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Identificação:
Grande área do CNPq.: Linguística, Letras e Artes
Área do CNPq: Letras
Título do Projeto: Biotanatopolítica do imperialismo mundial integrado e o realismo
histérico de Parque industrial, de Patrícia Galvão, Revolução melancólica e Chão, de
Oswald de Andrade, e PanAmérica de José Agripino de Paula.
Professor Orientador: Luis Eustáquio Soares
Estudante PIBIC/PIVIC: Vinícius de Aguiar Caloti
1 – Introdução:
Num período em que emergem literaturas pós-autônomas, concorde a argumentação de Ludmer,
em Aqui, América Latina: Uma especulação (2013), e tendo em vista a crise estrutural do capitalismo
contemporâneo, considerada a partir da década de 1960 por Mészáros, na obra Para além do capital:
Rumo a uma teoria da transição (2002), que reflete sobre a “quebra do encanto do capital permanente
universal” e a “ordem da reprodução sóciometabólica do capital”, cada vez mais convergindo acerca de
sucessivas e inexoráveis crises do capitalismo internacional globalizado que, consoante a discussão
enunciada por Alves em A longa depressão do século 21 e a era da barbárie social (2017), afirma que o
capitalismo mundial que se (re)inventou na esteira da década de 1980 enquanto responsiva à grande
recessão de 1973-1975, obteve com a crise de 2008 uma Grande Recessão superior àquelas doutrora
desencadeadas em 1987, 1996 e 2000 (meras recessões ocasionadas pela instabilidade sistêmica do
capitalismo majoritariamente financeirizado), asseverando que o big crash financeiro de 2008 não se
abreviou apenas numa simples crise financeira global ou recessão econômica, bem como aquelas
originadas nos “trinta anos perversos” de capitalismo global (1980-2010), mas do início de uma larga
depressão no século XXI; assim consideramos atualíssima e, portanto, necessária, uma abordagem
dialógica e dialética, entre a Literatura (a partir do modernismo), a Política e o Direito, a fim de
pensarmos a trans-histórica “tradição do oprimido” (BENJAMIN, 1994) que decreta um estado de
exceção permanente na civilização burguesa (enfaticamente no Brasil) coetânea, mediante a obra do
escritor checo Franz Kafka.
Partilhando dessa perspectiva, posicionamo-nos de maneira adversa à concepção hegemônica
dentro do "campo acadêmico da literatura” (BOURDIEU, 1983), que acredita num credo quia absurdum,
isto é, numa relação autônoma entre a literatura e a política. Relação essa que, como dissera Bourdieu em
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O poder simbólico (2004), estaria demarcada por uma illusio, naturalizando as relações de força, poder
(político, econômico, cultural, epistemológico, simbólico), dominação e violência, na construção do
campo literário introjetado pelos supostos operadores ou atores racionais, interessados no jogo, criação e
recepção dos textos literários. Perfazendo os caminhos descritos no ensaio de Candido, O direito à
literatura (1995), no qual o autor de Formação da literatura brasileira (1975) defende o direito universal
e necessário à literatura, enquanto faculdade imanente do ser humano de fabular. Outrossim cogitamos
sobre as suas acepções, partindo das obras: Formação da literatura brasileira (1975) e Literatura e
sociedade (1965). Nesta última, argumenta que a "literatura por incorporação”, na tessitura da criação
literária do modernismo brasileiro, consiste na indiscernível fronteira entre os campos literário e político,
possibilitando-nos afirmar a (inter)penetração entre ciência, arte, cultura e pensamento crítico,
(res)significando a vida quotidiana, as fabulações e a constituição do comum.
Para abranger esse objetivo, da mesma forma dialogamos com Jameson, partindo da obra
Modernidade singular: Ensaio sobre a ontologia do presente (2005), ao afirmar que o modernismo
ocidental e planetário, percebido como o lado estético e cultural da Segunda Revolução Industrial, foi
reescrito, (res)significado e (re)interpretado por uma fictio literária e um approach teórico
políticoideológico conservadores; além de Rancière, em A partilha do sensível: Estética e política (2005),
argumentando que a dimensão autônoma e o lado político da criação literária (enquanto repartição dos
corpos do mundo) são apresentados como uma quota-parte de uma partilha do sensível, política e
ideologicamente determinada de forma desigual, oligárquica (portanto racista), inscrevendo-se sob a
rubrica do que ele denominou de “regime poético do mundo”.
