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Balneário Camboriú
Abril de 2007
ANGELO RICARDO CHRISTOFFOLI
Balneário Camboriú
Abril de 2007
ANGELO RICARDO CHRISTOFFOLI
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________
Profa. Dra. Yolanda Flores e Silva
- Orientadora -
________________________________________ ________________________________________
Profa. Dra. Dóris Van De Meene Ruschmann Profa. Dra. Elisabete Tamanini
Membro – (Titular UNIVALI) Membro - (Titular UNIPLAC/Lages)
________________________________________ ________________________________________
Prof. Dr. Rafael José dos Santos Dra. Luciana Paolucci
Membro – (Titular UCS/Caxias do Sul) Membro - (Titular UNIVALI)
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos aqueles grupos sociais que, diante do mundo que
nos rodeia, conseguem manter íntegras suas raízes culturais, nas quais a vida
e o homem ainda são os maiores valores.
5
AGRADECIMENTOS
PENSAMENTO
RESUMO
O Objetivo geral deste estudo é o de colaborar com a compreensão sobre os discursos existentes nos
textos produzidos por autores do turismo sobre deslocamento religioso e turismo religioso na
produção científica do turismo brasileiro e áreas afins entre os que atuam ou pesquisam este
ambiente. A População que compões este estudo são os textos de autores brasileiros sobre o
ambiente por eles denominado de turismo religioso. A Metodologia adotada para coleta, análise e
discussão dos dados tem abordagem qualitativa de natureza exploratória na busca de dados
bibliográficos e documentais. Os procedimentos de coleta de dados compreenderam a leitura dos
textos e organização dos dados sobre a obra e o autor, o contexto de sua elaboração, a natureza de
sua construção, o referencial utilizado como ancoragem e o uso da obra no turismo; a análise dos
dados foi pela técnica de análise denominada de Discurso do Sujeito Coletivo – DSC, através das
etapas: seleção das expressões chave; idéias centrais; ancoragem; e a síntese dos discursos. Os
resultados obtidos estão relacionados ao avanço acerca das discussões e dos discursos do turismo
associados a religiosidade católica junto aos autores do turismo brasileiro, visto que, a partir de suas
publicações, estes influenciam diretamente a prática e os planejamentos, bem como na interpretação
sobre o turismo nos ambientes dos deslocamentos religiosos. Confirmou-se que o turismo ainda não
possui mecanismos definidos para a compreensão das diversas motivações culturais no ambiente
religioso e na religiosidade popular do catolicismo, como também o turismo não tem estudos
sistemáticos e sistematizados que discutam as diferentes categorias que interpretem a peregrinação,
a romaria e o que se define como turismo religioso. Também se constatou ocorrer uma auto-
aceitação e auto-citação entre alguns poucos autores, talvez em face do pequeno número de
pesquisas de campo encontradas, as quais poderiam trazer mais luz à discussão e a compreensão
da situação estudada, isso porque, as obras concentram-se quase sempre, em interpretar as
atividades dos visitantes apenas, esquecendo-se dos fiéis e das congregações. Constatou-se que os
autores não possuem um conjunto definido de categorias que possam explicar e justificar o uso do
termo ‘turismo religioso’, pois, entende-se também que não conseguem distinguir todos os diferentes
elementos que dão suporte aos grupos que convivem paralelamente no universo religioso, muito
menos aos possíveis turistas que lá se encontram, e sobre os quais pretendem atuar.
ABSTRACT
The general objective of this study is to further understanding on the discourses that exist in the texts
produced by authors in the area of religious travel and religious tourism, in the scientific production of
Brazilian tourism and related areas, or carrying out research in this ambient. The object of this study
consists of texts by Brazilian authors, on the ambient which they denominate religious tourism. The
Methodology adopted for the collection, analysis and discussion of the data was the qualitative,
exploratory approach of bibliographic and documentary review. The data collection procedures
included the reading of texts and organization of data about the works and the authors, the context in
which the texts were written, the nature of their construction, the framework used as anchorage, and
the use of the work in tourism. The data were analyzed using the document analysis technique known
as the Collective Subject Discourse Analysis – CSD, through the following stages: selection of key
expressions; central ideas; anchorage; and synthesis of the discourses. The results obtained relate to
advances on tourism discussions and discourses associated with Catholic religiosity, since, based on
their publications, they directly influence the practice and planning, as well as the interpretation of
tourism in contexts of religious travel. This study also confirms that tourism still does not have any
clearly-defined mechanisms for understanding the various cultural motivations in the religious
environment, and in the popular religiosity of Catholicism, and that tourism lacks systematic and
systemized studies on the different categories that interpret pilgrimage in what is defined as religious
tourism. It also observes that there is a self-acceptance and self-citation among few of the authors,
perhaps due to the small number of field studies found, which can shed more light on the discussion
and understanding of the situation studied. This is because the works almost always focus on
interpreting the activities only of visitors, forgetting religious followers and congregations. It
demonstrates that the authors and researchers do not have a clear set of categories to explain and
justify the use of the term ‘religious tourism’, therefore, it is assumed that they are unable to distinguish
all the different elements which give support to the groups that coexist alongside the religious
environment, far less the potential tourists to be found there, and on whom they intend to act.
RESUMEN
El Objetivo general de este estudio es el de colaborar con la comprensión sobre los discursos
existentes en los textos producidos por autores del turismo sobre desplazamiento religioso y turismo
religioso en la producción científica del turismo brasileño y áreas afines entre los que investigan este
ambiente. La Población que compone este estudio son los textos de autores brasileños sobre el
ambiente por ellos denominado turismo religioso. La Metodología adoptada para recolección, análisis
y discusión de los datos tiene abordaje cualitativo de naturaleza exploratoria en la búsqueda de datos
bibliográficos y documentales. Los procedimientos de recolección de datos comprendieron la lectura
de los textos y organización de los datos sobre la obra y el autor, el contexto de su elaboración, la
naturaleza de su construcción, el referencial utilizado como fundamentación y el uso de la obra en el
turismo; el análisis de los datos fue realizado por la técnica de análisis denominada Discurso del
Sujeto Colectivo – DSC, a través de las etapas: selección de las expresiones clave; ideas centrales;
fundamentación; y la síntesis de los discursos. Los resultados obtenidos están relacionados al avance
acerca de las discusiones y de los discursos del turismo asociados a la religiosidad católica junto a los
autores del turismo brasileño, puesto que, a partir de sus publicaciones, éstos influencian
directamente la práctica y los planeamientos, así como la interpretación sobre el turismo en los
ambientes de los desplazamientos religiosos. Se confirmó que el turismo aún no posee mecanismos
definidos para la comprensión de las diversas motivaciones culturales en el ambiente religioso y en la
religiosidad popular del catolicismo, así como tampoco el turismo tiene estudios sistemáticos y
sistematizados que discutan las diferentes categorías que interpreten la peregrinación, la romería y lo
que se define como turismo religioso. También se constató que ocurre una autoaceptación y
autocitación entre unos pocos autores, tal vez debido al pequeño número de investigaciones de
campo encontradas, las cuales podrían traer más luz a la discusión y a la comprensión de la situación
estudiada, eso porque las obras se concentran, casi siempre, en interpretar solamente las actividades
de los visitantes, olvidándose de los fieles y de las congregaciones. Se constató que los autores no
poseen un conjunto definido de categorías que puedan explicar y justificar el uso del término ‘turismo
religioso’, pues se entiende también que no logran distinguir todos los diferentes elementos que dan
soporte a los grupos que conviven paralelamente en el universo religioso, mucho menos a los
posibles turistas que allá se encuentran, y sobre los cuales pretenden actuar.
LISTAS DE FIGURAS
INTRODUÇÃO .........................................................................................................14
2 TURISMO E RELIGIÃO........................................................................................30
2.1 O TURISMO E RELIGIÃO: DEFINIÇÕES E CONCEITOS IMPORTANTES À
DISCUSSÃO ............................................................................................................32
2.2 CRENÇAS RELIGIOSAS NO OCIDENTE: OS DESLOCAMENTOS RELIGIOSOS77
2.3 AS TRANSFORMAÇÕES DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL........................84
2.3.1 Transformações nos deslocamentos religiosos brasileiros (1500-1900) .........85
2.3.2 Estratégias da Igreja Católica com relação aos deslocamentos religiosos
brasileiros (1900-2000) ............................................................................................95
REFERÊNCIAS......................................................................................................137
INTRODUÇÃO
Isto porque estes autores parecem ver apenas o que consideram importante
1
Desenvolvi durante dois anos uma pesquisa intitulada ‘Turismo religioso e Humanismo Latino no
Brasil’ para a Fondazione Cassamarca de Treviso na Itália. O objetivo maior era identificar a
existência de estruturas de apoio aos fiéis nos maiores santuários católicos brasileiros (Aparecida
(SP), Iguape (SP), Frei Galvão (SP), Juazeiro (CE), Padre Eustáquio (MG), Nova Trento (SC),
Bomfim (BA), Caravaggio (RS), Navegantes (RS), entre outros, com base nas estratégias da
Conferência Episcopal Italiana (CEI). Para surpresa, apesar da existência de muitas pastorais (do
romeiro, dos fiéis, dos peregrinos, etc.), nenhum local pesquisado conhecia tanto a estrutura
relacionada ao turismo da CEI, bem como as estratégias, as ações e publicações direcionadas para
os que trabalham com turismo.
Essa relação com o ambiente religioso advém de minha graduação em História (1991), duas
Especializações (História 1994; Turismo 1997), mais o Mestrado em Turismo e Hotelaria (2000),
todos pela Universidade do Vale do Itajaí. Também deriva pelo fato de ser líder do Grupo de
Pesquisas Investigação em Lazer e Eventos, registrado no CNPQ desde 2000 com pesquisas na
Linha Gestão do Lazer Público e Privado, onde desenvolvo pesquisas sobre lazer público tanto nas
praias de Balneário Camboriú e região, como sobre os espaços públicos para o lazer da comunidade,
fato que me levou a pesquisar sobre os motivos que levam os visitantes a Nova Trento, SC.
Atualmente sou professor nas áreas de Lazer, do Turismo e Gastronomia, atuando principalmente
nos seguintes temas: História do Lazer, Lazer público, Planejamento do Lazer turístico, Patrimônio
Histórico e Turismo, junto a Universidade do Vale do Itajaí.
2
O antropólogo Ruben César Fernandes em trabalho sobre as caminhadas e peregrinações no
interior de São Paulo e no santuário de Czestochowa na Polônia, desenvolveu argumentações
relacionadas ao simbolismo popular. Para o autor, “o predicado ‘popular’ deve caracterizar os laços
que unem uma classe de iguais (vínculos horizontais); mas, por outro lado, deve também dar conta
das relações obtidas entre posições desiguais em um eixo vertical. Remete às idéias de fraternidade,
no primeiro caso, e às de autoridade no segundo. ‘Popular’ enquanto ‘classe subalterna’ está
associado ao primeiro sentido; e, quando pensado como ‘extra-oficial’, associa-se prioritariamente, ao
segundo” (FERNANDES, 1994, p.51 e p.231).
15
Como percebi que essas considerações dos autores não atingem o que
considero essencial, concentrei-me em entender como se davam as relações entre
os autores do turismo e os ambientes religiosos. Percebi também que o universo
religioso é pouco conhecido da população em geral, e mesmo dos estudiosos das
Ciências Sociais Aplicadas, assim, busquei com essa Tese desenvolver subsídios e
embasamento que colaborem e expliquem a realidade atual da relação entre ambos.
