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a @ e 3k IFRN/MO AVOUT TIERRA | 401129 124 edicéo oa a ent io mais | tradigoes em Sl , comuns das os que optaram por este ig a Pp ul GAUDENCIO FRIGOTTO METODOLOGIA DA PESQUISA ‘ EDUCACIONAL| IVANI FAZENDA. ORGANIZADORA CELESTINO A. DA SILVA JR. DEA FENELON ELCIE MASINI IVANI FAZENDA JOEL MARTINS MARLI ANDRE OLINDA NORONHA SERGIO LUNA SILVIO GAMBOA Sie i oraseeeeeeeemeprecccicek Dados Intemacionais de Catalogacao na Publicagio (CIP) (CAmara Brasileira do Livro , SP, Brasil) “Metodologia da pesquisa educacional / Ivani Fazenda (org) ~ 12.04, Sto Paulo : Cortez, 2010 ISBN 978-85-249-1638.0 1. Pesquisa educacional - Metodologia I. Fazenda, Ivan 10.08390 cpp-s70.78018 Indices para catélogo sistemti 1. Metodologia: Pesquisa edveacional 37078018 2, Pesquisa educacionalMetodologia 37078018 TFRN-CMA PISLIOTECR 0 | ARNALDO ARSENIO DE AZEVEDO Ivani Fazenda (Org.) Celestina Alves da Silva Junior « Dea Fenellon + Elcie Masini « Gaudéncio Frigotto + Ivani Fazenda « Joel Martins » Marti André + Olinda Noronha » Sérgio Luna + Silvio Gamboa METODOLOGIA DA PESQUISA EDUCACIONAL 12? edicao 4° reimpressio Sse MBTODOLOGIA DA PESQUISA EDUCACIONAL wani CA, Fazenda (Org) (Capa: Carla Fazenda Preparao de origina: Jaci Dantas Resisio: Mara de Lourdes de Almeida Composit: Linea Falitora ida, Coordenao editorial: Danilo A.Q. Morales IFRN-CAMPUS MOSSORO BIBLIOTECA ARNALDG ARSENIO DE AZEVEDO R825. 223_Tombo_2299 40, Darall / (OF 12 Aquisigo_C. Nt_2E4 HO Valor 23,26 Ne Chamada: 30. 912 "Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorizagio expresea dos autores eda editor (©1989 by Autores Direitos para esta edo ‘CORTEZ EDITORA Rua Monte Alegre, 1074 ~Perdizes (5014-001 ~Si0 Paslo -SP ‘Tel: (1) 38640011 Fax: (11) 38614290 E-mail: cortex cortezedtora.com br wwwcortezeditoracombr Impresso no Brasil —julho de 2018 > TERN-CM-BIBLIOTECA | RALDO ARSENIO. SE eveno Sumario __ Reapresentando ag Toani Fazenda 0 falso conflito entre tendéncias metodol6gicas Sérgio V. de Luma.. A pesquisa no cotidiano escolar ‘Marli E, D. A. André A pesquisa qualitativa Joc! Martins.. Enfoque fenomenolégico de pesquisa em educagio Eleie Salzano Masini n 2B 51 10. 11. 12. hs ZENO enfoque da dialética materialista histérica na pesquisa educacional Gaudéncio Frigotto un A dialética na pesquisa em educagio: elementos de contexto Silvio A. S. Gamboa. 101 Pesquisa em hist6ria: perspectivas e abordagens Dea Fenellon. 131 Pesquisa participante: repondo questdes tesrico- -metodoligicas Olinda Maria Noronta.. 153 ReflexGes metodologicas sobre a tese: “Interdisciplinaridade — um projeto em parceria” Iuani C. A. Fazenda 161 A.escola péblica como local de trabalho ou a tese do livro-tese Celestino Alves da Silva fiinior. 181 Novos procedimentos metodol6gicos as questées da Interdisciplinaridade Jeani C. A. Fazenda... 193 Os Autores CELESTINO ALVES DA SILVA JUNIOR. Coordenador do Curso de Pos-Graduacao em Educacéo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e orientador junto ao Curso de P6s-Graduagao em Edu- cagio da Universidade de Sao Paulo. DEA FENELLON. Professora da Pos-Graduacao de Histéria da Pontificia Universidade Catélica de Sao Paulo (PUC-SP).. ELCIE F. SALZANO MASINI. Professora da Graduacao e Pés- -Graduagio da Faculdade de Educagdo da Universidade de Sao Paulo. GAUDENCIO FRIGOTTO. Professor da Universidade Federal Flu- minense ¢ da Fundagio Getilio Vargas. Autor de A produtividade dia escola improdutia: um (reJexame das relagdes entre educacio e estrutura econémico-social capitalista (S40 Paulo: Cortez, 8. ed., 2006). IVANI CATARINA ARANTES FAZENDA. Professora titular do Pro- grama de P6s-Graduagéo em Educagao — Curriculo da PUC-SP; coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Interdiscipli- naridade (Gepi) da Pontificia Universidade Catolica de Sio Paulo; presidente do Férum Paulista de Pés-Graduacéo em Educagao; ‘membro da Academia Paulista de Educacao. a ra 2008, JOEL MARTINS, Professor da Pontificia Universidade Catélica de Sio Paulo (PUC-SP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), IMARLIE, D. A. ANDRE, Professora da Faculdade de Educagio da Universidade de Sao Paulo, OLINDA MARIA NORONHA, Professora do Departamento de Filosofia e Histéria da Educagio na Faculdade de Educacao da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). SERGIO V. DE LUNA. Professor da Faculdade de Educacao da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). SILVIO ANCIZAR SANCHEZ GAMBOA. Professor da Faculdade de Educagao da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Reapresentando ‘ossa mensagem nesta 12° edigdo & de offmismo—um niimero muito maior de educadores do que o imaginado, interessa- se hoje pela pesquisa em Educagao no Brasil. No s6 nos centros mais avangados, mas, em todo o pais, educador esté buscando uma Educagao de melhor qualidade, Isso requer cuidados, critétios, rigores, que somente pesquisas bem conduzidas poderao tratar —a finalidade bésica dessa cole- tanea continua sendo a de indicar caminhos e rever perspectivas nna pesquisa educacional. ‘Aos artigos anteriores, dois mais se somam, 0 porqué dessa intromissio — um novo enfoque na pesquisa se anuncia: 0 das metodologias no convencionais em teses académicas. Nossa intengio ao inclui-los é a de apresentarmos um maior niimero de ‘elementos para mantermos viva a polémica na pesquisa. & também ade indicarmos novas possibilidades, é sobretudo despertarmos © gosto pelo pesquisar, aos que ainda desse prato nao provaram, 20s jé iniciadlos um aprimoramento do paladar. Toant Catarina Arantes Fazenda ‘Sao Paulo, agosto de 2010 Apresentacao E® coletanea tem o objetivo de auxiliar 0 que pesquisam ou ,pretendem investigar o fenémeno educativo. Os textos foram utilizados como leitura bisica, nos cursos sobre Metodologia da Pesquisa Educacional do Programa de Estudos Pos-Graduados em Supervisio e Curriculo da PUC-SP, no 1° ¢ 2° semestres de 1988, coordenados respectivamente pelos professores Antonio Chizzotti eIvani C. A. Fazenda. Além da coordenagao, os cursos tiveram a colaboracao dos demais professores do programa, desde o plane- jamento até a avaliagao. © curso surgiu das dificuldades sentidas pelos alunos na escolha da metodologia mais adequada a elaboragao e desenvol- vimento de um projeto de pesquisa. O objetivo era proporcionar condigdes aos pesquisadores para: ‘+ conhecer ¢ analisar diferentes diregdes na pesquisa edu- cacional; + escolher a opgio mais adequada a seu projeto de trabalho. Professores especialistas em diferentes abordagens meto- dolégicas, de diversas instituigdes, participaram do curso, € 08 resultados da troca de experiéncias foram muito positivos, como atesta a qualidade das dissertagdese teses dos alunos participan- tes, Esta coletanea surge dai. Dela fazem parte alguns textos dos professores convidados. a rw 4 Os textos aqui coletados constituiram um recurso inicial a0 que foi trabalhado no curso no que se refere & pesquisa empirica © pesquisa qualitativa em seus diferentes enfoques: etnografico, fenomenol6gico, dialético historico e participante. Havia muitas vidas sobre pesquisa do cotidiano escolar e estudos de sala de aula, além de outras de natureza genérica sobre as dificuldades comuns encontradas no ato de pesquisar. Alguns desses aspectos foram inclufdos nesta coletanea. Colocado perante diferentes tendéncias metodolégicas, 0 educador/pesquisador deve re-inventar seu caminho, que seré linico. Pretendemos mostrar apenas algumas das possibilidades, 05 cuidados a tomar e 03 avangos jé conquistados. Apesar de haver diferentes formas de pesquisar em educa- so, a légica que deve presidir a pesquisa € a ldgica da eruligto, pois é impossivel delinearmos caminhos para pensar a prética educativa sem adentrarmos ao nivel de abstracao tedrica e das generalizacdes. Apesar de arduo e solitério, o proceso de pesquisar é tam- ‘bem um desafio, pois a paixo pelo desconhecido, pelonovo, pelo inusitado acaba por invadir o espaco do educador, trazendo-Ihe alegrias inesperadas, Toani Catarina Arantes Fazenda Sio Paulo, outubro de 1989 f iF BIBLIOTECA ARNALDO ARSENIO DE AZEVEDO 1 Dificuldades comuns entre 0s que pesquisam educacao Ivani Catarina Arantes Fazenda ~ PUC-SP etendemos refletir sobre algumas das dificuldades mais co- ‘muns encontradas pelos alunos dos cursos de pos-graduagaio em Educagao, tentando compreendé-las em suas origense tragando alguns caminhos para superé-las. Muitas destas dificuldades acompanham o aluno desde a escola de 1" e2” graus, sem que tenham muita consciéncia do fate. Por paradoxal que pareca ser, conseguem vencer com alguma tranquilidade certos cursos de graduagio, onde sua contribuicao pessoal no é muito solicitada. Entretanto, no momento da elabo- ragio de monografias para o cumprimento dos créditos nos cursos de pés-graduagio,essas dificuldades se evidenciam, agravando-se ‘no momento da definicao da pesquisa de dissertagio de mestrado ou tese, ‘A‘mais frequente € a dificuldade para escrever, pois a expres- so escrita requer, antes de mais nada, uma apropriagao do objeto da escrita, O ato de apropriagéo do objeto da escrita pressupde uma ‘exaustiva pesquisa anterior sobre o tema, que deve ser compreen- dido em seus varios aspectos. Somente depois disso sera possivel comunicé-lo a outros. Um dos produtos da dificuldade para escrever é a chamada “colcha de retalhos”. Nela, 0 pesquisedor, por nao possuir ainda sum discurso escrito préprio, utiliza-se ou apropria-se do discurso Hh a razeND alheio, e, a0 somar textos, no percebe que muitas vezes estes so desconexos ou conflitantes. Esta dificuldade, que redunda numa escrita fechada e pouco clara, muitas vezes provém da dificuldade em compreender e interpretar textos. Téo dificil quanto o dominio da escrita, nao se resolve da noite para o dia, num passe de magica ou muito menos num curso de pés-graduacio. Entendemos que o objetivo da pés-graduacio nao é solucio- nar estas dificuldades, mas sim ajudar os que jé tém o habito da Pesquisa e o exercicio da escrita. Diante da dificuldade para escrever, o pesquisador necessita antes de mais nada parar para pensar em como ocorreu sua forma- ‘so académica. Certamente, encontraré uma série de lacunas para preencher, antes mesmo de esbocar o seu projeto de pesquisa para mestrado. Uma das formas de investigar as falhas no proceso de formagdo é a revistio dos pressupostos tedricos que sustentam. ‘ou encaminham o raciocinio inicial do pesquisador. Assim, se 0 caminho escolhido foi o estudo da sala de aula, 0 pesquisador ‘precisa ter antes decidido: qual concepcao de educagio pretende investigar, como se realizaria a aprendizagem nesta concepio, quais 05 agentes que a determinariam, que interferéncias pode iam ocorrer em seu percurso, qual a ideologia subjacente a tal concepgio. f necessério também realizar um levantamento das possiveis categorias que eventualmente emerjam no processo da Pesquisa, bem como o suporte te6rico adequado a andlise dessas ‘categorias, ao lado de uma disponibilidade em substitui-las se 0 desenvolvimento do projeto assim o determinar. Esses pressupostos teGricos resultam de uma formagio aca- démica sélida e anterior ao processo de pesquisa, sem a qual esse trabalho seria inviavel. Em alguns casos, entretanto, a origem da dificuldade est na falta do habito de escrever. Pode-se presumir que seja esta a origem, quando o pesquisador consegue verbalmente expressar com clareza suas ideias, e quando se percebe em suas colocagées eTODOLOGIADAPESQUSKFDUCACONAL ” orais uma coeréncia de raciocinio. Nestes casos, costumo sentar com meus orientandos e gravar um dialogo sobre os caminhos que pretendemos empreender na pesquisa. Em seguida, o orientado transcreve a fia, refazendo a escrita até torné-la “fransparente”, Escrever é um hdbito que vai sendo aprimorado apenas no seu continuo exercicio e que infelizmente nem sempre se consotida nna escolaridade anterior pés-graduacio. Dificuldade semelhante & da escrita € as vezes encontrada na expresso oral; comumente uma escrita truncada decorre de bloqueios no falar. Tal como a escrita, a expressio