (Meyer
e directores, que não se fixam no estabelecimento, assim como dos et al., 1978). De igual modo, os resultados obtidos também fornecem
pais que tendem a inscrever os seus filhos noutros estabelecimentos, algumas· chaves interpretativas sobre os processos de melhoria das
adoptando uma retirada generalizada. escolas e da igualdade entre estabelecimentos. Com efeito, a maior
No entanto, uma pequena maioria de escolas mais desfavoreci- parte dos estudos sobre a "eficácia escolar" propõem modelos que
das escapa a esta lógica "anómica", podendo mesmo relevar um certo muito dificilmente podem ser generalizados, por não terem em conta
modelo "integrado"; em substituição do ideal da excelência, estas nem os efeitos da composição social da população escolar nem as rela-
escolas defendem um ideal de luta contra o insucesso escolar ou um ções de competição com outras escolas sobre as escolhas e orientações
ideal humanitário, encontrando desse modo uma maior orientação da de um determinado estabelecimento (Thrupp, 1999). Ora, como ficou

220 221
A G N ES VA N ZANT EN
I N T ll ll 0 LI P E N D nN IA M I' U T I T I V A ll A S L Ó 0 I A S D ll /1. Ç 0 I A S H S C: P I, /1. S

demonstrado, essas escolhas não relevam somente as apostas em cer- que já se encontram em situações de segregação ( ewirlz et al., 1995;
tas orientações políticas e a tradução da ética profissional daqueles Broccolichi e van Zanten, 1997; Lauder et al., 1999). Estas escolas detém
que dirigem a escola ou dos seus professores mas também evidenciam, poucos recursos para competir, o que as transforma nas principais víti-
com diferentes graus de intensidade e conforme os contextos, as lógi- mas quando os seus melhores alunos procuram outros estabelecimentos
cas de posicionamento da escola no "mercado" local. mais atractivos. Como já foi referido, a composição do público escolar
A análise do impacto destas dinâmicas, assim como outras inves- reforça as desigualdades, seja nos estabelecimentos seja nas turmas, ao
tigações que se debruçam sobre estas questões, tendem a demonstrar limitar a progressão dos alunos médios ou fracos que deixam assim
a necessidade de limitar o impacto das interdependências competiti- de poder beneficiar da coabitação escolar com outros alunos de níveis
vas com vista a minorar as diferenças entre escolas e os seus resulta- académicos mais elevados. A composição social da população escolar
dos. Na realidade, o estímulo para a competição com outras escolas limita também a eficácia global dos estabelecimentos e do conjunto do
poderá ter efeitos positivos para os estabelecimentos que, em termos sistema escolar dada a elevada proporção de alunos pertencentes a essa
de resultados, se encontram numa posição privilegiada de um territó- categoria (Crahay, 1996; Duru-Bellat e Mingat, 1997; Felouzis, 2005).
rio escolar, como é o caso dos "monopólios indolentes". Mas, mesmo Acrescenta-se ainda que a segregação que caracteriza as escolas mais
nesses casos, este efeito positivo poderá ser um pouco perverso, pois a afectadas pela competição contribui ainda para o desenvolvimento
competição para a captação de alunos e a passagem de uma posição de de fenómenos de violência e de racismo entre alunos e entre alunos
quasi- monopólio para uma posição de empreendedora parece gerar e professores (Debarbieux e Tivhit, 1997; Perroton, 2ooo; van Zanten,
a necessidade de criar uma boa imagem para o exterior, concentrando- 2000). A regulação da competição entre escolas não é, contudo, simples
-se mais a acção da escola neste esforço em detrimento de um tra- porque supõe uma observação contínua das suas modalidades e efeitos
balho de melhoria efectiva das suas dinâmicas internas (Ball, 1997). por parte da investigação, uma intervenção coordenada e adaptada aos
De outro modo, na grande maioria das escolas frequentadas por uma diferentes contextos por parte das autoridades locais, assim como de
população escolar mais heterogénea e com resultados escolares ten- uma crescente tomada de consciência das consequências da participa-
dencialmente médios ou fracos, essa competição gera fortes tensões ção, e sua redução, dos actores das escolas.
entre a necessidade de desenvolver um conjunto de tácticas para cap-
tar um número suficiente de "bons alunos", ou se possível de melhores
alunos, e a necessidade de acompanhar os alunos com dificuldades Referências bibliográficas
que já frequentam a escola. A arbitragem entre estas duas necessi-
dades faz-se em favor do primeiro tipo de constrangimentos, isto é, BAGLEY, C.; WOODS, P. e GLATTER, R. (1996). Scanning the market: school stra-
pela procura dos bons alunos, porque os directores e professores são tegies for discovering parental perspectives. Educational Management and
pressionados pelos pais mais activos e porque, desse modo, também Administration , vol. 24, no. 2, pp. 125-138.
BAJOIT, G. (1988). Exit, voice, loyalty... and apathy. Les réactions individuelles au
encontram uma gratificação profissional mais imediata.
mécontentement. Revue França is e de Sociologie, vol. XXIX.
De facto, numerosas investigações, quer de natureza mais quan- BALL, S. J. (1997). Good school!bad school: paradox and fabrication. British fournal
titativa quer qualitativa, têm evidenciado os efeitos desta competição ofSociology ofEducation, vol. 18, no. 3, pp. 317-336.
entre estabelecimentos no reforço da segregação académica, soci.al e BALL, S. J. (2002). Class Strategies and the Education Market. 1he middle class and
étnica, nomeadamente ao acentuar fenómenos de guetização de escolas social advantages. London: Routledge Palmer.

222
223
A GNilS VAN Z ANT E N iNTHil l) l'. l'li NDnNC I A O M I' H'I'i 'I' I V A I( A S L Ó l i . A S 1)1( A <:Ç O ll" S 1( ~(; (1 1 . ...

BALL, S.; BOWE R. e GEWIRTZ S. (1995). Sebo~] choice, social class and distinc- FELOUZJS, G. (1995). Perfo rm anccs et "valeur ajouté " dcs lycécs : li.! ma n;hé se la ire
tion: the realization of social advantage in education. fournal of Educational fait des ditférences. Revu e fran çaise de sociolog ie, vol. 46, no. t , PP· 3-36.
Policy, vol. 11, n°.1 , pp. 89-112. FITZ. J.; HALPIN, D. e POWER, S. (1993). Grant Maintained Scbools: Education in
BALL, S. e van ZANTEN, A. (1998). Logiques de marché et éthiques contextualisées dans the Market Place. London : Kogan Page.
les systemes scolaires français et britannique. Éducation et sociétés, no. 1, pp. 47-71. GEWJRTZ. S. (2001). Cloning the Blairs: New Labour's programme for the re-so-
BARTLETT, W. (1993). Quasi-markets and educational reforms. ln Le Grand, J. e cialization of working-class parents. ]ournal of Education Policy, vol. 16, no. 4,
Bartlett, W. (eds.). Quasi-Markets and Social Policy. London : Macmillan. pp. 365-378.
BECKER, H. (1952). Social-class variations in the teacher-pupil relationship. ]o urna! GEWIRTZ, S. (2002). The Managerial School. London: Routledge.
ofEducational Sociology, vol. 25, no. 8, pp. 451-465. GEWIRTZ, S.; BALL. S. e BOWE, R. (1995). Markets, Choice and Equity in Educa -
BERNSTEIN, B. (1971). Class, Codes and Control, Volume 1. London: Routledge & tion. Buckingham: Open University Press.
Kegan Paul. GILLY. M.; BROADFOOT, P.; BRÜCHER. A. e OSBORN, M. (1993). Instituteurs
BERNSTEIN, B. (1975). Class, Codes and Control, Volume J . London: Routledge & anglais, instituteurs [rançais: pratiques et conceptions du rôle. Bern: Peter Lang.
Kegan Paul. HARDMAN, ). e LEVACIC, R. (1997). The impact of competition on secondary
BIDWELL, C. (2ooo). School as context and construction. A social psychological schools. Jn Glatter, R.; Woods, P. e Bagley, C. (eds.). Choice and Diversity in
approach to the study of schooling. ln Hallinan, M. Handbook of the Sociology Schooling London: Routledge, pp. 116-135.
ofEducation. New York: Kluwer Academic/Plenum Publishers. HIRSCHMAN, A. (1970). Exit, Voice and Loyalty. Responses to Decline in Firms,
BROWN, P. (2ooo). Globalisation of positional competition. Sociology, vol. 34, no. 4, Organizations and State. Cambridge: Harvard University Press.
pp. 633-654- LAUDER, H.; HUGHES. S.; WATSON, S.; WASLANDER, M.; THRUPP, R.;
BROCCOLICHI. S. e VAN ZANTEN, A. (1997). Espaces de concurrende et circuits STRATHDEE, L; SIMIYU, A.; DUPUIS, J.; MCGLINN, J. e HAMLIN, ). (1999).
de scolarisation : l'évitement des colleges publics d'un district de la banlieue Trading in Future: Why Markets in Education Don't Work . Buckingham: Open
parisienne. Annales de la recherche urbaine, no 75, pp. 5-31. University Press.
BUTLER, T. e ROBSON, G. (2003) . London Calling. The Middle Classes and the LORTIE, D. (197 5). Schoolteacher. A Sociological Study. Chicago: Chicago University
Re-Making of lnner London. Oxford: Berg.
Press.
CLUNE, W.H. e WITTE, J.F. (eds.) (1990). Choice and Contrai in Arnerican Educa- LIPSKY, M. (1980). Street Levei Bureaucracy. New York: Russel Sage.
tion. Vol1. The Theory ofChoice and Contrai in American Education. London: MA ROY, C. (ed.) (2002). L'enseignem ent secondaire et ses enseignants. Bruxelles: De
The Palmer Press.
Boeck.
CRAHAY, M. (1996). Peut-on lutter contre l'echec scolaire? Bruxelles: De Boeck. MEYER, ). e ROWAN, B. (1978). The structure ofeducational organizations. Meyer, John
DEBARBIEUX, E. e TICHIT, L. (1997). Le construit "ethnique" de la violence. ln Charolt, (ed.). Environments and Organizations. San Francisco: )ossey-Bass, pp. 78-109.
B. e Emirn, J.-C. (eds.). Violences à l'école: état des savoirs. Paris: Colin, pp. 155-177. PERROTON, ). (1999). Les dimensions ethniques de l'expérience scolaires. Armées
DELVAUX, B. evan ZANTEN,A. (2004). Lesespaceslocauxd'interdépendanceentre sociologique, Sociologie de l'éducatiorr, vol. 50, no 2, pp. 437-467.
établissements: une comparaison européenne. REGULEDUC, CERISIS-OSC. PUTNAM, R. D. (2ooo). Bowlirrg Alor1e. The Collapse and Reviva! of Arnerican Com-
DURKHEIM E. (1930). Le suicide. Paris: Presses Universitaires de France. rnunity. New York: Simon & Schuster.
DURU-BELLAT, M. (~002). Les inégalités sociales à l'école. Genese et mythes. Paris: RAYOU, P. e van ZANTEN A. (2004). Enquête sur les nouveaux enseignants.
Presses Universitaires de France. Changeront-ils l'école? Paris: Bayard.
DURU-BELLAT, M. e MINGAT, A. (1997). La constitution de classes de niveau par SCHNAPPER, D. (1999). La compréhension sociologique. Démarche de l'analyse
les colleges: les etfets pervers d'une pratique à visée égalisatrice. Revue fran- typologique. Paris: Presses universitaires de France.
çaise de sociologie, vol. 38, pp. 759-790. TARDIFF, M. e LESSARD, C. (1999). Le travai! enseignant au quotidierz. Expérience; inte-
EDWARDS, T. e WHITTY, G. (1997). Marketing quality: traditional and modern ractions hurnaines et dilernmes professionnels. Bruxelles: De Boeck-Université.
versions of educational excellence. ln Glatter, R.; Woods, P. e Bagley, C. (eds.). THRUPP, M. (1999). Schools Making a Difference: Let's Be Reàlistic! Buckingham :
Choice and Diversity in Schooling London: Routledge, pp 29-43. Open University Press.

