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Jacqueline Sinhoretto
Professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR. Doutora e mestre em Sociologia
pela Universidade de São Paulo - USP. Graduada em Ciências Sociais pela USP. Coordenadora do Grupo de Estudos sobre Violên-
cia e Administração de Conflitos da UFSCAR - GEVAC.
Juventude e violência policial no Município de São Paulo
Jacqueline Sinhoretto, Maria Carolina Schlittler e Giane Silvestre
jacsin@uol.com.br
Giane Silvestre
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos. Mestre em Sociologia pela
UFSCAR. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP. Pesquisadora do
Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da UFSCAR - GEVAC.
silvestregiane@gmail.com
Resumo
Neste artigo são analisadas violências que acometem a juventude na cidade de São Paulo, utilizando dados quantitativos
produzidos pelas Secretarias Municipais de Saúde, Serviços e Assistência e Desenvolvimento Social. Os dados mostram:
a) a significativa tendência de diminuição no número de homicídios na cidade de São Paulo na última década, embora a mes-
ma tendência não seja observada nas mortes decorrentes da ação policial; b) que na aferição do uso da força policial verifica-
-se desproporcionalidade na ação das polícias na capital paulista; c) o perfil específico das vítimas da letalidade policial e a
distribuição espacial dessas mortes na cidade de São Paulo. Focalizam-se os desafios e limites encontrados pelos municípios na
proposição de programas de avaliação e redução da violência diante de velhos dilemas da segurança pública, como é o caso
da letalidade policial. Conclui-se que a violência policial é um dos principais desafios para a vida segura dos jovens paulistanos.
Palavras-Chave
Juventude. Letalidade policial. Polícia e sociedade. Municípios e segurança.
10 Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 10, n. 1, 10-35, Fev/Mar 2016
Dossiê
Juventude e violência policial no Município de São Paulo
Jacqueline Sinhoretto, Maria Carolina Schlittler e Giane Silvestre
A participação do poder municipal no
controle do crime é algo relativamen-
te novo para a segurança pública brasileira,
deral e estadual na atividade de controle do
crime, já que estas são as esferas responsáveis
pelas Forças Armadas, pelas polícias e pelo
pois até a metade da década de 1990 predo- sistema criminal.
minou uma interpretação jurídica e política
de que essa esfera de atuação seria exclusiva Ricardo e Caruso (2007) também apontam
dos governos estaduais, o que constituía uma que um dos entraves à maior participação dos
barreira para a participação dos municípios na municípios na segurança pública é a falta de
segurança pública, conforme argumenta a lite- uma definição clara sobre o conceito de ordem
ratura especializada (MUNIZ, 2000; CANO, pública. Para as autoras, o art. 182 da Consti-
2005; SOARES, 2005; GUINDANI, 2005; tuição, que diz “[...] o pleno desenvolvimen-
RICARDO; CARUSO, 2007; RIBEIRO; to das funções sociais da cidade garantindo
PATRÍCIO 2008). A Constituição Federal o bem-estar de seus habitantes [...]”, poderia
de 1988 faz menção às responsabilidades dos ser acionado para embasar a participação dos
municípios na segurança pública apenas men- municípios em programas de redução de cri-
cionando que eles “poderão constituir guardas minalidade e de prevenção se houvesse uma
municipais destinadas à proteção de seus bens, definição mais sólida do que é ordem pública.
serviços e instalações, conforme dispuser a lei
[...]” (RIBEIRO; PATRÍCIO, 2008, p. 7). Contudo, a segurança pública no Brasil se-
gue concebida e operada por um modelo de
Para Muniz (2000), essa arquitetura cons- controle do crime militarista e encarcerador,
titucional, aliada ao fato de que no Brasil os o qual pressupõe que a segurança pública se
problemas relacionados à segurança pública efetiva se – e somente se – houver a aniquila-
são comumente tratados como assuntos de ção ou o encarceramento de agentes criminais
competência exclusiva das polícias, produz (SILVESTRE; SCHLITTLER; SINHORET-
um quadro em que se reivindicam os recur- TO, 2015). Assim, ao se circunscrever a defi-
sos e as intervenções oriundas das esferas fe- nição da ordem pública ao encarceramento e
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à repressão policial, pouco espaço sobra para Destacam-se: a) a elaboração do Plano Nacio-
a atuação de outros atores institucionais senão nal de Segurança Pública (2003), que dedicou
aqueles ligados à repressão criminal, os quais um capítulo para tratar da segurança nos mu-
Dossiê
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A PROBLEMÁTICA DA SEGURANÇA PÚBLICA ram mortas pela polícia em 1999, ao passo que
NA CIDADE DE SÃO PAULO em 2014 foram 708 mortos, segundo dados do
Contrariando a tendência nacional de au- Fórum Brasileiro de Segurança Pública4.
