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Relatório de Pesquisa

Solução de problemas experimentais em aulas de ciências nos anos


iniciais do Ensino Fundamental e o uso da linguagem cotidiana na
construção do conhecimento científico

Paulo C. A. Raboni

Relatório de pesquisa de pós-


doutoramento apresentado à
Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo.
Supervisora: Profa. Dra. Anna
Maria Pessoa de Carvalho

São Paulo
2013
Solução de problemas experimentais em aulas de ciências nos anos iniciais do
Ensino Fundamental e o uso da linguagem cotidiana na construção
do conhecimento científico

Resumo: Na presente pesquisa investigamos o uso da linguagem por alunos dos anos
iniciais do Ensino Fundamental durante a realização de atividades práticas no contexto das
Seqüências de Ensino por Investigação (SEI). Nossas análises são fundamentadas na
Teoria da Enunciação, de Mikhail Bakhtin. Partimos do fato dos alunos possuirem um
vasto repertório de palavras cujos sentidos são permanentemente construídos em situações
concretas da vida cotidiana, e que usam fluentemente essas palavras, com sucesso, para
comunicar suas idéias em situações igualmente concretas. A articulação dessas palavras e a
referência que fazem aos fenômenos observados estão na base do conhecimento que o
aluno traz da vida cotidiana. Conhecer e explorar essa capacidade de expressão e
argumentação dos alunos parece-nos ser não apenas uma alternativa para o ensino de
ciências, mas uma condição para a adequada valorização dos conhecimentos prévios e para
a superação dos mesmos.
Palavras-chave: sequências de ensino por investigação, ensino de ciências, argumentação,
atividades práticas, séries iniciais.

Breve descrição das atividades realizadas

Minhas atividades tiveram início no mês de agosto de 2012, ainda sem vínculo
formal com a Faculdade de Educação da USP, com a participação em algumas reuniões do
LaPEF e conversas com a supervisora, profa. Dra. Anna Maria Pessoa de Carvalho. Nesses
primeiros contatos foram estabelecidos pontos gerais do projeto e negociados os acessos às
aulas gravadas pelo grupo em projetos já desenvolvidos e outros em desenvolvimento.

Feitos esses acertos, o projeto foi finalizado e encaminhado para aprovação no


departamento e na faculdade, que dependeu de parecer externo, exarado pelo prof. Dr.
Jorge Megid Neto, da Faculdade de Educação da Unicamp. Durante a tramitação do
projeto, foram acessados os dados gravados em vídeo pelo LaPEF, muitas seqüências de
aulas foram copiadas para que uma primeira análise e seleção pudessem ser feitas.

A partir de dezembro de 2012, com o afastamento na instituição de origem


(UNESP) já em vigor, iniciei efetivamente os trabalhos de leitura dos referenciais teóricos
e as primeiras análises do material gravado em vídeo. Isso foi feito durante os três meses
de férias e recesso acadêmico (dezembro, janeiro e fevereiro).

A partir de março de 2013, com o início do período letivo e das atividades do


LaPEF, e com a aprovação deste pós-doutorado pela Comissão de Pesquisa da Faculdade
1
de Educação da USP, iniciei as viagens quinzenais1 para participação nas reuniões do
grupo e para as conversas com a supervisora do projeto.

Foram realizadas oito viagens com participação nas reuniões de grupo, entre
março e junho de 2013. No mês de abril, além da reunião do grupo, participei do 3º
Simpósio de Pós-Doutorado da FEUSP, nos dias 15 e 16.

Foi um período de muita intensidade nas atividades, tanto nas reuniões do


LaPEF quanto no Simpósio. O Simpósio permitiu um contato com variadas modalidades
de pós-doutoramentos e estágios, no Brasil e no exterior, contato esse que ajudou na
delimitação do objeto e do enfoque do meu próprio trabalho. Nas reuniões do LaPEF
foram apresentados e discutidos os projetos dos alunos de iniciação científica e de pós-
graduação, orientados pelas professoras Anna Maria Pessoa de Carvalho e Lucia Helena
Sasseron, possibilitando uma ampla visão dos projetos desenvolvidos pelo grupo, que
abrangem desde o ensino de ciências para as séries iniciais do Ensino Fundamental até
discussões sobre a inclusão de temas da física moderna no Ensino Médio. Apesar dessa
variedade de temas e níveis de escolaridade, o enfoque foi todo em Ensino de Ciências por
Investigação, que receberá um tratamento especial na seqüência deste relatório.

Apresentei meu projeto em duas reuniões do LaPEF. Na primeira, em abril de


2013, foram apresentadas as intenções iniciais e parte do referencial teórico escolhido para
as análises. Na reunião de junho foram apresentados os primeiros resultados das análises
de oito aulas e um aprofundamento dos referenciais de análise.

Além das apresentações dos projetos dos orientandos do LaPEF, em duas


ocasiões a reunião foi ampliada, em conjunto com professores e alunos do GEENF - Grupo
de Estudo de Pesquisa em Educação Não Formal e Divulgação da Ciência/GEENF,
coordenado pela professora Martha Marandino, também da Faculdade de Educação da
USP. Nesses dois encontros muitos temas das Ciências Naturais e de seu ensino foram
abordados, porém a idéia que permeou toda a discussão foi a de “alfabetização científica”.

1 As viagens e reuniões quinzenais foram o máximo permitido pela condição de não bolsista. Cabe
uma pequena explicação sobre a não existência de financiamento: a FAPESP só concede bolsa de pós-
doutorado para candidatos cujo doutorado não tenha sido concluído há mais de 7 anos; quanto ao CNPq, o
encaminhamento da documentação necessária não foi possível dentro do prazo determinado (setembro de
2012) porque ainda não tinha da minha instituição de origem (UNESP) as condições exigidas, a saber, o
afastamento integral.
2
Os aspectos puramente quantitativos são aqui de pouca relevância, mas podem
dar uma idéia da dimensão do trabalho realizado. Foram lidos todos os livros e artigos
publicados pelas coordenadoras do LaPEF nos últimos anos, sobre “alfabetização
científica” e “seqüências de ensino por investigação”, bem como artigos em língua inglesa
discutidos pelo grupo durante o período de realização da pesquisa, dos quais foram feitas
traduções para fins didáticos.

Como produção, encaminhei e já recebi resposta de aceitação do trabalho que


será apresentado no IX ENPEC em novembro próximo, sob o título “Solução de problemas
práticos em aulas de ciências nas séries iniciais e o uso da linguagem cotidiana na
construção do conhecimento científico”, em co-autoria com a supervisora da pesquisa.

Apresentação

O pressuposto básico da pesquisa aqui relatada é que o principal objetivo da


escola é ensinar a pensar. Não o de ensinar qualquer modalidade de pensamento, mas
aquelas que possibilitem a compreensão e formas efetivas de ação no mundo. No sentido
proposto por Paulo Freire, faço a defesa de que a escola deve ensinar o aluno a ler o
mundo, em suas dimensões natural e cultural, ou seja, compreender a natureza que
independe da ação e existência do homem e compreender tudo o que foi produzido pela
ação humana (cultura) e que molda o mundo natural.

O que deve ser aprendido nas aulas de ciências são, tanto conteúdos de ciências
quanto as formas de se fazer ciência (CARVALHO et al, 2011). Nenhum aprendizado
ocorre no vazio, desprovido de um conteúdo, e no caso das ciências os conteúdos devem
ser aqueles que permitam compreender o mundo, portanto extraídos do mundo, e
preferencialmente do mundo dos estudantes. São esses os conteúdos que fazem mais
sentido ou que carecem de sentido para os alunos, e que, de uma forma ou de outra,
precisam ser tratados. Não há aí nenhuma contradição a ser superada. Coincidem
necessidades e interesses dos estudantes e conhecimentos essenciais das ciências e suas
aplicações na construção e interpretação do mundo. Contradições existem entre essas duas
demandas verdadeiras e urgentes e o currículo tradicional, abstrato e formal, que não
permite nenhuma compreensão do mundo e que está inflado com detalhes da ciência de
pouca relevância científica. Somente um currículo degenerado como os de tradição
3
enciclopédica e abstrata para separar o que originalmente está ligado no homem: a
curiosidade e o interesse quase naturais e as necessidades formativas e humanizadoras para
o estar no mundo de forma efetiva e consciente (GOODSON, 2007)

Esse pressuposto conduz a uma série de escolhas, de natureza política, sobre


conteúdos e métodos, sobre funções da escola na sociedade e sobre a população atendida
pela escola, especialmente a pública (GOODSON, 2007).

O que tentamos compreender são processos, não objetos estáticos. A idéia de


ciência que temos hoje é melhor do que a que tínhamos antes dos trabalhos de T.S. Kuhn
ou de Isabelle Stengers, aos quais podemos somar tantos outros. O mesmo vale para a
escola. Qualidade em educação (RIOS, 2001), não é hoje o mesmo que na década de 30
quando os pioneiros publicaram seu manifesto, e é muito menos do que se entendia por
qualidade no período que se seguiu ao golpe de 1964, e já é diferente daquilo que se
pretendia com a constituinte de 1988. Os reflexos na sala de aula dessas mudanças
estruturais e de percepção sobre a escola e a ciência, conferem a esse espaço todas as
características de processo, tornado ainda mais complexo a partir do que a pesquisa tem
construído nas últimas décadas.

Nesse sentido é que se justifica a aproximação entre o fazer na escola e o fazer


científico. A ciência e suas aplicações moldam o mundo, e para compreende-lo é
necessário se apropriar de algumas de suas principais idéias, linguagens e procedimentos,
sem os quais o mundo e a ciência são ininteligíveis. E a forma de fazer isso, ou seja, levar
os alunos a se apropriarem de idéias, linguagens e procedimentos úteis para a interpretação
do mundo, é trazer para a sala de aula alguns aspectos do trabalho dos cientistas, além dos
conteúdos e linguagens. Não se pode realizar isso em todas as dimensões e profundidade,
dadas as imensas diferenças entre essas esferas (MUNFORD; LIMA, 2009).

Cabe à escola estimular a busca de contradições pelos alunos, bem como o


aprofundamento dessas contradições até constituírem problemas reais, que precisem ser
tratados, resolvidos, superados. A confortável fuga das contradições que leva à aceitação
de respostas prontas, às teorias já acabadas, sem questionamento, não pode servir aos
propósitos da escola, justamente por não formar pessoas com autonomia de pensamento e
com criatividade. A idéia aqui defendida é que a escola deve formar produtores de
conhecimento e não consumidores de conceitos já prontos e inquestionáveis. Esse é outro

4
ponto de aproximação entre a atividade científica e a aprendizagem de ciências. O
conhecimento, seja em sua produção, seja em seu aprendizado, começa com um problema
(BACHELARD, 1996; ILYENKOV, 2007).

No ensino que leva à construção de novas formas de pensar, é necessário ir


além daquilo que é dado, e dos métodos já consagrados de se chegar a soluções dos meros
exercícios. Buscar evidenciar as contradições de uma situação para chegar ao problema. O
problema deve ser construído, pois não é um dado imediato. A realidade imediata não
apresenta problemas, e tudo parece ser como deve ser. A construção do problema é um
trabalho intelectual, da reflexão e da abstração, partindo do concreto imediato para chegar
ao verdadeiro concreto, mediado.

O que as disciplinas escolares podem oferecer para que contradições sejam


construídas, percebidas e superadas? As ciências naturais e humanas oferecem a “matéria
prima básica” de onde as contradições podem emergir e para onde as superações devem ser
direcionadas (compreender o mundo natural e cultural – ler o mundo). As linguagens,
incluindo as artes, oferecem formas aprimoradas de acentuar as contradições, explicitar,
dar visibilidade, fazer perceber, e ao mesmo tempo oferece os instrumentos para a
construção das soluções, das superações. Isso nos coloca diante de problemas e
possibilidades vinculados a questões da linguagem, um dos focos desta pesquisa.

Linguagem e ensino de ciências

Os estudos sobre os usos da linguagem no ensino de ciências ocupam hoje uma


das dimensões mais importantes da pesquisa, e é uma das áreas que tem atraído muita
atenção pois interage diretamente com a aspectos da alfabetização e do letramento, cruciais
na escolarização. Pesquisas e propostas de ensino sobre “alfabetização científica”
(LEMKE, 1998; NORRIS & PHILLIPS, 2003) já são feitas há mais de uma década, e dão
a dimensão da importância da linguagem no ensino de ciências.

A multiplicidade de enfoques dos estudos da linguagem aplicados ao ensino de


ciências também oferece uma perspectiva do alcances e da importância dessas questões.
Entre os enfoques mais importantes podemos citar as pesquisas sobre argumentação
(CAPECCHI e CARVALHO, 2000; NIELSEN, 2011; SARDÁ JORGE & SANMARTÍ
PUIG, 2000; YERRICK, 2000; OSBORNE, ERDURAN, SIMON, 2004; SASSERON e
5
CARVALHO, 2011); sobre o uso de analogias (YERRICK et al, 2003; NARDI e
ALMEIDA, 2006), e sobre interações verbais em sala de aula (MORTIMER, 2000). Todos
esses enfoques estão presentes nos debates sobre ensino de ciências há mais de uma
década, e dão a dimensão da importância da linguagem nas pesquisas e nas atividades de
sala de aula.

Aprender ciências é, em boa medida, aprender as linguagens da ciência,


utilizadas na produção e na divulgação do conhecimento científico. Se toda aprendizagem
se dá a partir de conhecimentos anteriores, as linguagens da ciência são construídas sobre a
base fornecida pela linguagem cotidiana, já de domínio das crianças quando ingressam no
ensino formal. Mas ao mesmo tempo, são construídas “contra” a linguagem cotidiana,
buscando especificidades e unificação de sentidos. Nesse sentido, buscamos aqui uma
compreensão das relações entre linguagem cotidiana e conhecimento científico, que, a
nosso ver, podem auxiliar professores e pesquisadores na compreensão dos caminhos
percorridos pelas crianças quando aprendem ciências na escola. O pensamento, inacessível
em sua totalidade, tem a linguagem com um de seus mais importantes indicadores. Em
outras palavras, se quisermos saber o que alguém está pensando, a forma mais completa de
que dispomos é perguntar ou pedir que esse alguém fale a respeito. Parece óbvia tal
afirmação, mas lembramos com Lefebvre (1995, p.44) que o papel da ciência é “atingir o
extraordinário do ordinário”.

Questões que orientam a pesquisa

Algumas das questões que orientam a pesquisa aqui proposta são:


1. Durante a construção de conhecimentos por crianças, em aulas de ciências,
em que “momento” ou sob quais indícios é possível dizer que há um genuíno pensamento
científico?
2. O que é um genuíno pensamento científico?
3. Em que condições o pensamento científico se inicia?
4. É possível determinar quando ocorre a transição (evidentemente não linear)
entre formas de pensamento denominadas cotidianas para formas científicas de
pensamento?

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Palavras de uso cotidiano e conhecimento científico

A aprendizagem em geral, e a de conceitos científicos, é um processo lento.