224 225
A G NES VAN Z ANTEN

VIEIRA M.M. (2005). Vers une logique de certification scolaire? ln Darchy-Koe-


chlin, B. e van Zanten, A. (eds.). "La formation des elites". Revue internationale
d'éducation, no. 39, pp. 79-91.
VINCENT, C. (2001). Social class and parental agency. foumal of Education Policy,
vol. 16, no. 4, pp. 347-364. CAPÍTULO 7
VERHOEVEN, M. (1999). Procéduralisation et réflexivité: des outils pour la régula-
tion des établissements scolaires? Éducation et sociétés, n°. 4, pp. 143-164. CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS DOS MODOS
YAIR, G. (1996). School organization and market ecology: A realist sociologicallook DE REGULAÇÃO NUMA PERSPECTIVA EUROPEIA
at the infrastructure of school choice. British!ournal ofSociology ofEducation,
vol. 17, no. 4, PP· 453-471.
van ZANTEN, A. (2ooo). Le quartier oul'école? Déviance et sociabilité adolescente
dan um colleges de banlieue. Déviance et sociétés, vol. 24, no. 24, pp. 377-401.
van ZANTEN, A. (2001). L'école de la périphérie. Scolarité et ségrégation en ban/ieu. Christian MAROY
Paris: Presses Universitaires de France. Groupe interfacult aire de rec herche sur les systemes d'éducation
van ZANTEN, A. (2002). Les classes moyennes et la mixité scolaire dans la banlieue et de formation , Université Catholiqu e de Louvain
parisienne. Les Annales de la Recherche Urbaine, no. 93, pp. 131-140.
van ZANTEN, A. (2003). Middle-class parents and social mix in French urban scho-
ols: Reproduction and transformation of class relations in education. Interna-
tional Studies in Sociology ofEducation !o urna/, vol. 13, no. 2, pp. 107-123.
vau ZANTEN, A. (2006). Les choix scolaires dans la banlieue parisienne: defection,
prise de parole et évitement de la mixité. ln Lagrange, H. (ed.) La cohesion sociale
à l'épreuve des inégalités. Paris: Presses Universitaires de France (in press).

Introdução
Algumas conclusões
Algumas recomendações

226
Introdução

Este artigo' 6 sintetiza as principais conclusões do Projecto Reguleduc- '

network reportando-se aos cinco países europeus que nele participa- I

ram: Inglaterra, Bélgica (Comunidade Francófona), França, Hungria li


e Portugal. A investigação levada a cabo no âmbito do projecto com- I•
parou as modalidades da regulação pública, ao nível do ensino
secundário destes cinco países, procurando estudar o modo como a
emergência de novas modalidades de regulação tem contribuído, ou
não, para um agravamento das desigualdades escolares.
Considerando os cinco sistemas educativos na sua globalidade,
foram identificados modos de regulação variáveis e complexos: a
regulação exercida pelas autoridades públicas, que orientam e coor-
denam a política Estado, a regulação de mercado, que envolve as rela-
ções, nomeadamente de competição, que se estabelecem entre escolas
e, finalmente, a regulação desempenhada pelas comunidades locais,
entendendo os encarregados de educação e alunos como condiciona-
dores da procura e oferta pública de educação.
Neste sentido, os resultados da investigação foram para além
do estudo da regulação pública (central, intermédia ou local), pois
evidenciaram o modo como interagem com outras fontes de regu-
lação no seio de determinadas áreas educativas (como, por exemplo,
a regulação de "quasi-mercado" e a regulação interna das escolas).
Este artigo está organizado em dois momentos. No primeiro
momento são apresentadas as principais conclusões do projecto, con-

26 Tradução e adaptação do artigo "Regulation and Jnequalities in European education sys -


tems", 2'' Interim Briefing Paper, apresentado à Comissão Europeia em Dezembro de 2004.

229
C IIRI S TI AN MAR O Y C N V E RC fi N • I A S li O I V E Jl fi N I A S I) S M D S O I( ll U 0 l i I. A Ç

siderando uma análise transversal dos' resultados obtidos em cada - Uma tendênci a para uma crescente autonomia na gestão das
país. No segundo momento propomos algumas recomendações para escolas e, em simultâneo, regista-se um aumento dos mecanismos
a acção política pública decorrentes dos resultados obtidos. de controlo exercidos por um crescente conjunto de meios (avaliação,
modelos e monitorização e supervisão de práticas ... ).
- A procura do estabelecimento de um equilíbrio entre a centrali-
Algumas conclusões zação e a descentralização. Nos países cujos sistemas são tradicional-
mente descentralizados, como a Inglaterra e Bélgica, regista-se uma
Neste ponto iremos dar conta de algumas das mais significativas con- propensão para a centralização do sistema e, pelo contrário, nos países
clusões das convergências e divergências, encontradas nos sistemas mais centralizados, como é o caso da França, Portugal ou a Hungria,
educativos em análise, em quatro partes. Na primeira parte daremos são visíveis orientações no sentido de descentralizar o sistema. Em
conta das mudanças observadas nos modos de regulação institucional alguns casos, estas tendências fazem-se sentir através de um aumento
nos sistemas educativos em estudo; na segunda parte centramo-nos do poder e de atr,ibuição de competências nas instâncias intermédias
sobre os modos de regulação observados ao nível local, nomeada- de regulação, sejam elas públicas ou privadas, municípios, organis-
mente nas relações de competição entre escolas; na terceira parte mos descentralizados do poder central ou empresas, reforçando assim
apresentamos os resultados obtidos no que se refere às lógicas de acção o seu papel de regulação.
desenvolvidas dentro de cada escola, tendo em conta as relações de - O crescimento, a diferentes níveis, da avaliação externa: avalia-
interdependência que estabelecem com outras; finalmente, na quarta ção do sistema no seu todo, das instâncias intermédias ou regionais e
e última parte, faremos uma descrição do papel das autoridades locais dos organismos locais.
e os limites da sua acção na questão das desigualdades e nas lógicas - A promoção da livre escolha da escola por parte dos pais e
de mercado. encarregados da educação. Esta medida, que implica a flexibilização
dos dispositivos da matrícula escolar, tende a introduzir no sistema
MUDANÇAS NOS MODOS DE REGULAÇÃO INSTITUCIONAL NOS uma lógica de "quasi-mercado".
SISTEMAS EDUCA TI VOS - As políticas de diversificação da oferta escolar, mesmo que se
Os sistemas educativos europeus estão sujeitos a pressões exter- assista a um reforço de um currículo comum ao nível da educação
nas de ordem económica, social e política, assim como as evoluções básica (sobretudo entre os n e 14 anos de idade).
internas que conduzem a novos modos de regulação das organizações
escolares e às práticas do trabalho docente. Estas convergências nos modos de regulação que se observam nos
Ainda que os sistemas educativos em análise sejam bastante dife- cinco países em análise devem-se sobretudo a evoluções políticas e
renciados, e até opostos, na sua organização (sistemas centralizados económicas comuns, nomeadamente nas dimensões que se seguem:
vs. descentralizados, livre escolha das escolas vs. carta escolar, cur- - As mudanças no contexto económico, impulsionadas pela glo-
rículo integrado vs. diversificado), é possível observar a existência de balização e os modos de produção e consumo do pós-fordismo, têm
convergências nas políticas educativas ao longo dos últimos 20 anos. pressionado os sistemas escolares no sentido de aumentarem os níveis
Essas convergências, ainda que com diferentes graus de intensi- médios de competências dos alunos, para se tornarem mais eficientes
dade, podem fazer sentir-se nos seguintes níveis: e se adaptarem às necessidades do mercado de trabalho.

