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ISSN 2183-802X

Análise Europeia
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESTUDOS EUROPEUS

Maio 2016 | Volume I | Número 1


Análise Europeia
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESTUDOS EUROPEUS
Análise Europeia
Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus

Volume I | Número 1
Disponível em: http://www.apeeuropeus.com/revista

Associação Portuguesa de Estudos Europeus


Rua Coronel Marques Leitão, n.º 2, 1.º Dir.
1700-125 Lisboa
Portugal

Registo na ERC: 126820


Depósito Legal: 407079/16
ISSN: 2183-802X

Lisboa: Associação Portuguesa de Estudos Europeus, maio de 2016

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus, 2016


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uma ligação de todos os artigos publicados nesta revista, sem pedir autorização prévia da
editora ou do autor. A utilização ou reprodução de fotografias individuais deverá ser autorizada
diretamente pelos titulares dos direitos de autor.

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS
Capa: Bandeiras europeias hasteadas - autor desconhecido. Página 9: Jean Monnet, c. 1954,
proferindo um discurso na rádio por ocasião da sua tomada de posse como presidente da
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço - Gamma-Keystone/Getty Images

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FICHA TÉCNICA
ANÁLISE EUROPEIA
Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus

Diretor
Pedro Camacho

Editores
André Simões dos Santos
Bruno Correia
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João Moreira

Conselho Científico
Alice Cunha (IHC – Universidade Nova de Lisboa)
Alina Esteves (CEG/IGOT – Universidade de Lisboa)
António Goucha Soares (ISEG – Universidade de Lisboa)
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Eduardo Medeiros (CEG/IGOT – Universidade de Lisboa)
Eduardo Paz Ferreira (Faculdade de Direito – Universidade de Lisboa)
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Luís Moreno (IGOT – Universidade de Lisboa)
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Olga Solovova (Centro de Estudos Sociais – Universidade de Coimbra)
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Pedro Tavares de Almeida (FCSH – Universidade Nova de Lisboa)
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Semestral

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 5


ÍNDICE
IGOS
ESTATUTO EDITORIAL .......................................................................................... 9

EDITORIAL

O Começo ............................................................................................................ 11
Pedro Camacho

MENSAGEM DO PRESIDENTE DA APEE

A Primeira Análise .............................................................................................. 13


António Santos

ARTIGOS

“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia


......................................................................................................................... ….17
Martin Gegner

Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana: observações sobre o


Acórdão “Khlaifia e outros contra Itália” do Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem ........................................................................................................... 38
Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens


NEET ..................................................................................................................... 60
Carlos Rodrigues

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 6


A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade
europeia ............................................................................................................... 91
José Ricardo Sousa

Nacionalismo democrático para a União Europeia: Uma necessidade


pragmática para o desenvolvimento e sobrevivência Comum ...................110
Micael Sousa

COMUNICAÇÕES

A proteção do investimento estrangeiro – Uma nova política europeia?


........................................................................................................................ …124
Maria João Palma

A União Bancária resolve? ...............................................................................135


Nuno Cunha Rodrigues

NORMAS DE PUBLICAÇÃO ..............................................................................148


POLÍTICA EDITORIAL ........................................................................................158

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 7


“Não há futuro
para o povo da
Europa a não
ser em união.”
Jean Monnet (1888-1979)
Político francês e pai fundador da União Europeia
ESTATUTO EDITORIAL

A revista Análise Europeia foi fundada em 2016 pela Associação Portuguesa de Estudos
Europeus, que detém a sua propriedade e demais direitos de edição e publicação. A
sua fundação nasceu da vontade de criar uma revista científica portuguesa dedicada,
exclusivamente, aos Estudos Europeus, considerando as suas variadas vertentes
enquanto área científica. Assim, a Análise Europeia oferece um espaço, no meio
académico, a todos os alunos, investigadores e professores que desejem publicar os
seus trabalhos de investigação na área dos Estudos Europeus, contribuindo para a
promoção, dignificação e avanço científico da mesma.

A Análise Europeia pretende contribuir para o desenvolvimento da investigação


científica, a promoção de uma reflexão e discussão aprofundada sobre as metodologias
dessa mesma investigação, e a divulgação de informação e conhecimento no âmbito
dos Estudos Europeus. A Análise Europeia visa proporcionar um fórum para o diálogo
multidisciplinar e interdisciplinar de ideias e um quadro de análises teóricas e
empíricas, cobrindo os seguintes tópicos de investigação: História da Integração
Europeia, Filosofia Política e a Ideia de Europa, Economia e Políticas Públicas da União
Europeia, Desenvolvimento e Coesão Social na Europa, Direito da União Europeia,
Demografia e Movimentos Migratórios na Europa, Multilinguismo e Política Linguística
na Europa, a União Europeia no Contexto Internacional, Arte e Cultura Europeia e
Portugal na União Europeia.

A Análise Europeia pretende ser um fórum permanente de discussão, debate e reflexão


sobre a realidade europeia, dando lugar à crítica científica e fundamentada, acolhendo
os trabalhos de alunos, investigadores e professores que se comprometam com o
progresso científico dos Estudos Europeus. A Análise Europeia pauta-se pelos normais

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 9


Estatuto Editorial

padrões internacionais de edição, submetendo as propostas de publicação à


arbitragem científica de avaliadores conceituados.

A Análise Europeia é uma publicação semestral, independente e livre, que se identifica


com os mais elevados valores europeus, o respeito pela verdade científica, pela
liberdade de imprensa e pelos princípios deontológicos e a ética profissional, assim
como pela boa fé dos leitores. A Análise Europeia é publicada em suporte digital e de
forma gratuita, contribuindo, desta forma, para uma mais eficaz difusão e promoção
dos Estudos Europeus como área científica, em linha com a sua defesa pelo acesso livre
e universal do conhecimento. Defende, ainda, o pluralismo de opinião, sem prejuízo
desta representar as posições da sua editora, a Associação Portuguesa de Estudos
Europeus.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 10


Editorial

EDITORIAL

O COMEÇO

É com muito orgulho que vos apresento o primeiro número desta revista.

Os Estudos Europeus, enquanto área científica, são de vital importância para


compreendermos os processos históricos, políticos, sociais, económicos e culturais do
Velho Continente, principalmente após o início da construção europeia e de todo o
processo integracionista que decorreu até aos dias de hoje. Portugal não se encontra
excluído desses processos, não só por ser uma das nações mais antigas da Europa,
como por integrar o projeto europeu há 30 anos, desde a sua adesão à então
Comunidade Económica Europeia, a 1 de janeiro de 1986. O projeto europeu
representou um universo completamente novo para Portugal, incluindo para a
academia, que começou a interessar-se pelas temáticas europeias, surgindo novas

oportunidades de estudo e de investigação científica.

Porém, em Portugal, a área científica dos Estudos Europeus continua a ser pouco
acreditada. Este facto pode ser avaliado pela quase inexistência de publicações
periódicas dedicadas à investigação científica na área, que ofereçam espaço a alunos,
investigadores e professores para publicarem a sua produção científica. A Análise
Europeia surge, assim, com o objetivo de promover e dignificar esta área, contribuindo
para o desenvolvimento da investigação científica, a promoção de uma reflexão e
discussão aprofundada sobre as metodologias dessa mesma investigação, e a
divulgação de informação e conhecimento no âmbito dos Estudos Europeus. Enquanto
espaço livre, isento e imparcial, a Análise Europeia permite o diálogo multidisciplinar e
interdisciplinar de ideias e um quadro de análises teóricas e empíricas de entre as várias
temáticas que os Estudos Europeus abarcam.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 11


O primeiro número da nossa revista reúne os melhores artigos recebidos no decorrer
do primeiro call for papers. Os artigos publicados nesta edição concentram-se em torno
da filosofia política e da ideia de Europa, da economia e das políticas públicas da União
Europeia e do direito europeu, oferecendo diferentes visões sobre a integração

europeia e um momento de reflexão e aquisição de conhecimento aos nossos leitores.

Com a publicação deste primeiro número almejamos escrever uma nova página na
história da academia em Portugal, desejando que esta revista seja um contributo, ainda

que modesto, para o progresso científico dos Estudos Europeus.

Pedro Camacho
Diretor

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 12


Mensagem do Presidente da APEE

MENSAGEM DO PRESIDENTE DA APEE

A PRIMEIRA ANÁLISE
Perante um contexto difícil, de falta de convicção generalizada no projeto europeu e na

existência de uma união real e solidária, nós decidimos agir!

Fazemos parte da geração da geração Erasmus, da geração mais qualificada de sempre


em Portugal e na Europa, fruto do projeto erguido por Jean Monnet, Robert Schuman,
entre outros. Sabemos que sem uma Europa com programas de financiamento e, acima
de tudo, sem uma Europa respeitadora dos Direitos Humanos, da Democracia e da Paz
não poderíamos ter o que temos hoje.

Sabemos também que nem tudo significa sucesso e que o sonho dos pais fundadores
está ainda longe de se tornar real na sua totalidade, especialmente quando vemos a
zona económica e monetária com o maior superavit do planeta, sem capacidade de
resposta aos desequilíbrios sociais, como o envelhecimento da população e o
desemprego jovem dentro das suas fronteiras, sem capacidade de resposta concreta
para milhões de migrantes que fogem da fome, da guerra e da ditadura, vendo na
União Europeia o sonho de uma vida digna. A União Europeia está ainda a atravessar
uma crise económica e financeira, um dominó de dívidas soberanas, onde parte dos
Estados-membros se encontra com níveis elevados de desemprego e regista um
aumento da pobreza e da exclusão social, gerando o chamado “Quarto Mundo” nos
seus centros urbanos. A somar a isso, temos as intervenções e os resgates, os níveis
recorde de emigração jovem, a fraca capacidade produtiva, os sistemas de Segurança
Social em risco de colapso, o êxodo rural e a perda de confiança das populações no

regresso ao crescimento económico.