Um conceito científico quando ensinado na escola apenas começou seu desenvolvimento
no intelecto do estudante, não sendo possível esperar o seu domínio completo em curtos
intervalos de tempo (VIGOTSKI, 2001). Em geral o desenvolvimento completo de uma
estrutura conceitual ocupa anos de ensino e de estudo sistemáticos e deliberados, e mesmo
nesses casos, em geral não substitui e suplanta completamente as formas anteriores de
pensamento (MORTIMER, 1996). Mortimer propõe a noção de perfil conceitual, segundo
a qual as novas formas de pensar coexistem com as antigas formas, e o conhecimento
científico é construído dialeticamente, a partir das formas anteriores, mas ao mesmo tempo
contra elas (BACHELARD, 1996), em um processo tanto de continuidade quanto de
ruptura. No entanto, mesmo tendo necessariamente que partir dos conhecimentos
existentes (continuidade), a sistematização dos conhecimentos científicos representa uma
ruptura com os provenientes da experiência primeira. Afirma Bachelard: “É preciso, pois,
aceitar uma verdadeira ruptura entre o conhecimento sensível e o conhecimento científico”.

Uma das diferenças entre conceitos científicos e conceitos cotidianos é a


estrutura existente nos primeiros e a quase inexistência de estrutura nos últimos, onde
prevalecem as relações entre palavras e objetos/situações. Sob essa perspectiva, construir
conhecimentos científicos envolve a construção de estruturas de pensamento e de
linguagem. Nessas estruturas estão presentes relações de causalidade (se isso então aquilo),
de temporalidade (depois disso sempre aquilo), entre outras, que estabelecem no
pensamento a correspondência entre relações percebidas na realidade material. Em parte
essas correspondências e relações já são construídas a partir da experiência direta das
pessoas com seu meio físico e social, e manifestadas na linguagem de uso cotidiano.
Assim, proponho a investigação do potencial do uso de palavras do cotidiano por crianças,
em situações envolvendo problemas práticos presentes em Seqüências de Ensino por
Investigação (SEI) (CARVALHO, 2013), para a construção do pensamento científico. De
uma outra forma, o que caracteriza o pensamento científico são as relações entre os
conceitos, mais do que o emprego de palavras especiais. Como decorrência, apenas o
aprendizado de palavras novas e diferentes das comuns não garante nenhum tipo de
aprendizagem, mas as relações entre elas na estrutura conceitual da qual fazem parte.

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Não há nenhuma garantia de que houve construção de conhecimento científico
apenas pelo uso de um termo do jargão científico. Por exemplo, afirmar que as coisas caem
por causa da gravidade, diz muito pouco sobre a compreensão do fenômeno, se o termo
“gravidade” não fizer parte de uma rede conceitual que lhe confira significado. Analisando
o mesmo fenômeno de queda, alguém que consegue perceber que, de quanto mais alto cai
um objeto maior será a “força” com que bate no chão, diz muito mais e demonstrou maior
compreensão sobre o fenômeno. Mesmo que o emprego de uma ou outra palavra seja feito
sem o rigor científico, o fato de usar uma palavra para designar um objeto indica que
houve um destaque do objeto de uma realidade ainda disforme, cujos elementos e suas
relações começam a fazer outro e novo sentido (LEFEBVRE, 1995). Do ponto de vista
científico, uma variável começou a ser identificada.

Assim, analiso situações em que as crianças, em aulas de ciências, empregam


palavras do seu vocabulário comum, do dia-a-dia, para interpretar fenômenos, fazendo
inicialmente uma descrição dos acontecimentos, e posteriormente dando uma explicação
baseada em causalidades. Minha hipótese é de que essas relações entre palavras comuns,
manifestadas em correspondência a objetos e fatos presentes em fenômenos observados,
conferem ao pensamento do aluno uma estrutura semelhante à da ciência, mesmo que
nenhuma palavra “científica” seja empregada ou aprendida durante o processo. Isso não
significa que novas palavras, próprias do jargão científico, não possam e não devam ser
ensinadas e aprendidas, mas devem representar uma síntese de um processo laborioso de
construção de sentidos e de relações.

Essa abordagem tem como fundamentação teórica os trabalhos de Vigotski, em


especial o desenvolvimento que faz no capítulo 6 de “Pensamento e Linguagem”
(VIGOTSKI, 2001) e nos de Bakhtin, com destaque para os conceitos de réplica, tema e
enunciação, presentes em quase toda a obra, mas em especial em “Marxismo e filosofia da
linguagem” (BAKHTIN, 2006).

Conforme tentarei mostrar, o uso de atividades práticas em aulas de ciências


utilizadas para desencadear processos de ensino por investigação (CARVALHO et al,
1988) mobilizam o pensamento dos alunos e requerem a construção de pensamentos
científicos verdadeiros, porque fortemente ancorados nas relações entre as palavras e entre
essas e os fenômenos.

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Em geral muito tempo das aulas de ciências é utilizado para o ensino do
vocabulário correto, do ponto de vista da ciência, e a ênfase no domínio das definições.
Apesar de importante, mesmo que plenamente atingido, é um objetivo muito modesto para
a educação formal quando comparadas às necessidades atualmente postas: aprendizado de
conteúdos, procedimentos e atitudes, resumidamente. Muitas vezes nos preocupamos
excessivamente com o emprego da palavra correta pelos alunos, e pouco valorizamos as
conexões construídas por eles pelo uso das palavras que conhecem.

Ensinar palavras novas, diferentes das comuns, destituídas de sentido e para as


quais ainda não há uma necessidade construída, implica em memorização inútil. Deve-se
criar primeiro a necessidade de uma nova palavra, por meio de explorações de situações
para as quais as palavras comuns não se mostram suficientes, ou que o uso de palavras
comuns torne muito trabalhosa a denominação de objetos e relações, e aí a palavra nova
represente uma síntese que a criança já fez.

Uma hipótese central na pesquisa aqui proposta é de que é possível produzir


conhecimento científico básico sem o emprego de palavras do jargão científico, pois o que
caracteriza esse conhecimento é a relação entre as palavras/conceitos e entre as palavras e
os objetos/referentes. No entanto, aprender palavras novas que conferem novos sentidos à
realidade observável, é uma das necessidades do ensino de ciências. Apesar disso,
consideramos que é possível pensar melhor sem necessariamente aprender novas palavras,
desde que sejam construídas situações que exijam novas relações entre palavras conhecidas
e dessas com o real/referente. Da mesma forma, é possível resolver problemas práticos sem
o emprego de termos sofisticados, desde que às palavras utilizadas e às suas relações
correspondam objetos/elementos da realidade e as relações entre estes. O sentido da busca
aqui empreendida se aproxima da proposta de Roth (2012):

(a) Há perspectivas de ciência do cotidiano que podem orientar a pesquisa e


prática de ensino de ciências? (b) Existem idéias de aprendizagem em todo o
ciclo de vida que poderiam orientar a aprendizagem das ciências na escola? e
(c) Existem novas perspectivas ou sinergias que podem resultar da combinação
de idéias de pesquisa e prática em todos os setores? (tradução minha) (p.256-
257)

No complexo movimento de compreensão da realidade, a palavra funciona


como meio para formação do conceito e, posteriormente, torna-se seu símbolo
(VYGOTSKY, 2001). Da mesma forma que a mão separa objetos da realidade, o

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pensamento, através da palavra, destaca elementos de um todo ainda disforme e sem
ordem, para organizá-lo segundo as estruturas da linguagem, nas quais as palavras
encontram sentidos. (LEFEBVRE, 1995).

Quando um aluno atribui uma palavra de uso comum, por exemplo “foi mais
longe porque pegou mais força”, ao se referir a um movimento retardado de um carrinho
ou uma bola, embora empregue “força” com sentido diferente daquele fisicamente correto,
indica que houve a percepção de uma variável importante. Em outras palavras, uma
palavra dirigida a um fenômeno, mesmo quando de forma incorreta, representa um
movimento de pensamento que destaca um detalhe do todo, que isola um elemento de uma
totalidade em processo de compreensão.

A compreensão de enunciados completos, não apenas de palavras isoladas,


requer a construção das relações que as palavras mantém entre si. E essas relações
(Causa/conseqüência, Inclusão/exclusão etc.) podem encontrar suporte nas relações reais
entre objetos e variáveis presentes nas atividades práticas que, via de regra, são os
referentes últimos dos enunciados científicos. As relações de causalidade, por exemplo, e
de dependência entre variáveis – “aumentando aqui diminuímos ali” – são construídas a
partir das sucessivas aproximações entre modelo e realidade objetiva.

Seqüências de Ensino por Investigação

Apesar dos alertas e da necessidade, com a qual concordamos, de evitar a


banalização do trabalho científico, há entre estudantes um entusiasmo, marcado pela
fantasia própria dos anos iniciais, com a ciência, com o fato de se sentirem cientistas (os
personagens de desenhos animados como Dexter, Doug e outros), embora isso seja
destruído futuramente (como a crença em papai noel...). Mas há algo de bom, que pode ser
explorado, sem que idéias errôneas sobre a ciência sejam construídas.

Derivadas de pesquisas em desenvolvimento pelo LaPEF há mais de 15 anos


(CARVALHO et al, 1988), as Seqüências de Ensino por Investigação (SEI) sintetizam uma
série de trabalhos realizados em sala de aula no ensino de ciências para as séries iniciais do
Ensino Fundamental. Mais recentemente, a mesma estrutura, pensada para o início da
escolaridade, tem sido utilizada na elaboração de seqüências para o Ensino Médio, com
ênfase no desenvolvimento de temas de física moderna.
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São várias as dimensões a serem atendidas para que uma proposta de ensino
tenha consistência interna e seja coerente com as principais linhas de pesquisa sobre
educação e ensino de ciências. Esse é o caso da proposta das Seqüências de Ensino por
Investigação, e sobre as dimensões envolvidas bem como as características particulares da
proposta falaremos a seguir.

Uma das dimensões é a cognitiva, que abre perspectivas sobre como se dá a


aprendizagem. As SEI tem como fundamentação as pesquisas em ensino de ciências
derivadas dos trabalhos de Piaget, Vigotski e seus seguidores. Algumas das importantes
conclusões dessas pesquisas foram incorporadas nas atividades, como por exemplo, das
piagetianas, o de que: 1) a aprendizagem se dá através do ativo envolvimento do aprendiz
na construção do conhecimento; 2) as idéias prévias dos estudantes desempenham um
papel importante no processo de aprendizagem (MORTIMER, 1996, p.22).

Além disso, ensinar ciências requer a introdução do aluno no universo das


ciências, pela incorporação de diversas linguagens e por formas especificas de abordagem
de problemas, também específicos. Trata-se de um processo complexo que tem sido
adequadamente denominado “alfabetização científica” (NORRIS e PHILLIPS, 2003, 2009;
CACHAPUZ et al., 2011)Sobre o que se pretende sob essa denominação, esclarece
Carvalho:

O que se propõe é muito simples – queremos criar um ambiente investigativo


em salas de aula de Ciências de tal forma que possamos ensinar
(conduzir/mediar) os alunos no processo (simplificado) do trabalho científico
para que possam gradativamente ir ampliando sua cultura científica, adquirindo,
aula a aula, a linguagem científica …, se alfabetizando cientificamente.
(CARVALHO, 2013, p.9)

São basicamente três tipos de atividade que caracterizam as SEI: 1. a


problematização inicial, 2. a sistematização da resolução do problema, 3. a
contextualização do conhecimento.

A problematização inicial quase sempre é feita por meio de uma atividade


prática, que tem como principal característica deixar claro para o aluno um problema a ser
resolvido. Durante a resolução do problema, os alunos trocam idéias e testam suas
hipóteses (…e se fizer assim?) argumentando em pequenos grupos. É importante que o
problema proposto esteja em um nível compatível com a idade dos alunos, e que seja
compreendido por todos.
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Na fase de sistematização do problema, recomenda-se a leitura de um texto
sobre o tema da atividade, durante a qual os alunos irão pensar sobre o que fizeram e sobre
as explicações que deram sobre os fenômenos observados, comparando os resultados
obtidos com as informações do texto.

Numa terceira fase os alunos buscam relacionar os conhecimentos produzidos e


algumas situações do dia a dia. É uma forma de contextualização importante, pois os
alunos podem constatar a aplicação prática das idéias científicas, além de perceberem a
necessidade de outros conhecimentos e dos aprofundamentos necessários.

Esse ciclo de atividades forma um padrão sempre presente nas SEI. Porém
muitas delas requerem vários ciclos. São seqüências de atividades dentro de uma grande
seqüência que dá sentido ao conhecimento desenvolvido.

As análises aqui brevemente apresentadas tiveram como objeto uma seqüência


proposta a alunos do quarto ano, resumida pelas autoras nos anexos do livro 4, destinados
aos professores:

Encerramos o volume com discussões sobre embarcações e as implicações do


transporte marítimo no meio ambiente. Abrimos o capitulo com uma discussão
sobre a distribuição do peso para manter uma embarcação sem afundar.
Apresentamos um panorama histórico das embarcações, assim como os tipos de
embarcações e suas funções. Partindo desse canário, discutiremos o mecanismo
da água de lastro utilizado pelas embarcações e suas implicações ambientais
para o planeta, levando os alunos a refletirem sobre o processo de extinção de
alguns animais. (CARVALHO et al, 2011, p.15)

Atividades práticas investigativas

As Seqüências de Ensino por Investigação (SEI) e o programa Iquiry-Based


Science Education (IBSE)

As Seqüências de Ensino por Investigação (SEI) tem estreita relação com o


programa Inquiry-Based Science Education, podendo até serem vistas como a versão
brasileira desse programa, em desenvolvimento já há muito anos em vários países (da
Europa, dos EUA e de alguns da América do Sul, como Chile e ????. Nesses países o IBSE
ganhou a dimensão de programa de governo, envolvendo um grande contingente de alunos
e professores. Faremos neste tópico uma comparação entre essas abordagens, buscando
uma compreensão do que está por trás dessas siglas.
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As origens do termo “investigação” no contexto do ensino de ciências estão
nos trabalhos de Schwab (1962) e Herron (1971), embora com ênfases e objetivos
distintos. Porém, suas raízes mais profundas são encontradas nas propostas de Dewey,
como mostram Zômpero e Laburu (2011, 2012). A denominação IBSE é recente e
representa uma síntese de várias abordagens similares, reunindo aspectos importantes
levantados por quase todas elas.

As características das atividades de ensino consideradas investigativas, ou de


investigação, ou ainda “inquiry-based” podem ser resumidas em:

... o ensino com base em perspectivas investigativas apresentou três fases:


descoberta ou abordagem heurística, na qual os estudantes teriam que explorar o
mundo natural; a verificação, na qual os alunos teriam que confirmar fatos ou
princípios científicos por meio da utilização do laboratório, e o inquiry. Neste
último caso, os alunos não teriam que descobrir algo, mas por meio da
utilização de método científico, os estudantes teriam que procurar soluções para
questões que eles não sabiam a resposta. (ZÔMPERO; LABURÚ, 2011, p.71)

Ou ainda

como o engajamento dos alunos para realizar as atividades, as quais são


realizadas a partir de um problema; a emissão de hipóteses, em que é possível a
identificação dos conhecimentos prévios dos mesmos; a busca por informações,
tanto por meio dos experimentos, como na bibliografia que possa ser consultada
pelos alunos para ajudá-los na resolução do problema proposto na atividade; a
comunicação dos estudos feitos pelos alunos para os demais colegas de sala.
(ZOMPERO; LABURÚ, 2010, p.13-14)

Sob o mesmo enfoque, o uso de laboratórios no ensino de ciências, com as


variantes “trabalhos experimentais” e “atividades experimentais”, ganhou importância a
partir dos grandes projetos americanos da década de 1960 e de seus similares brasileiros
nas décadas seguintes. A criação de materiais de laboratório por fundações e grupos, como
a FUNBEC, e a abertura para a exploração pela iniciativa privada no setor de produção de
materiais práticos de apoio ao ensino de ciências, fez com que essa dimensão ganhasse
importância.