230 231
C HRI S TIAN M A il O Y N V llll ft N I A S ll O I V lll\ fi N C I A S 0 0 S M I) ( S I) H ll H U I, 1\ • 0

- As mudanças políticas, associadas à crise de legitimidade do prende-se com a mistura de várias lógicas e orientações dentro da
Estado Providência e ao desenvolvimento de ideologias neoliberais, mesma política o que, por vezes, se poderá traduzir em algumas
tendem a reforçar a procura de uma ma,ior eficácia e eficiência no contradições.
domínio educativo, acompanhadas de uma redução dos recursos Por exemplo, na Bélgica a avaliação das escolas é muito limitada
financeiros locados aos sistemas. porque as autoridades procuram desse modo evitar o reforço da com-
- As mudanças culturais em curso apontam no sentido de uma petição entre estabelecimentos, designadamente através da publicação
maior individualização da educação. dos seus resultados. Mas, em simultâneo, a livre escolha da escola por
- A situação de ansiedade quanto ao futuro profissional e social parte dos pais e encarregados de educação está consagrada na consti-
das suas crianças tem reforçado o papel dos pais e encarregados de tuição e a lógica de mercado e de competição são bastante desenvolvi-
educação, sobretudo da classe média, enquanto "consumidores de das neste nível. Já no caso francês, as tendências para implementar a
bens educativos", acentuando o sentido estratégico da sua acção. "avaliação por resultados" coexistem com os tradicionais procedimen-
Como resultado, assiste-se a um aumento da pressão social favorável tos burocráticos e práticas instituídas.
à livre escola da escola, à individualização e diversificação da oferta No que se refere ao nível local e regional, que correspondem ao
educativa e dos percursos escolares. nível intermédio em que se centrou a nossa investigação, a regulação
- A globalização e a comparação entre sistemas educativos de dife- dos sistemas educativos caracteriza-se pelos crescentes modos de
rentes países têm tido uma crescente influência nas políticas nacionais multirregulação:
e locais, através da difusão de modos de governância transversais, - Por um lado, os modos de regulação têm origem num conjunto
assim como de modelos pedagógicos e de gestão. progressivamente mais alargado de fontes (Estado, organismos públi-
- As políticas nacionais podem ser entendidas como diferentes cos regionais e locais, influência dos pais e encarregados de educação,
variações e amálgamas entre modelos de gestão "quasi-mercado" e de mecanismos de mercado) e uma crescente variedade nas ferramentas
Estado-avaliador. Se há certas zonas em que as forças de mercado são e meios (dispositivos pós-burocráticos, como a avaliação, monitori-
as responsáveis pela regulação do sistema escolar podemos observar, zação, partilha de práticas ou pré-burocráticos ou clássicos, como o
em coexistência, áreas de intervenção do Estado, que define as metas controlo comunitário).
e objectivos centrais e procede à avaliação dos resultados, processos, - Por outro lado, existe uma maior intensidade na força com que
procedimentos e práticas. cada um destes modos de regulação se faz sentir.

Para além destes factores de convergência, as especificidades de Contudo, o aumento da multirregulação não implica, necessaria-
cada sistema educativo configuram também diferenças e divergências mente, mais ordem, ajustamento ou cumprimento legal pois, resultam
nas políticas seguidas. Por exemplo, há países, como a Inglaterra ou Bél- muitas vezes em importantes contradições e tensões. Assim sendo,
gica, onde se atribui maior importância ao mercado enquanto regulador poderemos assistir a um aumento da fragmentação das políticas e
do processo educativo do que outros, como a França ou Portugal. acções em cada escola. E, por sua vez, esta fragmentação pode implicar
Importa ainda sublinhar que no processo de implementação o surgimento de novos problemas relacionados com as desigualdades
destas políticas, existe alguma "hibridação" aos níveis institucional, escolares, mas poderá também produzir incoerências, procedimentos
simbólicos ou materiais da realidade de cada país. Este fenómeno burocráticos excessivos, perca de sentido da intervenção, falta de con-

232 233
C IIRI S TIA N MAR O Y
C N V li R C1 nN C I A S li D I V I( R fi N C I A S O (l S M O I) OS ll I( ll H(I li I. i\ Ç 0

fiança e resistência por parte das escolas na existência de mecanismos que se refere aos resultados escolares dos alunos e/ou às origens socio -
de regulação das suas práticas. -económicas das suas famílias. Também foi possível observar que
Finalmente, neste ponto resta acre~centar que em todos os paí- nos casos de Londres, Lille e Charleroi as escolas públicas ocupam os
ses a regulação de nível intermédio é levada a cabo por uma grande lugares mais inferiores nessa hierarquização.
variedade de agentes, públicos ou privados, que assumem diferentes O estudo revelou também que a regulação institucional de
papéis. No entanto, estes agentes tendem a interpretar a sua missão algumas das questões chave que se colocam a este nível do sistema
de forma autónoma em relação aos restantes. Como consequência, se educativo, como a distribuição dos alunos pelas escolas, são bastante
por um lado, torna possível uma maior adaptação dos agentes às espe- diversificadas. Por exemplo, quando comparado com os restantes ter-
cificidades de cada contexto, por outro lado, pode ser uma fonte de ritórios, Charleroi é o mais liberal no que se refere à livre escolha da
incoerência entre os diferentes agentes que operam em diversos níveis. escola por parte dos pais e alunos, pois não há qualquer intervenção
Exceptuando o caso da Hungria, recolhemos dados que apontam no de autoridades intermédias ou locais neste processo. Por oposição,
sentido da racionalização do trabalho desses agentes intermédios, nos territórios franceses analisados, Lille e Paris a distribuição dos
através da criação de instrumentos de trabalho mais estandardizados alunos pelas escolas públicas é realizada pela autoridade estatal regio-
na procura de maior eficácia e eficiência apesar de nem sempre serem nal, existindo regras precisas para cada escola aceitar inscrições. Nos
possíveis de atingir. restantes territórios observamos situações intermédias em relação
a estes dois exemplos; os pais podem expressar as suas preferências
Escolas e espaços locais, regulação e competição mas existe um certo grau de intervenção por parte das autoridades
A investigação centrou-se no estudo dos espaços de interde- locais na distribuição dos alunos; por seu turno, as escolas dispõem
pendência entre escolas de zonas urbanas ou áreas metropolitanas de regras mais flexíveis para as matriculas que lhes permitem gerir as
de Budapeste, Charleroi, Paris, Lille, Lisboa e Londres. Este estudo situações de excesso ou ausência de procura, como é o caso de Portu-
envolveu a descrição das relações de competição ou cooperação entre gal, Inglaterra e Hungria.
estabelecimentos e com as autoridades locais assim como a análise do Apesar desta diversidade quanto à regulação institucional nos
conjunto de estratégias e lógicas de acção das escolas que pertencem a diversos territórios em análise, as forças de mercado estão sempre
uma mesma área de influência. presentes ainda que com diferentes graus de intensidade. Estas for-
Os espaços de interdependência foram seleccionados de acordo ças traduzem-se na existência de relações de interdependência entre
com a sua dimensão urbana e por se localizarem em áreas diversifi- escolas que implicam a competição, mesmo que as escolas não intera-
cadas socialmente ou com alguma segregação social, económica ou jam directamente entre si. No caso português estas forças são menos
residencial. Por seu turno, as escolas dessas áreas, também comporta- visíveis, nos casos inglês e francês são um pouco mais presentes e nos
vam variedade de enquadramento institucional - públicas, privadas casos belga e húngaro bastante mais persistentes.
ou de gestão mista' 7• Contudo, a existência de relações de interdependência nos ter-
Foi possível observar em todos os territórios analisados a existên- mos definidos, não significa que todas as escolas estejam em competi-
cia de um elevado grau de hierarquização e segregação das escolas no ção entre si no mesmo território. Em certos casos, foram observados
27 Escolas que são criadas pelo Estado mas são geridas por entidades privadas, dentro de
vários clusters de escolas em competição, relativamente independente
um quadro legal aplicável e sujeitas a controlo estatal. entre si, considerando factores institucionais ou geográficos.

