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Direitos Humanos

Questões em Debate
www.lumenjuris.com.br

eDitOReS
João de Almeida
João Luiz da Silva Almeida

CONSeLhO eDitORiAL

Adriano Pilatti Firly Nascimento Filho Marco Aurélio Bezerra de Melo


Alexandre Freitas Câmara Frederico Price Grechi Marcos Chut
Alexandre Morais da Rosa Geraldo L. M. Prado Marcos Juruena villela Souto
Aury Lopes Jr. Gustavo Sénéchal de Goffredo Mônica Gusmão
Cezar Roberto Bitencourt helena elias Pinto Nelson Rosenvald
Cristiano Chaves de Farias Jean Carlos Fernandes Nilo Batista
Carlos eduardo Adriano Japiassú João Carlos Souto Paulo de Bessa Antunes
Cláudio Carneiro João Marcelo de Lima Assafim Paulo Rangel
Cristiano Rodrigues José dos Santos Carvalho Filho Ricardo Lodi Ribeiro
Daniel Sarmento Lúcio Antônio Chamon Junior Rodrigo Klippel
elpídio Donizetti Luigi Bonizzato Salo de Carvalho
emerson Garcia Luis Carlos Alcoforado Sérgio André Rocha
Fauzi hassan Choukr Manoel Messias Peixinho Sidney Guerra
Felippe Borring Rocha Marcellus Polastri Lima

CONSeLhO CONSuLtivO

Álvaro Mayrink da Costa Cesar Flores João theotonio Mendes de


Amilton Bueno de Carvalho Firly Nascimento Filho Almeida Jr.
Andreya Mendes de Almeida Flávia Lages de Castro Ricardo Máximo Gomes Ferraz
Scherer Navarro Francisco de Assis M. tavares Sergio Demoro hamilton
Antonio Carlos Martins Soares Gisele Cittadino társis Nametala Sarlo Jorge
Artur de Brito Gueiros Souza humberto Dalla Bernardina de victor Gameiro Drummond
Caio de Oliveira Lima Pinho

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PauLa arruDa
Coordenadora

Direitos Humanos
Questões em Debate

CoLaBoraDores
Paula arruda (Doutora – universidade de salamanca – espanha)
Ángela Figueruelo Burrieza (Doutora – universidade de salamanca)
mª teresa López de La vieja (Doutora – universidade de salamanca)
Laura Zúñiga rodríguez (Doutora – universidade de salamanca)
Celma tavares (Doutora – universidade de salamanca)
Daniel sarmento (Doutor – uerJ)
José Claudio monteiro de Brito Filho (Doutor – PuC-sP)
edson Benassuly arruda (mestre – uFPa)

eDitora Lumen Juris


rio de Janeiro
2009
Copyright © 2009 by Paula arruda

Categoria: Direito Constitucional

ProDução eDitoriaL
Livraria e editora Lumen Juris Ltda.

a Livraria e eDitora Lumen Juris LtDa.


não se responsabiliza pelas opiniões
emitidas nesta obra.

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer


meio ou processo, inclusive quanto às características
gráficas e/ou editoriais. a violação de direitos autorais
constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei no 6.895,
de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e
indenizações diversas (Lei no 9.610/98).

todos os direitos desta edição reservados à


Livraria e editora Lumen Juris Ltda.

impresso no Brasil
Printed in Brazil
Colaboradores

PauLa arruDa – Doutora em Direitos Humanos pela universidade de


salamanca (espanha). mestre em direito pela universidade Federal do
Pará. Professora de Direito Constitucional e Direitos Humanos da
universidade da amazônia. Pesquisadora coordenadora nos projetos “os
efeitos das Decisões do supremo tribunal Federal no Controle
Concentrado de normas. estudo Comparado com Portugal”, “Jurisdição
Constitucional e Direitos Fundamentais” e “a proteção dos direitos fun-
damentais no Brasil e na espanha. estudo comparado entre o recurso de
amparo espanhol e as ações constitucionais no Brasil”.
ÁnGeLa FiGuerueLo BurrieZa – Doutora em Direito pela universidade
de salamanca (espanha). Professora Catedrática acreditada de Direito
Constitucional. membro do instituto espanhol de Direito Parlamen-
tário, do Centro de estudos de Direito do estado, do instituto ibero-ame-
ricano de Direito Constitucional, do Centro de estudos da mulher da
universidade de salamanca e da rede Feminista de Direito Cons-
titucional. vice-presidente da associação para o estudo da Democracia,
Cidadania, e Direitos Humanos. Professora honorária da universidade
externado de Colômbia e da universidade de Huánuco no Peru.
mª teresa LoPeZ De La vieJa De La torre – Catedrática de Filosofia
moral e Política da Faculdade de Filosofia, universidade de salamanca.
Projetos de investigação financiados: DGiCYt, Junta de Castilla y León,
6º Programa marco ue, aeCi. investigadora responsável do Gr41,
grupo de excelência da Junta de Castilla y León, unidade associada com
o CsiC em madrid.
Laura ZÚÑiGa roDrÍGueZ – Doutora pela universidade de salamanca.
Professora titular de Direito Penal.
CeLma FernanDa tavares De aLmeiDa e siLva – Doutora em
Direitos Humanos pela universidade de salamanca. Consultora do
unicef/Brasil na área de educação. membro da coordenação colegiada da
onG espaço Feminista. membro do Grupo de investigação sobre Direi-
tos Humanos no Brasil do Centro de estudos Brasileiros da universidade
de salamanca.
DanieL sarmento – Professor adjunto de Direito Constitucional da uerJ
nos cursos de Graduação e Pós-Graduação, Professor da Pós-Graduação
em Direito da FGv/rio, mestre e Doutor em Direito Público pela uerJ,
visiting scholar da Yale Law school, Procurador regional da república.
JosÉ CLauDio monteiro De Brito FiLHo – Doutor em Direito das
relações sociais (PuC/sP). Professor associado i da universidade
Federal do Pará – uFPa. Procurador regional do trabalho. Professor
titular da universidade da amazônia – unama.
eDson BenassuLY arruDa – mestre em Direito pela universidade
Federal do Pará. Professor de Direito tributário da Faculdade ideal –
FaCi. advogado.
apresentação

esta obra apresenta análise crítica sobre várias temáticas relevantes aos
Direitos Humanos proporcionando uma visão pluralista acerca da proteção
destes direitos.
o artigo “CooPeraCiÓn entre Los sistemas De ProteCCiÓn
De Los DereCHos FunDamentaLes en euroPa: uniÓn euroPea
Y eL Convenio euroPeo De DereCHos Humanos” avalia critica-
mente os sistemas europeus de proteção aos direitos humanos discorrendo
sobre o processo de formação de cada sistema, para evidenciar a necessidade
de criação de um sistema integrado, internacional e nacional, harmônico e
uniforme na europa que garanta efetivamente a proteção de direitos.
o estudo “iGuaLDaD Y no DisCriminaCiÓn Por raZÓn De
raZa” analisa a ação das nações unidas, do sistema europeu de garantia dos
direitos humanos e o âmbito de proteção nacional espanhol contra a discrimi-
nação racial.
a temática “BioÉtiCa Y DereCHos FunDamentaLes” aborda a
preservação da integridade física e psíquica no avanço das técnicas da medici-
na e biologia, ressaltando a proibição de práticas eugênicas e de clonagem
reprodutiva em seres humanos, conforme dispõe a Carta de Direitos da união
européia.
em atenção ao combate às práticas de tortura que se constituem nas mais
remotas práticas de ofensa à dignidade humana, o artigo “eL tiPo PenaL De
tortura en La LeGisLaCiÓn esPaÑoLa, a La LuZ De La Juris-
PruDenCia naCionaL e internaCionaL” analisa a normativa inter-
nacional de repressão à tortura e situa a proteção à dignidade e à integridade
física e psíquica no sistema constitucional espanhol.
neste caminho, o ensaio “o Direito internaCionaL Dos Direi -
tos Humanos e a ContinuiDaDe Da PrÁtiCa De tortura Por
Parte De aGentes Do estaDo” amplia a discussão avaliando o embate
entre soberania nacional e proteção internacional no enfrentamento à tortu-
ra, enfocando o caso brasileiro.
a tutela jurídica dos direitos sociais é objeto de estudo no artigo “a Pro-
teção JuDiCiaL Dos Direitos soCiais: aLGuns ParÂmetros
ÉtiCo-JurÍDiCos” que parte da análise dos critérios de ponderação judicial
no labor de implementação de políticas públicas.
o estudo “açÕes aFirmativas: FunDamentos e CritÉrios
Para sua utiLiZação” estrutura o conceito de igualdade material anali-
sando a obrigação do estado na consecução de políticas públicas e o estabele-
cimento de critérios para a utilização de ações afirmativas.
Por fim, a efetivação dos direitos sociais por meio da tributação é objeto
de crítica no ensaio “o PaPeL Da triButação na imPLementação
Dos Direitos FunDamentais soCiais”, que avalia a vinculação de tri-
butos para a promoção de direitos.
o conjunto desta obra evidencia a riqueza de seu conteúdo proporcio-
nando que o leitor se mantenha atualizado na temática dos direitos humanos
e suas questões em debate.

PauLa arruDa
Cooperación entre los sistemas de Protección
de los Derechos Fundamentales en europa:
unión europea y el Convenio europeo
de Derechos Humanos
Paula arruda*

sumario: introducción; La unión europea; el Convenio europeo de Derechos Humanos; La


necesaria articulación entre los sistemas de Protección; Conclusión; Bibliografia.

introducción

el presente estudio versa sobre la cooperación judicial internacional para


la protección de los derechos humanos y específicamente tendrá como proble-
ma de análisis la siguiente indagación: ¿Cómo los sistemas de protección de los
derechos humanos deben articularse en europa?
Como hipótesis inicial creemos que las dos vías de protección hoy vigen-
tes en europa, o sea, la unión europea (en adelante ue) y el Convenio
europeo de Derechos Humanos (en adelante CeDH) deben articularse entre
si de manera que alcancen la convergencia de la protección judicial, y además,
se articulen con las normas internacionales globales de protección de los dere-
chos humanos, observando aún los ordenamientos nacionales.
Los objetivos generales del trabajo consistirán en apuntar como los dere-
chos humanos están sendo garantizados en europa y los objetivos específicos
buscarán clarear la necesidad de cooperación entre las varias esferas de pro-
tección (la esfera nacional, la esfera comunitaria y la esfera del CeDH),
teniendo en cuenta que el criterio principal de legitimidad de la actuación
judicial es la garantía de los derechos humanos.
Por supuesto el trabajo se justifica ante las discusiones actuales acerca del
tratado de Lisboa que sustituye al tratado Constitucional para europa (en
adelante tCe) en el reconocimiento de una tabla supranacional de derechos

* maestra en Derecho por la universidad Federal del Pará. Doctora en Derechos Humanos por la
universidad de salamanca. Profesora de Derecho Constitucional y Derechos Humanos de la
universidad de la amazonía. investigadora.
en el sistema de la unión europea. teniendo en cuenta los cambios políticos,
económicos y sociales, y queriendo responder al mismo tiempo a las aspiracio-
nes de los europeos, los Jefes de estado o de Gobierno acordaron unas nuevas
normas para regular el alcance y los procedimientos de la labor futura de la
unión. el tratado de Lisboa permite adaptar las instituciones europeas y sus
métodos de trabajo y consolidar la legitimidad democrática de la unión y la
base de los valores fundamentales.1
en primer momento la declaración normativa de derechos supone res-
puesta a las cobranzas comunitarias para la elaboración de un catálogo de
derechos humanos en la ue, enfatizando el carácter de autonomía del dere-
cho comunitario.
el tratado de Lisboa supone la salida de la crisis constitucional frente al
tCe que establecía una “Constitución” para europa tras el rechazo de su rati-
ficación en las consultas populares de Francia y Holanda.
sin embargo, las principales innovaciones para el nuevo tratado de la ue
se relacionan a la ratificación normativa de la Carta de derechos fundamenta-
les de niza por la mención del artículo 6.1 y al carácter imperativo de conver-
gencia al CeDH, establecido en el artículo 6.2, que determina la adhesión de
la ue a ese sistema. actualmente hay dos sistemas judiciales distintos en el
ámbito de protección europeo: de un lado el tribunal de Justicia de las
Comunidades europeas (en adelante tJCe), y de otro, el tribunal europeo de
Derechos Humanos (en adelante teDH).
La dualidad jurisdiccional, podría dar causa a decisiones divergentes ins-
talando problemas de “inseguridad jurídica”, una vez que los países de la ue
coinciden en la adhesión al CeDH, pero los dos sistemas de protección toda-
vía desempeñan actividades autónomas. ese problema será atenuado con la
entrada en vigencia del tratado de Lisboa.
Por otro lado, al mismo tiempo que el tratado de Lisboa representará la
convergencia entre los sistemas de la ue y del CeDH, las negociaciones polí-
ticas para la adhesión a ese normativo internacional impulsó una regresión en
la idea de supremacía del derecho comunitario frente al derecho constitucio-
nal nacional debido a las exigencias de Polonia y del reino unido para adhe-
rir al Protocolo sobre la aplicación de la Carta de Derechos Fundamentales.
el apartado segundo del artículo 1 enuncia que “en particular, y a fin de no
dejar lugar a dudas, nada de lo dispuesto en el título iv de la Carta crea dere-

1 Los objetivos del tratado de Lisboa han sido frecuentemente reiterados en los espacios oficiales
de divulgación de las acciones de la ue, conforme se observa en el sitio web oficial: http://euro -
pa.eu/lisbon_treaty/take/index_es.htm
chos que se puedan defender ante los órganos jurisdiccionales de Polonia o del
reino unido, salvo en la medida que Polonia o el reino unido hayan contem-
plado dichos derechos en su legislación nacional”.
Callejón (2007) cuestiona si europa ha pasado de la Carta de Derechos a
los derechos a la Carta, en concreto para el reino unido y para Polonia, caso
en que la integración política y económica estará perjudicada. Podemos obser-
var como todavía sigue complejo el proceso de integración político europeo,
razón por la cual dedicaremos especial atención a la actuación de la ue en la
protección de los derechos humanos.
el estudio se desarrollará en tres etapas: la actuación de la unión
europea; la protección según el Convenio europeo de Derechos Humanos; y
por fin, la articulación entre las distintas esferas de protección, en cuanto cri-
terio de legitimidad de la protección de los derechos humanos. veremos a
seguir.

La unión europea

tras la ii Guerra mundial, en 1946, Coudenhove-Kalergi impulsó una


unión Parlamentaria europea. La unión Parlamentaria se reunió en Gstaad
donde aprobó un documento reclamando una unión federal para evitar el
riesgo de una nueva guerra. se reunió en Haya un Consejo europeo que
incluía el Consejo Francés para una europa unida, la Liga independiente para
la Cooperación europea y el movimiento de la europa unida.
ruiz miguel (2004) destaca que el Congreso europeo de Haya y la unión
Parlamentaria europea fueron la semilla del Consejo de europa. el Consejo
europeo aprobó un informe Político que, en su segunda parte, declaraba el
propósito de que los miembros del Consejo de europa deberían suscribir una
declaración de derechos humanos como condición para su entrada en el
mismo. añadían dos exigencias: que los estados deberían reconocer a ese
Consejo “el derecho de hacer asegurar el respeto” a los derechos humanos; y,
que se constituiría un “tribunal europeo independiente” a cual “todo miem-
bro podría someter los casos en los cuales la declaración de derechos parecie-
ra haber sido violada”.
Corcuera atienza (2002) destaca que la Comisión Jurídica del
movimiento europeo elaboró un primer proyecto de Convenio que fue pre-
sentado en la Conferencia de Bruselas, de febrero de 1949. en 5 de mayo del
mismo año el Consejo de europa fue constituido. en 19 de agosto hubo la
asamblea General para la elaboración del proyecto de Convenio, pero se
pusieron las discrepancias entre los “federalistas” europeos y los “estatalistas”
nacionales. el Comité de ministros se reunió en roma firmando el Convenio
europeo para la protección de los derechos humanos en 4 de noviembre de
1950 y ante la imposibilidad de llegar a un acuerdo unánime no se recogieron
todas las enmiendas hechas por la asamblea Consultiva, desvirtuándose en
gran medida el texto a través de formulas de compromiso.
a vista del fracaso, proponentes “europeístas” buscaron una vía alterna-
tiva, lo que sugirió robert shuman por la solidaridad de hecho, proponiendo
“situar el conjunto de la producción franco-alemana de carbón y acero bajo
una alta autoridad común, en una organización abierta a la participación de
otros países de europa”. el llamamiento de shuman dio origen a la
Comunidad europea del Carbón y del acero (en adelante CeCa) creada en
París, en 1951, con la concurrencia de alemania, Francia, italia, Bélgica,
Holanda y Luxemburgo.
matía Portilla (2002) adujo que la CeCa iniciaría un proceso de cons-
trucción económica europea distinto del proceso político patrocinado por el
Consejo de europa. La consecuencia fue la bifurcación de la unidad europea
entre la CeCa y el Consejo de europa. sin embargo, dada la aceptación y for-
tuna de la CeCa, se intentó lograr la unión política con los seis estados que
emprendieron el camino de la solidaridad económica. en 1952 se elaboró un
proyecto de tratado instituyendo la Comunidad europea de Defensa (en ade-
lante CeD) comprendida como una etapa esencial para lograr la unión políti-
ca. en la CeD se establecía que las intervenciones militares serían toleradas
solamente “en la medida necesaria para el cumplimiento de su misión y res-
petando las libertades públicas y los derechos humanos de los individuos (art.
3.1 del proyecto).
Fernández tomáz (2001) informa que en estrecha relación con el pro-
yecto de la CeD, una asamblea “ad hoc” compuesta por la asamblea
Parlamentaria de la CeCa y los seis estados miembros adoptó en estrasburgo,
en 1953, un proyecto de tratado sobre el estatuto de la Comunidad europea
(en adelante eCe) previendo una Comunidad Política europea con inspira-
ción federalista que contenía referencias a los derechos humanos. Los seis
estados sabían que ese paso hacia la unión política interferiría en el proceso
dirigido por el Consejo de europa y previeron un mecanismo de articulación
entre ambos procesos, dispuesto en el art. 43 del proyecto del eCe.
Dicho normativo preveía que cualquier ciudadano pudiera recurrir en
defensa de sus derechos humanos ante el tJCe y se admitiría la suspensión de
las sentencias del tJCe sobre derechos humanos hasta que el teDH (del
Consejo de europa) emitiera su sentencia, objetivando lograr convergencia
entre los dos procesos de unidad europea.
el proceso político de unión europea del Consejo de europa y el proceso
económico iniciado por la CeCa fracasaron, en 1954, cuando el Parlamento
francés bajo la presión de “gaullistas y comunistas” rechazó ratificar el tratado
de la CeD, implicando el congelamiento del proyecto de Comunidad Política
europea. así se consumó el proceso de bifurcación de la construcción europea.
Por un lado, el Consejo de europa promovía la unión política mediante el
CeDH, y por el otro lado, la CeCa fundaba, en 1957, dos nuevas comunidades:
la Comunidad económica europea y la Comunidad de la energía atómica.
Chueca sancho (2002) relata que consumada la derrota democrática del
proceso de construcción político europeo la corriente “europeísta” se hizo
fuerte entre los miembros del tJCe que actuó articulándose en torno a dos
ideas fundamentales: que los tratados comunitarios generasen directamente
derechos para los particulares, arguidos ante los tribunales nacionales; y que
el derecho comunitario predominase sobre el derecho nacional en caso de
conflicto.
La primera idea se manifestó en la sentencia van GenD & Loos, de
1963, y la segunda idea en la sentencia Costa, de 1964. ambas ideas supo-
nían un impulso al proceso de construcción política europea siguiendo el
modelo federalista estadounidense, en el cual el tribunal supremo
estadounidense afirmó la Constitución como norma jurídica obligatoria, y por
eso, el derecho constitucional era superior al derecho nacional de los estados
federados. entretanto, a la diferencia de la formación norteamericana el pro-
ceso que había en europa no se revestía de la homogeneidad social, política y
cultural. además, la normativa comunitaria (supranacional) pretendía impo-
nerse a las Constituciones de los estados soberanos.
ugartemendia eceizabarrena (2001) reflexiona que las ideas articuladas
en las sentencias Costa y van GenD & Loos constituían la base de la
expansión del derecho comunitario en detrimento de los derechos nacionales
de los estados, pero los derechos fundamentales se hallaban reconocidos en las
Constituciones nacionales, y en cambio, no estaban reconocidos derechos
humanos en los documentos de la ue, una vez que fracasaran los intentos de
la CeD y del eCe.
La gran dificultad del derecho comunitario se encontraba en justificar la
preferencia de un derecho supranacional que no consagraba derechos huma-
nos sobre el derecho estatal que lo hacía. el tJCe en la sentencia stauDer
ratificó la idea de validez de la supremacía comunitaria afirmando que “los
derechos de la persona se hallaban comprendidos en los principios generales
del derecho comunitario, cuyo respeto garantizaba el tribunal”.
La doctrina sentada en la sentencia stauDer encontró su confirmación
en la sentencia internationaLe HanDLsGeseLLssCHFt reiterando los
principios de autonomía y primacía del derecho comunitario.
matía Portilla (2002) destaca que el entendimiento expendido por el
tJCe hizo con que italia y alemania se rebelasen. el tribunal Constitucional
italiano (en adelante tCi) replicó, en 1973, en la sentencia Frontini, que
italia y otros estados miembros de la ue habían conferido y reconocido deter-
minados poderes soberanos a la Comunidad, constituyéndola como institu-
ción caracterizada por un ordenamiento jurídico autónomo e independiente.
sin embargo, dicho reconocimiento representaría una transferencia parcial a
los órganos comunitarios de la función legislativa de los estados, a partir de
un criterio de reparto de competencias para las materias indicadas en las
Partes ii y iii del tratado. en efecto, la transferencia parcial de la competen-
cia legislativa no significaría la primacía del derecho comunitario sobre el
ordenamiento nacional de los estados.
Poco después el tribunal Constitucional Federal alemán (en adelante
tCFa) se pronunció en la sentencia soLanGe i que en caso de conflicto
entre el derecho comunitario y el derecho interno, no era suficiente hablar de
primacía. en efecto, el art. 25 de la Ley Fundamental de Bonn otorga prima-
cía al derecho internacional sobre el derecho legal nacional, pero no sobre el
derecho constitucional alemán.
rainer arnold (2002) reflexiona que los derechos fundamentales consti-
tucionales de los estados no podrían ser alterados, ni suprimidos, y se no esta-
ban garantizados por el derecho comunitario, la reserva del art. 24 de la Ley
Fundamental de Bonn mantendría su validad. en conclusión, el tCFa, afirmó
que “para proteger los derechos fundamentales garantizados en la ley funda-
mental alemán sólo sería competente el propio tribunal Constitucional”, de
manera que ese tribunal no decidiría sobre la validez de las normas comuni-
tarias sino sobre la obligación de inaplicarlas, cuando se las considerase
inconstitucional, mismo después que hubieran sido interpretadas por el tJCe.
ruiz miguel (2004) destaca que delante de las divergencias presentadas
por italia y alemania, el tJCe buscó la pacificación por medio de la doctrina
del llamado “estándar máximo de protección” que se inauguraba con la sen-
tencia noLD. esa jurisprudencia reafirmaba las decisiones anteriores, pero
añadía dos parámetros de análisis: “que los instrumentos internacionales rela-
tivos a la protección de los derechos del hombre en los cuales los estados
miembros hubieran cooperado o que se los hubieran adherido, podrían igual-
mente proporcionar indicaciones que serían convenientes tener en cuenta en
el derecho comunitario; y, que el tJCe no podría admitir medidas incompati-
bles con los derechos fundamentales reconocidos y garantizados por las
Constituciones de los estados”.
esa posición maximalista quedó definida por la sentencia Hauer que
añadió a la doctrina anterior una mención expresa acerca de la necesidad de
observancia del CeDH y de la Declaración Común de la asamblea del Consejo
de europa, de 5 de abril de 1977, articulando el derecho comunitario con las
tradiciones comunes de los estados miembros.
sin embargo, la doctrina del “estándar máximo” interfería en los estados
que no habían reconocido ciertos derechos fundamentales y que se veían obli-
gados a hacerlo al incluirse los derechos humanos como parámetro del dere-
cho comunitario. el problema se planteaba especialmente en el reino unido,
que hasta 1998, se opuso a reconocer una tabla de derechos fundamentales.
Jöel rideau (2002) informa que para resolver el problema el tJCe pro-
nunció una nueva doctrina, la doctrina del “estándar mínimo” iniciada en la
sentencia nationaL PanasoniC que equiparaba los instrumentos inter-
nacionales a las tradiciones constitucionales comunes, considerando a ambos
como fuente del derecho comunitario.
a principios de los años ochenta el Parlamento europeo tomó varias ini-
ciativas hacia el proceso “político” de construcción europea, pues entendía
que el proceso “económico” de la ue ya se presentaba estable. en efecto, fue-
ron dictadas la resolución, de 1982, sobre las orientaciones relativas a la
reforma de los tratados y la resolución, de 1983, sobre el contenido del ante-
proyecto de tratado de la ue, conducido por spinelli, en el cual se presenta-
ban importantes referencias a los derechos humanos. sin embargo, tal inten-
tó fracasó.
el paso siguiente hacia la unión política fue el acta Única europea (en
adelante aue), firmada en Luxemburgo, en 1986, modificando los tratados
originarios de las Comunidades. el compromiso relacionado a los derechos
humanos consistió en una mención a esos derechos en el Preámbulo del
tratado de la Cee, en los párrafos 3º y 5º del aue.
el tratado de la unión europea (en adelante tue), de 1992, firmado en
mastrique, posibilitó un nuevo proceso político de unión europea que a pesar
de enfrentar posiciones “europeístas” versus “estatalistas”, logró consagrar en
su articulado la recepción de los derechos humanos.
ruiz miguel (2004) opina que el tue, en el art. F.2, resultaba importan-
te consagrando la doctrina del “estándar mínimo” así como haciendo referen-
cia a que se garantizase el Convenio europeo. Dicha previsión se orientaba
hacia la convergencia entre los procesos de unión europea que de un lado
fuera liderado por las Comunidades europeas, y por otro lado, protagonizado
por el Consejo de europa. en efecto, el tue no excluyó expresamente la com-
petencia del tJCe para decidir sobre las controversias judiciales acerca de los
derechos humanos, y aprovechándose de la omisión, el propio tJCe se auto-
atribuyó dicha competencia reiterando los dos sistemas de protección de los
derechos humanos (el sistema del tJCe y el sistema del teDH).
ugartemendia eceizabarrena (2001) subraya que la orientación jurispru-
dencial del tJCe sostiene que los derechos humanos están comprendidos en
los principios generales del derecho comunitario. en consecuencia el tribunal
de Luxemburgo (el tJCe) deberá garantizar el respecto a estos derechos en el
ámbito comunitario.
una vez más, se ponía de manifiesto el problema de las dos vías existen-
tes para la unificación política europea, que vendría suscitar las interrogantes
sobre la posibilidad de la ue adherir al sistema europeo de protección a los
derechos humanos. Para aclarar el asunto el Consejo de la ue solicitó al tJCe
un dictamen al amparo del art. 228 del tratado de la ue.
rainer arnold (2002) afirma que el dictamen fue emitido casi dos años
después aduciendo que la doctrina de la “autonomía comunitaria” sufriría un
cambio sustancial en el caso de adhesión al sistema europeo de protección de
los derechos humanos, pues dicha adhesión implicaría la inserción de la ue en
un sistema institucional distinto. además, informó que según el art. 3B del
tratado de la ue “la Comunidad sólo disponía de competencias de atribución”,
y por eso, no tenía competencia para decidir sobre la temática de los derechos
humanos. a juicio del tJCe, la adhesión al CeDH “tendría una envergadura
constitucional y sobrepasaría a los límites del art. 235”, lo que supondría que la
adhesión sólo podría ocurrir con una modificación del tratado.
Con ese posicionamiento el tJCe cerró, en primer momento, la posibili-
dad de convergencia entre los dos procesos de construcción política europea.
Chueca sancho (2002) destaca que en el ámbito de protección de los
derechos humanos establecido por la ue, el tratado de la unión europea que
fue firmado en mastricht, en 1992, revisado en 1997 por el de tratado de
Ámsterdam y después revisado en niza, en 2000, establece la adhesión de los
estados de la unión europea a la protección de los derechos humanos, exten-
didos en tres pilares: el de las Comunidades europeas; el de la Política exterior
y de seguridad Común; y el de la Cooperación Policial y Judicial en materia
penal, sobresaliendo el respecto a los derechos humanos como condición
imperativa de la adhesión (art. 6, § 1, y art. 49 del tue).
Fonseca morillo (2002) analiza que el sistema de protección de los dere-
chos humanos que fue completado en niza, en 2001, consistiría en la suspen-
sión del estado miembro de los derechos dimanantes de su pertenencia, pero
no se le suspendería en sus obligaciones vinculantes en caso de violación a los
tres pilares descritos.
siguiendo las normas procesales de la ue el estado implicado podría hacer
su defensa en cualquier fase del proceso. ese seria desarrollado en cuatro etapas:
la preventiva (constatación de riesgo de violación grave. art. 7.1 del tue); la
central (existencia de violación grave. art. 7.2); la sancionatoria (definición de
la sanción. art.7.3); y la final (implementación de las sanciones. art.7.4).
Cuanto a la sanción adoptada por el órgano político (el Consejo) con muy
escaso control judicial, debería deducirse que la suspensión estaría prevista en
el art. 7 del tratado. Participaría el Parlamento europeo, pero sólo en la fase
de riesgo y en la constatación de violación.
en efecto, el tratado que constituiría una “Constitución” para europa
enfrentó resistencia de Francia y Holanda que rechazaron su ratificación en
2005. el tratado de Lisboa surge en ese escenario como un nuevo intento de
unificación política democrática en europa, pero se limita a tribuir a la Carta
de Derechos Fundamentales “el mismo valor jurídico que los tratados”, sin
incorporar el texto de la Carta en su articulado.
torrez Pérez (2008) aduce que “la aparición de la Carta en el escenario
del derecho originario no se produce por la puerta grande, sino por remisión
del art. 6.1 tue (ahora referenciado por el tratado de Lisboa), en línea con el
esfuerzo de “desconstitucionalización” del tratado de reforma después del fra-
caso del proyecto constitucional y de acuerdo con el mandato del Consejo
europeo (Bruselas, junio 2007). el método y el texto del art. 6.1 tue reflejan
los temores y reticencias que todavía provoca la Carta, sobre todo desde la
perspectiva de la relación entre ordenamientos”.

el Convenio europeo de Derechos Humanos

Conforme hemos esclarecido en el apartado acerca de la formación de la


ue, tras la ii Guerra mundial surgen movimientos ávidos por la unión políti-
ca en europa, como por ejemplo, el movimiento de europa unida, la Liga
económica para la Cooperación europea, el Consejo Francés para la europa
unida, la unión europea de Federalistas y el movimiento socialista para los
estados unidos de europa, todos los cuales formaron, en 1948, el Comité
internacional de movimientos para la unidad europea.
Fonseca morillo (2002) destaca que ese Comité convocó el Congreso de
europa, en 1948, y como resolución final se indicó la redacción de una Carta
de Derechos Humanos y el establecimiento de un tribunal de Justicia. tras la
conclusión del Congreso de Haya, se creó el “movimiento europeo” que
comenzó a idealizar el CeDH, dando pasos para la creación del Consejo de
europa que posteriormente aprobaría dicho Convenio.
el tratado de Bruselas firmado, en 1948, preveía la creación de un
Consejo consultivo compuesto por los ministros de asuntos exteriores de los
países miembros para discutir la elaboración del CeDH. el ministro m.
Bidault propuso al Consejo consultivo la creación de un Parlamento europeo.
Concluidas las discusiones se estableció una asamblea internacional de carác-
ter parlamentario, pero con competencias consultivas que firmó el estatuto
del Consejo de europa, en 1949.
Bujosa vadell (1997) informa que la sección jurídica del movimiento
europeo redactó el proyecto del Convenio europeo. en la sección de agosto,
de 1949, la asamblea internacional propuso el establecimiento de una organi-
zación dentro del Consejo de europa para asegurar los derechos humanos. el
Comité para Cuestiones Legales y administrativas emitió el informe
“teitgen” disponiendo que la introducción de los derechos sociales al texto del
CeDH debiera ocurrir en momento posterior, cuando los países lograsen esta-
bilidad económica.
sin embargo, el Comité de ministros convocó una Conferencia que,
basándose en los trabajos del Comité de expertos de los Gobiernos de los paí-
ses integrantes, preparó un nuevo proyecto del CeDH definiendo con detalle
los derechos protegidos. además, se previó que el teDH sólo tendría compe-
tencia jurisdiccional en relación a los países que lo aceptasen expresamente.
eissen m. a. (1985) relata que el proyecto fue sometido a la asamblea
internacional, en 1950, siendo aprobado con algunas matizaciones: la inclu-
sión de un preámbulo en el CeDH; la determinación de un número mínimo
de estados para aceptaren la jurisdiccional del teDH; la inclusión de la
enmienda de la “cláusula colonial” para aplicación inmediata del CeDH en las
colonias; y la incorporación de otros derechos, como por ejemplo, el derecho
a poseer bienes.
el Comité de ministros aceptó las alteraciones previstas, y de ese modo,
el CeDH fue ratificado, en 1950, entrando en vigor, en 1953.
Carrillo salcedo (2003) destaca que el Convenio europeo fue completa-
do por trece Protocolos, adoptados entre 1952 y 2002, siendo que seis de eses
Protocolos ampliaron el catálogo de derechos protegidos (así se presentan los
Protocolos 1, 4, 6, 7, 12 y 13).
informa el autor, que el Convenio europeo y sus Protocolos adicionales
son tratados multilaterales restringidos, en el sentido de que sólo los estados
miembros del Consejo de europa pueden ser parte en ellos, conforme párrafo
tercero del Preámbulo del CeDH, que dispone como finalidad del Consejo de
europa realizar unión estrecha entre sus miembros.
Garberí LLobregal (1999) adujo que el teDH se convirtió en el principal
mecanismo de garantía de los derechos humanos instituido en el CeDH, debi-
do a su carácter jurisdiccional. en 1998, entró en vigor el Protocolo nº 11 que
perfeccionó el sistema europeo de protección de los derechos humanos, tra-
yendo como reformas: el carácter permanente del teDH y su jurisdicción
obligatoria; la legitimidad activa de los particulares, tras agotamiento de las
vías internas en los estados; y, la limitación a la competencia del Comité de
ministros del Consejo de europa para vigilar la ejecución de las sentencias
dictadas por el tribunal.
sánchez Legido (1995) adujo que el Protocolo nº 11, posibilitó una refor-
ma centrada en “la necesidad de consolidar el carácter independiente y judi-
cial del sistema de protección, haciéndolo además, plenamente accesible al
individuo”.
no obstante, la reforma del Protocolo nº 11 no fue suficiente para garan-
tizar satisfactoriamente la protección de los derechos humanos. el gran núme-
ro de procesos que llegan hasta el teDH ha perjudicado el efectivo funciona-
miento del sistema de protección de los derechos humanos.
Queralt Jiménez (2003) analiza la necesidad de discusión sobre una
nueva reforma del procedimiento, ante la situación de colapso en la que se
encuentra el sistema de protección previsto por el CeDH.
La autora apunta las reformas indicadas: crear una instancia apta a exa-
minar la admisibilidad de las demandas; adoptar el método de trabajo que uti-
liza el tribunal supremo de estados unidos, por medio del writ of certiorari,
para resolver mediante sentencia sólo los asuntos elegidos segundo su relevan-
cia; convertir el teDH en una instancia de consulta, de forma similar al tJCe;
regionalizar el mecanismo europeo de garantía de los derechos humanos,
creando tribunales europeos de derechos humanos en las distintas grandes
zonas de europa; o duplicar el número de jueces que componen el teDH.
en ese sentido los autores se han posicionado por lo que denominan la
necesidad de “reforma de la reforma”.

La necesaria articulación entre los sistemas de Protección

rainer arnold (2002) afirma que en la europa de hoy existen tres nive-
les de derecho constitucional: el nivel de los ordenamientos constitucionales
de los estados miembros, el nivel del Convenio europeo de Derechos
Humanos y el nivel del ordenamiento comunitario.
Las razones para cualificarlos como niveles constitucionales se relaciona-
rían a los hechos de que la ue sustituye progresivamente el poder nacional de
los estados miembros, con la consecuencia de que las funciones constitucio-
nales se conviertan en funciones supranacionales; y en el caso del CeDH, se
puede calificarlo como tercer nivel constitucional porque sus garantías se
incorporarían al sistema nacional de protección del individuo.
estos tres niveles constitucionales en europa son niveles jurídicamente
separados, autónomos, pero que se influyen recíprocamente.
en efecto, nos cumpliría indagar: ¿Cómo resolver un posible conflicto
que se vaya presentar entre los tres niveles de protección de los derechos?
¿Debe ser aplicado un reglamento comunitario incompatible con la Ley fun-
damental? ¿Qué ordenamiento es decisivo?
rainer arnold (2002) analiza que el tCFa, en su decisión soLanGe ii,
actuó en un sentido equilibrado entendiendo que la protección de los dere-
chos fundamentales no es restricta a las normas internas del estado. Cuando
se aplican normas del derecho comunitario en la esfera interna del estado, la
aplicación es consecuencia de que estas normas sean compatibles con los dere-
chos fundamentales de los estados.
se trata de un sistema de sustitución de las normas constitucionales por
las normas supranacionales en la protección de los derechos fundamentales.
el tCFa pronunció que es tarea del tJCe controlar el respecto a la norma
comunitaria, así como, es tarea del tCFa controlar la presencia de una pro-
tección suficiente del individuo en el nivel comunitario. en ese sentido, hay
una relación de cooperación entre los dos tribunales.
sin embargo, además de alemania, otros tribunales Constitucionales (en
adelante tC’s) relativizan o no reconocen el principio de la supremacía del
derecho comunitario, conforme podemos observar en sus jurisprudencias: el
italiano no reconoce la primacía del derecho comunitario, basándose en una
transferencia parcial de poderes; en el mismo sentido está el español, enten-
diendo que en caso de divergencia, se debe aplicar el derecho nacional y no el
comunitario. Por fin hemos referenciado los casos de Polonia y reino unido
que insisten a no someterse a los derechos contemplados en la Carta que no
estén asegurados en su ordenamiento nacional.
en conclusión, afirma rainer arnold (2002) que a pesar del CeDH haber
sido el punto de referencia de la protección de los derechos humanos durante
un período de diez años, el desarrollo de los derechos humanos en el ámbito
comunitario se convirtió en autónomo, siendo creado por el tJCe un cuerpo
jurisprudencial para la resolución de nuevos conflictos, distinto de la protec-
ción jurisdiccional del teDH. De esa forma, los conflictos entre esos dos nive -
les de protección de los derechos humanos (del tJCe y del teDH) no se resuel-
ven de manera uniforme; y además, el conflicto entre el nivel constitucional
de los estados y el nivel supranacional de la ue tampoco está solucionado, pues
el principio de la primacía comunitaria ha sido relativizado por los tC’s.
Cuanto al primer problema el artículo 6.2 del tratado de Lisboa viene a
matizarlo determinando la adhesión de la ue al sistema del CeDH. sin embar-
go, persiste la dificultad en uniformizar la protección de los derechos huma-
nos en el ámbito de los derechos fundamentales de los estados.
Los problemas de interpretación y aplicación del derecho entre el orden
comunitario y sus estados miembros se encuentran en las diferencias de defi-
nición del estándar comunitario de protección, que se realizan sobre la base
crítica y valorativa de los sistemas nacionales en el proceso dialéctico de libe-
ración. en ese sentido resulta interesante analizar cual sería la solución apta
para armonizar los tres niveles de protección de los derechos humanos
en efecto, Jöel rideau (2002) entiende que la proclamación de la Carta
de Derechos Humanos, en niza, reforzó el sistema de protección de la ue. a
pesar de no haber sido incorporado su texto en el tratado de Lisboa, ese se le
otorga expresamente fuerza vinculante.
en ese sentido, Fonseca morillo (2002) informa que el contenido de la
Carta de derechos fundamentales de la ue proclamada en la reunión del
Consejo europeo de niza, presentes el presidente del Parlamento europeo, el
Presidente del Consejo de la ue y el Presidente de la Comisión europea, con-
sagra los principios de universalismo e indivisibilidad de los derechos huma-
nos. Dicho documento se inspira en las tradiciones nacionales de sus 15
estados y en fuentes internacionales. tiene como objetivo esencial poner de
manifiesto ante los ciudadanos de la ue la importancia sobresaliente de los
derechos humanos y su alcance.
se previó una cláusula de stand still, en el art. 53 de la Carta, cuyo obje-
tivo sería preservar el nivel de protección existente en el derecho de la ue, en
el derecho de los estados miembros y en el derecho internacional.
Las autoridades sujetas al respecto de los derechos enumerados están en
el art. 51, ap. 1. La Carta no puede aplicarse a las actividades nacionales que,
cayendo fuera del ámbito de aplicación del derecho de la ue, se refieren a
ámbitos propios de las competencias nacionales. el concepto de aplicación
procede de la jurisprudencia del tJCe (sentencia de 13/04/2000, asunto
C-292/97, citado en el documento Convent 49). Las instituciones sujetas
están definidas en el art. 7 del tue y art. 308 del mismo diploma.
Fonseca morillo (2002) informa que los derechos previstos en la Carta de
niza son otorgados a todas las personas, sin distinción de sexo, nacionalidad o
residencia, manteniendo especial relación con los derechos del CeDH.
entretanto, los derechos políticos stricto sensu (arts. 39, 40 y 46) son
reservados a los ciudadanos de la ue. Con excepción de esos tres derechos los
demás derechos enumerados en el Capítulo v (ciudadanía) se extienden
expresamente a todos los residentes, y además, se los pueden conceder a cual-
quier persona que esté bajo la jurisdicción de los estados miembros de la ue.
Con el tratado de Lisboa podemos considerar que el teDH podrá tor-
narse una especie de jurisdicción suprema que garantice la interpretación uni-
forme, corrigiendo las divergencias entre los sistemas de protección de los
derechos humanos. La adhesión podrá suponer la sumisión de la unión
europea al sistema jurisdiccional del Convenio europeo, en términos del art.
62 del CeDH, que impone un mecanismo propio de resolución de conflictos
entre las partes.
el dispuesto en el artículo 6.2 del tratado de Lisboa resolverá las diver-
gencias anteriormente ocurridas entre la ue y el CeDH que caminaban en el
sentido de que las demandas interpuestas ante la Comisión europea de
Derechos Humanos del CeDH eran rechazadas por manifiestamente infunda-
das. Fue declarada inadmisible rationae personae la demanda introducida en
el teDH referente a una divergencia entre la ue y un estado miembro.
Queralt Jiménez (2003) reflexiona que situación distinta es el control
sobre las autoridades nacionales. el tribunal de estrasburgo ha reconocido la
autonomía del ordenamiento comunitario, pero sigue controlando los estados
miembros de la ue, una vez que eses países han ratificado el CeDH, en su
mayoría.
Las autoridades estatales están sometidas al control jurisdiccional comu-
nitario de forma directa a través del recurso por omisión e, indirectamente, a
través de las cuestiones prejudiciales que le plantean los órganos jurisdiccio-
nales nacionales. además, se encuentran sujetas al control de estrasburgo por
medio del CeDH.
en consecuencia, en el caso del teDH constatar que los derechos huma-
nos no han sido suficientemente garantizados por el sistema comunitario, el
sistema de estrasburgo podría accionarse e incluso llegar a declarar la respon-
sabilidad del estado miembro por una violación del CeDH. Las competencias
de la ue serán modificadas para adecuarse al CeDH. en ese sentido, la
Comisión europea ya se declaró competente para examinar la aplicación
nacional de reglamentos comunitarios en la decisión de 01/07/93, serie a, nº
326, y en la sentencia de 19/04/94, serie a, nº 288.
morenilla allard (1999) analiza que el tribunal de estrasburgo ha acep-
tado incluso controlar la ejecución de las sentencias del tJCe, en los términos
de la sentencia steDH, de 25/02/97.
Para armonizar los niveles internacionales europeos de protección de los
derechos humanos, el tJCe y el tribunal de Primera instancia de las
Comunidades europeas deberán seguir utilizando, y cada vez en mayor esca-
la, el CeDH y la jurisprudencia del teDH a la hora de sentenciar sobre la pro-
tección de los derechos humanos en el ordenamiento jurídico comunitario.
Por su parte, el teDH deberá reconocer la especificidad del derecho
comunitario, cuando está llamado a controlar a los estados miembros dentro
del ámbito de aplicación del derecho comunitario y evitar ciertas impruden-
cias que, a veces, caracterizan su jurisprudencia.

Conclusión

La protección de los derechos humanos en europa se constituye a partir


de la integración entre los mecanismos de protección nacional, comunitaria,
y del CeDH. se hace necesario estar en conformidad con el sistema global de
protección de la organización de las naciones unidas (onu), que en última
instancia será apta a proteger los derechos humanos frente a las violaciones no
combatidas por los sistemas regionales europeo, interamericano y africano.
entendemos que la adhesión del derecho comunitario al CeDH resulta-
rá benéfica evitando la divergencia entre los dos sistemas europeos regionales.
además se hace necesario el desarrollo de un trabajo conjunto que permita
armonizar la actuación del tribunal de estrasburgo con el tribunal de
Luxemburgo, a partir de una redefinición de competencias.
se alcanzará una articulación que se pondrá de acuerdo en la uniformi-
dad de protección de los derechos humanos, evitando divergencias entre las
dos instancias, y además posibilitará mejor desarrollo procesal en el sistema
europeo internacional de protección de los derechos humanos.
Concluimos entendiendo que se hace necesaria la formación de un siste-
ma más uniforme en europa. en ese sentido, es fundamental comprender el
principio de la primacía del derecho comunitario como un criterio de unifor-
midad entre los estados miembros de la ue, pero que debe ser aplicado en
conformidad con el derecho constitucional de los estados, con el CeDH y con
las normas internacionales de protección. La legitimidad de los órganos de
protección a los derechos humanos dependerá siempre de la mejor garantía a
los derechos fundamentales.
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igualdad y no Discriminación
por razón de raza
Ángela Figueruelo Burrieza*

sumario: i. Planteamiento del tema; ii. igualdad y no discriminación; iii. La discriminación por
razón de raza; iv. La acción de las naciones unidas contra la discriminación racial; v. Las accio-
nes contra la discriminación racial en el ámbito europeo; vi. La discriminación racial en el caso
español; vii. Frente a la discriminación los derechos fundamentales; Bibliografia.

i. Planteamiento del tema

Cuando nos aproximamos a la celebración de la efeméride del sesenta ani-


versario de la Declaración universal de Derechos Humanos conviene que nos
detengamos a repensar acerca del significado y alcance de la expresión “dere-
chos del hombre”. en el contexto histórico-espiritual del occidente democráti-
co dicha expresión equivale a afirmar que existen “derechos fundamentales que
el hombre posee por el hecho de ser hombre, por su propia naturaleza y digni-
dad; derechos que le son inherentes, y que lejos de nacer de una concesión de
la sociedad política, han de ser por ésta consagrados y garantizados”.1
si realizamos un recorrido histórico de los derechos humanos no pode-
mos obviar un dato que demasiadas veces ha pasado desapercibido: la concien-
cia clara y universal de tales derechos es una conquista propia de los tiempos
modernos. así las cosas, la evolución de los derechos humanos entre las dos
guerras mundiales fue un reflejo evidente de las tensiones políticas, sociales e
ideológicas que caracterizaron esa época. el auge de los autoritarismos y tota-
litarismos eclipsaron los derechos individuales y, en consecuencia, el retroce-
so que los mismos sufrieron a nivel no sólo europeo sino también mundial
manifestó una preocupación general por asegurar, cuando finalizó la segunda
Guerra mundial, una protección más eficaz de los derechos humanos. Por

* Doctora en Derecho por la universidad de salamanca. Profesora Catedrática acreditada de


Derecho Constitucional. texto de la ponencia presentada en la universidad rey Juan Carlos, en
el marco de las “JornaDas soBre eL 60 aniversario De La DeCLaraCiÓn universaL De DereCHos
Humanos”, celebradas los días 20 y 21 de octubre de 2008.
1 Cfr. al respecto truYoL y serra, a.: Los derechos humanos. Declaraciones y Convenios
internacionales. estudio Preliminar. editorial tecnos, s.a. madrid, 1984. Pág. 11.
ello, en la Conferencia de san Francisco –celebrada del 25 de abril al 26 de
junio de 1945– se aprobó la Carta de la organización de las naciones unidas.
Los autores de esta Carta y quienes pusieron en marcha los mecanismos
de las naciones unidas debieron enlazar con un precedente que no puede ser
olvidado. aunque la sociedad de naciones, cuyo Pacto constituye la i parte
del tratado de versalles de 28 de junio de 1919, no alcanzó la efectividad
deseada no podemos dejar de reconocer el progreso que representó, a pesar de
sus limitaciones, el régimen de protección de las minorías étnicas, linguísticas
y religiosas que comenzó a funcionar bajo sus auspicios. Pero, cualquiera que
sea la relevancia de la regulación internacional de ciertos derechos de la per-
sona humana en el pasado, lo cierto es que, hasta la Carta de la organización
de las naciones unidas no aparece un documento internacional que se dedi-
que expresamente a reconocer derechos humanos. aquí radica la importancia
histórica de la Carta que se limitó a formular el principio de una protección
internacional de los mismos sin desarrollarla por medio de normas concretas.
Con el ánimo de subsanar la falta de una lista concreta de los derechos
humanos que facilitase su efectiva protección, la organización mundial creó
una comisión especial, llamada Comisión de Derechos Humanos, a la cual
encargó elaborar un proyecto de “Declaración”. Éste fue discutido por la
asamblea General, integrada entonces por cincuenta y ocho estados, y apro-
bado como “Declaración universal de Derechos Humanos”, el día 10 de
diciembre de 1948. votaron a favor cuarenta y ocho estados y hubo ocho abs-
tenciones. en el Preámbulo se pone de manifiesto que los derechos humanos
fundamentales tienen su razón de ser en la dignidad intrínseca, en el valor de
la persona humana y en la igualdad de derechos de hombres y mujeres. Por
ello corresponden a todos los miembros de la familia humana derechos igua-
les e inalienables que deben ser protegidos por un régimen de garantías jurí-
dicas para que el hombre no se vea obligado a recurrir al recurso de la rebe-
lión contra la tiranía y la opresión.2
respecto a los derechos enumerados en la Declaración y de cara al tema
que nos ocupa, debemos hacer referencia al artículo 1, donde se precisa que
todos los seres humanos nacen libres e iguales en dignidad y derechos; y, a con-
tinuación, en el artículo 2 se dice literalmente: “toda persona tiene todos los
derechos y libertades proclamados en esta Declaración, sin distinción alguna de
raza, color, sexo, idioma, religión, opinión política o de cualquier otra índole,

2 un comentario exhaustivo de este texto puede consultarse en verDross, a.: Derecho


internacional público. traducido al castellano por a. truyol y serra. ed. aguilar, s.a., 4ª edición.
madrid, 1963. Págs. 505 y ss.
origen nacional o social, posición económica, nacimiento o cualquier otra con-
dición”. Por otra parte, en el artículo 7 se proclama que: “todos son iguales ante
la ley y tienen, sin distinción, derecho a igual protección contra toda discrimi-
nación que infrinja esta Declaración y contra toda provocación a tal discrimina-
ción”. en consecuencia, esa igualdad ante la ley se reconoce en el artículo 10
por lo que respecta al derecho a la tutela judicial efectiva, y en el artículo 16 en
relación al derecho a casarse y a fundar una familia, a partir de la edad núbil, sin
restricción alguna por motivos de raza, nacionalidad o religión.
en cuanto a los derechos enumerados en la Declaración destacan los
relativos a la libertad, que implican necesariamente una abstención por parte
del estado, y otros derechos, denominados de prestación, que implican una
acción positiva de los poderes públicos. Éstos a su vez pueden ser de naturale-
za procesal y política por un lado, y por otro están los derechos sociales que
buscan garantizar la procura existencial de los seres humanos.3
ahora bien, la Declaración no concede a los titulares de los derechos que
reconoce un derecho de acción o de petición ante los órganos de la onu, para
garantizar la tutela efectiva de los mismos; por ello sigue siendo un problema
conocer la obligatoriedad jurídico-internacional positiva de la Declaración
porque la asamblea General de la onu únicamente tiene competencia para
hacer recomendaciones. no se discute la obligatoriedad moral de la
Declaración universal de los Derechos Humanos, pero jurídicamente su sig-
nificado no va más allá de proporcionar una pauta elevada de inspiración y un
criterio superior de interpretación para los órganos llamados a configurar el
derecho internacional positivo. La Declaración es expresión de la conciencia
jurídica de la humanidad, representada en la onu y, en consecuencia, es
fuente de un derecho superior o “higher law”, cuyos principios no pueden ser
desconocidos por sus miembros. su configuración vendrá posteriormente con
un desarrollo convencional o consuetudinario y en todo caso aplicándolo por
vía judicial o arbitral.4
Con todo y en el deseo de reforzar la Declaración y conseguir para los
derechos en ella tutelados una efectiva fuerza vinculante, la Comisión de
Derechos Humanos quedó encargada de elaborar una posterior definición. así,
en 1951, la asamblea General decidió que se articulase en dos Convenios, que

3 Cfr. un desarrollo completo de la naturaleza jurídica de estas categorías de derechos en osuna


PatiÑo, n.: apuntes sobre el concepto de derechos fundamentales. nº 37 de la colección temas
de Derecho Público. universidad externado de Colombia. Bogotá, 1996. De utilidad también la
bibliografía allí citada. Y Los derechos humanos. significación, estatuto jurídico y sistema. PÉreZ
LuÑo, a.e. (editor). Publicaciones de la universidad de sevilla. sevilla, 1979.
4 Cfr. en este sentido truYoL y serra, a.: Los derechos humanos. op. cit. Págs. 30-31.
fueron aprobados el 19 de diciembre de 1966 con el nombre de Pacto
internacional de Derechos económicos, sociales y Culturales, y Pacto
internacional de Derechos Civiles y Políticos; este último fue completado por
un Protocolo facultativo. Dichos documentos son verdaderos Convenios
(Covenants) presentados a la firma y a la ratificación de los estados y prevén
mecanismos que tienden a asegurar la realización práctica de los derechos que
en ellos se enumeran. recogen los derechos enunciados en la Declaración pero
introducen matices y alguna innovación. Por lo que se refiere a la cláusula de
no discriminación por razón de raza cabe destacar los artículos 2.1, 3, 13 y 16
del Pacto internacional de Derechos Civiles y Políticos, y los artículos 2.2 y
13.1 del Pacto internacional de Derechos económicos, sociales y Culturales.
a diferencia de la Declaración ambos Convenios prevén mecanismos que
tienden a asegurar la realización práctica de los derechos reconocidos. Pero
esos mecanismos permanecen en el plano estrictamente internacional, siendo
menor el papel de los particulares –titulares de los mismos– en su control. el
Comité de Derechos Humanos que se establece en la Parte iv del Pacto sobre
Derechos Civiles y Políticos está facultado para recibir comunicaciones de
quienes aleguen ser víctimas de la violación de alguno de los derechos reco-
nocidos en dicho Pacto. Pero no se ha llegado a un auténtico control suprana-
cional porque la decisión y las medidas correctoras dependen del estado que
ha aceptado el Protocolo. Buena prueba de la resistencia de los estados a todo
control supranacional fue el resultado de la votación de la resolución de la
asamblea General que aprobó el Protocolo Facultativo y que obtuvo un ele-
vado número de abstenciones.
Los constitucionalistas preocupados en el análisis de la disciplina que se
dedica al estudio de la libertad y de la igualdad somos conscientes de que la
proclamación de derechos, aunque sea realizada en textos grandilocuentes, ve
reducida su relevancia si los derechos no vienen acompañados de las corres-
pondientes garantías para su tutela efectiva; entre el amplio elenco que el
derecho nos proporciona destacan, por su eficacia, las de naturaleza jurisdic-
cional. Pero, en una sociedad globalizada y multicultural, de la era tecnológi-
ca, todo parece moverse y desarrollarse a escala mundial menos las efectivas
garantías de los derechos humanos; como sucediera en los albores del estado
liberal, el marco de referencia para las garantías de las libertades individuales
sigue estando en los parámetros establecidos por el estado nación. Pues bien,
mientras no se produzca la palingenesia del modelo de organización social y
política en que se desenvuelven las democracias consolidadas de occidente,5

5 un estudio muy completo y razonado sobre este tema lo realiza De veGa GarCÍa, P.:
mundialización y Derecho Constitucional: para una palingenesia de la realidad constitucional.
cualquier estudio del significado y alcance de los derechos humanos en gene-
ral o de alguno de ellos en particular, requiere realizar un análisis global y por-
menorizado. Por ello, en este trabajo nos vamos a ocupar de estudiar el dere-
cho a la igualdad y la no discriminación por razón de raza, pero comenzare-
mos el análisis a nivel internacional, comentando el contenido de los textos
que a dicho nivel lo reconocen, y descenderemos luego al nivel regional euro-
peo (con sus normas e instrumentos de control), para terminar poniendo el
acento en el marco del derecho español. en el caso patrio centraremos nues-
tro interés en el marco constitucional y en las garantías jurisdiccionales esta-
blecidas para su garantía y defensa.

ii. igualdad y no discriminación

el constitucionalismo de la segunda posguerra se destaca porque elevó la


dignidad de la persona humana a la categoría de núcleo axiológico constitu-
cional y valor jurídico supremo del conjunto del ordenamiento jurídico, con
carácter prácticamente general y en ámbitos socio-culturales muy diferentes.
Los horrores de la segunda Guerra mundial impactaron a toda la humanidad
e inspiraron el primer párrafo del Preámbulo de la Declaración universal de
Derechos Humanos de 10 de diciembre de 1948, que literalmente dice así:
“Considerando que la libertad, la justicia y la paz en el mundo tienen por
base el reconocimiento de la dignidad intrínseca y de los derechos iguales e
inalienables de todos los miembros de la familia humana.”
a partir de aquí, en el artículo 1 de dicha norma se proclama que todos
los seres humanos nacen libres e iguales en dignidad y derechos. esos dere-
chos humanos son inherentes a la dignidad del ser humano, se fundamentan
en ella y a la vez son la clave de bóveda de toda la comunidad humana; entra-
ñan, pues, la libre autodeterminación de toda persona a la hora de actuar en
el mundo que la rodea.6

en el tomo ii de las memorias del vi Congreso iberoamericano de Derecho Constitucional. en


conmemoración de los 506 años del nacimiento del pensador florentino Donato Giannotti. i.i.J.
de la unam; i.e.C. Carlos restrepo Piedrahita; instituto iberoamericano de Derecho
Constitucional; universidad externado de Colombia. Bogotá, 1998. Págs. 1509 y ss. no debe dejar
de consultarse la amplia bibliografía citada a la hora de explicar la reducción que actualmente
sufren los espacios políticos.
6 Cfr. FernÁnDeZ seGaDo, F.: La dignidad de la persona como valor supremo del ordenamiento jurí-
dico español y como fuente de todos los derechos. en Jus. rivista di scienze giuridiche, nº 2, anno
L, mayo-agosto de 2003. universitá Cattolica del sacro Cuore. milano.
el constituyente español de 1978 consideró que la dignidad humana y los
derechos inviolables que le son inherentes son fundamento del orden políti-
co y de la paz social (artículo 10.1 de la norma suprema). entre los derechos
inviolables se halla “la igualdad” (artículo 14 de la Constitución española), que
se proyecta como condición jurídica requerida por la propia idea de ser huma-
no. La igualdad, que trasciende el plano de la práctica y se mezcla con el de la
ética, significa paridad en cuanto al tratamiento de la dignidad humana y por
ello equivalencia en cuanto a los derechos fundamentales se refiere. estos, que
son corolario de la dignidad humana, permiten que en el ámbito de su ejerci-
cio todos los seres humanos sean igualmente tratados por el derecho.7
ahora bien, son múltiples las manifestaciones del principio de igualdad
jurídica a comienzos del siglo XXi. Los distintos estados del occidente demo-
crático reconocen, en sus ordenamientos jurídicos, a la igualdad como un pará-
metro fundamental en el plano de la ética, de la política, del derecho, de la eco-
nomía o de la sociedad. se trata de un valor normativo y axiológico que inspi-
ra el desarrollo de los estados sociales de Derecho para avanzar hacia una
mayor integración social, política, jurídica y económica. Pero, no podemos
olvidar que como categoría fundamental posee un carácter multiforme y com-
plejo que la convierten en un concepto controvertido y polisémico.8 su utili-
dad como valor relacional es importante porque vivimos en sociedades profun-
damente desiguales en todas sus facetas; y porque en este mundo globalizado
lo natural son las desigualdades que el sistema genera, creando un elevado
número de excluidos y discriminados, lo artificial será la igualdad jurídica que
debe ser creada por el mundo del derecho. en ese proceso creativo, que impli-
ca el paso de la desigualdad real a la igualdad jurídica, desempeñan un papel
relevante el reconocimiento y la garantía de los derechos fundamentales.
Cuando la dogmática jurídica discute en la actualidad sobre los derechos
fundamentales el principio general de la igualdad ocupa un lugar destacado;
se trata de uno de los derechos más invocados y recurridos y es la piedra angu-
lar de un elevado número de resoluciones judiciales. teniendo en cuenta su
escasa densidad normativa –no en vano se trata de una cláusula abstracta– nos
hallamos ante un principio jurídico muy fecundo, cuya importancia es decisi-

7 Cfr. reCasens siCHes, L.: tratado General de Filosofía del Derecho. méxico, 1965. Págs. 569 y ss.
también GÁLveZ montes, F.J.: Comentario al artículo 14, en “Comentarios a la Constitución”,
GarriDo FaLLa, F. (Director). editorial Civitas s.a. 3ª edición. madrid, 2003. Págs. 272 y ss.
8 Cfr. aGuiLera PortaLes, r.e.: La multidimensionalidad de la igualdad como valor normativo,
axiológico y político fundamental. en “igualdad ¿para qué? a propósito de la Ley orgánica para
la igualdad efectiva de mujeres y hombres”. a. FiGuerueLo et alt. (editora). Comares. 2007. Págs.
15 y ss.
va en el momento de su concreción.9 sólo a partir de un juicio de compara-
ción podremos concluir si dos situaciones concretas pueden ser tratadas de
forma igual o de manera diferente; la dificultad aparece cuando partimos de
un juicio sobre la realidad pero carecemos de algún criterio empírico que nos
permita sostener que dos situaciones concretas son idénticas cuando coloca-
mos en el mismo plano categorías distintas. La coherencia del sistema norma-
tivo tampoco basta para expresar el contenido normativo de la igualdad por-
que si se identifica con la prohibición de discriminaciones materiales, un aná-
lisis último obliga a efectuar un juicio de la realidad social y jurídica que le
sirva de fundamento y con ello se impone el control de la adecuación al prin-
cipio de igualdad de la diferencia de trato que se establece en el contenido de
las leyes. Los parámetros para ello utilizados son los principios de racionali-
dad, de razonabilidad y de proporcionalidad de la ley.10
Cuando la Constitución española de 1978 fue aprobada, el principio de
igualdad a nivel mundial, europeo y del derecho comparado ya había alcanza-
do cierto desarrollo acorde con las manifestaciones de valor superior del orde-
namiento jurídico (artículo 1.1 de la Ce), principio de igualdad formal ante la
ley y derecho subjetivo (artículo 14 de la Ce) al mismo tiempo que informa
un buen número de derechos específicos recogidos en el texto constitucional.
el artículo 14 constitucional, cuyo contenido queda prácticamente defi-
nido desde el anteproyecto de nuestra Carta magna, dice así:

“Los españoles son iguales ante la ley, sin que pueda prevalecer discrimi-
nación alguna por razón de nacimiento, raza, sexo, religión, opinión o
cualquier otra condición o circunstancia personal o social.”

el precepto transcrito cuenta con un doble contenido, pues, en princi-


pio, contiene una declaración general de igualdad ante la ley y a continuación
recoge una cláusula donde se prohíbe la discriminación en determinadas cir-
cunstancias. esos supuestos de no discriminación vienen a ser un reforza-
miento del principio general y han ido apareciendo a lo largo de la historia
cuando han sido objeto de reivindicaciones sociales y jurídicas. La prohibición

9 Cfr. viLLaCorta manCeBo, L.Q.: Principio de igualdad y estado social. Publicaciones de la


universidad de Cantabria. Cantabria, 2006. Págs. 12 y ss. Del mismo autor: aspectos de la multi-
funcionalidad de los derechos fundamentales. revista de Derecho Político. uneD. nos 71-72.
madrid, 2008. Págs. 643 y ss.
10 Cfr. suÁreZ Pertierra, G.: Comentario al artículo 14 de la Constitución española; en el tomo ii
de “Constitución española de 1978. Comentarios a las leyes políticas”. Óscar aLZaGa (Director).
edersa. madrid, 1984. Págs. 280 y ss. también GÁLveZ montes, F.J.: artículo 14; en “Comentarios
a la Constitución”, op. cit. Págs. 276 y ss.
de discriminación no significa la proscripción de elementos distintivos que
pudieran afectar a sujetos; lo que la norma constitucional prohíbe es la discri-
minación, pero no la diferenciación entre situaciones objetivamente distintas.
La diferenciación se distingue de la discriminación porque la primera se fun-
damenta en unos motivos de carácter subjetivo que no se dan en la segunda.11
Los beneficiarios del derecho a la igualdad y al trato no discriminatorio
no son únicamente los españoles, sino que este derecho corresponde a todos
los grupos humanos y no sólo a quienes gozan de personalidad jurídica; de ahí
que en la Constitución española queden prohibidas las distinciones fundadas
en el nacimiento, la raza, el sexo, la religión, etc. titulares, en cambio, son
únicamente las personas físicas o jurídicas que tienen jurídicamente recono-
cida la capacidad para obtener tutela jurisdiccional. esa tutela procede no sólo
cuando la discriminación afecta a una persona en particular sino también
cuando el trato desigual le perjudique en cuanto miembro de un grupo. viene
al caso el artículo 9.2 de la Constitución española que ordena a los poderes
públicos “promover las condiciones para que la libertad y la igualdad del indi-
viduo y de los grupos en que se integra sean reales y efectivas…”.
Poniendo en relación los artículos 14 y 9.2 de la Constitución podemos
sostener la equiparación de los individuos y de los grupos sociales que encuen-
tra su importancia en el papel que en la actualidad desempeñan los colectivos
sociales en relación con la consecución plena de la libertad y de la igualdad.12
Pero no sólo los españoles son titulares del derecho a la igualdad.
también los extranjeros gozan de un estatus especial en virtud de la normati-
va constitucional y de la interpretación que de ella ha realizado su máximo
intérprete. es cierto que en el artículo 13.1 de la Ce se dice que: “Los extran-
jeros gozarán en españa de las libertades públicas que garantiza el presente
titulo en los términos que establezcan los tratados y la Ley”. al respecto el
tribunal Constitucional consideró que existen una serie de derechos que al
estar directamente vinculados con la dignidad humana (artículo 10.1 de la Ce)
no permiten que se realice un trato diferenciado entre nacionales y extranje-
ros; aquí se ubican el derecho a la libertad y a la seguridad personal, los dere-
chos a la vida, a la integridad física y moral, a la intimidad y a la libertad ideo-
lógica. también el derecho a la tutela judicial efectiva y el derecho a no ser

