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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI

CENTRO DE EDUCAÇÃO EM BALNEÁRIO CAMBORIÚ

ANGELO RICARDO CHRISTOFFOLI

TURISMO E RELIGIOSIDADE NO BRASIL:


UM ESTUDO DOS DISCURSOS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA BRASILEIRA

Balneário Camboriú
Abril de 2007
ANGELO RICARDO CHRISTOFFOLI

TURISMO E RELIGIOSIDADE NO BRASIL:


UM ESTUDO DOS DISCURSOS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA BRASILEIRA

Tese apresentada no Programa de Pós Graduação


Stricto Sensu Doutorado em Turismo e Hotelaria da
Universidade do Vale do Itajaí

Orientadora: Profa. Dra.Yolanda Flores e Silva

Balneário Camboriú
Abril de 2007
ANGELO RICARDO CHRISTOFFOLI

TURISMO E RELIGIOSIDADE NO BRASIL:


UM ESTUDO DOS DISCURSOS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA BRASILEIRA

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor, no


Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Turismo e Hotelaria, Área de
Concentração: Turismo e Hotelaria, do Centro de Educação de Balneário Camboriú,
da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI (SC) – e aprovada na sua versão final
em: 25/04/2007.

BANCA EXAMINADORA:

____________________________________
Profa. Dra. Yolanda Flores e Silva
- Orientadora -

________________________________________ ________________________________________
Profa. Dra. Dóris Van De Meene Ruschmann Profa. Dra. Elisabete Tamanini
Membro – (Titular UNIVALI) Membro - (Titular UNIPLAC/Lages)

________________________________________ ________________________________________
Prof. Dr. Rafael José dos Santos Dra. Luciana Paolucci
Membro – (Titular UCS/Caxias do Sul) Membro - (Titular UNIVALI)
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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos aqueles grupos sociais que, diante do mundo que
nos rodeia, conseguem manter íntegras suas raízes culturais, nas quais a vida
e o homem ainda são os maiores valores.
5

AGRADECIMENTOS

No decorrer deste trabalho, muitas foram às pessoas e instituições com as


quais cruzamos, e que nos marcaram com seus préstimos e apoios afetivos e
profissionais. Finda a tarefa, cabe-nos, registrar nosso apreço e reconhecimento,
pois, este trabalho não é o resultado das preocupações de apenas uma pessoa, daí
a sinceridade destes agradecimentos!
Começo por aqueles que deram vida a minha história, aos meus escritos.
Falo dos visitantes que circulam nos ambientes da religiosidade, aos quais procurei
com este trabalho, colaborar para que emergissem diante dos olhos dos
profissionais e pesquisadores do turismo. Digo isso porque muitas das vezes não
são reconhecidos enquanto um grupo coeso e uniforme, mas muitas outras vezes
são percebidos como sendo o contrário disso, pois diante da inexorabilidade da vida
atual, mantiveram junto a seu grupo e as suas famílias valores que nossa sociedade,
se conhece, não mais os vive mais cotidianamente. Espero então, que este trabalho
dê vida a estes diferentes personagens deste momento do passado, para que saiam
e assumam seu lugar na História.
Gostaría de agradecer aos Professores que estiveram na Qualificação e na
Banca de Defesa, Professores: Dra. Dóris Van De Meene Ruschmann, Dra.
Elisabete Tamanini, Dra. Luciana Paolucci e Dr. Rafael José dos Santos, as quais
resultaram na ampliação do horizonte da pesquisa que, permitiu-me avançar no
conhecimento e na dinâmica da produção científica sobre esse grupo da sociedade
brasileira merecedor de atenções e de observações acadêmicas.
Aos funcionários do Programa de Doutorado Acadêmico da Universidade do
Vale do Itajaí, principalmente Márcia, sempre disponíveis e prestativos às minhas
necessidades.
Merecem meus agradecimentos intensos e as minhas desculpas, a Deda, o
Giovanni e a Larissa, que por centenas de dias e noites, muitas vezes ouviram um
“não posso” participar das coisas do dia-a-dia familiar.

Para finalizar um agradecimento muito especial à minha Professora


Orientadora da Tese, que durante estes anos, ouviu pacientemente, argumentações
e considerações, e, por haver aceito o desafio de orientar-me — o que fez, sempre,
com muita competência e elegância —, com sua atenção e disponibilidade calorosa.
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PENSAMENTO

“A miséria da religião, é, ao mesmo tempo, expressão e protesto contra a miséria


real. É o lamento da criatura oprimida, coração de um mundo sem coração, alma de
uma condição desalmada (...). Assim, a crítica do Paraíso transforma-se em crítica
da Terra, a crítica da religião em crítica da lei, a crítica da teologia em crítica política
(...). A religião é visão invertida do mundo, mas porque esta sociedade, este Estado,
são o mundo invertido.”

Karl Marx, citado por Marilena Chauí (1986, p. 85)


CHRISTOFFOLI, Angelo Ricardo. Turismo e religiosidade no Brasil: um estudo
dos discursos da produção acadêmica brasileira. 2007, 139 f. Tese (Doutorado em
Turismo e Hotelaria) – Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hotelaria,
Universidade do Vale do Itajaí, Balneário Camboriú, 2007.

RESUMO

O Objetivo geral deste estudo é o de colaborar com a compreensão sobre os discursos existentes nos
textos produzidos por autores do turismo sobre deslocamento religioso e turismo religioso na
produção científica do turismo brasileiro e áreas afins entre os que atuam ou pesquisam este
ambiente. A População que compões este estudo são os textos de autores brasileiros sobre o
ambiente por eles denominado de turismo religioso. A Metodologia adotada para coleta, análise e
discussão dos dados tem abordagem qualitativa de natureza exploratória na busca de dados
bibliográficos e documentais. Os procedimentos de coleta de dados compreenderam a leitura dos
textos e organização dos dados sobre a obra e o autor, o contexto de sua elaboração, a natureza de
sua construção, o referencial utilizado como ancoragem e o uso da obra no turismo; a análise dos
dados foi pela técnica de análise denominada de Discurso do Sujeito Coletivo – DSC, através das
etapas: seleção das expressões chave; idéias centrais; ancoragem; e a síntese dos discursos. Os
resultados obtidos estão relacionados ao avanço acerca das discussões e dos discursos do turismo
associados a religiosidade católica junto aos autores do turismo brasileiro, visto que, a partir de suas
publicações, estes influenciam diretamente a prática e os planejamentos, bem como na interpretação
sobre o turismo nos ambientes dos deslocamentos religiosos. Confirmou-se que o turismo ainda não
possui mecanismos definidos para a compreensão das diversas motivações culturais no ambiente
religioso e na religiosidade popular do catolicismo, como também o turismo não tem estudos
sistemáticos e sistematizados que discutam as diferentes categorias que interpretem a peregrinação,
a romaria e o que se define como turismo religioso. Também se constatou ocorrer uma auto-
aceitação e auto-citação entre alguns poucos autores, talvez em face do pequeno número de
pesquisas de campo encontradas, as quais poderiam trazer mais luz à discussão e a compreensão
da situação estudada, isso porque, as obras concentram-se quase sempre, em interpretar as
atividades dos visitantes apenas, esquecendo-se dos fiéis e das congregações. Constatou-se que os
autores não possuem um conjunto definido de categorias que possam explicar e justificar o uso do
termo ‘turismo religioso’, pois, entende-se também que não conseguem distinguir todos os diferentes
elementos que dão suporte aos grupos que convivem paralelamente no universo religioso, muito
menos aos possíveis turistas que lá se encontram, e sobre os quais pretendem atuar.

PALAVRAS CHAVE: Turismo; Turismo Religioso; Produção Acadêmica; Discursos.


CHRISTOFFOLI, Angelo Ricardo. Tourism and religiosity in Brazil: a study of the
discourses of Brazilian academic production. 2007, 139 f. Thesis (Doctorate in
Tourism and Hotel Management) – Postgraduate Program in Tourism and Hotel
Management, University of Vale do Itajaí, Balneário Camboriú, 2007.

ABSTRACT

The general objective of this study is to further understanding on the discourses that exist in the texts
produced by authors in the area of religious travel and religious tourism, in the scientific production of
Brazilian tourism and related areas, or carrying out research in this ambient. The object of this study
consists of texts by Brazilian authors, on the ambient which they denominate religious tourism. The
Methodology adopted for the collection, analysis and discussion of the data was the qualitative,
exploratory approach of bibliographic and documentary review. The data collection procedures
included the reading of texts and organization of data about the works and the authors, the context in
which the texts were written, the nature of their construction, the framework used as anchorage, and
the use of the work in tourism. The data were analyzed using the document analysis technique known
as the Collective Subject Discourse Analysis – CSD, through the following stages: selection of key
expressions; central ideas; anchorage; and synthesis of the discourses. The results obtained relate to
advances on tourism discussions and discourses associated with Catholic religiosity, since, based on
their publications, they directly influence the practice and planning, as well as the interpretation of
tourism in contexts of religious travel. This study also confirms that tourism still does not have any
clearly-defined mechanisms for understanding the various cultural motivations in the religious
environment, and in the popular religiosity of Catholicism, and that tourism lacks systematic and
systemized studies on the different categories that interpret pilgrimage in what is defined as religious
tourism. It also observes that there is a self-acceptance and self-citation among few of the authors,
perhaps due to the small number of field studies found, which can shed more light on the discussion
and understanding of the situation studied. This is because the works almost always focus on
interpreting the activities only of visitors, forgetting religious followers and congregations. It
demonstrates that the authors and researchers do not have a clear set of categories to explain and
justify the use of the term ‘religious tourism’, therefore, it is assumed that they are unable to distinguish
all the different elements which give support to the groups that coexist alongside the religious
environment, far less the potential tourists to be found there, and on whom they intend to act.

KEY WORDS: Tourism; Religious Tourism; Academic Production; Discourses.


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CHRISTOFFOLI, Angelo Ricardo. Turismo y religiosidad en Brasil: un estudio de


los discursos de la producción académica brasileña. 2007, 139 f. Thesis (Dotorato en
Turismo e Hoteleria) – Programa de Posgrado en Turismo e Hoteleria, Universidad
del Vale del Itajaí, Balneário Camboriú, 2007.

RESUMEN

El Objetivo general de este estudio es el de colaborar con la comprensión sobre los discursos
existentes en los textos producidos por autores del turismo sobre desplazamiento religioso y turismo
religioso en la producción científica del turismo brasileño y áreas afines entre los que investigan este
ambiente. La Población que compone este estudio son los textos de autores brasileños sobre el
ambiente por ellos denominado turismo religioso. La Metodología adoptada para recolección, análisis
y discusión de los datos tiene abordaje cualitativo de naturaleza exploratoria en la búsqueda de datos
bibliográficos y documentales. Los procedimientos de recolección de datos comprendieron la lectura
de los textos y organización de los datos sobre la obra y el autor, el contexto de su elaboración, la
naturaleza de su construcción, el referencial utilizado como fundamentación y el uso de la obra en el
turismo; el análisis de los datos fue realizado por la técnica de análisis denominada Discurso del
Sujeto Colectivo – DSC, a través de las etapas: selección de las expresiones clave; ideas centrales;
fundamentación; y la síntesis de los discursos. Los resultados obtenidos están relacionados al avance
acerca de las discusiones y de los discursos del turismo asociados a la religiosidad católica junto a los
autores del turismo brasileño, puesto que, a partir de sus publicaciones, éstos influencian
directamente la práctica y los planeamientos, así como la interpretación sobre el turismo en los
ambientes de los desplazamientos religiosos. Se confirmó que el turismo aún no posee mecanismos
definidos para la comprensión de las diversas motivaciones culturales en el ambiente religioso y en la
religiosidad popular del catolicismo, así como tampoco el turismo tiene estudios sistemáticos y
sistematizados que discutan las diferentes categorías que interpreten la peregrinación, la romería y lo
que se define como turismo religioso. También se constató que ocurre una autoaceptación y
autocitación entre unos pocos autores, tal vez debido al pequeño número de investigaciones de
campo encontradas, las cuales podrían traer más luz a la discusión y a la comprensión de la situación
estudiada, eso porque las obras se concentran, casi siempre, en interpretar solamente las actividades
de los visitantes, olvidándose de los fieles y de las congregaciones. Se constató que los autores no
poseen un conjunto definido de categorías que puedan explicar y justificar el uso del término ‘turismo
religioso’, pues se entiende también que no logran distinguir todos los diferentes elementos que dan
soporte a los grupos que conviven paralelamente en el universo religioso, mucho menos a los
posibles turistas que allá se encuentran, y sobre los cuales pretenden actuar.

PALABRAS CLAVE: Turismo; Turismo Religioso; Producción Académica;


Discursos.
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LISTAS DE FIGURAS

FIGURA 1 - CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA .......................................................106


FIGURA 2 - EDIN SUED ABUMANSSUR ..............................................................110
FIGURA 3 - REINALDO DIAS ................................................................................112
FIGURA 4 - EMERSON J. S. DA SILVEIRA ..........................................................114
FIGURA 5 - ANCORAGEM DE CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA .........................116
FIGURA 6 - ANCORAGEM DE EDIN SUED ABUMANSSUR.................................117
FIGURA 7 - ANCORAGEM DE REINALDO DIAS..................................................118
FIGURA 8 – ANCORAGEM DE EMERSON J. S. DA SILVEIRA ...........................119
FIGURA 9 – COMPOSIÇÃO DO TURISMO RELIGIOSO......................................124
LISTAS DE QUADROS

QUADRO 1 DSC - Sobre Turismo Religioso (Turismo Religioso).........................120


QUADRO 2 DSC - Sobre Turismo Religioso (Religiosidade) ................................120
QUADRO GERAL DSC - Sobre Turismo Religioso...............................................123
LISTAS ABREVIAÇÕES E SIGLAS

AIEST Associação Internacional de Espertos em Turismo


CAR Centro de Atividades Múltiplas
DSC Discurso do Sujeito Coletivo
ECA/USP Escola de Comunicação e artes da Universidade de São Paulo
EMBRATUR Instituto Brasileiro de Turismo
OMT Organização Mundial do Turismo
PUC Pontifica Universidade Católica
SISTUR Sistema de Turismo
UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí
SUMÁRIO

LISTAS DE FIGURAS .............................................................................................10

LISTAS DE QUADROS ...........................................................................................11

LISTAS ABREVIAÇÕES E SIGLAS.......................................................................12

INTRODUÇÃO .........................................................................................................14

1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA..................22

2 TURISMO E RELIGIÃO........................................................................................30
2.1 O TURISMO E RELIGIÃO: DEFINIÇÕES E CONCEITOS IMPORTANTES À
DISCUSSÃO ............................................................................................................32
2.2 CRENÇAS RELIGIOSAS NO OCIDENTE: OS DESLOCAMENTOS RELIGIOSOS77
2.3 AS TRANSFORMAÇÕES DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL........................84
2.3.1 Transformações nos deslocamentos religiosos brasileiros (1500-1900) .........85
2.3.2 Estratégias da Igreja Católica com relação aos deslocamentos religiosos
brasileiros (1900-2000) ............................................................................................95

3 OS DISCURSOS SOBRE TURISMO RELIGIOSO NO BRASIL .........................102


3.1 PERFIL DOS AUTORES ESCOLHIDOS PARA O ESTUDO ...........................103
3.2 A PRODUÇÃO ANALISADA ............................................................................106

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................125

REFERÊNCIAS......................................................................................................137
INTRODUÇÃO

A partir das atividades profissionais desenvolvidas enquanto docente em


turismo, percebeu-se1 que a relação entre o ambiente religioso e o ambiente do
turismo é estruturada sobre premissas diferentes, para não dizer opostas entre si.

O estudo do turismo no ambiente da religiosidade católica popular2 que serve


de pano de fundo deste trabalho tem gerado poucas percepções e posições
estratégicas de análise por parte dos estudiosos das Ciências Sociais Aplicadas,
setor onde se encontra classificado o turismo, concentradas principalmente em dois
aspectos que são: a movimentação física de pessoas, e, o lazer turístico, ou seja,
percebeu-se que estas duas categorias apresentam-se em boa parte das
interpretações dos autores da relação entre os dois universos em questão. Além
disso, se percebe que há uma determinada necessidade de pesquisa para
responder ao mercado apenas (como é o caso, de muitas interpretações
funcionalistas que ocorrem nos textos e nas interpretações realizadas pelos autores
do turismo), as quais estão aquém dos valores sociológicos valorizados pelos grupos
sociais que estudam, e isso me moveu para a execução dessa Tese.

Isto porque estes autores parecem ver apenas o que consideram importante
1
Desenvolvi durante dois anos uma pesquisa intitulada ‘Turismo religioso e Humanismo Latino no
Brasil’ para a Fondazione Cassamarca de Treviso na Itália. O objetivo maior era identificar a
existência de estruturas de apoio aos fiéis nos maiores santuários católicos brasileiros (Aparecida
(SP), Iguape (SP), Frei Galvão (SP), Juazeiro (CE), Padre Eustáquio (MG), Nova Trento (SC),
Bomfim (BA), Caravaggio (RS), Navegantes (RS), entre outros, com base nas estratégias da
Conferência Episcopal Italiana (CEI). Para surpresa, apesar da existência de muitas pastorais (do
romeiro, dos fiéis, dos peregrinos, etc.), nenhum local pesquisado conhecia tanto a estrutura
relacionada ao turismo da CEI, bem como as estratégias, as ações e publicações direcionadas para
os que trabalham com turismo.
Essa relação com o ambiente religioso advém de minha graduação em História (1991), duas
Especializações (História 1994; Turismo 1997), mais o Mestrado em Turismo e Hotelaria (2000),
todos pela Universidade do Vale do Itajaí. Também deriva pelo fato de ser líder do Grupo de
Pesquisas Investigação em Lazer e Eventos, registrado no CNPQ desde 2000 com pesquisas na
Linha Gestão do Lazer Público e Privado, onde desenvolvo pesquisas sobre lazer público tanto nas
praias de Balneário Camboriú e região, como sobre os espaços públicos para o lazer da comunidade,
fato que me levou a pesquisar sobre os motivos que levam os visitantes a Nova Trento, SC.
Atualmente sou professor nas áreas de Lazer, do Turismo e Gastronomia, atuando principalmente
nos seguintes temas: História do Lazer, Lazer público, Planejamento do Lazer turístico, Patrimônio
Histórico e Turismo, junto a Universidade do Vale do Itajaí.
2
O antropólogo Ruben César Fernandes em trabalho sobre as caminhadas e peregrinações no
interior de São Paulo e no santuário de Czestochowa na Polônia, desenvolveu argumentações
relacionadas ao simbolismo popular. Para o autor, “o predicado ‘popular’ deve caracterizar os laços
que unem uma classe de iguais (vínculos horizontais); mas, por outro lado, deve também dar conta
das relações obtidas entre posições desiguais em um eixo vertical. Remete às idéias de fraternidade,
no primeiro caso, e às de autoridade no segundo. ‘Popular’ enquanto ‘classe subalterna’ está
associado ao primeiro sentido; e, quando pensado como ‘extra-oficial’, associa-se prioritariamente, ao
segundo” (FERNANDES, 1994, p.51 e p.231).
15

no ambiente religioso: a apropriação de mais este espaço através do planejamento,


da padronização ou controle, visando integrá-lo ao exigido pelo mercado e pelas
tendências das demandas turísticas em constante deslocamento físico. Outra
característica generalizada nas argumentações dos autores do turismo, é que a
urbanização, a vida agitada, a modernidade e a pós-modernidade, são os elementos
mais importantes para a justificativa da transformação da religiosidade em lazer
turístico, e essas transformações se expressam principalmente nos momentos
indicados por eles como sendo ‘profanos’ (festas, arraiais, danças, bailes) que
ocorrem junto aos locais ‘sagrados’ da religiosidade católica popular, e ainda
conforme a percepção destes, isso ocorre em detrimento dos momentos sagrados.

Como percebi que essas considerações dos autores não atingem o que
considero essencial, concentrei-me em entender como se davam as relações entre
os autores do turismo e os ambientes religiosos. Percebi também que o universo
religioso é pouco conhecido da população em geral, e mesmo dos estudiosos das
Ciências Sociais Aplicadas, assim, busquei com essa Tese desenvolver subsídios e
embasamento que colaborem e expliquem a realidade atual da relação entre ambos.

Chauí (1982) colabora com a compreensão do processo de apreensão do


conhecimento de determinado objeto (sobre a sociedade brasileira) em sua
discussão sobre os ‘discursos competentes e outras falas’ relacionados à
compreensão dos aspectos ideológicos existentes no universo brasileiro da relação
entre dominação e dominados. Para Chauí se quisermos compreender um
determinado acontecimento social (algo), isso ocorrerá quando esse algo é
“conhecido objetivamente quando é possível dominá-lo inteiramente pelas
operações do entendimento” (1982, p. 34). Retornando ao turismo, tome-se como
exemplo a apreensão de diferentes operações do entendimento elaboradas e
aplicadas sobre um determinado objeto, na obra de Ruschmann sobre os impactos
do turismo no meio ambiente. Mesmo distante de sua primeira edição (que ocorreu
em 1997), continua sendo utilizada como referência obrigatória para diversos
segmentos turísticos, porém o mesmo não se observa nem ocorre com o turismo e a
religiosidade, pois, as atuais descrições e análises realizadas pelos autores, por si já
bastam para explicar a atuação do turismo, isso porque, para os autores do turismo
atualmente se estabeleceu uma relação mais intensa entre religiosidade e lazer, que
ocorrem nos momentos de festas, compras e diversões.
16

Para tentar explicar porque essa situação ocorre nos autores do turismo em
relação à religiosidade, bem como demonstrar elementos menos valorizados nas
análises da relação entre religiosidade e turismo (o deslocamento físico e o lazer
através das atividades percebidas como ‘profanas’), tomarei como base os
elementos da teoria sociológica do sagrado e do profano de Durkheim (1996) nas
buscas de respostas. Para Durkheim, (apud Ferretti 2001, p. 1), nestes dias, a vida
religiosa atinge grau de excepcional intensidade. Referindo-se ao descanso
religioso, Ferretti (2001) lembra que Durkheim afirma ser o caráter distintivo dos dias
de festa correspondente, em todas as religiões conhecidas, à pausa no trabalho,
suspensão da vida pública e privada à medida que estes momentos não apresentam
objetivo religioso. Ferretti (2001) indica ainda que para Durkheim, as festas teriam
surgido da necessidade de separar o tempo em dias sagrados e profanos. Ferretti
(2001, p. 1) discute sincretismo religioso e festas indicando que Durkheim,

[...] discute a importância do elemento recreativo e estético na religião,


mostrando, a interrelação entre cerimônia religiosa e a idéia de festa, pela
aproximação entre os indivíduos, pelo estado de “efervescência” coletiva
que propicia e pela possibilidade de transgressão às normas.

Para Durkheim (apud FERRETTI, 2001, p. 1) “as festas surgiram pela


necessidade de separar no tempo, dias ou períodos determinados dos quais todas
as ocupações profanas sejam eliminadas”. Adiante afirma: “o que constitui
essencialmente o culto é o ciclo das festas que voltam regularmente em épocas
determinadas”. Assim a repetição do ciclo das festas constitui, para Durkheim,
elemento essencial do culto religioso. Durkheim também salienta “da importância
dos elementos recreativos e estéticos para a religião, comparando-os a
representações dramáticas e mostrando, que às vezes é difícil assinalar com
precisão as fronteiras entre rito religioso e divertimento público” (apud FERRETTI,
2001, p. 1). Durkheim estabelece relações íntimas entre religião e festas, entre
recreação e estética, mostrando o parentesco ou a proximidade entre o estado
religioso e a efervescência, o delírio, os excessos ou exageros das festas. Para
Durkheim os elementos do profano e do sagrado, estão compondo o universo
religioso de forma concomitante, não existindo um sem a presença do outro, por
mais que, ambos não se expressem ao mesmo tempo. Para Durkheim “a
impossibilidade da coexistência dos dois num mesmo espaço permitiu a instituição
dos templos e dos santuários” (1996, p. 326), pois, que estes, “são porções de
17

espaço, destinadas às coisas e aos seres sagrados e que lhes servem de hábitat,
pois estes só podem se estabelecer ali com a condição de apropriar-se totalmente
daquele chão num raio determinado” (DURKHEIM, 1996, p. 326).

Já Mircéa Eliade na obra ‘O Sagrado e o Profano’ enfatiza que participando


das atividades festivas relacionadas ao illud tempus3 o homem religioso esforça-se
para reunir-se periodicamente num Tempo Original dos calendários sagrados, assim,
“a festa não é a omemoração de um acontecimento mítico (e protanto religioso), mas
sim sua reatuzalização” (1992, p 69). Nesse sentido se entende que, Eliade percebe
as ações que influenciam a vida dos homens, imersas cotidianamente no religioso,
compostas por complexos rituais culturais a serem observados e seguidos, muitas
vezes sem permissão para escolhas individuais.

Interessante perceber o que o antropólogo Roberto DaMatta (1983, p. 32)


considera em seus estudos sobre os ritos brasileiros: ele entende que são duas as
formas atuais de estudo desenvolvidas pelos cientistas sociais, em primeiro lugar
estão os estudos que consideram o cerimonial em si, passando a descrevê-lo
enquanto

[...] o estudo do cerimonial como reflexo direto é muito mais comum, pois é
mais fácil reduzir o rito à sociedade do que perceber que elementos dessa
sociedade são operados ritualmente, e assim dramatizados e colocados em
foco.

Em segundo está um acontecimento repleto de simbolismos, em constante


modificação que não se extingue com o fim da cerimônia, pois ele o entende como
“um extraordinário de maior duração” (DAMATTA, 1983, p. 32), que se inicia antes e
o que vem depois da cerimônia. Nessa visão mais ampla do religioso, direcionamo-
nos também as idéias desenvolvidas por Mircéa Eliade, que entende ser a função
integradora do sagrado4 baseada na percepção do religioso como centro do mundo,
principalmente nos níveis culturais das sociedades arcaicas, “onde viver como ser
humano é, em si, um ato religioso, pois a alimentação, a vida sexual e o trabalho têm
um valor sacramental” (ELÍADE apud GUIMARÃES, 2000, p. 70).
3
Na repetição anual da Cosmogonia encontra-se o Tempo regenerado, que coincide com o illud
tempus (momento em que o mundo viera pela primeira vez à existência). Participando desse ciclo de
recriação, o homem tornava-se contemporâneo e, portanto, renascia de novo, recomeçando sua
existência com a reserva das forças vitais intacta, tal como no momento de seu nascimento.
4
Para Eliade, mesmo na mais elementar das religiões é a experiência do sagrado que ‘funda’ e
estrutura o Mundo de um determinado indivíduo, pois ao transcender o mundo físico, faz ver o
passado mítico de cada grupo humano (isto é, mantém unido o conjunto de tradições mitológicas e
culturais da tribo) (Apud Guimarães, 2000, p. 367-70).
18

Retomando as idéias de religião de Durkheim, observa-se que para ele

[...] os fenômenos religiosos caracterizam-se naturalmente em duas


categorias fundamentais: as crenças e os ritos, sendo que as primeiras são
os estados da opinião, consistem em representações; os segundos são
modos de ação determinados. Entre esses dois tipos de fatos há
exatamente a diferença que separa o pensamento do movimento [...]“todas
as crenças religiosas conhecidas [...] supõem uma classificação das coisas
reais ou ideais [...] em duas classes [...] que as palavras profano e sagrado
traduzem bastante bem” (DURKHEIM, 1996, p. 19).

Partindo-se também dos elementos de análise propostos por Durkheim (as


crenças e os ritos), se fez a estruturação desta Tese onde, entende-se que as
crenças religiosas populares são as motivações que fazem com que os fiéis
movimentem-se física e continuamente na busca da confirmação de sua fé nos
santos (ou santuários) praticando “os ritos que lhes são solidários” (1996, p. 28),
enquanto componentes de um grupo socialmente estruturado. De outro lado têm-se
os ritos, ou seja, as formas como ocorrem essas movimentações, mediadas pelas
“regras de conduta que prescrevem como o homem deve comportar-se com as
coisas sagradas” (DURKHEIM, 1996, p. 24), bem como as estratégias (orações,
rezas, caminhadas, romarias, peregrinações, entre outras), utilizadas pelos fiéis em
busca da confirmação às suas crenças religiosas. Considerando também as idéias
de Durkheim (1996), de que o essencial é que haja indivíduos reunidos, que
sentimentos comuns sejam experimentados e expressos em atos comuns, “tudo nos
leva então à mesma idéia: os ritos são, antes de tudo, os meios pelo qual o grupo
social se reafirma periodicamente” (1996, p. 422).

Para colaborar com essa discussão utilizo Chauí que descreve a religião
como “uma atitude genérica perante o real, tornando-se impossível estabelecer uma
diferença qualitativa entre religião dos dominantes e religião popular” (1982, p. 72),
pois para a autora, variam apenas em grau e não em sua natureza. Complementa
dizendo que a religião popular é a “preservação de valores éticos, estéticos, étnicos
e cosmológicos de grupos minoritários e oprimidos, de sorte a funcionar como canal
de expressão da identidade grupal e de práticas consideradas desviantes [...]” (p.
72). DaMatta justifica a necessidade de se entender a religiosidade dentro da
cultura, distinguindo-a como conceito-chave para a interpretação da vida social
(1986, p. 123), como

um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um


dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si
19

mesmas”. Porém, indica que a cultura não é um código que se escolhe


simplesmente, “é algo que está dentro e fora de cada um de nós, como as
regras de um jogo de futebol, [...] (123-4).

A partir deste contexto, se defende como proposta nesta Tese, que autores
do turismo percebem ambas as situações (crenças e ritos da religiosidade católica
popular) como formas diferentes de expressão, parte delas relacionadas à fé, e outra
parte maior ligada apenas ao lazer que se estabeleceu na sociedade atual (e,
portanto, apto ao turismo), cada qual com seus distintos objetivos e, portanto,
desconectadas entre si (em oposição à visão unívoca de Durkheim onde ambos
encontram-se conectados). Sendo que, além disso, é também considerado pelo
mercado turístico como parte de um produto a ser consumido (a religiosidade), como
outro qualquer dentro da ampla oferta de lazer turístico. Os autores ainda as vêem
de forma simples, como uma oportunidade de atuação do profissional do turismo.

Sobre as formas da movimentação dos fiéis (entendidas por Durkheim como


sendo os ritos) vêm ocorrendo estudos desenvolvidos por profissionais do mercado
turístico, para os quais a movimentação física (o deslocamento ocorrido pela
viagem) das pessoas per se, representa a totalidade do processo, permitindo sua
compreensão, e, portanto, a implantação de ações sobre ele. Na ausência de outras
explicações pelos autores do turismo, nesta Tese, serão procuradas outras
disciplinas para auxiliar, e, buscando explicar o que rege a existência dessa
condição na movimentação das pessoas. Será usado Steil5, por exemplo, ao indicar
a ocorrência de uma situação de inter-relação de dois mundos (uma articulação do
envolvimento religioso com o turismo) ao descrever e analisar de modo
concomitante algo que ao turismo ainda é desconhecido, o autor, indica que

o eixo comum dessa articulação pode ser encontrado no fato de que o


turismo e a peregrinação são vividos como o inverso da vida cotidiana. O
turismo, assim como a peregrinação, está na ordem do lazer, do ócio
(2003b, p. 56).

Complementando sua argumentação Steil indica que (2003b, p. 56),

[...] tanto num como no outro, observa-se a busca de uma sociabilidade


ideal. Mas enquanto a peregrinação busca uma dissolução simbólica do
indivíduo num todo holístico, o turismo opera a partir de um corte social
eletivo que procura estabelecer ilhas de sociabilidade através da

5
Carlos Alberto Steil Doutor em Antropologia tem uma extensa produção científica concentrada na
análise antropológica das sociedades e dos grupos religiosos. Este autor será utilizado em diversos
momentos neste trabalho, uma vez que, apesar de, desenvolver estudos junto à religiosidade,
perpassa muitas vezes o turismo como forma de análise.
20

demarcação de fronteiras entre um "eles" e um "nós". De modo que, se a


peregrinação visa integrar numa sociedade global, o turismo, num sentido
ideal típico, visa integrar numa sociedade particular, onde se torna possível
experimentar o "outro" (a alteridade), para melhor apreender a si mesmo.

E assim, a partir desses dois elementos propostos por Steil (a dissolução


simbólica e as ilhas de sociabilidades), se poderão perceber distintas condições e
interesses relacionados ás viagens aos ambientes religiosos. No entanto é preciso
estar atento à afirmação de Durkheim (1996, p. 328) que pode ser importante
quando da percepção sobre as estratégias utilizadas pelos autores do turismo, pois,

[...] ninguém pode se envolver numa cerimônia religiosa de alguma


importância sem se submeter a uma espécie de iniciação prévia que o
introduza progressivamente no mundo do sagrado. Para isso, podem se
empregar unções, purificações, bênçãos, todas elas operações
essencialmente positivas; mas chega-se ao mesmo resultado por meio de
jejuns, vigília, pelo retiro e pelo silêncio, isto é, por abstinências rituais que
não são senão a prática de interdições determinadas.

Essas diferentes condições e ações indicadas por Durkheim, mesmo que


conceituais e estruturais apenas, ultrapassaram os limites dos locais de ocorrência
da fé, isto é, precisam ser observadas muito antes da viagem, junto a cidade de
origem não sendo percebidas nos textos dos autores do turismo, nem na imprensa,
que passou a noticiar principalmente as vantagens econômicas advindas da
movimentação dos fiéis, agregando-lhes capacidades não admitidas pelos
administradores religiosos, ou ao menos desprezadas por estes. A partir daí passou-
se a utilizar correntemente o termo turismo religioso pelos jornalistas, apoiados tanto
pelos administradores públicos quanto por certos segmentos da Igreja, em oposição
aos desejos e dinâmicas dos administradores dos santuários católicos6.

Antes de adentrar-se especificamente nesta discussão, considera-se


importante recordar que o Turismo no Brasil nasce na Geografia7 e Antropologia,
sendo depois incorporado pelas Ciências Sociais Aplicadas onde se estabeleceu
plenamente, concentrando-se no estudo dos aspectos gerenciais e comerciais, mais
do que dos aspectos culturais, sendo que o turismo e a religiosidade católica
popular, somente nas últimas duas décadas mereceram atenção de pesquisadores
6
Na pesquisa desenvolvida nos santuários católicos, indicada anteriormente, ficou claro que os
religiosos ligados as administrações dos ambientes de fé, renegam, mas não proíbem a existência de
turistas no meio dos fiéis devotos, pois nesses momentos, vêem a oportunidade de atendê-los de
forma igual aos fiéis.
7
Sugiro observar-se o texto de Adyr A. Balastrieri Rodrigues intitulado ‘Turismo e Geografia:
reflexões teóricas e enfoques regionais’ (1999, p.22) que discute a evolução dos estudos sobre o
turismo.
21

dessas ciências.

Por outro lado a produção de artigos resultantes dessa atenção para com a
relação turismo-religiosidade é muitíssimo recente, tanto na academia quanto na
produção textual disponível no mercado editorial, concentrando-se quase que toda
ela nos últimos sete anos (2000-2006).
22

1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Dentre todas as Ciências que vêm estudando o turismo e a religiosidade


popular de forma conjunta as Ciências Sociais são as que mais têm produzido
informações e análises sobre esses elementos inerentes à formação das
sociedades, indistintamente ao momento histórico analisado. Em contrapartida,
serão usados autores de outros ramos do conhecimento e de análise social,
buscando-se com isso, colaborar com as interpretações acerca dessa relação. São
Sociólogos, Antropólogos, Historiadores, Filósofos, bem como religiosos que
continuamente especulam desde os pequenos grupos humanos que ainda vivem os
valores tradicionais, ou ainda os pesquisadores que se concentram sobre as
transformações do catolicismo popular atual, o qual se assenta sobre uma
complexidade de formas e de dinâmicas baseadas em grupos distintos situadas nos
centros urbanos, bem como nas rurais mais tradicionais.

Assim, pretende-se avançar um pouco mais acerca das percepções dos


significados dos deslocamentos religiosos, pois, esta Tese leva à algumas análises
acerca do universo do turismo e da religiosidade católica popular realizada por
autores do turismo brasileiro, que em muitas produções vêem este ambiente como
uma demanda de mercado que pode ser colocada dentro dos ditames da
padronização de novos produtos e de serviços do turismo, não fosse um detalhe a
ser observado: a motivação deste movimento está relacionada à fé e as crenças, e
portanto, a aspectos que se entende, não podem ser quantificados ou incentivados
mediante apenas às mudanças das estruturas físicas e de serviços turísticos dos
locais visitados, bem como da própria forma da movimentação física em si.

Percebe-se nas ‘falas’8 que compõe os discursos destes autores do turismo,


uma dinâmica de fragmentação do universo das movimentações religiosas, na ânsia
de sua interpretação quando de sua predisposição para o mercado e, isso vai de
encontro ao que Carlos Rodrigues Brandão9 analisou em diferentes interfaces da
religiosidade de uma comunidade de Itapira, SP.
8
O termo ‘falas’ neste trabalho é com o sentido de falar, expressar, dizer, sendo, portanto para
designar as expressões retiradas dos textos dos diferentes autores do turismo analisados.
9
Carlos Rodrigues Brandão é antropólogo possuindo uma grande produção concentrada no estudo
da religiosidade popular em diversas obras como: Cavalhadas de Pirenópolis (1974); A festa do santo
de preto (1975); A folia de Reis de Mossâmedes (1977); Religião e catolicismo do povo (1977); O
Divino, o Santo e a Senhora (1978) e Deus te Salve, Casa Santa (1979), entre outros.
23

Em sua obra Brandão (1986, p. 295) indica que se deve olhar a religião a
partir de suas relações políticas, apreendendo os significados e os usos sociais
desta, através das crenças e cultos, pois que isso ajuda a “corrigir dois enganos no
exame da questão [...]”. Para ele, esses enganos são:

[...]“reter a discussão ao âmbito da historiografia das origens e do exercício


etnográfico de descrições da burocracia religiosa, do processo ritual e do
sistema de símbolos”, isso porque ficará “de lado o exame de problemas
das relações entre o trabalho social com os deuses e as transações entre a
sua prática e os interesses políticos especializados, de algum modo, como
religião (BRANDÃO, 1986, p. 295).

Isto é, o autor entende que mais que descrever os processos sociais das
relações dos fiéis com os seus santos per se, é necessário aprofundar-se nos
diversos elementos dessa relação, elementos estes que, quando ausentes, induzem
a uma interpretação senão errônea ao menos superficial. E, em última análise é isso
que esta Tese propõe, isto é, recuperar nos discursos dos autores do turismo, os
elementos ou as categorias que utilizam para a interpretação do turismo na
religiosidade católica popular. Brandão (1986, p. 296) apresenta o segundo engano
que ocorre aos pesquisadores que pretendem chegar depressa e aos saltos a
conclusões finais superficiais a respeito das funções do setor religioso:

[...] olhando a religião pela porta dos fundos, se é tentado a reduzir o


sagrado à lógica funcionalista que inventa corresponder tipos de respostas
do trabalho e da ideologia das religiões a tipos emparelhados de
necessidades específicas de categorias de sujeitos e grupos sociais [...].

De outro lado, a posição dos autores sobre turismo, que seguem no sentido
contrário, pode ser percebida na obra do antropólogo Carlos R. Brandão, que se
concentra na análise de uso dos espaços públicos para a realização das festas
populares. Brandão (1989, p. 7) afirma que:

[...] algumas sociedades comemoram com mais ênfase certos


acontecimentos e situações, enquanto outras os deixam em segundo plano.
Nas cidades médias e grandes as festas cívicas, históricas e profanas
conquistam um lugar de crescente importância, enquanto nas pequenas
cidades e nos povoados do interior elas ocupam um segundo plano, e os
festejos locais e religiosos povoam quase todo o calendário.

Para responder os porquês da ocorrência dessas situações Brandão (1989, p.


8), justifica a importância de se conhecer os valores de grupo ou comunitários
intrínsecos aos ambientes dessas festas relacionadas ao ambientes religiosos,
indicando que,
24

[...] é como se no mundo da cidade a festa oscilasse entre um máximo


sentido do universal como no Natal e no Ano Novo, e em contrapartida, um
máximo de afirmação simbólica do valor da individualidade. Enquanto isso
no campo, valem mais as cerimônias de reconhecimento de um ‘nós’ local,
como nas festas de santos padroeiros, e de associação da biografia
individual ao ritmo e ao sentido da vida comunitária, como no batizado, no
casamento e no velório.