Existe, assim, uma conjugação tóxica de fatores que contribuem para a descrença na
União Europeia. Mais recentemente, entre as offshore e o terrorismo, desde os

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 13


Mensagem do Presidente da APEE

escândalos de corrupção à fuga de informação, têm catapultado o sentimento de


insegurança, uma vez que a União Europeia ainda não consegue gerar consenso em
matéria de segurança e defesa, nem uma política fiscal e reguladora capaz de impedir o
enriquecimento ilícito. A descrença leva parte de alguns, outrora federalistas, a afirmar
que a Europa “é um gigante económico, mas um anão político”. A divergência cultural,
a ausência de informação e a visão de Bruxelas e Estrasburgo como locais longínquos e
inacessíveis para o cidadão comum. A demagogia politica, que usa as fragilidades e o
desespero humano como forma de ganhar território e formar governos extremistas
com ideais de ódio e preconceito, que acreditávamos que estivessem extintos na
Europa, especialmente no espaço Schengen, uma conquista da liberdade e de
progresso que está ameaçada. E, certamente, que não apenas pelo terrorismo ou pelos
fluxos migratórios, mas pelo populismo cego e ignorante que nada aprendeu com a
história do Velho Continente.

É por termos consciência deste balanço entre vantagens e desvantagens, que


pretendemos levar a temática europeia a ser discutida de forma livre e plural, debatida
em todos os setores da sociedade civil. A transmissão do conhecimento através da
informação com qualidade e a dignificação dos Estudos Europeus enquanto área
cientifica constituem a missão da “Análise Europeia”, revista da Associação Portuguesa
de Estudos Europeus, formada por ex-alunos da licenciatura em Estudos Europeus que
decidiram agir.

Muitas vezes, somos abordados sobre a nossa área de formação e confrontados com a

seguinte pergunta: “Para que serve, qual a utilidade?”.

Decidimos que através da cidadania ativa, do associativismo, da intervenção social e


pedagógica, da educação formal, informal e não formal podemos dignificar um nome
que em alguns países é prestigiado. Percebemos que a ausência de conhecimento e
alienação geral sobre a temática europeia e o funcionamento da UE e as suas
instituições constituem parte do problema que leva ao pessimismo, ao ceticismo e à
expansão de nacionalismos oportunistas e retrógrados, uma vez que a informação
necessária ainda tem algumas dificuldades em passar as fronteiras de um universo mais

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 14


Mensagem do Presidente da APEE

académico e\ou técnico. Assim, sentimos que o nosso papel na construção europeia é
levar o debate em torno da temática europeia a todas as regiões nacionais e faixas

etárias, pela inclusão num processo de cidadania europeia.

Sabemos que o Futuro é incerto, que a curto prazo as mudanças requerem uma
abertura de horizontes que nem sempre existe, que muito ainda tem que ser
melhorado no processo de integração europeia e que o cenário global é preocupante,
mas estamos absolutamente certos de que como geração Schengen e Erasmus
queremos viver num mundo e numa Europa pacífica, de fácil mobilidade, cosmopolita e
multicultural. Uma Europa livre de muros, de blocos bipolares, de restrições à liberdade,

de precariedade, de discriminação social e preconceito.

Acredito que com isto respondi à pergunta, que a importância das ciências socias e
humanas como os Estudos Europeus se justifique e que seja até uma emergência para
a construção de uma nova ética baseada na solidariedade e na procura de um
desenvolvimento sustentável, o que se tornará mais explícito com o exercício

intelectual de leitura da “Análise Europeia”.

António Santos
Presidente da Associação Portuguesa de Estudos Europeus

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 15


ARTIGOS
“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia
Martin Gegner

Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana: observações sobre o Acórdão


“Khlaifia e outros contra Itália” do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET


Carlos Rodrigues

A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia


José Ricardo Sousa

Nacionalismo democrático para a União Europeia:


Uma necessidade pragmática para o desenvolvimento e sobrevivência Comum
Micael Sousa
Martin Gegner

“DASEINSVORSORGE” E “SERVICE PUBLIC” NO CONTEXTO DA


INTEGRAÇÃO EUROPEIA

MARTIN GEGNER1

RESUMO

A integração do conceito alemão “Daseinsvorsorge” e do conceito francês “service public” no contexto


europeu revela os grandes problemas estruturais no processo da integração europeia. A União Europeia

(UE) é igualmente um exemplo de que fronteiras nacionais podem ser superadas, assim como se trata de
um processo longo e demorado, com retrocessos, mal-entendidos e erros devidos à falta de conhecimento

sobre as diferentes culturas administrativas. Estes são baseados em conceitos diferentes da filosofia

política, e por isso, sobrevivem décadas de integração.

Palavras-chave: serviço público, cultura administrativa, filosofia política, sociologia jurídica

ABSTRACT

“Daseinsvorsorge” and “Service public” in the context of European integration. The integration of the German

concept “Daseinsvorsorge” and the French “service public” into a European legislation exemplifies
structural problems within the process of the European integration. The European Union on the one hand

is an extraordinary example that national borders can be overcome, but on the other hand demonstrates

that this is a long lasting process, full of regress and misunderstandings due to missing knowledge of the
different administration cultures to be integrated. These are deeply based on different concepts of the

political philosophy and therefore tend to outlast decades of integration.

Keywords: public service, administration culture, political philosophy, juridical sociology

Histórico do artigo: recebido em 12-02-2016; aprovado em 20-04-2016; publicado em 03-05-2016.


1
Dr. phil, politólogo e sociólogo, investigador visitante no Berlin Social Science Research Center (WZB).
Berlim, Alemanha. E-mail: gegner@wzb.eu.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 17


“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

INTRODUÇÃO

No auge de uma profunda crise social, financeira e económica na União


Europeia (UE) e com a possibilidade da quebra do Euro ou da saída de países da zona
Euro, o tema deste artigo, à primeira vista, parece marginal. Mas a integração do
conceito alemão “Daseinsvorsorge” e do conceito francês “service public” no contexto
europeu revela os grandes problemas estruturais no processo da integração europeia.
Estes problemas estão baseados nas tradições administrativas das diferentes nações,
em especial da França e da Alemanha. Como já foi afirmado várias vezes (p.e. Hacker e
Kellermann, 2008), os atuais problemas económicos na Europa são causados pela falta
de união social. O argumento é: se não há regras sociais equilibradas para os subsídios,
assistência social, reforma, etc., um ajuste nas regras económicas será difícil. A
dificuldade de concertação das regras sociais está assim diretamente relacionada com
os problemas que enfrenta uma só moeda para dezanove nações. Este artigo pretende
mostrar as dificuldades enfrentadas na tentativa de integração europeia num setor
crucial da política social: os serviços públicos. Neste sentido, poderá servir como
exemplo para os problemas de longo prazo na integração europeia.
Numa notificação oficial, a Comissão Europeia (2000b) traduziu para o alemão o
termo jurídico francês service public como Daseinsvorsorge. Service public em português
quer dizer “serviço público”; Daseinsvorsorge, no entanto, significa “previdência de
existência”. Assim, a tradução gerou uma mudança semântica significativa da
referência. A tradução direta “öffentlicher Dienst” – ou seja: “serviço público” – teria sido
mais adequada em termos linguísticos. Mas, como no espaço jurídico alemão o termo
serviço público tem significado diferente do service public francês, a UE optou pelo
termo Daseinsvorsorge. Entretanto, este termo também inclui um conteúdo jurídico
fundamentalmente diverso do service public.
Este exemplo possibilita a exposição de vários aspetos da sociologia jurídica
europeia. Por um lado, verifica-se a importância da precisão na tradução e da
interpretação hermenêutica dos termos jurídicos no contexto internacional. Uma
tradução e interpretação coerentes são baseadas no conhecimento das diferentes

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 18


Martin Gegner

culturas nacionais, sociais, políticas e económicas e na integração do contexto


supranacional.
Apesar da discrepância da abordagem de conteúdo, service public e
Daseinsvorsorge sempre estiveram em contexto jurídico-histórico. Antes de podermos
partir para as dificuldades (conceituais) da integração dos dois conceitos na ordem
jurídica europeia, é preciso esclarecer as linhas básicas dos dois conceitos; temos que
deixar claras as divergências, assim como as coerências.
O objetivo deste artigo é, portanto, explicar o sentido de Daseinsvorsorge, uma
vez que o público da língua portuguesa é menos familiarizado com este conceito do
que com o de service public, sendo a lei administrativa portuguesa e brasileira não
pouco influenciada pela francesa (Marrara, 2012). Além disso, o outro ponto
interessante da Daseinsvorsorge é: como um termo jurídico formado a partir dos
termos da teoria política e da filosofia existencial nunca alcançou caráter de lei.