oral também requer continuo exercicio, Somos produto da “escola do silencio’, em que um gran- dentimero dealunos apaticamente fica sentado diante do professor, esperando receber dele todo conhecimento, Classes numerosas, contetidos extensos, completam o quadro desta escola que se atla Isso se complica muito quando ja se ¢ introvertido..." ‘Uma das formas que considero eficiente para vencer esas dificuldades é a formacdo de grupos de estudos. Neos grupos de estudas que tenho coordenado, percebo que as ificuldades iniciais vao sendo gradativamente superadas. Entre- tanto, um grupo de estudos 6 se consolida se houver a intenga0 de estruturar um projeto de trabalho conjunto e requer a orienta- ‘¢do continua e sistemética do coordenador do grupo, bem como o envolvimento total de todos os seus membros. O mimero ideal de participantes é de no maximo dez pessoas, para que todos possam_ apresentar suas ideias oralmente. Tao fundamental quanto 0 tempo é a limitacio do espago escrito; este precisa ser compativel com o tempo disponivel para sua posterior andlise. Cada elemento do grupo deve possuir c6- pia dos escritos de seus companheiros, para indicar sugestées de aprimoramento do texto individual. Espera-se de cada elemento 1. A esse respeito, consultar Suely C. Moreira, Da clinic 2 sale de aula. S80 Paulo: Loyola, 1989, que discute como trabalharintroversio e extrovers20.na sala dele wa aE do grupo uma disponibilidade em ouvir criticas (que também pode ser apreendida) ¢ em reescrever o texto tantas vezes quantas © grupo solicitar Pesquisar em educagao exige, além de uma formacao acadé- ‘mica restrita (relativa ao tema que seré desenvolvido), uma s6lida ce profunda formagio académica geral, pois a dificuldade em inter- pretare compreender textos indicados nos cursos de pés-graduacio ‘somente ser vencida se, a0 lado de um trabalho como texto basico, procedler-se a leitura de varios textos complementares. Entretanto, infelizmente, muitos pesquisadores apenas se dio conta disso ao procurarem desenvolver suas dissertagSes. Nesse sentido, todo o itinerério da formacao académica geral no cumprido necessariamente precisaré acontecer na hora em que a pesquisa individual se desenvolver. Essa dificuldade em ler, interpretar e compreender advém de ‘uma formagio inadequada na escola de 1° ¢ 2° graus, Considero a superacao destas dificuldades um dos atributos basicos para o exercicio do pesquisar, ao lado do aprimoramento do gosto por conhecer, a inquietude no buscar e 0 prazer pela perfeicao. Quem nao se propuser a desenvolvé-los dificilmente conseguiré terminar uma dissertagao de mestrado! Outro conjunto de dificuldades comumente citado esté na es- coll do tema, no enuncindo do problema, e em seu encaminhamento. Se ohabito em pesquisarjé estivesse presente desde o 1° grau, evidentemente nao haveria dificuldade em encontrar 0 tema, & ingressar em um curso de pés-graduagao seria apenas uma forma de aprofundamento teérico-metodolégico de temas jé iniciados ou trabalhados. ‘Um pesquisador familiarizado com o tema teria menores dif ‘culdades em enunciar o seu problema de pesquisa. interesse pelo tema pode ser préximo— visando solucionar questées presentes no cotidiano de seu trabalho — ou remoto — quando 0 objetivo é pes- quisar um assunto polémico ou pouce discutido em Educacio. importante tanto para o orientador como para o orientando conhecer a origem do problema a ser pesquisado. E interessante METODOLOGA DA PESQUSA DUCACONAL ” que 0 pesquisador coloque isto num pequeno texto. A anilise desse texto poderd indicar ao orientador a forma como o orientado se coloca enquanto sujeito do projeto que pretende desenvolver; revela com mais seguranga o caminho a ser perseguido em seu projeto de pesquisa. Outra dificuldade ao desenvolvimento da pesquisa é 0 ‘edo de no ter 0 problema plenamente delimitado no projeto de pesquisa inicial. Neste caso, é interessante lembrar que 0 projeto primeiro acaba pessando por intimeras transformagoes, ¢ varios pesquisadores 56 conseguem definir seu problema com maior clareza ao final da pesquisa O importante aqui é que o pesquisador tenha a coragem de redefinir seu projeto inicial sempre que necessério, sem abandons- -lo, mas sempre voltado a ele para perceber com clareza o porque dos desvios pretendidos e em que diregao pretende avancar. ‘Temas muito ou pouco explorados também provocam di culdades, Ao proceder a revisdo bibliogréfica do tema escolhido, muitas ‘vezes 0 pesquisador pode defrontar-se com um grande ntimero de obras sobre ele. Isto poder suscitar-Ihe sentimento de que sua contribuigao poderé ser redundante ou inoportuna. Considero que ‘muitas vezes um tema muito pesquisado pode ser relevante para 1 Educagdo. A abertura a novas formas de investigagao poderd revelar aspectos ainda ndo desvelados, mas importantes. Temas muito pesquisados muitas vezes necessitam de uma ordenago em subtemas quando da revisao bibliogréfica. Essa di- visio ou classificacdo poderd indicar ao pesquisador quais os itens a serem melhor explorados. Evidentemente, a forma de exploragao do item vai depender das ponderacées de ordem metodolégica que a pesquisa suscitar. Conhego muitos pesquisadores que, diante de um grande niimero de obras para estudar sobre determinado tema, decidi- ram optar por um estudo compilatério ou classificatério. Considero extremamente diteis estudos dessa natureza, pois possibilitam a » a AEN outros pesquisadores avangarem no aprofundamento dos itens nao adequadamente explanados..? Em meu itinerdrio de pesquisadora, defrontei-me com essa dificuldade no inicio da década de 1980, Minha intengio era pes- quisar os efeitos da Educagéo no Brasil na década de 1960. Ao levantara bibliografia sobre o tema, encontrei uma quan- tidade enorme de titulos referentes & situacao politica eecondmica do Brasil na época, mas pouco se falava sobre Educacao. Omaterial existente, além de escasso, nem sempre estava completo, pois nao hd interesse em preservar os documentos sobre Educagaono Brasil. Ao final de cada gestao, estes sao queimados, e comega-se tudo da estaca zero — isto constitui uma dificuldade imensa ao pesquisador a0 educadores de maneira geral. ‘A intengio da referida pesquisa — que seria inicialmente um nuncio de proposta para trabalhar-se a educacéo na década de 1980 — passou a ser uma demiincia dos motives que conduziram 1 educadores da década de 1960 ao siléncio. Percebi que nao poderia ir além sem um estudo compilat6rio inicial, que seria imposstvel pular etapas, que embora as questoes ‘econdmico-politicas j4 houvessem sido amplamente discutidas pelos economistas e cientistas sociais, as relativas a Educacao ain- da eram muito pouco exploradas? O tema inicial, que me parecia demasiado amplo, acabou se tornando bastante restrito.. ‘A década de 1960 foi a época da dentincia velada. Somente em 1970 o que era velado comegou a ser explicitado. Sem essa tacdo é dificil entender o movimento de avangos € recuos da Educagao na década de 1980. ‘Temas poucoexplorados também geram dificuldades na pes- quisa. Neles o pesquisador age como o garimpeiro que de repente, 2 Sobre Ezcola Normal, ema que atualmente ven pesquisando, eneontre estudos compilatScios muito intresates, entre eles: ELIA MEDIANO, Marl [And etl. Reitalizaedo Escola Normal. Rode Janeito: PUG, 1988;CATTL, B.A {forma do pofesr de gra, 1988 (material de estado) 3: O referido traalbo encontra-se publicado sob o nome de A ecu no rast —ano 6:0 pact do silencio, So Peo: Loyola, 1985. ETODOLDGADAPESQUIAEDUCACONAL a rno meio do cascalho, encontra uma pedra valiosa. Pedras valiosas sdoraras, tanto nos temas muito explorados como nos pouco explo- rados, pois algose torna valioso, na medida co interesse especifico do individuo que pesquisa. Pessoalmente jé enfrentei essa dificuldade com o tema Inter- disciplinaridade no ensino. Embora jé pensasse no tema desde 1965, apenas em 1973 comeceia trabalhar nele, e puce constatar que era uum tema muito pouco pesquisado tanto pelos educadores do Brasil como nos de outros paises, Durante muito tempo apenas pude encontrar a palavra enunciada em um ou em outro texto, sem que a tematica fosse desenvolvida. Entao foi lancado o Livro intendis- ciplinaridade e patologia do saber de H. Japiassii —e com ele pude conhecer outros pesquisadores na area como Gusdorf, Palmade, ‘Houtart. Entretanto, passei grande parte da pesquisa compilando 10s estudos desenvolvidos na época, para chegar a uma conclusio pessoal sobre a interdisciplinaridade. Isto possibilitou-me indicar alguns equivocos quanto a ela, na legislagao educacional brasileira na década de 1970. Desde essa época, continuo pesquisando essa tematica, embora ainda a considere muito pouco pesquisada. Ha dois anos © p6s-graduacao em superviséo e curriculo da PUC-SP vem se- diando um grupo de pesquisadores, por mim coordenado, sobre Interdisciplinaridade no Ensino. Entretanto, como todo tema pouco explorado, exige dos que a ele se dedicam muito empenlo em construir novos caminhos. Concluséo Aoassumir a tarefa de investigar, o educador se depara com estas e muitas outras dificuldades. $6 um trabalho continuo e sério 4. Esse trabalho fol publicado sob o titulo: Inegragtoeintrtiscplinaridade no ‘nso brasileiro. So Paulo: Layola, 1979, ~~ TFRN-CM-BIBLIOTECA _} a i ZENA @ ig - LARNALDO ARSENIO DE AZEVEDO | a pode vencé-las. Muitas delas poderiam ser inicialmente corrigidas, ‘a partir de uma escolaridade eficiente, desde o 1° grau. Algumas escolas jé trabalham para isso, mas s80 poucas. Em geral, o nosso aluno é mal preparado tanto para enfrentar 0 cotidiano de seu trabalho como os desatios da vida académica. ‘A formagio do pesquisador, desde cedo, precisaria desen- volver 0 compromisso por “ir além” — além do que os livros ja falam, além das possibilidades que Ihe so oferecidas, além dos problemas mais conhecidos. Como esta formagio nao é outorgada pela escola, ela neces- sita ser conquistada; é a conquista da aufonomia, tarefa de cada um, em particular dos que buscam obter um saber mais elaborado € ‘uma titulacdo. 2, 0 falso conflito entre tendéncias metodologicas ‘A tarefa nao termina ai. Consciente desta problematica e tendo em parte vencido suas dificuldades proprias, o educador tem a obrigagao de incentivar e propiciar a formacao de novos pesquisadores. Mas as dificuldades nao param por af, apenas mudam de nome ou enfoque. Em consequencia, penso que um caminho bas- tante promissor a pesquisa em educacio é contato constante com outros pesquisadores da érea ou de éreas correlatas. Sérgio V. de Luna — PUG-SP/Unicamp Referéncias bibliograficas FAZENDA, Ivani C. A. Integracao inendsciplinaidade noensino braitero. Sio Paulo: Loyola, 1979. Edueagio no Brasil — anos 60: o pacto do siléncio, Sao Paulo: Loyola, 1985. GATT, B.A formago do professor de 1 grau, 1988 (material de esto} MEDIANO, Zétia; ANDRE, M. etal. Revitalizngio da Escola Normal. Rio de Janeiro: PUC, 1988. (Mimeo.) MOREIRA, Suely G, Da clinica @ sala de aula, $40 Paulo: Loyola, 1988. ste texto foi concebido para apresentagdo no f6rum "Correntes Aedricas na pesquisa educacional no Brasil” mantido durante 01 Seminario de Pesquisa em Educacio no Estado do Pars, orga- nizado pelo Servigo de Planificacio e Pesquisa em Educacao da Universidade Federal do Par. Contatos iniciais haviam dirigido minha atengdo para uma série de questées que me preocupavam hhavia tempo e foi com base nelas que organizei o texto. Todavia, ‘com a formalizacao do convite a mim feito, dei-me conta de que © item que me cabia no debate era mais especifico e referia-se exclusivamente ao Positivismo. Por essa raz3o, tornou-se neces- séria esta pequena introdugio (8 guisa de justificativa) e os quatro paragrafos seguintes. Minha formagao académica foi toda calcada sobre wma me- todologia experimental e ainda hoje trabalho em funcao da anélise do comportamento, embora nao necessariamente ou nem sempre ‘com experimentagao. £ provavel que minha inclusao no férum e no tema tenha sido devida a isso. Contudo, nao me considero um positivista, mesmo porque no sei exatamente a queas pessoas se referem coma utilizacio do