Para tentar explicar porque essa situação ocorre nos autores do turismo em
relação à religiosidade, bem como demonstrar elementos menos valorizados nas
análises da relação entre religiosidade e turismo (o deslocamento físico e o lazer
através das atividades percebidas como ‘profanas’), tomarei como base os
elementos da teoria sociológica do sagrado e do profano de Durkheim (1996) nas
buscas de respostas. Para Durkheim, (apud Ferretti 2001, p. 1), nestes dias, a vida
religiosa atinge grau de excepcional intensidade. Referindo-se ao descanso
religioso, Ferretti (2001) lembra que Durkheim afirma ser o caráter distintivo dos dias
de festa correspondente, em todas as religiões conhecidas, à pausa no trabalho,
suspensão da vida pública e privada à medida que estes momentos não apresentam
objetivo religioso. Ferretti (2001) indica ainda que para Durkheim, as festas teriam
surgido da necessidade de separar o tempo em dias sagrados e profanos. Ferretti
(2001, p. 1) discute sincretismo religioso e festas indicando que Durkheim,
espaço, destinadas às coisas e aos seres sagrados e que lhes servem de hábitat,
pois estes só podem se estabelecer ali com a condição de apropriar-se totalmente
daquele chão num raio determinado” (DURKHEIM, 1996, p. 326).
[...] o estudo do cerimonial como reflexo direto é muito mais comum, pois é
mais fácil reduzir o rito à sociedade do que perceber que elementos dessa
sociedade são operados ritualmente, e assim dramatizados e colocados em
foco.
Para colaborar com essa discussão utilizo Chauí que descreve a religião
como “uma atitude genérica perante o real, tornando-se impossível estabelecer uma
diferença qualitativa entre religião dos dominantes e religião popular” (1982, p. 72),
pois para a autora, variam apenas em grau e não em sua natureza. Complementa
dizendo que a religião popular é a “preservação de valores éticos, estéticos, étnicos
e cosmológicos de grupos minoritários e oprimidos, de sorte a funcionar como canal
de expressão da identidade grupal e de práticas consideradas desviantes [...]” (p.
72). DaMatta justifica a necessidade de se entender a religiosidade dentro da
cultura, distinguindo-a como conceito-chave para a interpretação da vida social
(1986, p. 123), como
A partir deste contexto, se defende como proposta nesta Tese, que autores
do turismo percebem ambas as situações (crenças e ritos da religiosidade católica
popular) como formas diferentes de expressão, parte delas relacionadas à fé, e outra
parte maior ligada apenas ao lazer que se estabeleceu na sociedade atual (e,
portanto, apto ao turismo), cada qual com seus distintos objetivos e, portanto,
desconectadas entre si (em oposição à visão unívoca de Durkheim onde ambos
encontram-se conectados). Sendo que, além disso, é também considerado pelo
mercado turístico como parte de um produto a ser consumido (a religiosidade), como
outro qualquer dentro da ampla oferta de lazer turístico. Os autores ainda as vêem
de forma simples, como uma oportunidade de atuação do profissional do turismo.
5
Carlos Alberto Steil Doutor em Antropologia tem uma extensa produção científica concentrada na
análise antropológica das sociedades e dos grupos religiosos. Este autor será utilizado em diversos
momentos neste trabalho, uma vez que, apesar de, desenvolver estudos junto à religiosidade,
perpassa muitas vezes o turismo como forma de análise.
20
dessas ciências.
Por outro lado a produção de artigos resultantes dessa atenção para com a
relação turismo-religiosidade é muitíssimo recente, tanto na academia quanto na
produção textual disponível no mercado editorial, concentrando-se quase que toda
ela nos últimos sete anos (2000-2006).
22
Em sua obra Brandão (1986, p. 295) indica que se deve olhar a religião a
partir de suas relações políticas, apreendendo os significados e os usos sociais
desta, através das crenças e cultos, pois que isso ajuda a “corrigir dois enganos no
exame da questão [...]”. Para ele, esses enganos são:
Isto é, o autor entende que mais que descrever os processos sociais das
relações dos fiéis com os seus santos per se, é necessário aprofundar-se nos
diversos elementos dessa relação, elementos estes que, quando ausentes, induzem
a uma interpretação senão errônea ao menos superficial. E, em última análise é isso
que esta Tese propõe, isto é, recuperar nos discursos dos autores do turismo, os
elementos ou as categorias que utilizam para a interpretação do turismo na
religiosidade católica popular. Brandão (1986, p. 296) apresenta o segundo engano
que ocorre aos pesquisadores que pretendem chegar depressa e aos saltos a
conclusões finais superficiais a respeito das funções do setor religioso:
De outro lado, a posição dos autores sobre turismo, que seguem no sentido
contrário, pode ser percebida na obra do antropólogo Carlos R. Brandão, que se
concentra na análise de uso dos espaços públicos para a realização das festas
populares. Brandão (1989, p. 7) afirma que:
Essa opinião é compartilhada por DaMatta (1983, p. 55) na obra que discute
os componentes da realidade da sociedade brasileira quando, ao comparar
diferentes festas como o carnaval e as festas religiosas, afirma que as segundas,
Vale recordar Lefèvre e Lefèvre e Teixeira (2000) quando afirmam que o DSC
é o resgate da fala social de várias pessoas, que são sistematizadas e agrupadas
em uma grande fala coletiva, em que se busca emergir da forma mais direta e
adequada à fala ou o discurso social do tema tratado.
Aos autores conceito significa “uma idéia abstrata e geral” (2002, p. 97) que
sofre transformações num constante vaivém e produz um enriquecimento mútuo.
Afirmam que os empiristas entendem que os conceitos são resultados de um
processo de abstração a partir das experiências, enquanto aos racionalistas, são
produzidos pela razão independente de qualquer empirismo.
Noutra obra editada pela Organización Mundial del Turismo (1998, p. 43), no
item 2.2, o texto apresenta o título ‘Conceito e definições de turismo’, indicando que
[...]. Não obstante, enquanto isso possa parecer um debate um tanto quanto
seco e acadêmico, o rigor e a disciplina que uma definição de turismo válida
e funcional impõe ao assunto, é vital, para o desenvolvimento do
conhecimento completo, respeitado e valorizado.
10
Texto já indicado anteriormente na Nota de Rodapé nº 7.
34
[...] aquele que se desloca para fora do seu local de residência permanente,
por mais de 24 horas, realizando pernoite, por motivo outro que não o de
fixar residência ou exercer atividade remunerada, realizando gastos de
qualquer espécie com renda auferida fora do local visitado.
[...] o turismo moderno não precisa ter um conceito absoluto, mas importa
no conhecimento do mecanismo dinâmico que integra. Especificamente sob
a análise da teoria microeconômica, quando aplicada a um estudo do setor
turístico particular, por se tratar de uma abordagem restrita do
comportamento dos indivíduos e das empresas, não se incorporando
aspectos globais, pode ser estudada em três partes: demanda, oferta e
mercado turístico.
mais como um ‘processo’, mas sim como uma ‘atividade’ apenas, incluindo
motivacionais como as ‘variadas razões’ que impelem à sua ocorrência, como uma
atividade,
[...] sofisticada que movimenta bilhões de dólares por ano e atinge centena
de milhões de pessoas. Inúmeros locais transformaram-se em complexos
turísticos pelas mais variadas razões: belezas naturais, núcleos históricos
ou artísticos, centros comerciais, de convenções ou culturais, eventos
esportivos ou ligados ao show business, grandes metrópoles ou complexos
industriais ou ainda centros turísticos artificiais como a Disneylândia em Los
Angeles.
De outro lado Giacomini Filho (2000, p. 62) indica que na era da Sociedade
da Informação o turista tem um perfil diferenciado, isso porque
Veloso (2003) ao início de sua obra indica uma percepção a respeito dos
porquês se utilizam formas parciais de análise, e diferentes termos por diferentes
autores com o intuito de analisar o desenvolvimento turístico. O autor afirma que
Pois, para Nash (1997, p. 87) qualquer generalização sobre “a evolução dos
sistemas turísticos exige apresentar previamente de forma concreta os parâmetros
que tem maior importância nos câmbios socioculturais”, e, “se, se quer que a
investigação do turismo seja verdadeiramente antropológica, não deveria limitar-se a
uma estreita gama de sociedades ou de situações contratuais, se não que deveria
esforçar-se para abarcar o fenômeno onde quer que ele tenha lugar” (1997, p. 71).
Isto é, não se podem concentrar estudos em uns poucos santuários religiosos, e
após, generalizar que essa realidade encontra-se disseminada em todos os
ambientes religiosos. Nash vai de encontro ao pensamento de Ouriques (2005), que
discute o turismo como uma nova estratégia capitalista baseada no fetichismo
marxista e nas novas aparências dadas a antigos elementos culturais. Afirma que
quando houve a transformação da fé em Nova Trento - SC, “o que parece evidente é
39
Aprofunda essa percepção sobre o que chamou de ‘as viagens dirigidas pela
tradição’ (KNEBEL, 1974, p. 17-19). Descreveu desde os cruzados, passando pelas
viagens científicas, as imposições familiares baseadas no patriarcado, atingindo as
agremiações dos ofícios que eram aprendidos obrigatoriamente em viagens (como
os artesãos, ao qual a mobilidade era componente de seu crescimento profissional),
ou mesmo à nobreza (que só aprendia nas viagens o elementar para a manutenção
da classe). Afirmou que “os antepassados dos modernos turistas remontam somente
ao século XVII e XVIII” (KNEBEL, 1974, p. 15), pois antes disso havia o “tour de
formação e não de informação” (KNEBEL, 1974, p. 19).
11
Apesar de ser considerada uma obra didática pela Sociologia, Burns é um dos poucos autores
disponíveis no Brasil que desenvolve considerações acerca da relação turismo e religiosidade.
12
Os autores indicados são concentrados em grupos a defender se turismo e peregrinação tem ou
não o mesmo significado. O primeiro grupo é composto por Nash D. Tourism as an anthropological
subject. Current Anthropology, 22, 1981; MacCannell D. The tourist. New York: Schocken, 1976;
Passariello P. Never on a Sunday? Mexican tourist at the beach. Annals of tourism research, 10: 109-
22, 1983; e Graburn N. To pray, pay and play: the cultural structure of japanese domestic tourism. Aix-
em-Provence: Centre dês Hautes Études Touristiques, 1983. O segundo grupo inclui autores como
Brown D. Genuine Fakes. In: Selwin, T. 1996; Boorstin D. The Image: a Guide to pseudo-events in
América New York: Harper & Row 1964; e Barthes R. Mythologies. London: Paladin 1984.
41
13
Trata-se do famoso Caminho de Santiago de Compostela dos mais conhecidos roteiros de
deslocamento religioso de todo o mundo. As primeiras peregrinações ao túmulo do São Tiago
ocorreram por volta do ano 800 quando o rei Alfonso II mandou construir uma igreja no local do
possível sepultamento. Citado por MULLER S.A. Turismo e interioridade: a experiência do Caminho
de Santiago de Compostela. In: MOSER G.C. Sociologia aplicada ao turismo. Indaial, SC:
ASSELVI. 2001.
42
o turismo como ocorreu na pesquisa de Fagundes (2004, p. 12), quando indica para
a definição de turismo que face
[...] a pós-modernidade exige uma nova relação entre religião e turismo [...].
Esta relação é complexa e precisa ser melhor analisada não somente
procurando explicar os motivos que possam unir fé com diversão ou
entretenimento, nem mesmo diferenciar o lazer da religiosidade, mas
apresentar essa relação dentro de um contexto antropológico e sociológico
[...] (FAGUNDES, 2004, p. 14).
Essa percepção também baliza esta Tese, ao buscar identificar, para além
das categorias usuais de percepção dos autores, diferentes elementos que
permeiam a relação do turismo com a religiosidade popular. Tais características já
foram identificadas em pesquisa recente desenvolvida pelo Ministério do Turismo
Brasileiro (2005) cujo título é ‘Classe C e D, o Novo Mercado para o Turismo
Brasileiro’. Em linhas gerais as informações interessantes fornecidas pela pesquisa
são: esse turista tem um comportamento e uma visão específica dos passeios,
viagens, excursões e do turismo; costuma viajar em grupo e percebe a viagem como
uma forma de fortalecer laços de sociabilidade. Viaja com muita freqüência,
especialmente nos finais de semana, quando percorre distâncias curtas ou médias,
fica hospedado na casa de amigos e parentes e realiza dispêndios modestos ao
longo da viagem.