Dossiê
mento de 30% nas taxas de homicídios, o Estado
de São Paulo, entre 1998 e 2008, teve esta taxa Na cidade de São Paulo, a diminuição no
reduzida a menos da metade (KAHN; ZANE- número geral de homicídios não é acompa-
TIC, 2005). Os homicídios dolosos no Estado nhada do declínio da letalidade policial, causa
começaram a declinar a partir de 1999, tendência que passa a corresponder a uma porcentagem
seguida pela cidade de São Paulo, que em 2000 cada vez mais alta do total de mortes violentas
Cidade de São Paulo 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Total de homicídios 5.979 5.990 5.435 5.016 3.846 2.784 2.531 1.927
Mortes cometidas por policiais 327 229 278 434 264 121 257 203
Cidade de São Paulo 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Mortes cometidas por policiais 211 275 256 243 323 175 353
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Recentemente, uma crescente tematização atividades foram organizadas pelas Coordena-
da vulnerabilidade dos jovens negros à violên- ções de Juventude e de Direito à Memória e
cia urbana tem movimentado setores tanto da à Verdade da Secretaria Municipal de Direi-
Dossiê
sociedade civil quanto de governos. A experi- tos Humanos e Cidadania, reuniu gestores e
ência de desigualdade na vivência da violência funcionários ligados às secretarias de Serviços,
fatal entre as faixas etárias e os grupos raciais Saúde, Assistência e Desenvolvimento Social e
tem sido constatada por diagnósticos enco- de Direitos Humanos7.
mendados pelo governo federal, como os Ma-
pas da Violência (WAISELFISZ, 2013) e o O grupo de trabalho passou a estudar as
Juventude e violência policial no Município de São Paulo
Jacqueline Sinhoretto, Maria Carolina Schlittler e Giane Silvestre
Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência bases de dados municipais que pudessem ser
e Desigualdade Racial (BRASIL, 2014). A in- úteis na verificação da hipótese de que parte
cidência da letalidade policial entre os jovens significativa das violências contra os jovens
negros também foi constatada em pesquisa atendidos nos programas municipais estivesse
financiada pela Senasp (SINHORETTO et sendo cometida por policiais militares. Para
al., 2014). A produção desses diagnósticos este grupo foram convidados especialistas em
responde a demandas do associativismo negro tratamento de dados da segurança pública, in-
e jovem por políticas públicas de segurança cluindo as autoras do presente artigo8, pesqui-
que possam fazer frente ao quadro caracteri- sadoras do Grupo de Estudos sobre Violência
zado no discurso de ativistas como “genocí- e Administração de Conflitos (Gevac), da Uni-
dio da juventude negra”. Uma das principais versidade Federal de São Carlos. O objetivo do
ações desenvolvidas neste contexto é o Plano levantamento de dados foi mensurar a expo-
Juventude Viva5, implementado em parceria sição dos jovens, especialmente dos negros, à
interinstitucional entre governo federal e mu- violência policial na cidade de São Paulo. Os
nicípios. Em São Paulo, o Juventude Viva é dados recolhidos permitem conhecer o perfil
articulado pela Coordenação de Juventude da das vítimas de policiais e a distribuição espacial
Secretaria Municipal de Direitos Humanos das ocorrências na capital paulista.