Essa opinião é compartilhada por DaMatta (1983, p. 55) na obra que discute
os componentes da realidade da sociedade brasileira quando, ao comparar
diferentes festas como o carnaval e as festas religiosas, afirma que as segundas,

[...] por colocarem lado a lado, e num mesmo momento o povo e as


autoridades, os santos e os pecadores, os homens sadios e os doentes,
atualizam em seu discurso uma sistemática neutralização de posições,
grupos e categorias sociais, exercendo uma espécie de pax catholica.

Partindo-se da compreensão expressa nas reflexões apresentadas


anteriormente, estas conduziram para os elementos que colaboram com a
problematização desta Tese, os quais estão relacionados a pressupostos que temos:
o turismo não possui estudos sistematizados sobre turismo religioso; o turismo,
considerando sua inserção nas Ciências Sociais Aplicadas (Administração) não dá
ênfase aos estudos de planejamento do mercado para a religiosidade católica
popular; o turismo não conseguiu ainda produzir trabalhos que tenham por objetivo a
compreensão das motivações sociológicas e culturais que levam ao crescimento do
turismo junto aos ambientes de religiosidade católica popular; o turismo não tem
estudos que discutam as diferenças e os caminhos entre a fé, a peregrinação, a
romaria e o que determinam os autores do turismo de turismo religioso.

Ao relacionar as interfaces das percepções desenvolvidas na prática cotidiana


deste autor desta Tese, e sua comparação com o referencial teórico-metodológico
escolhido para consubstanciar a pesquisa, delinearam-se os seguintes objetivos:
Identificar os discursos sobre turismo religioso na produção científica do turismo
brasileiro e áreas afins; e Descrever os discursos adotados sobre deslocamento
religioso e turismo religioso na produção científica brasileira, que atuam ou
pesquisam este tema

Toda e qualquer pesquisa científica prescinde de um método sistematizado


que possibilite deixar claro, tanto o caminho a ser seguido quanto os elementos que
serão considerados nas análises. Assim, nesta Tese em face de que se utilizaram
elementos subjetivos na construção das categorias das ‘falas’ dos discursos
25

constantes nos textos analisados, entendeu-se ser o método qualitativo o mais


adequado enquanto referência para sistematização dos dados coletados. Geertz
(1989, p. 40) afirma que “estudar uma determinada cultura é estudar um código de
símbolos partilhados pelos membros dessa cultura”, e o pesquisador deve ter como
tarefa principal, descobrir as estruturas conceituais que informam os atos dos
sujeitos no discurso social, construindo um sistema permeado pela leitura
interpretativa que evidencie a base desses conhecimentos.

Para alcançar esta meta, a abordagem qualitativa possui três características


essenciais: ter uma visão ampla do tema a ser pesquisado; considerar que as
categorias dos discursos emergem progressivamente e que o pesquisador não
intervém com seus saberes e julgamentos, sem antes avaliar as inter-relações das
informações e a cultura em que estão coletadas (ALVES-MAZZOTTI;
GEWANDSZNAJDER, 1998).

A pesquisa desenvolvida com os discursos sobre turismo religioso utilizou


basicamente publicações brasileiras dos autores do turismo, sendo essa conduta
adotada para a coleta dos dados preliminares, também utilizou, para o debate, de
fontes de pesquisa de diferentes livros, periódicos e referências eletrônicas das
áreas de Antropologia, Sociologia, História, Religião, Turismo e áreas afins que
tenham estudos na temática de interesse, sobre os quais houve o mapeamento por
ordem de importância nas áreas do estudo, autoria, período de publicação.

As Etapas do desenvolvimento da Pesquisa utilizadas foram: a) Elaboração


da proposta de pesquisa e escolha do método de referência adotado para coleta,
análise e discussão dos dados levantados. b) Tipo de pesquisa: com abordagem
qualitativa de natureza exploratória (buscou dados bibliográficos e documentais)
para responder ao foco escolhido como norteador na elaboração dos objetivos
propostos. c) Contexto e universo da pesquisa: referenciais acadêmicos (livros e
periódicos) sobre turismo religioso de autores da área e áreas afins, editados nas
últimas décadas. d) Procedimentos e Instrumentos de coleta de dados: de natureza
multi-metodológica, num roteiro de leitura dos textos em que constam os dados
sobre a obra e o autor, o contexto de sua elaboração, a natureza de sua construção
(se é uma obra didática, epistemológica, ou teórico-prática,), o referencial utilizado
como ancoragem e o uso da obra no turismo; e) Análise dos dados: feita pela
técnica de análise de discurso com o uso do modelo denominado de Discurso do
26

Sujeito Coletivo – DSC (LEFÈVRE, 2003). A Identificação dos conceitos e categorias


adotados no material documental ocorreu segundo esta técnica de análise a partir
de leituras sistematizadas em que pelas revelações possíveis geradas pelas
diferentes leituras, se permitiu a revelação dos “modelos culturais interiorizados”
(Lefèvre, 2000, p. 16).
Os procedimentos desta análise compreenderam as etapas: seleção das
expressões chave (termos ou frases que destacam o tema ou sugerem sua
presença nos textos escritos); ou seja, a partir dos documentos consultados, foram
selecionadas e separadas as expressões (frases completas) que permitiram a
compreensão das dinâmicas que regeram ou regularam as práticas dos autores;
idéias centrais (nome ou expressão lingüística que revelou ou descreveu o sentido
que o especialista deu ao conteúdo de sua fala); ou seja, a partir da seleção das
frases, anteriormente feita, foram realizadas análises e identificadas, uma ou
algumas, palavras que permitiram incorporar o sentido completo da afirmação
realizada pelos autores; ancoragem (teoria, ou ideologia, ou crença, que, o autor do
Discurso professou sobre a temática); isto é, num nível acima das idéias centrais
utilizaram-se palavras âncoras que simbolizam as forças que regeram, consciente ou
inconscientemente, as ‘falas’ dos autores; e o discurso do sujeito coletivo (síntese
dos discursos feita na primeira pessoa pelo pesquisador sobre todos os discursos de
todos os autores); isto é, a partir da pré-seleção realizada anteriormente, fizeram-se
considerações visando reinterpretar as afirmações de cada autor.
Durante a análise das ‘falas’ dos autores, o papel do pesquisador é unir as
peças deste grande quebra-cabeça, chamado de produção científica, considerando
os seguintes princípios, que segundo Santil (2001, p. 83-4) são: Coerência, visto que
o Discurso do Sujeito Coletivo é uma agregação ou soma de depoimentos que
formam um discurso coerente, em que cada uma das partes deverá ser reconhecida
como constituinte de um todo; O discurso tem um posicionamento próprio distinto,
original, específico, frente ao tema pesquisado e os objetivos propostos; Distinção
entre os discursos quando os resultados apontam mais de um Discurso do Sujeito
Coletivo, sendo possíveis discursos totalmente distintos ou discursos
complementares, que apenas confirmam os resultados obtidos; Produção de uma
artificialidade natural, uma vez que o DSC é construído a partir da seleção de várias
‘falas’ semelhantes ou repetidas pelos informantes.
27

Vale recordar Lefèvre e Lefèvre e Teixeira (2000) quando afirmam que o DSC
é o resgate da fala social de várias pessoas, que são sistematizadas e agrupadas
em uma grande fala coletiva, em que se busca emergir da forma mais direta e
adequada à fala ou o discurso social do tema tratado.

Como afirmava Koch (1997), um texto é uma construção de sentidos que


recebe toda sorte de influências conscientes e intencionais, que reflete de forma
individual e coletiva as ideologias e domínios de crenças e valores dos seres
humanos. Daí a dificuldade em se fazer uma leitura e a partir dela extrair uma
essência mínima sobre o que se quer em uma pesquisa. A questão, como também
afirma Lopes (1978), não é somente saber o que as palavras nos dizem após,
reproduzidas em forma de categorias. O importante na verdade é alcançar o que
seria o resultado mais próximo do que se idealiza como resposta às questões
formuladas em uma pesquisa.

Para apresentar os argumentos relacionados à Tese, organizou-se o texto


com a seguinte disposição: inicialmente apresenta-se na INTRODUÇÃO uma
extensa justificativa para a realização da Tese condicionada às inferências
cotidianas do autor, o que permitirá captar a lógica de apresentação do texto.

Após, no capítulo 1 FUNDAMENTOS TEÓRICO E METODOLÓGICOS DA


PESQUISA se descrevem os Objetivos e os Procedimentos de Pesquisa, bem como
a Metodologia de Análise utilizada.

No capítulo 2 TURISMO E RELIGIÃO, apresenta-se, a discussão sobre os


significados de turismo, 2.1 TURISMO X RELIGIÃO: DEFINIÇÕES E CONCEITOS
IMPORTANTES À DISCUSSÃO. Este inclui os autores ligados à discussão do
turismo em geral, pois, considera-se importante apresentá-los antes de tudo, uma
vez que, em face da posição que os autores do turismo possuem, em relação aos
significados desses itens (conceitos, definições e turismo), os mesmos interferem
nas escolhas dos autores do turismo religioso. Isso se refletirá sobremaneira nas
escolhas das categorias de análise da relação entre a religiosidade e o turismo
religioso que cada autor opta por fazer, e que gera um determinado número de
categorias para sua descrição e interpretação. Após, apresento os autores que
perpassam o turismo religioso em textos esparsos ou descontínuos, objetivando
demonstrar o quão diverso é o universo de possibilidades de sua interpretação.
28

No item 2.2 CRENÇAS RELIGIOSAS NO OCIDENTE: OS


DESLOCAMENTOS RELIGIOSOS serão apresentados uma série concisa de
elementos que demonstram a evolução dos valores e significados das atividades
relacionadas às peregrinações e romarias e deslocamentos motivados pela fé
através dos séculos, desde a implantação do Catolicismo no mundo, até os
significados mais atuais, elementos que se percebe, não se fazem presentes nas
argumentações da maioria dos autores do turismo religioso aqui descrito.

No Item 2.3 será apresentado as informações obtidas sobre AS


TRANSFORMAÇÕES DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL, subdividindo os muitos
dados obtidos em dois momentos: o primeiro (2.3.1) é: as transformações nos
deslocamentos religiosos brasileiros (ocorridos entre os anos de 1500 até
aproximadamente 1900) que vai desde a entrada dos religiosos com os primeiros
colonizadores chegando às transformações ocorridas na religião oficial com a
entrada das diferentes congregações européias que buscam radicalmente
transformar as dinâmicas da religiosidade popular com a introdução do controle
sobre as Irmandades leigas, e o segundo (2.3.2): as estratégias da igreja católica
sobre diferentes caminhos percorridos pelos deslocamentos religiosos brasileiros
(entre os anos 1900 e 2000), visto que são muitas as informações sobre as
mudanças ocorridas nas dinâmicas da fé e da religiosidade, influenciadas pela
urbanização e pelas transformações nas relações sociais, como as do trabalho,
como também pelas intensas transformações dos valores religiosos.

A escolha em apresentar as informações sobre o desenvolvimento dos


deslocamentos religiosos no Ocidente e após sua evolução no Brasil prende-se à
estratégia de que, o leitor compare as falas dos autores do turismo analisados, com
outras ‘falas’ que compõe os discursos e as categorias das diferentes disciplinas que
corroboram esta Tese sobre a percepção limitada do universo da religiosidade
popular pelos autores do turismo.

O CAPÍTULO 3 se concentra na descrição dos DISCURSOS SOBRE


TURISMO RELIGIOSO NO BRASIL. Neste Capítulo apresenta-se primeiro o item:
PERFIL DOS AUTORES ESCOLHIDOS PARA O ESTUDO, pois, propositadamente
serão apresentados quatro textos apenas, pois se considera as referências
utilizadas pelos autores sobre os termos turismo e turismo religioso, uma vez que,
apresentam muitas das categorias que servem de referência a quase todos os textos
29

sobre turismo religioso no Brasil. No segundo o item: A PRODUÇÃO ANALISADA,


através do uso do Método do Discurso do Sujeito Coletivo, para logo a seguir,
desenvolver interpretações e análises sobre estes.

Para finalizar a Tese apresentam-se as CONSIDERAÇÕES FINAIS, onde


serão desenvolvidas ponderações acerca das compreensões e categorizações
percebidas junto aos autores do turismo sobre a relação, em parte conflituosa, que
ocorreu entre o turismo e o universo da religiosidade católica popular. Também se
faz afirmações baseadas em considerações próprias, com o objetivo de fechar o
ciclo desta Tese.
2 TURISMO E RELIGIÃO

Dentre as muitas obras brasileiras publicadas sobre turismo, algumas poucas


se referem especificamente ao turismo religioso, assim chamado por alguns autores
como: Andrade (1999), Aoun (2001), Beni (2000), Dias (2002), EMBRATUR (2000),
Montjano (2001), mas, sem consenso. Neste texto, a categoria ‘turismo religioso’ é
utilizada apenas quando os autores citados a fizerem, enquanto que a categoria
‘religiosidade’ será opção do autor para representar o movimento de pessoas em
ambientes religiosos, cuja primeira característica relacionada é a fé.

Optou-se pela utilização constante do termo religiosidade, face aos diferentes


argumentos dos distintos autores que, baseando-se em diferentes características
(categorias, adjetivos, qualidades, tipologias, etc.) generalizam o uso do termo
turismo religioso sobre esse espaço, pois se entende que esse termo, caracteriza
mais uma categoria de análise do que um conceito teórico a ser incorporado ao
turismo. A miríade de publicações no Brasil que perpassam o universo do turismo
enquanto objeto de estudos e análises aumentam dia a dia, tornou necessário
efetuar uma seleção das obras, face aos objetivos propostos neste trabalho.

Para a melhor compreensão do universo de autores dos trabalhos que


analisam o turismo e sua relação com a religiosidade católica popular foi
desenvolvido um amplo levantamento, com a finalidade de apresentá-los nesta
Tese. Tal seleção se iniciou com a leitura das referências bibliográficas utilizadas
pelos autores brasileiros que discutem turismo, mesmo quando são usadas algumas
obras traduzidas disponíveis no mercado editorial brasileiro, passando pelos artigos
esparsos publicados em revistas científicas (edições em papel e on line), terminando
nas coletâneas publicadas no Brasil, as quais indicaram expressamente o termo
turismo religioso. Algumas atingiram o objetivo que se entendeu primordial, que era
de colaborar com a compreensão sobre os processos sociais que delineiam o
fenômeno do turismo; outras se concentraram em descrevê-lo, através da
identificação dos elementos relacionados à administração das necessidades frente
os recursos (humanos e materiais) e a infra-estrutura física existente.

Encontraram-se autores (brasileiros ou não), que ampliaram a percepção


31

sobre o turismo, através do uso de muitas terminologias como: conceitos, definições,


características, tipologias, etc., isso aliado a que, após o uso de termos mais
distintos, raramente foram encontradas argumentações ou explicações que
relacionaram o uso de determinado termo com uma construção teórico-metodológica
que o justificasse ou o descrevesse. Assim, antes de tudo considera-se importante
desenvolver uma discussão introdutória sobre os significados de termos como
‘definição’ e ‘conceito’, relacionados ao turismo, bem como outros afins ao ‘turismo
religioso’. Entende-se ser tal condição imprescindível, visto que, ocorre certa
facilidade dos autores, na transposição ininterrupta do uso das mesmas, o que gera
certa confusão por parte do uso de temos que possuem significados diferentes, e
que parecem ser utilizados como elemento acessório à compreensão da relação
entre turismo e religiosidade católica popular.

Ao observar nos discursos dos autores atuais do turismo uma diversidade de


categorias e de terminologias, a primeira interrogação partiu do uso dos termos
conceito e definição, face que, os mesmos são apresentados nos textos como tendo
o mesmo significado. Resolveu-se voltar no tempo e consultar autores já em desuso
pela evolução da Língua e da grafia usual, para buscar alguns dos seus diferentes
significados. O dicionário Mesquita de Carvalho apresenta o termo conceito como
“síntese, símbolo, entendimento, juízo” (1955, p. 271) enquanto que para definição
afirma ser a “enunciação dos atributos e propriedades de uma cousa (sic), exposição
dos diversos pontos pelos quais pode ser encarado um assunto” (1955, p. 328).

Magalhães (1955, p. 710) entende que definição é a

[...] proposição recíproca, cujos atributos conhecidos exprimem a essência


de um sujeito desconhecido, havendo duas espécies de definição: a
nominal, que explica o significado de cada palavra e a real, que explica a
essência ou a própria natureza das coisas designadas por essa palavra.

Para o termo conceito, Magalhães (1955, p. 552) indica que,

[...] é o produto ou o resultado de um ato da inteligência, mediante o qual


está representa um objeto de maneira abstrata, isto é, desprovido de notas
individualizadoras: por exemplo: o conceito de homem, que pode ser
aplicado a todos os homens, passados, presentes e futuros; o objeto
material do conceito é a cousa apreendida pela inteligência; o objeto formal,
aquilo que a inteligência atinge em primeiro lugar nesta cousa (sic), isto é,
uma essência.

Bueno, no Dicionário do Ministério da Educação (1991, p. 330), afirma que


32

definição é “explicação, distinção, enunciação de qualidades características”, e


conceito significa “idéia, opinião, reputação síntese do pensamento”. Os autores
Durozoi e Roussel (2002) são mais profundos em suas colocações relacionadas aos
diferentes significados relativos a conceito e definição. Definição é “a operação que
determina a compreensão de um conceito” (2002, p. 119) formado pela justaposição
do gênero próximo e da diferença específica.

Aos autores conceito significa “uma idéia abstrata e geral” (2002, p. 97) que
sofre transformações num constante vaivém e produz um enriquecimento mútuo.
Afirmam que os empiristas entendem que os conceitos são resultados de um
processo de abstração a partir das experiências, enquanto aos racionalistas, são
produzidos pela razão independente de qualquer empirismo.

Assim, a primeira constatação (que se evidenciará ao longo do texto), está na


necessidade do consenso do uso de certa terminologia quando da discussão sobre
turismo, em relação aos ambientes religiosos onde pode ocorrer o turismo religioso
indicado pelos autores.

2.1 O TURISMO E RELIGIÃO: DEFINIÇÕES E CONCEITOS IMPORTANTES À


DISCUSSÃO

Para a melhor compreensão do universo de autores e trabalhos que analisam


o turismo e sua relação com a religiosidade católica popular desenvolveu-se um
amplo levantamento com a finalidade de apresentá-los nesta Tese. Inicia-se
indicando que a Organización Mundial del Turismo (1995, p. 12) apresenta a
definição de turismo, a qual

[...] inclui as atividades que realizam as pessoas durante suas viagens e


estadas em lugares distintos ao de seu entorno habitual, por um período de
tempo inferior a um ano, com fins de lazer, por negócio e por outros
motivos.

Ao fim da apresentação das Categorias motivacionais a OMT (1995, p. 23)


indica que,

[...] quanto ao motivo da visita se deve distinguir entre as motivações e as


33

atividades. [...]. Visitantes com diferentes motivos de visita podem dedicar-


se à mesma classe de atividades, se bem que algumas destas estão
estreitamente vinculadas com certas motivações. Ainda que o motivo da
visita seja um dos elementos chaves que determinam a demanda turística, é
essencial um bom conhecimento das atividades dos visitantes, por exemplo,
para adequar a demanda turística e as atividades de oferta.

Noutra obra editada pela Organización Mundial del Turismo (1998, p. 43), no
item 2.2, o texto apresenta o título ‘Conceito e definições de turismo’, indicando que

[...] o conceito de turismo pode ser estudado de diversas perspectivas e


disciplinas, dada à complexidade das relações entre os elementos que o
formam. [...], existe, todavia, um debate aberto com o intento de se chegar a
um conceito unívoco e padronizado de turismo que possa refletir uma
definição universal.

O texto passa a descrever os diferentes autores e suas definições que ao


longo dos anos serviram de referência para a atividade turística. A seguir o texto
apresenta a definição adotada pela OMT em 1994:

[...] o turismo compreende as atividades que realizam as pessoas durante


suas viagens e estadas em lugares distintos ao de seu entorno habitual, por
um período de tempo inferior a um ano, com fins de lazer, por negócio e por
outros motivos (OMT, 1998, p. 44).

Cooper (2001, p. 14-15) também sob o apoio da Organización Mundial del


Turismo apresenta diferentes autores como Mathieson e Wall (1982); Leiper (1981);
Gunn (1979); Murphy (1985); Mill e Morrison (1992); Westlake (1985) descrevendo
cada teoria desses autores, bem como seus diferentes argumentos. Em certo
momento afirma que

[...]. Não obstante, enquanto isso possa parecer um debate um tanto quanto
seco e acadêmico, o rigor e a disciplina que uma definição de turismo válida
e funcional impõe ao assunto, é vital, para o desenvolvimento do
conhecimento completo, respeitado e valorizado.

Percebe-se nesta afirmação ser necessário balizar a discussão, em especial


quando o turismo atua conjuntamente com diferentes áreas do conhecimento que
possuem interesses específicos sobre os significados do turismo, por mais estéreis
que possam parecer a nossa discussão.

Adyr Rodrigues10 não admite essa possibilidade quando busca dissuadir o


leitor à busca de novos paradigmas para o turismo, por dois motivos: primeiro
porque é muito difícil determinar tecnicamente as especificidades para a construção

10
Texto já indicado anteriormente na Nota de Rodapé nº 7.
34

de uma nova epistemologia sobre o turismo, e segundo porque este momento


histórico não é o ideal para emprestar-lhe status de ciência autônoma (um momento
histórico repleto de transformações e instabilidade de todas as ciências). Isso
porque, talvez, à autora bastem os paradigmas da Geografia (1999, p. 22), pois
afirma que

[...] o fenômeno do turismo, por sua natureza complexa, reconhecida por


todos os seus estudiosos, é um importante tema que deve ser tratado no
âmbito de um quadro interativo de disciplinas de domínio conexo, em que o
enfoque geográfico é de fundamental importância.

Em nova edição da OMT reaparecem as mesmas contradições teóricas


anteriormente apresentadas, nos aspectos relacionados a conceitos e definições.O
texto publicado em 2001, indica “que não existe definição correta ou incorreta, uma
vez que todas contribuem de alguma maneira para aprofundar o entendimento do
turismo” (OMT, 2001, p. 35). Adiante afirma (2001, p. 37) que “o conceito de turismo
pode ser estudado de diversas perspectivas e disciplinas, dada a complexidade das
relações entre os elementos que o formam”.

Na Revista Turismo, Visão e Ação do Programa de Pós-Graduação Mestrado


em Turismo e Hotelaria (2000, p. 25), turismo é definido no Congresso da AIEST
(Associação Internacional de Espertos em Turismo) realizado na cidade de Cardiff
em 1981, como “o movimento de pessoas, por tempo determinado, para destinações
fora de seu local de residência, e as atividades realizadas durante o tempo de
permanência nas localidades visitadas”. A Revista traz ainda outras diferentes
versões para o termo turismo (2000, p. 29), ao indicar como sendo,

[...] o conjunto de relações e fenômenos produzidos pelo deslocamento e


permanência de pessoas fora do lugar de domicílio, desde que tais
deslocamentos e permanências não estejam motivados por uma atividade
lucrativa.

A revista cita também texto da EMBRATUR (Instituto Brasileiro do Turismo)


que apresenta ser turismo (2000, p. 29),

[...] uma atividade econômica representada pelo conjunto de transações –


compra e venda de serviços turísticos – efetuadas entre agentes
econômicos do turismo. É gerado pelo deslocamento voluntário de pessoas
para fora dos limites da área ou região em que tem residência fixa, por
qualquer motivo, excetuando-se os de exercer alguma atividade
remunerada no local.

De outro lado, o texto da EMBRATUR, também apresenta o termo turista


35

(2000, p. 29) como sendo

[...] aquele que se desloca para fora do seu local de residência permanente,
por mais de 24 horas, realizando pernoite, por motivo outro que não o de
fixar residência ou exercer atividade remunerada, realizando gastos de
qualquer espécie com renda auferida fora do local visitado.

Lage e Milone (2000, p. 26) afirmam que,

[...] o turismo moderno não precisa ter um conceito absoluto, mas importa
no conhecimento do mecanismo dinâmico que integra. Especificamente sob
a análise da teoria microeconômica, quando aplicada a um estudo do setor
turístico particular, por se tratar de uma abordagem restrita do
comportamento dos indivíduos e das empresas, não se incorporando
aspectos globais, pode ser estudada em três partes: demanda, oferta e
mercado turístico.

Barretto (2003, p. 5) em texto bastante elucidativo para a compreensão da


evolução que discute a participação das Ciências Sociais na interpretação e nos
significados do turismo considera que dois aspectos devem estar presentes para que
ocorra o turismo, pois

[...] o turismo consiste no deslocamento de pessoas que, por diversas


motivações, deixam temporariamente seu lugar de residência, visitando
outros lugares, utilizando uma série de equipamentos e serviços
especialmente implementados para esse tipo de visitação. A atividade dos
turistas acontece durante o deslocamento e a permanência fora da sua
residência. Os negócios turísticos são os realizados nos equipamentos ou
durante a prestação de serviços que os turistas utilizam na preparação e na
execução da sua atividade. Começam no local de origem, quando os
turistas se dirigem a uma agência de viagens ou a uma companhia de
transportes para comprar um pacote turístico ou uma passagem, continuam
quando os turistas chegam ao local de destino e utilizam transporte local,
acomodações, serviços de alimentação, rede de diversões, lojas de
suvenires, etc. e ainda quando os turistas retornam à casa e levam seus
filmes para revelação na loja do bairro.

Veja-se que são citados os equipamentos e serviços especialmente


implementados e, os negócios são realizados nos equipamentos ou na prestação de
serviços que os turistas realizam nos equipamentos. Para Corrêa (2000, p. 94) em
um texto que interpreta o meio ambiente e a natureza como componentes do
mercado, o turismo

[...] é um processo que, basicamente, envolve cinco ciclos de atividades, de


cuja interdependência resulta a materialização do respectivo negócio. Tais
ciclos interdependentes podem ser representados pelos negócios do
transporte, do albergamento, da restauração, dos serviços de apoio e do
entretenimento de quem necessita deslocar-se por razões as mais diversas!

Já o conhecido autor do turismo Trigo (2001, p. 60) apresenta turismo não


36

mais como um ‘processo’, mas sim como uma ‘atividade’ apenas, incluindo
motivacionais como as ‘variadas razões’ que impelem à sua ocorrência, como uma
atividade,

[...] sofisticada que movimenta bilhões de dólares por ano e atinge centena
de milhões de pessoas. Inúmeros locais transformaram-se em complexos
turísticos pelas mais variadas razões: belezas naturais, núcleos históricos
ou artísticos, centros comerciais, de convenções ou culturais, eventos
esportivos ou ligados ao show business, grandes metrópoles ou complexos
industriais ou ainda centros turísticos artificiais como a Disneylândia em Los
Angeles.

Andrade (1999, p. 48) desenvolve algumas digressões na Introdução de uma obra


que é considerada clássica para os estudiosos do turismo. Inicia afirmando que
o turismo é um fenômeno social anterior às viagens que os jovens
aristocratas ingleses faziam, acompanhados de seus ilustres preceptores,
[...], pois que havia uma programação de diversas atividades
fundamentadas em grandes passeios de excelente qualidade e repleta de
atrativos prazerosos. E estas viagens se formaram à base do dinheiro, a
partir do século XVIII, com o nascimento do chamado ‘turismo financeiro’
ou ‘turismo de capital’, praticado pelos aristocratas que viviam das rendas
auferidas da agricultura

Andrade (1999, p. 11) argumenta que as conceituações apresentadas sobre


o turismo baseiam-se em elementos colocadas dentro da classificação: ‘conceituais
doutrinais incompletas’ e ‘conceituais legais limitadas’, pois, entende que, face uma
preocupação em elaborar conceitos restritos de turismo (relacionando-o as
atividades fora da residência) e de turista (relacionando-o ao lazer, ao divertimento e
ao tempo livre), essas conceituações baseavam-se mais no que os turistas
abandonam quando viajam do que na análise das motivações que levam as pessoas
a tornarem-se turistas.

Afirma Andrade (1999, p.11-2) que “o turismo nasce de um conjunto de


atividades de natureza heterogênea que impedem a constituição de ciência
autônoma e de técnicas específicas independentes”, e, indica que três elementos
precisam compor o princípio elementar de análise do turismo: o homem, o espaço e
o tempo. O primeiro por ser do homem o autor do ato de viajar; o segundo face que
o ato de viajar ocupa para mover-se, do espaço físico, e o terceiro, que é uma
quantidade consumida para a realização do ato de viajar.

Ao discriminar as conceituações, Andrade (1999, p. 47), passa a descrever as


‘modalidades’ como sendo resultantes das necessidades, primeiramente dos
37

empresários, depois dos profissionais e por último dos turistas e os ‘tipos’ de


turismo. O autor também chama de modalidades turísticas, estando essas definições
relacionadas às motivações turísticas, elemento explorado inicialmente por Krapf
(ANDRADE, 1999, p. 60-61). Os tipos principais de turismo são: de férias, o cultural,
de negócios, desportivo, de saúde, e, o religioso. O autor (1999, p. 87-97)
desenvolve mais a fundo os elementos motivacionais que levam o homem a atingir
suas aspirações relacionadas ao: desejo de evasão, a necessidade de evasão, ao
espírito de aventura, a aquisição de status, a necessidade de tranqüilidade, ao
desejo ou necessidade cultural, ao desejo ou necessidade de compra.

De outro lado Giacomini Filho (2000, p. 62) indica que na era da Sociedade
da Informação o turista tem um perfil diferenciado, isso porque

suas necessidades e desejos alcançam facilmente o nível emocional. São


carências procedentes das mais variadas fontes, como auto-estimas,
imitação, auto-realização, frustrações pessoais, auto-afirmação, estímulos
profissionais, etc..

Veloso (2003) ao início de sua obra indica uma percepção a respeito dos
porquês se utilizam formas parciais de análise, e diferentes termos por diferentes
autores com o intuito de analisar o desenvolvimento turístico. O autor afirma que

[...] as ações no turismo obedecem a critérios e características muitas vezes


formais, mas que são enunciadas em publicações variadas, com
interpretações que em determinados momentos chegam a confundir os
próprios profissionais e cientistas do turismo, pois a evolução e a rapidez da
transformação do momento turístico produz um efeito catalisador de idéias,
imaginações e projetos que escapam ao próprio ordenamento e
entendimento recíproco daqueles que nele trabalham (VELOSO, 2003, p. ).

Percebe-se que, contrariamente ao autor, não ocorre confusão pela profusão,


mas sim, a ausência de profundidade nas considerações teóricas dos autores,
parecendo que, a grande diversidade de conceitos e definições é lançada
aleatoriamente. Veloso para apresentar algumas definições gerais utiliza-se dos
seguintes termos: significados, sinônimos e conceitos (2003, p. 4), bem como logo a
seguir indica tipos, formas, modalidades e segmentos (2003, p. 7) dizendo que,

[...] de acordo com cada autor temos as interpretações mais interessantes, a


partir da especialidade com que analisam o turismo, baseados nos estudos
sociológicos, geográficos, comerciais, ambientais, filosóficos, institucionais,
mas tudo leva a um bom e interessante denominador comum.
38

A partir dessas colocações de Veloso, se pode perceber então que os


resultados encontrados pelos autores do turismo serão sempre diferentes, face que
seus métodos e categorias também o são. O que, porém, parece preocupante da
parte dos autores e trabalhos citados nesta Tese, é que a poucos autores ocorre
utilizar conhecimentos de diferentes áreas científicos que estejam relacionados ao
ambiente religioso. Também preocupa que, quando são citados, inexistem embates
de fundo conceitual ou ideológico com os mesmos, havendo apenas a apresentação
de suas teorias (definições ou conceitos principalmente), sendo que, ao
aprofundarem a relação percebe-se que poderiam colaborar com o crescimento do
conhecimento sobre o tema, o que leva a se perceber que, não existe um campo de
conhecimentos delineados e aceitos pelos autores do turismo, como é o caso de
Abumanssur (2003), Bessa (2004), Costalonga (2003), Gazoni (2003), Moraes
(2000) e (2003), Novaes (1999), Oliveira (1996) e (1999), Ribeiro (2002), como
sendo pertinentes aos estudos da relação turismo e religiosidade.

Nash (1997) já havia percebido essa situação ao analisar o turismo em geral


como parte do imperialismo capitalista, mas de Nash (1997, p. 71) o que mais
interessa para essa Tese é que,

[...] talvez não se possa examinar toda a amplitude do turismo em um só


esquema teórico, porém as formulações teóricas do turismo deveriam ser
aplicáveis ao mais amplamente possível. [...]. Em todos os casos aqui
mencionados, a investigação deveria concentrar-se na relação existente
entre anfitriões e convidados, com suas correspondentes transações
intergrupais.

Pois, para Nash (1997, p. 87) qualquer generalização sobre “a evolução dos
sistemas turísticos exige apresentar previamente de forma concreta os parâmetros
que tem maior importância nos câmbios socioculturais”, e, “se, se quer que a
investigação do turismo seja verdadeiramente antropológica, não deveria limitar-se a
uma estreita gama de sociedades ou de situações contratuais, se não que deveria
esforçar-se para abarcar o fenômeno onde quer que ele tenha lugar” (1997, p. 71).
Isto é, não se podem concentrar estudos em uns poucos santuários religiosos, e
após, generalizar que essa realidade encontra-se disseminada em todos os
ambientes religiosos. Nash vai de encontro ao pensamento de Ouriques (2005), que
discute o turismo como uma nova estratégia capitalista baseada no fetichismo
marxista e nas novas aparências dadas a antigos elementos culturais. Afirma que
quando houve a transformação da fé em Nova Trento - SC, “o que parece evidente é
39

a apropriação, pelos ideólogos do capital turístico, da fé religiosa em benefício de


uma forma específica de acumulação do capital”.

Hans Joachin Knebel (1974) na obra Sociologia del turismo, aprofunda


discussões sobre as origens do turismo moderno apresentando diversos elementos
que, a seu ver, compõem a evolução do fenômeno na sociedade ocidental.
Interessante observar que para o autor, essa ocorrência social vem se verificando há
poucos séculos apenas, pois, Knebel informa que na base das investigações da
obra está o conceito de ‘tempo livre’, o qual se compõe de um período de tempo que
media a jornada de trabalho e a necessidade fisiológica do descanso.

Aprofunda essa percepção sobre o que chamou de ‘as viagens dirigidas pela
tradição’ (KNEBEL, 1974, p. 17-19). Descreveu desde os cruzados, passando pelas
viagens científicas, as imposições familiares baseadas no patriarcado, atingindo as
agremiações dos ofícios que eram aprendidos obrigatoriamente em viagens (como
os artesãos, ao qual a mobilidade era componente de seu crescimento profissional),
ou mesmo à nobreza (que só aprendia nas viagens o elementar para a manutenção
da classe). Afirmou que “os antepassados dos modernos turistas remontam somente
ao século XVII e XVIII” (KNEBEL, 1974, p. 15), pois antes disso havia o “tour de
formação e não de informação” (KNEBEL, 1974, p. 19).

Como componentes históricos do turismo atual, Knebel (1974, p. 20-25)


descreve os tours desenvolvidos pelos burgueses nas viagens aos balneários que
estavam relacionados à manutenção da saúde, que num primeiro momento (entre os
anos 1720 e 1800), apesar de direcionados ao econômico, ficaram escondidos sob a
aparência de interesse cultural. Num segundo momento (entre os anos 1820 e 1900
aproximadamente), os balneários começaram a diversificar sua oferta, passando
daqueles que ofereciam somente banhos, para os que passaram a oferecer
divertimentos através das salas de jogos. Depois surgiram os tours que uniam
cultura e natureza, os quais originaram o termo Romantismo, e também os tours que
uniram natureza e esportes, fato que originou o surgimento de diferentes atividades,
como alpinismo, bridge ou whist (KNEBEL, 1974, p. 26-8). Para Knebel (1974),
portanto, os componentes culturais anteriormente presentes às sociedades não
podem ser colocadas no rol do turismo, visto não satisfazerem os elementos
relacionados ao tempo livre das pessoas e estarem relacionados a questões de
grupo (de trabalho, por exemplo) ou de classe social de origem do indivíduo, aos
40

quais ele não poderia separar-se voluntariamente.

De outro lado Peter Burns11 (2002p. 118-122) na sua obra ‘Turismo e


Antropologia’ editada originalmente na Inglaterra, faz uma grande discussão acerca
de muitos aspectos do turismo importantes para o antropólogo. O autor identifica
quatro temas importantes aos estudos antropológicos, sendo um deles o turismo
como religião e ritual, onde faz a pergunta: o turismo é uma forma moderna de
religião ou peregrinação?. Após isso, faz algumas digressões com base em
diferentes autores, os quais estão em grupos opostos12 de percepção. Porém o autor
nada conclui, apenas indica em nota de rodapé que “não estamos interessados em
definições como parte de algum fetiche maníaco de classificação, mas na busca de
significado e causalidade” (BURNS, 2002, p. 121).

Percepção que, em contrário a Burns, considera-se peça chave de uma


discussão que leve em consideração elementos da Antropologia na compreensão da
relação do turismo e a religiosidade. Um dos quatro temas indicados pelo autor é se
o turismo pode ser considerado como uma forma de peregrinação no sentido de
que: 1) apresenta estágios ou características similares [...]; 2) o turismo oferece
liberação da vida corriqueira e rotineira e às vezes (mas não sempre) esta inclui
liberação das normas sociais, e 3) o turismo pode oferecer oportunidade para auto-
reflexão e transformação pessoal (BURNS, 2002, p. 121).

Noutro momento Burns (2002, p. 54), afirma que a dominação capitalista da


cultura e, por conseguinte do turismo pela sua mercantilização, perverte suas
conseqüências sociais quando, busca incessantemente inserir os cidadãos no
universo das regras do consumo, que a princípio são negativas (faz referências à
necessária relação do turista com estruturas turísticas, através de controles
exercidos por guias e agências, etc.). Porém, o que mais chamou a atenção foi que,
em uma obra tão extensa e repleta de elementos humanísticos (cultura, homem,

11
Apesar de ser considerada uma obra didática pela Sociologia, Burns é um dos poucos autores
disponíveis no Brasil que desenvolve considerações acerca da relação turismo e religiosidade.
12
Os autores indicados são concentrados em grupos a defender se turismo e peregrinação tem ou
não o mesmo significado. O primeiro grupo é composto por Nash D. Tourism as an anthropological
subject. Current Anthropology, 22, 1981; MacCannell D. The tourist. New York: Schocken, 1976;
Passariello P. Never on a Sunday? Mexican tourist at the beach. Annals of tourism research, 10: 109-
22, 1983; e Graburn N. To pray, pay and play: the cultural structure of japanese domestic tourism. Aix-
em-Provence: Centre dês Hautes Études Touristiques, 1983. O segundo grupo inclui autores como
Brown D. Genuine Fakes. In: Selwin, T. 1996; Boorstin D. The Image: a Guide to pseudo-events in
América New York: Harper & Row 1964; e Barthes R. Mythologies. London: Paladin 1984.
41

respeito, etc.) não se percebeu claramente a utilização do termo turismo religioso


pelo autor, nem mesmo se percebeu a concordância com algum dos autores
indicados no segundo grupo. Isso se entende, poderia indicar que Burns não
concorda com o uso do termo ‘turismo religioso’, mesmo para um país com uma
história, repleta de referencias ligadas as movimentações religiosas.

Enquanto isso Montejano (2001) em trabalho originalmente editado na


Espanha, um país com grande tradição religiosa e de movimentação de fiéis13, faz
descrição sobre os fundamentos do turismo, não identificando o termo turismo
religioso enquanto turismo, sendo que, no único momento que o cita, relaciona-o às
peregrinações que exigem infra-estrutura de apoio. Quanto ao turista que perpassa
o universo religioso, “liga-o ao crente e praticante, o que pode ser interpretado como
alguém em movimento, ligado a valores sagrados” (MONTEJANO, 2001, p. 60).
Portanto, percebe-se no autor a necessidade da existência da movimentação físico-
espacial dos fiéis com os valores do sagrado para que esteja inserido no turismo.

Moesch (2003) discute a construção de um turismo holístico em oposição às


formas de desenvolvimento até o momento existente, argumentando que muitas das
ausências nas percepções sobre o turismo decorrem dos vícios de interpretação
conceitual sobre turismo e seu amplo espectro, condicionado a um conhecimento
ambíguo e limitado da capacidade transformadora desse marcante fenômeno social,
apresentando os motivos. Para a autora isso ocorre porque faltam alicerces, faltam
bases de sustentação conceitual, faltam informações e comunicação entre aqueles
que se propõe ser os engenheiros do projeto da construção turística nacional.
Moesch (2003) percebe o turismo ligado à existência de quatro eixos de sustentação
(segurança psicofísica, funcionalidade, confortabilidade e a agradabilidade), todos,
elementos relacionados aos serviços disponíveis e a infra-estrutura do setor turístico,
apesar de que, o texto ao caracterizar o aspecto holístico, poderia transparecer mais
elementos humanistas na percepção.