Dessa forma, consideramos as inúmeras possibilidades de interpenetração entre ciência, arte e
política, apregoadas pelo modernismo em Candido e O. Andrade; a construção da disciplina Sociologia
do Romance, conforme definida por Lukács, como uma possibilidade de compreensão trans-histórica,
trans-individual do campo da literatura; a ideia de “pós-autonomia literária” em Ludmer. A relevância e a
contemporaneidade dos estudos literários que valoram a relação entre Literatura & Política, apresentados
por autores como Rancière (2005, 2014, 2009, 2010), Jameson (1999, 2005, 2008, 1987), Eagleton (1989,
1990, 2012), Williams (2009). Atribuímos importância às reflexões sobre os estudos literários coevos,
particularmente na consideração das (com)possíveis relações (indeslindáveis, quem sabe) entre Literatura,
Filosofia, Direito & Ciências Sociais, ao investigar as obras: América (2003), Na colônia penal (1998) e
O processo (1997) kafkianos, com vistas a analisar a trans-histórica tradição do oprimido que institui um
estado de exceção permanente na civilização burguesa contemporânea, sobretudo no Brasil, salientando a
Operação Lava Jato; confrontando-as com as configurações social, econômica, histórica, cultural, jurídica
e política brasileira, que acreditamos haver sido magnificamente retratadas pelo escritor checo,
constituindo razões suficientes, para afiançarmos haver contribuições para a fortuna crítica do autor de O
artista da fome (1998).
2 – Objetivos
Objetivo geral
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Examinar as obras: O processo (1997), América (2003) e Na colônia penal (1998) do escritor
Franz Kafka, a fim de refletir sobre a tradição do oprimido que decide um estado de exceção permanente
na civilização burguesa contemporânea, enfaticamente no Brasil, enfocando a Operação Lava Jato.
Utilizar o método existencialista sartriano e a anarqueologia em Foucault, para refletir sobre as
configurações dos campos social, político, econômico, histórico e jurídico brasileiro, desde as obras
kafkianas avocadas.
Objetivos específicos
1. Avaliar as obras: O processo (1997), América (2003) e Na colônia penal (1998) de Franz Kafka.
2. Reflexionar acerca da tradição do oprimido que decreta um estado de exceção perene na
civilização burguesa coetânea, destacando o caso brasileiro, a partir da Operação Lava Jato.
3. Empregar os métodos existencialista de Sartre e a anarqueologia foucaultiana, com vistas a
perscrutar as configurações dos campos jurídico, econômico, social, histórico e político brasileiro,
partindo das obras de Kafka elencadas.
3 – Metodologia
Nas obras Em defesa da sociedade (2005), O nascimento da biopolítica (2008) e a História da
sexualidade (1999), Michel Foucault discretiza os “agenciamentos de poder” realizados pelos
(supra)Estados-nação modernos que empregam o biopoder e a biopolítica enquanto estratégias de
governamentalidade. Em compêndio, um dispositivo composto por uma “dupla pinça”, configurado pelos
eixos anátomopolítico individual (microssocial) e da biopolítica de população (escala macrossocial). O
primeiro aflui na esfera da produção das identidades culturais (pós)modernas, procedendo como uma
“máquina de rosto” (DELEUZE, GUATTARI, 2008) que configura um “muro branco”, incrustado de
“buracos negros”, ou seja, um “aparelho de captura” que agencia os fluxos dos enunciados coletivos das
subjetividades capturadas, inclusive mediante o “poder pastoral” (Foucault, 2010). O segundo constitui
uma “(megalo)máquina de soberania (supranacional)” que agencia e disciplina o corpo social em escala
territorial nacional e planetária.
Walter Benjamin no ensaio Sobre o conceito da História (1994) nos diz que “a tradição dos
oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é na verdade a regra geral” (BENJAMIN,
1994, p. 226), enquanto Carl Schmitt em sua Teologia política (2009) argumenta que “o soberano é
aquele quem decide o estado de exceção” (SCHMITT, 2009, p. 13). Acepções apropriadas por Giorgio
Agamben, a partir da obra Homo sacer: o poder soberano sobre a vida nua (2010), conformando uma
bio(tanato)política ao alegar que um “poder nu” (RUSSEL, 2015), ou seja, um poder de caráter violento e
ilegítimo, levado a efeito por um “Leviatã hobbesiano” contra atores sociais ou alteridades presentes na
sociedade civil, constringe a vida humana, a princípio, uma vida suficiente, “qualificada” (bios),
caracterizada por um bem viver orientado pelo telos do sumo bem da felicidade, potência do homo
politicus inserto na polis, segundo a concepção de Aristóteles apresentada em sua ética nicomaqueia,
produzindo uma “vida nua” (zoé) ou “sacra”, não-sacrificável e matável, uma vida tabuizada sujeita ao
homicídio a qualquer momento, onde o possível algoz estaria isento dos ritos e rigores da lei.