termo, além do fato de se pretender que ele carregue conotagies pejorativas. Ao longo da hist6ria, o Positivismo de Comte foi se transformando, deu origem a novas tendéncias associadas a dife- 2% a aZENDA rentes autores e misturou-se a um conjunto de desdobramentos com denominagdes variadas (incluindo o neopositivismo). Anos atrés, Bento Prado Jtinior, em uma conferéncia na Reuniéo Anual da Sociedade de Psicologia de Ribeirao Preto, enfatizava esta questao e conclufa afirmando que, a seu ver, 0 Positivismo havia morrido com Augusto Comte e nao havia andlise que permitisse caracteriza-lo nas tendéncias posteriores. ‘Com excegio de alguns pesquisadores efetivamente enga- jados no compromisso da andlise epistemol6gica, a maioria das pessoas faz referéncia ao, Positivismo muito mais em fungao de sum referente que congregue o que julgam de pior na pesquisa do que efetivamente em fungdo de um conhecimento de causa quanto a uma corrente epistemol6gica. Voltarei a esta questo posteriormente. Um exemplo tipico disto pode ser observado nas criticas usualmente feitas a Skinner. Sobre ele tem recaido a pecha de po- sitivista (mesmo que na maioria das vezes nao se assuma 0 risco de identificar no que exatamente consiste 0 seu Positivismo). No entanto, ha muitos anos (Skinner, 1974) ele escreveu um texto onde analisa caracteristicas marcantes dessa corrente ¢ assinala [por que sua proposta foge dela. Posteriormente, pelo menos dois [pesquisadores (Rose e Abib, ambos em Prado Jr, 1982) refizeram a andlise chegando & mesma conclusio. Curiosamente, embora nenhuma dessas andlises tenha sido formalmente contestada, os textos raramente sdo mencionados e as anélises so desconside- radas (possivelmente porque nunca lidas) Experimentem perguntar as pessoas exatamente no que consiste o Positivismo enquanto corrente epistemolégica ¢, es- pecialmente, quem é ou tem sido positivista. E pouco provavel encontrar resposta paraa segunda pergunta. Quanto a primeira, 05 indicadores apontarao mais provavelmente para caracteristicas de ‘uma pesquisa malfeita ou para pressupostos que todos defendemos um dia mas que vimos abandonando ha tempos. Por estas razSes, 0 texto a seguir nao pretendeu discorrer sobre o Positivismo, mas sim rever as bases sobre as quais er- ETODCLOGA DL ESQUS EDUCA u roneamente se tém estabelecido conflitos entre tendéncias me~ todoldgicas, e a discutir bases mais reais ¢ saudéveis para um conflito honesto. ‘O sentido da palavra Metodologia tem variado ao longo dos anos. Mais importante, tem variado o status ala atribuido no con- texto da pesquisa. Em alguns ambitos profissionais, Metodalogia € associada a Estatistica, e Demo (1981) sugere que, na América Latina, Metodologia se aproxima mais do que se poderia chamar de Filosofia ou Sociologia da Ciéncia, enquanto a disciplina ins- trumental € referida como Métodos e Técnicas. Qualquer que seja a conceituacio que se adote, discussdes relevantes foram sendo produzidas a respeito de Metodologia. Talvez a mais importante delas seja o reconhecimento de que a Metodologia ndo tem status proprio, e precisa ser definida em tum contexto teérico-metodolégico qualquer. Em outras palavras, abandonow-se (ou vem-se abandonando) a ideia de que faca qual- quer sentido discutit a Metodologia fora de um quadro de refe- réncia teOrico que, por sua vez, 6 condicionado por pressupostos epistemolégicos. Embora este ja seja um passo importante no contexto da [pesquisa e, principalmente, no ensino do pesquisar, hd algumas questées derivadas cuja andlise conjunta eu gostaria de enfatizar. Nessa andlise eu pretendo discutir: 1. A diferenca entre o pesquisar e o prestar servigos. 2, Alguns requisitos para o pesquisar. 3. Arelagdo entre problema de pesquisa e os procedimentos empregados. 4. Oproblema e as suas relagies com a teoria, Certamente alguns destes itens ndo constituem novidade e, por esta razdo, ndo necessitariam ser aqui incluidos, Decidi faz8- -lo,no entanto, porque ajudarao a explicitar algumas concepgées minhas sobre pesquisa, facilitando o esclarecimento de anélises posteriores. ® a AzE.08 1. Pesquisar x prestar servicos Hé diferentes razées pelas quais um profissional se engaja em um trabalho. Garantidas a sua qualidade e a sua relevancia por meio da avaliacao de seus pares e do seu consumidor, 0 tra- balho importante e nao hé por que tratar dele aqui. Entretanto, arelevancia e a qualidade de um trabalho néo séo suficientes para caracterizar uma pesquisa, Para isso, énecessério que o profissional e/ou equipe sistematize a acao e o seu produto e demonstre que © resultado avanca no que até entao se conhecia a respeito dos fendmenos envolvidos. Apenas como exemplo da distingfo, consideremos uma pes- quisa que estou orientando. A aluna trabalhava em uma instituigao «escolar para deficientes mentais, Sua preacupacio voltava-se para a participagio da familia no processo educacional ea tonica era dada pelo fato de se tratar de familias de baixissimo poder aquisitivo. Em um determinado momento do trabalho, confrontei-a com a questdo da definico da natureza do trabalho: ou os seus resulta- dos caracterizariam uma prestaplo de serigos para aquuela populacio (produto cuja relevancia social eu nao colocava em dtivida, mas que, por outro lado, nao me permitia enxergar a pesquisa) ou ela avangaria de modo a estudar fatores que interfeririam na partici- pagio de familias de deficientes mentais na educagao escolar de seus filhos (aproximando-se do que eu chamo de pesquisa). ‘Mesmo com 0 risco de desviar demais a atengao do leitor da questo central, duas observagées precisam ser feitas a propésito deste exemplo. Seria perfeitamente possivel descobrit, ao final da pesquisa, que as peculiaridades culturais da regido e/ou daquela populacio particular tornavam os resultados absolutamente nao generalizaveis, ficando restritos a situacdo sob estudo. Este fato em nada alteraria o status de pesquisa do estudo na medida em ‘que para chegar a esta conclusio teria sido necessério avaliar um conjunto mais amplo de fatorese de situagdes. Em segundo lugar, estas consideracies nao poem em diivida o estudo de caso como uma técnica vélida de pesquisa, aliés empregada ha muito mais NeTOOOLOGKDA PESQUSAEDUCACONAL o tempo do que se costuma supor: O que parece discutivel é que 0 emprego do estudo de caso em uma avaliagio institucional (por exemplo) constitua em si mesmo uma pesquisa. © que deveria ser juma avaliagao em profuncidade de uma realidade menor, tendo ‘em vista a identificacdo de processos e interagdes (em geral nao ‘captaveis em pesquisas com grandes populagées) para conheci- mento ¢ interpretagdo de determinados fenémenos, vira um fim em si mesmo, caracterizanclo uma prestagio de servigos. Doravante, portanto, estarei me referindo & pesquisa como uma atividade de investigacio capaz de oferecer (¢, portanto, produzir) um conhecimento “novo” a respeito de uma érea ou de um fendmeno, sistematizando-o em relagio ao que ja se sabe a respeito dela(e), 2. Alguns requisitos para o pesquisar Qualquer que seja o problema, o referencial te6rico ou a ‘metodologia empregada, uma pesquisa implica o preenchimento de trés requisitos: — aexisténcia de uma pengunta que se deseja responder; — a elaboracio (e sua descrigao) de um conjunto de pas- 808 que permitam obter a informagio necesséria para respondé-la; — alindicagao do graut de confiabilidade na resposta obtida. Em outras palavras, 6 necessério haver um problema de pes- quisa (0 que nao significa uma hipotese formal), um procedimento que gere informagio relevante para a resposta e, finalmente, é preciso demonstrar que esta informacio decorre do procedimento ‘empregado e que a resposta produzida por ele ndo ¢ apenas uma resposta possivel, como também ¢ a melhor nas circunstancias (0 que inclui, certamente, o referencial teérico) » ue A208 Antes de prosseguir, fago uma pausa neste ponto para sugerir a0 leitor que reflita sobre uma questo: exatamente, que tendéncia metodologica particular é caracterizada por estes trés requisitos? Ou, de outra forma, que corrente metodol6gica poderia dispensar qualquer um deles? Neste caso, se a resposta for afirmativa, 0 que permitiria continuar falando em pesquisa? Minha resposta a ambas as perguntas acima é “nenhuma” asso a justificé-la usando cada um dos requisitos anteriores, s efeitos da inexisténcia, de um problema de pesquisa {ou de uma pergunta que se queira responder) parecem claros endo dependem de muita discussio. Ele precisa existit, mesmo que sob a forma de mera curiosidade, para dirigir 0 trabalho de coleta de informacées e, posteriormente, para organizé-las. f di- ficil argumentar contra a formulacao de problemas de pesquisa e desconheco a existéncia de uma corrente metodol6gica que o faca seriamente. ‘Ver por outra surgem alegacdes de que a formulacao de pro- bblemas de pesquisa é uma imposigao de metodologias tradicionais (quase certamente o Positivismo entrar como vilio). No entanto, a meu ver, a maioria dos argumentos oferecidos nesse sentido € equivocada por manter uma concepcao estreita de “problema de pesquisa”. Por exemplo, defensores da chamada pesquisa-a¢ao sustentam nao ser possivel a formulagio prévia de problemas em virtude de isto ser parte do proprio proceso de pesquisa, devendo, portanto, brotar dele. Nao tenho objeces ao objetivo. Entretanto, se cabe ao pes- quisador um papel de clesencadeador desse proceso ou, ainda, se cabe a ele qualquer papel diferencial que o qualifique como ppesquisador, entao € necessério que ele nos devolva uma andlise que indique qual era o problema original (que poderia perfeita- mente ter sido “como levar este grupo a descrever e identificar suas dificuldades?” ou algo no género) ¢ que resposta obteve. Note-se que estou fazendo uma clara distingao entre a resposta as _questies sociais que poderiam ter geracio a sua aco no grupo ou ‘comunidade, ea resposta que ele oferece enquanto pesquisador & comunidade cientifica. Aproveito para dizer que pode residir aqui TOoCLOGH DA PESQUSAEDUCACCNAL u uma confusdo que ja se estabeleceu entre pesquisadores sobre a neocessidade /adequacao de se devolver a populacio os resultados dda pesquisa. A questao central deveria ser: que poptilagao precisa ser informada de que resposta a que problema? Em resumo, toda pesquisa tem um problema, embora a sua formulagao possa variar quanto & natureza ou molaridade. segundo requisito mencionado diz, respeito & existéncia de um conjunto de passos que gerem informagao relevante, isto é ‘0 procedimento. Nenhuma metodologia pode dispensar proce mentos, O erro cometido durante muito tempo, alids, foi exagerar esta vinculagio e associar a Metodologia exclusivamente a proce- dimentos de coleta de informagies. A razio da inviabilidade de se dispensar procedimentos é simples. Se 0 problema que gera a pesquisa nao pode ser respon- dido diretamente (caso contrério nao teriamos um problemal), isto significa que a realidadenao pode ser, apreendida diretamente, mas depende de um recorte que faga sentido. Este recorte é garantido pelo procedimento que seleciona as informagGes necessarias para ‘uma leitura pelo pesquisador. Diferentes tendéncias fardo recortes, diferentes, mas nao poderao prescindir de procedimentos de coleta de informagbes. Finalmente, 0 critério de confiabilidade da resposta oferecida pela pesquisa. A questio é espinhosa eja recebeu as mais diferentes interpretagoes. Nao pretendo fazer incursdes nesta rea e, muito ‘menos, discutir possfveis parémetros que diferenciem atividades ientificas, estéticas, religiosas etc. Pretendo pura e simplesmente +eafirmar minha posigo de que se a resposta depende da interpre- tacéo das informacdes geradas pelo procedimento, o pesquisador deve oferecer garantias quanto a sua adequacao. Frequentemente (ecada vez:mais), as informacdes geradas pelos procedimentos de pesquisa consistem de massas de relatos verbais, verdadeiros dis- ‘cursos (como se diz hoje), que em geral nao so colocados a dispo- sigio do leitor, ou pelo seu volume ou mesmo pela necessidade de ‘manutengao do sigilo. Contudo, ainda nestes casos, o pesquisador niio pode