11 Cfr. GimÉneZ GLüCK, D.: Juicio de igualdad y tribunal Constitucional. editorial Bosch. Barcelona,
2004. Págs. 33 y ss.
12 Cfr. GÁLveZ montes, F.J.: artículo 14. op. cit. Págs. 276-277. el autor destaca además que la dis -
criminación jurídica comprende tanto la cometida por órganos estatales como la realizada por
personas privadas. en el mismo sentido GimÉneZ GLüCK, D.: Juicio de igualdad… op. cit. Págs.
168-169.
discriminado por razón de nacimiento, raza, sexo, religión, opinión o cual-
quier otra condición o circunstancia personal o social (entre otras, la stC
137/2000, de 29 de mayo).
en relación con lo antes dicho, los extranjeros, a pesar del sentido literal
del artículo 14 de la Ce, son titulares del derecho a la igualdad en los térmi-
nos fijados por el legislador nacional e internacional. su estatus es doble res-
pecto al principio de igualdad ya que, por un lado en los supuestos específicos
de las cláusulas de no discriminación que la Constitución señala (nacimiento,
raza, sexo, religión, opinión,…) el régimen jurídico es el mismo que el de los
españoles, porque se trata de un derecho que afecta a la dignidad humana. Por
otra parte, en el resto de los supuestos, disfrutan del derecho constitucional a
la igualdad en virtud de lo establecido en las leyes y en los tratados interna-
cionales; es decir, los no nacionales pueden alegar que han sufrido violaciones
en sus derechos constitucionales siempre que se sientan discriminados y cuan-
do el derecho interno o el internacional consideren que la diferenciación esta-
blecida es discriminatoria.13
a la voluntad soberana del legislador le corresponde en un estado demo-
crático reflejar la voluntad de la mayoría, pero debe respetar los límites que el
texto constitucional fija al reconocer una serie de derechos cuyo contenido
esencial no puede ser limitado. La cláusula general de igualdad ante la ley no
obliga a que todos seamos tratados por igual en las normas jurídicas. ante lo
inviable de la literalidad de la fórmula se impone una construcción alternati-
va: el juicio de igualdad implica un juicio de racionalidad en la clasificación
legislativa y un juicio de proporcionalidad de la diferencia de trato. estos jui-
cios han de tener siempre presentes las clasificaciones legislativas que dan
lugar a un juicio estricto de igualdad: sexo, raza, opinión, religión, nacimien-
to,…, y el resto de los derechos fundamentales.14
La doctrina no es unánime a la hora de entender la virtualidad jurídica
de las cláusulas específicas de no discriminación. entre las distintas manifes-
taciones destaca la postura conservadora que defiende que dichas cláusulas
suponen un endurecimiento del juicio de igualdad al margen de cual sea el

13 Cfr. GimÉneZ GLüCK, D.: Juicio de igualdad… op. cit. Págs. 37 y ss. BorraJo iniesta, i.: el status
constitucional de los extranjeros; en la obra colectiva “estudios sobre la Constitución española.
Homenaje al profesor eduardo García de enterría”. editorial Civitas. madrid, 1991. vol. ii. Pág.
697 y asensi saBater, J.: Comentarios a la Ley de extranjería. edijus. madrid, 2001.
14 Cfr. FiGuerueLo BurrieZa, Á.: La igualdad compleja en el constitucionalismo del siglo XXi.
(especial referencia a la no discriminación por razón de sexo). Boletín del ilustre Colegio de
abogados de madrid, nº 38. monográfico sobre: “Los derechos sociales del siglo XXi”. enero
2008. Págs. 37 y ss.
perjudicado o el beneficiario. Frente a esta idea otros autores mantienen una
postura progresista, minoritaria en españa, y sostienen que los rasgos especial-
mente sospechosos de discriminación tratan de impedir su utilización para
perjudicar a grupos o colectivos que a lo largo de la historia han sido preteri-
dos y marginados y que por esa situación de infravaloración no son capaces de
defender sus intereses en el ámbito de las relaciones sociales y jurídicas. así,
para que las leyes puedan favorecer a esos colectivos se debe aplicar un juicio
de mínimos, pues las cláusulas de no discriminación se crearon por la sospe-
cha de que el legislador perjudicara a esos grupos desaventajados.
entre ambas teorías destaca otra que nos parece más acertada y que
defiende una línea mixta que sostiene que las cláusulas específicas de no discri-
minación cumplen la función de proteger a determinados colectivos que por su
situación histórica y social no pertenecen al grupo dominante que participa en
la elaboración de las normas jurídicas. Por ello se debe endurecer el juicio de
igualdad; la cláusula general de igualdad supone una presunción a favor del
legislador y las cláusulas específicas de no discriminación cohesionan a ciertos
colectivos que han sido históricamente discriminados por aquellos rasgos que
les caracterizan. si dichos rasgos se utilizan para desfavorecer a esos grupos se
origina una fuerte presunción de inconstitucionalidad de la norma.15
Las cláusulas específicas de no discriminación están redactadas de forma
neutra. se alude al sexo, a la raza, al nacimiento, a la religión y opinión; no se
usan los términos mujeres, minorías, hijos extramatrimoniales y colectivos
que comparten ideologías y religiones minoritarias. Por ello no se puede tra-
tar de la misma forma a los grupos socialmente favorecidos y a los desfavore-
cidos y tampoco cualquier medida a favor de estos últimos debe ser sometida
a juicio de mínimos. La propia norma constitucional española junto a la cor-
rección de la desigualdad de los colectivos desfavorecidos enumera de forma
neutra y bidireccional aquellos rasgos que deben ser utilizados de tal manera
que no quepan en clasificación legislativa alguna cuando esos colectivos
alcancen la igualdad material. Por ello la Constitución permite que nuestro
alto tribunal realice un juicio estricto para las normas que perjudican a estos
colectivos y un juicio intermedio para aquellas que los benefician. este juicio

15 además de esta garantía sometida al control del tribunal Constitucional el principio de igualdad,
en su vertiente de derecho subjetivo, otorga a quienes han sufrido la discriminación en dicho
derecho fundamental a la interposición de un recurso ordinario de amparo en principio y de
forma subsidiaria un recurso de amparo ante el tribunal Constitucional. Cfr. al respecto LaPorta,
F.J.: el principio de igualdad: introducción a su análisis; en sistema nº 67. madrid, 1985. Págs. 5
y ss. el autor señala que el principio de igualdad es un enunciado normativo de carácter general
y abstracto que no tiene una estructura diferente a la de las normas concretas. también GimÉneZ
GLüCK, D.: el principio de igualdad… op. cit. Pág. 35.
intermedio da cobertura a la teoría de las acciones positivas y el endureci-
miento del test de igualdad de la diferenciación en la norma, por la utilización
del rasgo prohibido, encuentra su apoyo normativo en el principio de igual-
dad material que reconoce el artículo 9.2 de la Ce. este principio quedará
integrado en el juicio de igualdad como la finalidad, que en base a la
Constitución, sirve para justificar dicho trato desigual.16

iii. La discriminación por razón de raza

se puede definir el concepto de discriminación como toda distinción


perjudicial a pretexto de hechos no imputables al individuo y que deben ser
irrelevantes desde el punto de vista social y jurídico o con el pretexto de per-
tenecer a categorías colectivas genéricas.17
entre las categorías sospechosas de discriminación que el ordenamiento
jurídico reconoce se encuentra la raza. son muchas las normas internacionales,
comunitarias y nacionales que se ocupan de prohibir este tipo de discrimina-
ción. Pero, acercándonos al tema, con el ánimo de un estudio detallado, vemos
que no se ha reflexionado seriamente sobre la cláusula constitucional que pro-
híbe la discriminación racial. es muy escasa la doctrina que se pronuncia sobre
este tema, el cual goza de una gran labilidad porque permite encubrir bajo otras
apariencias dicho tipo de marginación; por ejemplo, como discriminación de
minorías étnicas o culturales, o la discriminación por razón de la nacionalidad.18

16 Cfr. roDrÍGueZ-PiÑero, m. y FernÁnDeZ LÓPeZ, m.F.: igualdad y discriminación. ed. tecnos.


madrid, 1986. estos autores, seguidos por otros muchos laboralistas, han estudiado el derecho
antidiscriminatorio y se decantan por defender una tesis dualista, separando claramente el prin-
cipio de igualdad y el de no discriminación. Frente a la tesis dualista otros autores apuestan por
la existencia de una única cláusula de igualdad y que los rasgos del artículo 14 constitucional tie-
nen una simple naturaleza enunciativa. Cfr. JimÉneZ CamPo, J.: La igualdad jurídica como límite
frente al legislador; en revista española de Derecho Constitucional, nº 9. Centro de estudios
Constitucionales. madrid, 1984. Págs. 84 y ss. Y suaY rinCÓn, J.: el principio de igualdad en la
jurisprudencia del tribunal Constitucional.
La postura mixta la defiende GimÉneZ GLüCK, D., en su muy bien argumentado trabajo: el prin-
cipio de igualdad… op. cit. Págs. 172 y ss. ideas muy parecidas defiende LÓPeZ Guerra, L.:
igualdad, no discriminación y acción positiva en la Constitución; en “mujer y Constitución en
españa”. CePC. madrid, 2000. Págs. 25 y ss.
17 esta definición nos la proporciona reCasens FiCHes, L.: tratado General de Filosofía del Derecho.
méxico, 1965. Pág. 591.
18 Cfr. en este sentido reY martÍneZ, F.: La prohibición de discriminación racial o étnica en la
unión europea y en españa. el caso de la minoría gitana. revista de Derecho Político, nº 57.
uneD. madrid, 2003. Págs. 63 y ss. también De asÍs roiG, a. e.: Discriminación por razón de
raza. anuario de Derechos Humanos, nº 5. universidad Complutense de madrid. madrid, 1988.
Págs. 9 y ss.
el que la discriminación por razón de raza haya tenido un reconocimien-
to menor por parte de la doctrina se debe a que ha permanecido en la creen-
cia errónea de que en nuestro ámbito geopolítico no se daban este tipo de pro-
blemas. sin embargo, los problemas del desempleo, del descenso de la natali-
dad, el aumento de la inmigración…, han hecho aparecer en los países indus-
trializados estas cuestiones y, atendiendo a los mismos se olvidan otros que
históricamente hemos tenido enquistados en nuestro país, como es el caso
gitano, minoría étnica maltratada desde su llegada a nuestro país (hace más de
quinientos años).19
a las dificultades teóricas para delimitar el tema se añaden otras de
carácter técnico que hacen más difícil articular una verdadera protección jurí-
dica frente a este tipo de discriminación. entre ellas destaca el problema de
discernir si estamos ante una categoría específica de discriminación o si esta-
mos ante un supuesto reforzado de protección de la igualdad. el artículo 14 de
la Constitución española reúne en una sola norma jurídica la protección de la
igualdad y la prohibición de discriminación. esto puede inducir a pensar que
ambas categorías se fusionan en una sola. (no obstante, consideramos que se
puede mantener la diferencia entre el principio de igualdad y las categorías
sospechosas de discriminación, aunque éstas obtienen su protección procesal
por medio de las garantías jurisdiccionales de dicho principio igualitario).20
el concepto de discriminación ha sido desarrollado principalmente en el
ámbito del derecho internacional que lo considera como un tratamiento dife-
renciado y peyorativo de una persona o grupo de personas. también se apre-
cia en las peculiaridades que presentan las técnicas de protección frente a la
discriminación que atenta a la dignidad humana; entre ellas se mencionan: la
apreciación de la discriminación, la necesidad de un examen conjunto de las
circunstancias concurrentes, las fórmulas de protección y la lucha contra esas
situaciones.
De la definición utilizada y de las peculiaridades reseñadas podemos des-
tacar que la discriminación se caracteriza porque: a) supone una diferencia-
ción de trato frente a la norma común que actúa contra el sujeto discrimina-
do; b) la diferencia de trato afecta a seres humanos o grupos, en cuanto suje -
tos pasivos, y en cuanto a los sujetos activos traspasa el ámbito de las relacio-
nes públicas y permea el de las relaciones entre particulares; y c) el resultado
de la discriminación se traduce en una privación arbitraria de derechos sufri-

19 Cfr. reY martÍneZ, F.: La prohibición de discriminación… op. cit. Págs. 64 y ss.
20 Cfr. De asÍs roiG, a.e.: Discriminación por razón de raza. op. cit. Págs. 11 y ss.
da por alguna de las categorías señaladas como sospechosas de discrimina-
ción.21
en la práctica se debe hacer mención especial al sentido colectivo de los
destinatarios de las cláusulas antidiscriminatorias. así, aunque en sede proce-
sal la protección se realiza de forma individual es la pertenencia a uno de esos
grupos o colectivos lo que permite apreciar el carácter discriminatorio de una
medida. De esta forma es dicha pertenencia a un grupo la que otorga una pro-
tección especial a las minorías o grupos que se enmarcan en las categorías sos-
pechosas de discriminación y se justifica la ampliación de la legitimación res-
pecto a organizaciones que colaboren en la defensa de los derechos de los
colectivos marginados.22
Cada una de las categorías sospechosas de discriminación, que las normas
jurídicas recogen e intentan proteger con el principio de igualdad ante la ley
(que encierra la cláusula general de la igualdad), tiene sus propias caracterís-
ticas. en el caso de la raza se trataría de dar un trato diferencial y peyorativo
a los miembros de una comunidad racial. Pero, como el concepto de raza es
insostenible científicamente y no se limita a especies biológicas basadas en
caracteres genéticos permanentes, debemos atenernos a la existencia de una
comunidad históricamente diferenciada por su origen geográfico, por su len-
gua, cultura, etc. todas estas variables se pueden intercambiar entre sí y pue-
den llegar a impedir, en algunos casos, apreciar la existencia de auténticas
situaciones discriminatorias.
también es de tener en cuenta que en los casos de discriminación por
razón de raza nos hallamos ante uno de los supuestos en los que la apreciación
de sentido adquiere una importancia especial, ya que nos encontramos en un
supuesto específico en que las situaciones individuales no pueden ser enten-
didas ni resueltas sin tener en consideración el grupo racial objeto de la dis-
criminación. Por ello las soluciones individuales no pueden llevar normal-
mente a la recuperación de la situación de equiparación; así lo ha demostrado
la lucha, a lo largo de los últimos siglos, por los derechos de la minoría racial.23
otro problema que guarda relación con los anteriores se halla en el peli-
gro de derivar del concepto “raza” cualquier ideología racista basada en el
convencimiento y la defensa de la superioridad de una raza respecto a las

21 Cfr. roDrÍGueZ-PiÑero, F. y FernÁnDeZ LÓPeZ, m.F.: igualdad y discriminación. op. cit. Págs.
165 y ss.
22 Cfr. De asÍs roiG, a.e.: Discriminación por razón de raza. op. cit. Pág. 13.
23 Cfr. al respecto las opiniones de De asÍs roiG, a.e.: Discriminación por razón de raza. op. cit., y
la amplia bibliografía española sobre el tema que allí se cita y que sirve para fundamentar sus
argumentos.
demás. Por este motivo la expresión raza es un término contaminado que
forma parte del acervo linguístico acuñado por los distintos racismos que han
existido en nuestra historia más reciente. en este contexto lo importante no
es el hecho biológico en sí –la existencia de razas– sino la construcción de una
ideología discriminatoria a partir de ese hecho. Pensamos que hubiera sido
más precisa la utilización en las normas jurídicas de la expresión “etnia” o
“grupo étnico” entendido como grupo social con identidad cultural porque
permite poner el acento en el carácter ideológico-político del grupo. no fal-
tan autores que reconocen la existencia de un cierto paralelismo entre las
expresiones sexo y género en el tema de la lucha por la igualdad entre muje-
res y hombres y el de raza y grupo étnico cuando se habla de la discrimina-
ción de colectivos en situaciones de especial vulnerabilidad.24
el Diccionario de la Lengua de la real academia española define la
expresión “raza” con varias acepciones; una de ellas precisa que se entiende
por raza los “grupos de seres humanos que por el color de su piel y otros carac-
teres se distinguen en raza blanca, amarilla, cobriza y negra”. en esta defini-
ción se hace alusión únicamente al color de la piel. esto es tan elemental que
el estatuto científico del concepto raza alcanzaría niveles mínimos y su con-
tenido científico dejaría de ser fiable porque hay acuerdo general que desde el
plano científico en el género humano no existen razas en términos estricta-
mente biológicos. Pero al trasladar esa expresión a los textos normativos inter-
nacionales, comunitarios y nacionales, vemos cómo se va consolidando su
manejo; mientras haya racismo en la sociedad será difícil erradicar la expre-
sión raza para describir las agresiones causadas para producir discriminaciones
étnicas. Éstas son demasiado genéricas para caracterizar los ataques a la digni-
dad de aquellas personas que tienen una identidad cultural distinta a la mayo-
ritaria y también unos rasgos físicos perfectamente diferenciables que aunque
no puedan ser calificados como “raza” sí permiten agresiones racistas dada su
visibilidad clara y precisa. Quizás sea acertado sostener que aunque discrimi-
nación racial y étnica no son la misma cosa y es más preciso el segundo térmi-

24 Cfr. reY martÍneZ, F.: La prohibición de discriminación racial… op. cit. Págs. 65 y ss. el autor
recoge las ideas de manCHaDo ruiZ, mª D.: La discriminación en el ámbito de los servicios
públicos: análisis del arto. 511 del Código Penal. ed. tirant lo Blanch. valencia, 2002. esta auto-
ra señala que: «el rasgo fundamental del racismo a lo largo de la historia ha sido que las diferen-
cias, reales o inventadas, son irrelevantes. es el afán de segregar por prejuicios o intereses lo que
construye las diferencias y la discriminación del que se percibe diferente». op. cit. Pág. 213.
también stoLKe, v.: ¿es el sexo para el género como la raza para la etnicidad?; en “mientras
tanto”, nº 48. Págs. 87-133.
no que el primero, así la relación puede ser de género a especie. el género
serían las discriminaciones étnicas y la especie las discriminaciones raciales.25
en el sentido que en el Diccionario de la r.a.e. se da al término raza fue
redactada la Decimocuarta enmienda de la Constitución de los estados
unidos de américa en 1868. aquí nació la citada discriminación como conse-
cuencia del desenlace de la Guerra de secesión, que duró desde 1861 a 1865.
Las Constitución recogió la igualdad entre razas con la intención de que los
estados sureños no mantuvieran discriminaciones legales contra los negros.
Por su parte la enmienda Decimotercera prohibía la esclavitud en el territo-
rio de los estados unidos y la Decimoquinta señalaba que el derecho de sufra-
gio no podía ser limitado por razón de raza. La ventaja de la enmienda Xiv
sobre las otras dos radica en su carácter general, de tal manera que, aunque en
su origen se halla la discriminación por razón de raza a lo largo del siglo XX
ha sido utilizada como cláusula general de igualdad.26
el contenido de dicha enmienda, por su carácter constitucional, no vin-
culaba a los particulares, sólo a los poderes públicos y de entre estos sólo se
podían fiscalizar los actos de los poderes públicos de los estados; el estado
Federal no estaba vinculado y podía seguir discriminando a la minoría negra.
De ahí que, aunque en la Decimocuarta enmienda se prohibía expresamente
la discriminación contra la minoría negra en las leyes, su aplicación en la rea-
lidad legislativa del país fue prácticamente nula hasta después de la segunda
Guerra mundial. Dicha enmienda fue burlada cotidianamente por los estados
bajo la ficción legal de “separados pero iguales”, formulada por la sentencia
del tribunal supremo Plessy v. Ferguson. el espíritu antidiscriminatorio de la
enmienda se apreció gracias a la sentencia del tribunal supremo Korematsu
v. united status, que por vez primera aplicó la técnica del juicio estricto a las
diferenciaciones normativas basadas en la raza. aunque verdaderamente
revolucionaria en este tema fue la sentencia Brown v. Board of education que
versó sobre la separación de negros y blancos en las escuelas públicas.

25 Cfr. en este sentido la opinión de reY martÍneZ, F.: La prohibición de discriminación racial…
op. cit. Págs. 66-67.
26 La Decimocuarta enmienda, en su sección Primera dice: «todas las personas nacidas o naciona-
lizadas en estados unidos, y sujetas, por tanto, a su jurisdicción, son ciudadanos de estados
unidos y del estado donde residan. ningún estado podrá promulgar ni promover ley alguna que
limite los privilegios e inmunidades de los ciudadanos de los estados unidos; tampoco ningún
estado podrá cercenar la vida, libertad o propiedad de ninguna persona sin el procedimiento
debido; ni podrá denegar a persona alguna bajo su jurisdicción la igualdad ante la ley». Cfr.
meYer, Hermine Herta: the History and meaning of the Fourteenth amendment. vantage
Press. n. York, 1977. en esta obra se expone detalladamente todo el proceso de elaboración de la
Xiv enmienda.
Coincidiendo con su relanzamiento en los estados unidos de américa, la
cláusula de no discriminación por razón de raza, de una forma reiterada y
constante, comienza a ser introducida en los textos internacionales y en
europa a partir de los años cuarenta del pasado siglo XX.

iv. La acción de las naciones unidas contra la discriminación


racial

Finalizada la segunda Guerra mundial, los estados que firmaron la Carta


de naciones unidas en 1945 mantuvieron su fe en la dignidad de la persona
humana y en sus derechos. era preciso un gran esfuerzo para fijar las reglas de
conducta en las que se inspiraban todos los pueblos y todas las naciones. a este
espíritu obedece la onu (organización de las naciones unidas), cuyo objeti-
vo principal es la protección y promoción de los derechos humanos. Fue la
asamblea General de la onu la que aprobó la Declaración universal de los
Derechos Humanos, en la que se reconoce que el respeto de los derechos ina-
lienables de todos los seres humanos constituyen el fundamento de la liber-
tad, la justicia y la paz en el mundo. en su seno se establecieron seis órganos
principales: la asamblea General, la secretaría, el Consejo de seguridad, la
Corte internacional de Justicia, el Consejo de administración Fiduciaria y el
Consejo económico y social.
siguiendo el mandato de los artículos 57 y 63 de la Carta de la onu, se
crearon varios organismos especializados que aunque son autónomos colabo-
ran con la onu y entre sí a través del mecanismo coordinador del Consejo
económico y social. Dentro de los organismos especializados tanto la oit
(organización internacional del trabajo) como la unesCo (organización de
las naciones unidas para la educación, la Ciencia y la Cultura) han tenido una
actuación decisiva en materia de derechos humanos.
en las declaraciones, pactos y convenciones que se han ido elaborando
desde la creación de las naciones unidas, los estados han aceptado que todos
los miembros de la familia humana tienen derechos iguales e inalienables y se
han comprometido a defender y garantizar esos derechos. una de las dificul-
tades principales para el pleno ejercicio de los mismos la hallamos en la per-
sistente discriminación racial. Debido a la injusticia que ésta supone y a los
peligros que representa, su eliminación se ha convertido en una meta de las
naciones unidas. ante la preocupación internacional por la discriminación
racial la asamblea General de la onu en 1963 aprobó oficialmente la
Declaración sobre la eliminación de todas las Formas de Discriminación
racial, de la cual destacan cuatro aspectos principales:
1- Cualquier doctrina que mantenga la diferenciación o superioridad
racial es científicamente falsa, moralmente condenable, injusta y
peligrosa para la sociedad y no hay ningún fundamento para defen-
derla ni en la teoría, ni en la práctica.
2- La discriminación racial y las políticas públicas basadas en el odio
racial violan los derechos humanos y ponen en peligro las relacio-
nes entre los pueblos, la cooperación entre las naciones, la paz y la
seguridad internacionales.
3- el perjuicio causado por actos discriminatorios, fundados en la raza,
revierten no sólo sobre quienes son objeto de ella sino también
sobre quienes los practican.
4- uno de los objetivos fundamentales de la onu es la consecución de
una sociedad universal libre de todas las formas de segregación y
discriminación raciales que son factores de odio y división.

en 1965, la asamblea General proporcionó a la comunidad mundial un


instrumento jurídico al aprobar la Convención internacional sobre la
eliminación de todas las Formas de Discriminación racial, por la cual se fijan
las medidas que los estados acuerdan adoptar (una vez ratificada la
Convención) para eliminar la discriminación racial. Gracias a esa Convención
los estados Partes se comprometen a no incurrir en actos o prácticas de discri-
minación racial contra personas, grupos o instituciones y a tratar de conseguir
que las autoridades e instituciones públicas hagan lo mismo. tampoco defen-
derán o apoyarán la discriminación racial practicada por personas u organiza-
ciones públicas o privadas. revisarán las políticas públicas y derogarán o
reformarán las normas que permitan la discriminación racial. Prohibirán la
discriminación racial practicada por personas, grupos u organizaciones y esti-
mularán organizaciones y movimientos multirraciales e integracionistas diri-
gidos a eliminar las barreras entre las razas.27
esta Convención entró en vigor en 1969 después de haber sido ratificada
por 27 estados. es la Convención más antigua de las que la onu ha aprobado
sobre derechos humanos y es la que ha sido ratificada por un mayor número de
estados. además de definir las obligaciones de los estados Partes, gracias a ella se
creó el Comité para la eliminación de la Discriminación racial. Fue el primer
órgano creado por las naciones unidas para vigilar y examinar las medidas adop-
tadas por los estados para cumplir con las obligaciones que les competen en vir-

27 Para un desarrollo amplio de estos temas puede consultarse el trabajo de Barreiro, Clara:
Derechos Humanos. editorial salvat. Barcelona, 1980.
tud de un acuerdo concreto sobre derechos humanos. su introducción en el texto
de la Convención se debió a la tercera Comisión de la asamblea General de la
onu, con la intención de disponer de medios eficaces para hacerla cumplir.
en la Convención se establecen tres procedimientos para que el Comité
pueda examinar las medidas de naturaleza jurisdiccional o administrativa que
adopten los estados para cumplir con sus obligaciones en la lucha contra la
discriminación racial. el primer procedimiento exige que todos los estados
que han ratificado la Convención deben presentar informes periódicos al
Comité. en segundo lugar la Convención establece la posibilidad de que un
estado presente denuncias contra otro. Y, el tercer procedimiento prevé que
una persona o grupo de personas que aleguen ser víctimas de discriminación
racial pueden presentar una denuncia al Comité contra su estado, siempre que
éste sea Parte en la Convención y haya declarado reconocer la competencia
del Comité para recibir tales denuncias. se compone de dieciocho expertos de
gran prestigio moral y reconocida imparcialidad y se trata de un órgano autó-
nomo con vínculos claros con las naciones unidas. Debe presentar informes
sobre sus actividades a la asamblea General a través del secretario General y
mantiene un diálogo con la tercera Comisión de la asamblea General, man-
teniendo acuerdos de cooperación también con la oit y con la unesCo.
Después del año internacional de la Lucha contra el racismo y la
Discriminación racial (1971), las naciones unidas instituyeron dos decenios
de la lucha contra el racismo y la discriminación racial (1973-83 y 1983-93).
Bajo los auspicios de la onu se celebraron en 1978 y 1983 Conferencias
mundiales para combatir el racismo y la discriminación racial. en estas inicia-
tivas ha participado estrechamente el Comité, que es un órgano permanente
que cuenta con una gran aceptación. así, ha publicado estudios en relación
con las Conferencias y los Decenios en los que se analizan las medidas adop-
tadas para tratar de eliminar la discriminación racial en el plano internacio-
nal: enseñanza, educación, cultura, medios de comunicación,… Los proble-
mas principales a los que debe hacer frente son: la negativa o el retraso de
algunos estados Partes a presentar los informes periódicos (deben hacerlo
cada cuatro años), que son el elemento clave para la tarea de vigilancia del
Comité. Y la dificultad de obtener los medios financieros para cubrir los gas-
tos de sus miembros que corren a cargo de los estados Partes y no se cubren
con el presupuesto ordinario de las naciones unidas. Los estados Partes tar-
dan a veces demasiado tiempo en hacer efectivas las sumas adeudadas.28

28 Cfr. Gros esPieLL, H.: estudios sobre derechos humanos. instituto de Derechos Humanos. san
José de Costa rica. 1985.
en línea con la normativa anterior, el 30 de noviembre de 1973 fue apro-
bada la Convención internacional sobre la represión y el Castigo del Crimen
del apartheid. Fue adoptada y abierta a la firma y ratificación por la asamblea
General en su resolución 3068. su entrada en vigor, de acuerdo al artículo Xv
de dicha norma, tuvo lugar el 18 de julio de 1976. Gracias a esta Convención los
estados Partes declaran que el apartheid es un crimen de la humanidad y que
las políticas y prácticas de segregación y discriminación racial son crímenes que
violan los principios del derecho internacional y en particular los principios y
propósitos de la Carta de las naciones unidas, que busca el respeto universal de
los derechos y libertades de todos los seres humanos, sin hacer distinción por
motivos de raza, sexo, idioma o religión,… el crimen del apartheid incluye las
políticas y prácticas de segregación y discriminación racial tal y como se practi-
can en el África meridional y comprende todos los actos inhumanos cometidos
con el fin de instituir y mantener la denominación de un grupo racial de perso-
nas sobre cualquier otro grupo al que oprime sistemáticamente.
en esta Convención los estados Partes se obligan a adoptar toda clase de
medidas necesarias para reprimir e impedir el crimen de apartheid y las polí-
ticas segregacionistas similares y a castigar a las personas culpables de tal cri-
men y acusadas de los actos enumerados en el artículo ii de la Convención, al
margen de que esas personas residan o no en el territorio del estado en que se
han cometido los actos, sean nacionales de ese estado o sean personas apátri-
das. Conocerá de esas causas un tribunal competente de cualquier estado
Parte en la convención que tenga jurisdicción sobre esas personas o cualquier
tribunal penal internacional cuya jurisdicción haya sido reconocida por los
estados Partes en la Convención.
La unesCo es un organismo especializado, con sede en París, creado el
4 de noviembre de 1946 con el propósito fundamental de “contribuir a la paz
y a la seguridad estrechando, mediante la educación, la ciencia y la cultura, la
colaboración entre las naciones, a fin de asegurar el respeto universal a la jus-
ticia, a la ley, a los derechos humanos y a las libertades fundamentales que sin
distinción de raza, sexo, idioma o religión, la Carta de las naciones unidas
reconoce a todos los pueblos del mundo”, (artículo i de su Constitución).
Desde su fundación ha tomado como bandera el combate al racismo y a
toda forma de discriminación mediante la adopción de una serie de instru-
mentos internacionales como: la “Declaración sobre los principios fundamen-
tales relativos a la contribución de los medios de comunicación de masas al
fortalecimiento de la paz y la comprensión internacional, a la promoción de
los derechos humanos y a la lucha contra el racismo, el apartheid y la incita-
ción a la guerra”, de 28 de noviembre de 1978. también aprobó Declaraciones
sobre la raza y los prejuicios raciales en 1950, 1951, 1964, 1967 y 1978. así
como sus diferentes recomendaciones.
merecen especial consideración las Declaraciones sobre la raza y los
prejuicios raciales porque han sido el resultado de investigaciones que la
unesCo ha patrocinado y proceden de un Comité de expertos reunidos a
título personal con el fin de proponer y recomendar la adopción general de
un programa de difusión de hechos científicos, destinados a hacer desapa-
recer lo que se suele llamar prejuicios raciales. La primera reunión de
expertos se celebró en 1950 y obtuvo como resultado la Declaración sobre
la raza de ese mismo año en la que se rechaza la idea de que dentro de la
especie humana existen diferencias fundamentales basadas en la raza, y
condenan las teorías que defienden la superioridad de unas razas sobre
otras. La segunda reunión se celebró en 1951 y llegó a las mismas conclu-
siones que la primera. La tercera reunión de expertos deja a un lado el
aspecto biológico y antropológico del problema y se fija en la situación eco-
nómica y social de las distintas comunidades.
el tema del racismo se aborda con mayor amplitud aún en la iv reunión,
que tuvo lugar en 1967, y se define al racismo como “las creencias y actos anti-
sociales basados en la falacia de que las relaciones discriminatorias entre gru-
pos puedan justificarse por motivos biológicos”. se aprecia en esta reunión el
origen social del problema y se recomienda a todos los países que emprendan
acciones educativas y en materia económica y social para formar en la igual-
dad y así erradicar el racismo. La Conferencia General de la unesCo, cele-
brada en 1978, culminó este camino con la v Declaración sobre la raza y los
prejuicios raciales. Los estudios del Comité de expertos y de otros científicos
especialistas rechazaron las tesis realistas y demostraron la unidad de la espe-
cie humana. el esfuerzo realizado aparece recogido en la citada Declaración
que ofrece una definición más completa de racismo. Éste viene a ser: “toda
teoría que invoque una superioridad o inferioridad intrínseca de grupos racia-
les o étnicos que dé a unos el derecho a dominar o eliminar a los demás, pre-
suntos inferiores, os que haga juicios de valor basados en una diferencia racial,
carece de fundamento científico y es contraria a los principios morales y éti-
cos de la humanidad”, (artículo 2).
La Declaración queda estructurada en diez artículos que muestran la
firme convicción de que todos los seres humanos pertenecen a la misma espe-
cie y tienen idénticos orígenes. así queda condenado el racismo, la discrimi-
nación racial y el crimen del apartheid; los estados son los responsables en la
aplicación de los derechos humanos y de las libertades fundamentales por
todos los individuos y grupos humanos en condiciones de plena igualdad en
dignidad y derechos.29

v. Las acciones contra la discriminación racial en el ámbito


europeo

La Comunidad económica europea nació con una clara vocación econó-


mica y no política. De ahí la inexistencia durante muchas décadas de
Declaraciones expresas de derechos y la tutela pretoriana de los mismos lleva-
da a cabo por el tribunal de Luxemburgo. ese déficit democrático se hizo notar
también en el ámbito de la discriminación racial en el que hasta fechas recien-
tes no han existido normas vinculantes. en 1986 las instituciones europeas
hicieron una Declaración Conjunta contra el racismo y la xenofobia donde
condenaron todo tipo de manifestación de intolerancia racial e instaron a los
estados a adoptar las medidas necesarias para garantizar la igualdad de razas en
el territorio de la unión. también el artículo 13 del tCe, en la redacción dada
por el tratado de amsterdam, faculta al Consejo para adoptar acciones para
luchar contra la discriminación de origen racial o étnico, a propuesta de la
Comisión, previa consulta al Parlamento europeo y por unanimidad.
el Consejo, aprovechando esa facultad, aprobó la “Directiva 2000/43/Ce,
de 29 de junio de 2000, relativa a la aplicación del principio de igualdad de trato
de las personas independientemente de su origen racial o étnico”. este texto
normativo ha sido traspuesto a la normativa estatal española mediante una
enmienda del Grupo Popular en el senado al Proyecto de Ley de medidas fisca-
les, administrativas y del orden social que acompaña al Proyecto de Ley de
Presupuestos Generales del estado de 2004. La importancia de esta Directiva no
se discute porque prohíbe directamente la discriminación directa, indirecta y el
acoso por razón de origen racial o étnico; se ocupa de definir estos conceptos y
excluye de su objeto la diferencia de trato por motivos de nacionalidad, permi-
te las acciones positivas, regula la inversión de la carga de la prueba y concede
un suporte normativo a la jurisprudencia previamente elaborada por la mayoría
de los tribunales Constitucionales de los estados miembros.30

29 un desarrollo amplio de estos temas puede verse en LeFait, Philippe: science and racism. unes-
Co. Ginebra, 1982. también en GenovÉs, santiago: razas, racismo y el cuento de la violencia.
Comisión nacional de Derechos Humanos. méxico, 1992.
30 un estudio pormenorizado y crítico sobre los contenidos de esta Directiva puede verse en el tra-
bajo de reY martÍneZ, F.: La prohibición de discriminación racial o étnica en la unión europea
y en españa. el caso de la minoría gitana. revista de Derecho Político. uneD, nº 57. madrid,
2003. en el tema que nos ocupa son de interés las páginas 91 a 103.
sin duda alguna lo más innovador de esta Directiva sea la previsión de la
creación por parte de los estados miembros de un organismo que se encargue
de prestar asistencia a las víctimas de la discriminación racial, de realizar estu-
dios y de publicar los correspondientes informes; hay países, como españa,
que aún no han procedido a dar respuesta a esta exigencia.31
La Carta europea de los Derechos Fundamentales fue proclamada en
niza el día 7 de diciembre del año 2000. actualmente se trata de un texto nor-
mativo de carácter programático que alcanzará su obligatoriedad jurídica
cuando entre en vigor el tratado de Lisboa, quizás a lo largo del año 2009.
mientras tanto su objetivo de lograr subsanar el déficit democrático de la
unión europea se logra a través de la función de los operadores públicos. en
su artículo 21, en el marco del Capítulo iii que regula “la igualdad” se prohí-
be, en su apartado 1º “toda discriminación, y en particular la ejercida por
razón de sexo, raza, color, orígenes étnicos o sociales, características genéti-
cas, lengua, religión o convicciones, opiniones políticas o de cualquier otro
tipo, pertenencia a una minoría nacional, patrimonio, nacimiento, discapaci-
dad, edad u orientación sexual”. en el apartado 2 se añade: “se prohíbe toda
discriminación por razón de nacionalidad en el ámbito de aplicación del
tratado constitutivo de la Comunidad europea y del tratado de la unión
europea y sin perjuicio de las disposiciones particulares de dichos tratados”.32
en marzo de 2007 y bajo presidencia alemana, los veintisiete estados
miembros de la unión europea firmaron la Declaración de Berlín con ocasión
de celebrar el cincuenta aniversario de la firma de los tratados de roma. en
dicho texto se proclama que el ser humano es el centro de todas las cosas, que
su dignidad es sagrada y que sus derechos son inalienables. estos derechos son
los mismos para mujeres y hombres. Y porque la unión europea se funda en
la igualdad de derechos y la convivencia solidaria hay que luchar juntos
defendiendo las libertades y los derechos ciudadanos, incluso en el combate
contra sus enemigos. nunca más debe dejarse una puerta abierta al racismo y
a la xenofobia.

31 Para una crítica a este tema consultar la opinión de GimÉneZ GLüCK, D.: Juicio de igualdad y
tribunal Constitucional. op. cit. Págs. 190-191.
32 Cfr. nuestro estudio, FiGuerueLo BurrieZa, Á.: La protección de los derechos fundamentales en
el marco de la unión europea. anuario de la Facultad de Derecho de la universidad de La
Coruña, nº 5. 2001. Págs. 315 y ss. véase la bibliografía allí citada. también FiGuerueLo BurrieZa,
Á.: La Carta de los Derechos Fundamentales de la unión europea y la función de los operadores
públicos. Letras Jurídicas. revista de los investigadores del instituto de investigaciones Jurídicas
de la universidad veracruzana. ano 2, nº 5. Xalapa, veracruz. méxico, 2002. Págs. 15 y ss.
La unión europea deberá seguir promoviendo la democracia, la estabili-
dad y el bienestar allende sus fronteras. sólo así europa será un futuro
común.33
al analizar las acciones contra el racismo en europa no podemos dejar de
aludir al “Convenio europeo para la Protección de los Derechos Humanos y
Libertades Fundamentales”. Fue firmado en roma el 4 de noviembre de 1950
y ratificado por españa el 26 de septiembre de 1979 (Boe de 10 de octubre).
Los Gobiernos signatarios de este Convenio son miembros del Consejo de
europa y siguen la estela de la Declaración universal de Derechos Humanos,
proclamada por la asamblea General de las naciones unidas el día 10 de
diciembre de 1948, que tiende a asegurar el reconocimiento y la aplicación
universales y efectivos de los derechos que en ella se enuncian. Por ello se
adhieren a esas libertades fundamentales en cuanto base de la justicia y la paz
en el mundo y se comprometen a tomar las medidas adecuadas para asegurar
la garantía colectiva de alguno de los derechos enunciados en la Declaración
universal. en esa línea reconocen a toda persona dependiente de su jurisdic-
ción una serie de derechos y libertades que se contienen en el título i de
dicho Convenio. el artículo 14 prohíbe la discriminación y dice así:

“el goce de los derechos y libertades reconocidos en el presente


Convenio ha de ser asegurado sin distinción alguna, especialmente por
razones de sexo, raza, color, lengua, religión, opiniones políticas u otras,
origen nacional o social, pertenencia a una minoría nacional, fortuna,
nacimiento o cualquier otra situación”.

el título ii del Convenio, los artículos 52 a 59 regulan la composición,


competencias y funcionamiento del tribunal europeo de Derechos Humanos,
órgano de naturaleza jurisdiccional encargado de otorgar la correspondiente
tutela efectiva a los derechos reconocidos en el Convenio.
Hasta fechas recientes la cláusula antidiscriminatoria del artículo 14 del
Convenio había sido entendida por el tribunal de estrasburgo como que dis-
criminar significa “tratar de modo diferente, sin justificación objetiva y razo-
nable a personas situadas en situaciones sustancialmente similares”. también
hay discriminación cuando los estados no traten de modo diferente, sin una
justificación objetiva y razonable a personas cuyas situaciones son sustancial-

33 un estudio amplio sobre los contenidos de la Declaración de Berlín y su significado y alcance


puede verse en GraneLL trÍas, F.: La Declaración de Berlín a los cincuenta años de los tratados
de roma. revista de Derecho Comunitario europeo, nº 26. madrid, 2007. Págs. 47 y ss.
mente distintas. así las cosas, habría que tratar jurídicamente mejor a cual-
quier persona que en una situación comparable se halle peor situada. nos
encontramos de este modo ante el principio de igualdad material en cuanto
activo del postulado del estado social de Derecho.34
La jurisprudencia de este tribunal sobre la prohibición de discrimina-
ción del artículo 14, aunque tiene coherencia interna, ha sido calificada como
“de baja intensidad” porque no distingue el concepto general de igualdad del
de interdicción de discriminación por determinados rasgos sospechosos, entre
los que se encuentra la raza y ante los cuales no debería bastar el criterio de la
razonabilidad, sino que el juicio debería completarse con los criterios de la
proporcionalidad o escrutinio directo.35 el propio Consejo europeo ha inten-
tado superar los contenidos del artículo 14 del Convenio y de su interpreta-
ción por parte del tribunal europeo a través de la aprobación del Protocolo
número 12 que fue abierto a la firma el 4 de noviembre de 2000 y que ha
entrado en vigor el 4 de octubre de 2005. en españa lo hizo el 1 de abril de
2005. este Protocolo reconoce una prohibición de discriminación amplia que
no queda reducida a los derechos reconocidos en el Convenio y en sus
Protocolos. en el informe aclaratorio oficial de este Protocolo se destaca la
escasa operatividad actual del artículo 14 del Convenio, así como la singulari-
dad de que no reconozca un principio general de igualdad a diferencia de lo
que sucede con el resto de los textos internacionales sobre la materia.
también se pone de manifiesto su incapacidad para distinguir los diversos
tipos de discriminación y la débil interpretación que el tribunal de
estrasburgo ha realizado de dicha disposición en relación a las discriminacio-
nes raciales y sexuales.36
Llama, pues, la atención la intensa actividad desarrollada por el Consejo
de europa a favor de la igualdad entre mujeres y hombres y en contra del

34 a la jurisprudencia del tribunal de Derechos Humanos al respecto puede consultarse en el


exhaustivo y completo estudio al respecto que realiza Carmona CuenCa, e.: La prohibición de
discriminación, (art. 14 CeDH y Protocolo 12); en J. GarCÍa roCa y P. santoLaYa (coords.): “La
europa de los Derechos. el Convenio europeo de Derechos Humanos”. CePC. madrid, 2005.
Págs. 665 y ss.
35 Cfr. las opiniones críticas sobre este aspecto de reY martÍneZ, F.: La discriminación racial en la
jurisprudencia del tribunal europeo de Derechos Humanos”. revista española de Derecho
Constitucional; nº 79. madrid, 2007. Págs. 280-285.
36 también sorprende que la tutela frente a las discriminaciones raciales haya sido tan escasa y vaci -
lante porque como señala r. DworKin, este tipo de discriminación es la más odiosa de todas por -
que expresa desprecios, es profundamente injusta y desestructura las vidas de sus víctimas…, por -
que les priva de las oportunidades que otros tienen abiertas y les daña en sus proyectos y en las
esperanzas que puedan concebir. Cfr. su obra: sovereign virtue. the theory and Practice of
equality. Press. univ. Harvard, 2000. Págs. 407.
racismo y la xenofobia y la escasa jurisprudencia del tribunal europeo de
Derechos Humanos en estas importantes materias. así, el artículo primero del
Protocolo número 12 dice expresamente:

“el ejercicio de cualquier derecho reconocido por la ley será asegurado


sin ninguna discriminación fundada, en particular, en razón de género,
raza, color, lengua, religión, opiniones públicas o de cualquier otro tipo,
origen nacional o social, pertenencia a una minoría nacional, riqueza,
nacimiento o cualquier otra situación”. a partir de este Protocolo se
sientan las bases para un desarrollo más completo de la prohibición de la
discriminación sexual, racial, etc., en la jurisprudencia del tribunal de
estrasburgo.

Debemos confiar en la erradicación de la discriminación racial porque


estigmatiza a las víctimas que la sufren y las convierte en minorías aisladas y
sin voz. en los estados unidos de américa el derecho antidiscriminatorio
halla su origen en la lucha contra la discriminación racial.37
no ha sido muy abundante la jurisprudencia del tribunal europeo de
Derechos Humanos en materia de discriminación racial. Hay trabajos doctri-
nales38 que se han ocupado de su estudio y las agrupan en torno a distintos
escenarios de conflicto. así, agresiones racistas por agentes de la autoridad
donde los ataques van dirigidos contra miembros de las minorías étnicas, casi
siempre gitanos. en los asuntos velikova contra Bulgaria, de 18 de mayo de
2000, y anquelova contra Bulgaria, de 13 de septiembre de 2002, el tribunal
se enfrentó a las alegaciones de móviles racistas en las muertes de algunas per-
sonas gitanas en dependencias policiales. en el caso Bekos y Kontropoulos
contra Grecia, de 13 de diciembre de 2005, se trató de actos de brutalidad poli-
cial durante la detención por móviles racistas. otro escenario de conflicto son
las agresiones racistas vecinales y la deficiente tutela judicial posterior que se

37 La teoría del estigma se debe a KennetH L. Karst: equal Citizenship under the Fourtheenth
amendment. Harward Law review, vol. 91. año 1977. Págs. 1-68. Por ello y en base a esta teo -
ría no faltan autores que defienden que las normas contra la discriminación racial deban ser más
incisivas que en otro tipo de discriminaciones. Cfr. reY martÍneZ, F.: La discriminación racial en
la jurisprudencia… op. cit. Pág. 285.
38 Cfr. reY martÍneZ, F.: La discriminación racial en la jurisprudencia… op. cit. Págs. 285 y ss. De
forma detallada y crítica el autor de este trabajo comenta los escenarios de conflicto en materia de
discriminación racial y pone de relieve que en este tema la jurisprudencia del tribunal de
estrasburgo ha sido “por lo común de baja intensidad, muy desigual y sin un marco conceptual con-
vincente”. especialmente crítico se manifiesta con la sentencia del caso ostrava que afortunada-
mente ha sido corregida por la sentencia de la Grand Chamber de fecha 13 de noviembre de 2007.
aprecia en el caso moldovan y otros contra rumania, con fecha 12 de julio de
2005, donde también la comunidad gitana sufrió los actos discriminatorios. La
discriminación en fronteras se aprecia en el asunto timishev contra rusia, de
13 de diciembre de 2005, donde el tribunal examina la negativa a admitir
chechenos en una frontera rusa.
en el año 2001 el tribunal de estrasburgo pronunció cinco sentencias
(casos Beard, Coster, Chapman, Jane smith y Lee contra reino unido) sobre
expulsiones de terrenos de su propiedad de una serie de caravanas en las que
vivían miembros de la etnia gitana. sólo se alegaban razones urbanísticas para
dichas expulsiones. La discriminación racial y la imparcialidad judicial en jui-
cio por jurados puede apreciarse en las sentencias remli contra Francia, de 30
de marzo de 1996, Gregory contra reino unido, de 25 de febrero de 1997, y
sander contra reino unido, de 9 de mayo de 2000. el discurso racista y la
libertad de información se aprecian en la sentencia Jersild contra Dinamarca,
de 23 de septiembre de 1994.
todos estos conflictos se resolvieron de forma más o menos acertada; lo
cierto es que la jurisprudencia del tribunal de estrasburgo en materia de dis-
criminación racial ha ido ganando en intensidad, por lo que se refiere a la pro-
tección de minorías étnicas a partir de la sentencia nachova de 2005. sin
embargo, un paso atrás en estos avances lo supuso el caso D.H. y otros contra
la república Checa, con fecha 7 de febrero de 2006. en este conflicto el
tribunal europeo desestimó una demanda contra dicho estado que había sido
presentada por dieciocho gitanos de nacionalidad checa por haber sido discri-
minados por motivos de raza en el ejercicio de su derecho a la educación. Los
demandantes habían sido ubicados en escuelas especiales de ostrava, dirigidas
a niños con dificultades de aprendizaje que no podían acudir a escuelas ordi-
narias. Los padres de los demandantes, que habían aceptado que sus hijos asis-
tieran a dichas escuelas especiales, solicitaron posteriormente la reconsidera-
ción de esa decisión porque desconfiaban del examen psicológico realizado
para medir la capacidad intelectual de sus hijos y porque no se les había infor-
mado de las consecuencias que se derivaban para los mismos por haberse for-
mado en una escuela especial. La solicitud fue denegada por defecto de forma
y frente a dicha denegación plantearon demanda constitucional alegando vio-
lación de sus derechos en el sistema educativo por segregación racial. el
tribunal de estrasburgo analizó la posible violación del artículo 14 del
Convenio en relación con el derecho a la educación del artículo 2 del
Protocolo Primero y después de recordar la jurisprudencia general que ha
mantenido sobre el artículo 14 (discriminación como diferencia de trato no
razonable y amplio margen de apreciación estatal) concluye que aunque los
datos estadísticos sobre la educación de los niños gitanos en la república
Checa son preocupantes y que su ecuación no es perfecta, las medidas que se
han adoptado contra los demandantes no son discriminatorias y que el envío
de los niños gitanos a escuelas especiales no es resultado de un prejuicio racial.
en consecuencia no se ha producido violación del artículo 14 en relación con
el artículo 2 del Convenio europeo de Derechos Humanos.
el juez Costa formuló un voto concurrente a la decisión de la mayoría y
el juez Cabral Barreto redactó un voto discrepante en el que se pronuncia a
favor de reconocer que dicha violación sí se había producido; fundamenta su
razonamiento jurídico en el tema de las discriminaciones positivas que se ori-
ginan cuando los estados no tratan de modo diferente a personas cuyas situa-
ciones sin significativamente distintas sin una justificación objetiva y razona-
ble. Previamente el tribunal siempre se había enfrentado a asuntos donde se
trataban de discriminaciones directas evidentes. en el caso ostrava aparece
por vez primera un asunto de discriminación indirecta porque se aplica un
criterio jurídico neutro y no sospechoso (capacidad intelectual de los niños no
fundada en la raza) que produce un resultado perjudicial para la minoría gita-
na, en comparación con el grupo social mayoritario. Pareciese que sobre este
asunto se proyecta la sombra alargada de la doctrina Plessy (separados pero
iguales), emanada del tribunal supremo de los usa en la sentencia pronun-
ciada en 1896.
La sala Grand Chamber del tribunal europeo de Derechos Humanos, en
sentencia de 13 de noviembre de 2007, ha rectificado el grave error de la
sentencia ostrava y el retroceso frente a la protección en casos de discrimina-
ción racial o étnica. se declara que se ha vulnerado el artículo 14 del Convenio
relativo a la prohibición de discriminación en relación con el artículo 2 del
Protocolo nº 1 adicional al Convenio, que regula el derecho a la instrucción,
derivado de la injustificada y desproporcionada escolarización de los niños
gitanos en establecimientos especiales. La Gran sala aprecia falta de justifica-
ción objetiva y razonable del Gobierno Checo para explicar la diferencia de
trato operada en base a la necesidad de adaptar el proceso de educación por
razón de necesidades educativas específicas relativas al nivel y a la capacidad
intelectual. así pues, cuando el efecto discriminatorio de una legislación ha
sido demostrado no es necesario probar que las autoridades afectadas estaban
animadas de una intención discriminatoria. en este caso las pruebas presenta-
das por los recurrentes evidencian que nos encontramos ante un caso de dis-
criminación indirecta que remite la carga de la prueba al Gobierno Checo que
es quien debe demostrar que esta diferencia de efectos de la legislación es
resultado de factores objetivos no vinculados al origen étnico. en los casos de
diferencia de trato basada en la raza, el color o el origen étnico, la noción de
justificación objetiva y razonable debe ser interpretada de la manera más
estricta posible.
Con este pronunciamiento de la Grand Chamber se ha vuelto a la línea
jurisprudencial iniciada con la sentencia del caso nachova. Cabe esperar que
la aplicación del artículo 14 del Convenio en materia de discriminación racial
consolide su rumbo garantista.

vi. La discriminación racial en el caso español

La Constitución española de 1978, por lo que respecta al tema que nos


ocupa, está directamente influenciada por los textos internacionales y europeos
que regulan la no discriminación por razón de raza y sigue muy de cerca el con-
tenido normativo del artículo 3 de la Ley Fundamental de Bonn de 1949 y el
artículo 3 de la Constitución italiana de 1947. ambas normas recogen expresa-
mente la raza como una de las cláusulas específicas de no discriminación. el
marco normativo contra la discriminación racial en nuestro país lo componen
una serie de normas de carácter internacional,39 comunitario y nacional que
prohíben el racismo. La normativa nacional está encabezada por los artículos 9.2
y 14 de la Constitución, que, respectivamente, regulan el principio de igualdad
material y formal ante las leyes. también hay manifestaciones sobre este tema
en el Código Penal, en el estatuto de los trabajadores y en la Ley orgánica
4/2000 que regula los derechos y libertades de los extranjeros en españa.
a pesar de la abundancia normativa los resultados jurisprudenciales al
respecto no dan el nivel que cabía esperar. Los pronunciamientos de jueces y
tribunales no han sido satisfactorios ni en control ni en calidad sobre las dis-
criminaciones raciales.40 Debemos aclarar también que a la luz de los debates

39 el artículo 96 constitucional recoge la teoría monista de derecho internacional y prescribe que


“los tratados internacionales válidamente celebrados, una vez publicados oficialmente en españa,
formarán parte del derecho interno”. además en el artículo 10.2 se reconoce una cláusula de
internalización de los derechos humanos en virtud de la cual las normas que se refieren a los
derechos fundamentales y a las libertades que la Constitución reconoce se interpretarán de acuer-
do a los contenidos de la Declaración universal de Derechos Humanos y todos los tratados y
acuerdos internacionales sobre la materia que españa ha suscrito. Cfr. al respecto ruiZ-GimÉneZ
CortÉs, J.: Comentario al artículo 10; en el tomo ii de los “Comentarios a las leyes políticas”, o.
aLZaGa (Director). edersa. madrid, 1984. Págs. 130 y ss. también GarriDo FaLLa, F.: artículo 10;
en “Comentarios a la Constitución”, 3ª edición ampliada. madrid, 2001. Págs. 200 y ss. también
manGas martÍn, a.: Cuestiones de Derecho internacional Público en la Constitución española
de 1978; revista de la Facultad de Derecho de la universidad Complutense, nº 61. madrid, 1980.
40 seguimos la opinión bien fundada y argumentada de reY martÍneZ, F.: La prohibición de discri -
minación racial… op. cit. Págs. 80-81.
en sede constituyente y de la posterior jurisprudencia constitucional sobre el
tema, con el término raza se quiso aludir al concepto de etnia, que es mucho
más amplio porque se puede aplicar a cualquier grupo desaventajado que se
vea como diferente. no cabe duda que la minoría gitana, de nacionalidad
española, tiene cierta entidad en nuestro país. también conviene resaltar que
poniendo en relación la cláusula general de igualdad del artículo 14, con las
categorías sospechosas de discriminación, cabe concluir que serán inconstitu-
cionales todo tipo de desventajas legales para miembros de otras razas aunque
sean extranjeros. el régimen de éstos, en cuanto a la discriminación racial,
debería ser el mismo que el de los españoles, porque es un derecho que afec-
ta a la dignidad humana. sin embargo, en la práctica, tanto el legislador como
los poderes públicos, han actuado en este tema de forma desigual, y así, a tra-
vés de las leyes de extranjería y de las actuaciones judiciales y policiales se ha
ejercido durante años un cierto racismo institucional contra los inmigrantes.
sucede que aunque la doctrina sostiene que la cláusula específica de no discri-
minación por razón de raza afecta tanto a los españoles como a los extranje-
ros, el problema respecto a estos últimos se genera cuando el ordenamiento
jurídico permite cierta diferencia de trato respecto a los no nacionales.41
Destacan algunos pronunciamientos de los tribunales ordinarios que han
sido analizados con detalle por la doctrina. así, la sentencia de 13 de enero de
1988 de la sala 5ª del tribunal supremo, versa sobre la adecuación al principio
de no discriminación por razón de raza de la construcción de un foso alrededor
de una zona de chabolas gitanas, con sólo una salida custodiada por la policía. el
ayuntamiento madrileño justificaba dicha práctica en la prevención de la delin-
cuencia y en la lucha contra el tráfico de drogas. Pero, la audiencia Provincial
de madrid y el tribunal supremo consideraron que este objetivo escondía una
discriminación por razón de raza, constitucionalmente prohibida.42
también, el 29 de agosto de 1998, la sala segunda de lo Penal del
tribunal supremo dictó sentencia en la que confirma la pronunciada por la
audiencia Provincial de murcia, que había condenado a un individuo a la
pena de un año de inhabilitación especial para el ejercicio de la profesión de
compraventa de vehículos por un delito contra el ejercicio de los derechos
fundamentales: se había negado a vender un coche a la víctima, alegando: “yo
no vendo a morenos como tú, ni a gitanos ni a moros”. otra sentencia desta-
cable, a juicio de la doctrina, procede de la sala de lo social del tribunal

41 Cfr. sobre este aspecto GimÉneZ GLüCK, D.: Juicio de igualdad y tribunal Constitucional. op. cit.
Págs. 190 y ss.
42 un comentario muy completo sobre esta sentencia puede consultarse en De asÍs roiG, a.e.:
Discriminación por razón de raza. anuario de Derechos Humanos, nº 5. 1988-89. Págs. 16 y ss.
superior de Justicia de madrid, con fecha 7 de noviembre de 2002. en senten-
cia de instancia se la había reconocido a la actora, de etnia gitana, una pensión
de viudedad por el fallecimiento de su consorte con el que se hallaba casada
por el rito gitano. Frente a esta resolución el inss formuló recurso de supli-
cación y la sala segunda del tsJ lo estimó, revocando la sentencia de instan-
cia porque no aprecia discriminación ya que, conforme a la legalidad vigente
en españa, el matrimonio gitano no es una de las formas legalmente recono-
cidas en nuestro país. Las sentencias que hemos traído a colación son una clara
muestra de discriminaciones directas por razón de raza en nuestro país.43
La infrautilización de la cláusula constitucional de no discriminación por
razón de raza, tanto en su perspectiva negativa (discriminación directa o indi-
recta ejercida por los poderes públicos) como en su perspectiva positiva (que
significa adopción por parte del estado de acciones positivas), es evidente
también en la jurisprudencia del tribunal Constitucional. así, la sentencia del
tC 13/2001, de 29 de enero, recaída en un recurso de amparo, rechaza las pre-
tensiones de la recurrente que había sufrido una actuación en la que se le
requirió su identificación por el mero hecho de ser negra. el alto tribunal
previamente, en la sentencia 126/86, había calificado a la discriminación
racial como perversión jurídica, y en la sentencia 214/1991, en el caso de
violeta Friedman, rechazó que bajo el manto protector de la libertad ideoló-
gica y de la libertad de expresión (artículos 16 y 20.1 de la Constitución
española) puedan mantenerse manifestaciones o expresiones de carácter
racista o xenófobo que son contrarias a la dignidad humana (artículo 14 cons-
titucional). también en la sentencia 176/1995 mantuvo que las actuaciones
racistas contradicen los principios de un sistema democrático de convivencia
en paz y en libertad.
Por su parte, en la citada sentencia 13/2001, se distinguen las discrimi-
naciones directas y las encubiertas; ambas están prohibidas por la
Constitución. Pero en este caso el tribunal mantiene que si los controles poli-
ciales sirven a los agentes de la autoridad para identificar a los extranjeros,
determinadas características físicas pueden ser tomadas en consideración
como indicios racionales del carácter no nacional de la persona que los reúne.

43 Cfr. al respecto reY martÍneZ, F.: La prohibición de discriminación racial… op. cit. Págs. 80-82.
también GimÉneZ GLüCK, D.: Juicio de igualdad… op. cit. Págs. 198-199. un estudio sobre el jui-
cio de igualdad en la jurisprudencia del tribunal supremo puede verse en LÓPeZ aGuiLar, J.F.: el
principio de igualdad del artículo 14 de la Constitución en la jurisprudencia de la justicia ordina-
ria. análisis de la doctrina del tribunal supremo. revista del Foro Canario, nº 88. 1993. Págs. 117
y ss. también BaLaGuer CaLLeJÓn, m. L.: La aplicación judicial del principio de igualdad; en “el
principio de igualdad en la Constitución española”, vol. i. servicio Jurídico del estado. madrid,
1991. Págs. 293 y ss.
rechaza la existencia de discriminación patente porque no se ha dado una
orden específica de identificar a los individuos de una determinada raza y
tampoco se ha discriminado de forma encubierta porque la actuación policial
no fue desconsiderada ni humillante. el criterio racial fue considerado como
un indicio de la posibilidad de que la recurrente no fuera española. el voto
particular del magistrado sr. González Campos sostiene que ha habido discri-
minación racial porque se ha aceptado la raza como criterio apropiado para la
razonable selección de las personas que pueden ser sometidas a control de
extranjería. La recurrente sra. williams Lecraft ha sufrido violación del artí-
culo 14 en relación con el artículo 10.1 de la Constitución que reconoce a la
dignidad humana como fundamento de los derechos fundamentales.
La sentencia del tC 24/2005 de 14 de febrero de la sala Primera, resuel-
ve dos recursos de amparo acumulados en los cuales se reconoce violación del
derecho a la tutela judicial efectiva (artículo 24.1 de la Constitución), pero se
niega que haya habido vulneración del derecho a la igualdad en la aplicación
de la ley por jueces y tribunales. La denegación del permiso de salida al reclu-
so, recurrente en amparo, puede incurrir en una causa de arbitrariedad en
relación con la decisión previa del órgano judicial de otorgarlo pero se ha uti-
lizado el criterio racial únicamente como indicativo de que el recluso no posee
la nacionalidad española. en la misma línea que la sentencia que antes hemos
resaltado se niega la existencia de discriminación racial encubierta.
Con fecha 16 de abril de 2007, la sala Primera del tribunal
Constitucional pronunció la sentencia 69/2007. se trata de un recurso de
amparo interpuesto contra una sentencia de 7-11-2002 de la sala de lo social
del tsJ de madrid que denegó la pensión de viudedad a la recurrente por hal-
larse casada por el rito gitano. esta forma de relación matrimonial no está
reconocida legalmente en españa. se alega vulneración del derecho a la igual-
dad y no discriminación por razón de raza. entiende la sala del tribunal
Constitucional que no hay discriminación por motivos étnicos porque la apli-
cación al caso del tratamiento dado a las uniones “more uxorio” no toma como
elemento referencial circunstancias raciales o étnicas sino una circunstancia
relacionada con la libre y voluntaria decisión de no acceder a la formalización
del vínculo matrimonial, conforme a previsiones legales que de ninguna
manera quedan condicionadas a la pertenencia a una raza sino exclusivamen-
te a consideraciones civiles o religiosas.
Frente a la decisión mayoritaria de la sala formula un voto particular, en
nuestra opinión más progresista, el magistrado rodríguez-Zapata. analiza las
circunstancias familiares de la recurrente de nacionalidad española y encuen-
tra que su pareja había cotizado más de diecinueve años a la seguridad social
y que el matrimonio –del cual eran fruto seis hijos– se había celebrado en
1971. eran titulares de un libro de familia expedido en 1983 y también eran
beneficiarios de una cartilla de la seguridad social. a pesar de estos datos
objetivos se considera que su unión no es legal y se le niega el derecho a la
pensión de viudedad. el voto particular compara esos hechos probados con los
resultantes de la sentencia de la sala segunda, de 15 de noviembre de 2004,
que reconoció el derecho a una pensión de viudedad al viudo de una funcio-
naria que pudo acreditar una relación conyugal –no matrimonio– que no esta-
ba inscrita en el registro Civil. en este caso se apreció vulneración del dere-
cho a la igualdad. tampoco estaba inscrito en el registro el matrimonio gita-
no de la recurrente en amparo. ante situaciones parecidas el alto tribunal ha
resuelto de forma diferente y en la opinión discrepante se resalta que se ha
vulnerado el derecho a la igualdad y a no ser discriminado por razón de raza
(artículo 14 de la Ce). Continúa el magistrado, que salva su voto, poniendo de
relieve que la jurisprudencia del alto tribunal no se ha ocupado hasta el
momento presente “de la protección de los usos, prácticas o costumbres de
una etnia o colectividad caracterizada, o cuando la no consideración como
válidos o susceptibles de protección constitucional de los actos realizados por
personas pertenecientes a minorías que reclaman respeto por su tradición cul-
tural, debe entenderse discriminatoria”. Para resolver estas cuestiones consi-
dera que son necesarias acciones positivas; no basta la neutralidad escrupulo-
sa de una norma jurídica cuando debe responder a situaciones como la de la
recurrente en amparo que pertenece a una minoría étnica y que se lamenta de
la injusta consideración legal de su situación matrimonial gitana, nacida de la
buena fe y celebrada conforme a las costumbre ancestrales de su raza.
situación que se equipara a la de una pareja de hecho o a la de una conviven-
cia “more uxorio”.

vii. Frente a la discriminación los derechos fundamentales

en los temas de prejuicio, discriminación o racismo, hay bastante hipo-


cresía y ello genera mucha confusión. Con frecuencia cuando se pretenden
condenar ciertas actuaciones discriminatorias se las califica de racistas y el
efecto es impactante porque dicha acusación es socialmente infamante. Por
otro lado, en nuestra sociedad nadie se considera racista y no permite ser con-
siderado como tal. Por ello las manifestaciones de racismo se presentan, en
nombre de la diferencia, como formas oportunas de protección y conserva-
ción de la identidad o cultura de quienes las practican, las aprueban o se
encuentran en el deber de justificarlas, por lo menos parcialmente. sírvanos
de ejemplo lo que en el momento presente está sucediendo en algunas zonas
de italia con la etnia gitana, y cómo los presuntos responsables de las discri-
minaciones racistas, por más evidente que sea el caso, rechazan con indigna-
ción la idea de que sus actuaciones sean racistas.
también la vieja europa, en momentos de recesión económica, inten-
ta blindar sus fronteras y protegerse de la inmigración ilegal, y por ello ha
aprobado una Directiva comúnmente conocida como de retorno de los
inmigrantes sin papeles. La dureza de algunos contenidos de esta norma
cuestionan los principios humanitarios que hasta el presente han caracteri-
zado la razón de ser de la unión europea. también los “sin papeles” son por -
tadores de derechos que afectan a la dignidad humana y que pueden verse
en peligro en este proyecto ligado a la represión antes que al acogimiento y
la integración de los extranjeros no comunitarios. Pero no podemos dejar-
nos llevar por la ilusión de que las soluciones al tema pueden ser fáciles,
debemos evitar respuestas simplistas.
se ha comprobado que la educación receptiva a la tolerancia y a la diver-
sidad no es suficiente porque las mentes de los seres humanos se hallan histó-
ricamente condicionadas y predispuestas a los prejuicios y a la intolerancia. La
democracia procedimental y la laicidad de las instituciones estatales tampoco
erradican el racismo porque en los regímenes democráticos existen movi-
mientos sociales, grupos de interés o partidos políticos que luchan por el
poder y defienden programas con contenidos discriminatorios. tampoco es
ninguna solución óptima separar a los diferentes y a los potenciales conten-
dientes creando espacios y comunidades homogéneas en raza, cultura, etnia,
sexo, religión o cualquier otro criterio objetivo o subjetivo y así terminar des-
truyendo con homologaciones forzadas la individualidad y la diversidad que
es necesario preservar.
Frente al racismo y la discriminación debemos oponer los derechos fun-
damentales, irrenunciables, inalienables, inviolables, intransigibles y persona-
lísimos. La fe en los mismos nos permite determinar en qué medida podemos
reconocernos como iguales. se trata de apostar por una igualdad que no discri -
mina porque instrumenta teóricamente el principio de la justicia. sólo así pri-
mará el ser sobre el devenir como predominio de la tradición sobre la razón.
es imprescindible abrir espacios jurídicos y políticos para afrontar la
causa principal de los prejuicios y las discriminaciones: la excesiva desigual-
dad económica existente en el mundo. tememos al otro, al diferente, porque
estamos convencidos de que amenaza nuestro nivel de vida. así pues, si des-
terramos la idea de la vida como lucha por la supervivencia entenderemos que
la teoría de los derechos fundamentales responde considerando el derecho
como “la ley del más débil”.44 esta idea nos lleva a defender la paz, que será
más sólida cuanto más eficaces sean las garantías de los derechos. La impor-
tancia jurídica de la cultura de la paz es una de las premisas indispensables
para superar las diferentes formas de discriminación y sus consecuencias más
nefastas que adoptan el nombre de racismo, limpieza étnica y genocidio.
también debemos erradicar la idea consolidada de que las diferencias
raciales y biológicas que nos ubican en el ámbito una cultura determinada
consideran al individuo miembro de una comunidad o nación antes que ser
humano. Para desactivar a nivel global, regional y local la base de los odios
étnicos y tribales, guerras de religión, choques de civilización, nacionalismos
y fundamentalismos enfrentados, es preciso renunciar al principio de que la
diferencia sea ontológica y un principio constitucional. La afirmación y la
protección de los derechos fundamentales como terreno común otorga en los
portadores de culturas diferentes el derecho a conocerse y a tolerarse. ello
implica admitir la convivencia con base en la idea de igualdad.