Uma interpretação equivocada dessa inserção, que resultou em simplificações e


na incorporação de uma visão indutiva e empírica da produção de conhecimentos
científicos, foi a de que o bom ensino de ciências é só aquele desenvolvido em
laboratórios, e que basta o trabalho experimental para termos a garantia de um bom ensino.

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Como já amplamente demonstrado, o desenvolvimento das pesquisas nas
últimas décadas trouxe para a discussão uma diversidade de esferas presentes e que devem
ser consideradas no planejamento e no desenvolvimento das aulas de ciências. Para citar
alguns exemplos, as já mencionadas questões relativas à linguagem, o movimento CTS
(Ciência, Tecnologia e Sociedade), a ampliação do CTS pela incorporação das questões
ambientais (CTSA), o programa de ensino por mudança conceitual (POSNER, STRIKE,
HEWSON & GERTZOG, 1982). Apesar de importantes, o uso de atividades experimentais
não garante sozinho um bom ensino de ciências.

As atividades experimentais presentes no IBSE, como apontam alguns autores,


podem ser usadas segundo quatro denominações, com diferentes graus de autonomia
investigativa dos alunos (BANCHI; BELL, 2008): 1. investigação de confirmação, na qual
os estudantes confirmam um princípio através de uma atividade cujos resultados já
conhecem; 2. investigação estruturada, na qual os estudantes investigam uma questão
apresentada pelo professor através de um procedimento prescrito; 3. investigação
orientada, na qual os estudantes investigam um problema apresentado pelo professor, mas
com um procedimento elaborado ou escolhido por eles; 4. investigação aberta, na qual os
estudantes investigam questões que eles próprios formularam, através de procedimentos
por eles mesmos elaborados ou selecionados.

As atividades experimentais investigativas presentes nas SEI possuem, por sua


vez, uma seqüência própria. Os problemas presentes nessas atividades permitem que se
obtenha uma solução prática. Entende-se por solução prática a obtenção de um resultado a
partir da ação sobre os objetos, sem que sejam necessariamente conhecidas as explicações
sobre os acontecimentos, ou em particular, os fenômenos observados.

As etapas de uma aula sob essa denominação são as seguintes (CARVALHO,


1998):

1. Apresentação do problema pelo professor

2. Os alunos agem sobre os objetos para ver como eles reagem

3. Os alunos agem sobre os objetos para obter o efeito desejado

4. Os alunos tomam consciência de como foi produzido o efeito desejado

5. Os alunos dão explicações causais

14
6. Os alunos registram tudo o que fizeram, escrevendo e desenhando

7. Professor e alunos relacionam a atividade com o cotidiano

Apesar da importância do conjunto das etapas desenvolvidas pelos autores,


para os propósitos da pesquisa aqui descrita duas delas merecem atenção especial. Em
primeiro lugar, a situação problema é apresentada na forma de atividade prática, que requer
do aluno um conjunto de ações sobre os materiais. Em outras palavras, a solução do
problema proposto é essencialmente prática, e todos os alunos conseguem, com maior ou
menor facilidade, com ou sem ajuda do professor ou dos colegas, resolver o problema. Em
segundo lugar, além do estímulo que esse sucesso promove, durante as ações sobre os
objetos os alunos trocam comentários e se orientam a si mesmos e uns em relação aos
outros através de enunciados. Ou seja, eles são estimulados a falar. Nessas situações, em
geral os alunos falam muito, e uma das nossas hipótese é que isso ocorre porque eles
sempre têm algo a dizer a respeito do que estão fazendo e experimentando (num sentido
amplo, não apenas da experiência prática). E isso é de extrema importância, tanto para o
desenvolvimento das capacidades cognitivas quanto para a desenvoltura e a participação
no coletivo da sala de aula.

Nossas atenções de pesquisa estarão voltadas para essas duas ações


combinadas: o agir sobre os objetos e o falar sobre tudo o que observam e fazem.

Nas falas os alunos utilizam os recursos verbais de que dispõem, provenientes


quase sempre das situações cotidianas da vida, na qual estabelecem relações diretas
(físicas) com os objetos e também relações mediadas pela cultura (sociais).

Referencial teórico: teoria da enunciação de Bakhtin

Assim como todas as esferas da atividade humana, a Ciência também depende


da utilização de linguagens. O discurso científico é moldado através de um gênero bastante
específico, que visa produzir um sentido único, mas que inevitavelmente causa
deslocamentos de sentidos, dada a complexidade do universo científico. Podemos dizer
que esse gênero do discurso tem como finalidade a unicidade na interpretação dos seus
enunciados, o que difere muito do discurso cotidiano, por exemplo, que produz

15
deslocamentos, ampliando as possibilidades de interpretação. As condições de produção
são determinantes na definição do discurso científico. Sobre isso, afirma Sirio Possenti:

O que faz com que um discurso seja científico não é o fato de que ele diz
verdades, assim como o que faz com que um discurso não seja científico não é o
fato de que ele não diz verdades. É perfeitamente possível haver enunciados
falsos que sejam científicos e enunciados verdadeiros que não o sejam. [...] O
que distingue os enunciados científicos dos não-científicos são suas condições
de produção. (POSSENTI, 1997, p. 12)

Compreender as condições de produção da aula, com suas múltiplas


determinações de ordem social, psicológica, cognitiva, na perspectiva das interações
verbais, nos leva a analisar a cada momento, quem fala, de que lugar fala, de quais palavras
faz uso e que pensamentos orientam a fala.

O objetivo neste projeto é mais modesto, voltado especificamente ao que dizem


os alunos quando em situação de realização de atividades experimentais em aulas de
ciências. Conceitos provenientes dos estudos da linguagem serão utilizados para a
compreensão do potencial dos enunciados dos alunos para a construção do pensamento
científico. Também serão consideradas as mediações feitas pela professora, pois não há em
sala de aula interações apenas entre as crianças, mas interações complexas mediadas a todo
momento pela professora.

Historicamente, a escola se tornou o local de acesso ao conhecimento


científico. Entendemos conhecimento científico como aquele em que os conceitos se
constituem em rede, relacionando-se uns com os outros, além de se relacionarem com os
objetos de conhecimento. Vygotsky difere conhecimento científico de conhecimento de
senso comum, apontando que neste segundo os conceitos apresentam uma tendência de se
relacionarem diretamente com os objetos, enquanto no conhecimento científico os
conceitos relacionam-se fortemente entre si, além de se dirigirem aos objetos
(VYGOTSKY, 1993). Como apontado por Fontana (1997):

Nas interações cotidianas, a mediação do adulto acontece espontaneamente no


processo de utilização da linguagem, no contexto das situações imediatas. Suas
palavras são “objeto de transmissão prática interessada … Elas estão referidas a
elementos presentes nas situações. A atenção de ambos, adulto e criança, nesse
contexto, está centrada nas situações ou nos elementos nelas envolvidos, e não
nos seus próprios atos de pensamento. (p.123-124)

16
Ocorre que no uso de atividades experimentais, assim como nas situações
cotidianas de diálogos entre crianças e adultos, os elementos estão presentes na situação, e
sobre eles os alunos possuem um repertório de palavras de uso comum. Os elementos de
que falamos, para as situações investigadas nesta pesquisa são água, papel alumínio,
metais, barquinho, entre outros, e processos como flutuação, imersão, e qualidades como
peso, tamanho, textura. Isso modifica as relações entre os alunos e o conhecimento pois
ocorrem múltiplas mediações: do professor entre o aluno e o conhecimento, do
conhecimento entre o aluno e os objetos, dos alunos entre os colegas e os objetos, e muitas
outras. É possível afirmar que o uso de atividades experimentais traz para o centro da aula
as principais caracteristicas dos espaços cotidianos da criança: as coisas e as palavras, ou
conforme Bakhtin, os elementos verbais e os elementos não verbais.

Discutidas por Mortimer (1997), as interações discursivas em sala de aula


ocorrem na tensão entre a tendência de fechamento de sentidos do discurso científico,
buscando a univocidade, e a abertura de sentidos pelas vozes dos alunos. Nesse caso, duas
funções são percebidas no discurso: a função dialógica e a função unívoca. Nesse padrão
das interações discursivas em aulas de ciências, percebido por Mortimer, o professor inicia
o diálogo por meio de uma pergunta, o aluno responde, e o professor conclui. Conforme
mostra o autor, nesse padrão discursivo, que configura o que denomino gênero escolar, a
forma como o professor conclui é determinante para caracterizar um discurso dialógico ou
um discurso de autoridade. Se o fechamento pelo professor ocorre com sentido
exclusivamente avaliativo, tende-se a um discurso de autoridade. Se, por outro lado, na
réplica emitida pelo professor forem consideradas as palavras dos alunos e a partir delas
apontadas outras possibilidades, dentre as quais comparece a explicação científica, a
interação discursiva se aproxima da dialogia.

No âmbito desta pesquisa, serão utilizados nas análises das interações verbais
entre alunos e entre alunos e professor os conceitos da teoria da enunciação, de Bakhtin:
polifonia, tema, réplica, polissemia, gêneros do discurso. De Vygotsky, serão utilizadas as
noções de mediação e internalização como chaves da constituição humana. São essas as
principais noções que utilizo nesta minha tentativa de compreender a produção de sentidos
por alunos, em situações de ensino centradas em atividades investigativas.

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Para Bakhtin, “Cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros
enunciados” (1997, p. 291), e ainda:

As pessoas não trocam orações, assim como não trocam palavras (numa
acepção rigorosamente lingüística), ou combinações de palavras, trocam
enunciados constituídos com a ajuda de unidades da língua — palavras,
combinações de palavras, orações; mesmo assim, nada impede que o enunciado
seja constituído de uma única oração, ou de uma única palavra, por assim dizer,
de uma única unidade da fala [...] (Ibid., p. 297)

Bakhtin (2006) compartilha com Vigotski (2001), em seu caráter interacionista,


a ideia de que o desenvolvimento do pensamento se dá do social para o individual, e não
do individual para o socializado. Esse fato é mostrado detalhadamente nos estudos de
Smolka (2006):

Na raiz da experiência, o outro. Esse é o princípio da natureza social do


desenvolvimento humano de Vygotsky, da alteridade constitutiva de Bakhtin.
Na raiz da experiência, o signo, aquilo que se produz na relação com o outro,
que afeta os participantes na relação, que redimensiona e transforma a atividade
humana, que vai possibilitando a produção de sentidos. (p.108)

Não são o pensamento interior, o intelecto ou a subjetividade que organizam


nossas expressões, mas o contrário: são as expressões balizadas pelas interações verbais
que organizam a atividade intelectual, o amadurecimento das idéias. Deste modo, as
expressões humanas são organizadas no meio social que envolve o indivíduo, do exterior
para o interior. A produção de sentidos, processo importantíssimo no ensino e na
aprendizagem de conceitos científicos, tem caráter social e ocorre por vias discursivas
entre os interlocutores. Essa afirmação confere destaque à argumentação em sala de aula,
entre os processos necessários para a construção do pensamento científico (CAPECCHI e
CARVALHO, 2000; NIELSEN, 2011; OSBORNE, 2010; SASSERON e CARVALHO,
2011).

Para Bakhtin (2006), cada enunciação pode possuir um sentido definido e


único, uma significação unitária. Tal propriedade é o que garante o sentido da enunciação
completa, o qual podemos definir como tema da enunciação, que deve ser único.

Conclui-se que o tema da enunciação é determinado não só pelas formas


lingüísticas que entram na composição (as palavras, as formas morfológicas ou
sintáticas, os sons, as entoações), mas igualmente pelos elementos não verbais
da situação. Se perdermos de vista os elementos da situação, estaremos
tampouco aptos a compreender a enunciação como se perdêssemos suas
palavras mais importantes. O tema da enunciação é concreto, tão concreto como
18
o instante histórico ao qual ela pertence. Somente a enunciação tomada em toda
a sua amplitude concreta, como fenômeno histórico, possui um tema. Isto é o
que se entende por tema da enunciação. (BAKHTIN, 2006, p. 133-134)

Além do tema, a enunciação possui uma significação. Diferentemente do tema,

... por significação entendemos os elementos da enunciação que são reiteráveis


e idênticos cada vez que são repetidos. Tais elementos são: abstratos, fundados
sobre uma convenção, eles não têm existência concreta independente, o que não
os impede de formar uma parte inalienável, indispensável, da enunciação.
(BAKHTIN, 2006, p. 134)

Para Bakhtin (2006), o tema constitui o “estágio superior real da capacidade


linguística de significar”, enquanto a significação é o “estágio inferior da capacidade de
significar”. Enquanto o tema depende da situação histórica concreta onde a enunciação foi
proferida, a significação é idêntica em todas as instâncias históricas.

A genuína compreensão de uma enunciação é ativa. Nas palavras de Bakhtin:

Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela,


encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da
enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder
uma série de palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e
substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão. (BAKHTIN,
2006, p. 137, grifo nosso)

Réplica é um dos conceitos que serão utilizados para as análises. Sobre a


participação responsiva, escreve Bakhtin (1997):

A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada


de uma atitude responsiva ativa; toda compreensão é prenhe de resposta e, de
uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se locutor.
(BAKHTIN, 1997, p. 290)

A compreensão se dá através do diálogo, da negociação de sentidos, ou seja,


“compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra.” (BAKHTIN, 2006, p. 137).
Através desta interação entre locutor e receptor (papéis que se invertem durante o diálogo)
se produz a significação por meio de complexos sonoros e também dos elementos não
verbais.

O dialogismo é visto na teoria bakhtiniana como um diálogo entre discursos,


onde os interlocutores assumem esse aspecto ao desenvolver seus enunciados arraigados
histórica e socialmente. O discurso assume várias manifestações, que vão além da simples
combinação das palavras e orações.

19
Quem fala, ocupa um lugar social, histórico e ideológico, constituintes de seu
discurso. “A fala só existe, na realidade, na forma concreta dos enunciados de
um indivíduo: do sujeito de um discurso-fala. O discurso se molda sempre à
forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir fora
dessa forma”. (BAKHTIN, 1997, p. 293)

Assim, seria possível encontrar nas falas da professora as marcações do lugar


social de onde fala (a instituição escolar), o papel social desempenhado, a voz da ciência
veiculada pelos conteúdos ensinados.

No ato da comunicação, do diálogo entre os discursos, é necessário o emprego


de um gênero para a sua composição, os gêneros do discurso ou gêneros discursivos. Não
emprega-se em uma conversa familiar ou íntima, por exemplo, o mesmo gênero utilizado
no âmbito acadêmico.