se furtara divida de expor os meios de transformacao da 2 ae informagio em dado e de argumentar a favor da sua adequacao. A auséncia deste compromisso tem transformado muito do que comecou como pesquisa em manifesto ou em romance.! Embutida na questio da fidedignidade, existe outra questéo. ‘Uma vez tratadas e analisadas as informacées, 0 pesquiisador chega 8 resposta (ou respostas) a0 seu problema. Consideradas as circuns- t4ncias, por que ela 6a melhor resposta possivel? Por que respostas alternativas puderam ser descartadas? Apenas como exemplo da importincia desta avaliagao, lembro a frequéncia com que termino.a leitura de uma “pesquisa” com a sensagéo de que a resposta estava pronia antes da pesquisa ¢ teria sido oferecida independentemente das informacoes coletadas e das anélises realizadas. Mais uma vez, a pergunta que se faz. &: sob que condigées ‘uma corrente metodol6gica qualquer poderia se eximir de oferecer respostas a estas questies? E se puder, por que razdo as respostas oferecidas por uma pesquisa realizada sob essa orientagio deve- riam merecer algum crédito? Do meu ponto de vista, estas consideragies sugerem que 0 conflito entre tendéncias metodolégicas nao pode residir nestes aspectos discutidos. Eles presidem a qualquer investigacao cien- tifica, independentemente da vinculagéo tebrico-metodolégica do pesquisador. Passemos, entéo, a um outro aspecto da questo, e ‘vejamos que respostas podemos obter da sua analise 3. Arelacao entre problema de pesquisa e os procedimentos empregados Por uma razio ainda ndo muito clara para mim, a técnica de pesquisa, o procedimento, assume entre alguns pesquisadores 1. Nadia tenho contra estes génezos de literatura. Simplesmente ni os consi dero como pesquiss, eTOG0L0CA DA PESQUEA EDLCACONAL » (especialmente mas nao exclusivamente entre os iniciantes) uma autonomia que nao encontra qualquer justificativa. Por exemplo, no raro um aluno respondera a pergunta “Qual éo seu problema de pesquisa?” com “Vou usar um questionério para..” ou “Nao sei ainda, mas sei que nao quero fazer observacdo!” Recentemen- te, dei-me conta de que uma aluna, que nao conseguia decidir-se quanto a formulagao do seu problema, vivia pedindo bibliografia sobre pesquisa-participante. Conversando um pouco mais comela, percebi que ela jé optara pela pesquisa-participante embora no soubesse exatamente como nem por que fa7é-lo. Oponto em questao é quenenhuma técnica pode ser escolhi- da. priori, antes da clara formulacao do problema, a menos que a propria técnica seja o objeto de estudo (como seria o caso em uma avaliagio dos limites e possibilidades de uma determinada técnica de pesquisa ou, mesmo, de uma pesquisa de natureza didatica onde a técnica é previamente selecionada para treino do akuno). Fazé-lo significa atribuir & técnica um poder que ela nio tem e a tendéncia 56 pode ser atribufda ao modismo? ‘Tomemos alguns exemplos do cotidiano. Suponhamos que ‘um pesquisador estejainteressado em investigar onivel, a qualida- de dorendimento de alunos do primeiro grau. Amoda atual é,neste ponto, estabelecer um roteiro de entrevistas e marcar um horario ‘com professores na tentativa de obter as informagées necessérias. ‘Quase com certeza ser empregada a andlise de contetido (cujos pressupostos, na maioria das vezes, sio desconsiderados) e, muito provavelmente, haveré um longo questionario para caracterizacio do nivel socioecondmico da familia do aluno (que ao final seré desprezado por falta de critérios de analise). Minha primeira tendéncia, nestes casos, é sempre a de ques- tionar as decisées metodolégicas na medida em que o problema 2. Devo ressaltar,a bom da verdade, que um pesquisador pode tere frequen- temente tem preferéncias erejigbes em relagie a determinados procedimentos de pesquisa. Mas, nests casos, ou ele encontra alternativasvisvels ou abandana o projet. A experiéncia, contudo, indica que ele aprende a formular problemas jé ‘compativeis com suas crencas e/ou preferéncias. a ZEA no me parecesuficientemente claro para entendé-las. Nocaso em questdo, a escolha de entrevista pressupée duas decisdes a meu. ver temerérias: — quea profesora é uma boa informante sobre o rendimento do ahuno; — que, no caso de dificuldades do aluno, ela no é parte do problema ou que, sendo, admite o fato e dispde-se a relaté-lo. (Os dados de pesquisa ea experiéncia com professores indicam fortemente a necessidadte de esses aspectos serem trabalhados junto a0 professor; consequentemente, a fidedignidade das informacdes coletadas junto a essa fonte, considerado este problema, é no minimo duvidosa. Da mesma forma, determinados projetos de pesquisa sele- cionam a observagio como método preferencial (ou exclusivo) de coleta deinformagées, quando uma formulagao clara do problema indicaria que o objeto de estudo é um processo que nao se mostra claramente na situagio sob observagao. Deste ponto de vista, 0s possiveis contflitos entre tendéncias etodalbgies ‘ndo se explicam pelo uso preferencial de técnicas de coleta de informagSes. Na verdade, seus diferentes usos decorrem da formulagdo do problema e nao de caracteristicas peculiares de cada uma delas. Neste caso, 0 centro da questio parece estar no problema ou, mais propriamente, na relacio teoria-problema. 4, 0 problema e suas relacdes com a teoria ‘Arealidade empirica 6 complexa mas objetiva. Nao traz nela ‘mesma ambiguidades. O homem individual ¢ subjetivo porque € incapaz de separar o objeto da concepsao que faz dele, oque vé do que imagina e, sobretudo, porque incapaz. le ler, na observasio, eTOnOLOGIADAPSCUSA EDUCACINAL % © processo que determina um fendmeno particular momentineo (aesmo porque dificilmente ele se evidenciaria nesta situacao).. Nao ha novidade nisto. Autores tao diferentes quanto Ker- linger (1980) e Demo (1981) jé 0 disseram explicitamente. Sua recuperacio interessa-me, aqui, porque permite circunscrever 0 papel da teoria dentro da ciéncia. A partir de conhecimentos parciais obtidos pela limitagao do homem, a teoria surge como uma possibilidade de integré-los e, neste sentido, é sempre um recorte, um retrato parcial e imperfeito da realidade. Uma vez elaborada, a teoria passa a servir a dois propési- tos importantes & nossa discussio: ela indica lacunas em nosso conhecimento da realidade e, com isto, gera novos problemas de pesquisa; ao mesmo tempo, apesar de parcial, ela serve de referen- cial explicativo para os resultados que vao sendo observados. Uma teoria que nao sirva a estes propésitos tera muito pouca utilidade e tenderd a ser reformulada ou mesmo abandonada Apesar do poder de abrangéncia e de generalidade que se espera da teoria ou que se lhe atribui, ela continua sendo um recorte da realidade. Mesmo teéricos téio antigos e prestigiados como Freud, Piaget e Marx circunscreveram claramente 0 ém- bito de explicagio de suas teorias. Em virtude desta restricao no Ambito de explicagio, a teoria acaba, por sua vez, restringindo ou pelo menos priorizando, no planejamento, a coleta de informagées capazes de serem absorvidas pela explicacio. E neste aspecto, a ‘meu ver, que reside 0 conflito.E, este sim, é um conflito saudével que vale a pena enfrentar em virtude dos beneficios mituos para os diferentes pesquisadores que nele entrarem honestamente. Por isso, quero comenté-lo mais detalhadamente. Oreferencial te6rico de um pesquisador é um filtro pelo qual ele enxerga a realidade, sugerindo perguntas ¢ indicando possibi- lidades. E tao improvavel que um psicanalista cogite dos efeitos da estrutura cognitiva de uma crianga sobre seu desempenho, quanto uum piagetiano procurar levantar informagbes sobre a resolucio do complexo de Edipo das criangas que estude. % an aZEIOK Desta forma, os problemas de pesquisa gerados por cada um, doles tenderdoa refletir seus vieses tesricos. Nao havers razao para espanto se cada um deles enveredar por procedimentos metodo- ogicos diferentes, nem se ambos optarem pelos mesmos proce- dimentos. Mas seria extremamente curioso descobrir que ambos, coletaram as mesmas informagdes e, principalmente, que chega- ram A mesma resposta para um problema (que, aliés, dificilmente seria formulaco da mesma maneira). As decisdes metodol6gicas sio pura decorréncia do problema formulado e este s6 se explica devidamente em relacao ao referencial te6rico que deu origem a ele. Qualquer tentativa de confronto entre métodos e técnicas de pesquisa, portanto, s6 poderd ser resolvido levando-se em conta 08 objetivos contidos no problema e a capacidade de explicacio do referencial te6rico. Consideragées finais A questio das diferencas metodol6gicas tem sido formulada ‘em termos imprecisos. Se um pesquisador atender aos requisitos apontados no inicio deste trabalho, a saber: — acxplicitagdo de uma pergunta/problema; — aclaboracio (e clara descrigao) de um conjunto de pas- ‘sos que obtenham informagio necesséria para respon- dé-1a(o}; — aindicagao do grau de confiabilidade na resposta obtida; entdoserd possivel avaliar o seu produto segundo os pa- rametros do seu referencial. Fora disto, corremos orisco de criticar um pesquisador por nao ter feito a pesquisa como nés a farfamos ou, pior, a avaliagéo da produgao cientffica depended ca crenga em valores compartilha- dos por iniciados em uma mesma confraria. Parte da imprecisio na maneira de encarar as diferencas entre as correntes metodolégicas explicita-se na consideragao NeTon0L0GI D4 PES EDUCACONAL 9 das diferentes técnicas de pesquisa como se elas revelassem algo além da possivel adequagio entre a formulagio do problema eas informagdes necessirias para a pesquisa. Este tipo de deslocamento da questao tem apresentado ramificacdes. A necessdria discussio a respeito da adequacdo de métodos qualitativos em relagdo & captagio de determinados fendmenos e processos desenvolveu tuma caga as bruxas aos métodas quantitativos, como se nao hou- vessem problemas para 05 quais estes fossem titeis ou mesmo indispensaveis, Outro deslocamento da questo evidencia-se na tentativa de confrontar diferentes tendléncias te6rico-metodolégicas como se a verdade de cada uma pudesse ser atestada pela fragilidade da outta. Ao contrério, a forga de uma abordagem teérico-metodo- ogica 6 demonstrada pela sua resistencia a critica que se exerce contra ela mesma, Um trabalho mais produtivo seria realizado se pudéssemos nos aproveitar da produgao cientifica derivada das varias correntes metodolégicas como fonte de inspiragao para 0 exercicio da critica interna. Referéncias bibliograficas ABIB, JA. D. Skinner, materialista metafisico? Never mind, no matter. I: PRADO JUNIOR, Bento (Org). Fibs ¢comportamento, Sio Pauls Brasiiense, 1952, DEMO; P. Metodologia cientfiea em Ciencias Sociais. Si Paulo: Atlas, 1981. KERLINGER, F. N. Metodologia da pesquisa em Citncias Socais. Sio Paulo: EPU/Edusp, 1980. ROSE, J. C, de. Consciéncia e propésito no behaviorismo radical. In: PRADO JUNIOR, Bento (Org). Filosofia e comportantento. Sao Paulo: Bra- silionse, 1982. SKINNER, B. F. About behaviorisne. New York: Alfred A. Knopf, 1974, Fs onalRN-CMBIBLIOTECA INALDO ARSE! ean HALDO NIO DE AZEVEDO 3 A pesquisa no cotidiano escolar* = — Marli E. D. A. André — FEUSP Trabalho apresentado no VIII Encontio de Pesquisadores da Regido Sul. Porto Alegre, novembro de 1987. SBA 4“ Intre os tipos de pesquisas que vem sendo utilizadas na drea de jeclucacao, destacam-se 0s estudos que focalizam as situacoes especificas do cotidiano escolar. O presente trabalho pretende identificar algumas das caracteristicas desses estudos, assim como destacar questdes que emergem quando se desenvolve este tipo de investigacao. 