Além de não apresentar estes autores e suas teorias, o que por si já é uma
escolha deliberada sobre a valorização dada àquelas obras analisadas, entende-se
que Andrade pretensiosamente deu um tom de superficialidade à percepção que, o
lazer trabalha com o princípio que ‘se deve ficar sem fazer coisa alguma’, da mesma
forma, afirmar que os teóricos do lazer desertaram de suas posições é generalizar
sobre conteúdos aparentemente não dominados pelo autor. Para mostrar que a
produção teórica do lazer sobre o turismo existe e que o lazer poderia trazer ao
turismo para colaborar na gestão e no planejamento, basta observar-se a
quantidade de títulos disponíveis no mercado editorial, bem como a importância
deles para a compreensão de certos segmentos14 específicos do turismo atual. Para
finalizar essa discussão sobre o lazer, entende-se que se os autores do turismo
fossem menos tradicionais em suas interpretações, já que o são nas suas
descrições e análises, se poderia utilizar com maior propriedade as pesquisas já
desenvolvidas pelos estudiosos do lazer, visto que os autores do turismo, em sua
maior parte, repetem-se em poucos autores do lazer em suas argumentações.
14
A área do Lazer é responsável pela produção de muitas obras disponíveis no mercado editorial. A
seguir serão listadas algumas delas, com o intuito de demonstrar o quanto é amplo esse segmento,
bem como o quanto ele poderia colaborar com as percepções sobre o turismo: BOULLÓN R.C. Las
actividades turísticas y recreacionales: el hombre como protagonista. 3ªed. México: Trillas, 1999.
BRUHNS, H.T. (org.). Introdução aos estudos do Lazer. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997. (Col.
Livro Texto). CAMARGO L. O de L. Educação para o Lazer. São Paulo: Moderna, 1998. (Col.
Polêmica). DUMAZEDIER J. Sociologia Empírica do Lazer. São Paulo: Perspectiva, 1980. MUNNÈ
F. Psicosociologia del tiempo livre: un enfoque crítico. Mexico: Trillas, 1995. 8ª reimpressão.
SESC. Lazer numa sociedade globalizada: Lazer in a globalized society. São Paulo: SESC/WRLA,
2000. MARCELLINO, N.C. Políticas Públicas Setoriais de Lazer: O Papel das Prefeituras.
Campinas: Autores Associados, 1996. WERNECK, C.L. Lazer, Trabalho e Educação: relações
históricas, questões contemporâneas. Belo Horizonte: UFMG/CELAR/DEF, 2000. SERRANO, C.M.de
T & BRUHNS, H.T. (orgs.). Viagens à natureza: Turismo, cultura e ambiente. Campinas: Papirus,
1997. (Col. Turismo).
47
Veja-se que a essência da argumentação do autor, - e o que faz com que seja
citado pelos autores brasileiros -, é a aceitação do lazer relacionado ao mundo do
trabalho e dos deslocamentos para fora do ambiente cotidiano, como ocorre no
turismo. MacCannel também se utilizou dos argumentos de Durkheim quando este
afirmou que “o turismo é uma forma de respeito ritual para com a sociedade e
absorve algumas das funções da religião no mundo moderno” (apud STEIL, 2002.
p.58). A partir disso, se percebe que os autores brasileiros não se aprofundaram
sobre quais seriam os outros elementos indicados por Durkheim (as funções da
religião), mas sim assumiram apenas aquela que entendem relacionadas
diretamente com a atividade turística, - o lazer -, sendo que, por lazer turístico são
entendidas pelos autores todas aquelas atividades desenvolvidas durante a viagem
nos ambientes religiosos.
15
A obra indicada é The tourist: a new thery of the leisure class. Berkeley: California Press, 1999.
48
Para melhor entender-se essa posição dos autores sobre lazer, utilizo o que
diz Stanley Parker na obra ‘A Sociologia do Lazer’. Nela o autor aprofunda estudos a
partir da visão que, os aspectos relacionados aos elementos culturais do grupo
social, estão ausentes nas diferentes esferas do lazer na sociedade inglesa da
década de 1970. Ao comparar a religião com o lazer, Parker percebe as duas formas
(o lazer e a religião) como comportamentos não mais regulamentados pessoal e
secretamente, e de escolha deliberada, isto é, entende que se precisa reconhecer
em todos os aspectos da cultura a mesma evolução geral que esclarece o
significado profundo da atividade de lazer na atualidade: a passagem de um
comportamento de lazer social e moralmente determinado pelo grupo para uma ação
livremente orientada em direção a objetos e valores que são exigências individuais
autênticas, visto que não mais estão separados da pessoa por um labirinto de
códigos sociais como ocorria no passado. Ou seja, para Parker, aquelas atividades
que no passado ocorriam relacionadas aos grupos sociais (como foram o lazer e a
religiosidade), agora são mediadas apenas pelos valores individuais, sendo que
tanto com a religiosidade ou com o lazer, o mesmo vem ocorrendo no turismo.
Porém, os autores do turismo que citam o lazer, não fazem uso dessa percepção em
suas argumentações, pois, boa parte deles não desenvolve explicações, apenas
descrevem ações praticadas pelos visitantes nos ambientes religiosos.
sobre lazer e turismo, não procuram explicar seus argumentos, mas apenas
descrevê-los, acabando por mascarar ou dificultar a compreensão da realidade, pois,
do turismo sobre o lazer e o turismo, vai de encontro a Aoun16 (2001, p. 94) que
indicou ser expressa constantemente, pois,
Eliade (1992, p. 17) explica em parte essa situação dizendo que basta
constatar que a dessacralização caracteriza a experiência total do homem
não-religioso das sociedades modernas, o qual, por essa razão, sente uma
dificuldade cada vez maior em reencontrar as dimensões existenciais do
homem religioso das sociedades arcaicas,
entende-se que essa condição também ocorre nas sociedades atuais. Descrevendo
a importância das festas religiosas para os fiéis indica que “a repetição esvaziada de
seu conteúdo conduz necessariamente a visão pessimista da existência, [...], quer
dizer, quando dessacralizado o Tempo cíclico torna-se terrífico [...]” (ELIADE 1992,
p. 90), isto é, transpondo-se essa visão para a atual relação da religiosidade os
autores turismo percebem certo vazio nos conteúdos das atividades religiosas,
transportando-as para a esfera do lazer.
16
Parte do livro concentra-se em descrever anúncios de revistas especializadas em turismo, os quais além de
apresentarem paisagens magníficas, relacionavam-nas a adjetivos como paraíso, paz, tranqüilidade.
17
Uma das poucas publicações brasileiras reconhecidas pela academia como sendo científica em
turismo, editada pelo Programa de Mestrado/Doutorado em Turismo e Hotelaria da Universidade do
Vale do Itajaí (UNIVALI), vêm sendo editada ininterruptamente desde 1998. O número especial
denominado ‘Glossário’ editado em 2000 supriu uma lacuna naquele momento histórico, quando
através de um número especial, concentrou na agregação de diferentes autores, uma infinidade de
termos e conceitos por temas de análise, perpassando diferentes áreas afins ao Turismo como a
Administração, o Meio Ambiente, a Cultura, etc. Outra publicação é a revista Turismo em Análise uma
publicação semestral (maio/novembro), editada pela Editora Aleph e pelo Departamento de Relações
Públicas, Propaganda e Turismo da ECA-USP. Tem por objetivo publicar estudos, pesquisas e relatos
de experiências de docentes, pesquisadores e profissionais na área de Turismo e Hotelaria.
51
conforme o caso de Deus, Espírito, Anjo, Demônio, enfim, uma força que pode
determinar e dominar o mal e o bem, assim como salvar e encaminhar a ‘alma’ de
uma pessoa após a sua morte”.
Um destes tipos é o religioso, que Beni (2000, p. 422) refere como o que
promove,
18
O SISTUR ou Sistema de Turismo é um modelo empírico de análise da estrutura do turismo
proposto por Mário Carlos Beni a partir do universo da Administração. Baseia-se nos quatro
subsistemas chamados por ele de: cultural, ecológico, social e econômico tendo sido incorporado
pelo Turismo como um mecanismo de análise e interpretação, principalmente pelos profissionais que
vêem nele um instrumento eficaz para o planejamento e a implantação de projetos turísticos.
52
Ribeiro (2002, p. 4) indica o turismo religioso com a definição oficial dada pela
Conferência Mundial de Roma, realizada no ano de 1960, que percebe as
motivações relacionadas ao ambiente religioso. A autora amplia os locais e as
formas de ocorrência dessas práticas afirmando que,
Outro aspecto indicado no texto está na categorização usada pela autora: não
é utilizado o termo turista religioso, apenas usam-se fiéis, romeiros, peregrinos,
viajantes, caminhantes, etc., sem haver o uso explicito do termo turista ou seus
possíveis adjetivos e significados. Outro aspecto está no recorta-e-cola do texto, pois
a autora faz muitas afirmações sem preocupar-se em documentar as mesmas, como
é o caso da colocação sobre a criação da Pastoral do Turismo pela Igreja católica.
Noutro momento as explicações da autora para as modificações das dinâmicas
religiosas prendem-se as relações de trabalho apenas, onde o foco da análise se
53
concentra na ação dos fiéis, mais do que na força que induziu estas mudanças, ao
indicar que, os novos compromissos do trabalho faziam escassear o tempo
disponível para cumprir as longas rotas da fé (RIBEIRO, 2002).
[...] atualmente, com cada vez mais pessoas residindo em cidades, as crises
financeiras, políticas, desemprego, redução de renda, acabam por
comprovar a necessidade de renovar mitos e ritos religiosos. Para este
momento de religiosidade e lazer, as pessoas acabam buscando um espaço
alternativo, longe de seu cotidiano, quebrando as barreiras de sua
consciência limitada aos hábitos cíclicos do dia a dia, constituindo-se assim
54
Entende-se que ambos não percebem o momento festivo das atividades que
compõe o universo religioso conforme o fazem Durkheim (já indicado anteriormente)
ou Eliade, porque, ao não admitir a existência de um espaço religioso homogêneo,
renega a existência de valores contrários atuando de forma concomitante, talvez
porque mediada pela,
[...] experiência do espaço tal como é vivida pelo homem não-religioso, quer
dizer, por um homem que recusa a sacralidade do mundo, que assume
unicamente uma existência ‘profana’, purificada de toda pressuposição
religiosa (1992, p. 23).
Eliade afirma que visto que o “homem não-religioso reproduz ainda mais essa
visão quando interpreta as festas como sendo profanas ligadas aos mitos” (1992, p.
72), quando nelas percebe que “em muitos casos, realizam-se durante a festa os
mesmo atos dos intervalos não-festivos, mas o homem religioso crê que vive então
num outro tempo, que conseguiu reencontrar o primeiro tempo mítico” (1992, p. 72).
Neste aspecto Fernandes se concentrou em estudar romarias, acompanhando os
romeiros desde as etapas anteriores (preparação, concentração, caminhada e
chegada ao santuário), até o retorno às suas casas. O autor faz lembrar que, ao
serem organizadas às primeiras romarias episcopais à Aparecida, estas “tomaram o
trem Rio – São Paulo e levaram os fiéis a rezar por Nossa Senhora de Aparecida –
um em setembro e outro em dezembro de 1900” (1994, p. 106), sendo que este
modelo foi utilizado anualmente até 1930.
Segundo Wernet a partir do Concílio Vaticano II19 o apoio dado pelos padres
às romarias praticamente cessou visto que essas foram consideradas
“manifestações espúrias da religiosidade popular” (1999, p. 88), mesmo que o povo
não tenha dado ouvidos a essas discussões teóricas, continuando a ir à Aparecida.