Bakhtin realizou um amplo estudo sobre os gêneros do discurso. Em Estética


da Criação Verbal (1997), ressalta a riqueza e heterogeneidade dos gêneros discursivos
utilizados pelo homem:

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade


virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade
comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e
ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais
complexa. Cumpre salientar de um modo especial a heterogeneidade dos
gêneros do discurso (orais e escritos), que incluem indiferentemente: a curta
réplica do diálogo cotidiano (com a diversidade que este pode apresentar
conforme os temas, as situações e a composição de seus protagonistas), o relato
familiar, a carta (com suas variadas formas), a ordem militar padronizada, em
sua forma lacônica e em sua forma de ordem circunstanciada, o repertório
bastante diversificado dos documentos oficiais (em sua maioria padronizados),
o universo das declarações públicas (num sentido amplo, as sociais, as
políticas). (BAKHTIN, 1997, p. 279-280)

A diversidade de gêneros discursivos presente na comunicação humana é uma


característica que emana das numerosas esferas sociais nas quais estamos inseridos. As
esferas de comunicação discursiva dão esse caráter heterogêneo à comunicação.

Podemos dividir os gêneros do discurso em primários e secundários. Os


gêneros primários estão relacionados às condições da comunicação discursiva imediata
(“[...] os tipos do diálogo oral: linguagem das reuniões sociais, dos círculos, linguagem
familiar, cotidiana, linguagem sociopolítica, filosófica, etc.”). (BAKHTIN, 1997, p. 285).

20
Os gêneros secundários estão relacionados a um conjunto cultural mais
complexo, predominantemente escrito e fortemente moldado pelas esferas sociais (literária,
científica, ideológica).

Bakhtin fala da constante incorporação, pelos gêneros secundários, de


elementos da língua característicos dos gêneros primários. Na literatura de ficção, por
exemplo, os autores se apropriam de termos, gírias, modos comuns de se expressar, e os
organizam no romance. Nesse novo contexto, o enunciado típico dos gêneros primários
torna-se elemento de um gênero secundário.

Num certo sentido, [...] no ensino das ciências na educação formal, ocorre
também, e com freqüência, o oposto disso. Elementos dos gêneros secundários
(ciências, artes etc.) são trazidos para uma esfera de utilização da língua,
marcada pelos gêneros primários. (RABONI, 2002, p. 99).

A incorporação, pelos gêneros secundários (ciência, arte, justiça etc.), de


termos e expressões utilizados nos gêneros primários (cotidiano) é comum e freqüente,
tanto nas ciências quanto nas artes. Os conceitos que hoje são empregados com rigor, e que
fazem parte de estruturas conceituais amplas e bem determinadas, tiveram sua origem em
termos de uso comum, empregados para designar elementos e situações vividas. A título de
exemplo, cito os conceitos de campo e de linhas de força, que na física adquirem sentidos
diferentes daqueles empregados nas falas do dia a dia.

Também ocorre, e com freqüência, o contrário disso. Termos empregados nos


gêneros secundários são incorporados por gêneros primários do discurso. Na escola, essa
incorporação de elementos dos gêneros secundários marca a tensão entre as estruturas do
discurso científico e outras estruturas, a partir da qual pode e deve ocorrer o aprendizado.
Em sala de aula existe muito bem caracterizado um gênero do discurso que participa na
construção de sentidos pelos alunos (MORTIMER, 2010).

Outro elemento fundamental da filosofia da linguagem de Bakhtin, que


encontra referente claro no universo escolar, é o da construção dos sentidos. Os sentidos de
um enunciado não são previamente determinados. Dependem da memória dos
interlocutores, de suas histórias de vida, de suas intenções, de suas preferências, além das
circunstâncias materiais em que ocorre o enunciado. Para cada palavra de um enunciado,
considerado o gênero do discurso em que ocorre, há uma tendência de fechamento dos
sentidos em busca de um significado, um "querer dizer" de cada locutor. No entanto, nem
21
sempre coincidem "vontade de dizer" de quem enuncia e a posição do ouvinte. Os sentidos
de uma palavra para cada um podem ser diferentes. Em situação de ensino de uma ciência,
os conceitos/palavras se inserem em estruturas nas quais adquirem significados, ou
minimamente há uma tendência de significado. E esses significados só podem ser
determinados pelas relações com as demais palavras. As palavras por sua vez não são de
uso exclusivo de um dado gênero. Caso fossem, teríamos tantas línguas quantas são as
esferas de atividade humana. Uma mesma palavra pode ser empregada em gêneros
distintos - em esferas distintas da atividade humana - e, em cada um pode ter uma
tendência de significado diferente. Conforme mostra Almeida através de um estudo
realizado com estudantes de um curso supletivo, muitos sentidos possíveis para luz são
considerados. Entre eles a luz é citada como “fonte de algo (calor, energia, claridade, vida,
paz, boas idéias, onda, descarga elétrica, feixe de elétrons, carga elétrica) (...) luz é tudo;
luz é vida, paz (...) vem do sol, vem de outras energias (...)” (ALMEIDA, 1996, pp.38-39).
Se não houver espaço para que esses e outros sentidos circulem, a construção do
conceito/significado naquele contexto não passará de uma ilusão. A repetição pelos alunos
de cada palavra será vazia. A multiplicidade dos sentidos e sua presença na construção de
réplicas nos dá uma melhor compreensão de como são construídos os significados,
segundo Bakhtin.

Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em direção a ela,


encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da
enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder
uma série de palavras nossas formando uma réplica. Quanto mais numerosas e
substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão. (BAKHTIN,
2006, p.131-132)

Para Bakhtin, no encontro dos falantes os sentidos das palavras acontecem de


maneira singular, e dessa singularidade surge o novo, abre-se o leque de possíveis. Nossa
história e nossa memória tornam única a experiência da palavra.

Assim, também na escola, quando em contato com a cultura elaborada, e no


confronto entre esta e as idéias primeiras, produzidas pelo esforço do indivíduo para
compreender a realidade, surge o novo. As crianças quando aprendem conceitos
científicos, não partem do vazio. Já são possuidoras de conceitos e de uma vasta
experiência material e social que precisa ser levada em conta, mas que sozinhos não
permitem ir além na compreensão dos fenômenos naturais. No encontro de culturas,

22
possível pela variedade de histórias de vida entre os alunos e pelo encontro com o adulto,
em geral o professor, com base na estrutura curricular existente, é que as mudanças nas
formas de ver o mundo podem acontecer.

Nesse sentido é que as atividades experimentais que desafiam o intelecto do


aluno podem contribuir na superação das visões ingênuas e equivocadas, e colaborar na
construção de pensamentos científicos.

Compreender esse complexo processo é o principal objetivo, e para isso me


servirei dos elementos da linguagem acima expostos, que deverão primeiramente ser
aprofundados.

A mediação do adulto na escola, feita pelo professor, é revestida de


caracteristicas estabelecidas pelo gênero e pelas condições de produção na instituição
escolar. Como há uma intencionalidade de ensinar, a mediação é planejada e deliberada,
em um discurso estruturado tanto pela ciência ensinada quanto pelo curriculo (estrutura
disciplinar etc.). Isso a difere da mediação em condições cotidianas de vida. Na escola, os
conceitos ensinados tem o carater de generalização, e com eles o professor procura
conduzir os alunos para uma visão particular do mundo (no nosso caso os fenômenos
naturais).

Além dos conteúdos e atitudes, têm sido colocados como objetivo do ensino de
ciências já no Ensino Fundamental I uma aproximação com o fazer científico, condensado
no termo “procedimentos”, ou ainda “habilidades”. Sobre essa aproximação, no que há de
comum entre o fazer ciência e o aprender ciência, tecerei alguns comentários que podem
ajudar a organizar o currículo e desenvolver as atividades.

Entre essas duas esferas da atividade humana há, notadamente, muitas


diferenças: há diferenças de objetivo e de motivações. Há diferenças de comunidades e de
comunicação de resultados. De diálogo com os pares. De existência e inexistência de
instituição de pesquisa que dê suporte e cobre resultados. Há diferenças nos interesses por
trás de cada produção (mercado e formação de recursos humanos, ou formação da
subordinação e fracasso escolar).

Para além das diferenças, há proximidades que precisam ser consideradas.


Como mostra Fontana (1997),

23
Apesar das diferenças existentes entre os conceitos espontâneos e os conceitos
sistematizados, ambos não configuram formas de intelecção antagonicas e
excludentes. No processo de elaboração da criança, eles articulam-se
dialeticamente. (p.125)

As relações entre conceitos espontâneos e conceitos científicos são de “mão


dupla”: quando é apresentado um conceito científico, a criança procura construir um
significado a partir das palavras que conhece, além de buscar sempre um referente na
realidade material. Inversamente, quando um conceito cotidiano é utilizado em uma
sistematização típica daquela dos conceitos científicos, ganha outra dimensão, permitindo
sua participação em processos de generalização. Assim, usados simultaneamente,
influenciam-se mutuamente, transformam-se reciprocamente (VIGOTSKI, 2001). Num
certo sentido, os conceitos cotidianos são a matéria-prima a partir da qual a criança
constrói as estruturas científicas de pensamento quando é levada a utiliza-las para
compreender situações concretas. E isso é particularmente importante quando falamos de
atividades experimentais em aulas de ciências.

Diferindo apenas na forma e no grau, não em sua natureza, a necessidade de


inventar explicações está presente tanto na produção de conhecimento quanto na
aprendizagem de conceitos no contexto das Sequencias de Ensino por Investigação.

Talvez seja essa a principal caracteristica em comum entre essas duas esferas.
Os alunos diante dos problemas genuínos das SEI são solicitados a inventar explicações,
do mesmo modo como os cientistas precisam criar soluções para seus problemas de
pesquisa. Tanto na produção quanto na aprendizagem das ciências sob o enfoque das SEI,
há a necessidade de criar explicações sobre os fenômenos, sempre a partir dos
conhecimentos anteriores e através do aprimoramento das estruturas de pensamento e das
palavras que utilizamos para designar objetos e processos. Essa característica, talvez a que
mais nos distingue dos outros animais, é pouco explorada na escola, criando algumas
deformações sobre a atividade científica que apontarei brevemente.

Em primeiro lugar, não tendo a possibilidade nem a necessidade de inventar


explicações, o aluno é conduzido a aceitar as explicações já prontas, elaboradas por outros,
considerados “gênios”. Isso leva a subordinação do aluno ao pensamento de outros, e a
idéia de que ele não é capaz de produzir conhecimentos, além de ter sobre a ciência uma
idéia equivocada de resposta definitiva e de verdade absoluta.

24
Conhecimentos, Habilidades e Atitudes

A necessidade de trazer para o contexto das aulas alguns dos procedimentos


utilizados na produção da ciência, fazendo com que o aluno aprenda não apenas conceitos
científicos mas também desmistifique a atividade científica, está presente nas principais
propostas de ensino atuais, bem como nas pesquisas em didática das ciências. Para citar um
exemplo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais essa necessidade comparece por meio do
termo “habilidades”, incorporando procedimentos típicos da atividade científica como
planejamento e execução de atividades, coleta e organização de informações, apresentação
de resultados. No mesmo documento, há também fortes considerações sobre o objetivo do
ensino de ciências, que deve contemplar mudanças de atitude nos alunos frente aos outros,
ao ambiente e ao próprio conhecimento.

As deformações da atividade científica diagnosticadas nas formas tradicionais


de ensino comprometem não só a aprendizagem dos conceitos, mas também o interesse
dos alunos pelas carreiras científicas. Elas aparentemente são reservadas para pessoas
“especiais”, com dons e capacidades não encontradas no aluno comum de nossas escolas.
Algumas dessas deformações foram apontadas em um estudo feito por Gil-Péres (2001),
que discutirei a seguir.

Gil-Perez et al (2001) realizaram uma pesquisa junto a professores na qual


fizeram um levantamento sobre quais deformações do trabalho científico estão mais
presentes no ensino. Os dados obtidos dos grupos de professores foram complementados
com o que a pesquisa tem apontado como deformação da atividade científica, e em seu
conjunto, as análises mostram que há uma grande aproximação entre o que pensam os
professores e os resultados de pesquisa. O reconhecimento dessas visões deformadas é
essencial para as necessárias mudanças no ensino de ciências. Sete são as deformações
levantadas pelos autores, e a partir delas, são apontadas algumas implicações para o ensino
de ciências:

1. ... a deformação que foi estudada em primeiro lugar, e a mais amplamente


assinalada na literatura, éa que poderíamos denominar de concepção
empiricoindutivista e ateórica. Éuma concepção que destaca o papel “neutro”da
observação e da experimentação (não influenciadas por idéias apriorísticas),
esquecendo o papel essencial das hipóteses como orientadoras da investigação,

25
assim como dos corpos coerentes de conhecimentos (teorias) disponíveis, que
orientam todo o processo. (p.129)

2. Uma segunda deformação amplamente identificada na literatura ...é a que


transmite uma visão rígida (algorítmica, exata, infalível, ...). Apresenta-se o
“método científico”como um conjunto de etapas a seguir mecanicamente.
(p.130)

3. Muito ligada a essa visão rígida, podemos mencionar a visão aproblemática e


ahistórica(portanto, dogmática e fechada): transmitem-se os conhecimentos já
elaborados, sem mostrar os problemas que lhe deram origem... (p.131)

4. Uma deformação que apenas é mencionada pelos grupos de professores e que


foi escassamente tratada pela investigação ... é a que consiste numa visão
exclusivamente analítica, que destaca a necessária divisão parcelar dos estudos,
o seu carácter limitado, simplificador. (p.131)

5. Uma visão deformada que é, também, pouco referida pelos grupos de


professores ... é a que transmite uma visão acumulativa de crescimento linear
dos conhecimentos científicos: o desenvolvimento científico aparece como fruto
de um crescimento linear, puramente acumulativo. (p.132)

6. Uma das visões deformadas mais freqüentemente assinaladas pelos grupos de


professores, e também uma das mais tratadas na literatura é a que transmite uma
visão individualista e elitista da ciência. (p.133)

7. Por último, referimo-nos à visão deformada que transmite uma imagem


descontextualizada, socialmente neutra da ciência: esquecem-se as complexas
relações entre ciência, tecnologia, sociedade (CTS). (p.133)

Apesar das diferenças entre as abordagens dos filósifos da ciência (Popper,


Kuhn, Bunge, Toulmin, Lakatos, para citar apenas alguns), para os autores, o ensino deve
enfatizar algumas das principais características do trabalho científico que são consensuais
entre pesquisadores da área e epistemólogos. São cinco os pontos de consenso:

1. a recusa da idéia de Método Científico; ... 2. a recusa de um empirismo que


concebe os conhecimentos como resultados da inferência indutiva a partir de
“dados puros”; ... 3. em terceiro lugar há que destacar o papel atribuído pela
investigação ao pensamento divergente; ... 4. a procura de coerência global; ...
5. Finalmente, é preciso compreender o carácter social do desenvolvimento
científico (pp.136-137).