1. SERVICE PUBLIC, UM BREVE RESUMO

Service public denomina um princípio fundamental o qual inclui a teoria do


Estado, ideologias sociais e também os fundamentos do sistema jurídico. O termo foi
desenvolvido por Léon Duguit (1901, 1911, 1913, 1920), no início do século XX, para
denominar as atividades do Estado que estão ao serviço de todos. Duguit, inclusive,
atribui um fundamento constitucional à sua justificativa do service public, ao afirmar
que ações do Estado só são legítimas quando perseguem a meta do service public.
Dessa forma, o Estado legitima-se perante os seus cidadãos, não primordialmente
como detentor da autoridade pública (conforme ocorre, por exemplo, na Alemanha),
mas como detentor dos serviços públicos.
Implicitamente, o pensamento de Duguit resume-se à igualdade entre as ações
do Estado e do interesse público. O service public ganha significado histórico na
Terceira República francesa (1871-1940) com a aplicação da democracia constitucional
e a ampliação das obrigações do Estado. O service public, como princípio do direito do
Estado, deve ser diferenciado de les services publics, sendo estes os serviços públicos
concretos oferecidos pelas autoridades, como, por exemplo, questões relacionadas a

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 19


“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

documentos, tais como passaportes, e auxílios, a saber, subsídios de desemprego, (les


services publics administratifs), mas também os bens e serviços que fazem parte da
Daseinsvorsorge na Alemanha, como correios, telecomunicações, eletricidade e
transportes, muitas vezes fornecidos por grandes monopólios estatais (les services
publics industriels et comercieaux). Na década de 1920, estes foram legitimados, e até
hoje as empresas estatais formam a espinha dorsal do país, em especial da indústria
pesada francesa.
Precisamos continuar a diferenciar o entendimento funcional dos services
publics, cujo desempenho é responsabilidade do Estado, e o entendimento da forma
organizacional. O espaço jurídico francês (Conseil d‟État, 1938) apresenta seis
condições fundamentais da função dos services publics:
I. O princípio de continuité, no sentido de obrigação geral de
fornecimento, ininterrupto e de ampla cobertura;
II. O princípio de mutabilité (adaptibilité) compromete o prEstador a
continuar a desenvolver o service técnica e organizacionalmente, de
modo a melhor servir o público;
III. O princípio de neutralité estabelece a neutralidade: nenhum interesse
(particular) pode ser privilegiado;
IV. O princípio de egalité é similar ao da neutralidade: todos os envolvidos
devem ser tratados por igual;
V. O princípio de la valeur ajoutée nulle obriga o prEstador a oferecer
substituição equivalente ao serviço por ele fornecido em caso de
problemas ou falhas no serviço;
VI. O princípio de l’obligation de fonctionnement correct compromete o
fornecedor a oferecer um serviço tecnicamente correto.

O Estado, que define o service public (acte d’organisation du service), pode


encarregar empresas estatais, mistas ou privadas, a partir de concessões (acte
d’exploitation de service public, contrat de concession de service public). Assim, detentor
do poder de decisão e fornecedor ficam separados organizacionalmente.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 20


Martin Gegner

2. O CONCEITO TEÓRICO DA DASEINSVORSORGE

De complexidade similar ao sistema le service public/les services publics, o termo


Daseinsvorsorge marca uma posição-chave no discurso político e científico-
administrativo sobre o Estado social (ou seja, do Estado do bem-estar) na República
Federal da Alemanha. Aqui ficará claro que o termo tem base numa derivação
sociológica sólida e um foco conceitual conciso. Nos escritos “Die Verwaltung als
Leistungsträger” (“A administração pública como fornecedora de benefícios”), Ernst
Forsthoff (1938) desenvolveu o termo Daseinsvorsorge, levantando com atraso (quase
quarenta anos depois do service public de Léon Duguit) a discussão sobre as tarefas do
Estado que, embora na Alemanha tenham sido suscitadas desde o início do século XIX,
só se manifestaram de forma científica e jurídica apenas nos primeiros anos da
democracia alemã, na década de 20 do século XX.
Primeiramente, nesse período pós-guerra, o capitalismo democrático passou
por inúmeras crises sistémicas mundiais num curto espaço de tempo, conjurando o
risco de uma queda política, além de colocar em perigo o sustento básico de milhares
de pessoas na Europa e nos Estados Unidos: desemprego, fome e desabrigo eram
fenómenos de massa. Na Europa, a Alemanha foi o país mais afetado, contabilizando,
em 1929, mais de 6 milhões de desempregados dentro de uma população produtiva de
55 milhões.
Em tempos de falhas de mercado óbvias, é possível identificar tendências de
uma “modernidade organizada” nos mais diversos espaços culturais (Wagner, 1995, p.
45), seja no New Deal norte-americano, no folkshem sueco, no fascismo italiano, no
socialismo da União Soviética ou na social-democracia alemã. Denominador comum
destas linhas políticas tão diferentes era a incapacidade do indivíduo se prover a si
próprio. A sociedade solidária de um povo de Estado teria que amparar indivíduos em
situação de necessidade. A tarefa do Estado seria, entre outras, a de organizar uma
previdência social para os seus cidadãos. Para tanto, e para a estabilização da economia
abalada pela crise, a intervenção direta do Estado em determinados setores da
economia é tida como meio válido.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 21


“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

Diversos artigos sociofilosóficos e de teoria económica desta época abordam a


preocupação com o bem-estar do indivíduo e a necessidade do Estado em operar
economicamente. Entre outros, os conceitos dos teóricos fazem referência às
abordagens do socialismo municipal, ou seja, do socialismo de cátedra (Brandt, 1929;
Gerber, 1928; 1928; Saitzew, 1930), discutidas na virada do século. O service public
também fica evidente como modelo – entretanto, os franceses já estavam mais
avançados nesse ponto. Desde 1938, o comprometimento do Estado aos services
publics tinha status de lei (Conseil d‟État, 1938), enquanto isso não ocorreu com
conceitos semelhantes na Alemanha; nem naquela, nem em décadas posteriores.
A maior contribuição intelectual e terminológica para o conceito de
Daseinsvorsorge de Forsthoff parte do filósofo existencialista alemão Karl Jaspers
(1931). Este fala de Estado e sociedade como aparato técnico para garantir a
“Daseinsfürsorge” em “Die geistige Situation der Zeit” [A situação mental do tempo]:

As massas da população não podem viver sem a enorme engrenagem na qual


trabalham como roldanas para possibilitar a sua existência (Jaspers, 1931, p. 21).

Já que Daseinsfürsorge é retratada aqui como prática social e não como sistema
paternalista prescrito de cima para baixo, Jaspers declara-a como sendo uma conquista
democrática:

A estrutura política do aparato de poder torna-se necessariamente democrática de

alguma forma. Sem a tolerância das massas, ninguém mais se atreve a dar ordens

quanto a tarefas que ela deve cumprir seguindo um plano de força. O aparato
desenvolve-se muito mais na tensão do combate e, ainda assim, atua na mesma
direção de vontade (Jaspers, 1931, p. 33).

Além da clara referência a Jaspers, incontestavelmente a encontramos, ainda, em


Forsthoff traços de Friedrich Dessauer (1928) e Max Weber (1922). A referência a estes
exemplos é reconhecível até mesmo na dicção, quando Forsthoff discute, por exemplo,
a dissolução da dependência pessoal em favor de uma “ligação de trabalho de todos

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Martin Gegner

contra todos” (Dessauer, 1928: 11), transmitida objetivamente e através da tecnologia.


Entretanto, Dessauer, assim como Jaspers, não é citado ou mencionado em nenhum
momento. Isto deve-se provavelmente às circunstâncias, uma vez que Dessauer e
Jaspers já eram autores proibidos na Alemanha em 1938. Certamente, a forma de
citação de Forsthoff não condiz com o que chamamos hoje de princípios de boa
conduta científica.
No começo da era nacional-socialista, Forsthoff tentou aproximar-se dos novos
detentores do poder com um discurso racista e antissemita, publicado sob o título de
Der totale Staat [O Estado total] (v. Forsthoff, 1933), no qual, sob a influência de Carl
Schmitt, defende o Estado como instituição máxima que ele tenta proteger da enorme
cobrança política. Entretanto, isto não era compatível com o dogma nazi, para o qual
Estado e partido nazi eram um só. Assim, até 1945 as reflexões de Forsthoff
deparavam-se com críticas explícitas (Köttgen, 1944) ou com desinteresse. A concepção
de Daseinsvorsorge em “Die Verwaltung als Leistungsträger” [O governo como
fornecedor de benefícios] agora pode ser compreendida como distanciamento de
Forsthoff da ideologia nazi.
Para Forsthoff, o cerne está na responsabilidade do Estado pela economia e
minimização dos riscos individuais da vida moderna. As “chances de apropriação” – é
assim que ele denomina, fazendo referência a Max Weber, as possibilidades de
participação da sociedade ou a apropriação de bens vitais – estão distribuídas tão
injustamente por ocorrência do liberalismo, que instâncias compartilhadas são
necessárias para garanti-las.

O indivíduo vê as suas possibilidades de existência apenas asseguradas na


solidariedade do grupo social (Forsthoff, 1938, p. 6).

O Estado seria o detentor da responsabilidade política, cuja motivação para


assegurar a Daseinsvorsorge (previdência de existência) estaria na conquista de
estabilidade. Uma população protegida contra riscos básicos é menos inclinada a
agitações políticas (violentas). O órgão executivo da manutenção de existência

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 23


“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

(Daseinssicherung) política seria o governo. Este agiria dentro de processos neutros,


burocráticos e de justificação objetiva.
A necessidade social de prevenção dos infortúnios da vida na sociedade
industrial capitalista seria independente da situação económica do indivíduo. Até
mesmo o cidadão com melhores condições económicas deveria ter acesso aos bens de
vida essenciais ou transcendentes, através da “apropriação burocrática”.
Por esse motivo a Daseinsvorsorge seria um método adequado aos
tempos modernos, a qual teria de ser claramente separada da “assistência em casos de
pobreza, doença e outras necessidades” (ibid., p. 5). Que a separação entre
Daseinsvorsorge (previdência de existência) e Daseinsfürsorge (assistência à existência),
como comprovam outras citações a seguir, não é mantida, consequentemente, no
decorrer da defesa de Forsthoff pode ser a causa da inconsistência da qual foi acusado,
e pela qual foi criticado mais tarde ou por diversas partes.
No esboço da Daseinsvorsorge, os termos segurança e proteção estão em
evidência. Forsthoff estende o entendimento liberalista dos termos (proteção aos bens
particulares através do monopólio de violência do Estado) para a responsabilidade do
Estado em garantir a segurança económica aos indivíduos. Se os riscos estão
distribuídos tão injustamente, a ponto de a possibilidade “da livre escolha e decisão
não mais exist[irem] [...], surge a necessidade da Daseinsvorsorge” (ibid., p. 40).
No discurso filosófico existencialista de Forsthoff, são abordadas condições
gerais da modernidade e mescladas a um conceito. O Dasein [Existência] é tido como
nascer em massa do indivíduo na sociedade (Heidegger, 1927), ou seja, a condição na
qual o indivíduo é entregue aos acontecimentos do mundo e, em grande parte, privado
da sua autonomia. Nota-se que a filosofia existencialista diferencia o Dasein da
Existenz, que trata o homem como autónomo, alguém que não somente está no
mundo, mas existe conscientemente nele (bei-sich-sein). Não é só a língua portuguesa
que não oferece uma distinção entre essas duas noções. Assim, o Dasein já é um
assunto complexo.
O outro meio-termo Vorsorge (previdência) faz menção ao medo (da palavra
Sorge = preocupação, medo) de possíveis dificuldades que possam gerar a necessidade