234 235
C IIRI S TIAN MAR O Y O N v E 1\ nN C 1 A S H I) I V ll ll fi N IA 0 S M ll 0 S I) H ll H ( U I. A ' ()

A competição entre escolas faz sentir-se, sobretudo, ao nível da Estas relações são particul armente visíveis ao níve l dos presiden-
atracção de mais e/ou dos melhores alunos, pois daqui resultam uma tes dos órgãos de gestão das escolas que têm de equilibrar pressões
série de condicionalismos para a realidad~ escolar, incluindo o finan- externas, sejam elas provenientes das autoridades locais, famílias ou
ciamento, corpo docente e as condições de ensino, afectando, global- outras escolas, com os constrangimentos internos, exercidos pelos
mente, a imagem da escola e o seu prestigio. Nesse sentido, e ainda alunos e professores. Todas estas exigências são filtradas pela c~ltura
que com algumas variações, as escolas tendem a atribuir uma cres- profissional desses profissionais e podem ser objecto de maior ou
cente importância às questões relacionadas com a captação de alunos, menor discussão e consenso dentro da escola.
nomeadamente ao nível da oferta escolar, à promoção da imagem da o trabalho empírico permitiu caracterizar um conjunto diversi-
escola para o exterior, à organização interna, etc .... ficado de lógicas de acção ao nível das escolas com várias dimensões
Os motivos que tornam a competição entre escolas mais ou menos independentes:
intensos foram igualmente analisados, tendo sido identificados pelos
menos cinco factores: - Ofensiva vs. defensiva
- O decréscimo da população em idade escolar no território do A primeira distingue-se pelo empreendedorismo dos que procu-
estabelecimento; ram conquistar novas cotas de mercado escolar e a segunda por aque-
-A percepção de que existe um aumento dos "alunos problemáti- les que apenas desejam manter a posição que ocupam no território em
cos" e que os "bons alunos" escasseiam; que a escola está incluída.
-As estratégias das famílias que escolhem as escolas, não de acordo
com critérios meramente geográficos, mas especialmente atendendo - Escolas instrumentais vs. expressivas
à oferta escolar de um determinado estabelecimento, à sua imagem e As escolas instrumentais caracterizam-se pela presença dos
reputação, à diversidade dos públicos escolares e, enfim, à posição que seguintes indicadores: maior selecção dos alunos; relação pe~agógica
a escola ocupa na hierarquia do território tal como é percebida pelos sedeada nas habilitações académicas dos alunos e na autondade do
encarregados de educação; professor; os pais e encarregados de educação são encarados_ como
- A incapacidade das autoridades locais em evitar ou reduzir os recursos estratégicos; programas específicos para a preparaçao dos
fenómenos de competição entre escolas; alunos no acesso ao ensino superior e de acompanhamento para alu-
- O risco que é assumido pelas escolas no que se refere à quanti- nos com elevados resultados escolares; inexistência de programas de
dade e sucesso escolar dos alunos que admite, quando daí depende, promoção da igualdade; uma aposta na diferenciação das qualifica-
nomeadamente, o seu financiamento (o que, no caso português, não ções; 0 responsável pela escola tende a ser concebido como um gestor.
é aplicável). Esta lógica de acção é mais frequente nas escolas que ocupam os
lugares de topo nas hierarquias identificadas. .
Competição, regulação local e lógicas de acção interna nas escolas Por contraste, as escolas expressivas distinguem-se pela mawr
As estratégias e lógicas de acção que se desenvolvem no interior abertura na recepção de inscrições e de programas destinados a alunos
das escolas são afectadas pelas orientações da regulação institucional, com necessidades especiais de aprendizagem; a relação entre profes-
seja nacional ou local, mas também pela posição que a escola ocupa sor e alunos é baseada numa certa familiaridade e personalização; a
no território de interdependência. escola é concebida como parte de uma comunidade local; o discurso da

237
C HRI S TIAN MAil O Y C O N V E ll G ~ N C I A S E I) I V fi ll t N C I A S I) S M I) OS I) lt ll ll U I. A Ç 0

igualdade escolar é central na filosofia e prática da escola; existe pouca De uma forma global, os dados indicam que as lógicas de acção
diferenciação dos alunos com base nos seus resultados; e, finalmente, tendem a favorecer ou reforçar a existência das hierarquias dentro
o responsável pela escola é visto como um profissional da educação. dos territórios. Por exemplo, as lógicas da especialização tendem a
Esta lógica de acção é mais comum nas escolas que ocupam os acentuar quer a preservação de alunos "bons" assim como a atracção
lugares mais intermédios ou inferiores na hierarquia do território. de públicos mais desfavorecidos e, nesse sentido, a sublinhar a posi-
ção elevada ou reduzida da escola na hierarquia do território. Por seu
- Especialização vs. diversificação turno, as estratégias mais ofensivas tendem a estimular as lógicas de
A especialização da oferta escolar surge, em algumas das escolas, competição entre estabelecimentos do mesmo território.
como uma lógica de acção para manter os alunos inscritos ou atrair E, de facto, as políticas e acções produzidas ao nível da escola
novos públicos escolares. Este fenómeno ocorre quer nas escolas que ocu- são encaradas pelos membros dos órgãos de gestão das escolas como
pam lugares mais elevados da hierarquia do território quer nas escolas directa ou parcialmente relacionadas com a sua atractividade e com
que se encontram em posições mais baixas. No primeiro caso, as esco- a posição que ocupam no território escolar. Esta relação é feita quer
las podem desenvolver programas específicos para estimular os alunos nos casos das escolas com uma reputação de excelentes desempenhos
com elevado desempenho escolar e, no segundo caso, podem promover escolares, quer nas escolas reconhecidas pelo seu trabalho com alu-
acções de apoio a alunos com necessidades especiais de aprendizagem. nos problemáticos, com necessidades especiais ou que apostam num
A diversificação da oferta constitui uma lógica de acção oposta à ante- ensino com diversidade da população escolar. E é precisamente neste
rior, na medida em que certas escolas procuraram atrair um público-alvo último caso que as questões da igualdade são assumidas colectiva-
abrangente e indiferenciado, através da proposta de diferentes programas mente pela escola como centrais.
e itinerários formativos dentro do mesmo estabelecimento. Importa Efectivamente foi possível observar fenómenos em que as escolas
acrescentar que esta lógica de acção vem por vezes acompanhada de uma procuram adaptar-se e acomodar-se com o seu mercado quer se com-
certa hierarquização ou segregação interna da oferta escolar. portem como instituições mais "cosmopolitas" quer "comunitárias".
Quer a especialização quer a diversificação são mais comuns nas Esta acção corresponde à tentativa de estabelecer uma relação básica
escolas que ocupam posições intermédias na hierarquia do território. com a comunidade local e as suas necessidades ou como forma de
atrair e seleccionar alunos de determinadas origens familiares dentro
As lógicas de acção descritas são naturalmente mais visíveis em de uma área geográfica particular.
certas escolas do que outras e foram também observados casos em que As lógicas de acção observadas permitem estabelecer uma relação
coexistem no mesmo estabelecimento. Importa também apontar que entre as dinâmicas de mercado e as desigualdades sociais, nomeada-
estas lógicas de acção podem ter diversas origens e motivações, como, mente nos seguintes aspectos:
por exemplo, estar orientadas para preservar interesses específicos de - Mantêm ou desenvolvem segregação social;
grupos dentro da escola, para dar resposta a situações internas ou para - Reforçam as diferenças entre alunos com base nas suas expe-
melhorar a posição ocupada pela escola no território. Se, por um lado, as riências e oportunidades;
lógicas de acção servem para dar resposta aos problemas e constrangi- - Diferenciam os recursos disponíveis e programas de apoio aos
mentos da escola podem, por outro lado, contribuir para produzir efei- alunos.
tos inesperados ou indesejados em relação à existência bem comum.

23 8 239
C l·llti S TIAN MAR O Y C N V lii\G ANC I A S li I) I V H llG AN C I A R I) S M0 I) O , 1)11 IIII I I II , A Ç O