Essa concentração na análise dos problemas administrativos é facilmente


percebida quando se aprofunda efetivamente uma pesquisa sobre a religiosidade e

13
Trata-se do famoso Caminho de Santiago de Compostela dos mais conhecidos roteiros de
deslocamento religioso de todo o mundo. As primeiras peregrinações ao túmulo do São Tiago
ocorreram por volta do ano 800 quando o rei Alfonso II mandou construir uma igreja no local do
possível sepultamento. Citado por MULLER S.A. Turismo e interioridade: a experiência do Caminho
de Santiago de Compostela. In: MOSER G.C. Sociologia aplicada ao turismo. Indaial, SC:
ASSELVI. 2001.
42

o turismo como ocorreu na pesquisa de Fagundes (2004, p. 12), quando indica para
a definição de turismo que face

[...] às características especiais de serviços e estrutura, o turismo é,


conseqüentemente, cercado por problemas de análise, monitoração,
coordenação e elaboração de políticas, geralmente porque seus
planejadores e as pessoas que são responsáveis pela administração não
estão preparados e agem isoladamente, sem estabelecer parcerias com
todos os atores e agentes responsáveis pelo desenvolvimento do turismo,

O autor também entende que, apesar de serem conhecidos pelos autores e


planejadores turísticos, os termos desenvolvimento sustentável e sustentabilidade,
não o são pelas comunidades locais, as quais quase pouco ou nada participam do
processo de inclusão de ações turísticas. Assim Fagundes (2004, p. 13) afirma que
“de nada vale implantar um planejamento turístico numa destinação sem a
participação efetiva da comunidade local”. O autor reporta suas percepções aos
aspectos turísticos, porém, complementa indicando com detalhes que passam
despercebidos dos autores do turismo, indicando que,

[...] a pós-modernidade exige uma nova relação entre religião e turismo [...].
Esta relação é complexa e precisa ser melhor analisada não somente
procurando explicar os motivos que possam unir fé com diversão ou
entretenimento, nem mesmo diferenciar o lazer da religiosidade, mas
apresentar essa relação dentro de um contexto antropológico e sociológico
[...] (FAGUNDES, 2004, p. 14).

Essa percepção também baliza esta Tese, ao buscar identificar, para além
das categorias usuais de percepção dos autores, diferentes elementos que
permeiam a relação do turismo com a religiosidade popular. Tais características já
foram identificadas em pesquisa recente desenvolvida pelo Ministério do Turismo
Brasileiro (2005) cujo título é ‘Classe C e D, o Novo Mercado para o Turismo
Brasileiro’. Em linhas gerais as informações interessantes fornecidas pela pesquisa
são: esse turista tem um comportamento e uma visão específica dos passeios,
viagens, excursões e do turismo; costuma viajar em grupo e percebe a viagem como
uma forma de fortalecer laços de sociabilidade. Viaja com muita freqüência,
especialmente nos finais de semana, quando percorre distâncias curtas ou médias,
fica hospedado na casa de amigos e parentes e realiza dispêndios modestos ao
longo da viagem.

Outras conclusões da pesquisa são: o turista popular viaja com os


organizadores/operadores informais do turismo que residem no próprio bairro ou que
43

fazem parte de sua rede de relações; o uso sistemático de excursões no formato


bate e volta com duração curta (menos de 24 horas) e de curta distância com
pernoite no ônibus; Os provedores de serviços são totalmente informais (falta de
estrutura de negócios, existe a dificuldade de acesso às informações básicas sobre
fornecedores, destinos e do modus operandi da atividade turística e, o
desconhecimento dos pacotes turísticos econômicos disponíveis no mercado).

Continuando a percepção que vem ocorrendo mudanças evolutivas para o


conceito de turismo, Veloso (2003), o apresenta de uma maneira que se entende
seja a mais direta e a mais próxima daquilo que poderia colaborar com a percepção
dos horizontes e limites que o ambiente da religiosidade católica popular vem
exigindo do setor turístico. Veloso (2003, p. 4) indica o turismo como “uma atividade
econômica representada pelo conjunto de transações – compra e venda de serviços
turísticos –, efetuados entre os agentes econômicos do turismo”. Ou seja, para o
autor, somente seria incluído no universo do turismo o uso do termo ‘turismo
religioso’, se, e somente se, ocorresse o efetivo uso de estruturas e serviços para o
turista criados e implantados junto aos ambientes religiosos, caso contrário,
ressalvas devem ser observadas. Tais ressalvas, se entende, são apresentadas no
decorrer desta Tese.

Também afirma Veloso (2003, p. 4) ser “o turismo gerado pelo deslocamento


de pessoas para fora dos limites de sua residência fixa, por qualquer motivo, menos
o de exercer atividade remunerada”. Percebe-se que o autor indica uma
característica que se entende, ser a categoria mais tradicional utilizada pelos autores
do turismo para efetuar a análise da relação do turismo com a religiosidade católica
popular, qual seja: ocorre por parte dos autores do turismo a agregação de
diferentes motivações (porém, a primeira quase sempre é o deslocamento físico).
Corroborando essa situação, cita-se Aoun (2001, p. 28-9) que indica, “porém, os
autores do turismo tendem a generalizar como categoria de análise, que apenas o
deslocamento físico faz parte do fenômeno turístico”.

Em oposição a essas visões administrativas, poder-se-ia sugerir a leitura do


texto de Andréa Damacena e Silvia Fernandes que a partir de uma pesquisa de
campo, passam a descrever as mudanças percebidas no pluralismo religioso
brasileiro onde, “o indivíduo tem maior autonomia para construir um sistema de
crenças fora do espaço das instituições religiosas” (2001, p. 1). Apresentam detalhes
44

motivacionais e as novas dinâmicas, sem, no entanto, abandonar a sua


religiosidade. Para colaborar ainda mais com a possibilidade de interpretação das
transformações da religiosidade brasileira pelos autores do turismo, cita-se a
afirmação de Siqueira (1999, p. 1) que se utilizando de diversos autores que atuam
junto à religiosidade diz que,

[...] assiste-se a um processo de privatização das crenças religiosas e a


uma pluralização da fé, ou como denomina Pace (1997), a uma liberalização
religiosa. Parker (1997) refere-se à religião difusa; Hervieu-Léger (1993) a
uma religiosidade ou identidade religiosa flexível-flutuante. Mardones (1994)
usa os seguintes termos: nova sensibilidade místico-esotérica, sacralidade
não religiosa, nova religiosidade sincrética. Maitre (1988) fala em nebulosa
heterodoxa, Champion (1990) em nebulosa místico-esotérica e crédulos
difusos e Sanchis (1997) em nebulosa polivalente da Nova Era e
diversidade nas formas de adesão

Isso, segundo DaMatta porque não se tem capacidade de observar com


profundidade as matérias-primas que compõe os rituais, pois entre estes e a vida
diária, as diferenças são “apenas a colocação em foco, em close up, de um
elemento, de uma relação, sendo difícil classificá-los, quando não se entende como
são construídos” (1983, p. 65), fato que se entende, ocorre com os autores do
turismo.

O historiador Peter Burke baseando-se na obra de Fernand Braudel pode


colaborar com essa percepção quando caracteriza o cotidiano dos homens como “o
reino da rotina e das atitudes, o que poderíamos chamar de hábitos mentais” (1992,
p. 24). Na argumentação do cotidiano o autor inclui o ritual como elemento indicador
de ocasiões especiais, e não como parte das atitudes cotidianas apenas, e este
ritual pode ser confundido com os hábitos rotineiros, caso as pessoas que os
observem não estejam particularmente relacionadas ao grupo observado, o autor dá
como exemplos os modos de comer ou as formas de saudações. Outros aspectos
destacados na análise de Burke, é que para aqueles que olham de fora, talvez seja
difícil perceber que os rituais também podem colaborar diretamente com as
mudanças sociais, o que seria positivo à compreensão das transformações que
interessam ao turismo, e, se deve tomar cuidado ao que chamou de anacronismo
psicológico, isto é, “a presunção de que as pessoas no passado pensavam e
sentiam da mesma forma que nós” (1992, p. 34).

Quase sempre os autores utilizam poucos exemplos de locais (Aparecida,


SP), bem como de alguns exemplos de mudanças (barracas de lembranças, bailes e
45

festas) para generalizarem suas hipóteses, análises e interpretações. Dias (2003, p.


29) ao contrário, identifica e descreve seis tipos de locais religiosos, onde,

[...] considerando-se a área do destino, objetivo final da viagem, que, junto


com a motivação, é outro dos principais pontos a serem considerados,
podemos fazer algumas distinções básicas entre os atrativos turístico
religiosos, classificando-os em seis diferentes tipos: 1. Santuários de
Peregrinação; Espaços religiosos de grande significado de caráter religioso;
3. Festas e comemorações em dias específicos; 4. Espetáculos artísticos de
cunho religioso e 6. Roteiros de fé.

Observa-se, porém, que apesar de quantificar e distribuir todos os ambientes


religiosos (populares ou não) o autor não os diferencia enquanto ambientes
propícios ao turismo e ambientes da fé. Ao contrário, a divisão desenvolvida pelo
autor transforma-os em segmentos, e estes passam a incorporar o conjunto de
possíveis atrativos do turismo cultural (dentro do qual está o religioso), assim sendo,
tudo é passível de inclusão no universo do turismo religioso. Essa generalização
compulsória incorporada por Dias se expressa novamente quando o autor,
utilizando-se de outro elemento da cultura e dos ambientes religiosos (as
festividades), utiliza-se da estratégia da turistificação, buscando através do uso dos
componentes da religiosidade católica popular torná-los atrativos, ao afirmar que:

[...] exibindo uma ampla diversidade e apresentando diferentes atrações


populares, essas festividades podem ter lugar tanto em espaços públicos,
quanto religiosos (ex: procissões), tendo em comum o fato de que ambos
espelham a realidade dessa modalidade turística, o turismo religioso (2003,
p. 28).

Ou seja, para o autor, como ocorre a quase todos os autores do turismo,


utiliza do uso desmedido desta visão que tudo e todos podem tornar-se parte do
conjunto turístico de uma localidade e essa posição parece compor quase todos os
destinos turísticos. Andrade (1999, p. 28-39) é outro autor que avança bem mais na
demonstração de suas posições sobre a evolução do termo turismo, perpassando
suas considerações da Antiguidade até a atualidade, descrevendo as conceituações
como sendo divididas em ‘etimológicas’, ‘funcionais’ e ‘estruturais’. Nesta evolução
dos significados, o autor apresenta a versão que, uma das primeiras tentativas
coordenadas de conceituação por parte dos teóricos, relacionava as viagens
turísticas com o lazer, e dentro desta percepção, negou a relação do turismo com a
religiosidade, pois para o autor (1999, p. 28-39).

viagens para o cumprimento de deveres de piedade é ato devocional e de


fé; por isso obrigação moral impeditiva de finalidades turísticas, que se
46

baseiam no lazer e no descompromisso, jamais na meditação e na prece.

Porém, continuando sua argumentação, nega a possível importância das


teorias que utilizam o princípio do lazer como motivação para o turismo. Entende-se
que Andrade utilizando-se de elementos nada científicos, afirmou haver surgido uma
“febre de deserção entre os asseclas da doutrina do lazer como base do turismo”
(1999, p. 32), complementando que isso ocorreu “porque as próprias estatísticas
demonstram que a realidade é diferente das teorias que pretendem sustentar que
turista é a pessoa que viaja para depois permanecer sem fazer coisa alguma” (1999,
p. 32).

Além de não apresentar estes autores e suas teorias, o que por si já é uma
escolha deliberada sobre a valorização dada àquelas obras analisadas, entende-se
que Andrade pretensiosamente deu um tom de superficialidade à percepção que, o
lazer trabalha com o princípio que ‘se deve ficar sem fazer coisa alguma’, da mesma
forma, afirmar que os teóricos do lazer desertaram de suas posições é generalizar
sobre conteúdos aparentemente não dominados pelo autor. Para mostrar que a
produção teórica do lazer sobre o turismo existe e que o lazer poderia trazer ao
turismo para colaborar na gestão e no planejamento, basta observar-se a
quantidade de títulos disponíveis no mercado editorial, bem como a importância
deles para a compreensão de certos segmentos14 específicos do turismo atual. Para
finalizar essa discussão sobre o lazer, entende-se que se os autores do turismo
fossem menos tradicionais em suas interpretações, já que o são nas suas
descrições e análises, se poderia utilizar com maior propriedade as pesquisas já
desenvolvidas pelos estudiosos do lazer, visto que os autores do turismo, em sua
maior parte, repetem-se em poucos autores do lazer em suas argumentações.

14
A área do Lazer é responsável pela produção de muitas obras disponíveis no mercado editorial. A
seguir serão listadas algumas delas, com o intuito de demonstrar o quanto é amplo esse segmento,
bem como o quanto ele poderia colaborar com as percepções sobre o turismo: BOULLÓN R.C. Las
actividades turísticas y recreacionales: el hombre como protagonista. 3ªed. México: Trillas, 1999.
BRUHNS, H.T. (org.). Introdução aos estudos do Lazer. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997. (Col.
Livro Texto). CAMARGO L. O de L. Educação para o Lazer. São Paulo: Moderna, 1998. (Col.
Polêmica). DUMAZEDIER J. Sociologia Empírica do Lazer. São Paulo: Perspectiva, 1980. MUNNÈ
F. Psicosociologia del tiempo livre: un enfoque crítico. Mexico: Trillas, 1995. 8ª reimpressão.
SESC. Lazer numa sociedade globalizada: Lazer in a globalized society. São Paulo: SESC/WRLA,
2000. MARCELLINO, N.C. Políticas Públicas Setoriais de Lazer: O Papel das Prefeituras.
Campinas: Autores Associados, 1996. WERNECK, C.L. Lazer, Trabalho e Educação: relações
históricas, questões contemporâneas. Belo Horizonte: UFMG/CELAR/DEF, 2000. SERRANO, C.M.de
T & BRUHNS, H.T. (orgs.). Viagens à natureza: Turismo, cultura e ambiente. Campinas: Papirus,
1997. (Col. Turismo).
47

De outro lado, temos autores internacionais que analisam as movimentações


religiosas, como é o caso de Dean MacCannel antropólogo norte-americano, famoso
junto aos autores brasileiros, por considerar o turismo uma nova forma de lazer, pelo
fato de que este vem sofrendo um processo de sacralização generalizado, o que o
leva a ser comparado ao ambiente religioso. MacCannel indicou (199915, p. 3) que,

[...] a tese central deste livro está sustentada empiricamente na expansão e


ideológica da sociedade moderna, intimamente ligados por diversos
caminhos para o lazer de massa moderno, especialmente para o turismo
internacional e a visitações.

Ainda na sua argumentação inicial, MacCannel (1999, p. 34) indica que o

[...] lazer é construído a partir de experiências culturais. Lazer e cultura


continuam a existir indiferente ao mundo do trabalho e na vida diária. Estão
concentrados nas férias, no entretenimento, nos jogos, brincadeiras e
cerimônias religiosas. Esses rituais levam ao afastamento da cultura das
atividades rotineiras e tem produzido o centro da crise da sociedade industrial.

Veja-se que a essência da argumentação do autor, - e o que faz com que seja
citado pelos autores brasileiros -, é a aceitação do lazer relacionado ao mundo do
trabalho e dos deslocamentos para fora do ambiente cotidiano, como ocorre no
turismo. MacCannel também se utilizou dos argumentos de Durkheim quando este
afirmou que “o turismo é uma forma de respeito ritual para com a sociedade e
absorve algumas das funções da religião no mundo moderno” (apud STEIL, 2002.
p.58). A partir disso, se percebe que os autores brasileiros não se aprofundaram
sobre quais seriam os outros elementos indicados por Durkheim (as funções da
religião), mas sim assumiram apenas aquela que entendem relacionadas
diretamente com a atividade turística, - o lazer -, sendo que, por lazer turístico são
entendidas pelos autores todas aquelas atividades desenvolvidas durante a viagem
nos ambientes religiosos.

O que se entende, no entanto, é que essas atividades podem ocorrem tanto


devido a uma motivação casual (pelo marketing, por exemplo), quanto por aspectos
causais (relacionados aos elementos culturais do grupo social), ou seja, aos autores
nas viagens o lazer transforma-se em uma ação compulsória, e não parte do código
social, como é o religioso. Ao agirem dessa maneira os autores percebem os dois
elementos indicados por Durkheim (crenças e ritos religiosos populares), apenas

15
A obra indicada é The tourist: a new thery of the leisure class. Berkeley: California Press, 1999.
48

enquanto ações praticadas isoladamente por indivíduos, não estando inter-


relacionadas socialmente, e por isso, passíveis de integrar a partir das estratégias de
planejamento.

Para melhor entender-se essa posição dos autores sobre lazer, utilizo o que
diz Stanley Parker na obra ‘A Sociologia do Lazer’. Nela o autor aprofunda estudos a
partir da visão que, os aspectos relacionados aos elementos culturais do grupo
social, estão ausentes nas diferentes esferas do lazer na sociedade inglesa da
década de 1970. Ao comparar a religião com o lazer, Parker percebe as duas formas
(o lazer e a religião) como comportamentos não mais regulamentados pessoal e
secretamente, e de escolha deliberada, isto é, entende que se precisa reconhecer
em todos os aspectos da cultura a mesma evolução geral que esclarece o
significado profundo da atividade de lazer na atualidade: a passagem de um
comportamento de lazer social e moralmente determinado pelo grupo para uma ação
livremente orientada em direção a objetos e valores que são exigências individuais
autênticas, visto que não mais estão separados da pessoa por um labirinto de
códigos sociais como ocorria no passado. Ou seja, para Parker, aquelas atividades
que no passado ocorriam relacionadas aos grupos sociais (como foram o lazer e a
religiosidade), agora são mediadas apenas pelos valores individuais, sendo que
tanto com a religiosidade ou com o lazer, o mesmo vem ocorrendo no turismo.
Porém, os autores do turismo que citam o lazer, não fazem uso dessa percepção em
suas argumentações, pois, boa parte deles não desenvolve explicações, apenas
descrevem ações praticadas pelos visitantes nos ambientes religiosos.

Em trabalho anterior, (2002, p. 7) desenvolvi diversas considerações teórico-


conceituais acerca dessa relação do turismo atual com o lazer, que entendo
conflituosa, visto indicar que os autores não percebem a diversidade de função dos
dois (turismo e o lazer), pois que,

[...] continuamente, os estudiosos do turismo, o apresentam como uma


atividade de lazer, ou vice-versa, mudando-lhe a posição de importância
indistintamente. Ambas as atividades, porém, na atualidade são atividades
individuais e profundamente individualizantes, não permitindo que venha a
ocorrer o desenvolvimento de ações que promovam o crescimento, nem o
entrelaçamento dos seres humanos, em busca da evolução cultural dos
seus praticantes, como num passado um pouco distante ocorria com o
lazer.

Isso se reflete na situação que se descreve nesta Tese em relação à


percepção dos autores, visto que, claramente nas argumentações que desenvolvem
49

sobre lazer e turismo, não procuram explicar seus argumentos, mas apenas
descrevê-los, acabando por mascarar ou dificultar a compreensão da realidade, pois,

[...] como os estudiosos do turismo não apresentam a preocupação de


caracterizar essas distinções, e, nem mesmo buscam caracterizar as
diferenças entre o lazer do passado e o praticado na atual sociedade de
consumo, principalmente através do turismo, acabaram por colaborar com
algumas percepções errôneas sobre o lazer enquanto uma das formas de
turismo, e não o contrário [...] (CHRISTOFFOLI, 2002, p. 7).

Face essa situação transforma-se a função e os objetivos anteriormente


instalados na sociedade pelas práticas do lazer, colocando-o no campo do consumo
para diferentes grupos sociais, e, entende-se que esse não é o papel da
religiosidade, que ao contrário, é o de aproximar pessoas não pelo consumo de
serviços, como de estruturas (hoteleiras, de alimentação, de transportes, etc.), nos
ambientes religiosos, mas sim a partir de um encontro em que a horizontalidade das
relações se estabelece quando se abandonam papéis sociais do mundo cotidiano.
Ieno Neto (2005, p. 14) nos ajuda a compreender como se forma essa percepção
diferenciada dos autores do turismo sobre o lazer nos ambientes religiosos ao
discutir os consumos dos espaços públicos na atualidade. O autor (2005, p. 14)
citando Augé indica que ocorre a existência de locais denominados de

os não-lugares (espaços que, não são lugares antropológicos e que [...]


não integram os lugares antigos, [...] onde se multiplicam [...] os pontos de
trânsito e as ocupações provisórias (as cadeias de hotéis e os terrenos
invadidos, os clubes de férias, os acampamentos de refugiados, [...].).

Tais locais podem proporcionar a experiência do indivíduo se colocar como


espectador solitário em relação ao mundo que o cerca, como ocorre muitas vezes na
experiência turística, onde o contato efetivo com os companheiros de viagem ou dos
habitantes não ocorre, diferentemente daquilo que entendo, proporciona o ambiente
da religiosidade para os fiéis. Citando Sennet, Iedo Neto fala em voyeurismo na
medida em que o indivíduo observa sem participar e fala também da civilidade numa
sociedade intimista como sendo "a atividade que protege as pessoas uma das
outras e ainda assim permite que elas tirem proveito da companhia uma das outras"
(2005, p. 14). Essa também é a visão de Morin (1969, p. 74-75) quando discute as
diferentes nuanças que se estabelecem quando ocorrem as transformações dos
valores na sociedade moderna, através de mecanismos que ele generaliza como
parte da cultura de massas do capitalismo. Essa percepção superficial dos autores
50

do turismo sobre o lazer e o turismo, vai de encontro a Aoun16 (2001, p. 94) que
indicou ser expressa constantemente, pois,

durante o período em que estivemos acompanhando o material de VIP


Exame, percebemos que apesar de essa revista se utilizar de palavras do
universo religioso, sempre o fez de forma despreocupada, aproximando
todo esse antigo mundo lingüístico do nosso cotidiano moderno, sempre
buscando dessacralizar por meio de diálogos [...]”.

Eliade (1992, p. 17) explica em parte essa situação dizendo que basta
constatar que a dessacralização caracteriza a experiência total do homem
não-religioso das sociedades modernas, o qual, por essa razão, sente uma
dificuldade cada vez maior em reencontrar as dimensões existenciais do
homem religioso das sociedades arcaicas,
entende-se que essa condição também ocorre nas sociedades atuais. Descrevendo
a importância das festas religiosas para os fiéis indica que “a repetição esvaziada de
seu conteúdo conduz necessariamente a visão pessimista da existência, [...], quer
dizer, quando dessacralizado o Tempo cíclico torna-se terrífico [...]” (ELIADE 1992,
p. 90), isto é, transpondo-se essa visão para a atual relação da religiosidade os
autores turismo percebem certo vazio nos conteúdos das atividades religiosas,
transportando-as para a esfera do lazer.

A partir daqui, serão apresentados os textos que indicaram expressamente o


termo turismo religioso com suas categorias de compreensão.

Em número especial da revista “Turismo - Visão e Ação”17, encontraram-se


três referências ao universo do turismo religioso. O primeiro na página 23 indica o
termo ‘religião’ como sendo “uma das mais antigas manifestações do pensamento,
onde as pessoas postulam a existência de um meio ambiente invisível em pé de
igualdade com o mundo visível embora não possa ser evidenciado da mesma
maneira” (2000, p. 23). A seguir indica-se que nas religiões as pessoas “evocam
seres, forças, lugares sagrados e uma força superior misteriosa que chamam

16
Parte do livro concentra-se em descrever anúncios de revistas especializadas em turismo, os quais além de
apresentarem paisagens magníficas, relacionavam-nas a adjetivos como paraíso, paz, tranqüilidade.
17
Uma das poucas publicações brasileiras reconhecidas pela academia como sendo científica em
turismo, editada pelo Programa de Mestrado/Doutorado em Turismo e Hotelaria da Universidade do
Vale do Itajaí (UNIVALI), vêm sendo editada ininterruptamente desde 1998. O número especial
denominado ‘Glossário’ editado em 2000 supriu uma lacuna naquele momento histórico, quando
através de um número especial, concentrou na agregação de diferentes autores, uma infinidade de
termos e conceitos por temas de análise, perpassando diferentes áreas afins ao Turismo como a
Administração, o Meio Ambiente, a Cultura, etc. Outra publicação é a revista Turismo em Análise uma
publicação semestral (maio/novembro), editada pela Editora Aleph e pelo Departamento de Relações
Públicas, Propaganda e Turismo da ECA-USP. Tem por objetivo publicar estudos, pesquisas e relatos
de experiências de docentes, pesquisadores e profissionais na área de Turismo e Hotelaria.
51

conforme o caso de Deus, Espírito, Anjo, Demônio, enfim, uma força que pode
determinar e dominar o mal e o bem, assim como salvar e encaminhar a ‘alma’ de
uma pessoa após a sua morte”.

O segundo termo indicado pela revista é ‘turismo religioso’ (VISÃO E AÇÃO,


2000, p. 27), porém, não se faz a apresentação de uma definição, e sim, apenas são
indicadas as definições de outros autores como VAZ (1999), ANDRADE (1997) e a
EMBRATUR (1992).

O terceiro termo apresentado pela revista é uma definição de Beni (1998)


para turismo ‘religioso’, o qual é descrito e analisado a seguir. Beni (2000, p. 153),
por exemplo, faz parte do grande grupo de autores (que atuam no turismo brasileiro),
sendo que em seu trabalho sobre o SISTUR18, descreve a composição da
segmentação do mercado de turismo (no item 2.1). Citando os diversos elementos
que a compõe (desde os destinos geográficos, transportes, composição
demográfica, nível econômico, ocupação, estado civil, até o estilo de vida), ao final
afirma que o “motivo da viagem, entretanto, é o principal meio disponível para se
segmentar o mercado”. Mais adiante o autor apresenta os elementos que compõe a
vocação turística do núcleo receptor, sobre os quais se assentam os 35 tipos de
turismo possíveis.

Um destes tipos é o religioso, que Beni (2000, p. 422) refere como o que
promove,

[...] o grande deslocamento de peregrinos, portanto turistas potenciais, que se


destinam à centros religiosos, motivados pela fé em distintas crenças. Este tipo de
demanda tem características únicas levando, por isso, alguns autores a não
considerá-lo nos estudos de Turismo.

Observa-se que o autor concentrou sua percepção em dois elementos:


primeiro frisou a motivação da viagem como o elemento mais importante a qualquer
turista; e em segundo referindo-se aos peregrinos como turistas potenciais, ressaltou
que estes são possuidores de características únicas, o que faz que os autores os
desconsiderem enquanto demanda a ser trabalhada pelo turismo. Poder-se-ia
ampliar a discussão dos motivos porque esta demanda é desconsiderada pelos

18
O SISTUR ou Sistema de Turismo é um modelo empírico de análise da estrutura do turismo
proposto por Mário Carlos Beni a partir do universo da Administração. Baseia-se nos quatro
subsistemas chamados por ele de: cultural, ecológico, social e econômico tendo sido incorporado
pelo Turismo como um mecanismo de análise e interpretação, principalmente pelos profissionais que
vêem nele um instrumento eficaz para o planejamento e a implantação de projetos turísticos.
52

autores, fazendo-se a seguinte pergunta: quais seriam essas características únicas


indicadas por Beni que tanto distanciam os peregrinos do universo do turismo?
Continuando sua argumentação Beni (2000, p. 422) afirma que,

[...] em nosso entendimento, conforme já referido, esses peregrinos


assumem um comportamento de consumo turístico, pois utilizam
equipamentos e serviços com uma estrutura de gastos semelhantes à dos
turistas reais.

Perceba-se que o autor considera os peregrinos também enquanto turistas,


pelo fato de utilizarem-se das estruturas do turismo, enquanto isso, Carlos A. Steil
(2003a) afirma em contrário sobre a polêmica de existir dificuldades entre as
Congregações religiosas de assumirem a mesma terminologia dada pelos
profissionais que atuam com o turismo, indicando que entre os profissionais do
mercado e as prefeituras, desenvolveu-se a visão de que os eventos religiosos
podem transformar-se em turísticos, colaborando diretamente com economia local,
enquanto que aos religiosos “a retirada da centralidade e da profundidade do ato
religioso é nocivo frente às ações dispersivas e superficiais do turismo” (STEIL,
2003a, p. 36-7).

Ribeiro (2002, p. 4) indica o turismo religioso com a definição oficial dada pela
Conferência Mundial de Roma, realizada no ano de 1960, que percebe as
motivações relacionadas ao ambiente religioso. A autora amplia os locais e as
formas de ocorrência dessas práticas afirmando que,

[...] o turismo religioso é compreendido como uma organização que


movimenta inúmeros peregrinos em viagens pelos mistérios da fé ou da
devoção a algum santo. A sua prática efetiva realiza-se de diversas
maneiras: as peregrinações aos locais sagrados, as festas religiosas que
são celebradas periodicamente, os espetáculos e as representações teatrais
de cunho religioso, e os congressos, encontros e seminários, ligados à
evangelização.

Outro aspecto indicado no texto está na categorização usada pela autora: não
é utilizado o termo turista religioso, apenas usam-se fiéis, romeiros, peregrinos,
viajantes, caminhantes, etc., sem haver o uso explicito do termo turista ou seus
possíveis adjetivos e significados. Outro aspecto está no recorta-e-cola do texto, pois
a autora faz muitas afirmações sem preocupar-se em documentar as mesmas, como
é o caso da colocação sobre a criação da Pastoral do Turismo pela Igreja católica.
Noutro momento as explicações da autora para as modificações das dinâmicas
religiosas prendem-se as relações de trabalho apenas, onde o foco da análise se
53

concentra na ação dos fiéis, mais do que na força que induziu estas mudanças, ao
indicar que, os novos compromissos do trabalho faziam escassear o tempo
disponível para cumprir as longas rotas da fé (RIBEIRO, 2002).

Ribeiro indica que as manifestações de devoção tornavam-se cada vez mais


estáticas e restritas a determinados locais, previamente delimitados para essa
função, não importando as explicações relacionadas às imposições das
Congregações acontecidas através dos tempos (2002, p. 2). Da mesma forma as
explicações utilizadas por Ribeiro para justificar a compra de lembranças, não
indicam ocorrer à possível inclusão do souvenir turístico no ato religioso, pois,

[...] aqueles poucos que ainda participavam de peregrinações se


esforçavam para trazer do santuário uma relíquia ou lembrança, que
pudesse ser compartilhado com os que não foram. Esse objeto tornava-se
uma forma de manter os vínculos entre os participantes da romaria e
elemento de confraternização com os demais, transformando-se numa
espécie de elo para a celebração de rituais (2002, p. 2).

Porém, em continuidade na justificativa da construção dos novos valores nas


movimentações religiosas, a autora indica o lazer (em oposição ao trabalho), como
um elemento relacionado à fé para a ocorrência das atividades paralelas,
esquivando-se de aprofundar compreensões sobre os valores simbólicos que
possam reger a ambiente, pois, afirma que

na segunda metade do século XIX, as peregrinações refloresceram de


modo diferente, ainda que apresentando os mesmos elementos de suporte,
como os dogmas da religião católica e os valores bíblicos. Os romeiros
passaram a compartilhar não apenas a fé como também a intenção de
desfrutar momentos de lazer em conjunto, onde era rompido o cotidiano de
trabalho. A romaria passava a ser uma festa em si, para a qual o grupo
preparava-se não apenas espiritualmente como também para desfrutar de
um acontecimento social. Planejavam-se as datas ociosas, o transporte em
conjunto, as acomodações, a alimentação e as atividades paralelas ao ato
religioso (RIBEIRO, 2002, p. 2).

Fagundes (2004, p.14) em sua dissertação que analisa a presença da


comunidade nas discussões sobre sustentabilidade no Turismo Religioso em Nova
Trento - SC indica posição de pensamento semelhante quando se refere à presença
do lazer junto à religiosidade, afirmando que,

[...] atualmente, com cada vez mais pessoas residindo em cidades, as crises
financeiras, políticas, desemprego, redução de renda, acabam por
comprovar a necessidade de renovar mitos e ritos religiosos. Para este
momento de religiosidade e lazer, as pessoas acabam buscando um espaço
alternativo, longe de seu cotidiano, quebrando as barreiras de sua
consciência limitada aos hábitos cíclicos do dia a dia, constituindo-se assim
54

como um momento de fuga e re-ligação. É neste contexto que ganha força


a prática do turismo religioso.

Entende-se que ambos não percebem o momento festivo das atividades que
compõe o universo religioso conforme o fazem Durkheim (já indicado anteriormente)
ou Eliade, porque, ao não admitir a existência de um espaço religioso homogêneo,
renega a existência de valores contrários atuando de forma concomitante, talvez
porque mediada pela,

[...] experiência do espaço tal como é vivida pelo homem não-religioso, quer
dizer, por um homem que recusa a sacralidade do mundo, que assume
unicamente uma existência ‘profana’, purificada de toda pressuposição
religiosa (1992, p. 23).

Eliade afirma que visto que o “homem não-religioso reproduz ainda mais essa
visão quando interpreta as festas como sendo profanas ligadas aos mitos” (1992, p.
72), quando nelas percebe que “em muitos casos, realizam-se durante a festa os
mesmo atos dos intervalos não-festivos, mas o homem religioso crê que vive então
num outro tempo, que conseguiu reencontrar o primeiro tempo mítico” (1992, p. 72).
Neste aspecto Fernandes se concentrou em estudar romarias, acompanhando os
romeiros desde as etapas anteriores (preparação, concentração, caminhada e
chegada ao santuário), até o retorno às suas casas. O autor faz lembrar que, ao
serem organizadas às primeiras romarias episcopais à Aparecida, estas “tomaram o
trem Rio – São Paulo e levaram os fiéis a rezar por Nossa Senhora de Aparecida –
um em setembro e outro em dezembro de 1900” (1994, p. 106), sendo que este
modelo foi utilizado anualmente até 1930.

Este modelo é argumento por Ribeiro, bem como é a modificação indicada


por Fagundes, porém, não são considerados os mitos como a base de sustentação
das ações dos fiéis. Novamente Fernandes (1994, p. 157-158) ajuda a esclarecer os
valores que compõe o universo religioso dos fiéis do santuário de Aparecida:

[...] num clima carnavalesco, fomos penetrados pela atmosfera de realismo


fantástico que caracteriza os santuários brasileiros em dia de festa: a liturgia
dos padres em luto, a fila quilométrica da devoção ao santo, a visita mórbida
à sala dos milagres, as centenas de cruzes amontoadas [...]; cavaleiros,
motoqueiros, ciclistas em quantidade, a animação da praça, as lojas e as
barraquinhas repletas de souvenires de gesso e plástico coloridos; o
papagaio que lê a sorte, índio que vende ervas curativas, o parque de
diversões, o bondinho aéreo que leva ao alto do cruzeiro, a mulher que vira
macaco, o bêbado cético [...]. A paquera, muita comida, muita bebida, gente
vestida em roupa de domingo a passear em meio a outro tanto de gente
maltrapilha, dormindo pelos cantos da calçada. Sagrado e profano, ambos
em estado de graça.
55

O autor conclui que “esta conjunção de tempos conceituais, que são


insistentemente separados nos livros escolares, cria sérias dificuldades de
comunicação entre os diferentes atores, incluindo o pesquisador” (FERNANDES,
1994, p. 158). O mesmo autor ainda indica os vínculos que compõe o ambiente da
relação desses tempos conceituais como sendo: a dependência - os romeiros
cultuam os santos em troca de proteção; territorial - toda sorte de objetos e assuntos
são trazidos aos pés do santo para a benção; a inclusão - as promessas, romarias e
santos são múltiplos à disposição dos fiéis (FERNANDES, 1994, p. 158), vínculos
que não são percebidos, ou valorizados nas percepções dos autores do turismo.
Assim, entende-se que os autores (neste caso Ribeiro (2002) e Fagundes (2004)),
quando interpretam as ações dos peregrinos, entendem não haver possibilidade de
encontrar-se nenhuma outra atividade fora daquelas relacionadas à manutenção da
fé, pois caso isso ocorra, estes visitantes deixariam de ser fiéis, quando então,
podem ser considerados como componentes de outros universos, como o do
mercado turístico, ou do lazer, por exemplo, e a partir daí, os fiéis estariam
predispostos somente as ações destes.

Wernet (1999, p. 84) estudou as transformações ocorridas no Santuário de


Aparecida, a partir de uma visão tradicional, entendendo por peregrinação,

[...] um itinerário ou caminho difícil a um lugar sagrado que seja símbolo e


manifestação do sagrado. Tal peregrinação exige penitência, testemunho
público de fé e ação de graças por se ter chegado ao lugar sagrado e
alcançado alguma graça.

Afirma isso porque quando as romarias passaram a ser organizadas pela


Igreja, vão transformar-se radicalmente. Citando documentos oficiais consultados
Wernet indicou que, quando da chegada dos padres Redentoristas em 1894 (da
Congregação do Santíssimo Redentor da Baviera), estes encontraram o Santuário
“em situação deplorável”, pois “milhares de peregrinos acorriam ao Santuário sem
receber uma palavra orientadora, permanecendo num nível de religiosidade externa
de promessas e de gestos penitenciais sem crescer na fé e na vida cristã” (1999, p.
84-85), isto é, “a ação pastoral quase nula, não se pregava, não havia catequese,
[...]” (1999, p. 84-85). Continuando o autor indicou que havia nestas peregrinações
pouca ou nenhuma presença da Igreja, seja na organização e promoção das
romarias, seja no caminho do Santuário, predominando “a peregrinação do povo,
praxe comum de sua religiosidade tradicional: uma caminhada difícil e penosa ao
56

lugar sagrado [...]” (1999, p. 84-85).

Objetivando-se mudar aquela realidade iniciaram-se assim as romarias


oficiais, conduzidas e dirigidas pelos padres redentoristas. Passou-se a observar um
rigoroso cerimonial para a chegada e à despedida do Santuário, neste, “havia
horário previsto para as pregações, as confissões, as missas e comunhões, e, à
tarde, antes da despedida, os peregrinos faziam a procissão [...]” (WERNET, 1999,
p. 86). O mesmo autor (1999, p. 87) também indicou que,

[...] estas romarias faziam parte do processo de moralização e


racionalização dos costumes e das devoções do catolicismo tradicional. [...].
Obviamente os peregrinos continuavam a vir a Aparecida, individualmente e
em grupos, a pé, a cavalo, e até de trem sem fazerem parte de uma romaria
programada.

Segundo Wernet a partir do Concílio Vaticano II19 o apoio dado pelos padres
às romarias praticamente cessou visto que essas foram consideradas
“manifestações espúrias da religiosidade popular” (1999, p. 88), mesmo que o povo
não tenha dado ouvidos a essas discussões teóricas, continuando a ir à Aparecida.
Naquele momento (década de 1960), oficialmente, a igreja abandona as práticas
que estejam além dos muros dos santuários, permitindo mais liberdades para
aquelas pessoas que passam a organizar os grupos e que, pelo abandono da
organização da igreja, assumem esta função as ‘empresas turísticas’, (empresas de
ônibus, algumas paróquias e as pessoas em geral), as quais passam a organizar
uma “excursão sobretudo visava lucro” (1999, p. 88). Entende-se que o autor
generaliza por demais as práticas das excursões, visto que, quando coloca todas na
condição de serem resultantes de estratégias mercantilistas, não havendo mais
nenhuma excursão motivada pela fé e pela religiosidade. Também, considerando
essa condição reducionista baseada no mercatilismo como verdadeira para
Aparecida, não se pode generalizar, como referência de argumentos, essa condição
do transporte para todos os ambientes da religiosidade católica popular indicada por
Wernet.