A partir dos dados e de suas análises, os autores sintetizaram os dez principais


aspectos que devem ser levados em conta na elaboração dos currículos de ciência, e que
favorecem a construção do conhecimento científico. As implicações para o ensino de
ciências são apresentadas na forma de perguntas a serem feitas durante o planejamento do
ensino, e oferecem um verdadeiro “check-list” dos resultados das últimas décadas. São as
seguintes:
26
1. Apresentam-se situações problemáticas abertas (com o objetivo de os
alunos poderem tomar decisões para as estudar) de um nível de dificuldade
adequado (correspondem à sua zona de desenvolvimento potencial)?
2. Planifica-se uma reflexão sobre o possível interesse das situações propostas
que dê sentido ao seu estudo (considerando a sua relação com o programa geral
de trabalho adotado, as possíveis implicações CTS etc.)? Procura evitar-se
qualquer discriminação (por razões étnicas, sociais...) e, em particular, o uso de
uma linguagem sexista, transmissora de expectativas negativas em relação às
mulheres?
3. Planifica-se uma análise qualitativa significativa, que ajude a compreender e
a enquadrar as situações definidas (à luz dos conhecimentos disponíveis, do
interesse do problema etc.) e a formular perguntas operativas sobre o que se
procura? Mostra-se, por outro lado, o papel essencial das matemáticas como
instrumento de investigação, que intervém desde a formulação do próprio
problema à análise dos resultados, sem cair em operativismos cegos?
4. Perspectiva-se a formulação de hipóteses, fundamentadas nos
conhecimentos disponíveis, susceptíveis de orientar o tratamento das situações e
explicitam-se, funcionalmente, os preconceitos? Nesse sentido presta-se atenção
à atualização dos conhecimentos que constituam pré-requisitos para o estudo a
empreender? Propõe-se, pelo menos, a modificação de alguma das hipóteses?
Dá-se atenção aos preconceitos (encarados como hipóteses)?
5. Planeja-se a formulação de estratégias (no plural), incluindo, neste caso,
dispositivos experimentais? Pede-se, pelo menos, a avaliação crítica de alguma
estratégia etc.? Presta-se atenção à atividade prática em si mesma (montagens,
medidas, ...)? Potencia-se a incorporação da tecnologia atual nos dispositivos
experimentais (computadores, electrônica, automação, ...) com o objetivo de
favorecer uma visão mais correta da atividade científico-técnica
contemporânea?
6. Esboça-se a análise atenta dos resultados (a sua interpretação física,
fiabilidade, etc.) à luz do corpo de conhecimentos disponíveis, das hipóteses
consideradas e/ou dos resultados de outros autores? Está prevista alguma
reflexão sobre os possíveis conflitos entre alguns dos resultados e as concepções
iniciais? Favorece-se a “auto-regulação”do trabalho dos alunos? Criam-se
condições para que os alunos comparem a sua evolução conceptual e
metodológica com a evolução experimentada historicamente pela comunidade
científica?
7. Têm-se em consideração possíveis perspectivas (redefinição do estudo a um
outro nível de complexidade, problemas derivados, ...)? Em particular,
consideram-se as implicações CTS do estudo realizado (possíveis aplicações,
repercussões negativas, ...)? Pede-se a elaboração de “produtos”(cartazes,
coleções de objetos...)?
8. Pede-se um esforço de integração que tenha em conta a contribuição do
estudo realizado para a construção de um corpo coerente de conhecimentos, as
suas possíveis implicações noutros campos de conhecimentos etc.? Pede-se
algum trabalho de síntese, mapas e redes conceptuais, mapas semânticos etc.,
que relacionem diversos conhecimentos?
9. Presta-se atenção à comunicação como aspecto essencial da atividade
científica? Planeja-se a elaboração de memórias científicas (descritivas) do
trabalho realizado? Pede-se a leitura e comentário crítico de textos científicos?
Dá-se atenção àverbalização, solicitam-se comentários significativos que evitem
o “operativismo mudo”?
10. Potencia-se a dimensão coletiva do trabalho científico organizando grupo
de trabalho e facilitando a interação entre esses grupos e a comunidade
27
científica (representada na classe pelos restantes grupos, o corpo de
conhecimentos já construído, os textos, o professor como perito, ...)? Em
particular, dá-se relevo ao fato de os resultados de uma só pessoa ou de um só
grupo não serem suficientes para confirmar ou refutar uma hipótese? Apresenta-
se o corpo de conhecimentos (disponíveis) como a aceitação/validação do
trabalho realizado pela comunidade científica e como expressão do consenso
alcançado? (idem, pp.140-141)

Essas são características a serem construídas ao longo da escolaridade, sendo


apenas possível parcialmente em cada nível ou ano. No que concerne ao Ensino
Fundamental, há uma clara concordância quando nas propostas mais recentes para o ensino
de ciências (SÃO PAULO/CENP, 1988 e BRASIL, 1997) lemos nos critérios para a
escolha de conteúdos:

os conteúdos devem favorecer a construção, pelos estudantes, de uma visão de


mundo como um todo formado por elementos interrelacionados, entre os quais
o ser humano, agente de transformação. Devem promover as relações entre
diferentes fenômenos naturais e objetos da tecnologia, entre si e reciprocamente,
possibilitando a percepção de um mundo em transformação e sua explicação
científica permanentemente reelaborada;

os conteúdos devem ser relevantes do ponto de vista social, cultural e científico,


permitindo ao estudante compreender, em seu cotidiano, as relações entre o ser
humano e a natureza mediadas pela tecnologia, superando interpretações
ingênuas sobre a realidade à sua volta. Os temas transversais apontam
conteúdos particularmente apropriados para isso;

os conteúdos devem se constituir em fatos, conceitos, procedimentos, atitudes e


valores a serem promovidos de forma compatível com as possibilidades e
necessidades de aprendizagem do estudante, de maneira que ele possa operar
com tais conteúdos e avançar efetivamente nos seus conhecimentos.es são
objetivos a serem atingidos ao longo da escolaridade (BRASIL, 1988, p.35)

E na proposta curricular da CENP:

1º) Apresentarem vínculo com o cotidiano do aluno; 2°) Apresentarem


relevância social e científica; 3º) Apresentarem adequação ao desenvolvimento
intelectual do estudante (SÃO PAULO, 1988, p.21)

A produção de conhecimento científico e a aprendizagem da ciência na escola


são esferas muito diferentes. Apesar disso, há pontos de aproximação que precisam ser
tratados sob pena de falsear na escola uma inatingível cientificidade (como já ocorreu no
passado recente das pesquisas em ensino de ciências: formar o cientista mirim, usar o
método científico), ou, por outro lado, de não explorar o potencial que as questões
epistemológicas podem ter para “iluminar” as pesquisas em ensino de ciências.

28
Tal compreensão é necessária se queremos que nossos alunos tenham, ao final
de cada nível de escolaridade e compatível com cada idade, uma imagem adequada da
construção do pensamento científico.

Mostrar que a ciência não está longe, enquanto procedimento ou enquanto


resultado, deve ser um dos objetivos do seu ensino na escola. Os resultados da ciência
incorporados a produtos que utilizamos todos os dias é uma forma de perceber que ela não
está distante de nós, mas muito perto, determinando escolhas e formas de vida, seja na
alimentação, nos transportes, nas comunicações, na saúde. Também não pode estar longe
dos alunos quando pensamos em objetivos. O afastamento do universo das ciências e a
perda de interesse pela atividade científica, em especial por alunos das escolas públicas e
das camadas mais afetadas economicamente, cria uma elite intelectual que aprofunda o
abismo entre os avanços da ciência, a participação em sua produção e a grande maioria da
população. Isso precisa e pode ser revertido.

CRONOGRAMA

Para possibilitar uma melhor compreensão da pesquisa aqui apresentada, tendo


clareza sobre seus limites de tempo, apresento a seguir o cronograma executado.
Considerando o afastamento integral aprovado no período de dezembro de 2012 até o fim
de julho de 2013, as atividades realizadas foram assim distribuídas:

1. Dezembro/2012 e janeiro/2013: aprofundamento teórico, com foco na


releitura dos textos base da pesquisa: teoria da enunciação, uso de atividades experimentais
no ensino de ciências, argumentação em sala de aula. Será também realizado um estudo
aprofundado das pesquisas feitas pelo LaPEF sobre o desenvolvimento e o uso de
Sequencias de Ensino Investigativas (SEIs).

2. Fevereiro/2013: Início da seleção de episódios das aulas gravadas em vídeo,


transcrição desses episódios e início das análises.

3. Março/2013: início da participação em reuniões do LaPEF para apresentação


de resultados preliminares das análises e confrontação desses resultados com aqueles
obtidos pelos membros do grupo.

29
4. Junho/2013: finalização das análises e início da redação do relatório final da
pesquisa.

5. Julho/2013: apresentação dos resultados finais e do relatório parcial da


pesquisa, à supervisora da pesquisa e ao seu grupo (LaPEF). Início da elaboração de
artigos de pesquisa para divulgação dos resultados obtidos e conclusão do relatório para
entrega à Faculdade de Educação da USP.

Metodologia da pesquisa

As situações de ensino e de aprendizagem por nós investigadas são muito


complexas e se apresentam em um fluxo dinâmico de falas e ações, para as quais a
pesquisa qualitativa se mostra mais eficaz no levantamento e na análise dos dados. Dada a
rapidez com que ocorrem as falas e a complexidade das situações, na coleta de
informações foram utilizadas as gravações em vídeo, como propostas por (CARVALHO,
1996) para as pesquisas em sala de aula.

As situações de ensino investigadas são as mesmas em estudo pelo LaPEF, no


contexto do projeto “O Estudo da Promoção da Argumentação no Ensino de Ciências: da
formação do professor à sala de aula” (CARVALHO, 2011). Nesse projeto, já em fase de
desenvolvimento, são gravadas sistematicamente aulas de ciências com o enfoque de
ensino por investigação. Em outras palavras, não foram feitas novas gravações de aulas,
mas selecionadas e analisadas a partir de um grande banco de dados existente no LaPEF,
constituido especialmente por gravações de aulas vinculadas a projetos sob o enfoque das
SEI (Sequencias de Ensino por Investigação).

Estão sob análise um conjunto de oito aulas gravadas no segundo semestre de


2012, em uma classe de terceiro ano do Ensino Fundamental I, no Jardim da Conquista,
Perus, São Paulo, SP.

Trata-se de um estudo de caso, para o qual a abordagem qualitativa mostra-se a


mais adequada. Esta pesquisa se enquadra nos mesmos moldes de outras já desenvolvidas
pelo LaPEF, como explica a coordenadora do grupo:

... nossas pesquisas procuram selecionar casos especiais para serem observados,
seqüências de ensino para serem registradas, contextos de aula para serem
estudados, enfim procuramos compreender, por meio de estudos de caso, como
30
se dá essa relação, tão importante, que é o ensino e a aprendizagem durante uma
aula de Ciências. (CARVALHO, 1996, p.6)

Considerando a complexidade das situações investigadas e a rapidez das


ocorrências de interações verbais acompanhadas de gestos e outras ações, torna-se
necessária uma forma de coleta de informações que preserve a maior fidelidade possível os
detalhes visuais da situação, além das interações verbais. O meio que melhor atende a essa
necessidade é a gravação em vídeo. Sobre ela escreve Freitas:

A dinâmica da escola (e da sala de aula) é extremamente variada e complexa.


Dependendo do problema de pesquisa, é insuficiente registrá-la apenas com
lápis e papel ou com um gravador. Técnicas adequadas de observação e
recursos eletrônicos podem ser uma ajuda importante se queremos um alcance
multidimensional dos eventos que ali ocorrem. (FREITAS, 1995, p.72)

Carvalho (1996), utilizando gravações em vídeo para aprofundar sua


compreensão sobre o ensino e a aprendizagem em aulas de ciências, aponta que

A metodologia de pesquisa que empregamos para conseguir descrever o ensino


em sala de aula baseia-se, com grande ênfase, nas gravações das aulas em vídeo.
A análise desse material permite-nos selecionar seqüências de ensino que
denominamos episódios de ensino. (CARVALHO, 1996, p.6)

Entre outras vantagens, a gravação em vídeo permite que os episódios sejam


vistos um número ilimitado de vezes, com variações que possam ressaltar alguns aspectos.
Por exemplo, é possível eliminar o som e concentrar a atenção nos movimentos da
professora e dos alunos, nos gestos utilizados durante a fala, nas ações sobre os materiais.
Também é possível fazer o inverso, separar apenas o áudio e ouvir exaustivamente cada
episódio, buscando compreender o papel da entonação, das pausas, das repetições, usados
pelos falantes para se fazer compreender em cada enunciado.

Essas duas variações foram utilizadas nesta pesquisa, com resultados que
procurarei mostrar a seguir.

Seleção de episódios e análises das aulas

Foram analisadas oito aulas gravadas em video pelo LaPEF em uma classe de
3º ano do Ensino Fundamental, na qual foram desenvolvidas as atividades do capítulo 4 do
livro do 4º ano (CARVALHO; ET AL, 2011). Essa Sequencia de Ensino por Investigação

31
tem como objeto “embarcações”, e se inicia com o problema prático do equilíbrio do
barquinho (CARVALHO, 1988).

Os resultados indicam a riqueza das interações verbais entre alunos e entre


professora e alunos, nas articulações feitas entre as palavras utilizadas, constituindo
estruturas de linguagem que buscam corresponder às relações de causalidade para os
efeitos obtidos pelos alunos em suas ações sobre os objetos.

Além dessas articulações, nota-se uma intensa troca entre os alunos, e as


apropriações das palavras alheias (BAKHTIN, 2006) para estabelecer relações entre os
efeitos e objetos. Não há, no entanto, linearidade nessas apropriações. Em muitos casos
observa-se o resgate de palavras utilizadas em aulas anteriores, indicando continuidade dos
movimentos de pensamento no grupo, e não apenas individualmente. Um outro aspecto
importante de destacar é a evolução do grupo percebida a partir da complexidade que os
enunciados ganham com o desenvolvimento das aulas, ressaltando o papel exercido pelo
meio social e cultural na constituição dos indivíduos.

Transcrição e Análise das aulas

As oito aulas que foram analisadas ocorreram no segundo semestre de 2012,


distribuídas como mostra o quadro abaixo. Farei uma breve descrição de cada aula,
destacando os principais conceitos, objetivos e procedimentos. Essa sequência de ensino
corresponde ao capítulo 4 do livro do 4º ano da coleção Investigar e Aprender: ciências
(CARVALHO et al, 2011), páginas 81 a 120. Nem todas as atividades do livro foram
desenvolvidas, e como mostrado abaixo, houve variações nos intervalos entre as aulas,
com uma longa interrupção entre a quinta e a sexta aula.

32
Quadro 1: as 8 aulas gravadas e analisadas

Abaixo farei uma breve descrição de cada aula.

Aula 1: Problema da travessia do rio – nessa aula os alunos tem que resolver
um problema de travessia de um rio por três amigos, utilizando apenas um barco com
limitação de carga. Isso restringe as combinações possíveis e exige dos alunos um
raciocínio lógico bem característico. Nas indicações para essa atividade, a possibilidade de
o barco fazer várias viagens é o destaque. Ela está na página 82 do livro didático.

Aula 2: Construção do barco – nessa aula os alunos são desafiados a


construírem um pequeno barco com papel alumínio, que seja capaz de carregar o maior
número possível de pecinhas (arruelas). A proposta da atividade está nas páginas 83-87 do
livro, e também na proposta anterior da mesma autora (CARVALHO, 1998).

Aula 3: Discussão sobre a construção do barco – a professora conversa com os


alunos sobre a construção do barco da aula 2, verificando como fizeram, o que deu certo, o
que deu errado, qual barco suportou mais pecinhas, por que funciona ou por que afunda.
Após a discussão, os alunos escrevem e desenham tudo o que fizeram. Essa atividade está
nas páginas 84-87 do livro. Na mesma aula foram mostrados diferentes tipos de
embarcação, na atividade “Pense e Resolva”, da página 88 do livro. A partir da
apresentação de quatro imagens de embarcações, os alunos discutem, com a orientação da
professora, características das embarcações em destaque, semelhanças e diferenças entre
elas, e faz uma retomada das atividades anteriores, com o objetivo de responder a questão

33
proposta: quais delas “conseguirão levar sua carga sem dificuldades de um ponto a outro”.
A atividade está na página 88 do livro.