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Martin Gegner

de tomar medidas de defesa contra ameaças. Da junção destas duas palavras, Dasein e
Vorsorge, surge uma posição política complexa: as massas humanas tomam medidas de
prevenção para a sua existência (básica).
Forsthoff ligou estas percepções de filosofia existencialista com conhecimentos
sociológicos e delas derivou que o indivíduo não mais poderia tomar precauções por si
mesmo, mas apenas na sociedade solidária do sistema burocrático moderno. Esta
conexão do seu pensamento é formulada de forma tão precisa, que, até hoje na
Alemanha, o termo Daseinsvorsorge ainda é compreendido como sendo um princípio
fundamental de atividade social do Estado.
Correspondente à tradição jurídica e social alemã, Forsthoff vê “a concepção
socialmente justa de direito aos benefícios (Leistungsbeziehung)” localizada em “nível
abaixo do Estado” (ibid., p. 49). Ele localiza o governo como fornecedor de benefícios
(Leistungsträger) nos municípios. Com isso, ele legitima, em retrospectiva, as conquistas
sociais e de política comunal da República de Weimar, já que as reformas políticas
daquele tempo levaram os municípios a assumirem a função de Leistungsträger em
quase todas as áreas, o que mais tarde viria a ser conhecido como Daseinsvorsorge
(vide Ambrosius, 1984). Como objeto material da Daseinsvorsorge, Forsthoff quase
literalmente cita uma passagem tomada de Dessauer (1928, p. 113f), referindo-se ao

abastecimento com água, gás, eletricidade e fornecimento de meios de transporte


de qualquer tipo, correio, telefone e telégrafo, assegurar higiene, a previdência na

velhice, invalidez, doença e muitas outras coisas mais (Forsthoff, 1938, p. 7).

Como projeto concreto da Daseinsvorsorge no foro legislativo, Forsthoff cita a


“lei de economia energética” e a “lei de transporte de pessoas para a terra” de 1934
(PbefG). Nestas leis a responsabilidade pelo fornecimento de energia e transporte é
atribuída ao Estado. Assim o Estado garantiria a integração máxima possível de
interesses e desenvolvimento relutantes e asseguraria, de modo primordial,
prosperidade para todos. Em posições de monopólio de empresas privadas que não
ofereçam alternativas de escolha para os consumidores, a “autonomia de
empreendimento privada”, a qual a princípio não deveria ser questionada, teria de dar

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 25


“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

lugar aos “serviços públicos” (ibid., p. 31). Entretanto, faz referência até mesmo ao facto
de empresas privadas poderem assumir serviços públicos. Para isso, vigoraria o
contrato de concessões.
Numa nota de rodapé, notavelmente longa e afirmativa, Forsthoff preocupa-se
com a representação do sistema de Daseinsvorsorge ideal do seu ponto de vista, similar
ao oferecido pelo contrat de concession de service public francês de Leon Duguit (o qual
o autor também não cita). Ali, ele ressalta a separação entre o planeamento do Estado
e a realização económica (privada).

Uma vez que a formação do serviço público é colocada em paralelo à lei, o direito

francês ganha uma enorme elasticidade: a organização do serviço público, ou seja,


a tarifa, o direito à utilização, pode ser alterada a todo instante com o aval da

concessionária. Além disso, o governo mantém as rédeas na mão, já que tudo


depende de suas decisões (Forsthoff, 1933, p. 30).

É possível rastrear uma aproximação da Daseinsvorsorge com o service public


francês até em Forsthoff, mesmo que a estrutura concreta em França apresente
grandes divergências em alguns pontos, quando comparada à concepção alemã
(Ambrosius, 2000; Hellermann, 2001). Assim, através das políticas salariais e de
investimento, ordens de serviço e política de preços, os serviços públicos e as empresas
são inseridos como instrumentos de uma política económica geral, setorial e regional
na França, muito mais do que na Alemanha. Com a Daseinsvorsorge, Forsthoff formula
um código de tarefas ético-jurídico para o governo local. Antes disso, não havia lei
referente à Daseinsvorsorge no direito alemão.
Ao invés disso, a Daseinsvorsorge desempenha o papel justificativo e contextual
concreto para a lei de Estado social (Art. 20, na constituição [Grundgesetz] da República
Federal da Alemanha) e a orientação dos interesses privados para o bem-estar comum
(Art. 14). O facto de a Daseinsvorsorge continuar a valer como princípio para o Estado
social, sugere que os problemas fundamentais do sistema económico capitalista
persistem. Não é de admirar que, dentro do contexto da “sociedade mundial de risco”

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constatada pelo sociólogo alemão Ulrich Beck (1998), um conceito sociopolítico que
tente minimizar inseguranças e riscos individuais seja um assunto atual.

3. O SENTIDO PRÁTICO DA DASEINSVORSORGE NA REPÚBLICA FEDERAL DA


ALEMANHA

Após a Segunda Guerra Mundial, o termo Daseinsvorsorge rapidamente ficou


popular na ciência administrativa alemã. Forsthoff é desnazificado e considerado “um
dos juristas alemães menos terrível”. Apesar dos passos iniciais de aproximação ao
nazismo, a desaceleração da sua carreira no Estado nazi em 1938 é interpretada,
benevolentemente, como distanciamento político em relação ao regime. Assim, Ernst
Forsthoff publica um livro didático sobre direito administrativo em 1950, o qual logo se
torna uma obra padrão e é amplamente reeditado até os anos 70. Sem dar
continuidade sistemática ao desenvolvimento do seu conceito, Forsthoff deriva as
tarefas da administração pública do preceito da Daseinsvorsorge.
Juristas alemães significativos como Roman Herzog (1963), Karl Bayer (1965),
Rupert Scholz (1967), Ernst Rudolf Huber (1975) e Dieter Grimm (1993) fazem
referências explícitas à Daseinsvorsorge nos seus escritos para discutir a frágil relação
entre as tarefas do Estado e os direitos individuais. Um grande consenso é o de que o
conceito não classifica uma área de atuação restrita, nem fixa uma implementação
concreta. O termo é muito mais uma categoria sociológica do que normativa.
Consequentemente, Bayer constata, resumindo: “Natureza e extensão dos feitos
(Leistung) do Estado no âmbito de Daseinsvorsorge não podem ser determinadas para
sempre e de forma geral” (Bayer 1965, p. 23).
O caráter político da Daseinsvorsorge é enfatizado e, como princípio ético-
jurídico, encontra entrada em leis individuais. Dessa forma, o direito constitucional da
República Federal da Alemanha é consistente com os fundamentos do conceito do ano
de 1938. As reivindicações de Forsthoff por uma lei de Daseinsvorsorge [lei pela
previdência da existência] e por maior interferência do Estado nas atividades
económicas são sempre rejeitadas, quase unanimemente, porque consideradas
autoritárias.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 27


“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

A aplicação concreta do preceito de Daseinsvorsorge sempre esteve à


disposição. Isto indica o dilema: Daseinsvorsorge é um termo de interpretação variável,
mas que também requer interpretação e precisa ser formulado concretamente. A forma
como ele é retratado na história da República Federal da Alemanha dependerá,
portanto, de uma avaliação política. Entretanto, existem debates na República Federal
“velha”, de 1949-90, sobre como cumprir o preceito da Daseinsvorsorge. Que os setores
económicos citados por Forsthoff, como energia, água e transporte, são um campo de
atuação do Estado que estará fora de discussão até os anos 90. Porém, na socialista
República Democrata Alemã (RDA), a Daseinsvorsorge era interpretada como termo
simulado de política social do nazismo e foi motivo de polémicos ataques contra a RFA
e os seus juristas (ver Anders, 1963).

4. DASEINSVORSORGE E SERVICE PUBLIC NO CONTEXTO EUROPEU

No contrato de fundação da Comunidade Europeia (1957, os chamados Contratos


romanos) com referência ao termo francês services publics, fala-se de “Serviços de
interesse económico geral” (Art. 86, § 2). Estes são definidos como “serviços de mercado,
prEstados de acordo com o interesse público e, portanto, relacionados aos Estados-
membros como obrigações específicas para o bem-estar geral.”
Entre eles compreendem-se as áreas relacionadas à Daseinsvorsorge alemã, a
exemplo dos setores de energia, correios e transporte. Há muito tempo a UE vê estes
setores como assunto de Estado-nação. À medida que houve esforços de liberalização
por parte da Comissão Europeia, primeiramente em 1996, foram feitas propostas e, em
2000, foram melhoradas para a “reorganização dos services publics ou da
Daseinsvorsorge” (Comissão Europeia, 2000b, p.8). Nelas, a Comissão Europeia define o
seguinte:

As prestações de serviço de interesse económico geral distinguem-se das


prestações de serviço „normais‟ por serem baseadas em decisões políticas,
tendo que oferecer o benefício (serviço) mesmo que este não seja
garantido pelo mercado ou não seja de qualidade satisfatória.