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Bioética y Derechos Fundamentales
mª teresa López de la vieja*

sumário: 1. investigación Científica y Derechos Fundamentales; 1.1. en Contra, a Favor; 2. La


Bioética; 3. Derechos de los ciudadanos, derechos humanos; referencias Bibliográficas.

La Carta de Derechos de de la unión europea se refiere a las competen-


cias, a las instituciones, a las finanzas y, ante todo, a aquellos derechos que
son básicos para la ciudadanía de todos los países miembros. Por este motivo,
llama la atención que el documento se ocupe en forma expresa del “consenti-
miento informado” y de otros temas similares, relativos a la medicina y a la
Biología. esto confirma que los avances de la investigación biomédica susci-
tan notable inquietud entre los ciudadanos, siendo necesario que las institu-
ciones aseguren el máximo respeto por su integridad. Dicho criterio general
debe prevalecer, además, sobre los legítimos intereses de la ciencia y de la
sociedad. Con este propósito, proteger a los ciudadanos, la Carta rechaza de
forma clara la selección y las prácticas eugenésicas, de acuerdo con las posi-
ciones mantenidas en europa a lo largo de los últimos años. Por tanto, el docu-
mento está en la misma línea que las resoluciones y convenios, suscritos por
los países de la unión, a fin de dar prioridad a los derechos individuales sobre
cualquier otro tipo de bienes públicos. Desde 1948, con la Declaración
universal de los Derechos Humanos, la investigación biomédica y la practica
clínica cuentan con un marco normativo, que está asentado en algunos prin-
cipios básicos, como son la dignidad, la libertad y la igualdad.
a partir de los años noventa, los acuerdos y convenios internacionales
han desarrollado este marco general, incidiendo de manera específica en el uso
de las técnicas genéticas y en el de otros procedimientos novedosos, que susci -
tan interés y, también, bastantes dudas. Pues se ha extendido el temor de que
tales avances puedan afectar de manera irremediable a la salud e incluso a inte-
gridad personal. así por ejemplo, en 1997 fue suscrito por numerosos países el
Convenio de oviedo (Convenio para la protección de los Derechos Humanos
y la dignidad del ser humano con respecto a las aplicaciones de la Biología y la

* Catedrática de Filosofia moral e Política da Faculdade de Filosofia, universidade de salamanca.


Projetos de investigação financiados: DGiCYt, Junta de Castilla y León, 6º Programa marco ue,
aeCi. investigadora responsável do Gr41, grupo de excelência da Junta de Castilla y León,
unidade associada com o CsiC em madrid.
medicina); en ese mismo año, la unesCo dio a conocer su Declaración
universal sobre el Genoma y Derechos Humanos. en ambos documentos se
reiteraba la validez de los principios fundamentales. en primer término, la
dignidad, la libertad, el respeto por la identidad, la primacía del ser humano.
La Bioética es una disciplina surgida en los años setenta, con el propósi-
to de mediar entre los conocimientos científicos y los valores morales. el inte-
rés que muestran hoy la opinión pública y las instituciones por el uso correc-
to de las técnicas biomédicas, por los valores que han de prevalecer sobre los
logros científicos, invita a seguir desarrollando el marco normativo general,
con objeto de responder a los nuevos desafíos, si bien dentro de los límites
marcados por los mismos ciudadanos. en la disciplina confluyen todas esas
vertientes, técnica, moral, social y política; es lógico, entonces, que la Bioética
actual sea compleja, plural. Como lo es la sociedad, como lo es la ciencia. Por
lo tanto, la disciplina se hace cargo de aspectos relacionados con la investiga-
ción – las “buenas practicas” –, así como de las demandas que realizan los ciu-
dadanos. en el sentido de que haya iguales derechos y protección para todos,
junto a una atención diferenciada para quienes tienen necesidades o están en
situaciones especiales. es decir, se trata de aunar derechos fundamentales y, a
la vez, respeto por las diferencias. La relevancia de ambos tipos de factores,
técnicos y cívicos, ha obligado a revisar el marco normativo, que había sido
aceptado hasta hace muy poco. Por ejemplo, no hay duda de que el uso de las
tecnologías incide de modo directo en los derechos de los ciudadanos, ahora
bien, ¿a qué ciudadanos se refieren? ¿Quiénes son titulares de derechos?
¿tienen derechos las células?¿Debe prevalecer la libertad de investigación o,
por el contrario, la dignidad de los humanos, sea cual sea su etapa de desarrol-
lo? Como otras disciplinas, la Bioética está aún bajo la influencia de experien-
cias pasadas y, a la vez, ante interrogantes que van más allá de los valores tra-
dicionales. el artículo recuerda que el discurso bioético no sólo se ocupa de
cuestiones técnicas ni solo jurídicas, puesto que el contexto social y político
influye sobre las prioridades, define los objetivos de la investigación, la agen-
da de los profesionales, etc. incluso las formas de entender la salud y el bie -
nestar individual están relacionadas con la percepción que tienen los ciuda-
danos de lo valioso, lo deseable. Por estas razones, se va a proponer aquí un
enfoque cívico del análisis bioético.
(1) Los debates recientes en torno a la investigación con células madre
embrionarias han puesto de manifiesto los desacuerdos ideológicos sobre los
límites de la investigación científica ¿Ha de prevalecer la dignidad de los
seres humanos o la libertad en la investigación? Los principios morales
siguen siendo todavía válidos, ahora bien ¿sabemos definir con claridad qué
es la “dignidad”? La pluralidad de creencias y de visiones de lo real es un
hecho incuestionable, tendría que ser compatible, sin embargo, con un
marco definido de principios de carácter universal. Los derechos fundamen-
tales son la expresión más clara de lo universal que deja espacio para las dife-
rencias. De manera análoga, las declaraciones, convenios y acuerdos relativos
a la medicina y a la Biología se han sucedido desde los años noventa, recono-
ciendo nuevos derechos, extendiendo la protección a medida que iban avan-
zando las formas de entender y de actuar sobre la salud y sobre la integridad
personal. (2) Desde el primer momento, en los años setenta, la Bioética se
hizo eco de la “nueva frontera” técnica, moral y, al mismo tiempo, de la
nueva frontera política, abierta durante la lucha por las libertades cívicas. Los
códigos para regular la investigación y la practica clínica han mostrado desde
entonces hasta qué punto era sólido el compromiso con los derechos funda-
mentales. tanto es así, que los principios de la Bioética son coherentes con
el modelo liberal que se afianza en aquellos años. (3) La protección de los
derechos ha sido el objetivo de todos los códigos, acuerdos y convenios sobre
la medicina y la Biología, que han sido suscritos por la mayor parte de los paí-
ses avanzados. Pero aún no se han extendido como debieran. no se han arbi -
trado todavía los mecanismos para que los derechos de los ciudadanos – de
un estado-nación, de una comunidad política – sean también derechos váli-
dos para todos los ciudadanos, derechos humanos. La mayor parte de los
debates bioéticos se centran casi siempre en los aspectos científicos, algo lógi-
co, puesto que los avances técnicos suscitan temor, quizás ahora mas que
antes, a causa de los efectos duraderos que tendría el uso incorrecto de las
biotecnologías. La reflexión moral y política no puede eliminar estos temo -
res, ciertamente, pero sí puede dar razones a favor de las buenas prácticas
científicas y a favor de la protección efectiva de los Derechos humanos.

1. investigación Científica y Derechos Fundamentales

“toda persona tendrá derecho a que se respete su vida priva -


da cuando se trate de informaciones relativas a su salud”1

La protección de los seres humanos, su dignidad, integridad y los dere-


chos correspondientes al ámbito de la Biomedicina es el principal objetivo del
Convenio de oviedo. al igual que otros acuerdos de carácter internacional, el

1 Convenio para la protección de los Derechos Humanos y la dignidad del ser humano con respec-
to a las aplicaciones de la Biología y la medicina, 1997, art. 10,1.
documento establece la primacía de los seres humanos – por encima de los
fines de la ciencia o de la sociedad –, así como la no discriminación, el acceso
equitativo a los servicios de salud y otros aspectos fundamentales. regula
incluso todo lo relativo al acceso y el correcto uso de la información sobre la
salud de los ciudadanos. aspectos mas recientes de la Biología y la medicina
están también recogidos en este Convenio, desde las intervenciones con el
genoma, la investigación con embriones, hasta la donación de tejidos y de
órganos. Por esta razón, el documento ejemplifica el interés por regular, por
clarificar en modo satisfactorio todo lo que se refiere a la salud. el énfasis en
los derechos y en las libertades es bastante significativo, pues reconoce que la
integridad y la salud son asuntos de índole privada y, al mismo tiempo, son
asuntos de índole pública, ya que la salud es uno de los bienes que más redun-
da en la calidad de vida de los ciudadanos. Garantizar el acceso equitativo a
los recursos sanitarios es, entonces, una tarea que concierne a las institucio-
nes, a los responsables de las políticas públicas. según esto, la atención sanita-
ria debe estar organizada, regulada, dotada de los medios suficientes para
atender a las necesidades de los pacientes. sin olvidar que éstos, enfermos o
personas sin incapacidad para valerse por si mismas, son también ciudadanos,
con derechos y con obligaciones reconocidas. Las éticas especiales, en espe-
cial la Bioética, se han ocupado mas bien de lo primero, de los pacientes, de
su relación con los especialistas, sus problemas, las novedades técnicas y su
impacto, etc.; en los últimos años ha ido recogiendo la otra vertiente, la situa-
ción de los pacientes en tanto ciudadanos.2
- ¿tienen derechos las células? ¿Cómo se debe entender la protección del
embrión? a comienzos del 2001, las posiciones a favor y en contra de la inves-
tigación con células embrionarias ganaba en claridad, gracias al intenso debate
que tenia lugar en alemania. La discusión estuvo suscitada por el informe de
la Deutsche Forschungsgemeinschaft,3 cuyo planteamiento resultaba sencillo:
la vida humana y su dignidad deben ser protegidas. existe incluso un amplio
consenso sobre la eventualidad de prohibir la clonación reproductiva, de lo
cual se hacía eco el documento. ahora bien, a pesar de lo anterior, el informe
sostenía que habrá que sopesar también las ventajas que pudiera tener el uso
terapéutico de las células madre. en consecuencia, el documento defendía al

2 u. steinvortH señalaba la perspectiva civica en la Ética aplicada, “angewandte ethik und


Zivilgesellschaft”, BruDermüLLer, G.: angewandte ethik und medizin, Knigshausen &
neumann, würzburg, 1999, pp. 25-48.
3 DeutsCHe ForsCHunGsGemeinsCHaFt, “empfehlungen zur Forschung mit menschli -
chen stammzellen”, 3 mai, 2001.
final que se regulase este tipo de investigación, tal como ya se había hecho
antes con la fecundación in vitro. el impacto que tuvo este informe en la opi -
nión pública dio ocasión a un debate mucho más amplio; por los términos en
los que se planteo y por la participación de numerosos ciudadanos, el informe
resulta aún bastante aleccionador sobre el modo de abordar estos temas. no
sólo por la precisión de los argumentos en contra (protección de la vida y de la
dignidad, estatus del embrión, existen otras alternativas, la protección jurídica,
los problemas que tienen que ver con las consecuencias no deseadas o no pre-
vistas) y la de los argumentos a favor (los embriones congelados tendrían que
ser destruidos a largo plazo, la investigación en terapias, la libertad de la cien-
cia y de la investigación, la protección no absoluta del embrión, las condicio-
nes estrictas y el necesario control de los proyectos con células embrionarias).
en realidad, el informe avivaba un debate de carácter general sobre la prima-
cía de los derechos de los ciudadanos, un debate sobre las libertades. en reali-
dad era también un debate sobre los derechos que fueron vulnerados en épo-
cas anteriores, sobre la seguridad jurídica en las democracias constitucionales,
sobre los límites de la ciencia y de la tecnología y sobre los objetivos del pro-
greso. a resultas de este debate general, se empezó a hablar abiertamente de
“Biopolítica”,4 asociada a los posibles usos de la Genética, desde la perspectiva
actual y desde la perspectiva de la Historia reciente.
- Los embriones que no sobrepasan los catorce días tras fertilización,
¿tienen derecho a la vida? ¿Y si no se implantan?¿a qué tienen “derecho” las
células embrionarias? en julio de 2003, la Comisión europea dio a conocer un
documento5 sobre requisitos generales para trabajar con fondos comunitarios,
en programas de investigación que requieran el uso de células madre embrio-
narias. sin pretensión alguna de terciar en cuestiones éticas de tanto calado
como es ésta, la Comisión fijaba algunas condiciones sobre el tipo de embrio-
nes – embriones congelados, supernumerarios o excedentes de tratamientos
de infertilidad –, sobre el consentimiento de los donantes – un consentimien-
to informado –, sobre la confidencialidad de la información, la ausencia de
remuneración por las donaciones, el control de los proyectos por parte de la
autoridad correspondiente, la transparencia en los resultados. algunos meses
antes, en españa el Comité asesor de Ética6 se había pronunciado sobre este

4 Los debates en torno a la biotecnología y sus usos se radicalizaron en 1999, a raíz de las manifes -
taciones de de P.sLoterDiJK , favorables al empleo de las “antropotécnicas” y al “parque huma-
no” , regeln für menschenpark, suhrkamp, Frankfurt, 1999, pp. 42-51.
5 euroPean Commission, “eu Funding on Human embryonic stem Cell research”,
iP/03/969.
6 ComitÉ asesor De ÉtiCa en La investiGaCiÓn CientÍFiCa Y teCnoLÓGiCa,
“informe: La investigación sobre células troncales”, 24, febrero, 2003.
tema, fijando condiciones análogas para investigar con células embrionarias.
en octubre de 2004, el ministerio de sanidad y Consumo7 daba a conocer los
requisitos para proyectos de investigación con células obtenidas de preem-
briones sobrantes. en el reino unido, un grupo de expertos ya había enviado
en el año 2000 un informe,8 en el cual recomendaba que se permitiera la
investigación con embriones. Bajo control, siempre que la investigación tuvie-
ra efectos beneficiosos, caso de que no hubiese otro medio para investigar
sobre ciertas terapias, etc. La opinión de m. warnock9 tuvo considerable
influencia en las conclusiones, a las que habían llegado los expertos consulta-
dos en el reino unido sobre el tema.
estos informes reflejan la preocupación general por las consecuencias a
corto y a largo plazo que podrían tener las tecnologías más avanzadas. Por
este motivo, la perspectiva cívica 10 de la Bioética insiste en criterios básicos,
como es la responsabilidad, o en la aplicación equitativa de conocimientos y
de técnicas, para favorecer en el bienestar de los ciudadanos – gracias al “uso
terapéutico” de los avances científicos –, de todos los ciudadanos. sólo que
ellos mismos deberían participar en el proceso de deliberar y de decidir, por
ser temas que inciden en modo significativo sobre su salud y su bienestar. sin
embargo, la información técnica no siempre resulta accesible o suficiente-
mente comprensible para todos, tampoco está al margen de los sistemas de
valor, que influyen sobre la opinión pública. La polémica en torno a la inves-
tigación con células madre embrionarias ha puesto de manifiesto esto mismo,
los profundos desacuerdos sobre la vida, la idea de humanidad, de dignidad,
etc.. Ha mostrado la pluralidad que define a las actuales sociedades pluralistas,
su heterogeneidad cultural y moral. en este contexto, una de las contribucio-
nes de la Bioética puede ser la de dar precisión al debate, aclarando concep-
tos, identificando a quienes son titulares de los derechos, los argumentos
sobre la salud, enfermedad, bienestar, etc.

7 reaL DeCreto 2132/2004, 29 octubre 2004, Boe de octubre 2004.


8 DePartment oF HeaLtH, “stem Cell research: medical Progress with responsibility. a
report from the Chief medical officer’s expert Group reviewing the Potential Developments in
stem Cell research and Cell nuclear Development to Benefit Human Health”, June, 2000.
9 warnoCK, m., “Do Human Cells Have rights”, Bioethics, 1987, pp. 1-14; “the artificial
Family”, a Question of Life, Blackwell, oxford, 1985, pp. 138-154; “experimentation on Human
embryos and Fetuses”, KuHse, H., sinGer, P.: a Companion to Bioethics, Blackwell, oxford,
2002, pp. 390-396.
10 López de la vieja, m.t.: “La Bioética y los ciudadanos”, López de la vieja, m.t. (ed.): Bioética.
entre la medicina y la Ética, universidad de salamanca, salamanca, 2005, pp. 41-60.
1.1. en Contra, a Favor

el interés por la clonación terapéutica – sobre todo tras la decisión toma-


da a este respecto en inglaterra, en agosto de 2004 – contribuyó a avivar la
controversia en alemania. Desde 1999 se había puesto de manifiesto que en
ese país existía una especial sensibilidad hacia los temas relacionados con la
medicina y con la Genética. era lógico, de modo que numerosos científicos,
filósofos, teólogos, representantes políticos se manifestaron públicamente
sobre tales asuntos, recordando la Historia reciente, reflexionando sobre un
futuro que provoca notable incertidumbre. en ese contexto, el entonces pre-
sidente de la republica, J. rau11 pronunció en Berlín un discurso que tuvo un
eco considerable en la opinión pública. tomaba partido a favor de limites y
prohibiciones, apelando a la idea de “hombre medida de todas las cosas” como
criterio para valorar el progreso. una percepción muy critica del mismo. su
argumento sobre el control de los avances científicos se apoyaba en la evi-
dencia de que la medicina y la Biología han introducido cambios espectacula-
res. el problema estriba, según su opinión, en que desconocemos aún cuáles
pueden ser sus consecuencias últimas. Por ello, su tesis era que sería mucho
mejor buscar alternativas a la eutanasia, al diagnóstico pre-implantacional y a
la investigación con embriones. en definitiva, J.rau solo consideraba acepta-
ble un progreso que estuviera acompañado de valores, a medida humana.
- el entonces canciller G. schröder12 se pronunciaba meses después
sobre este mismo tema, la investigación con embriones. Para referirse al
papel de alemania en el desarrollo de la investigación científica avanzada
y, sobre todo, para recordar que la legislación vigente en el país ya asegu-
raba de manera suficiente la protección de los embriones. Por esa razón, en
su opinión, no tendrían sentido las posiciones fundamentalistas ni la “tec-
nofobia”. esto es, la hostilidad general hacia la ciencia que manifiestan
algunas voces muy criticas. Desde su punto de vista, se puede defender un
uso responsable de la tecnología, en la medida que se puede y se debe exi-
gir transparencia en la investigación científica; por tanto, no parece correc-
to rechazar, por una cuestión de principios, el uso de la tecnología genéti-
ca. es cierto que en este asunto los precedentes históricos cuentan – los crí-
menes y los experimentos en los que participaron médicos y científicos –,
debido al pasado de la ciencia durante el nacionalsocialismo. Precisamente

11 rau, J., “wird alles gut?- Für einer Fortschritt nach menschlichen mass”, Berliner rede, 2001.
12 sCHrÖDer, G.: “Leserbrief”, Die Zeit, 31, 2001; “interview”, Frankfurter allegemeine Zeitung,
3.05.2001.
por este motivo, G.schröder insistía en los importantes cambios sociales y
políticos que ha experimentado el país después de la guerra. alemania es
hoy una sociedad democrática, con sistemas de control a disposición de los
ciudadanos, control también para la investigación.
- Las posiciones teóricas estuvieron también divididas. Desde los años
ochenta, H. Jonas13 estuvo defendiendo límites para la medicina actual.
Hablaba incluso de “tabúes” a respetar, ya que la tecnología aplicada sobre
seres vivos representa un salto cualitativo, representa incluso una amenaza –
en su opinión- que afecta a la integridad física de los humanos. se pueden eli-
minar cualidades no deseadas, no cabe duda, pero hay que preguntarse tam-
bién ¿con que objetivo? ¿Qué derecho tenemos a determinar la existencia de
otros seres humanos? serían seres privados de libertad desde el primer
momento. su conclusión era que, en nombre de un futuro mejor, no tenemos
derecho a crear un “hombre mejor”. Las tesis de H. Jonas han influido luego
en el planteamiento de otros autores, como J. Habermas.14 es conocida su
posición al respecto: la manipulación genética hiere nuestra sensibilidad
moral. De ahí también sus importantes reservas sobre los programas de inves-
tigación con células madre embrionarias. Por un lado esta la lógica de la cura-
ción – como él mismo reconoce –, por otro, los ciudadanos no deben encon-
trarse ante hechos consumados, aunque sean los hechos de la ciencia y de la
tecnología o hechos económicos. el marco normativo debe estar siempre
claro, situando en primer plano a la autonomía y a la dignidad de los indivi-
duos, ésta era su conclusión.
- en cambio, B.schlink15 se mostraba favorable al uso de las nuevas téc-
nicas. este autor ha tenido en cuenta la influencia del pasado en la identidad
alemana; precisamente por tratarse de un capitulo de la Historia reciente, aun
no cerrado, le parecía importante distinguir entre los métodos de selección o
de “higiene racial” y, de otro lado, la realidad de las técnicas actuales, que per-
miten seleccionar los embriones antes de ser implantados. Pero sólo si así lo
desean los padres. La situación no es la misma, las analogías con el pasado tam-
poco ayudan a entender las nuevas técnica. en cuanto a la dignidad de los
seres humanos, ¿incluye ésta a partes de los seres humanos? Considerando el
destino de los embriones no utilizados en los tratamientos de infertilidad

13 Jonas, H.: “im Dienste des medizinischen Fortschritts: über versuchen and menschlischen
subjekten”, technik, medizin und ethik, insel verlag, Frankfurt, 1985, pp. 109-145.
14 HaBermas, J. : “auf dem weg zu einer liberalen eugenik? Der streit um das ethicshce
selbstverständnis der Gattung”, Die Zukunft der menschlichen natur, surhkamp, Frankfurt, 2002,
pp. 34-125; “repik auf einwände”, Deutsche Zeitschrift für Philosophie, 50, 2002, pp. 283-298.
15 sCHLinK, B., aktuelle Fragen des pränatalen Lebensschutzes, De Gruyter, Belin, 2002, pp. 15-21.
¿Cómo se salvaguarda mejor la dignidad, con la destrucción o con la investi-
gación? es cierto que las tecnológicas difuminan la frontera entre seres que
crean y seres creados, no obstante hay que considerar el enorme potencial
terapéutico que contienen las nuevas técnicas. Por todo ello, este autor enten-
día que ambos principios, la dignidad de los seres humanos y la libertad para
la investigación,16 han de ser tomados en cuenta.
esta discusión no está cerrada todavía, el marco normativo es, sin embar-
go, bastante más claro que hace unos años. Por ejemplo, el Convenio de 1997
recogía de manera inequívoca la protección de la dignidad, la integridad de los
individuos, sus derechos y libertades. Las sociedades democráticas están, ade-
más, en condiciones de garantizar y de proteger los derechos individuales,
para impedir aquellas practicas que podrían afectar a su dignidad y a su inte-
gridad. es cierto también que el temor hacia las consecuencias indeseables de
la biotecnología ha tenido especial relevancia en alemania, país muy sensibi-
lizado hacia los abusos y los crímenes contra la humanidad. está demostrado
que, en los delitos, colaboraron numerosos científicos y un número relevante
de personal sanitario,17 de ahí el énfasis en la primacía de los derechos indivi-
duales sobre los intereses de la ciencia o de la sociedad. tal vez por eso mismo,
la débil línea divisoria entre uso incorrecto – selección genética, eugenesia –
y uso terapéutico de la Genética ha suscitado notable inquietud en la mayor
parte de los países europeos. Por todo ello, la Carta de Derechos
Fundamentales de la unión europea,18 se refiere a los aspectos más novedo-
sos en medicina y Biología, prohibiendo la clonación de seres humanos y el
comercio con órganos.
La preocupación por las garantías, por los derechos negativos – destinados
a la protección de los individuos – corresponde a una cultura política liberal,
pero aun está pendiente otro tipo de debate, no menos urgente: la distancia que

16 K. BaYertZ señalaba que no siempre se trata de conceptos con una definición exacta;
“introduction: sanctity of Life andf Human Dignity”, BaYertZ, K.: sanctity of Life and Human
Dignity, Kluwer, Dordrecht, 1996, pp. Xi-XiX
17 sobre los crímenes, los encausados en el Juicio nürnberg y, luego, el papel del Código de
nürnberg, GroDin, m., annas, G.: “medicine and Human rights”, Hastings Center report,
23, 1993, pp. 8-12; sHuster, e.: “Fifty Years Later: the significance of the nurenberg Code”.,
new england Journal of medicine, 20, 1997, pp. 1436-1440. sobre la intervención de médicos y
de científicos en los experimentos y asesinatos en masa, Bastian, t.: “Ärzte als Helfer Hitlers”,
Furchbare Ärzte, Beck, münchen, 1995, pp. 32-36; toeLLner, r.: “Ärzte im Dritten reich”,
BLeCKer, J., JaCHertZ, n.: medizin im “Dritten reich”, Deutsche Ärzte-verlag, Köln, 1993,
pp. 11-24; LiFton, J.: “sterilization and the nazi Biomedical vision”, the nazi Doctors, Basic
Books, new York, 2000, pp. 22-44: KLee, e.: “medizin im KZ”, auschwitz, die ns-medizin und
ihre opfer, Fischer, Frankfurt, 2002, pp. 13-59.
18 Carta de Derechos Fundamentales de la unión europea 2007.
existe entre derechos de los ciudadanos y los Derechos humanos en un
momento anterior y bastante diferente, H. arendt19 señaló los límites de un
marco normativo que pretendía ser universal, cosmopolita. no lo era, en reali-
dad, puesto que los Derechos humanos no son exactamente lo mismo que los
derechos de los ciudadanos, miembros de una comunidad política o de un
estado-nación que les ofrece determinadas garantías. sin embargo, las garantías
no alcanzan a los ciudadanos de otras comunidades ni a los desplazados, no son
derechos de todos. en este momento, se plantea un problema similar, al no estar
prevista la protección de todos agentes, pese al aumento de los riesgos asociados
a las biotecnologías, riesgos que pueden afectar a la actual generación y a las
generaciones venideras. ¿Derechos de quién? ¿Quién contará con la debida pro-
tección? ¿ante qué instituciones llevar las correspondientes demandas?

2. La Bioética

“en la investigación medica con seres humanos el bienestar


de los humanos debe tener preferencia sobre el interés de la
ciencia y de la sociedad”20

en estados unidos, los Derechos humanos han sido tenidos en cuenta,


antes incluso de que cristalizara la Bioética como disciplina. Prueba de ello
son las normas de Ética médica, como la Declaración de Helsinki, que esta -
blece la prioridad del bienestar individual sobre los intereses de la ciencia y
de la sociedad. La sensibilidad hacia las diferencias ha llegado más tarde, sin
embargo, gracias a los movimientos cívicos y a las polémicas que han llevado
el interés por los derechos humanos al debate científico. en 1971, van
ransselaer Potter21 formuló el programa de una nueva disciplina, la Bioética.
su objetivo eran las relaciones entre el conocimiento biológico y los valores
morales, de modo que la nueva ética debía crear un sistema unificado, de
carácter integrador en beneficio de la humanidad, a fin de asegurar la super-
vivencia de la especie. Con este programa, van ransselaer Potter intentaba

19 arenDt, H.: “Der niedergang des nationalstaates und das ende der menschenrechte”,
elemente und ursprünge totaler Herrschaft, europäische verlagsanstalt, Frankfurt, 1955, pp.
402-452.
20 woLD meDiCaL assoCiation: “introduction”, Declaration of Helsinki, 1964.
21 Potter, van ransselaer, “Bioethics, the science of survival”, Perspectives in Biology and
medicine, 1970, pp. 127-153; “Biocybernetics and the survival”, Zygon, 1970, pp. 229-246;
“Bioethics, the science of survival”, Bioethics. Bridge to Future, Prentice Hall, englewood Cliffs,
1971, pp. 1-29.
tender puentes hacia el futuro, para que la especie humana tomara conciencia
de los riesgos que afectan a su supervivencia y a la del medio ambiente.
este autor ideo una disciplina con capacidad suficiente para señalar los
problemas de la investigación, así como los problemas derivados de sus apli-
caciones y otros temas análogos, cuestiones a tener muy cuenta, tanto por
parte de los gobiernos como por parte de los ciudadanos. Quedaba así claro
que, desde el primer momento, la Bioética vinculó los logros científicos a las
políticas públicas,22 asociando los conflictos suscitados por la “nueva fronte-
ra” técnica a la reflexión moral. Ciencia y, al mismo tiempo, valores mora-
les, pero valores no tradicionales, para estar a la altura de los avances de la
ciencia. Por varios motivos, eran necesarias la renovación ética y la Bioética.
Pero el análisis bioético ha ido mas allá de la valoración de las tecnologías
avanzadas, a lo largo de treinta años, la disciplina ha ido evolucionando al
ritmo de otra “nueva frontera”, de carácter moral y político. La frontera de los
derechos y de las reformas jurídicas y políticas ha sido tan influyente como
los avances técnicos, doble enfoque que ya aparecía en el programa de van
ransselaer Potter.
en los años setenta, las libertades ciudadanas, los movimientos sociales,
las tendencias contraculturales potenciaron este lado “cívico” de la nueva ética
aplicada. Del interés por regular la investigación y las practicas profesionales
surgieron entonces los nuevos códigos, los acuerdos internacionales, los infor-
mes dedicados a la protección de los principios básicos y de los derechos indi-
viduales. La medicina fue uno de los ámbitos que antes asumió los cambios, ya
que el contexto era especialmente propicio para las reformas. en estados
unidos, la investigación científica y la práctica clínica seguían el modelo libe-
ral – prioridad de los derechos, de la autonomía de los pacientes – y, al mismo
tiempo, una ideología pragmática. Los movimiento ciudadanos influyeron para
que los derechos fueran reconocidos de forma explicita y, sobre todo, para
limitar una actitud en exceso pragmática entre los científicos y en la adminis-
tración norteamericana. Desde 1948, existía ya el texto de referencia para ape -
lar a la dignidad, la libertad y la igualdad de derechos, la Declaración universal
de los Derechos Humanos. en lo sucesivo, las normas pensadas para regular
la ciencia y la practica profesional han seguido los mismos criterios, incluso
han usado el mismo lenguaje de la dignidad y de los derechos.
1ª) en 1949 se dio a conocer el Código de nürnberg, un texto fundamen-
tal para la experimentación y para el ejercicio de la medicina. a partir de
entonces, la investigación científica se ha guiado por sus principios, y por el

22 Potter, van ransselaer, “Council on the Future”, Bioethics. Bridge to Future, pp. 75-82.
respeto de los derechos fundamentales. La medicina cambió de orientación,
dando prioridad a la autonomía de los pacientes, los documentos posteriores
ha desarrollado los principios básicos, adaptándolos a los progresos de la cien-
cia y a la expansión de los derechos. el paso siguiente se dio en 1964, con la
Declaración de Helsinki, documento promovido por la asociación médica
mundial (wma), con algunos principios básicos para los profesionales, como
el deber de proteger la vida y la salud, el respeto por la dignidad y por la pri-
vacidad. esto significa, por ejemplo, que los médicos están obligados a infor-
mar a los pacientes sobre cualquier aspecto de la a atención sanitaria o de la
investigación. el paciente podrá negarse a participar en el estudio, sin que esto
influye en la relación con su médico. el avance mas importante en la defini-
ción de los principios que han de guiar la experimentación científica se rea-
lizó en 1979, con el informe Belmont. en su origen estuvieron los escándalos
sobre investigación promovida y financiada por la administración norteame-
ricana y por agencias gubernamentales, como la Cia y el FBi. Para impedir
abusos como los que se habían cometido en tuskegee, alabama, y con el
Proyecto manhattan – activo durante más de treinta años – el informe esta-
blecía cuatro principios básicos: respeto por la decisiones de agentes autóno-
mos, beneficencia, para no causar daño y para maximizar los beneficios, justi-
cia en la distribución de tales beneficios y de las cargas. Como en los docu-
mentos anteriores, el consentimiento informado era un requisito fundamen-
tal para la investigación con seres humanos.
2ª) La etapa posterior fue decisiva para la elaboración del marco normati-
vo, acorde con los resultados de la investigación en Biología y con los avances
de la Genética. a lo largo de los años noventa, varios documentos intentaron
fijar criterios generales, a modo de respuesta ante la incertidumbre sobre los
efectos que las nuevas técnicas pudieran tener sobre los seres humanos. Hubo
antes un informe bastante completo sobre estos temas, solicitado por la admi -
nistración en el reino unido, el informe warnock de 1984; entre sus conclu-
siones figuraba la necesidad de regular la investigación y los tratamientos de
fertilidad, así como el uso clínico de embriones congelados. en la línea fijada
años atrás, el consentimiento informado era un requisito necesario para la
investigación, según el informe. el consentimiento estaba también en el
Convenio de oviedo, de 1997, cuyo objetivo principal es la protección de los
derechos y de la dignidad. el documento se refería expresamente a las pruebas
genéticas con fines médicos, al rechazo de los con fines experimentales. el con -
sentimiento y la confidencialidad de los datos eran mencionados en otro docu-
mento análogo, la Declaración universal sobre el Genoma y Derechos
Humanos, de 1997. Las aplicaciones de la Genética serán aceptables, siempre
que respeten la dignidad y, por lo mismo, el texto rechazaba aquellas prácticas
que sean contrarias a la liberad, la dignidad y los derechos de las personas.
3ª) La resolución de la asociación medica mundial (Paris, 1997) trans-
mitía muy bien la preocupación de los profesionales por el desarrollo de algu-
nas técnicas novedosas, como la clonación. en el documento, la asociación
pedía mayor seguridad para el material genético y, en consecuencia, se opo-
nía al uso de técnicas que carezcan de los debidos controles. Por esta misma
razón, recomendaba que los especialistas se abstuvieran de aplicar algunas de
esas técnicas, como la clonación. Con una intención parecida, la unión
europea hacia pública un año mas tarde una resolución sobre este asunto,
recogiendo la opinión contraria al uso de dicha técnica y defendiendo prin-
cipios básicos, el respeto por la persona, por integridad del patrimonio gené-
tico individual. tales principios constituyen, además, el núcleo de la Carta de
Derechos Fundamentales de la unión europea, que asumía valores básicos,
como la dignidad y la integridad – tanto física como mental –, reiterando que,
en el ámbito de la medicina y de la Biología, las intervenciones requerirán
siempre el consentimiento de los agentes.
La Declaración Bioética se hizo pública en Gijón, en el año 2000. el texto
valoraba desde una perspectiva análoga a la de otros documentos el tema de
la clonación. La prioridad ha de ser siempre el respeto por la dignidad huma-
na, aunque se admita la libertad en la ciencia y para la investigación; por este
motivo, el documento se pronunciaba en contra de la creación de individuos
genéticamente idénticos.23 en poco tiempo, varias instituciones reclamaron
que la investigación dirigida a estos temas – clonación, células troncales – sea
regulada a escala internacional; en españa, la real academia de medicina hizo
una declaración en ese sentido, rechazando la clonación, manifestándose a
favor del respeto absoluto por la vida, a favor de los derechos del embrión, etc.
el documento ejemplificaba la posición asumida por la opinión pública de los
países europeos. era lógico, por tanto, que la Carta de Derechos fundamenta-
les se hiciera eco de las dudas suscitadas por un tipo de tecnología que pudie-
ra poner en riesgo la dignidad, o la integridad genética de los seres humanos:

“b) La prohibición de practicas eugenésicas, en particular las que tienen


como finalidad la selección de personas;
c) La prohibición de que el cuerpo humano o partes del mismo en
cuanto tales se conviertan en objeto de lucro;

23 Declaración Bioética, Gijón, 2000, n. 10.


d) la prohibición de la clonación reproductiva de los seres huma-
nos.”24

3. Derechos de los ciudadanos, derechos humanos

La noción de “consentimiento informado”, que se encuentra en todos los


códigos y declaraciones a partir del Código de nürnberg, es una prueba del
acuerdo sobre el respeto por los derechos y las libertades individuales, ejes de
la nueva ética de la ciencia y de la investigación. La autonomía y la integridad
son valores fundamentales para la cultura científica, moral y política contem-
poránea, contribuyendo a que los pacientes sean considerados como ciudada-
nos con derechos. Durante las últimas décadas, el modelo liberal ha guiado la
reflexión sobre los usos de la ciencia y sobre la protección de los individuos;
la Bioética ha seguido este mismo modelo, reconociendo el valor de los prin-
cipios básicos, la autonomía,25 la dignidad y la integridad. estos principios
serán tenidos en cuenta en todas las situaciones, en la salud y en la enferme-
dad. Desde esta perspectiva, la reflexión bioética ha intentado clarificar pro-
blemas y situaciones complejas, sin prescribir soluciones para cada caso, ya
que las decisiones son competencia exclusiva de los agentes. Decisiones autó-
nomas, sin interferencia externa, como establece el modelo liberal, incluso
para los casos más difíciles o trágicos.26 algo similar ha sucedido con los códi-
gos de Ética, ya que han intentado tender puentes entre los principios gene-
rales y las prácticas de los grupos profesionales, dejando la aplicación de las
normas al criterio y a la responsabilidad de los mismos agentes. Por esta
razón, los nuevos códigos se refieren a las “buenas practicas” y no a las obliga-
ciones de los profesionales
sin embargo, el modelo liberal parece haber entrado en una etapa de cri-
sis, al no haber conseguido que el marco universal fuese aplicable en todos los
casos y en todos los contextos. tal vez no ha demostrado que la imparcialidad
de las normas – y de algunas instituciones- no es desinterés ni neutralidad
ante los conflictos, Debido también a que los movimientos sociales han hecho
cada vez mas “visible” la parcialidad, que aqueja a los grupos profesionales, a

24 Carta de Derechos Fundamentales de la unión europea, art. 3


25 LoPeZ De La vieJa, m.t.: Principios morales y casos prácticos, tecnos, madrid, 2000, pp. 36-51.
26 Jonsen, a.r.: “the Philosophers: Clarifying the Concepts”, the Birth of Bioethics, oxford
university Press, new York, 1998 , pp. 65-89; “strong on specification”, Journal of medicine and
Philosophy, 25, 2000, pp. 348-360. sobre la relacion entre los casos y la teoría, arras, J.:
“Principles and Particularity: the roles of Cases in Bioethics”, indiana Law Journal, 69, 1994, pp.
983-1014.
las instituciones, denunciando también las restricciones para el ejercicio de los
derechos y para el acceso a los recursos. en el ámbito de la Bioética, las criti-
cas han señalado los limites de la autonomía, los de los procedimientos para
recabar el consentimiento informado. Los principios han estado sometidos al
escrutinio de aquellos grupos o de aquellos agentes que se encuentran en con-
diciones adversas, ya que estar en una posición subordinada significa, entre
otras cosas, tener dificultades para actuar con plena autonomía y para otorgar
el consentimiento informado. Las criticas se han dirigido incluso hacia uno de
los tópicos del enfoque liberal, la separación entre la esfera privada y la esfe-
ra publica. Los análisis mas rigurosos han advertido sobre los inconvenientes
que de tal separación se derivan para quienes están en posición vulnerable; en
esta línea, la Crítica feminista ha recordado que “lo personal es político”,27 que
las instituciones no han de desentenderse de los atropellos que tienen lugar en
la esfera privada. Desde esta perspectiva se aprecia también cual lejos está
aun la igualdad formal esta aún lejos de la igualdad real, o los derechos reco-
nocidos de su aplicación. en definitiva, los mecanismos de opresión siguen
activos, también en la investigación biomédica28 y en la práctica clínica. en
este campo, sigue existiendo una distribución injusta de las cargas y de los
recursos sanitarios, circunstancia que, sin embargo, ha pasado prácticamente
desapercibida hasta hace poco. estas experiencias han contribuido en modo
decisivo en la reflexión de la cultura contemporánea sobre el valor de las iden-
tidades diferenciadas, la flexibilidad del marco normativo y, en fin, sobre la
primacía de los Derechos humanos.
- Las críticas hacia el modelo liberal proceden, sobre todo, de aquellos
grupos que valoran positivamente su identidad cultural, social y, sin embargo,
no encuentran reconocimiento en la esfera pública. un ámbito poco sensible,
ciego a la diferencia. Por ello se puede concluir que el modelo liberal resul-
ta apropiado para defender derechos básicos, pero ha mostrado sus limitacio-
nes al extender estos derechos en un contexto diferente, cada vez más plu-
ral, más heterogéneo. Por este motivo, la diferencia se ha situado en primer
plano, como argumento para reclamar igualdad real, libertades reales, auto-
nomía plena, acceso equitativo a los bienes públicos. sigue siendo valido, por
tanto, el planteamiento que hacia H. arendt29 en los años posteriores a la

27 moLLer oKin, s.: “Gender the Public and the Private”, HeLD, D.: Political theory today,
Polity Press, Cambridge, 1991, pp. 66-90.
28 segun el análisis de s. sHerwin, “Feminism and Bioethics”, woLF, s, Feminism and Bioethics:
Beyond reproduction, oxford university Press, new York, 1996, pp. 47-66.
29 el en trabajo citado, arenDt, H.:”Der niedergang des nationalstaates und das ende der
menschenrechte”, elemente und ursprünge totaler Herrschaft, europäische verlagsanstalt,
Frankfurt, 1955, pp. 402-452.
segunda Guerra: no se debe identificar los derechos del hombre con los dere-
chos de los ciudadanos. estos están integrados en una nación-estado, pero
también existen personas y pueblos fuera de la comunidad política, sin garan-
tías, sin derechos. Por esta razón, son necesarios los Derechos humanos.
- en la nueva configuración de la esfera pública, las identidades cuentan
mucho más que en etapas anteriores: importan los derechos, pero importan
también las diferencias.30 Pues aportan significado, densidad a las normas de
carácter universal. el modelo liberal ha contribuido durante un larga etapa al
reconocimiento de derechos fundamentales, este esfuerzo se ha traducido en
códigos y en declaraciones, destinadas a proteger a los agentes. el marco nor-
mativo es imprescindible, para asegurar que los logros científicos redundarán
en beneficio de todos los ciudadanos, sin embargo, hay aspectos que van más
allá de este marco general, por lo que habrá que plantearse algunas preguntas.
¿Cómo extender y mejorar la protección de los individuos? ¿Cómo fomentar
la intervención de la sociedad civil en decisiones tan relevantes para su salud
y para su bienestar? se puede decir que los derechos fundamentales tendrían
que ser considerados como un punto de partida para la desarrollar otro tipo de
protección, los “derechos horizontales”. esto es, habría que considerar las
oportunidades reales para los ciudadanos, todos los ciudadanos, así como res-
peto por lo diferente y la mejora efectiva de la calidad de vida.
- Gran parte de los logros de la Bioética como disciplina se deben a su
compromiso con un marco bien definido, los Derechos humanos. el siglo XX
mostró las dimensiones del horror y la lección debe ser tenida en cuenta en lo
sucesivo.31 es cierto que la Historia mostró el lado más negativo, más autorita-
rio de la medicina y de la Biología. La Bioética surgió en otro clima, en una
“nueva frontera” que pretendía devolver el protagonismo a los individuos, a los
ciudadanos, terminando para siempre con las atrocidades cometidas en nom-
bre de intereses superiores. Los intereses la ciencia o los de la sociedad. Las
experiencias del daño justifican el protagonismo de este marco normativo,
definiendo poco a poco en códigos, declaraciones, resoluciones y convenios
internacionales, suscritos a partir de 1949. Después de Declaración universal
de los Derechos Humanos, con el propósito de asegurar las libertades.
ahora bien, la evolución de la investigación científica y de la sociedad
civil ha demostrado que los derechos no lo son todo. Hay que incidir también
en las formas de vida, en las prácticas que influyen más directamente en la

30 LoPeZ De La vieJa, m.t.: “Ética y diferencia”, La mitad del mundo. Ética y Critica feminista,
universidad de salamanca, salamanca, 2004, pp. 39-58.
31 HaBermas, J.: “Learning by Disasters?. a Diagnostic Look Back on the short 20th Century”,
Constellations, 1998, pp. 307-320.
existencia cotidiana. este doble compromiso, con las normas y con los agen-
tes reales, ha de ser asumido sin reservas, a fin de acabar con los prejuicios y
con los abusos y para que la protección de la vida y de la dignidad llegue a
todos los ciudadanos, sean cuales sean sus circunstancias y sus lealtades par-
ticulares. es cierto que la ciencia actual se desarrolla en otro contexto, mucho
más transparente, más abierto al control de las instituciones y de los ciudada-
nos, por eso la investigación no es, en principio, una amenaza a las libertades
ni a la dignidad individual. Los riesgos proceden, entonces, de la opacidad o
de un control insuficiente de su uso, un motivo adicional para recordar que
los Derechos humanos son la frontera que no se debe traspasar, en ninguna
circunstancia.

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el tipo Penal de tortura en la Legislación
española, a la Luz de la Jurisprudencia
nacional e internacional
Laura Zúñiga rodríguez*

sumário: 1. Preámbulo: La Protección Frente a las torturas como uno de los ejes Fundamentales
del estado de Derecho; 2. La Historia de la abolición de la tortura o el sueño de la razón; 3. La
Prevención de la tortura y los tratos inhumanos o Degradantes: la razón de las Leyes y las Leyes
de la razón; 4. La situación en españa; 5. el tipo Penal de tortura del art. 174 CP a la Luz de la
Jurisprudencia española; 5.1. el Bien Jurídico y la Conducta típica; 5.2. el tipo objetivo en el
Delito de tortura del art. 174 CP: elementos Comunes con los Delitos contra la integridad
moral; 5.3. el tipo objetivo de tortura: elementos especiales respecto de los Delitos Contra la
integridad moral. sujeto activo: Funcionario Público en el ejercicio de sus Funciones; 5.4. el
tipo subjetivo de tortura: elemento especial del Delito de tortura: la Finalidad; 5.5. especial
Consideración de la Detención Preventiva: Los Límites del ejercicio Legítimo de la violencia
estatal; 5.5.1. La Detención Preventiva por terrorismo. la incomunicación; 5.6. otras Causas de
Justificación; 5.7. Concursos; 5.8. Penalidad; 6. tratamiento Jurisprudencial: la investigación y
Castigo de los responsables; a) escasas investigaciones y sanciones penales; b) La impunidad;
6. La Jurisdicción internacional y el Principio de Justicia universal; a) La Jurisprudencia del
tribunal europeo de Derechos Humanos; b) La Corte Penal internacional; c) el principio de jus-
ticia universal; 8. a modo de Conclusión: la Protección Frente a los malos tratos y torturas, una
tarea aún Pendiente; Bibliografía

1. Preámbulo: La Protección Frente a las torturas como uno


de los ejes Fundamentales del estado de Derecho

uno de los aspectos más apasionantes de la historia del hombre es el de


la lucha por conseguir espacios de libertades, respeto a su integridad humana,
frente a los poderosos, cuya fuerza económica o política les coloca en situa-
ción real de superioridad. La conquista de los derechos del hombre como ciu-
dadano respecto de los poderes públicos es una parte importante de esta his-
toria, porque precisamente compromete las relaciones estado / sociedad civil,
en suma, la construcción del estado mismo. Y es que precisamente el funda-
mento de los orígenes del estado está en su capacidad para proteger a los ciu-

* Profesora titular de Derecho Penal. universidad de salamanca.


dadanos (estado protector) frente a las formas de violencia privada, pero tam-
bién frente a los excesos de sus propios representantes. La prevención de los
tratos inhumanos y degradantes, así como de su práctica más burda cual es la
tortura, es un compromiso ineludible de los poderes públicos en los estados
democráticos de Derecho, toda vez que éstos se construyen como sistemas
sociales cuyo fudamento consiste en el respeto de la dignidad de la persona,1
de toda persona, de cualquier persona.
Concretamente, en el caso de la normativa española, se parte de la pre-
misa de un sistema político y social en el que las actuaciones públicas están
sometidas a la legitimidad que le otorga el respeto de los derechos fundamen-
tales (art. 1.1 Ce). más específicamente, sobre el tema que nos ocupa, se trata
de la protección del derecho fundamental a la integridad moral consagrada en
el art. 15 Ce: “todos tienen derecho a la vida y a la integridad física y moral,
sin que, en ningún caso, puedan ser sometidas a torturas ni a penas o tratos
inhumanos o degradantes...”. además, la principal fuente internacional que
ilustra el contenido de este derecho, es la Convención contra la tortura y
otros tratos o Penas crueles, inhumanos o degradantes de 10 de diciembre de
1984 que entró en vigor en españa el 20 de noviembre de 1987.
según estos compromisos nacionales e internacionales los poderes públi-
cos están obligados a erradicar las conductas que supongan malos tratos y tor-
turas de sus ciudadanos y de todas las personas que estén en su territorio, rea-
lizadas por parte de particulares o por funcionarios públicos. La prevención de
estas prácticas supondrá: 1º) un ámbito legislativo apropiado que no propicie
situaciones de vulnerabilidad de las personas; 2º cuando se produzca torturas
o maltratos, los poderes públicos deben investigar y sancionar a los responsa-
bles (sanciones penales o sanciones administrativas). Como es lógico, las con-
ductas de malos tratos y tortura por parte de funcionarios públicos adquieren
mayor gravedad social que la de los particulares, porque éstos son precisamen-
te los encargados de hacer respetar las leyes y las actuaciones que supongan
una vulneración de derechos fundamentales como éstas, no sólo deslegitiman
su propia actuación, sino también la del estado que representan.

1 según eLÍas DÍaZ, 1985, págs. 31 y ss. la expresión estado de Derecho, que se diferencia radical -
mente de los estados autoritarios o fascistas, quiere decir que al menos, se inspiran en cuatro
notas fundamentales: en el imperio de la ley, esto es, que la ley es considerada expresión de la
voluntad general; que su organización política obedece al principio de división de poderes; que
la administración está sometida al principio de legalidad a la ley, especialmente, a través de sis-
temas de control y responsabilidad que asegure un funcionamiento conforme a Derecho; y, por
último, que se reconozcan y garanticen los derechos fundamentales de la persona humana. el
autor prosigue (pág. 39): “exigencias éticas que en cuanto conquista histórica constituyen hoy ele-
mento esencial del sistema de legitimidad en que se apoya el estado de Derecho”.
el contenido esencial del derecho fundamental a la integridad moral ha
sido desarrollado por el tC. este alto tribunal ha interpretado los términos
empleados por el constituyente “torturas y tratos inhumanos o degradantes”
como si fueran conceptos relacionados por un mismo núcleo esencial, sólo que
tendrían una diferencia de grado de afección: “...son, en su significado jurídi-
co, nociones graduadas de una misma escala que, en todos sus tramos, denotan
la causación, sean cuales fueran los fines, de padecimientos físicos o psíquicos
ilícitos e inflingidos de modo vejatorio para quien los sufre y con esa propia
intención de vejar y doblegar la voluntad del sujeto” (stC 120/1990, FJ 9º).
Como sostiene PÉreZ roYo,2 la tortura y los tratos inhumanos o degradantes
no son, pues, desde una perspectiva constitucional, compartimentos estancos,
entre los que exista una línea divisoria clara. ambos coinciden en tres elemen-
tos: 1º) se inflige padecimientos físicos o psíquicos; 2º) se realiza de manera
vejatoria; y, 3º) se persigue el objetivo de anular la voluntad de la víctima y
hacerle hacer lo que de otra manera no haría. al tratarse de conductas que tie-
nen por objetivo anular la voluntad de la víctima y hacerle hacer lo que de otra
manera no haría, estamos ante conductas que atacan el núcleo esencial de la
dignidad humana, el hecho de tener voluntad propia y de no poder ser degra-
dado a la condición de mero instrumento de una voluntad ajena. en definiti-
va, las torturas y los tratos inhumanos o degradantes constituyen una afección
frontal al principio kantiano de que todo hombre es un fin en sí mismo y nin-
gún hombre puede ser utilizado como medio de otro. De ahí la relevancia de
la protección penal que debe brindar el estado ante conductas de este tipo y la
necesidad de su persecusión penal cuando se denuncian estos casos.

2. La Historia de la abolición de la tortura o el sueño


de la razón

La edad media y las monarquías absolutas institucionalizaron en europa


la tortura como instrumento de investigación para obtener la confesión de los
sospechosos de haber cometido delitos. La tortura judicial era una pieza den-
tro del engranaje del terror punitivo, la coación y la intimidación de los ciu-
dadanos, una herramienta para el mantenimiento del orden establecido. no
importaba la verdad real, lo fundamental era facilitar la condena de los pre-
suntos reos, con la idea de que cuanto más temor infunda la pena, más ejem-
plar y, por tanto, más eficaz era. Por eso, como advierte tomás y valiente,
destacado estudioso de la tortura en españa, la tortura es eficaz, no tanto como

2 PÉreZ roYo, 2000, pág. 342.


instrumento para acceder a la verdad, porque puede dar lugar a autoacusacio-
nes o delaciones falsas, sino sobre todo como mecanismo intimidativo3. a fin
de cuentas, lo importante era infundir una amenaza general a toda la pobla-
ción para imponer la ley del monarca.
el procedimiento penal de tipo inquisitivo, secreto, con clara desigual-
dad entre las partes (acusador y acusado), tenía muchas semejanzas con el
sacramento de la Penitencia: el pecador debe acusarse de sus propias culpas y
expiarlas. así, cuando no existían pruebas suficientes para condenar al acusa-
do, casi siempre había por lo menos indicios suficientes para justificar la apli-
cación de la tortura contra él. en estos casos de pruebas incompletas, la tortu-
ra tenía como finalidad “descubrir la verdad”, entendiéndose que la “verdad”
quedaba revelada cuando el reo atormentado confesaba su culpabilidad, pero
no si afirmaba insistentemente su inocencia durante el tormento. La confesión
pronunciada bajo el dolor del tormento no era válida si el reo no la ratificaba
después; pero si no realizaba la ratificación, podía volver a ser torturado (dos
o tres veces sucesivas, según las legislaciones de cada país) hasta que ratifica-
se su confesión. una de las manifestaciones de la desigualdad ante la ley era la
prohibición de someter a tortura a un noble, salvo en procesos por delitos de
lesa majestad.4
De ahí que los ilustrados tuvieran como uno de sus principales lemas, la
abolición de las penas crueles, inhumanas o degradantes, por chocar frontal-
mente con la idea de que los derechos del hombre están por encima de cual-
quier poder constituido.5 De la tortura decía Beccaria:6 “una crueldad consa-
grada por el uso en la mayor parte de las naciones es la tortura del reo mien-
tras se forma el proceso, bien para constreñirlo a confesar un delito, bien por
las contradicciones en que hubiere incurrido, bien para descrubrir a los cóm-
plices, bien por no sé qué metafísica e incomprensible purgación de la infa-
mia”. La fundamentación que este autor iluminista daba era la de vulnerar la
presunción de inocencia: “un hombre no puede ser llamado culpable antes de
la sentencia del juez, ni la sociedad puede quitarle la protección pública sino
cuando se haya decidico que violó los pactos con los que aquella protección le
fue acordada”.

3 tomÁs Y vaLiente, 1973, pág. 254. también en términos similares se expresa en del mismo, 1992,
pág. 175.
4 Cfr. tomÁs Y vaLiente, 1982, págs. 26-27.
5 en españa la tortura fue abolida por la Constitución de las Cortes de Cádiz de 1812 (art. 303) y
la real Cédula de 25 de julio de 1814 de Fernando vii.
6 BeCCaria, 1982, pág. 95.
no hay duda de que debemos a los iluministas el esfuerzo más notable
por abolir de la faz de la tierra los malos tratos y las torturas de manos de las
funcionarios del estado. La identificación en el siglo Xviii de la tortura con
toda una visión del mundo rechazada por las fuerzas políticas y sociales emer-
gentes fue el mejor caldo de cultivo de la proscripción de la tortura. La consi-
deración de la tortura como una práctica inhumana e irracional, hacía que los
pensadores de la época calificaran los países donde todavía se practicaba como
bárbaros e incivilizados. en 1657 Frederich Keller escribía: “israel, aragón e
inglaterra, son ejemplos de naciones civilizadas que no emplean la tortura”.7
Lamentablemente, cuando en el siglo XX una serie de estados empeza-
ron a desconocer el papel protector de la ley y entró en crisis la concepción
de la soberanía popular transmutada por la soberanía de una parte del pueblo,
reverdeció la práctica de la tortura. Los estados autoritarios y fascistas, las dos
guerras mundiales, los conflictos internos sucedidos en la época de la guerra
fría, al desconocer los derechos del hombre, dejó a los ciudadanos inermes
frente al poder del estado. La tortura en el siglo pasado reapareción con más
fuerza que nunca, bajo las ideologías que supeditaban los derechos humanos a
un bien público ideal y abstracto (“la sana conciencia del pueblo alemán”, “sal-
var la Patria de los comunistas”, etc.), cuyo fin justificaba cualquier restricción
de libertades. La funcionalización de la vida social y política hacia valores
supremos, propició una fractura social entre “amigos” y “enemigos”, entre
“nosotros” y los “otros” a quienes había que tratar de manera diferente hasta
la exterminación.8
Después de la segunda guerra mundial, se produce un resurgimiento de
los derechos humanos con la Carta de naciones unidas de 1948, donde se per-

7 Cfr. Peters, 1987, pág. 140.


8 el tratamiento excepcional para aquellos considerados anormales, asociales, peligrosos, etc. es
una constante de los regímenes autoritarios. La historia de las leyes que se dictaron en el nacio-
nalsocialismo alemán para el tratamiento de los asociales es una muestra de los procesos sociales
que legitiman la aplicación de una regulación especial para un grupo de personas a las que se les
desconoce los derechos fundamentales y cuyo colofón es la exterminación. esto está muy bien
documentado en muÑoZ ConDe, 2002, passim., donde se destaca el Proyecto de extraños a la
comunidad (págs. 206 y ss.) y sobre todo, como suele suceder en todo régimen político, la cola -
boración denostable de uno de los catedráticos más notables del momento, edmund mezger,
quien sin ambages prestó su apoyo académico para fundamentar leyes sobre “la eliminación de
los elementos extraños a la raza y al pueblo”, la “culpa de la conducción de vida de los asociales”,
etc. Quiero resaltar no sólo el valor científico de esta investigación del Profesor muñoz Conde,
sino también su importante mérito histórico-político, pero sobre todo, su valentía para sacar a la
luz de una manera documentada y rigurosa, el colaboracionismo del gremio académico con los
políticos, pese a las dificultades que ello pudiera causarle producto de un mal entendido corpora-
tivismo, lamentablemente no sólo común entre los profesores universitarios.
cibe un consenso internacional por anteponer los derechos del hombre fren-
te a los intereses públicos. Pero en la práctica, la lucha ideológica entre comu-
nistas y capitalistas9 propia de los años 60 y 70, produce en varias partes del
mundo un desconocimiento de los derechos humanos que conllevan no pocos
casos de torturas. especialmente destacables son los casos del cono sur latinoa-
mericano, argentina, Chile, uruguay, Brasil, apoyados por la doctrina
Kissinger, se impusieron regímenes autoritarios que conocieron miles de casos
de torturas y desapariciones. en europa, no faltaron voces que justificaron la
tortura para casos excepcionales en las guerras de descolonización. en 1957 y
1958 empezaron a circular rumores de que el ejército francés y las fuerzas de
policía coloniales habían utilizado la tortura en su trato contra los rebeldes
argelinos.10 en 1971, casi dos décadas después, el general massu publicó sus
memorias sobre la guerra argelina, con el título La verdadera batalla de argel,
donde defendió su propio empleo sobre la base de que las circunstancias
excepcionales, que entonces prevalecían, justificaban su uso y de que él como
militar responsable se vió en la necesidad de practicarla. La polémica que sus-
citó esta defensa de la tortura,11 dio lugar incluso a acuñar un nuevo término
francés, el massuisme: el argumento de que los torturadores pueden ser servi-
dores responsables del estado en tiempos de crisis extrema.12
ante estas nuevas justificaciones de la tortura, la Convención de 1984 ha
sido taxativa: el art. 3 dispone que ningún estado de derecho puede alegar cir-
cunstancias excepcionales, ni la guerra, como justificación de la tortura. Pero
si bien la abolición legal de la tortura se ha dado ya, queda pendiente la abo-

9 Que quede claro que el desconocimiento de los derechos humanos se evidenció en las posturas
radicales de ambas ideologías, sirvió de bandera tanto para luchar contra los comunistas, como
contra los capitalistas, lo cual prueba que lo verdaderamente abominable es el autoritarismo,
tanto de izquierdas como de derechas, pues se sabe de las torturas tanto de Hitler, como de stalin
o mao.
10 el retorno de la tortura conmocionó a los intelectuales de este tiempo. sartre escribía: “La tortu-
ra no es civil ni militar, ni es específicamente francesa; es una plaga que infecta a toda nuestra
época”. Cfr. Peters, 1987, pág. 187.
11 en el 2001 se reabrió el debate en Francia conmocionando a toda europa tras la publicación del
libro del general aussaresses, servicios especiales. argelia 1955-1967, donde reconoce haber
practicado torturas y dirigido un escuadrón de la muerte durante la guerra de argelia. el País, 18
de mayo de 2001. es la llamada por los anglosajones dirty hands theory o teoría de las manos
sucias, según la cual “todo dirigente de alto nivel, civil o militar, en ciertas situaciones, puede
verse obligado a ensuciarse las manos actuando fuera de la ley y de la moral, en aras de un mejor
servicio a la propia sociedad”, como bien recuerda Prudencia García, “manos sucias y moral mili -
tar”, el País, 17 de mayo de 2001: “Pese a la tortura y al crimen, Francia perdió argelia. sin cri-
men y sin tortura la hubiera perdido también. Pero lo hubiera hecho con mayor dignidad...”.
12 Cfr. Peters, 1987, pág. 243.
lición real de la misma, esto es, la erradicación de su práctica en numerosos
países del mundo, incluso estados democráticos.
en estos albores del siglo XXi lamentablemente “la tortura goza de muy
buena salud”, se ha hecho más “científica” y sofisticada, no deja huellas y
busca vencer a la víctima, reducirla a la impotencia,13 para ganarle la moral al
torturado y a los suyos. Hoy como ayer la tortura no tiene por objetivo últi-
mo y fundamental arrancar la confesión del torturado, sino se trata de trans-
formar la cooperación forzada en aceptación, quebrar la voluntad del tortura-
do, de sus superiores, de su ideología. el principal objetivo de los torturadores
es difundir un clima de terror, obtener información es secundario.14 es decir,
primero se amedrenta al sujeto, se le quiebra la voluntad, luego la información
que da viene por añadidura.
el sueño de los iluministas no sólo no se ha hecho realidad, sino que
todavía parecen persistir “razones” para justificar la tortura. el siglo XX y lo
que llevamos del XXi nos han dado muestras de que, cada cierto tiempo, en
algunos países de nuestro propio entorno cultural, se tejen razones para un
tratamiento excepcional hacia determinados grupos de personas, fundamen-
tadas en amenazas, peligros, riesgos para nuestra cultura, sociedades, o países,
que pueden ser el caldo de cultivo de una serie de restricciones de derechos
en general, y de los malos tratos y las torturas en particular. La vieja doctrina
de la seguridad nacional se transmuta constantemente en conceptos como
seguridad ciudadana, seguridad de occidente, seguridad de una determinada
etnia, etc. es frente a esos razonamientos falaces, que finalmente desconocen
los derechos de las personas en aras de un supuesto bien común, que debemos
estar alertas, constantemente despiertos, como pasaré a desarrollar.