Aula 4: Tipos de embarcação – na aula anterior os alunos são solicitados a


pesquisar sobre embarcações maritimas e fluviais. A partir da pesquisa feita, a professora
discute com os alunos as diferenças e semelhanças entre as embarcações, seus usos, suas
formas de propulsão, colocando na lousa uma lista a partir das falas dos alunos.

Aula 5: Água de Lastro – nessa aula é tratado o problema da permanência das


embarcações no mar, e a necessidade de um dispositivo para equilibra-las: a água de lastro.
O procedimento utilizado faz com que, junto com a água de lastro, sejam transferidos de
um continente para outro vários seres vivos, e os desequilíbrios causados por tais
adaptações.

Aula 6: Jogo “presa-predador” – nessa aula foi desenvolvido com as crianças o


jogo “presa-predador” no qual são tratados aspectos da cadeia alimentar e o equilíbrio de
ecossistemas a partir de uma dinâmica lúdica que envolve os alunos e conduz a conclusões
importantes sobre extinção e superpopulação de algumas espécies. No jogo comparecem a
figura do Tapiti, da Jaguatirica e das fontes primárias de alimento (plantas).

Aula 7: Na aula 7 são tratadas as informações coletadas durante o jogo “presa-


predador”, levando os alunos a conclusões sobre a predominância de uma espécie e as
condições que podem levar à extinção, pela escassez de alimentos. Trata-se, em última
instância, de retomada do conceito de equilíbrio.

Aula 8: Mexilhão dourado – a partir dos resultados das duas ultimas aulas, 6 e
7, e finalizando o projeto, nesta aula são apresentados slides sobre a adaptação do mexilhão
dourado no litoral brasileiro e a superpopulação gerada a partir da inexistência de predador
natural para essa espécie em nossa costa. Novamente o conceito de equilíbrio é tratado,
mas com outro sentido.

A seguir apresentarei fragmentos extraídos de algumas das aulas (episódios) e


alguns comentários que ajudam a contextualizas os enunciados.

Aula 1 – 17/09/2012 – Desafio do Barquinho

34
Para iniciar a aula a professora apresenta aos alunos o problema a ser resolvido.
Escrito em um cartaz colado na lousa, o problema é o seguinte:

“Três amigos querem atravessar um rio. O barco que possuem suporta no


máximo 130 quilos. Eles têm pesos de 60, 65 e 80 quilos. Como devem
proceder para atravessar o rio, sem afundar o barco?”

Os alunos estão dispostos em grupos de cinco, acomodados em mesas. A


professora lê o problema enfatizando “130 quilos”, “60, 65 e 80 quilos” e “sem afundar o
barco”, com pequena pausa entre “sem” e “afundar o barco”, com voz mais alta que o
normal e falando pausadamente.

A professora instrui os alunos dizendo que cada grupo deve resolver o


problema, e que cada um vai dizer como deve ser a travessia, e por fim, todos vão analisar
as soluções propostas e ver qual delas “dá certo”.

Na transcrição foram omitidas as falas incompreensíveis dos alunos nos


grupos, durante as discussões. Algumas falas não tiveram o autor identificado, e aparecem
como “aluno n.i.”.

O problema proposto:

Professora: “Três amigos querem atravessar um rio. O barco que possuem


suporta no máximo 130 quilos. Eles têm pesos de 60, 65 e 80 quilos. Como
devem proceder para atravessar o rio, sem afundar o barco?”

A professora lê o problema para os alunos, dando ênfase em “130 quilos”, “60,


65 e 80 quilos” e “sem afundar o barco”. A leitura é feita com voz mais alta que o normal,
e pausadamente. Durante a explicação do problema pela professora, os alunos conversam
nos grupos, com pequenas intervenções da professora.

Joyce: cada um vai e empurra o barco de volta

Professora: não dá. O rio é grande

A professora escreve na lousa, com destaque: - TEM QUE IR PARA O


OUTRO LADO DO RIO NO BARCO; - O RIO É BEM GRANDE. Ao recusar a resposta
da aluna, a professora justifica e escreve na lousa, completando a informações do problema
escrito no cartaz. Inicia-se agora a apresentação dos diálogos, com alguns comentários
sobre o contexto. É importante destacar que para o problema na forma como foi escrito, a

35
solução da aluna é válida e mesmo lógica, aplicando a mesma forma de travessia para os
três homens.

Sabrina: uma pessoa leva cada um dos três (A solução proposta pela aluna supõe um
quarto indivíduo. Se a massa desse quarto indivíduo somada a 80 Kg não ultrapassar os
135 Kg, a solução também é válida, uma vez que não está explicitado no enunciado que
“só” os três estão na beira do rio, e é também uma solução lógica. A inexistência de um
quarto indivíduo só pode ser considerada implicita se admitirmos que o contexto da
proposição do problema é o da busca de soluções lógico-formais, e que sempre há uma
solução. Essa é uma característica da escola e do seu modo de funcionamento, que inclui
um gênero do discurso).

Professora: não dá. Só tem três pessoas

Érico: puxa o barco de volta com uma corda

Professora: não tem corda

Aluno n.i.: vai um de cada vez

Nicolas: mas como o barco volta?(Outros alunos sugerem o uso de um navio ou barco a
motor, e a proposta da corda retorna. Como nas outras propostas de solução, esta da corda
também é válida uma vez que não está explicito no problema que “não há outros recursos
além do barco”).

Emerson: Um deles vai e leva o outro e volta (Nesse momento começam a pensar nas
combinações das massas)

Vinicius: vai o de 60 e o de 65, o de 60 volta pra pegar o de 80(Essa proposta se aproxima


da resposta esperada, mas ficou sem continuidade. Nesse momento alguém faz uma
proposta somando 130 quilos às massas dos indivíduos).

Alunos n.i.: 60 ... 80 ... vamos pensar (A professora sai da sala e aumenta um pouco o
barulho, mas todos estão envolvidos na solução do problema. Nas falas não identificadas
se destacam os números “60”, “80”) – (A professora volta)

Emerson: o de 60 não tem como buscar o de 80.

Isaac: o de 80 fica

Professora: não pode. Ele também tem que ir

Aluno n.i.: o de 80 vai até a metade do rio e espera...(Voltam as soluções não formais)

Professora: vamos gente. Pra tudo tem um jeito. (Muitas conversas na sala, mas
aparentemente relacionadas ao problema Percebe-se um certo desanimo nos alunos) –
(Conversas aumentam. Alguns alunos começam a brincar com a câmera. Há um princípio
de desordem, com muitas conversas fora do assunto)

36
Professora: sim, eu sei a resposta (Respondendo a um aluno n.i. que questiona se o
problema tem solução).

Aluno n.i.: o de 80 tem que fazer uma dieta

Professora: Não dá tempo para ele fazer dieta (Os alunos começam a perder o interesse
pelo problema)

Professora: o de 60 vai junto com o de 65 (Retomando uma sugestão já dada no inicio da


aula, mas abandonada em seguida. Com a sugestão dada pela professora, os alunos voltam
a pensar no problema).

Aluno n.i.: o de 80 vai nadando...

Professora: vamos fazer uma simulação (A professora sugere que façam uma simulação
para ajudar na solução do problema. Três alunos são chamados, ficam do lado direito da
sala).

Vários alunos: ... o de 60 e de 65 atravessam

Professora: e agora?

Vários alunos: o de 60 volta... agora os dois podem ir (Nesse momento o aluno que
representa o individuo de 60 Kg atravessa a sala de volta)

Matheus: o de 80 vai e o de 65 volta pra pegar o de 60 (Finalmente foi apresentada a


solução lógica. Porém nem todos parecem ter chegado a ela. Quando o de 65 Kg volta para
buscar o de 60 Kg é que a solução foi comemorada por todos)

Vários alunos: aí... deu certo professora! (Concluindo a simulação, os três se encontram
do outro lado da sala, o que é muito comemorado com gritos e aplausos).

Os últimos 15 minutos da aula são utilizados para o registro pelos alunos


daquilo que haviam feito. A professora orienta que o registro pode ser feito através da
produção de texto ou de desenho.

Análise da aula 1

Para a solução esperada para o problema, aqui denominada solução lógica,


denominaremos a travessia da margem A pra a margem B:

1. atravessam o rio os sujeitos de massas 60 Kg e 65 Kg

2. o de 60 Kg fica na margem B, o de 65 volta e fica na margem A

3. o de 80 Kg atravessa o rio, chegando até a margem B.

4. o de 60 Kg volta para a margem A para buscar o de 65 Kg.

37
5. os dois, de 60 Kg e de 65 Kg, chegam na margem B e se juntam ao de
massa 80K. E o problema está resolvido.

As soluções propostas pelos alunos, embora possíveis, são improváveis, ou


necessitam de condições não colocadas no problema (por exemplo a corda, o barco a motor
etc). No entanto elas não são valorizadas pela professora, que trabalha nos dez primeiro
minutos da aula para conduzir os alunos para a solução lógica (formal) do problema.

Depois de dez minutos, afastadas todas as soluções não formais, os alunos


parecem ter incorporado a busca pela solução “lógica formal” do problema. Desaparecem
as falas contendo “amigo”, “corda”, “motor”, “navio”, e restam números e suas
combinações no barco (o de 60 volta pra pegar o de 80). Porém, tudo o que disseram antes
parece ter servido como um andaime (como proposto por Brunner), uma preparação do
terreno para a construção da solução lógica. Em outras palavras, até aqui a professora
construiu o problema junto com os alunos, pois o problema não é um dado no início do
processo, mas uma construção que depende da mediação da professora entre os alunos e os
conhecimentos, tanto os cotidianos quanto os científicos. O problema é uma invenção, não
um dado imediato. Os alunos se concentram nas somas dos números (massas), mas alguns
incluem 130 na soma. Muitos percebem que o de 80 Kg não pode estar no barco junto com
nenhum dos outros.

São, portanto, dois tipos de discurso que aparecem entre as soluções propostas:
os primeiros lançam mão de outros recursos inexistentes na proposta do problema; a partir
de um certo ponto, o tipo de discurso muda, assumindo a busca por uma combinação de
massas. Nota-se no primeiro uma forma direta de solução – puxa de volta com uma corda,
cada um atravessa e empurra o barco. Já no segundo tipo, embora não pronunciada, existe
uma hipótese suspensa e em ação no raciocínio dos alunos - “se o de 60 for junto com o de
65”. A elaboração de hipótese não é exclusiva para essa modalidade de solução, uma vez
que pode também estar presente nas primeiras propostas - “se ele tiver uma corda...” - mas
não há articulação lógica. Se tem a corda, amarra o barco na corda e puxa de volta. Trata-
se de uma solução prática que não depende tanto da linguagem. Mas a solução lógica
depende fortemente da estruturação da linguagem, envolvendo sempre um “se... então”.

Aos dez minutos um aluno diz “nem a professora consegue”. A professora


repete a frase e ri, porque a atitude esperada do professor é a de não dar resposta, e isso

38
difere do que normalmente é feito em aulas em que predomina a transmissão de
conhecimento, sendo interpretado pelo aluno como “nem a professora sabe”.

Aula 2 – 24/09/2012 – Experimento do barquinho

Professora: você deve fazer um barquinho que na água carregue o maior número de
pecinhas sem afundar (A professora apresenta o problema aos alunos, lendo
pausadamente. Nessa explicação, ela quase repete o que está escrito. Na lousa há também
uma frase: Sol, sem você, nem sombra do que sou).

Professora: podem começar. Todos os grupos começam a fazer o barco tradicional, com
dobradura. Mas o papel alumínio dificulta as dobras

Aluno n.i.: faz um barco, meu! O barquinho tradicional, que os alunos fazem em menos de
um minuto, afunda fácil.

Aluno n.i.: é mais fácil fazer com folha de caderno

Aluno n.i.: põe desse lado... afundou de novo...

Aluno n. i.: tudo isso? Dirigindo-se à professora e referindo-se às arruelas disponíveis, em


grande número, para a realização do experimento

Professora: o maior número. Explicando o objetivo da construção, retomando o problema:


o barco deve suportar o maior número de arruelas (pecinhas), portanto trata-se de uma
competição não explicitada no inicio. Quase todos os grupos já constroem o barco na
forma de balsa. Apenas um grupo ainda tenta a forma tradicional com dobradura.

Alunos n.i.: põe desse lado aqui. Aluno indicando ao colega sobre qual lado deveria ser
colocada a arruela. Nota-se na imagem a distribuição em toda a superfície do barco/balsa.

Gabriel: Filipe, monta logo essa ...coisa. Gabriel quase soltou um palavrão, se irritou com
Filipe e soltou as arruelas do alto, afundando o barquinho.Um grupo não faz dobra
nenhuma, deposita o papel alumínio na água e sobre ela as arruelas, bem distribuídas em
toda a superfície. Vários alunos falam ao mesmo tempo.

Ocorre uma agitação geral na classe, com quase todos os alunos falando ao
mesmo tempo, nos grupos e com a professora. Havia uma dificuldade em entender o
problema proposto quanto a diferença entre “todas as pecinhas” e “o maior número de
pecinhas”. Vários alunos falam ao mesmo tempo, não sendo possível compreender as falas
pela gravação. Gabriel coloca um barco sobre o outro, para suportar mais pecinhas, e
outras crianças fazem gestos enquanto falam, para indicar aos colegas o formato ideal do
barco. O principal gesto é movendo a mão lateralmente com a palma para cima, dando a
noção de base, suporte.
39
Aluna n.i.: espalhadas. Respondendo a professora sobre como deveria colocar as pecinhas
Professora: por que?
A mesma aluna: porque se colocar de um lado só o barco afunda. Durante esse breve
diálogo, outros alunos circulam pela sala olhando como foram feitos os outros barcos.
Aluno n.i.: olha embaixo Gabriel, olha que tem um buraquinho. Aluno levanta uma
hipótese sobre o afundamento do barco. Gabriel olha e confere, e não tem buraquinho, logo
deve afundar por outro motivo.
Vários alunos: ó, ó, para, deixa...olha o que ele fez. As falas são muito mais de censura do
que de organização da ação.
Professora: você acha isso legal... da sua parte? A professora se dirige a Bruno
questionando seu comportamento no grupo
Aluno n.i.: para Bruno
Aluno n.i.: não dá pra fazer. Muitos alunos estão de pé e não parecem concentrados na
tarefa.
Professora: agora senta todo mundo. Qual foi o grupo que conseguiu colocar o maior
numero de pecinhas sem afundar?
Vários alunos: a Yara
Professora: a Yara vai falar
Yara: primeiro foi o Pedro que inventou. Aí... só que ele fez um lado maior e os outros
todos menores. Aí... afundou um dos menores. O maior ficou retinho. Aí eu peguei e fiz os
mesmos lados.. aí... não afundou. Yara fala completando com gestos movendo a mão
verticalmente com as palmas voltadas para o centro do “barco imaginário”, desenhando no
espaço a base e as bordas maiores e menores.
Professora: e na hora de colocar as pecinhas... como vocês colocaram?
Yara: devagarinho
Outra aluna: espalhadas
Yara: a gente colocou dos lados... e não afundou.... aí...a gente colocou assim. Ao dizer
“assim” a aluna faz gestos de pinça com os dedos, demonstrando cuidado.
Professora: e esse grupo aqui, por que não conseguiu? O que aconteceu? Além de tudo o
que aconteceu, que eu sei, o que foi com o barquinho?
Aluna: afundou. A professora pergunta ao grupo do Bruno sobre a atividade, mas já
sabendo o resultado e o motivo. A pergunta ganha o sentido de repreensão, o que deixa
envergonhada uma das alunas. A vergonha pode ter sido ampliada pela presença da
câmera, bem próxima desse grupo.
Professora: por que afundou o barquinho de vocês?
A mesma aluna: colocou muito rápido. Tava jogando...
Professora: e o grupo do Gabriel?
Aluno: a gente só fez assim ó ... fez uma coisinha assim desse jeito. Ao responder, pega o
barquinho com as duas mãos e indica o que foi feito.
40
Professora: como é que se chama essa coisinha?
Aluno: ah... o barco. A gente fez o barco desse jeito: a gente dobrou (gesto) ... outro... mas
aí só ficou um tempo parado... só foi a gente colocar mais um ... (pausa) ... afundou. Ao
falar e fazer gestos, o aluno dá a compreensão do que foi feito. A pausa entre “mais um” e
“afundou”, bem como a entonação empregada, conferem à frase o sentido de causalidade:
bastou mais um para provocar o afundamento. O gesto final foi feito com uma arruela na
mão.
Professora: e você acha que foi por que? O que aconteceu?
Gabriel: porque a gente pensava que tinha um buraquinho (mostra o fundo do barco) ...
mas aí tava dobrado e a água entrava por aqui junto
Depois das explicações de alguns grupos, outros tentam refazer, e a professora tenta
controlar a classe, que já não demonstrava interesse pela atividade. Depois da apresentação
do segundo grupo, houve muita conversa nas apresentações dos demais.