Naquele momento (década de 1960), oficialmente, a igreja abandona as práticas
que estejam além dos muros dos santuários, permitindo mais liberdades para
aquelas pessoas que passam a organizar os grupos e que, pelo abandono da
organização da igreja, assumem esta função as ‘empresas turísticas’, (empresas de
ônibus, algumas paróquias e as pessoas em geral), as quais passam a organizar
uma “excursão sobretudo visava lucro” (1999, p. 88). Entende-se que o autor
generaliza por demais as práticas das excursões, visto que, quando coloca todas na
condição de serem resultantes de estratégias mercantilistas, não havendo mais
nenhuma excursão motivada pela fé e pela religiosidade. Também, considerando
essa condição reducionista baseada no mercatilismo como verdadeira para
Aparecida, não se pode generalizar, como referência de argumentos, essa condição
do transporte para todos os ambientes da religiosidade católica popular indicada por
Wernet.
19
O Concílio Vaticano II foi um evento que objetivou profundas transformações nas dinâmicas dos
deslocamentos religiosos quando por força de obediência a Roma, as coordenações assumem um
discurso moderno das ciências sociais, onde a ação humana fundamenta e instaura o sagrado nos
santuários, tornando-se, portanto uma instituição humana e não divina (STEIL, 1996, p. 37).
57
[...] as romarias do padre Cícero sempre são notícias nos principais jornais
do Estado, como fonte de renda e atividade econômica da cidade de
Juazeiro. O destaque, às vezes, não está no caráter religioso da festa, mas
o grande evento comercial que a festa adquiriu atualmente. A festa passa a
ter um caráter mais de valor conteudístico, preenchendo espaços na
programação das emissoras de rádio ou TV, bem como motivando
reportagens e coberturas especiais nos jornais diários ou revistas semanais
(MELLO apud LIMA, 2002, p. 3).
Para Lima (2002, p. 8) os elementos identificados pela mídia que cobre esse
evento religioso,
20
Para um maior aprofundamento sobre a história do Padre Cícero Romão Batista leia-se o livro de
Ralph Della Cava ‘Milagre em Joaseiro’, editora Paz e Terra, 1976 (Coleção Estudos Brasileiros,
volume 13). Nele são apresentados todos os elementos sobre a formação da vida sacerdotal, bem
como as diferentes etapas desde a ocorrência do milagre até sua expulsão da Congregação, sendo
que alguns destes detalhes compõe ainda hoje, um conjunto de valores em disputa constante entre e
Igreja e a população.
21
Bom Jesus da Lapa, no interior da Bahia, estabeleceu-se no século XVIII, pois em 1728 o local já
era descrito com o santuário, sendo que o povoamento da região ocorreu após 1663. Está situado no
médio vale do rio São Francisco a 900 km de Salvador. O livro que trata deste tema intitula-se O
Sertão das romarias: um estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da Lapa – Bahia.
Petrópolis: Vozes, 1996.
59
Noutro trabalho mais recente, Steil (2003c, p. 256), recuperou suas pesquisas
anteriores realizadas para sua tese de doutoramento sobre o santuário de Bom
Jesus da Lapa na Bahia (editadas em 1996), refazendo seus olhares sobre as
transformações por que vem passando o local, face às mudanças de significados
atribuídos pela Igreja Católica. Afirma que,
22
Mestre em Ciências - Turismo e Lazer, pela ECA/USP, licenciada em História - Unicamp e bacharel
em Turismo pela PUC Campinas. Professora da UNIBERO. Observe-se nas Referências à indicação
de dois textos desta autora, que apesar de, terem sido publicados em épocas diferentes (2000 e
2003), foram considerados com o mesmo conteúdo. Os artigos são análises resultantes de uma
pesquisa realizada pelos acadêmicos de Turismo da UNIBERO no ano de 1999. Os mesmos
resultados da pesquisa transformaram-se em dados estatísticos descritos e analisados por T.
Femenick (ver Referências).
60
romaria), pelos autores, relacionadas mais às Congregações que aos fiéis e suas
motivações. De encontro a essa percepção tem-se Costalonga (2003) que analisou
a presença e a movimentação de fiéis no santuário da Penha23 na cidade de Vila
Velha no Espírito Santo, existente há mais de 400 anos. Para a autora, encontram-
se muitos elementos da religiosidade popular relacionando as atividades que
ocorrem no santuário, bem como, noutros momentos isso não ocorre. Segundo a
autora, pelo fato que essas atividades estão relacionadas ao poder público (como é
o caso da transformação da área histórica da cidade em um ponto turístico para a
geração de renda para a população), o que tem levado muitos visitantes àquele
local. De um lado a autora utilizou-se do termo turismo religioso em poucos
momentos do trabalho, quando afirmou que
24
O termo communitas foi desenvolvido por Victor Turner em 1969, e significa basicamente a criação
de um grupo de pessoas que o fazem sem necessariamente haver uma relação tradicional de
agregação de grupo social, quando negam as classes sociais e rejeitam as ordens sociais existentes.
A base de Turner foi o sociólogo Arnold Van Gennep com a teoria dos Ritos de Passagem em (apud
SEGALEN, 2002, p. 48). Alphonse Dupront aprofunda a noção de communitas ideológica de Turner.
Para Dupront (apud NASCIMENTO), a peregrinação forma-se por “um grupo humano dotado de uma
irresistível pulsão comum, movido por uma força que o ultrapassa à procura de sua própria
sacralização” (1987, p. 406). Ele pensa na formação de uma sociedade peregrina que, para além das
fronteiras de sexo, idade, hierarquia, busca uma aproximação com os poderes sobrenaturais do
sagrado. O autor enfatiza a idéia de uma experiência, acima de tudo, religiosa que, percorrendo um
espaço até o lugar sagrado, permite fazer uma transformação misteriosa e espiritual, “Transmutação
do homem. Transmutação do espaço” (idem, p. 375).
62
parte dos visitantes e turistas que a vivenciam. Afirma querer chamar a atenção,
Em direção a esse pensamento, Augé diz que talvez a solidão gerada pelo
individualismo contemporâneo permitisse a que a vida se tornasse uma viagem e o
indivíduo um espectador, assim, o indivíduo se livraria do peso de ter que ser um
personagem, um ator, um sujeito, para assumir a liberdade de ser apenas um
viajante, alguém que está de passagem pela vida (apud IENO NETO, 2005, p. 12-
14). Para o autor, a pluralidade de lugares, o excesso que isso impõe ao olhar (como
ver tudo?) e à descrição (como dizer tudo?), produz a "expatriação" (o que é que vim
fazer aqui?). Esse fato cria no sujeito o sentimento de não ver no espaço da
paisagem que ele percorre ou contempla um lugar, nem de se sentir plenamente
nele. Ele está de passagem, é um viajante (apud IENO NETO, 2005, p. 12-14).
Steil (1996) percebeu um aspecto que parece ser inerente aos espaços dos
santuários brasileiros. Isto é,
Nascimento (1999, p. 2) tem como pressuposto que “a romaria não deve ser
considerada uma ‘sobrevivência’ do catolicismo tradicional ou ‘rústico’”, pois entende
que não se observa, principalmente no Brasil, uma diminuição ou decadência destas
festas e romarias populares. Pelo contrário, naquelas que acontecem em santuários
e centros de devoção - Trindade (GO), Aparecida do Norte (SP), Nossa Senhora da
Penha (RJ), Pirapora do Bom Jesus (SP), Senhor do Bomfim (BA), o que se percebe
é uma gigantesca congregação de fiéis. Para Nascimento25 (2002, p. 2) que
aprofundou analises sobre as romarias em Trindade (GO), é neste ambiente que
25
O santuário localiza-se na cidade de Trindade em Goiás, atraindo um público regional estimado em
duzentas a 300 mil pessoas para a sua festa, que pode atingir visitantes vindos de Goiânia e Brasília.
66
[...] podemos apontar que, a maior parte dos entrevistados [...], estava ali
mais por passeio ou curiosidade e os outros, que vieram como peregrinos
voluntários, não o fizeram por motivos ligados ao mundo espiritual, mas em
busca de cura para doenças (2000, p. 5).
[...] esse repouso não é simplesmente uma espécie de folga temporária que
os homens teriam se concedido para entregarem mais livremente seus
sentimentos de alegria que os feriados geralmente despertam, pois há
festas tristes, consagradas ao luto e a penitência, durante as quais ele não
é menos obrigatório.
26
Trata se do texto “O turismo como objeto de estudos no campo das ciências sociais” publicado em
2002 no livro RIEDL, M; ALMEIDA J.A; VIANA A.L.B. Turismo rural: tendências e sustentabilidade.
Santa Cruz do Sul: EDUNISC. No texto o autor descreve o papel da Sociologia e da Antropologia na
compreensão do turismo enquanto fato social, onde o turista aparece com suas singularidades, em
oposição as formas tradicionais de interpretação dos significados do turismo.
27
A obra intitula-se BANDUCCI JR. A; BARRETTO M. Turismo e Identidade local: uma visão
antropológica. Campinas: Papirus, 2001. Banducci é Doutor em Antropologia Social, professor e
pesquisador em Ciências Sociais. No texto o autor aprofunda a discussão sobre os poucos trabalhos
que produzem conhecimento, enquanto a maior parte deles apenas descreve os efeitos do turismo
sobre as comunidades hospedeiras.
28
Entende-se que, caso não se aprofunde os significados sociológicos determinantes que influenciam
e compõe o universo do catolicismo popular, se estará realizando uma descrição superficial de um
fato ou acontecimento em si, como o fazem os estudiosos tradicionais do turismo, sem haver uma
explicação completa sobre o mesmo, não o relacionando às estruturas sociais que o geraram e que o
perpetuam num determinado grupo social.
68
29
O santuário de Santa Paulina localizado na cidade catarinense de Nova Trento distante 80
quilômetros de Florianópolis está relacionado à primeira santa brasileira Amábile Lucia Visintainer. Foi
construído com dinheiro da Congregação e com a ajuda dos fiéis, sendo inaugurado em janeiro de
2006.
70
turismo, como,
[...] tempo livre é uma categoria peculiar de tempo, [...], em que deixam de
estar presentes o caráter obrigatório do trabalho ou da escola, o caráter
instrumental das tarefas de manutenção doméstica, o caráter de
descompromisso social, político, ou religioso (2001, p. 17).
De outro lado, entende-se, que, quanto mais estas categorias forem buriladas,
mais e mais se pode responder às interpelações dos deslocamentos culturais.
Entende-se também que, o autor baseando-se na utilização continuada de diferentes
terminologias por diversos autores (dentre os quais ele próprio), que pressupõe de
fato a existência destas, já na condição de categorias, deixou suas conclusões
confusas, devido às afirmações diversas que efetua, não permitindo perceber uma
31
SILVEIRA E.J.S. Turismo religioso: Mercado e Pós-Modernidade. In: DIAS R. SILVEIRA E.J.S. da
(Orgs), Turismo religioso: ensaios e reflexões. Campinas, SP: ALÍNEA, 2003a, e, SILVEIRA E.J.S.
Turismo e Consumo: A religião como lazer. In ABUMANSSUR, E.S. (org.), Turismo Religioso:
Ensaios Antropológicos sobre religião e turismo. Campinas, SP: PAPIRUS, 2003b.