Após esse momento de dominação sobre as dinâmicas religiosas populares


pela Igreja, mais uma vez vão ocorrer mudanças estruturais nas práticas dos padres

19
O Concílio Vaticano II foi um evento que objetivou profundas transformações nas dinâmicas dos
deslocamentos religiosos quando por força de obediência a Roma, as coordenações assumem um
discurso moderno das ciências sociais, onde a ação humana fundamenta e instaura o sagrado nos
santuários, tornando-se, portanto uma instituição humana e não divina (STEIL, 1996, p. 37).
57

Redentoristas, quando introduzem a Pastoral do Santuário, subdivididas em ações


identificadas pelo Wernet (1999) em três momentos: a) não se devem destruir as
formas devocionais populares; b) os sacramentos foram introduzidos na
peregrinação, fato anteriormente pouco trabalhado; c) deve-se aproveitar a presença
dos romeiros nos santuários para a sua evangelização. Após essas considerações o
autor apresenta suas opiniões sobre as transformações nos espaços das
peregrinações a Aparecida:

[...] na pastoral do santuário procura-se sustentar e salvar o sentido


tradicional da peregrinação e exercer uma pastoral moderna, opondo-se em
parte, as tendências secularizadoras das quais se apresenta como uma das
suas manifestações o ‘turismo religioso’ (1999, p. 89).

Complementando suas percepções Wernet (1999, p. 89) ainda afirma que,

[...] percebe-se um processo global que vai da romaria programada em


direção a uma prática que facilmente se confunde com excursões religioso-
turísticas ocorrendo também um esvaziamento da dimensão simbólica. A
peregrinação religiosa se transformou em turismo religioso, salvo a ação
pastoral no próprio santuário.

Tal situação, identificada pelo autor, é entendida em parte como verdadeira.


Porém, carece de aprofundamento visto que não é resultado de pesquisa efetiva
com o universo dos fiéis de Aparecida, uma vez que se percebe certa
superficialidade ou parcialidade na escolha dos elementos usados para a
argumentação da diminuição da fé, quando, somente são analisadas as ações das
Congregações, ficando alijadas as percepções a partir dos fiéis. Para colaborar
melhor com a compreensão dos diferentes elementos que compõe e incidem sobre o
universo dos visitantes que circulam o ambiente da religiosidade católica popular, e
para que se possam definir mais e melhor todos estes possíveis valores simbólicos
presentes e interferentes utilizo uma afirmação de Chauí (1986, p. 128) quando
apresenta a religiosidade popular, como um conjunto de informações que deveria
ser de domínio por parte dos autores do turismo, uma vez que,

[...] o catolicismo devocional é montado sobre rezas, bênçãos, curas,


promessas, todas elas fundadas na crença do milagre. Este se refere às
doenças [...], a busca de proteção (para a colheita, o gado, a saúde, contra
desastres naturais, para encontrar objetos perdidos) e à reparação de
injustiças cometidas contra os fracos. O milagre depende, sem dúvida, da
vontade de Deus, da intervenção dos santos, da fé de quem o pede, do
valor da promessa feita como retribuição da graça à recebida.
58

Lima (2002, p. 3) analisando os aspectos valorizados pela mídia (jornais e


TVs) que cobriram recente festa do padre Cícero20 indicou várias redes nacionais da
mídia que descrevem elementos da religiosidade popular na composição da festa,
enfatizando o aspecto do sacrifício associado à alegria do pagamento de
promessas, o tocar a estátua, etc. afirma que,

[...] as romarias do padre Cícero sempre são notícias nos principais jornais
do Estado, como fonte de renda e atividade econômica da cidade de
Juazeiro. O destaque, às vezes, não está no caráter religioso da festa, mas
o grande evento comercial que a festa adquiriu atualmente. A festa passa a
ter um caráter mais de valor conteudístico, preenchendo espaços na
programação das emissoras de rádio ou TV, bem como motivando
reportagens e coberturas especiais nos jornais diários ou revistas semanais
(MELLO apud LIMA, 2002, p. 3).

Para Lima (2002, p. 8) os elementos identificados pela mídia que cobre esse
evento religioso,

[...] retratam de maneira superficial e rápida a manifestação popular.


Portanto, o conteúdo cultural da festa, muitas vezes, não é destacado, mais
sim, o movimento comercial, turístico ou trágico – caso aconteça algum
acidente. Os meios de comunicação seja rádio, TVs ou jornais estarão
voltados ao imediatismo da notícia e a cobertura voltada à indústria cultural
ou comercial,

Este fato leva a percepção da inexistência de elementos da fé nessas


atividades, visto serem interpretadas pelos profissionais da mídia, como profanas
apenas. Steil interpretando as romarias no santuário de Bom Jesus da Lapa21 na
Bahia, explica em parte como se dá esse processo afirmando que “devido ao seu
status ‘intersticial’, dentro e fora do tempo ‘universal’ e ‘local’, a romaria pode
conciliar uma dupla ética transacional, onde o santo e o mercado se sobrepõem
como mediadores de bens espirituais e materiais” (1996, p. 83). Para o autor ocorre
uma troca de papéis quando o romeiro entende que “pode alcançar favores
materiais por intermédio das orações e penitência, também se pode alcançar favores
graças sobrenaturais, através de doações em dinheiro”.

20
Para um maior aprofundamento sobre a história do Padre Cícero Romão Batista leia-se o livro de
Ralph Della Cava ‘Milagre em Joaseiro’, editora Paz e Terra, 1976 (Coleção Estudos Brasileiros,
volume 13). Nele são apresentados todos os elementos sobre a formação da vida sacerdotal, bem
como as diferentes etapas desde a ocorrência do milagre até sua expulsão da Congregação, sendo
que alguns destes detalhes compõe ainda hoje, um conjunto de valores em disputa constante entre e
Igreja e a população.
21
Bom Jesus da Lapa, no interior da Bahia, estabeleceu-se no século XVIII, pois em 1728 o local já
era descrito com o santuário, sendo que o povoamento da região ocorreu após 1663. Está situado no
médio vale do rio São Francisco a 900 km de Salvador. O livro que trata deste tema intitula-se O
Sertão das romarias: um estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da Lapa – Bahia.
Petrópolis: Vozes, 1996.
59

Noutro trabalho mais recente, Steil (2003c, p. 256), recuperou suas pesquisas
anteriores realizadas para sua tese de doutoramento sobre o santuário de Bom
Jesus da Lapa na Bahia (editadas em 1996), refazendo seus olhares sobre as
transformações por que vem passando o local, face às mudanças de significados
atribuídos pela Igreja Católica. Afirma que,

[...] em relação ao clero, registramos uma tentativa de reformulação do culto


através da integração dos romeiros numa sociabilidade turística. No
pequeno livro, escrito em 1969 e reeditado em 1988 pelos dirigentes do
santuário, intitulado Guia dos Romeiros e Turistas de Bom Jesus da Lapa.
Histórico e Curiosidades do Santuário e da Cidade (grifo meu), podemos ver
que as categorias de romeiros e turistas não são apenas contrapostas, mas
a segunda é sobreposta à primeira. Vemos, assim, uma tentativa de
absorver o sentido e o ideário peregrínico numa estrutura de significados e
categorias lingüísticas que remetem ao campo turístico, que é levada a cabo
pelos próprios dirigentes do santuário.

Isso pode justificar as explicações sobre os interesses dos visitantes de


Aparecida, SP, indicados tanto por Wernet (1999) quanto por Moraes22 (2000) como
sendo exteriores a um ambiente da fé. Porém, entende-se que tais percepções têm
gerado falsas proposições dos autores sobre a estruturação dos elementos do
turismo junto aos visitantes nos santuários, pois entendem eles que, o consumo das
estruturas e serviços oferecidos aos fiéis, segue as linhas gerais dos consumidores
do lazer turístico tradicional, e tem conduzido às atividades desenvolvidas pelos
visitantes. Este consumo de lazer estaria colocado nas linhas gerais do
planejamento turístico onde as pessoas que se movimentam, o fazem inicialmente,
porque são possuidoras de um determinado tempo livre e usam este tempo para
desenvolverem diferentes formas de atividades de lazer, entre as quais a visitação
aos locais sagrados.

No entanto, nenhum dos autores citados (STEIL (2003C); MORAES (2000);


ou WERNET (1999), por exemplo), desenvolveram pesquisas que permitissem
confirmar essas hipóteses, pois, como já foi dito anteriormente, se percebe a
utilização de percepções parciais (isto é, desenvolvidas sobre observações
relacionadas a apenas um local (cidade ou santuário), ou acontecimento (festa,

22
Mestre em Ciências - Turismo e Lazer, pela ECA/USP, licenciada em História - Unicamp e bacharel
em Turismo pela PUC Campinas. Professora da UNIBERO. Observe-se nas Referências à indicação
de dois textos desta autora, que apesar de, terem sido publicados em épocas diferentes (2000 e
2003), foram considerados com o mesmo conteúdo. Os artigos são análises resultantes de uma
pesquisa realizada pelos acadêmicos de Turismo da UNIBERO no ano de 1999. Os mesmos
resultados da pesquisa transformaram-se em dados estatísticos descritos e analisados por T.
Femenick (ver Referências).
60

romaria), pelos autores, relacionadas mais às Congregações que aos fiéis e suas
motivações. De encontro a essa percepção tem-se Costalonga (2003) que analisou
a presença e a movimentação de fiéis no santuário da Penha23 na cidade de Vila
Velha no Espírito Santo, existente há mais de 400 anos. Para a autora, encontram-
se muitos elementos da religiosidade popular relacionando as atividades que
ocorrem no santuário, bem como, noutros momentos isso não ocorre. Segundo a
autora, pelo fato que essas atividades estão relacionadas ao poder público (como é
o caso da transformação da área histórica da cidade em um ponto turístico para a
geração de renda para a população), o que tem levado muitos visitantes àquele
local. De um lado a autora utilizou-se do termo turismo religioso em poucos
momentos do trabalho, quando afirmou que

[...] a permanente presença de turistas oriundos de diversas regiões do


estado do espírito Santo, somado, ao fluxo constante de turistas nacionais e
internacionais, dão sustentação ao simbolismo religioso das celebrações
iniciadas diariamente às 5 horas da manhã [...] (COSTALONGA, 2003, p.
166).

Noutro momento do trabalho Costalonga (2003, p. 160) afirma que “a


mobilização de multidões de devotos e peregrinos sustentam a evolução do mito
religioso através dos rituais da igreja”, indicando que estes são responsáveis pela
transformação do Convento da Penha no ponto turístico mais significante do estado
do Espírito Santo. Entende-se que os termos fiéis e peregrinos ficariam mais bem
colocados para a explicação de presença tão grande de pessoas, uma vez que,
certamente, a sustentação religiosa do santuário da Penha não é realizada por
turistas, mas sim por fiéis, mesmo diante dos investimentos do poder público.

Também indica que essas celebrações religiosas “que envolvem o turismo na


região” (COSTALONGA, 2003, p. 160, estão diretamente relacionadas “ao tempo
livre destinado aos ritos e celebrações” (COSTALONGA, 2003, p. 160). Nestas duas
afirmações, percebe-se uma grande facilidade de interação de Costalonga no uso
dos dois termos (fiéis e turistas) e suas adjetivações (devotos, turismo, tempo livre,
ponto turístico) na colaboração da grandiosidade das movimentações de pessoas no
23
Localizado no alto de um penhasco que domina toda a baia o atual santuário da Penha tem seu
primeiro registro no ano de 1558 quando chegou a Vila Velha o frei espanhol Pedro Palácios. Este
trouxe um painel com a imagem de Nossa Senhora das Alegrias, o qual desapareceu por duas vezes
surgindo no alto do penhasco. No local foi construída uma capelinha. Nossa Senhora das Alegrias
deu lugar a Nossa Senhora da Penha padroeira do Espírito Santo, a qual chegou ao estado em 1569.
O convento foi concluído em 1670 com um caminho de 1200 metros de comprimento, 116 degraus e
uma altura de 154 metros. (in: Jornal do Brasil Caderno Roteiros da Fé. 11.09.2000, p. 70-1).
61

santuário da Penha. Também é possível perceber o entendimento de que a relação


da existência de um tempo livre (apoiada pela presença de atividades relacionadas
ao poder público) com as celebrações religiosas é que dá as condições à presença
maciça de pessoas no local. Talvez, a partir desse exemplo de análise desenvolvida
pela autora, pudéssemos generalizar neste e noutros casos, sobre quanto cada
autor aprofunda as diferentes categorias que utiliza, e, como se dão as duas
grandes formas de atração (se o lazer e o sagrado) para, após isso, descrevermos
todos os elementos que as compõe, visto que estes podem facilmente pertencer as
duas ou mais categorias de interpretação, as quais, não são de conhecimento dos
autores do turismo, visto não aprofundarem-nas. Steil (1998, p. 2) já percebeu essa
condição quando afirmou que,

[...] turismo e peregrinação são tomados não apenas como experiências


históricas de múltiplas formas de deslocamento espacial, mas, sobretudo
como categorias explicativas e de compreensão da realidade que
condensam estruturas de significados que estão sendo atualizadas e
reavaliadas na prática social.

Portanto para Steil (1998, p. 4) surge uma nova

[...] categoria de peregrinos-turistas, ou de turistas religiosos, que se


diferenciam dos peregrinos tradicionais não apenas pelo conjunto de
motivações que os incitam a deslocar-se para os locais de peregrinação,
mas, sobretudo pelas estruturas de significados dentro das quais inserem
sua experiência, pois acreditamos que, se o objetivo declarado da viagem já
não constitui um elemento importante de classificação para distinguir
peregrinos de turistas, devemos buscar nas estruturas de significados, a
que cada um está referido e aciona ao participar do evento, o critério
possível de classificação.

Para Steil (1998, p. 4) essa nova conformação

[...] da peregrinação ao turismo atualiza um modelo de religião que está


centrado na afirmação do indivíduo e na produção de diferenças,
acionando, assim, no campo religioso, - a mesma lógica do distanciamento
e da identidade que encontramos noutros domínios da vida moderna -, e
24
que se contrapõe à lógica da communitas , que opera no sentido da fusão

24
O termo communitas foi desenvolvido por Victor Turner em 1969, e significa basicamente a criação
de um grupo de pessoas que o fazem sem necessariamente haver uma relação tradicional de
agregação de grupo social, quando negam as classes sociais e rejeitam as ordens sociais existentes.
A base de Turner foi o sociólogo Arnold Van Gennep com a teoria dos Ritos de Passagem em (apud
SEGALEN, 2002, p. 48). Alphonse Dupront aprofunda a noção de communitas ideológica de Turner.
Para Dupront (apud NASCIMENTO), a peregrinação forma-se por “um grupo humano dotado de uma
irresistível pulsão comum, movido por uma força que o ultrapassa à procura de sua própria
sacralização” (1987, p. 406). Ele pensa na formação de uma sociedade peregrina que, para além das
fronteiras de sexo, idade, hierarquia, busca uma aproximação com os poderes sobrenaturais do
sagrado. O autor enfatiza a idéia de uma experiência, acima de tudo, religiosa que, percorrendo um
espaço até o lugar sagrado, permite fazer uma transformação misteriosa e espiritual, “Transmutação
do homem. Transmutação do espaço” (idem, p. 375).
62

dos peregrinos numa totalidade idílica.

Nascimento reforça a lógica da communitas em sua análise sobre o santuário


de Trindade em Goiás, afirmando que “não são excludentes, mas constituem os
pólos de tensão entre duas estruturas de significados que nos remetem para as
múltiplas possibilidades de arranjos sincréticos entre tradição e modernidade” (2002,
p. 4). Chauí emprega o adjetivo ambíguo para explicar essa situação do universo da
religiosidade católica popular, isso porque “este é encarado ora como ignorância, ora
como saber autêntico; ora como atraso, ora como fonte de emancipação” (1986, p.
124), indicando que “talvez seja mais interessante considerá-lo ambíguo, tecido de
ignorância e de saber, de atraso e de desejo de emancipação, capaz de
conformismo ao resistir, capaz de resistência ao se conformar” (1986, p. 124).

Para Moraes o turismo religioso é resultante do “deslocamento humano que


vem ocorrendo a milhares de anos em diversos povos” (2000, p. 1). Perceba-se que
assim construída a afirmação da autora se correlaciona com a motivação, quase que
de forma automática, levando o leitor a interligar o turismo religioso, com o
deslocamento ocorrido nos últimos milhares de anos. Para a autora, “o turista
religioso, por sua vez, não viaja apenas pela fé ou por obrigação religiosa, visita
lugares sagrados para determinadas religiões e neles também pede graças ou
agradece” (2000, p. 2). Moraes admite que o conceito de prazer esteja então
“relacionado às sensações agradáveis. Para o peregrino a busca da satisfação e do
conforto espiritual está muitas vezes associada ao sofrimento e, para o turista
religioso não” (2000, p. 2), pois, este não procura sofrimento, ele que ir ao local
sagrado com as facilidades que o turismo e a tecnologia que a sociedade
contemporânea pode lhe oferecer, face que o local tem servido para atividades que
atraem milhares de turistas e estes ‘atravessam’ o ambiente religioso.

De outro lado Giovannini Junior ao analisar a tradicional celebração religiosa


que se realiza em Tiradentes – MG, há mais de 200 anos questiona sobre “a
possibilidade de colocar em um mesmo plano de sacralização experiências de
ordem religiosa, mística e experiências secularizadas” (2000, p. 2). Para o autor
parece “incompatível comparar a experiência que um torcedor de futebol vivência
com a experiência de um fiel carismático, assim como afirmar que um ateu tem uma
vivência do sagrado só porque visita uma igreja histórica” (2000, p. 2). O Autor
descreve que a celebração vem sofrendo continuamente influência negativa por
63

parte dos visitantes e turistas que a vivenciam. Afirma querer chamar a atenção,

[...] para a necessidade de se interpretar melhor os ambientes em que os


‘homens de fora’ circulam. No que se refere ao patrimônio cultural e ao
turismo, é necessário uma interpretação e uma educação adequada para
que o comportamento das pessoas não destoe de maneira agressiva do
ambiente cultural e físico para onde se dirigem (2000, p. 4).

Giovannini Junior afirma que, se turismo e peregrinação se aproximam na


forma como buscam garantir uma eficácia simbólica dando sentido ao mundo,
através do rito liminar da viagem, por outro, este momento liminar guarda diferenças
quanto às estruturas de significado que estão sendo ativadas bem como suas
combinações(2000, p. 4). Isso ocorre, segundo o autor, porque as “manifestações de
tal complexidade merecem atenção minuciosa e prudente, para que não se formule
conclusões apressadas e generalizantes. É fundamental trabalhar no sentido de
levantar dados empíricos sobre os locais destas práticas” (2000, p. 4).

Para Giovannini Junior, (2000b, p. 4)

[...] a infra-estrutura ou os equipamentos, para usar um chavão da área


turística, que envolvem, certamente guardam também um caráter
alternativo: transporte individual, vans, kombis e ônibus fretados
exclusivamente para este fim: dormitórios, às vezes organizados pela
instituição ou por pessoas do entorno assim como a alimentação e barracas
de souvenir, ervas, livros montados só para atender a ocasião. Enfim, toda
uma rede variável de sociabilidade, comércio e estrutura incomum,
alternativa e subterrânea que envolve uma gama enorme de pessoas,
muitas delas vivendo à margem da sociedade, da indústria do turismo, das
grandes instituições e bem longe, certamente dos olhares de economistas e
pesquisadores pouco habituados a circularem no meio do povo como
pessoas presentes na sociedade onde vivem.

Giovannini Junior (2000, p. 4) entende que

[...] se é o silêncio e o mistério que por um lado trazem esse sentido do


sagrado e por outro estabelece regras de comportamento, a presença ‘mal
programada’ de pessoas de fora, em massa, pode afetar drasticamente
aquilo que sustenta a manifestação religiosa, o sentido do sagrado e
também referências importantes a códigos de comportamento.

Isso vai de encontro à análise relacionada ao ambiente da festa de Padre


Cícero, feita por Lima (2002, p. 8) citado anteriormente, o qual indicou que, mais do
que a festa em si, de caráter comemorativo, se pode observar a excessiva
religiosidade do povo nordestino que se

[...] manifesta através do imaginário popular, dos processos


comunicacionais que estão inseridos nas festas, através dos significados e
símbolos que representam, na tentativa de uma hegemonia cultural; os
espaços sociais que revelam as formas de relações sociais, como por
64

exemplo, a integração, às vezes, não muito cordial, de pessoas de classes


econômicas distintas e também uma questão industrial no qual a mídia e
outras instituições comerciais transformam as festas em espetáculos
grandiosos e massificados.

Em direção a esse pensamento, Augé diz que talvez a solidão gerada pelo
individualismo contemporâneo permitisse a que a vida se tornasse uma viagem e o
indivíduo um espectador, assim, o indivíduo se livraria do peso de ter que ser um
personagem, um ator, um sujeito, para assumir a liberdade de ser apenas um
viajante, alguém que está de passagem pela vida (apud IENO NETO, 2005, p. 12-
14). Para o autor, a pluralidade de lugares, o excesso que isso impõe ao olhar (como
ver tudo?) e à descrição (como dizer tudo?), produz a "expatriação" (o que é que vim
fazer aqui?). Esse fato cria no sujeito o sentimento de não ver no espaço da
paisagem que ele percorre ou contempla um lugar, nem de se sentir plenamente
nele. Ele está de passagem, é um viajante (apud IENO NETO, 2005, p. 12-14).

Com relação à afirmação anterior de Giovannini Junior, que relaciona


negativamente elementos de sociabilidade do turismo para a religiosidade, Steil
(1998, p. 2) refere como a peregrinação no presente, na sua forma tradicional, é uma
crítica à sociabilidade do cotidiano e à vida moderna, que se organiza a partir da
divisão social do trabalho e da produção de múltiplos status sociais. Em
contrapartida, o turismo se caracteriza pela construção de diferenciações sociais a
partir de valores como o bom comportamento, a higiene, os usos corretos das
etiquetas, as condições materiais etc. (STEIL, 1998). Talvez isso justifique a
oposição que se processa nos universos em questão, quando a sociabilidade se
expressa por formas e conteúdos diferenciados, os quais não são percebidos pelos
autores do turismo, como estes descritos por Biderman (2004, p. 2) entende que

[...] além do aprimoramento pessoal e do efeito transformador a viagem


espiritual tem um aspecto de confirmação. No caso do peregrino religioso,
ajuda a revigorar a fé que professa. Quando não é um fiel, o viajante vai em
busca de uma identidade que não sabe muito bem qual é [...] a sociedade
de hoje, por desfazer as tradições que vinculavam as pessoas, deixou-as
‘desencaixadas’. Isso produziu uma camada de ' buscadores' atrás do
conhecimento de si próprios e de outros sistemas de pensamento como
alternativa aos valores liquefeitos da modernidade.

Entende-se que esses valores que compunham as tradições talvez estejam


sendo procurados no turismo, visto que usa de estratégias que levem as pessoas a
‘encontrarem-se’ nestas estratégias de marketing, como aquelas relacionadas à
sacralização do turismo descritas por Auon e indicadas nas páginas desta Tese.
65

Steil (1996) percebeu um aspecto que parece ser inerente aos espaços dos
santuários brasileiros. Isto é,

[...] manifesta-se aí, na variedade de discursos, muitas vezes contraditórios


e competitivos, anunciados por romeiros, moradores, dirigentes, uma
grande ‘polifonia’, onde não apenas as visões e ritos de cada uma destas
categorias, mas também os mútuos ‘desentendimentos’ entre elas e as
formas como cada um interpreta as ações e os motivos das outras, fazem
parte do culto (1996, p. 58).

Pode-se perceber claramente nesta afirmação que o autor captou a miríade


de discursos colocados lado a lado no santuário, cada um deles servindo a um
determinado grupo, não necessariamente de fiéis, e que poderiam responder às
colocações de Biderman (2004) quanto à busca de identidades, acompanhadas por
Fernandes e percebidas por Steil (1996).

Nascimento (1999, p. 2) tem como pressuposto que “a romaria não deve ser
considerada uma ‘sobrevivência’ do catolicismo tradicional ou ‘rústico’”, pois entende
que não se observa, principalmente no Brasil, uma diminuição ou decadência destas
festas e romarias populares. Pelo contrário, naquelas que acontecem em santuários
e centros de devoção - Trindade (GO), Aparecida do Norte (SP), Nossa Senhora da
Penha (RJ), Pirapora do Bom Jesus (SP), Senhor do Bomfim (BA), o que se percebe
é uma gigantesca congregação de fiéis. Para Nascimento25 (2002, p. 2) que
aprofundou analises sobre as romarias em Trindade (GO), é neste ambiente que

[...] se cria uma rede de sociabilidade que redimensiona as relações


familiares e de vizinhança. Por um lado, nos pousos, a família se une num
mesmo espaço, na barraca, para passar a noite ao final de cada dia da
viagem. Cada família - que abriga uma família extensa, composta de uma
ou várias famílias nucleares - dorme e come junto na mesma barraca. É
uma situação peculiar em relação ao cotidiano, em que cada família nuclear
possui a sua própria casa e, muitas vezes, a sua propriedade. Na romaria,
as relações familiares intensificam-se e a convivência nas barracas permite
uma aproximação espacial entre avós, pais, tios, filhos, primos, netos.

Em contrário, Moraes (2000, p. 2) parece não valorizar a compreensão de


profundidade, quando entende que não existe mais somente o peregrino de outrora,
pois, outros tipos de viajantes apareceram como conseqüência do cotidiano das
cidades, das necessidades impostas pela sociedade moderna que alteraram a
religiosidade das pessoas e as suas peregrinações. A seguir descreve as variações
de interesses encontrados nas peregrinações, coloca que o bem estar corpóreo

25
O santuário localiza-se na cidade de Trindade em Goiás, atraindo um público regional estimado em
duzentas a 300 mil pessoas para a sua festa, que pode atingir visitantes vindos de Goiânia e Brasília.
66

supera os motivos espirituais “[...], sendo os problemas da alma colocados em


segundo lugar” (2000, p. 5). Indica que cada vez menos o espírito religioso se faz
presente nos ambientes das viagens, afirmando que

[...] podemos apontar que, a maior parte dos entrevistados [...], estava ali
mais por passeio ou curiosidade e os outros, que vieram como peregrinos
voluntários, não o fizeram por motivos ligados ao mundo espiritual, mas em
busca de cura para doenças (2000, p. 5).

Continuando a análise das argumentações da autora, percebe-se uma gama


de possibilidades para interpretar os significados da afirmação sobre o mundo
espiritual. Analisando a posição dos autores como Moraes (2000), Costalonga
(2003) e Wernet (1999), estes se concentram em perceber nas ações simbólicas dos
fiéis, apenas as preocupações com o corpo físico. Utilizando novamente das
afirmações de Chauí de que é “mania desses intelectuais imputar aos explorados
uma alienação que é sua, como, por exemplo, quando falam numa cultura da
pobreza dotada de estoque simbólico restrito, decorrente [...] de experiência de vida
muito simples” (1982, p. 67), entendo que a alienação que ocorre nas percepções
dos intelectuais sobre o universo da cultura popular, passa a generalizar também o
universo dos autores do turismo. Também para Chauí “atribuir às [...] ordens
inferiores pobreza cultural serve, no mínimo, para avaliarmos a miséria dos
intelectuais” (1982, p. 67), sendo que essa percepção limitada se projeta sobre os
momentos festivos do ambiente religioso dos autores do turismo. Também a partir
de Durkheim tenta-se buscar outra explicação para essas percepções dos autores,
quando afirma (1996, p. 325), que em todas as sociedades humanas “ocorre uma
pausa, uma interdição dos atos característicos da vida cotidiana, da ‘existência
vulgar’, quando da realização dos momentos religiosos”. Ao autor (1996, p. 325),

[...] esse repouso não é simplesmente uma espécie de folga temporária que
os homens teriam se concedido para entregarem mais livremente seus
sentimentos de alegria que os feriados geralmente despertam, pois há
festas tristes, consagradas ao luto e a penitência, durante as quais ele não
é menos obrigatório.

Baseando-se nesta afirmação se entende que, qualquer momento fora do


processo religioso per se, são vistos como diversão ou profanas, pois, “é um fato
conhecido que os jogos e as principais formas de arte parecem ter nascido da
religião e que conservaram durante muito tempo um caráter religioso” (DURKHEIM,
1996, p. 415) e que, apesar do culto remeter outra direção, acaba sendo também
67

interpretado apenas como uma forma de recreação dissociada do religioso. Nesse


sentido algumas obras publicadas recentemente, como os artigos de Steil (2003a) e
(2002)26, bem como o texto de Álvaro Banducci27 relacionados principalmente a
Antropologia, fogem às formas convencionais observadas em autores do turismo,
isto porque esses dois autores entendem que a interação entre diferentes universos,
é repleto de significações construídas por grupos sociais, sendo, necessário
compreender o processo sociológico determinante28 que rege e as representações
simbólicas e as práticas religiosas dos fiéis. Banducci (2001, p.23) argumenta que,

[...] os teóricos do turismo, principalmente aqueles das ciências sociais,


concordam com um aspecto: o turismo é um fenômeno extremamente
complexo, mutável, que opera de múltiplas formas e nas mais diversas
circunstâncias sendo difícil apreendê-lo, em sua totalidade, por meio de uma
única perspectiva teórica ou mesmo de uma única ciência.

Indicando a construção teórica de Jafar Jafari (baseada em quatro diferentes


abordagens das ciências sociais sobre turismo: plataformas de defesa, de
advertência, de adaptação e a do conhecimento), Banducci indicou que enquanto se
preocupam em apontar os efeitos, quase sempre desastrosos, da implantação do
turismo em diferentes comunidades,

[...] esses estudos têm deixado de abordar o fenômeno em toda a sua


complexidade, verificando, o modo como a população envolvida tem sido
influenciada por outras instâncias do mundo globalizado e mesmo como têm
pensado esse processo e elaborado as respostas ás suas investidas (2001,
p.38).

Assunto bastante polêmico essa diversidade de percepções também ocorre


entre autores do turismo bem como nos autores que analisam os grupos de pessoas
que se denominam de peregrinos e sua fé.

26
Trata se do texto “O turismo como objeto de estudos no campo das ciências sociais” publicado em
2002 no livro RIEDL, M; ALMEIDA J.A; VIANA A.L.B. Turismo rural: tendências e sustentabilidade.
Santa Cruz do Sul: EDUNISC. No texto o autor descreve o papel da Sociologia e da Antropologia na
compreensão do turismo enquanto fato social, onde o turista aparece com suas singularidades, em
oposição as formas tradicionais de interpretação dos significados do turismo.
27
A obra intitula-se BANDUCCI JR. A; BARRETTO M. Turismo e Identidade local: uma visão
antropológica. Campinas: Papirus, 2001. Banducci é Doutor em Antropologia Social, professor e
pesquisador em Ciências Sociais. No texto o autor aprofunda a discussão sobre os poucos trabalhos
que produzem conhecimento, enquanto a maior parte deles apenas descreve os efeitos do turismo
sobre as comunidades hospedeiras.
28
Entende-se que, caso não se aprofunde os significados sociológicos determinantes que influenciam
e compõe o universo do catolicismo popular, se estará realizando uma descrição superficial de um
fato ou acontecimento em si, como o fazem os estudiosos tradicionais do turismo, sem haver uma
explicação completa sobre o mesmo, não o relacionando às estruturas sociais que o geraram e que o
perpetuam num determinado grupo social.
68

Neste segundo grupo temos Christian Dennys Monteiro de Oliveira que


analisou o Centro de Apoio ao Romeiro (CAR), no Santuário de Aparecida,
composto por “[...] um local para grandes romarias, áreas de lazer e de alimentação
e amplos estacionamentos, com 720 lojas onde se pretendem ofertar principalmente
artigos religiosos para que o romeiro possa estruturar seu tempo de forma alegre e
descontraída”. Sobre as instalações físicas do local Oliveira (1999, p. 96) pergunta
se não são as “preocupações sociais no mínimo revolucionárias para quem está
estritamente preocupado com a especificidade do serviço religioso” (1999, p. 96),
pois, a primeira vista se percebe uma estrutura comercial imensa, com muitas lojas à
venda de artigos religiosos, o que pode parecer que os administradores estão muito
mais preocupados em comercializar mercadorias do que preservar e disseminar a fé.
Oliveira (1999, p. 100) identifica que, com as mudanças da instalação do CAR
haveria a criação de dois novos percursos para os visitantes: um com o objetivo de
cumprir suas obrigações religiosas, e que depois seguirá para um espaço profano,
que foi “organizado para atender às suas necessidades de lazer, alimentação,
higiene e consumo”. O segundo visitante ou turista religioso indicado por Oliveira,
vêem que “suas obrigações sagradas corresponderiam mais a um plano
contemplativo, relativizando ou restringindo muito sua identificação como romeiro”
(1999, p. 100). Aproveita-se dessa percepção de Oliveira para em contraposição
apresentar a informação que consta no livreto editado pelos padres Redentoristas
(que administram o santuário de Aparecida), do ano de 1981, onde, em quase 100
páginas, somente em uma única foi utilizado o termo turista, da seguinte forma:
[...] Aparecida apresenta poucas opções para o turista. Para você, no
entanto, e para quem visita a cidade como romeiro, guiado pela fé,
Aparecida é tão rica em atrações e tão fecunda em graças, que é chamada
de ‘capital da fé’ (MISSIONÁRIOS REDENTORISTAS, 1981, p. 27).

Oliveira (1999) entende que é inoportuna a coexistência do espaço profano no


ambiente religioso, porque, ao restringir o tempo gasto com as ações religiosas dos
romeiros em função de outros interesses, eles estariam deturpando as funções
originais do espaço religioso do santuário, ou então, ao aumentar a importância do
comércio, depreciariam os valores originais da fé. Essa percepção é bastante
comum nos autores do turismo, em argumentos relacionados às atividades profanas
nos ambientes religiosos, no entanto, utilizo-me da percepção de Durkheim que
indicou o surgimento dos momentos de festividades junto aos religiosos como parte
69

da impossibilidade da coexistência do profano e do sagrado ocorrer nas mesmas


unidades de tempo. Para Durkheim “não há religião, nem conseqüentemente,
sociedade que não tenha partes definidas que se alternam segundo uma lei variável
com os povos e as civilizações” (1996, p. 327). Durkheim também afirma que é nas
sociedades mais rudimentares, nas sociedades inferiores que ocorre uma mistura
dos cultos com a vida temporal, percebidos nas expressões e ações populares
relacionadas a uma ‘naturalidade’ em transformar todos os acontecimentos em
coisas sagradas, fato que poderia estar se repetindo em diferentes grupos sociais
(1996, p. 327).

Constatou também Oliveira (1999) que a cidade de Aparecida foi apenas


comunicada sobre o empreendimento e que o monopólio sobre toda a infra-estrutura
construída direta ou indiretamente ficou a cargo do santuário. Tal percepção está
relacionada a outro aspecto que transparece em Oliveira (1999) e em Moraes (2000)
que pesquisaram Aparecida - SP, como também em outros autores impregnados
com a necessidade premente do planejamento turístico nestes espaços (NOVAES,
1999): esquece-se que ali se desenvolve planejamento por parte das Congregações,
para uso dos fiéis nos santuários baseado nas estratégias impostas às
congregações por Roma, e este espaço é disputado pelos profissionais do turismo.

Tais estratégias das diferentes Congregações são muito anteriores a


quaisquer ações dos poderes públicos e do turismo, ou mesmo muito anteriores à
existência e implantação destes poderes, como é o caso do Brasil colonial e mesmo
durante o Império (como se observa nos itens 2.1 e 2.2 desta Tese). Poder-se-ia
incluir no rol de situações parecidas a essa ‘independência’ das Congregações aos
poderes públicos constituídos a recentíssima inauguração do novo e imenso
santuário de Santa Paulina em Nova Trento29 no estado de Santa Catarina, o qual é
localizado no interior do município, e, só passou a integrar o Plano Diretor após
alguns anos de instalação das movimentações de visitantes. Novaes (1999, p. 125)
em texto que analisa mais profundamente a cidade de Nova Trento – SC, discorreu
sobre a importância de haver proximidade dos interesses da Congregação e da
comunidade, porém, ao citar a definição de turismo de Andrade,

29
O santuário de Santa Paulina localizado na cidade catarinense de Nova Trento distante 80
quilômetros de Florianópolis está relacionado à primeira santa brasileira Amábile Lucia Visintainer. Foi
construído com dinheiro da Congregação e com a ajuda dos fiéis, sendo inaugurado em janeiro de
2006.
70

[...] o conjunto de atividades com utilização parcial ou total de equipamentos


e a realização de visitas a lugares ou regiões que despertam sentimentos
místicos ou suscitam a fé, a esperança e a caridade nos fiéis de qualquer
tipo ou em pessoas vinculadas a religião,

anunciou os limites de sua percepção, delimitando também seu campo de atuação.

Ribeiro (2002, p. 3) num texto sobre peregrinações e romarias, a ausência da


discussão sobre o significado de turismo é percebida, pois a autora apresenta que,

[...] a institucionalização do turismo está intimamente ligada às


peregrinações, que ao longo do tempo deram origem ao aparecimento das
pousadas, hospedarias na beira dos caminhos, povoados, portos e cidades,
onde os peregrinos podiam pernoitar, descansar e dispor de alimentação,
bebida e até mantimentos para a continuação da viagem.

Para reforçar a afirmação anterior acrescenta Ribeiro (2002, p. 4) que as


viagens em busca de espaços para as manifestações da fé envolvem pessoas em
todo o mundo, e as empresas programam a implantação das estruturas turísticas,
havendo o desenvolvimento do planejamento bem como a recepção dos fiéis.
Porém, a autora não deixa claro como ocorre essa efetiva participação dos poderes
públicos e das empresas de turismo nesse processo, como, aliás, poucos autores o
fazem. Para Ribeiro (2002, p. 4), no entanto,

[...] de posse dessa realidade, a indústria do turismo intensificou o


investimento nos centros de peregrinação através de ações diretas sobre a
realidade local e do uso da mídia e do marketing para incentivar o fluxo de
visitantes. A partir daí, algumas regiões começaram a investir em
planejamento e obras para ampliar sua capacidade de recepção e
proporcionar alternativas de lazer aos turistas.

Entende-se que as afirmações relacionadas à ‘indústria do turismo’ realizada


pelo autor não correspondem à efetiva realidade dos ambientes religiosos, isto é,
apesar do autor afirmar categoricamente ocorrer intensa presença do turismo nestes
locais, o que se vê é a ausência quase total de muitos dos elementos importantes do
turismo, como a hotelaria, os transportes, e principalmente a inexistência de pacotes,
talvez porque estes setores do turismo não tenham preocupações com as
motivações dos fiéis30. Aoun (2001, p. 16) argumenta sobre aspectos interferentes
nas motivações para as viagens e que talvez esses novos valores levem o homem à
busca dos novos significados da religiosidade através do uso das estruturas do
30
Apesar deste assunto não ser o foco desta Tese, após estudar diversos santuários católicos
brasileiros constatou-se um enorme distanciamento entre os objetivos e as práticas das
Congregações e a ausência de qualquer relação amistosa com empresas e agencias de turismo. O
texto que indica sobre a pesquisa já foi citado anteriormente na Nota de Rodapé nº 1.
71

turismo, como,

[...] a complexidade da vida urbana moderna e a ressignificação de valores


e ícones tradicionais da sociedade instituem como sinônimo da libertação
desse cotidiano impassível o ‘culto das férias’, traduzido num tempo,
embora específico e programado, como ‘sagrado’ e revestido de valor
especial,

Porém, a autora só relaciona a movimentação de pessoas como libertação ao


cotidiano, principalmente do trabalho, em face de que “nos personagens do cenário
urbano e industrial [...], bem como de neuroses e inquietações, estamos o tempo
todo sonhando com as próximas férias e planejando-as [...]”(AOUN, 2001, p. 16).

Entende-se a afirmação da autora, quando diz que “ao se deslocar para o


lugar escolhido de suas férias, estabelece-se uma relação diferenciada com esse
novo espaço, compartilhando-o com novas pessoas e desfrutando de diferentes
experiências revitalizadoras” (AOUN, 2001, p. 16). Pode-se considerar essa
transmutação de espaços e tempos, em algo sagrado (como o é o ambiente
religioso), porém, tais identificações são características que tanto podem atender ao
lazer em oposição ao trabalho apenas, como também poderiam ser colocadas no
universo dos que se movimentam pela fé, mais do que no universo dos turistas.
Visto que os momentos de reunião pela fé são para muitos momentos sublimes de
trocas sociais, onde todos se tornam iguais ao abandonarem seus papéis dentro da
sociedade cotidiana, fato já indicado anteriormente na pax catholica de Roberto
DaMatta (1983, p. 55), pode-se então perceber uma igualdade pelo lazer através da
troca de ambiente, e ao mesmo tempo uma diferenciação, quando não ocorre efetivo
crescimento dos turistas diante de seu grupo de convivência, face essa experiência
ocorrer mais profundamente no individual do que no coletivo.