Aula 3 – 8/10/2012 - discussão sobre a construção do barquinho

A professora inicia a aula perguntando aos alunos o que havia sido feito na aula
anterior, para dar continuidade ao “projeto” de ciências. O desenvolvimento da aula segue
o roteiro das pp. 84-94 do livro 4 da coleção “Investigar e aprender: ciências”. Cabe
destacar que a aula anterior (aula 2) havia sido dada duas semanas antes. Mesmo assim,
muitos alunos se lembraram de detalhes da aula.

Os alunos começam a falar e a professora organiza pedindo que levantem a


mão antes de falar. Uma aluna, de costas para a câmera, começa a lembrar do que havia
feito. A professora pergunta qual era o problema, antes deles começarem a fazer. A mesma
aluna continua a fala lembrando do problema do barquinho, descrevendo o que foi
proposto: “colocar o máximo de pecinhas... arruelas dentro do barquinho sem ele afundar”.

É hora de escrever e desenhar: nessa parte da aula, os alunos são chamados a


escrever e desenhar sobre os acontecimentos da aula anterior. Para orientar a produção dos
alunos, a professora promove um diálogo no qual vão lembrando tudo o que fizeram para
resolver o problema. Depois da descrição feita por outro aluno, que não aparece na
gravação em vídeo, a professora direciona o diálogo através de perguntas, tais como “por
que o barquinho conseguia carregar as pecinhas sem afundar?”, “como vocês colocaram as
pecinhas no barco?”, “e aí deu certo?”, “como foram os primeiros barcos que vocês
fizeram?”, “qual foi o modelo que deu certo?”.

41
Nesse diálogo estabelecido, a professora procura fazer com que vários alunos
falem, e através das perguntas vai trazendo da memória dos alunos a descrição das ações e
dos resultados, assim como as explicações que foram dadas na ocasião da atividade
experimental. O fazer parece favorecer a memória, pois os alunos vão descrevendo com
muitos detalhes, todos os aspectos importantes da atividade realizada. A fala da professora
é crucial nesse exercício de memória. As palavras da professora vão suscitando palavras
nos alunos, conduzindo o diálogo que, ao fim, contempla o essencial do experimento do
barquinho.

Sobre o formato do barco que suportou mais pecinhas, a professora lembra a


semelhança com uma forma de bolo. E sobre a distribuição das pecinhas as crianças
respondem em coro: espalhadas. É interessante destacar que nesse diálogo estabelecido
com as crianças estão presentes os conceitos de área (formato do barco tipo balsa ou forma
de bolo – que resultam em maior área) e o de pressão (posicionamento das pecinhas na
superfície do barco). Esses conceitos não estão explicitados na forma matemática, onde a
pressão é a razão da força pela área, mas estão implícitos nos elementos concretos que são
os referentes dos discursos. Em concordância com nosso referencial de análise, sobretudo
os trabalhos de Vigotski e de Bakhtin, a evolução do conceito e a apropriação da palavra
são processos lentos que se cruzam, e muitas vezes até se confundem. Assim, o uso e as
trocas de palavras que tem como referentes elementos e processos vivenciados pelos
alunos, favorece o aprendizado de ciências, que consiste também na atribuição de sentidos
às palavras/conceitos e na construção de relações entre eles e deles com a realidade
material.

A palavra que concentra as ações e explicações sobre o ocorrido é


“espalhadas”. Não se trata ainda de um conceito, mas da preparação para um conceito
potencial que seria o seu inverso: concentração. Para não afundar o barquinho, as arruelas
devem ser espalhadas sobre a superfície, evitando a concentração em um só lado.
Concentração é um conceito chave para a compreensão de outros como densidade, massa
específica, densidade demográfica e muitos mais. Sobre os conceitos potenciais, escreve
Fontana (1997) fundamentada em Vigotski (1997 na citação, correspondente a 2001 na
bibliografia desta pesquisa):

Os conceitos potenciais são um indicador da consolidação da operação de


análise. A criança forma grupos de objetos com base em um único atributo
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comum a todos os elementos agrupados. Esse atributo ela apreende na situação
imediata envolvida. (p.122)

Já no pensamento conceitual:

… o sujeito classifica não mais com base em suas impressões imediatas, mas
isolando diferentes atributos dos objetos, colocando-os numa categoria
específica por uma relação com um conceito abstrato codificado numa palavra.
Análise e síntese consolidan-se e articulam-se. (idem)

“Espalhadas” permite a compreensão da ação do referido grupo pelos demais


grupos. A aluna conseguiu comunicar a sua idéia, e esse é o aspecto central da linguagem
para Bakhtin em sua teoria da enunciação. Ao trazer para o contexto da aula uma palavra
do cotidiano, mas sob o enfoque de uma atividade experimental que contém um problema,
a palavra ganha novo sentido e já adquire o status de generalização para as ações dos
demais grupos.

Depois de oito minutos de diálogos sobre a aula anterior, os alunos passaram a


escrever e a desenhar sobre o que fizeram, como fizeram e porque deu certo ou deu errado.

A instrução dada pela professora para a tarefa foi: “vocês acabaram de falar,
agora vão escrever”. Não tive acesso à produção escrita desses alunos, em parte porque as
atividades foram desenvolvidas no contexto de outro projeto, cerca de seis meses antes do
início de minhas análises. Não havia previsão de uso futuro dessa produção dos alunos.
Mesmo assim, cabe uma breve discussão sobre as diferenças entre falar e escrever.
Novamente segundo nossos autores de referência, a escrita e a fala não são o mesmo
processo que se manifesta de formas diferentes. São processos diferentes que requerem
diferentes funções psicológicas (VIGOTSKI, 2001). Mesmo com a vivência pelos alunos
das situações que são convidados a descrever através da escrita, falta-lhes o motivo para
escrever. Para quem e para que escrever? Há aí, segundo o referencial bakhtiniano, uma
lacuna nos processos de enunciação (BAKHTIN, 2006). A materialidade de um enunciado
ocorre em grande medida pela necessidade do falante comunicar suas idéias a outrem. Sem
essa necessidade, a comunicação se torna até mesmo desnecessária. Claro que em situações
escolares as produções dos alunos têm o caráter avaliativo, e o professor quase sempre
verifica a qualidade dos textos produzidos, corrige, aponta erros e atribui uma nota. Os
alunos escrevem para o professor. Ainda que haja uma finalidade para essa escrita, o
professor sabe o conteúdo do texto, e novamente o sentido e a necessidade de escrever

43
ficam comprometidos. Para que escrever para alguém que sabemos que sabe o que será
escrito? Da mesma forma quando um aluno responde a uma pergunta feita pelo professor,
cuja resposta sabemos que é conhecida, perde-se um dos principais elementos da
enunciação, e o processo se torna artificial. Esse é outro aspecto que diferencia muito a
atividade científica da aprendizagem de ciências na escola. Uma forma de preencher esta
lacuna, a da inexistência de um motivo concreto para a escrita, pode ser a realização de um
trabalho em várias escolas, no qual os alunos devem comunicar seus procedimentos e
resultados aos alunos da outra escola. Se os dados tiverem caracteristicas regionais, como
por exemplo relativas ao tamanho de uma sombra e sua variação com a latitude, essa troca
de textos pode se tornar ainda mais interessante. A replicação do trabalho de Eratóstenes
da medida do raio da Terra tem essa característica. Na situação em análise, os alunos
demonstram dificuldade para escrever o que souberam falar com desenvoltura.

A professora, enquanto caminha pela sala acompanhando a produção dos


alunos, vai fazendo interpretações do que foi feito e narrado por eles. Essa interpretação
faz uso de palavras um pouco diferentes e, em sua estrutura, retifica as tentativas de
explicação dos alunos. Segundo Bakhtin, na apropriação da palavra alheia, outros sentidos
são construídos. A professora infere o sentido que o aluno quer dar a sua fala, em parte
pela materialidade da situação descrita, em parte pela proximidade da fala inicial do aluno.
Mesmo sem pronunciar nada, depois da fala da professora o aluno constrói uma réplica que
incorpora o enunciado do outro ao seu próprio enunciado, criando inicialmente um
amálgama de sentidos.

Enquanto os alunos finalizam o trabalho escrito, a professora distribui uma


folha com o texto a ser lido (texto “Entenda o Problema”, p.84 do livro 4). Durante a
leitura feita pela professora, são feitos comentários, tanto por ela quanto pelos alunos,
buscando uma interpretação do texto e o relacionamento do mesmo com a atividade
experimental realizada, novamente recuperando a memória daqueles acontecimentos.

A leitura é marcada por ênfases no tom de voz, nas pausas, e nas


interpretações. Essas últimas são feitas pelo acréscimo de palavras com sentidos próximos
ou equivalentes às do texto, porém mais comuns ao vocabulário das crianças. Por exemplo,
ao ler o trecho “Então ... duas coisas muito importantes: a área do barco para colocar as
peças e o modo ...” (p.86) foi dito “a área do barco para colocar as peças ... quer dizer, o

44
tamanho do barco...” (em itálico o que foi acrescentado pela professora). A aproximação
área=tamanho foi feita para aproximar o sentido pretendido daquele mais conhecido pelas
crianças, ainda que não sejam sinônimos.

No momento em que o texto recupera o desafio inicial, da travessia do rio, a


professora pergunta aos alunos e pede que eles falem sobre a atividade. A referida aula
ocorreu três semanas antes dessa discussão, e mesmo assim uma aluna, a mesma que fez a
descrição da atividade do barquinho, explica:

Tinha o de 60, o de 65 .... e o de 80... e só tinha um barco que dava 180... 130
(ajudada pela professora) ... aí o de 60 e o de 65 foram para o outro lado. Aí o de 60 voltou
pra pegar o de 80 ... aí o de 60 ficou e aí o de 80 foi pra lá deixou o barco pro de 65 ... e o
de 65 foi buscar o de 60”.

Na leitura, algumas palavras são enfatizadas pelo tom de voz e por uma breve
pausa que isola a palavra: excedessem, equilibrado (p.87). São palavras que a professora
sabe que não são do vocabulário comum das crianças, e mais que isso, representam
conceitos importantes na compreensão do texto e na correspondência do mesmo com a
realidade material. O interessante é que isso é feito intuitivamente, e reflete uma
expectativa do falante em relação ao interlocutor, marcando igualmente diferenças sociais
e diferentes lugares de onde se fala e para quem se fala. (BAKHTIN, 2006).

Na sequencia abaixo há um diálogo que mostra o processo de construção de


sentidos para várias palavras, mas em especial para equilíbrio/equilibrar. Provavelmente é
uma palavra pertencente ao vocabulário das crianças (equilibrar na bicicleta, no skate etc.),
mas o sentido no contexto do experimento é sutilmente diferente.

Professora: e se os dois... de 60 e de 65 no barquinho... sentassem os dois do mesmo


lado... o que que ia acontecer?
Vários alunos: o barco ia afundar
Professora: o barco ia afundar... então como é que eles tem que sentar lá no barco?
Aluno n.i.: um de um lado e outro de outro...
Professora: um de um lado e outro de outro... pra... por que?
Aluna: senão ia afundar... se ficasse de um lado ... o barco ia afundar pro lado
(gesticulando com as duas mãos e com o corpo, inclinando e levando os dois braços para
o lado direito)
Professora: e se ficasse um de cada lado... por que que não ia afundar?

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Aluna: por causa que tem peso dos dois lados
Professora: ia equilibrar (faz gesto com as duas mãos em forma de pinça, uma de cada
lado, movendo-se para cima e para baixo simultaneamente e de forma sincronizada) ... não
é a mesma coisa das pecinhas?

Fica muito clara a complexidade da construção de sentidos para uma palavra,


que é ainda mais complexa por se tratar de um conceito. Nesse processo temos a palavra e
sua pronuncia com todas as ênfases (tom de voz e pausas), os gestos que necessitam não só
das mãos, a referência aos elementos não verbais (objetos) e aos processos não verbais
(situação concreta vivenciada pelas crianças nas semanas anteriores. Segundo Bakhtin, o
tema está plenamente constituído, tornando possível o diálogo e a compreensão. A
compreensão é tanto da situação concreta descrita ou trazida pelo discurso, quanto das
palavras contidas no discurso cuja compreensão se torna possível devido à situação
concreta. A dialética está novamente presente: entendemos um texto através das suas
palavras e, simultaneamente, entendemos a palavra através do texto onde ela aparece
(contexto). Um rápido ajuste é feito entre as palavras e os elementos não verbais, um
dando suporte ao outro, retificando permanentemente o sentido das palavras. A
palavra/conceito em questão, equilíbrio, será novamente utilizada pela professora na última
aula (aula 8) ao tratar do equilíbrio entre presas e predadores em um ecossistema, e o
desequilíbrio causado pela chegada de um elemento estranho ao meio (o mexilhão
dourado).

A importância do tema aparece novamente na sequencia da mesma aula,


quando a professora inicia o trabalho com as figuras de embarcações (imagens da p.88 do
livro 4). Ela distribui as folhas com as figuras e pergunta aos alunos se já tinham ido à
praia e se deslocado utilizando uma balsa. José afirma que sim, e explica como foi o
processo. Nesse diálogo comparecem vários elementos que garantem a compreensão entre
os falantes: as imagens (que incluem a da balsa), a descrição da balsa pela professora, a
descrição da balsa pelo aluno, a memória do aluno sobre o elemento não verbal “passeio na
balsa”. Esses elementos constituem o tema do diálogo. O modo de dispor os carros na
balsa, para garantir o equilíbrio da mesma, se aproxima ou é exatamente o mesmo que
equilibrar as pecinhas no barquinho de papel alumínio. Assim, o tema do diálogo em

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questão fica ainda mais ampliado, pela inclusão de outra experiência vivida pelos alunos,
que contém elementos verbais e elementos não verbais.