1. A pesquisa do tipo etnografico no cotidiano escolar A pesquisa aqui focalizada se aproxima muito do “traba- Iho de campo" tal como é proposto por Cicourel (1984) e Junker (1971), podendo também ser identificada como uma pesquisa do tipo etnogréfico jé que utiliza téenicas tradicionalmente adotadas pela ctnografia, como a observagao participante e a entrevista ndo estruturada, Entretanto, enquanto antropélogos € sociGlogos se preocupam com a descricao da “cultura” de grupos e sociedades primitivas ou complexas, o trabalho aqui proposto se volta para as, experiéncias e vivencias dos individuos e grupos que participam econstroem o cotidiano escolar. Essa abordagem se diferencia da pesquisa participante tal como é defendida por Carlos Brandao e Fals Borda (1981) que a a ZENON propdem um intenso envolvimento do grupo pesquisado nas diversas fases da pesquisa, inclusive na definicao do objeto de es- tudo, uma restituicao sistemtica dos conhecimentas da pesquisa ‘0s pesquisados e um processo coletivo da avaliacao dos resulta- dos para transformé-los em ages concretas. Para esses autores a pesquisa deve dirigir-se aos grupos populares de modo que estes possam “entender melhor seus problemas e agir em defesa deseus interesses” (Fals Borda, 1981, p. 50). O tipo de trabalho aqui focalizado também nao se confunde ‘coma pesquisa-acio tomada em sua acepgo mais tradicional, ou seja, como um proceso de controle sistemético da propria acio do pesquisador, ou como um estudo que envolve alguma forma de intervengio. A pesquisa do tipo etnogréfico pode até incluir algum tipo de aco ou intervengao por parte do pesquisador ou do grupo pesquisaclo, mas isso iré ocorrer mais em fungao do esquema fle- xivel que 0 processo etnografico assume do que de uma proposta intencional de intervencao. (O que caracteriza mais fundamentalmente a pesquisa do tipo ‘etnografico é, primeiramente, um contato direto e prolongado do pesquisador com a situacdo e as pessoas ou grupos selecionados. Evidentemente deve ficar claro, desde o inicio da pesquisa, o grau de envolvimento ou de participagao do pesquisador na situagéo pesquisada. A intensidade do envolvimento pode variar ao longo do processo de coleta dependendo das exigéncias ¢ especificidade do préprio trabalho de campo. O que parece fundamental é que co pesqitisador tenha muito claro em cada momento por que certo grau de participacao e nao outro esta sendo assumido e saiba avaliar pr6s e contras desta ou daquela opgao. Um outro requisito da pesquisa do tipo etnografico éa obten- ‘ao de uma grande quantidade de dados descritivos. Utilizando principalmente a observacao, 0 pesquisador vai acumulando descrigées de locais, pessoas, agbes, interagdes, fatos, formas de linguagem e outras expresses, que lhe permitem ir estruturando © quadro configurativo da realidade estudada, em funcao do qual cle faz suas andlises e interpretacdes. MeTODOLOGIDAPESQUSAEOUCACICNA, 8 Outro aspecto peculiar aos estudos etnogréficos éa existéncia de um esquema abertoe artesanal de trabalho que permite um tran- sitar constante entre observacio e andlise, entre teoria e empiria.O processo etnogréfico pode partir de questdes bem claras e definidas ou de um esquema te6rico incipiente que vai se construindo e es- truturando ao longo da pesquisa. A flexibilidade do esquema de trabalho deve ser, no entanto, aproveitada para uma ampliacdo enriquecimento da teorizacao e nao como pretexto para justificar a falta de um caminho teérico definido. Auutilizagio de diferentes técnicas de coleta ede fontes varia- das de dados também caracteriza os estudos etnograficos, ainda _queo método bésico seja a observacao participante. O pesquisador ‘em geral conjuga dados de observagao e de entrevista com restl- tados de testes ou com material obtido através de levantamentos, registros documentais, fotografias e produgées do proprio grupo ppesquisado, o que lhe permite uma “descricéo densa” da realidade estudada. Uma vez explicitado que esti sendo entendido por abor- dagem de tipo etnogréfico, faz-se necessério justificar por que o enfoque no cotidiano escolar. O estudo do cotidiano escolar se coloca como fundamental para se compreender como a escola desempenha 0 seu papel so- ializador, seja na transmissio dos contetidos académicos, seja na veiculagio das crengas e valores que aparecem nas ages, intera- «es, nas rotinas e nas relagdes sociais que caracterizam o cotidiano da experiéncia escolar, Esse processo de socializago, no entanto, ndo € to determi nistico ou mecanicista como se poderia imaginar. Da mesma mane ra. comoa reatidade social se configura contradit6ria, expressando zo seu coticiano uma correlagao de forcas entre classes sociais, a escola, como constitutiva dessa praxis, vé refletidas no seu dia a dia todas essas ¢ outras contradigées sociais. & captando 0 movimento que configura esta dinamica de trocas, de relagdes entre os sujeitos — que por sua vez teflete os ‘valores, simbolos e significados oriundos das diferentes instancias « we r2E.0% socializadoras —, que se pode visualizar melhor como a escola participa do processo de socializacio dos sujeitos que sao, a0 mes- mo tempo, determinados e determinantes. Todo este processo se ‘materializa no cotidiano, quando o individuo se coloca na dindmica de ctiagao e recriacao do mundo. O estudo da atividade humana na sua manifestagio mais imediata — o existir eo fazer cotidiano — parece fundamental para compreender, nao de forma dedutiva, mas de forma critica ereflexiva, o momento maior da reproducto e da transformacio da realidade social. A importincia do estudo do cotidiano escolar se coloca at: no dia a dia da escola é 0 momento de concretizacio de uma série de pressupostos subjacentes & pratica pedagogica, a0 mesmo tempo que € o momento e o lugar da experiéncia de socializagao que envolve professorese alunos, diretor e professores, diretor e alunos e assim por diante. ‘Conhecer a realidade concreta desses encontros desvenda, de alguma forma, a fungao de socializago ndo manifesta da escola, a0 ‘mesmo tempo em que indica as alternativas para que esta funcao seja coneretizada da maneira 0 mais dialética possivel. Um estudo do cotidiano escolar envolve, assim, pelo menos trés dimensGes principais que se inter-relacionam. A primeira refere-se ao clima institucional que age como mediagao entre a praxis social e o que acontece no interior da escola. A prixis escolar sofre as determinagdes da préxis social mais, ampla através das presses e das forcas advindas da politica edu- cacional, das diretrizes curriculares vindas de cima para baixo, das exigéncias dos pais, as quais interferem na dindmica escolar € se confrontam com todo 0 movimento social do interior da instituigio. A escola resulta, portanto, desse embate de diversas, forgas sociais. A segunda dimensio diz respeito ao processo de interacio de sala de aula que envolve mais diretamente professores e alunos, ‘mas que incorpora a dinamica escolar em toda a sua totalidade e dimensio social. Aterceira dimensio abrange a histéria de cuda sujeito manifesta 1no cotidiano escolar, pelas suas formas concretas de representaco eronoLeci DA PesqUA EDUCACONAL 6 social, através das quais ele age, se posiciona, se aliena ao longo do processo educacional. A dimensio subjetiva do individuo em uma dada posicao socializadora ¢ fundamental para se verificar como se concretizam, no dia a dia escolar, 0s valores, simbolos ¢ significados transmitidos pela escola Essas trés dimensdes, vistas como unidade de muiltiplas inter- relagbes, possibilitam a compreensio das relagdes sociais expressas no cotidiano escolar, num enfoque dialético homem-sociedade 10s diversos momentos dessa relacio. A identificacio e explicagao desse movimento permite captara direio do que acontece dentro da escola sem desvinculé-la da préxis social mais ampla. 2. Algumas questdes da pesquisa do tipo etnografico no cotidiano escolar O lugar da teoria na pesquisa ‘Como em qualquer tipo de investigagio, 0 primeiro passo na pesquisa do tipo etnografico € a tentativa de delimitagao do problema em estudo, para 0 que o pesquisador recorre a um referencial te6rico mais ou menos definido. A teoria é, pois, uma preocupacao inicial do pesquisador para formular a pergunta ou questao que orienta a pesquisa. Este referencial te6rico pode consistir na adoggo de uma de- terminada perspectiva, como por exemplo a abordagem humanista (Ou pode envolver as concep¢des de um determinado autor, como por exemplo Paulo Freire. Ou pode ainda envolver a explicitagao de alguns conceitos basicos que, embora ndo constituam um corpo te6rico definido, configuram uma determinada diregao, como pot exemplo a discusstio dos conceitos de ideologia, poder, dominacio e resisténcia, dentro de uma perspectiva dialética. £ importante assinalar que, sem um referencial biisico de apoio, a pesquisa pode cair num empirismo vazio e consequente- « a AZB.OK mente nao contribuir para um avango em relacao ao jé conhecido. Por outro lado, aescolha de uma dada perspectiva nao deve signiti- car uma orientagao pronia e tinica, mas um dos possiveis caminhos de aproximagio do real, eesse caminho pode e deve ser questionado erevisto durante todo o desenrolar da pesquisa. A teoria vai, assim, sendo construfda e reconstruida ao longo da pesquisa, Para que isto possa ocorrer, no entanto, é preciso uma ati- tude flexivel para fazer as mudangas, ajustes ¢ reformulagdes necessdrios, seja nas questées iniciais, seja na escolha dos sujeitos Participantes, seja na definicdo das estratégias de coleta e analise ou mesmo no “esquema” basico do trabalho. Mas, além disso ‘tudo, é preciso um interesse especial em ampliar 0 conhecimento 8 disponivel, o que vai exigir uma constante atitude de busca e de tentativa de descoberta de novos conhecimentos. A explicitagio do papel da teoria na pesquisa ajuda-nos a compreender mais claramente as questdes comumente postas pelos pesquisadores sobre a relagao teoria-método. Se adimitimos que a teoria vai sendo construfda e reconstruida no préprio processo da pesquisa, temos de aceitar que as opgdes metodolégicas também vao sendo explicitadas e redefinidas A medida que a investigagao se desenvolve. O que néo podemos deixar de assinalar 6 estreita articulagio que deve existir entre teoria emétodo; sem ela o proprio processo de pesquisa perde seu sentido. Arelacao entre o micro e o macrossocial A opsio pela escola como foco de estudo nao implica abordié-la apenas em fungio de suas relacées internas. Trata-se, a0 contrério, de consideré-la como parte de uma totalidade social que de alguma maneira a determina e com a qual ela mantém determinadas formas de relacionamento. Ocnfoque no cotidiano escolar significa, pois, estudara escola ‘em sua singularidade, sem desvinculé-la das suas determinagées Neo. DA PESQUSA EDUEACIONAL ” sociais mais amplas. O propésito é compreender o cotidiano como momento singular do movimento social, € isso vai exigit, do pon- to de vista tedrico, o manejo de grandes categorias sociais como classe, cultura, hegemonia etc. Do ponto de vista metodolégico isto implica complementar as observagdes de campo com dados advindos de outras ordens sociais, como por exemaplo a politica educacional do pais, as diversas organizagdes sociais que exercem alguma influéncia na escola etc. (Oque énecessério, em sintese, étentar transcendero nfvel mi- «ro, acompanhando 0s diversos “fios” que o vinculam as estruturas ‘macrossociais, com 0 cuidado de nao cairno outroextremo, ou seja, querer analisar uma realidade particular como uma "totalidade social”, isto é, como uma situagdo que se esgote em si mesma. ‘A pesquisa precisa buscar estabelecer esta mediagao entre 0 momento singular expresso no cotidiano escolar e 0 movimento social, 0 que, parece, 86 pode ser conseguido através de uma postura teGrica muito consistente, de uma viséo de escola muito definida e de um esforgo analitico bastante érduo. O controle da subjetividade e a busca do rigor cientifico Na propria definigao de trabalho etnogréfico — em que “o observador esté em relagdo face a face com os observados ¢, 20 participar da vida deles no seu cenério natural, colhe dados” (in Cicourel, 1980) —, aparece implicitamente a questo da subjetivi- dade na pesquisa de campo. A pergunta relevante neste caso parece ser a seguinte: Como conseguir um distanciamento do objeto estudado que permita por um lado fugir ao senso comum, j4 que se estuda em geral um contexto “familiar”, e por outro lado possibilite um controle dos Proprios preconceitos e limitagdes pessoais? Aresposta eviclentemente nao ésimples nem direta. Os antro- Pélogos