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Elas também diferem das “prestações de serviço de interesse geral” (Comissão


Europeia 2000b, p. 9), as quais incluem:

[…] tarefas que por si só já estão reservadas para o Estado, como a manutenção da

segurança interna e externa, a administração jurídica e judiciária, o cultivo das

relações exteriores e outras tarefas de governo [...] (Comissão Europeia 2000b, p.


13).

Também contam prestações de serviço ligadas ao sistema educacional e à


adesão obrigatória em sistemas básicos de abastecimento da segurança pública. O
problemático nesta definição é, entretanto, que o termo francês service public envolve
tanto as prestações de serviço de interesse económico geral, como as prestações de
serviço de interesse geral.
Em contrapartida, a Daseinsvorsorge inclui exclusivamente as prestações de
serviço de interesse económico geral. Assim, a sugestão da Comissão Europeia continua
a ser incoerente também na sua segunda versão em relação à tradição jurídica francesa
e alemã. Outras sugestões (chamadas de livros brancos ou verdes dos anos de 2003 e
2005) não oferecem soluções para o problema. Os diferentes contextos jurídicos de
service public e Daseinsvorsorge não conseguem ser harmonizados terminológica e
concetualmente.
Nas diferentes áreas de referência indicadas por service public e
Daseinsvorsorge, as quais não seguem a conformidade da definição da UE dos serviços
(económicos) de interesse geral, soma-se o facto de a Daseinsvorsorge alemã
representar um conceito descentralizador que prevê as autoridades locais
(comunidades) como prEstadoras (ou fornecedoras) de serviço, enquanto o service
public foi, e continua a ser, tanto uma instituição legal, como organizacional de nível
estatal em França. Ademais, o termo services publics industriels et commerciaux também
articula uma atividade económica do Estado, a qual se manifesta sob a forma de
diferentes construções jurídicas, como a participação ou posse exclusiva de grandes
empresas pelo Estado.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 29


“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

A centralização é um significado mais materialista do service public.


Consequentemente, os setores eeconómicos, que na Alemanha eram tidos como áreas
de responsabilidade da Daseinsvorsorge, foram organizados em grandes empresas
estatais como a Gaz de France, a Electricité de France ou a Eau de France. Depois da
liberalização, estas empresas foram transformadas em grandes Global Players
multinacionais, como a Vivendi e a Aventis. As empresas de abastecimento locais na
Alemanha, em comparação, estavam fixadas na sua área de serviço definida pela
Daseinsvorsorge. Um exemplo: enquanto a empresa de transporte urbano parisiense
RATP também oferece os seus serviços internacionalmente a outras cidades, os Berliner
Verkehrsbetriebe (BVG), empresa ligada à cidade de Berlim, estão adstritos ao distrito
através das convenções da Daseinsvorsorge.
Até mesmo a tentativa da Comissão Europeia em alcançar uma harmonização,
através do conceito jurídico dos serviços universais (Universaldienste, services
universelles), falha, devido à incerteza de que aqui se trata de uma necessidade básica
mínima (Cox, 2000) ou de um serviço qualitativo elevado com a finalidade de satisfazer
o cliente/cidadão (Ambrosius, 2005). Além disso, não fica claro em que nível será
tomada a decisão política sobre a prestação dos serviços de interesse económico
público: ao nível da UE, nacional, estatal ou municipal. Ademais, a jurisprudência da UE
não é consistente e continua repleta de isenções. Sendo assim, a UE garante às
metrópoles (por exemplo, nos sistemas de metro e ferroviário) e aos pequenos
municípios (nos chamados casos insignificantes) autonomia suficiente, enquanto
cidades médias e grandes são obrigadas a abrir concurso para as prestações de
serviços públicos (ver Comissão Europeia, 2000a, 2005). Diversos casos jurídicos
referentes a essa questão foram processados pelo Tribunal de Justiça da União
Europeia com soluções e interpretações diferentes. A Comissão Europeia chegou a
criticar várias vezes as decisões do Tribunal, que davam aos municípios a liberdade de
decidir a concessão dos seus serviços públicos. Por inúmeras vezes, o próprio Tribunal
de Justiça lembrou à Comissão e ao Parlamento Europeu a necessidade de uma obra
jurídica consolidada e consistente.

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Martin Gegner

Assim, nas diversas instituições europeias chega-se a diferentes interpretações


quanto às determinações referentes aos “serviços de interesse económico público” que
continuam em atividade. Ainda não existe uma regulamentação clara de como fazer
cumprir a prescrição da Daseinsvorsorge e a realização dos service public. Também não
é esperada uma interpretação definitiva da relação entre Daseinsvorsorge e service
public dentro do contexto europeu.

CONCLUSÃO

Como na história da relação entre Daseinsvorsorge e service public, neste debate


também hão de diferenciar-se duas vertentes de discussão. Por um lado, uma
discussão de orientação prática gira em torno da interpretação da percepção de
Daseinsvorsorge ou a ideia do service public e a sua compatibilidade com o direito de
competição da UE. Noutra vertente, são levantadas perguntas fundamentais da
organização social. O problema prático é se a ênfase da política municipal da República
Federal da Alemanha está conforme a regulamentação de subvenções da UE. No lado
francês, a questão é se a acumulação com serviços de empresas estatais segue as
regras europeias.
A somar a esses problemas concretos da administração política, a discussão em
torno de Daseinsvorsorge e service public está incorporada numa disputa generalizada
sobre a questão de quanto o Estado e de quanto o mercado e a sociedade europeia
necessitam. Sendo este o contexto que alimenta o fogo desta temática. Dessa forma, o
debate fundamental move-se no campo da filosofia política. Duas posições
radicalmente contraditórias podem ser identificadas: uns veem a Daseinsvorsorge e
service public como instituição de bloqueio do mercado, cara e estática (Miegel, 2003),
outros como garantia do Estado social que vale a pena ser defendido (Leibfried, 2001).
Até mesmo na discussão internacional, a Daseinsvorsorge e, respetivamente, o service
public são sinais de um modelo económico e de Estado social tipicamente europeus,
que ora são avaliados de forma positiva (Rifkin, 2004), ora são rejeitados pela postura
paternalista (Ewald, 1993).

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“Daseinsvorsorge” e “service public” no contexto da integração europeia

No debate atual, os termos Daseinsvorsorge e service public agem como divisor


de águas entre os favoráveis à chamada abertura de mercado e aqueles que, em prol
de uma regulamentação estatal mais rígida para os serviços públicos no contexto de
uma ampla política social, económica e ambiental, o não são. Uma política social
comum em toda a UE ainda não existe. A UE é uma mera união económica (com
poucas abordagens de uma política cultural comum). Assim, não é de surpreender que
na área divisória entre política social e económica, presente tanto em service public
como na Daseinsvorsorge, as diferenças jurídicas históricas impeçam uma
harmonização ao nível europeu.
Possivelmente, os atuais problemas económicos europeus devem-se à
incapacidade ou relutância dos políticos europeus, acima de tudo dos alemães e dos
franceses, de se dedicarem a uma política social comum. Até mesmo para esta tese, a
comparação entre service public e Daseinsvorsorge oferece argumentos.
Desde sempre, a configuração de service public, assim como de Daseinsvorsorge,
foi determinada pelos meios económicos, de um lado, e pela vontade política, do outro
(Ambrosius, 2011b). As condições sociais gerais mutáveis, como, por exemplo, os
desenvolvimentos demográficos, propõem novos desafios, tanto para o service public
como para a Daseinsvorsorge. Dado este problema, são necessários maiores esforços,
mas talvez também novos conceitos europeus para assegurar a união política,
territorial, social, económica e cultural dos Estados individuais e a sua integração na
União Europeia.

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WEBER, Max (1922), Wirtschaft und Gesellschaft. Grundriß der Sozialökonomik, 3.
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München: Kröner.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 37


Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

LAMPEDUSA E O PARADOXO DA DIGNIDADE HUMANA:


OBSERVAÇÕES SOBRE O ACÓRDÃO “KHLAIFIA E OUTROS CONTRA ITÁLIA”
DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM1

ALEXANDRE GUERREIRO2

ARTUR FLAMÍNIO DA SILVA3

RESUMO

Numa decisão recente, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pronunciou-se sobre a detenção de

três cidadãos tunisinos num centro de recepção situado em Lampedusa, após terem sido interceptados

pelas autoridades italianas quando atravessavam o Mar Mediterrâneo. Este acórdão coloca em relevo a
questão da discussão em torno de uma eventual violação do direito à liberdade consagrado no artigo 5.º

da CEDH e a violação do princípio da proibição de tratamentos desumanos, previsto no artigo 3.º do


mesmo instrumento. Com efeito, assinala-se a importância do acórdão em apreço dado que se assiste à

manifestação do direito cosmopolita desde que os beneficiários se encontrem em território onde vigoram

instrumentos e princípios de Direitos Internacional Humanitário enquanto factores que concorrem para
uma maximização da protecção dos direitos humanos. Todavia, assiste-se a um paradoxo que coloca

problemas de difícil resolução: por um lado, a responsabilização por falta de meios humanos, sanitários e

de acolhimento digno de pessoas por parte de Estados que se tornam alvos de danos colaterais
provocados por situações de crises humanitárias; por outro, o desafio com que se deparam de garantir que

um cenário de crise humanitária não atenta contra a dignidade da pessoa humana de pessoas que se
encontram em situação natural de fragilidade.

Palavras-chave: crise humanitária, responsabilidade do Estado, direito internacional humanitário, direito

cosmopolita.

Histórico do artigo: recebido em 15-02-2016; aprovado em 27-04-2016; publicado em 03-05-2016.