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Nas sociedades de soberania, o soberano decide sobre a vida e a morte, assenhoreando-se jurídico-
política e economicamente da produção coletiva, ao desenhar uma axiomática religiosa (mortuária) que
açambarca a própria morte, ou seja, decreta publicamente o seu direito de morte sobre os súditos,
instaurando uma tradição do oprimido que ratifica o direito da vida eterna ou da transcendência do poder
soberano que se apresenta fundada na extrema vulnerabilidade da imanência dos súditos, exemplarmente,
através do teatro público da morte dos condenados. Nestas sociedades se constitui um regime semiótico
de soberania que Gilles Deleuze e Félix Guattari em Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia (2008)
designam como um regime significante ou paranoico despótico, no qual e através do qual o rosto ou o
corpo do déspota ou do Deus, tem uma espécie de contra-corpo, o corpo do supliciado, ou ainda, o corpo
do excluído.
Ao contrário das sociedades de soberania, nas sociedades disciplinares o poder soberano guarda
relação com a imanência e não com a transcendência, inundando todo o corpo social, mediante
procedimentos caracterizados por um tempo linear, progressivo e sulcável, pressupondo-se que redargua a
uma demanda endógena do progresso orientado para a orquestração de vidas, docilizando-as e tornando-
as produtivas, de maneira a configurar diagramas de fabricação de corpos dóceis, compósitos por variadas
instituições, tais como a casa, a escola, a fábrica, o quartel, a prisão, o hospício etc; que atuam em
conjunto e constituem espaços de confinamento cujo objetivo é concentrar, ordenar e distribuir os homens
e mulheres espacial e temporalmente. Diagrama, por suposto, delineado e planeado para reger essas
multiplicidades, na medida em que possam e devam redundar em corpos individuais que devam ser
vigiados, treinados, utilizados e eventualmente punidos. No que tange ao seu regime semiótico, o estado
de exceção disciplinar é póssignificante ou passional autoritário, consoante Deleuze e Guattari (2008), já
que neste regime não mais existe centro de significância em relação aos círculos ou a uma espiral em
expansão, porém um ponto de subjetivação que se inicia desde a linha, podendo vir a ser, como dissemos,
as referidas instituições de confinamento.
As sociedades de controle se demarcam pela larga aplicação da tecnociência, onde o indivíduo se
identifica por uma cifra, senha ou algo parecido que o autorize a estabelecer uma relação ou uma conexão
do tipo homem-máquina reversível e recorrente, in e out, engenhando um sistema generalizado de
servidão maquínica. Por seu turno, diverso do estado de exceção disciplinar, que baseia na sujeição social
a referência motriz para a produção de subjetividades, a do controle configura perfis híbridos, formulados
a partir de interações reversíveis entre máquinas informáticas, comunicacionais, cibernéticas, amoldando
um horizonte axiomático biopolítico, tecnológico artificial, cyborg. Conforme Deleuze e Guattari (2008),
o sistema de produção econômica e as formas de relações laborais do estado de exceção do controle se
distinguem do disciplinar porque a relação de mais-valia se desloca do plano das assinaturas, das
identidades e dos contratos (p. exs., entre patrão e empregado, eleitores e mandatários) para se inscrever
cada vez mais no horizonte do capital constante e na automação, num contexto em que a dita mais-valia
se torna maquínica e se expande à sociedade inteira, com o risco de formação de um Estado autoritário,
tecnocrático, maquinal.
Partindo da ideia de sociedade disciplinar, consideramos os Estados-nação ocidentais
contemporâneos, situados na periferia do sistema-mundo, como “Estados disciplinares” sujeitos ao
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Empresa britânica de consultoria política que combinou a “mineração de dados”, o “data broker” (que abrange a coleta individual
de dados na web para a construção de perfis, com vistas à formação da opinião política) e análise de dados, alvejando a
comunicação estratégica, frequentemente durante processos políticoeleitorais.