3. La Prevención de la tortura y los tratos inhumanos


o Degradantes: la razón de las Leyes y las Leyes de la razón

Desde que en 1984 amnistía internacional publicó su informe mundial


sobre la tortura y se proclamó la Convención sobre la misma, el interés tanto
de naciones unidas como de los organismos no gubernamentales preocupados
por el tema es el de establecer una serie de mecanismos concretos para com-

13 Peters, 1987, pág. 225. Los adelantos científicos en materia de instrumentos para no dejar huel-
la y los últimos conocimientos sobre el dolor han dado ludar a que la tortura hoy esté destinada
a reforzar la experiencia del dolor, a bloquear la acción de inhibidores naturales del dolor y a
aumentar éste de todos los modos posibles (op. ult. cit., pág. 235).
14 Peters, 1987, págs. 222-223.
batir su práctica y la de otros tratos inhumanos, además de su prohibición
penal. Principalmente se detectó que estas conductas ilícitas de los funciona-
rios estaban asociadas a la detención y a las demás formas de privación de
libertad, por lo que todas las medidas preventivas necesariamente están en
conección con los instrumentos de garantías de las personas detenidas o some-
tidas a prisión.
De acuerdo con las experiencias internacionales, ha quedado patente que
las restricciones al principio de presunción de inocencia y al derecho de
defensa en sus diversas manifestaciones, acarrean una situación de vulnerabi-
lidad de los detenidos y privados de libertad que puede favorecer la tortura.
Por consiguiente, las regulaciones que restringen estos derechos ciudadanos,
aún siendo legales, esto es, promulgadas por los mecanismos legítimos de los
países democráticos, pueden auspiciar los malos tratos y la tortura.
Concretamente el Comité de naciones unidas para la Prevención de la
tortura, organismo internacional encargado de realizar visitas periódicas a los
países, y de elaborar un informe sobre la situación de los mismos sobre este
tema, considera que existen tres reglas básicas que los poderes públicos deben
ofrecer a las personas que se encuentran bajo su custodia: derecho al acceso de
un abogado en todo momento que dure la situación de privación de libertad,
derecho a ser notificado de su detención a un familiar o persona de su elec-
ción y derecho a ser examinado por un médico de su elección (además del
médico forense designado por ley). Puede sintetizarse estos tres derechos,
como los tres instrumentos jurídicos para prevenir la tortura, por excelencia.
Precisamente estos derechos son los que se restringen en las legislaciones
excepcionales para el tratamiento del terrorismo15 y que, significativamente,

15 Concretamente, en el caso español conviene recordar que la excepcionalidad para el terrorismo


data del proceso constituyente. al decir de PÉreZ roYo, 2000, pág. 1069: “La Constitución
española toma nota del fenómeno terrorista tanto de forma expresa, algo insólito en el Derecho
Comparado, como de forma implícita, ya que, como vimos al estudiar el art. 17 Ce, el plazo de la
detención preventiva de setenta y dos horas frente a las veinticuatro horas usuales en los demás
países europeos únicamente se explica por la presión del terrorismo”. el art. 55.2 Ce, al estable-
cer la suspensión individual de garantías en estos supuestos, “es de una incoherencia notable” y
se presenta como “una de las cuestiones más polémicas desde que la Constitución se puso en vigor
a finales de 1978”. el desarrollo de este dispositivo constitucional dio lugar a la promulgación de
una serie de normas que se inscriben en la legislación de emergencia, que suspenden dos garan-
tías de la detención que son fundamentales para el control jurídico de esta medida policial: el
plazo de 72 horas como período máximo de la detención preventiva y la intervención judicial. en
1987 el tC declaró inconstitucional (stC 199/1987) la incomunicación de 10 días entonces
vigentes, al entender que la prolongación de la detención policial más allá de las 72 horas no
puede ni iniciarse, ni llevarse a cabo, de acuerdo a los arts. 17.2 y 55.2 Ce, sin una previa y expre-
sa autorización judicial. además, puntualizó que siguen siendo puntos necesarios de referencia
las normas internacionales que requieren la conducción del detenido frente a la presencia judi-
hoy toman carta de naturaleza, como enseguida se verá. en estos casos la razón
de las leyes no concuerda con las leyes de la razón iluminista favorecedora de
límites al poder del estado, sino más bien, crea espacios legítimos de vulnera-
bilidad de las personas. nuevamente la presión política ejercida por el terroris-
mo surte sus efectos de lograr rebajas en los procesos democratizadores y la
manida doctrina de la seguridad nacional sirve de “razón” para legitimarla.
Como lo ha demostrado la experiencia, no basta con garantizar una serie
de derechos, ni que los estados firmen los convenios internacionales, tampo-
co son suficientes las prohibiciones penales. Lo verdaderamente importante,
como suele suceder con cualquier tipo de criminalidad, es reconocer que
detrás de las prácticas de malos tratos y torturas, más allá de las definiciones
penales, tras la imposición o no de sanciones, existen una serie de relaciones
sociales condicionantes de las mismas. Como todo fenómeno criminal, las tor-
turas son un problema social, de toda la sociedad civil, no sólo de los cuerpos
agentes de hacer cumplir la ley. La sociedad civil es responsable, en último
término, de la actuación de sus propios funcionarios públicos, de actuar u
omitir acciones para prevenir la tortura, de que se sancionen a los responsa-
bles, de reprobar socialmente las conductas de malos tratos o a las jueces que
son negligentes con la protección de las víctimas, en suma, de admitir o no la
impunidad de estas conductas.
esto coincide con las corrientes criminológicas que explican el fenóme-
no criminal, en especial con las teorías sociológicas que coinciden en señalar
que el contexto social es importante para la actividad delictiva. Por un lado,
las teorías del aprendizaje social enseñan que el ambiente incide en que
alguien realice un acto delictivo o sea considerado como un delincuente.16
asociada a esta teoría, la teoría de las subculturas, explica que la conducta des-
viada de ciertos individuos se ve reforzada por el grupo y su pertenencia al
mismo, en cuyo seno aprende determinada cultura de la violencia. De otro
lado, las teorías del etiquetaje o labbiling aproach muestran que el delincuen-
te se construye socialmente, esto es, que la delincuencia consiste en un proce-
so social de criminalización, una verdadera interacción entre el grupo social y
el individuo.17

cial “en el plazo más breve posible”, como expresión de sus derechos a no declarar contra sí
mismo y a no confesarse culpable. en la actualidad el art. 520 bis LeCrim permite la incomuni -
cación por 24 horas más, con intervención judicial. Las implicancias de este dispositivo se anali -
zarán en el epígrafe 5.
16 Cfr. GuiDDens, 1998, pág. 240.
17 Cfr. ZÚÑiGa roDrÍGueZ, 2001, págs. 165-166.
trasladando estas teorías al tema que nos ocupa, significa afirmar que el
torturador no nace, sino se hace, se construye socialmente y hay determinadas
relaciones sociales que favorecen su aparición. el torturador existe cuando hay
una determinada ideología o un aparato organizado de poder que perpetúa la
violencia de los malos tratos.18 Como se suele decir, la violencia genera mayor
violencia. Por eso, cuando se ha instaurado la violencia, ésta se autoreprocude
ilimitadamente, de ahí que sea tan preocupante la pervivencia y el aumento de
la falta de tolerancia y de ahí también la importancia de atajar cualquier clima
social de confrontación, pues esto finalmente supone limitaciones a los dere-
chos humanos. también el terrorismo, como una suerte de “provocación” a los
estados democráticos, busca la deslegitimación de las conductas de los agentes
del orden, para pregonar la profecía que se autocumple: el autoritarismo de
estos estados. De ahí que sea muy importante que los estados no caigan en la
provocación de los terroristas rebajando los niveles de legitimidad de sus con-
ductas, aunque sean santiguadas por la legitimidad formal de leyes excepciona-
les. ello aún es más importante, si se constata que, históricamente, practica-
mente ninguna guerra contra el terrorismo ha sido ganada con malos tratos y
torturas, sino con actuaciones de las fuerzas del orden legales y legítimas.19
De otro lado, las teorías de la victimología resaltan que algunos sujetos
poseen mayor riesgo de ser víctimas de determinados delitos. existen deter-
minadas circunstancias de las personas, situaciones de precariedad, margina-
lidad, especial vulnerabilidad que favorecen que se conviertan en víctimas. La
moderna victimologia explica la interacción delincuente / víctima. es impo-
tante estudiar empíricamente cuál es la función “real” que desempeña la víc-
tima del delito en los diversos momentos del suceso criminal, lo cual, eviden-
temente, tendrá que dar luces para una estrategia políticocriminal de preven-

18 Como dice Peters, 1987, págs. 244 y 251, los estudios de personas que llegaron a realizar tortu -
ras en el régimen nazi, demuestran que el torturador no es siempre una persona cruel y pervera,
sino, la mayoría de las veces se trata de personas al servicio de un sistema político autoritario, en
el que la violencia sirve de apoyo a las necesidades políticas de quienes están en el poder. Los tor-
turadores son preparados ideológicamente de forma deliberada, de tal modo que se altera su per -
sonalidad haciéndoles aceptar una realidad política inventada en la que sus víctimas son puestas
fuera del límite de la humanidad.
19 Pongo dos ejemplos. en Perú, la lucha contra sendero Luminoso que produjo 69.000 muertos y se
prolongó de 1980 a 1992, culminó con la detención de su líder abimael Guzmán en septiembre de
1992, con una actuación policial de detención a la cúpula de la organización, que puede adjetivar-
se como ejemplar. en españa, la disminución de las acciones terroristas se debe en buena medida
a las sucesivas capturas de las cúpulas de la organización, pero sobre todo a su incapacidad para
autogenerarse debido al gran golpe económico que ha supuesto la ilegalización de su brazo políti -
co, Herri Batasuna, acción que no fue otra que la aplicación de un supuesto contemplado en la
legislación penal, de suspensión de actividades a asociaciones ilícitas, de los arts. 129 y 515 CP.
ción, ayudando a las potenciales víctimas indicándoles comportamientos, acti-
tudes, conductas y medidas tendentes a evitar la realización del delito.20 en el
caso de las víctimas de torturas, su situación de vulnerabilidad por razón de
situación social (pobreza), sexo, minoría de edad, pertenencia a una etnia
minoritaria, status jurídico (inmigrantes irregulares), pueden ser factores que
faciliten su comisión. si a eso se unen coadyuvantes como la situación de for-
taleza posicional de los agentes del orden, como impunidad o leyes que les
facultan cierto grado de arbitrariedad, se ha producido las condiciones idóneas
para la práctica de la tortura.21
De acuerdo a los informes de las organizaciones de derechos humanos y
del Comité de naciones unidas para la Prevención de la tortura, como ya se
ha dicho, la situación de mayor vulnerabilidad del sujeto para ser víctima de
malos tratos o torturas es en las diversas formas de privación de libertad rea-
lizadas por las fuerzas públicas del orden. en el ámbito español, son dos situa-
ciones las que propician el ser víctimas de torturas o malos tratos: la detención
preventiva, en especial por terrorismo cuando están sometidos a incomunica-
ción, y el tratamiento de las fuerzas del orden con extranjeros por la supuesta
comisión de delito o redadas o cacheos a inmigrantes irregulares.
Como ha podido comprobarse, históricamente la tortura se ha instaura-
do en sociedades en el que persistía un clima social de confrontación, de frac-
tura social entre “amigo” y “enemigo”, entre los “nosotros” y “los otros”. Las
sociedades que han conocido prácticas sistemáticas de torturas han sido socie-
dades divididas, en las que el grupo dominante ha sido incapaz de tener empa-
tía con el otro, cuando no ha existido diálogo, cuando el otro es el enemigo al
que hay que vencer o aniquilar moral y físicamente. esas fueron las constan-
tes de las dictaduras de videla, Pinochet o del nazismo.
en fin, el futuro de la tortura no está principalmente en las leyes, sino en
la propia sociedad civil, en su proyecto social, en su manera de entender la con -

20 Cfr. GarCÍa PaBLos,1989, págs. 633 y ss.


21 el informe de la Comisión de la verdad y reconciliación que investigó las violaciones de derechos
humanos sucedidas durante la década de lucha contra sendero Luminoso en el Perú, pone en evi-
dencia que de cada cuatro víctimas, tres fueron campesinos o campesinas cuya lengua materna era
el quechua. La violencia no impactó igual en todos los peruanos, sino que golpeó desigualmente
diferentes estratos geográficos y difentes estratos de la población. el 40% de los muertos y desapa -
recidos reportados a la Cvr procedían de ayacucho, región donde se concentra la población indí-
gena más pobre del país, esto es, la población excluida de la modernidad urbana y pujante. Como
señala su Presidente, salomón Lerner, “agobia encontrar en esos testimonios, una y otra vez, el
insulto racial, el agravio verbal a personas humildes, como un abominable estribillo que precede a
la golpiza, la violación sexual, el secuestro del hijo o la hija, el disparo a quemarropa de parte de
algún agente de las fuerzas armadas o la policia”, Cfr. ComisiÓn De entreGa De La ComisiÓn De La
verDaD Y reConCiLiaCiÓn, Hatun willakuy, navarrete s.a, Lima, 2004, pág. 10.
vivencia, en la forma de comprender y relacionarse con el otro, en la tolerancia
de las distintas maneras de ver el mundo. es decir, la más importante forma de
prevención de las torturas no está en las leyes, sino en las mentes de las perso-
nas,22 en su manera de relacionarse con el que piensa de manera distinta, en la
tolerancia, que es la base material de la convivencia democrática. Finalmente en
toda forma de torturas y malos tratos existe una intolerancia al que es de distin-
ta raza, color, sexo, ideología, etc., por esto, la tortura no sólo va contra la dig-
nidad humana, sino también constituye en sí un acto de discriminación ilícito.
muchas veces es la propia sociedad civil la que admite políticas crimina-
les, o es responsable de climas sociales o contextos jurídicos que favorecen res-
tricciones de derechos ciudadanos que, finalmente, pueden dar lugar a rebro-
tes de la tortura. Como sostiene Peters: “a veces es más fácil desgastar lenta-
mente una gran idea contra la dignidad humana que arriesgar la introducción
abrupta directamente de la tortura en una sociedad. es más fácil transformar
una antropología lentamente, pues con tal transformación, la tortura puede
parecer como un paso lógico y previsible”.23
Lamentablemente el clima social actual, en especial a partir del 11 de
septiembre de 2001, no es precisamente favorecedor del respeto de los dere-
chos ciudadanos y, por tanto, es previsible un rebrote de la tortura. algunas
muestras de las leyes dictadas a propósito de estos excecrables atentados ilus-
tran este comentario. La primera reacción de estados unidos, aparte de la
invasión de afganistán. fue la promulgación de la usa Patriot act que insti-
tucionaliza la creación de tribunales secretos nombrado por el secretario de
justicia, la detención preventiva sin pruebas y sin límite legal (por un período
“razonable”), la ausencia de abogados, la incomunicación y la interceptación
de todas las comunicaciones de los detenidos; todo ello, como no, crea el caldo
de cultivo para la privación de libertad sin límites, la indefensión y la tortura.
no podemos olvidar que en estos momentos se encuentran más de 600 dete-
nidos en la Base militar de Guantánamo, sometidos a condiciones infrahuma-
nas y castigos corporales, bajo la custodia del país más poderoso del mundo
que supuestamente defiende la democracia y las libertades. si esto sucede en
el país que lidera la política internacional, económica y criminal de nuestra
era, qué puede esperarse de países que no son siquiera democráticos.

22 Lo importante es pues, lo que montesquieu llamaba “el espíritu de las leyes” o lo que los penalis -
tas llamamos “las normas de cultura”, pues son en definitiva sujetos sociales quienes crean, apli -
can e interpretan las leyes. De nada valdrían unas magníficas leyes, si las mentes de las personas
están secuestradas por la intolerancia.
23 Peters, 1987, pág. 255.
seguidamente se aprueba la Ley antiterrorista británica (antiterrorism
Crime and security act 2001), según el cual el estado británico suspende sus
obligaciones de garantía de los derechos derivados del Convenio europeo de
Derechos Humanos, regulando un estado excepcional para el tratamiento del
terrorismo. La ue responde inmediatamente con la Propuesta de reglamento
del Consejo (Documento 501PC0569) y considera como objetivo políticocri-
minal fundamental atajar las fuentes de financiación del terrorismo, para lo
cual establece como medida la “congelación de capitales” pertenecientes a las
personas físicas o jurídicas, entidades u organismos enumerados en una lista
confeccionada de organizaciones terroristas. Las garantías para la confección
de dichas listas, establecer quiénes colaboran con el terrorismo y cómo se
imponen dichas sanciones no son regladas, por lo que deja un ámbito impor-
tante de arbitrariedad.
Por su parte, el Consejo europeo de 21 de septiembre de 2001, declara que
“la lucha contra el terrorismo será más que nunca un objetivo prioritario de la
unión europea”. Como concreción de esta declaración política de intenciones,
se acordó el Plan de acción Común contra el terrorismo y la Propuesta de
Decisión-marco que, entre otras medidas, incluye una definición amplia de
terrorismo, definición que contradice el principio de taxatividad de la ley penal
(principio de legalidad) y pone en entredicho la seguridad jurídica.
en suma, las normas europeas contra el terrorismo, dictadas a propósito de
los atentados terroristas del 11 s, han dado lugar, según un informe reciente de
expertos encargados por la Comisión europea, a un déficit en la protección de
las libertades relativas al derecho de tutela judicial, en especial a la presunción
de inocencia y al derecho de defensa, el derecho a no ser discriminado, en espe -
cial en relación a la situación de los extranjeros, y a los derechos de la persona -
lidad, como el secreto de las comunicaciones y la intimidad. el informe también
destaca el déficit en la cooperación en materia policial y judicial, dado que no
existe una interpretación uniforme de la euroorden y su procedimiento, cor -
riéndose el riesgo de subordinar el respeto de derechos fundamentales a razo-
nes de oportunidad política. otro riesgo para los derechos fundamentales cons-
tituye la aplicación de la recomendación adoptada por el Consejo europeo en
noviembre de 2002, relativa a la necesidad de elaborar “perfiles de terroristas
sobre la base de características como la nacionalidad, edad, educación, lugar de
nacimiento, características psicosociológicas o la situación familiar.24
todas estas medidas europeas conducen a una normativa legal que deja
en situación de vulnerabilidad a las personas que adquieran la condición jurí-

24 Cfr. marC CarriLLo, “ee uu y europa: las libertades... ¿para qué?”, el País, 30 de junio de 2003.
dica de imputados por terrorismo o que son extranjeros, especialmente en
situación irregular, toda vez que se restringen derechos asociados a las garan-
tías de la detención y la privación de libertad, las cuales sin duda pueden favo-
recer malos tratos y torturas. nuevamente, los dos grandes problemas euro-
peos, el terrorismo y la inmigración, confrontan a la sociedad y tocan las fibras
de los derechos ciudadanos, poniendo en cuestión la dignidad humana.
si las sociedades democráticas están optando por la seguridad frente a las
libertades, por la eficacia sacrificando garantías y esto se hace con el beneplá-
cito de los electores, habrá que recordar que es la sociedad civil y su particu-
lar concepción de las relaciones individuo- sociedad / sociedad- estado, la que
es finalmente responsable de la persistencia de malos tratos y torturas.
Por consiguiente, la medida preventiva de mayor calado para hacer fren-
te a las torturas y tratos inhumanos o degradantes es precisamente, no acep-
tar la ideología de la “guerra preventiva”, ni el choque de culturas que nos
viene desde los estados unidos,25 no admitirla ni social ni jurídicamente, por-
que dinamita las bases de la convivencia de la tolerancia en paz y, con ella, la
particular razón de las leyes según el ideario iluminista que justificó la crea-
ción del estado y del Derecho: la consideración de que no es posible subordi-
nar los derechos de la persona a cualquier bien público.

4. La situación en españa

Los organismos internacionales y las asociaciones de derechos humanos


coinciden en afirmar que en españa no existen casos sistemáticos de torturas
ni malos tratos, sino que se trata de hechos aislados, aunque lamentables.
Particularmente, el informe publicado el 13 de marzo de 2003 del Comité de
naciones unidas para la Prevención de la tortura, relativo a visitas efectua-
das en julio de 2001, denuncia que los mecanismos legales de la detención en
españa no ofrecen garantías para la prevención de los malos tratos y las tortu-
ras.26 Concretamente el Comité echa en falta la no implementación de las tres
reglas básicas que los poderes públicos deben ofrecer a las personas que se
encuentran bajo su custodia: derecho al acceso de un abogado en todo

25 amnistía internacional ha hecho público el 27 de octubre de 2004, un informe (negación de la


dignidad humana. tortura y malos tratos en el contexto de la guerra contra el terror), en el que
se documenta decenas de casos de torturas y malos tratos de detenidos en el contexto de las guer-
ras de irak y afganistán, lo cual demuestra que los casos de abu Ghraib no son aislados, sino que
se trata una violación sistemática de los derechos de los detenidos de la “guerra contra el terro-
rismo”. Cfr. el País, 28 de octubre de 2004.
26 Cfr. http://www.cpt.coe.int.
momento que dure la situación de privación de libertad, derecho a ser notifi-
cado de su detención a un familiar o persona de su elección y derecho a ser
examinado por un médico de su elección (además del médico forense desig-
nado por ley). se trata de derechos que justamente se restringen en los casos
de incomunicación de detenidos por terrorismo (art. 520 bis LeCrim).
otro aspecto oscuro en la situación española de la protección frente a los
malos tratos y torturas es el del tratamiento de los inmigrantes. el último
informe de amnistía internacional de abril de 2002, españa: Crisis de indenti-
dad: tortura y malos tratos de índole racista a manos de agentes del estado reco-
ge más de 300 casos de inmigrantes que han sufrido estas prácticas en los últimos
años, en puestos fronterizos, centros de acogida, comisaría o en la propia calle.
Del análisis de la jurisprudencia,27 se observan varios supuestos de malos
tratos o torturas que corresponden a excesos ilegítimos en la propia detención:
lesiones, violaciones o muertes de los detenidos.
es de saludar que los malos tratos en las cárceles hayan disminuido nota-
blemente, por lo que el cumplimiento de la pena privativa de libertad y, espe-
cialmente, el régimen disciplinario dentro de la cárcel, suele rodearse de
garantías. el tribunal Constitucional, se ha preocupado por establecer una
serie de criterios jurisprudenciales en los casos de restricciones de derechos,
dentro de la privación de libertad, como el aislamiento en celda28 y la restric-
ción de las comunicaciones,29 supuestos en los que la administración debe
actuar en claro respeto del principio de proporcionalidad. el tC también ha
tenido ocasión de pronunciarse sobre la legitimidad de los cacheos por parte
de funcionarios penitenciarios por motivos de seguridad, declarando que no
se trata de un trato inhumano o degradante, pero puede afectar al derecho a
la intimidad (stC 57/1994- rtC 1994\57). no obstante, queda un tema irre-
suelto que es la situación de los internos clasificados en primer grado, cuyas
restricciones de derechos es la máxima del ordenamiento penitenciario, espe-
cialmente la de los internos de los departamentos especiales art. 91.3 rP).
Deberá aplicarse esta clasificación de manera excepcional, esto es, de acuerdo
a los principios de oportunidad, adecuación y proporcionalidad estricta.30
mientras se termina de redactar este texto, llega la noticia de una conde-
na a españa del tribunal europeo de Derechos Humanos (en adelante teDH)

27 Que se desarrollará más adelante en el epígrafe siguiente.


28 Cfr. FernÁnDeZ GarCÍa, “el régimen disciplinario”, en BerDuGo / ZÚÑiGa, 2001, pág. 300 y ss.
29 Cfr. ZÚÑiGa roDrÍGueZ, “relaciones del recluso con el mundo exterior”, en BerDuGo / ZÚÑiGa,
2001, págs. 270-271.
30 el tC en stC núm. 119/1996 se ocupado de este tema considerando inadmisible el amparo por
violación del art. 15, las restricciones concretas que sufren estos clasificados. vid. ZÚÑiGa
roDrÍGueZ, “el tratamiento penitenciario i”, en BerDuGo / ZÚÑiGa, 2001, págs. 325-329.
por violación del art. 3 de la Convención europea de Derechos Humanos (en
adelante CeDH), el derecho a “no ser sometido a tortura ni a penas o tratos
inhumanos o degradantes”, por no abrir una investigación “profunda y efecti-
va”, sobre las denuncias formuladas en 1992 por 15 independentistas catalanes,
supuestos simpatizantes de terra Lliure, aunque da por no probados los malos
tratos alegados por los demandantes. esto es, según la Convención contra la
tortura,31 se produce una violación al derecho a no ser sometido a estas prácti-
cas ilícitas, no sólo cuando se efectúan, sino también cuando los tribunales
nacionales no realizan una efectiva investigación. en el caso de autos, se señala
que el informe solicitado por el juez de la audiencia nacional, Baltasar Garzón,
“únicamente hace referencia a los malos tratos físicos y en ningún momento
excluye la hipótesis de malos tratos psíquicos ni su eventual gravedad”.32

5. el tipo Penal de tortura del art. 174 CP a la Luz de la


Jurisprudencia española

5.1. el Bien Jurídico y la Conducta típica

establecer el bien jurídico tutelado en el delito de tortura no es un tema


pacífico. Como ha puesto de manifiesto De La Cuesta arZamenDi, cuando
comentaba el precedente legislativo actual, el antiguo art. 204 bis CP que se
incorporó a la legislación penal española en 1978, la prohibición de la torutra
y los tratos inhumanos tiende a preservar una variedad de intereses y valores,
tanto individuales como colectivos, dignos de protección: la integridad física
y moral, la salud, la vida, la dignidad, la función pública, las garantías proce-
sales, las garantías constitucionales.33 en suma, estaríamos ante un delito plu -
riofensivo, si no fuera porque varios de estos bienes jurídicos tienen ya una
protección penal propia en el CP y, porque la obligación internacional de
penalizar específicamente esta práctica obliga a pensar en un solo bien jurídi-
co que contenga todos estos ámbitos de protección.
si nos atenemos a la sistemática del CP, el antiguo art. 204 bis era consi-
derado un delito contra la seguridad interior del estado. esta opción legislati-
va daba pie para interpretar el bien jurídico de carácter colectivo, esto es,
haciendo énfasis en la conducta centrada en el “abuso de poder” por parte de

31 el art. 12 de la Convención contra la tortura y otros tratos o Penas Crueles, inhumanos o


Degradantes, establece la obligación del estado de realizar una investigación “pronta e imparcial”.
32 Cfr. el País, 3 de noviembre de 2004.
33 De La Cuesta arZamenDi, 1990, págs. 25 y ss.
los funcionarios públicos.34 De ahí que las distintas interpretaciones sobre el
bien jurídico en este delito hayan girado entorno a la protección penal de un
ámbito de seguridad personal, a las “garantías” constitucionales y procesales
de la persona;35 en suma, a la protección de la dignidad de la persona y las
garantías de la administración de Justicia.36 La dañosidad social de este deli-
to ponía el acento en la conducta del funcionario público, que facultado para
restringir derechos fundamentales de la persona, se extralimitaba en sus fun-
ciones abusivamente.
el CP de 1995, otorga una sistemática propia para los delitos de tortura
y tratos inhumanos o degradantes, e introduce un título especial de protec-
ción frente a las afecciones a la integridad moral (título vii), lo cual debe
reconocerse como un acierto del legislador, dada la trascendencia del bien
jurídico protegido y con el objeto zanjar toda discusión sobre el carácter plu-
riofensivo de la figura y solucionar los problemas de concursos, como ensegui-
da se verá. el título se ha sistematizado con el tipo de trato degradante (art.
173), el tipo de tortura propio (art. 174), el tipo de atentados contra la integri-
dad moral por parte de funcionario público no comprendidos en el art. 174
(art. 175), la regla de la omisión en las torturas (art. 176) y una regla concur-
sal (art. 177).
La opción del legislador por la nomenclatura del bien jurídico como
“integridad moral” responde directamente de que se trata de la protección
penal de un derecho constitucional reconocido en el art. 15 Ce, que es “el
derecho al respeto a la integridad moral y la prohibición de la tortura y penas
o tratos inhumanos o degradantes”. respecto a lo que debe entenderse como
contenido material de la integridad moral, parece más fácil definirlo negati-
vamente, esto es, cuándo se atenta contra la integridad moral. Quizás venga a
bien evocar las palabras de rivaCoBa Y rivaCoBa al referirse al delito de tor-
tura: “...lo que se repudia es el tratamiento del hombre como cosa, el descono-
cimiento de su dignidad, el someterlo a la acción implacable de las fuerzas
naturales y violar lo más íntimo y constitutivo de su ser, es decir, su voluntad
y su conciencia... en ello reside su inhumanidad profunda y el secreto de la

34 en este sentido especialmente, maQueDa aBreu, 1986, pág. 449.


35 Cfr. De La Cuesta arZamenDi, 1990, págs. 116-117, para quien el bien jurídico sería “las garan -
tías personales más básicas, reconocidas por la Constitución (vida, incolumidad personal, liber -
tad), en cuanto plasmación de los valores constitucionales “humanidad” y “dignidad”.
36 así, Bustos ramÍreZ, 1991, p. 319 sostenía en relación a estos delitos cometidos por funcionarios
públicos con ocasión del ejercicio de los derechos de las personas reconocidos por las leyes, que
“atacan justamente las garantías, implican un abuso de poder de la autoridad y, por ello, tienden
a eliminar o disminuir al ciudadano como sujeto autónomo”.
oposición y la lucha contra ella, hoy como ayer y probablemente como maña-
na, de todas las almas grandes, de todos los espíritus libres”.37
en efecto, al atentar contra la integridad moral con torturas o tratos
inhumanos o degradantes, se está afectando diversos aspectos de los derechos
fundamentales de la persona: el derecho a la seguridad, a la libertad ambula-
toria, a la libertad de conciencia, a no ser discriminado por cualquier razón
(recordemos cómo las torturas siempre suponen un trato discriminatorio con-
tra “el otro”), en suma, negando la esencia del hombre que es su libertad y el
respeto a su dignidad personal. Por eso atentar contra la integridad moral con-
siste en infligir padecimientos físicos o psíquicos graves y vejatorios. así, la
integridad moral se configura como un bien jurídico que dota de autonomía a
estos delitos que se tipifican en el título vii, entendido como “el derecho de
la persona a ser tratada conforme a su dignidad, sin ser humillada o vejada,
cualquiera sean las circunstancias en las que se encuentre y la relación que
tenga con otras personas”.38
una cuestión importantísima a resaltar: la autonomía del bien jurídico
integridad moral deja clarificada la problemática de la autonomía de los deli-
tos de tortura y tratos inhumanos o degradantes. esto es, no se requiere un
resultado constitutivo de otro delito, como lesiones, homicidios, detenciones
ilegales, etc. para que se perfeccione el delito;39 ni tampoco puede argumen-
tarse que el menoscabo a la integridad moral queda absorbido por la configu-
ración de estos delitos,40 ya que la lesividad de la conducta prohibida queda

37 rivaCoBa Y rivaCoBa, 1982, pág. 807.


38 muÑoZ ConDe, 2002, pág. 184. así también la doctrina especializada: DÍaZ Pita, 1997, pág. 80 y
muÑoZ sÁnCHeZ, 1999, pág. 24.
39 el párrafo primero del antiguo delito de tortura, artículo 204 bis del Código Penal de 1973, exigía
que la autoridad o funcionario público «cometiere alguno de los delitos previstos en los capítulos
i y iv del título viii y capítulo vi del título Xii de este Código...». es decir, delitos de homici-
dio, lesiones, amenazas o coacciones. De otro lado, el segundo párrafo contemplaba la posibilidad
de que el atentado contra la integridad física no sea constitutivo de delito, sino de una falta del 581
CP, distinguiendo la penalidad en ambos casos. La jurisprudencia interpretó de manera dispar la
calificación del atentado contra la integridad física en relación a la calificación del delito de tortu -
ras, hasta que la sala ii del tribunal supremo, en el Pleno, no jurisdiccional, de de 17 de mayo de
1994 (rJ 1994, 3925), expuso la necesidad de analizar cada supuesto concreto para comprobar la
debida proporcionalidad ante la acción ejecutada y la consecuencia jurídica prevista. así, conside -
ró que en ese examen de proporcionalidad la causación de una lesión mediante el empleo de tor-
tura, esto es, cuando se realiza en el curso de una indagación policial, la consideración del hecho
como delito es adecuada a la gravedad del hecho. no obstante, el propio tribunal supremo tam-
bién resolvió en otros casos, que esto suponía vulnerar el principio de “non bis in idem” porque
sería calificar dos veces un solo hecho (sts 1117/98 - rJ 1998, 7599). todos estos problemas han
sido superados con la nueva redacción y con la regla concursal del art. 177CP.
40 ni es posible declarar como absorbido en el delito contra la integridad moral alguno de estos deli -
tos, como lo hace la sts 568/2004 (rJ 2004,3039), en la que el tribunal reconoce que se privó al
configurada por atentar un bien jurídico distinto y especialmente protegido,
cual es la integridad moral.41

5.2. el tipo objetivo en el Delito de tortura del art. 174 CP:


elementos Comunes con los Delitos contra la integridad moral

Como ya se ha dicho, tanto el tribunal europeo de Derechos Humanos,


como el tribunal Constitucional español consideran una gradualidad entre las
diversas formas de atentado contra la integridad moral. el tC en stC
120/1990 y 137/1990, siguiendo la jurisprudencia del teDH, considera que “la
tortura, los tratos inhumanos y los tratos degradantes, son en su significado
jurídico, nociones graduadas de una misma escala que, en todos sus tramos,
denotan la causación, sean cuales fueren los fines, de padecimientos físicos o
psíquicos ilícitos e inflingidos de modo vejatorio”. es decir, en una escala de
mayor a menor gravedad del atentado contra la integridad moral, están la tor-
tura, el trato inhumano y el trato degradante. en principio ese debería haber
sido el criterio del legislador para la tipificación penal, de acuerdo al princi-
pio de subsidiariedad que rige la opción penal.
sin embargo, los tipos penales no se han estructurado siguiendo ese cri-
terio de gradualidad, salvo el art. 173 que tipifica la forma más leve de atenta-
do contra la integridad moral y el art. 174 que tipifica las torturas propiamen-
te, muy similar a la propuesta de la Convención; pero el art. 175 no es un deli-
to consistente en trato inhumano, sino una regla subsidiaria frente a los aten-
tados no contemplados en los arts. 173 y 174 del CP. La gradualidad en el
grado de afección al bien jurídico integridad moral, se rompe teniendo en

perjudicado de su libertad deambulatoria cuando se le trasladó en el vehículo del acusado a lugar


distinto del que esperaba o deseaba, afirmándose que el acusado actuó de tal modo porque que-
ría llevarle a un lugar donde «se sintiera a la merced del agresor” y actuó en la forma que lo hizo
«porque en el lugar en que originalmente se encontraba no podría haberse conseguido el propó -
sito pretendido”habiendo llegado a formular el siguiente juicio de valor: «el transporte indebido
de marcos formó parte de ese trato degradante (por el que ha sido condenado como autor de un
delito del art. 173 del CP y tuvo (..) el carácter de medio tendente a obtener ese fin», por cuanto
«la privación de libertad deambulatoria fue, (..), la imprescindible para cometer el delito que se
pretendía.», «por lo que se estima que ha de quedar absorbido el menoscabo del bien jurídico de
la libertad dentro del delito contra la integridad moral» (v. F. 4º ( arP 2003, 158) ). en este caso,
el ts calificó de esta manera, porque el sujeto no actuaba dentro del ejercicio de sus funciones,
esto es, con la finalidad indagativa que establece el art. 174 CP, y por tanto, calificó delito de trato
degradante del art. 173 CP.
41 abunda en esta interpretación la opción del legislador de establecer la regla concursal del art. 177
CP, donde queda claro que no es posible absorber los distintos delitos en el de torturas, desde que
se protegen distintos bienes jurídicos. vid. más ampliamente concursos.
cuenta otros criterios de tipificación, como son la cualidad de sujeto activo
funcionario público en el ejercicio de sus funciones del art. 174, delito propio
de tortura y tipificando atentados graves a la integridad moral, como el intro-
ducido en el segundo párrafo del art. 173 CP,42 el delito de violencia domés-
tica, con penas que pueden ser superiores a las de tortura.
en todo caso, como lo señala la sts 294/2003 (rJ 2003,4381) el concep-
to de atentado contra la integridad moral comprenderá: a) un acto de claro e
inequívoco de contenido vejatorio para el sujeto activo del delito; b) un pade-
cimiento físico o psíquico en dicho sujeto; c) un comportamiento que sea
degradante o humillante e incida en el concepto de dignidad de la persona
afectada por el delito.
ahora bien, como estamos ante un bien jurídico difícilmente tangible,43
el legislador ha renunciado a describir los atentados de manera explícita,44
estableciendo más bien cláusulas generales, bajo los verbos rectores “atentar”
(art. 175) o “menoscabar” la integridad moral (art. 173), prácticamente en sen-
tido negativo a la prescripción constitucional (art. 15 Ce). Como ya se ha
visto, existen múltiples formas de atentar contra la integridad moral, algunas
dejan huella en la víctima y otras no, algunas formas son constitutivas de deli-
tos y otras no.
Con carácter general, todo atentado o menoscabo a la integridad moral
supone una afección grave al bien jurídico tutelado, por lo que es importante
racionalizar estos dos elementos: gravedad y afección al bien jurídico.
Gravedad: en todos los tipos penales contra la integridad moral el legis-
lador hace alusión a la gravedad del atentado. en los arts. 173 y 175 como ele-
mento constitutivo del delito y en el art. 174 para distinguir la penalidad.
ahora bien, como se ha visto, la tipificación penal no sigue una sistemática de
gradualidad respecto a la gravedad de la afección al bien jurídico, por lo que
poco nos ayuda para interpretar qué criterios de gravedad caben considerar
para calificar uno u otro delito. el tema no es baladí porque en el caso de los
tipos penales de los arts. 173 y 175 –aunque también sucede en el tipo de tor-
turas del art. 174 CP inexplicablemente- va a suponer nada menos que no se
configure el delito y, en todo caso, suponga una falta de lesiones leves del art.

42 modificado por Lo 11/2003, de 29 de septiembre, de medidas concretas en materia de seguridad


ciudadana, violencia doméstica e integración social de los extranjeros.
43 Como bien ha puesto de manifiesto tamarit sumaLLa, 1996, pág. 858, la dificultad de la tipifica-
ción de los atentados contra la integridad moral proviene de la indeterminación del propio bien
jurídico tutelado.
44 salvo el art. 174, el delito de tortura, cuya descripción coincide con la Convención de naciones
unidas contra la tortura.
617.1, un maltrato de obra del art. 617.2 CP, o, unas injurias leves del art.
620.2 CP. así, por ejemplo, falló la audiencia Provincial de Burgos, en
sentencia del 7 de junio de 1999, en el caso de un Guardia Civil que golpeó e
insultó a los detenidos por los incidentes que presuntamente habían protago-
nizado en un “pub”, resolución judicial que luego es recurrida y anulada por
el ts, el que sí reconoce la calificación de torturas del art. 174 por concurrir
todos sus elementos (sts 701/2001- rJ 2001,3567).45
sin duda, el principio de subsidiariedad del Derecho Penal indica que
debe existir un mínimo de gravedad de la conducta para considerar atentato-
ria contra la integridad moral. así, el umbral mínimo de gravedad de relevan-
cia penal ha de entenderse el delito de atentado contra la integridad moral del
art. 173.1 CP. Por otro lado, la jurisprudencia del teDH mantiene que la gra-
vedad depende de un conjunto de circunstancias, en concreto de la duración
de los malos tratos y de sus efectos físicos o mentales y, a veces del sexo, edad,
estado de salud de la víctima, etc. asimismo, la stC de 28 de febrero de 1994
establece que “para que un trato merezca la calificación de degradante debe
ocasionar al interesado, ante los demás o ante sí mismo, una humillación o
envilecimiento que alcance un mínimo de gravedad y este nivel ha de fijarse
a la vista de las circunstancias del caso (Fundamento jurídico 3.B).46
nótese que el tC dice “debe ocasionar al interesado, ante los demás o
ante sí mismo, una humillación o envilecimiento que alcance un mínimo de
gravedad”. esto es, se trata de una valoración objetiva de las circunstancias,
que deben ser consideradas socialmente como gravemente humillantes o
envilecedoras, en suma, que ataca la dignidad personal.47 Los efectos físicos o
psíquicos sobre el sujeto pasivo son elementos a valorar dentro de las circuns-
tancias, pero no son los únicos ni los determinantes. así, como ejemplos,
puede citarse como casos graves de afección a la integridad moral:

45 La audiencia Provincial condenó como autor de dos falta de lesiones, tres faltas de injurias leves
y una falta de malos tratos de obra, a las penas de arresto de seis fines de semana por cada una de
las dos faltas de lesiones, multa de veinte días con cuota diaria de 5.000 pesetas por cada una de
las tres faltas de injurias y arresto de tres fines de semana por la falta de malos tratos de obra.
Luego, el ts declara haber lugar al recurso de la acusación particular y dicta segunda sentencia
en la que condena al acusado don mario r. v. como autor de tres delitos de tortura a la pena, por
cada uno de ellos, de un año de prisión y ocho años de inhabilitación absoluta, dejando sin efec -
to la condena impuesta por el tribunal de instancia respecto a las faltas de injurias leves y de
malos tratos.
46 PortiLLa Contreras, 1996, pág. 288.
47 Claramente une el comportamiento degradante y vejatorio a la incidencia en la dignidad de la
persona la sts 294/2003 (rJ 2003,4381).
- “obligar al detenido a desnudarse y hacer flexiones” el ts calificó
de delito de trato degradante del art. 173 CP por no actuar el suje-
to activo en el ejercicio de las funciones públicas. (sts 457/2003 –
rJ 2003,8929)48
- “Dar patadas y puñetazos por el cuerpo del detenido que se resiste
a la identificación por parte de la autoridad” fue calificado como
delito contra la integridad moral del art. 175 CP. (sts 294/2003 –
rJ 2003,4381)
- “se le aplicó electrodos en las manos, golpeó repetidamente, mien-
tras permanecía vendado y encapuchado, obligándole a realizar
ejercicios físicos, llegando a decirle que a su madre le harían todo
esto” fue calificado como delito de tortura del art. 174 CP. (sts
481/2003 – rJ 2003,3490).
- “se considera someter al interrogado a condiciones que le intimi-
dan su voluntad, el impedir a una persona el ejercicio de los dere-
chos civiles reconocidos por las leyes: el policía que priva al deteni-
do ilegalmente de su derecho de defensa”, fue calificado como tor-
tura no grave del art. 174 CP. (sts 1202/1995 – rJ 1995,8879).
- “en el ámbito penitenciario para que se aprecie existencia de tratos
inhumanos o degradantes es necesario que éstos acarreen sufri-
mientos de una especial intensidad o provoquen una humillación o
sensación de envilecimiento que alcance un nivel determinado dis-
tinto al de la condena. así, los cacheos realizados en el cuerpo del
preso con fines de seguridad, no son considerados tratos inhumanos
o degradantes” (stC 57/1994 – rtC 1994,57).
- “el no dar información del paradero del detenido a un miembro
directo de su familia, como la madre”, se considera violatorio del
art. 3 de la CeDH, esto es, la prohibición de la tortura y los tratos
inhumanos o degradantes ( teDH 2001,353).

Con respecto al delito de tortura del art. 174 CP la configuración penal


asume como típicas tanto las afecciones graves, como las no graves,49 lo cual
quiere decir que, cuando se perfeccionan los demás elementos que constitu-

48 sin embargo, la audiencia Provincial de Zaragoza calificó de inexistente el someter al interroga-


do a condiciones que le intimiden su voluntad: detenido obligado a desnudarse para ser cachea -
do en una dependencia cerrada de la comisaría: no constituye trato inhumano ni provoca humil-
lación o trato degradante (arP 1997,77).
49 en esto, la tipificación española es más amplia que la Convención contra la tortura que requiere
atentado grave a la integridad moral.
yen este delito, no se requerirá mayor gravedad que el mínimo establecido:
actos vejatorios o humillantes que incidan en la dignidad del sujeto pasivo.
ello es así, porque los otros elementos, que pasaremos a desarrollar, configu-
ran la gravedad de la figura y el grado de lesividad de la conducta suficiente
para hacer merecedora la intervención penal. esto es así, porque además del
atentado a la integridad moral, se une el abuso de poder por parte del funcio-
nario público, en tanto extralimitación de sus funciones afectando derechos
constitucionales de las personas. además, el segundo párrafo del art. 174 CP
que tipifica la tortura penitenciaria, permanece el sustrato de actos vejatorios
o humillantes que inciden en la dignidad del preso, en este caso, y también la
extralimitación de las funciones de custodia de los mismos por parte del fun-
cionario penitenciario.
Dado que la gravedad de la afección al bien jurídico depende de una serie
de circunstancias concretas, y este es un elemento para determinar la sustan-
tividad de los tipos penales, el juzgador debe valorar detenidamente dichas
circunstancias, por lo cual la motivación de la sentencia va a ser de suma
importancia.50
afección: un tema de suyo relevante es determinar si se requiere un
resultado lesivo en estos delitos o basta con una conducta degradante. Dada la
intangibilidad del bien jurídico, la indeterminación de los medios comisivos y
la necesidad del carácter grave de la afección para demostrar su concurrencia,
adquiere trascendencia dilucidar si estamos ante un delito de mera actividad
o de resultado. tal como ya se ha advertido, hay torturas o malos tratos que
no dejan huella, por lo que si se refiere a resultado físico constituyente de deli-
tos, no puede considerarse como un elemento constitutivo. abunda en esta
interpretación la regla de los concursos del art. 177 CP que establece la auto-
nomía de los delitos contra la integridad moral, respecto de los otros delitos
que se pudieran ocasionar: homicidio, lesiones, injurias, violaciones, etc. es
decir, estamos ante delitos con sustantividad propia al margen del resultado
típico constitutivo de delito. no obstante, no estamos ante un delito de peli-
gro, ni ante un delito de mera actividad, sino ante un delito de lesión:51 signi-
fica que la afección al bien jurídico requerirá un resultado típico, que no nece-
sariamente es observable como un resultado material constitutivo de delito,
pero sí supondrá una lesión al bien jurídico integridad moral, en tanto que se

50 vid. más adelante necesidad de motivación de la sentencia.


51 Hay consenso en la doctrina sobre su naturaleza de delito de lesión, esto es, de resultado mate -
rial, Cfr. muÑoZ sÁnCHeZ, 1999, pág. 97. aunque autores como Bustos y vÁsQueZ iruZuBieta, al
interpretar el tipo precedente, art. 204 bis CP, consideraban que estamos ante un delito de mera
actividad. Cfr. más ampliamente sobre el tema BarQuÍn sanZ, 1992, págs. 282-283.
trata de padecimientos físicos o psíquicos de carácter vejatorio, que afecta a la
dignidad humana, la mayoría de veces con connotaciones discriminatorias y
que en última instancia doblega la voluntad de la persona al obligarle a hacer
o no hacer algo que no decide libremente. todos estos elementos pueden ser-
vir para detectar conductas atentatorias contra la integridad moral que supon-
gan la afección al bien jurídico; elementos que no necesariamente deben con-
currir conjuntamente.52 en todo caso, como lo dicho respecto a la gravedad,
la motivación de la sentencia tendrá que valorar todos estos extremos.
Hay dos cuestiones que se derivan del carácter de delitos de lesión de
estos injustos contra la integridad moral: caben las formas imperfectas de eje-
cución y en algún caso se ha requerido comprobar la relación de causalidad o
la imputación objetiva. ahora bien, aunque teóricamente es posible admitir la
tentativa,53 en la práctica es difícil pensar en casos prácticos, tan es así que no
es posible hallar jurisprudencia al respecto. más elocuente en la práctica es la
problemática de la relación de causalidad, no en relación a las torturas, sino
entre éstas y otro resultado típico, como lesiones u homicidios, así por ejem-
plo, la sts 2051/2002 (rJ 2003,1117): “declara que no se comprobó la relación
de causalidad entre los golpes de la detención y la muerte del detenido”, pese
a que en los hechos probados se comprueba «que los dos procesados golpearon
innecesariamente a los detenidos una vez que los habían reducido como cas-
tigo del intento de fuga y de los golpes que recibieron los agentes al realizar la
acción evasiva. Las lesiones presentadas por los detenidos, imputados a los
procesados, consistían en contusiones y erosiones diversas por el cuerpo, que
no precisaban para su curación más que una primera asistencia facultativa» en
afirmaciones fácticas de los fundamentos jurídicos de la sentencia recurrida,
se niega la relación causal entre el fallecimiento del interfecto y los golpes que
le propinaron, pero reconocen que le produjeron -y también al otro detenido-
contusiones y erosiones varias”.54

52 en algunos casos la jurisprudencia incide sobre los actos vejatorios (humillantes, degradantes,
ejemplo, la sentencia de la audiencia Provincial de madrid núm. 2198/2003 – Jur 2003,258380),
los sufrimientos físicos o psíquicos (lesiones, amenazas, ejemplo, la audiencia Provincial de
Girona en sentencia núm. 171/2002 – Jur 2002,165492: lesiones en el curso de una investigación
policial) y otras sobre someter al interrogado a condiciones que intimiden su voluntad (sts núm.
1202/1995 – rJ 1995,8879: policía que priva al detenido de su derecho de defensa).
53 BarQuÍn sanZ, 1992, págs. 279-283 da dos ejemplos de tentativa y frustración del delito de tortura:
del primero, “cuando el funcionario ha comenzado a deslumbrar al interrogado, o a someterlo a un
ruido particularmente molesto”; del segundo, “cuando se suministra al sujeto pasivo una sustancia
tranquilizante dirigida a vencer la resistencia que pudiera tener a decir todo lo que sabe, pero con
ella se le infunde un estado de somnolencia que dura varias horas e impide el interrogatorio”.
54 La sentencia de la audiencia de Barcelona (sección 3ª) de 21-02-2001, absolvió a los acusados
don Carlos s. v. y don rafael P. m. como autores de los delitos de asesinato, tortura y falsedad
5.3. el tipo objetivo de tortura: elementos especiales respecto
de los Delitos Contra la integridad moral. sujeto activo:
Funcionario Público en el ejercicio de sus Funciones

La peculiaridad fundamental del delito de tortura, que lo distingue de


otros atentados contra la integridad moral es que el sujeto activo es un sujeto
cualificado, esto es, un funcionario público55 en el ejercicio de sus funciones.
el tipo de tortura está configurado como un atentado a la integridad moral con
un plus: un especial desvalor de la conducta, porque el funcionario público
actúa extralimitándose, abusando de unas facultades concedidas en relación a
derechos fundamentales de las personas. el sujeto activo, además de atentar
contra la integridad moral, lo hace con infracción de los deberes especiales
que le habilitan las normas que rigen el proceso de investigación policial o
judicial o la custodia de los presos y detenidos.56
Debe subrayarse que debe tratarse de funcionario público en el ejercicio
de la función, esto es, realizando una investigación policial o judicial, o custo-
dia de los detenidos, o algún control para el que está habilitado legalmente.
esta precisión se deriva de dos requisitos exigidos por el tipo: que el funciona-
rio actúe con “abuso de su cargo” y con el “fin de obtener una confesión o
información de cualquier persona o de castigarla, o por cualquier razón basa-
da en cualquier tipo de discriminación”.
el abuso del cargo, que supone el especial desvalor de la conducta se con-
figura como un elemento objetivo posicional que hace que exista una situción
de prevalimiento entre el sujeto activo y el sujeto pasivo. no se trata pues, de
un elemento subjetivo, sino objetivo. ahora bien, el elemento de finalidad, sí
es de tipo subjetivo y cierra la interpretación de actuar en el ejercicio del cargo,
cuyos definitivos alcances se analizará al estudiar dicha finalidad. el funciona -
rio público debe estar actuando “abusando de su cargo”, esto es, ejerciendo la
función de orden público. al margen de que esté vestido de uniforme, lo
importante es que estén ejerciendo el servicio y que suponga su conducta un
comportamiento abiertamente antijurídico (sts 4324/1999, rJ 2001,8551).
entonces, el abuso del cargo no puede entenderse como un elemento subjeti-
vo, como antiguamente lo entendía, sino como un elemento objetivo que des-

en documento oficial. el ts declara haber lugar al recurso y dicta segunda sentencia en la que
condena a los acusados don Carlos s. v. y don rafael P. m. como autores de dos faltas de lesio-
nes, a las penas de quince días de arresto menor por cada una.
55 el art. 24 CP establece quienes son funcionarios públicos a efectos penales.
56 Cfr. muÑoZ sÁnCHeZ, 1999, pág. 59.
valora especialmente la acción57 y que suele dar lugar al concurso con otros
delitos: detenciones ilegales, injurias, lesiones, etc. (art. 177 CP).
La doctrina mayoritaria considera que es un delito especial impropio,
porque la infracción de los deberes del cargo no fundamentan la punibilidad
de la conducta, sino la agravación de la pena y porque el propio CP plantea un
tipo residual de atentado contra la integridad moral58 no cometido por fun-
cionario público del art. 175 CP.59 el carácter propio del sujeto activo y el rea-
lizar la conducta con infracción de los deberes del cargo supone dos conse-
cuencias: se puede realizar la conducta por omisión y la problemática espe-
cial de autoría y participación.
tratándose de un delito configurado como infracción de los deberes del
cargo, de resultado y de medios indeterminados, cabe perfectamente tanto la
omisión como la comisión por omisión. un caso de omisión sería el no sumi-
nistrar al detenido los alimentos necesarios para vivir o diversas conductas
omisivas que infringen la integridad moral y que tuvieran como finalidad cas-
tigar a la víctima. Pero también cabe la comisión por omisión y así lo ha tipi-
ficado expresamente el legislador en el art. 176 CP, sancionando al funciona-
rio público que faltando a los deberes de su cargo permita que otros atenten
contra la integridad ajena. se ha interpretado que en estos supuestos deben
requerirse las reglas de la comisión por omisión del art. 14 CP, esto es, produ-
cirse la regla de equivalencia entre acción y omisión en cuanto a lo injusto: 1)
producirse un resultado lesivo; 2) el deber jurídico de actuar; 3) una relación
de causalidad hipotética entre la omisión y el resultado lesivo. respecto del
deber de actuar, la doctrina ha considerado sin problemas el caso del superior
en la medida que tiene la posibilidad de impedir las torturas.60 especial pro-
blemática jurisprudencial ha suscitado el deber de actuar entre compañeros.
en algún caso el ts ha calificado torturas del 176 CP cuando los compañeros
dejaban que torture a otro.61 así castiga a los policías que observan como el

57 este elemento da unidad a los delitos de funcionarios públicos, que en otros tipos penales se deno -
minan “abuso de poder”. vid. ZÚÑiGa roDrÍGueZ, 1993, págs. 168-170.
58 a diferencia de la Convención contra la tortura que sí expresamente contempla el caso del par-
ticular.
59 así, muÑoZ sÁnCHeZ, 1999, pág. 59, con la matización de que el atentado contra la integridad
moral de funcionario público no grave, al no estar comprendido en el art. 175 CP, no tiene un
tipo de referencia, por lo que en estos casos, el art. 174 CP sería delito especial propio. Para
QueraLt, BarQuÍn y Bustos el delito de tortura es especial propio.
60 así tamarit sumaLLa, 1996, pág. 859, muÑoZ sÁnCHeZ, 1999, pág. 77: la posición de garante
queda suficientemente acreditada cuando el funcionario es superior o dirige la investigación en
la que se tortura al detenido.
61 La jurisprudencia calificaba anteriormente como delito de prevaricación el que las autoridades
permitieran y no persiguieran un delito de tortura del que tuvieran conocimiento.
compañero desnuda y maltrata al detenido (sts 726/2001 – rJ 2001,3572).
especialmente ha calificado de esta manera cuando los compañeros, superio-
res o policías estaban presentes en el momento de los malos tratos, esto es lo
consentían (así la sts 1559/2003 rJ 2003,9246: inexistencia de tortura por no
estar presente en el momento de los malos tratos). La ratio de esta interpreta-
ción jurisprudencial es que los cuerpos y fuerzas de seguridad del estado tie-
nen el deber jurídico de impedir las violencias físicas contra los detenidos62 y
también el mismo deber jurídico tienen los funcionarios penitenciarios.63 no
obstante, en otros casos el ts ha calificado que la autoridad debe ser superior
a quien realiza los malos tratos para calificar el art. 176 CP (así la sts
294/2003 – rJ 2003,4381).
el tipo penal del art. 174, el tipo de tortura, sólo puede realizarlo quien
cumple con los requisitos objetivos y subjetivos de actuar en el ejercicio del
cargo. un particular no puede realizar un delito de tortura según nuestra
legislación penal. ello no quiere decir que su actuación quede impune. Puede
ser un instrumento de un autor mediato del tipo penal del art. 174 que sí cum-
ple con los requisitos exigidos, cuando éste se vale de un particular para rea-
lizar las torturas. el particular puede sancionársele por un delito contra la
integridad moral del art. 173 CP en concurso con el resultado producido:
lesiones, homicidio, atentado contra la libertad sexual, etc.

5.4. el tipo subjetivo de tortura: elemento especial del Delito de


tortura: la Finalidad

el art. 174 CP prevé un elemento subjetivo en el injusto. La tortura se


configura cuando se inflige padecimientos físicos o psíquicos “con el fin de
obtener una confesión o información de cualquier persona o de castigarla por
cualquier hecho que haya cometido o se sospeche que ha cometido, o por
cualquier razón basada en cualquier tipo de discriminación”. La redacción
amplia de este elemento subjetivo, coincide en su totalidad con la regla de la
Convención sobre la tortura. La L.o. 10/1995 de 23 de noviembre, incorporó
el elemento subjetivo de discriminación que fue una demanda importante de
las organizaciones de derechos humanos, porque antes dejaba fuera de la con-
sideración de torturas los malos tratos graves que puedan infligir las autorida-
des públicas, que no tengan como fines interrogatorios en el curso de una
investigación por delitoo que resulten gratuitas, como por ejemplo, las reda-

62 art. 5.2 L.o. de Fuerzas y Cuerpos de seguridad del estado.


63 art. 34 L.o. General Penitenciaria.
das, cacheos, solicitudes de identificación, etc. que por razones rutinarias rea-
lizan los agentes públicos y que resulten ostensiblemente vejatorios. en estos
casos, se ha aplicado el art. 175 CP, aunque con bastante menor pena.
La finalidad, cualquiera de estas tres descritas, obtener una confesión o
información, castigarla por un hecho cometido o que se sospeche que ha
cometido, o discriminarla por cualquier razón, cierra el círculo de conductas
que pueden ser subsumibles en el tipo penal de tortura del art. 174 CP.
este elemento intencional, por otro lado, ha dado lugar a que la jurispru-
dencia requiera dolo, como es lógico; pero lo que debe quedar claro es que el
dolo es respecto a la afección de los malos tratos o padecimientos físicos o psí-
quicos vejatorios, no sobre el resultado material de los mismos: lesiones,
muertes, violaciones, etc.

5.5. especial Consideración de la Detención Preventiva: Los


Límites del ejercicio Legítimo de la violencia estatal

De las causas de justificación que pueden aducirse la más problemática es


la del posible ejercicio de la violencia durante una detención.

varios supuestos de denuncias penales por torturas, malos tratos, inclu-


so muertes que han llegado al tribunal supremo, se trata de hechos acaecidos
durante el transcurso de la propia detención. es decir, de detenciones ilegales
por el uso ilegítimo por excesivo de la violencia física para reducir al sospe-
choso de cometer un delito:

- sts 2051/2002 (rJ 2003\1117): “no se comprobó la relación de cau-


salidad entre los golpes de la detención y la muerte del detenido”.
- sts 1725/2001 (rJ 2001\8851): “agentes de la Guarcia Civil de pai-
sano, que tras montar el arma dos veces, la colocan en la nuca de
una persona, le obligan a bajarse los pantalones en presencia de
otras personas y a buscar una colilla por el suelo”.
- sts 701/2001 (rJ 2001\3567): “guardia civil que en el ejercicio de
sus funciones golpea a los detenidos por los incidentes que presun-
tamente habían protagonizado en un pub”.
- sts 1326/1998 (rJ 1998\8569): “meter la cabeza del detenido varias
veces en el inodoro mientras le pegaban golpes, que no le ocasiona-
ron lesiones”.
- sts 1644/2002 (rJ 2002\8881): por excesos de violencia durante el
control de alcoholemia: “agente que empujó, pateó y golpeó por
distintas partes del cuerpo y llevó arrastrando al coche policial al
denunciante”.

en un estado democrático el uso del ejercicio de la violencia por parte de


los miembros de fuerzas de seguridad está reglado por el principio de propor-
cionalidad. La coacción del estado debe ejercerse con la mínima restricción de
derechos fundamentales posible para salvaguardar un bien común. Hay un afo-
rismo que dice: “no se puede matar gorriones a cañonazos”, denotando con ello
que el ejercicio de la violencia no puede ser desproporcionado, porque deviene
en ilegítimo. La detención puede convertirse en un acto violento, sobre todo si
hay oposición por parte del detenido. sólo se admite la restricción de derechos
fundamentales, en casos como la detención con el uso de la fuerza, cuando ésta
es proporcionada para salvaguardar un interés general que es preponderante,
esto es para evitar “un daño grave, inmediato e irreparable”.64 así lo contempla
la propia Ley de Cuerpos y Fuerzas de seguridad del estado (art. 5.2.c, en ade-
lante LFCse). además establece las siguientes reglas de la detención:

– art. 5.1.a: la actuación de los cuerpos de seguridad del estado debe


ceñirse a la Constitución.
– art. 5.2.c: los principios de necesidad, oportunidad y proporciona-
lidad deben regir el uso de la coacción directa.
– art. 5.3.b: en el tratamiento de los detenidos los cuerpos de seguri-
dad deben respetar la vida, integridad física, honor y dignidad de la
persona; por tanto, están prohibidos los malos tratos y, por supues-
to, la tortura.

en suma, para que el uso de la fuerza sea legítima en una detención debe
respetar los siguientes principios:

a) Principio de oportunidad: adecuación o idoneidad: el agente de


policía debe elegir el instrumento menos lesivo posible.
B) Principio de necesidad: el uso de la violencia ha de ser necesaria
para ser legítima; debe ser el único instrumento posible para redu -
cir el detenido.
C) Principio de proporcionalidad estricta: el cuantum de la violencia
debe ser proporcional al mal que se pretende evitar: cuando se trata
de delincuentes peligrosos y constituye un delito grave.

64 ZÚÑiGa roDrÍGueZ, 1993, págs. 281-283.


D) el uso de las armas de fuego también está regulada por las leyes, por
lo que también se puede establecer cuándo es ilegítima su utilización.

en consecuencia, el uso de la violencia en la detención debe regirse por


los principios de necesidad, oportunidad y proporcionalidad para ser legítima,
sino estamos ante unas detenciones ilegales y, en su caso, puede consistir un
delito de malos tratos del art. 173 o unas torturas del art. 174.

5.5.1. La Detención Preventiva por terrorismo. la incomunicación

La detención constituye de por sí una grave restricción de derechos fun-


damentales, en la que a la persona se le priva de la libertad y con ella de su
autodeterminación. Como se ha dicho, se trata de una restricción de derechos
fundamentales sólo justificable cuando se trata de una medida proporcionada
para salvaguardar un interés general que es preponderante, esto es para evitar
“un daño grave, inmediato e irreparable”. De ahí que en la propia Ce, art. 17
se establezca unas garantías, controles, para que el ejercicio de esa potestad de
los poderes públicos sea legítima y el detenido no quede en una situación de
indefensión, favorecedora de situaciones de malos tratos y torturas. La propia
Constitución, como se ha visto, ha exceptuado de estas garantías a los deteni-
dos por terrorismo, en el art. 55.2 Ce y su desarrollo, el art. 520 bis LeCrim.
según estas disposiciones, la regla del plazo de la detención preventiva
que es de 72 horas (en otros países es de 24 horas), para los detenidos por deli-
tos de terrorismo, se pueden prorrogar por dos días más con autorización judi-
cial. el art. 520 bis de la Ley de enjuiciamiento criminal contempla que dicho
plazo pueda darse en estos casos bajo régimen de incomunicación (art. 527
LeCrim.). este régimen de incomunicación consistente en una situación jurí-
dica de mayores restricciones de los derechos de defensa, supone en la prácti-
ca que el detenido no tiene comunicación libre con su abogado defensor (sólo
está asistido por un abogado de oficio), ni con sus familiares a los que no se
comunica ni el lugar ni el hecho de la detención, tampoco tiene acceso a un
médico de su elección, por tanto no puede organizar su defensa y se convier-
te en un sujeto especialmente vulnerable a los malos tratos, puesto que está
totalmente privado del mundo exterior.
Como ya se ha puesto de relieve, el Comité de naciones unidas para la
Prevención de la tortura, recomienda en españa la implementación de las
tres reglas básicas que los poderes públicos deben ofrecer a las personas que se
encuentran bajo su custodia: derecho al acceso de un abogado en todo
momento que dure la situación de privación de libertad, derecho a ser notifi-
cado de su detención a un familiar o persona de su elección y derecho a ser
examinado por un médico de su elección (además del médico forense desig-
nado por ley). amnistía internacional también ha solicitado en reiterados
informes la derogación del régimen de incomunicación por ser el caldo de cul-
tivo de los malos tratos.65 en estos momentos, en contra de todas estas reco-
mendaciones, el gobierno ha aprobado un Proyecto de reforma de la Ley de
enjuiciamiento Criminal en materia de prisión provisional,66 según el cual se
prolongaría por cinco días más el plazo de la incomunicación.
Conviene recordar los fundamentos del tC al respecto en la stC
199/1987 que declaró inconstitucional los arts. 13 y 15.1 de la Ley
antiterrorista de entonces, la cual estipulaba un plazo de incomunicación de
10 días: “siguen siendo puntos necesarios de referencia tanto el art. 9.3 del
Pacto internacional de Derechos Civiles y Políticos como el art. 5.3 del
Convenio europeo para la Protección de los Derechos Humanos y Libertades
Fundamentales, ambos ratificados por españa, que requieren la conducción
del detenido ante la presencia judicial “en el plazo más breve posible”. en otro
extremo argumenta: “... esa amplitud de la detención preventiva que permite
el art. 13, en cuanto excede de los límites antes señalados, puede suponer.. una
penosidad adicional y una coacción moral, añadida e injustificada, sobre el
detenido, incompatible con sus derechos a no declarar contra sí mismo y a no
confesarse culpable...”.
Desde el ámbito académico también se ha cuestionado el plazo excesivo
de la detención para presuntos terroristas y, en especial, el régimen de inco-
municación, no sólo porque afecta desproporcionadamente los derechos fun-
damentales y favorece los malos tratos y las torturas,67 sino también porque
resulta innecesario, inútil e ineficaz. el plazo ordinario de 72 horas es más que
suficiente para que el detenido declare o se acoja a su derecho de no declarar
contra sí mismo y, por tanto, debe ser puesto inmediatamente a disposición
judicial. todo exceso a dicho plazo resulta una situación legal favorecedora de
los malos tratos y por tanto un factor criminógeno para los abusos y excesos
de las fuerzas del orden, sin que con ello se alcance una mejor investigación
de los hechos.

65 vid. www.a-i.es, Documento público: españa: acabar con las medidas que propician la tortura,
marzo de 2003, pág. 6. el relator especial de naciones unidas sobre la tortura ha pedido que se
prohiba totalmente la detención incomunicada: “Cuando más a menudo se practica la tortura es
durante la detención en régimen de incomunicación. este tipo de detención debe declararse ile-
gal y las personas retenidas en régimen de incomunicación debe declararse ilegal” (informe del
relator especial, Doc. onu e/Cn.4/1995/34).
66 Boletín oficial de las Cortes Generales, núm. 130-1, de 28 de febrero de 2003.
67 PortiLLa Contreras, 1996, págs. 269 y ss.
De ahí que desde diversas aproximaciones al tema del terrorismo se pro-
pugne un tratamiento penal del mismo dentro de los cánones de la normali-
dad y se considere que debe derogarse la excepcionalidad legislativa para el
tratamiento del terrorismo,68 no sólo por infringir diversos principios: igual-
dad, presunción de inocencia, derecho de defensa, dignidad de la persona,
sino también por resultar una normativa poco eficaz para afrontar un fenóme-
no criminal tan complejo como es el terrorismo.69 incluso, puede decirse que
el tratamiento excepcional resulta contraproducente para la lucha política
antiterrorista que debe tratar de convencer de la legitimidad de la actuación
del estado70 a aquellos que no están atrapados en el mensaje de los grupos ter-
roristas. el tratamiento excepcional fomenta el victimismo con el cual se
nutre el terrorismo y, por lo tanto, atiza el fuego de la violencia incontrolada
de las fuerzas no democráticas.
Como medidas paliativas mientras se aplique la incomunicación, se han
propuesto una serie de instrumentos preventivos: grabación de las declaracio-
nes, visita médica periódica, contacto con los familiares, que pueden servir de
control o contrapeso a este régimen, como el Protocolo firmado por diferen-
tes Departamentos del Gobierno vasco, pero el fin de una política preventiva
contra las torturas pasa necesariamente por la desaparición del régimen de
incomunicación.

5.6. otras Causas de Justificación

no se admiten causas de justificación en el delito de torturas (art. 174 CP),


ni en el delito de atentado contra la integridad moral efectuadas por funciona-

68 así también, analizando la normativa excepcional sustantiva antiterrorista CanCio meLiÁ, 2002, pág.
23, quien cuestiona especialmente la construcción teórica jakobsiana de “Derecho penal del enemi -
go”, como una especie de tratamiento excepcional para quienes son hostiles al sistema consensuado.
69 Conviene recalcar que las medidas que están teniendo más efecto con el terrorismo han estado
vigente hace mucho tiempo. el art. 129 CP por el que se regulan las consecuencias accesorias que
permitieron la suspensión de actividades del grupo político Batasuna por el auto de agosto de
2002, por el juzgado núm. 5 de la audiencia nacional, es una norma vigente desde 1995 y ya
antes se establecía la disolución de las asociaciones ilícitas. La otra medida, la ilegalización de los
partidos políticos, como medida definitiva contra los grupos satélites de eta es una norma gene -
ral no de carácter represivo. De otro lado, las detenciones contra los disturbios callejeros (la
Kaleborroka) no se han debido a un cambio de legislación, sino a la voluntad de aplicar las nor -
mas existentes por parte de policías y fiscales. entonces, no es aumentando las penas que se lucha
más eficazmente contra el terrorismo, sino con la voluntad de los operadores jurídicos, policías y
jueces, de aplicar realmente las normas penales existentes como se puede combatir esta lacra.
Como decía Beccaria, la eficacia está en la prontitud y celeridad de la acción penal.
70 si precisamente la fuerza argumentativa del estado está en su carácter democrático, en el cual
uno de sus pilares lo constituyen los derechos fundamentales, entonces, al restringirlos, pierde.
rio público (art. 175 CP). se trata de delitos contra los derechos fundamentales
en su vertiente de libertades públicas, cuya indemnidad debe proteger el
estado. además esta es una regla que ha firmado el estado español, porque se
encuentra en el Convenio de naciones unidas contra la tortura que ha ratifi-
cado españa. Como se ha dicho antes, las teorías que intentan explicar casos
excepcionales en los que cabría practicar torturas para salvaguardar bienes
supremos, han conducida todas al autoritarismo y al desconocimiento final de
los derechos fundamentales del hombre.71 mientras la obediencia debida fue
considerada una eximente antes de la segunda guerra mundial, hoy está prác-
ticamente consensuado que por encima del deber de obediencia está el respe-
to de la legalidad, máxime cuando están en juego bienes jurídicos tan precia-
dos, como éstos que compromenten a la dignidad humana. La propia
Constitución, en su art. 15 dice “en ningún caso pueden ser sometidos a tortu-
ra ni a penas o tratos inhumanos o degradantes”, dejando claro que las conduc-
tas denigrantes no se admiten de ningún modo en el ordenamiento jurídico.
sin embargo, mayores problemas puede plantear el consentimiento en el
delito de trato degradante del art. 173 CP. Las personas mayores de edad que
realizan conductas objetivamente denigrantes como relaciones sado-maso-
quistas, en las que se inflige padecimientos físicos y psíquicos, pero consenti-
dos, al realizarse en ámbitos privados, están exculpadas por el consentimien-
to y por razones de adecuación social del tipo penal. no obstante, habría que
advertir bien hasta que punto son consensuadas, pues muchas de ellas se rea-
lizan en situaciones de desigualdad y dependencia (prostitución, abusos de
personas que tienen cierto poder sobre otras, como relación laboral, docente,
etc.), en las que la libertad de elección puede estar viciada.72 en todo caso, hay

71 es preocupante advertir que el desconocimiento de los derechos humanos se está practicando en


estos momentos con el consentimiento de la Comunidad internacional, por realizarlo estados
unidos para aplacar la resistencia encontrada en irak, después del bombardeo del país y su ocu -
pación. el País, 29 de julio de 2003, informa en primera plana: “estados unidos ha matado a 300
iraquíes en su lucha antiguerrillera”. La noticia recoge otros hechos: han detenido a miles y han
realizado cientos de operaciones de registro en casas y pueblos. además, informa: “el miércoles
pasado, por ejemplo, las torpas del coronel David Hogg buscaban a un antiguo teniente general
iraquí. en su casa no lo hallaron, pero sí a su esposa y a su hija. Las detuvieron. Y dejaron una
nota que decía: “si quieres que liberemos a tu familia, entrégate”. La táctica funcionó, relató el
coronel. el vienres, el teniente general se entregó”. La práctica de torturas, cobijadas bajo la doc -
trina de la “guerra preventiva”, es un precedente internacional que amenaza a las bases en que se
asienta la convivencia democrática.
72 Particularmente importante son los malos tratos infligidos en el ámbito doméstico cuyas cifras de
muerte están conmocionando al país. Debe resaltarse que, en muchos casos, estas prácticas son
un tiempo “consentidas” por las víctimas y la espiral de violencia desemboca en la muerte de uno
que tener en cuenta la intangibilidad de la dignidad humana, como valor
supremo del estado, para atajar conductas que la vulneran abiertamente.73

5.7. Concursos

el art. 177 CP establece una regla concursal, según la cual, se sanciona


con las reglas del concurso ideal, cuando además del atentado a la integridad
moral, se producen otros delitos: detenciones ilegales, lesiones, homicidios,
etc. en principio, cuando se producen estos resultados constitutivos de delitos
graves deben, pues, acumularse las penas. Pero no deja de plantear problemas
la absorción de algunas figuras delictivas como las injurias leves o las lesiones
leves, porque las conductas de atentados contra la integridad moral consisten
en infligir padecimientos físicos o psíquicos de carácter vejatorio, es decir,
conductas que de por sí constituyen coacciones, amenazas o malos tratos de
obra. nuevamente el juez tendrá que valorar las circunstancias del caso para
dilucidar si las conductas de violencia física o psíquica vejatorias, deben inte-
grarse o no en el atentado contra la integridad moral.
al respecto el ts ha resuelto en sts 3433/1999 (rJ 2001\3567) que “el
núcleo típico incorpora sufrimientos psíquicos o mentales y otros modos de aten-
tar contra la integridad moral. Las faltas de injurias leves y maltratos de obra que-
dan absorbidos por la conducta en que se materializa la tortura y como configu-
radora de la agresión a la integridad moral. no sucede lo mismo con las dos faltas
de lesiones de las que fueron víctimas...”. esto es, la jurisprudencia suele conside-
rar que los padecimientos psíquicos, las violencias morales, constituyen parte de
la figura de tortura, puesto que se trata de atentados contra la integridad moral,
mientras que las lesiones, aunque sean leves, no forman parte de estos delitos.