74
Dos vários autores mencionados até aqui, nenhum deixou transparecer essa
limitação antagônica do uso indiscriminado entre o lazer e a religiosidade, e Gazoni
o fez abertamente, percebendo onde ocorrem os choques devidos as motivações
das viagens. Sobre isso o Autor (2003, p. 3) entende que
Tal afirmação do autor, por simples que possa parecer, compõe o cerne, a
essência do problema existente na análise da relação fé-turismo por parte dos
autores do turismo. Noutro momento, Gazoni afirma que “são raros os não-crentes
que conseguem ficar espiritualmente imunes à vibração ritual desencadeada pelas
grandes manifestações de fé [...]” (2003, p. 3), e que “o turismo vem se tornando um
meio seguro para tornar este contato acessível e real” (2003, p. 3).
para permitir aos não fieis participarem (espiritualmente) das vibrações religiosas
indicadas, pois, praticamente não existem empresas turísticas que atuem nestes
locais. Aoun pode nos ajudar a explicar porque os autores do turismo crêem nas
afirmações que fazem sobre as transformações dos ambientes da religiosidade em
locais turísticos, talvez, estejam baseando-se na premissa de mão-única, que vai do
turismo para a religiosidade para inverterem o processo, isto é, criam o mecanismo
de condução que vai da religiosidade para o turismo através da utilização de
símbolos e terminologia religiosa, visto que
Entende-se que os textos dos autores fazem sempre a referência que, existe
turismo religioso se as movimentações religiosas deixem de virem acompanhadas
de um contingente de sofrimento físico (não necessariamente dor física) como as
longas marchas e caminhadas, passar fome e sede, dormir mal, etc. elementos
presentes às movimentações religiosas do passado.
32
É comum encontrar-se nos santuários religiosos católicos um local onde são depositadas imagens
pelos fiéis, tanto das esperanças como o resultado das graças alcançadas, junto aos santos de
78
devoção. Essas imagens podem ser desde bilhetes, recados e fotografias até reproduções de partes
do corpo humano, casas, carros, etc.
79
Dal Ri (2002, p. 39) indica também que, quando Roma já havia dominado
militarmente boa parte do mundo da época, o conceito de cidadania se esvazia
“devido à extensão deste status a todos os indivíduos residentes nos diversos
territórios anexados pelo Império, realizado através do Constitutio Antoniniana de
212 a.C”, frente à pressão que estes povos realizavam constantemente em seu
apoio a manutenção das fronteiras romanas. O autor informa ainda que Justiniano
(482-465 d.C.) “o imperador do Império Romano do Oriente, ao eliminar da
legislação imperial o status de peregrinus e de latinus contribuiu ainda mais a esta
corrosão do civitas”35.
Ao encontro das palavras de Dal Ri, tem-se Salgado (2003, p.1) que informa
33
Segundo o autor, os antigos clãs romanos tinham suas origens rurais, isto é, nos primeiros momentos das tribos
que a partir das suas aldeias, juntas construíram o Estado romano. As gens concentravam cada homem e mulher
que derivavam de um ancestral comum, em linha paterna. Ser componente de uma gens era de caráter exclusivo
como ter um só pai.
34
Entendia-se por casamento regular aquele que ocorresse de forma como a tradição exigia. Constituir esposa ou
marido apenas, não atingia tal situação, caso um deles fosse peregrino.
35
Latinus indicava todos os povos que se localizavam próximos a Roma e que foram dos primeiros a ser
dominados pela Cidade-Estado, os quais receberam a cidadania italiana. Civitas era a primeira forma de
ordenamento jurídico da cidadania romana, criada posteriormente as legislações das gens originárias de Roma.
80
Pois, para ele, o romeiro é o peregrino que vai a Roma e, peregrino “é o que
abandona os lugares a si relacionados, os próprios hábitos e o ambiente afetivo para
dirigir-se com o espírito religioso, a um santuário ao qual ele escolheu livremente, ou
que lhe foi imposto pela indulgência” (1999, p. 129). Pode-se perceber na afirmação
de Caselli, que o elemento inerente ao peregrino é a movimentação física, o
abandono do local de habitação, porém essa movimentação é permeada por um
espírito religioso.
Caselli (1999, p. 137), afirma que Veneza, cidade localizada ao norte da Itália,
servia de ponto de peregrinação, (bem como de apoio àqueles que demandavam a
Roma), entre os anos 1500 e 1800. Nesta cidade seguia-se um critério de
especialização no atendimento aos peregrinos, havendo hotéis que atendiam
apenas a italianos, a franceses, a flamengos e a alemães. Bellinatti cita a Erasmo de
Rotterdam que em seus ‘Colóquios’ apresentou as condições físicas e espirituais
daqueles locais dedicados aos peregrinos. Porém, afirmou que a esses serviços está
“faltando à demanda: cada um solicitava ou oferecia o direito da hospitalidade aos
do seu grupo” (1974, p. 57), indicando, portanto, um serviço disponível para poucos,
e se entende, não caracteriza o turismo moderno (a hospitalidade paga).
romanos, iniciam-se as construções das igrejas, muitas delas sobre os túmulos dos
mártires. O próprio imperador romano Constantino (que incorporou o catolicismo
como religião oficial do Império), mandou erigir enormes basílicas sobre as
sepulturas dos apóstolos Pedro e Paulo, sendo estas, referências de culto e motivo
para as peregrinações a Roma, principalmente em anos jubilares.
Estes deslocamentos foram tão intensos, que Dante em sua famosa obra “A
Divina Comédia”, descreveu a torrente de peregrinos que se formou quando da
emissão da Bula Papal de Bonifácio VIII em 1300, originando diversas procissões de
devotos vindos dos arredores de Roma, de toda a Itália, bem como do resto do
mundo de influência romana da época (BELLINATTI, 1999, p. 21).
36
O Protestantismo enquanto movimento religioso aboliu diversas manifestações praticadas pelo
Catolicismo Romano principalmente aquelas relacionadas à valorização exacerbada da utilização de
diferentes mecanismos na relação entre o homem e Deus, como por exemplo, o uso dos santos e de
suas relíquias (santuários, imagens, medalhas, milagres, etc.).
84
a Igreja ou contra qualquer componente de uma ordem religiosa. Para Nolan e Nolan
romaria é apenas “uma especificidade das línguas espanholas e portuguesas
significando jornadas mais curtas ou pequenas peregrinações” (apud STEIL 2003a,
p. 33), que envolviam as participações comunitárias, combinando aspectos festivos e
devocionais.
hábito das romarias e a crença nos milagres), como através da descrição das
ocorrências dos santuários como ponto alto das manifestações e das festas nos
diferentes locais do território brasileiro, pois estas sofreram diversas transformações
nestes 500 anos. Estas ocorrências foram subdivididas em dois momentos que
permitem uma maior compreensão e análise para a Tese: as transformações
ocorridas nos primeiros quatro séculos de religiosidade (oficial e popular), de 1500 a
1900 e estão identificadas e apresentadas no tópico 2.3.1. Neste tópico, se
descrevem as diferentes nuanças que caracterizaram e simbolizaram a
representação da fé. O segundo momento as transformações ocorridas nos últimos
cem anos, que vão de 1900 ao ano 2000, identificadas e apresentadas no tópico
2.3.2. Estão separadas, visto que, a Igreja, buscou neste período alicerçar a fé
popular noutros moldes quando comparados aos séculos iniciais, e, principalmente
recuperar o controle sobre esses locais, através da inclusão de mudanças, bem
como da negação de estratégias antes disseminadas.
eclesiástica37 para serem adotadas” (1985, p. 113). Para Oliveira essas práticas
estabeleceram-se em face do tamanho físico do país aliado à ausência generalizada
do aparelho religioso (isto é, baixíssimo número de religiosos em contato direto com
o povo) desde o descobrimento em 1500 até o estabelecimento da República em
1889, momento decisivo na implantação de novas dinâmicas religiosas no Brasil
(principalmente a Romanização) (1985, p. 113).
37
Autoridade eclesiástica é o corpo de agentes religiosos institucionalmente qualificados para a
direção dos fiéis e dos trabalhos religiosos católicos.
87
Para o autor (1977, p. 130), “a romaria era um dos atos mais sagrados da
devoção popular, tida como um sacrifício: o de ir venerar o santo em sua casa. Uma
das expressões fundamentais da fé residia na promessa: pagar promessa era uma
das obrigações fundamentais do catolicismo popular”. Continua afirmando que “os
santuários constituíam centros de devoção para os quais os devotos seguiam em
romarias para a veneração do santo e cumprimento das promessas, ao lado do
santuário surgia, com freqüência, a chamada casa dos milagres, onde os devotos
deixavam os seus ex-votos como testemunhos das graças alcançadas”. Em
concordância a essa informação, Oliveira (1985, p. 135) descreve a “co-existência
de práticas religiosas católicas oficiais que convivem com valores auto produzidos
localmente, as quais podem até ser opostas”. Assim, observando-se diferentes
classes sociais participantes de uma mesma devoção religiosa, se encontrará
diversas representações e práticas religiosas dentro desta, cada qual moldada com
38
Riolando Azzi estudioso da religiosidade católica popular é um dos maiores estudiosos da evolução
da Igreja católica brasileira possuindo muitas obras sobre a história da Igreja Católica.
88
elementos específicos de cada grupo social. Além dessa situação, Oliveira (1985, p.
135) apresenta a existência de um código moral operado no catolicismo popular
onde, a despeito do código jurídico oficial,
39
Nossa Senhora da Penha, no subúrbio da Penha no Rio de Janeiro é um famoso santuário que se
estabeleceu sobre um rochedo de 65 metros de altura, com 382 degraus. A primeira imagem
colocada no local foi em 1635 numa ermida mandada fazer quando o capitão Baltazar Abreu de
Cardoso em homenagem a um pedido de ajuda seu a um ataque de serpente quando visitava o local,
sendo que a atual igreja é do século XIX. É tradição ainda hoje ocorrerem shows de música popular e
concursos de músicas de carnaval e festas populares bastante concorridas (SOIHET, 2002).
89
40
[...] durante a festa o local assumia características de arraial todo
embandeirado, cabendo sua organização à comissão de festeiros da
41
Irmandade da Penha. Constava de missa solene, cerimônia de benção,
barraquinhas de prendas, jogos, comidas e vendas de medalhas.
40
Arraial: lugar onde há festejos e aglomeração popular ou ajuntamento festivo de povo (Laudelino
Freire, 1957, p.739). Pierre Sanchis na obra “Arraial: festa de um povo: as romarias portuguesas”.
Lisboa: Dom Quixote, 1983, produziu diversas informações sobre as tradições das romarias
realizadas em Portugal e que se estabeleceram no Brasil com a vinda dos imigrantes.
41
O termo Irmandade significava um conjunto de irmãos, uma confraria, liga ou associação
(MAGALHÃES, 1955 p. 939) que se organizavam em função de sua relação com um santo de
devoção. Elas assumiam quase todas as funções religiosas durante a ausência dos padres.
90
42
Aprofundado na obra intitulada Memória e história: misticismo, santidade e milagre em São Paulo.
São Paulo: T. A. Queiroz. 2001 onde apresenta a vida e o sofrimento nos poucos anos de existência
do menino, bem como o processo de transformá-lo em santo, a despeito da oposição oficial da igreja.
91
Por outro lado, Oliveira (1985, p.288) afirma que para controlar as áreas
rurais, imensas e dispersas pelo território, se fez uso do controle sobre os
santuários, locais de grande afluência e concentração popular, agregando também o
controle sobre as romarias: “procuram diminuir o seu número, só permitindo a
realização de romarias com autorização eclesiástica”. Isso porque,
43
Ao ser iniciado o Vaticano II em outubro de 1962, a liturgia era na realidade um assunto prioritário,
o primeiro assunto a ser discutido e, pode-se dizer também, o único assunto a ser discutido no
Concílio durante o pontificado de João XXIII. Já que a Missa é o centro da liturgia, e a Missa é um
sacrifício, tratou-se primeiramente da natureza do sacrifício em geral, depois de como ele entrou no
Cristianismo e as intervenções do Magistério da Igreja em relação à missa até antes do Vaticano II
(STEIL, 1996, p. 37). As orientações do Papa João XXIII sobre os objetivos do Concílio eram mais
genéricas: "revestir o clero de novo fulgor de santidade", "instruir o povo nas verdades da fé e da
moral", sem que se mencionasse nelas nenhum problema litúrgico. Em 5 de junho de 1960 João XXIII
instituiu onze comissões preparatórias para estudar os diversos problemas da Igreja no mundo
moderno. Havia uma Comissão Teológica, para examinar os problemas relativos à Sagrada Escritura,
tradição, fé e costumes; e outras para os bispos e governo das dioceses, disciplina do clero,
religiosos, sacramentos, liturgia, seminários, Igreja Oriental, missões, apostolado dos leigos, meios de
comunicação (STEIL, 1996, p. 37).