Continuando sua argumentação Aoun utiliza-se da categoria ‘lazer’ para


justificar a incorporação das férias, do tempo livre, e da aposentadoria como
resultado das conquistas da sociedade. O tempo livre seria (2001, p. 16-17) aquele
“dedicado espontaneamente ao descanso, à reposição das energias físicas e
mentais nas diferentes formas de recreio e entretenimento, segundo opção individual
das pessoas”. Em contínuo Aoun descreve que, “o ato de viajar também é entendido
como uma das expressões do lazer e como forma de ocupação do tempo livre das
pessoas, que ocorre geralmente nos fins de semana ou no período de férias [...]”
(2001, p. 17). Esta afirmação de Aoun colabora com o entendimento de que,
72

[...] no mundo contemporâneo, viajar pode ser uma ‘experiência religiosa’


sem necessariamente ter ocorrido num local considerado sagrado; uma
ascese, um esforço capaz de produzir, mesmo que minimamente, uma
transformação existencial, criando outros estados de afeto (AOUN, 2005,
p.320),

Entende-se que essas afirmações (o tempo livre e o viajar) enfatizam aquilo


que considero uma das controvérsias das discussões teóricas atuais dos autores do
turismo: para esses o turismo está substituindo as formas tradicionais de lazer
através das viagens, assim, toma corpo à percepção de que o turismo se torna cada
vez mais uma necessidade para o bem-estar humano, quando percebem o turismo
como o lazer, gerados pelo tempo livre. Com esse sentido Aoun utilizou-se de
Marcellino (1995) que diz ser o

[...] tempo livre é uma categoria peculiar de tempo, [...], em que deixam de
estar presentes o caráter obrigatório do trabalho ou da escola, o caráter
instrumental das tarefas de manutenção doméstica, o caráter de
descompromisso social, político, ou religioso (2001, p. 17).

Porém, o que não percebeu é que, se efetivamente nesta nova dinâmica,


tanto o turismo como o lazer vêm se desenvolvendo individualmente no Capitalismo,
então, as funções do deslocamento nos dois momentos seriam iguais; já no
ambiente religioso são motivado pela fé, visto que para muitos a religiosidade é
muito mais obrigação que diversão, onde não caberia o caráter de descompromisso
religioso. Continuando sua argumentação Aoun descreve acontecimentos
relacionados à ‘exemplos de andanças e perambulações’ (travessias marítimas, as
Cruzadas, as peregrinações a Santiago de Compostela, entre outras) relacionadas à
sociedade Ocidental, e que remetem aos antigos percursos do homem. Para a
autora, interessa o deslocamento em si na viagem, indiferente das motivações e dos
objetivos da mesma, pois afirma (2001, p. 28-29) que,

[...] em muitos outros momentos da humanidade, tivemos movimentos


turísticos com variados objetivos, pois é notório que o homem sempre
investiu no sonho de viajar, apresentando as mais diversas formas, seja
como aquisição de novos conhecimentos, seja como descoberta de novas
terras, seja como fonte de renda.

Novamente a autora se contradiz, pois, inicia a discussão citando a


Marcellino, o qual reforça que lazer (e, portanto, o turismo) não pode possuir o
caráter da obrigatoriedade em sua motivação, o que excluiria os objetivos como a
aquisição de conhecimentos, novas terras e fontes de renda.
73

Na esteira dessa discussão encontra-se Silveira (2003) que discute sobre a


ambigüidade do uso do conceito teórico de turismo e a possibilidade das
oportunidades de negócios advindos da movimentação de pessoas, quando
desenvolveu argumentações apresentando detalhes sobre essa ambigüidade
conceitual-teórica da utilização de uma categoria chamada ‘turismo religioso
popular’, indicando que o termo “tem alcançado uma enorme utilização, por parte
dos setores ligados a reflexão acadêmica sobre turismo, dos empresários do setor,
da própria igreja católica” (SILVEIRA, 2003, p. 142).

Entende-se que efetivamente ocorre essa disseminação desenfreada do uso


do termo, como também se concorda com a afirmação de que, “o termo é usado de
forma acrítica” (SILVEIRA, 2003, p. 142), e, indistintamente. Para o autor, a
utilização deslocada dos conceitos etimológicos de elementos como turismo,
religioso e popular, poderia ajudar a “constituir uma categoria que mapeie os
deslocamentos culturais [...]” (SILVEIRA, 2003, p. 141), talvez porque ele perceba a
dificuldade que espera ao pesquisador do turismo nos ambientes da religiosidade
popular. Também, o próprio autor utiliza-se do respaldo teórico de autores
reconhecidos no mercado editorial (DIAS 2002; SILVEIRA, 2003; SILVEIRA,
2003a)31, os quais servem de referência para quase todos os autores do turismo,
para afirmar que a categoria “emanada do mercado turístico, adquiriu foros de
conceito” (SILVEIRA, 2003, p. 144). Esse mesmo autor justifica uma linha de
análise interessante, que, porém, não foi aprofundada, quando afirmou que,

[...] há a necessidade de aumentar uma nova tessitura de conceitualizações,


aumenta-se a ambigüidade e a imprecisão epistemológica de tantas
categorias, acadêmicas e descritivo-estatísticas, como a que têm sido
largamente utilizadas no mercado turístico, entre elas, o próprio termo
turismo religioso (2003, p. 147).

De outro lado, entende-se, que, quanto mais estas categorias forem buriladas,
mais e mais se pode responder às interpelações dos deslocamentos culturais.
Entende-se também que, o autor baseando-se na utilização continuada de diferentes
terminologias por diversos autores (dentre os quais ele próprio), que pressupõe de
fato a existência destas, já na condição de categorias, deixou suas conclusões
confusas, devido às afirmações diversas que efetua, não permitindo perceber uma
31
SILVEIRA E.J.S. Turismo religioso: Mercado e Pós-Modernidade. In: DIAS R. SILVEIRA E.J.S. da
(Orgs), Turismo religioso: ensaios e reflexões. Campinas, SP: ALÍNEA, 2003a, e, SILVEIRA E.J.S.
Turismo e Consumo: A religião como lazer. In ABUMANSSUR, E.S. (org.), Turismo Religioso:
Ensaios Antropológicos sobre religião e turismo. Campinas, SP: PAPIRUS, 2003b.
74

efetiva construção teórico-metodológica destas categorias de análise, como


pretendia. Gazoni encontra-se nessa condição, aceitando como referência para a
definição de turismo religioso a citada por Andrade, quando este indica ser o turismo
um “conjunto de atividades com utilização parcial ou total de equipamentos e a
realização de visitas a receptivas que expressam sentimentos místicos ou suscitam
a fé” (2003, p. 2). Concluiu de pronto, que, este movimento de pessoas vem
demandando “um conjunto de serviços indispensáveis que permitiriam ao cliente o
acesso e a permanência em um lugar sagrado, seja um templo, uma via ou outro
lugar” (GAZONI, 2003, p. 2).

Percebe-se que o autor usa o termo ‘cliente’ e que estes prescindem de


‘serviços’ para manterem-se em determinados locais religiosos. O autor admite
(2003, p. 2) que, na atualidade, a afirmação certamente é consenso entre autores do
turismo, mas que ainda não compõe as preocupações do mercado, devido que,

[...] a apropriação de elementos da religião, principalmente os santuários,


como recursos para o desenvolvimento da atividade turística é passível de
reflexão, apesar da complexidade de se envolver componentes
aparentemente antagônicos como religiosidade e lazer

Dos vários autores mencionados até aqui, nenhum deixou transparecer essa
limitação antagônica do uso indiscriminado entre o lazer e a religiosidade, e Gazoni
o fez abertamente, percebendo onde ocorrem os choques devidos as motivações
das viagens. Sobre isso o Autor (2003, p. 3) entende que

[...] o turista difere do peregrino principalmente no que se refere à


motivação. O peregrino é movido pela busca da satisfação e conforto
espiritual, com a esperança de aumentar sua santidade pessoal, obtenção
de bênçãos e curas especiais, enquanto o turista busca o bem estar, muitas
vezes a preguiça, a satisfação de lazer, esta motivação recai no desejo de
escapar das pressões da sociedade, mesmo que, temporariamente.

Tal afirmação do autor, por simples que possa parecer, compõe o cerne, a
essência do problema existente na análise da relação fé-turismo por parte dos
autores do turismo. Noutro momento, Gazoni afirma que “são raros os não-crentes
que conseguem ficar espiritualmente imunes à vibração ritual desencadeada pelas
grandes manifestações de fé [...]” (2003, p. 3), e que “o turismo vem se tornando um
meio seguro para tornar este contato acessível e real” (2003, p. 3).

Qual é a base teórica ou a experiência do autor para a afirmação realizada,


pois, não se consegue imaginar qual a capacidade da estrutura turística é evocada
75

para permitir aos não fieis participarem (espiritualmente) das vibrações religiosas
indicadas, pois, praticamente não existem empresas turísticas que atuem nestes
locais. Aoun pode nos ajudar a explicar porque os autores do turismo crêem nas
afirmações que fazem sobre as transformações dos ambientes da religiosidade em
locais turísticos, talvez, estejam baseando-se na premissa de mão-única, que vai do
turismo para a religiosidade para inverterem o processo, isto é, criam o mecanismo
de condução que vai da religiosidade para o turismo através da utilização de
símbolos e terminologia religiosa, visto que

[...] é o turismo vendendo o paraíso aqui na Terra, apoiado numa clara


referência ao consagrado relato bíblico do jardim do Éden e com toda a
carga simbólica que ele representa para o Ocidente. Portanto, a utilização,
especificamente, de palavras, conceitos e referências provenientes do
universo religioso demonstrou possuir força e competência suficiente para
fixarem muitas das imagens utilizadas para vender produtos de consumo
turístico (2001, p. 116).

Para reforçar a percepção dos valores que circulam na interpretação dos


elementos relacionados à administração de localidades que compõe o universo de
todos os autores do turismo em relação aos ambientes da religiosidade, utilizo-me
da afirmação de Aoun quando indica que “a imagem do paraíso de VIP Exame é
para ser consumida, para produzir deleite, nas formas mais diversificadas. No
paraíso de VIP Exame, o pecado nem existe, a culpa não é vivida, a serpente é
absolvida e a maçã é saboreada” (2001, p. 94). Isto é, os textos turísticos se utilizam
de palavras do universo religioso de forma despreocupada, aproximando esse antigo
mundo lingüístico ao nosso cotidiano moderno e pós-moderno, sempre buscando
dessacralizar as experiências dos fiéis, isto é, retiram dos rituais religiosos valores
que entendem não mais existir, fato que leva as percepções superficiais dissociadas
das realidades que pretendem atuar. Aoun (2001, p. 82) citando afirmação de Rocha
diz que

no mundo publicitário existe o que os autores da área chamam de ‘conjunto


de valores eternos’, que vão do amor à felicidade, do mar à montanha, do
pássaro ao tigre, da riqueza á alegria e estes valores são equacionados
com os mais diversos produtos e em seguida são constantemente
acionados.

Aoun citando a Vestergaard e Schroeder indicando estratégias do universo


ideológico da propaganda, informa que “essa relação de natural com a idéia de
natureza intocada, apoiada também em ideologias ambientais mais recentes,
76

transforma em mercadoria o paraíso, o santuário e também o templo, colocando-os


a disposição” (2001, p. 91). Andrade (1999 p. 28-39) aprofunda sua percepção sobre
a evolução do termo turismo, passando da Antiguidade até a atualidade,
descrevendo as ‘conceituações’ como sendo ‘etimológicas’, ‘funcionais’ e
‘estruturais’, nesse ínterim, apresenta a versão que, uma das primeiras tentativas
coordenadas de conceituação, relacionava as viagens turísticas com o lazer.

Dentro desta percepção, Andrade (1999), indicou que tais autores


enfatizavam que as “viagens para o cumprimento de deveres de piedade é ato
devocional e de fé; por isso obrigação moral impeditiva de finalidades turísticas, que
se baseiam no lazer e no descompromisso, jamais na meditação e na prece” (1999
p. 76). Argumenta que essa posição foi abandonada logo em seguida. Andrade
(1999, p. 76) descreve o turismo religioso como sendo,

[...] o conjunto de atividades com utilização parcial ou total de equipamentos


e a realização de visitas a lugares ou regiões que despertam sentimentos
místicos ou suscitam a fé, a esperança e a caridade nos fiéis de qualquer
tipo ou em pessoas vinculadas a religião.

Logo a seguir o autor discrimina três ‘especificidades técnicas’ que “devem


ser observadas em trabalhos promocionais, calendários de eventos e outros
recursos de divulgação e de sistematização” (ANDRADE, 1999, p. 78). São elas:

1ª) quando alguém, por livre disposição e sem pretender recompensas


materiais ou espirituais, viaja a lugares sagrados, o conjunto de atividades
denomina-se romaria.
2ª) quando alguém visita lugares sagrados para cumprir promessas ou
votos anteriormente feitos a divindades ou a espíritos bem-aventurados, o
conjunto de atividades chama-se peregrinação.
3ª) quando alguém, empenhado em remir-se de suas culpas ou de seus
pecados, de forma livre e espontânea ou por conselho ou disposição de
líderes religiosos, se dirige a lugares sagrados ou a outros lugares, em
espírito de arrependimento e compunção, o conjunto de atividades é
designado como viagem de penitência ou viagem de reparação.

Complementando seu raciocínio Andrade (1999, p. 78) indica algumas


localidades onde,

[...] muitos outros lugares, marcados por devoções oficiais ou populares de


religiões, são núcleos receptores importantes em termos de fé e,
conseqüentemente, em termos de turismo, cujas dimensões – pela
propaganda e pelo marketing – superam as manifestações da fé e as
próprias motivações religiosas.

Aprofundando sua percepção, que se entende estar completamente errada,


continua afirmando “as notícias, o marketing direto e indireto e as ações de
77

promotores e comerciantes instalados nas microrregiões ou nos locais onde


acontecem os ‘feitos extraordinários’ acionam os agentes turísticos, que em geral, se
antecipam a qualquer medida ou manifestação de autoridades religiosas”
(ANDRADE,1999, p.79). Em contrário a isso, percebe-se que pouco ou nada da
estrutura turística age em prol do crescimento do turismo nos ambientes religiosos, e
se algum setor o faz, este é a mídia geral, porém sem, ou quase nenhuma ação
planejada.

Dias citando o Dicionário de turismo de Montaner, Antiach e Arcarons (1998),


afirma que turismo religioso

[...] é a atividade turística que consiste em realizar viagens (peregrinações)


ou estadas em lugares religiosos (retiros espirituais, atividades culturais e
liturgias religiosas, etc.), que, para os praticantes de uma religião
determinada, supõe um fervor religioso por serem lugares sagrados de
veneração ou preceituais segundo sua crença.

2.2 CRENÇAS RELIGIOSAS NO OCIDENTE: OS DESLOCAMENTOS RELIGIOSOS

Entende-se que os textos dos autores fazem sempre a referência que, existe
turismo religioso se as movimentações religiosas deixem de virem acompanhadas
de um contingente de sofrimento físico (não necessariamente dor física) como as
longas marchas e caminhadas, passar fome e sede, dormir mal, etc. elementos
presentes às movimentações religiosas do passado.

Consideram que a compulsória utilização de estruturas que não estejam


diretamente relacionadas com a fé (trens, rodovias, automóveis, caminhões, longas
caminhadas, compra de refeições, acomodações para pernoite, entre outras) passe
automaticamente a compor outros universos (entre eles o do turismo), sendo
necessário quase que por completo o abandono do uso dos termos como fiéis,
peregrinos e romeiros, etc. Como muitos fiéis desenvolvem outras atividades nos
mesmos ambientes (que os autores entendem estar relacionadas ao lazer) e,
intercaladas aos momentos da religiosidade como fazer uma visita a uma imagem ou
a um museu de ex-votos32 entre uma oração e uma missa, por exemplo, passam a

32
É comum encontrar-se nos santuários religiosos católicos um local onde são depositadas imagens
pelos fiéis, tanto das esperanças como o resultado das graças alcançadas, junto aos santos de
78

ser considerados turistas em essência. No restante, existem autores do turismo


(NOVAES, 1999, OURIQUES, 2005, RIBEIRO, 2002, MORAES, 2000), que
perpassam estudos e análises pelo turismo que se desenvolve nos ambientes
religiosos ou da religiosidade católica popular, de forma limitada quase sempre
presos aos aspectos do planejamento (Custos, Segmentações de Mercado,
Demandas, etc.), e, da infra-estrutura (Hospedagem, Alimentação, Transportes,
etc.). Para essas análises, o conjunto de pessoas que se encontram nos ambientes
da fé, é, num ou noutro momento, consumidor de serviços e de produtos, não
importando outras características ou atividades que realizem.

Para responder a essas percepções pouco aprofundadas dos autores do


turismo, desenvolvem-se a seguir considerações que se entendem necessárias para
clarear-se a percepção sobre a cultura, a cultura simbólica e apropriação simbólica
que se realizam nos locais da fé da religiosidade católica popular. Para esta Tese se
entende por espírito religioso, um ambiente propício à meditação, com um clima
repleto de orações onde a introspecção rege as ações de cada um dos visitantes,
sendo que as visitações e as ações mantêm estreitos vínculos com a vida dos
santos e de seus milagres. Chauí (1986, p.83) afirma que “[...] nas religiões
populares o milagre é rotina simples, fidelidade mútua entre as divindades e os fiéis,
com ou sem ajuda de uma igreja ou de mediadores”.

Tentando demonstrar uma justificativa para a intensidade da popularização


dos milagres Chauí (1986, p. 83) indica que “os pedidos não são feitos porque se
escolhe uma via religiosa, mas se escolhe uma via religiosa, porque se sabe, no
presente, não há outra”. Complementa que

[...] por isso o milagre é de estonteante simplicidade para a alma religiosa


popular (e afastado pelas teologias, que apenas o toleram nas fímbrias da
religiosidade), pois o milagre é o que restaura a ordem predeterminada do
mundo por um esforço de imaginação e da vontade (1986, p. 85).

Desde a Antigüidade a história está repleta de registros que indicam


diferentes referências sobre o deslocamento das pessoas relacionadas à fé, mas,
contrariamente disso, não ocorre consenso entre os autores sobre as origens desses
movimentos bem como as suas funções nos diversos grupos sociais em sua relação
com o turismo nesses períodos históricos.

devoção. Essas imagens podem ser desde bilhetes, recados e fotografias até reproduções de partes
do corpo humano, casas, carros, etc.
79

Assim, visando colaborar com essa percepção a seguir são apresentados


autores de diferentes áreas do conhecimento através da apresentação de estudos
ligados a origens, transformações e significados para as palavras peregrino
peregrinação, romeiro, romaria, etc.

Dal Ri (2002, p. 29-38) em um texto que discute a origem e os significados


jurídicos da palavra cidadania, apresenta a evolução deste conceito que se
estabelece na história romana (enquanto Cidade-Estado), entre os séculos VI e V
antes de Cristo, indicando que naqueles momentos somente eram considerados
‘cidadãos romanos’, aqueles nascidos de ascendentes que fizessem parte das gens,
isto é, os antigos clãs romanos33, assim, todos aqueles que não estivessem dentro
dessa condição eram considerados peregrini.

Num segundo momento (quando Roma já era República) o significado de


cidadania modificou-se, incluindo a prerrogativa do casamento regular34 como forma
de aquisição dos direitos dos cidadãos romanos, através de uma das muitas leis
então vigentes. Uma delas dizia que um peregrinus (estrangeiro) podia ser
reconhecido como cidadão romano, se o casamento tivesse observado as leis
vigentes aos cidadãos daquele país.

Dal Ri (2002, p. 39) indica também que, quando Roma já havia dominado
militarmente boa parte do mundo da época, o conceito de cidadania se esvazia
“devido à extensão deste status a todos os indivíduos residentes nos diversos
territórios anexados pelo Império, realizado através do Constitutio Antoniniana de
212 a.C”, frente à pressão que estes povos realizavam constantemente em seu
apoio a manutenção das fronteiras romanas. O autor informa ainda que Justiniano
(482-465 d.C.) “o imperador do Império Romano do Oriente, ao eliminar da
legislação imperial o status de peregrinus e de latinus contribuiu ainda mais a esta
corrosão do civitas”35.

Ao encontro das palavras de Dal Ri, tem-se Salgado (2003, p.1) que informa

33
Segundo o autor, os antigos clãs romanos tinham suas origens rurais, isto é, nos primeiros momentos das tribos
que a partir das suas aldeias, juntas construíram o Estado romano. As gens concentravam cada homem e mulher
que derivavam de um ancestral comum, em linha paterna. Ser componente de uma gens era de caráter exclusivo
como ter um só pai.
34
Entendia-se por casamento regular aquele que ocorresse de forma como a tradição exigia. Constituir esposa ou
marido apenas, não atingia tal situação, caso um deles fosse peregrino.
35
Latinus indicava todos os povos que se localizavam próximos a Roma e que foram dos primeiros a ser
dominados pela Cidade-Estado, os quais receberam a cidadania italiana. Civitas era a primeira forma de
ordenamento jurídico da cidadania romana, criada posteriormente as legislações das gens originárias de Roma.
80

baseado nos Documento da Santa Sé sobre a Peregrinação de 2000, que


etimologicamente a palavra peregrinação

[...] é um vocábulo grego per-epi-demos (literalmente ‘estrangeiro’, ‘não


residente’) definindo ao peregrino ou ao viajante casual. Em latim a palavra
primitiva peregrinus se referia a pessoa que viajava por países estrangeiros
ou àquela que não tinha direitos de cidadania. Surgiu como uma
composição de dois vocábulos per-agros que descrevia a pessoa que
caminha (passa) através do campo, fora do lugar de sua residência, longe
de casa (peregre ‘no estrangeiro’, ‘fora de casa’).

Percebe-se o mesmo significado indicado por Dal Ri relacionados à


cidadania, ou aos residentes num local estrangeiro. Novamente Salgado (2003, p.1)
indica sobre as mudanças ocorridas nos significados:
o termo peregrinatio significa uma instância fora do país, uma caminhada,
uma viagem, uma visita aos países estrangeiros. Na realidade foi tão
somente no século XII quando o vocábulo peregrinatio começou a designar
univocamente a prática religiosa de visitar lugares sagrados.

Di Bernardino (2002, p. 1138) afirma que o termo peregrinus no Império


Romano dizia respeito ao “estrangeiro, não cidadão romano, [...], a maior parte da
população de Roma era constituída de peregrini, vindos de países conquistados”. De
outro lado Di Benardino (2002, p. 1137) afirma que para o romano Eusébio o termo
peregrinatio no ano 300 d.C., indicava “todos aqueles que crêem em Cristo e se
reúnem aqui (em Jerusalém), de todas as partes do mundo [...]”. Isso exemplifica
como o significado alterou-se rapidamente em apenas alguns séculos.

Balbinot (1999), afirma que etimologicamente, o termo peregrino estava


relacionado com aquelas pessoas que se encontravam ‘per agros’, isto é, pelos
campos, fora do lugar de residência, transformando-se com o tempo em ‘aquele que
saía de sua casa ou de sua pátria’. Nos primeiros séculos do cristianismo o termo
peregrinus referia-se ao estrangeiro, em oposição aos ‘civis’, pessoas nativas,
aquelas nascidas no lugar. Para Scarvaglieri (apud BALBINOT, 1999, p. 77) o termo
peregrinus se origina no advérbio peregre (originalmente de ‘per’ e ‘ager’). Para Steil
(2003a, p. 30) a peregrinação “tem sua raiz etimológica relacionada ao aparecimento
do outro, do estrangeiro, que percorre caminhos por terras desconhecidas e
inóspitas”, e é “associado à idéia de um caminho ao encontro do outro, físico ou
espiritual” (2003a, p. 30).

Em concepção e entendimento mais atuais, Caselli diz que o significado das


palavras peregrino e romeiro, são “uma velha questão semântica” (1999, p. 129).
81

Pois, para ele, o romeiro é o peregrino que vai a Roma e, peregrino “é o que
abandona os lugares a si relacionados, os próprios hábitos e o ambiente afetivo para
dirigir-se com o espírito religioso, a um santuário ao qual ele escolheu livremente, ou
que lhe foi imposto pela indulgência” (1999, p. 129). Pode-se perceber na afirmação
de Caselli, que o elemento inerente ao peregrino é a movimentação física, o
abandono do local de habitação, porém essa movimentação é permeada por um
espírito religioso.

Para Bellinatti (1999, p. 20) a mudança dos Livros Canônicos redigidos no


século III, suscitou entre os religiosos um novo fervor litúrgico e o desejo de realizar
peregrinações a Roma que estava repleta de relíquias e mártires católicos, tendo por
objetivo a redenção e o perdão dos pecados. Esses primeiros movimentos de
grandes massas humanas em direção a Roma mostraram a necessidade de se
organizar espaços de acolhimento aos peregrinos, esta em parte sanada através do
surgimento de diversas associações (scholae) encarregadas de ajudar os devotos.

Para Salgado (2003, p. 1) peregrinação é definida como uma viagem


empreendida por motivo religioso, a um lugar que se considera sagrado (locus
sacre), para atuar de uma maneira especial diante de Deus ou outras divindades,
para realizar determinados atos religiosos, de devoção e penitência. Portanto,
entende-se que a motivação é o elemento que mais conta para o autor quando se
pretende desenvolver considerações acerca da movimentação dos peregrinos, e não
as estruturas que se desenvolveram paralelamente a esses movimentos.

Caselli (1999, p. 137), afirma que Veneza, cidade localizada ao norte da Itália,
servia de ponto de peregrinação, (bem como de apoio àqueles que demandavam a
Roma), entre os anos 1500 e 1800. Nesta cidade seguia-se um critério de
especialização no atendimento aos peregrinos, havendo hotéis que atendiam
apenas a italianos, a franceses, a flamengos e a alemães. Bellinatti cita a Erasmo de
Rotterdam que em seus ‘Colóquios’ apresentou as condições físicas e espirituais
daqueles locais dedicados aos peregrinos. Porém, afirmou que a esses serviços está
“faltando à demanda: cada um solicitava ou oferecia o direito da hospitalidade aos
do seu grupo” (1974, p. 57), indicando, portanto, um serviço disponível para poucos,
e se entende, não caracteriza o turismo moderno (a hospitalidade paga).

Atendo-se a estruturação das práticas religiosas Balbinot (1999, p. 77),


escreveu que a partir do século IV, com o final das perseguições aos católicos pelos
82

romanos, iniciam-se as construções das igrejas, muitas delas sobre os túmulos dos
mártires. O próprio imperador romano Constantino (que incorporou o catolicismo
como religião oficial do Império), mandou erigir enormes basílicas sobre as
sepulturas dos apóstolos Pedro e Paulo, sendo estas, referências de culto e motivo
para as peregrinações a Roma, principalmente em anos jubilares.

Segundo Piazzi (1999, p. 171), o termo Jubileu utilizado pelos católicos


lembra uma antiga tradição hebraica onde a cada cinqüenta anos, se suspendiam os
trabalhos nos campos, se cancelavam os débitos e se liberavam os escravos, sendo
que este termo era usado exclusivamente com sentido religioso. Apesar de
ocorrerem como parte espontânea da religiosidade dos primeiros católicos, as
peregrinações do Império Romano passaram a acontecer de forma organizada a
partir dos interesses da Igreja, através das peregrinações jubilares. Nestas
peregrinações a Igreja católica colocou em uso celebrações especiais, ligadas às
indulgências dos pecados cometidos, obtidas por meio das obrigações fixadas pelas
bulas papais. Estes benefícios obtidos pelas indulgências estavam inicialmente
ligados a muitas práticas religiosas, entre elas as visitas às basílicas ou locais de
sepultamento dos apóstolos Pedro e Paulo. Segundo o jornal L’Osservatore Romano
de 1974 aos peregrinos que se dirigiam a Roma foram redigidos diversos manuais
ou guias; no ano 540 existia o Notitia regionum urbis Romae, no ano 1000 existiam o
Itinerário Salisburguense, o Itinerário Malmesburiense e a Topografia Einsiedlensis,
assim como houveram diversos guias editados exclusivamente para os peregrinos
que se dirigiam a Terra Santa (BALBINOT, 1999, p. 112).

Di Bernardino indicou existir no século V o guia organizado por Euquério de


Lião, de “onde tiravam-se não apenas os itinerários, mas eram lidas em cada lugar
passagens adequadas, e cantava-se um salmo adaptado à circunstância e se
rezava” (2002, p. 1138).

Estes deslocamentos foram tão intensos, que Dante em sua famosa obra “A
Divina Comédia”, descreveu a torrente de peregrinos que se formou quando da
emissão da Bula Papal de Bonifácio VIII em 1300, originando diversas procissões de
devotos vindos dos arredores de Roma, de toda a Itália, bem como do resto do
mundo de influência romana da época (BELLINATTI, 1999, p. 21).

Bellinatti entendeu que a partir do século XV as peregrinações começam a


83

sofrer pesados questionamentos principalmente dos protestantes36 e humanistas.


Em contrapartida, Balbinot indicou que a esses questionamentos a igreja católica
através do Concílio de Trento reafirmou ainda mais os seus valores de veneração
aos santos e as suas relíquias (1999, p. 117). Descreveu a importância da
peregrinação e das penitências, mostrando como os pecados poderiam ser
redimidos por meio do deslocamento sofrido, em que cada peregrino segue
suportando pacientemente os trabalhos e as poucas comodidades do caminho
escolhido, aumentando desta forma a sua devoção pela imitação das ações dos
santos que venera. Houve também a exaltação a Virgem Maria (1999, p. 117).

Da Revolução Francesa até a atualidade, muitos dos significados da palavra


peregrinação transformaram-se ou desapareceram, porém, manteve-se a relação
entre peregrinação e deslocamento espacial. A palavra romaria é uma destas
transformações, pois para Balbinot (1999, p. 77) provém dos termos romerus,
romerius, romipeta ou romarius, nomes dados aos peregrinos que a partir do século
VI se dirigiam para Roma. Romaria, segundo Balbinot (1999, p. 77), transforma-se,
“com a formação das várias línguas nacionais”.

O termo foi assumido pela linguagem popular: romeo ou romipeto, em italiano;


romieu, em francês; romero em espanhol; romeiro, em português; romaign, romen
ou roam, em inglês.” Steil (2003ª, p. 31) acredita que o conceito ocidental de
peregrinação está relacionado ao que se escrevia sobre a Odisséia de Homero, ou
seja, “uma viagem cheia de dificuldades, marcada pelo sofrimento e pelo desejo de
alcançar o ponto almejado”; Para Sigal (apud STEIL 1996, p.168) “a peregrinação
como forma de penitência [...], se estabeleceu na Idade Média, especialmente no
período monástico céltico e anglo saxão, como um meio de controle da Igreja sobre
as peregrinações”. Sendo que para Sumption (apud STEIL 1996, p. 168) “eram as
que se faziam para Jerusalém e para São Tiago de Compostela, impostas a muitos
peregrinos como uma forma de punição para certos crimes seculares”.

O termo secular atualmente é utilizado para definir uma oposição da


comunidade ao controle praticado pela Igreja católica, ou, o desenvolvimento de
atividades sem o controle desta, isto é, crimes praticados pela população civil contra

36
O Protestantismo enquanto movimento religioso aboliu diversas manifestações praticadas pelo
Catolicismo Romano principalmente aquelas relacionadas à valorização exacerbada da utilização de
diferentes mecanismos na relação entre o homem e Deus, como por exemplo, o uso dos santos e de
suas relíquias (santuários, imagens, medalhas, milagres, etc.).
84

a Igreja ou contra qualquer componente de uma ordem religiosa. Para Nolan e Nolan
romaria é apenas “uma especificidade das línguas espanholas e portuguesas
significando jornadas mais curtas ou pequenas peregrinações” (apud STEIL 2003a,
p. 33), que envolviam as participações comunitárias, combinando aspectos festivos e
devocionais.

Este sentido parece ser o mais popularizado no senso comum, fazendo-se


presente também nas considerações dos autores atuais do turismo quando tratam
de caracterizar aos deslocamentos religiosos ligando-os quase que exclusivamente
a movimentação física e a necessidade de utilização das estruturas turísticas. Turner
em extenso trabalho de análise das peregrinações ao redor do mundo, desenvolveu
interpretações múltiplas sobre movimentações nas diferentes religiões. Interessante
perceber que o autor não faz correlação entre as peregrinações e o turismo, isto é,
apesar de afirmar que “hoje, peregrinações, são vividas como outras formas de
atividades de lazer, organizadas, burocratizadas e sujeitas a influência dos
modernos meios de transporte de massa e comunicação, mediados o tempo todo
por agências de viagens” (1978, p. 37-38). Afirma ainda, que se encontrem
paróquias em procissão com seus estandartes caminhando para pequenos centros
de peregrinação, porém, “a maior característica da moderna peregrinação é a
mistura com o turismo, e envolve uma jornada maior, usualmente feita em modernos
meios de transportes, para santuários nacionais ou internacionais” (1978, p. 37-38),

A seguir, no próximo item continua-se a apresentação das informações sobre


as transformações na religiosidade popular, agora, ocorridas no Brasil, as quais se
entendem, levaram a diversas transformações da religiosidade popular, e, portanto,
das atividades realizadas nos santuários.

2.3 AS TRANSFORMAÇÕES DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL

Para compreender a realidade atual dos deslocamentos religiosos no Brasil é


preciso, antes de tudo, efetuar uma aproximação histórica destas movimentações.
Inicialmente, através da correlação de suas dinâmicas com as suas origens
eminentemente portuguesas (a maioria das devoções, o gosto pelas procissões, o
85

hábito das romarias e a crença nos milagres), como através da descrição das
ocorrências dos santuários como ponto alto das manifestações e das festas nos
diferentes locais do território brasileiro, pois estas sofreram diversas transformações
nestes 500 anos. Estas ocorrências foram subdivididas em dois momentos que
permitem uma maior compreensão e análise para a Tese: as transformações
ocorridas nos primeiros quatro séculos de religiosidade (oficial e popular), de 1500 a
1900 e estão identificadas e apresentadas no tópico 2.3.1. Neste tópico, se
descrevem as diferentes nuanças que caracterizaram e simbolizaram a
representação da fé. O segundo momento as transformações ocorridas nos últimos
cem anos, que vão de 1900 ao ano 2000, identificadas e apresentadas no tópico
2.3.2. Estão separadas, visto que, a Igreja, buscou neste período alicerçar a fé
popular noutros moldes quando comparados aos séculos iniciais, e, principalmente
recuperar o controle sobre esses locais, através da inclusão de mudanças, bem
como da negação de estratégias antes disseminadas.

Para Chauí essa resposta da igreja estaria colocada dentro da estratégia de


manutenção da sua universalização, evitando com essas ações cair para a condição
de individualização, isto é, esta individualização roubaria da igreja “a legitimidade de
valer igualmente para todos” (1982, p. 64), visto que ser uma instituição “lhe tiraria o
poder sobre os homens agora tomados universalmente como cidadãos e apenas
enquanto particulares como fiéis” (1982, p. 64).

2.3.1 Transformações nos deslocamentos religiosos brasileiros (1500-1900)

Oliveira (1985) desenvolveu seu estudo concentrando-se na visão da


estrutura religiosa da Igreja Católica na manutenção do status do Estado e das elites
brasileiras no período que vai de 1500 a 1960. Ao fazê-lo vai apresentando os
valores que são introduzidos ou abandonados pelo clero, sendo que essas
transformações descritas oferecem uma percepção sobre os diferentes valores que
contribuíram com a formação dos fiéis brasileiros, ligados ao catolicismo popular.
Oliveira define catolicismo popular como sendo “o conjunto de representações e
práticas religiosas dos católicos que não dependem da intervenção da autoridade
86

eclesiástica37 para serem adotadas” (1985, p. 113). Para Oliveira essas práticas
estabeleceram-se em face do tamanho físico do país aliado à ausência generalizada
do aparelho religioso (isto é, baixíssimo número de religiosos em contato direto com
o povo) desde o descobrimento em 1500 até o estabelecimento da República em
1889, momento decisivo na implantação de novas dinâmicas religiosas no Brasil
(principalmente a Romanização) (1985, p. 113).

Ainda para Oliveira (1985), os elementos do catolicismo popular


desenvolveram-se, principalmente, junto às capelas das irmandades, das confrarias
e das ordens terceiras, bem como nas capelas rurais administradas quase sempre
por leigos, sendo que estes assumiam a maior parte dos serviços religiosos como a
organização das festas ao santo padroeiro, as missas oficiais, os cultos, os funerais
e missas de defuntos, a ajuda mútua e a assistência médica. Para Oliveira, (1985, p.
115), no Brasil Colônia, para os fiéis a imagem do santo era importantíssima, pois
era através dela que se podia acessar ao santo e se sublimava o contato com Deus.
Outro aspecto importante estava em que “os santos estão ao alcance de qualquer
fiel, sem que intervenha alguma mediação institucional entre eles”.

E esta é uma das principais características do catolicismo popular que se


estruturou no Brasil desde sua descoberta e que perdura até hoje em muitos locais,
onde a religiosidade católica popular se expressa concomitante a uma discreta
presença dos padres. Essa proximidade física dos santos com seus fiéis davam e
dão a qualquer um o direito de conversar diretamente com o seu santo protetor,
independente dos respeitos aos dogmas e normas aplicadas pelo Clero (tome-se
como exemplo o Padre Cícero no sertão nordestino indicado na nota de rodapé
número 11, ou o exemplo de Frei Galvão de Guaratinguetá, cidade colada a
Aparecida, mas que não faz parte das estratégias católicas como Nossa Senhora).
Oliveira (1985, p. 114) indicou que “assim o catolicismo popular conhece uma
multidão de santos, desde aqueles oficialmente reconhecidos pelo magistério
eclesiástico, até os santos locais cujo culto não dura mais do que duas ou três
gerações”, desaparecendo, ou sendo substituído por outro. Oliveira (1985, p. 114)
afirma que neste período os santos são as representações fundamentais do
catolicismo popular, sendo dotados de poderes sobrenaturais, são tidos como

37
Autoridade eclesiástica é o corpo de agentes religiosos institucionalmente qualificados para a
direção dos fiéis e dos trabalhos religiosos católicos.
87

capazes de influenciar o curso da vida e da natureza, bem como a relação entre


Deus e os homens se dá através da intermediação dos santos. Oliveira (1985, p.
131-132) entende que as aproximações dos fiéis com os santos de devoção
aconteciam principalmente nos santuários, que podiam ser locais de ocorrência de
algum milagre, passando às ermidas (onde viviam pessoas chamadas de ermitões
por haverem abandonado a vida mundana concentrando-se em orações e
penitências) e às capelas locais.

O autor indica que a dinâmica nestes santuários foram incentivados pela


renovação espiritual ocorrida em Portugal nos fins do século XVII, relacionadas a
uma valorização da meditação e da penitência; com o lema ‘padecer e amar’, tendo
como exercícios preferidos a via-sacra, a oração mental, com o uso eventual da
mortificação corporal pela autoflagelação. Azzi38 (1977) desenvolveu profundo
trabalho sobre o processo de implantação do catolicismo no Brasil, bem como as
instabilidades da relação das autoridades eclesiásticas com o povo, afirmando que o

[...] catolicismo popular ou tradicional a forma predominante nos primeiros


três séculos de cultura cristã no Brasil, cujos principais aspectos são:
construção de cruzeiros, oratórios e ermidas, constituição de irmandades,
ordens terceiras e santuários, realização de romarias e procissões, ênfase
no aspecto devocional em detrimento do sacramental e realização de festas
religiosas (1977, p. 130).

Para o autor (1977, p. 130), “a romaria era um dos atos mais sagrados da
devoção popular, tida como um sacrifício: o de ir venerar o santo em sua casa. Uma
das expressões fundamentais da fé residia na promessa: pagar promessa era uma
das obrigações fundamentais do catolicismo popular”. Continua afirmando que “os
santuários constituíam centros de devoção para os quais os devotos seguiam em
romarias para a veneração do santo e cumprimento das promessas, ao lado do
santuário surgia, com freqüência, a chamada casa dos milagres, onde os devotos
deixavam os seus ex-votos como testemunhos das graças alcançadas”. Em
concordância a essa informação, Oliveira (1985, p. 135) descreve a “co-existência
de práticas religiosas católicas oficiais que convivem com valores auto produzidos
localmente, as quais podem até ser opostas”. Assim, observando-se diferentes
classes sociais participantes de uma mesma devoção religiosa, se encontrará
diversas representações e práticas religiosas dentro desta, cada qual moldada com

38
Riolando Azzi estudioso da religiosidade católica popular é um dos maiores estudiosos da evolução
da Igreja católica brasileira possuindo muitas obras sobre a história da Igreja Católica.
88

elementos específicos de cada grupo social. Além dessa situação, Oliveira (1985, p.
135) apresenta a existência de um código moral operado no catolicismo popular
onde, a despeito do código jurídico oficial,

as transgressões a suas normas são punidas pelas sanções religiosas e


pelas sanções sociais do grupo, que castiga os transgressores por meios
simbólicos – como o rebaixamento do status social, a perda do prestígio, a
vergonha – mais do que pela violência.