5.8. Penalidad

La penalidad más grave, en lo que respecta a la pena privativa de liber-


tad, como corresponde al desvalor de la conducta, es para las torturas graves

o de los dos miembros de la pareja. establecer que ese consentimiento es realemnte libre resulta difícil,
puesto que se produce, en el mayor de los casos, en relaciones de dependencia económica y afectiva.
73 Por ejemplo, el País, 21 de julio de 2003, informa de una oferta en estados unidos (nevada), de
una empresa que organiza cacerías con mujeres desnudas a las que los cazadores disparan con pin -
tura roja. el juego se llama “Hunting for Bambi” y pagan por ello los cazadores 10.000 dólares.
según el organizador “las chicas participan gustosas”. Como es lógico, las organizaciones nortea -
mericanas defensoras de los derechos civiles han protestado. aunque exista consentimiento, es
una práctica totalmente denigrante que afecta a la dignidad humana.
del art. 174 CP, de dos a seis años y de uno a tres si no lo es. Hay que destacar
que la pena privativa de libertad no es muy grave, si comparamos con otras
figuras que protegen otros bienes jurídicos menos importantes y que se reali-
zan con menos violencia, como una estafa cualificada del art. 250, cuya pena
máxima es similar. sin embargo, en la práctica esta baja penalidad se puede
compensar con la aplicación del concurso real del art. 177 CP. Desde el punto
de vista de la prevención general y la prevención especial, la pena privativa de
libertad puede lograr efectos disuasorios y, sobre todo, constituirá para la víc-
tima la mejor reparación para su ofensa. además, desde un punto de vista pre-
ventivo general, la pena privativa libertad puede tener un buen efecto intimi-
dador de los funcionarios públicos que se extralimitan abusivamente en sus
funciones. Desde la posición de la víctima, de las personas o familiares que ha
sufrido una tortura, la reparación del daño consiste fundamentalmente en ver
en la cárcel al torturador.74
más bien si puede llamar la atención el mínimo de la pena de inhabilita-
ción absoluta, que es de ocho a doce años, en el caso del funcionario que rea-
liza un delito de torturas del art. 174 CP, cuya imposición debe hacer el juez.
esto es, en cada condena por torturas, cuando califique el delito de torturas
del art. 174, tendrá que sancionar necesariamente como mínimo a ocho años
de inhabilitación absoluta. esto puede resultar excesivo, en los casos de tortu-
ras no graves, ya que privar a un funcionario de manera definitiva de su
empleo público (art. 41 CP) puede resultar para el penado bastante gravoso,
pues afecta a él y a su familia, privándole prácticamente de una relación labo-
ral. no hay que desdeñar que la determinación legal de penas excesivas con-
duce en la práctica a que los jueces sean reticentes a aplicarlas y busquen dife-
rentes argumentos para rebajar la pena o declarar la absolución. Por eso, una
excesiva penalidad no es finalmente más ventajoso para proteger a las vícti-
mas, sino todo lo contrario.
Por último, en cuanto a las sanciones, conviene resaltar que en estos
casos existe paralelamente responsabilidad disciplinaria por cuanto estos
hechos también constituyen infracciones de las funciones de los cuerpos de
seguridad (art. 5.3.b LFCse que prohibe los malos tratos y la tortura). en prin-
cipio, de acuerdo al principio de ultima ratio del Derecho Penal debería pri-
mar el ámbito no punitivo, por tanto, el disciplinario, cuando se trata de casos

74 Con fecha 29 de noviembre de 2004 el gobierno chileno ha resuelto indemnizar a las víctimas de
las torturas atroces de la dictadura de Pinochet. Los debates se han dado sobre todo en la forma
de reparar pecuniariamente a las víctimas, cuando ellas lo que exigen es una justicia retributiva
y preventiva pidiendo juzgamiento y penas privativas de libertad para los torturadores.
leves. en la práctica, un mal entendido “espíritu de cuerpo” impide investigar
estos hechos, como seguidamente se verá.

6. tratamiento Jurisprudencial: la investigación y Castigo de


los responsables

La Convención para la prevención de la tortura prevé que los estados


deben cumplir con los requisitios de exhaustividad, prontitud e imparcialidad
de las investigaciones sobre malos tratos y torturas denunciadas. La mejor
reparación de una víctima de torturas es ver a su torturador sometido a un cas-
tigo ejemplar, para que otras potenciales víctimas no sufran lo que ellas han
sufrido. Para ellas no vale una reparación económica, puesto que el daño es un
daño moral, a la integridad del ser de la persona misma. además, los sujetos
activos de delitos de torturas por su condición de agentes públicos del orden,
temen mucho una pena privativa de libertad, por lo que el efecto intimidan-
te de esta sanción puede tener efectos disuasivos. Pasaré a analizar los extre-
mos exhaustividad en el punto a) y prontitud e imparcialidad en el punto b).

a) escasas investigaciones y sanciones penales

De la escasa jurisprudencia que llega a los tribunales –siendo que ya lle-


gan muy pocos casos a juzgarse- se puede concluir que en la mayoría de
supuestos no suelen declararse la culpabilidad y sancionarse los delitos de tor-
turas.75 Las razones aducidas son diversas:

– Falta del elemento intencional (sts de 18 de mayo de 1993). La


existencia de un elemento teleológico, un especial elemento subje-
tivo puede dificultar la califiación por torturas. no obstante, cabe
recalcar que el dolo que se exige no es del resultado producido, sino
de atentar contra la integridad moral.
– Falta de relación de causalidad. en varios casos se comprueba que
las lesiones, la violación o la muerte se han producido cuando el
sujeto se encontraba bajo custodia policial, pero como no se ha

75 Cfr. PortiLLa Contreras, 1996, pág. 273. así también amnistÍa internaCionaL, 2002, págs. 98 y
ss. destaca especialmente la impunidad de los maltratos y torturas de las que son víctimas extran -
jeros, ya que su especial vulnerabilidad, muchas de ellas, indocumentadas, les hace temer recur -
rir a la ley.
podido comprobar que la agresión de un determinado agente es la
causante del resultado se ha producido la absolución.
especialmente destacable es el caso resuelto por la sts 2051/2002
(rJ 2003\1117), Ponente D. José aparicio Calvo-rubio, en el que se
comprueba la existencia de lesiones producidas durante la deten-
ción, ocasionadas por golpes a los detenidos por intento de fuga y la
muerte de uno de ellos, pero se considera no probada la relación de
causalidad entre unas y otras, pese a que la autopsia practicada
determinó que la causa de la muerte fue una hemorragia epidural,
producida por un impacto en la región temporal izquierda. La abso-
lución se fundamenta en la inexistencia de dolo, pero no plantea la
posibilidad de un concurso ideal con un homicidio imprudente, ya
que existe una imputación objetiva entre las lesiones y la muerte,
como en varios casos similares ha resuelto el ts. en este caso, el ts
condena a una pena de quince días de arresto menor, por unas fal-
tas de lesiones y al pago conjunto de sesenta mil pesestas (360
euros), a pagar por responsabilidad civil a los herederos del occiso.
– Falta de pruebas. Como es lógico, si un médico forense no certifica
inmediatamente el hecho es difícil de probar, no sólo porque en
muchos casos la tortura no deja huellas (la bolsa en la cabeza, la pri-
vación del sueño, etc.), sino también porque muchas se consideran
propias del acto mismo de la detención, cuando el detenido opone
resistencia, o se consideran autolesiones.76 Por eso el Comité para la
Prevención de la tortura establece como un requisito preventivo
prioritario el examen médico del detenido privado de libertad por un
médico de su libre elección. el juez de instrucción debe, incluso,
solicitar otros informes médicos para contrastarlos en caso de duda.

el argumento “falta de pruebas”, en realidad es un cajón de sastre para


denotar que la investigación judicial no ha conseguido esclarecer los hechos.
en un estado de Derecho de un país desarrollado del siglo XXi, no puede
admitirse que unos casos de torturas o malos tratos consumados no puedan
condenarse porque no hay pruebas suficientes para determinar la responsabi-
lidad de sus autores. Corresponde al juez y al fiscal extremar la investigación

76 Particularmente destacables son los casos de presuntos etarras detenidos, donde se mantiene una
dialéctica de acusasiones entre éstos y la policia: mientras los primeros suelen aducir malos tra-
tos, los segundos suelen contestar sosteniendo que se trata de autolesiones como estrategia para
autovictimizarse. en todo caso, las garantías de los controles médicos pueden servir de protección
para ambos tipos de acusaciones y esclarecer fehacientemente los hechos.
para esclarecer casos tan graves como corresponde a estos atentados contra la
dignidad de las personas, ejercidos por las fuerzas del orden.77 De no extre-
marse el celo en la investigación, el estado, por medio de sus operadores jurí-
dicos, estaría infringiendo el Convenio contra la tortura que obliga a la
exhaustividad en la investigación y sanción de los responsables.
De ahí que se considere muy importante la motivación de la sentencia.
La única manera de controlar la decisión judicial es la exigencia del mandato
constitucional de motivación de las sentencias, tanto si son de absolución
como de condena. en ambos casos, el juez debe realizar una argumentación
jurídica de los hechos y de la aplicación del Derecho que justifique su deci-
sión. sobre todo, debe explicar “por qué se sirve o renuncia al uso de determi-
nado medio de prueba, por qué confiere o niega valor a sus resultados, o pri-
vilegia algunos de éstos sobre otros; y qué criterios de ponderación habrá
empleado en cada caso”.78 en un ámbito tan importante como es la protección
de un derecho fundamental básico para el estado de Derecho, el juez debe
establecer un especial celo en investigar exhaustivamente el caso, agotando
todos los medios de prueba posibles.79

77 además del caso reseñado líneas arriba, donde se absuelve al imputado “por no haberse comproba-
do la relación de causalidad” entre la muerte del detenido y los malos tratos (que sí están probados),
amnistÍa internaCionaL, 2002, relata varios casos lacerantes de impunidad. el caso de rita rogerio
es especialmente llamativo. el 29 de agosto de 1995, rita rogerio, ciudadana brasileña, fue detenida
en la zona de Barakaldo (Bilbao) por agentes dela Brigada Prinvincial de extranjería de la policía
nacional cuando estaban realizando redadas en los clubes nocturnos, en busca de ciudadanas extran-
jeras ilegales que ejercían la prostitución. Los informes médicos y psiquiátricos demostraron que rita
rogerio fue golpeada y violada en el transcurso de la detención. el 4 de junio de 1998, la sala segunda
de la audiencia Provincial de vizcaya, consideró probados estos hechos, pero absolvió a los tres
agentes -uno de ellos, el presunto violador- porque ninguno había aportado pruebas contra sus com-
pañeros, esto es, por falta de pruebas. en sentencia de 21 de abril de 1999 el ts expresó su conster-
nación por el fallo, señalando que los otros dos agentes de guardia han tenido que necesariamente
conocer y saber con claridad meridiana que el tercero, el que había entrado en la celda, era la misma
persona que había cometido la violación. era incomprensible que en un estado democrático de
Derecho un “gravísimo delito de violación acreditado y constatado” quedara sin castigo a causa de
“trasnochadas ideas corporativas o falso compañerismo”. el ts declaró que los testigos habían incur-
rido en complicidad y falsedad, y pedía a la audiencia Provincial de vizcaya que solicitara la aper-
tura de una investigación policial de alto nivel para decidir las medidas disciplinarias que deberían
adoptarse contra los agentes. el 27 de mayo de 1999 dos de los agentes fueron suspendidos del ser -
vicio. el 12 de enero de 2000 se abrió un nuevo juicio contra dos policías nacionales (no contra el
presunto violador) por torturar a rita rogerio. el 22 de marzo de 2000 fueron absueltos por falta de
pruebas, ante la negativa de los dos agentes y el apoyo del fiscal. Por su parte, la unidad de asuntos
internos de la Dirección General de Policía, siguiendo la recomendación vertida por el ts, “tras un
minucioso expediente, concluyó que no había existido agresión sexual ni infracción administrativa
alguna” (págs. 46 y 47). así se cierra un oscuro y triste caso de impunidad de nuestra democracia.
78 anDrÉs iBÁÑeZ, 1995, pág. 589.
79 Como recuerda anDrÉs iBÁÑeZ, 1995, pág. 588: “el valor que deba darse a cada uno de tales
medios no está tasado jurídicamente, sino que se rige por el principio de la libre convicción (art.
en este sentido, es muy importante el precedente sentado por la jurispru-
dencia del tribunal europeo de Derechos Humanos (en adelante teDH), en la
Demanda núm. 32574/1996, steDH de 22 de octubre de 2002 (Jur
2003\47911) contra la república de turquía: “el estado es responsable de toda
persona detenida, ya que ésta está en manos de los funcinarios de policía, está
en situación de vulnerabilidad y las autoridades tienen el deber de protegerla”.
.. “Cuando una persona es lesionada en el transcurso de una detención preven-
tiva, cuando se encontraba totalmente bajo control de la policía, cualquier
lesión acaecida durante dicho período da lugar a serias presunciones de
hecho... corresponde por tanto al Gobierno facilitar una explicación plausible
sobre los orígenes de dichas lesiones y presentar pruebas que establezcan
hechos que hagan dudar de las alegaciones de la víctima”. en este caso resuel-
to, el teDH sienta doctrina sobre lo que denominamos “posición de garante”
del estado respecto del detenido durante una detención, esto es un deber jurí-
dico de salvaguardar la vida, la salud, la integridad del mismo, porque el suje-
to se encuentra totalmente sometido a su control y pierde capacidad de auto-
determinación. en estos casos, la presunción de inocencia cede a la obligación
del estado de probar ante una muerte o lesiones probadas médicamente, pro-
ducidas durante el transcurso de una detención, que no fueron los agentes de
policía los causantes de los mismos. esta misma doctrina ya ha sido reconocida
por el tribunal supremo en los supuestos desaparición forzada de personas.80

b) La impunidad

en general los órganos de la onu han mostrado su preocupación por la


impunidad de los malos tratos y torturas. muchas veces los procesados por estos
hechos son absueltos, reciben indultos, son excarcelados pronto, lo cual es
incompatible con la protección de las víctimas a la que están obligadas los
estados. Para luchar contra la impunidad, es preciso que la justicia sea pronta y
justa. esto es que los juicios no se dilaten en el tiempo (buscando casi la prescrip-
ción), pues está comprobando que el efecto disuasivo de la sanción decae con el
tiempo, puesto que cada vez hay mayores posibilidades de esquivar a la justicia.

741 LeCrim.), que, a pesar que menudean opiniones en sentido opuesto, hoy sólo puede ser
entendida como convicción racional”.
80 en la sts de 25 de junio de 1990 (rJ 1990,5665) (Caso “el nani”) donde el tribunal fundamen-
ta una posición de garante de las autoridades que tuvieron bajo régimen de detención a santiago
Corella y no dieron explicaciones razonables sobre su puesta en libertad, por lo cual se presume
racionalmente la desaparición del mismo imputable a las autoridades.
Para que sea justo, el juzgamiento debe ser absolutamente imparcial. en
otros países, como turquía, existe el problema del juzgamiento por tribunales
militares. en nuestro medio rige el principio del juez natural, pero la judicia-
lización de la justicia que se observa en los últimos tiempos, hace que los jue-
ces se vean sometidos a presiones, sobre todo cuando los hechos saltan a la
prensa. una buena manera de superar los problemas que conllevan los juzga-
mientos por tribunales nacionales es acudir a la jurisdicción internacional, en
nuestro caso al teDH que ha desarrollado una importante jurisprudencia al
respecto.

7. La Jurisdicción internacional y el Principio de Justicia


universal

a) La Jurisprudencia del tribunal europeo de Derechos Humanos

el teDH ha creado una doctrina rica en argumentos para la protección


de las personas frente a los malos tratos y las torturas, pues rige el principio
favor libertatis, esto es, que la interpretación y aplicación del Derecho, debe
realizarse en el sentido que más favorezca a las libertades de las personas.
además, el teDH constituye una instancia europea que puede sortear la
impunidad y las presiones internas que se realizan dentro del país. Cabe desa-
tacar la siguiente doctrina:

– en la Demanda núm. 32574/1996, steDH de 22 de octubre de 2002


(Jur 2003\47911) contra la república de turquía: “el estado es res-
ponsable de toda persona detenida, ya que ésta está en manos de los
funcinarios de policía, está en situación de vulnerabilidad y las
autoridades tienen el deber de protegerla”, ya reseñada.
– en el mismo caso el teDH alega: “La aplicación estricta, desde el
inicio de la privación de libertad, de las garantías fundamentales,
tales como el derecho a solicitar un examen por un médico de su
elección además del examen de un médico requerido por la policía.
así como el acceso a un abogado y a un miembro de la familia,
reforzados por la pronta intervención judicial, puede efectivamen-
te conducir a la detección y prevención de los malos tratos”. Con
ello, el tribunal de estrasburgo se hace eco de las demandas de los
organismos internacionales y las organizaciones de derechos huma-
nos que recomiendan desde hace tiempo la eliminación de regíme-
nes de incomunicación en los estados democráticos.
– en la Demanda núm. 38361/1997, steDH de 13 de junio de 2002
(Jur 2002\158627) contra Bulgaria, establece el “deber de las auto-
ridades de proteger la vida de las personas en custodia”. Declara
totalmente inverosímil la explicación del gobierno al afirma que se
dañó a sí mismo al caer al suelo. además, condena la investigación
no suficientemente objetiva ni minuciosa de los hechos como una
violación al derecho de protección de las víctimas. es decir, dado el
deber de protección de la vida y la salud de los detenidos el estado
debe responder por las muertes y lesiones concomitantes a la deten-
ción, con por lo menos, una investigación exhaustiva y minuiciosa.
De lo contrario, existen fuertes indicios de que dicha muerte o
lesiones son producto de la violencia física desplegada en la deten-
ción preventiva.

b) La Corte Penal internacional

el art. 7 del estatuto de roma considera estos delitos como de lesa huma-
nidad “cuando se cometan como parte de un ataque generalizado o sistemáti-
co contra una población civil”. en estos casos estamos ante unos supuestos de
torturas que son imprescriptibles (art. 29). sin duda, la configuración de una
Corte internacional que realmente juzgue estos delitos de manera indepen-
diente y justa es un reclamo de las fuerzas democráticas que consideran la
legalidad internacional, protectora de los derechos fundamentales de las per-
sonas, como uno de los pilares de las sociedades democráticas. Pero las fuer-
zas que se oponen a la real vigencia de la Corte Penal internacional son muy
poderosas. ee uu está presionando fuertemente para conseguir la inmunidad
de sus compatriotas, restándole vigencia material a la jurisdicción de esta
Corte. se sabe que está utilizando su poder económico y militar para conse-
guir una cláusula de inmunidad para sus ciudadanos.81 el Consejo de
seguridad de la onu, con la oposición de la unión europea, aceptó dicha
inmunidad por un año y hace unas 3 semanas se amplió a un segundo año más.
está claro pues, que el gobierno de estados unidos no está dispuesto a estable-
cer reglas comunes internacionales para la protección de los derechos huma-
nos, quizás porque sus actuaciones a partir de los atentados del 11 de septiem-
bre, rozan cuanto menos la ilegitimidad.

81 ee uu suspende la ayuda militar a 50 países que no garantizan por escrito la inmunidad de sus
militares y ciudadanos ante la Corte Penal internacional (el País, 2 de julio de 2003).
c) el principio de justicia universal

está comprobado que el juzgamiento por delitos contra los derechos


humanos muchas veces no pueden realizarse en el propio país donde se per-
petraron, ya sea porque los gobiernos dictatoriales permanecen mucho tiem-
po en el poder y prescriben los delitos, ya sea porque una vez que se ha dado
el advenimiento del gobierno democrático difícilmente pueden dar el paso de
condenar las anteriores injusticias, sin que esto no vuelva a suponer una frac-
tura social.
el principio de justicia universal constituye una buena herramienta para
superar estos escollos, dado que permite ampliar las reglas de persecución penal
de territorialidad y juzgamiento de nacionales, en caso de delitos considerados
de lesa humanidad, como lo es la tortura. así, por ejemplo, lo ha demostrado
la reciente encarcelación del ex militar argentino ricardo Cavallo, por genoci-
dio, torturas y terrorismo cometidos hace más de 20 años.82

8. a modo de Conclusión: la Protección Frente a los malos


tratos y torturas, una tarea aún Pendiente

Después de este panorama histórico, legislativo y jurisprudencial sobre


las prácticas de malos tratos y torturas es posible argumentar que la protección
de las víctimas, por estos hechos perpetrados por agentes del orden, es una
tarea contínuamente pendiente en un estado democrático de Derecho. no es
posible bajar la guardia ante cuestiones formales como las declaraciones cons-
titucionales de derechos, la ratificación de convenios internacionales o las
regulaciones penales, pues detrás de las normas, puede existir códigos de con-
ducta que más bien las alienten, tal como el corporativismo de los cuerpos de
seguridad, la pasividad de jueces y fiscales para indagar los hechos, los cacheos
y redadas abusivas a inmigrantes irregulares, etc. también las propias normas
jurídicas pueden ser favorecedoras de prácticas de malos tratos y torturas. así
se ha detectado, como regulaciones que dejan en un situación de especial vul-
nerabilidad a la detención en régimen de incomunicación de terroristas y la
situación de irregularidad de los extranjeros. es en estos dos ámbitos donde en
la práctica se producen mayores casos de malos tratos y torturas en españa, así
como en el transcurso de detenciones ilegales.

82 el País, 30 de junio de 2003.


La privación de libertad debe estar rodeada de las garantías del derecho
de defensa para prevenir los malos tratos y torturas. especialmente, del dere-
cho a la comunicación con su defensor durante todo el tiempo que dure la pri-
vación de libertad; derecho a que se le comunique a sus familiares o cualquier
persona de su elección del motivo y lugar de la detención y derecho a ser exa-
minado por un médico de su elección. estas medidas, deben regir irrestricta-
mente en un estado democrático de Derecho.
Pero es fundamentalmente, la sociedad civil quien es responsable de las
prácticas de torturas y malos tratos que suceden en su seno, ya que, admitien-
do doctrinas como “guerra preventiva”, “regímenes de excepción”, “situacio-
nes excepcionales”, en fin, aceptando la lógica amigo/enemigo, está creando el
caldo de cultivo para que nuestros representantes actúen desconociendo los
elementales derechos de los extranjeros, terroristas o delincuentes.

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o Direito internacional dos Direitos Humanos
e a Continuidade da Prática de tortura
por Parte de agentes do estado
Celma tavares*

sumário: introdução; 1. o DiDDHH e a soberania dos estados; 2. a posição do Brasil em relação


ao DiDDHH; 3. o DiDDHH e o combate à tortura praticada pelos agentes do estado; 4. o retro-
cesso mundial depois do 11 de setembro; 5. a situação do Brasil em relação à tortura; 5.1. a nor -
mativa interna e seu cumprimento; 5.2. a normativa internacional e a continuidade da tortura
no Brasil; 6. Conclusões; Bibliografía

introdução

o Direito internacional dos Direitos Humanos (DiDDHH) é um ramo


relativamente novo do Direito internacional; apesar disso, a relevância desta
área produziu sua estruturação e fortalecimento. É neste campo que a comu-
nidade internacional pode buscar a prevenção, o controle e a sanção das gra-
ves violações de direitos humanos a partir dos tratados e normas internacio-
nais de proteção existentes.
a tortura empregada pelos agentes do estado, uma dessas graves viola-
ções de direitos humanos, continua sendo uma prática atual que se resiste a
desaparecer, apesar de todo aparato legal existente para sua condenação. até
que ponto o DiDDHH tem ingerência nesta questão? será que a soberania dos
estados inibe o cumprimento dessas normas? Quais foram as evoluções e os
retrocessos que se deram nesta área? estas e outras inquietudes norteiam o
presente trabalho, que tem como objetivo principal a reflexão sobre os avan-
ços e as dificuldades existentes em relação à punição e erradicação da tortura,
tanto no Brasil como na esfera internacional.
a partir de uma análise sociopolítica da situação da tortura em geral e
mais especificamente da situação brasileira, buscou-se, por um lado, traçar um

* Doutora em Direitos Humanos pela universidade de salamanca (espanha). Consultora do


unicef/Brasil na área de educação. membro da coordenação colegiada da onG espaço Feminista.
autora do livro “Barbarie en la Democracia: percepción de la práctica de la tortura en Brasil a la
luz del discurso de los derechos humanos – el caso de Pernambuco”. salamanca ediciones
universidad de salamanca, 2006. membro do Grupo de investigação sobre Direitos Humanos no
Brasil do Centro de estudos Brasileiros da universidade de salamanca.
quadro normativo sobre o tema, e, por outro, discorrer sobre a articulação
existente entre as normas que compõem a proteção internacional dos direitos
humanos no campo da tortura e sua aplicação e efetividade.
o interesse em encontrar respostas para a continuidade da tortura no
século XXi decorre da ambiguidade que permeia este problema: a construção
de um sistema normativo internacional que possui instrumentos com força de
obrigação jurídica para seu cumprimento; e um ainda débil aparato de respon-
sabilização internacional.
o texto está dividido em cinco partes mais as conclusões. a primeira
trata sobre o Direito internacional dos Direitos Humanos e a soberania dos
estados. a segunda aborda a posição do Brasil em relação a esta área do Direito
internacional. a terceira apresenta a estrutura normativa internacional de
proteção dos direitos humanos em relação ao combate à tortura. a quarta dis-
cute o retrocesso ocorrido nesta área depois de 2001. e a última discute a
situação do Brasil com respeito a esta questão.

1. o DiDDHH e a soberania dos estados

a criação de um sistema internacional de proteção dos direitos humanos


é bastante recente, começou a se organizar a partir do pós-guerra como res-
posta às barbáries cometidas durante o nazismo. uma das principais preocu-
pações nesta época foi transformar os direitos humanos em referencial ético
para pautar as ações da comunidade internacional, surgindo assim o processo
de internacionalização dos direitos humanos; que em realidade é a última
etapa, de acordo com Peces-Barba (1991), no processo mais geral de evolução
dos direitos humanos.1
o Direito internacional dos Direitos Humanos, segundo De Casadevante
romani (2003:62), pode ser definido como o “setor do ordenamento interna-
cional composto por normas de natureza convencional, consuetudinária e ins-
titucional que têm por objeto de proteção os direitos e liberdades fundamen-
tais do ser humano inerentes a sua dignidade”. a sistemática desse ramo do
Direito internacional criou mecanismos de caráter preventivo, de controle e
de sanção, que se pode acionar quando o estado é omisso ou fracassa no seu
dever de respeitar os direitos humanos.
neste sentido, o processo de internacionalização dos direitos humanos
permitiu a organização de um sistema normativo internacional de proteção

1 o autor se refere ainda a duas etapas anteriores: a positivação e a generalização.


desses direitos, que adotou a primazia da pessoa humana em suas decisões.
esse sistema está dividido nas esferas global e regional,2 dependendo do âmbi-
to geográfico dos estados Partes, e também nas esferas geral e específica. o
marco deste processo foi a Declaração universal, proclamada pela organiza-
ção das nações unidas (onu) em 1948. Posteriormente dois instrumentos
com força de obrigação jurídica – o Pacto internacional dos Direitos Civis e
Políticos e o Pacto internacional dos Direitos sociais, econômicos e Culturais
– passaram a assegurar os direitos reconhecidos na Declaração.
apesar disso, o estado continuou caracterizado por um papel predomi-
nante em relação a esta parte do Direito internacional, já que os instrumentos
de controle e punição internacionais se encontram condicionados a previa
aceitação de cada país. É neste ponto que ganha destaque o debate sobre a
soberania dos estados em relação ao cumprimento das normas internacionais
de proteção dos direitos humanos.
o conceito de soberania variou ao longo do tempo. Bodin foi o primeiro
teórico a trabalhar a noção de soberania, em 1576, concebendo-a como um
poder absoluto. Já rousseau, a partir do Contrato social, estrutura a ideia de
soberania popular, que estaria fragmentada no povo. Com a revolução
Francesa, surge o conceito de soberania nacional, entende-se que é na nação
onde repousa a autoridade soberana. na segunda metade do século XiX, a
ideia passa a ser a de que a titularidade da soberania pertence ao estado, visto
como entidade dotada de personalidade jurídica (nóbrega (2002). Para ariosi
(2004:2), a principal característica do conceito moderno de soberania “é o
exercício do Poder Constituinte originário, existindo uma estreita relação
entre os dois”.
apesar de a ideia atual de soberania basear-se na característica de que o
poder do estado não é ilimitado e que a convivência entre os países deve ocor-
rer numa relação de independência e não de subordinação, no âmbito do Direito
internacional, especialmente relacionado aos direitos humanos, os estados ain-
da utilizam os ultrapassados discursos da soberania absoluta como desculpa para
legitimar a sua negação em reconhecer as instâncias de controle internacional.
este controle não significa a sujeição de nenhum país a outro e sim a forma de
responsabilizar os países que não acatam as normas de Direito internacional que
definem as bases para uma convivência pacífica entre as nações.

2 na esfera global estão todos os documentos internacionais de direitos humanos proclamados pela
organização das nações unidas; já na esfera regional existem três importantes sistemas, o euro-
peu, o interamericano e o africano, que igualmente possuem seus próprios documentos de direi -
tos humanos.
Como o que acaba prevalecendo é a preocupação com a manutenção de
seus poderes e não com o respeito aos direitos humanos, diante dos tratados
internacionais, os estados manifestam essa prevalência através de diferentes
técnicas: as reservas que são feitas para distintos tratados; a existência de
requisitos para que um estado possa denunciar outro pelo descumprimento de
algum tratado; a faculdade de aceitar ou não se submeter a determinados
órgãos estabelecidos pelos tratados (como comissões, tribunais e outros); e, em
alguns casos, a possibilidade de suspender ou restringir determinados direitos
(De Casadevante romani, 2003:71).
Porém, a proteção internacional dos direitos humanos conforme Quel
López (2003: 93-96) apresenta duas particularidades que a distingue dos demais
tratados internacionais e ao mesmo tempo a fortalece. a primeira é que as nor-
mas de proteção de direitos humanos têm caráter de ius congens, por responder
a um mínimo jurídico essencial que a comunidade internacional necessita. a
segunda é que os estados possuem obrigações gerais de proteção em relação a
estas normas ante a comunidade internacional que são obrigações erga omnes.
a partir dessas duas particularidades o autor conclui que “existem nor-
mas imperativas no setor de proteção dos direitos humanos cuja violação pode
colocar em risco os princípios básicos de coexistência entre os estados”. mas,
ao mesmo tempo, lembra que não são todas as normas de proteção dos direi-
tos humanos que possuem o status de norma imperativa e que normalmente
são os próprios órgãos responsáveis por aplicá-las que declaram o caráter de
determinados direitos.
essa divergência entre a força das normas imperativas de direitos huma-
nos e a resistência dos estados Partes ao seu cumprimento em virtude da visão
de soberania que adote, acaba tendo como consequência imediata o impasse
na realização plena da proteção dos direitos humanos, especialmente em paí-
ses onde as democracias ainda estão em processo de consolidação, caso do
Brasil e demais países latino-americanos.

2. a posição do Brasil em relação ao DiDDHH

no Brasil, o início da institucionalização do Direito internacional dos


Direitos Humanos se dá no contexto da redemocratização. ao longo da déca-
da de 80, o país ratificou a maioria dos instrumentos de proteção dos direitos
humanos3, que foram incorporados ao Direito brasileiro.

3 alguns dos tratados ratificados foram: a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de
Discriminação contra a mulher (1984); a Convenção interamericana para Prevenir e Punir a
a inserção dos direitos humanos numa rede normativa-institucional,
assim como a própria evolução e fortalecimento desta área no país se desen-
volveu, a partir de análise de viégas e silva (2005:75-102), em três fases dis-
tintas: a fase preparatória ou organizativa, a fase de construção de um sistema
normativo e institucional de proteção e a fase de inserção internacional con-
solidada e busca de implementação no ordenamento jurídico.
a autora defende que na primeira fase, compreendida entre 1985 e 1995,
o País começa a abandonar a posição que predominava durante a ditadura
militar em relação aos direitos humanos. sua característica central foi a ade-
são aos três instrumentos internacionais mais importantes na proteção jurídi-
ca de tais direitos. a segunda, entre 1995 e 2002, está marcada pela inserção
plena do País no sistema interamericano, pela ratificação da maioria dos tra-
tados internacionais de direitos humanos e pela introdução destes direitos na
agenda governamental, tendo como principal característica a estruturação de
um sistema normativo e institucional de proteção através de um conjunto de
ações oficiais. a terceira fase, iniciada a partir de 2003, está marcada pela con-
tinuidade da política anterior nos avanços desta área, com uma visível profis-
sionalização na esfera da defesa internacional do País.
o marco fundamental da mudança de postura do estado brasileiro em
relação a esta questão foi a Constituição Federal de 1988. o texto constitucio-
nal consagrou, através do seu artigo 4º, a prevalência dos direitos humanos
como um dos princípios que regem o país nas suas relações internacionais.
além disso, o artigo 5º, § 1º, estabelece a aplicação imediata das normas defi-
nidoras dos direitos e garantias fundamentais. Para Piovesan (1996:4), essa
mudança “exige uma nova interpretação de princípios tradicionais como a
soberania nacional e a não-intervenção, impondo a flexibilização e relativiza-
ção desses valores”.
entretanto, o debate sobre a aplicação das normas internacionais de
direitos humanos no país não é consensual e, de acordo com a apreciação de
sabóia (2001), o tema gira em torno de dois aspectos: a forma pela qual a
ordem jurídica incorpora os tratados de direitos humanos, e o status hierár-
quico que esta norma adquire ao ser incorporada ao Direito interno.
sobre o primeiro ponto, segundo o autor, se encontra a polêmica entre
monistas e dualistas. enquanto os primeiros afirmam que não existem limites

tortura (1989); a Convenção contra a tortura e outros tratamentos Cruéis, Desumanos ou


Degradantes (1989); a Convenção sobre os Direitos das Crianças (1990); o Pacto internacional dos
Direitos Civis e Políticos (1992); o Pacto dos Direitos sociais, econômicos e Culturais (1990); a
Convenção americana de Direitos Humanos (1992).
entre ordem jurídica internacional e ordem jurídica interna e reivindicam a
incorporação imediata dos tratados no Direito brasileiro, os segundos defen-
dem que estas ordens são autônomas e independentes, sendo necessário um
ato de recepção. sabóia explica que na ausência de uma disposição constitu-
cional expressa sobre esta matéria, a doutrina dominante vinha entendendo
que o país deveria adotar a sistemática da incorporação legislativa dos tratados
internacionais de direitos humanos e assim os tratados e convenções interna-
cionais entram na ordem jurídica nacional através de um ato de recepção.
em relação ao segundo ponto, antes da emenda Constitucional nº 45
existia uma grande discussão sobre se os tratados internacionais de direitos
humanos possuíam ou não status de norma constitucional. o conteúdo dessa
emenda definiu que esses tratados devem ser aprovados por três quintos dos
votos na Câmara e no senado, em dois turnos, para que sejam considerados
equivalentes a emendas Constitucionais. assim, os que vierem a ser aprova-
dos por maioria simples serão considerados normas infraconstitucionais. Por
outro lado, como a emenda nº 45 não tem efeito retroativo ainda não há posi-
ção pacífica sobre a natureza dos tratados de direitos humanos que foram
aprovados antes de sua entrada em vigor.
Contudo os problemas não se restringem à forma como algum tratado
nesta área entra no Direito interno ou a seu status hierárquico. após sua rati-
ficação e aprovação pelo Congresso, começa a fase de implementação dos arti-
gos de cada tratado de direitos humanos, que quase sempre esbarra em um
amplo leque de dificuldades.

3. o DiDDHH e o combate à tortura praticada pelos agentes


do estado

a tortura é uma prática antiga, que existiu entre as civilizações clássicas


e que se manteve vigente como parte do processo penal até que a partir do
século Xviii começou a ser questionada pelas ideias ilustradas. naquele
momento, a tortura chegou a ser abolida de todas as Constituições e Códigos
Penais dos países europeus. Contudo, sua abolição no âmbito legal não impe-
diu que essa prática voltasse a ser adotada, permitida e tolerada por diversos
países a partir do século XX. apesar de já não fazer parte dos textos legais, a
tortura continuou servindo de instrumento nas guerras e na repressão cotidia-
na do século passado e deste.
Dentro do contexto de retorno da utilização da tortura praticada por
agentes do estado, sua proibição é colocada pela primeira vez em um instru-
mento internacional de direitos humanos pertencente ao sistema da onu
através da Declaração universal (1948), que no seu artigo 5 manifesta: “nin-
guém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos
ou degradantes”.
a esta iniciativa se seguiram outras, com o mesmo propósito: no ano
seguinte, o Convênio de Genebra (artigo 3, item 1) relativo ao tratamento dos
prisioneiros de guerra; em 1950, o Convênio europeu para a Proteção dos
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (artigo 3); em 1966, o Pacto dos
Direitos Civis e Políticos (artigo 7); em 1969, a Convenção americana de
Direitos Humanos (artigo 5, item 2) e em 1981, a Carta africana dos Direitos
Humanos e dos Povos (artigo 5).
Da mesma forma, instrumentos específicos para esta matéria foram ela-
borados a partir de 1975, tanto no sistema universal como nos regionais: a
Declaração sobre a Proteção de todas as Pessoas contra a tortura e outros
tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1975; a
Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou Penas Cruéis, Desu-
manos ou Degradantes, de 1984; a Convenção interamericana para Prevenir e
Punir a tortura, de 1985; o Convênio europeu para a Prevenção da tortura e
outros tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1987; o
Protocolo de istambul, de 1999; e o Protocolo Facultativo da Convenção con-
tra a tortura e outros tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes, de 2000.
a tortura é entendida, no Direito internacional dos Direitos Humanos,
conforme o conteúdo dos instrumentos normativos citados anteriormente,
como uma prática específica de funcionário do estado ou outra pessoa no
exercício das funções públicas, com os fins de obter informação ou confissão,
de castigar, de coagir ou intimidar. e é definida, via de regra, como todo ato
pelo qual se inflija intencionalmente a uma pessoa, ou a terceiros, dores ou
sofrimentos graves, sejam físicos ou mentais.
Dessa forma, percebe-se que a dimensão pública da tortura é algo que
marca esta prática. Peters (1987) também defende esta característica institucio -
nal, entendendo esta particularidade como o fator que a distingue de outros
tipos de coerção e brutalidade. talvez esta propriedade de dimensão pública
seja o que imprime um caráter mais difícil para seu combate, pois é o próprio
estado que em lugar de zelar por sua erradicação é o responsável por sua con-
tinuidade, apesar de sua proibição estar regulada pelo Direito internacional dos
Direitos Humanos e pelo Direito Humanitário internacional.
os relatórios e estudos de organizações não governamentais e de órgãos
de defesa dos direitos humanos atestam a sistematicidade com que esta práti-
ca continua sendo adotada. De acordo com estudo da anistia internacional
divulgado em 2000, a tortura é aplicada contra homens, mulheres e crianças
em mais da metade dos países do mundo,4 dado que continua presente em seu
relatório de 2007, que apontou a persistência dessa prática em mais de 100 paí-
ses, e no seu relatório de 2008, que revelou a continuidade desta prática em 81
países dos 150 analisados.
no entanto, esta é uma situação incompreensível desde todos os pontos
de vista e especialmente desde a perspectiva das normas internacionais de pro-
teção dos direitos humanos relacionadas ao combate a esta prática, já que a
tortura é considerada um crime contra a humanidade e incluída entre os
temas que se consideram como o “núcleo duro” dos direitos humanos. em
outras palavras, o direito a não ser torturado é um dos poucos direitos com
caráter absoluto, que se aplica em todas as situações e para todas as pessoas e
que não pode ser limitado nem em casos excepcionais.5
isto significa que as convenções e pactos que proíbem a prática de tortu-
ra têm caráter vinculante, ou seja, os países que ratifiquem estes documentos
estão obrigados a cumpri-los; possuem um poder limitador da soberania do
estado sobre esta matéria, tanto por sua natureza de norma imperativa como
por outorgar um direito derivado diretamente da dignidade humana; possuem
igualmente um poder para negar a restrição do direito a não ser torturado; e
por fim, apresentam no seu cerne a impossibilidade de sua derrogação.6
Para acompanhar a implementação das normas contra a tortura no siste-
ma geral de proteção, a organização das nações unidas possui uma estrutura
de controle a partir do trabalho do Comitê contra a tortura (Cat) e dos
relatores especiais. as técnicas de controle empregadas por estes órgãos são:
os relatórios dos estados Partes, as denúncias interestatais, as denúncias indi-
viduais e a investigação confidencial.
o Cat, criado em 1988, foi uma exigência do artigo 17 da Convenção
contra a tortura (Ct), e se constitui num órgão de vigilância em relação ao
cumprimento de dita Convenção. É composto por dez expertos nacionais dos
estados Partes, que são escolhidos por votação secreta para um mandato de
quatro anos que pode ser renovado. o órgão normalmente celebra dois perío-

4 amnistía internacional. revista Bimestral para los países de habla hispana, nº 45, octubre-
noviembre de 2000.
5 Bobbio (1991:58) afirma que este e outros poucos direitos (como o de não ser mantido em
escravidão) “são privilegiados porque não entram em conflito com outros direitos também fun -
damentais”.
6 rodríguez mesa (2000: 52) recorda que “a proibição da tortura constitui um dos escassos supos -
tos excetuados de esta possibilidade de derrogação”.
dos de sessões ordinárias a cada ano e anualmente apresenta aos estados Partes
e à assembleia Geral da onu um relatório com suas atividades.
em conformidade com o artigo 19 da Ct, o Comitê deve receber relató-
7
rios dos estados Partes sobre as medidas adotadas para a implementação do
citado documento e posteriormente deve convidar estes estados a participar
das sessões onde os relatórios serão examinados. após este exame o Cat apro-
va conclusões e recomendações relativas aos seguintes itens: aspectos positi-
vos, fatores e dificuldades para a aplicação da Convenção, motivos de preocu-
pação e recomendações.
o Cat também é competente, em consonância com o artigo 20 da Ct,
para receber informações e iniciar investigações sobre denúncias de prática
sistemática de tortura8 em algum estado Parte.9 É necessário destacar que esta
competência é facultativa, pois um estado que no momento de ratificação da
Ct declare o não reconhecimento desta competência passa a inibir o Comitê
de exercer esta prerrogativa enquanto não se retire a reserva.
a figura do relator especial sobre a tortura está vinculada ao Conselho
de Direitos Humanos da onu (antes Comissão de Direitos Humanos). a mis-
são do relator é informar ao Conselho sobre o fenômeno da tortura em geral
– examinar casos de tortura, solicitar e receber informação crível e fidedigna
e responder efetivamente a esta informação. Para cumprir esta designação, o
relator solicita aos Governos informação sobre medidas legislativas e admi-
nistrativas adotadas para impedir a tortura.
suas atividades principais são: transmitir aos Governos comunicações em
forma de chamamentos urgentes e cartas de denúncia;10 realizar missões de

7 o primeiro relatório deve ser apresentado no ano seguinte da entrada em vigor da Convenção para
o estado Parte. a partir daí relatórios complementares devem ser apresentados a cada quatro anos
sobre toda nova disposição adotada. em relação à elaboração dos relatórios, o Cat criou uma pauta
geral com indicações precisas acerca da forma e do conteúdo que deve ser apresentado.
8 o Cat considera que se pratica sistematicamente a tortura “quando parece que os casos de tor -
tura notificados não são fortuitos nem se produziram em um único lugar ou em um momento
concreto e se observam entre eles elementos de habitualidade, generalidade e finalidade determi-
nada em pelo menos uma parte importante do território do país. além disso, para o Cat a tortu -
ra pode ter um caráter sistemático sem que seja decorrente da intenção de um Governo (Docu -
mentos oficiales de la asamblea General, cuadragésimo octavo período de sesiones, suplemento
nº 44 (a/48/44/add.1), párr 39, apud organización de las naciones unidas. métodos contra la
tortura. Folleto informativo nº 4, marzo de 2003 (reimpresión), p. 15).
9 Depois da investigação, os membros responsáveis por ela apresentam suas conclusões ao Cat, que
as transmitem, com suas próprias observações ou sugestões, ao estado Parte, e o convida a infor-
mar sobre as medidas que foram adotadas em resposta às observações recebidas.
10 o procedimento de chamamentos urgentes pretende atuar sem demora quando a informação de
que se dispõe permite supor que uma pessoa ou um grupo de pessoas corre o risco de ser tortura-
do. neste caso o relator envia um fax ao ministério das relações exteriores do país, através do
investigação11 em países cuja informação permite supor que a prática de tor-
tura não se reduz a casos isolados e esporádicos; e apresentar relatórios12
anuais ao Conselho e à assembleia Geral da onu sobre suas atividades, seu
mandato e seu método de trabalho.
À diferença do Cat, o mandato do relator engloba todos os países, inde-
pendente de que estes tenham ratificado ou não a Convenção. também à dife-
rença de outros órgãos de supervisão de tratados, não é necessário que se esgo-
tem todos os recursos da jurisdição interna para que o relator intervenha em
casos individuais que impliquem risco de tortura ou em supostos atos de tortura.
É possível verificar que os tratados internacionais de combate à tortura e
os instrumentos de vigilância e garantia do direito a não ser torturado, pela sua
importância e pela forma como estão estruturados, podem ser considerados,
desde uma perspectiva geral, como um avanço nesta matéria, apresentando
uma avaliação positiva dentro do sistema internacional de direitos humanos.
no entanto, devido à ainda débil relação entre o DiDDHH e o Direito inter-
no dos países, em razão do conceito de soberania que ainda é utilizado por eles
para não se submeter plenamente às regras do Direito internacional, a eficá-
cia dos citados tratados e instrumentos acaba não se traduzindo em resultados
mais concretos (pelo menos em relação à erradicação da tortura).

4. o retrocesso mundial depois do 11 de setembro

o respeito aos direitos humanos reconhecidos nos documentos interna-


cionais sofre um retrocesso após os atentados terroristas de 11 de setembro,
nos estados unidos. a partir daí se desenvolve um processo de grave e siste-
mática vulneração das normas de Direito internacional, incluídas as de direi-

qual insta o Governo a zelar pela integridade física e psicológica dessa pessoa ou pessoas, apesar
de não estabelecer nenhuma conclusão sobre os fatos. as denúncias de tortura que não necessi-
tem da intervenção imediata do relator se transmitem aos Governos em forma de cartas de
denúncia. nelas se resumem os casos individuais de tortura informados ao relator e se incluem
referências gerais do fenômeno da tortura. o relator pede ao Governo que esclareça se as denún-
cias têm fundamento e que informe sobre a situação das investigações que realize sobre elas, sobre
a identidade dos perpetradores, sobre as penas impostas e sobre a quantidade de indenização paga
às vítimas ou familiares.
11 as visitas permitem ao relator conhecer diretamente a situação da tortura num país concreto,
com o objetivo de identificar os fatores institucionais e legislativos que contribuem a esta prática
e formular recomendações detalhadas ao Governo. apesar de que as missões só se realizam com
o convite de um Governo, o relator pode solicitar a visita. antes de realizar uma missão o relator
pede ao Governo algumas garantias, entre as quais: liberdade de circulação em todo país, liberda -
de para investigar, liberdade para se entrevistar confidencialmente e sem vigilância com testemu -
nhas e outras pessoas, inclusive as pessoas privadas de liberdade etc.
tos humanos e as de direito humanitário, como a Declaração universal, a
Convenção contra a tortura e as Convenções de Genebra. e a tortura passa a
ser (ou continua sendo) utilizada como o principal instrumento na cruzada
contra o terrorismo empreendida pelas nações “civilizadas” ocidentais.
Dessa forma, em nome da segurança e do combate ao terrorismo, se
cometem atos ilegais como, por exemplo, os de abu Ghraib e Guantánamo,
que se caracterizam pelo acirramento das violações aos direitos humanos,
especialmente no que se refere à tortura.
igualmente os “voos da Cia” – que se caracterizaram pela transferência
ilegal, à margem dos procedimentos normais de extradição ou deportação, de
prisioneiros e/ou suspeitos de terrorismo, para prisões secretas em países onde
podem ser torturados, utilizando para isso aeroportos da união europeia13 –
demonstraram o grau de descumprimento das garantias legais de qualquer
pessoa detida.
os “voos da Cia” foram descobertos em 2006 a partir da denúncia do
cidadão alemão de origem libanesa Jaled el masri, que foi sequestrado em 2004
na fronteira da macedônia com a sérvia e levado para Kabul, onde foi tortu-
rado. os meios de comunicação europeus passaram então a divulgar informa-
ções sobre a prática de sequestro e desaparecimento de pessoas suspeitas de
colaboração com terrorismo, indicando que aquele não era o único episódio,
mas fazia parte de uma rede de ação bem articulada, que pode ter contado com
o apoio ou omissão de vários países europeus.
seguindo essa teia de violações, no início de 2008 a Cia reconheceu o
emprego de tortura em seus interrogatórios. seu diretor, michael Hayden,
admitiu que o serviço de inteligência empregou a técnica de tortura “water-
boarding” em três ocasiões depois do 11 de setembro, nos interrogatórios con-
tra suspeitos de terrorismo.14

12 o relator especial entrega ao Conselho relatórios sobre suas atividades, nos quais examina a fre -
quência e o alcance da prática de tortura e faz recomendações aos Governos para erradicá-la.
estes relatórios, apresentados em períodos de sessões anuais, são debatidos publicamente pelos
representantes dos estados Partes e das organizações não governamentais.
13 De acordo com informações publicadas no jornal “el País”, em maio de 2008, estado unidos leva
mais de seis anos utilizando aeroportos da união europeia ou suas bases militares para escalas de
voos da Cia com destino a Guantánamo. segundo o relatório aprovado pelo Parlamento europeu
em 2006, os aviões da Cia fizeram 1.245 escalas, até aquele ano, em países da união europeia
(336 na alemanha, 170 no reino unido, 147 na irlanda, 91 em Portugal, 68 na espanha, 64 na
Grécia, 57 no Chipre e 46 na itália).
14 a Cia também admitiu ter destruído, em 2005, dois vídeos gravados em 2002 que continham
interrogatórios de suspostos membros de al Qaeda nos quais se utilizavam técnicas denunciadas
como tortura.
estes casos não são apenas inconcebíveis de um ponto de vista moral,
mas também são juridicamente ilegais e condicionantes do enfraquecimento
do respeito ao Direito internacional. essa situação é agravada pelo fato de que
o curso normal das denúncias de arbitrariedades, ilegalidades e atrocidades
acaba sendo sua negação, seu não reconhecimento, ou a minimização de sua
gravidade.
Portanto, nesse novo contexto é preciso não esquecer que os instrumen-
tos que compõem o sistema internacional de proteção dos direitos humanos,
construídos ao longo de mais de seis décadas, representam os parâmetros míni-
mos que os estados que ratificaram os tratados e convenções internacionais
estão obrigados a cumprir e respeitar. nesta perspectiva, a segurança é um
direito que deve ser realizado de forma compatível com outros direitos funda-
mentais e em observância às normas jurídicas estabelecidas pela comunidade
internacional. o que não implica a falta de investigação e punição dos crimes
de terrorismo, ao contrário, garante que sejam realizadas dentro da legalidade.
Por tudo isso é fundamental consolidar a ideia de que o indivíduo deve
ter seus direitos protegidos também na esfera internacional e superar a posi-
ção tradicional de soberania dos estados a fim de fortalecer o Direito inter-
nacional e possibilitar a responsabilização pelas violações de direitos huma-
nos, independente da desculpa usada para cometê-las.

5. a situação do Brasil em relação à tortura

5.1. a normativa interna e seu cumprimento

a história da prática de tortura no Brasil se confunde com a história do


próprio país desde sua colonização. o que o distingue de outros países neste
tema, é que ao contrário dos que aboliram a tortura entre os séculos Xviii e
XiX tanto no plano jurídico como em sua aplicação, no Brasil a tortura nunca
deixou de ser utilizada, apesar de ter sido retirada das Leis desde a época do
império.
Passada a fase da tortura empregada com fins políticos durante a ditadu-
ra militar, esta prática continuou na recente democracia, mas já com um novo
elemento: a divisão social entre categorias, a dos torturáveis e a dos não tortu-
ráveis. este conceito foi utilizado por oliveira (1994) ao citar novela de
Graham Greene, na quem um oficial cubano explica a um cidadão inglês que
não precisa se preocupar pela prisão de seu amigo já que ele não faz parte da
categoria dos torturáveis, a qual está destinada aos pobres, negros e crimino-
sos. no Brasil, o perfil da vítima de tortura, atestada por estudos e relatórios
de organizações governamentais e não governamentais,15 é o do jovem, pobre,
negro ou pardo, acusado ou suspeito por algum crime.
estes dados indicam a existência de uma espécie de norma implícita que
guia a ação dos agentes do estado na hora de praticar a tortura, determinando
quem deve e quem não deve ser torturado. Dessa forma, é possível identificar
tal prática como seletiva e motivada pela discriminação social e racial.
no plano interno, a proibição expressa da tortura no País se fez presente
pela primeira vez em um texto constitucional republicano em 1988, através do
seu artigo 5º, iii. Dita prática é vetada inclusive em circunstâncias excepcionais
como no estado de defesa e no estado de sítio (artigo 136 e seguintes). Porém
sua responsabilização criminal só veio a ser possível nove anos depois, com
aprovação de Lei ordinária que passou a regulamentar o crime de tortura.
ante a ausência de tal legislação para a tortura, quando esta era denun-
ciada, se estabelecia a aplicação dos dispositivos do Código Penal referentes à
coação ilegal (art. 146), aos maus-tratos (art. 136), à lesão corporal (art. 129) e
ao abuso de autoridade (art. 322). no entanto, estes crimes não apresentavam
a mesma gravidade que a tortura, e este tipo de procedimento violava o pre-
ceito constitucional do artigo 5º, XLiii, da Constituição, pois os crimes aludi-
dos são suscetíveis de fiança, graça e anistia (art. 323 do Código Penal), e a tor-
tura não.
em 1997, foi sancionada a Lei 9.455,16 que tipifica a tortura física e men-
tal e a caracteriza como crime comum, com penas que podem chegar a 21 anos
de prisão.
a Lei brasileira estabelece, no seu artigo 1º, como condutas do crime de
tortura:

i – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, cau -


sando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou
de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

15 É o caso, por exemplo, dos relatórios do Centro de Justiça Global, da rede social de Justiça e
Direitos Humanos ou do movimento nacional de Direitos Humanos no final da Campanha
nacional de Combate à tortura.
16 em março de 1997 umas cenas de tortura praticada por policiais militares na Favela naval, em
são Paulo, foram divulgadas na televisão, e a reação social gerada pelo fato levou o projeto de lei
para tipificar o crime de tortura que tramitava no Congresso desde 1994 e que havia sido aprova-
do pela Câmara dos Deputados em 1996 a ser votado no senado em regime de urgência.
ii – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com empre-
go de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental,
como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

entretanto, a Lei 9.455/97 não obedece ao conceito de tortura que lhe


confere a Ct – como crime próprio de funcionário público. a legislação bra-
sileira tipificou a tortura como crime comum, ampliando seu conceito tam-
bém à tortura privada.
Pelo que se pode identificar nas normas internacionais contra a tortura,
seus conteúdos se centram especialmente nos âmbitos próprios do poder do
estado, como a atividade policial, judicial e penitenciária (rodríguez mesa,
2000: 51). a Ct, por exemplo, pretende evitar atos de tortura em situações
concretas como arresto, detenção, prisão, interrogatórios (rodríguez mesa,
2000: 59), ou seja, todas ações de responsabilidade dos agentes do estado.
neste sentido, a Lei brasileira foi questionada por alguns juristas que a
entendem como inconstitucional.17 o texto legal também suscitou algumas
controvérsias e gerou certas discrepâncias à jurisprudência.18 além disso, o
próprio Cat recomendou ao país, desde 2001, adequar sua legislação ao arti-
go 1º da Ct.
mas o maior problema relativo à Lei 9.455/97 é sua escassa aplicação,
apesar do número de denúncias de torturas realizadas junto às organizações
não governamentais ou ao ministério Público, é baixo o número de casos
denunciados à Justiça. mais reduzido é, todavia, o número de condenações,
especialmente se forem levados em consideração os anos de vigência da Lei e
a sistematicidade da prática no país. o relatório da Campanha nacional con-
tra tortura, realizada entre 2001 e 2003, identificou que apenas 4% das
denúncias encaminhadas resultaram em alguma condenação.19 essa escassa

17 a inconstitucionalidade da citada Lei, neste contexto, é defendida por haver lesionado uma
norma constitucional com embasamento em tratados internacionais de direitos humanos.
18 o crime de tortura, que não é suscetível de fiança, graça ou anistia, ao ser equiparado aos crimes
hediondos, através do artigo 5º, XLiii, da Constituição, provoca polêmicas porque poderia revo -
gar, através do princípio da especialidade, o artigo 2º da Lei 8.072/90, possibilitando, de acordo
com o entendimento de alguns juristas, aos agentes que atentem contra uma ou outra Lei, a uti-
lização da figura de indulto ou liberdade provisória. neste mesmo sentido, o artigo 1º, § 7º, da Lei
9.455/97 prevê que a pena será inicialmente cumprida em regime fechado. entretanto, por sua
equiparação com os crimes hediondos, este artigo vai contra o que determina a Lei 8.072/90, que
prevê o cumprimento total da pena em regime fechado.
19 Conectas Direitos Humanos, universal Periodic review of the un Human rights Council –
BraZiL, January 2006. Disponível em: =http://www.conectas.org=, acesso em 20 de maio de
2008.
aplicação da Lei gera a impunidade ao crime de tortura, que é um dos princi-
pais fatores de estímulo à sua continuidade.
a impunidade ao crime de tortura pode ocorrer por diversas causas,
entre as quais: a) o medo das vítimas em denunciar, ou por não confiar nas ins-
tituições ou por seguir sob a custódia dos torturadores; b) a dificuldade em
provar a responsabilidade dos agentes públicos, primeiro, porque o flagrante
delito neste caso é muito difícil, e, segundo, porque são os próprios agentes
que realizam as investigações; c) a falta de autonomia dos órgãos de perícia, o
que prejudica na elaboração da prova; d) a resistência de promotores e juízes
em aplicar a Lei, muitas vezes rejeitando as denúncias e desclassificando-as
como maus tratos ou abuso de autoridade.
esta impunidade se produz tanto nos casos de tortura como ação penal
como nos de incidente processual, que são as duas formas pelas quais o crime
de tortura é contemplado nos tribunais do País. no primeiro caso, represen-
ta um processo autônomo e independente, onde a denúncia de tortura está
baseada nos dispositivos da Lei 9.455/97. no segundo caso, o crime de tortura
é alegado no curso de outro processo, a fim de que a prova obtida ilicitamen-
te (através da confissão sob tortura) seja rejeitada20
apesar da existência de uma legislação para punir este crime, o que se
verifica é que todas as dificuldades relacionadas ao texto legal e a sua aplica-
ção refletem no combate à tortura e impedem que a frequência com que é uti-
lizada se reduza.21 este tipo de violência deve ser tratado como um grave pro-
blema a ser solucionado por toda a sociedade, pois é uma questão que tem
implicações profundas para a democracia e para o respeito aos direitos huma-
nos. De igual maneira, porque a violência ilegítima praticada pelos agentes do
estado, que possuem o monopólio legítimo do uso da força e que deveriam
atuar em conformidade com as Leis em lugar de violá-las, ameaça substancial-
mente as estruturas democráticas necessárias à manutenção do estado de

20 apesar de a onu ter recomendando a não aceitação de provas obtidas ilicitamente, os casos ale -
gados no curso de outro processo não obtêm quase nenhum êxito nos tribunais. De acordo com
avaliação do CeJiL (2004, p. 32), “a declaração da pessoa torturada não possui valor processual
suficiente para dar início a uma ação contra a tortura”. opinião igualmente compartilhada pelo
Centro de Justiça Global.
21 De acordo com o relatório Final da Campanha nacional Permanente de Combate à tortura e à
impunidade, entre 2001 e 2003, o sos tortura recebeu 1.336 denúncias de tortura institucional.
entre 2000 e 2002, a ação dos Cristãos para a abolição da tortura e a Pastoral Carcerária rece-
beram 1.651 denúncias de casos de tortura só em são Paulo. mas este número, segundo as orga-
nizações de defesa dos direitos humanos, pode chegar a ser três vezes maior, pois muitas vítimas
não denunciam, por medo ou por descrença na justiça.
Direito e causam o descrédito nas instituições, especialmente as do sistema de
justiça e segurança.

5.2. a normativa internacional e a continuidade da tortura no


Brasil

em relação aos tratados internacionais específicos para o combate à tor-


tura, o Brasil ratificou todos, tanto do sistema internacional como do sistema
americano. os dois documentos mais importantes neste sentido são: a
Convenção contra a tortura da onu22 e a Convenção interamericana para
Prevenir e Punir a tortura da oea. estas convenções não admitem nem a
obediência devida nem a existência de circunstâncias especiais, como estado
de guerra, de sítio, de emergência etc., para justificar a utilização da tortura.
Pela primeira, o País está obrigado, entre outras questões, a adotar medi-
das legislativas, administrativas e judiciais para impedir a prática da tortura em
todo o território nacional; a dispor dos instrumentos que forem necessários
para instituir sua jurisdição sobre o crime de tortura; a não permitir que se acei-
te como prova nenhuma declaração que se demonstre que foi obtida sob tortu-
ra. Já a segunda traz, como algumas de suas obrigações, a garantia de um exame
imparcial em qualquer caso de denúncia de tortura; a incorporação no seu
ordenamento jurídico de normativa que garanta a compensação adequada às
vítimas; a adoção de medidas para que na formação das forças de segurança se
inclua a ênfase na proibição do uso da tortura em interrogatórios ou detenções.
no entanto, o estado brasileiro continua violando grande parte dos artigos
desses tratados, a exemplo da Convenção contra a tortura da onu.23 além
disso, o País demorou dez anos para entregar o primeiro relatório sobre a imple-
mentação desta Convenção, quando estava obrigado a fazê-lo no ano seguinte à
ratificação do documento. Demorou, igualmente, oito anos para cumprir o seu
artigo 4, § 1, que determina aos estados Partes “assegurar que todos os atos de
tortura sejam considerados crimes segundo a sua legislação penal”.
em 2000, o relator especial sobre a tortura esteve no Brasil e visitou
dezenas de delegacias, prisões e centros de detenção juvenis, chegando à prin-
cipal conclusão de que “a tortura no Brasil é sistemática e generalizada”,24 no

22 o País igualmente ratificou, em 2006, o Protocolo Facultativo à Convenção, que obriga o estado
a constituir um Comitê nacional para a Prevenção da tortura.
23 no caso da Convenção da onu se pode citar, entre outros, a falta de cumprimento dos artigos 10,
11, 12, 13, 15.
24 o governo brasileiro, entretanto, reconhecia, através de relatório entregue à onu, a prática de
tortura no país apenas como significativa.
sentido de que não se trata de casos isolados, acontece em todo o território
nacional. o seu relatório, divulgado no ano seguinte, inclui a descrição de 348
casos de tortura em 18 estados brasileiros, e estabelece 30 recomendações ao
Governo, com o objetivo de combater esta prática no País. em 2001, o Cat,
depois de examinar o citado relatório e de ouvir o Governo brasileiro, também
fez um conjunto de 9 recomendações.
o Governo da época adotou algumas medidas, a partir do lançamento da
Campanha nacional Permanente de Combate à tortura. as ações da
Campanha estavam relacionadas à divulgação do combate à tortura nos meios
de comunicação, incluídas a distribuição de cartazes e folhetos sobre o tema,
a mobilização nos estados com a implantação de centrais de denúncia (sos
tortura) e à formação de uma rede nacional de luta contra esta prática. entre
2001 e 2002, foram instaladas uma central nacional de denúncias e 24 centrais
nos estados. Das ações da Campanha, somente o sos tortura continuou fun-
cionando no governo seguinte, mas apenas por mais um ano, posto que o ser-
viço foi suspenso em 2004.
entretanto, passados oito anos, a maioria das recomendações do relator
e do Cat estão sem cumprir-se e a tortura é uma realidade que persiste. a esta
avaliação chegou a anistia internacional em vários de seus relatórios. em
2002, por exemplo, a organização afirmou que “a tortura da polícia é genera-
lizada e sistemática em todo sistema criminal e que a maioria dos responsáveis
continuam impunes”.25 Já em 2005, ponderou que “persiste o uso amplo da
tortura e dos maus tratos”26 no país.
relatório publicado em 2004 e elaborado pelo Centro pela Justiça e o
Direito internacional (CeJiL), que buscou avaliar as mudanças ocorridas em
relação à prática de tortura, a partir das recomendações do relator especial,
corrobora as observações anteriores. Das 30 recomendações, 24 não foram
cumpridas, 5 foram cumpridas parcialmente ou de forma insuficiente e ape-
nas uma se cumpriu em sua totalidade. além disso, o relatório aponta a defi-
ciência na aplicação de políticas públicas efetivas para combater a tortura e
afirma que as iniciativas do estado nesta área são isoladas e escassas (CeJiL,
2004, pp. 12 e 21).
De igual maneira, um relatório divulgado em 2005 e organizado pelo
Gabinete de assessoria Jurídica às organizações Populares (GaJoP) e
movimento nacional de Direitos Humanos (mnDH), que analisou o cumpri-
mento das recomendações do Cat, assinala que as principais recomendações

25 Fonte: Jornal o Globo, 29 de maio de 2002.


26 Fonte: Jornal Folha de são Paulo, 25 de outubro de 2005.
deste órgão não foram cumpridas. idêntico parecer já tinha sido indicado em
2003 no relatório Final sobre a Campanha nacional Permanente de Combate
à tortura e à impunidade.
Por outro lado, novas ações governamentais começaram a ser realizadas.
Por exemplo, a realização de seminário internacional para discutir uma polí-
tica de enfrentamento à tortura, ocasião na qual foi assinado um projeto de
cooperação com o reino unido e divulgada a tradução ao português do ma-
nual de Combate à tortura para Juízes e Promotores (produzido pela univer-
sidade de essex). também merece destaque a elaboração de um Protocolo para
orientar o trabalho forense no crime de tortura, a instituição do Comitê na-
cional para Prevenção e Controle da tortura, a elaboração do Plano de ações
integradas para a prevenção e controle da tortura27 e a criação, em junho de
2009, de um Grupo multidisciplinar de Peritos independentes para a Pre-
venção da tortura e da violência institucional.
não obstante, os dados sobre a prática de tortura no País e sua impuni-
dade continuam sendo desanimadores. em 2007 a onu, através de relatório
do Cat, voltou a apontar as torturas e maus tratos como prática generalizada
e sistemática nas prisões brasileiras. a conclusão está baseada numa visita con-
fidencial de especialistas da onu ao País em 2005. recentemente, em maio de
2009, o relatório da anistia internacional sobre a situação dos direitos huma-
nos no mundo, assinalou que no Brasil a tortura praticada por agentes do
estado, responsáveis pelo cumprimento da lei, continua sendo um fenômeno
habitual tanto no momento da prisão como nos interrogatórios e durante o
cumprimento da pena.
tudo isso conduz o País a um paradoxo de difícil superação: apesar de
estar obrigado a cumprir as normas internacionais que protegem o direito a
não ser torturado e de possuir instrumento jurídico interno para fazê-lo, a
situação de tal prática se agrava sem que o estado brasileiro tome medidas efi-
cazes que produzam alguma mudança verdadeira nesta situação.