esocislogos sugerem o “estranhamento”, uma atitude de ® rma raZE.08 Policiamento continuo do pesquisador para transformar o familiar emestranho. £ um esforgo ao mesmo tempo te6rico e metodolégico: por um lado deve-se jogar com as categorias te6ricas para poder ver além do aparente ¢ por outro treinar-se para “observar tudo”, para “enxergar” cada vez mais, tentando vencer 0 obstéculo do processo naturalmente seletivo da observacio. Mais uma vez a teoria parece exercer um papel extremamente importante no sentido de caminhar paralelamente a observacio, possibilitando uma ampliagao do campo do observador, indicando “pistes” para um estudo mais aprofundado ou sugerindo focos para uma atencio mais sistemitica. Outra questao que se poderia trazer ainda com relagao a0 controle da subjetividade € a pratica do trabalho individual de pesquisa. Admitindo-se que a realidade pode ser vista sob dife- rentes prismas, que ha padrdes diversificados e conflitantes de interpretacdo do real, o trabalho de pesquisa, principalmente 0 que se volta a0s processos sociais, deveria no minimo tentar refletir esta diversidade de perspectivas. ‘Uma das formas pelas quais isto poderia ocorrer seria por intermédio de um processo coletivo de trabalho, se possivel in- terdisciplinar. O envolvimento de um grupo de pesquisadores no estudo de temas geralmente passiveis de enfoques divergentes pode ser extremamente benéfico no caminhar te6rico-metodol6gico que se empreende atualmente na rea ediucacional Aproblemdtica da andlise de dados Embora no processo etnografico a atividade de anélise se faca paralelamente a de observacao a medida que o pesquisador vai selecionando os aspectos que merecem ser melhor explorados, quando ele decide que elementos devem ser privilegiados e quais, podem ser abandonados,a fase mais concentrada de anélise ocorre no final do trabalho de campo. HETOD0L.0G DA FESQUSA EDUCACONAL 6 E quando surgem vétias indagagBes como: Por onde devo co- megara andlise? Como devo elaborar o meu sistema de categorias? Que caminhos me possibilitardo ir além dos dados para chegar A estruturagio de conceitos mais abrangentes? Mais uma vez. néo existem respostas simples para estas questdes. O processo de anilise dos dacos qualitativos é extrema- mente complexo, envolvendo procedimentos e decisées queniose Jimitam a um conjunto de regrasa serem seguidas. O que existem io algumas indicagGes e sugestes muito calcadas na propria ex- periéncia do pesquisador e que servem como possiveis caminhos na determinacéo dos procedimentos de anslise. Na fase final do trabalho de campo, o pesquisador se defronta com uma série de tarefas, ais como a codificacio dos registros ede ‘outros materiais coletados, a criacao ou especificacao de categorias © a estruturagdo dos conceitos e concepgées mais abrangentes. © processo de codificacao pode variar muito. Alguns prefe~ rirdo letras, outros niimeros e outros ainda fario as anotagBes no prOprio registro. Estes sinais e seus respectivos contevidos-temas, t6picos, expresses sero reunidos para formar conjuntos de categorias que indicarao as tendéncias mais marcantes ou mais significativas na problemitica estudada. A formagio de categorias também envolve procedimentos variados. Algumas dessas categorias analiticas podem derivar iretamente da categorizacao tedrica que constituio referencial de apoio. Outras surgirdo a partir do proprio contetido das anotagées feitas, especificando ou expandindo as categorias iniciais. O essencial é que, para a elaborago destas categorias ana- Iiticas, se faz necesséria uma leitura exaustiva das anotagdes até chegar ao que Michelat (1980) chamou de “impregnacio” de sew contetido. Nestas leituras sucessivas vao aparecendo as dimensies mais evidentes, 05 elementos mais significativos, as expresses e as tendéncias mais relevantes. importante ainda que o pesquisador nao se restrinja ao contetido manifesto das anotacées, mas procure aprofundar-se, 0 a FACENDK desvelando mensagens implicitas, dimensées contraditérias pontos sistematicamente omitidos. Em um momento imediatamente subsequente e sempre em confronto com os pressupostos tebricos colocados, este conjunto primeiro de categorias deverd ser reexaminado e modificado em fungio da associagao ou dissociagdo de ideias e conceitos identi- ficados. Este movimento ininterrupto de confronto entre teoria e ‘empiria deve resultar numa aproximagao maior da realidade que ‘a pesquisa pretende representar. Referéncias bibliograficas BRANDAO, C. R. (Ong). Pespuite perticiunte. SSo Pasar Brasiliense, 1981. CICOUREL, A. Teoria emétodos em pesquisa de campo. In: GUIMARAES, A.Z. (Org). Desvendaa nascar scias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980. FALS BORDA, O. Aspectos tedricos da pesquisa participante. In: BRAN- DAO, C. R. (Org). Pesguise participmte. Sao Paulo: Brasiliense, 1981, JUNKER, B. A importtncia do trabatho de campo. Rio de Janeiro: Lidador, 1971, MICHELAT, G. Sobre a utilizagao da entrevista nao diretiva em Sociolo- gia. In: THIOLLENT, M. Critica metodol6gica, investigago social e enquete peri. Sao Pauito: Polis, 1980. | IFRN-CMEBIBLIUI ELA ARNALDO ARSENIO DE AZEVEDO Sees st A pesquisa qualitativa* Joel Martins — PUC-SP/Unicamp ‘Roteiro entregue aos alunos para iniiar a reflexto, em curso ministrado na PUCSR CBRE 2 1, Scttmetor dizerseaaatise qualtativana pesquisa como + forma de trabalho metodolégico das Ciéncias Humanas. No desenvolvimento ou trajetéria desenvolvida pelas Ciéneias Humanas no seu trabalho de pesquisa, 0 recurso basico e inicial €a descrigio. Os cientistas naturais trabalham com descrigbes e, de fato, 0 fazem. As Ciéncias Exatas como as Matemiticas e, especificamente a Geometria, ndo esto interessadas em formas reais intuitivas através dos sentidos, como esti os pesquisadores descritivos da natureza. 2. O gedmetra nao constr6i conceitos morfol6gicos, isto é, conceitos que se referem & estrutura dos tipos organicos, base da intuigéo sensorial e que sdo apreendidos diretamente. Estes con- ceitos morfolégicos so vagos terminologicamente. ‘© aspecto vago dos conceitos, as circunstancias de que eles pertencem a esferas méveis de aplicagao, nao é um defeito que se Ihe possa atribuir, pois so simplesmente indispensdveis a esfera de conhecimentos a que eles servem ou, como se poderia também dizer, eles sao nessa esfera 0s tnicos conceitos justificaveis. Se fosse do interesse das Ciéncias Humanas e da Ciéncia Natural chegar a ‘uma expresso conceitual adequada dos dados corpéreos intuiveis, no seu caréter essencial dado, precisariamos, de fato, aceité-los, ‘como os encontramos, isto &, como eles esto ou sdo. Eles nao séo encontrados de outra forma sendo em um fluxo e a sua estrutura a zEN08 tipica s6 pode, em tal caso, ser apreendida naquela intuigio essen- «ial que pode ser imediatamente analisada. gedmetra mais perfeito, com seu controle prético, nfo pode auniliar o pesquisador descritivo da natureza a expressar, precisa- mente, em conceitos geométricos exatos, aquilo que ¢ tao simples, compreensivo e tdo inteiramente adequado e que se expressa em. palavras, conceitos simples, que sdo essencialmente inexatos e, portanto, nao mateméticos. Os conceitos geométricos sto ideas, no sentido kantiano mes- ‘mo, isto é, objetos de apreensdo puramente racional, em oposigio 8 percepcao. A ideia para Kant é um objeto que é concebido, pela azo, e que nao pode ser dado através da experiéncia sensorial # um objeto desconhecido cuja existéncia € teoricamente proble- mitica. Digamos, um coneeito transcendente, mas nao empfrico da razdo — um nowmenon (coisa percebida, participio pasado de nein, ou seja, do verbo, perceber). ‘As ideias como conceitos para os gedmetras expressam algo que nao pode ser visto. Sua origem e, portanto, seu conteiido sto essencialmente diferentes dos conceitos descritives, isto 6, daqueles conceitos que caracterizam ou classificam € que expressam a natu- rera essencial das coisas que so resultantes, tiradas diretamente de uma intuigdo simples. Se 08 conceitos exatos tém seus correlatos nos essenciais, que tém o seu carater de ideias, no sentido kantiano, os concei- tos descritivos, que depencem de um intermediario sensorial ¢ perceptual, opondo-se a proposta kantiana, permanecem como conceitos morfolégicos, como correlatos de conceitos descritivos. ‘Sao conceitos morfoldgicos porque dao uma estrutura, uma forma {pesquisa que se realiza em um determinado campo das Ciéncias Naturais, ou das Ciéncias Humanas. Adescricao na analise qualitativa 1. Aquestdo da descrigao na anélise qualitativa é em Ciéncias Humanas, ainda mais complexa que nas Ciéncias Naturais. Por wooo. DA PESQUSAEDUCHCCNA 5 tanto, em niveis de andlise, teriamos as Ciéncias Exatas com sua cestrutura conceitual prépria, fundamentada nas ideias,as Ciencias Naturais conceitos que sfo diretamente apreendidos através dos sentidos, as Ciéncias Humanas fundamentam-se no modo de ser dohomem, tal como se constituiu no pensamento moderno, como fundamento de todas positividades e, ao mesmo tempo, situado no elemento das coisas empiricas. 2. Diferentemente das outras Ciéncias, a Humana ndo rece- beu por heranga um dominio jé delineado, dimensionado em seu conjunto, mas nao desbravadoe que elas teriam por tarefa elaborar com conceitos enfim cientificos e métodos positivos. Pode-se, portanto, fixar 0 lugar das Ciéncias Humanas nas vizinhancas, nas fronteiras imediatas, e em toda a extensio das ciéncias que tratam da vida do homem, do trabalho e da lingua- ‘gem (Foucault), 3. Todavia, pode-se dizer que s6 haveré Ciéneia Humana se nos dirigirmos a maneira como 0s individuos ou os grupos representam palavras para si mesmos utilizando suas formas de significados, compdem discursos reais, revelam e ocultam neles o que estao pensando ou dizendo, talvez desconhecido para eles, ‘mesmos, mais ou menos o que desejam mas, de qualquer forma, deixam um conjunto de tragos verbais daqueles pensamentos que devem ser decifrados ¢ restituidos, tanto quanto possivel, na sua vivacidade representativa. 4. Os conceitos, portanto, sobre os quaisas Ciencias Humanas se fundamentam, num plano de pesquisa qualitativa, sAo produzi- dos pelas descrigdes. Nao se esté colocando aqui linguagem como objeto das Ciéncias Humanas, mas estamos tentando focelizar que surge a partir do interior da linguagem na qual o homem std mergulhado, na maneira pela qual representa para si mesmo, 1. Foucault, M. As polaoras ¢ as cosas (a orden das coisas): urna arquelogia ‘dae Gidncias Humanae, New York. In series: World of Man, Random House, 1970 digo brasileira: Sao Paulo: Martins Fontes, 1987. a 2A falando o sentido das palavras ou das proposicées e, finalmente, obtendo uma representagao da propria linguagem. As Ciéncias Humanas nao sfo, portanto, uma andlise daquilo que o homem é na sua natureza, mas, antes, porém, uma anélise quese estende daquilo que o homem 6 na sua positividade (viven- 40, falando, trabalhando, envelhecendo e morrendo), para aquilo gue habilita este mesmo homem a conhecer (ou buscar conhecer) © que a vida é, em que consiste a esséncia do trabalho e das leis, ede que forma ele se habilita ou se torna capaz de falar. Adescri¢ao propriamente dita A descrigéo constitui, portanto, importancia significativa no desenvolvimento da pesquisa qualitativa, Por isso, vamos iniciar, dedicando algum tempo, a andlise da descrigao que sers feita através de cinco momentos: 1. condiges que devem ser satisfeitas para poder-se usar 0 verbo “descrever” adequadamente; 2. atividades a que o termo “descrever” refere-se; 3. 