e Cidadania e pela Secretaria Municipal de
Igualdade Racial6. Para a construção do diagnóstico foram
utilizados: a) a base de dados sobre letalida-
Respondendo a esse contexto, e informado de policial da Secretaria de Segurança Públi-
por denúncias que circularam entre funcioná- ca do Estado de São Paulo, disponibilizada
rios e articuladores do Juventude Viva, de vio- em seu site; b) uma base de dados sobre
lências cometidas por policiais militares contra mortes de adolescentes em cumprimento de
jovens atendidos nos serviços municipais, um medidas socioeducativas em 2014, organiza-
grupo de gestores e técnicos da prefeitura de da pela Secretaria Municipal de Assistência
São Paulo passou a se reunir com o propósito e Desenvolvimento Social; c) dados sobre
de elaborar um diagnóstico da violência con- violência não letal da Secretaria Munici-
tra a juventude no município, no segundo se- pal da Saúde de São Paulo a partir da base
mestre de 2015. O grupo de trabalho, cujas sobre atendimentos nos serviços de saúde;
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d) dados sobre o perfil dos mortos por inter- ticipação consistente do município nas polí-
venção legal9 na cidade de São Paulo prove- ticas de segurança pública.
nientes do Programa de Aprimoramento das
Dossiê
Informações de Mortalidade no Município Todavia, os resultados da pesquisa repõem
de São Paulo (PRO-AIM)10. os limites à ação do poder municipal nas polí-
ticas de segurança. Ao evidenciarem que a ação
Tal diagnóstico resultou na pesquisa “Ju- policial letal é hoje uma das principais causas
ventude e Violência no Município de São de morte no município de São Paulo, o pa-
Paulo”11, apresentada no Seminário Segurança pel e a capacidade de ação do poder municipal
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parâmetros de razoabilidade e de necessidade Entre os estudos sobre o uso da força
do uso policial da força se dividem. Alguns au- policial, existem dois padrões internacio-
tores como Chevigny (1991) são enfáticos ao nais considerados aceitáveis para a letalida-
Dossiê
afirmar que é possível estabelecer critérios que de policial, sendo o primeiro deles elabo-
determinem quando o uso da força policial rado pelo Federal Bureau of Investigation
é uma atividade legítima e quando é um uso (FBI) dos Estado Unidos, que aponta uma
abusivo e violento. relação de 12 civis mortos para cada poli-
cial morto. Já o pesquisador Paul Chevigny
Na pesquisa “Juventude e Violência no (1991) aponta como padrão de normalida-
Juventude e violência policial no Município de São Paulo
Jacqueline Sinhoretto, Maria Carolina Schlittler e Giane Silvestre
Município de São Paulo” foram utilizados de a relação de 10 civis mortos para cada
os critérios de mensuração do uso da força policial morto. O sociólogo Ignácio Cano,
policial letal levantados em artigo de Bueno, analisando a realidade brasileira, conside-
Cerqueira e Lima (2013), com o objetivo de rou a relação de 4 civis mortos para cada
comparar os dados produzidos sobre ativida- policial morto como um padrão de norma-
des policiais na cidade de São Paulo. Segun- lidade de operações (BUENO; CERQUEI-
do os autores, existem padrões internacionais RA; LIMA, 2013).
comumente utilizados para aferir se a polícia
está abusando do uso da força letal; três crité- No Quadro 1 são apresentados os núme-
rios são usuais: (1) a relação entre civis mor- ros de policiais mortos e de mortos pela polí-
tos e policiais mortos; (2) a razão entre feridos cia em 2014, cujo registro ocorreu no territó-
e mortos em ações policiais; (3) a proporção rio da cidade de São Paulo, seguindo os dados
de mortos pelas polícias em relação ao total publicados pela Secretaria de Segurança Pú-
de homicídios dolosos. blica do Estado de São Paulo, em sua pági-
na na Internet. A razão entre as vítimas de
Critério1: Relação entre pessoas mor- policiais e os policiais vitimados foi de 32:1
tas por policiais e policiais mortos no ano. Esta razão é muito superior a qual-
A violência urbana vitimou muitos po- quer um dos parâmetros desenhados pelos
liciais nos anos recentes, entretanto, a pro- pesquisadores que procuraram construir cri-
porção entre policiais mortos e mortos em térios de uso razoável da força letal da polícia.
decorrência de ação policial evidencia um É 2,6 vezes maior que o parâmetro do FBI,
padrão de uso excessivo da força policial, uma polícia considerada violenta e que lida
em especial da Polícia Militar, no perímetro continuamente com casos mais complexos. É
do município de São Paulo. As compara- 3,2 vezes superior ao padrão internacional in-
ções internacionais indicam que “quando o dicado por Chevigny com base na compara-
número de civis mortos é muito maior do ção entre indicadores de vários países. É oito
que o de policiais, então é provável que a vezes superior ao padrão apontado por Cano,
polícia esteja abusando de seu poder discri- que avaliou corpos policiais brasileiros e es-
cionário” (BUENO; CERQUEIRA; LIMA, trangeiros, levando em conta a alta incidência
2013, p. 119). de policiais mortos na nossa realidade.