O papel das autoridades locais e os limites da sua acção na ques- face aos es tabeleci mentos privados; a colaboração estabelecid a entre
tão das desigualdades e nas lógicas de mercado a co munidade de Wyeham para diminuir o número de alunos que
As acções e vontade políticas das autoridades locais no sentido de procuram escolas de outro município, etc .. .
regular as estratégias das escolas e das famílias dos alunos, nomeadamente A cooperação entre escolas pode, por isso, estar também ela rela-
na procura de evitar aumento das desigualdades escolares num determi- cionada com situações de competição.
nado território, são diversificadas e têm pelo menos duas origens: Na situação oposta, onde existem territórios que são controlados
- Desde logo, a relação das autoridades locais com a regulação que por uma única autoridade, a regulação pode ser mais eficaz, como é o
é produzida ao nível nacional determina o tipo de acção desenvolvida caso de Lisboa. Observámos ainda o caso de escolas que procuram evi-
localmente. As autoridades nacionais podem, ou não, favorecer a livre tar o controlo das autoridades locais, sobretudo no que se refere a evitar
escolha e o mercado e permitir, ou não, a intervenção local para con- o estabelecimento de uma hierarquização entre escolas. Por exemplo,
trolar as escolas e as escolhas das famílias. desde 1995 que o estado francês e as instâncias intermédias de regulação
- As escolhas políticas e o ethos profissional dos agentes públicos trabalham o sentido de promover um maior controlo sobre os currículos
das autoridades locais que podem considerar o "mercado" como "nor- escolares e as modalidades de recrutamento de alunos de forma a limi-
mal" e a escolha da escola como legitima ou não. tar a segregação sociais e académicas. Contudo, existem dificuldades
- Acrescem ainda as dificuldades em ser eficiente na regulação de aplicação desse controlo sobretudo por parte das autoridades regio-
de qualquer uma destas políticas ou acções por parte das autoridades nais que têm entrado em conflito com escolas que, progressivamente,
públicas, particularmente no que se refere à acção sobre 0 mercado: têm vindo a aplicar princípios de mercado aos seus modós de gestão,
· As fronteiras institucionais da autoridade sobre um determinado ter- utilizando "autonomias ilegítimas", para assim atrair a classe média.
ritório, e consequentemente de sobre este exercer modos de regulação, Em grande medida, estas "autonomias ilegítimas" são produzidas em
flúem e movem-se de acordo com o fluxo escolar dos alunos. conjunto e reforçadas com as famílias da classe média no sentido de
· As regulações que se fa zem sentir nesses espaços podem provir de dife- subverterem e evitarem os constrangimentos da regulação.
r entes autoridades (como o município, as escolas públicas, as escolas Para concluir, é possível afirmar que, nos casos em estudo, a ac-
privadas, . ..) de forma descoordenada e, como resultado, são incapazes ção pública a nível local ou intermédio não envolve apenas decisões
de evitar a competição entre as escolas. técnicas, administrativas ou de gestão, mas compreende sobretudo e
essencialmente acções e decisões políticas. Nesse sentido, este nível
Consequentemente, algumas das autoridades locais, públicas ou de regulação deve ser cada vez mais considerado como estratégico no
privadas, tendem a produzir modos de regulação que visam a defesa que se refere às questões da desigualdade.
das suas escolas contra as escolas que pertencem a outra rede ou área
geográfica o que, naturalmente, reforça a competição entre estabeleci-
mentos. Nestes casos, a colaboração pode ser promovida pelas autori- Algumas recomendações
dades locais no sentido da promoção de certos estabelecimentos como
atestam os seguintes exemplos: as campanhas de publicidade levadas Apresentadas algumas das conclusões que os dados dos estudos nacio-
a cabo pelas escolas católicas de Charleroi; a colaboração entre as nais revelaram, importa agora apontar algumas recomendações para
escolas públicas de Lille e Paris para promover a sua atractividade a acção política pública, ainda que seja importante considerar o con-

24 0 241
C HRI S TIAN MAil O Y C O N V E 1\ nN C I A S E ll I V 1\ 1\ , AN C I A S IH S M () ll OS IJ I! 1\ H ( \ ) I, 11 <; O

texto particular a que se referem e que, como soluções adoptadas em como a coordenação das acções de regul ação. Este processo de ha rmo -
diferentes países, não têm necessariamente o mesmo efeito. ni zação poderá assumir várias formas, incluindo a concertação entre
Desde logo, o facto das forças de mercado e a competição esta- os diversos actores do território ou mesmo alterações legislativas;
rem presentes, com diferentes graus de intensidade, em todas as - Acima de tudo, o processo deverá procurar um consenso global
áreas investigadas não deverá conduzir a qualquer tipo de "fatalismo em torno da maior igualdade e menor segregação escolar, mantendo-
sociológico" em torno da questão das desigualdades, apesar de termos -se a eficiência como um objectivo complementar.
observado que as forças de mercado tendem a criar, manter ou desen-
volver dinâmicas de segregação social dos alunos. O aumento da influência dos espaços intermédios de regulação
Se aceitarmos, ao nível da decisão política, que um dos papéis mais poderá significar o aumento ou desenvolvimento de instituições de
importantes das instituições de regulação intermédia consiste em evi- nível mesa que tenham a capacidade de abranger os territórios escola-
tar o aparecimento de dinâmicas de mercado que possam conduzir a res de acordo com os fluxos de alunos entre estabelecimentos.
uma maior segregação e desigualdades escolares, como é o caso francês, Este reforço da regulação ao nível dos espaços intermédios tam-
devem ser dadas a estas organizações condições efectivas ,para que pos- bém significa que se devem criar, manter ou desenvolver sistemas
sam concretizar o seu papel. Esse papel passa por generalizar e harmo- regionais de recolha de informação sobre os efeitos das lógicas de mer-
nizar as regras e regulações que se aplicam a um determinado território cado e as suas consequências para as escolas, alunos e suas famílias.
escolar, no que se refere ao recrutamento, oferta escolar e exclusão: Esta informação, que poderia ser produzida num observatório pró-
- A presença de escolas com diferentes práticas nos três níveis prio, deveria servir como uma ferramenta, para as autoridades locais,
enunciados favorece , em parte, a existência de uma rede de escolas regionais ou nacionais, para a definição da oferta escolar, através de
com normas diferentes; um processo de concertação e negociação dos diferentes actores.
- Estas variações são utilizadas pelas famílias, especialmente as Por seu turno, será de igual modo importante agir ao nível das
pertencentes à classe média, para assegurar que os alunos tenham as escolas. As actuais políticas educativas que estão orientadas para a
melhores condições escolares possíveis e, como consequência, assiste- devolução de maior autonomia para as escolas devem ser contraba-
-se a um aumento da competição entre estabelecimentos; lançadas por políticas que confiram maior poder a autoridades locais
- Em simultâneo, a fragmentação e a multirregulação observada e regionais para que estas possam estabelecer maior harmonização
nos territórios constituem um dos mais importantes limites para a nas regulações dos territórios escolares.
eficácia da acção de uma única autoridade pública. Por isso, a exis- Nesse sentido, há uma necessidade crescente de diálogo e comu-
tência de uma acção conjunta e coordenada entre os diversos acto- nicação entre os diferentes actores políticos, sobretudo no que se
res presentes no território assume-se como estratégica para evitar o refere aos níveis intermédios de regulação, que ocupam um papel vital
aparecimento de fenómenos de competição entre estabelecimentos e no fluxo de informação e legitimação das acções entre os decisores
exclusão de alunos (por exemplo, a existência de mecanismos de regu- políticos e os profissionais do terreno.
lação para que as escolas não seleccionem alunos com base nos seus Ao nível de cada escola e dos seus actores existe também a
resultados académicos ou origens sociais); necessidade de formação e informação sobre os efeitos que as suas
- As modalidades de harmonização e estandardização são da res- acções estão a produzir. Este tipo de acção assume grande relevância
ponsabilidade das autoridades públicas nacionais e regionais, assim considerando que os resultados evidenciaram que as escolas que se

242 243
C H RI S TIAN MAR O Y

colocam no topo da hierarquia de um território caracterizam- se fre-


quentemente por:
-Um baixo conhecimento sobre as condições de ensino nas esco- ANEXO METODOLÓGICO
las que ocupam as posições mais baixas da hierarquia do território;
- Uma propensão para tornar a questão das desigualdades como
normal, apesar de a sua situação só ser possível graças ao facto de outras
escolas assumirem os problemas e alunos que estas externalizam;
- -Uma tendência para evitar as responsabilidades no que diz res-
peito aos resultados escolares dos alunos problemáticos, muitas vezes
atribuídas aos próprios alunos, famílias e falta de meios e recursos.

Assim, a formação e a informação aos actores no terreno deverá


ser um primeiro passo no sentido de evitar os efeitos negativos das
lógicas de mercado, para além da eventual criação de sistemas de
reacção (positiva ou negativa). Por exemplo, na Bélgica e Hungria,
estão a ser testados sistemas de reforço e apoio positivo às escolas que
recebem alunos de origens sacio-económicas baixas.
Contudo, também é importante relembrar que os sistemas esco-
lares estão incluídos em sistemas sociais complexos e que as tendên-
cias observadas são um indicador de um problema mais vasto que
passa pelo aumento das segregações e desigualdades, sobretudo nos
mercados de trabalho. Por isso, a acção contra as desigualdades não
poderá ser limitada unicamente aos sistemas escolares.

Introdução
Componentes e fases do projecto de investigação
Características do território em estudo
Metodologias

244
Introdução

Este anexo tem como objectivo geral descrever as opções e dispositi-


vos metodológicos subjacentes às diversas fases do Projecto Regule-
ducnetwork. Assim, num primeiro ponto, começamos por apresentar
as principais componentes e fases do Projecto. No segundo ponto,
iremos apontar as principais características do território onde foi
desenvolvido o trabalho empírico levado a cabo pela equipa portu-
guesa. Finalmente, no terceiro ponto, iremos detalhar as metodolo-
gias desencadeadas nas fases que corresponderam à recolha de dados
empíricos.

Componentes e fases do projecto de investigação

A metodologia do projecto obedeceu às características gerais apre-


sentadas na Introdução de acordo com a estrutura apresentada no
quadro da página seguinte, comum às diferentes equipas dos países
envolvidos no projecto.

Como é possível observar na figura 1, o Projecto Reguleduc-


network estava organizado em torno de três níveis de abordagem
do processo de regulação, já explicitados na Introdução, que cor-
responderam a diferentes fases de trabalho que sumariamos em
seguida.