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Unidos para a América Latina e o Brasil (2019) escrita pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, A
radiografia do golpe (2016) e a Elite do atraso: Da escravidão à Lava Jato (2017) publicados pelo
sociólogo Jessé de Souza, A Lava Jato contribuiu para a devastação da economia brasileira (2019)
manifestado pela Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED), Como a Lava Jato
destruiu a Justiça brasileira publicizado pela jornalista Ana Souza (2019) et al.
Finalmente, acreditamos que a “(an)arqueologia” (FOUCAULT, 1972; AVELINO, 2010) nos
ajudou a analisar determinados “dispositivos de verdade” (FOUCAULT, 1972) na tríade kafkiana
elencada, respeitantes à constituição da tradição do oprimido que sentencia um estado de exceção do
controle soberano no país, focalizando-se a referida operação judicial.
4 – Resultados
A princípio, devo ressaltar que a tríade de obras sobre as quais nos concentramos nesta pesquisa,
apresentam uma plêiade demasiado grande de indícios sobre o contexto sócio-histórico, econômico,
cultural, jurídico, político etc brasileiros que gostaríamos de analisar, configurando sinais que excedem e
excelem o corpus desse relatório de iniciação científica. Sem embargo, perfaremos um pequeno recorte
acadêmico- teórico, conceitual e epistemológico, percorrendo apenas alguns fragmentos dos romances e
do conto em questão, com vistas a perquirir a convalidação de nossas asserções acerca da obra kafkiana e
do referido contexto.
Destarte, partimos da veridicidade das teses e assunções aduzidas da obra A sociedade do controle
integrado: Franz Kafka e Guimarães Rosa (2014), onde Soares afirma que o escritor checo, no bojo de
sua obra, produziu “um romance para cada estado de exceção”, afirmando que no conjunto da produção
literária kafkiana, cada conto ou romance se constitui como a realização ficcional da encarnação do
estado de exceção, motivo pelo qual, a sua literatura, imbuída de uma extraordinária coerência, pode ser
analisada como um produção ficcional dos efeitos de poder ou dos efeitos possíveis de poder do estado de
exceção como regra geral, supondo-se, assim, os efeitos do estado de exceção do tipo Na colônia penal
(1998), O processo (1997), ou ainda, América (2003) como regra geral. O primeiro guardaria relação com
a sociedade e o estado de exceção no regime de soberania, enquanto o segundo com o disciplinar e o
último com o do controle [integrado ou soberano]. Dessa forma, a produção literária de Kafka realiza a
ficção do estado de exceção como regra geral, num aglomerado de tempos de exceção, onde o conjunto
de sua obra, narrativamente enleou o inconsciente político da “insubstancialidade da lei” geral da tradição
do oprimido, expondo a tudo e a todos, portanto K., como tanto mais insubstanciais e ilegais, quanto mais
se apresenta como se não o fora, de forma transcendental, como verdade aprioriorística.
O conto Na colônia penal parece haver sido confeiçoado para se engendrar a inscrição das
penalidades cometidas na corporeidade do condenado, uma punição execrável que, não somente tem o
corpo como suporte, mas também inscreve na forma [insubstancial] da lei o peso da pré-história do estado
de exceção, como pecado original ou “marca de Caim” nas costas dos “condenados da terra”, não de
forma museológica, como uma crítica às práticas de tortura ritualizadas e levadas a cabo, por exemplo, na
Idade Média, mas como narração da evidência de que o estado de exceção é a real metafísica régia da
sequência de seus passados pré-históricos, de modo que estes podem ser confabulados de inúmeras
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maneiras como carnais inscrições mnemônicas da e na longa história da longa tradição do oprimido,
herdada como um pecado original, de pai para filho e que, por conseguinte, apresenta na figura do pai a
encarnação da pré-história do soberano, razão pela qual o pai e o soberano, assim como o senhor, o
colonizador, o “desenvolvido” (LACAN, 1992) e o “decreto celestial”, são indiscerníveis. Alegação que
encontra uma forte sustentação na obra Homo Sacer: a vida nua e o poder soberano (2002) de Agamben,
outrossim asseverando que “[...] o fundamento primeiro do poder político é uma vida absolutamente
matável, que se politiza através de sua própria matabilidade (AGAMBEN, 2002, p. 96), de maneira a
convergir, com a argumentação de que a pré-história da tradição do oprimido não se institui como um
passado remoto, longínquo, improvável e bárbaro, mas, pelo contrário, inscreve-se nas costas do presente,
como a “máquina de tortura” neste conto que indicia a pena do pecado original do herdeiro ou do filho,
seja ele, o colonizado, o “subdesenvolvido” (LACAN, 1992), o periférico ou a “alteridade” que herda não
apenas a injustiça de ter nascido num mundo em estado de sítio, no qual o pai, detentor de um poder
soberano, dispõe de um poder de vida e de morte sobre quem pôs no mundo, outrossim, por extensão,
herdando identicamente as injustiças dos estados de exceção precedentes, razão pela qual o soberano é, na
verdade, uma acumulação multiplicada de pais de um povo, concentrando poder de vida e de morte sobre
o conjunto dos súditos.