Os autores reservam-se o direito de aplicar a grafia anterior ao Acordo Ortográfico e respectivos
1

protocolos adicionais.
2
Assessor Parlamentar da Assembleia da República e doutorando da Faculdade de Direito da Universidade
Nova de Lisboa. Lisboa, Portugal. E-mail: alexandretguerreiro@gmail.com.
3
Doutorando da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, Portugal.
E-mail: arturmicaelsilva@gmail.com.

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Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

ABSTRACT

Lampedusa and the paradox of human dignity: commentary to the judgment delivered by the European Court
of Human Rights in the case of Khlaifa and Others v. Italy. In a recent judgment, the European Court of

Human Rights has decided on the detention of three Tunisian citizens in a reception centre on Lampedusa
after being intercepted by the Italian authorities after they left Tunisia by sea, in September 2011.Among

other aspects, this decision highlights the debate around the alleged violation of both the right to liberty

enshrined in article 5 of the ECHR and the violation of the prohibition of inhuman or degrading treatment,
set in article 3 of the same Convention., The importance of the present decision should be emphasized as it

stands for the expression of cosmopolitan law whenever those who should take advantage of it are in a

territory where instruments and principles of International Humanitarian Law are in force, maximizing the
protection of human rights. Nevertheless a paradox emerges: on the one hand, liability for lack of human

resources, sanitary facilities and decent detention conditions by countries that become targets of collateral

damages caused by humanitarian crisis; on the other hand, the challenge faced by the same countries in
order to guarantee that a humanitarian crisis would not have an adverse effect to the human dignity of

those who are in dire situations.

Keywords: humanitarian crisis, State liability, International Humanitarian Law, cosmopolitan law.

_________________________________________________________________________________________________________________

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objecto um comentário a uma decisão que versa
sobre um tema actual e interessante. Com efeito, com o crescente aumento de
migração oriunda de territórios em cenário de Guerra, começam a revelar-se problemas
4
jurídicos que colocam em evidência o contexto pós-nacional decorrente da
globalização 5. A macro-problemática que aqui analisaremos e criticamos pode ser
sintetizada da seguinte forma: (i) por um lado, os Estados encontram-se obrigados à
protecção dos Direitos Humanos e ao cumprimento das suas obrigações internacionais,
nomeadamente, corporizadas na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH);
(ii) por outro lado, ciosos da sua soberania, pretendem manter autonomia na

4
Cfr., por todos, HABERMAS (1998, pp. 65 e ss.).
5
Cfr., sobre a abrangente bibliografia, o elucidativo texto de HELD (1995, pp. 267 e ss.).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 39


Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

concretização destas disposições, aplicando com flexibilidade as regras previstas na


CEDH.6
Neste contexto, encontra-se precisamente em discussão – num sentido mais
especulativo – como deve ser encarado este pluralismo entre as ordens nacionais e a
ordem normativa cosmopolita que deriva da CEDH 7. Com efeito, com a presente
decisão o TEDH coloca em evidência a necessidade de discutir se, num contexto de um
mundo cada vez mais globalizado, é possível a “construção de um constitucionalismo
estadual para o Século XXI com base na excessiva valorização do Estado de direito - e,
em particular, dos direitos fundamentais e da jurisdição constitucional - em detrimento
do princípio democrático” (Medeiros, 2015, p. 97).
É este, portanto, o pressuposto que estará subjacente à nossa análise, tendo
somente como objectivo estudar de forma crítica como encarou o TEDH a
possibilidade de flexibilização da dignidade humana num cenário de evidente Estado
excepção 8.

2. ENQUADRAMENTO FÁCTICO

Em Janeiro de 2011, a intensificação da revolta popular na Tunísia levou à queda


do regime ditatorial do país liderado por Zine El Abidine Ben Ali provocando um efeito
mimético que inspiraria a realização de acções de insurreição em diversos países
magrebino-árabes, num momento da História que ficou baptizado de “Primavera
Árabe”910e que ainda hoje produz efeitos em países como a Síria11.

6
Não trataremos, contudo, neste texto da interessante questão que envolve a margem livre de apreciação
dos Estados na interpretação as normas da CEDH. Sobre este problema, com indicações, cfr. MEDEIROS
(2015, pp. 347 e ss.) cfr., igualmente, KRISCH (2010, pp. 109 e ss.), LEGG (2012, pp. 32 e ss.), TOMUSCHAT
(2014, pp. 107 e ss.), LORENZ, Nina-Louisa Arold et al. (2013, pp. 69 e ss.).
7
Cfr., por todos, BESSON (2014, pp. 170 e ss.). Em geral, sobre o pluralismo jurídico num quadro pós-
nacional, entre outros, cfr. BERMAN (2012, pp. 141 e ss.).
8
Sobre este, cfr., por exemplo, o incontornável texto de AGAMBEN (2005, pp. 1 e ss.).
9
Relativamente aos antecedentes da Primavera Árabe e ao impacto que teve na democratização das
sociedades muçulmanas, cfr. ESPOSITO, John L. et al. (2016, pp. 1-25). Sobre a utilização das redes sociais
na Primavera Árabe, cfr. JAMALI (2014).
10
Para uma análise aos efeitos da Primavera Árabe na Líbia e a forma como a revolta conduziu à abertura
de investigações no Tribunal Penal Internacional contra figuras do aparelho de Estado líbio, cfr.
GUERREIRO (2012); KERSTEN (2014, pp. 188-207).
11
Para uma comparação dos resultados da Primavera Árabe no Egipto, na Tunísia e na Síria, cfr. SIKA,
(2014, pp. 73-97).

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Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

No caso específico da Tunísia, o regime autoritário que vigorou no país durante


cinco décadas, agravado pela perpetuação de Ben Ali no poder desde 1987 com
dividendos económicos para si e para o seu círculo, ao mesmo tempo que muitos
tunisinos reclamavam melhores condições de vida e de participação na política, deu
início a um movimento de revolta popular rebentou quando a população se revoltou
contra a morte de Mohamed Bouazizi, um comerciante de 26 anos que se auto-imolou
como protesto pela perseguição encetada pelo Governo. O êxito alcançado motivou o
baptismo da revolta com a expressão “Revolução de Jasmim”, em homenagem à flor
vendida nas lojas de rua12.
Neste quadro, desde 2011 que se veio a assistir a um fluxo migratório sem
precedentes para o continente europeu com forte incidência de actividade no Mar
Mediterrâneo, uma vez que se tratava do meio aparentemente menos oneroso e mais
eficaz de garantir o acesso de cidadãos egípcios, líbios e tunisinos a países ou
localidades onde pudessem sentir-se protegidos face à queda das instituições nos
respectivos países e a crescente anarquia que se veio a consolidar nos seus Estados de
origem13.
No passado dia 1 de Setembro de 2015, o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem14 pronunciou-se sobre o pedido formalizado por três cidadãos tunisinos contra
o Estado italiano, a 9 de Março de 2012, junto do Tribunal localizado em Estrasburgo,

12
Sobre os antecedentes da “Revolução de Jasmim” e o pós-Primavera Árabe na Tunísia, cfr. MARCOVITZ
(2014, pp. 26-38); ESPOSITO, John L. et al. (2016, pp. 174-201).
13
A este respeito e às ameaças de segurança sobre os países do Mediterrâneo decorrentes da Primavera
Árabe, cfr. BOENING (2014, em especial pp. 11-25).
14
Podemos questionar a terminologia adoptada em língua portuguesa tanto para o Tribunal como para a
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mais concretamente sobre a referência a “Direitos do
Homem” ou “Direitos Humanos”. Em francês, a designação oficial é “Droits de l’Homme”, mas em inglês e
em castelhano o conceito é mais moderno e mais amplo: “Human Rights” e “Derechos Humanos”,
respectivamente. A tendência portuguesa para seguir a adaptação do francês não é recente, tendo as suas
origens no facto de, até ao terceiro quartel do século XX, Portugal manifestar uma aproximação e uma
afinidade maior com a cultura e política francesas. A título de exemplo, relativamente à “Declaração
Universal dos Direitos do Homem”, o crescente reconhecimento de direitos às mulheres e a consequente
intenção de eliminar factores passíveis de prolongarem a discriminação com base no género precipitaram
a revisão da terminologia em castelhano, mais concretamente de “Derechos del Hombre” para “Derechos
Humanos”, em 1952, por via da Resolução 548 (VI) da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Portugal
nunca procedeu, oficialmente, à mesma alteração, assistindo-se, porém, a uma referência oficial ora a
“Direitos do Homem”, ora a “Direitos Humanos”. Com efeito, a Declaração tem a terminologia moderna
reconhecida por órgãos de soberania como a Assembleia da República, o que não se estende
obrigatoriamente aos restantes.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 41


Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

por factos ocorridos em 201115, numa decisão com impacto considerável na protecção
dos Direitos Humanos que importa conhecer. A decisão que comentamos permite, por
um lado, discutir os problemas que envolvem a migração de cidadãos de países em
cenário de guerra e, por outro, permite discutir elementos que se relacionam com a
aplicação do Direito que deriva da Convenção Europeia dos Direitos Humanos no
espaço cosmopolita dos Estados Contratantes.
Segundo a matéria sujeita a apreciação, os três requerentes, com idades
compreendidas entre os 23 e os 28 anos à data da ocorrência dos factos, foram
interceptados pela guarda-costeira italiana quando atravessavam o Mar Mediterrâneo
numa embarcação, juntamente com outras pessoas, a 16 e 17 de Setembro de 2011,
sendo acompanhados até um centro de acolhimento sito na ilha de Lampedusa.
Uma vez chegados ao Centro de Contrada Imbriacola, foram-lhes prestados os
primeiros socorros e as autoridades procederam à recolha da sua identificação, sendo,
finalmente, encaminhados para um sector do Centro reservado a cidadãos tunisinos
adultos.
Todavia, os requerentes alegam terem sido instalados num espaço sobrelotado
e obrigados a dormir no chão dada a insuficiência de camas para dormir e da má
qualidade dos colchões. As refeições eram tomadas no espaço exterior, tendo de se
sentar no chão. Todo e qualquer contacto com o exterior era impossível e o centro
mantinha um sistema de vigilância permanente garantido pelas forças de segurança.
A 20 de Setembro de 2011, os migrantes ali detidos organizaram um motim que
degenerou num incêndio no interior do centro que forçou as autoridades transalpinas
a transferirem os requerentes para o parque desportivo de Lampedusa com o fim de ali
passarem a noite. No dia seguinte, os requerentes, juntamente com outros migrantes,
lograram romper a barreira de vigilância montada pelas forças de segurança e
chegaram à vila de Lampedusa.
Uma vez aqui, os requerentes, juntamente com cerca de 1.800 migrantes
organizaram manifestações nas ruas da ilha, tendo sido interpelados pelas autoridades