6. Conclusões

a prática de tortura contemporânea no âmbito do poder do estado é um


grave problema que atinge grande parte dos países. no Brasil, ela é sistemáti-
ca e generalizada, de acordo com avaliação da onu e, ao mesmo tempo, sele-
tiva e motivada pela discriminação social e racial.

27 De acordo com relatório do governo brasileiro entregue ao Comitê de Direitos Humanos da onu,
do início de 2008, até o momento, 11 estados brasileiros aderiram ao Plano.
são inegáveis os avanços na área da proteção internacional dos direitos
humanos desde 1948, com o desenvolvimento e a afirmação deste ramo do
Direito internacional; no entanto, ainda existem limitações à sua aplicação, sobre-
tudo, em relação à sanção dos estados Partes que descumprem suas obrigações.
neste contexto, o discurso da soberania nacional acaba jogando a favor
da falta de cumprimento dos tratados assumidos, apesar de que os tratados
específicos para a proibição da tortura são normas de natureza imperativa e de
obrigações erga ommes, indicando, na prática, a frágil relação entre o Direito
internacional dos Direitos Humanos e o Direito interno.
É assim que se apresentam alguns desafios ao sistema internacional de
proteção dos direitos humanos. sua importância é indiscutível, mas é necessá-
rio aprimorá-lo, especialmente, por ser um ramo recente do Direito
internacional. um dos problemas neste âmbito se refere à relativa eficácia das
normas internacionais de proteção destes direitos, pois muitas vezes existe a
falta de interesse, por parte dos países, em ratificar ditas normas ou a resistên-
cia em ratificá-las sem reservas. outro problema que os órgãos internacionais
enfrentam é a colaboração dos estados Partes para analisar as denúncias de
violações e acatar as sanções.
a situação do Brasil é um exemplo disso. apesar de ter ratificado os tra-
tados internacionais de proteção dos direitos humanos relacionados à proibi-
ção da tortura, continua violando suas determinações. a despeito da evolução
dos direitos humanos no País, todavia, existe certa resistência em reservar a
estes tratados o espaço que eles merecem no Direito brasileiro.
as considerações descritas no relatório do relator especial, as recomen-
dações do Comitê contra a tortura e a posição adotada pelo estado brasileiro
desde então são suficientes para indicar a existência de duas visões distintas
sobre o mesmo problema. as nações unidas consideram grave o problema da
tortura no País, enquanto o estado não adota uma política pública eficiente de
combate à tortura. Percebe-se que existe uma dissonância no país entre o dis-
curso político, o ordenamento jurídico e a realidade. esta última demonstra
que os outros dois têm mantido uma grande distância das demandas imediatas
para alcançar as transformações sociais, culturais e jurídicas necessárias ao res-
peito aos direitos humanos e à erradicação da tortura no país.
a afirmação destes direitos, nas esferas política, social e jurídica, requer
passos importantes e ações que promovam a formação de tolerância e de res-
peito ao ser humano e a sua dignidade. Para isso é indispensável a existência
de decisão política para enfrentar esta questão, a realização de políticas públi-
cas específicas e efetivas para esta área e a mudança de comportamento da
sociedade e do poder público.
o Brasil possui um regime democrático, está regido por uma Constituição
que reconhece a supremacia dos direitos humanos, ratificou a maioria dos tra-
tados internacionais de proteção dos direitos humanos e tem legislação interna
que proíbe a tortura. no entanto, não deixa de violar sistematicamente os direi-
tos humanos e os tratados internacionais que os protegem, colocando em risco,
por consequência, a democracia e o estado de Direito.

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salamanca, 2005.
a Proteção Judicial dos Direitos sociais:
alguns Parâmetros Ético-Jurídicos
Daniel sarmento*

sumário: 1. introdução; 2. Democracia e tutela Judicial dos Direitos sociais; 3. os Direitos so -


ciais como Direitos subjetivos “Prima Facie”; 4. reserva do Possível Fática, igualdade e uni-
versalização; 5. reserva do Possível Jurídica e orçamento; 6. mínimo existencial e necessidade;
7. Controle de Políticas Públicas, expertise e autocontenção Judicial; 8. Demandas individuais e
Coletivas; 9. Conclusões; Bibliografia.

1. introdução

Poucos temas no Direito Constitucional brasileiro têm sido tão debatidos


nos últimos anos como a eficácia dos direitos sociais de caráter prestacional. a
jurisprudência nacional é extremamente rica nesta questão, e o Brasil é hoje
certamente, um dos países com o Judiciário mais ativista na proteção de tais
direitos.1
neste ponto, é notável o avanço ocorrido no país, sobretudo ao longo da
última década. até então, o discurso predominante na nossa doutrina e juris-
prudência era o de que os direitos sociais constitucionalmente consagrados
não passavam de normas programáticas, o que impedia que servissem de fun-
damento para a exigência em juízo de prestações positivas do estado. as inter-
venções judiciais neste campo eram raríssimas, prevalecendo uma leitura mais
ortodoxa do princípio da separação de poderes, que via como intromissões
indevidas do Judiciário na seara própria do Legislativo e do executivo as deci-

* mestre e Doutor em Direito Público pela uerJ. Professor adjunto de Direito Constitucional da
uerJ. visiting scholar da Yale Law school (2006). Procurador regional da república.
1 Há vasta bibliografia sobre a proteção judicial dos direitos sociais no Direito Comparado.
veja-se, entre outros, mark tushnet. weak Courts, strong rights: Judicial review and
social welfare rights in Comparative Constitutional Law. Princeton: Princeton unversity
Press, 2008; alicia ely amin (Coord.). Los Derechos económicos, sociales y Culturales en
america Latina. méxico: asociación pro Derechos Humanos, 2006; e victor abramovich e
Christian Courtis. Los Derechos sociales como Derechos exigibles. madrid: editorial
trotta, 2002.
sões que implicassem controle sobre as políticas públicas voltadas à efetivação
dos direitos sociais.2
Hoje, no entanto, este panorama se inverteu. em todo o país, tornaram-
se frequentes as decisões judiciais determinando a entrega de prestações mate-
riais aos jurisdicionados relacionadas a direitos sociais constitucionalmente
positivados.3 trata-se de uma mudança altamente positiva, que deve ser cele-

2 exemplo típico desta orientação foi o acórdão proferido à unanimidade pela 1ª turma do stJ no
roms 6.564/rs, julgado em 23/05/1996, da relatoria do ministro Demócrito reinaldo, de cuja
ementa se extrai o seguinte excerto: “normas constitucionais meramente programáticas – ad
exemplum, o direito à saúde – protegem um interesse geral, todavia, não conferem, aos benefi-
ciários deste interesse, o poder de exigir sua satisfação... estas normas (arts. 195, 196, 204 e 227
da CF) são de eficácia limitada, ou, em outras palavras, não têm força suficiente para desenvol-
ver-se integralmente, ‘ou não dispõem de eficácia plena’, posto que dependem, para ter incidên-
cia sobre os interesses tutelados, de legislação complementar. na regra jurídico-constitucional
que dispõe ‘todos têm o direito e o estado o dever’ – dever de saúde – como afiançam os consti-
tucionalistas, ‘na realidade todos não têm direito, porque a relação jurídica entre o cidadão e o
estado devedor não se fundamenta em vinculum juris gerador de obrigações, pelo que falta ao
cidadão o direito subjetivo público, oponível ao estado, de exigir em juízo, as prestações prome-
tidas a que o estado se obriga por proposição ineficaz dos constituintes’. no sistema jurídico
pátrio, a nenhum órgão ou autoridade é permitido realizar despesas sem a devida previsão orça-
mentária, sob pena de incorrer no desvio de verbas”.
3 É farta a jurisprudência nesta linha, inclusive no stF. veja-se, neste sentido, trechos de duas
decisões paradigmáticas do stF, ambas da lavra do ministro Celso mello – a primeira negando a
suspensão de decisão que condenara estado da federação a custear a realização de operação no
exterior visando salvar a vida de menor impúbere portador da Distrofia muscular de Duchenne,
e a segunda reconhecendo o dever do município de assegurar o atendimento em creche para
criança com seis anos de idade:
“a singularidade do caso ..., a imprescindibilidade da medida cautelar concedida pelo Poder
Judiciário de santa Catarina (necessidade de transplante das células mioblásticas, que constitui o
único meio capaz de salvar a vida do paciente) e a impostergabilidade do cumprimento do dever
político-constitucional que se impõe ao Poder Público, em todas as dimensões da organização
federativa, de assegurar a todos a proteção à saúde (CF, art. 196) e de dispensar especial tutela à
criança e ao adolescente (CF, art. 6º, c/c art. 227, Par. 1º), constituem fatores, que, associados ao
imperativo de solidariedade humana, desautorizam o deferimento do pedido ora formulado...
entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalie -
nável assegurado pela própria Constituição da república (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, con -
tra esta prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do estado, entendo –
uma vez configurado este dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma
só e possível opção: o respeito indeclinável à vida” (Petição 1.246 mC/sC, julgada em 31/01/1997).
“a educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crian-
ças, a estas assegura, para efeito do seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do pro -
cesso de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, iv).
essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao estado ..., a obrigação constitucional de
criar condições objetivas que possibilitem ... o efetivo acesso e atendimento em creches e unida -
des de pré-escola...
a educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe,
em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da administração
Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental...
brada. atualmente, pode-se dizer que o Poder Judiciário brasileiro “leva a
sério” os direitos sociais, tratando-os como autênticos direitos fundamentais,4
e a via judicial parece ter sido definitivamente incorporada ao arsenal dos ins-
trumentos à disposição dos cidadãos para a luta em prol da inclusão social e da
garantia da vida digna.
sem embargo, este fenômeno também suscita algumas questões comple-
xas e delicadas, que não podem ser ignoradas. sabe-se, em primeiro lugar, que
os recursos existentes na sociedade são escassos, e que o atendimento aos
direitos sociais envolve custos. É certo que esta não é uma característica exclu-
siva dos direitos sociais, fazendo-se presente também nos direitos individuais
e políticos, cuja plena exigibilidade judicial ninguém questiona.5 afinal, pro-
teger a propriedade, prestar a jurisdição, promover eleições, etc., são ativida-
des que também importam gastos públicos. Contudo, é indiscutível que esta
faceta onerosa é especialmente saliente nos direitos sociais.6

embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e executivo, a prerrogativa de formular e


executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda
que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela
Constituição” (agravo de instrumento no recurso extraordinário nº 410. 715-5/sP, julgado em
22/11/2005).
4 neste particular, a jurisprudência brasileira está em sintonia com a orientação do Comitê de
Direitos econômicos, sociais e Culturais da onu, refletida na sua observação Geral nº 9, de 1998,
a propósito da aplicação interna do Pacto dos Direitos econômicos, sociais e Culturais. Confira-
se o seguinte trecho do item 10 da referida observação Geral (tradução livre): “em relação aos
direitos civis e políticos, em geral se parte da premissa de que é fundamental a existência de
recursos judiciais frente à violação destes direitos. Lamentavelmente, no que se refere aos direi -
tos econômicos, sociais e culturais, com demasiada freqüência se parte da premissa contrária. esta
discrepância não se justifica nem pela natureza dos direitos, nem pelas disposições pertinentes do
Pacto...ainda que seja necessário levar em conta a orientação geral de cada um dos sistemas jurí -
dicos, não há nenhum direito reconhecido pelo Pacto que não se possa considerar que possui, na
grande maioria dos sistemas, algumas dimensões significativas, no mínimo, de justiciabilidade. as
vezes se afirma que as questões que supõem a alocação de recursos devem ser confiadas às auto-
ridades políticas e não a tribunais. ainda que se deva respeitar as competências respectivas dos
diversos poderes, é conveniente reconhecer que os tribunais já intervêm geralmente em uma
gama considerável de questões que têm conseqüências importantes para os recursos disponíveis.
a adoção de uma classificação rígida de direitos econômicos sociais e culturais, que os situe, por
definição, fora do âmbito dos tribunais seria, portanto, arbitrária e incompatível com o princípio
de que os dois grupos de direitos são indivisíveis e independentes. também se reduziria drastica -
mente a capacidade dos tribunais para proteger os direitos dos grupos mais vulneráveis e desfa -
vorecidos da sociedade”.
5 Cf. Cass sunstein & stephen Holmes. the Cost of rights: why liberty dependes on taxes. new
York: w.w. norton and Company, 1999; Gustavo amaral. Direito, escassez e escolha. rio de
Janeiro: renovar, 2001; e Flávio Galdino. introdução à teoria dos Custos dos Direitos: Direitos
não nascem em árvores. rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
6 no mesmo sentido, ingo wolfgang sarlet. a eficácia dos Direitos Fundamentais. 5ª ed., Porto
alegre: Livraria do advogado, 2005, p. 287.
neste quadro de escassez, não há como realizar, hic et nunc, todos os
direitos sociais em seu grau máximo. o grau de desenvolvimento sócio-eco-
nômico de cada país impõe limites, que o mero voluntarismo de bacharéis não
tem como superar.7 Portanto, não é (só) por falta de vontade política que o
grau de atendimento aos direitos sociais no Brasil é muito inferior ao de um
país como a suécia.
a escassez obriga o estado em muitos casos a confrontar-se com verdadei-
ras “escolhas trágicas”,8 pois, diante da limitação de recursos, vê-se forçado a
eleger prioridades dentre várias demandas igualmente legítimas. melhorar a
merenda escolar ou ampliar o número de leitos na rede pública? estender o
saneamento básico para comunidades carentes ou adquirir medicamentos de
última geração para o tratamento de alguma doença rara? aumentar o valor do
salário mínimo ou expandir o programa de habitação popular? infelizmente, no
mundo real nem sempre é possível ter tudo ao mesmo tempo.
ora, a cada vez que uma decisão judicial concede alguma prestação
material a alguém, ela retira recursos do bolo destinado ao atendimento de
todos os outros direitos fundamentais e demandas sociais. Cada decisão expli-
citamente alocativa de recursos envolve também, necessariamente, uma
dimensão implicitamente desalocativa. em palavras mais toscas, sendo curto o
cobertor, cobrir o nariz implica deixar os pés de fora ...
adicione-se a este panorama a constatação de que o acesso à justiça no
Brasil está longe de ser igualitário. Por diversas razões, os segmentos mais
excluídos da população dificilmente recorrem ao Judiciário para proteger os
seus direitos. Daí resulta um delicado paradoxo, uma vez que, quando não
pautado por certos parâmetros, o ativismo judicial em matéria de direitos
sociais – que deveriam ser voltados à promoção da igualdade material – pode
contribuir para a concentração da riqueza, com a canalização de recursos
públicos escassos para os setores da população mais bem aquinhoados.
nesse cenário, surgem alguns questionamentos importantes: será que o
Poder Judiciário – cujos membros não são eleitos, nem respondem politica-
mente perante o povo – possui as credenciais democráticas para interferir
nestas escolhas feitas pelo Legislativo e executivo sobre quais gastos priorizar,

7 nesta linha, criticando o excesso de idealismo em certas teorias sobre o tema, veja-se eros
roberto Grau. “realismo e utopia Constitucional”. in: Jacinto nelson de miranda Coutinho e
martonio mont’alverne Barreto Lima. Diálogos Constitucionais: Direito, neoliberalismo e
Desenvolvimento em Países Periféricos. rio de Janeiro: renovar, 2006, p. 133-144.
8 a expressão foi empregada por Guido Calabresi e Philip Bobbit, para referir-se às difíceis opções
alocativas que devem ser realizadas num ambiente de escassez de recursos. ela deu título à obra.
tragic Choices. new York: norton, 1978.
em face da escassez de recursos? até que ponto as suas intervenções favore-
cem, de fato, os mais excluídos? terá o Judiciário condições de atuar de modo
racional e eficiente neste campo, que envolve o controle de políticas públicas,
cuja formulação e implementação requerem expertise?
no atual contexto brasileiro, estes debates tornaram-se candentes sobre-
tudo na área de saúde pública. Houve uma verdadeira explosão de demandas
judiciais nesta área e, nos últimos tempos, parte significativa dos orçamentos
públicos de saúde das entidades federativas passou a ser destinada ao cumpri-
mento de decisões judiciais. Por um lado, é positiva a constatação de que a
Justiça brasileira tem se mostrado tão sensível às questões muitas vezes dramá-
ticas suscitadas pelo direito fundamental à saúde, mas, por outro, não é difícil
se deparar com decisões equivocadas – ainda que sempre muito bem intencio-
nadas –, que podem comprometer políticas públicas importantes, drenar
recursos escassos e criar privilégios não universalizáveis. vejam-se dois exem-
plos típicos, num universo de muitos outros que poderiam ser citados: deci-
sões judiciais ordenando a internação de pessoas determinadas no inCa –
instituição federal de ponta na área de cancerologia, localizada no rio de
Janeiro – ignorando tanto as filas existentes para acesso a esta unidade de
saúde como os critérios médicos que ela emprega para selecionar seus pacien-
tes;9 e a condenação de estado da federação a fornecer a indivíduo caríssima
medicação fabricada no exterior, cuja importação fora proibida pela anvi-
sa, à vista de pesquisas que haviam comprovado a sua ineficácia, com base
apenas na prescrição do médico particular do jurisdicionado.10
na minha opinião, os questionamentos acima referidos não devem con-
duzir à rejeição da possibilidade de proteção judicial dos direitos sociais. este
seria um inadmissível retrocesso no Direito Constitucional brasileiro, que, em
boa hora, passou a reconhecer a força normativa dos direitos prestacionais.
mas, se não quisermos que a garantia jurisdicional de tais direitos acabe com-
prometendo a possibilidade de que eles sejam efetivamente fruídos pelos mais
necessitados, é essencial traçar critérios racionais para o Judiciário atuar neste
domínio, que estejam em conformidade não só com a letra da Constituição,
mas também com os valores morais que lhe dão suporte.

9 apelação em mandado de segurança nº 2002.51.01.018517-9, 4ª turma do trF da 2ª região,


relator Desembargador Federal arnaldo Lima, julgada e, 17 de março de 2004; agravo de instru-
mento nº 2005.02.01.003581-8, 7ª turma do trF da 2ª região, relator Desembargador Federal
reis Friede, julgada em 22/06/2005; agravo de instrumento nº 2006.02.01.005318-7, 7ª turma
do trF da 2ª região, relator Desembargador Federal sergio schwaitzer, julgado em 27 de setem -
bro de 2006.
10 Decisão proferida pelo então Presidente do stJ, ministro edson vidigal, na suspensão de
segurança nº 1.408/sP, prolatada em 08/09/2004.
este é precisamente o objetivo deste texto: esboçar parâmetros relaciona-
dos à sindicabilidade dos direitos sociais prestacionais. meu foco neste estudo
será o dos direitos consagrados de forma vaga e principiológica na Constituição.
Portanto, algumas das considerações traçadas aqui não valem para os direitos
sociais estatuídos pelo nosso texto constitucional através de regras – como
ocorre com certos benefícios previdenciários e com o direito de acesso ao ensi-
no fundamental. Por outro lado, embora eu reconheça o caráter heterogêneo
do catálogo de direitos sociais inscrito na Constituição brasileira, meu propósi-
to neste texto é o de bosquejar uma teoria geral, sem me aprofundar em qual-
quer dos direitos em espécie. também não analisarei aqui as questões suscita-
das pela proteção judicial de direitos sociais fundada na legislação infraconsti-
tucional – os chamados direitos derivados a prestações –, limitando-me à aná-
lise das pretensões alicerçadas diretamente na própria Constituição.

2. Democracia e tutela Judicial dos Direitos sociais

a democracia corresponde ao autogoverno popular.11 no regime demo-


crático, os cidadãos são concebidos idealmente não apenas como destinatários
das normas jurídicas e decisões do estado, mas também como seus co-autores,
na medida em que lhes é assegurada a possibilidade de participarem do seu
processo de elaboração. neste sentido, a democracia está associada à liberda-
de política – ou “liberdade dos antigos” –, para usar a conhecida expressão de
Benjamin Constant.12 ela confere liberdade ao cidadão, ao possibilitar que ele
seja partícipe do processo de construção da vontade coletiva da sua comuni-
dade política; sujeito e não mero objeto de dominação no espaço público.
Quando a ideia de democracia foi redescoberta por filósofos iluministas
no século Xviii, não era mais viável adotar o seu modelo direto, praticado na
polis grega. Por isso, a democracia passou a andar associada à representação
política: os cidadãos elegem periodicamente os seus governantes, que elabo-
ram as normas e gerem a coisa pública em seu nome. Como se sabe, no mode-

11 a bibliografia contemporânea sobre democracia é inabarcável. veja-se, a título exemplificativo,


e em perspectivas diversas, norberto Bobbio. o Futuro da Democracia: uma Defesa das regras
do Jogo. trad. marco aurélio nogueira, 5ª ed., rio de Janeiro: Paz e terra, 1986; robert. a. Dahl.
sobre a Democracia. trad. Beatriz sidou. Brasília: unB, 2001; James Bohman & william rehg
(eds.). Deliberative Democracy. Cambridge: the mit Press, 1997; Chantal mouffe. La Paradoja
Democrática. trad. tomás Fernandez aúz y Beatriz eguibar. Barcelona: GeDisa, 2000; e
Boaventura de souza santos. Democratizar a Democracia: os Caminhos da Democracia
Participativa. rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
12 Benjamin Constant. “the Liberty of the ancients Compared with that of the moderns”. in:
Political writings. Cambridge: Cambridge university Press, 1988, p. 314-321.
lo da tripartição de poderes adotado por quase todas as democracias contem-
porâneas, são dois os poderes legitimados pelo voto popular: Legislativo e
executivo. no Brasil e na grande maioria das democracias modernas, os mem-
bros do Judiciário, além de não serem eleitos, gozam de independência em
relação aos demais poderes.
Daí provém um dos argumentos contrários ao controle judicial dos direi-
tos sociais: o de que ele não é democraticamente legítimo, na medida em que
permite a juízes – que não respondem politicamente perante o povo – interfe-
rir nas decisões adotadas por representantes populares sobre quais demandas e
necessidades humanas priorizar nos gastos públicos, e sobre como equacioná-
las adequadamente, num cenário marcado pela escassez de recursos. os adver-
sários da sindicabilidade dos direitos sociais aludem ao caráter antidemocráti-
co da suposição de que uma elite de supostos sábios, com assento nos tribunais,
teria condições de decidir melhor estas questões do que legisladores e adminis-
tradores, que foram escolhidos pela própria população. Daí, afirmam que a
tutela judicial dos direitos sociais implicaria transferir para o Judiciário um
poder excessivamente amplo, para cujo exercício os juízes, além de não possuí-
rem legitimidade, não estariam tecnicamente preparados.13 esta concepção foi
resumida, em termos claros, pelo filósofo político michael walzer:

“a proteção judicial de direitos sociais iria reduzir o alcance das decisões


democráticas. De fato, os juízes decidiriam, e, com a acumulação de
casos, eles passariam a decidir cada vez em maior detalhe sobre qual o
âmbito e o caráter que deve ter o sistema de proteção social e que tipos
de redistribuição são requeridas. estas decisões iriam claramente envol-
ver do sistema um controle judicial significativo sobre o orçamento esta-
tal e, pelo menos indiretamente, sobre o nível de tributação – que são
exatamente as questões sobre as quais foram lutadas as revoluções demo-
cráticas.”14 (tradução livre)

13 Cf. mark tushnet. op. cit., p. 231-260; ernest wolfgang Böckenförde. escritos sobre Derechos
Fundamentales. trad. J. L requeijo e i. villaverde. Baden-Baden: verlagsgesellschaft, 1993, p.
77 ss; Konrad Hesse. “significado de los Derechos Fundamentales”. in: ernst Benda, werner
maihofer, Hans-Jochen vogel, Konrad Hesse & wolfgang Heyde. manual de Derecho
Constitucional. trad. antonio López Pina. madrid: marcial Pons, 2001, p. 97-101; Christian
starck. La Constitution Cadre et mesure du Droit. Paris: economica, 1994, p. 100-102; e José
Carlos vieira de andrade. os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
Coimbra: Livraria almedina, 1988, p. 200-203.
14 “Philosophy and Democracy”. in: Political theory, nº 9, 1981, p. 391-392.
note-se que existem duas questões diferentes a propósito dos direitos
sociais, que muitas vezes são confundidas pela doutrina: É legítimo protegê-
los? no caso positivo, deve ser confiada aos juízes a tarefa de exercer esta pro-
teção? É possível responder afirmativamente a primeira pergunta, reconhe-
cendo a necessidade de garantia dos direitos sociais à população, e negativa-
mente a segunda, por considerar-se que a instância mais adequada para prote-
ger e promover estes direitos não é o Poder Judiciário.15 aliás, as constituições
de alguns países, como irlanda16 e Índia,17 seguiram este caminho, ao preve-
rem direitos sociais sob a forma de princípios diretivos que deveriam guiar o
processo político, vedando, contudo, a sua tutela judicial.
no caso brasileiro, alguém poderia alegar que tal debate é desprovido de
interesse prático, uma vez que o constituinte originário não apenas consagrou
direitos sociais, como também estabeleceu o princípio da inafastabilidade do
controle jurisdicional em caso de lesão ou ameaça a direito. Contudo, a objeção
não procederia, já que a posição adotada sobre temas como a relação entre pro-
teção judicial dos direitos sociais e a democracia, e a capacidade institucional do
Judiciário para garantir tais direitos tem reflexos profundos na compreensão
sobre a forma mais ou menos agressiva como a jurisdição deve atuar nesta seara,
bem como sobre os critérios que devem pautar esta atuação. tais questões são
extremamente importantes, e o texto constitucional, só por si, não as resolve.
Firmada esta premissa, cabe retornar à análise da objeção democrática à
proteção judicial dos direitos sociais. Quando posta em termos muito peremp-
tórios, me parece que tal objeção pode ser refutada a partir de três argumen-
tos. o primeiro deles é relacionado ao déficit democrático das próprias insti-
tuições representativas.18 em que pese a universalização do direito de voto

15 De forma muito resumida, esta é a posição central advogada por mark tushnet em week Courts,
social... op. cit. Contudo, o autor americano aceita a possibilidade de algum “controle fraco” dos
direitos sociais pelas Cortes, que lhes permita se engajarem num diálogo com os outros poderes
do estado nesta área, mas sem lhes conferir a possibilidade de adotarem decisões que não sejam
superáveis no âmbito do processo político.
16 art. 45 da Constituição irlandesa de 1937.
17 a Constituição da Índia de 1950 contém uma lista de princípios diretivos, que estabelecem uma
agenda de promoção de direitos sociais e redução da desigualdade material. Contudo, ela deter -
minou expressamente no seu art. 38 (1) a insindicabilidade destes princípios. Porém, a partir da
década de 80, a suprema Corte da Índia construiu um caminho alternativo para conferir alguma
proteção aos direitos sociais: uma leitura ampla e generosa dos direitos à vida e à liberdade pes-
soal, que são plenamente suscetíveis de controle jurisdicional naquele país. a partir daí, reconhe -
ceu alguma margem de exigibilidade judicial para os direitos à educação, saúde, abrigo, alimen -
tação, água etc. veja-se, a propósito, s. P. sathe. “india: From Positivism to structuralism”. in:
Jeffrey Goldsworthy (ed.). interpreting Constitutions: a Comparative study. oxford: oxford
university Press, 2006, p. 252-254.
18 sobre a crise da democracia representativa, veja-se Paulo Bonavides. teoria Constitucional da
Democracia Participativa. são Paulo: malheiros, 2001.
alcançada ao longo do século XX, hoje uma série de fatores – que vão da
influência do poder econômico nas eleições, até a apatia e distanciamento do
cidadão em relação à res publica – tende a segregar os representantes dos
representados, minando a crença de que os primeiros vocalizariam na esfera
política a vontade dos segundos. o problema é universal, mas, no Brasil, há
componentes que o agravam de forma exponencial, abalando profundamente
a credibilidade das instituições de representação popular. Para comprová-lo,
basta checar as sondagens da opinião pública que frequentemente surgem na
mídia, em que se constata a baixíssima confiança depositada pela população
em instituições como o Congresso nacional e os partidos políticos.19 neste
quadro preocupante, a objeção democrática contra o ativismo judicial se arre-
fece, sobretudo quando o Judiciário passa a agir em favor de causas “simpáti-
cas” aos anseios populares, como a proteção dos direitos sociais.
o segundo argumento diz respeito à própria compreensão sobre o signi-
ficado da democracia. esta não é a sede própria para adentrar-se nas comple-
xas e infindáveis discussões a propósito deste conceito. sem embargo, pode-se
afirmar que hoje existe um razoável consenso no sentido de que a democracia
verdadeira exige mais do que eleições livres, com sufrágio universal e possibi-
lidade de alternância no poder.20 É difundida a crença de que a democracia
pressupõe também a fruição de direitos básicos por todos os cidadãos, de
molde a permitir que cada um forme livremente as suas opiniões e participe
dos diálogos políticos travados na esfera pública. nesta lista de direitos a serem
assegurados para a viabilização da democracia não devem figurar apenas os
direitos individuais clássicos, como liberdade de expressão e direito de asso-
ciação, mas também direitos às condições materiais básicas de vida, que possi-
bilitem o efetivo exercício da cidadania.21 a ausência destas condições, bem
como a presença de um índice intolerável de desigualdade social, comprome-
tem a condição de agentes morais independentes dos cidadãos, e ainda pre-

19 em obra recentemente publicada, consta o resultado de pesquisa realizada com pessoas de todas
as regiões do país e classes sociais, na qual se apurou um índice de confiança de apenas 14% da
população no Congresso nacional e de 6% nos partidos políticos. segundo a pesquisa, estas são
as instituições em que o brasileiro menos confia (alberto Carlos almeida. a Cabeça do Brasileiro.
rio de Janeiro: editora record, 2007, p. 189).
20 em sentido contrário, sustentando uma visão mais restritiva de democracia, como mera compe-
tição das elites pelo voto dos eleitores, veja-se Joseph a. schumpeter. Capitalism, socialism and
Democracy. London: unwin university Books, 1943, p. 260-263.
21 Cf. Jürgen Habermas. Direito e Democracia entre Faticidade e validade. vol.i. trad. Flávio
siebeneichler. rio de Janeiro: tempo Brasileiro, 1997, p. 160; amy Guttman & Dennis
thompson. Democracy and Disagreement. Cambridge: the Belknapp Press, 1996, p. 200 ss;
Cláudio Pereira de souza neto. teoria Constitucional da Democracia Deliberativa. rio de
Janeiro: renovar, p. 235 ss.
judicam a possibilidade de que se vejam como parceiros livres e iguais na
empreitada comum de construção da vontade política da sociedade. Portanto,
quando o Poder Judiciário garante estes direitos fundamentais contra os des-
casos ou arbitrariedades das maiorias políticas ou dos tecnocratas de plantão,
pode-se dizer que ele está, a rigor, protegendo os pressupostos para o funcio-
namento da democracia, e não atuando contra ela.22
Já o terceiro argumento relaciona-se à natureza normativa da Cons-
tituição. ele preconiza que o dever do Poder Judiciário de aplicar as normas
jurídicas vigentes em situações de litígio, mesmo quando isto implique con-
trolar o exercício do poder estatal, não é incompatível com a democracia, mas
antes um elemento dela. ora, sendo a Constituição uma autêntica norma
jurídica, a consagração constitucional dos direitos sociais deveria afastar a
objeção contra o suposto caráter antidemocrático da adjudicação judicial des-
tes direitos, pois aqui o Judiciário desempenha a sua típica função de aplicar
o direito existente sobre situações litigiosas.23
Contudo, tais argumentos não devem nos levar ao ponto de negligenciar
os riscos para a democracia representados por um ativismo judicial excessivo
em matéria de direitos sociais, que transforme o Poder Judiciário na principal
agência de decisão sobre as políticas públicas e escolhas alocativas realizadas
nesta seara. todos eles comportam temperamentos, que nos conduzem a pre-
ferir um regime que se, por um lado, não nega ao Poder Judiciário um papel
relevante na proteção dos direitos sociais, por outro, também não o converte
à condição de protagonista neste campo.
Com efeito, não é um bom lenitivo para a crise – real e grave – das insti-
tuições da democracia representativa, a transferência de poder para uma instân-

22 Cf. Cláudio Pereira de souza neto. op. cit., p. 242 ss; sérgio Fernando moro. Jurisdição
Constitucional como Democracia. são Paulo: rt, 2004, p. 273 ss; e Gustavo Bienebojm. “os direi -
tos econômicos, sociais e culturais e o processo democrático”. in: maria elena rodriguez (org.).
os Direitos sociais: uma questão de direito. rio de Janeiro: Fase, 2004, p. 13-18.
23 Cf. Fernando Facury scaff. “reserva do possível, mínimo existencial e direitos humanos”. in:
Jacinto nelson de miranda Coutinho e martonio mont’alverne Barreto Lima (orgs). Diálogos
Constitucionais: Direito, neoliberalismo e Desenvolvimento em Países Periféricos. rio de
Janeiro: renovar, 2006, p. 160-161. em passagem do seu texto em que procura justificar uma
atuação enérgica do Judiciário brasileiro em matéria de direitos sociais, o autor averbou: “outro
aspecto a ser destacado é que este procedimento nada tem a ver com o candente debate hoje exis -
tente no Brasil, acerca da judicialização da política, através da qual se alega estar o Judiciário pra -
ticando uma espécie de ativismo em prol dos mais necessitados. no Brasil o que se pede é apenas
a aplicação da lei, em consonância com a Constituição. existem países em que da sua Constituição
é necessário extrair as diretrizes normativas oriundas de lacônicos princípios por um delicado,
custosos e árduo processo exegético. não é o caso brasileiro. o caráter analítico da nossa Carta,
permite que apenas com sua implementação seja possível alcançar um grau maior de Justiça
social, sem que os juízes sejam acusados de fazer ativismo judicial.”
cia não-responsiva perante a vontade popular, como o Judiciário. as crônicas
patologias do processo político brasileiro justificam correções de rumo na nossa
incipiente democracia, mas entre elas não está o esvaziamento das instâncias de
representação democrática. não se trata da doença matando o doente.
na verdade, o mais eficiente remédio para a correção dos desvios da
democracia brasileira – mais importante até do que uma necessária reforma do
sistema político – é o maior envolvimento do próprio cidadão na esfera públi-
ca. ocorre que a disseminação de uma cultura que centre o seu foco no papel
do Judiciário como o “guardião das promessas” da civilização e aponte a Justiça
como o principal foro para as reivindicações da cidadania pode contribuir para
o desaquecimento da atuação participativa da sociedade civil.24 este não é um
efeito necessário do ativismo judicial, e houve contextos, como o da luta con-
tra a segregação racial nos estados unidos nas décadas de 50 e 60,25 em que a
mobilização da sociedade civil e a atuação corajosa do Judiciário atuaram em
sinergia. Contudo, trata-se de um risco que não pode ser menosprezado.
ademais, se é certo que a convivência democrática pressupõe algum grau
de atendimento pelo estado das necessidades materiais básicas dos seus cida-
dãos, também é verdade que nem a exata extensão desta intervenção estatal,
nem a sua forma precisa podem ser definidas a priori, a partir de qualquer con-
ceito de democracia. Pelo contrário, a democracia também demanda um
amplo espaço de decisão política para as maiorias de cada momento,26 sobre-
tudo em tema tão complexo e permeado por pré-compreensões ideológicas
como o das prestações sociais. este espaço, no constitucionalismo social e
democrático em que se insere o Brasil, está longe de ser infinito, eis que emol-
durado pela Constituição.27 Porém, ele existe e não deve ser amputado pelo
ativismo judicial.

24 Cf. antoine Garapon. Lê Gardien des Promesses. Paris: editions odile Jacob, 1996. uma posição
moderada nesta matéria, próxima à sustentada no presente texto, pode ser encontrada em
rodrigo uprimmy. “Legitimidad y conveniencia del control constitucional de la economia”. in:
ingo sarlet (org.). Jursdição e Direitos Fundamentais. vol. i, tomo ii. Porto alegre: Livraria do
advogado, 2006, p. 307-343.
25 veja-se, a propósito, archibald Cox. the Court and the Constitution. Boston; Houghton mifflin
Company, 1987, p. 177 ss; e Charles r. epp. the rights revolution. Chicago: univesity of
Chicago Press, 1998, p. 26-70.
26 Cf. Paulo Gilberto Cogo Leivas. teoria dos Direitos Fundamentais sociais. Porto alegre: Livraria
do advogado, 2067, p. 101-103.
27 De acordo com robert alexy, a Constituição opera como uma moldura para o legislador, deixan-
do-lhe espaços de ação de duas espécies diferentes, que ele denominou, respectivamente, como
“margem de ação estrutural” e “margem de ação epistêmica”. a margem de ação estrutural cor-
responde, segundo ele, àquelas hipóteses em que a Constituição não impõe nem proíbe determi -
nada medida, deixando-a ao juízo do legislador. Já a margem de ação epistêmica manifesta-se
na verdade, reproduz-se neste campo o fertil paradoxo que percorre
todo o constitucionalismo contemporâneo, implicado no convívio, ao mesmo
tempo sinérgico e tenso, entre democracia e direitos fundamentais.28 Por um
lado, a constitucionalização dos direitos impõe barreiras à decisão das maio-
rias, limitando a democracia; por outro, ela busca assegurar e promover os
pressupostos para as interações democráticas na sociedade, possibilitando a
própria democracia. o sucesso da receita passa pela dosagem dos ingredientes:
devem-se evitar tanto as limitações em excesso, que amesquinham o espaço de
deliberação democrática da sociedade, como a falta de limites, que desprotege
direitos básicos, pondo em risco a continuidade da empreitada democrática.29
noutro giro, o reconhecimento da força normativa da Constituição –
importantíssima conquista do constitucionalismo brasileiro contemporâneo30
– e do papel do Judiciário na efetivação da Lei maior não elimina do nosso
cenário a referida tensão democrática. e nem me refiro à delicada questão
relativa à legitimidade democrática da vinculação das gerações atuais às deli-
berações adotadas no passado, pela geração que participou da assembleia

quando há incerteza sobre o que está ordenado ou proibido ao legislador pela Constituição, sendo
que esta incerteza pode relacionar-se a premissas empíricas ou normativas. Contudo, a margem de
ação epistêmica não implica, para o Prefessor de Kiel, uma liberdade plena para o legislador.
segundo a teoria de alexy, ela funciona como mais um elemento a ser considerado pelo Judiciário,
ao aferir, através da ponderação de interesses, a constitucionalidade da norma editada em casos de
restrição de direitos fundamentais. veja-se robert alexy. “epílogo a la teoria de los derechos fun-
damentales”. in: revista española de Derecho Constitucional, nº 66, madrid, 2002, p. 13-64.
28 a literatura na Filosofia Política e na teoria Constitucional sobre a relação entre constituciona-
lismo e democracia é riquíssima. no debate contemporâneo, veja-se, dentre outros, Jürgen
Habermas. “o estado Democrático de Direito – uma amarração paradoxal de princípios contra -
ditórios?”. in: era das transições. trad. Flávio Beno siebeneichler. rio de Janeiro: tempo
Brasileiro, 2003, p. 153-173; ronald Dworkin. “the moral reading and the majoritarian
Premise”. in: Freedom’s Law. Cambridge: Harvard university Press, 1966, p. 02-38; John rawls.
Liberalismo Político. trad. sergio rena madero Báez. méxico: Fondo de Cultura econômica,
1995, p. 204-206; Carlos santiago nino. La Constitución de la Democracia Deliberativa.
Barcelona: Gedisa, 1996; oscar vilhena vieira. a Constituição e sua reserva de Justiça. são
Paulo: malheiros, 1999; e Cláudio Pereira de souza neto. teoria Constitucional e Democracia
Deliberativa. op.cit.
29 Cf. Daniel sarmento. “ubiqüidade Constitucional: os dois lados da moeda”. in: Livres e iguais:
estudos de Direito Constitucional. rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 167-206.
30 no Brasil, até não muito tempo atrás, não se levava a sério a ideia de que a Constituição era ver -
dadeira norma jurídica. tal fato devia-se menos a aspectos formais do nosso Direito
Constitucional – afinal, a rigidez constitucional e o controle de constitucionalidade das leis são
institutos tradicionais no país – e mais a aspectos da nossa cultura jurídica e social, aliados a um
ambiente político desfavorável – autoritário em alguns momentos, e patrimonialista em todos. a
“virada” só veio a ocorrer após a Constituição de 88, num ambiente político mais democrático, e
sob a inspiração da doutrina constitucional da efetividade, bem simbolizada pela obra de Luis
roberto Barroso. o Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. 4ª ed. rio de Janeiro:
renovar, 2000.
Constituinte. Penso aqui no caráter vago e aberto da maior parte das normas
que consagram direitos sociais, que não definem aquilo que o cidadão pode
exigir em juízo a partir delas.
até não muito tempo atrás, mesmo a doutrina nacional mais progressis-
ta via nesta indeterminação semântica um obstáculo insuperável para a tutela
judicial dos direitos sociais – ou pelo menos da maior parte deles.31 Hoje, tal
posicionamento já parece ter sido superado, com base em considerações mais
substantivas a respeito da importância dos direitos em jogo. tem-se atribuído,
com razão, maior peso a considerações sobre a relevância dos bens e interes-
ses envolvidos nestas questões, tornando o debate jurídico mais permeável à
discussão moral.32
todavia, parece indiscutível que ao empregar textos normativos vagos –
como os que garantem o direito à saúde ou à moradia –, para tutelar pretensões
concretas, o juiz não se limita a agir como a “boca fria” das palavras do consti-
tuinte. a sua atividade não é meramente cognitiva, possuindo também uma
evidente dimensão criadora do Direito. É certo que esta não é uma singulari-
dade da atuação judicial nas ações em que se discutem direitos sociais. a textu-
ra aberta da linguagem humana está presente em todo o Direito.33 Contudo,
pode-se dizer que esta faceta se revela especialmente marcante nas demandas
envolvendo os direitos sociais, pois estes são positivados, em geral, de maneira
muito vaga, sem a previsão das prestações específicas que os concretizam.
ademais, a garantia dos direitos sociais não se esgota numa tarefa mera-
mente jurídica: no geral, ela envolve um emaranhado de ações estatais, que com-
preende a formulação de políticas públicas, a criação de procedimentos, o dispên-
dio de recursos, dentre outras atividades,34 que não se amoldam perfeitamente à
função tradicional do Judiciário. Daí, inclusive, a recusa, de parte significativa da
doutrina, de conceber os direitos sociais como típicos direitos subjetivos.35

31 neste sentido, por exemplo, José afonso da silva, esvaziou a força jurídica do direito à saúde, ao
conceber o art. 196 da Carta de 88 como norma programática, em razão da vagueza do seu enun -
ciado (aplicabilidade das normas Constitucionais. 3ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 83-84).
32 nesta linha, sustentando que a definição dos efeitos das normas constitucionais deve depender
não só das suas características formais, como também de considerações substantivas, veja-se
Cláudio Pereira de souza neto. “Fundamentação e normatividade dos Direitos Fundamentais:
uma reconstrução teórica à Luz do Princípio Democrático”. in: Luís roberto Barroso (org.). a
nova interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e relações Privadas. rio
de Janeiro: renovar, 2003, p. 285-325.
33 na teoria jurídica contemporânea a obra canônica sobre esta questão é Herbert Hart. the
Concept of Law. oxford: oxford university Press, 1961.
34 Cf. Luis Prieto sanchís. “Los derechos sociales y el principio de la igualdad sustancial”. in: Ley,
Princípios, Derechos. madrid: Dykinson, 1998, p. 107.
35 Cf. José reinaldo de Lima Lopes. “Direito subjetivo e Direitos sociais”. in: José eduardo Faria
(org.). Direitos Humanos, Direitos sociais e Justiça. são Paulo: malheiros, 1994.
Por tais razões, me parece uma simplificação exagerada a afirmação de
que, ao adjudicar demandas relacionadas aos direitos sociais, o Poder
Judiciário não interfere na democracia, pois se limita a aplicar normas jurídi-
cas vigentes.
em síntese, entendo que a democracia não impede a intervenção judicial
voltada à afirmação dos direitos sociais, mas antes a exige, sobretudo em con-
textos de grave exclusão social como o brasileiro. Porém, o princípio democrá-
tico demanda que se reconheça um vasto espaço de liberdade de conformação
do legislador nesta seara,36 revelando-se incompatível com compreensões que
depositem no Poder Judiciário todos os poderes, responsabilidades e expectati-
vas correlacionadas à construção de uma ordem social mais justa.37

3. os Direitos sociais como Direitos subjetivos “Prima Facie”

em outros ordenamentos jurídicos em que os direitos sociais não foram


consagrados constitucionalmente, ou não se lhes reconhece plena justiciabili-
dade, a doutrina e jurisprudência recorreram a estratégias indiretas para pro-
porcionar alguma proteção judicial a eles, socorrendo-se sobretudo de argu-
mentação jurídica focada nos direitos individuais.38 assim, por exemplo, o
princípio da igualdade já foi mobilizado com sucesso na jurisprudência do
Canadá39 e de israel,40 o direito à vida tem dado amparo a uma ampla prote-
ção social na Índia,41 e, até nos estados unidos – país em que é grande a resis-
tência contra os direitos sociais – já houve um ensaio de tutelá-los através da

36 Cf. Cristina Queiroz. Direitos Fundamentais sociais. Coimbra: Coimbra editora, 2006, p. 98
37 em linha semelhante, Christian Courtis e victor abramovich, segundo os quais “la judicatura no
es el poder estatal llamado a desempeñar atribuiciones centrales para adoptar decisiones comple -
jas em matéria de politicas sociales. De allí que se reconozca a los poderes políticos del estado um
amplio margen de actuación el diseño e ejecución de esas políticas” (op. cit., p. 248-249).
38 Cf. Christian Courtis e victor abramovich. op. cit., p. 168-220.
39 no caso eldridge v. British Columbia, julgado pela suprema Corte do Canadá em 1997, reconhe-
ceu-se a violação do direito à igualdade de três pessoas surdas no acesso à saúde, em razão do fato
de o serviço hospitalar prestado na província de Columbia Britânica não contar com intérpretes
na língua dos sinais, o que dificultava o seu contato com os médicos (151 D.L.r. (4th) 577, 616
(1997)) todavia, de acordo com ran Hirshl, tratou-se de uma exceção no cenário da jurisprudên-
cia constitucional canadense, que não reconhece, em geral, possibilidade de proteção de direi-
tos sociais (towards Juristocracy. Cambridge: Harvard university Press, 2004, p. 128-130).
40 no caso abu-apash et al. v. ministry of Health, decidido em 2000, a suprema Corte de israel
condenou aquele estado a construir seis clínicas de atendimento materno-infantil em comunida-
de árabe na qual tal serviço de saúde não era antes prestado, diante da demonstração, realizada a
partir de dados estatísticos, de que os colonos judeus que habitavam região vizinha estavam rece-
bendo atendimento muito superior na questão (cf. ran Hirshl. op. cit., p. 138).
41 vide nota 16.
cláusula do devido processo legal.42 no Brasil, direitos individuais e outros
princípios constitucionais podem operar – e frequentemente operam – como
reforços argumentativos na tutela dos direitos sociais. todavia, tal artifício
não é condição sine qua nom para a sua proteção judicial, em razão do reco-
nhecimento praticamente consensual no país, de que tais direitos possuem
força normativa própria. nada obsta, contudo, que os argumentos relaciona-
dos aos direitos individuais sejam empregados para reforçar a tutela dos direi-
tos sociais – como tem ocorrido com frequência nas ações envolvendo presta-
ções de saúde, através da invocação do direito à vida.
mas, assentada a ideia de que os direitos sociais não são meras proclama-
ções políticas ou exortações desprovidas de força vinculante dirigidas ao legis-
lador, cabe examinar qual é a sua estrutura, já que esta tem reflexos importan-
tes na forma como pode ser realizada a sua proteção judicial.
em primeiro lugar, deve ser afastada a visão brasileira tradicional, que
via nestes direitos normas de caráter programático. É certo que as normas pro-
gramáticas não são meros conselhos aos poderes públicos, produzindo efeitos
jurídicos significativos.43 Porém, de acordo com o conhecimento convencio-
nal, não figura dentre estes efeitos a possibilidade de exigência de prestações
positivas, e é exatamente isto o que mais interessa em matéria de direitos
sociais. Conceber os direitos sociais como normas programáticas implica
deixá-los praticamente desprotegidos diante das omissões estatais, o que não
se compatibiliza nem com o texto constitucional, que consagrou a aplicabili-
dade imediata de todos os direitos fundamentais (art. 5º, Parágrafo 1º), nem
com a importância destes direitos para a vida das pessoas.
Por outro lado, também não é correta a tese que prevaleceu na África do
sul, e que, no Brasil, foi defendida por Fábio Konder Comparato,45 de que
44
os direitos sociais não contariam com uma dimensão subjetiva, não ensejando
a exigibilidade de quaisquer prestações positivas pelos seus titulares, mas tão-

42 esta tendência ocorreu em período de grande ativismo progressista da suprema Corte, no fim dos
anos 60 e início da década seguinte, tendo sofrido depois uma completa reversão. sobre o tema,
veja-se Cass sunstein. the second Bill of rights. new York: Basic Books, 2004, p. 149-171; e
Frank michelman. “on Protecting the Poor through the 14th. amendment”. in: Harvard Law
review, 83, 1969, p. 7-59.
43 sobre estes efeitos, veja-se, por todos, Luís roberto Barroso. o Direito Constitucional e a
efetividade das suas normas. op. cit., p. 116-120.
44 sobre a proteção dos direitos sociais na África do sul, veja-se Cass sunstein. the second Bill of
rights. new York: Basic Books, 2004, p. 209-229; e mark tushnet. weak Courts, srong rights ...
op. cit., p. 242-247.
45 Cf. Fábio Konder Comparato. “o ministério Público na Defesa dos Direitos econômicos, sociais
e Culturais. in: eros roberto Grau e sérgio sérvulo Cunha. estudos de Direito Constitucional em
Homenagem a José afonso da silva. são Paulo: malheiros, 2003, p. 244-260.
somente um controle judicial voltado ao exame da razoabilidade das políticas
públicas implementadas para realizá-los. É verdade que esta tese vai muito
além da teoria das normas programáticas, uma vez que viabiliza a realização
de algum controle sobre o desempenho do estado na concretização dos direi-
tos sociais. Contudo, ela é ainda insuficiente, por não proporcionar aos titula-
res destes direitos uma proteção adequada. ademais, do ponto de vista dogmá-
tico, se os direitos sociais são autênticos direitos fundamentais, eles possuem
titulares e radicam na pessoa humana. Daí porque, me parece incorreta a posi-
ção que lhes nega dimensão subjetiva.
tampouco considero viável conceber os direitos sociais – ou pelo menos
a maior parte deles46 – como direitos subjetivos definitivos. esta possibilidade
deve ser afastada diante do reconhecimento da escassez de recursos e da exis-
tência de diferentes formas de realização dos direitos sociais, bem como da
primazia do legislador para adoção das decisões competentes sobre o que deve
ser priorizado e sobre como deve ser concretizado cada direito. tal primazia
decorre tanto do princípio democrático como da separação de poderes.
Portanto, não basta, por exemplo, que alguém precise de moradia ou de qual-
quer tratamento de saúde para que se conclua, num singelo silogismo, sobre a
existência de um dever incondicional do estado, judicialmente exigível, de
proporcioná-los.
resta o modelo dos direitos subjetivos garantidos prima facie. este
modelo é defendido por robert alexy,47 martin Borowsky,48 ingo wolfgang
sarlet,49 Carlos Bernal Pulido,50 miguel Carbonell51 e Paulo Gilberto Cogo
Leivas,52 dentre outros autores. De acordo com ele, os direitos sociais são
direitos subjetivos, que, contudo, possuem natureza principiológica, sujeitan-

46 Penso que é possível conceber algumas prestações da Previdência social, bem como o direito de
acesso ao ensino fundamental como direitos subjetivos definitivos, já que previstos no texto cons-
titucional através de regras e não de princípios.
47 robert alexy. “Derechos sociales Fundamentales”. in: miguel Carbonell, Juan antonio Parcero
y rodolfo vázques. Derechos sociales y Derechos de las minorías. méxico: editorial Porrúa,
2004, p. 69-88.
48 martin Borowsky. La estructura de los Derechos Fundamentaless. trad. Carlos Bernal Pulido.
Bogotá: universidad externado de Colombia, 2003, p. 148-186.
49 op. cit., p. 87-122.
50 Carlos Bernal Pulido. “Fundamento, Concepto y estructura de los Derechos sociales”. in: el
Derecho de los derechos. Bogotá: universidad externado de Colombia, 2006, p. 287-330.
51 miguel Carbonell. Los Derechos Fundamentales en méxico. 2ª ed. méxico: editorial Porrúa,
2005, p. 827-828.
52 ingo wolfgang sarlet. “os Direitos Fundamentais sociais na Constituição de 88”. in: ingo
wolgang sarlet: o Direito Público em tempos de Crise: estudos em Homenagem a ruy ruben
ruschel. Porto alegre: Livraria do advogado, 1999, p. 129-173.
do-se a um processo de ponderação no caso concreto, anterior ao seu reconhe-
cimento definitivo. nesta ponderação, comparece, de um lado, o direito social
em jogo, e, do outro, princípios como os da democracia e da separação de
poderes, além de eventuais direitos de terceiros que seriam afetados pela
garantia do direito contraposto. a possibilidade da tutela judicial, bem como
o seu conteúdo, dependerão do resultado da ponderação, que, como sói acon-
tecer, deve ser pautado pelo princípio da proporcionalidade. esta solução é
profundamente comprometida com a efetivação dos direitos sociais, mas leva
em consideração todas as dificuldades fáticas e jurídicas envolvidas neste pro-
cesso, bem como a existência de uma ampla margem de liberdade para os
poderes políticos neste campo, decorrente não só da sua legitimidade demo-
crática, como também da sua maior capacidade funcional.
É verdade que no modelo de ponderação proposto por alexy, o que figu-
ra em um dos lados da balança não é o próprio direito social vindicado, mas a
liberdade material que este assegura. Provavelmente, este modelo foi concebi-
do desta forma em razão do fato de a Constituição alemã não consagrar direi-
tos sociais em seu texto. Daí o recurso a um meio indireto para exigibilidade
destes direitos, que permitisse a superação da omissão do constituinte germâ-
nico. Contudo, no ordenamento constitucional brasileiro, os direitos sociais
foram expressamente positivados e são considerados plenamente justiciáveis.
ademais, a liberdade material não é a única razão que justifica a proteção dos
direitos sociais. esta pode ser fundamentada também em outros objetivos,
como atendimento das necessidades humanas básicas, a viabilização da demo-
cracia etc. Por isso, entendo que a ponderação não deve ser feita com a liber-
dade material, como sustenta alexy, mas com o próprio direito social em jogo.
Finalmente, cumpre fazer um adendo: o reconhecimento da dimensão
subjetiva dos direitos sociais não exclui a presença da sua dimensão objetiva.53
em razão desta última, é possível detectar, por exemplo, a força irradiante dos
direitos sociais, que os torna diretrizes importantes para interpretação de
outras normas e atos jurídicos; o dever do estado de proteger perante tercei-
ros os bens e valores subjacentes a tais direitos; e a obrigação estatal de insti-
tuir organizações e procedimentos aptos à realização dos mesmos direitos. no

53 a ideia de dimensão objetiva dos direitos fundamentais parte da premissa de que estes não se
limitam à função de direitos subjetivos. a partir do reconhecimento de que os direitos funda -
mentais protegem os valores mais relevantes da coletividade, são construídas funções adicionais
para eles, ligadas à proteção e promoção destes valores na ordem jurídica e social. veja-se, sobre
esta questão, Daniel sarmento. “a Dimensão objetiva dos Direitos Fundamentais: Fragmentos de
uma teoria”. in: José adércio Leite sampaio. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais.
Brlo Horizonte: Del rey, 2003, p. 251-314.:
presente texto, porém, o nosso foco é centrado na dimensão subjetiva dos
direito sociais.
mas falar em ponderação é pouco. a ponderação, desacompanhada de
standards que a estruturem e limitem, pode transformar-se numa “caixa
preta”, de onde o intérprete consegue sacar quase qualquer solução, conver-
tendo-se num rótulo pomposo para o mais deslavado decisionismo.54 Por isso,
o restante deste trabalho se voltará para a tentativa de formulação de alguns
destes standards.

4. reserva do Possível Fática, igualdade e universalização

Como já salientado, os direitos sociais têm custos, o que, num quadro de


escassez de recursos, impõe limites para a sua efetivação. este fato já foi invo-
cado para recusar-se a sindicabilidade de tais direitos, mas tal posição, ao
menos na dogmática e jurisprudência brasileiras, encontra-se atualmente
superada. Hoje, no entanto, é comum afirmar-se que os direitos sociais vigo-
ram sob a “reserva do possível”. todavia, embora esta expressão seja usada
com grande frequência, não existe consenso sobre o seu real significado.
tentarei, nas próximas linhas, definir um sentido para ela, que possa ser fun-
damentado moral e juridicamente, e que sirva de parâmetro para a adjudica-
ção de direitos prestacionais.
a expressão “reserva do possível” foi difundida por uma célebre decisão
da Corte Constitucional alemã55 proferida em 1972, e conhecida como o caso
numerus Clausus, que versou sobre a validade da limitação do número de
vagas em universidades públicas, tendo em vista a pretensão de ingresso de
um número maior de candidatos. na alemanha, não está constitucionalmen-
te consagrado o direito fundamental à educação, mas o tribunal
Constitucional entendeu que a liberdade de escolha profissional exigia, em
alguma medida, o direito de acesso ao ensino universitário. Contudo, frisou
que este direito “se encontra sob a reserva do possível, no sentido de estabele-

54 o debate sobre a legitimidade e os limites da ponderação de interesses realizada pelo Poder


Judiciário é complexo e conta com extensa bibliografia. Ótimas sínteses sobre os debates envol -
vidos nesta questão podem ser encontradas em ana Paula de Barcellos. Ponderação,
racionalidade e atividade Jurisdicional. rio de janeiro: renovar, 2005; e em Jane reis Gonçalves
Pereira. interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais. rio de Janeiro: renovar, 2006, p.
215-296.
55 BverfGe 33, 303 (1972). os trechos mais importantes da decisão estão reproduzidos, em língua
portuguesa, em Jürgen schwabe. Cinqüenta anos de Jurisprudência do tribunal Constitucional
Federal alemão. trad. Beatriz Hennig et al. Konrad adenauer stiftung: Berlim, 2005, p. 656-667.
cer o que pode o indivíduo razoavelmente exigir da sociedade”. Para a Corte,
esta avaliação sobre a reserva do possível deveria ser feita, “em primeira linha,
pelo legislador”, que “deve atender, na administração do seu orçamento, tam-
bém a outros interesses da coletividade, considerando ... as exigências de har-
monização econômica geral.”
Pode-se desdobrar a ideia de reserva do possível em dois componentes:
um fático e outro jurídico.56 o componente fático diz respeito à efetiva dispo-
nibilidade dos recursos econômicos necessários à satisfação do direito presta-
cional, enquanto o componente jurídico relaciona-se à existência de autoriza-
ção orçamentária para o estado incorrer nos respectivos custos.57
na jurisdição constitucional brasileira, o conceito foi ventilado em obter
dictum lançado em decisão monocrática do ministro Celso mello, que extin-
guiu, por perda do objeto, a aDPF nº 45, na qual se questionava o veto presi-
dencial a dispositivo de Lei de Diretrizes orçamentárias referente ao ano de
2004, que visava assegurar recursos mínimos à área da saúde, em cumprimen-
to à emenda Constitucional nº 29/2000. nas palavras do ministro, “os condi-
cionamentos impostos pela cláusula da ‘reserva do possível’, ao processo de
concretização dos direitos de segunda geração – de implantação sempre one-
rosa – traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado (1) a razoa-
bilidade de pretensão individual-social deduzida em face do Poder Público, e,
de outro (2) a existência de disponibilidade financeira do estado para tornar
efetivas as prestações positivas dele reclamadas”. Porém, nesta mesma deci-
são o ministro Celso mello consignou que “a cláusula da reserva do possível
– ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode
ser invocada, pelo estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento
de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta
governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquila-
ção de direitos constitucionais impregnados de um sentido essencial de fun-
damentalidade”.58

56 Cf. no mesmo sentido, ingo wolfgang sarlet. a eficácia dos Direitos Fundamentais. op. cit., p.
288-289.
57 Para José Joaquim Gomes Canotilho, a reserva do possível significa que a realização dos direitos
sociais se caracteriza “(1) pela gradualidade da sua realização; (2) pela dependência financeira rela -
tivamente ao orçamento do estado; (3) pela tendencial liberdade de conformação do legislador
quanto às políticas de realização deste direito; (4) pela insuscetibilidade de controlo jurisdicional
dos programas político-legislativos a não ser quando se manifestam em clara contradição com as
normas constitucionais ou transportem dimensões manifestamente desrazoáveis” (“metodologia
Fuzzy e “camaleões normativos” na problemática atual dos direitos sociais, econômicos e cultu -
rais”. in: estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra editora, 2004, p. 108).
58 DJu de 04/05/2004.
sem embargo, há na doutrina quem questione a possibilidade de trans-
posição do conceito de reserva do possível para o Direito Constitucional bra-
sileiro. andreas J. Krell, por exemplo, numa obra importante sobre o contro-
le judicial dos direitos sociais,59 apontou a recepção desta teoria no Brasil
como o “fruto de um Direito Constitucional Comparado equivocado”.60 na
sua opinião, em países pobres como o Brasil, em que muitas necessidades
humanas básicas não são minimamente atendidas, não seria possível empregar
a ideia de reserva do possível, criada no 1º mundo, sob pena de completo
esvaziamento dos direitos sociais.
Contudo, me parece que o argumento é contraditório, já que a maior carên-
cia econômica, presente em países do terceiro mundo, torna ainda mais eviden-
te a impossibilidade de realização ótima e concomitante de todos os direitos
sociais. Por isso, o índice maior de pobreza não afasta a incidência da reserva do
possível, mas antes acentua a sua importância. não obstante, concordo com o
Prof. Krell quando ele afirma que tanto o maior grau de miserabilidade da popu-
lação brasileira, como a forma explícita de positivação dos direitos sociais no
nosso texto constitucional – muito diferente, por exemplo, da Constituição
alemã, que não os consagrou expressamente –, são incompatíveis com a tese da
insindicabilidade de tais direitos. Como Krell, não tenho dúvidas sobre a legiti-
midade e necessidade de intervenção judicial nesta seara. sem embargo, diferen-
temente dele, entendo que isto não afasta a incidência da reserva do possível,
compreendida – frise-se bem – não como bloqueio à tutela jurisdicional dos
direitos sociais, mas como um critério importante para a sua parametrização.
resta, então, traçar um conceito constitucionalmente correto de reserva
do possível, o que tentarei fazer iniciando pelo seu componente fático. uma
possibilidade extrema, que deve ser desde já descartada, seria associar a reser-
va do possível fática à absoluta exaustão dos recursos públicos. De acordo com
esta exegese, uma postulação em juízo compreendida no âmbito de proteção
de direito social somente poderia ser denegada se ficasse evidenciada a com-
pleta falta de recursos do estado para satisfazê-la.61 esta compreensão me

59 Direitos sociais e Controle Judicial no Brasil e na alemanha: os (des)caminhos de um Direito


Constitucional “Comparado”. Porto alegre: sergio antonio Fabris, 2002.
60 op. cit., p. 51.
61 emerson Garcia parece adotar esta posição, quando, ao tratar da reserva do possível como obstá-
culo à efetivação dos direitos sociais, definiu-a como “inexistência dos próprios recursos necessá -
rios à satisfação dos direitos”, consignando que, “no caso de total insuficiência de recursos, o que
deverá ser demonstrado e não simplesmente alegado, pouco espaço restará para que o Poder
Público seja compelido a cumprir o seu dever jurídico” (“o Direito à educação e suas Perspectivas
de efetividade”. in: emerson Garcia (org.). a efetividade dos Direitos sociais. rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004, p. 190).
parece incorreta, pois ignora a necessidade do Poder Público de atender a uma
infinidade de outras demandas onerosas – muitas delas igualmente alicerçadas
na Constituição. ela permitiria que, em nome da proteção do direito de uma
pessoa, todos os direitos e interesses legítimos das demais que necessitassem
de recursos públicos fossem completamente sacrificados.
outra interpretação seria a de conceber a reserva do possível como uma
avaliação focada na tolerabilidade do impacto econômico da pretensão indivi-
dual do titular do direito fundamental sobre o universo de recursos públicos
existentes. esta exegese não gera efeitos tão radicais como a primeira, na
medida em que preserva a possibilidade de denegação de uma prestação sem-
pre que os seus custos acarretem um impacto muito elevado sobre as contas
públicas e possam comprometer gravemente a satisfação de outros direitos
fundamentais ou necessidades sociais de igual relevância. Porém, entendo que
esta posição também não é correta, falhando por não “levar a sério” a igualda-
de entre as pessoas.
explico-me: a interpretação exposta no parágrafo anterior toma por base
o custo representado apenas pela prestação concedida ao autor da ação. neste
quadro, por mais custosa que seja esta prestação, dificilmente ela será muito
significativa quando cotejada com a magnitude dos recursos e orçamentos das
entidades federativas. assim, se o parâmetro for este, praticamente toda pre-
tensão formulada em ações individuais será acolhida, ainda quando seja eco-
nomicamente impossível para o estado estender o mesmo benefício a todas as
pessoas em idêntica situação.62 ocorre que o estado não deve conceder a um
indivíduo aquilo que ele não tiver condições de dar a todos os que se encon-
trarem na mesma posição. esta é uma exigência fundamental imposta pelo
princípio da igualdade, que não pode ser postergada.63
Por isso, entendo que a reserva do possível fática deve ser concebida
como a razoabilidade da universalização da prestação exigida, considerando os
recursos efetivamente existentes. Por este critério, se, por exemplo, um por-
tador de determinada doença grave postular a condenação do estado a custear
o seu tratamento no exterior, onde, pelo maior desenvolvimento tecnológico,
a sua patologia tiver maiores chances de cura, o juiz não deve indagar se o

62 exemplo deste raciocínio pode ser acolhido na argumentação do ministro edson vidigarl, à época
Presidente do stJ, na análise do pedido de suspensão de segurança nº 1.408/sP, ocorrido em
08/09/2004: “...não há como concluir que o fornecimento do medicamento a uma única pacien-
te possa causar lesão de conseqüências significativas e desastrosas à economia do estado de são
Paulo. Destaco, ainda, que o efeito multiplicador alegado como justificativa ao pedido de suspen-
são é meramente hipotético, não tendo a postulante trazido qualquer indício de que, animadas
pela decisão recorrida, tenham sido ajuizadas outras ações com igual pretensão”.
63 no mesmo sentido, Gustavo amaral. op. cit., p. 39.
custo decorrente daquela específica condenação judicial é ou não suportável
para o erário. a pergunta correta a ser feita é sobre a razoabilidade ou não da
decisão do Poder Público de não proporcionar este tratamento fora do país,
para todos aqueles que se encontrem em situação similar à do autor. trata-se,
em suma, de avaliar a legitimidade constitucional de uma omissão em matéria
de política pública, o que demanda um olhar focado não só na árvore, mas em
toda a floresta.
não quero com isso dizer que as decisões judiciais em matéria de direi-
tos sociais não devem avaliar as singularidades de cada caso, contentando-se
com generalizações. Pelo contrário, a análise pormenorizada do caso sub judi -
ce é uma obrigação incontornável do juiz, que não deve e não pode tratar as
pessoas como se fossem meros números, abstraindo de suas necessidades e de
seus sofrimentos. o que pretendo salientar é apenas que, em razão do princí-
pio da isonomia, pessoas que estiverem na mesma situação devem receber o
mesmo tratamento, razão pela qual não se pode exigir judicialmente do estado
que forneça algo a um indivíduo que não seja possível conceder a todos aque-
les que estiverem nas mesmas condições.
mas, do ponto de vista processual, a reserva do possível é matéria de
defesa. Portanto, o ônus da prova em demonstrar que a concessão de determi-
nada prestação esbarra na reserva do possível deve pesar sobre o estado, e não
sobre o jurisdicionado, até porque não seria razoável exigir deste último que
apresentasse em juízo todos os dados e informações necessários para que se
proceda à referida análise. não basta, portanto, que o estado invoque generi-
camente a reserva do possível para se opor à concessão judicial de prestações
sociais – como, infelizmente, tem ocorrido na maior parte das ações nesta
matéria. É preciso que ele produza prova suficiente desta alegação.64

5. reserva do Possível Jurídica e orçamento

a reserva do possível jurídica identifica-se com a existência de embasa-


mento legal para que o estado incorra nos gastos necessários à satisfação do
direito social reclamado. a questão nodal, aqui, diz respeito à existência de
previsão orçamentária para a realização de determinada despesa, tendo em
vista o princípio da legalidade da despesa.