A colônia penal se remete a um sistema-mundo. Simultaneamente alude a uma colônia (periferia) e
a uma metrópole (centro) e, por conseguinte, ao capitalismo mundial integrado, às colônias ou aos países
subdesenvolvidos, (neo)colonizados da América Latina, da Ásia e (ou) da África e às suas populações, o
“personagem coletivo do excluído” e à metrópole, aos países subimperialistas, principalmente os
europeus e os Estados Unidos da América, país ultraimperialista tutelar dos subimperialismos e dos
colonizados ou condenados do mundo inteiro. País que representa (ao re-apresentar) os colonizadores,
desenvolvidos, mais especificamente, os oligarcas mundiais, representantes do capital corporativo e da
corporocracia transnacional, precipuamente financeirizada, que institui um “hsing” (LACAN, 1992) ou
um “decreto celestial” [imperial], um “estado de exceção permanente” sobre a “imanência povo”, “ming”
(LACAN, 1992) ou o estado de natureza que constitui uma multidão de alteridades, sejam elas pobres,
negras, gays, mulheres, indígenas, etc assinaladas pelo estigma da classe-que-vive-do-trabalho. Contudo,
um estado de exceção que é regra geral, ainda mais frequente e peculiar nas periferias do globo, visto
guardar resquícios com um regime de soberania similar ao medieval, já que existem desproporções ou
hybris entre o delito e a pena, conforme previra Beccaria, no [re]nascimento da moderna civilização
ocidental burguesa europeia, ao instituir uma “lei-de-ferro da oligarquia”, enfaticamente contra o
precariado ou os estratos subalternos colonizados, que demarcam um “fora” (DELEUZE, GUATTARI,
2008) quanto ao ordenamento jurídico-formal e racional-legal internacional, nas suas mais variadas
convenções inspiradas e respaldadas em declarações e jurisprudências inter[trans]nacionais que valoram
os direitos humanos, principalmente os direitos civis, conforme se vê no entrecho:
O explorador [aceitou] [...] o convite [para] assistir à execução [...] por desobediência e insulto
ao superior. [...] no pequeno vale, profundo e arenoso, cercado de encostas nuas por todos os
lados, estavam presentes, além do oficial e do explorador, apenas o condenado, uma pessoa de ar
estúpido, boca larga, cabelo e rosto em desalinho, e um soldado que segurava a pesada corrente
de onde partiam as correntes menores, com as quais o condenado estava agrilhoado pelos pulsos
e cotovelos bem como pelo pescoço e ligação. Aliás o condenado parecia de uma sujeição [...]
canina [...] O explorador tinha pouco interesse pelo [...]o oficial [realizava as inspeções no
aparelho] com grande zelo [...] porque era um adepto especial do aparelho [...e] não podia[...]
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confiar essa tarefa a mais ninguém. [...] Esses uniformes são sem dúvida muito pesados para os
trópicos [...] Mas eles simbolizam a pátria e a pátria nós não podemos perder (KAFKA, 1998, p.
1-2).
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Pairar sobre o ex-Presidente Lula ou sobre o “Presidente Lula”, como muitos brasileiros saudosos
do seu legado de investimentos em políticas sociais carinhosamente o evocam, conduz-nos à análise de O
Processo kafkiano que, assim como o título sugere, é um romance especificamente do processo pelo qual
o estado de exceção se torna regra geral, na imanência da vida, através da qual, sem motivo aparente.