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Quadro 1 – Número de mortos em decorrência da ação policial e
número de policiais mortos
Município de São Paulo, 2014
Dossiê
Pessoas mortas em confronto com a polícia civil em serviço 7
Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Elaboração das autoras.
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Gráfico 1 – Mortes em decorrência da ação policial e policiais mortos
Município de São Paulo, 2014
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Em n. abs.
400
353
350
300
Razão = 32:11
250
Juventude e violência policial no Município de São Paulo
Jacqueline Sinhoretto, Maria Carolina Schlittler e Giane Silvestre
200
150
100
50
11
0
Total de pessoas mortas pelas policias Total de policiais mortos
Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Elaboração das autoras.
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mortas pela polícia em 2014 é maior do que o sultado mais frequente da intervenção policial
total de pessoas feridas em ações. A proporção armada tem sido a morte e não a incapacidade
contraria a expectativa embutida em uma das momentânea do oponente. O treinamento
Dossiê
principais normas da Polícia Militar do Estado para o tiro defensivo não está atingindo o ob-
de São Paulo (PMESP) para o uso modulado da jetivo institucional da PM.
força, que é o Método Giraldi de tiro defensivo.
Como o nome do método indica, seu objetivo É importante mencionar que a Secretaria
não é matar o oponente num confronto, mas da Saúde do Município de São Paulo, por
utilizar a arma e o número de tiros de forma meio da Subgerência de Vigilância de Do-
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Gráfico 2 – Evolução do número de homicídios e de mortes cometidas
por policiais
Município de São Paulo, 2000-2014
Dossiê
7000
5979 5990
6000
5435
5016
5000
3846
4000
Juventude e violência policial no Município de São Paulo
Jacqueline Sinhoretto, Maria Carolina Schlittler e Giane Silvestre
3000
2784
2531
1927
2000 1631 1685 1741 1621 1661
1557
1392
1000
327 434 323 353
229 278 264 257 203 211 275 256 243 175
121
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
fonte alternativa aos dados produzidos pela Em face da tendência de decréscimo no nú-
própria polícia. Se aperfeiçoada, a base de da- mero de homicídios na cidade de São Paulo,
dos municipal poderá fornecer informações percebe-se que as mortes decorrentes de ação
sobre os custos da violência na cidade, em policial não declinaram, e ainda elevaram-
termos de gastos com atendimento de emer- -se em anos recentes, o que permite concluir
gência, cirurgias, reabilitação, internações, que a sociedade em geral está ficando menos
incapacitação e atendimentos ambulatoriais violenta, mas a polícia não tem acompanhado
decorrentes de um padrão de uso abusivo da esta tendência, tornando-se proporcionalmen-
força pela polícia. te mais violenta. Como já foi demostrado na
Tabela 1, a letalidade policial corresponde a
Critério 3: Relação entre mortes come- uma alta porcentagem do total dos homicídios
tidas por policiais e total de homicídios ocorridos na cidade: em 2000, esta relação era
Quando se observa o número de pessoas mor- de 5% e, em 2014, a mesma relação passou
tas pelas polícias em relação ao total de homicí- para 21%, como também se vê no Gráfico 2.
dios dolosos na cidade de São Paulo, constata-se
o altíssimo peso da violência policial na perda de Para melhor analisar esta relação, in-
vidas. Uma em cada cinco mortes violentas ocor- clusive para tecer comparações com outros
ridas na cidade foi cometida por policiais. Estados, as mortes violentas intencionais
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(MVI) foram usadas como indicador. Este categoria MVI é utilizada no Anuário Bra-
agrega os números de homicídios dolosos, sileiro de Segurança Pública, o que facilita a
lesões corporais seguidas de morte, latro- comparação do caso paulistano com outros
Dossiê
cínios, vitimizações policiais e mortes de- contextos estaduais e municipais.