64 no mesmo sentido, rogério Gesta Leal. “o controle jurisdicional das políticas públicas no Brasil:
possibilidade materiais. in: ingo wolgnag sarlet. Jurisdição e Direitos Fundamentais, volume i,
tomo i. Porto alegre: Livraria do advogado, 2005, p.174.
o debate sobre a possibilidade de o Poder Judiciário determinar a reali-
zação de gastos para satisfação de direitos sociais sem previsão orçamentária é
complexo. De um lado, argumenta-se que, diante da escassez de recursos e da
impossibilidade de atendimento concomitante de todas as demandas sociais,
devem caber ao legislador, numa democracia, o poder e o ônus de escolher
aquilo que deverá ser priorizado, o que ele faz através da lei orçamentária. De
acordo com este ponto de vista, é o legislador que tem a melhor visão de con-
junto das inúmeras necessidades da sociedade que carecem de recursos para a
sua satisfação, e do total da receita disponível para atendê-las, e é ele também
que detém a legitimidade para fazer as opções necessárias, em razão da sua
eleição pelo povo.65
Da outra banda, aduz-se que condicionar a eficácia dos direitos sociais ao
orçamento significa submeter a força normativa da Constituição à vontade do
legislador. se os direitos sociais são fundamentais – o que parece claro, à luz da
Constituição de 88 –, isto significa que eles valem como “trunfos” que se im-
põem mesmo contra a vontade das maiorias de ocasião. Daí porque, seria um
contra-senso permitir que o legislador frustrasse a possibilidade de efetivação
de direitos sociais, ao não alocar no orçamento as verbas necessárias para a sua
fruição. além disso, certos direitos sociais básicos podem ser concebidos como
pressupostos da democracia, conforme acima ressaltado. nestes casos, não há
como invocar o argumento democrático para defender a impossibilidade de
decisões judiciais que concedam prestações não contempladas no orçamento.
Há parcelas de razão em ambos os argumentos. não se pode ignorar, no
equacionamento da questão, nem a prioridade do legislador democrático na
realização das “escolhas trágicas” sobre gastos públicos, nem tampouco a natu-
reza vinculante dos direitos fundamentais sociais para o Legislativo. Cumpre,
portanto, reconhecer que se, por um lado, o legislador dispõe de uma ampla
margem de decisão nesta matéria, que não deve ser excessivamente tolhida
pela jurisdição, por outro, as suas escolhas orçamentárias não se fazem em um
“campo livre” de Constituição, uma vez que é possível inferir da Lei maior
certas prioridades que não podem ser ignoradas pelo legislador, estando sujei-
tas em alguma medida ao crivo do Poder Judiciário.66

65 Cf. silvia Faber torres. “Direitos sociais Prestacionais, reserva do Possível e Ponderação: Breves
Considerações e Críticas”. in: Daniel sarmento e Flávio Galdino. Direitos Fundamentais: estudos
em Homenagem ao Professor ricardo Lobo torres. rio de Janeiro: renovar, 2006, p. 783-785.
66 nesta linha, ressaltou robert alexy: “La fuerza del principio de la competencia presupuestaria del
legislador no es ilimitada. no es un principio absoluto. Los derechos individuales pueden tener
más peso que las razones de politica financiera ... todos los derechos limitan la competencia del
legislador; a menudo lo hacen de forma inconveniente para éste y, a veces, afectan también su
nesta linha, não concordo nem com a orientação que transparece em
algumas decisões judiciais, inclusive do stF, no sentido de que o juiz não deve-
ria se preocupar com a existência ou não de previsão orçamentária para a rea-
lização de despesas atreladas a direitos sociais,67 nem tampouco com a concep -
ção de que a ausência desta previsão constitui barreira insuperável para o
Judiciário na adjudicação de direitos sociais. a virtude, como sói acontecer,
está no meio. Penso, em síntese, que a ausência de previsão orçamentária é um
elemento que deve comparecer na ponderação de interesses que envolve a
adjudicação dos direitos fundamentais sociais previstos de forma principiológi-
ca. trata-se de um fator relevante, mas que está longe de ser definitivo, poden-
do ser eventualmente superado de acordo com as peculiaridades do caso.68

6. mínimo existencial e necessidade

existe um relativo consenso na filosofia política contemporânea, da qual


estão excluídos apenas os pensadores ditos libertários, de que é papel do
estado assegurar as condições materiais mínimas de vida para as pessoas mais
necessitadas.69 Dos principais fundamentos morais empregados para justificar
esta obrigação estatal, dois são instrumentais e um não é. os argumentos ins-
trumentais são no sentido de que se trata de uma exigência necessária para (a)
a garantia da liberdade real, ou (b) a proteção dos pressupostos da democracia.
o argumento não-instrumental é o de que o atendimento das necessidades
materiais humanas essenciais constitui um fim em si mesmo e não um meio
para obtenção de qualquer outra finalidade.

competencia presupuestaria cuando se trata de derechos financieramente más gravosos” (teoria


de los Derechos Fundamentales. op. cit., p. 495). sobre o tema, veja-se também alceu maurício
Jr. “a revisão Judicial das escolhas orçamentárias e a efetivação dos Direitos Fundamentais”. in:
revista Diálogo Jurídico , nº 15, 2007, acessível no sítio www.direitopublico.com.br, acessado em
10 de fevereiro de 2008.
67 veja-se, por exemplo, a manifestação do ministro Celso de mello no re 273.834/rs: “a falta de
previsão orçamentária não deve preocupar o juiz ... mas apenas o administrador... entre proteger
a inviolabilidade do direito à vida e à saúde ... ou fazer prevalecer, contra esta prerrogativa fun-
damental, um interesse financeiro e secundário do estado, ... razões de ordem ética-jurídica
impõe ao julgador uma só e possível opção”.
68 em sentido semelhante, veja-se Paulo Gilberto Cogo Leivas. teoria dos Direitos Fundamentais
sociais. op. cit., p. 99-101.
69 Cf. rodolfo arango. el Concepto de Derechos Fundamentales sociales. mexico: Legis, 2005, p.
238-296; e ana Paula de Barcellos. “o mínimo existencial e algumas Fundamentações: John
rawls, michael walzer e robert alexy”. in: ricardo Lobo torres (org). Legitimação dos Direitos
Humanos. rio de Janeiro: renovar, 2002, p. 11-49.
o argumento da liberdade material tem muito prestígio dentre os adeptos
do liberalismo igualitário, e foi defendido por filósofos como John rawls,70
economistas como amartya sen,71 assim como por juristas como robert
alexy72 e ricardo Lobo torres.73 a ideia fundamental aqui é a de que sem o
atendimento de certas condições materiais básicas, esvazia-se a liberdade, pela
impossibilidade concreta do seu exercício. a liberdade, segundo esta visão, não
se esgota na ausência de impedimentos externos à ação do agente, envolvendo
também a possibilidade real do seu exercício. esta, por sua vez, demanda que
sejam garantidas certas condições materiais mínimas para os necessitados.
o argumento democrático já foi explicitado em item anterior deste traba-
lho. ele se baseia na ideia, defendida por pensadores como Jürgen Habermas74
e juristas como Friedrich muller,75 de que a democracia não se confunde com
o predomínio da vontade da maioria, exigindo a garantia de certos direitos que
viabilizem a participação dos cidadãos no espaço público. Dentre os direitos
garantidos, é necessário que figure a satisfação das necessidades materiais bási-
cas das pessoas mais carentes, sem o que restaria comprometida a sua capacida-
de real de participar das deliberações adotadas na sociedade.
Finalmente, o argumento não-instrumental é no sentido de que o aten-
dimento das necessidades humanas mais básicas é uma exigência autônoma da
justiça, que se impõe independentemente das suas consequências para a pro-
moção de outros objetivos, como a garantia da liberdade ou promoção da
democracia. o filósofo alemão ernst tugendhat76 é um dos seus defensores,
assim como Paulo Gilberto Cogo Leivas, na doutrina jurídica brasileira.77
na minha opinião, a teoria não-instrumental é a mais correta. É óbvio
que a garantia do mínimo existencial constitui também, em geral, um pressu-
posto fático seja para o gozo das liberdades individuais, seja para o exercício
da cidadania política. Contudo, ainda que assim não fosse, uma compreensão
correta da ideia de justiça teria de envolver a obrigação moral do estado e da

70 Liberalismo Político. op. cit., p. 31-32.


71 o Desenvolvimento como Liberdade. trad. Laura teixeira mota. são Paulo: Companhia das
Letras, 1999.
72. teoria de los Derechos Fundamentales. op. cit., p. 486-489.
73 “a metamorfose dos Direitos sociais em mínimo existencial”. in: ingo wolfgang sarlet (org.).
Direitos Fundamentais sociais: estudos de Direito Constitucional, internacional e Comparado.
op. cit., p. 01-46.
74 Direito e Democracia entre Facticidade e validade i. op. cit., p. 160.
75 “Que grau de exclusão social ainda pode ser tolerado por um sistema democrático?”. in: Flávia
Piovesan (Coord.). Direitos Humanos, Globalização econômica e integração regional. são Paulo:
max Limonad, 2002, p. 567-607.
76 Lições sobre Ética. trad. róbson ramos dos reis et all. 4ªed., Petrópolis: ed. vozes, p. 386-389.
77 op. cit., p. 123-139.
sociedade, de combater o sofrimento e a miséria humanas, através da garantia
das condições mínimas de vida para os necessitados. veja-se o exemplo de um
indivíduo que padeça de deficiência mental severa e incurável e que esteja em
situação de absoluta penúria material. Poucos discutirão que ele também faz
jus à proteção do mínimo existencial, em que pese não fazer muito sentido
falar desta garantia como um pressuposto para o exercício da sua liberdade
material ou do seu direito à participação política. Por isto, penso que é a
urgência e gravidade de uma necessidade material, e não a sua importância
para a realização de outros objetivos, por mais nobres que sejam, que deve ser
o critério central para definir o mínimo existencial. sem embargo, do ponto
de vista jurídico, uma solução neutra para esta controvérsia é localizar o fun-
damento normativo do mínimo existencial no princípio da dignidade da pes-
soa humana, uma vez que tal princípio apela tanto à liberdade material, como
à democracia e ao atendimento de necessidades básicas das pessoas.
o direito mínimo existencial corresponde à garantia das condições mate-
riais básicas de vida.78 ele ostenta tanto uma dimensão negativa como uma
positiva. na sua dimensão negativa, opera como um limite, impedindo a práti-
ca de atos, pelo estado ou por particulares, que subtraiam do indivíduo as refe-
ridas condições materiais indispensáveis para uma vida digna. Já na sua dimen-
são positiva, ele envolve um conjunto essencial de direitos prestacionais. não
há, todavia, consenso sobre as prestações que compõem este conjunto,79 e o
meu objetivo aqui não é o de elaborar qualquer tipo de elenco a tal propósito.

78 na jurisprudência constitucional colombiana encontra-se uma definição lapidar do mínimo exis-


tencial – denominado mínimo vital naquele país. ela foi estabelecida na sentencia C-776, de
2003, proferida pela Corte Constitucional da Colômbia, em decisão que invalidou parcialmente
uma lei tributária que gravara com o imposto sobre o valor agregado uma série de produtos, sem
excepcionar bens e serviços de primeira necessidade. Confira-se: “el objecto del derecho funda -
mental al mínimo vital abarca todas las medidas positivas o negativas constitucionalmente orde -
nadas con el fin de evitar que la persona se vea reducida en su valor intrínseco como ser huma-
no debido a que no cuenta con las condiciones materiales que le permitan llevar una existencia
digna...el derecho fundamental al mínimo vital presenta una dimensión positiva y una negativa.
La dimensión positiva de este derecho fundamenta lpresupone que el estado, y ocasionalmente
los particulares ... están obligados a suministrar a la persona que se encuentra en una situación
en la cual ella misma no se puede desenpeñar autónomamente y que compromete las condicio -
nes materiales de su existencia, las prestaciones necesarias e indispensables para sobrevivir dig -
namente y evitar su degradación o aniquilamento como ser humano. Por su parte, respecto de la
dimensión negativa, el derecho fundamental al mínimo vital se constituye en un límite o cota
inferior que no puede ser traspasado por el estado, en materia de los recursos materiales que la
persona necesita para llevar una existencia digna” (Cf. rodolfo arango. el Concepto de Derechos
Fundamentales sociales. Bogotá: Legis, 2005, p. 214-215).
79 ana Paula de Barcellos, num importante estudo dedicado ao tema, formulou o seguinte elenco de
prestações compreendidas no mínimo existencial, que poderiam ser exigidas judicialmente inde -
pendentemente de mediação legal: educação fundamental, saúde básica, assistência em caso de
a ideia de um direito ao mínimo existencial surgiu em decisão do
tribunal Federal administrativo alemão proferida em 1953, incorporando-se,
posteriormente, na jurisprudência da Corte Constitucional daquele estado, a
partir da conjugação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da liber-
dade material e do estado social, consagrados na Lei Fundamental germânica.
ela tem recebido acolhida na jurisprudência constitucional de diversos outros
países como Portugal80 e Colômbia.81 e, aqui no Brasil, o conceito, introduzi-
do na doutrina pela obra de ricardo Lobo torres,82 também já foi invocado
em decisões do stF.83
entendo que a inserção ou não de determinada prestação no âmbito do
mínimo existencial não pode ser realizada in abstracto, ignorando a condição
específica do titular do direito. um exemplo: o fornecimento de um medica-
mento certamente integrará o mínimo existencial para aquele indivíduo que
dele necessite para sobreviver, e não possua os recursos suficientes para adqui-
ri-lo. Porém, o mesmo medicamento estará fora do mínimo existencial para um
paciente que, padecendo da mesma moléstia, tenha os meios próprios para
comprá-lo, sem prejuízo da sua subsistência digna. trata-se, em suma, de saber
até que ponto a necessidade invocada é vital para o titular do direito, aferindo
quais seriam as consequências, para ele, da omissão estatal impugnada.
Por isso, não concordo com a argumentação aduzida em algumas deci-
sões judiciais em matéria de saúde, no sentido de que, tendo em vista a uni-
versalidade deste direito, seria irrelevante analisar se o autor da ação possui ou
não os recursos necessários à aquisição da prestação demandada do estado.84

necessidade e acesso à justiça (a eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o Princípio da


Dignidade da Pessoa Humana. rio de Janeiro: renovar, 2002, p. 247-301).
80 acórdão 509/02, proferido em 22 de novembro de 2002. o texto integral do acórdão, acompanha-
do de substanciosos comentários, encontra-se em Jorge reis novais. os Princípios
Constitucionais estruturantes. Coimbra: Coimbra editora, 2004, p. 64-100.
81 Cf. rodolfo arango. op. cit., p. 213-217.
82. o primeiro artigo de ricardo Lobo torres a versar esta matéria é de 1989: “o mínimo existencial
e os Direitos Fundamentais”. revista de Direito administrativo, nº 177: 29-48, 1989. De lá para
cá, o professor publicou diversos estudos enfocando o tema, dentre os quais “a Cidadania multi-
dimensional da era dos Direitos”. in: ricardo Lobo torres (org.). teoria dos Direitos
Fundamentais. rio de Janeiro: renovar, 1999, p. 239-335; e “a metamorfose dos direitos sociais
em mínimo existencial”. op. cit.
83 agravo de instrumento no recurso extraordinário nº 410. 715-5/sP, relator ministro Celso
mello, julgado em 22/11/2005.
84 neste sentido, veja-se o acórdão proferido pela 1ª turma do stJ no resp. nº 430.526/sP, julgado
em 1º/10/2002, e relatado pelo ministro Luiz Fux, em que se entendeu irrelevante para a decisão
de um caso em que um paciente demandava o fornecimento de medicamento não contemplados
na lista do sus, o fato de se tratar de um Delegado de Polícia, com rendimentos muito superio -
res à média nacional.
este dado me parece fundamental, pois, num caso, o sacrifício eventualmente
imposto pela denegação da pretensão repercute tão somente sobre o patrimô-
nio do paciente, enquanto no outro pode estar em jogo a sua própria vida.
temo que este tipo de raciocínio, num contexto de acesso não igualitário à
Justiça, possa legitimar um uso enviesado dos direitos sociais que, de instru-
mentos de emancipação em favor dos mais fracos, acabem se transformando
em artifícios retóricos manejados pelas classes favorecidas.
noutro giro, o mínimo existencial desempenha um papel importante como
critério para adjudicação judicial de direitos sociais. Como antes ressaltado,
numa ordem jurídica centrada na dignidade da pessoa humana não se pode con-
ceber a realização de despesa pelo estado como um campo livre para as decisões
do legislador orçamentário e do administrador. Pelo contrário, há prioridades
que a eles se impõem por força de princípios constitucionais revestidos de ele-
vado teor moral, dentre as quais sobressai a de realizar os gastos necessários para
o atendimento das necessidades materiais mais básicas dos necessitados. assim,
me parece que o Poder Judiciário está plenamente legitimado para fiscalizar o
cumprimento destas prioridades pelos demais poderes estatais.
sem embargo, discordo daqueles que afirmam que o direito ao mínimo
existencial é absoluto, não se sujeitando à reserva do possível.85 infelizmente,
em sociedades pobres, nem sempre é possível assegurar de maneira imediata e
igualitária as condições materiais básicas para a vida digna de todas as pessoas.
veja-se o caso emblemático do nosso salário mínimo, que, por imperativo
constitucional (art. 7º, iv), deveria ser suficiente para assegurar o mínimo
existencial para as famílias dos que o percebem, e, no entanto, sempre esteve
fixado em valores muito inferiores ao que seria necessário para tanto. seria
economicamente viável para o estado brasileiro aumentar imediatamente o
valor do salário mínimo para patamares que satisfizessem à imposição consti-
tucional? e, diante do quadro hoje delineado, poderia o Poder Judiciário exi-
gir que particulares pagassem aos seus empregados um salário por ele fixado,
que atendesse o disposto no art. 7º, inciso iv, da Constituição, passando por
cima do valor – reconhecidamente insuficiente – estipulado pelo legislador?
ou exigir o mesmo do inss no pagamento dos benefícios previdenciários ou
assistenciais? temo que a resposta a todas estas questões seja negativa.
infelizmente, consideradas as condições econômicas do país, não tem o estado
brasileiro como dobrar ou triplicar imediatamente o valor do salário mínimo,
e este dado não pode ser ignorado pelo Judiciário. intervenções judiciais nesta

85 em sentido oposto, veja-se ingo wolfgang sarlet. “os Direitos Fundamentais sociais na
Constituição de 88”. op. cit., p. 165.
seara que atropelassem a reserva do possível em nome do mínimo existencial
ou da efetividade da Constituição poderiam, num primeiro momento, agradar
aos “progressistas”, mas fatalmente acarretariam sérias consequências do
ponto de vista macroeconômico, que, ao fim e ao cabo, acabariam vitimando
sobretudo aos mais pobres.86
em suma, não me parece que o mínimo existencial possa ser assegurado
judicialmente de forma incondicional, independentemente de considerações
acerca do custo de universalização das prestações demandadas. Porém, enten-
do que quanto mais indispensável se afigurar uma determinada prestação esta-
tal para a garantia da vida digna do jurisdicionado, maior deve ser o ônus argu-
mentativo imposto ao estado para superar o direito prima facie garantido.87
será praticamente impossível, por exemplo, justificar a não extensão do sanea-
mento básico para uma determinada comunidade carente, quando o Poder
Público estiver gastando maciçamente com publicidade ou obras faraônicas.
em outras palavras, a inserção de determinada prestação no âmbito do míni-
mo existencial tende a desequilibrar a ponderação de interesses para favore-
cer a concessão do direito vindicado. mas não existe um direito definitivo à
garantia do mínimo existencial, imune a ponderações e à reserva do possível.
Por outro lado, também não me parece correta a tese de que o papel do
Judiciário em matéria de proteção dos direitos sociais tenha sempre de se limi-
tar à garantia do mínimo existencial.88 se em relação a todos os demais direi-
tos fundamentais persegue-se a máxima efetividade, dentro do que seja fática
e juridicamente possível, por que, em matéria de direitos sociais, deveríamos
nos contentar com o mínimo? na minha opinião, o ponto a que pode chegar
o Judiciário depende de uma ponderação de interesses a ser feita em cada caso,
na qual, de um lado, figure o direito social em questão, e, do outro, os princí-

86 neste sentido, discordo da posição sustentada por autores como Celso antonio Bandeira de melo.
(“eficácia das normas Constitucionais sobre Justiça social” in: revista de Direito Público nº 57-
58, 1981, p. 233 ss.) e Luís roberto Barroso (o Direito Constitucional e a efetividade de suas
normas. op. cit., p. 150 ss.), que advogam a tese oposta. Para Barroso, por exemplo, a possibili -
dade de fixação judicial do salário mínimo decorreria do fato do texto constitucional fornecer os
elementos necessários para tanto, ao definir os bens da vida que tal salário deveria ser capaz de
suportar. Porém, me parece que o problemático no caso não é de indeterminação do texto nor-
mativo, mas sim a possibilidade econômica da implementação do comando constitucional, num
quadro de escassez de recursos, aliada à falta de capacidade institucional do Judiciário para ava-
liar de forma adequada tal questão, sopesando devidamente os múltiplos efeitos e implicações na
economia que resultam inevitavelmente de qualquer mudança no valor do salário mínimo.
87 em linha parecida a que ora se sustenta, cf. Gustavo amaral. Direito, escassez e escolha. op. cit.,
p. 211-216.
88 esta é a posição de ricardo Lobo torres (cf. “a Cidadania multidimensional na era dos Direitos”.
op. cit., p. 278-290).
pios concorrentes, como a democracia, a separação de poderes e os direitos de
terceiros que seriam atingidos ou economicamente inviabilizados caso fosse
universalizada a prestação demandada.
neste modelo, o mínimo existencial constitui elemento importante, pois
quanto mais essencial for a necessidade material em jogo, maior será o peso
atribuído ao direito social no processo ponderativo. Prestações situadas fora
do mínimo existencial têm, portanto, uma chance menor de êxito, já que
quando elas estiverem em questão, o direito social comparecerá à ponderação
com peso reduzido. Porém, persiste a possibilidade teórica de adjudicação de
direitos sociais mesmo naquilo que extrapolar ao mínimo existencial, a depen-
der da constelação concreta dos interesses em disputa.

7. Controle de Políticas Públicas, expertise e autocontenção


Judicial

a realização dos direitos sociais pelo estado dá-se através de políticas


públicas,89 cuja elaboração e implementação dependem, para o seu êxito, do
emprego de conhecimentos específicos. os poderes executivo e Legislativo
(mais o primeiro do que o segundo) possuem em seus quadros pessoas com a
necessária formação especializada para assessorá-los na tomada das complexas
decisões requeridas nesta área, que frequentemente envolvem aspectos técni-
cos, econômicos e políticos diversificados. o mesmo não ocorre no Judiciário.
os juízes não têm, em regra, tais conhecimentos especializados necessários,
nem contam com uma estrutura de apoio adequada para avaliação das políti-
cas públicas, o que se torna um elemento complicador no debate sobre a tute-
la judicial dos referidos direitos.
É evidente que o fato de os direitos sociais serem garantidos pelo estado
por intermédio de políticas públicas não os torna imunes ao controle judicial.90

89 uma boa definição de política pública pode ser colhida em maria Paula Dallari Bucci: “Políticas
públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do estado
e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente deter-
minados” (Direito administrativo e Políticas Públicas. são Paulo: saraiva, 2006, p. 241).
90 sobre a intervenção judicial em políticas públicas, veja-se malcolm m. Feeley & edward L.
rubin. Judicial Policy making. Cambridge: Cambridge university Press, 1998; marco maselli
Gouvêa. o Controle Judicial das omissões administrativas. rio de Janeiro: Forense, 2003; ana
Paula de Barcellos. “Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamen -
tais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático”. in: Cláudio Pereira
de souza neto e Daniel sarmento (Coords.). a Constitucionalização do Direito: Fundamentos
teóricos e aplicações específicas. rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 599-636; e Luiza Cristina
Frischeisen. Políticas Públicas: a responsabilidade do administrador e do ministério Público. são
Paulo: max Limonad, 2000.
Com o perdão pela tautologia, os direitos sociais são autênticos direitos, e, nesta
qualidade, podem e devem ser garantidos pela via jurisdicional em casos de
omissões injustificáveis ou de arbitrariedades das autoridades competentes.
atualmente, a melhor doutrina não mais aceita a ideia de que exista uma esfera
de poder estatal absolutamente imune ao controle judicial, sobretudo em campo
envolvendo direitos fundamentais. Conceitos clássicos, antes invocados para
obstar a proteção judicial dos direitos sociais, como o do mérito do ato adminis-
trativo – zona de discricionariedade insindicável para atuação dos governantes
– têm sido relativizados, senão plenamente superados, diante do reconhecimen-
to da força normativa dos direitos fundamentais e de princípios constitucionais,
como os da proporcionalidade, da moralidade administrativa e da eficiência.91
sem embargo, o exercício deste controle não pode ser realizado sem que
se atente para a capacidade institucional de quem o opera.92 Por isto, não me
parecem adequadas, neste ou em qualquer outro campo, as teorias que ideali-
zam a figura do juiz – como o famoso “juiz Hércules”, de ronald Dworkin93 –,
depositando no Poder Judiciário expectativas que ele não tem como atender. É

91 Há vasta bibliografia sobre a matéria na literatura nacional. veja-se, em especial, Gustavo


Binenbojm. uma teoria do Direito administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e
Constitucionalização. rio de Janeiro: renovar, 2006, p. 193-238; e andréas Krell. Discricionariedade
administrativa e Proteção ambiental. Porto alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 17-56.
92 na teoria jurídica contemporânea, há uma corrente importante que preconiza a necessidade de que
as capacidades institucionais comparativas dos agentes envolvidos na aplicação do Direito seja leva-
da em conta na definição das teorias de interpretação mais adequadas a cada contexto. esta sensibi-
lidade diante das vicissitudes concretas dos aplicadores do Direito leva estes autores a defenderem
a ideia de que a teoria interpretativa preferível não é aquela que, em tese, tenha como conduzir
algum intérprete ideal a resultados perfeitos, mas sim aquela que seja mais apta a otimizar os resul-
tados, considerando as capacidades específicas de intérpretes reais e falíveis, e o risco de que come-
tam erros. veja-se, a propósito, Cass sunstein & adrian vermeule. “interpretations and
institutions”. in: Chicago working Papers in Law & economics. 2002, p. 1-55; adrian vermeulle.
Judging under uncertainty: an institutional theory for Legal interpretation. Cambridge: Harvard
university Press, 2006; e Frederick shauer. Playing by the rules: a Philosophical examination of
rled-Based Decision-making in Law and in Life. oxford: Claredon, 1991.
93 Cf. ronald Dworkin. taking rights seriously. Cambridge: Harvard university Press, 1978, p. 81-
148; idem. Law’s empire. Cambridge: the Belknap Press, 1986, p. 355-399.
sem embargo, cabe destacar que dificilmente a teoria de Dworkin – que justifica um forte ativis -
mo judicial na defesa dos direitos individuais – poderia ser empregada em matéria de direitos
sociais. isto porque, o jusfilósofo norte-americano baseia o seu raciocínio em uma diferenciação
absoluta entre direitos e políticas (policies), afirmando que o Judiciário deve atuar com firmeza
em relação aos primeiros, mas que os poderes eleitos teriam mais legitimidade e capacidade para
deliberar no campo das segundas. ocorre que é praticamente impossível separar os direitos das
políticas em matéria de direitos sociais, pois tais direitos só são realizados através de políticas
públicas. aliás, quando ronald Dworkin esteve no Brasil, no ano de 2006, em pelo menos três
palestras que proferiu (em são Paulo, no CeBraP, e no rio de Janeiro, nos auditórios da
Procuradoria-Geral do município e da emerJ), ele manifestou o seu ceticismo sobre a viabili-
dade da tutela judicial de direitos sociais.
até compreensível que teorias deste tipo acabem vicejando no Brasil, pelo
desencanto geral diante dos poderes políticos, atolados em sucessivos escânda-
los, e pela persistência das mazelas que afligem a nossa população. Contudo,
infelizmente, não me parece que elas possam entregar aquilo que prometem:
a redenção de todos os males nacionais pela via judicial.
em matéria de controle judicial de políticas públicas, além da dificulda-
de decorrente da falta de expertise dos juízes, há também o problema que
resulta da própria dinâmica dos processos judiciais. o processo judicial foi
pensado com foco nas questões bilaterais da justiça comutativa, em que os
interesses em disputa são apenas aqueles das partes devidamente representa-
das.94 Contudo, a problemática subjacente aos direitos sociais envolve sobre-
tudo questões de justiça distributiva, de natureza multilateral, já que, diante
da escassez, garantir prestações a alguns significa retirar recursos do bolo que
serve aos demais. Boas decisões nesta área pressupõem a capacidade de formar
uma adequada visão de conjunto, o que é muito difícil de se obter no âmbito
de um processo judicial. este, com seus prazos e formalidades, está longe de
ser o ambiente mais propício para a análise de políticas públicas, por não pro-
porcionar pleno acesso à miríade de informações, dados e pontos de vista exis-
tentes sobre aspectos controvertidos. na verdade, o processo judicial tende a
gerar uma “visão de túnel”, em que muitos elementos importantes para uma
decisão bem informada são eliminados do cenário, enquanto o foco se centra
sobre outros – não necessariamente os mais relevantes.95
tais problemas podem ser atenuados, mas não completamente elimina-
dos. no que concerne ao déficit de conhecimentos especializados dos magis-
trados, o recurso mais frequente a peritos e a instituições independentes e
imparciais com reconhecida capacidade técnica na área em discussão é uma
medida importante. um exemplo interessante desta prática ocorreu na África
do sul, no julgamento do famoso caso Grootboom,96 realizado em 2000. na
hipótese, tratava-se de centenas de pessoas miseráveis, que estavam vivendo
em barracas improvisadas de plástico depois de terem sido despejadas da área
particular que antes ocupavam, e que reivindicavam do estado a garantia ime-
diata de abrigos adequados. a Corte Constitucional entendeu que, apesar da
consagração do direito à moradia na Constituição sul-africana, não seria pos-

94 Cf Lon L. Fuller. “the Forms and Limits of adjudication”. in: 92 Harvard Law review, 1978,
p. 394-397.
95 sobre esta questão, há vários estudos no livro de José reinaldo de Lima Lopes. Direitos sociais:
teoria e Prática. são Paulo: editora método, 2006.
96 Government of the republic os south África v. Grootboom and others. a decisão está acessível
no endereço eletrônico www.constitucionalcourt.org.za, acessado em 10/02/2008.
sível reconhecer a cada indivíduo um direito subjetivo à habitação, nem no
seu núcleo essencial (minimun core). todavia, afirmou que poderia controlar
a razoabilidade das políticas públicas realizadas pelo governo, no sentido de
efetiva promoção do direito à moradia. no caso, o governo sul-africano con-
tava com política pública voltada para esta área, mas a Corte entendeu que ela
falhava, por não incluir medidas emergenciais focadas nas pessoas em situação
de carência desesperadora (desperate need). Diante disso, determinou que a
política fosse reformulada, de forma a contemplar medidas de alívio imediato
daquelas pessoas, sem, no entanto, precisar que providências deveriam ser
adotadas. e aí vem a parte que nos interessa neste ponto: para permitir uma
fiscalização mais adequada da execução da sua decisão, a Corte atribuiu a um
órgão técnico independente – a Human rights Commission – de reconhecida
expertise e prestígio na África do sul em matéria de direitos sociais, a tarefa
de supervisionar a elaboração e implementação do novo programa, reportan-
do-se ao tribunal.97 medidas deste tipo, se fossem adotadas no Brasil, contri-
buiriam para a racionalização da tutela judicial dos direitos positivos.
Já no que se relaciona à limitação quanto ao acesso a informações e pon-
tos de vista diversificados, decorrente da lógica do processo judicial, esta pode
ser atenuada pelo exercício mais firme dos poderes de instrução conferidos
aos juízes, assim como pela maior participação de terceiros nas lides, como,
por exemplo, através da atuação dos amici curiae. tratam-se, contudo, de
providências apenas paliativas – algumas, inclusive, de difícil operacionaliza-
ção nas ações individuais, tendo em vista o quadro de assoberbamento do
nosso Poder Judiciário.
em conclusão, entendo que não se devem ignorar as deficiências da
capacidade institucional do Judiciário para tutelar os direitos sociais. Para
enfrentar esta dificuldade, além das medidas acima sugeridas, deve-se adotar
um parâmetro adicional para o exercício da proteção judicial destes direitos:
quanto mais a questão discutida envolver aspectos técnicos de políticas públi-
cas, mais cautelosa e reverente em relação às decisões dos demais poderes deve
ser a atuação do Judiciário.98 este não é um parâmetro isolado, na medida em

97 a decisão, e, em especial, esta solução, foram elogiadas por vitor abramovich e Christian Courtis,
em Los Derechos sociales como Derechos exigibles. op. cit., p. 160-168.
98 Gustavo Binenbojm adota parâmetro semelhante para o controle judicial dos atos administrati -
vos. um dos standards para o exercício deste controle é, nas suas palavras: “quanto maior o grau
de tecnicidade da matéria, objeto de decisão por órgãos dotados de expertise e experiência, menos
intenso deve ser o grau do controle judicial” (uma teoria do Direito administrativo .... op. cit.,
p. 236). e a mesma ideia pode ser colhida em Humberto Ávila, que, ao tratar da intensidade do
controle do Judiciário sobre outros poderes, afirmou que “o âmbito de controle pelo Judiciário
deverá ser tanto menor, quanto mais ... (2) difícil e técnico for o juízo exigido para o tratamento
da matéria” (teoria dos Princípios. 4ª ed. são Paulo: malheiros, 2004, p. 126).
que deve ser conjugado com outros, como os sugeridos acima, atinentes à
razoabilidade da universalização da pretensão do titular do direito, e à essen-
cialidade, para ele, da prestação social demandada. mas me parece que dito
critério deve desempenhar um papel relevante na adjudicação judicial dos
direitos sociais.

8. Demandas individuais e Coletivas

no sistema processual brasileiro, os direitos sociais podem ser assegura-


dos judicialmente através de ações individuais ou de demandas coletivas.
todavia, o Poder Judiciário brasileiro tem se mostrado, de um modo geral,
muito mais generoso nas ações individuais do que nas coletivas, o que, na
minha opinião, gera uma grave distorção, em prejuízo da tutela dos direitos
dos mais necessitados e da racionalidade do sistema.99
Com efeito, apesar de todos os avanços alcançados nas últimas décadas no
que tange ao acesso à Justiça, a principal clientela do Judiciário brasileiro,
mesmo em demandas envolvendo direitos sociais, continua sendo a classe
média.100 os segmentos mais excluídos da sociedade brasileira dificilmente vão
à Justiça reclamar seus direitos, até porque, pela hipossuficiência cultural, no
mais das vezes nem conhecem estes direitos. neste contexto, se levarmos em
consideração o fato de que, diante da escassez, as decisões explicitamente alo-
cativas de recursos são implicitamente desalocativas, o foco centrado nas ações
individuais pode acabar funcionando como uma espécie de “robin wood às
avessas”, ao sugar recursos de políticas públicas que atingiriam os mais pobres
para transferi-los para a classe média. enquanto isso, graves violações de direi -
tos perpetradas contra os mais carentes ficam sem resposta judicial.

99 um exemplo eloqüente desta tendência foi a recente decisão da ministra ellen Gracie, que, na
qualidade de Presidente do stF, suspendeu acórdão proferido pelo trF da 5ª região, que aco-
lhera pedido formulado em ação civil pública proposta pelo ministério Público Federal, para
obrigar a união a realizar no âmbito do sus os procedimentos médicos de redesignação sexual
em pessoais transexuais. na referida decisão, s. exa. exteriorizou o seu entendimento de que, em
matéria da proteção judicial dos direitos sociais, deve-se adotar uma análise tópica, “caso-a-caso”,
em detrimento da tutela coletiva , uma vez que esta repercute “na programação orçamentária
federal, ao gerar impacto nas finanças públicas”, o que caracterizaria “grave lesão à ordem públi-
ca, em sua acepção jurídico-constitucional”. sta 185/DF, DJ 04.12.2007.
100 neste sentido apontam as conclusões da pesquisa estatística coordenada pelo Prof. vírgilio
afonso da silva, relacionada à clientela das ações judiciais com pedido de fornecimento de medi -
camentos que tramitam na Justiça do estado de são Paulo. os resultados da pesquisa ainda não
foram publicadas, mas o Prof. vírgilo os vem citando em diversas palestras proferidas sobre o
tema.
Por outro lado, na tutela coletiva, os magistrados não têm como escapar
de uma reflexão que deveria ser realizada sempre que estivessem em jogo pre-
tensões sobre recursos escassos: o potencial de universalização do que foi pedi-
do. não há como decidir uma ação civil pública que afete a todo um amplo
universo de pessoas sem considerar o seu efeito sobre as políticas públicas em
vigor e as verbas existentes. o impacto aqui é inequívoco e por isso tem de ser
enfrentado. o julgamento força uma análise de “macrojustiça”, que envolve a
legitimidade do atendimento de determinados pleitos num quadro de escassez
de recursos.
nas ações individuais, o raciocínio judicial deveria ser o mesmo. Contudo,
aqui é muito mais fácil para o juiz “tapar o sol com a peneira”, e conceder “com
o coração” qualquer prestação demandada, já que os efeitos concretos de cada
decisão sobre o orçamento público costumam ser diminutos e existe todo um
apelo emocional que inclina os magistrados a decidirem com maior generosi-
dade em favor das pessoas concretas, de carne e osso, cujas carências e necessi-
dades foram explicitadas no processo.101 assim, muitas vezes o Judiciário acaba
assegurando direitos que, diante dos recursos disponíveis e da existência de
outras necessidades igualmente importantes, não teriam como ser universali-
zados. ocorre que estas decisões tendem a se multiplicar, comprometendo a
racionalidade das políticas públicas e criando implicitamente preferências para
algumas pessoas sobre bens escassos, fora de qualquer parâmetro ético ou jurí-
dico. Finge-se que a escassez não existe, o que, obviamente, não a elimina, mas
apenas “empurra para debaixo do debate”, suprimindo o espaço para a discus-
são dos critérios de justiça na partilha do bolo.
Por outro lado, a multiplicação de decisões em casos individuais, muitas
vezes desencontradas, pode criar um cenário caótico para o administrador,
comprometendo a possibilidade do estado de implementar com eficiência as
políticas públicas de atendimento aos direitos sociais da população. sob este
ângulo, o tratamento judicial coletivo é preferível, por reduzir a entropia e
fornecer critérios claros e gerais para a eventual correção das políticas públi-
cas, visando à sua adequação à Constituição.
ademais, as ações coletivas tendem a possibilitar uma instrução proces-
sual mais completa, franqueando ao juiz um maior contato com as inúmeras
variáveis envolvidas na implementação das políticas públicas de atendimento
dos direitos sociais, que tenderiam a ser negligenciadas nas ações individuais.
isto, evidentemente, possibilita a adoção de decisões mais informadas, a par-

101 Cf. ana Paula de Barcellos. a eficácia do Princípios Jurídicos .... op. cit., p. 275.
tir de uma visão mais abrangente da problemática subjacente à adjudicação de
cada direito social.
Com isso, não pretendo sustentar o descabimento das ações individuais
para a proteção dos direitos sociais. tal posição não seria compatível com a
concepção aqui advogada de que os direitos sociais configuram autênticos
direitos fundamentais, nem tampouco com o princípio constitucional da ina-
fastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXv, CF). além do que, ela
fragilizaria a garantia de tais direitos, ao torná-la dependente das iniciativas
dos legitimados para a propositura das ações coletivas, dentre os quais não
figura o próprio titular do direito lesado. não bastasse, há situações absoluta-
mente singulares de determinados titulares de direito social, que não se
enquadram no perfil da ação coletiva, pois esta, como se sabe, pressupõe a
indivisibilidade ou a homogeneidade do direito a ser tutelado. tais situações
não podem ser ignoradas pelo Judiciário, e as demandas individuais são o meio
adequado para trazê-las ao conhecimento dos tribunais.
enfim, o que me parece absolutamente equivocada é a adoção de dois
pesos e duas medidas pelo Judiciário brasileiro em matéria de direitos sociais,
que tem primado pela generosidade nas ações individuais e pela parcimônia
nas ações coletivas. entendo, por outro lado, que as ações coletivas consti-
tuem um ambiente mais adequado do que as individuais para os debates que
envolvem o controle das políticas públicas em matéria de direitos sociais, e
por isso o seu uso deve ser estimulado pelo legislador e pelo Judiciário.102 Já
em relação às demandas individuais, não se trata de bloquear esta via impor-
tante para a cidadania, mas de empreender uma reflexão mais amadurecida
sobre as consequências perniciosas para os pobres de um ativismo judicial sem
parâmetros, que, ao tudo conceder para os que têm acesso à justiça, pode aca-
bar retirando daqueles que não o desfrutam.

9. Conclusões

na última década, com a consolidação da nova cultura constitucional que


emergiu no país em 88, a jurisprudência brasileira deu um passo importante,
ao reconhecer a plena justiciabilidade dos direitos sociais. Juízes bem inten-
cionados e independentes, inspirados por uma dogmática focada na efetivação
da Constituição, passaram, com uma frequência cada vez maior, a conceder

102 no mesmo sentido, Cécile Fabre. social rights under the Constitution. oxford: oxford univesity
Press, 2000, p. 175-182.
prestações materiais aos jurisdicionados com fundamento em normas consti-
tucionais.
na minha avaliação, já vencemos, com sucesso, o momento inicial de
afirmação da sindicabilidade dos direitos prestacionais. Já é chegada a hora de
iniciarmos uma outra fase, de racionalização deste processo. esta racionaliza-
ção, do meu ponto de vista, passa por dois pontos principais: (a) a superação
de uma certa “euforia judicialista” que tomou conta dos meios jurídicos bra-
sileiros, com o reconhecimento de que o Poder Judiciário, apesar da relevân-
cia da sua função, não é, nem tem como ser, por suas limitações institucionais,
o grande protagonista no cenário de afirmação dos direitos sociais, que depen-
dem muito mais das políticas públicas formuladas e implementadas pelo
Legislativo e executivo e da mobilização da sociedade civil; e (b) o traçado de
parâmetros ético-jurídicos para as intervenções judiciais nesta seara. o pre-
sente estudo foi exatamente uma tentativa de esboçar alguns destes parâme-
tros, que não repetirei aqui, para não enfadar o leitor. Cabe-me, contudo,
compartilhar uma última reflexão:
o traço mais distintivo da ordem social brasileira é a desigualdade. Já se
tornou um jargão a afirmação de que em nosso país convivem, lado a lado, eli-
tes vivendo de acordo com os padrões do 1º mundo e setores da população
sobrevivendo em verdadeiro estado de exceção econômica, privados do aces-
so às necessidades mais básicas. neste contexto, os direitos sociais deveriam
exercer um papel essencial, de emancipação dos componentes destes segmen-
tos excluídos, ao proporcionar-lhes não só mais bem-estar, como também a
possibilidade efetiva de fruição das suas liberdades individuais e políticas.
temo, contudo, que a persistência de certos padrões enviesados da jurispru-
dência brasileira possa comprometer o desempenho deste papel. Daí a neces-
sidade de mudança destes padrões, não para esvaziar os direitos sociais, mas
para redirecioná-los ao seu verdadeiro propósito: promover a inclusão dos
excluídos.

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ações afirmativas
Fundamentos e Critérios para sua utilização
José Claudio monteiro de Brito Filho*

sumário: 1. Generalidades; 2. as ações afirmativas como Políticas Públicas que visam ao Com-
bate à Desigualdade: Fundamentos e Critérios; 2.1. modelos de Combate à Discriminação – Jus-
tificando o Porquê das ações afirmativas; 2.2. o texto Constitucional Brasileiro e as ações afir-
mativas; 2.3. Critérios para a utilização da ação afirmativa; 3. Conclusões; Bibliografia.

1. Generalidades
a partir de discussão que começou a ser travada de forma mais intensa, no
Brasil, desde o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002),
e atingiu seu ápice a partir do Governo do Presidente Lula da silva, o uso das
medidas de ação afirmativa vem sendo amplamente debatido, especialmente a
partir do momento em que começaram a ser utilizadas com mais frequência.1
as discussões, penso, ainda estão longe de permitir visão equilibrada da
questão, quer porque permeadas por preconceitos, quer porque as medidas
adotadas – e que servem para a discussão – não estão sendo baseadas em cri-
térios mínimos que permitam sua utilização como ação estratégica e que visa
permitir a realização de um direito fundamental, que é o acesso aos bens dis-
poníveis em condições de igualdade.
o que pretendemos, nesse breve estudo é, depois de fixar algumas pre-
missas necessárias para sua compreensão, indicar os critérios que justificam o
uso das medidas de ação afirmativa. Por outro lado, não cabe, aqui, enveredar
diretamente na análise de algumas questões que o envolvem, como as noções
de justiça e de igualdade, nem discutir a natureza das políticas públicas. ainda
assim, impossível discutir o tema das ações afirmativas sem lançar mão desses
institutos e fenômenos. serão utilizados, todavia, na medida exata de sua
necessidade para a discussão.

* Doutor em Direito das relações sociais (PuC/sP). Professor associado i da universidade Federal
do Pará – uFPa. Procurador regional do trabalho. Professor titular da universidade da
amazônia – unama.
1 não que, no Brasil, não houvesse exemplos de ação afirmativa antes desses dois períodos. as cotas
para pessoas portadoras de deficiência e pessoas reabilitadas já existem desde 1991, com a Lei nº
8.213 (Plano de Benefícios da Previdência social). apenas eram iniciativas pontuais e, por esse
motivo, não tinham despertado tanto interesse, ao menos não na sociedade.
Por fim, embora não seja ainda pretensão discutir o pensamento de autor
determinado a respeito da questão, deve ser observado que parte da discussão
segue um roteiro, que penso existir, nos diversos escritos de autor que vem
debatendo há alguns anos a temática: ronald Dworkin.2 É que este autor, em
série de escritos, ao discutir o tema com base em diversas decisões judiciais dos
tribunais norte-americanos, especialmente da suprema Corte, lança diversas
interrogações a respeito do uso das medidas de ação afirmativa, e as responde.
minha ideia é aproveitar parcialmente esse roteiro que entendo existir,
para discutir os critérios que devem nortear todas e quaisquer medidas de ação
afirmativa.

2. as ações afirmativas como Políticas Públicas que visam


ao Combate à Desigualdade: Fundamentos e Critérios

Para a compreensão das medidas de ação afirmativa é preciso verificar


algumas questões básicas. Primeiro, em que contexto se justificam. Para isso,
é fundamental entendê-las como parte de um modelo de combate à discrimi-
nação. Começarei por ele.3

2.1. modelos de Combate à Discriminação – Justificando o Porquê


das ações afirmativas

o combate às práticas discriminatórias, desde que foi iniciado,4 pode


ocorrer, basicamente, de duas formas, pela pura e simples adoção de normas
que vedem e reprimam a discriminação, ou pela adoção de disposições que
favoreçam a inclusão de integrantes de determinados grupos, em prática que
se convencionou chamar de ação afirmativa.
Há, então, dois modelos. no primeiro, seguramente o mais antigo, o estado
cuida de editar normas que vedem as práticas discriminatórias, via de regra cri-

2 ver, a respeito, três obras do autor, já publicadas em português: uma questão de princípio (são
Paulo: martins Fontes, 2.000, p. 437-494); Levando os direitos a sério (são Paulo: martins Fontes,
2002, p. 343-369); e a virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade (são Paulo: martins
Fontes, 2005, p. 543-607).
3 os dois subitens seguintes estão baseados, em boa parte, em estudos que realizei anteriormente,
e que se encontram publicados em livros de minha autoria (Discriminação no trabalho, Ltr, 2002,
e trabalho decente, Ltr, 2004).
4 ou seja, desde que a desigualdade deixou de ser regra prevista no ordenamento jurídico dos paí -
ses. Para melhor compreensão, observe-se o caso brasileiro, onde a escravidão foi admitida até a
edição da Lei áurea, nos fins do século XiX.
minalizando esses atos e, em alguns casos, impondo, também, sanções de natu-
reza administrativa, civil e trabalhista. a ele denomino modelo repressor.
ele, entretanto, deve ser entendido como modelo que se caracteriza por
ser estático, no sentido de que, muito embora reprima a conduta discrimina-
tória, pouco faz no sentido de dar às pessoas e grupos discriminados a possibi-
lidade de serem incluídos na sociedade, ao não impulsioná-los nessa direção.
essa iniciativa pertence a outro modelo, chamado ação afirmativa, ou
discriminação positiva. Conforme Joaquim B. Barbosa Gomes, a ação afirma-
tiva (affirmative action, nos estados unidos) ou discriminação positiva (discri-
mination positive, como utilizada na europa), é um conjunto de mecanismos
de integração social, de políticas sociais visando à concretização da igualdade
material.5 seu objetivo, conforme afirma Gabi wucher, é “assegurar a pessoas
pertencentes a grupos particularmente desfavorecidos uma posição idêntica à
dos outros membros da sociedade, proporcionando assim uma igualdade no
exercício de direitos”.6
estabelecendo comparação entre as medidas de ação afirmativa, e as que
caracterizam o modelo da simples repressão às condutas discriminatórias,
pode-se afirmar que a principal diferença entre os dois modelos é a postura
ativa que se adota na primeira, postura que se carateriza pela adoção, em
maior ou menor grau, de condições para que as pessoas e grupos discrimina-
dos e, portanto, excluídos, possam (re)integrar-se à coletividade, e que não se
encontra no segundo modelo, onde o estado apenas torna ilícitos os atos dis-
criminatórios, sem, entretanto, tomar outra providência que não seja essa, na
busca da neutralização desses atos.
note-se, todavia, que o modelo onde estão inseridas medidas de ação afir-
mativa não pode ser considerado isolado do simplesmente repressor, pois, no
primeiro, medidas repressivas deverão estar presentes. Dessa feita, o certo será
considerar o modelo das ações afirmativas uma evolução do modelo repressor,
embora com concepções distintas. isto porque, do ponto de vista do comporta -
mento do estado e das pessoas obrigadas a ter determinadas condutas, a dife-
rença entre os modelos é grande. Do ponto de vista dos efeitos que se preten-
de em um e outro modelo também. ainda assim, o modelo da ação afirmativa
sustenta-se na mesma ideia inicial do modelo repressor: a igualdade entre as
pessoas, dando, outrossim, passo a mais, ao buscar, por meio de medidas varia -
das, impulsionar a integração das pessoas e grupos discriminados.

5 instrumentos e métodos de mitigação da desigualdade em direito constitucional e internacional


(in www.mre.gov.br/ipri/rodrigo/raCismo/saLvaDor/PaPers/1%20Joaquim%Barbosa.rtf).
6 minorias: Proteção internacional em prol da democracia. são Paulo: editora Juarez de oliveira,
2000, p. 54.
esse passo a mais, deve ser salientado, afigura-se necessário para que se
tenha, efetivamente, igualdade entre as pessoas. De fato, o modelo que unica-
mente reprime, largamente utilizado, acaba sendo insuficiente para mudar o
quadro de exclusão a que estão sujeitos os grupos discriminados. Como enten-
de elida séguin, “as pessoas são diferentes e não podem ser tratadas com igual-
dade, sob pena de se cometer injustiças”,7 ou seja, nem sempre o tratamento
igual a todas as pessoas, indistintamente, será suficiente para deixá-las em
condições de equilíbrio, pois, às vezes há diferenças entre elas que, somente
por isso, colocam-nas em condições de desigualdade, sendo necessário imple-
mentar políticas que revertam esse quadro.
isso é, no mínimo, lógico. a situação de desequilíbrio que se foi estabe-
lecendo, ao longo dos anos, mesmo que cesse a conduta discriminatória osten-
siva, tende a se perpetuar, a não ser que invertida a ordem estabelecida, ou
seja, favorecendo, agora, quem durante anos foi desfavorecido.
as estatísticas existentes revelam que, em relação a certos grupos, há
uma situação de real desequilíbrio. exemplificando com a discriminação
racial, sérgio abranches, tratando de estudo conduzido pela socióloga rosana
Heringer, afirma que, “entre as pessoas ocupadas com renda superior a 10 salá-
rios mínimos há 9% de homens brancos, 9,5% de mulheres brancas, mas ape-
nas 2% de homens negros e 1,5% de mulheres negras”.8
Do ponto de vista da educação a situação é de desnível, ainda, como se
pode observar das informações trabalhadas por wania sant’anna e marcelo
Paixão, que transcrevemos parcialmente:

mesmo as escassas e desagregadas informações sobre a população afro-des-


cendente incluídas no relatório Brasileiro sobre Desenvolvimento
Humano (iPea-PnuD, 1996) já apontavam esse dimensão de desigualda-
de. trabalhando com dados referentes à Pesquisa nacional de amostra por
Domicílio (PnaD) de 1990, o relatório diz que 35,2% dos “pretos” e 33,6%
dos “pardos” com mais de 25 anos eram analfabetos, contra 15,1% dos
“brancos” em igual condição. ainda entre os maiores de 25 anos, o percen-
tual de “pretos” e “pardos” com pelo menos 9 anos de estudo era, respecti-
vamente, 9,3% e 12,7%, contra 26,7% dos brancos com o mesmo perfil. em
uma faixa de escolaridade maior, correspondente a 12 anos de estudos, a

7 minorias. in sÉGuin, elida (Coord.). Direito das minorias. rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 31.
8 Discriminação positiva (www.mail-archive.com/constitucional-brasil@yahoogrupos.com/
msg00017.html).
situação era ainda mais dramática: os “pretos” nessa posição eram apenas
1,7%, os “pardos” 2,9% e os brancos 11,4%” (destaques dos autores).9

Levando a questão para dez anos depois, com o Censo 2.000 do iBGe,
pode-se observar que, de um total de 65.247.236 pessoas de cor branca,
4.885.926 constaram como tendo 15 ou mais anos de estudo, ou 7,44% do total.
Já para os 7.977.446 de pretos, 126.000 pessoas tinham 15 ou mais anos de estu -
do, o que corresponde a 1,57% do total. Por fim, para os pardos, de 44.065.267
pessoas, 734.412 tinham 15 ou mais anos de estudo (1,66% do total).10
esse desnível, que vem permanecendo sem alterações significativas,
mesmo havendo a proibição da prática da discriminação de forma expressa em
lei, só pode ser revisto se medidas apropriadas forem adotadas para descompen-
sar a situação presente, conduzindo as pessoas a uma condição de igualdade.11

2.2. o texto Constitucional Brasileiro e as ações afirmativas

Justificada a adoção de medidas de ação afirmativa, pelos objetivos que


elas propõem, cabe observar que o ordenamento jurídico brasileiro, na
Constituição da república, cria as condições, ou melhor, impõe a adoção das
condições para a correção das desigualdades, o que sustenta a implementação
das medidas de ação afirmativa.
em primeiro lugar, um dos fundamentos da república é a dignidade da
pessoa humana (art. 1º, iii), pelo que está claro que, somente se pode admitir,
no Brasil, uma sociedade onde todos tenham o mínimo de direitos necessários
à preservação desse atributo do ser humano.12 nessa linha que segue o texto
constitucional, constituem objetivos fundamentais da república (artigo 3º): a
construção de uma sociedade justa (inciso i); garantir o desenvolvimento
nacional (ii); erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais (iii); e,
promover o bem de todos, sem qualquer discriminação (iv).

9 muito além da senzala: ação afirmativa no Brasil (www.ibase.org.br/paginas/wania.html).


10 Censo Demográfico 2000 do iBGe, Características Gerais da População, tabela 1.2.7 – Pessoas de
15 ou mais anos de idade, por cor ou raça, segundo o sexo e os grupos de estudo – Brasil
11 assim conclui, pugnando pela adoção de políticas de ação afirmativa, conforme Darien J. Davis,
o mrG – minority rights Group international, após pesquisa em que se verificou, em todas as
regiões brasileiras, um quadro de desnível, no confronto baseado em vários indicadores, entre os
brasileiros brancos e os afro-brasileiros (afro-brasileiros hoje. são Paulo: summus, 2000, p. 110 e
115-116, principalmente).
12 ver a respeito da dignidade, por exemplo, o meu trabalho decente (são Paulo, Ltr, 2004, p. 41-47).
o estado deve, dessa feita, promover as ações que forem necessárias para
a correção das desigualdades, permitindo que a todos seja garantido o acesso aos
recursos e serviços disponíveis. isso, entretanto, não pode ser garantido, nem
obtido, com o estado simplesmente regulando esse acesso de maneira formal,
ou seja, pretendendo situação de igualdade absoluta, como se todos nascessem
iguais, do ponto de vista de suas características e de suas condições sociais.
não, a regra é sermos diferentes e, mais do que isto, desiguais, em todos os
níveis, não podendo o estado ignorar esta situação, como se ela fosse o diferen-
cial que irá determinar a medida de nossa dignidade (???), por toda a vida. mais
ainda quando se é sabedor de que, boa parte das desigualdades e de sua acentua-
ção decorre e decorreu, ao longo de nossa história, do não respeito às diferenças.
não pode o estado ignorar que, entre brancos e negros há um desnível
causado diretamente por um tratamento desigual, que iniciou com a situação
jurídica distinta de uns e de outros durante o período da escravidão, e persis-
tiu depois, pela não adoção de maiores medidas de inclusão dos últimos na
sociedade, bem como pela utilização de uma série de artifícios, que Hanchard
denomina genericamente de hegemonia racial.13
não pode o estado negar que a deterioração do ensino público, funda-
mental e médio, principalmente, aumentou ainda mais o desnível educacional
entre as diversas classes de brasileiros, garantindo-se o ensino superior de qua-
lidade somente aos que puderam migrar para as escolas privadas, e portanto
pagas, pelo que não acessíveis à grande massa de pessoas em idade escolar, e lá
fazer uma preparação adequada para os nível seguinte do ensino.
não pode o estado esquecer que, em relação às pessoas com deficiência, as
medidas para sua inclusão ainda são recentes, e estão muito mais voltadas para
o trabalho do que para sua participação em outros campos, como o ensino.14
Por tudo isso, é preciso adotar medidas que levem em consideração essas
desigualdades, conduzindo à busca do que se convencionou chamar de igual-
dade material. e o ordenamento comporta essas medidas, ou melhor, impõe
sua adoção, pois as ações estatais devem levar em conta os objetivos da repú-
blica, enunciados acima.
não é, pois, questão de opção do estado a adoção dessas medidas; é uma
imposição necessária para a construção de sociedade que se desenvolva de forma
justa, com menos desigualdades, e tendo como parâmetro o bem de todos.

13 HanCHarD, michael George. orfeu e o poder: o movimento negro no rio de Janeiro e são
Paulo (1945-1988). rio de janeiro, eduerj, 2001, p. 61-94.
14 uma das grandes dificuldades que encontram as pessoas com deficiência para a obtenção de um posto
de trabalho é sua baixa qualificação, consequência do fato de que não encontram, nas escolas, ambien-
te propício para sua integração. isso faz com que, mesmo tendo direito ao trabalho, ou não encontrem
um emprego, ou sejam obrigadas a aceitar postos que exigem baixa ou nenhuma qualificação.
o estado está obrigado a implementar políticas públicas que permitam a
inclusão dos integrantes dos grupos vulneráveis, cabendo-lhe, tão somente, e
respeitando o ordenamento jurídico, determinar a forma e o alcance.15 mais,
o ordenamento jurídico brasileiro, pelos princípios fundamentais insculpidos
na Constituição da república, deixa claro que a tarefa de corrigir as desigual-
dades não é somente do estado, pelo que as obrigações jurídicas criadas não
precisam ser suportadas apenas pelo estado, mas também pela sociedade, pois
a busca pelo bem de todos, aqui entendida como medida de justiça, é, sendo
redundante, obrigação de todos.16

2.3. Critérios para a utilização da ação afirmativa

o grande problema enfrentado, todavia, quando se discute as ações afir-


mativas, diz respeito às condições para a sua adoção. É que, mesmo para seus
defensores, embora o fundamento das ações seja, via de regra, o mesmo, o bem
de todos, não há consenso na forma de sua implementação, sob os mais varia-
dos aspectos, como a forma de adoção, a duração, e a intensidade.
Para isso, proponho que alguns critérios sejam levados, sempre, em con-
sideração. em primeiro lugar, é preciso observar que, dentre as ações do
estado, com a criação ou não de obrigações para a sociedade, para a correção
de desigualdades, há uma série de medidas que podem ser implementadas.
as ações afirmativas, então, correspondem a somente uma parte dessas
medidas, e que nem sempre serão eficientes. o primeiro critério a observar,
então, é a eficiência, que deve ser vista em diversos sentidos. Primeiro, como
o instrumento correto para a correção da desigualdade. É que, caso observado
que uma medida de ação afirmativa não será capaz de reduzir uma desigual-
dade, que decorre de outros fatores que não serão corrigidos por ela, e haven-
do outra ação estatal que possua essa capacidade, não há porque adotá-la.17

15 aqui uma observação importante. Para alguns, as políticas públicas são “criações” do administra-
dor público, quando, na verdade, devem ser entendidas como obrigações previstas no ordena-
mento jurídico, cabendo ao administrador a tarefa de implementá-las. não há discricionariedade
na decisão de adotar ou não as medidas, pois esta decisão já foi tomada e consta do ordenamen-
to. o que pode o administrador é decidir, sem tanta liberdade, também, como implementar. ver
a respeito texto de minha autoria denominado Direitos sociais, políticas públicas e atuação do
ministério público do trabalho (Cadernos da Pós-Graduação em Direito da universidade Federal
do Pará, Belém, n. 18-19, p. 27-41, jan-dez. 2003).
16 esse um problema que não temos, em comparação com o modelo norte-americano.
17 a afirmação feita, embora pareça óbvia, é necessária para um país em que o proselitismo e a falta
de planejamento das ações do estado são regras.
além disso, deve haver a escolha da medida a adotar. Diversas são as
ações que configuram a discriminação positiva. embora a fixação de cotas seja
a mais comum e, em certa medida, a que produz os resultados mais rápidos,
não é a única. incentivos de natureza fiscal, ou estímulos que se pode conce-
der para a adoção de ações determinadas por particulares são outros exemplos.
além do mais, pertencer a um grupo vulnerável pode ser somente um dos cri-
térios para determinada escolha,18 como é o pensamento de parte da doutrina
e da jurisprudência norte-americana.
note-se que o fato de precisar ser a medida eficiente não impõe que seja
a única a ser adotada. verificando o caso do ensino, por exemplo, observa-se
que há deficiências na base que, caso não corrigidas, manterão sempre o des-
nível verificado no grau de instrução das diversas classes sociais e dos grupos
que compõem a sociedade.
as medidas de ação afirmativa que criam condições de acesso, então, não
serão suficientes, sozinhas, para mudar o quadro existente, mas, por outro
lado, serão eficientes no sentido de alterar, em curto e médio prazo, uma
situação que, a depender de uma reforma completa no ensino, só produziria
efeitos muito depois, atrasando a correção das desigualdades.19 É que a eleva-
ção do grau de instrução dos integrantes dos grupos vulneráveis, além de cor-
rigir a desigualdade em relação a eles, tem ainda efeito multiplicador, pois
reverte em favor da comunidade onde estes integrantes estão inseridos.
mas não é só na eficiência que se deve pensar, na adoção de medidas de
ação afirmativa. É preciso que, ao se decidir pela sua implementação, sejam
elas adequadas à correção das desigualdades, dentro do contexto em que vão
ser inseridas.
assim, não basta que a medida seja, em tese, capaz de corrigir uma desi-
gualdade; é preciso que sua implementação seja feita de forma a garantir os
resultados esperados com o mínimo de impacto negativo. Questões como o
tempo de duração das medidas, assim como sua intensidade, são indispensá-
veis para o sucesso da iniciativa, bem como para o seu controle.20

18 e ainda assim ser eficaz, dependendo da hipótese.