Logo, somos todos caluniados, bem como ocorre com o protagonista da narrativa, Joseph K., o qual,
numa manhã qualquer, “[...] foi detido sem ter feito mal nenhum” (KAFKA, 1998, p. 07). Concebemos O
Processo como uma ficção da “sociedade disciplinar”. Soares (2014) atesta que Kafka usou, para escrevê-
lo, o recurso da mescla de blocos de confinamentos, como o familiar e o jurídico, o artístico e o sexual,
produzindo estranhos efeitos híbridos, adicionando certo grau de comicidade à narrativa. Em sua acepção,
toda acusação a priori contra qualquer vida nua é antes de tudo um achaque contra a potência de
anacronismo que se inscreve no corpo sacrificial de toda alteridade, razão suficiente para que acreditemos
ser possível insistir que a vida nua possa ser definida como aquela que carrega em si o estigma de todos
os estados de exceção, asserção que nos possibilita entretecer intertextualidades com a obra Os espectros
de Marx (1994) de Derrida.
Uma vez se constituir como ficção do processo de significação do estado de exceção, no teatro da
longa tradição do oprimido, o referido romance realiza um procedimento que pode ser nomeado como
uma “metaficção da semiótica da tradição do oprimido”, razão pela qual esse estatuto metaficcional o
inscreve na tarefa histórica interpelada por Benjamin, delineada em seu ensaio “Sobre o conceito de
história”, advogando o papel de “[...] originar um verdadeiro estado de exceção” (BENJAMIN, 1994, p.
226). Na abordagem romanesca, verificamos que a narrativa, assim como a tessitura da obra kafkiana,
guarda simultaneamente três elementos que caracterizam uma “literatura menor” (DELEUZE,
GUATTARI, 2008), a saber, a desterritorialização de uma grande língua (o alemão para um judeu checo),
o caso particular de alteridade, no qual o processo contra o protagonista K. se torna um (des)processo,
conforme observar-se-á, contra qualquer um, adquirindo, assim, a potência de um agenciamento coletivo
de enunciação, visto configurar um processo geral, contrário e (ou) favorável ao devir povo. A ideia de
literatura menor, em O Processo, torna-se conspícua desde a primeira sentença da narrativa: “Alguém
certamente havia caluniado Josef K., pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal nenhum” (KAFKA,
2003, p. 07), assinalada por um sutil paradoxo, a de nos apresentar uma personagem inocente, Josef K,
quem não fez mal a ninguém; e ao mesmo tempo ser detido, culpado, processado, inscrevendo-se no
núcleo central de uma terrível "aporia” (DERRIDA, 1994). Dessa forma, em nossa acepção, não é
possível interpretar o romance O processo sem ambiguidades, apenas como a ficção de um processo
jurídico-burocrático alimentado pelo oximoro culpado-inocente. O povo, bem assim apontado pelo
pronome indefinido “alguém”, sujeito da sentença: “Alguém havia caluniado Josef K”,
contraditoriamente se define e (cor)robora-se como uma extensão do e no próprio romance, como uma
narrativa ficcional de um tribunal de exceção em que não apenas a pessoa estrita de K. seja processada,
dado que K. deva ser visto como uma função, “a (des)função K” que, ao apresentar um “édipo muito
gordo”, aduz o signo da tópica da literatura menor, indigitando uma polifônica questão de povo.
A desfunção K pode escopicamente ser observada, perpassando desde uma acepção microssocial
edípica até à esfera macrossocial, percorrendo as escalas do indivíduo, da família, de um povo
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étnicorracialmente descrito, tal como o judaico [por intermédio de um olhar que beira ao familismo
social de um povo eleito], ou mesmo, partir de um caleidoscópio macrossocial, cósmico, que aponte para
o “supranumerário” (BADIOU, 1996) do “excluído coletivo” no mundo inteiro, englobando todos os
povos “bastardos” e “deserdados” do mundo, inclusive os judeus, eslavos, ciganos, bantus, guarani and so
on, com vistas a pensá-los interseccionalmente, prioritariamente a partir da periferia do sistema-mundo ou
do sul global, esgrimindo uma perspectiva anti-imperialista, de maneira a considerar as marcas de classe
social, raça (etnia), gênero, orientação sexual etc. Construindo esta lente, conseguimos interpretar
determinados processos sócioeconômicos, políticos, culturais e históricos, como o caso ou o contexto
brasileiro atual, onde o que está realmente em jogo com o Governo Bolsonaro, um “governo de ocupação
(neo)colonial” orquestrado por potências imperialistas, principalmente pelo ultraimperialismo americano,
internamente conduzido por “fundamentalistas da Bíblia”, inclusive os religiosos que adotam medidas
austeras e ortodoxas prescritas pela Escola de Chicago [chicago boys], “profissionais da violência” ou
“fascistas da bala” do estamento militar e “lumpen-juristas rastaqueras” que esposam o “direito penal
máximo da lei de talião” do estado de exceção imperial permanente, representando a condenação, a
calúnia e a prisão política do povo brasileiro, mediante à condenação, à calúnia e à respetiva prisão
política de Lula e o linchamento midiático do Partido dos Trabalhadores (PT), dos demais partidos e
quadros do espectro político da esquerda minimamente progressista, do desenvolvimento econômico
sustentável com equidade social, isto é, com políticas distributivas, necessárias para a afirmação do povo
do porvir, multidão de incontáveis marcas de alteridades.