247
ANEX O MET O D L ÓG I CO
ANE XO MET O I I. Ó I C:O

F!GUJ~A I - COMPONENTES ll FASES DO PIWJ[JCTO RE GULEDUC N ETWORK


Fase 1 - Nível global
NÍVEL FASE 1 Esta fase compreendeu a elaboração de quatro projectos de traba-
GLOBAL: WPI -Comparação dos modos de regulação: grelha de
lho (WP, indicados na figura):
Sistemas an álise; '
Educativos:
- a construção de uma grelha de análise dos modos de regulação
modos de WP2 - Análise institucional e da iiwestígação sobre passível de utilização em todas as equipas de projecto;
regulação e autonomia local: estudo em cada país; - a análise dos modos de regulação institucional em cada país;
desigualdade - a sua consequente análise transversal, comparando os resultados
WP3 -Análise comparativa dos estudos nacionais: State
ofthe Art sobre os modos de regulação ; obtidos por país;
- e, finalmente , a comparação dos resultados escolares dos alunos
WP4- Comparação dos resultados dos alunos: análise dos países envolvidos, com base nos dados provenientes dos Estudos
estatística internacional.
Internacionais PISA.

Fase 2 -Nível meso


Esta fase correspondeu ao dispositivo metodológico de maior
envergadura e complexidade, compreendendo uma forte componente
de recolha de dados empíricos para caracterizar os modos de regulação
ao nível meso. Para tal, houve desde logo a necessidade de delimitar um
território onde fosse possível desenvolver o estudo, tendo sido pondera-
dos os seguintes critérios, acordados entre os parceiros do projecto:
- estar incluído numa área urbana com pelo menos woooo habi-
tantes, sendo heterogéneo do ponto de vista sócio-demográfico;
- constituir uma unidade coerente para a observação dos fenóme-
nos de interdependência entre escolas com o 3° Ciclo do Ensino Básico
e o Ensino Secundário;
Como funcionam WP9 - A racwna
· l"d
1 ad e d os actores e os modos de acção -ser caracterizado como um território "típico" urbano da realidade
as escolas e colectiva na escola: uma análise nacional;
como produzem
nacional portuguesa, no que se refere aos indicadores demográficos.
desigualdades WPIO- A racionalidade dos actores e os modos de acção
colectiva na escola: uma análise transversal. Mais à frente neste anexo daremos conta das características do
território seleccionado. Uma vez identificado o território meso sobre
o qual iríamos incidir, foram desencadeados dois projectos de inves-
tigação: a análise das relações de interdependência entre as escolas do
território; análise das instâncias de regulação intermédia a operar no
território.

249
A NE X O M E T O D O L ÓG I CO
A N H X (1 M Wr 0 I) 0 I. () I C:()

Fase 3 - Nível micro Duranlc a década de 6o e 70, a expansão do con clh o é so br ' lud
A fase 3 do projecto centrou-se num nível micro, com o fim de compre- de ordem demográfica, implicando a construção de mais e novas habila-
ender o modo como a posição de um estabelecimento de ensino num dado ções. Actualmente, cerca de 46,9% dos edifícios existentes no território
território está reladonada com a estratégia da direcção da escola, bem como foram construídos entre 1971 e 1990, enquanto que esse valor é de 37,7%
de outros grupos de actores, face à problemática das desigualdades escolares. no território nacionaL A partir de 1970, com o processo de descoloni-
zação, deu-se um período de expansão demográfica com a chegada ao
Feita a apresentação das componentes e fases do projecto, iremos
concelho de populações imigrantes, provenientes das ex-colónias, sur-
em seguida apresentar o território seleccionado para o desenvolvi-
gindo uma enorme pressão no domínio da habitação, o que resultou na
mento do trabalho empírico.
construção de núcleos clandestinos e bairros de habitações precárias.
Nesse sentido, os responsáveis pelo município procuraram a integração
Características do território em estudo em programas de reabilitação urbana de âmbito nacional, com o objectivo
de erradicar esses núcleos, bem como proceder ao realojamento das popu-
Com base nos critérios acima referidos, seleccionámos um território que lações em bairros sociais. Entre 1986 e 1997 as autoridades locais fizeram
2
se estende por 16 km de um concelho pertencente à Área Metropolitana um investimento financeiro considerável para a construção de 6262 fogos
8
de Lisboa' • O território é composto por nove escolas: uma escola básica e foram já realojadas cerca de 2000 famílias. Em 2002, o plano de activida-
integrada; quatro escolas básicas com os 2° e 3° ciclos de escolaridade; des da autarquia ainda consagrava a maior percentagem de investimento
três escolas secundárias com o 3° ciclo de escolaridade; e, finalmente, municipal na área da habitação (cerca de 31% do investimento). Em 1998,
uma escola secundária. Para a sua selecção e delimitação ponderámos a taxa de cobertura dos serviços de fornecimento de água, gás, saneamento
também o facto de, considerando informações recolhidas previameQte, básico e de recolha de resíduos sólidos abrangia a totalidade da população.
ser um território que constitui uma unidade coerente para a observação Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2001,
dos fluxos de alunos e onde, em certos anos de escolaridade, a oferta residiam no território seleccionado, 78207 habitantes. O quadro que se
escolar é superior à procura. segue compara a distribuição por idades dos habitantes do território, com
Importa agora apontar algumas características do concelho onde o ter- a população do concelho em que está inserido e a população nacional.
ritório está incluído para melhor compreensão dos fenómenos observados.
QUADRO 1 - POPULAÇÃO RE SIDENTE E M PORTUGAL ,
NO CONCELHO E NO TERRITÓRIO POR IDADE (INE, 2001)
Algumas características históricas e demográficas do concelho
O concelho onde se inclui o território em estudo viveu um período Portugal Concelho Território
de expansão económica entre o século XIX e meados do século XX, com o a 14 anos 16,0% 14,0% 13,2%
15 a 24 anos 14,3% 13,7% 13,6%
a construção de importantes vias ferroviárias e a consequente instalação
25 a 64 anos 53.3% 57.3% 57,8%
de unidades fabris e industriais. Por seu turno, e devido à proximidade 65 ou mais anos 16,4% 15,0% 15,4%
de zonas balneares, assistiu-se também à construção de moradias e Total 100,0% 100,0% 100,0%
quintas e à fixação de uma população mais favorecida socialmente.

28 . De acordo co m o pro tocolo de investigação acordado com as equipas que integravam 0 Apesar da distribuição da população residente por idades ser
prOJec to, mantém-se nes ta publ icação o an onimato sobre o concelho e escolas objecto de estudo. semelhante aos valores nacionais, o concelho apresenta índices de

251
A N E XO MET O OOL Ó IC A N ll X ME T ()I) I. GI '0

envelhecimento e taxas de mortalidade inferiores aos valores nacio- Em relação à oferta escolar, a rede do ensino públi co do concelho
nais e superiores em termos de taxas de natalidade e de fixação da é composta por 68 escolas distribuídas do seguinte modo pelos diver-
população residente. Trata-se, por isso, de um concelho que, do ponto sos níveis de ensino:
de vista demográfico, apresenta um certo crescimento.
O crescimento demográfico também implicou um aumento da QUADRO 4 - EsCOLAS, ALUNOS E PROFES SORES/EDUCADO RES
densidade populacional: de 3301,5 habitantes por km 2 , em 1991, o valor DA REDE PÚBLICA DO CONCELHO (2001/02)

aumentou para 3539,8 em 2001. Este crescimento poderá estar associado


Educadores/
à já referida fixação no concelho de populações imigrantes. De facto, e à Alunos
Professores
semelhança da área da Grande Lisboa, residem no concelho mais indi- Jardins-de-infância 12 486 31
víduos de outras nacionalidades do que a média do território nacional. Escolas Básicas do 1° Ciclo de Escolaridade 36 4776 263
Escolas Básicas do 2° e 3° Ciclo de Escolaridade 9 5593 238
QUADRO 2 - POPULAÇÃO RESIDENTE EM PORTUGAL, Escolas Secundárias 8 7558 313
NA GRANDE LISBOA E NO CONCELHO POR NACIONALIDADE (CENSOS, 2001) Estabelecimentos do Ensino Superior 3 2316 128

Portu- Europa Outros Africa Total 68 20729 965


guesa EU Europa PALOPS Africa Brasil Outros Total (Dados fornecidos pela Divisão de Educação do Município)
Portugal Continental 97,J% O,s'Yo O,J% l,Oo/o 0,1 o/o 0,3% O,s'J'o 100%
Grande Lisboa 94,0% 0,6% 0,4% 3>4% 0,1 o/o 0,7% 1,0% 100% Foi possível verificar uma maior concentração dos estabelecimen-
Concelho 94,6% 0,7% 0,2% 2,8% 0,1% 0,7% 0,9% 100% tos de ensino do 2° e 3° Ciclo de Escolaridade e do Ensino Secundário
na área do território situada mais próxima da cidade de Lisboa.
Algumas características de qualificação da população
e da oferta escolar
QUADRO 5- ESCOLAS DO 2° E 3° CICLO E ENSINO SECUNDÁRIO
No que se refere às qualificações, a população residente no territó- DA REDE PÚBLICA NO CONCELHO E NO TERRITÓRIO
rio possui níveis de ensino mais elevados do que média nacional, sobre-
tudo no que diz respeito às qualificações secundárias e superiores. Freguesias do Concelho
Território
Freguesias fora do território Total
QUADRO 3- NÍVEL DE ENSINO ATINGIDO PELA POPULAÇÃO NACIONAL, (área es te do concelho)
NO CONCELHO E NO TERRITÓRIO (CENSOS, 2001) Escolas F G H I L o M
'
B N
2° e 3° Ciclo 1 2 1 o 1 o 1 2 1 o 9
Portugal Concelho Território Ensino Secundário 1 1 o 2 o o o 2 1 1 8
Nenhum nível de ensino 14A% 9,5% 9,3%
1° Ciclo do Ensino Básico 35,0% 22,3% 22,3%
2° Ciclo do Ensino Básico 12,7% 8,3%
Em termos de taxas de escolarização 29 , é possível concluir que a
7,7%
3° Ciclo do Ensino Básico 10,8% 10,0% 9,7% rede pública, no ano lectivo 2001/02, cobria a totalidade da população
Ensino Secundário 16,0% 22,1% 21,5% escolar, à excepção do ensino pré-escolar, como se pode observar no
Ensino Médio 0,6% 1,9% 1,0% quadro seguinte:
Ensino Superior 10,6% 26,0% 27,5%
A frequentar o ensino 20,3% 22,5'Yo 22,3% 29 Considerando o número total de indivíduos com idade de ingresso no sistema de ensino
residentes no território e o número de alunos matriculados nas escolas.