As conexões entre palavras do cotidiano dos alunos permite uma boa


compreensão das situações trabalhadas (construção do barquinho, desafio da travessia,
análise das imagens das embarcações), o que já caracterizaria uma boa aproximação de um
pensamento tipicamente científico, envolvendo relações de causalidade, de dependência,
de identidade, de diferença, de semelhança, de analogia. Porém em determinados
momentos as palavras do cotidiano parecem insuficientes, justificando a inclusão de novas
palavras. Essas novas palavras representam sínteses de uma série de outras palavras e de
suas conexões, e por isso podem ser denominadas conceitos. Entre as palavras utilizadas
em aula, a que mais contém as características de conceito é a palavra equilíbrio, utilizada
várias vezes e com diferentes aplicações e sentidos. As palavras e frases do cotidiano dos
alunos utilizadas durante a discussão, e que podem ajudar a construir o conceito de
equilíbrio são: arrumadinho (arrumar a carga na embarcação / balsa), espalhados (na
superfície da balsa), “um de um lado, outro de outro”.

A partir da análise dos tipos de embarcação, a professora introduz a idéia de


cargueiro, uma embarcação de grande porte utilizada para transporte de mercadorias entre
países e continentes. Esse tipo de transporte leva a discussão para outro campo, o dos
ecossistemas, que na proposta de ensino está vinculada aos demais. Em outras palavras, há
uma continuidade entre os vários temas, continuidade esta que envolve relações de
causalidade e de dependência, fundamentais para a compreensão de fenômenos complexos
e para a construção dos sentidos para os conceitos científicos.

Professora: o que vocês fizeram para resolver o problema? Qual foi o modelo do
barquinho? Como vocês colocaram as pecinhas?

Aluna: colocamos devagar nos lados e depois no meio

Professora: vocês viram o da Yara, parecia uma forma de bolo. Agora escrevam e
desenhem como vocês fizeram. Os alunos escrevem e desenham por aproximadamente 6
minutos, e a professora acompanha andando pela sala

Professora: vocês não fizeram direto o barquinho que deu certo...! Comentário feito ao
passar pelos grupos e constatar que os alunos desenhavam o último modelo construído, no
formato de balsa, deixando os outros de lado.

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Professora: ela errou os espaços iguais... ela distribuiu as pecinhas... A professora circula
pela sala e vai traduzindo o que os alunos falam e também gesticula, enquanto os alunos
escrevem, desenham e fazem pequenos comentários e perguntas.

Professora: depois de terminar, vocês vão ler um texto. O texto proposto é o da página 84
do livro 4 da coleção.

Aula 4 – 22/10/2012 – Tipos de embarcação

A aula é iniciada com a cobrança da professora de uma pesquisa sobre


embarcações marítimas e fluviais, que os alunos fizeram no intervalo de duas semanas
entre a terceira e a quarta aula. Poucos alunos fizeram a pesquisa, e levaram para a aula
imagens e informações sobre embarcações.

A professora conversa com os alunos sobre as imagens das embarcações


trazidas por alguns, escrevendo na lousa o nome das mesmas. Na discussão são retomados
alguns elementos das aulas anteriores, mas enriquecidos por conhecimentos dos alunos
sobre empregos das várias embarcações (transporte de carga ou de pessoas), forma de
locomoção (motor, vela, remo), formato (balsa, barco, canoa, navio), finalidade (trabalho
ou passeio). O elemento presente nessa discussão que dará continuidade ao tema é a água
de lastro, utilizada nos grandes cargueiros para garantir a estabilidade durante o
carregamento, o descarregamento e o deslocamento no mar, e com esse elemento, o
conceito de equilíbrio novamente comparece.

Aula 5 – 29/10/2012 – Água de lastro

A professora inicia a aula falando do “projeto de ciências”, e perguntando aos


alunos o que tinha sido tratado na aula anterior. Os alunos se lembram, começam a falar, e
a professora vai pontuando alguns aspectos.

Diz em seguida que naquele dia tratariam de como as embarcações se mantém


na água. Os alunos receberam o texto “Diferentes barcos para diferentes usos” (p.89 do
livro 4).

A idéia central, que liga os grandes navios às experiências feitas em aula, é a


da distribuição da carga sobre a embarcação. Essa idéia é retomada a partir da lembrança
da construção do barquinho pelos alunos, e da constatação de que seu bom funcionamento
48
dependeu da distribuição das pecinhas em sua superfície. Isso foi feito problematizando
com os alunos, como e por que o barquinho flutua ou afunda. Os alunos correspondem a
essa expectativa da professora e respondem as perguntas fazendo referencia ao modo como
colocaram as pecinhas no barquinho, distribuídas e sem exagero, mas também lentamente,
para não afundar.

Podemos caracterizar a aula como expositiva, com curtos diálogos com os


alunos através de perguntas.

Para a análise das interações verbais que ocorrem em aula, são muito úteis as
categorias apontadas por Mortimer e Silva(MORTIMER e SILVA, 2010)

1. Iniciação de escolha: de acordo com Mehan (1979: 44) “a elicitação de


escolha demanda ao respondente que concorde ou discorde com uma
afirmação feita pelo perguntador”.
2. Iniciação de produto: de acordo com Mehan (1979: 44) “a elicitação de
produto demanda ao respondente uma resposta factual como um nome,
um lugar, uma data, uma cor”.
3. Iniciação de processo: de acordo com Mehan (1979: 45) “a elicitação
de processo demanda a opinião ou interpretação do respondente.
4. Iniciação de metaprocesso: de acordo com Mehan (1979: 46) “um
quarto tipo de elicitação demanda aos estudantes que sejam reflexivos
sobre o processo de estabelecer conexões entre elicitações e respostas.
Essas elicitações são chamadas de metaprocesso porque elas pedem ao
estudante para formular as bases de seu pensamento.” (p.130)

As perguntas feitas pela professora requerem respostas curtas com


predominância das iniciações de escolha e de produto.

Aula 8 – 28/11/2012 – Mexilhão dourado

Na aula 8 foi feito o fechamento do “projeto” - como várias vezes a professora


destacou. A aula consistiu na apresentação de slides com um projetor multimidia sobre o
mexilhão dourado, que supostamente chegou ao litoral brasileiro na água de lastro de um
navio chinês.

Nessa aula foram retomados os conceitos trabalhados em todas as anteriores,


com destaque para “presa-predador”. Iniciando a discussão pela retomada da aula 7 onde
foram trabalhados os resultados do jogo “presa-predador”, perguntou aos alunos “o que
acontecia lá naquele jogo?”

Alunos n.i.: comiam...


49
Professora: quem comia o que? (Varios alunos levantam a mão e alguns respondem)
Aluno n.i.: o tapiti comia o coelho (confundindo os animais e seus predadores, ao que
outros discordam)
Professora: um de cada vez... espera aí... o Emerson começou
Emerson: os tapitis comiam as plantas e... a jaguatirica comiam os tapitis
Professora: ahan... (outros alunos falam frases equivalentes a do Emerson)
Professora: e por que acontecia isso, o tapiti comia a planta?
Aluna n.i.: porque ele é predador.
Professora: e uma coisa legal que ela falou... e o tapiti... era só predador?
Varios alunos: não... presa.
Professora: sim... as vezes ele era predador e as vezes era presa... e quando ele era presa,
quem era o predador?
Vários alunos: a jaguatirica
Professora: a jaguatirica... e a plantinha, era o que?
Vários alunos: presa
Professora: presa, isso... agora nas figuras que nós vamos ver vão falar sobre isso...
olhem... as populações crescem e diminuem. Todas as rodadas do jogo … era a mesma
quantidade que terminava de planta, de tapiti e de jaguatirica?
Alunos: não
Professora: o que acontecia... quando a gente preencheu a tabela... fala Filipe
Filipe: mudava
A professora continua a discussão com os alunos, lembrando os principais
resultados das aulas anteriores, em especial a aula da organização da tabela sobre o jogo
presa-predador. Lembra as regras do jogo, com destaque para o retorno, na rodada
seguinte, como planta, do tapiti e da jaguatirica que não tinham conseguido alimento. A
professora enfatiza que “isso aconteceu porque os animais que não conseguiram alimento
morreram de fome”. Em seguida pergunta:

Professora: e o que acotece com o corpo do animal que morreu lá no mato


Emerson: vai virar adubo
Professora: vai virar adubo (nesse momento a professora lê o texto projetado na tela que
explica a transformação dos animais mortos em nutrientes para as plantas)

A professora fala em vários momentos que “se tiver muito tapiti e pouco
alimento...”, “se tiver muita jaguatirica e pouco tapiti”, mostrando o desequilíbrio causado
no ambiente e que pode levar à extinção (destaca com o tom de voz e falando
50
pausadamente: vai acabando essa espécie) de determinadas espécies. Alguna alunos se
lembram do sapo-cururu e sua dependência em relação aos insetos.

Vários casos de extinção ou de ameaça de extinção são apresentados, seguindo


o roteiro do livro. Aos 22 minutos da aula, é apresentado aos alunos o mexilhão dourado, o
mexilhão viajante (p.103 do livro 4 – CARVALHO, 2011). Com ele é retomado o conceito
de água de lastro.

Professora: quando a água de lastro entra no navio...


alunos: entra lixo... sobra um monte de bagunça
Bagunça é a palavra trazida pela aluna para designar tudo o que entra no navio
com a água de lastro. Na sequencia ela pergunta por que será que a população de mexilhão
dourado aumentou tanto quando trazida para o Brasil. Os alunos respondem:

Aluno n.i.: Tem muita presa.

Segue-se uma discussão sobre excesso de presas e falta de predadores que


explica a explosão populacional do mexilhão dourado. Nesse momento a professora
questiona os alunos sobre o que é necessário para os animais e plantas não morrerem.
Alguns esboçam uma resposta com palavras como “comida”, “alimento”.

A professora pede silêncio

Professora: então... Gabriel... Gabriel...então um animal depende do outro pra


sobreviver... e pra manter o equilíbrio da cadeia alimentar, tem que ter o número
suficiente de cada um... se não falta alimento pra um e aquele animal vai acabar entrando
em extinção.
A palavra “equilíbrio” é dita pela professora novamente, mas agora em um
outro contexto e com outro sentido. Cabe lembrar que equilibrio não aparece no texto
didático utilizado. Vários conceitos em potencial, como “um de lá outro de cá”,
“espalhados”, foram utilizados pelos alunos no contexto em que a professora pronunciou a
palavra equilibrio. Ela surgiu no final de sequencias de enunciados, quando os conceitos
em potencial já haviam sido utilizados pelos alunos. Nesse caso, ela representa uma sintese
que dá sentido a uma série de palavras dos alunos para as quais o experimento confere a
materialidade e os elementos não verbais do “tema” (Bakhtin) que garantem a
compreensão pelos demais. A palavra ainda é alheia (aos alunos). Pertence à professora,
pelo menos no contexo da aula, já que é uma palavra que os alunos conhecem das
situações cotidianas.
51
Esse movimento ilustra muito bem o complexo processo de construção de
conceitos, para o qual as palavras cotidianas densas de sentidos e de representatividade da
realidade material entram em relação a outras palavras contextualizadas, e em uma
estrutura em construção na escola, própria do conhecimento científico. Assim, tanto a
palavra ganha outros sentidos quanto a realidade ganha outras formas mais profundas de
compreensão devido ao uso da palavra em sua estrutura.

Alguns resultados e Considerações Finais

Apresentarei agora o que considero serem resultados da pesquisa,


acompanhados de uma apreciação geral do trabalho realizado.

As análises mostram que a utilização de atividades experimentais no contexto


das SEI coloca os alunos frente a problemas que assumem como deles, exigindo a
elaboração de explicações sobre os fenômenos presentes. Nessas explicações os alunos
utilizam palavras do vocabulário comum, porém estabelecem entre elas relações que
conferem aos enunciados uma estrutura, buscando dar sentido aos acontecimentos da
realidade material investigada. Essa estrutura não contém todos os elementos de uma teoria
científica, não podendo portanto ser caracterizada como ciência. No entanto estão
presentes relações de causalidade que correspondem aos elementos não verbais da
experimentação.

Nesse sentido, considero que o trabalho investigativo utilizando atividades


experimentais é vantajoso do ponto de vista da construção de conhecimentos pelos alunos.
Ele cumpre várias das condições apontadas pelas pesquisas como adequadas e necessárias
ao ensino de ciências, como podemos constatar nos trabalhos de Gil-Pérez (2001):
envolvem situações problemáticas abertas, exigem uma análise qualitativa
significativa, requerm a formulação de hipóteses e de estratégias, esboça-se uma análise
atenta dos resultados, envolvem trabalhos em grupo onde as trocas se assemelham às
comunicações existentes na comunidade científica, com ênfase no fato de que os resultados
de uma só pessoa ou de um só grupo não serem suficientes para confirmar ou refutar uma
hipótese.

A presença das atividades experimentais como a da construção do barquinho,


traz para o contexto da aula o “brincar verdadeiramente”. Os alunos estavam brincando ao
52
realizarem o experimento. Porém a brincadeira tem um objetivo, e na busca de atingi-lo os
alunos discutem entre si utilizando palavras do seu vocabulário comum, cotidiano, mas
articuladas a partir das ações sobre os materiais, e orientadas pelos efeitos e causas
percebidos no experimento. A percepção de uma sequencia de eventos temporalmente
distribuidos, onde a repetição de uma ação traz sempre a mesma consequência, conduz a
articulação das palavras que tentam refletir ou evidenciar, para si e para o outro, uma
relação de causalidade.

Além da relação de causalidade, está presente um procedimento científico


amplamente utilizado, baseado na regularidade do fenômeno: a experimentação para
colocar em prova uma hipótese ou um modelo. Isso é altamente relevante quando se
considera a necessidade de trabalhar nas aulas não apenas os conteúdos e conhecimentos,
mas também procedimentos utilizados na produção do conhecimento científico. Nesse
sentido, fazer a atividade antes de aprender a teoria, ou uma teoria, se aproxima mais da
produção da ciência pois promove a problematização seguida da elaboração de
explicações, e eventualmente, à repetição do experimento para testar a hipótese.

Esta é uma breve descrição das atividades desenvolvidas nesses últimos oito
meses. Considero o saldo geral muito positivo. O contato com outra instituição, com um
grupo de pesquisa consolidado e com muita história no cenário nacional do ensino de
ciências, o rompimento do isolamento que o formato da minha instituição de origem impõe
- com unidades distantes espalhadas pelo estado, tudo isso contribuiu para uma maior
inserção na pesquisa em ensino de ciências. O que posso dizer é que foi uma experiência
decisiva para minha atuação, em especial na graduação em pedagogia e na pós-graduação
em educação, por ter permitido uma ampliação considerável da minha visão sobre a
pesquisa e sobre a formação de professores para as séries iniciais. Trata-se de uma
avaliação pessoal. Neste relatório científico, presto contas do que realizei graças ao
afastamento das minhas atividades de docência, e a partir do exposto, cada leitor terá
condições de fazer sua própria avaliação.

53
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