Ao excogitarmos sobre o judiciário imperialista neocolonial brasileiro (incluindo-se o MPF), um
judiciário de exceção que tem como premissa ser uma sucursal ou um apêndice do Poder Judiciário, dos
think tanks e do Departamento de Estado Norteamericano (DEA), portanto um “lumpen-judiciário” do
imperialismo norteamericano, como nos denotou e nos revela a farta documentação acerca do escândalo
da Vaza Jato, relatado pela equipa de Greenwald, no The Intercept e demais consórcios de jornalismo
investigativo (inter)nacional, destacadamente as várias mídias progressistas e as análises de grandes
(geo)politólogos e expoentes oriundos do Instituto Rio Branco, tais como Celso Amorim, Samuel
Pinheiro Guimarães, Rubens Ricupero and so on, fazendo-nos ingressar na análise do romance América,
o romance kafkiano que tangencia o estado de exceção do mundo contemporâneo, ou seja, da sociedade
do controle integrado, através da qual, tal qual hoje vivemos, a regra geral da exceção transcocorre a céu
aberto, por meio de nossa supositícia “livre vontade subjetiva”, como efeitos corporais do desejo pessoal
pela e para a tradição do oprimido, num contexto em que “somos tanto mais livres quanto mais
supostamente escolhemos”. A produção não menos presumida da liberdade da escolha, hipostasiana nas
estruturas de hiância e portanto nos furos ou foras do desejo, sem evidentes cadeias e interditos, constitui
a geral regra do estado de exceção, como nunca tornada deveras geral, uma vez ser simbólicoimagética e
imaginariamente produzida por qualquer um, fora do peso da relação entre opressores e oprimidos, pois
todos nos tornamos oprimidos e opressores, ao demudarmos em empreendedores de nós mesmos e de
tudo o mais, a partir de um logos (mithos) em que “o dinheiro transcendentalmente produz dinheiro” [D-
M-D’], sem precisar (pressupõe-se) da imanência do peso mundano do duro trabalho de produzir
mercadorias. Em América, o peso transcendental e exterior do soberano deixa de existir, para a produção
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do estado de exceção, onde nos tornamos imanentemente os soberanos e os súditos do estado de exceção,
sem quaisquer contradições e em conformidade com os nossos mais recôndidos desejos. Assim, essa
trama constitui uma notória ficção da “sociedade do controle”, não somente porque os espaços da
narrativa ocorrem nos Estados Unidos da América mas também porque, principalmente tendo em vista o
último capítulo, é o próprio desejo humano que volve mote de ficção, num cenário não mais de
confinamentos, mas de aberturas cósmicas, antevendo o estado da situação coetâneo, na qual e através da
qual a própria Terra se atrema circunscrita por cósmicos satélites [panópticos] que a tudo esquadrinha,
enfeixando e mapeando, em diversas escalas possíveis. Aí e daí resultam o assombro da e na literatura de
Franz Kafka, em que o efeito do estado de exceção é regra geral; fabulando um teatro ao ar livre, como
ocorre neste romance, em que seu protagonista, Karl Rossmann (da função K, de Kafka, Karl Marx, de
povo?), ao procurar trabalho, depara-se com um cartaz, que diz:
Em uma esquina viu Karl um cartaz com o seguinte texto: “No hipódromo de Clayton se
contratará hoje desde às seis horas da manhã até a meia-noite, pessoal para o Teatro de
Oklahoma! Chama-se o grande teatro de Oklahoma! E chama somente hoje, apenas uma vez!
Aquele que perder agora a oportunidade, perdê-la-á para sempre! O que pensa em seu futuro é
dos nossos! Todos serão benvindos! Aquele que quiser fazer-se artista, apresente-se! Este é o
Teatro que está em condições de empregar a qualquer um! Cada qual terá seu posto! Felicitamos
antecipadamente a todo aquele que se decida! Mas apressem-se a fim de que sejais atendidos
antes da meia-noite! Às doze fechamos tudo e não tornaremos a abrir! Maldito seja aquele que
não acredite em nós! Adiante, a Clayton! (KAFKA, 2003, p. 291).