correntes de ação policial, tanto em serviço
quanto fora dele. Por se entender que o ho- Assim como na relação com os homicí-
micídio é uma categoria jurídica, que está dios, a participação da letalidade policial no
sujeita a uma interpretação da morte vio- conjunto das mortes violentas intencionais é
lenta por critérios do Código Penal, tipos de significativa. A comparação com outros con-
Latrocínio 150 9%
Vitimização Policial 11 1%
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Pública, no conjunto do Estado paulista essa ções dos boletins de ocorrência policial, pois
proporção é de 17%, e os policiais comete- eles continham os números mais elevados e
ram 965 mortes durante seu serviço e nas assim possibilitavam as comparações exercita-
Dossiê
folgas. Isso é significativo, pois indica que das. A seguir são analisados os números conti-
o padrão de atuação da mesma Polícia Mili- dos nas bases municipais, coligidos pelo Pro-
tar (que responde pela quase totalidade das grama de Aprimoramento das Informações
mortes por policiais) é mais letal na capital de Mortalidade no Município de São Paulo
do que em outras cidades do Estado. (PRO-AIM). Embora eles registrem núme-
ro menor de mortos por intervenção legal
Juventude e violência policial no Município de São Paulo
Jacqueline Sinhoretto, Maria Carolina Schlittler e Giane Silvestre
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Tabela 2 – Distribuição das mortes por intervenção legal, segundo
cor/raça da vítima
Município de São Paulo, 2014
Dossiê
Cor/raça Absoluto Percentual
0,636363636
0,606300456
0,357771261 0,370062993
Branca Negra
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23
Tabela 3 – Número e taxa aproximada de homens mortos por
intervenção legal, por cor/raça
Município de São Paulo, 2010-2014
Dossiê
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Tabela 4 – Número absoluto, distribuição e acumulado de mortos por
intervenção legal, segundo faixa etária
Município de São Paulo, 2014
Dossiê
Idade Absoluto % % Acumulado
10 a 14 5 1% 1%
15 a 19 147 43% 45%
20 a 29 137 40% 85%
50
45
40
35
30
25
20
15
10
0
13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 43 44 48
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25
mortos por intervenção legal está na idade de Conforme indica a Tabela 5, a vitimização de
17 anos, conforme o Gráfico 3, indicando que jovens pela polícia é 10,5 vezes maior que a
as vítimas preferenciais das ações violentas de de não jovens.
Dossiê
2014, pois a idade é uma categoria levada em mente nas faixas etárias mais jovens. Na
conta em tal projeção. faixa entre 15 e 17 anos há um predomínio
muito significativo da morte de negros por
O cálculo da taxa permite concluir que a intervenção policial.
cada 100 mil homens jovens que habitavam
a capital paulista, 21 foram mortos pela polí- DISTRIBUIÇÃO TERRITORIAL DAS MORTES
cia em 2014, considerando jovens as pessoas POR INTERVENÇÃO LEGAL
com até 29 anos completos. Já em relação aos Ao se observarem os distritos onde ocorre-
não jovens, categoria composta por maiores ram as mortes por intervenção legal no mu-
de 30 anos, a cada 100 mil habitantes, dois nicípio de São Paulo em 2014, verifica-se que
foram mortos pela polícia no mesmo período. houve registros em 71 dos 96 distritos do mu-
NÃO JOVENS
MASCULINO JOVENS (15 a 29)
(acima de 30)
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Gráfico 5 – Número de mortos por intervenção legal, por idade,
segundo cor/raça
Município de São Paulo, 2014
Dossiê
35
30
25
20
10
0
13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 43 44 48
Branca Negra
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Juventude e violência policial no Município de São Paulo Dossiê
Jacqueline Sinhoretto, Maria Carolina Schlittler e Giane Silvestre
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17
ERMELINO MATARAZZO
16 16