Entende-se que este código observado pelos fiéis é um aspecto bastante


importante a ser conhecido e dominado pelos estudiosos do turismo, para se possa
compreender às dinâmicas dos ambientes religiosos onde acontece também, não só
o turismo, pois conforme Durkheim (1996, p. 372-3) ocorre um estado de

dependência entre os seres sagrados e o homem, que se renova todo o


momento que estes se reúnem para a solução de uma situação problema
do dia-a-dia, e os problemas do cotidiano fortalece a relação dos homens
com o sagrado e a imagem destes.

Soihet (2002) desenvolveu estudos sobre a Penha no Rio de Janeiro39,


concentrando-se em analisar o ambiente que se desenvolvia em torno da festa do
final do século XIX até os anos de 1920, com a presença de diferentes grupos
sociais, principalmente aqueles economicamente menos favorecidos (os homens
rudes e simples afeitos ao trabalho formidável de todos os dias, os populares, a
gentinha miúda da cidade). Completando a uma afirmação anterior de Oliveira
(1985), também Soihet (2002) apresenta a festa como decorrente da tradição
portuguesa presente na cidade, confirmando que no início, apenas os portugueses
participavam da romaria popular, mas que a partir do segundo quartel do século XIX
os negros tomam conta daquele espaço transformando-o em local de festa. É
naquele local, que, segundo Soihet ocorrem os primeiros ‘ajuntamentos de negros’,
que buscam dançar samba, batuques ou capoeira num processo que havia sido
iniciado pelos portugueses que cantavam fados e o vira, bem como consumiam seus
tradicionais alimentos nas barracas. Afirma a autora (2002, p. 345), que,

39
Nossa Senhora da Penha, no subúrbio da Penha no Rio de Janeiro é um famoso santuário que se
estabeleceu sobre um rochedo de 65 metros de altura, com 382 degraus. A primeira imagem
colocada no local foi em 1635 numa ermida mandada fazer quando o capitão Baltazar Abreu de
Cardoso em homenagem a um pedido de ajuda seu a um ataque de serpente quando visitava o local,
sendo que a atual igreja é do século XIX. É tradição ainda hoje ocorrerem shows de música popular e
concursos de músicas de carnaval e festas populares bastante concorridas (SOIHET, 2002).
89

40
[...] durante a festa o local assumia características de arraial todo
embandeirado, cabendo sua organização à comissão de festeiros da
41
Irmandade da Penha. Constava de missa solene, cerimônia de benção,
barraquinhas de prendas, jogos, comidas e vendas de medalhas.

Porém, também afirma que, “os devotos buscavam, em geral, cumprir


inicialmente a parte mais formalmente religiosa, assistindo a missa, celebrada de
hora em hora por toda a manhã e/ou efetuando o cumprimento de alguma
promessa” (2002, p. 346). Perceba-se que estamos no fim do século XIX e o maior
santuário carioca era administrado por leigos reunidos em Irmandades por afinidade
a um determinado santo, visto que esta era a prática usual em toda a história
daquele lugar, além disso, encontramos também uma gama de diferentes atividades
desenvolvidas pelos fiéis da época, muitas delas relacionadas ao mundo
considerado profano, isto é, em oposição ao sagrado.

Soihet (2002, p. 350-351) aprofunda sua argumentação em relação ao fato de


que a Igreja, após 1907, iniciou uma sistemática oposição sobre a forma como a
festa ocorria. Em primeiro lugar condenando os excessos cometidos pela massa
popular, depois, assumindo a condução do processo com a mudança radical dos
festejos com a submissão da Irmandade para com o Prelado local e depois com a
eliminação do jogo, das rodas de samba, da embriagues, entre outras limitações. Tal
submissão não se aplicou com tanta intensidade em todos os locais de expressão
da religiosidade popular, basta ver na afirmação de Nascimento (1999, p. 2) quando
diz que este, “reproduz durante os séculos de sua existência, o perfil característico
dos maiores centros brasileiros de devoção”. No santuário da Trindade reproduziam-
se as condições informadas por Soihet no Rio de Janeiro, tendo Nascimento
indicado que (1999, p. 2) “durante a festa, o local atrai uma multidão para visitar a
imagem, participar das missas e das procissões, além disso, há um gigantesco
comércio de ambulantes e barracas de comida e jogos”.

Estes elementos formam a dinâmica básica da relação entre fiéis e os santos


de devoção popular nos santuários, ocorrendo em todos os recantos. Oliveira (1985,

40
Arraial: lugar onde há festejos e aglomeração popular ou ajuntamento festivo de povo (Laudelino
Freire, 1957, p.739). Pierre Sanchis na obra “Arraial: festa de um povo: as romarias portuguesas”.
Lisboa: Dom Quixote, 1983, produziu diversas informações sobre as tradições das romarias
realizadas em Portugal e que se estabeleceram no Brasil com a vinda dos imigrantes.
41
O termo Irmandade significava um conjunto de irmãos, uma confraria, liga ou associação
(MAGALHÃES, 1955 p. 939) que se organizavam em função de sua relação com um santo de
devoção. Elas assumiam quase todas as funções religiosas durante a ausência dos padres.
90

p. 279) em seu estudo sobre a relação direta da religiosidade e dominação de classe


indica que a partir de 1824 com D. Pedro I inicia-se uma reforma nas ordens
religiosas, visto que estas se mantinham fiéis aos superiores em Portugal
permanecendo dentro dos conventos ou próximos de suas paróquias apenas, e,
portanto, posicionavam-se contrárias a política do Estado - que era a de manter a
ordem do todo através da unidade religiosa.

Esta reforma vai se solidificar com a implantação do processo conhecido


como ‘romanização do clero’. Isto é, “moldar o catolicismo brasileiro conforme o
modelo romano onde eram valorizados a espiritualidade centrada na prática dos
sacramentos e o senso da hierarquia eclesiástica” (OLIVEIRA, 1985, p. 279). O autor
cita do documento produzido por Dom Macedo Costa redigido em 1890, denominado
‘Pontos da reforma da Igreja no Brasil’, que previa mudanças nas conferências
episcopais, nas missões, no clero, junto aos colonos imigrantes, nos seminários, nas
ordens, nas confrarias e nas dioceses. Uma das faces da romanização, segundo
Oliveira (1985, p. 288), foi o uso da substituição das devoções tradicionais nas áreas
urbanas, pelas novas devoções de origem européia, estratégia que trouxe a
substituição das antigas irmandades e confrarias (Santo Antônio, São Benedito,
Santa Bárbara, São José, Bom Jesus) por novas associações paroquiais ainda hoje
existentes (Sagrado Coração de Jesus, Imaculada Conceição, Sagrada Família e
São José) que atuavam profundamente junto aos fiéis. Isso explica diversas
situações que encontramos atualmente na realidade brasileira da religiosidade
católica popular: certos locais sofreram abandono oficial, outros passaram a receber
pesados investimentos pela Igreja. Schneider (2001, p. 34) ao descrever a história
do garoto Agostinho Marmo42 considerado santo pela população, identificou outra
estratégia, que foram as ‘Sagradas Missões’, “que se fez em base acentuadamente
moralista, dando ênfase às ‘verdades eternas’ do pecado, da morte e do inferno,
visando às reformas dos costumes do povo”. Segundo a autora,

[...] o ensino do catecismo foi difundido e o culto eucarístico promovido,


assim como é intensificada a freqüente confissão e comunhão. A devoção
do mês mariano é difundida, e também se introduz o costume das festas
solenes de primeira comunhão (SCHNEIDER, 2001, p. 35).

42
Aprofundado na obra intitulada Memória e história: misticismo, santidade e milagre em São Paulo.
São Paulo: T. A. Queiroz. 2001 onde apresenta a vida e o sofrimento nos poucos anos de existência
do menino, bem como o processo de transformá-lo em santo, a despeito da oposição oficial da igreja.
91

Isso porque naquele momento o catolicismo popular era visto pelos


reformadores como que “eivado de paganismos e ‘imperfeições’, o catolicismo de
origem européia continuará, na Colônia, a mesclarem-se com elementos que lhe
eram estranhos, multifacetados, muitas vezes com a própria religião africana
transmigrada” (SCHNEIDER, 2001, p. 35). Os novos sacramentos que aos poucos
deveriam ser incutidos no povo aparecem, com efeito, neste caso do garoto Marmo,
pois quando da construção da biografia do menino feita por um padre, nela
constavam elementos que a Igreja considerava importantes como: o nascimento, o
batismo, amor e sofrimento, o mais belo dia na vida do menino (a primeira
comunhão), o devoto do menino Jesus e de Nossa Senhora, os quais seriam
utilizados para modificar as dinâmicas do povo, bem como retirar deles a
necessidade de transformá-lo em santo popular.

Por outro lado, Oliveira (1985, p.288) afirma que para controlar as áreas
rurais, imensas e dispersas pelo território, se fez uso do controle sobre os
santuários, locais de grande afluência e concentração popular, agregando também o
controle sobre as romarias: “procuram diminuir o seu número, só permitindo a
realização de romarias com autorização eclesiástica”. Isso porque,

[...] as razões encontradas para confiarem os santuários às congregações


foram: combater as superstições e o fanatismo, catequizar, exercer o
controle financeiro sobre as esmolas trazidas pelos romeiros destinando-as
a obras prioritárias como seminários e moralizar as romarias.

Confirmando as contínuas transformações por que passou a igreja, Steil (1996)


ao analisar o ‘Relatório sobre as condições sócio-religiosas no santuário do Bom Jesus
da Lapa’ conseguiu resgatar as mudanças nas estratégias dos discursos da Igreja
frente aos fiéis e sua relação com o sagrado, baseados no Concílio Vaticano II43 e em

43
Ao ser iniciado o Vaticano II em outubro de 1962, a liturgia era na realidade um assunto prioritário,
o primeiro assunto a ser discutido e, pode-se dizer também, o único assunto a ser discutido no
Concílio durante o pontificado de João XXIII. Já que a Missa é o centro da liturgia, e a Missa é um
sacrifício, tratou-se primeiramente da natureza do sacrifício em geral, depois de como ele entrou no
Cristianismo e as intervenções do Magistério da Igreja em relação à missa até antes do Vaticano II
(STEIL, 1996, p. 37). As orientações do Papa João XXIII sobre os objetivos do Concílio eram mais
genéricas: "revestir o clero de novo fulgor de santidade", "instruir o povo nas verdades da fé e da
moral", sem que se mencionasse nelas nenhum problema litúrgico. Em 5 de junho de 1960 João XXIII
instituiu onze comissões preparatórias para estudar os diversos problemas da Igreja no mundo
moderno. Havia uma Comissão Teológica, para examinar os problemas relativos à Sagrada Escritura,
tradição, fé e costumes; e outras para os bispos e governo das dioceses, disciplina do clero,
religiosos, sacramentos, liturgia, seminários, Igreja Oriental, missões, apostolado dos leigos, meios de
comunicação (STEIL, 1996, p. 37).
92

oposição às práticas implantadas pelos Redentoristas44 no final do século XIX. Neste


documento, segundo Steil (1996), a Igreja se vê como parte importante da
sociedade e não apenas restrita ao santuário, passando a organizar ações de cunho
religioso que pudessem auxiliar diretamente nos destinos da sociedade brasileira.
Percebem-se aí as novas mudanças nas estratégias da Igreja, pois, se em 1890 os
Redentoristas provocaram diversas mudanças nas dinâmicas do catolicismo popular,
inclusive sobre as romarias, neste momento novamente o fizeram em função de
objetivos traçados por níveis hierárquicos superiores, provavelmente de Roma.

No Relatório o santuário é caracterizado como ‘um foco de ilusão religiosa a


prolongar indefinidamente certa mistificação do cristianismo’ que transforma de
forma reduzida “a religião a um comércio com Deus” apenas (STEIL, 1996, p. 263).
Apresenta-se uma nova estratégia para dessacralizar45 o espaço do sagrado do
santuário, destituindo dele todos os mistérios, principalmente pela desativação dos
mitos e das imagens como fontes de mistificação do sagrado, elementos até então
básicos na expressão da fé dos romeiros. Perceba-se que o ocorrido na Lapa
(indicado por Steil) vai se repetir em todo o país, em maior ou menor grau de
pressão. Em suma o novo pensamento era o de “destituir a peregrinação para a
Lapa de sua efervescência e intensidade místicas e inscrevê-lo dentro do conjunto
das práticas ordinárias do catolicismo oficial renovado”46 (STEIL, 1996, p. 263), o
qual valoriza outros elementos incorporados após o Concílio Vaticano II. Esse
aspecto precisa ser aprofundado no decorrer das percepções dos estudiosos dos
ambientes da religiosidade popular, uma vez que é a partir dessa política que as
atividades e os significados das ações dos fiéis se transformarão, bem como a
evolução dos santuários. Tome-se como exemplo Bom Jesus de Iguape (SP), que
não sofreu esse processo de dessacralização com a mesma intensidade, ou memso
de renovação tão acentuada.

44
Os Padres Redentoristas alemães entraram no Brasil no final do século XIX (1894). A eles foi dada
a administração de diversos santuários, como o da Lapa na Bahia, do Pai Eterno em Trindade, Goiás
ou o de Aparecida em São Paulo, uma vez que sua fama era de bons administradores de santuários.
45
O significado do termo dessacralizar é bastante amplo, porém popularmente pode dizer que
significa tirar o poder sagrado de alguma coisa a que se dava o valor de sagrado. Este processo
colocado em curso nos santuários objetivava que as Congregações tomassem as rédeas das mãos
dos fiéis e das irmandades.
46
O catolicismo renovado permitiu fazer com que os diversos grupos que se denominavam católicos,
mas que não satisfizessem as exigências e dinâmicas do clero pudessem participar das atividades
religiosas nos santuários. A esses devemos somar os que valorizavam os relatos bíblicos, os valores
e princípios morais, os mitos católicos e milenaristas, os santos e heróis do catolicismo colonial, as
visões de mundo tradicionais e secularizadas, etc. (STEIL, 1996, p. 57 e 272).
93

Para Bauman (1999, p. 90) a explicação à instalação da dessacralização pelo


esvaziamento simbólico se estabelecer na sociedade atual, e, portanto, também na
religiosidade, está em que “a cultura da sociedade de consumo envolve, sobretudo o
esquecimento, não o aprendizado”. Eliade (1992, p. 45) ao descrever sobre a
dessacralização da morada humana como uma etapa das transformações religiosas,
afirma categoricamente que o

processo faz parte integrante da gigantesca transformação do mundo


assumida pelas sociedades industriais – transformação que se tornou
possível pela dessacralização do Cosmos, a partir do pensamento
científico e, sobretudo, das descobertas sensacionais da física e da
química.

Para Bauman (1999), com efeito, quando a espera é retirada do querer e o


querer da espera, a capacidade de consumo dos consumidores pode ser esticada
muito além dos limites estabelecidos por quaisquer necessidades naturais ou
adquiridas; também a durabilidade física dos objetos do desejo não é mais exigida.
Assim, para Bauman (1999, p. 90) o que vem ocorrendo no turismo em geral é,

[...] uma relação tradicional entre a necessidade e sua satisfação, que é


revertida na promessa e na esperança de satisfação, as quais precedem à
necessidade que se promete satisfazer e serão sempre mais intensas e
atraentes que as necessidades efetivas.

Entende-se que este fato não está comportado pelo todo do universo dos
deslocamentos religiosos pela fé, ou mesmo do universo dos turistas nos locais de fé
e que, portanto, exige dinâmicas mais específicas do que a satisfação daquelas
necessidades supridas pela estrutura turística a um turista. É importante perceber
que o santuário de Aparecida no estado de São Paulo47 foi o precursor da
implantação do controle dos padres sobre as movimentações religiosas populares,
por dois motivos.

O primeiro relacionava-se a sua localização geográfica, porque fica muito


próximo das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Para entender-
se o segundo motivo, porque Aparecida (e não um dos muitos outros santuários

47
A história do santuário começa com os pescadores que encontraram a imagem da santa nas águas
do rio Paraíba. Aparecida passou por diversas etapas desde que em 1740 foi construída a primeira
capelinha erigida próximo ao porto de Itaguaçú, após em 1745, construiu-se no morro dos Coqueiros
uma capela em homenagem a Conceição Aparecida, sendo que esta foi ampliada entre 1760 e 1770
(Almanaque de N. S. Aparecida, 2004, p. 156). A atual Basílica, também chamada de ‘basílica nova’
foi construída em um novo local que permitiu aumentar consideravelmente o número de fiéis (in:
Jornal do Brasil Caderno Roteiros da Fé. 11.09.2000, p. 27-8).
94

espalhados pelo país) foi escolhida para a implantação da renovação, utiliza-se


novamente de Fernandes (1994, p. 107) que fez um pequeno histórico indicando
que isso ocorreu em face que “Nossa Senhora da Conceição tem sido a Padroeira
de Portugal e de seus Domínios Ultramarinos desde 1646, por um ato de D. João IV.
Ela foi confirmada como Padroeira do Império brasileiro por D. Pedro I”.

Efetivamente Aparecida conseguiu manter seu poder diante dos outros


santos, pois que “foi coroada em oito de setembro de 1904”, e, em “1930 o Papa Pio
XI declarou Nossa Senhora da Conceição Aparecida a Padroeira do Brasil”
(FERNANDES, 1994, p.107). Referindo-se às mudanças implantadas no santuário
de Aparecida, Fernandes descreve as transformações administrativas do local,
indicando que somente a partir de 1900 é que se estabeleceram as romarias
episcopais no país, dentro de uma política de promoção de romarias populares, mas
com controles exclusivos dos padres redentoristas alemães, instalados no local a
partir de 1894. Segundo o autor, antes disso existe apenas o registro de uma
romaria organizada por padres da Igreja, é de 1873 e, “foi dirigida pelo padre de
Guaratinguetá, a cuja jurisdição pertencia o santuário” (FERNANDES, 1994, p. 123).

Ainda, segundo o autor, nesta data as romarias independentes completavam


100 anos de existência, demonstrando que o povo em geral, independente dos
controles oficiais mantinha-se em constante visita ao local, uma prova da longa
existência dos deslocamentos religiosos populares. Deve-se perceber que dentro da
estratégia de elevar os santuários ligados à figura de Nossa Senhora (em suas
diversas possibilidades), houve um demérito em relação aos outros santuários,
mesmos àqueles mais antigos e mais tradicionais na atração dos fiéis brasileiros,
como foi o caso de Guaratinguetá, Iguape, os quais passaram a ser vistos como
retrógrados e ficaram estagnados quando se observam as estratégias e as ações
das congregações, tal qual se vê no crescimento contínuo e descomunal que
ocorreu e ocorre em Aparecida.

Alves (2005, p. 172) confirma as informações relacionadas ao Reino e as


Colônias portuguesas, bem como sobre D.Pedro I, indicando também que, face aos
problemas religiosos regionais que vinham ocorrendo no final do século XIX e início
do XX (Canudos, Contestado, Juazeiro), e, mesmo “descontente em relação à
ideologia do governo, neste período a Igreja emprestou as suas forças para auxiliar
o estado na manutenção da ordem, já que o messianismo atingia diretamente o seu
95

poder sobre as almas”, objetivando com isso evitar a dispersão de forças religiosas,
através da escolha de Maria.

2.3.2 Estratégias da Igreja Católica com relação aos deslocamentos religiosos


brasileiros (1900-2000)

A seguir desenvolvem-se algumas considerações relacionadas a mudanças


ocorridas nos espaços dos santuários brasileiros onde as dinâmicas das
congregações religiosas continuaram a se transformar, e, portanto, continuaram a
interferir nas dinâmicas dos deslocamentos religiosos.

Para compreender a situação atual das orientações de Roma aos


deslocamentos religiosos e a relação entre os representantes das congregações dos
santuários e os representantes dos poderes públicos, bem como os empresários do
turismo em geral, deve-se perceber alguns aspectos relacionados à estruturação
recente da Igreja, com influência direta no mundo do turismo. Assim, para entender o
que vem ocorrendo nos espaços do sagrado nos santuários brasileiros, se deve
aprofundar ainda mais as percepções acerca das relações que se estruturam e dos
papéis concomitantes aos espaços profanos que se incorporam continuamente
nestes locais. Vários autores como Fagundes (2004), Fernandes (1994), Brandão
(1986), entre outros conseguem identificar diferentes ‘momentos’ que ocorrem
concomitantes nos santuários. Nascimento (1999, p. 2) entendeu que a reza é um
importante fator de sociabilidade, na qual os romeiros podem ampliar suas relações
sociais para fora do âmbito da intimidade familiar. A reprodução do modelo de
romaria em outras festas tradicionais da região do santuário de Trindade em Goiás
evidencia que essas manifestações do catolicismo popular estão sendo redefinidas:
elas incorporaram as novas modalidades de festividades modernas, mas, não
deixaram de ter como parâmetro a tradição e sua memória.

O autor sugere que, quando foi conveniente, essas festas trouxeram da


cidade elementos para uma re-elaboração das suas tradições, provenientes da zona
rural e vice-versa, numa troca permanente. Para Steil (1996, p. 57), Bom Jesus da
Lapa na Bahia possui muitos elementos sagrados, como
96

os relatos bíblicos, os valores morais, os mitos católicos, as orações oficiais


e clandestinas, os santos e heróis do catolicismo colonial e moderno, as
cosmologias religiosas e as visões de mundo tradicionais e secularizadas,
entre outros, bem mais extensos que a racionalidade dos padres é capaz de
abarcar” (1996, p. 57).
Tais elementos vêm gerando um universo muito grande de possibilidades,
tanto de vivência por parte dos fiéis, quanto de interpretação por parte dos cientistas
sociais. Porém, Steil (1996, p. 56) admite e justifica a existência de outros espaços,
afirma que, sobre a coexistência de diferentes interesses sobrepostos no espaço do
santuário da Lapa,

[...] os peregrinos parecem não ter a mesma preocupação que os dirigentes


do santuário em diferenciar as devoções tradicionais e modernas, mas
transitam entre elas a partir de uma representação do santuário que
engloba todas as manifestações do sagrado que possam vir a surgir neste
espaço.

Generalizando essa condição, entende-se que cabe a todos os cientistas


sociais que se debruçam sobre estes espaços de transição, tomar pé da situação,
evitando utilizar-se de expressões delimitantes em relação às formas de expressão
da fé e de as suas dinâmicas, ou comportarem-se criticamente sem a devida
compreensão do todo que pode ser multifacetado. Confirma Steil (1996) que
ocorreram muitas trocas simbólicas no santuário do Bom Jesus, inclusive mediadas
pelo dinheiro, e também por um comércio paralelo à fé, administrado tanto pelos
religiosos como pela população, fato que, como ocorre noutros santuários
brasileiros, e que motivam diversos momentos de tensão entre o poder público, os
religiosos e os comerciantes que convivem nestes espaços. Steil (1996, p. 82)
identificou essas diversas mercadorias presentes no Bom Jesus, como sendo:

[...] objetos religiosos (imagens rosários, estampas de santos, medalhas),


brinquedos de plástico e bonecas, objetos decorativos para a casa,
artesanato de couro, utensílios domésticos, ferramentas de trabalho,
vestuário e calçados, aparelhos eletrônicos, armas de fogo, etc..

Cada um dos grupos participantes deste comércio possui seus argumentos


para fazê-lo, muitas vezes em detrimento dos outros, aos quais se imputam sempre
os problemas inerentes a uma ética que se baseia na contradição da fé com as
transações. Segundo Steil, para os romeiros o comércio é parte da festa, pois, levar
uma lembrança do santo “é uma forma de prolongar a presença do Bom Jesus no
seu cotidiano” (1996, p. 83). Os padres alegam que a loja financia a formação de
seminaristas, os moradores alegam que há muito estão lá instalados (muitas vezes
97

dentro das grutas), mesmo antes dos redentoristas e o poder público entende ser
naturalmente responsável pelo controle sobre o comércio em geral.

Segundo Steil (1996) para os romeiros, nestes momentos acontece a chance


de encontrarem uma grande diversidade de ofertas, ausente em seus cotidianos,
fato que estimula o desenvolvimento deste comércio. Para Steil (1996, p. 86), no
entanto, por mais que aos fiéis pareça ser a romaria uma forma tradicional de
manutenção da fé, estas vêm se transformando continuamente num ‘palco de trocas
culturais e de idéias. Um ponto de encontro de crenças ortodoxas e dissidentes, um
universo de difusão de costumes e valores antigos e novos, um lugar de transações
rituais e econômicas e uma arena de disputas de discursos seculares e religiosos
“[...] ainda que para muitos cientistas sociais, essa evolução das estratégias da igreja
e das dinâmicas dos fiéis não seja algo a considerar”.

Moraes (2000, p. 4) percebeu que essa situação ocorria nos fiéis de


Aparecida em relação às romarias, porém não soube aprofundar a percepção noutro
aspecto por ela indicado quando afirmou que

é importante salientar que o esvaziamento da dimensão simbólica não se


deve apenas à forma de organização das romarias, mas também aos novos
rumos da ação pastoral da Igreja após o Concílio Vaticano II. [...]
preocupando em direcionar suas ações para a preparação dos peregrinos,
em especial os sacramentos da penitência, eucaristia e evangelização.

A autora começou a responder os porquês dos fiéis estarem alijados,


segundo ela, da participação política, bem como, colocarem nas mãos dos santos de
devoção o seu destino e os seus problemas, porém isso não ocorreu com
profundidade. A mesma constatação foi realizada por Nascimento (1999, p. 2) ao
analisar o santuário da Trindade em Goiás, afirmando que

foi a partir do Vaticano II (1962 e 1965) que os padres do santuário


passaram a fazer as celebrações sem interferir abertamente nas formas de
religiosidade católica popular. Hoje a proposta dos padres está voltada
somente para as celebrações nas igrejas, para as confissões e as
procissões da penitência.

Nascimento (1999, p. 2) considera a romaria de Trindade em Goiás como


“uma prática que engloba a dinâmica do tradicional e do moderno, do religioso e do
secular, sem perder a sua especificidade. Romaria não é apenas uma manifestação
do catolicismo popular”. Para esta autora aspectos ligados a um estilo de vida
98

tradicional, que inclui o catolicismo rústico, persistem ao lado de outros novos,


ligados a uma cultura das cidades, na qual se aproxima a dinâmica dos santuários
especialmente durante as festas. Assim, ”a romaria mantém elementos tradicionais
dessa forma de devoção e, ao mesmo tempo, não está fechada nem vulnerável às
transformações que provêm de um mundo urbanizado” (1999, p. 2).

Enquanto aqui no Brasil, conforme indicado acima, os santuários continuaram


com seus problemas cotidianos em relação às formas e aos objetivos das
movimentações religiosas de seus fiéis, enquanto na Europa a Igreja católica buscou
aproximar-se dos elementos que compõe o turismo nos santuários, construindo
teorizações de objetivos e dinâmicas a serem implantados através dos
procedimentos emanados da Conferenza Episcopale Italiana48 (CEI) que,

interessada na situação peculiar do entrelaçamento intenso do processo de


locomoção baseada na fé (romarias, peregrinações, etc.), mais as
necessidades físico-espirituais advindas do deslocamento geográfico
(planejamento turístico), criou a Diretório Geral para a Pastoral de
49
Turismo , que segmentou-se nos diferentes países sob a forma das
pastorais do turismo” (CHRISTOFFOLI, 2004, p. 387),

Ou seja, através das estratégias e dinâmicas do turismo, pretende aumentar


ainda mais a disseminação dos valores religiosos. Isso faz perceber que muitos são
os interesses relacionados às ações da Igreja por meio das pastorais do turismo
européias, no contexto dos locais onde acontecem os encontros entre os visitantes e
as comunidades, fazendo crer que, essas ações pressupõem também objetivos
comuns, com os responsáveis pelo turismo, visando à observância de elementos
muito além do consumo em si, como por exemplo, os elementos humanistas.

Na Europa essas pastorais vêm desenvolvendo atividades ligadas à recepção


e acomodação dos peregrinos, incluindo a sistematização de locais relacionados a

48
A Conferência Episcopal Italiana (CEI) é um órgão da Santa Sé da Igreja Católica. Sediado em
Roma possui diversas funções na estrutura organizacional, sendo uma delas a institucionalização de
novas ações e políticas de turismo junto às diferentes Congregações. Como o turismo é percebido
como um momento ímpar de reunião das pessoas, o CEI vem desenvolvendo intensas discussões,
em diferentes instâncias da Igreja, na busca da utilização desses momentos para a sensibilização
religiosa. Para isso a igreja vem formando quadros de trabalhadores com formação específica para o
atendimento de fiéis e de turistas, com vistas a um aproveitamento das viagens com fins religiosos
em todas as ações praticadas. São desenvolvidos eventos (seminários, palestras, congressos) com o
fim único de valorizar o turismo dentro da perspectiva do CEI.
49
É o Departamento dentro da CEI que coordena diretamente todas as ações relacionadas ao
turismo, desde a definição das políticas de ação, passando por eventos nacionais e internacionais
(jornadas de formação de recursos humanos, por exemplo) ou até a edição de textos básicos e livros
como os acima indicados.
99

esses serviços, assim como a definição das dinâmicas de distribuição e venda das
lembranças. Porém, a expectativa da Igreja é de que com esse incremento da
movimentação humana atual seria necessário que houvesse “a admissão no circuito
turístico de novos conteúdos e de novas aberturas na perspectiva da promoção
humana e da cultivação da espiritualidade, sem dúvida, impeliu o turismo a um
horizonte mais idôneo às complexas exigências do homem pós-moderno” (MAZZA,
2001a, p. 1).

Inicialmente a sistematização proposta pela igreja parece utilizar-se de


elementos relacionados às formas economicistas tradicionais de estruturação do
turismo, porém, com mais cuidado observam-se objetivos muito mais profundos,
onde estariam colocados aspectos como a fé e as necessidades físico-espirituais
dos visitantes, as quais vão muito além dos interesses e das ações dos planejadores
turísticos e não apenas o consumo pelo consumo, tanto de paisagens como de
povos (ou de religiões) como parecem ver os autores do turismo na atualidade.

Para Mazza (2001a, p. 1) “se trata de olhar com sério interesse a um turismo
inspirado em valores de humanidade e de espiritualidade capazes de aproximar as
expectativas das pessoas” com a proposta de férias não mais medidas
exclusivamente sobre modelos de puro consumismo hedonista, ou seja, aquele onde
o indivíduo pode intermediar e escolher as experiências que quer ter, desprezando
outras. De tal modo que a Igreja reveja seus atuais papéis diante dos usos
promovidos pelo turismo, e se transforme

[...] em sujeito cultural e não só sujeito cultuado ou de simples conservação


do bem cultural, mas um organismo de produção de cultura e de pesquisa
contínua de significados, inserida num movimento turístico no qual seja
protagonista e não vítima sacrificada. Uma maneira de reagir a respeito da
complexa e delicada questão do ticket-non ticket que ordena a
regulamentação do fluxo turístico nas igrejas, a qual revela um incômodo de
parte da Igreja no relacionamento relativo aos novos fenômenos de buscas
culturais-religiosas de consumo turístico dos bens culturais (MAZZA, 2001c,
p. 9).

Segundo Mazza (2001a, p. 3) pelo turismo a Igreja é interpelada a posicionar-


se, mais em relação à intensa movimentação de pessoas, do que os possíveis tipos
de visitantes a serem atendidos, pois, respondendo através da Pastoral do Turismo,
não são considerados grupos sociais ou tipos de turistas merecedores de atenção
especial, visto que é,
100

[...] inerente a um modo próprio da Igreja imersa em uma realidade turística,


isto é, em relação a uma Igreja que entende anunciar e viver a fé, a
esperança e a caridade sob um determinado e qualificado território turístico.
Não é, entretanto, uma Pastoral por opção, mas um compromisso objetivo,
que não pode ser descuidado, sob pena da diminuição da missão da Igreja
como Igreja de Jesus Cristo, aberta e enviada para anunciar o evangelho ao
mundo.
Diferenciando-se dos cuidados dados aos peregrinos pela Pastoral específica,
a Igreja afirma que as ações relacionadas às Pastorais do Turismo não atingem
apenas aos turistas, mas que:

[...] os destinatários são os residentes das comunidades turísticas, os


hóspedes turistas ou aqueles em férias, os operadores e os trabalhadores
no turismo, e as instituições que operam na organização, na promoção e no
acolhimento do turismo. Para cada categoria de pessoas, busca-se uma
ocasião, uma formulação, uma caracterização própria do anuncio da
catequese (MAZZA, 2001a, p. 5).

Apesar da intensidade e da complexidade das argumentações teóricas50


sobre a inter-relação entre religiosidade e turismo, existentes nos documentos do
Departamento para o Turismo da Conferência Episcopal Italiana, não se observaram
nos santuários católicos do Brasil51, elementos que caracterizassem a implantação
de estruturas similares àquelas propostas pela CEI, nem mesmo era do
conhecimento dos administradores responsáveis pelas atividades. Observou-se, de
outro lado, a existência de inúmeras estruturas religiosas que desenvolviam
trabalhos afins nos santuários católicos, isto é, se não usavam a teorização da Santa
Sé, atingiam os mesmos objetivos de bem acolher, ouvir os pedidos e lamentos,
ajudar espiritualmente, consolar, independente se os visitantes eram fiéis ou turistas,
como é o caso da Pastoral do Turismo e do Lazer instalada em Florianópolis-SC,
(ARQUIDIOCESE DE FLORIANÓPOLIS, 2000), a única com essa nomenclatura que
encontrada na pesquisa, sem, no entanto se preocuparem, porém, com a
comunidade e com os operadores turísticos, por exemplo.

Dentro dessa inter-relação que os estudiosos do turismo brasileiros desejam


ver estabelecida entre a Igreja e o mercado, pode-se observar uma pequena

50
A produção teórica da CEI italiana é grande, atingindo diferentes segmentos relacionados às
movimentações humanas, dentre elas o turismo. Os textos mais conhecidos dos profissionais do
turismo que atuam junto a CEI são: Pastorale del turismo, dello sport, del pellegrinaggio: sussidio per
um impegno ecclesiale, 1996; La presenza della Chiesa nel mondo del turismo. 2001; Fondamenti Del
Pellegrinaggio: quando nasce, come se sviluppa, come si vive. 2001; Viaggiare, visitare e accogliere.
Per um turismo dei valori. 2001; La Pastorale del Turismo e la Pastorale dello Sport. 2001; La ripresa
dell’intersse ecclesiale. Tendenze per la Pastorale del Turismo e per il Turismo Religioso. 2001.
51
Observações realizadas durante a pesquisa ‘Turismo religioso e humanismo latino no Brasil’ para a
Fondazione Cassamarca de Treviso na Itália, já indicada anteriormente.
101

cristalização através do livro intitulado Turismo religioso: Roteiros da Fé Católica no


Brasil, editado pela EMBRATUR em parceria com a Igreja Católica em 2000. Na
obra estão descritas sessenta atividades religiosas por todo o país, passando por
procissões, romarias, festas, encontros de oração, peças teatrais, etc., nelas são
indicadas diversas informações relacionadas aos eventos (cidade, data, estimativa
de público, formas de acesso, distâncias, organizadores e infra-estrutura turística).
Porém, o que mais chama atenção é o fato de que no item entidade organizadora,
consta quase sempre, a indicação de grupos religiosos que se preocupam com a
organização e execução dos eventos, e somente em alguns deles aparecem setores
públicos como Secretaria municipais ou Prefeituras na condução dos mesmos.

De outro lado, as possibilidades de inter-relação entre o turismo e a fé no


Brasil e descritas no livro, são infinitas, visto que, milhares destas festividades estão
dispersas pelo território. Basta ver que no livro editado pela Embratur são listadas
60. Destas, apenas algumas (Nossa Senhora em Aparecida, SP, Círio de Nazaré em
Belém, PA, Santa Paulina em Nova Trento, SC), ou seja, as maiores em número de
fiéis merecem quase sempre o destaque dado pela mídia, como também o é pelos
estudiosos do turismo em suas publicações. De outro lado também é fato que,
agindo dessa maneira os estudiosos do turismo apenas sobrevoam o universo da
religiosidade católica popular do Brasil, não conseguindo identificar características
comuns a muitos destes locais, levantando assim detalhes que são generalizados
para o conjunto da religiosidade popular, isso porque as possibilidades de análise e
interpretação concentradas em poucos lugares são limitadas.

Resta um universo imenso de eventos religiosos que não são conhecidos e


menos ainda interpretados, dentre eles bastam citar os mais populares como as
romarias diocesanas, as missões paroquiais, as novenas. Nestes locais certamente
os pesquisadores da relação religiosidade e turismo poderiam encontrar mais
elementos a disposição de suas análises, e assim talvez, poderiam melhor
compreender as características e as necessidades dessas pessoas, tanto em sua
relação com a fé e a religião, como em relação aos serviços e produtos do turismo.
102

3 OS DISCURSOS SOBRE TURISMO RELIGIOSO NO BRASIL

A seguir apresentam-se os autores escolhidos para aplicação do Discurso do


Sujeito Coletivo (DSC) sobre o turismo religioso nos ambientes da religiosidade
católica popular, utilizando-se a denominação de turismo religioso, por eles indicada,
como uma categoria já definida e aceita pelo mercado.

De outro lado, apesar do mercado turístico alardear ser o turismo religioso um


dos segmentos que mais cresce, só existe três livros editados no Brasil
especificamente sobre este tema, nos anos 2003 e 2004 (sendo dois deles
coletâneas).

Estas coletâneas apresentam um total de 11 artigos, dos quais apenas os


quatro escolhidos apresentaram elementos mais densos que permitissem sua
utilização nas análises realizadas abaixo. O elemento regulador das escolhas
concentrou-se na presença no texto do desenvolvimento de considerações, sobre
tópicos como: se eram ou não autores do turismo; categorias de análise utilizadas;
generalização das análises (em oposição a artigos focados em situações bastante
restritas, como foi o caso dos autores Maria Ângela Vilhena, Paulo Roberto Albieri
Nery ou Carlos Alberto Steil), presentes no livro de EDIN S. Abumanssur, Turismo
Religioso: Ensaios Antropológicos sobre religião e turismo. Campinas, SP: Papirus,
2003; bem como com os artigos de Osvaldo Giovannini Junior; Jeferson L. Gazzoni
e Haudrey Germiniani presentes no livro organizado por Turismo religioso: ensaios e
reflexões. Campinas, SP: ALÍNEA, 2003.

No Capítulo 3 são apresentadas análises de outras obras de autores que


estão também em uso no DSC, as quais perpassam o turismo religioso, porém,
muitas são trabalhos individualizados e apresentam eventuais discussões sobre o
tema, sendo alguns deles sem profundidade acadêmica, fato que fez provocar seu
deslocamento para aquele capítulo.

A seguir apresento, analiso e desenvolvo as análises do DSC sobre esses


autores, bem como a seguir desenvolvo considerações.
103

3.1 PERFIL DOS AUTORES ESCOLHIDOS PARA O ESTUDO

As obras analisadas de onde se retiraram os textos são: ABUMANSSUR, E.S.


(org.), Turismo Religioso: Ensaios Antropológicos sobre religião e turismo.
Campinas, SP: Papirus, 2003; DIAS R., SILVEIRA E.J.S. da (Orgs), Turismo
religioso: ensaios e reflexões. Campinas, SP: Alínea, 2003 e OLIVEIRA, C.D.M. de.
Turismo religioso. São Paulo: ALEPH. 2004. (Col. ABC do Turismo).

A análise metodológica do Método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) a


seguir apresentada foi realizada com apenas quatro artigos encontrados nestas três
obras. Em todos se operou a dinâmica do DSC, onde se fez a transcrição literal das
expressões-chave e o desmembramento do seu conteúdo nas Idéias Centrais e das
figuras metodológicas contidas na Ancoragem, com os resultados apresentados nos
Quadros. Somente com este material nas mãos é que se organizou posteriormente a
discussão teórica com as figuras do DSC.

No tópico a seguir se apresentam os resumos dos currículos dos quatro


autores analisados, e numa pequena Ficha Catalográfica com a intenção de que se
possam conhecer os autores e sua relação com o tema estudado, suas áreas de
atuação e produção científica. Após, são apresentadas as ‘falas’ relacionado a cada
autor, a partir dos objetivos propostos pela pesquisa, com a respectiva discussão
teórica, sendo que os elementos retirados dos artigos são descritos em Quadros dos
Discursos lndividuais e após no Quadro dos Discursos Coletivos obtidos.