“Maldito seja aquele que não acredite em nós” (KAFKA, 2003, p.291), tornou-se a divisa, como
regra geral, do estado de exceção: o imperativo religioso como drama que captura todos os gestos, como
efeito de poder central e teatral. Este deve encenar, na imanência da vida, seus efeitos de exceção, ao
mesmo tempo trágicos, melodramáticos, ridículos, letais, no corpo das vidas nuas, no teatro do mundo
histórico. É por isso que o teatro aberto de Oklahoma, de América, sendo ao ar livre, não apenas inscreve
o estado de exceção como regra geral, sem aparentar um religioso centro irradiador, como também realiza
ficcionalmente o argumento foucaultiano de que “[...] o que faz que um corpo, gestos, discursos, desejos
sejam identificados e constituídos como indivíduos, é precisamente isso um dos efeitos primeiros do
poder” (FOUCAULT, 2005, p. 35), razão pela qual América realiza a ficção do estado de exceção no
plano dos efeitos primeiros do poder, o corpo, seus gestos, ao ar livre, cujo cenário é o aberto céu dos
Estados Unidos, país que capturou como nenhum outro o poder como efeito corporal, gestual, tal que se
torna indistinto, como nunca, quem manda e quem é mandado, quem se submete e quem é submetido,
quem sofre o peso do estado de exceção em suas costas e quem o encena, como um teatro, o humano
teatro do estado de exceção que representamos, vivendo-o, desejando-o, apresentando-o na realidade de
um céu aberto, tal que o quadro do estado de exceção torna-se o vivo quadro do mundo.
O teatro de Oklahoma é a metáfora do teatro da Roma imperial e, por conseguinte, do teatro do
império norteamericano, uma alegoria que apresenta o lumpen-judiciário brasileiro e a Operação Lava
Jato como mera gestuária ou sistema de gestos e efeitos de poder do Poder Judiciário e do
ultraimperialismo americano, como já afirmamos. Em América tudo aparenta ser rés-do-chão em céu
aberto, "sem transcendência", isto é, "sem soberano e sem súdito", porque todos virtualmente se tornam
ao mesmo tempo "súditos e soberanos de si mesmos", bastando apenas que cumpram os seus papeis no
atomizado estado de exceção de Oklahoma, um quase anagrama, de K no meio de o aberto O de Roma. A
Justiça brasileira, assim como a “Operação que alardeia a suposta caça aos corruPTos?!”, aparenta ser
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5 – Discussão e Conclusões:
Neste um ano de investigações para a iniciação científica, estudamos de forma zelosa O processo
(1997), América (2003) e Na colônia penal (1998) de Franz Kafka, com o propósito de refletir sobre a
tradição do oprimido que decreta um estado de exceção permanente na civilização burguesa
contemporânea, particularmente no Brasil, focalizando o Estado pós-democrático, o dueto golpista
Temer/Bolsonaro, a dinâmica do Poder Judiciário brasileiro e da Operação Lava Jato, apropriando muitos
artigos de opinião, autores e obras, muito além do que citamos nas referências deste trabalho. Partimos de
uma acepção anagógica, modernista, pós-autônoma e trans-histórica da literatura, utilizando sobretudo o
método existencialista sartriano e a (an)arqueologia em Foucault, a fim de refletir sobre as configurações
dos campos social, político, econômico, histórico e jurídico brasileiro, desde as referidas obras kafkianas
e vice-versa. O nosso aprendizado excede e excele as considerações que foram plasmadas no espaço
desse relatório, abrindo novas frentes de trabalho e pesquisas sobre essas e outras questões correlatas.
6 – Referências Bibliográficas:
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Belo Horizonte: UFMG, 2002.
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____________. O processo. São Paulo: Cia das Letras, 1997. 334p.
JAMESON, Fredric. Modernidade singular: ensaio sobre a ontologia do presente. Tradução:
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MÉSZÁROS, István. Para além do capital: Rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo
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SARTRE, Jean Paul. Questão de método. 4.ed. São Paulo: Difel, 1979. 146p.
SOARES, Luis Eustáquio. A Sociedade do Controle Integrado: Franz Kafka e Guimarães Rosa.
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