92
44
Os Padres Redentoristas alemães entraram no Brasil no final do século XIX (1894). A eles foi dada
a administração de diversos santuários, como o da Lapa na Bahia, do Pai Eterno em Trindade, Goiás
ou o de Aparecida em São Paulo, uma vez que sua fama era de bons administradores de santuários.
45
O significado do termo dessacralizar é bastante amplo, porém popularmente pode dizer que
significa tirar o poder sagrado de alguma coisa a que se dava o valor de sagrado. Este processo
colocado em curso nos santuários objetivava que as Congregações tomassem as rédeas das mãos
dos fiéis e das irmandades.
46
O catolicismo renovado permitiu fazer com que os diversos grupos que se denominavam católicos,
mas que não satisfizessem as exigências e dinâmicas do clero pudessem participar das atividades
religiosas nos santuários. A esses devemos somar os que valorizavam os relatos bíblicos, os valores
e princípios morais, os mitos católicos e milenaristas, os santos e heróis do catolicismo colonial, as
visões de mundo tradicionais e secularizadas, etc. (STEIL, 1996, p. 57 e 272).
93
Entende-se que este fato não está comportado pelo todo do universo dos
deslocamentos religiosos pela fé, ou mesmo do universo dos turistas nos locais de fé
e que, portanto, exige dinâmicas mais específicas do que a satisfação daquelas
necessidades supridas pela estrutura turística a um turista. É importante perceber
que o santuário de Aparecida no estado de São Paulo47 foi o precursor da
implantação do controle dos padres sobre as movimentações religiosas populares,
por dois motivos.
47
A história do santuário começa com os pescadores que encontraram a imagem da santa nas águas
do rio Paraíba. Aparecida passou por diversas etapas desde que em 1740 foi construída a primeira
capelinha erigida próximo ao porto de Itaguaçú, após em 1745, construiu-se no morro dos Coqueiros
uma capela em homenagem a Conceição Aparecida, sendo que esta foi ampliada entre 1760 e 1770
(Almanaque de N. S. Aparecida, 2004, p. 156). A atual Basílica, também chamada de ‘basílica nova’
foi construída em um novo local que permitiu aumentar consideravelmente o número de fiéis (in:
Jornal do Brasil Caderno Roteiros da Fé. 11.09.2000, p. 27-8).
94
poder sobre as almas”, objetivando com isso evitar a dispersão de forças religiosas,
através da escolha de Maria.
dentro das grutas), mesmo antes dos redentoristas e o poder público entende ser
naturalmente responsável pelo controle sobre o comércio em geral.
48
A Conferência Episcopal Italiana (CEI) é um órgão da Santa Sé da Igreja Católica. Sediado em
Roma possui diversas funções na estrutura organizacional, sendo uma delas a institucionalização de
novas ações e políticas de turismo junto às diferentes Congregações. Como o turismo é percebido
como um momento ímpar de reunião das pessoas, o CEI vem desenvolvendo intensas discussões,
em diferentes instâncias da Igreja, na busca da utilização desses momentos para a sensibilização
religiosa. Para isso a igreja vem formando quadros de trabalhadores com formação específica para o
atendimento de fiéis e de turistas, com vistas a um aproveitamento das viagens com fins religiosos
em todas as ações praticadas. São desenvolvidos eventos (seminários, palestras, congressos) com o
fim único de valorizar o turismo dentro da perspectiva do CEI.
49
É o Departamento dentro da CEI que coordena diretamente todas as ações relacionadas ao
turismo, desde a definição das políticas de ação, passando por eventos nacionais e internacionais
(jornadas de formação de recursos humanos, por exemplo) ou até a edição de textos básicos e livros
como os acima indicados.
99
esses serviços, assim como a definição das dinâmicas de distribuição e venda das
lembranças. Porém, a expectativa da Igreja é de que com esse incremento da
movimentação humana atual seria necessário que houvesse “a admissão no circuito
turístico de novos conteúdos e de novas aberturas na perspectiva da promoção
humana e da cultivação da espiritualidade, sem dúvida, impeliu o turismo a um
horizonte mais idôneo às complexas exigências do homem pós-moderno” (MAZZA,
2001a, p. 1).
Para Mazza (2001a, p. 1) “se trata de olhar com sério interesse a um turismo
inspirado em valores de humanidade e de espiritualidade capazes de aproximar as
expectativas das pessoas” com a proposta de férias não mais medidas
exclusivamente sobre modelos de puro consumismo hedonista, ou seja, aquele onde
o indivíduo pode intermediar e escolher as experiências que quer ter, desprezando
outras. De tal modo que a Igreja reveja seus atuais papéis diante dos usos
promovidos pelo turismo, e se transforme
50
A produção teórica da CEI italiana é grande, atingindo diferentes segmentos relacionados às
movimentações humanas, dentre elas o turismo. Os textos mais conhecidos dos profissionais do
turismo que atuam junto a CEI são: Pastorale del turismo, dello sport, del pellegrinaggio: sussidio per
um impegno ecclesiale, 1996; La presenza della Chiesa nel mondo del turismo. 2001; Fondamenti Del
Pellegrinaggio: quando nasce, come se sviluppa, come si vive. 2001; Viaggiare, visitare e accogliere.
Per um turismo dei valori. 2001; La Pastorale del Turismo e la Pastorale dello Sport. 2001; La ripresa
dell’intersse ecclesiale. Tendenze per la Pastorale del Turismo e per il Turismo Religioso. 2001.
51
Observações realizadas durante a pesquisa ‘Turismo religioso e humanismo latino no Brasil’ para a
Fondazione Cassamarca de Treviso na Itália, já indicada anteriormente.
101
1) CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA
O texto analisado compõe um livreto com 102 páginas organizadas num texto
único. O referencial utilizado como ancoragem do texto os elementos de gestão dos
espaços, com atenção a categorização dos locais, das atividades e das motivações
dos fiéis e turistas que se encontram nos locais religiosos, argumentando a inclusão
de atividades sob a ótica da sustentabilidade,
3) REINALDO DIAS
4) EMERSON J. S. DA SILVEIRA
• Seria ele um conjunto de viagens – incluindo • Idéia 01 – Pólos de convergência (altares, templos,
motivações e serviços – marcadas pela oferta santuários e cerimoniais), são responsáveis pela
de atrativos religiosos ou pela demanda por principal motivação do peregrino.
divindades, bens sagrados e rituais?
• Compreendê-lo em seus elementos • Idéia 02 – Entre cientistas sociais ou mesmo
constitutivos, sejam eles místicos ou sócio- teólogos dispostos a observar o desenvolvimento
espaciais; visualizando sua lógica em lugares turístico das localidades religiosas, têm sido comum
típicos, como os Centros de Peregrinação
107
brasileiros fica destituída de seu peso turístico, alcançáveis a todos que se dirigem àquela localidade
apenas porque uma cultura de preconceitos santa. Portanto, quanto mais massificada a fé,
vinculou turismo a profanação. melhor será a sustentabilidade do turismo religioso.
• O turismo religioso – e isso é essencial – não é
de religiosos, nem de religião. É um turismo • Idéia 10 – Identificar o turismo religioso com os
motivado pela religiosidade, pela cultura dogmas religiosos é quase tentar juntar água e óleo!
religiosa. Portanto, onde quer que essa cultura
se manifeste – seja na área rural, natural ou • Idéia 11 – O turista religioso faz tanta visita que – e
urbana, seja no cotidiano ou em momentos até por isso mesmo – não se sente mais turista, é
festivos – poderá existir um turismo religioso como alguém de casa; assim como a divindade – por
(com ou sem profissionalismo). imagens, orações, pensamentos – também não é um
• Quatro tipos de santuários (Naturais, estranho nos espaços cotidianos desse turista.
Tradicionais, Metropolitanos e Rituais).
• Só se torna acessível ao turista – e ao turismo • Idéia 12 – Só se torna acessível ao turista – e ao
religioso inclusive – mediante um processo turismo religioso inclusive – mediante um processo
contemporâneo de demarcação, controle, contemporâneo de demarcação, controle,
monitoramento e publicidade dirigida. monitoramento e publicidade dirigida.
• A urbanização, os meios de comunicação e de
transportes transformam-no: Passa de santuário • Idéia 13 – Reconhecer os limites cristãos ocidentais
tradicional a metropolitano no decorrer da que vêm transformando a peregrinação em turismo
construção da nova Basílica, e modifica, por para atender à modernização de suas sociedades, tão
extensão, o característico de seus peregrinos marcadas pela noção de secularização.
como turistas.
• O Santuário Ritual é, portanto, um santuário • Idéia 14 – Quatro tipos de santuários (Naturais,
decisivo para a renovação técnica e simbólica Tradicionais, Metropolitanos e Rituais). O Santuário
do turismo religioso. Além de reconstituir-se Ritual é, portanto, um santuário decisivo para a
nas áreas privilegiadas dos outros três, colabora renovação técnica e simbólica do turismo religioso.
diretamente para configuração do terceiro tipo Além de reconstituir-se nas áreas privilegiadas dos
de roteiro classificado a pouco como Roteiro outros três, colabora diretamente para configuração
de Espetáculo. Nele o turismo religioso tende do terceiro tipo de roteiro classificado a pouco como
cada vez mais a se diluir em outras Roteiro de Espetáculo. Nele o turismo religioso
denominações, mais ajustadas com a aparência tende cada vez mais a se diluir em outras
do atrativo. Em contrapartida, para denominações, mais ajustadas com a aparência do
compreensão do êxito do evento festivo, é cada atrativo. Em contrapartida, para compreensão do
vez mais fundamental destacar os aspectos da êxito do evento festivo, é cada vez mais fundamental
religiosidade que o santuário reedita. destacar os aspectos da religiosidade que o santuário
• De um lado porque o produto turismo religioso reedita.
continua restrito aos problemas conceituais que
já relacionamos – quem opera esse turismo não • Idéia 15 – Compreendê-lo em seus elementos
é um profissional do setor, e o profissional constitutivos, sejam eles místicos ou sócio-espaciais
acaba confundindo cultura e confissão visualizando sua lógica em lugares típicos.
religiosa. Resultado: acredita-se que no Brasil
não existe turismo religioso porque nossos • Idéia 16 – Os destinos religiosos, enquanto pólos de
receptivos (os diversos santuários) dispensam convergência (altares, templos, santuários e
mediações. Entretanto, as mesmas agências que cerimoniais), são responsáveis pela principal
operam internacionalmente admitem que um motivação do peregrino.
trabalho sério e profissional com um grupo de
turistas em motivação assumidamente religiosa
torna indispensável à ação de duas lideranças:
o guia de turismo e o guia espiritual. Essa
observação expressa o peso das mediações que
o simbolismo religioso vai requerer,
principalmente em função das exigências
promovidas pelo sistema de turismo. De um
lado, a capacitação dos profissionais deve
exigir forte grau de especialização para lidar
com um conjunto de atrativos tão complexos;
de outro, a experiência do turista religioso, no
Brasil, deve superar as barreiras estabelecidas
pela religiosidade que afirma a fé como um
109
Ancoragem
• Fé.
• Turismo.
• Administração.
Discurso Individual
• Peregrinos e turistas possuem as mesmas motivações, faltando aos profissionais do turismo desenvolver
estratégias de atração, bem como instalar infra-estrutura para que se possa atingir a sustentabilidade do
negócio.