Optou-se por escolher textos destes informantes em função da


representatividade teórico-científica, uma vez que estes são as poucas publicações
existentes especificamente sobre o tema turismo religioso no país, bem como
porque a distribuição de suas posições e análises desenvolvidas nos dá uma
amplitude maior de percepção do universo das obras em questão.

Na separação destes documentos observaram-se quais os argumentos


identificados estavam relacionados à organização do turismo, nos seus mais
diferentes e abrangentes adjetivos (planejamento, organização, demanda estrutura e
serviços); e noutro grupo à interação religiosidade - turismo religioso. Realizou-se
essa aproximação e redução a dois termos, como forma de sistematizar a
apresentação dos resultados, visto que a profusão de formas de expressão
104

encontrados nas análises tornaria a sua descrição no todo, inviável.

1) CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA

Ficha Catalográfica do Autor/Texto.


Turismo Religioso. São Paulo: ALEPH. 2004. (Coleção ABC do turismo).

Mestre e Doutor em Geografia Humana (USP), e pós-doutorado em Turismo


pela ECA-USP, lecionando em diversos cursos de turismo. O autor tem uma
produção científica concentrada na área da Geografia Humana. Autor de outros
artigos sobre turismo: visitação a santuários (2000); Turismo, monumentalidade e
Gestação (2003) e Basílica de Aparecida: um templo para a cidade mãe (2001).

O texto analisado compõe um livreto com 102 páginas organizadas num texto
único. O referencial utilizado como ancoragem do texto os elementos de gestão dos
espaços, com atenção a categorização dos locais, das atividades e das motivações
dos fiéis e turistas que se encontram nos locais religiosos, argumentando a inclusão
de atividades sob a ótica da sustentabilidade,

2) EDIN SUED ABUMANSSUR

Ficha Catalográfica do Autor/Texto.


Religião e turismo: notas sobre as deambulações religiosas. In
ABUMANSSUR, E. S. (org), Turismo Religioso: Ensaios
Antropológicos sobre religião e turismo. Campinas, SP: PAPIRUS,
2003.

Mestre e Doutor em Ciências Sociais (PUC) e professor no curso de Teologia


e Ciências da Religião, autor do livro: Moradas de Deus: Arquitetura Protestante e
Pentecostal. 1. ed. São Paulo: Editora Cristão Novo Século, 2005, além deste
analisado neste texto sobre turismo religioso.

Possui relação com as orientações e bancas com temas afins a diferentes


religiões, possuindo apenas uma pesquisa em turismo religioso, quando se
concentrou principalmente sobre Iguape - SP.

O referencial utilizado como ancoragem do texto é sociológico e


105

mercadológico ao mesmo tempo, pois os elementos mais valorizados são os


comportamentos e as trocas de papéis sociais que vem ocorrendo, transformando os
valores de diferentes grupos (os fiéis e os turistas), ocorrendo somente o turismo
religioso. A obra aprofunda-se apenas nos detalhes estatísticos, sobre o perfil sócio-
econômico dos romeiros e sobre os dados orçamentários do município.

3) REINALDO DIAS

Ficha Catalográfica do Autor/Texto.

DIAS R. O turismo religioso como segmento do mercado turístico. In:


DIAS R. e SILVEIRA E. J. S. da (Orgs.). Turismo religioso: ensaios e
reflexões. Campinas, SP: ALÍNEA, 2003.

É sociólogo, Mestre em Ciência Política e Doutor em Ciências Sociais


(UNICAMP). É professor no curso de Mestrado em Turismo (UNA-MG). O autor tem
uma produção científica concentrada na área das Ciências Sociais, sendo autor de
diversos livros no setor turístico como: Sociologia do turismo (2003); Turismo
sustentável e Meio Ambiente (2003); e Turismo e patrimônio cultural (2006), sendo
que o texto aqui analisado é o único com foco no turismo religioso..

O referencial utilizado como ancoragem do texto é eminentemente


economicista, pois são observados elementos motivações para a viagem, gestão de
produto, com atenção especial aos resultados advindos da atividade de lazer e a
religiosidade. Também realiza uma extensa segmentação dos santuários, a partir
dos seus atrativos predispondo-os a uma utilização turística.

4) EMERSON J. S. DA SILVEIRA

Ficha Catalográfica do Autor/Texto.

Turismo religioso, mercado e pós-modernidade. In: DIAS R. e


SILVEIRA E. J. S. da (Orgs.). Turismo religioso: ensaios e reflexões.
Campinas, SP: ALÍNEA, 2003.

Mestre e Doutor em Ciências da Religião (UFJF). Professor de Sociologia e


Antropologia no Turismo. Autor Turismo e consumo: a religião como lazer em
106

Aparecida. In: Edin Sued Abumanssur. Turismo religioso: ensaios antropológicos


sobre religião e turismo. (2003) e do livro Por uma sociologia do turismo, (2007)

O referencial utilizado como ancoragem do texto é ao antropológico, pois são


observados elementos de interação dos espaços religiosos por fiéis e turistas, com
atenção especial aos resultados das estratégias das congregações em oposição as
atividades e as motivações dos turistas.

3.2 A PRODUÇÃO ANALISADA

A seguir serão apresentados os componentes dos discursos retirados dos


textos analisados. Inicialmente estão colocadas todas as Expressões-chave
encontradas (colocadas a esquerda). Após, destas expressões construíram-se as
Idéias Centrais dos discursos, onde foram juntadas diversas expressões. A seguir
apresento a Ancoragem e os Discursos Individuais.

Nestes discursos, a ancoragem não é citada literalmente, mas, aparece em


todas as ‘falas’, demonstrando que o conceituar turismo ocorre a partir das poucas
discussões e reflexões ocorridas nos trabalhos de campo realizados pelos autores,
sendo possível avaliar que esta capacidade de se expressar e de saber como
conceituar o modelo que foi adotado nasceu das práticas de pesquisas realizadas
em algumas localidades brasileiras. Nesta investigação, os discursos expressos não
foram analisados de forma quantitativa, uma vez que a proposta era de compreender
e talvez explicar a representação sociocultural dos autores sobre o turismo nos
ambientes religiosos, apresentando de forma discursiva os sentidos e os significados
de um fenômeno que hoje faz parte do cotidiano dos mesmos.

FIGURA 1 - CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA


Documento – Livro de Christian de Oliveira Titulo: Turismo Religioso.
Expressões – chave • Idéias Centrais

• Seria ele um conjunto de viagens – incluindo • Idéia 01 – Pólos de convergência (altares, templos,
motivações e serviços – marcadas pela oferta santuários e cerimoniais), são responsáveis pela
de atrativos religiosos ou pela demanda por principal motivação do peregrino.
divindades, bens sagrados e rituais?
• Compreendê-lo em seus elementos • Idéia 02 – Entre cientistas sociais ou mesmo
constitutivos, sejam eles místicos ou sócio- teólogos dispostos a observar o desenvolvimento
espaciais; visualizando sua lógica em lugares turístico das localidades religiosas, têm sido comum
típicos, como os Centros de Peregrinação
107

típicos, como os Centros de Peregrinação identificar as diferenças predominantes entre


(principalmente do catolicismo popular do peregrinos e turistas, na busca e na relação com o
Brasil). santuário.
• O turismo vai manter e recriar velhos
equipamentos eclesiais em uma nova roupagem • Idéia 03 – Se o inconsciente (individual e coletivo)
de visitação. acaba preponderando na realização do turismo, não
• É fundamental, portanto, reconhecer que as podem os planejadores e agentes de turismo
idéias de fé e sacrifício, estão na origem do ato continuar ignorando essas dimensões. Dimensões
religioso que motiva uma peregrinação. complexas, mas também riquíssimas para a
• Identificar o turismo religioso com os dogmas reordenação dos territórios simbólicos (santuários
religiosos é quase tentar juntar água e óleo! A religioso.
identificação deve, isto sim, pautar-se pelo
contexto devocional; por aquilo que • Idéia 04 – O produto turismo religioso continua
denominamos de religiosidade: a maneira restrito aos problemas conceituais que já
como a cultura religiosa é geograficamente relacionamos – quem opera esse turismo não é um
vivenciada. profissional do setor, e o profissional acaba
• Turismo religioso, como uma peregrinação confundindo cultura e confissão religiosa.
contemporânea motivada por celebrações
relacionadas direta ou indiretamente com a • Idéia 05 – O Santuário Ritual é, portanto, um
cultura cristã. Trata-se de apenas reconhecer os santuário decisivo para a renovação técnica e
limites cristãos ocidentais que vêm simbólica do turismo religioso. Além de reconstituir-
transformando a peregrinação em turismo para se nas áreas privilegiadas dos outros três, colabora
atender à modernização de suas sociedades, tão diretamente para configuração do terceiro tipo de
marcadas pela noção de secularização. roteiro classificado a pouco como Roteiro de
• Os destinos religiosos, enquanto pólos de Espetáculo. Nele o turismo religioso tende cada vez
convergência (altares, templos, santuários e mais a se diluir em outras denominações, mais
cerimoniais), são responsáveis pela principal ajustadas com a aparência do atrativo. Em
motivação do peregrino. contrapartida, para compreensão do êxito do evento
• Entre cientistas sociais ou mesmo teólogos festivo, é cada vez mais fundamental destacar os
dispostos a observar o desenvolvimento aspectos da religiosidade que o santuário reedita.
turístico das localidades religiosas, tem sido
comum identificar as diferenças predominantes • Idéia 06 – As exigências de infra-estrutura e
entre peregrinos e turistas, na busca e na modernização é a origem de uma seqüência de
relação com o santuário. interações que tornam os roteiros, os espaços e as
• Se o lado inconsciente (individual e coletivo) festas religiosas objetos tão sagrados quanto
acaba preponderando na realização do turismo turísticos, permitindo que o turismo religioso seja
religioso, não podem os planejadores e agentes praticado por um crescente e diversificado volume
de turismo continuar ignorando essas de peregrinos.
dimensões. Dimensões complexas, mas
também riquíssimas para a reordenação dos • Idéia 07 – De um lado, a capacitação dos
territórios simbólicos (santuários) em sua profissionais deve exigir forte grau de especialização
capacidade receptiva. para lidar com um conjunto de atrativos tão
• Diante de tais exigências de infra-estrutura e complexos; de outro, a experiência do turista
modernização, como a Igreja ficaria indiferente religioso, no Brasil, deve superar as barreiras
à chamada indústria do turismo, com suas estabelecidas pela religiosidade que afirma a fé
técnicas, instalações, sistemas? Eis a origem de como um dom inato e absoluto.
uma seqüência de interações que tornam os
roteiros, os espaços e as festas religiosas • Idéia 08 – Ao contrário da valorização internacional
objetos tão sagrados quanto turísticos, de Jerusalém, Roma, Lourdes e Fátima, uma
permitindo que o turismo religioso seja infinidade de espaços religiosos brasileiros fica
praticado por um crescente e diversificado destituída de seu peso turístico, apenas porque uma
volume de peregrinos. cultura de preconceitos vinculou turismo a
• Acontece que os espaços religiosos, por força profanação.
de uma separação estabelecida pelos agentes
católicos ou estudiosos da religião, são • Idéia 09 – Caracterizado como um turismo de baixa
verbalmente desqualificados de seu papel renda – pouco consumo per capita e grande
turístico. Ao contrário da valorização participação popular -, o turismo religioso só seria
internacional de Jerusalém, Roma, Lourdes e sustentável quando mobilizasse volumes crescentes
Fátima, uma infinidade de espaços religiosos de visitantes. Daí a estratégia de se renovar
brasileiros fica destituída de seu peso turístico, progressivamente a força simbólica das graças
108

brasileiros fica destituída de seu peso turístico, alcançáveis a todos que se dirigem àquela localidade
apenas porque uma cultura de preconceitos santa. Portanto, quanto mais massificada a fé,
vinculou turismo a profanação. melhor será a sustentabilidade do turismo religioso.
• O turismo religioso – e isso é essencial – não é
de religiosos, nem de religião. É um turismo • Idéia 10 – Identificar o turismo religioso com os
motivado pela religiosidade, pela cultura dogmas religiosos é quase tentar juntar água e óleo!
religiosa. Portanto, onde quer que essa cultura
se manifeste – seja na área rural, natural ou • Idéia 11 – O turista religioso faz tanta visita que – e
urbana, seja no cotidiano ou em momentos até por isso mesmo – não se sente mais turista, é
festivos – poderá existir um turismo religioso como alguém de casa; assim como a divindade – por
(com ou sem profissionalismo). imagens, orações, pensamentos – também não é um
• Quatro tipos de santuários (Naturais, estranho nos espaços cotidianos desse turista.
Tradicionais, Metropolitanos e Rituais).
• Só se torna acessível ao turista – e ao turismo • Idéia 12 – Só se torna acessível ao turista – e ao
religioso inclusive – mediante um processo turismo religioso inclusive – mediante um processo
contemporâneo de demarcação, controle, contemporâneo de demarcação, controle,
monitoramento e publicidade dirigida. monitoramento e publicidade dirigida.
• A urbanização, os meios de comunicação e de
transportes transformam-no: Passa de santuário • Idéia 13 – Reconhecer os limites cristãos ocidentais
tradicional a metropolitano no decorrer da que vêm transformando a peregrinação em turismo
construção da nova Basílica, e modifica, por para atender à modernização de suas sociedades, tão
extensão, o característico de seus peregrinos marcadas pela noção de secularização.
como turistas.
• O Santuário Ritual é, portanto, um santuário • Idéia 14 – Quatro tipos de santuários (Naturais,
decisivo para a renovação técnica e simbólica Tradicionais, Metropolitanos e Rituais). O Santuário
do turismo religioso. Além de reconstituir-se Ritual é, portanto, um santuário decisivo para a
nas áreas privilegiadas dos outros três, colabora renovação técnica e simbólica do turismo religioso.
diretamente para configuração do terceiro tipo Além de reconstituir-se nas áreas privilegiadas dos
de roteiro classificado a pouco como Roteiro outros três, colabora diretamente para configuração
de Espetáculo. Nele o turismo religioso tende do terceiro tipo de roteiro classificado a pouco como
cada vez mais a se diluir em outras Roteiro de Espetáculo. Nele o turismo religioso
denominações, mais ajustadas com a aparência tende cada vez mais a se diluir em outras
do atrativo. Em contrapartida, para denominações, mais ajustadas com a aparência do
compreensão do êxito do evento festivo, é cada atrativo. Em contrapartida, para compreensão do
vez mais fundamental destacar os aspectos da êxito do evento festivo, é cada vez mais fundamental
religiosidade que o santuário reedita. destacar os aspectos da religiosidade que o santuário
• De um lado porque o produto turismo religioso reedita.
continua restrito aos problemas conceituais que
já relacionamos – quem opera esse turismo não • Idéia 15 – Compreendê-lo em seus elementos
é um profissional do setor, e o profissional constitutivos, sejam eles místicos ou sócio-espaciais
acaba confundindo cultura e confissão visualizando sua lógica em lugares típicos.
religiosa. Resultado: acredita-se que no Brasil
não existe turismo religioso porque nossos • Idéia 16 – Os destinos religiosos, enquanto pólos de
receptivos (os diversos santuários) dispensam convergência (altares, templos, santuários e
mediações. Entretanto, as mesmas agências que cerimoniais), são responsáveis pela principal
operam internacionalmente admitem que um motivação do peregrino.
trabalho sério e profissional com um grupo de
turistas em motivação assumidamente religiosa
torna indispensável à ação de duas lideranças:
o guia de turismo e o guia espiritual. Essa
observação expressa o peso das mediações que
o simbolismo religioso vai requerer,
principalmente em função das exigências
promovidas pelo sistema de turismo. De um
lado, a capacitação dos profissionais deve
exigir forte grau de especialização para lidar
com um conjunto de atrativos tão complexos;
de outro, a experiência do turista religioso, no
Brasil, deve superar as barreiras estabelecidas
pela religiosidade que afirma a fé como um
109

dom inato e absoluto.


• A medieval estratégia de confecção de objetos
e imagens de santos vem sendo superada pela
moderna força da comunicação escrita
associada à pós-modernidade do acesso
eletrônico. Missas, cultos, terapias e sermões
pelas ondas do rádio ou nas telas de tv, todos
esses rituais disseminaram-se nos últimos vinte
anos. Dificilmente encontraremos uma
estrutura mais eficaz para o crescimento da
motivação religiosa ao fazer turístico.
• Não se trata da religião do indivíduo, mas sim
dos simbolismos religiosos que se
transformam, assim, o turismo religioso pode
ser uma expressão autêntica de espiritualidade.
• A reflexão nos mostrou que o turismo religioso
se fundamenta na construção de santuários e na
projeção de simbolismos. [...] demonstrou,
assim, ser possível praticar turismo religioso
sem vínculos confessionais.
• O turismo é sustentável na medida em que seus
atrativos otimizam diversas frentes de
desenvolvimento, principalmente o vetor
econômico, com a devida conservação do
ambiente natural. Para tanto, deveriam existir
mecanismos capazes de impedir a
multiplicação ilimitada de peregrinos e as
alterações no entorno do espaço sagrado.
• A sustentabilidade, por este ângulo, dinamiza
algo como um ecoturismo sagrado.
Considerando o santuário natural como o
modelo de atrativo religioso mais conveniente
para o turismo, reconhece-se a sustentabilidade
em função da máxima preservação das formas
originais. Eis um caminho interessante, para a
maioria dos santuário já modificados.
• Caracterizado como um turismo de baixa renda
– pouco consumo per capita e grande
participação popular -, o turismo religioso só
seria sustentável quando mobilizasse volumes
crescentes de visitantes. Daí a estratégia de se
renovar progressivamente a força simbólica das
graças alcançáveis a todos que se dirigem
àquela localidade santa. Portanto, quanto mais
massificada a fé, melhor será a sustentabilidade
do turismo religioso.
• A familiaridade que une visitante e visitado no
turismo religioso explica também a alta
freqüência das viagens a santuários. Dessa
forma, o turista religioso faz tanta visita que – e
até por isso mesmo – não se sente mais turista,
é como alguém de casa; assim como a
divindade – por imagens, orações, pensamentos
– também não é um estranho nesses espaços.
• A comunidade mais preparada para receber
permanentemente o turista será aquela que
emite seus próprios turistas para outras
comunidades, seja porque suas lideranças
crescem em experiência, seja pelo aumento da
renda de seus habitantes. O que não se pode
110

continuar acreditando é que o desenvolvimento


turístico de um lugar dependa só do fluxo de
entrada de turistas ‘estrangeiros’.

Ancoragem
• Fé.
• Turismo.
• Administração.

Discurso Individual
• Peregrinos e turistas possuem as mesmas motivações, faltando aos profissionais do turismo desenvolver
estratégias de atração, bem como instalar infra-estrutura para que se possa atingir a sustentabilidade do
negócio.

FIGURA 2 - EDIN SUED ABUMANSSUR


Documento – Texto de Edin Sued Abumanssur Titulo: Religião e turismo: notas sobre as deambulações
religiosas
Expressões – chave • Idéias Centrais

• O turismo religioso, como discurso, tende a • Idéia 01 – A peregrinação pode ser vista tanto como
desconsiderar as motivações religiosas para a fenômeno religioso quanto como fenômeno turístico.
viagem e se concentrar no fenômeno do O turismo religioso e o turismo de massa são crias
deslocamento, e, mais especificamente, na siamesas de um mesmo processo histórico. Se o
necessidade que esse deslocamento traz em mundo do trabalho é condicionante do tempo de lazer
termos de estrutura de transporte, hospedagem e, consequentemente, do turismo, as viagens com
e alimentação. motivação religiosa não ficam alheias a essa mesma
• Acresce o fato de que as peregrinações determinação.
modernas têm de ser entendidas em um
quadro de referências onde o tempo do • Idéia 02 – O turismo religioso, como discurso, tende
trabalho e sua contraface, o tempo do lazer, a desconsiderar as motivações religiosas para a
emolduram o ato de fé. viagem e se concentrar no fenômeno do
• A peregrinação pode ser vista tanto como deslocamento, e, mais especificamente, na
fenômeno religioso quanto como fenômeno necessidade que esse deslocamento traz em termos de
turístico. estrutura de transporte, hospedagem e alimentação.
• O turista religiosamente motivado é mais do Se o mundo do trabalho é condicionante do tempo de
que um trabalhador em férias. Ele é o foco de lazer e, consequentemente, do turismo, as viagens
convergência de transformações no campo com motivação religiosa não ficam alheias a essa
religioso, reunindo e resumindo em sua mesma determinação. Acresce o fato de que as
prática de fé as atitudes que reconfiguram esse peregrinações modernas têm de ser entendidas em um
campo e expressam as formas como a religião quadro de referências onde o tempo do trabalho e sua
é vivenciada em nossa modernidade. contraface, o tempo do lazer, emolduram o ato de fé.
• É preciso reconhecer que tratar as
peregrinações como turismo religioso só se • Idéia 03 – Se há algo de religioso no turismo, se há
tornou possível após o surgimento das massas algo de turístico nas peregrinações, é importante
de trabalhadores que desde a revolução saber como um e outro ajudam-nos na compreensão
industrial vêm conquistando, aos poucos, o das vivências religiosas e, nesse caso, da religiosidade
direito ao lazer. de um Brasil experimentado pelas classes populares.
• O turismo religioso e o turismo de massa são Nem todo turismo é uma forma de religião, nem toda
crias siamesas de um mesmo processo peregrinação é uma forma de turismo. Mas, quando
histórico. um turismo e religião convergem em um mesmo
• O produto turístico religioso sofre a mesma evento, temos aí um objeto fecundo de oportunidades
padronização de oferta. de compreensão do fenômeno religioso. A
• O turismo religioso que se destina aos peregrinação não se torna turismo religioso apenas
pela ação ou tratamento dado a ela pelos agentes e
111

santuários nacionais é considerado ‘turismo de pela ação ou tratamento dado a ela pelos agentes e
pobre’. Como regra, as romarias são gestores do turismo ou pela administração pública, o
organizadas de forma espontânea pelas próprio peregrino moderno comporta-se com um
pessoas interessadas. turista à mediada que a religião mesma se torna
• Embora o peregrino também se divirta em sua objeto de consumo.
peregrinação, é o compromisso religioso que o
faz relevar as condições precárias em que se • Idéia 04 – O turismo religioso que se destina aos
dá a sua viagem e, inclusive, aceitar o santuários nacionais é considerado ‘turismo de
desconforto como um componente religioso pobre’. Como regra, as romarias são organizadas de
da romaria. forma espontânea pelas pessoas interessadas. Embora
• Nem todo turismo é uma forma de religião, o peregrino também se divirta em sua peregrinação, é
nem toda peregrinação é uma forma de o compromisso religioso que o faz relevar as
turismo. Mas, quando um turismo e religião condições precárias em que se dá a sua viagem e,
convergem em um mesmo evento, temos aí inclusive, aceitar o desconforto como um componente
um objeto fecundo de oportunidades de religioso da romaria.
compreensão do fenômeno religioso.
• A peregrinação não se torna turismo religioso
apenas pela ação ou tratamento dado a ela
pelos agentes e gestores do turismo ou pela
administração pública, o próprio peregrino
moderno comporta-se com um turista à
mediada que a religião mesma se torna objeto
de consumo.
• Desde a Idade Média o aspecto penitencial era
o motivador da viagem, mesmo porque a
noção de lazer como algo que se opõe ao
tempo do trabalho é própria de uma sociedade
organizada em torno das atividades
produtivas.
• Se o mundo do trabalho é condicionante do
tempo de lazer e, consequentemente, do
turismo, as viagens com motivação religiosa
não ficam alheias a essa mesma determinação.
• Essa relação entre religião e lazer é inventada
e reinventada no cotidiano das práticas
devocionais da população brasileira, em
especial a de baixa renda. É essa
promiscuidade entre religião, consumo e lazer,
que nos possibilita o questionamento da
religião com base em diferentes disciplinas.
• Se há algo de religioso no turismo, se há algo
de turístico nas peregrinações, é importante
saber como um e outro ajudam-nos na
compreensão das vivências religiosas e, nesse
caso, da religiosidade de um Brasil
experimentado pelas classes populares.
Ancoragem
• Turismo

Discurso Individual
• A peregrinação é fenômeno religioso tanto quanto turístico, mediada pelo mundo do trabalho, assim, o
turismo religioso tende a desconsiderar as motivações religiosas da viagem e se concentrar no
deslocamento e nas necessidades que este traz em termos de estrutura de transporte, hospedagem e
alimentação.
112

FIGURA 3 - REINALDO DIAS


Documento – Texto de Reinaldo Dias Titulo: IAS R. O turismo religioso como segmento
do mercado turístico.
Expressões – chave • Idéias Centrais

• O turismo está diretamente relacionado com o • Idéia 01 – O turismo está diretamente


aumento do tempo livre. Por isso, utiliza-se de Jofre relacionado com o aumento do tempo livre.
Dumazedier para uma discussão sobre tempo livre, Nesse sentido desenvolve o lado espiritual,
lazer e turismo. busca o sagrado, como uma forma de romper
• As funções da vida de um indivíduo (necessidades e com a vida material, profana. A peregrinação
obrigações) onde segundo Dumazedier não se realizada com motivos estritamente religiosos
encontra o lazer, quais sejam: 1) o trabalho onde os viajantes estão convictos de que estão
profissional; 2) o trabalho suplementar ou observando uma obrigação religiosa, não
complementação; 3) os trabalhos domésticos; 40 as poderia ser classificada como uma atividade de
atividades de manutenção biológica; 5) as lazer.
atividades ligadas aos estudos e 6) as atividades
rituais ou ligadas a cerimoniais resultantes de uma • Idéia 02 – Porém a obrigação religiosa é
obrigação familiar, social ou espiritual, colocando decorrência de uma livre escolha anterior,
entre eles os ofícios religiosos. quando optou por uma determinada crença.
• A terceira função do lazer leva o indivíduo a buscar Assim, a ocupação do tempo de lazer foi
o desenvolvimento de sua personalidade, conhecer escolhida livremente pelo indivíduo, pois ao
o mundo e a si mesmo. Nesse sentido desenvolve o escolher a religião, escolheu o uso que faria de
lado espiritual, busca o sagrado, como uma forma seu tempo livre. Podemos considerar que a
de romper com a vida material, profana. maioria das atividades de peregrinação está
• Não podemos afirmar que a vida espiritual seja um estruturada no tempo de lazer e pode ser
produto do tempo livre considerada experiência de lazer.
• Para o peregrino, o deslocamento ao santuário
ocorre devido estritamente a sua espiritualidade, vai • Idéia 03 – Turismo religioso é aquele
á busca de um aperfeiçoamento, cumprir votos empreendido por pessoas que se deslocam por
feitos anteriormente, pagar uma promessa, motivações religiosas e/ou para participação em
agradecer uma benção, o reconhecimento de uma eventos de caráter religioso. Compreende
graça recebida, a participação em uma festa romarias, peregrinações e visitação a espaços,
religiosa importante, etc. festas, espetáculos e atividades religiosas.
• Podemos considerar que a maioria das atividades de Embora com motivações de viagem diferentes,
peregrinação está estruturada no tempo de lazer e ambos os viajantes utilizam-se de serviços e
pode ser considerada experiência de lazer produtos comuns, tornando-se deste modo,
• O turismo, enquanto fenômeno econômico e social turistas no sentido exato do termo.
pode apresentar um número indefinido de vertentes
dependendo das motivações do viajante para • Idéia 04 – O turismo, enquanto fenômeno
empreender a viagem econômico e social pode apresentar um número
• O turismo abrange as viagens realizadas por indefinido de vertentes dependendo das
motivos religiosos, pois, não importando a motivações do viajante para empreender a
motivação, os viajantes fazem uso dos mesmos viagem. O turismo abrange as viagens
equipamentos, transportes e são gerados produtos e realizadas por motivos religiosos, pois, não
serviços para atender suas expectativas. importando a motivação, os viajantes fazem uso
• Na maioria das localidades, onde existem santuários dos mesmos equipamentos, transportes e são
ou ocorrem manifestações religiosas, a infra- gerados produtos e serviços para atender suas
estrutura para receber os visitantes ainda é precária, expectativas.
muitas vezes devido à pouca compreensão do
potencial econômico da visitação periódica.
• O viajante pode ter um envolvimento grande com o • Idéia 05 – Para o peregrino, o deslocamento ao
sagrado, mas continua a necessitar de descanso, santuário ocorre devido estritamente a sua
alimentar-se e desfrutar de momentos de calma e espiritualidade, vai á busca de um
relaxamento, pois sua condição humana assim o aperfeiçoamento, cumprir votos feitos
exige. E, ao provocar essa demanda, usufrui dos anteriormente, pagar uma promessa, agradecer
mesmos equipamentos necessários ao atendimento uma benção, o reconhecimento de uma graça
dos viajantes que o faz com fins culturais, por recebida, a participação em uma festa religiosa
exemplo. importante, etc.
• Embora com motivações de viagem diferentes,
113

ambos os viajantes utilizam-se de serviços e • Idéia 06 – Ambos peregrinação e turismo –


produtos comuns, tornando-se deste modo, turistas compartilham a existência de uma jornada
no sentido exato do termo. voluntária e temporária para um lugar diferente
• Turismo religioso é aquele empreendido por de sua residência habitual; a possibilidade de
pessoas que se deslocam por motivações religiosas serem fenômenos de massa; sua natureza de
e/ou para participação em eventos de caráter serem eventos que quebram a rotina, o fato de
religioso. Compreende romarias, peregrinações e que geram conseqüências econômicas, urbanas
visitação a espaços, festas, espetáculos e atividades e demográficas idênticas, etc.
religiosas.
• Ambos peregrinação e turismo – compartilham a • Idéia 07 – Nas localidades onde a experiência
existência de uma jornada voluntária e temporária religiosa ocorra em grande intensidade, é
para um lugar diferente de sua residência habitual; a necessário haver alguma pausa, buscando
possibilidade de serem fenômenos de massa; sua atender essas necessidades o município
natureza de serem eventos que quebram a rotina, o multiplicará os efeitos econômicos e positivos
fato de que geram conseqüências econômicas, do turismo religioso. O turista quando compra
urbanas e demográficas idênticas, etc. lembranças, busca algo relacionado com o local
• A peregrinação realizada com motivos estritamente de visitação, que terá um valor simbólico
religiosos onde os viajantes estão convictos de que importante em seu grupo social de origem.
estão observando uma obrigação religiosa, não
poderia ser classificada como uma atividade de • Idéia 08 – No turismo religioso a este aspecto
lazer. Porém a obrigação religiosa é decorrência de deve ser acrescentado o místico-espiritual,
uma livre escolha anterior, quando optou por uma quando os souvenires se tornam objeto de
determinada crença. Assim, a ocupação do tempo devoção, identificados com aquelas práticas
de lazer foi escolhida livremente pelo indivíduo, religiosas. Na maioria das localidades, onde
pois ao escolher a religião, escolheu o uso que faria existem santuários ou ocorrem manifestações
de seu tempo livre. religiosas, a infra-estrutura para receber os
• Considerando-se a área do destino objetivo final da visitantes ainda é precária, muitas vezes devido
viagem, que junto com a motivação, é outro dos à pouca compreensão do potencial econômico
principais pontos a serem considerados, podemos da visitação periódica.
fazer algumas distinções básicas entre os atrativos
turístico religiosos, classificando-os em seis • Idéia 09 – O viajante pode ter um envolvimento
diferentes tipos: 1. Santuários de Peregrinação; 2. grande com o sagrado, mas continua a
Espaços religiosos de grande significado de caráter necessitar de descanso, alimentar-se e desfrutar
religioso; 3. Festas e comemorações em dias de momentos de calma e relaxamento, pois sua
específicos; 4. Espetáculos artísticos de cunho condição humana assim o exige. E, ao provocar
religioso e 6. Roteiros de fé. essa demanda, usufrui dos mesmos
• Nas localidades onde a experiência religiosa ocorra equipamentos necessários ao atendimento dos
em grande intensidade, é necessário haver alguma viajantes que o faz com fins culturais, por
pausa, buscando atender essas necessidades o exemplo.
município multiplicará os efeitos econômicos e
positivos do turismo religioso.
• O turista quando compra lembranças, busca algo
relacionado com o local de visitação, que terá um
valor simbólico importante em seu grupo social de
origem. No turismo religioso a este aspecto deve ser
acrescentado o místico-espiritual quando os
suvenires se tornam objeto de devoção,
identificados com aquelas práticas religiosas.
Ancoragem
• Religião
• Turismo

Discurso Individual
• A opção religiosa é decorrência de uma livre escolha por uma determinada crença, e, é acompanhada por
uma pausa da rotina para o lazer. Buscando atender as necessidades durante a experiência, o município
implantará equipamentos, transportes, produtos e serviços, gerando efeitos econômicos e positivos do
turismo religioso
114

FIGURA 4 - EMERSON J. S. DA SILVEIRA


Documento – Livro de Christian de Oliveira Titulo: Turismo religioso, mercado e pós-modernidade
Expressões – chave • Idéias Centrais

• O termo turismo religioso, categoria surgida no • Idéia 01 – A categoria turismo religioso surgida
mundo do mercado/marketing, acabou sendo do mercado acabou encampada nos discursos
encampada nos discursos teóricos sobre o tema. teóricos. A mercantilização dos lugares e
• A procissão pertence a lógica institucional, inscrita religião com festas e tradições populares, torna-
na história, mas o fiel que a vivencia estaria as possíveis porque comercializáveis no
localizado numa lógica subjetiva. Contudo essas imaginário veiculado pelas mídias e em
dimensões se interpenetram, modificando-se interação com o fluxo de visitantes/turista, que o
mutuamente. turismo e a religião vão encontrar seu ponto de
• Será preciso, então, caracterizar a diversidade do convergência alinhavado pelo consumo.
deslocamento, perguntando-se o que diferencia o
deslocamento-viagem em relação ao deslocamento- • Idéia 02 – Na medida em que a sociedade se
turismo e o deslocamento-peregrinação/romaria em complexifica e sofre um desencaixe entre
relação ao deslocamento excursão. Todavia, o tempo/espaço, o turismo é alçado à condição de
critério deslocamento ainda é insuficiente para prática majoritária, com acentuada presença das
construir tipologias turísticas. classes médias, já o excursionismo parece ser a
• A condição de mercantilização dos lugares e prática predominante das classes populares,
religião com seu aparato de festas e tradições exigindo outros tipos de conceitos para analisá-
populares, ou seja, de torná-las possíveis porque las. Houve o declínio da adesão institucional
comercializáveis, está na confecção das imagens. E religiosa, o que não significa o declínio do
é aí, no imaginário veiculado pelas mídias e em sagrado.
interação com o fluxo de visitantes/turistas, que o
turismo e a religião vão encontrar seu ponto de • Idéia 03 – A religião não fundamenta ação e
convergência e o tecido no qual vão estar visões de mundo na sociedade ocidental. A
alinhavados pelo consumo. religião torna-se espetáculo, a consumidores que
• É necessário ter em mente que o turismólogo deve não se vinculam a dogmas nem a sistemas
ser o profissional que deve refletir em termos teológicos e nem igrejas. Aí, talvez, possa-se
globais e teórico/prático o fenômeno ao qual é falar em turismo religioso.
instado a planejar.
• Talvez se possa dizer que na medida em que a • Idéia 04 – O turismo é um espaço, uma
sociedade se complexifica e em que sofre um territorialidade específica, uma etiqueta que,
desencaixe entre tempo/espaço, o turismo é alçado pode variar entre cultural, religiosa, virtual,
à condição de prática majoritária, com acentuada colocaria em circulação/venda desde artesanatos
presença das classes médias, já o excursionismo tradicionais aos de última geração, mesclando-
parece ser a prática predominante das classes os, desconstruindo e introduzindo novas
populares, exigindo outros tipos de conceitos para posturas (lazer e ludicidade) dentro da religião.
analisá-las. Houve o declínio da adesão Dessa forma, o religioso dilui-se no mercado, no
institucional religiosa, o que não significa o lazer.
declínio do sagrado. A religião não é mais aquela
que fundamenta ação e visões de mundo dos • Idéia 05 – Formular definições não significa o
homens e mulheres da sociedade ocidental. término da reflexão acadêmica que deve primar
• Se por um lado a secularização é um fato, de outro pela crítica, autocrítica e autonomia. É preciso
em sociedades latino-americanas, entre elas a criar uma hermenêutica, construir uma
brasileira, esse termo precisaria ser repensado, interpretação dos fatos turístico-religiosos a
porque a modernidade capitalista nunca chegou a partir da tradição de pesquisa, acúmulo de dados
afirmar-se nas paragens tupiniquins. O turismólogo e teorização de modo que se possa compreender
deverá estar atento para uma visão mais alargada e gerir a diferença/diversidade social, religiosa e
desses fenômenos, para os símbolos presentes, suas turística.
dinâmicas peculiares e que servem como um código
de leitura da sociedade, ou seja, pela religiosidade • Idéia 06 – Não se pode colocar no mesmo
pode-se ler a sociedade que a produziu. patamar teórico/hermenêutico um romeiro que
• A convivência simbiótica entre profano/sagrado, se busca sua fé no padre Cícero (Ceará), e um
é que tais características ainda permaneçam com o turista que visita cidade cenográfica de Nova
mesmo poder explicativo na pós-modernidade é Jerusalém (Pernambuco).
anterior à constituição de um fluxo turístico.
• As massas de romeiros, antes sob o controle da • Idéia 07 – Os elementos materiais em comum,
viagem, hospedagem, comércio e artesanato são
115

igreja, transbordam essas fronteiras. O monopólio viagem, hospedagem, comércio e artesanato são
do significado religioso por parte da igreja cede insuficientes para uma caracterização mais
lugar à atuação das empresas de turismo e profunda. A interpretação precisa ser exercida
organizadores de excursão. sobre a forma, significado, visão de mundo que
• Em termos estruturais, produziram-se espaços, nos perpassa o ambiente e pessoas que o animam,
locais para onde acorrem peregrinações/romarias, desvelando sua polissemia, entre as quais o
que sofrem ocupações e impactos econômicos. turismo religioso. Só uma investigação mais
• Só uma investigação mais profunda, abordando a profunda, abordando a rede de fluxos de
rede de fluxos de romarias e peregrinações romarias e peregrinações adentradas pelo
adentradas pelo turismo/consumo poderia responder turismo/consumo poderia responder podendo
podendo ser apontada uma mesma mediação que ser apontada uma mesma mediação que ata
ata turismo e religião: o olhar, em direções que turismo e religião: o olhar, em direções que
criam oposições e passagens. criam oposições e passagens.
• A religião torna-se espetáculo, oferecido a
consumidores e diria consumidores errantes e • Idéia 08 – Talvez seja legítimo cunhar o
experimentadores de sensações, que não se conceito de turismo religioso a não ser que se
vinculam a dogmas nem a sistemas teológicos e defendam concepções essencialistas desses
nem igrejas. Aí, talvez, possa-se falar em turismo fenômenos, vendo-os como incapazes de
religioso. interagir e produzir sínteses conceituais ou
• Não se pode colocar no mesmo patamar dissensuais.
teórico/hermenêutico um romeiro que busca sua fé
no padre Cícero (ceará), e um turista que visita • Idéia 09 – O monopólio do significado religioso
cidade cenográfica de Nova Jerusalém da igreja cede lugar à atuação das empresas de
(Pernambuco). Os elementos materiais em comum, turismo e organizadores de excursão. Em termos
viagem, hospedagem, comércio e artesanato são estruturais, produziram-se espaços, nos locais
insuficientes para uma caracterização mais para onde acorrem peregrinações/romarias, que
profunda. Por isso a interpretação precisa ser sofrem ocupações e impactos econômicos.
exercida sobre a forma, significado, visão de mundo
que perpassa o ambiente e pessoas que o animam, • Idéia 10 – A procissão pertence a lógica
desvelando sua polissemia, entre as quais o turismo institucional, inscrita na história, mas o fiel que
religioso. a vivencia estaria localizado numa lógica
• O turismo é o consumo de um espaço, constituindo subjetiva, essas dimensões se interpenetram,
uma territorialidade específica, talvez uma etiqueta modificando-se mutuamente.
que, grudada no embrulho, pode variar entre
cultural, religiosa, virtual, entre outras. O turismo • Idéia 11 – Será preciso, caracterizar a
colocaria em circulação/venda produtos desde diversidade do deslocamento, perguntando-se o
artesanatos tradicionais aos de última geração, que diferencia o deslocamento-viagem em
mesclando-os, desconstruindo dicotomias e relação ao deslocamento-turismo e o
introduzindo novas posturas (lazer e ludicidade) deslocamento-peregrinação/romaria em relação
dentro de fenômenos como a religião. Dessa forma, ao deslocamento excursão. Todavia, o critério
o religioso dilui-s no mercado, no lazer. deslocamento ainda é insuficiente para construir
• Talvez seja legítimo cunhar o conceito de turismo tipologias turísticas.
religioso a não ser que se defendam concepções
essencialistas desses fenômenos, vendo-os como
incapazes de interagir e produzir sínteses
conceituais ou dissensuais.
• Formular definições não significa o término da
reflexão acadêmica que deve primar pela crítica,
autocrítica e autonomia. É preciso criar uma
hermenêutica, ou seja, construir uma interpretação
dos fatos turístico-religiosos a partir de uma
tradição de pesquisa, acúmulo de dados e teorização
sobre os mesmos, de modo que se possa
compreender e gerir a diferença/diversidade social,
religiosa e turística.
Ancoragem
• Religião
• Turismo
116

Discurso Individual
• Os elementos materiais em comum (viagem, hospedagem, comércio e artesanato) são insuficientes para
uma caracterização mais profunda do turismo religioso. A interpretação precisa ser exercida sobre a forma,
significado, visão de mundo que perpassa o ambiente e pessoas que o animam, desvelando sua polissemia.
Só uma profunda investigação, abordando a rede de fluxos de romarias e peregrinações adentradas pelo
turismo/consumo pode responder a mediação turismo e religião.

CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA

Discurso Individual:

“Peregrinos e turistas possuem as mesmas motivações, faltando aos


profissionais do turismo desenvolver estratégias de atração, bem como
instalar infra-estrutura para que se possa atingir a sustentabilidade do
negócio.”

FIGURA 5 - ANCORAGEM DE CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA

TURISMO RELIGIOSO

FÉ: peregrina
peregrinação e turismo ADMINISTRAÇÃO:
turismo planejado
religioso possuem um turismo planejado
e sustentado
elemento simb ó lico: a f é e sustentado

TURISMO:e peregrino
peregrino turista TURISMO:
turismo religioso é
e turista
são o mesmo
são o mesmo turismo
turismo religioso
de massaé
indiv íduo turismo de massa
117

EDIN SUED ABUMANSSUR

Discurso Individual:

“A peregrinação é fenômeno religioso tanto quanto turístico, mediada pelo


mundo do trabalho, assim, o turismo religioso tende a desconsiderar as
motivações religiosas da viagem e se concentrar no deslocamento e nas
necessidades que este traz em termos de estrutura de transporte,
hospedagem e alimentação.”

FIGURA 6 - ANCORAGEM DE EDIN SUED ABUMANSSUR

TURISMO
TURISMO RELIGIOSO

peregrina ção turismo e religião têm


também é lazer motiva ções
as mesmas motivações
e necessidades f ísicas
na atualidade

peregrina ção tem


relação com
pobreza material
materi
118

REINALDO DIAS

Discurso Individual:

“A opção religiosa é decorrência de uma livre escolha por uma


determinada crença, e, é acompanhada por uma pausa da rotina para o
lazer. Buscando atender as necessidades durante a experiência, o
município implantará equipamentos, transportes, produtos e serviços,
gerando efeitos econômicos e positivos do turismo religioso.”

FIGURA 7 - ANCORAGEM DE REINALDO DIAS

TURISMO RELIGIOSO
RELIGIÃO E TURISMO

transformar as
agregar necessidades
atividades
de infra-estrutura aos religiosas em
peregrinos turísticas

o religioso turistificar os locais


enquanto uma religiosos
escolha de lazer
119

EMERSON J. S. DA SILVEIRA

Discurso Individual:

“Os elementos materiais em comum (viagem, hospedagem, comércio e


artesanato) são insuficientes para uma caracterização mais profunda do
turismo religioso. A interpretação precisa ser exercida sobre a forma,
significado, visão de mundo que perpassa o ambiente e pessoas que o
animam, desvelando sua polissemia. Só uma profunda investigação,
abordando a rede de fluxos de romarias e peregrinações adentradas pelo
turismo/consumo pode responder a mediação turismo e religião.”

FIGURA 8 – ANCORAGEM DE EMERSON J. S. DA SILVEIRA

RELIGIÃO E TURISMO

é preciso criar é preciso uma


uma investigação
hermenêutica mais profunda

a religião é
influenciada pelo a religião
transforma -se
mundo do trabalho
com o turismo
a religião torna-se
espetáculo

A partir dos Discursos Individuais dos autores procedeu-se a construção dos


Discursos Coletivos. Foram colocados em dois Quadros (a seguir) os quais
comportam as duas principais visões encontradas nos quatro autores, ou seja: três
deles possuem uma visão quase coincidente aos quais identifiquei como: “Sobre
120

Turismo Religioso (Turismo Religioso)”. O quarto autor destoa dessa visão e por isso
foi identificado como: “Sobre Turismo Religioso (Religiosidade)”.
A análise procurou sempre identificar se nas afirmações os autores
compreendiam os significados do que se estavam descrevendo e se os mesmos
correspondiam de forma clara e correta na interpretação dos significados de
algumas situações descritas. Ao juntarmos todas as ‘falas’ majoritárias dos autores
para uma avaliação sobre o que entendiam sobre o modelo de turismo religioso,
obtivemos os seguintes Discursos Individuais:

QUADRO 1 DSC - Sobre Turismo Religioso (Turismo Religioso)


Peregrinos e turistas possuem as mesmas motivações religiosas que decorrem de uma livre
escolha por uma crença mediada pelo mundo do trabalho, e, é acompanhada por uma pausa da
rotina para o lazer quando são desconsideradas as motivações religiosas da viagem. Os
profissionais do turismo devem desenvolver estratégias de atração, instalar infra-estrutura para
atender as necessidades de transporte, hospedagem e alimentação, implantar equipamentos,
transportes, produtos e serviços para que se possa atingir a sustentabilidade do negócio gerando
efeitos econômicos positivos.

QUADRO 2 DSC - Sobre Turismo Religioso (Religiosidade)


Só uma profunda investigação, abordando a rede de fluxos de romarias e peregrinações
adentradas pelo turismo/consumo pode responder a mediação religião e turismo, pois, a
interpretação precisa ser exercida sobre a forma, significado, visão de mundo que perpassa o
ambiente e pessoas que o animam, pois os elementos materiais em comum (viagem,
hospedagem, comércio e artesanato) são insuficientes para uma caracterização mais profunda
do turismo religioso.

O que ficou também como algo forte quanto ao modelo de discurso adotado
entre os autores, foi a quase unanimidade sobre as mudanças decorrentes da
religiosidade e a implantação dos elementos do turismo entre as ações das
congregações e as práticas desenvolvidas nos locais de atração religiosa. Segundo
os autores essas mudanças definem as atuais relações entre fiéis e turistas, a partir
da inserção dos turistas nos rituais religiosos, pois, chama atenção que o espaço
simbólico, antes tão definido, agora é disputado também pelos turistas, que não se
incomodam em entrar e sair dos ambientes e das atividades ritualizadas, de acordo
com suas próprias vontades.
121

Entendem que não ocorre apenas uma mudança de ‘falas’ sem sentido na
religiosidade, mas sim uma mudança de discurso. Os moradores passam a se
relacionar com o evento de outros modos, pois, o ritmo alterou-se completamente. O
turismo é sinônimo de agito e a rotina diária é quebrada com a atmosfera religiosa
de contrição e silêncio sendo parcialmente dissolvida e contagiada pelo sentido
histórico, como apenas mais um espetáculo cultural, sendo que, ao contrário dos
espaços definidos nas ações ritualizadas, os turistas circulam com desenvoltura e
sem cerimônia por todos os espaços e locais. A diversidade de experiências dos fiéis
durante sua movimentação foi uma percepção unânime dos autores, porém muito
mais do que isto se pode perceber que esta mudança passa não apenas pela
quantidade das atividades nas visitações, mas também por transformações de teor
cultural, uma vez que antes da implantação desse processo de mudança estrutural
pelas Congregações, raramente ocorriam tais atividades. Isto indica uma mudança
cultural forte e decisiva na dinâmica das atividades destes fiéis.

Antes de tudo, se percebe claramente duas formas distintas de análise no


grupo de autores sobre a implantação do turismo: primeiro concentrando sua análise
na administração do espaço do sagrado como se o espaço religioso prescindisse
sempre do planejamento antecipado para poder existir; o segundo identificado pelos
autores como economicista. É o que atenta mais profundamente para os aspectos
da infra-estrutura turística e os potenciais atrativos turísticos nos quais concentraram
suas análises integralmente, enquanto que outro não tocou no assunto, ou ao
menos desconsiderou sua importância no processo religioso, particularmente
perpassando sua análise nos elementos da oferta e da infra-estrutura turística
(hotéis, restaurantes, transportes, etc.).
Ainda no que se refere aos objetivos economicistas de análise do turismo
retirados das percepções dos discursos dos autores, percebeu-se uma preocupação
direta destes apenas com os impactos sócio-econômicos, sendo que, também as
perspectivas de solução desses, estão limitadas a esse universo de ação, não
havendo menção de atuação junto a diferentes setores.
Os autores que possuem um discurso positivo sobre o turismo sempre o
apresentam como gerador de impactos positivos capazes inclusive de transformar as
tradicionais relações de poder (condição econômica da comunidade, inclusão de
novas profissões, serviços, etc.), com poucas possibilidades de crescimento ou de
122

cambio dessa condição. Isso também demonstra que os discursos dos autores
valorizam sobremaneira os papéis dos administradores, dos gestores públicos e
privados, que devem primar pela qualidade, predisposição para novos
conhecimentos, e, principalmente, estarem abertos frente às novas exigências dos
visitantes. Ainda assim, o grupo de autores concebe um discurso composto de
perspectivas bastante favoráveis para o futuro do turismo nos ambientes da
religiosidade popular, bem como, este modo de pensar e conceber o turismo
entendem são promissores e demonstram a viabilidade do modelo turístico adotado
nas localidades estudadas, e isso não significa dizer que o trabalho a ser realizado
pelos poderes públicos e empresários não terá problemas a ultrapassar. De uma
forma geral, entendem que se pode considerar que o modelo de turismo proposto
nas localidades, vem alcançando objetivos, visto serem Aparecida-SP e Nova
Trento-SC, consideradas referências para projetos da natureza religiosa em outras
localidades do país.

Percebe-se, no Quadro abaixo, que claramente o grupo de autores


apresentados tem tendência a admitir que a religiosidade encontra-se imersa num
universo turístico identificado como turismo religioso. Estas percepções, embora
causem uma transformação na análise tradicional dos locais de movimentação
religiosa, permitem constatar diferenciadas análises que destacam desde ações de
planejamento das políticas privadas e públicas, considerações sobre os efeitos
físicos, socioculturais e psicológicos, até o crescimento sustentável da atividade
turística.

Cada autor é detentor de diferentes conhecimentos relacionados a vários


momentos do seu saber específico, como também estes conhecimentos estão
relacionados às suas áreas de formação acadêmica e atuação profissional. Dominar
as informações sobre tais elementos torna-se importante para que se possa
entender a lógica de raciocínio do pensamento de cada autor, visto que, essa lógica
determinará a inclusão ou exclusão de diferentes categorias de análise e de
interpretação das práticas dos visitantes religiosos. Esse conhecimento técnico
específico dos autores faz também com que depreciem ou sobre-valorizem
diferentes aspectos encontrados nas movimentações religiosas, o que ao final,
permite um amplo espectro de categorias de percepção, análise e interpretação e,
por outro lado, transforma as informações em resultados muitas vezes contrários e
123

distintos.

Segundo os discursos identificados nos autores, a composição do universo do


turismo religioso se dá em função de diferentes aspectos, pois reforçam o foco nos
aspectos do consumo ao se concentrarem nas afirmações que o município com
atrativos e potenciais para o desenvolvimento do turismo, especialmente o religioso,
poderão conquistar benefícios sociais, econômicos e ambientais. Porém,
dependerão das políticas de planejamento territorial, além dos planos de turismo,
transformando as características encontradas nos diferentes locais precisam ser
disponibilizadas ao consumo turístico.

Esses diferentes questionamentos realizados pelos autores em suas ‘falas’,


depois de agrupados por conteúdo de análise, levaram aos seguintes DSC:

QUADRO GERAL DSC - Sobre Turismo Religioso


Peregrinos e turistas possuem as mesmas motivações religiosas que
decorrem de uma livre escolha por uma crença mediada pelo mundo do
trabalho, e, é acompanhada por uma pausa da rotina para o lazer quando
são desconsideradas as motivações religiosas da viagem. Os profissionais
do turismo devem desenvolver estratégias de atração, instalar infra-estrutura
para atender as necessidades de transporte, hospedagem e alimentação,
implantar equipamentos, transportes, produtos e serviços para que se possa
atingir a sustentabilidade do negócio gerando efeitos econômicos positivos.
Porém, só uma profunda investigação, abordando a rede de fluxos de
romarias e peregrinações adentradas pelo turismo/consumo pode responder
a mediação religião e turismo, pois, a interpretação precisa ser exercida
sobre a forma, significado, visão de mundo que perpassa o ambiente e
pessoas que o animam, pois os elementos materiais em comum (viagem,
hospedagem, comércio e artesanato) são insuficientes para uma
caracterização mais profunda do turismo religioso.

Apresentando de maneira diferente o Discurso Coletivo obtido nos discursos


acima, tem-se uma imagem em que a religiosidade estaria composta integralmente
124

pelo turismo religioso, e dentro dele também estariam todas as possíveis atividades
realizadas pelos fiéis organizadas em: LAZER, DIVERSÃO e PASSEIOS (cor
amarela); MUDANÇAS ECONÔMICAS (cor verde); e RELIGIOSIDADE e FÉ. Há nos
discursos uma indissociação entre todas essas atividades e estruturas físicas, não
cabendo mais suas separações como ocorria no passado.
FIGURA 9 – COMPOSIÇÃO DO TURISMO RELIGIOSO

TURISMO RELIGIOSO

INFRA-ESTRUTURA; LAZER; DIVERSÃO;


POTENCIAIS; PASSEIO; PAPÉIS
ATRATIVOS; INDEFINIDOS
MUDANÇAS ECONÔMICAS

RELIGIOSIDADE; FÉ;
PAPÉIS DEFINIDOS

No geral, porém, os discursos dos os autores se direcionaram a presença de


visitantes na condição de peregrinos-turistas, isto é, a existência dos dois papéis que
convivem conjuntamente, quando não inteiramente turistas relacionados apenas
com o lazer (em amarelo), a diversão o passeio e os papéis indefinidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diversas são as constatações realizadas nos textos dos autores do turismo,


assim, nas considerações a seguir, se desenvolvem algumas percepções afins aos
elementos encontrados nos discursos, partindo-se de elementos mais genéricos que
tomaram parte dos discursos para após, debruçar-se sobre os mais específicos. Os
autores e trabalhos aqui analisados, que versam com mais profundidade o turismo
religioso, são baseados em análises distintas ou mesmo opostas, sendo que a maior
parte, não tem como ancoragem os deslocamentos religiosos ou religião, mas o
turismo, e pro que não dizer a administração.

Aspectos gerais merecem considerações, o primeiro que se observa é que


existe uma gama de diferentes ciências a produzirem constantes e contínuas
análises e interpretações relacionadas aos diferentes segmentos (ecoturismo,
aventura, cultural, etc.) e setores das Ciências Sociais Aplicadas (gestão,
administração, transportes, hospedagem, etc.); e, em segundo, ocorre uma aparente
e sistemática negação dessas informações quando da aplicação dos autores
analisados, sobre uma determinada realidade religiosa. Basta ver a quantidade de
obras relacionadas ao turismo que são sistematicamente ignoradas pelos autores do
turismo, os quais, por exemplo, parecem desconhecer as características dos fiéis
indicadas diversas vezes no corpo da Tese. Isso também ocorre porque existem
poucas pesquisas de campo que sirvam de base para as afirmações dos autores, o
que leva a outra constatação: percebeu-se que os textos de diferentes autores
acabam por reproduzir as afirmações de poucos e repetidos autores, ocorrendo o
que chamei de auto-citação e auto-aceitação, isto é, o número total de autores que
tratam de turismo religioso é pequeno (aproximadamente 50 autores), e dentre estes
é comum ocorrer que um cita aos outros e vice-versa.

Percebe-se nos autores do turismo a ausência de um referencial teórico e


conceitual que ultrapasse as questões mais objetivas das Ciências Sociais Aplicadas
para a percepção mais subjetiva da religiosidade, visto que as orientações seguidas
pelos estudiosos do turismo são àquelas genéricas a muitos outros segmentos
turísticos, não ocorrendo explicações consistentes às medidas tomadas para sugerir
o planejamento turístico específico. Isso tem provocado uma situação conflitante,
pois, se buscam justificar em todas as atividades religiosas apenas as existências de
126

elementos turísticos gerais, suprimem explicações do que seria a fé, a religiosidade


e o religioso nas ações dos fiéis, para, a partir disso, construírem um consistente
arcabouço teórico que justifique ações turísticas.

Entende-se que alguns discursos conseguem claramente caracterizar


diferenças e semelhanças entre os personagens que compartilham os espaços
religiosos populares. Em sua maior parte, não indicam categorias que comportem a
turistas, peregrinos, visitantes ou fiéis, pois para os autores, são os mesmos
indivíduos que se revestem de todos esses papéis. A partir dessas colocações é
necessário lembrar que além das motivações para os deslocamentos, outro discurso
rege a ancoragem dos autores do turismo sobre a temática nos ambientes religiosos:
estes vêm enfatizando continuamente que somente através do desenvolvimento
sustentável é que se podem aumentar as possibilidades de atratividade turística.
Neste sentido, é possível afirmar, que os autores depositam esperanças na
estruturação do ‘turismo religioso’, isso porque as condições atuais encontradas são
consideradas pejorativas (ausência das empresas turísticas; ausência do
planejamento turístico; ausência dos poderes públicos; grandes aglomerados
humanos; consumo de imagens; excursões bate-e-volta em ônibus e baixo gasto per
capita.

Como estratégias para isso, apontam a ampliação dos canais de


comercialização e das vendas dos componentes da cultura, bem como a inclusão de
novos atrativos locais, indo muito mais além da religiosidade atualmente
estabelecida, mesclando-a também com produtos ligados a natureza. Isso porque
para os autores a presença de aglomerados humanos nos locais religiosos, leva
primeiramente a instalação do turismo de massa, aspecto que é desprezado por
todos, e porque também constatam nesse tipo de movimentação dos visitantes, além
dos incômodos causados pela sua presença (barulho, lixo, brigas, festas, etc.), um
pequeno incremento financeiro na economia local.

Porém, fica dos discursos dos autores do turismo que atuam nos ambientes
religiosos a percepção de que a comunidade (ou seja, os fiéis e os turistas), não é
chamada a participar dessa interação esperada, fato que nega o princípio do
sustentável, uma vez que não foram encontrados resultados de pesquisas dos
autores das Ciências Sociais Aplicadas, sobre aspectos como: religião e lazer;
religiosidade é sinônimo de viagem; religiosidade é praticada nas férias, feriados ou
127

fins de semana, ou mesmo outros mais como aqueles vistos na pesquisa da


EMBRATUR.

Assim, pode-se dizer que os discursos indicam antes de tudo, que a prática
do ‘turismo religioso’ contribui com a sustentabilidade levando ao crescimento das
comunidades, não apenas na esfera produtiva e econômica, mas elevando-o a
condição de um sujeito social e cultural, que mediante a possibilidade do resgate
dos atributos positivos do turismo e da realidade, cria e implanta nas comunidades,
fazendo crer que, a religiosidade não é mais capaz de desenvolver tais
características, ou que a mesma não tenha realizado essa função nos séculos
precedentes, podendo ser substituída pelo turismo. Dentro desta percepção, sugere-
se que se devam aprofundar bem mais a compreensão sobre as características
sócio-culturais que interferem diretamente na definição da presença de pobres nos
ambientes da religiosidade católica popular, visto ser este tema caro demais para os
planejadores turísticos e, ser um argumento continuamente utilizado para se explicar
a ausência de atividades turísticas do setor, também se deve trabalhar com mais
afinco nas percepções dos discursos dos autores quando, de um lado relacionam os
fiéis à pobreza material e a ignorância cultural, e de outro, quando relacionam a
necessidade de inclusão de turistas com maior poder aquisitivo junto aos ambientes
da fé.

Transformar essa realidade dos visitantes é muito mais complexo do que as


afirmações que o planejamento turístico faz como as que indicam a inclusão simples
de novos serviços e atrativos, que levariam a uma mudança de perfil dos visitantes.
Aos autores também ocorre à existência do turismo de massa junto da religiosidade
popular relacionada à formação urbana da sociedade brasileira, generalizada como
elemento preponderante e majoritário, o que, porém, não explica todas as realidades
e todas as transformações da religiosidade católica brasileira.

Os autores do turismo analisam a interação dos visitantes, somente junto a


alguns santuários católicos, sobre os quais são desenvolvidas suas análises, o que
demonstra, a meu ver, as poucas experiências empíricas dos autores, que não
comportam efetivamente o universo de religiosidade católica popular. Assim,
percebe-se que, se em parte forem verdadeiras as afirmações sobre mudanças
ocorridas nas dinâmicas dos visitantes (fiéis e turistas) nos santuários, a grande
maioria dos locais de ocorrência das movimentações religiosas, não está sendo
128

considerada nas pesquisas, mas apenas estão sendo colocadas no universo


religioso, como se fosse um único espaço social. Além disso, analisam exteriormente
as movimentações religiosas, isto é, a posição deles é feita a partir de interpretações
pessoais, desenvolvidas sem que haja uma busca daquelas informações originadas
e disseminadas pelos órgãos responsáveis (pelas Congregações), e isso se
entende, gera uma visão delimitada e superficial, desprendida das simbologias
peculiares a cada atividade realizada, visto que este é um aspecto da diferenciação
entre aqueles que estudam o turismo e os que se concentram na religiosidade e na
fé: ao utilizarem o termo religioso em vez de usar a religiosidade popular, entende-se
que os autores do turismo, nem apontam estudos da religiosidade, menos ainda a
religião, visto não compreendem esses processos em níveis mais profundos do que
aqueles que vivenciam empiricamente, e que vêm servindo de baliza para suas
posições pouco científicas, o que denota a ausência de uma visão holística dos
mesmos no processo. Para a supressão dessas lacunas, sugere-se que os autores
do turismo aprofundem pesquisas na direção de conhecer os valores disseminados
pela Igreja Católica, pelas Congregações bem como pelos grupos religiosos,
enquanto parte das estratégias de atração dos fiéis, face que as mensagens por elas
produzidas e utilizadas, interagem diretamente com o público desejado. É preciso
lembrar que as atuais estratégias de atração religiosa vão desde as mais
tradicionais, (missas, bênçãos, casamentos, batizados) que existem já há muitos
séculos, até as mais recentes que passam pelas rádios, TVs e pela internet, (como
os Carismáticos, Canção Nova, Novenas, Romarias, entre outras), que ocorrem
continuamente tanto na residência dos fiéis, como nos momentos onde ele está
relacionado ao cotidiano doméstico.

Quando discutem sobre os significados ao termo turismo se percebeu que,


por mais que afirmem a necessidade de observar o respeito às comunidades onde
devem ser inseridas as ações e atividades turísticas, não se percebeu
aprofundamento sobre esses indicativos que direcionassem estratégias de atuação
ou de ações efetivas do turismo em distintos locais de visitação religiosa. Ao
observar-se a ancoragem dos autores a respeito das informações geradas pelas
suas pesquisas que possuem dos visitantes (fiéis e turistas) nos ambientes da fé,
percebe-se que os mesmos não dão o devido valor, ou não querem aprofundar-se
nestes aspectos, o que seria o ideal para a inserção de ações sobre os visitantes.
129

Entende-se, que inicialmente é necessário a cada autor balizar a discussão


sobre turismo antes de qualquer consideração, em especial, quando atuam
conjuntamente com diferentes visitantes, como é o caso do ‘turismo religioso’ nos
ambientes da religiosidade católica popular, onde deveriam expressar em seus
textos, um conjunto de conhecimentos específicos pertinentes às práticas e
estratégias diferenciadas desse ambiente. Essas ancoragens dos autores as
motivações, entendem-se são parcias, devido à relação que tais atividades possam
representar frente à sua formação acadêmica, pois, não percebem ou não explicam
as mudanças ocorridas nas atividades oficiais (nos elementos reforçados impostos
pela Igreja) tanto quanto nas escolhas pessoais, mais do que enquanto uma escolha
de opções realizada individualmente.

Se forem levadas em consideração as afirmações, se poderia sugerir que os


estudiosos da relação entre o turismo e a religiosidade católica popular deveriam
cercar-se de elementos mais consistentes para afirmarem tanto sobre as
Congregações que administram os locais da religiosidade, quanto sobre os
componentes que poderiam influenciar as escolhas e as atividades dos visitantes.
Outra característica identificada, descrita, e muito valorizada pelos autores do
turismo, é de que todos os visitantes possuem os mesmo motivos para se
deslocarem aos ambientes religiosos, porque praticam as mesmas atividades,
porém, o fazem sem apresentar as pesquisas que produziram tais informações para
que se possa confirmar se essa visão não decorre apenas do viés
consumo/motivação de sua formação acadêmica, ou mesmo de suas experiências
empíricas sobre a religiosidade.

Considera-se importante apresentar quais categorias são identificadas em


todo este processo e de que forma os autores do turismo o fazem para sugerir a
inclusão de estratégias junto a esse público diferenciado, visualizando nessas novas
relações, uma percepção talvez mais subjetiva sobre o campo da prática
profissional, hoje bastante delimitada pelo apenas pelo planejamento turístico.
Assim, os autores do turismo, a partir de seus elementos de formação nas Ciências
Sociais Aplicadas (administração, planejamento, gestão, rentabilidade, lucro, etc.)
desprezam diversos outros valores presentes nas Ciências Sociais, na Geografia ou
na Ciência da Religião, tanto quanto os valores simbólicos daquelas pessoas que
compõem os visitantes dos ambientes religiosos, bem como com aqueles. As
130

categorias mais utilizadas nos discursos dos autores para explicarem a utilização do
termo turismo religioso, passa pelos termos como planejamento, planejamento
estratégico, demanda, oferta, preços, tendências, comunicação, economia,
sustentabilidade, efeitos econômicos, atividades turísticas, agências, entre outras,
bem como, nos diferentes autores também aparece, em maior ou menor grau, a
incidência das estratégias de marketing do local visitado para a atração de visitantes,
tanto quanto para a religiosidade católica popular,

Porém, se esquecem da diversidade dos visitantes que se utilizam dos


ambientes da religiosidade popular, e, em função da obtenção dessas informações,
é que o marketing turístico dificilmente interage com elas. Cabe lembrar a ausência
de conhecimento e de compreensão dos autores do turismo, sobre o processo de
evolução das práticas nos ambientes religiosos, principalmente nos santuários (os
ritos indicados por Durkheim), elas mesmas, em contínuo processo de adaptação
interna, são realizadas a partir de interesses de cada uma das congregações ou da
própria igreja. Portanto, é preciso conhecer os fiéis desde o momento em que, no
seu cotidiano, se forma em sua mente a imagem dos locais religiosos, até o
deslocamento, visto que a Igreja já o faz há muito tempo.

Deveras preocupante é observar que as características indicadas e


apresentadas pela pesquisa do Ministério do Turismo, muitas delas relacionados às
percepções dos viajantes populares sobre os significados de termos como passeios,
viagens, excursões e turismo, não constam das preocupações dos autores do
turismo aqui analisados, pois, as características identificadas na pesquisa fogem
literalmente aos valores e conceitos acadêmicos que norteiam as discussões dos
autores analisados nesta Tese. Portanto, devem ser conhecidas a fundo, para que
se possa efetivamente desenvolver ações que atinjam a estes visitantes com as
estratégias do turismo, evitando-se repetir a posição atual de quase todos os autores
que se ocupam dos ambientes religiosos: para eles, os visitantes que se encontram
nestes locais, estão na condição de turistas religiosos e são possuidores de um
conhecimento que os coloca ao alcance das estratégias do turismo, sendo que basta
instalar a infra-estrutura turística para que as transformações ocorram. Outro
aspecto das afirmações dos autores é que entendem ocorrer a substituição
generalizada dos fiéis pelos turistas em todos os ambientes religiosos, porém,
nenhum autor discrimina pesquisas científicas que colabore com essas afirmações,
131

e isso favorece ainda mais a confusão em torno tanto das afirmações utilizadas, bem
como dos símbolos religiosos de uso corrente. Isso se entende dificultará a
implantação das estratégias turísticas, pois, muitos fiéis ainda não estão inseridos
nas práticas aceitas como ideais pelo turismo, isto é, não utilizam o agenciamento,
os transportes, a hospedagem e as estruturas de serviços, como gostariam os
planejadores turísticos e os autores. De outro lado as citações e auto-citações entre
os autores não tem contribuído para o conhecimento acerca da relação entre fiéis e
turistas nos ambientes religiosos.

Percebeu-se uma ancoragem dos autores, que vai do turismo para a


religiosidade, e isso os leva à ausência de percepção mais ampla sobre as
dinâmicas existentes nos ambientes da religiosidade. Esta ausência decorre,
principalmente, porque a base de percepção e informações utilizadas em suas
análises vem do mercado, e, é centrada sempre em projeções de crescimento do
turismo, das viagens e dos atrativos diferenciados, o que gera apenas a percepção
da possibilidade de receita econômica, que dificilmente é desprezada pelos
administradores públicos. Estes administradores públicos aliados aos autores vêem
principalmente os benefícios econômicos trazidos pelas movimentações turísticas,
ainda mais sendo elas comunidades locais, onde, qualquer mudança econômica é
de grande importância, e assim inferem a movimentação religiosa, uma capacidade
econômica que até o momento, entende-se, não foi confirmada nos diferentes
ambientes religiosos brasileiros.

Porém, o que os autores pouco ou nada desenvolveram em suas análises é o


fato que praticamente nenhuma, ou quase nenhuma ação dos setores turísticos
oficiais (poderes públicos, redes internacionais, agências de viagens, operadoras
turísticas, campanha de marketing, pacotes, roteiros e atrativos, etc.), incide sobre
os ambientes da religiosidade católica popular. Esses serviços são praticados por
leigos no turismo oficial (organizadores de excursões bate-e-volta, grupos religiosos,
fiéis em pequenos grupos paroquiais, etc.), fato identificado pelos autores, mas não
aprofundado em suas considerações. Noutras palavras o que se vê nos ambientes
religiosos é a inexistência da atuação de empresas turísticas estabelecidas
formalmente, apesar das afirmações indicarem que o turismo e os turistas já
tomaram conta destes espaços.

Assim, na ancoragem dos autores, diferentes elementos locais (como a


132

cultura ou a natureza) passam de maneira simples a compor o rol de atrativos


disponibilizados ao turismo, como ocorre com a religiosidade, e com as
movimentações religiosas nos espaços dos santuários. Se num primeiro momento
os autores apresentam argumentos que poderiam ser utilizados pelo turismo para
alavancar ou incluir um elemento religioso de determinada comunidade na oferta
turística, os quais são por eles considerados positivos, logo após, os autores
apresentam restrições diversas (como as próprias dinâmicas da religiosidade
católica popular em questão), as quais criam barreiras que devem ser transpostas
em nome do planejamento, e da padronização exigida dos consumidores turísticos,
sendo que essa passa quase sempre pela transformação dos fiéis em turistas.

Ou seja, os autores não conhecem os limites existentes nos discursos que


perpassam os ambientes religiosos (o universo dos valores simbólicos religiosos
onde estão imersos os fiéis, os papéis sociais que vivem as aspirações e objetivos a
serem alcançados, etc.), mas indicam que diversos atrativos e práticas turísticas
seriam viáveis; indicam de forma preconceituosa os limites impostos pela religião
vividos pelos que perpassam os ambientes religiosos, mas não se aprofundam em
justificar suas existências (seus ritos e mitos Durkheiminianos - grifo meu), pois,
apenas os descrevem esquecendo-se de agregar às suas argumentações os
elementos motivacionais tantas vezes identificados superficialmente, como
propulsão às movimentações religiosas das pessoas.

Entende-se que este é um limite a ser transposto na construção da nova


relação entre turismo e a religiosidade, pois, os discursos admitem que a igreja
perdeu a centralidade na definição dos valores na sociedade, os quais vem sendo
sobrepujado pela ciência e pelo mercado, face isso, entendem os autores, houve a
introdução do turismo nos espaços da religiosidade popular, porém, não indicam
como que esse processo ocorre, tanto nas estruturas físicas (as mudanças nos
transportes e hospedagens, por exemplo), como, nos valores e práticas das
Congregações, a partir de Igreja em Roma, bem como não menos importantes as
transformações nos fiéis e nos seus valores religiosos, mas, apenas descrevem-no
relacionado ao lazer. Entende-se, porém, que não é o turismo que possui essa
capacidade de transformação, mas sim que ele é mais um dos componentes
colocados dentro das transformações das sociedades pelas práticas relacionadas a
estruturação decorrente do capitalismo.
133

Percebe-se nos discursos dos autores certa facilidade para falar da


possibilidade de existência de um modelo único de estruturação do ‘turismo religioso’
nos diferentes locais onde ocorre a religiosidade, uma vez que essa visão baseia-se
na implantação de componentes da infra-estrutura turística, uma vez que entendem,
esses investimentos visam mais programar um novo empreendimento dentro das
mudanças recentes da religiosidade, para fins econômicos ou de lazer. Nessa lógica
os autores não aprofundam seus estudos em análises documentais das
Congregações, bem como sobre as influencias que vem praticando sobre a
religiosidade popular, ou sobre os diferentes locais que compõem o universo da
religiosidade católica (festas, romarias, procissões, novenas, igrejas, santuários,
etc.). Entende-se, que essas manifestações são passíveis de sofrer interferência do
planejamento turístico a partir do momento que os autores do turismo comprovem as
suas informações sobre as transformações e aprofundem suas interpretações não
somente sobre as atividades realizadas pelos fiéis, mas também sobre os antigos e
novos significados que possam estar vigorando nos espaços religiosos, que não
condizem com as generalizações que se percebe, nos diferentes autores do turismo.

Será necessário aprofundar como se deram as transformações em todos os


diferentes locais de interação turismo e religiosidade, pois, essas não são iguais e
não se deram da mesma maneira em todos os locais, visto que, cada sociedade
possui diferentes elementos que interferiram e interferem em suas dinâmicas, em
suas escolhas de grupo, e em muitas delas, certamente não ocorrem condições
físicas, nem interesse por parte das comunidades para a inclusão do turismo. Parte
dessa percepção poderia colaborar na discussão sobre turismo em ambientes da
religiosidade, quando se percebe na fala dos autores que na atualidade uma parcela
dos fiéis deixou de participar efetivamente dos ambientes da fé, passando a ser
expectador apenas (por exemplo, ao ver uma procissão ‘passar’), falta à percepção
destes em aprofundar estudos sobre os diversos papéis e significados possíveis
dentro dos ambientes religiosos tradicionais e da religiosidade católica popular.
Percebo que essa condição efetivamente ocorre, porém, nossa função enquanto
cientistas sociais produtores de conhecimento, é também o de quantificar essas
transformações através de dados obtidos mediante trabalhos de campo, senão,
continuaremos a teorizar sobre condições irreais.

Entende-se que essas afirmações somente enfatizam aquilo que considero


134

uma das controvérsias dentro das discussões teóricas atuais dos autores do turismo:
para os autores o turismo religioso está substituindo as formas tradicionais de lazer,
através das viagens, assim, toma corpo a percepção de que o turismo se torna cada
vez mais uma necessidade para o bem-estar humano, sobre os quais os autores
percebem enquanto ambientes religiosos, porém, o que não percebem é que nesta
dinâmica tanto o lazer como o turismo vem se desenvolvendo individualmente no
capitalismo, pois, quem pratica lazer não o faz mais em grupo ou em comunidade,
mas sim sozinho e independente dos que os cercam, mesmo que cercado pela
multidão, onde os elementos culturais do grupo social não mediam as atividades. Os
autores não percebem que este fato é contrário as práticas vêem presentes nos
ambientes religiosos, os quais no meu entendimento estão ligados a manutenção da
relação com santo de devoção que a necessidade individual de lazer. Além disso,
para muitos fiéis ainda é importante o espírito de comunidade, que não se forma
apenas nos instantes em que se encontra nestes ambientes, nos quais se esquecem
os papéis sociais cotidianos, mas que se inicia bem antes de sua saída para a
viagem, na sua vida cotidiana, centrada naquilo que Elíade chamou de sagrado e
profano e Durkheim de ritos e mitos, elementos que explicam e dão significado aos
atos praticados nos ambientes religiosos, de forma muito mais profunda que a
análise dos atos em si.

Também, poderiam os autores das Ciências Sociais Aplicadas desenvolverem


maior aproximação com a percepção das teorias de Elíade e de Durkheim, visto que
os evocam e concebem distinções entre as motivações religiosas e as ações
relacionadas com as atividades festivas dos visitantes, as quais são consideradas
como lazer, independentes da sua correlação com outras atividades religiosas
realizadas no cotidiano e longe dos ambientes religiosos, pois, esses aspectos não
perpassam as preocupações dos autores do turismo que se interessam pela
religiosidade. Entende-se, também, que os autores utilizam o termo turismo religioso,
não conseguem distinguir todos os diferentes elementos que dão suporte aos grupos
que convivem paralelamente no universo religioso, muito menos aos possíveis
turistas que lá se encontram, e sobre os quais pretendem atuar.

Serve esse estudo de recorte para descrever as necessidades do domínio de


múltiplos e variados conhecimentos que deverá possuir a equipe de trabalho que
quiser desenvolver ações relacionadas ao turismo, junto ao público que circula nos
135

ambientes religiosos populares. Se percebe o quanto é importante ao cientista que


se debruça sobre o universo da religiosidade católica popular, evitar que, as análises
principiem sob o aspecto da discriminação através de um discurso que pode se
popularizar como verdade definitiva, provocando ainda mais para estigmatizar um
grande grupo componente da sociedade, sobre o qual ainda não se possui
elementos de consumo turístico que pouco permitam inferir sobre os conteúdos
culturais historicamente produzidos e incorporados, e, portanto, de lenta
transformação e mudança, que exigem mais do que apenas marketing turístico.

Entende-se que o termo turismo religioso poderá ser utilizado, quando a


academia perceber quais são as necessidades físicas e quais são todos os valores
espirituais dos fiéis, das congregações, tanto quanto dos turistas que circulam nos
ambientes da religiosidade popular, porém, se entende que, ainda não se sabe até o
presente momento, quais são essas características e as efetivas necessidades
desses diferentes visitantes, devido ao fato que, não existe um campo de
conhecimentos que tenha sido delineado a partir de pesquisas científicas, sendo
então os resultados aceitos pelos autores das Ciências Sociais Aplicadas como
sendo pertinentes aos estudos da relação turismo e religiosidade. Portanto,
desenvolver um campo específico de conhecimentos, que perpasse a existência de
um conjunto de valores definidos, os quais compõem um código de valores
religiosos dos visitantes dos santuários é imprescindível, é uma etapa necessária na
evolução dos estudos sobre o tema.

Porém, é necessário tomarmos posição sobre a exigência de uso do termo a


partir de uma profunda construção teórica, mesmo que para muitos, isso pareça
improdutivo e apenas mais um viés acadêmico, no entanto, percebo que o debate
acadêmico precisa mediar o conhecimento sobre o tema através da construção de
leis gerais que consigam interpretar e explicar as dinâmicas dos ambientes
religiosos, para que com isso se possa impor respeito aos universos fora da
academia, os quais estão relacionados superficialmente a ela, visto que a discussão
acadêmica tem levado ao desenvolvimento de interpretações, as quais foram, e
estão sendo apropriadas continuamente pelo mercado, e este, não prescinde de
profundidade teórica.
Para finalizar, compreendo que na atualidade o termo turismo religioso não é
imprescindível para a construção do conhecimento sobre a relação entre o turismo e
136

a religiosidade católica popular, visto que os autores buscam mais a definição de


estratégias de remodelação das dinâmicas dos fiéis, rechaçando certas atividades
entendidas como negativas ao turismo ou que a ele se aproximam, mais do que
aprofundar estudos explicativos sobre as transformações ocorridas.
Enquanto isso não acontecer, entendo que devemos usar apenas o binômio
turismo e religiosidade quando nos reportarmos às nuanças das relações desse
tema.
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