253
AN I( X M I\T I) t c')(J I CO
AN E X O M E T O D O L ÓG I CO

QUADRO 6 - TAXA DE ES COLARIZAÇÃO DA REDE PÚllLlCA DO CON C ELH O Metodologias


(2001/02)
Nesta secção descrevemos as metodologias utilizadas por parle da equipa
3-5 6-9 10-11 12-13 15-17 portuguesa nas três fases do Projecto em que houve trabalho empírico:
Nível de Ensino
anos anos anos anos anos - No estudo das áreas de interdependência entre escolas, corres-
Pré-escolar 82% pondente à fase 3 do projecto (WPs, indicado na Figura 1);
1° Ciclo de Escolaridade 100% 19% 6%
- No estudo sobre as organizações de regulação intermédia, que
2° Ciclo de Escolaridade 8o% 23%
3° Ciclo de Escolaridade 68% 31% decorreu também durante a fase 3 do projecto (WP7);
Ensino Secundário 68% -Na investigação sobre a racionalidade dos actores e os modos de acção
Não escolarizados 18% 3% 1% 1% colectiva na escola, que se centrou no nível micro do projecto (WP9).
(Dados fornecidos pela Divisão de Educação do Município)
ÁREAS DE INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ESCOLAS
O fluxo dos alunos entre as escolas do território em estudo foi eleito
A menor percentagem coberta pela faixa etária dos 3 aos 5 anos de
como um indicador central para análise das relações de interdependência
idade é explicada pela maior oferta existente na rede privada, particu-
entre as escolas, tendo sido desencadeadas duas fases de recolha de dados.
larmente centrada no ensino pré-escolar.
Numa primeira fase, houve a necessidade de identificar e descrever
os fluxos escolares dos alunos entre as escolas do território. A transição do
QUADRO 7- ESCOLAS DA REDE PRIVADA DO CONCELHO (2001/02)
9° ano para o 10° ano de escolaridade foi seleccionada como o momento
No Alunos Educadores/ decisivo para a observação dos fluxos de alunos por três motivos centrais.
Escolas Em primeiro lugar, trata-se de um momento em que os alunos das cinco
Professores
Jardins-de-infância 58 3503 100 escolas básicas do território, que tencionam prosseguir estudos de nível
Escolas Básicas do 1° Ciclo de Escolaridade 14 1127 20 secundário, têm de mudar de escola. Em segundo lugar, este momento
Escolas Básicas do 2° e 3° Ciclo de Escolaridade 1 400 41 de transição corresponde a uma alteração nos critérios da carta escolar
Escolas Secundárias 98 18
para a distribuição de alunos pelas escolas (da morada de residência
Estabelecimentos do Ensino Superior 4 1345 123
Total 78 6473 302 para o curso e agrupamento que o aluno deseja frequentar). Finalmente,
(Dados fornecidos pela Divisão de Educação do Município) em terceiro lugar, este é também um momento de selecção no sistema
educativo, pois corresponde à conclusão da escolaridade obrigatória,
Existem ainda no concelho três escolas de ensino profissional, estando a inscrição no ensino secundário associada ao reforço de estra-
todas privadas, vocacionadas para o ensino da música, das tecnologias tégias escolares para o acesso ao ensino superior.
náuticas e das artes gráficas. Sete das oito escolas secundárias públi- O enfoque atribuído a este momento de transição implicou um
cas do concelho oferecem cursos tecnológicos de nível secundário que design de investigação do tipo extensivo e descritivo, com a produção
abrangem todos os agrupamentos disponíveis. de dois questionários dirigidos aos alunos. O primeiro questionário foi
aplicado aos alunos do 9° ano de escolaridade das escolas em estudo no
ano lectivo 2oollo2, com o objectivo de conhecer as suas expectativas e
desejos quanto à escola, curso e agrupamento a frequentar no 10° ano de

254 255
ANEX O MET O D O I. G IC

escolaridade, tendo sido devolvidos 517 questionários, o que corresponde - Recolha das opiniões dos actores envolvidos nes tas din ami cas.
a 81% do universo. O segundo questionário foi lançado no início do ano Foram realizadas três entrevistas por escola: uma ao presidente do
lectivo seguinte, 2002/03, aos alunos que frequentam o 10° ano de escola- conselho executivo; outra ao presidente da associação de pais e encarre-
ridade nas escolas com ensino secundário, com o objectivo de comparar gados de educação ou seu representante; uma entrevista a um professor.
as suas expectativas à saída do 9° ano com a sua situação escolar, tendo No total das nove escolas foram realizadas 28 entrevistas. A estrutura
sido obtidas 584 respostas, o que corresponde a 80,3% do universo. geral da entrevista foi mantida mas, em função do tipo de entrevistado,
Os questionários continham questões para a caracterização social foi atribuída maior ou menor ênfase a determinadas questões.
e económica dos alunos, para a descrição do percurso escolares e para O conjunto das informações obtidas permitiu produzir uma ficha
saber se a escola em que se encontravam correspondia, ou não, àquela descritiva por escola, onde se agregaram e sistematizaram todos dados
que deveriam frequentar de acordo com os critérios da carta escolar. recolhidos sobre cada estabelecimento, através da sua triangulação.
As respostas aos questionários foram posteriormente introduzidas
numa base de dados, recorrendo a um programa de tratamento de infor- ORGANIZAÇÕES D E REGULAÇÃO INT E RMÉDIA
mação, o que permitiu a contagem de frequências absolutas e relativas. Para estudar a emergência dos modos de regulação do sistema edu-
A segunda fase do trabalho visava a compreensão dos fluxos observados, cativo ao nível mesa (entre o nível central e local) procuramos analisar o
em particular as relações de interdependência entre as escolas que foram iden- papel das instituições que operam a esse nível, nomeadamente, através
tificadas e que necessitavam seremj sustentadas por outras fontes de evidência do trabalho de acompanhamento, supervisão, controlo e avaliação.
empírica. Procedeu-se, por isso, á recolha de informações de caracterização Nesse sentido, e de acordo com os objectivos do projecto, selec-
das escolas, nomeadamente, quer de natureza quantitativa quer qualitativa. cionamos a Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL) e a
Quanto aos primeiros foram recolhidos e tratados os seguintes dados: Câmara do concelho em que se integrava o território em estudo.
- Evolução do número de alunos por ano de escolaridade, nos Para esta escolha, atendemos a dois critérios essenciais, acorda-
últimos 10 anos; dos entre os parceiros do projecto. Em primeiro lugar, das várias insti-
- Evolução do número de repetências por ano de escolaridade, nos tuições que existem a nível mesa, são estas duas que do ponto de vista
últimos 10 anos; institucional e formal maior peso detêm. Em segundo lugar, ambas
- Evolução do número de alunos que anularam a matrícula ou que operaram sobre o território em estudo, ainda que a sua área de acção
foram excluídos por faltas por ano de escolaridade, nos últimos 10 anos; seja muito mais abrangente em termos geográficos.
- Número de alunos por género e opção de estudos, no ensino Na sequência deste segundo critério, importa, pois, sublinhar
secundário, nos últimos 10 anos; que a caracterização das duas instituições foi feita de um modo geral,
- Número de professores e situação profissional. tendo em conta a região em que actuam, não se tendo centrado exclu-
sivamente na sua acção no território em estudo.
Os dados de natureza qualitativa implicaram duas estratégias de Para o desenvolvimento da investigação foram desencadeadas
recolha de informação: três fases metodológicas. Num primeiro momento, a metodologia uti-
-Consulta e recolha documental de "projectos educativos", planos lizada implicou a recolha de informação com dois objectivos: caracte-
e relatórios de actividades, jornais escolares, folhetos, enfim, um con- rização dos territórios em que as instituições operam, nomeadamente
junto de documentação escrita e produzida pelos actores escolares. ao nível demográfico e social, dos alunos, professores e escolas; reco-