15
O processo “Khlaifia e outros contra Itália” (n.º 16483/12) está disponível para consulta na página do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Cfr. TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2015),
Khlaifia et autres c. Italie [Em linha]. [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016]. Disponível em
http://hudoc.echr.coe.int.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 42


Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

policiais, detidos e reconduzidos ao centro de acolhimento junto ao aeroporto de


Lampedusa. A 22 de Setembro de 2011, os requerentes embarcaram com destino a
Palermo, tendo sido transferidos para navios ali atracados, reagrupados nos espaços de
restauração sem poderem aceder às cabines e, segundo os mesmos, não tiveram outra
alternativa a não ser dormir no chão e esperarem várias horas para terem acesso às
instalações sanitárias, dispondo de dois períodos diários em que podiam deslocar-se
aos varandins do navio. Alegaram ter sido insultados e maltratados pelos polícias que
os vigiavam e não terem recebido qualquer tipo de informação por parte das
autoridades.
Permaneceram nesta situação até aos dias 27 e 29 de Setembro de 2011, datas
em que foram transferidos de Palermo para a Tunísia. Durante a permanência nestes
navios, os migrantes recebidos pelo cônsul da Tunísia e indicaram os seus dados
pessoais por forma a poder formalizar o processo de expatriação, consagrado nos
acordos italo-tunisinos, concluídos a 5 de Abril de 2011.
Antes da propositura da acção junto do TEDH, associações de combate ao
racismo formalizaram uma queixa-crime no Tribunal de Palermo por abuso de funções
e detenção ilegal. O processo foi arquivado a 3 de Abril de 2012, e o Juiz de Instrução
Criminal do Tribunal de Palermo confirmou esta decisão, a 1 de Junho de 2012. A
fundamentação do JIC incidiu no facto de o Centro de Contrada Imbriacola ter o
objectivo de acolher, de auxiliar e fazer face às necessidades higiénicas dos migrantes
pelo tempo estritamente necessário antes de encaminhá-los para um centro de
identificação e expulsão ou de tomar decisões em seu favor, podendo ainda beneficiar
de assistência jurídica e obter informações quanto aos procedimentos a tomarem para
darem início a um pedido de asilo.
Apesar de reconhecer uma certa “tendência forçada dos requisitos da
intermediação e da restrição temporária causada por uma multiplicidade de factores,
reconheceu o JIC que está excluída a ilicitude de tal actuação”. O JIC realçou o facto de
o incêndio causado pelos tunisinos no Centro ter impossibilitado o Estado italiano de
satisfazer as exigências de acolhimento e resgate dos migrantes, situação que se
agravou e atentou contra a segurança da população local quando os cidadãos

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 43


Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

tunisinos ameaçaram explodir cilindros de gás durante a manifestação que


organizaram no centro da Vila de Lampedusa, o que precipitou a tomada de uma
decisão urgente sustentada no interesse público, a qual, porém, não provocou nenhum
“dano injusto”.
Relativamente à alegada afectação das condições de saúde, o JIC salientou que
nenhuma das pessoas a bordo dos navios havia formulado um pedido de asilo e que
quem se encontrava no Centro de Acolhimento antes do incêndio e formalizou o
pedido fora acompanhado para os centros de Trapani, Caltanissetta e Foggia,
acrescentando ainda que os menores que se encontravam sozinhos e as grávidas
encontravam-se em locais próprios e que todos receberam atendimento médico, água
quente, electricidade, alimentos e bebidas quentes.
Atestou-se, ainda que, um Deputado do Parlamento italiano visitou os navios
aportados e constatou que se encontravam em boas condições de saúde, dispondo de
acesso às cabines e ainda de locais de culto próprios. Foi, ainda, apurado que o juiz de
paz de Agrigente anulou dois decretos de expatriação pelo facto de as autoridades
italianas terem tomado 10 e 6 dias, respectivamente, a decidir numa questão que
afectou a liberdade do destinatário, o que, por se traduzir numa detenção de facto do
migrante constitui uma violação à Constituição.
Não obstante a decisão e a fundamentação do poder judicial transalpino, o
TEDH condenou o Estado italiano ao pagamento de uma indemnização por danos não
patrimoniais no valor de €10.000 a cada um dos requerentes e ao pagamento de
€9.344,51, pelos três, a título de custas e despesas processuais.

3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO

O colectivo de juízes do TEDH condenou a Itália por violação de seis disposições


consagradas na Convenção Europeia dos Direitos Humanos: em três, verificou-se
unanimidade entre os magistrados; nas outras três, maioria.
Em primeiro lugar, o Tribunal apurou que os requerentes não eram livres de
abandonar quer o Centro de Acolhimento, quer, posteriormente, os navios para onde
foram transferidos e que foram designados como uma “extensão do Centro de

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Acolhimento”. Foram sujeitos a vigilância constante pela polícia e proibidos de


comunicarem com o exterior. Face ao exposto, entendeu-se ter sido violado o n.º 1 do
artigo 5.º da CEDH (direito à liberdade e à segurança) 16.
Ainda que este preceito permita que os Estados restrinjam a liberdade de
estrangeiros para fins de controlos migratórios, qualquer privação de liberdade deve
decorrer da aplicação de uma base legal interna, por questões de segurança jurídica, o
que não se verificava no ordenamento jurídico italiano, onde inexistia qualquer preceito
que expressamente reconhecesse a detenção de migrantes num Centro de
Acolhimento. Deste modo, ainda que vigorasse um acordo bilateral entre a Itália e a
Tunísia, os migrantes não poderiam prever as consequências de um acordo que não foi
tornado público e não puderam beneficiar de protecção contra o tratamento arbitrário.
Paralelamente, ainda que o Governo italiano tenha emitido decisões de
extradição contra os requerentes, os fundamentos que justificaram a sua detenção não
só não constaram de qualquer documento como não foram os mesmos notificados até
ao repatriamento para a Tunísia. Assim, entendeu o Tribunal que se verificou uma
violação do n.º 2 do artigo 5.º da CEDH (direito a ser-se informado das razões da prisão
no mais breve prazo).
Como consequência do facto de não terem sido informados, no mais breve
prazo, das razões da sua detenção, não puderam os requerentes, em momento algum,
questionar a legalidade da sua privação de liberdade. Por este motivo, o Tribunal
concluiu pela verificação da violação do n.º 4 do artigo 5.º da CEDH (direito a avaliação
da legalidade da detenção).
Assistiu-se, ainda, a uma violação ao artigo 4.º do Protocolo n.º 4 da CEDH
(proibição de expulsão colectiva de estrangeiros). Com efeito, o TEDH enfatizou que,
ainda que os requerentes tenham sido notificados individualmente da pena de
repulsão, não foram inquiridos individualmente e as decisões que os abrangeram
continham a mesma redacção sem referência à situação pessoal de cada um. A
natureza da expulsão colectiva dos requerentes foi confirmada pelo facto de os
acordos bilaterais com a Tunísia preverem a repatriação de migrantes tunisinos ilegais

16
Sobre este artigo da CEDH, desenvolvidamente e por exemplo, HARRIS, David et al. (2014, pp. 287 e ss.)
e MOWBRAY (2012, pp. 245 e ss.).

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Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

ao abrigo de procedimentos simplificados com base na simples identificação das


pessoas visadas pelas autoridades consulares tunisinas.
Acresce que os requerentes não beneficiaram de qualquer meio para reclamar
das condições de detenção no Centro de Acolhimento, uma vez que um recurso para
um magistrado apenas poderia dizer respeito à legalidade do seu repatriamento para a
Tunísia, o que viola o disposto no artigo 13.º da CEDH (direito a um recurso efectivo) e,
conjuntamente, no artigo 3.º do Protocolo n.º 4 (proibição de expulsão de nacionais). O
facto de o recurso não produzir efeitos suspensivos constitui uma violação ao artigo
13.º , em conjunto com o artigo 4.º , do Protocolo n.º 4.
Finalmente, o Tribunal apreciou ainda uma eventual violação ao artigo 3.º da
CEDH (proibição de tortura e tratamentos desumanos). Os magistrados tiveram em
consideração o facto de a Primavera Árabe, em particular os acontecimentos na Tunísia
e na Líbia, ter produzido um impacto negativo sobre a ilha de Lampedusa, que se
deparou com um fluxo migratório por via marítima extraordinário, o que levou o
Estado italiano a decretar o estado de emergência humanitária, e teve ainda em
atenção o esforço das autoridades em acomodarem os migrantes após o motim de 20
de Setembro de 2011.
Todavia, o TEDH sublinhou que alguns relatórios publicados, entre os quais os
da Comissão Extraordinária do Senado italiano e da Amnistia Internacional, atestam
que o Centro de Acolhimento de Contrada Imbriacola deparava-se com sérios
problemas de sobrelotação (migrantes que dormiam nos corredores), higiene (cheiros
e serviços sanitários inutilizáveis) e ausência de contacto com o exterior. O Tribunal
relevou o facto de os requerentes se encontrarem vulneráveis após a realização da
travessia marítima. Por este motivo, o Tribunal concluiu que, mesmo apesar de terem
permanecido detidos por quatro dias, a sua detenção nas condições referidas diminuiu
a sua dignidade humana, ultrapassando a situação decorrente do sofrimento resultante
da detenção, constituindo antes tratamento desumano que viola o artigo 3.º da CEDH.
Este último ponto não obteve unanimidade. Destaque-se, por exemplo, a
opinião dos juízes András Sajó e Nebojša Vučinić, que, além de considerarem que os
mecanismos de recurso encontravam-se facilmente disponíveis, sublinharam que a