• O turismo religioso, como discurso, tende a • Idéia 01 – A peregrinação pode ser vista tanto como
desconsiderar as motivações religiosas para a fenômeno religioso quanto como fenômeno turístico.
viagem e se concentrar no fenômeno do O turismo religioso e o turismo de massa são crias
deslocamento, e, mais especificamente, na siamesas de um mesmo processo histórico. Se o
necessidade que esse deslocamento traz em mundo do trabalho é condicionante do tempo de lazer
termos de estrutura de transporte, hospedagem e, consequentemente, do turismo, as viagens com
e alimentação. motivação religiosa não ficam alheias a essa mesma
• Acresce o fato de que as peregrinações determinação.
modernas têm de ser entendidas em um
quadro de referências onde o tempo do • Idéia 02 – O turismo religioso, como discurso, tende
trabalho e sua contraface, o tempo do lazer, a desconsiderar as motivações religiosas para a
emolduram o ato de fé. viagem e se concentrar no fenômeno do
• A peregrinação pode ser vista tanto como deslocamento, e, mais especificamente, na
fenômeno religioso quanto como fenômeno necessidade que esse deslocamento traz em termos de
turístico. estrutura de transporte, hospedagem e alimentação.
• O turista religiosamente motivado é mais do Se o mundo do trabalho é condicionante do tempo de
que um trabalhador em férias. Ele é o foco de lazer e, consequentemente, do turismo, as viagens
convergência de transformações no campo com motivação religiosa não ficam alheias a essa
religioso, reunindo e resumindo em sua mesma determinação. Acresce o fato de que as
prática de fé as atitudes que reconfiguram esse peregrinações modernas têm de ser entendidas em um
campo e expressam as formas como a religião quadro de referências onde o tempo do trabalho e sua
é vivenciada em nossa modernidade. contraface, o tempo do lazer, emolduram o ato de fé.
• É preciso reconhecer que tratar as
peregrinações como turismo religioso só se • Idéia 03 – Se há algo de religioso no turismo, se há
tornou possível após o surgimento das massas algo de turístico nas peregrinações, é importante
de trabalhadores que desde a revolução saber como um e outro ajudam-nos na compreensão
industrial vêm conquistando, aos poucos, o das vivências religiosas e, nesse caso, da religiosidade
direito ao lazer. de um Brasil experimentado pelas classes populares.
• O turismo religioso e o turismo de massa são Nem todo turismo é uma forma de religião, nem toda
crias siamesas de um mesmo processo peregrinação é uma forma de turismo. Mas, quando
histórico. um turismo e religião convergem em um mesmo
• O produto turístico religioso sofre a mesma evento, temos aí um objeto fecundo de oportunidades
padronização de oferta. de compreensão do fenômeno religioso. A
• O turismo religioso que se destina aos peregrinação não se torna turismo religioso apenas
pela ação ou tratamento dado a ela pelos agentes e
111
santuários nacionais é considerado ‘turismo de pela ação ou tratamento dado a ela pelos agentes e
pobre’. Como regra, as romarias são gestores do turismo ou pela administração pública, o
organizadas de forma espontânea pelas próprio peregrino moderno comporta-se com um
pessoas interessadas. turista à mediada que a religião mesma se torna
• Embora o peregrino também se divirta em sua objeto de consumo.
peregrinação, é o compromisso religioso que o
faz relevar as condições precárias em que se • Idéia 04 – O turismo religioso que se destina aos
dá a sua viagem e, inclusive, aceitar o santuários nacionais é considerado ‘turismo de
desconforto como um componente religioso pobre’. Como regra, as romarias são organizadas de
da romaria. forma espontânea pelas pessoas interessadas. Embora
• Nem todo turismo é uma forma de religião, o peregrino também se divirta em sua peregrinação, é
nem toda peregrinação é uma forma de o compromisso religioso que o faz relevar as
turismo. Mas, quando um turismo e religião condições precárias em que se dá a sua viagem e,
convergem em um mesmo evento, temos aí inclusive, aceitar o desconforto como um componente
um objeto fecundo de oportunidades de religioso da romaria.
compreensão do fenômeno religioso.
• A peregrinação não se torna turismo religioso
apenas pela ação ou tratamento dado a ela
pelos agentes e gestores do turismo ou pela
administração pública, o próprio peregrino
moderno comporta-se com um turista à
mediada que a religião mesma se torna objeto
de consumo.
• Desde a Idade Média o aspecto penitencial era
o motivador da viagem, mesmo porque a
noção de lazer como algo que se opõe ao
tempo do trabalho é própria de uma sociedade
organizada em torno das atividades
produtivas.
• Se o mundo do trabalho é condicionante do
tempo de lazer e, consequentemente, do
turismo, as viagens com motivação religiosa
não ficam alheias a essa mesma determinação.
• Essa relação entre religião e lazer é inventada
e reinventada no cotidiano das práticas
devocionais da população brasileira, em
especial a de baixa renda. É essa
promiscuidade entre religião, consumo e lazer,
que nos possibilita o questionamento da
religião com base em diferentes disciplinas.
• Se há algo de religioso no turismo, se há algo
de turístico nas peregrinações, é importante
saber como um e outro ajudam-nos na
compreensão das vivências religiosas e, nesse
caso, da religiosidade de um Brasil
experimentado pelas classes populares.
Ancoragem
• Turismo
Discurso Individual
• A peregrinação é fenômeno religioso tanto quanto turístico, mediada pelo mundo do trabalho, assim, o
turismo religioso tende a desconsiderar as motivações religiosas da viagem e se concentrar no
deslocamento e nas necessidades que este traz em termos de estrutura de transporte, hospedagem e
alimentação.
112
Discurso Individual
• A opção religiosa é decorrência de uma livre escolha por uma determinada crença, e, é acompanhada por
uma pausa da rotina para o lazer. Buscando atender as necessidades durante a experiência, o município
implantará equipamentos, transportes, produtos e serviços, gerando efeitos econômicos e positivos do
turismo religioso
114
• O termo turismo religioso, categoria surgida no • Idéia 01 – A categoria turismo religioso surgida
mundo do mercado/marketing, acabou sendo do mercado acabou encampada nos discursos
encampada nos discursos teóricos sobre o tema. teóricos. A mercantilização dos lugares e
• A procissão pertence a lógica institucional, inscrita religião com festas e tradições populares, torna-
na história, mas o fiel que a vivencia estaria as possíveis porque comercializáveis no
localizado numa lógica subjetiva. Contudo essas imaginário veiculado pelas mídias e em
dimensões se interpenetram, modificando-se interação com o fluxo de visitantes/turista, que o
mutuamente. turismo e a religião vão encontrar seu ponto de
• Será preciso, então, caracterizar a diversidade do convergência alinhavado pelo consumo.
deslocamento, perguntando-se o que diferencia o
deslocamento-viagem em relação ao deslocamento- • Idéia 02 – Na medida em que a sociedade se
turismo e o deslocamento-peregrinação/romaria em complexifica e sofre um desencaixe entre
relação ao deslocamento excursão. Todavia, o tempo/espaço, o turismo é alçado à condição de
critério deslocamento ainda é insuficiente para prática majoritária, com acentuada presença das
construir tipologias turísticas. classes médias, já o excursionismo parece ser a
• A condição de mercantilização dos lugares e prática predominante das classes populares,
religião com seu aparato de festas e tradições exigindo outros tipos de conceitos para analisá-
populares, ou seja, de torná-las possíveis porque las. Houve o declínio da adesão institucional
comercializáveis, está na confecção das imagens. E religiosa, o que não significa o declínio do
é aí, no imaginário veiculado pelas mídias e em sagrado.
interação com o fluxo de visitantes/turistas, que o
turismo e a religião vão encontrar seu ponto de • Idéia 03 – A religião não fundamenta ação e
convergência e o tecido no qual vão estar visões de mundo na sociedade ocidental. A
alinhavados pelo consumo. religião torna-se espetáculo, a consumidores que
• É necessário ter em mente que o turismólogo deve não se vinculam a dogmas nem a sistemas
ser o profissional que deve refletir em termos teológicos e nem igrejas. Aí, talvez, possa-se
globais e teórico/prático o fenômeno ao qual é falar em turismo religioso.
instado a planejar.
• Talvez se possa dizer que na medida em que a • Idéia 04 – O turismo é um espaço, uma
sociedade se complexifica e em que sofre um territorialidade específica, uma etiqueta que,
desencaixe entre tempo/espaço, o turismo é alçado pode variar entre cultural, religiosa, virtual,
à condição de prática majoritária, com acentuada colocaria em circulação/venda desde artesanatos
presença das classes médias, já o excursionismo tradicionais aos de última geração, mesclando-
parece ser a prática predominante das classes os, desconstruindo e introduzindo novas
populares, exigindo outros tipos de conceitos para posturas (lazer e ludicidade) dentro da religião.
analisá-las. Houve o declínio da adesão Dessa forma, o religioso dilui-se no mercado, no
institucional religiosa, o que não significa o lazer.
declínio do sagrado. A religião não é mais aquela
que fundamenta ação e visões de mundo dos • Idéia 05 – Formular definições não significa o
homens e mulheres da sociedade ocidental. término da reflexão acadêmica que deve primar
• Se por um lado a secularização é um fato, de outro pela crítica, autocrítica e autonomia. É preciso
em sociedades latino-americanas, entre elas a criar uma hermenêutica, construir uma
brasileira, esse termo precisaria ser repensado, interpretação dos fatos turístico-religiosos a
porque a modernidade capitalista nunca chegou a partir da tradição de pesquisa, acúmulo de dados
afirmar-se nas paragens tupiniquins. O turismólogo e teorização de modo que se possa compreender
deverá estar atento para uma visão mais alargada e gerir a diferença/diversidade social, religiosa e
desses fenômenos, para os símbolos presentes, suas turística.
dinâmicas peculiares e que servem como um código
de leitura da sociedade, ou seja, pela religiosidade • Idéia 06 – Não se pode colocar no mesmo
pode-se ler a sociedade que a produziu. patamar teórico/hermenêutico um romeiro que
• A convivência simbiótica entre profano/sagrado, se busca sua fé no padre Cícero (Ceará), e um
é que tais características ainda permaneçam com o turista que visita cidade cenográfica de Nova
mesmo poder explicativo na pós-modernidade é Jerusalém (Pernambuco).
anterior à constituição de um fluxo turístico.
• As massas de romeiros, antes sob o controle da • Idéia 07 – Os elementos materiais em comum,
viagem, hospedagem, comércio e artesanato são
115
igreja, transbordam essas fronteiras. O monopólio viagem, hospedagem, comércio e artesanato são
do significado religioso por parte da igreja cede insuficientes para uma caracterização mais
lugar à atuação das empresas de turismo e profunda. A interpretação precisa ser exercida
organizadores de excursão. sobre a forma, significado, visão de mundo que
• Em termos estruturais, produziram-se espaços, nos perpassa o ambiente e pessoas que o animam,
locais para onde acorrem peregrinações/romarias, desvelando sua polissemia, entre as quais o
que sofrem ocupações e impactos econômicos. turismo religioso. Só uma investigação mais
• Só uma investigação mais profunda, abordando a profunda, abordando a rede de fluxos de
rede de fluxos de romarias e peregrinações romarias e peregrinações adentradas pelo
adentradas pelo turismo/consumo poderia responder turismo/consumo poderia responder podendo
podendo ser apontada uma mesma mediação que ser apontada uma mesma mediação que ata
ata turismo e religião: o olhar, em direções que turismo e religião: o olhar, em direções que
criam oposições e passagens. criam oposições e passagens.