257
ANEX O METODOLÓG ICO AN EX Mil"!' J)() I. Ó~ l l!

lha de documentos produ zidos pelas instituições em estudo, ou outros , por parle dos alunos, apesar da exislência dos crilérios da ca rla cs olar:
que contribuíssem para a sua caracterização interna, nomeadamente uma escola básica com os 2° e 3° ciclos de escolarid ade, a escola azul, e uma
através de legislação sobre as suas competências, organogramas, pes- escola secundária com o 3° ciclo de escolaridade, a escola cor-de-rosa.
soal e funções, planos e relatórios de actividades, orçamentos, etc. Apesar de serem ambas atractivas do ponto de vista da procura
Num segundo momento, a metodologia assumiu características escolar local, estas escolas distinguem-se pelas características sociais
mais qualitativas, através da realização de entrevistas aos actores que dominantes do seu público escolar e por desenvolverem estratégias
trabalham nas instituições em análise, com o objectivo de recolher diferenciadas no que se refere à gestão da sua posição no espaço local
informação sobre o entrevistado e o seu trabalho, bem como recolher a de interdependência, com consequências visíveis no modo como se
sua opinião sobre a instituição e os modos de regulação que exerce no organiza a acção colectiva no interior da escola e no modo como é
território. O quadro que se segue dá conta das entrevistas realizadas em tratada a questão das desigualdades de oportunidades.
função da categoria profissional a que pertencem os entrevistados. Tendo em conta estas características, escolhemos estes dois estabe-
lecimentos de ensino para realizar dois estudos de caso estruturados em
QUADRO 8 - ENTREVISTAS REALIZADAS função de três grandes itens: características da atractividade da escola
no seu espaço local de interdependência; processos de regulação interna,
CATEGORIAS DE PESSOAL DREL CÂMARA MUNICIPAL ENTREVISTAS com particular destaque para o papel desempenhado pelos responsáveis
Director Adjunto r;
pela gestão e por outros grupos de actores com influência na tomada de
Gestores de topo Director Adjunto 2; 3
Coordenador de um CAE decisão; lógicas de acção que explicam a orientação dominante da acção
Chefe de departamento Chefe de departamento Chefe de departamento 3 colectiva no que se refere ao posicionamento da escola no seu espaço de
Técnicos superiores Técnicos da DREL e CAE Técnicos da CM interdependência e a questão das desigualdades de oportunidades.
Técnicos/pessoal Membros das 10
de proximidade assembleias de escola
Estes estudos de caso desenvolveram-se durante um período de
seis meses, durante os quais não só foram aprofundados e actualizados
Num terceiro momento, foram realizadas duas monografias dados recolhidos nas duas escolas durante a fase anterior do projecto,
sobre um processo concreto de intervenção sobre o sistema educativo, mas se realizou, igualmente, a recolha de dados directamente relacio-
ao nível do território em que operam as instituições em estudo. No nados com os objectivos da fase actual de investigação. As técnicas de
caso da câmara municipal foi realizado um estudo sobre os Projectos recolha de dados utilizadas foram as seguintes:
Sócio-Educativos e no caso da Direcção Regional de Educação a sua - A observação de momentos críticos /chave na escola (reuniões
intervenção na aplicação do Decreto-Lei ns-A/98 (Regime de Autono- dos órgãos de gestão, reuniões de trabalho, acontecimentos sociais,
mia, Administração e Gestão das escolas). dias de trabalho do gestor);
- A entrevista a interlocutores privilegiados identificados através da
A RACIONALIDADE DOS ACTORES E OS MODOS observação realizada (professores, responsáveis por projectos ou activida-
DE ACÇÃO COLECTIVA NA ESCOLA des especificas na escola, membros dos órgãos de gestão, alunos e pais);
Na sequência do trabalho realizado sobre as relações de interdepen- - Recolha documental (projecto educativo plano anual de activi-
dência entre escolas e da análise resultante do fluxo de alunos, verificámos dades, ... ).
que duas das escolas do território se sobressaíam em termos da procura

259
ANii XO MET O DO LÓG ICO

O quadro que se segue sintetiza os objectivos, técnicas de recolha A observação assumiu características não participantes, na medida
de dados e tipo de informação recolhida para a realização dos dois em que os observadores, apesar de divulgarem os motivos da sua pre-
estudos de caso. sença, não se envolveram nas actividades que presenciaram. No caso
da observação de reuniões ou momentos críticos na escola o proce-
QUADHO 9- ÜBJECTIVOS DA INVESTIGAÇÃO ,
dimento consistiu em tomar notas de forma tão discreta e completa
TÉ C NICAS DE HECOLHA DE DADOS E DADOS HECOLHIDOS quanto possível sobre as situações observadas. No caso da observação
do dia de trabalho do gestor a tarefa foi mais complexa pois exigiu o
DADOS RECOLHIDOS
OBJECTIVOS DE TÉCNICAS DE RECOLHA acompanhamento do gestor durante todo o seu dia de trabalho desde a
ESCOLA AZUL EscoLA CoR-DE-RosA
INVESTIGAÇÃO DE DADOS MOBILIZADAS chegada à escola até ao fim do dia. O observador fez-se acompanhar de
Descrever o Observação do trabalho Observação de dois dias Observação de dois dias
estilo de do presidente do de trabalho do presidente de trabalho do presidente um gravador que permitiu o registo magnético do dia de trabalho. Os
liderança conselho executivo do conselho executivo do conselho executivo protocolos resultantes da transcrição dos dias de trabalho permitiram
Entrevista ao gestor Presidente do Presidente do
conselho executivo conselho executivo a identificação dos locais, tempos, interlocutores e actividades levadas a
Descrever as Observação de reuniões Observação de uma Observação de duas cabo pelos gestores. Numa fase posterior, estes protocolos foram devol-
relações e as dos órgãos de direcção reunião assembleia reuniões assembleia
dinâmicas da escola de escola de escola vidos aos dois gestores no sentido de validar a informação recolhida,
internas da Observação de duas Observação de duas tendo sido considerados como dias típicos das suas acções na escola.
escola reuniões do conselho reuniões do conselho
pedagógico I pedagógico No que se refere às entrevistas, ainda que tendo como pano de
Observação de reuniões Duas reuniões (incluindo Cinco reuniões (incluindo fundo os objectivos da investigação e os temas previamente acordados
de trabalho processos de preparação processos de preparação
de matrículas/formação de matrfculas/formação entre as equipas, os assuntos abordados foram diversificados, pois os
de turmas) de turmas) entrevistados foram escolhidos em função das situações observadas:
Observação de Festa de encerramento -
momentos sociais do ano lectivo ou se destacaram pelo seu discurso ou acções, ou foram mencionados
Entrevistas a Coordenador da sala Coordenadora da por outros actores como determinantes num certo momento da vida
diversos actores de informática biblioteca
Coordenador da Uma professora da escola. O anonimato das informações prestadas foi sempre assegu-
biblioteca dinamizadora de rado e apenas as entrevistas aos alunos foram em grupo.
Uma professora projectos
Presidente da assembleia Um coordenador Importa ainda acrescentar que os dados recolhidos na fase ante-
de escola de departamento rior foram igualmente mobilizados para cada uma das escolas, o que
Vice-presidente do Presidente do
conselho pedagógico conselho pedagógico incluiu: a análise dos fluxos dos alunos, dados de caracterização do
Duas alunas do 9° ano Coordenadora dos público escolar do 9° e 10° ano de escolaridade, entrevistas ao ges-
que pertencem à Serviços de
associação de estudantes Psicologia e Orientação tor escolar, a dois professores coordenador dos directores de turma e
Uma mãe Dois alunos do 7" ano entrevista ao presidente da associação de pais da escola.
- Três alunos do 12° ano
que são os membros da A análise e o cruzamento destas diferentes fontes de dados per-
direcção da associação mitiram identificar, com mais clareza, os motivos pelos quais estas
de estudantes
Documentos Projecto educativo Projecto educativo escolas eram as mais atractivas no território estudado. Foram iden-
Plano anual Plano anual tificados dois tipos de factores. Factores de ordem externa que não
de actividades de actividades
Jornal escolar Jornal escolar dependem da vontade e mobilização da escola mas resultam de razões

260
ANEX O MfiT D L ÓG I CO

conjunturais e circunstanciais. Factores internos, como o estilo de


gestão e de liderança da escola que determinam uma "atractividade
activa" e influenciam a lógica de acção dominante na escola. A figura
que se segue pretende dar conta da abordagem geral seguida para a
análise dos dados. EDUCA I UNIDADE DE I&D
DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
FIGURA 2 - ABORDAGEM GERAL PARA A ANÁLISE DOS DADOS:
A ATRACTIVIDADE DAS ES COLAS E A LÓGICA DE ACÇÃO DOMINANTE

COLECÇÃO CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO


Lógica de acção (Direcção de António Nóvoa)
dominante da escola
1.JoÃO BARROSO (org.)
A Regulação das Políticas Públicas de Educação:
espaços, dinâmicas e actores

2. Rur CANÁRIO (org.)

Educação Popular e Movimentos Sociais

CADERNOS SÍSIFO

NATÁLIA ALVES
1.

Socialização Escolar e Profissional dos Jovens:


projectos, estratégias e representações

2.l:; LORENTINO SANZ FERNÁND EZ


As Raízes Históricas dos Modelos Actuais
de Educação de Pessoas Adultas

S-ar putea să vă placă și