SÃO MIGUEL
13 13 13
JABAQUARA
SÃO MATEUS
11
JARDIM ÂNGELA
BRASILÂNDIA
9
ITAIM PAULISTA
9
JARDIM PAULISTA
9
PARQUE DO CARMO
9
GRAJAÚ
8
PIRITUBA
8
BUTANTÃ
7
CACHOEIRINHA
7
CAMPO LIMPO
6
SACOMÃ
6
SANTANA
6
TATUAPÉ
6
VILA JACUÍ
6
VILA MARIANA
6
FREGUESIA DO Ó
5
GUAIANASES
5
IGUATEMI
5
VILA PRUDENTE
5
VILA SÔNIA
5
JAÇANA
4
SAÚDE
4
VILA MATILDE
4
CAMPO GRANDE
3
CIDADE DUTRA
3
CIDADE LIDER
3
CIDADE TIRADENTES
3
IPIRANGA
3
LIBERDADE
3
MANDAQUI
3
MOOCA
3
MORUMBI
3
PARELHEIROS
3
RIO PEQUENO
3
SANTO AMARO
3
CAPÃO REDONDO
3
VILA LEOPOLDINA
2
ARICANDUVA
2
CIDADE ADEMAR
2
JARAGUÁ
2
PEDREIRA
2
PENHA
2
PONTE RASA
2
RAPOSO TAVARES
2
SÃO LUCAS
2
TREMEMBÉ
2
TUCURUVI
2
VILA MARIA
2
ARTUR ALVIM
1
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BRÁS
1
CAMPO BELO
1
CANGAÍBA
1
CARRÃO
1
CONSOLAÇÃO
1
CURSINO
Fonte: PRO-AIM. Elaboração das autoras.
LAJEADO
1
LAPA
1
MOEMA
1
PARI
1
REPÚBLICA
1
SÃO RAFAEL
1
VILA CURUÇA
1
VILA GUILHERME
1
29
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pecial a mortalidade. Surgiu de uma demanda gestores – principalmente de quadros interme-
social colocada ao poder municipal para desen- diários – em tratar em profundidade a violên-
volver ações na prevenção da violência contra cia policial e as ações de prevenção destinadas a
Dossiê
os jovens, em especial dos jovens negros. Essa jovens, com especial atenção ao recorte racial;
demanda é tanto de ativistas de movimentos sendo a disponibilidade não apenas resultante
sociais, como de técnicos que já desenvolvem de um engajamento dos servidores municipais
ações com jovens e que chamaram a atenção com a causa, mas também resultado do bom
para o resultado violento da ação da Polícia nível de preparo técnico dos quadros – exper-
Militar no território paulistano. Para aprimo- tise de que muitos municípios não dispõem; c)
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pacto das mortes causadas por policiais sobre rança pública hegemônico está assentado na
o total de mortes violentas na cidade paulis- crença compartilhada de que a segurança se
tana (20% das mortes violentas intencionais materializa com prisões e repressão ostensiva a
Dossiê
são cometidas por policiais); constatar que o crimes patrimoniais ou ligados ao comércio de
padrão de atuação policial é violento, abusivo drogas. Prisões e repressão que selecionam um
e uma das principais causas de morte entre público bastante focalizado (jovens, negros, de
os jovens e, em especial os jovens negros. O territórios periféricos) sobre os quais os efeitos
padrão letal da polícia militar é concentrado da ação discricionária – e arbitrária – da polí-
neste público e em certos territórios da cida- cia militar se fazem sentir de modo devastador.
Juventude e violência policial no Município de São Paulo
Jacqueline Sinhoretto, Maria Carolina Schlittler e Giane Silvestre
de, especialmente 14 bairros com característi- Enquanto isso, a redução de mortes violentas
cas de periferia urbana, entre os quais se des- depende em grande medida de interromper o
tacam: Jardim São Luís, Ermelino Matarazzo, padrão letal da atuação policial.
São Miguel Paulista e Sapopemba.
Como é possível desenhar ações no âm-
O perfil preferencial das vítimas da ação le- bito da política municipal para interferir nos
tal da Polícia Militar na cidade de São Paulo padrões do policiamento, se este está subordi-
compreende homens, jovens (85% têm menos nado ao governo do Estado, assim como estão
de 30 anos, sendo a maior incidência entre os as instâncias de controle externo e investiga-
17 e os 19 anos) e negros (64%). A incidência ção? Para que o município pudesse intervir, a
da violência letal da polícia é 2,75 vezes maior política de segurança estadual precisaria estar
entre negros do que entre brancos, quando cal- mais aberta à participação social, incluindo aí
culadas taxas por 100 mil habitantes. esferas governamentais municipais.