0 termo “descrigao” e como ele se aplica aos usos das sentencas; 4. as divergéncias entre os usos comuns dos termos “descre- ver", “descricéo”, “descritivo” 0 uso técnico dos termos; 5.0 sentido do falso e do verdadeiro na descrigdo. Condigoes que devem ser satisfeitas para 0 uso do verbo “descrever” 1.1.As deserigBes podem ser emotivas, tanto quanto se desoje que elas sejam, mas nunca sero certas ou erradas. Este critério de certo e de errado nao se aplica as descrigdes Se parece haver algo contrério ao senso comum, ou mesmo Préximo ao absurdo na proposicio 21, isto 36 nos mostra como os termos “descrever”, “descricéo”, “descritivo” tém sido definidos. Lo ETODOLOGILOAPESCUSA EDUCACONAL cy Nesta primeira parte, vamos considerar de forma sucinta algumas condigdes que precisam ser satisfeitas para se poder fazer uuso adequado do verbo “descrever”. A razao para concentrarmos rnoss0s esforgos no verbo “descrever”, mais do queno substantivo “descrigao” ou no adjetivo ou no advérbio “descritive” ou “des- critivamente”, deveré tornar-se clara a medida que prosseguirmos na discussio. Pode-sedizer, porém, de inicio, que estas diferentes partes do discurso sio geralmente usadas de maneira equivalente, algumas vvezes, nos relatos de pesquisa. Vemos algumas vezes que: 2.31 — na primeira parte do seu relato o pesquisador “des- creve” 0 aparelho; 2.32—a primeira parte do relato do pesquisador “descreve” © aparelho; 2.33 — a primeira parte do relato do pesquisador & uma “descrigao”; 234 —a primeira parte do relato do pesquisador é des- ctitiva. Note-se, porém, que ao fazer-se tais afirmagdes ou a0 cons- truir-se tais proposigdes ndo se esté atribuindo nenhuma ago a0 pesquisador. Esté-se fazendo referéncias a um texto e, ai, 6 possivel iniciar uma distorgao do termo “descrever” Audiéncia 3.1 — descrever algo envolve uma ago que é dirigida a alguém. Descrever uma montanha, por exemplo, fazer isso é an- tever o tempo quando as sentengas compostas ou ensaiadas, ou anotadas, serao possivelmente publicadas ou proferidas para um Piblico. Omomento em que isto se dé nao 6, ainda, uma descrigao, ‘mas apenas um monélogo que o sujeito faz consigo mesmo sobre ‘a montanha, ou sobre aquilo que esté observando. se Ne AzEN08 Mesmo que uma publicagao seja possivel e de fato feita a respeito da montanha, ela seré um mondlogo que parece assu- mira forma de uma descrigio da montanha, mas que nao € uma descrigio. 3.2 —as palavras que X emitiu para si mesmo podem ser as mesmas palavras que ele mais tarde tentara usar para descrever ‘a montanha para Y; 0 significado das palavras pode ser 0 mesmo; entretanto, quando ele emitiu tais palavras para si mesmo nao estava descrevendo a montanha. Descrever a montanha para alguém € uma coisa, envolve alguém que: est diante do objeto descrito, que a conhece e que a apresenta a outra pessoa que nio a conhece. Nao é possivel descrever algo para alguém que conhece essa mesma coisa e, algumas vezes, até melhor do que o proprio sujeito quea descreve. 3.3 — quando pedimos ao nosso aluno que descreva, por exemplo, uma determinada téenica, ou recurso metodolégico em Ciencias Naturais, para o professor de Ciéncias daquele aluno, nao se tem uma descrigio, tem-se um possivel relato da experiéncia do altuno, daquilo que ele aprendeu ou viu. A descrigdo nesse caso estd sendo dirigida para alguém que conhece melhor, ou que sabe ‘mais, ou que conhece methor a técnica solicitada, Portanto, 0 primeiro caracteristico da descrigio é que haja alguém, um outro sujeito a quem a descrigao seja dirigida e que “nao conhece” o assunto ou 0 objeto descrito. ‘exctivere”, isto 6, algo A descrigdo tem o sentido de “des que 6 escrito para fora. 4, Téjpico ow assunto ‘Se desejarmos usar o.verbo “descrever” para designar o que X diz para Y, é preciso perguntar “o que” X descreve, qual é 0 t6pico ou assunto para sta descricio. X descreve algo para Y, portanto, |ha um objeto presente no uso do termo “descrigao” e um certo nuimero de pontos surge sobre a natureza deste objeto, 4.1 —nio ¢ tudo enem qualquer coisa que pode ser descrita ou que constitua tépico para descricao. Podemos descrever pes- soas € coisas, acontecimentos ¢ acidentes, processos e técnicas. ne o0OL0GA DAPESQUSAEDUCHCICNAL » Mas um fato que seja do dominio apenas do pensamento ou da imaginagio dificilmente pode constituir objeto de descrigio, pode simser relatado, posto em proposigdes ou sentencas sem, todavia, constituir uma descrigao. Ha uma diferenca entre “descricao” de objetos, acontecimentos ou situages vividas, que se realizam no plano do real, e um conjunto de proposigdes que constituem apenas um relato imaginario. Aquilo que é descrito deve ser aquela possibilidade que se mantém como tendo um ser, uma entidade, Nao se pode dizer, em geral, com preciso, 0 que isto significa, porém, um exemplo talvez possa auxiliar no esclarecimento: ‘Se uma emissao, ou conjunto de emissdes tem como finalida- de descrever um certo objeto como uma casa, uma cadeira, uma roupa, ou mesmo a aprendizagem que ocorreut para 0 sujeito, entio esse objeto precisa de fato existir ao tempo em que esta sendo descrito. No casode personagens de uma novela, um conto ou mitolo- i, as figuras devem aparecer como existindo, estando realmente presentes 4 época da descrigao, na novela, conto ou situagao mitolégica. Se um certo processo, método ou técnica esto sendo descritos, entao devem, de fato, existir. Se X descrevesse Y para Z, como se estivesse falando de um. personagem numa novela, seria uma coisa, mas se ele quisesse descrever Y como sendo seu amigo real, talvez.seu melhor amigo, entio Z sentiria ou diria que a descricio diverge, que X nko est falando superficialmente de um personagem. Se X esvaziar seu cofre na firma onde trabalha, amarrar-se a uma cadeira e chamar a policia, a estéria que ele conta a policia sobre humanos mascarados que roubaram a firma nao pode ser chamada de uma descrigfo de roubo, pois nao houve tal coisa. Tudo o que cle disser & imaginagio. 4.2— caracteristicos apenas nao so comumente, suficientes ppara satisfazer os critérios da deserigao. A menos que X tenha ja indicado o que esté sendo descrito, as palavras de X devem, entre outras coisas, produzir 0 seguinte: a aw A208 Ao relatar & policia a perda de um animal, ele poderia dizer que perden um gato de seis semanas com peito branco, com al- ‘gumas marcas indicadoras como, por exemplo, a ponta do rabo sid torta, resultado de uma quebra do osso. Pode continuar com ‘minticias que possam identificar e localizar o gato. Se ele, a0 contrério, disser: Perdi um animal que anda nas quatro patas de manha, duas 0 meio-dia e em trés & noite, isto sera uma charada e deve ser advinhado. 5. Posigto relativa do falante e dos owvintes Se Xesta descrevendo algopara ¥, X deve estar numa posigio melhor do que Y para poder descrever X, ao descrever algo para Y indica que X esta numa posicao diferente de Y em relagao ao objeto descrito, isto é, ele deve conhecer algo que Y nao conhece. 5.1 —um comentarista de rédio descreve uma partida de futebol para uma audiéncia que nao vé 0 jogo; nesso caso ele est descrevendo. Um comentarista de televisio que acompanha 0 jogo, junto com os telespectadores, ndo esti descrevendo, apenas estd comentando o jogo. Entretanto, as palavras usadas por ambos os comentaristas podem até ser as mesmas. 5.2 — X pode descrever a montanha Saint Victoire para Y desde que Y nao tenha visto a montanha. Mas se ambos estiverem. diante da montanha pode-se dizer que X descreve a montanha para Y somente se Y for cego ou incapaz de ver por si mesmo. 5.3 —a mesma coisa acontece com nossos exames nas esco- Jas quando dizemos aos nossos alunos “Descreva a técnica de...” quando o professor conhece muito melhor do que o alunoa técnica e suas particularidades. © que o ahuno pode fazer é simplesmente uum comentitio sobre a téenica e 0 seu uso. 6. Fungoes Diriamos que X descreve algo para Y somente se 0 propésito de X for uma espécie de pintura. 6.1 —o propésito de uma descricéo, assim como de uma pintura, é, em muitos casos, o de agir como um auxiliar para o NETOnOLOGIA DAESQUSAEDUCACONAL “ reconhecimento. Assim, a queixa dada a policia sobre um animal _quesumiu consistira de uma descrigio detalhada doanimal, como acontece, também, com os criminosos, uma fotografia pregada nos lugares mais 6bvios. A descricio seri tao melhor quanto mais {facilite a0 leitor reconhecer 0 objeto perdido ou buscado. 6.2 —o mérito principal de uma descrigao ndo ¢ sempre a sua exatiddo ou seus pormenores, mas a capacidade que ela possa ter de criar uma reprodugao tao clara quanto possivel para o leitor da descrigdo. Poder haver tantas descrigdes de uma ‘mesma coisa quantas sejam as pessoas especialistas que vejam essa mesma coisa. 6.3 —dizer o que uma coisa é nao significa descrevé-a, assim como dizer onde a coisa esté também nao 6 dizer qual 60 caminho entre Campinas Sio Paulo no é descrever tal caminho. Deserever algo ¢ poder dizer como uma certa coisa pode ser diferenciada de outra, ou ser reconhecida entre outras coisas. X convida Y para ver seu animal de estimagdo — (uma ze- bbra). “Onde esté ele?, pergunta Y". Voce o encontrar na cocheira diz X. Dada tal informagao, Y esté habilitado a encontrara zebra de X,amenos que ele encontre varias zebras ali; nesse caso, quando encontra varias zebras nao ser capaz de identificar aquela que pertence a X, Y necessitaria de melhores esclarecimentos. Dizer a alguém 0 que aconteceu é uma coisa, descrever acontecimento é outra coisa. Uma bomba caiu numa casa diz o que aconteceu. Descrever 0 evento seria por exemplo —[..] 7. O sucesso de uma descrigao A fim de se descrever alguma coisa, precisamos comumente mencionar um ntimero de atributos dessa coisa. Uma pincela- da numa tela nao pode produzir um quadro ou uma pintura. Gramaticalmente, uma descrigao 6 normalmente uma atividade complexa. Consequentemente, pode-se perguntar se as proposi- «es sisteméticas que compdem uma descrigéo sao verdadeiras ou falsas, mas nunca perguntariamos se uma descri¢gdo, no seu todo, a a ENA € falsa ou verdadeira. As questdes que podem surgir ao se obter deescrigdes sao: 7.1 —hé suficiente informagao oferecida? A descrigao esta tio completa quanto possivel? Ela é precisa? Foi selecionada de forma adequada e adequadamente apresentada? E equilibrada? 7.2 — algumas vezes, alguns pesquisadores insistem em facilitar a obtencdo dos dados e, nesse caso, desejam melhorar a descrigdo, voltando aos sujeitos pedindo-Ihes mais informagies, alguns componentes. Nesse caso o pesquisacior estécriando novas condigdes, contingentes. 7.3—no que se refere A descrigao em si, porém, no ha lugar para uma distincéo branco-preto dizendo-se que ela é verdadei- a ou falsa. Descricdo, descrever implicam sempre um sucesso. Quando X descreve algo para Y isto implica dizer-se que sua emissio satisfaz as condigdes para uma descricao, isto 6, que ela é suficientemente ampla, justa, precisa e equilibrada. Se sentirmos que este nao seja 0 caso, o maximo que poderemos dizer & que X nao descrevew a coisa — que o que ele disse ¢ uma interpretacio 'mé, nunca que esté errada, falsa ou que nao seja verdadeira. 7.4 —hé um caso em que usamos a frase “uma verdadeira descrigao”. Quando fazendo uma afirmacao ou proposigao formal precisamos assinar a declaragio para validar os fatos apresentados, dizendo que eles constituem uma descricio completa do aconte- cimento, Mas este é um uso declaratério da palavra — ao assinar, © autor certifica a descrigdo e, portanto, compromete-se de varias formas com ela, como, por exemplo, submete-se & punicio se a informagao nao for correta. Nao hé lugar para 0 verdadeiro em oposigao ao falso. Escre- ver uma descricao de algo e assinar embaixo declarando que a descrigdo acima ¢ falsa seria uma forma estiipida. 7.5 — quando se obtém descrigdes, no caso da pesquisa qualitativa, pode-se perguntar aos sujeitos: Voo® completou sua descricio? Esta é uma descrigdo to completa quanto voce desejaria que fosse? Isto nao quer dizer: Vocé terminou de dizer tudo 0 que neTOnOLOGADAPESQUISAEDUCACIONA, 8 queria dizer? mas voc? incluiu toda a informagao relevante que vyoc® conhece ou sabe? 8. Sintese desta primeira parte 8.1 — No que se refere & pesquisa qualitativa pode-se dizer queos dados sio coletados através da descrigao feita pelos sujeitos ros moldes como foi a descricdo apresentada até aqui, 8.2 —Na anélise qualitativa a descrigao nao se fundamenta em idealizagées, imaginagées, desejos e nem é um trabalho que se realiza na subestrutura dos objetos descritos. 