• A religião torna-se espetáculo, oferecido a
consumidores e diria consumidores errantes e • Idéia 08 – Talvez seja legítimo cunhar o
experimentadores de sensações, que não se conceito de turismo religioso a não ser que se
vinculam a dogmas nem a sistemas teológicos e defendam concepções essencialistas desses
nem igrejas. Aí, talvez, possa-se falar em turismo fenômenos, vendo-os como incapazes de
religioso. interagir e produzir sínteses conceituais ou
• Não se pode colocar no mesmo patamar dissensuais.
teórico/hermenêutico um romeiro que busca sua fé
no padre Cícero (ceará), e um turista que visita • Idéia 09 – O monopólio do significado religioso
cidade cenográfica de Nova Jerusalém da igreja cede lugar à atuação das empresas de
(Pernambuco). Os elementos materiais em comum, turismo e organizadores de excursão. Em termos
viagem, hospedagem, comércio e artesanato são estruturais, produziram-se espaços, nos locais
insuficientes para uma caracterização mais para onde acorrem peregrinações/romarias, que
profunda. Por isso a interpretação precisa ser sofrem ocupações e impactos econômicos.
exercida sobre a forma, significado, visão de mundo
que perpassa o ambiente e pessoas que o animam, • Idéia 10 – A procissão pertence a lógica
desvelando sua polissemia, entre as quais o turismo institucional, inscrita na história, mas o fiel que
religioso. a vivencia estaria localizado numa lógica
• O turismo é o consumo de um espaço, constituindo subjetiva, essas dimensões se interpenetram,
uma territorialidade específica, talvez uma etiqueta modificando-se mutuamente.
que, grudada no embrulho, pode variar entre
cultural, religiosa, virtual, entre outras. O turismo • Idéia 11 – Será preciso, caracterizar a
colocaria em circulação/venda produtos desde diversidade do deslocamento, perguntando-se o
artesanatos tradicionais aos de última geração, que diferencia o deslocamento-viagem em
mesclando-os, desconstruindo dicotomias e relação ao deslocamento-turismo e o
introduzindo novas posturas (lazer e ludicidade) deslocamento-peregrinação/romaria em relação
dentro de fenômenos como a religião. Dessa forma, ao deslocamento excursão. Todavia, o critério
o religioso dilui-s no mercado, no lazer. deslocamento ainda é insuficiente para construir
• Talvez seja legítimo cunhar o conceito de turismo tipologias turísticas.
religioso a não ser que se defendam concepções
essencialistas desses fenômenos, vendo-os como
incapazes de interagir e produzir sínteses
conceituais ou dissensuais.
• Formular definições não significa o término da
reflexão acadêmica que deve primar pela crítica,
autocrítica e autonomia. É preciso criar uma
hermenêutica, ou seja, construir uma interpretação
dos fatos turístico-religiosos a partir de uma
tradição de pesquisa, acúmulo de dados e teorização
sobre os mesmos, de modo que se possa
compreender e gerir a diferença/diversidade social,
religiosa e turística.
Ancoragem
• Religião
• Turismo
116
Discurso Individual
• Os elementos materiais em comum (viagem, hospedagem, comércio e artesanato) são insuficientes para
uma caracterização mais profunda do turismo religioso. A interpretação precisa ser exercida sobre a forma,
significado, visão de mundo que perpassa o ambiente e pessoas que o animam, desvelando sua polissemia.
Só uma profunda investigação, abordando a rede de fluxos de romarias e peregrinações adentradas pelo
turismo/consumo pode responder a mediação turismo e religião.
CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA
Discurso Individual:
TURISMO RELIGIOSO
FÉ: peregrina
peregrinação e turismo ADMINISTRAÇÃO:
turismo planejado
religioso possuem um turismo planejado
e sustentado
elemento simb ó lico: a f é e sustentado
TURISMO:e peregrino
peregrino turista TURISMO:
turismo religioso é
e turista
são o mesmo
são o mesmo turismo
turismo religioso
de massaé
indiv íduo turismo de massa
117
Discurso Individual:
TURISMO
TURISMO RELIGIOSO
REINALDO DIAS
Discurso Individual:
TURISMO RELIGIOSO
RELIGIÃO E TURISMO
transformar as
agregar necessidades
atividades
de infra-estrutura aos religiosas em
peregrinos turísticas
EMERSON J. S. DA SILVEIRA
Discurso Individual:
RELIGIÃO E TURISMO
a religião é
influenciada pelo a religião
transforma -se
mundo do trabalho
com o turismo
a religião torna-se
espetáculo
Turismo Religioso (Turismo Religioso)”. O quarto autor destoa dessa visão e por isso
foi identificado como: “Sobre Turismo Religioso (Religiosidade)”.
A análise procurou sempre identificar se nas afirmações os autores
compreendiam os significados do que se estavam descrevendo e se os mesmos
correspondiam de forma clara e correta na interpretação dos significados de
algumas situações descritas. Ao juntarmos todas as ‘falas’ majoritárias dos autores
para uma avaliação sobre o que entendiam sobre o modelo de turismo religioso,
obtivemos os seguintes Discursos Individuais:
O que ficou também como algo forte quanto ao modelo de discurso adotado
entre os autores, foi a quase unanimidade sobre as mudanças decorrentes da
religiosidade e a implantação dos elementos do turismo entre as ações das
congregações e as práticas desenvolvidas nos locais de atração religiosa. Segundo
os autores essas mudanças definem as atuais relações entre fiéis e turistas, a partir
da inserção dos turistas nos rituais religiosos, pois, chama atenção que o espaço
simbólico, antes tão definido, agora é disputado também pelos turistas, que não se
incomodam em entrar e sair dos ambientes e das atividades ritualizadas, de acordo
com suas próprias vontades.
121
Entendem que não ocorre apenas uma mudança de ‘falas’ sem sentido na
religiosidade, mas sim uma mudança de discurso. Os moradores passam a se
relacionar com o evento de outros modos, pois, o ritmo alterou-se completamente. O
turismo é sinônimo de agito e a rotina diária é quebrada com a atmosfera religiosa
de contrição e silêncio sendo parcialmente dissolvida e contagiada pelo sentido
histórico, como apenas mais um espetáculo cultural, sendo que, ao contrário dos
espaços definidos nas ações ritualizadas, os turistas circulam com desenvoltura e
sem cerimônia por todos os espaços e locais. A diversidade de experiências dos fiéis
durante sua movimentação foi uma percepção unânime dos autores, porém muito
mais do que isto se pode perceber que esta mudança passa não apenas pela
quantidade das atividades nas visitações, mas também por transformações de teor
cultural, uma vez que antes da implantação desse processo de mudança estrutural
pelas Congregações, raramente ocorriam tais atividades. Isto indica uma mudança
cultural forte e decisiva na dinâmica das atividades destes fiéis.
cambio dessa condição. Isso também demonstra que os discursos dos autores
valorizam sobremaneira os papéis dos administradores, dos gestores públicos e
privados, que devem primar pela qualidade, predisposição para novos
conhecimentos, e, principalmente, estarem abertos frente às novas exigências dos
visitantes. Ainda assim, o grupo de autores concebe um discurso composto de
perspectivas bastante favoráveis para o futuro do turismo nos ambientes da
religiosidade popular, bem como, este modo de pensar e conceber o turismo
entendem são promissores e demonstram a viabilidade do modelo turístico adotado
nas localidades estudadas, e isso não significa dizer que o trabalho a ser realizado
pelos poderes públicos e empresários não terá problemas a ultrapassar. De uma
forma geral, entendem que se pode considerar que o modelo de turismo proposto
nas localidades, vem alcançando objetivos, visto serem Aparecida-SP e Nova
Trento-SC, consideradas referências para projetos da natureza religiosa em outras
localidades do país.
distintos.
pelo turismo religioso, e dentro dele também estariam todas as possíveis atividades
realizadas pelos fiéis organizadas em: LAZER, DIVERSÃO e PASSEIOS (cor
amarela); MUDANÇAS ECONÔMICAS (cor verde); e RELIGIOSIDADE e FÉ. Há nos
discursos uma indissociação entre todas essas atividades e estruturas físicas, não
cabendo mais suas separações como ocorria no passado.
FIGURA 9 – COMPOSIÇÃO DO TURISMO RELIGIOSO
TURISMO RELIGIOSO
RELIGIOSIDADE; FÉ;
PAPÉIS DEFINIDOS
Porém, fica dos discursos dos autores do turismo que atuam nos ambientes
religiosos a percepção de que a comunidade (ou seja, os fiéis e os turistas), não é
chamada a participar dessa interação esperada, fato que nega o princípio do
sustentável, uma vez que não foram encontrados resultados de pesquisas dos
autores das Ciências Sociais Aplicadas, sobre aspectos como: religião e lazer;
religiosidade é sinônimo de viagem; religiosidade é praticada nas férias, feriados ou
127
Assim, pode-se dizer que os discursos indicam antes de tudo, que a prática
do ‘turismo religioso’ contribui com a sustentabilidade levando ao crescimento das
comunidades, não apenas na esfera produtiva e econômica, mas elevando-o a
condição de um sujeito social e cultural, que mediante a possibilidade do resgate
dos atributos positivos do turismo e da realidade, cria e implanta nas comunidades,
fazendo crer que, a religiosidade não é mais capaz de desenvolver tais
características, ou que a mesma não tenha realizado essa função nos séculos
precedentes, podendo ser substituída pelo turismo. Dentro desta percepção, sugere-
se que se devam aprofundar bem mais a compreensão sobre as características
sócio-culturais que interferem diretamente na definição da presença de pobres nos
ambientes da religiosidade católica popular, visto ser este tema caro demais para os
planejadores turísticos e, ser um argumento continuamente utilizado para se explicar
a ausência de atividades turísticas do setor, também se deve trabalhar com mais
afinco nas percepções dos discursos dos autores quando, de um lado relacionam os
fiéis à pobreza material e a ignorância cultural, e de outro, quando relacionam a
necessidade de inclusão de turistas com maior poder aquisitivo junto aos ambientes
da fé.
categorias mais utilizadas nos discursos dos autores para explicarem a utilização do
termo turismo religioso, passa pelos termos como planejamento, planejamento
estratégico, demanda, oferta, preços, tendências, comunicação, economia,
sustentabilidade, efeitos econômicos, atividades turísticas, agências, entre outras,
bem como, nos diferentes autores também aparece, em maior ou menor grau, a
incidência das estratégias de marketing do local visitado para a atração de visitantes,
tanto quanto para a religiosidade católica popular,
e isso favorece ainda mais a confusão em torno tanto das afirmações utilizadas, bem
como dos símbolos religiosos de uso corrente. Isso se entende dificultará a
implantação das estratégias turísticas, pois, muitos fiéis ainda não estão inseridos
nas práticas aceitas como ideais pelo turismo, isto é, não utilizam o agenciamento,
os transportes, a hospedagem e as estruturas de serviços, como gostariam os
planejadores turísticos e os autores. De outro lado as citações e auto-citações entre
os autores não tem contribuído para o conhecimento acerca da relação entre fiéis e
turistas nos ambientes religiosos.
uma das controvérsias dentro das discussões teóricas atuais dos autores do turismo:
para os autores o turismo religioso está substituindo as formas tradicionais de lazer,
através das viagens, assim, toma corpo a percepção de que o turismo se torna cada
vez mais uma necessidade para o bem-estar humano, sobre os quais os autores
percebem enquanto ambientes religiosos, porém, o que não percebem é que nesta
dinâmica tanto o lazer como o turismo vem se desenvolvendo individualmente no
capitalismo, pois, quem pratica lazer não o faz mais em grupo ou em comunidade,
mas sim sozinho e independente dos que os cercam, mesmo que cercado pela
multidão, onde os elementos culturais do grupo social não mediam as atividades. Os
autores não percebem que este fato é contrário as práticas vêem presentes nos
ambientes religiosos, os quais no meu entendimento estão ligados a manutenção da
relação com santo de devoção que a necessidade individual de lazer. Além disso,
para muitos fiéis ainda é importante o espírito de comunidade, que não se forma
apenas nos instantes em que se encontra nestes ambientes, nos quais se esquecem
os papéis sociais cotidianos, mas que se inicia bem antes de sua saída para a
viagem, na sua vida cotidiana, centrada naquilo que Elíade chamou de sagrado e
profano e Durkheim de ritos e mitos, elementos que explicam e dão significado aos
atos praticados nos ambientes religiosos, de forma muito mais profunda que a
análise dos atos em si.
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