19 esse exemplo tem um duplo objetivo. Primeiro, negar veracidade para a afirmação feita pelos que
dizem que, porque o problema das desigualdades no ensino está na base, não há sentido em promo-
ver medidas específicas para o ensino superior. Para estes, ou se muda tudo ou não se muda nada.
De outra banda, pensar que as ações afirmativas no ensino superior serão capazes de, sozinhas, alte-
rar o quadro de desigualdade existente, é acreditar que uma medida que só atingirá parte dos que
estão em situação de desnível é capaz de mudar o todo. na verdade, as ações do estado são comple-
mentares entre si, sendo obrigação deste implementar todas as necessárias, não somente parte delas.
20 Controle aqui devendo ser entendido como o conjunto de atos de supervisão da medida. no caso
do ensino superior, por exemplo, é preciso criar, nas entidades que recebem os alunos, uma série
não é o que se tem visto, em alguns exemplos, no Brasil. as medidas são
implantadas e executadas sem um planejamento anterior, o que, além de redu-
zir sua eficácia, ainda produz um sentimento negativo na sociedade, embora
em parte amplificado pelos que negam a possibilidade de sua utilização.
no ensino superior, especialmente, há casos emblemáticos. verifique-se,
por exemplo, a iniciativa do estado do rio de Janeiro, por meio das Leis
estaduais de números 3.254, de 28 de dezembro de 2.000, e 3.708, de 9 de
novembro de 2001. a primeira estabeleceu 50% das vagas nas universidades
estaduais do rio de Janeiro, uerJ e estadual Fluminense, para alunos egressos
do sistema púbico de ensino dos municípios e do estado, enquanto a segunda
garantiu cota de 40% para as populações negra e parda no preenchimento das
vagas, nas mesmas instituições de ensino superior. somadas as duas regras, caso
não houvesse alunos que se enquadrassem nas duas hipóteses simultaneamen-
te, estar-se-ia diante de um quadro possível de 90% das vagas preenchidas por
cotas, restando 10% das vagas para todos os outros pretendentes.21
É evidente que as medidas eram justas e cumpriam objetivos previstos
constitucionalmente. ainda assim, é também fácil perceber que eram despro-
vidas de razoabilidade. não se pode alterar situações constituídas, às vezes, em
centenas de anos, de uma só vez. É preciso que medidas de ação afirmativa
sejam revestidas de mecanismos de natural assimilação, sob pena de, em nome
da igualdade, produzirmos um acirramento de posições, já eivadas de precon-
ceito. É que, ao lado da questão jurídica, é preciso que as ações afirmativas
cumpram o papel de desconstrutoras do preconceito.
não se viu, também, nos exemplos citados, a comprovação de que houve
planejamento. não foi indicado um prazo, por exemplo, para a duração da
medida. ora, como o que se está a produzir é uma correção de desigualdades,
é óbvio que, cessadas estas, deve cessar a medida. as ações afirmativas têm
como característica serem temporárias, e qualquer iniciativa deve prever o
momento de seu término, ou com um termo, fixado por uma data, ou com
uma condição, vinculada ao fato que é a correção da desigualdade.22

de serviços, para o acompanhamento dos alunos, que podem precisar de nivelamento, ou que
podem ser vítimas de discriminação, pela sua condição especial de ingresso.
21 Para um estudo mais completo a respeito do exemplo sugiro a leitura da dissertação de mestrado
de marisa Filomena Lima dos reis, denominada ação afirmativa e suas implicações no brasil: o
sistema de cotas nas universidades (Belém, universidade Federal do Pará, 2003).
22 essa situação, hoje, já foi alterada, com o estabelecimento de patamares mais baixos para as cotas,
e inclusão de novos grupos, o que permite uma correção das desigualdades mais eficaz e menos
sujeita a ataques, embora mais demorada.
3. Conclusões

as medidas de ação afirmativa, quaisquer que sejam, devem ser entendi-


das como ações do estado, geradoras de obrigações deste e da comunidade, e
que têm o objetivo de corrigir, de forma ativa, distorções entre os diversos
grupos existentes na sociedade.
sua utilização encontra amparo nos objetivos fundamentais da
república, estando plenamente justificada do ponto de vista jurídico. seu fun-
damento é o ideal de justiça que se materializa no bem de todos.
ainda assim, sua adoção deve obedecer a critérios rígidos, sob pena de
desvirtuamento e de ineficácia. a falta desses critérios, em algumas medidas
que vêm sendo implantadas, ou conduz a ações inócuas, que são simplesmen-
te ignoradas, ou impõe ações açodadas e desprovidas de qualquer razoabilida-
de, o que gera um sentimento negativo de parcela significativa da sociedade,
findando por elevar os preconceitos existentes.
É que a correção das desigualdades, para ter efeitos perenes, exige mais
do que ações amparadas pelo Direito; exige a desconstrução do pensamento
preconceituoso. Para isso, é preciso que parcela significativa da sociedade
esteja engajada e consciente da necessidade das medidas adotadas. sem isto, a
possibilidade de se desenvolver total aversão às ações afirmativas é real,
podendo conduzir à sua rejeição total, em retrocesso na busca de mais igual-
dade entre os membros da sociedade.
Por fim, é preciso compreender, repito, que o objetivo das ações afirma-
tivas, como parte das políticas públicas que são, é o de corrigir desigualdades,
estando, pois, voltado para o futuro, para a construção de uma sociedade mais
justa. não têm as ações afirmativas natureza indenizatória, até porque seria
rigorosamente impossível indenizar condignamente os que por séculos sofrem
lesões e iniquidades, apenas por pertencerem a grupos ainda vulneráveis.

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o Papel da tributação na implementação
dos Direitos Fundamentais sociais
edson Benassuly arruda*

sumário: 1. Breve Histórico do surgimento dos Direitos Fundamentais sociais; 2. Direitos Fun-
damentais a Prestações; 3. os Direitos Fundamentais sociais Prestacionais como normas Progra-
máticas; 4. Políticas Públicas; 5. o Papel da tributação na implementação das Políticas Públicas;
6. em conclusão; referências Bibliográficas.

1. Breve Histórico do surgimento dos Direitos Fundamentais


sociais

uma das principais temáticas, discutidas hoje, relacionadas aos direitos


fundamentais refere-se à eficácia dos direitos sociais. Busca-se mecanismos
para que tais direitos fujam do rótulo de “normas de baixa densidade norma-
tiva”, ou “meras normas programáticas” ou “adstritas a reserva do possível”.
neste trabalho busca-se quebrar determinados arquétipos e diminuir a apa-
rente dicotomia entre os direitos sociais com os direitos liberais clássicos. Para
adentrar no tema, faremos um breve histórico a respeito do contexto históri-
co em que surgiram os direitos sociais.
apesar da importância dos direitos fundamentais de liberdade e igualda-
de, a história demonstrou a incapacidade destes direitos e garantias indivi-
duais de assegurar, sozinhos, a existência digna dos seres humanos. a mera
igualdade formal, transformara-se em grande fonte de injustiça e segregação
social, em um contexto onde os meios de produção estavam concentrados nas
mãos da pequena classe burguesa. Ficou claro que o “apoliticismo” e a “neu-
tralidade” do estado Liberal não podia satisfazer as necessidades de liberdade
e igualdade reais dos trabalhadores urbanos e rurais. a omissão do estado em
busca do equilíbrio econômico e social resultou numa série de conflitos de
classe, principalmente entre a segunda metade do século XiX até a primeira
metade do século XX, resultado da insuficiência das liberdades burguesas, em
detrimento da justiça social (LuÑo, 1999, p. 223).
Com o advento da revolução industrial, surgiram inúmeros problemas
sócio-econômicos, sobretudo em decorrência do êxodo-rural e da concentra-
ção dos instrumentos de trabalho pelos donos do capital. a falta de infra-

* advogado. mestre em Direito pela universidade Federal do Pará.


estrutura nas cidades (escolas, hospitais, etc.), associada às péssimas condições
de trabalho, exigiam do estado uma posição ativa para solucionar os crescen-
tes problemas. o modelo do estado Liberal tornou-se insustentável em face
das novas exigências, onde a segurança da legalidade e a igualdade de todos
perante a lei não supriam as reais necessidades da massa desamparada (Com-
Parato, 1989, p. 98).
os trabalhadores eram obrigados a se empregarem nas fábricas para
garantir seu sustento. Patrões e operários, em virtude da lei, eram considera-
dos em igualdade de condições para negociar salários, condições de emprego
e o que mais fosse necessário. não é difícil imaginar o resultado desta igualda-
de formal, onde os mais fortes (a burguesia) subjugava os mais fracos (o prole-
tariado). Diante de tal situação, a massa de trabalhadores era brutalmente
explorada em intermináveis jornadas de trabalho e com salários de fome,
sobrevivendo em péssimas condições de moradia, saneamento, saúde e educa-
ção, aglomerando-se em verdadeiros bolsões de miséria.
em razão deste cenário aterrador, uma fração da classe de trabalhadores,
inspirada nas doutrinas socialistas, organizou-se e passou a lutar por melhores
condições de trabalho e de vida. Desenvolve-se uma consciência de classe para
a reivindicação de direitos sociais e econômicos para contrapor os clássicos
direitos individuais. Deste momento em diante o direito ao trabalho e seus
frutos, assim como a previdência social passam a ser as novas exigências, cuja
proteção se reclama. neste contexto, se destaca como carta destes novos direi-
tos, “o manifesto comunista”, elaborado por marx e engels no ano de 18481
(LuÑo, 1998, p. 38).
a constituição do méxico, de 1917, foi a primeira carta política a consa-
grar os direitos sociais juntamente com os direitos de liberdade. Posterior-
mente, em 1919, a constituição alemã de weimar, também, consagrou os
direitos sociais dentre seus diretos fundamentais, sendo considerada a consti-
tuição mais importante na positivação dos direitos sociais em harmonia com
os direitos individuais.
após o término da ii guerra mundial, baixo as experiências totalitárias,
os estados sentiram a necessidade de uma reestruturação constitucional na
tentativa de corresponder às novas exigências econômicas e sociais. muitos
estados consagraram em suas cartas constitucionais os direitos sociais ao lado

1 a respeito da critica ao estado Liberal e à defesa dos direitos sociais, destacam-se duas correntes
teóricas. a primeira é a marxista, e a segunda é a conhecida como “social-democracia”, que defen-
de a melhoria das condições sociais da população através de ações reformistas por parte do estado.
a social-democracia defende a evolução no sentido social dos direitos fundamentais e da trans -
formação do estado liberal em estado social de Direito (LuÑÕ, 1999, p. 122)
dos individuais, como direitos fundamentais. ademais, se pode destacar no
período do pós-guerra a descolonização dos países da áfrica e do oriente, onde
também houve a positivação dos direitos sociais em seus ordenamentos jurí-
dicos,2 e o processo de positivação dos direitos sociais dos países socialistas.3
(LuÑo, 1999, p. 123).
todo esse quadro exigiu a racionalização dos poderes públicos, a fim de
responder às exigências inéditas, postas pelo funcionamento de uma economia
urbana de massa. Como bem assinala Comparato, se o estado estava impedido
de fazer o mal, na prática também estava impedido de fazer o bem, ou seja, o
modelo de estado liberal não concedia aos poderes públicos a iniciativa e a
capacidade de empreender. essa inação do estado nunca perturbou os liberais,
que sempre acharam que o melhor governo é o que menos governa, contudo
ela se tornou incongruente e ineficaz ao atendimento das necessidades sociais
(ComParato, 1989, p. 97).
o estado passou, então, de mero árbitro das relações sociais a promotor
de desenvolvimento econômico com justiça social, protegendo os economica-
mente mais fracos, atenuando as desigualdades e dirimindo os conflitos oriun-
dos da sociedade capitalista e individualista que havia se desenvolvido sob a
égide do estado Liberal. surge então, o estado social, onde os poderes públi-
cos têm a missão de proporcionar à população as prestações materiais e servi-
ços públicos condignos, a fim de suprir suas necessidades vitais.4 Deste modo,
passou a ser tarefa própria do estado de direito garantir aos cidadãos empre-
go, saúde, moradia. este modelo de estado ficou conhecido como “estado de
bem-estar social” (welfare state5) (LuÑo, 1998, p. 183 e ss.).
através das lutas de classe e do progressivo reconhecimento dos direitos
econômicos e sociais, o government by law acabou sendo substituído pelo
government by policies.6 neste tipo de governo, cabe ao estado, através de

2 apesar de seus esforços, não é difícil imaginar que se tratou de uma tentativa frustrada, em virtude das
condições miseráveis da população e da fragilidade econômica destes países (LuÑo, 1999, p. 123).
3 nos países socialistas os direitos sociais eram considerados como uma garantia do exercício de
todos os demais direitos, tendo prevalência sobre qualquer outro (LuÑo, 1999, p. 123).
4 nos países mais desenvolvidos do final do século XiX, promoveu-se uma política setorial, a fim
de amenizar as péssimas condições de vida da classe trabalhadora. não havia a proposta de trans -
formação social, mas sim de remediar seus piores efeitos (PeLaYo, 1996, p. 18).
5 o conceito de welfare state refere-se a uma dimensão da política estatal, ou seja, de suas finali -
dades de bem-estar social. É um conceito mensurável em função da distribuição do capital, pres -
suposto para a realização de serviços sociais e outros índices (PeLaYo, 1996, p. 14).
6 os direitos sociais significam uma mudança de paradigma no conteúdo dos direitos fundamen -
tais, pois estes restringiam-se apenas a limitar o poder estatal, e acabaram convertendo-se em nor -
mas que exigem a gestão da ordem econômica e social. os direitos sociais possuem como princi-
pal função assegurar a participação nos recursos sociais ao distintos membros da sociedade. Perez
prestações positivas instituir políticas públicas, visando garantir os direitos
sociais, referentes à saúde, à educação, ao trabalho, etc. estes direitos só pude-
ram ser implementados, quando o Poder Público abandonou seu caráter abs-
tencionista, para incorporar seu papel ativo na realização da justiça social. Com
isso, observa-se que os direitos fundamentais sociais se diferenciam dos de
liberdade, por se caracterizarem, em grande parte, por sua dimensão positiva.
o advento de um novo modelo de estado, notadamente social interven-
cionista, resultou na positivação constitucional de direitos sociais e econômi-
cos. a configuração individualista da liberdade e da igualdade alterou-se para
uma concepção coletivista, carecedora de intervenção estatal, responsável
pela efetivação de uma igualdade material no seio da sociedade. Passou-se a
reconhecer enquanto direitos fundamentais ao lado dos direitos individuais,
os chamados direitos sociais, como o direito ao trabalho, à moradia, à educa-
ção, ou à previdência social. e nesse campo já não se cuida de limitar a ação
do estado em defesa das liberdades individuais, mas, ao contrário, de exigi-la
como uma prestação essencial à dignidade humana. o estado social tem como
fim, a concretização da ideia de igualdade, não apenas em seu aspecto formal,
mas também no aspecto material, necessitando para isso de pressupostos
materiais mínimos à favor de grupos sociais. sendo assim, pode-se adotar o
valor de igualdade para caracterizar o estado social (DÍaZ, 1989, p. 33).
Pelo exposto, estado e sociedade não são sistemas autônomos e autorre-
gulados, mas sim sistemas fortemente inter-relacionados entre si, através de
relações complexas. ou seja, não há mais o abismo entre estado e sociedade,
ambos devem caminhar juntos no sentido de unir esforços para a construção
de uma melhor distribuição de renda e justiça social e na procura de meios
para atingir estes fins.
o que é preciso ter em mente quando falamos de direitos sociais funda-
mentais é que tais direitos, como expõe alexy, são direitos de cunho libertá-
rio. De acordo com esta concepção, não é possível usufruir as liberdades jurí -
dicas sem as liberdades fáticas. De outro modo, se uma pessoa possui a liber-
dade jurídica de praticar determinada ação, esta estaria completamente esva-
ziada se não houvesse meios materiais ou fáticos que possibilitassem sua rea-
lização. a liberdade só é real, neste contexto, quando existam as possibilida-

Luño entende os direitos sociais em duas dimensões, uma objetiva e outra subjetiva. na dimen -
são objetiva os direitos sociais são um conjunto de normas que direcionam o estado a realizar sua
função moderadora e equilibradora das desigualdades sociais. ao cabo que a dimensão subjetiva
trataria das faculdades dos cidadãos e dos grupos sociais a participar dos benefícios da vida social,
através de prestações diretas ou indiretas dos poderes públicos (LuÑo, 1999, p. 84).
des fáticas e seus respectivos pressupostos para a autodeterminação7 (aLeXY,
1997, p. 486 e ss.).

2. Direitos Fundamentais a Prestações

inegavelmente, os direitos sociais possuem um caráter prestacional, exigin-


do uma prestação positiva para a consecução de seu conteúdo normativo, porém
algumas observações se fazem necessárias, a fim de evitar algumas confusões ter-
minológicas. na maioria das vezes em que se reportam a direitos prestacionais
vem logo à mente a ideia de direitos sociais. Porém, nem todos os direitos pres-
tacionais são direitos sociais. na verdade, os direitos prestacionais são o gênero e
os direitos sociais são espécie. além dos direitos sociais, os direitos prestacionais
englobam os direitos de proteção8 e os direitos de participação e procedimento.9
resumidamente, se pode dizer que os direitos a prestações derivam da
concepção na qual cabe ao estado além de garantir igualdade formal entre os
cidadãos, garantir a igualdade material entre eles. Para isso, cumpre aos deve-
res públicos colocar à disposição meios materiais que garantam o efetivo exer-
cício das liberdades fundamentais. sendo assim, o principal objetivo dos direi-
tos fundamentais a prestações é o de possibilitar o livre desenvolvimento do
indivíduo, assegurando-lhe uma existência digna. Para que o estado atinja
este fim é imprescindível que exerça uma postura ativa, outorgando meios
materiais ou/e jurídicos para a implementação destes direitos. Por isso, alexy
expõe que todo ato positivo que exige uma ação do estado é um direito a pres-
tação10 (aLeXY, 1997, p. 427 e ss.).

7 sem a observância dos direitos sociais a liberdade fática do indivíduo não se poderia falar em uma
vida digna, dispositivo constitucional que irradia sobre todo ordenamento jurídico (aLeXY,
1997, p. 488). este entendimento já foi consagrado pelo tribunal federal alemão que expressa: “o
direito de liberdade não teria nenhum valor sem os pressupostos fáticos para poder fazer uso
dela”. no mesmo sentido, alexy nos ensina que à luz da teoria dos princípios, o catálogo dos direi-
tos fundamentais expressa, entre outras coisas, princípios de livre desenvolvimento do indivíduo,
o qual pressupõe uma existência digna dentro de uma comunidade social. Para isto, é necessário
que sejam colocados à sua disposição meios materiais, garantindo assim, uma liberdade fática para
a consecução destes fins (aLeXY, 1997, p. 489).
8 os direitos de proteção, de acordo com alexy, podem ser entendidos como aqueles em que o titu -
lar destes direitos fundamentais possuem frente ao estado para que este os proteja de interven -
ções de terceiros contra sua liberdade individual e integridade física (aLeXY, 1997, p. 435).
9 os diretos a participação e procedimento são aqueles relacionados com direitos procedimentais,
os quais permitem o acesso dos cidadãos a todo o aparato estatal, através dos instrumentos que o
governo disponibiliza, a fim de que sejam assegurados a todos esses direitos fundamentais
(aLeXY, 1997, p. 456 e ss.).
10 sob esta perspectiva os direitos a prestações englobaria os direitos a prestação em sentido estrito
(direitos sociais), os direitos de proteção e os direitos à participação na organização e no procedi -
mento. Porém, a título deste capítulo abordaremos, apenas os primeiros.
Porém, é importante ter em mente que os direitos a prestações não exi-
gem apenas prestação fáticas, mas também normativas. De acordo com o jus-
filosofo alemão, os direitos fundamentais a prestação sob a perspectiva de
direitos subjetivos, constituem uma relação trivalente entre o titular do direi-
to fundamental, o estado e uma ação positiva deste. assim, toda vez que se
verifica uma relação desta maneira, o titular do direito fundamental possuiria
a prerrogativa de exigi-los judicialmente.
os direitos fundamentais prestacionais em sentido estrito são aqueles
que exigem uma atuação positiva do estado para suprir necessidades básicas
do cidadão e para assegurar uma vida digna e o livre desenvolvimento de sua
personalidade. estes direitos estão relacionados aos direitos de educação,
saúde, habitação etc. Desta forma, os direitos prestacionais em sentido estrito
podem ser identificados como os direitos sociais de natureza prestacional.
um equívoco que deve ser corrigido é o de que os direitos sociais possuem,
sempre, uma dimensão positiva. alguns direitos sociais possuem dimensão tipi-
camente de direitos de defesa, ou seja, de liberdade e igualdade, de cunho nega-
tivo e matriz liberal. estes direitos poderiam ser enquadrados na classificação
jellinekiana: status negativus socialis ou status libertatis socialis. Como exemplo
de um direito de liberdade social podemos citar o direito de greve e o de igual-
dade no ambiente de trabalho, consistindo na não discriminação.
os direitos fundamentais a prestações são os direitos do status positivus
socialis, também conhecidos como direitos prestacionais stricto sensu. estes
direitos emanam de normas de direitos fundamentais diretamente relaciona-
das a prestações materiais, por isso são identificados com os direitos funda-
mentais sociais (sarLet, 1998, p. 257 e ss.).
o conceito oferecido por alexy é muito elucidativo, vejamos:

Los derechos a prestaciones en sentido estricto son derechos del ciuda-


dano frente al estado a algo que – si el individuo poseyera medios finan-
cieros suficientes y si encontrase en el mercado una oferta suficiente –
podría obtenerlo también de particulares (aLeXY, 1997, p. 482).

estes direitos objetivam, mediante a redução das desigualdades sociais


assegurar o exercício das liberdades e igualdade de forma real e efetiva, exi-
gindo uma postura ativa do estado, uma vez que a igualdade material é um fim
que deve ser buscado e construído. Deve-se ter em conta que nem todos os
direitos sociais são dirigidos contra o estado, como no caso dos direitos dos
trabalhadores. Porém não se deve esquecer que tais direitos são fruto de con-
quistas alcançadas no estado social de Direito. os direitos sociais prestacionais
tendem a realizar os objetivos da Constituição-88,11 no sentido de realizar
equitativamente a (re)distribuição de bens existentes, estando integrados na
liberdade real.
nesta obra vamos trabalhar especificamente com os direitos fundamen-
tais sociais prestacionais.12

3. os Direitos Fundamentais sociais Prestacionais como


normas Programáticas

Como já foi exposto, da tensão dialética entre o Liberalismo e socialismo,


surge nas constituições dos estados, princípios de direito econômico e social.
De acordo com José afonso, o conjunto destes princípios formou o chamado
“conteúdo social das constituições” (siLva 1998, p. 136). a partir das novas
perspectivas constitucionais, na busca da justiça social adveio o termo de
“constituição dirigente”, a qual define fins e programas de ação futura para a
construção de uma sociedade social democrata. nestas constituições verifica-
se uma dupla preocupação, ora com os direitos liberais, de liberdade e defesa,
ora com os direitos sociais. José afonso expõe que estes direitos requerem
muitas vezes providências ulteriores, comprometendo assim, sua aplicabilida-
de imediata e, consequentemente, sua eficácia. em virtude de todas estas
características os DFsP são enquadrados por parte da doutrina como “normas
programáticas”.13
a força dirigente dos direitos a prestações coloca em xeque o objetivo
clássico da pretensão jurídica fundada no direito subjetivo. verifica-se uma
transposição da pretensão de omissão (de que o estado intervenha contra os
direitos individuais de liberdade) para uma proibição de omissão, ou seja, o
estado, agora, tem o dever de assumir uma postura positiva no sentido de asse-
gurar as prestações. estes direitos proclamam um tipo de constituição, deno-
minada notadamente dirigente, onde a um máximo de desejabilidade consti-
tucional de direitos econômicos sociais e culturais, corresponde uma relativi-
zação dos mesmos direitos, derivada da interpositio necessária do legislador e
da subordinação da efetividade constitucional à chamada reserva do possível
(CanotiLHo, 1994, p. 365).

11 art. 3º, iii.


12 em razão do rigor conceptual que os trabalhos acadêmicos exigem, os direitos fundamentais
sociais que serão abordados deste ponto em diante são os direitos fundamentais sociais prestacio -
nais. Para facilitar a exposição desta nomenclatura utilizaremos a sigla DFPs.
13 neste mesmo sentido, Canotilho e ingo sarlet.
Por normas programáticas podemos entender aquelas que definem um
programa de ação que é assumido pelo estado e repassado aos seus diversos
órgãos, na forma de um programa, incumbido-os do dever de satisfazer nos
meios e formas das respectivas atividades. estas normas não são auto-aplicá-
veis, regulam os comportamentos públicos destinados a compor os DFsP, esta-
belecendo aquilo que os governantes poderão ou não realizar. Por isso, as nor-
mas programáticas indicam o fim a ser atingido, os meios aptos a isso, mesmo
de forma geral, restringindo a liberdade de conformação do legislador (siLva,
1998, p. 137)
sinteticamente, José afonso tece a seguinte definição de normas progra-
máticas:

“(...) programáticas aquelas normas constitucionais através das quais o


constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados
interesses, limitou-se em traçar-lhes os princípios para serem cumpridos
pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrati-
vos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos
fins sociais do estado” (siLva, 1998, p. 138).

as normas programáticas, segundo ingo sarlet, seriam aquelas que apre-


sentam um elemento comum que justifica suficientemente esta opção, onde
todas estas normas se caracterizariam pelo fato de reclamarem uma interposi-
ção legislativa, a fim de gerarem todos os seus efeitos. nesta concepção, o
autor, a exemplo de José afonso, apresenta as normas programáticas como
normas de baixa densidade normativa, ou insuficiente para alcançar a pleni-
tude de sua eficácia. elas apresentam programas, finalidades e tarefas a serem
implementadas pelo estado, ou impõem determinados preceitos a serem con-
cretizados pelo legislador (sarLet, 1998, p. 257).
as normas programáticas desempenham um papel imprescindível no
estado Democrático de Direito, principalmente nos países subdesenvolvidos,
pois procuram implementar uma democracia substancial, assegurando a todos
o acesso aos bens indispensáveis à existência digna, através de programas de
intervenção econômica. a constituição brasileira de 1998 não ficou alheia a
estas necessidades. ela prescreve em seus arts. 170 e 193, os fins da ordem eco-
nômica e social. as normas programáticas tendem, por meio de uma melhor
distribuição de renda, a assegurar um regime de justiça social, diminuindo as
profundas desigualdades sociais.
José afonso da silva aponta as seguintes características básicas das nor-
mas programáticas: o objeto de tais normas seria a regulação dos interesses
econômico-sociais, como a realização da justiça social e existência digna,
desenvolvimento econômico etc.; seriam normas sem força suficiente para se
desenvolver integralmente, tendo, por isso, sido recepcionadas como progra-
ma a ser desenvolvido pelo estado, por meio de legislação infraconstitucional
ou outras providências necessárias. seriam, também, normas de eficácia redu-
zida (siLva, 1998, p. 150).
Quanto a este último aspecto, as normas programáticas seriam normas de
eficácia reduzida ou limitada, justamente por não produzirem todos os seus
efeitos essenciais, apenas com a entrada em vigor da constituição, pois não
possuiriam “normatividade” suficiente para irradiar a plenitude de seus efei-
tos. esta tarefa acabou sendo delegada para o legislador ordinário. em virtude
destas características, as normas de eficácia limitada teriam uma aplicabilida-
de indireta, mediata e reduzida, em razão de necessitarem de uma normativi-
dade posterior que desenvolva toda sua eficácia14 (siLva, 1998, p. 163).
apesar do supra exposto, José afonso aponta determinadas circunstân-
cias onde as normas programáticas teriam eficácia jurídica imediata: estabele-
cem um dever para o legislador ordinário; condicionam a legislação futura,
sendo inconstitucionais as leis ou atos que forem incompatíveis com ela;
orientam a concepção do estado e da sociedade e funcionam como fonte de
inspiração ao ordenamento jurídico, mediante a atribuição de fins sociais, pro-
teção dos valores da justiça social; constituem sentido teleológico para a inter-
pretação, integração e aplicação das normas jurídicas; condicionam a ativida-
de discricionária da administração e do judiciário; criam situações jurídicas
subjetivas, de vantagem ou desvantagem.
ingo sarlet expõe quais seriam as cargas de eficácia deste tipo de normas,
que seriam comuns a todas as normas definidoras de direitos fundamentais:
acarretariam a revogação dos atos normativos anteriores e contrários ao con-
teúdo da norma definidora de direitos fundamentais e, consequentemente, sua
revogação do ordenamento jurídico sem a necessidade da declaração de
inconstitucionalidade; conteriam imposições que vinculam o legislador, no
sentido de que este não apenas deve cumprir o programa, mas também cum-
prir seu desiderato, não podendo se afastar dos parâmetros preestabelecidos
nas normas definidoras de direitos fundamentais a prestações; a declaração de
inconstitucionalidade de todos os atos posteriores à constituição que sejam
colidentes ao conteúdo dos direitos fundamentais; os DFsP serviriam de parâ-
metro para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas, pois

14 Podemos citar vários dispositivos constitucionais que seriam de eficácia limitada, ou normas pro-
gramáticas: art. 33; art. 88; v 90, § 2º; art. 91, § 2º; art. 196; art. 217; etc.
conteriam princípios, diretrizes, e fins que condicionariam a atividade dos
órgãos estatais e toda a ordem jurídica; os DFsP gerariam sempre algum tipo
de pretensão jurídico-subjetiva; possuiriam o princípio da “proibição do retro-
cesso”, ou seja, uma vez consagrados direitos fundamentais, estes não pode-
riam ser objeto de revogação, pois estariam incorporados definitivamente no
patrimônio jurídico do cidadão.
Canotilho expõe que, em virtude de alguns direitos sociais, no caso os
DFsP, implicarem prestações pecuniárias, a implementação destes direitos
está sempre condicionada ao volume de recursos suscetíveis de serem aloca-
dos para sua realização, estando então sob a reserva das disponibilidades orça-
mentárias. Porém, o constitucionalista português não destitui estas normas de
eficácia, pois mesmo sem poderem ser diretamente aplicadas, elas irradiam
importantes consequências jurídicas no ordenamento. em primeiro lugar, elas
serviriam como pautas de interpretação de outras normas legais, no sentido de
que estas devem estar em conformidade com aquelas. em segundo lugar, a
inércia do estado poderia resultar em inconstitucionalidade por omissão. e
por fim, tais normas implicariam a inconstitucionalidade das normas legais
que previssem termos diferentes dos constitucionalmente previstos pelos
direitos sociais fundamentais (CanotiLHo, 1991, p. 130). andréas Krell,
comungando do mesmo entendimento de Canotilho, quanto aos efeitos que as
normas sobre direitos sociais também podem produzir, expõe que os direitos
fundamentais sociais contidos na constituição de 1988, exercem importante
papel, no sentido de exercerem uma função sugestiva, apelativa, educativa e,
sobretudo, conscientizadora (KreLL, 2002, p. 28).
Porém, não se pode desprezar que as características das normas progra-
máticas, as quais gozariam de eficácia imediata não são, por si só, capazes de
imprimir o dever de aplicabilidade e materialização destas normas, em virtu-
de de uma série de fatores. entre eles, talvez a maior dificuldade seria a de o
poder (o Judiciário), obrigar outros poderes (o Legislativo e o executivo) a rea-
lizarem tais mandamentos. isto acabaria por enveredar em complicados cam-
pos da seara jurídica e da filosofia política, como separação de poderes, liber-
dade de conformação do legislador, instrumentos de coerção e disponibilida-
des fáticas e materiais, conjunturas globais etc. apesar de pertinentes, é pre-
ciso encontrar outras vias que não a puramente filosófica e doutrinária, a fim
de efetivar os DFsP.
as normas programáticas relativas aos DFsP estão hoje no escopo da
maioria dos textos constitucionais dos países europeus e latino-americanos,
definindo metas e finalidades, impondo a tarefa aos legisladores ordinários de
regulá-las, com o fim de maximizar sua eficácia. andréas krell expõe que estas
normas não seriam meros preceitos morais com eficácia ético-política, apenas
diretiva, mas sim direitos diretamente aplicáveis. Porém, conclui que a eficá-
cia dos direitos sociais e econômicos depende da realidade de cada país e prin-
cipalmente da adoção de uma série de medidas complementares de caráter
promocional em diferentes campos de atuação: político, jurídico, econômico,
social, etc. segundo o autor, as políticas sociais necessitam de políticas perti-
nentes à satisfação dos fins positivos nelas indicados (KreLL, 2002, p. 21).
o certo é que as normas programáticas necessitam de tarefas e de progra-
mas planejados pelos diferentes poderes e órgãos do estado, a fim de imple-
mentarem suas disposições normativas. tal atuação estatal, em regra, se mate-
rializa através de políticas públicas, assunto que veremos a seguir.

4. Políticas Públicas

ao longo do trabalho foi dito que o estado social pressupõe uma postura
ativa para a concreção dos DFsP, que estes direitos necessitam de atuações
positivas, que as normas programáticas vinculam os poderes públicos a realizar
determinadas tarefas etc. mas em que consistiriam estas ações positivas? ou
postura ativa? ou realização de determinadas tarefas? Geralmente tais ações
decorrem de políticas públicas, ou seja, é através destas que o estado materia-
liza os direitos sociais fundamentais. vejamos o conceito de políticas públicas
propostas por Dworkin, e seguido pela maioria dos estudiosos no assunto:

“Denomino política aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a


ser alcançado, em geral alguma melhoria em algum aspecto econômico,
político ou social da comunidade (ainda que certos objetivos sejam nega-
tivos pelo fato de estipularem que algum estado atual deve ser protegido
contra mudanças adversas)” (DworKin, 2002, p. 36).

Comparato expõe que o objeto dos DFsP é sempre uma política pública.
antigamente, a generalidade dos autores repetia, sem maiores aprofundamen-
tos, que os direitos sociais seriam direitos a uma prestação positiva, sem, no
entanto, demonstrar a forma pela qual estes direitos deveriam ser implemen-
tados. Como os direitos a uma prestação estatal positiva supõem uma relação
direta do titular com o estado, tropeçava-se no obstáculo de que o ordena-
mento jurídico não cria pretensão ou ação individual do particular contra os
poderes públicos, para a realização desses direitos. o autor advoga a tese de
que seria impossível compelir o estado a providenciar imediatamente, a todos
os que o demandem, uma moradia, uma vaga em creche, um tratamento médi-
co-cirúrgico de alta complexidade, a despoluição do ar atmosférico, a recupe-
ração de áreas verdes, e outras prestações dessa natureza (ComParato,
2001, p. 16). Diante dessa evidência incômoda, todos acabavam por se resig-
nar à conclusão de que tais direitos teriam uma eficácia limitada em compara-
ção com os direitos e liberdades individuais. em suma, tornou-se comum na
doutrina afirmar que vigoraria, nessa matéria, o pressuposto implícito da
“reserva do possível” (ComParato, 2001, p. 6).
É preciso, contudo, corrigir esse desvio de perspectiva, pois ele equivale
ao esvaziar de toda força jurídica daquele conjunto de direitos fundamentais,
da mais alta relevância, especialmente nos países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento. se o estado não dispõe de condições materiais para atender
a totalidade das demandas individuais de bens indispensáveis a uma vida
digna, ele tem, não obstante, inquestionavelmente, o dever constitucional de
pôr em prática, com todos os meios ao seu alcance, as políticas públicas diri-
gidas à consecução desse objetivo.
De acordo com Luiza Frischeisen, a noção de políticas públicas e
estado Democrático de Direito estão intimamente ligadas, uma vez que o
fim deste é garantir e promover direitos iguais a todos sem qualquer espé -
cie de discriminação, o fim daquelas é o de proporcionar as condições de
igualdade, por meio de ações do poder público. neste sentido, o princípio
da democracia econômica e social impõe uma direção política aos órgãos
legislativo e executivo (políticas públicas), objetivando a construção de
uma sociedade mais justa e igualitária (FrisCHeisen, 2000, p. 59). a
autora ainda ressalta que independentemente do modelo sócio-econômico
adotado pelo estado, a temática da política pública é fundamental, pois
mesmo com a atual tendência mundial, dos países ocidentais, em diminuir
cada vez mais a participação do estado na esfera econômica e social, o pla-
nejamento referente a determinado setor econômico necessitará da elabo-
ração de políticas públicas com o fim de evitar certos danos e malefícios à
economia, como a concorrência desleal, controle inflacionário e cambial,
crescimento econômico etc. 15
Comparato, utilizando-se da definição de políticas públicas, tece algumas
considerações a fim de conferir-lhe maior instrumentalidade para servir util-
mente de mecanismo jurídico:

15 a exemplo disto, podemos citar o Brasil que sofre hoje um processo de privatização, dentro desta
conjuntura, transferindo setores econômicos imprescindíveis da economia (telecomunicações,
exploração de minérios, ect.) para o setor privado. Contudo o governo ainda exerce o controle
destas atividades por meio de agências reguladoras, em razão da função estratégicas destes seto -
res à segurança nacional e a defesa dos consumidores.
“a política ou “polícia” pública, como se usava dizer na antiga linguagem
jurídica portuguesa, é um programa de ação governamental. ela não con-
siste, portanto, em normas ou atos isolados, mas sim numa atividade, ou
seja, uma série ordenada de normas e atos, do mais variado tipo, conju-
gados para a realização de um objetivo determinado. toda política públi-
ca, como programa de ação, implica, portanto, uma meta a ser alcançada
e um conjunto ordenado de meios ou instrumentos – pessoais, institucio-
nais e financeiros – aptos à consecução desse resultado. o que organiza e
dá sentido a esse complexo de normas e atos jurídicos é a finalidade, a
qual pode ser eleita pelos poderes públicos, ou a eles imposta pela
Constituição ou as leis” (ComParato, 2001, p. 5).

De acordo com maria Paula Bucci, políticas públicas são programas de


ação governamental visando à coordenação dos meios à disposição do estado
e das atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevan-
tes e politicamente determinados. neste contexto, políticas públicas seriam
“metas coletivas conscientes”. a adoção da concepção de políticas públicas
estaria intimamente vinculada a um grau maior de interpretação entre as esfe-
ras jurídica e política, assumindo a comunicação entre os dois sistemas e reco-
nhecendo e tornando público os processos dessa comunicação na estrutura
burocrática do poder e administração pública. e isso ocorreria, seja atribuin-
do-se ao direito critérios de qualificação jurídica de decisões políticas, seja
adotando-se no direito uma postura crescentemente substantiva e, portanto,
mais informada por elementos da política16 (BuCCi, 2002, p. 241).
Canotilho ressalta que uma constituição dirigente, como a nossa, con-
substancia princípios que determinam os fins e as normas fixadoras das tare-
fas do estado.17 neste modelo, concebe-se a constituição como norma e tare-

16 Conhecer o objeto da política pública é de extrema importância, pois deste modo se garante a efi -
cácia de um programa de ação governamental. a concretização das políticas depende diretamen-
te do grau de articulação entre poderes e agentes públicos envolvidos. na seara dos DFsP, como
educação, saúde, previdência, é imprescindível tal articulação, resultado de um sistema comple-
xo de estruturas organizacionais e recursos financeiros (BuCCi, 2002, p. 249).
17 É sabido que Canotilho reviu alguns pontos de sua obra “Constituição dirigente e vinculação do
legislador”. Porém, não coadunamos com a tese defendida por um setor da doutrina, segundo o
qual o constitucionalista português teria negado todo o conteúdo de sua obra. analisando o
“famoso” prefácio da 2ª edição da citada obra (Coimbra: Coimbra editora, 2001); e o livro
“Canotilho e a constituição dirigente” (CoutinHo, 2003), consideramos sim, que houve algu -
mas mudanças de posicionamento, porém o autor continua defendendo a força normativa da
constituição, porém não mais como um instrumento revolucionário da ordem econômica e social.
Desta forma, acreditamos que o supraexposto das ideias de Canotilho no presente trabalho ainda
está atual com relação ao pensamento do autor e às modernas teorias do direito.
fa, ou seja, como programa de ação. o sentido dinâmico programático destas
disposições, exige a existência de atos de direção político-programática. Com
isso, a vinculação jurídico-material do programa constitucional não visa elimi-
nar a liberdade de conformação dos órgãos constitucionais titulares da com-
petência política, mas sim estabelecer fundamento constitucional para a polí-
tica. De outra forma, o modelo constitucional dirigente não visa substituir a
política, mas sim se tornar premissa material desta. a constituição não objeti-
va apenas constituir um limite à direção política, sua função essencial seria
fornecer um impulso diretivo material permanente e consagrar uma exigência
de atuação (CanotiLHo, 1994, p. 463).
o processo de elaboração e implementação das políticas públicas, inseri-
das em uma sistemática onde os DFsP, enquanto normas programáticas, as
quais necessitam de um planejamento e racionalização dos órgãos públicos, a
fim de garantirem os pressupostos de igualdade material a todos, deve obriga-
toriamente levar em consideração os pressupostos principiológicos do estado
democrático de Direito. o ordenamento constitucional brasileiro, voltado
para os direitos fundamentais, imprime o dever dos dirigentes de tomarem
estes direitos como prioritários em relação aos outros diretos (não fundamen-
tais), no momento de estabelecer quais serão as políticas públicas implemen-
tadas, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.
no Brasil, observa-se que a maior parte do objeto das políticas públicas na
área social (saúde, educação, assistência social, etc.) já está disciplinada norma-
tivamente, tanto em âmbito constitucional como infraconstitucional.18 Desta
maneira, percebe-se que um grande número de direitos, ditos programáticos,
já possui regulação normativa suficiente para sua implementação, necessitando
para isso, apenas de implementação de políticas públicas por parte dos admi -
nistradores. o wellfare state, que na sua origem era eminentemente um estado
legislativo, vem cada vez mais se transformando em estado administrativo
burocrático. neste contexto, o Poder executivo é o principal ator para a imple-
mentação de políticas públicas, cabendo a ele a criação dos programas necessá-
rios para a realização dos ordenamentos legais (KreLL, 2002, p. 21).
reforçando este posicionamento, rodolfo mancuso assevera:

“Por força dessa linha evolutiva, o estado monocrático, onde a função


legiferante parecia bastar à boa gestão da coisa pública e ao bem-estar dos

18 seguridade social: arts. 192/204 da CF; previdência social: Leis nº 8.212/90 e nº 8.213/90; saúde:
Leis 8.080/90 e nº 8.142/90; educação: arts. 205 e 214 da CF, e Leis nº 9.394/96 e 9.424/96; entre
outras.
cidadãos, viria a ser paulatinamente suplantado pelo estado telocrático,
a saber, aquele que ao editar uma lei, nem de longe pode considerar cum-
prida sua tarefa básica, senão que, ao contrário, a partir daí vincula-se ao
dever de realização eficiente do programa estabelecido na norma-objeti-
vo. Paralelamente coloca-se o estado em posição de débito perante a
sociedade civil, na condição de credora daquelas realizações, posta a
sociedade como um fórum permanente, representativo dos cidadãos,
pagadores de impostos e titulares de direitos subjetivos públicos. É dizer,
enquanto à época em que se idealizou a tripartição dos poderes a promul-
gação de uma lei significava o fim ou o coroamento da precípua ativida-
de estatal e mesmo conferia legitimidade ao estado de Direito, hoje essa
atividade não basta ao estado social de Direito, em face do qual a pro-
mulgação de uma lei surge, na verdade, como... um começo: de uma
obrigação a ser adimplida, de condutas a serem implementadas, das cor-
rentes responsabilidades administrativas e políticas atribuídas ao estado
e aos seus agentes (v. g., CF art. 37, § 6º; art. 225, § 3º)”. (manCuso,
2002, p. 779).

Dentro desta perspectiva, o modelo monomocrático está sendo gradativa-


mente suprimido pelo modelo telocrático,19 onde a retórica da norma necessi-
ta ser convertida efizcamente em políticas públicas. ou seja, o critério de exi-
gibilidade passa a ser um dos pontos centrais da norma legal-constitucional,
tornando-se impositivo dentro dos respectuivos programas de governo. os
poderes públicos, com a edição destas normas, passam a ter o dever de imple-
mentar efetivamente os objetivos por elas estabelecidos. Dentro desta perspec -
tiva é necessário rever o papel dos poderes públicos, o qual, inicialmente, era
visto como fonte produtora de normas, passando, então, para a contemporânei-
dade como fonte provedora e mantenedora de políticas públicas estabelecidas
em prol de finalidades específicas do bem comum. a telocrático impõe ao
estado a condição de polo gerador da execução de atividades que assegurem
uma existência digna para a população, mediante a oferta de serviços e utilida-
des, de acordo com o previsto na norma-objetivo (manCuso, 2002, p. 782).
Pelo exposto, verificamos que as políticas públicas podem apresentar
diferentes contornos, que nada mais são do que diferentes lados da mesma

19 mancuso utiliza as expressões “estado monocrático” e “estado telocrático”, porém utilizaremos


as expressões “modelos monocráticos” e “modelos telocráticos”, em virtude de não estarmos con -
vencidos de se tratar de um novo modelo de estado. ao que nos parece, trata-se de uma nova
perspectiva de criação e aplicação do direito.
moeda. vimos que as políticas públicas derivam de normas programáticas, e
sendo assim, o direito também pode se enquadrar no conceito de políticas
públicas, quando define metas e objetivos a serem alcançados. esta seria o que
chamamos de fase legislativa das políticas públicas. Deste modo, a sua imple-
mentação depende primordialmente do Poder Legislativo. Porém, como tam-
bém já foi dito, a mera existência de normas relativas a políticas públicas não
garante sua implementação, sendo necessária a execução destas normas atra-
vés de atos planejados e desenvolvidos, principalmente pelo Poder executivo.
esta fase seria a que denominamos fase executiva das políticas públicas. estas
duas fases são decorrência lógica da moderna teoria da separação dos poderes,
onde apesar de serem independentes entre si, devem manter a “harmonia”
necessária para a satisfação dos direitos e interesses da população. os poderes,
inclusive o judiciário, possuem a tarefa de unir esforços para a promoção dos
direitos fundamentais.

5. o Papel da tributação na implementação das Políticas


Públicas

os DFsP são otimizados através das políticas publicas, em virtude de seu


caráter programático. então, cabe ao estado desenvolver metas e atos organi-
zados com o fim de disponibilizar ao maior número possível de pessoas o aces-
so aos DFsP. Contudo, a concreção destes direitos não se restringe à aplicação
jurídica da norma. sua observância requer pressupostos fáticos inerentes à sua
realização. apenas, o aspecto normativo não garante sua aplicação. isso ocor-
re, principalmente, porque a efetivação destes direitos em forma de políticas
públicas se materializam por meio de outros poderes, que não o judiciário, no
caso, o legislativo e o executivo. Desta forma, não se pode desconsiderar o
aspecto político20 destes direitos e, principalmente, o financeiro.
os direitos sociais possuem um alto custo, consumindo parte considerá-
vel dos recursos orçamentários de qualquer país comprometido com sua pro-
moção. em razão de seu elevado custo, o poder público necessita de fontes de
receitas capazes de fazer frente a estas despesas. Juan Barquero estevan expõe
que a fazenda pública, dentro deste contexto, é o principal instrumento nas

20 apesar da importância do aspecto político na efetivação dos DFsP, não se pode perder de vista
que as decisões administrativas também estão atreladas ao princípio da legalidade, e consequen-
temente a força normativa da constituição, a qual determina que todos os poderes, inclusive o
executivo, observem e concretizem os direitos fundamentais. ao executivo cabe a melhor forma
de otimizar estes princípios e não a discricionariedade de respeitá-los ou não.
mãos do estado para alcançar tais objetivos. Para o tributarista espanhol, a
noção de estado social está intimamente ligada à de “estado fiscal”, pois seria
através dos tributos que o estado social retiraria sua principal fonte de recei-
ta para realização de suas funções, especialmente a efetivação dos direitos fun-
damentais. neste sentido, a tributação funcionaria como um eficaz meio de
intervenção econômica e social, e redistribuição de renda, dentro do estado
Democrático de Direito (estevan, 2002, p. 22-30).
a tributação se constituiria como uma espécie de pressuposto do estado
social e Democrático de Direito, uma vez que a administração prestacional, pa-
ra desenvolver suas funções, necessita de meios econômicos que são, primor-
dialmente, retirados dos tributos. assim, estado de Bem-estar social e estado
impositivo estariam inseparavelmente unidos. Parece claro que o estado, para
desenvolver suas funções, necessita retirar dos cidadãos grande parte dos
recursos, por meio de tributos. só assim, os poderes públicos contariam com
as verbas necessárias para alocar recursos suficientes para a concreção dos
direitos fundamentais (estevan, 2002, p. 37).
Porém, devido à complexidade das funções do estado, dificilmente há
recursos suficientes para fazer frente a todas as suas despesas. É preciso inves-
tir na economia, infraestrutura, máquina administrativa, enfim, em uma série
de setores que concorrem com os direitos sociais na alocação das verbas. Com
isso, alguns setores acabam sendo privilegiados em detrimento de outros. não
raramente, em países subdesenvolvidos, principalmente, a busca desesperada
em chegar no patamar do “desenvolvimento”, faz com que seus governantes
procurem subsidiar o processo econômico, deixando em segundo o plano o
setor social. até mesmo nos países desenvolvidos como estados unidos, os
direitos sociais como saúde não estão ao alcance de todos.21
a falta de recursos suficientes para satisfazer toda a população em rela-
ção aos DFsP, ficou consagrada na doutrina e jurisprudência como “reserva do
possível”, onde se reconhece que o estado possui capacidade limitada de dis-
por sobre o objeto das prestações dos direitos sociais, de tal maneira que seu
cumprimento ficaria condicionado ao limite fático dos recursos.
em razão disso, a maior dificuldade de implementação dos DFsP reside
no fato de eles dependerem da alocação de recursos para concretizar o conteú-
do de seu objeto. necessidades básicas fundamentais como saúde, educação e
assistência social, exigem um voluptuoso investimento para a construção e
aparelhamento de escolas, hospitais, e um eficiente sistema de seguridade
social. estas características dos DFsP constituem sua grande problemática,

21 amarya sen, em sua obra, levanta os dados do serviço insuficiente da saúde americana.
pois para sua efetivação são necessárias prestações que necessitam de recursos
financeiros, e que por sua vez dependem da conjuntura sócio-econômica do
país. ou seja, a eficácia dos DFsP está diretamente relacionada com os meios
fáticos para sua consecução, sobretudo meios econômicos. Qualquer estudo
sério sobre eficácia dos DFsP deve necessariamente abordar este questiona-
mento. Com isso, se percebe que a grande dificuldade de conferir eficácia aos
DFsP reside na dependência da real existência dos meios para cumprir com
sua obrigação.22
em razão, da necessidade de recursos para a efetivação dos DFsP, muitos
defendem que tais direitos só poderiam ser realizados de forma satisfatória em
países de economia forte. Dentro desta perspectiva, os países pobres ou em
desenvolvimento não seriam capazes de arcar com os custos destes direitos.
amartya sen não compartilha deste entendimento, pois que expõe apesar de
estes países possuírem menos recursos para investirem em setores como saúde
e educação, em compensação, possuem o custo da mão-de-obra relacionadas
a estes serviços, bem menores que os dos países desenvolvidos. sendo assim, a
dificuldade de se implementar os referidos serviços acabariam por se equiva-
ler, tanto nos países desenvolvidos, onde apesar de possuir maiores recursos,
o custo do serviço é mais elevado; quanto nos países subdesenvolvidos, onde
apesar de possuir menos recursos, o valor do serviço é bem menor.
na verdade, o condicionamento da implementação dos DFsP, seria
muito mais em razão de preferências políticas, do que realmente da falta de
recursos, em se tratando de serviços básicos de saúde e educação. não pode-
mos esquecer de que não são apenas os direitos sociais que possuem um alto
custo; os direitos civis e políticos, igualmente oneram excessivamente os co-
fres públicos, independentemente da natureza jurídica dos direitos funda-
mentais (liberdade, proteção, prestacionais).
não são apenas os direitos de proteção e liberdade que exigem uma abs-
tenção por parte dos poderes públicos, os direitos prestacionais também apre-
sentam uma dimensão negativa, obrigando o estado a não afetar benefícios
sociais, como o direito à saúde, ou moradia, ou educação, privando seus titu-
lares de seu gozo (aBromoviCH e Courtis, 2003, p. 138). Da mesma
maneira ocorre com os direitos civis e políticos. ora, para garantir a não inter-

22 a eficácia dos DFsP talvez seja hoje um dos principais problemas relativos à temática dos direi-
tos fundamentais. o autor ingo sarlet, analisando a questão, expõe preliminarmente que todos os
direitos fundamentais, em nosso ordenamento jurídico, são imediatamente aplicáveis, em razão
do art. 5º, § 1º, da Constituição brasileira de 1988. ele reconhece a “baixa densidade normativa”
dos DFsP; porém, apesar de baixa, o autor aponta sua existência, pois não há norma constitucio -
nal desprovida de qualquer eficácia (sarLet, 1998, p. 236 e ss.).
venção do estado na esfera individual, ou proteger o cidadão de ameaças ou
lesões de diretos, é preciso a existência de todo um aparato jurídico, que con-
siste no poder judiciário. tal aparato possui um elevado custo de infraestrutu-
ra e pagamento de recursos humanos. além disso, é preciso um eficiente corpo
policial, com sua respectiva infraestrutura, sem falar nas penitenciárias e do
custo de seus detentos.
o que é importante ter em mente é que não são apenas os DFsP que pos-
suem um elevado custo e estariam muitas vezes limitados à reserva do possí-
vel, o mesmo também pode acontecer com os direitos civis e políticos.
tomemos como exemplo o sistema carcerário brasileiro. ora, quantos presos
não estão soltos em razão de não haver vagas nas penitenciárias, ou pela falta
de infraestrutura das polícias brasileiras? Quantas pessoas não têm acesso ao
poder judiciário, em razão da falta de recursos ou da impossibilidade da defen-
soria pública em atender toda a população carente? Quantos municípios se-
quer possuem uma comarca judicial?
entre estas e outras é preciso derrubar o tabu de que os DFsP não seriam
direitos fundamentais, uma vez que seriam normas sem eficácia, ou não
seriam direitos públicos subjetivos diretamente aplicáveis, ou por estarem ads-
tritos a reserva do possível, padeceriam de fundamentalidade. reconhecemos
que tais direitos estão suscetíveis a oscilações econômicas e financeiras, talvez
mais do que outras espécies de direitos fundamentais, porém estes problemas
não são exclusivos dos DFsP, mas sim de todos os direitos. o que há na ver-
dade, é uma prioridade política de promoção de alguns direitos em detrimen-
to de outros. não é sem razão que Fateh azzam expõe que uma das maneiras
para se averiguar o comprometimento de determinado país em relação aos
direitos fundamentais, seria através de sua análise orçamentária. a destinação
anual das verbas orçamentárias demonstra o grau de comprometimento de
determinado estado com os direitos fundamentais, especialmente quando
contrasta estes gastos com outros dispêndios, como os militares, por exemplo
(aZZam, 2005, p. 28).
inegavelmente a falta de recursos financeiros limita sobremaneira a efi-
cácia dos DFsP, porém é preciso desmistificar alguns preconceitos e tabus em
relação a esta espécie de direitos fundamentais. stephen Holmes e Cass
sunstein demonstram de forma muito elucidativa que todos os direitos pos-
suem um custo, independente de tratar-se de direitos prestacionais, ou de
liberdade ou proteção. Pois todos direitos seriam garantidos pelo estado, inde-
pendentemente de serem direitos voltados ao bem-estar social, ou aos direitos
de propriedade. os autores afirmam que:
“rights cost money. rights cannot be protected or enforcement without
public funding and support. this is just as true of old rights as of new
rights, of the rights of americans before as well as after Franklin Delano
roosevelt’s new deal. Both the right to welfare and the right to private
property have public costs . the right of freedom of contract has public
costs no less than the right to health care, the right to freedom of speech
no less than the right to decent housing. all rights claims upon public
treasury” (HoLmes and sunstein, 1999, p. 15).

Holmes e sunstein tentam superar a dicotomia entre direitos positivos e


negativos, principalmente quanto à função dos poderes públicos na realização
destes direitos, e, sobretudo quanto aos seus gastos. os direitos negativos seriam
aqueles que exigem uma abstenção do estado, ou seja, uma não interferência na
liberdade individual, enquanto os direitos positivos seriam aqueles que exigem
uma atuação positiva do estado para a promoção da igualdade material. a visão
conservadora dos direitos positivos e negativos, e dominante atualmente, atri-
bui aos direitos positivos um alto ônus financeiro para sua realização, de outro
modo os direitos negativos seriam exercidos de forma autônoma.
Contudo, uma análise mais pormenorizada na aplicação e efetivação des-
tes dois grupos de direito demonstra que, a até então, intransponível dicoto-
mia não é tão grande quanto se imaginava. os direitos de liberdade e associa-
ção não são auto-aplicáveis, onde necessitariam apenas que o estado não se
opusesse contra eles, para que fosse garantida sua máxima eficácia. Contra-
riando estes argumentos, os autores expõe que todos os direitos requerem uma
ação pública para sua realização. não se pode esquecer que independente da
natureza jurídica das diferentes espécies de normas, todas são oriundas do po-
der soberano do estado, que se manifesta, predominantemente, através do
Poder Legislativo na tarefa de emanação das leis.23 os direitos de liberdade,
como por exemplo o de propriedade, dependem dos poderes públicos para que
hajam leis no sentido de protegerem seus bens. sem a figura do estado have-
ria constante perturbação em relação às posses dos indivíduos (bem mais do
existe hoje). outras espécies de direitos também dependem diretamente da
ação governamental. Para que isso fique claro, basta que tomemos o exemplo
do direito à integridade física, como o de não ser torturado pela polícia ou
pelos agentes penitenciários tais garantias exigem constante vigilância de
outras autoridades para não serem violadas. Deste modo, todos os direitos

23 Leis aqui em seu sentido lacto.


seriam positivos, pois todos dependem da atuação estatal para serem concreti-
zados (HoLmes and sunstein, 1999).
não se pode olvidar que todos os direitos, sejam de que espécie forem
(econômicos, sociais, proteção, defesa, liberdade, propriedade etc.) dependem
de todo um aparato burocrático do estado para sua real eficácia. a máquina
estatal pressupõe uma série requisitos infraestruturais e humanos, que custam
uma grande soma dos recursos disponíveis. não é difícil visualizar tal situação,
para isto não é preciso outra coisa que não imaginar a quantidade de recursos
destinados, de forma autônoma, aos poderes executivos, Legislativo e
Judiciário, só para o pagamentos da remuneração dos agentes e servidores
públicos, construção de sedes e anexos dos prédios públicos, material de expe-
diente, treinamento e qualificação profissional etc. reparem que tais custos
são referentes apenas ao funcionamento e operacionalização destes órgãos,
independentemente dos bens jurídicos que irão tutelar ao longo do exercício
de suas respectivas atividades, ou seja, independetemente de estarem traba-
lhando para assegurar este ou aquele tipo de direito fundamental, é necessá-
rio que a máquina administrativa esteja funcionando a pleno vapor, sob o risco
de não se ter nenhuma espécie de direito assegurado. não é a toa que os direi-
tos são custosos, pois fazer frente a todas estas despesas administrativas exige
uma forte carga tributária para arcar com seus custos.24
números do orçamento de 2004 corroboram a tese aqui defendida. neste
exercício financeiro o governo federal despendeu r$ 12.818.257.345 (doze

24 os autores Holmes e sunstein trazem vários exemplos onde a preservação e eficácia dos direitos
de liberdade e defesa dependem do poder do estado. Direitos de cunho eminentemente privado,
como o direito contratual na esfera civil, dependem do poder público, pois sem o poder judiciá-
rio a parte credora não teria como satisfazer a obrigação acordada. somente pela via judicial a
parte credora é compelida a satisfazer o crédito, a menos que voltássemos à era da autotutela, o
que definitivamente não é o caso (HoLmes and sunstein, 1999, p. 52). o direito de proprie -
dade só existe em razão de um complexo de normas que visam assegurar os bens nas mãos dos
proprietários. Para isso existe todo um esforço legislativo neste sentido, sem falar em todo o apa -
rato de segurança pública para a preservação da sociedade e de um sistema jurídico eficiente e
rígido que puna os infratores. tomemos, também, o exemplo da liberdade de expressão. a liber-
dade de expressão além de exigir a abstenção do estado no sentido de que ele não impeça a livre
manifestação, exige da mesma forma a atuação positiva do estado para regular seus limites, atra -
vés de leis e da fiscalização do poder público, necessitando de um sistema de segurança para que
as manifestações coletivas em logradouros públicos possam ocorrer com segurança. De forma
análoga, a liberdade de religiosa, em estados Democráticos de Direito, são asseguradas como
garantias fundamentais do cidadão. assim, cumpre ao estado não impedir a escolha de determi-
nada manifestação religiosa. Porém, nestas espécies de estado, estes dificilmente obstaculizam o
exercício destes direitos. são os próprios cidadãos membros de diferentes religiões que ameaçam
o livre exercício da liberdade religiosa, através da intolerância, que muitas vezes é expressada de
forma violenta, cabendo ao estado, através do sistema de segurança pública e do sistema judiciá -
rio, coibir essas agressões, assegurando a todos o efetivo usufruto das liberdades reais.
bilhões, oitocentos e dezoito milhões, duzentos e cinquenta e sete mil, trezen-
tos e quarenta e cinco reais) com o poder judiciário e funções essenciais à justi-
ça. seguramente, ninguém ousaria dizer que os direitos de liberdade e proteção
prescindem do Poder Judiciário, uma vez que não é outro poder que garante a
liberdade individual contra abusos do governo e a proteção dos indivíduos con-
tra lesões de terceiros. Poder este que é financiado com recursos públicos oriun-
dos de impostos e taxas de toda a população, mesmo daqueles que não usufruem
do serviço. serviço este que, como acabamos de ver, possui um alto custo, que
muitas vezes acaba sacrificando outros serviços essenciais, como sistemas de
esgoto, tratamentos médicos etc., para que possa estar operante.
o Poder Legislativo, da mesma forma, é altamente custoso para os cofres
da união, suas despesas chegaram na ordem de r$ 3.535.512.778,26 (três bi-
lhões, quinhentos e trinta e cinco milhões, quinhentos e doze mil, setecentos
e setenta e oito reais e vinte e seis centavos) aos cofres públicos do orçamen-
to de 2004. mais uma vez, importantes direitos e garantias individuais, como
o mandado de segurança, habeas corpus etc., não seriam assegurados e usu-
fruídos, caso o estado não disciplinasse tais direitos.
o que seria, então, do direito de propriedade, se o Poder executivo não
protegesse tais bens? Direitos de propriedade necessitam de um eficiente sis-
tema de segurança pública que iniba qualquer tipo de turbação em relação à
propriedade. É necessário um eficiente corpo de policiais bem treinados e
equipados, para realizarem a devida proteção ostensiva de bens e valores
alheios, sem falar de casas de detenções e presídios para punirem e retirarem
de circulação os infratores. não é a toa que o Governo Federal gastou a ordem
de r$ 3.213.148.017,00 (três bilhões, duzentos e trezentos milhões, cento e
quarenta e oito mil e dezessete reais) para a área de segurança pública;25 e de
r$ 13.891.305.504,00 (treze bilhões, oitocentos e noventa e um milhões, tre-
zentos e cinco mil, quinhentos e quatro reais) na área de defesa nacional,
todos estes recursos foram provenientes do orçamento da união de 2004.
os Poderes soberanos do estado (executivo, Legislativo e Judiciário) não
estão a serviço de determinada classe ou categoria de direitos fundamentais.
Cabe ao estado a proteção de todos eles, independentemente de sua natureza
jurídica ou grau de eficácia. ao Poder judiciário cumpre fazer valer tanto as
liberdades individuais, quanto os DFsP. no primeiro caso, o Poder Judiciário

25 Cabe ressaltar que apesar da vultuosa quantia, estes recursos se demonstram insuficientes para
garantir a segurança, seja da propriedade privada, seja dos cidadãos. Basta dizer que o índice de
criminalidade é muito elevado no país e que a maioria dos crimes não são solucionados, devido a
falta de infraestrutura e treinamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública.
irá intervir quando houver abuso de poder pelo estado, no segundo caso quan-
do houver omissão. ao Poder legislativo cumpre o dever de legislar tanto para
promoção e proteção dos direitos de liberdade quanto para os direitos presta-
cionais sociais. ao executivo cabe o dever de realizar políticas púbicas de
segurança, como também políticas públicas na seara social.
ou seja, todas as espécies de direito exigem a atuação do estado; e toda a
atuação do estado implica um custo; então, inevitavelmente todos os direitos
possuem um custo. Desta forma o argumento de que os DFsP são muito cus-
tosos e por isso ficariam adstritos à reserva do possível, enquanto os direitos
fundamentais clássicos seriam auto-aplicáveis em razão de não dependerem
de recursos orçamentários, não pode mais ser aceita. todos os direitos são
muito custosos e só podem ser garantidos graças às receitas recolhidas dos tri-
butos. isto se aplica a todas as espécies de direito, independente de sua natu-
reza jurídica. agora, é claro que alguns direitos são mais onerosos do que
outros. mas pela análise do orçamento podemos averiguar que não existe o até
então pretendido abismo entre os custos dos DFsP e direitos de liberdade e
proteção, até então, tão defendido pela doutrina tradicional.
em razão de os direitos possuírem um custo e devido à escassez de recur-
sos, é quase impossível proporcionar o gozo efetivo de todos eles. inevita-
velmente, eles acabam sendo colocados na balança dos interesses públicos, a
fim de ver quais são os direitos que terão prioridade dentro do quadro de limi-
tados orçamentos. os poderes executivo e legislativo possuem a árdua tarefa
de selecionar quais são as prioridades de determinada sociedade e, então, alo-
car os recursos orçamentários para fazer frente a estas necessidades. o estado
Brasileiro, sendo um estado Democrático de Direito, não pode ter como prin-
cipal necessidade, outra que não os direitos fundamentais. sendo assim, tais
direitos devem sempre ter primazia no momento de eleição das prioridades
que obterão a destinação das verbas orçamentárias. ou seja, tanto os direitos
de liberdade e proteção, quantos os DFsP, terão primazia no recebimento dos
recursos, pois todos são considerados direitos fundamentais e indispensáveis à
dignidade humana.
Deve-se aí, procurar um ponto de equilíbrio no sentido de distribuir
equitativamente os recursos entre os diferentes grupos de direitos fundamen-
tais. Pois se é certo que os direitos individuais não são absolutos, também é
certo que os DFsP também não são.26 ambos dependem de verbas orçamen -

26 Direitos individuais como o da intimidade podem ser limitados por razão de interesse público. É
o que acontece com a quebra do sigilo telefônico e fiscal, quando há fortes indícios contra o acu -
sado. Da mesma maneira, DFsP podem ser limitados quando razões urgentes mereçam preferên-
tárias para sua concreção e de certo modo dependem da conjuntura econômi-
ca e social, tanto local, quanto global. Direitos individuais podem ser limita-
dos em razão de ordem pública, como, por exemplo, o direito de propriedade
pode ser retirado compulsoriamente do domínio do indivíduo em benefício da
população, no caso de desapropriação por interesse público. os DFsP também
podem sofrer limitações, e a principal delas deve-se à escassez de recursos
públicos para o financiamento de políticas públicas sociais.
o importante é perceber que todas as espécies de direitos não são abso-
lutas, pois de um jeito ou de outro dependem de recursos públicos que são
oriundos do pagamento de tributos. Como foi apresentado, isto vale tanto para
os direitos sociais como para os diretos de liberdade ou proteção. Holmes e
sunstein tratam do problema de forma muito lúcida:

“(...)But since all rights depend on the state of the economy and public
finances, the decision to constitucionalize or not constitucionalize wel-
fare rights cannot be made on such grounds alone. not a single right
valued by americans can be reliably enforced if the treasury is empty.
all rights are protected only to a degree, and this degree depends partly
on budgetary decisions about how to allocate scarce public (HoLmes
and sunstein, 1999, p. 121).

os DFsP, dentro desta perspectiva podem ser condicionados pela escas-


sez de recursos públicos. Caso isto ocorra, as políticas públicas que visam sua
implementação, se ainda não foram iniciadas, naquele momento não pode-
riam ser colocadas em prática e, caso já tivessem sido iniciadas ficariam sobre-
postas até a futura complementação de recursos. a disponibilização destes
recursos, na prática, acaba sendo uma questão muito mais política do que jurí-
dica, pois apesar de a constituição obrigar a efetivação de todos os direitos
sociais, é sabido o quão complexa e difícil é a tarefa do judiciário em determi-
nar que o poder executivo transfira verbas a determinado setor, no caso o
social, fora da previsão orçamentária, uma vez que vários problemas muito
delicados devem ser enfrentados para tal prática, entre eles o principal consis-
te na questão da judicialização da política e seus limites, dentro do sistema da

cias em razão de recursos orçamentários. Como determinados setores da economia que, se em


determinada ocasião não forem socorridos, podem comprometer toda a economia nacional,
gerando futuros desempregos, inflação, aumento da dívida externa etc. nestes casos, seria justifi-
cado certa negligência temporária dos DFsP, a fim de resguardá-los no futuro. Há um conflito de
princípio bem aos moldes do modelo de alexy. Porém tal situação só se justificaria em ocasiões
extremas, em razão da fundamentalidade dos direitos sociais.
separação de poderes. e quando isto ocorre, podem haver inúmeros prejuízos
para toda a sociedade, pois quando se transfere recursos para um determinado
setor, em razão de uma ordem judicial, retira-se recursos de outro setor, o qual
pode gozar do mesmo grau de fundamentalidade.27

6. em conclusão

a concretização dos DFsP está diretamente ligada às possibilidades eco-


nômico-financeiras de determinado estado, e na sua eleição como prioridade
no momento da alocação de recursos. todo estado que se auto-intitula como
estado-Democrático de Direito possui o dever de priorizar o financiamento de
políticas públicas sociais, a fim de garantir a existência digna dos seus cida-
dãos, proporcionando os meios fáticos para o livre desenvolvimento de suas
personalidades.
neste contexto, a tributação é de primordial importância como instrumen-
to de eficácia destes direitos, na medida em que oferece o meio econômico para
financiar as referidas políticas. a arrecadação tributária, como principal fonte de
renda do estado é, como não poderia deixar de ser, importante mecanismo de
distribuição de renda, gerando o plus necessário para a efetivação dos DFsP.

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27 outros importunos que podem gerar, de ordem econômica, referem-se à compra de mercadorias,
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