Como argumentado em textos anteriores O dilema é ainda maior posto que, na atual
das autoras (SINHORETTO; SILVESTRE; conjuntura, ao poder municipal também não é
SCHLITTLER, 2014), o modelo de segu- mais possível retirar-se das ações de segurança,
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já que a cidadania cobra engajamento e resul- de bares e eventos, municiamento de guardas
tados dos prefeitos. O caso de São Paulo aqui municipais, instalação de câmeras de vigilância,
apresentado mostra que saídas encontradas até o são insuficientes – e até mesmo inócuas – para
Dossiê
presente para lidar com a participação munici- lidar com a complexidade da produção da morte
pal nas políticas de segurança, como melhoria de violenta e sua relação com um padrão de policia-
iluminação, coleta de lixo, fiscalização e restrição mento apoiado na execução de suspeitos.
2. Ricardo e Caruso (2007) analisaram esforços municipais de participação na segurança pública, na década de 2000, como Diadema e
São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Recife (PE) e Resende (RJ). Ribeiro e Patrício (2008), por sua vez, pesquisaram a experiência do
município de Barra Mansa (RJ).
3. Segundo o discurso dos gestores públicos paulistas, a redução de homicídios no Estado se deve a um conjunto de iniciativas estatais,
entre as quais destacam-se: a integração das áreas de atuação das polícias, a reestruturação do Departamento de Homicídios e
Proteção à Pessoa da Polícia Civil, a reestruturação da Polícia Militar após a crise institucional que sucedeu a divulgação de práticas de
tortura na Favela Naval (como a criação do programa de polícia comunitária e da Força Tática), atuação da Polícia Militar na retirada das
armas de fogo de circulação (conjuntamente ao Estatuto do Desarmamento, promulgado em 2003).
7. Participaram do grupo de trabalho, em reuniões presenciais ou em trocas de e-mails e fornecimento de dados, os seguintes técnicos e
gestores da prefeitura de São Paulo: Adalberto Gonçalves de Oliveira, André Luiz Coutinho de Souza, Beatriz Yuko Kitagawa, Benedito
Adalberto Boletta de Oliveira, Breno Souza de Aguiar, Caio Becsi Valiengo, Carla Juliana Pissinatti Borges, Carmen Helena Leal, Claudio
Silva, Fábio Luís Ferreira Nóbrega Franco, Fulvio Giannella Junior, Guilherme de Almeida, Heloiza Reiko Tomita Komino, Iracema
Nascimento Castro, Ivony Lessa Santos, Jordana Dias Pereira, Lucia Salles França Pinto, Luciano Moraes Velleda, Margarida Maria Tenório
Lira, Maria de Fátima Dagostino, Maria de Fátima Hangai, Maria Letícia Fungaro, Maria Lucia Aparecida Scalco, Maria Rosana Issberner
Panachão, Mauro Tanigushi, Maximiliano Martins Dante, Patrícia Carla dos Santos, Patricia di Tullio Leão Miranda, Rafael da Cunha Cara
Lopes, Rosa Maria Dias Nakazaki, Ruy Paulo D’Elia Nunes, Universina Delia Branco Coutinho.
8. Jacqueline Sinhoretto e Maria Carolina Schlittler atuaram na assessoria do grupo de trabalho como voluntárias e Giane Silvestre foi
contratada como consultora da Coordenação de Juventude da SMDHC para o tratamento dos dados.
9. Intervenção legal é o nome atribuído à categoria Y-35 do Código Internacional de Doenças (CID-10), utilizado para o registro das causas
de mortalidade no município, que alimenta o Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM-Datasus).
10. O PRO-AIM foi criado pela Prefeitura em 1989 com o objetivo de fornecer informações de mortalidade qualificadas, de forma ágil e
descentralizada, baseadas no território, visando subsidiar as ações de governo na área da saúde. Para mais informações, ver:
13. A desigualdade racial entre mortos em decorrência de ação policial já havia sido mensurada pelas autoras com base nos inquéritos
policiais consultados na ouvidoria das polícias do Estado de São Paulo. Na ocasião, a proporção de negros mortos pela polícia no Estado
de São Paulo foi 2,8 vezes maior do que a de brancos (SINHORETTO; SILVESTRE; SCHLITTLER, 2014).
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