83—Na pesquisa qualitativa descreve-se edetermina-se com preciso conceitual rigorosa a esséncia genérica da percepcio ou das espécies subordinadas, como a percepgao da coisalidade etc. Mas a generalidade mais clevada est na experiéncia em geral, no ‘pensamento em geral, ¢ isto torna possivel uma descricéio com- preensivel da natureza da coisa. 8.4 —Na pesquisa qualitativa, uma questio metodolégica importante éa que se refere a0 fato de que nao se pode insistirem procedimento sisteméticos que possam ser previstos, em passos ‘ou sucessées como uma escada em direcio a generalizagéo. 8.5—Pode-se é visualizar que uma teorizagio dedutiva esta excluida das andlises qualitativas. 1 va FENDA das nao existentes, e todo © proceso de dominagio diante disso, pois vocé nos relata que principalmente entre 08 ope- rérios estd sentindo dificuldades em colher depoimentos, por raz0es inexequiveis. Ebom investigar o que esta por tras desse siléncio, as razies desse siléncio. A llegislacio também é outro exemplo; se vé apenas a lei que foi adotada, o seu efeito, sem uma averiguacio maior de todo 0 processo que conduz a adogao da lei. Seria bom se nos acostumdssemos a ndo considerar as instituigdes como coisas dadas, noreal, e deduzir delas na prética, mas procurarenten- der 0 processo que as constituiu, as necessidades ete. Na dea educacional, poderiamos questionar como chega- ‘mos & necessidade e pratica desta escola, e como se chegou 3s, leis que a regem hoje. Evidentemente, houve muitos projetos derrotados, muitas alternativas a serem escolhidas, e esta ver- cedora se configura em si, em um proceso histérico, como a ‘inica. Fica-se, certamente, com uma perspectiva parcial, pois na verdade esta ¢ a proposta vencedora. Os trabalhos com a literatura, com filmes reconstituidos, fotografias, poesias, panfletos, literatura de cordel, romances ditos populares constituem documentos importantes para reconstrugdes histéricas e no Brasil pouco se langa mao desses objetos, preferindo-se as fontes oficiais.* Referéncias bibliograficas BENJAMIN, Walter. Sobre oconceito de histSria.In:_. Magiaeténica, arte politica. Sao Paulo: Brasiliense, 1986. ‘SCHAFFE, Adam. Histéria ventade. Sio Paulo: Martins Fontes, 1981. ‘THOMPSON, E:. A miséra da teoria, Rio de Jancito: Zaha, 1981. A foriacao da classe opertra ingles. S30 Paulo: Paz e Terra, 1987. 1 Transergio e organizagio: Mercedes A. Berardi. IFRN-CM-BIBLIOL MALO ARSENIO DE AZEVEDO 9 Pesquisa participante: repondo questes tedrico-metodologicas Olinda Maria Noronha — Unicamp 1 Ores’ destas reflexdes é o de resgatar a importancia da discussdo teérico-metodolégica para a compreensio do cam- po da pesquisa participante entendida como a “alternativa epis- ‘emolégica na qual pesquisadores e pesquisados seriam sujeitos ativos da produgdo do conhecimento” (Veiga, 1985). [A discussio sobre essa questio ndo € recente, tendo sido ja “objeto de reflexes por parte de muitos pesquisadores interessados em fazer avancar o nivel de clareza das questdes que envolvem esse campo de investigacio. Recuperamos aqui a critica de apenas alguns deles, com o objetivo de repor 0 problema para discussa0 (Cardoso, 1986), ressalta que um dos limites desse tipo de inves- tigagao est na condugao da pesquisa a uma postura eclética ¢ ‘pragmética desqualificando como ocioso 0 debate sobre os com- ‘promissos te6ricos que cada método supde. Reconhece contudo a importdncia desse campo de pesquisa para a critica ao economici ‘mo eaos estruturalismos (com os limites postos, por deixar de ira raiz das questdes metoclol6gicas), bem como a contribuicao que o trabalho de campo traz.com a presenca dos atores sociais. Alerta ‘no entanto para os limites da subjetividade como instrumento de conhecimento e para a desqualificacao do critério de avaliagao de pesquisas na medida em que nesse tipo de abordagem pode levar a ‘desvios do tipo: [..] “um pesquisador capaz.de uma ‘boa’ interagaio ‘com as minorias ou grupos populares ser sempre um porta-voz i as FENDA de seus anseios e caréncias, logo, de sua ‘verdade’. Sua fungio 6 tornar visivel aquelas situagoes de vida que estdo escondidas.e que, 36 por virem & luz, sdo elementos de dentineia do status quo”. Ainda nesta direco critica se encaminham as reflexdes de Veiga (1985), ao considerar que muitos dos postulantes desse tipo de pesquisa, por rejeitarem a perspectiva neopositivista, por criticarem uma postura de falsa neutralidade axiolégica e episte- molégica postulada por muitos cientistas sociais, por desejarem. romper com a divisio social do trabalho a que fomos submetidos, tendem a cometer um outro tipo de equivoco: negam o seu papel ativo de sujeito cognoscente e pretendem captar a realidade sem a intermediagio de categorias analiticas, como se isso fosse possivel. Qu seja, a0 combater o cientificismo também combatem a prépria ideia de pesquisa cientifica. Deve-se entdo, evitar 0 regresso, as, posturas anticientificas, “espontanefstas” ou “populistas”. Uma adequada compreensio do saber popular nao deve alimentar as po- sigGes antitesricas e anti-intelectuais. Estes seriam os dois perigos que no seu entender esta alternativa teérico-metodolégica estaria correndo, além da imprecisio conceitual de que so impregnadas sas pesquisas que surgem como relatos e registros de depoi- _mentos, porque 0s analistas ndo querem impor suas categorias de interpretagao dos fendmenos analisados, Achamos oportuna, ainda, a andlise feita por Durhan (1986) ‘que chamia a atencio sobre uma “armadilha positivista” embutida ‘no processo de identificacao subjetiva com as populagdes estuda- das. Afirma ainda, que, ao mesmo tempo em que antropélogos se politizam na pratica de campo, por meios de seu engajamento crescente nas lutas travadas pelas populacdes que estudam, despolitizam os conceitos com os quais operam retirando-os da ‘matriz hist6rica na qual foram gerados, projetando-os no campo a-hist6rico da cultura. Sair desse impasse significa dissolver essa visio colada & realidade imediata e a experiencia vivida das po- ulagdes com as quais trabalhamos, ndo nos contentando com a descrigao da forma pela qual os fenémenos se apresentam, mas investigando 0 modo pelo qual so produzidos. ETODOLOGIA A PSQUSAEDUCACONAL 9 Gostariamos de ampliar um pouco mais estas reflexes epis- temolégicas retomando o carster intermediador das categorias analiticas no processo de construcao do conhecimento cientifico. Procurando avangar um pouco mais em diregioa esses fundamen- tos epistemoldgicos poderiamos dizer que a raiz de toda essa polé- mica esténa relagao sujeito-objeto. E importante, por conseguinte, que se resgate o carater relacional do processo de construgao do conhecimento. Isto significa considerar que ha um sujeito informa- do historicamente que se relaciona com 0 objeto construindo-o e sendoao mesmo tempo construido nesse processo. A controvérsia sobre a dualidade sujeito-objeto tem queser superada tanto antvel a teoria quanto da pratica, sob pena de nao avancarmos nem do ponto de vista do conhecimento nem da diregio dos movimentos de construgio da identidade de classe dos segmentos “suibalternos”. A relagio dialética sujeito-objeto tem como pressuposto quie a teoria se altera no transito com a realidade, assim como esta também se altera coma teoria. Aprodugio do conhecimento, portanto, nao pode ser diluida na necessidade hist6rica de intervengio imediata no processo social para transformé-lo. Torna-se necessario, nessa relagdo, discernit 0 ‘campo préprio da produgio do conhecimento, do nivel de inter- -vencao no processo, para transformé-lo. (0 proprio Marx (Thiollent, 1982) jf nos alertava para o fato de que “a contradigao capitalista 6 pode desenvolver de maneira revoluciondria pela tomada de consciéncia da exploragao e pela luta organizada. O problema é, entio, 0 de estabelecer entre esses dois elementos uma relagao de complementaridade, pois 0 pro- letariado tem a seu favor 0 niimero, que é fator de sucesso, mas 0 intimero s6 tem peso quando € organizado em unidades e diigido pelo saber" esse sentidoa diluigao do saber na participacio /intervengio funciona tantoa nivel da ciéncia, quanto no avango da consciéncia coletiva, mais como obstéculo do que como favorecimento, ‘Torna-se necessério, portanto, transformar a “verdade prati- ca” em verdade teSrica para que a primeira ganhe tum contetido revolucionétrio, * 25108 Nesse sentido, concordamos com Lefebvre (1953) ao dizer quea sociabilidade capitalista constréi uma realidade urbana frag- mentada, um espago controlado e que nesse espago, metodolégica (¢ espistemologicamente), se instala o conflito entre 0 vivido sem conceitoe 0 conceito sem vide. Uns dispensam-se de pensar e outros dispensam-se de viver. F essa controvérsia terminou porse instalar na atividade cientifica escamoteando a verdadeira questio que a produz e conduzindo o debate para o nivel da superticie, Eurgente, portanto, repensar as maneiras de superagio dessa polémica tanto a nivel tedrico-metodol6gico quanto a nivel das préticas e dos debates. Lefebvre mesmo quem nos responde que a superacao desta contradigao se dé ao nivel das relagies sociais de produgio (que nao s¢ localiza 56 na empresa, no local de trabalho ou nas relacoes de trabalho) mas em toda a sociedade; é todo 0 espaco ocupado pelo neocapitalismo setorizado, reduzido a um meio aparente- mente homogéneo mas profundamente fragmentado, reduzido a pedagos, E fundamental portanto que o pesquisador nao assuma esses “pedacos” como objeto de pesquisa, mas que trabalhe com a categoria de totalidade, que se faga 0 esforgo metodolégico de articular cotidiano e hist6ria (Heller, 1982). Em nosso estudo (Noronha, 1984) procuramos nos deter nesta articulacao entre cotidiano e hist6ria, quando discutimos nas questées metodol6gicas que, se por um lado, a vida cotidiana constitui uma das principais formas de manifestagio da histéria € da possibilidade de transformacao da realidade, por outro, & dificil ao pesquisador, quando trabalha com sujeitos particulares, evitar o risco de perder-se no cotidiano. No entanto, esse esforco de investigagdo é necessério para fazer emergir aspectos reveladores da exploracdo e da aprendizagem da experiéncia de classe. Nessa direcio, achamos oportuna a observacéo de Lanzardo (1982) a0 dizer que “os operérios (trabalhadores) sao os tinicos capazes de descrever convenientemente as condigdes nas quais sio explorados, Marx faz mais do que indicar um simples proce- eTODOLOGIADAPESQUSA DUCACICNA, i dimento operatério. Coloca o principio de um método de trabalho politico, que se encontra implicitamente na eritica da economia politica”. (© fundamental nesse processo de construcao do conhecimen- 06 ligar 0 cotidiano, rico de determinagSes hist6ricas a historia, ou seja, “por uma anilise critica do processo de produsio do capitalista, fazer reaparecer a verdadeira natureza da contradicao e fornecer um ponto preciso de referencia a luta de classes” (Lan- zardo, 1982). importante que o trabalhador compreenda que é somente por meio da tomada de consciéncia da exploragéo que se pode tultrapassar 06 limites do puro e simples conflito cotidiano contra aexploragao. ‘Ao se buscar construir categorias de andlise que articulem a hhistoricidade do cotidianoa hist6ria do movimento social estamos desenvolvendo nio apenas um esforgo de investigagio que critica ‘o sistema capitalista de producio mas também uma ago politica coniréria a esse modo de ordenacao de mundo. Pensamos, para concluir, que a pesquisa participante/inter- vengio s6 adquire de fato esse estatuto, ao superar o seu nivel de imediatez. ao conseguir empreender essa tarefa de ligar orgénica ‘emetodologicamente o cotidiano & historia. Referéncias bibliograficas CARDOSO, Ruth. Aventuras de antropologos em campo ou como escapar dasarmadilhas método. In; __. Aaventurn antropoldgica: Org.) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 95-105 DURHAN, Eunice. A pesquisa antropoligica com populagées urbanas. In; CARDOSO, Ruth (Org,). A aventura antropoldgica. Rio de Janeiro: Paz ce Terra, 1986. p. 17-37. HELLER, Agnes. O cota ea historia 2. ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985,

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