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Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

duração dos tratamentos desumanos é um factor determinante para a verificação da


violação do artigo 3.º do CEDH, recordando acórdãos do TEDH nesse sentido 17.
Além de questionarem que as condições descritas atentaram contra a saúde dos
requerentes, reforçam que, embora se possa concluir pela verificação de tratamento
desumano num curto espaço de tempo, o TEDH concluiu, por diversas vezes, que tal
ocorre quando se verificam outros elementos especialmente graves que são decisivos
para a determinação dessa condição, pelo que, agora, o reconhecimento do Tribunal
segundo o qual a sujeição às condições de detenção ocorreu num curto espaço de
tempo deveria ser decisivo para rejeitar a verificação de tratamentos desumanos pelo
Estado italiano18.
Os dois magistrados questionam ainda a verificação de “expulsão colectiva”,
uma vez que este conceito, embora privilegie o princípio fundamental do tratamento
individual, tem sido aplicado pelo TEDH em situações raras19 e tende a ser aplicável a
casos de expulsão em massa de um grupo pelas características em comum que têm
entre si20, distinguindo-se do conceito de “expulsão simultânea” de um certo número
de pessoas que se encontram em situação semelhante.
Assim, o facto de os requerentes não terem sido expulsos por pertencerem a
um grupo étnico, religioso ou nacional e não terem formalizado pedido de asilo
permite concluir que o presente caso é semelhante ao processo “M.A. contra Chipre”
(n.º 41872/10), onde o TEDH considerou que “o facto de os decretos de expulsão e os
documentos correspondentes terem sido concebidos em formato padrão, sendo, como

17
Mais concretamente os processos “Gorea contra Moldávia” (n.º 21984/05), “Terziev contra Bulgária” (n.º
62594/00), “Karalevicius contra Lituânia” (n.º 53254/99) e, mais recentemente, “Tarakhel contra Suíça” (n.º
29217/12).
18
Por exemplo, em situações de detenção de deficientes mentais, de obrigação de o detido passar a noite
num espaço reduzido onde não se possa instalar convenientemente ou aceder aos sanitários ou o
confinamento a um local não adaptado ao acolhimento de pessoas ou que se revele perigoso.
19
O TEDH considerou que ocorreu “expulsão colectiva” em quatro processos e de duas formas distintas:
através da identificação de indivíduos em vias de expulsão com base na sua pertença a um grupo com
características comuns, como sucedeu nos processos “Conka contra Bélgica” (n.º 51564/99), “Geórgia
contra Rússia” (n.º 13255/07); e através da identificação de um grupo de indivíduos que se encontram
fisicamente juntos sem considerar a identidade dos mesmos, conforme se verificou nos processos “Hirsi
Jamma e outros contra Itália” (n.º 27765/09) e “Sharifi e outros contra Itália e Grécia” (n.º 16643/09).
20
Por exemplo, critérios étnicos.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 47


Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

tal, idênticos, e o facto de não mencionarem expressamente as decisões precedentes


relativamente ao processo de asilo” não é “revelador de uma expulsão colectiva”21.

4. O CONTEXTO COSMOPOLITA E A CEDH

A decisão que se analisa é uma demonstração inegável da emergência de um


direito cosmopolita (ou se preferirmos um direito global)22. Na verdade, a possibilidade
de os particulares (inclusivamente organizações não governamentais) poderem
demandar um Estado pela violação da CEDH23 – ultrapassando, assim, a concepção de
que o Direito Internacional Público é um mero Direito entre Estados – permite, desde
logo, demonstrar que as regras previstas na CEDH protegem os particulares de
violações aos direitos humanos que ocorram no espaço das fronteiras do Estado e da
comunidade política em que se inserem24. Com efeito, este direito cosmopolita implica
primacialmente a emergência de: “um sistema jurídico em que o poder público tem
como obrigação de, no seio da sua jurisdição, assegurar o respeito pelos direitos
fundamentais de qualquer pessoa, independente da nacionalidade ou cidadania da
mesma”25.
Esta constatação é passível de contextualização à luz das várias concepções do
direito cosmopolita, sem prejuízo de uma análise exaustiva que não cabe no presente
trabalho26. Na sua origem, é consensual que a conceptualização do direito cosmopolita
é profundamente tributária do trabalho de IMMANUEL KANT. Este autor entendia que a
existência de um direito mundial (Weltrecht) estabelece uma garantia global de o
cidadão do mundo ser tratado em todos os locais do mundo como tal, sendo,

21
Cfr. TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2013), Case of M.A. v. Cyprus [Em linha].
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016]. Disponível em http://hudoc.echr.coe.int. §246.
22
Considerando precisamente – ao analisar o direito cosmopolita de Ulrich Beck – que “It is the reality of
our times”. Cfr. BLANK (2014, pp. 65 e ss.).
23
Com efeito, nos termos do artigo 34.º da CEDH: “O Tribunal pode receber petições de qualquer pessoa
singular, organização não governamental ou grupo de particulares que se considere vítima de violação por
qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenção ou nos seus protocolos. As Altas
Partes Contratantes comprometem-se a não criar qualquer entrave ao exercício efectivo desse direito”.
Sobre o indivíduo como sujeito de direito internacional, cfr., entre outros, ESTEVES (1986, pp. 185 e ss.) e
VILELA (2014, pp. 779 e ss.).
24
Cfr. DOMINGO (2010, p. 36).
25
SWEET (2012, p. 60).
26
Cfr., por todos, KÖHLER (2006, pp. 32 e ss.).

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Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

27
portanto, exigível que obtenha um tratamento pacífico e de acordo com a sua
condição 28.
O direito cosmopolita é, no entanto, ainda uma arena propícia a debates e a
divergências que tornam a construção cosmopolita permeável a um desafio que
envolve também o ordenamento jurídico nacional. É que não se encontra ainda
resolvida a interacção entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que
impõe limites e regras que ainda não tutelam adequadamente os direitos e as posições
jurídicas dos refugiados29.
Na verdade, a crescente vaga de refugiados que – numa dimensão sem
precedentes no séc. XXI – colocou, em particular, os Estados mais procurados por estes
num cenário de insuficiência30 – que não é, todavia, autoprovocado – de meios
humanos e físicos para acolher aqueles que mais precisam de auxílio para fugir de um
panorama aterrador no seu país de origem.
Esta circunstância coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito
31
cosmopolita kantiano: o tratamento dos migrantes como cidadãos cosmopolitas .
Sem condições para receber condignamente os cidadãos mundiais (migrantes), torna-
se imperativo perceber qual a solução para um dilema acentuado que se manifesta da
seguinte forma: (i) ou os migrantes são simplesmente repatriados; (ii) ou poderão ser
recebidos no Estado de acolhimento sem condições suficientes dignas para a sua
condição humana e de cidadãos mundiais; (iii) ou, por último, o Estado de acolhimento
tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condições económicas e de

27
Sobre este contexto no projecto de paz de Kant, cfr. WOOD (1998, pp. 59 e ss.).
28
Sobre a questão, com indicações, cfr. SCHMALZ (2016, pp. 226 e ss.). A Convenção de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepção ao estabelecer no artigo 32.º, n.º 1 que:
“Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as
fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçados em virtude da sua raça,
religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas”.
29
Neste sentido, cfr. SCHMALZ (2016, p. 237). Sobre as interacções entre o direito nacional e o direito
cosmopolita em matéria de refugiados, cfr. BUCKEL (2013, pp. 49 e ss.) e BABAN (2013, pp. 217 e ss.).
30
São conhecidas as condições em que os refugiados são acolhidos, sujeitando-se a viver em habitações
precárias durante vários anos, com as limitações evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado.
Sobre esta questão, cfr., por todos, AGUIER (2011, pp. 36 e ss.).
31
Sem prejuízo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano à migração, cfr. VALADEZ, (2010,
pp. 221 e ss.)

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 49


Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

sobrevivência que merecem todos os seres humanos, mas não o podendo fazer têm
que responsabilizar-se pela inexistência daquelas condições32.
A solução pode variar consoante a compreensão teórica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held, 2010, pp. 14 e ss.). Com efeito, na decisão
analisada, parece-nos que o TEDH parte de uma concepção adequada do conteúdo do
direito cosmopolita, na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecção dos direitos humanos de qualquer cidadão que se encontre
no território de uma das partes contratantes.
O direito cosmopolita deixa, assim, de ser entendido como uma forma de
unitarização (e de imposição da maioria à minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33, sendo que os respectivos mecanismos de protecção não se dirigem
somente aos cidadãos de uma determinada comunidade, mas também aos cidadãos
mundiais34. O conteúdo do direito cosmopolita do TEDH permite, portanto, assumir
uma inclusão dos cidadãos do mundo num direito de aplicação universal, mas que
protege direitos humanos, seguindo uma lógica de que os cidadãos
(independentemente da sua comunidade de origem) têm uma igualdade axiológica
(Ingram, 2013, pp. 226 e ss.). É, assim, portanto, que o sistema de protecção da CEDH
evita “passa[r] a oferecer caução a todo e qualquer sistema, desde que funcional”
(Coutinho, 2009, p. 537).

32
Importa proceder à distinção entre os conceitos de refugiado e migrante. O primeiro tem como base,
desde logo, a Convenção de Genebra de 1951, relativa ao estatuto dos refugiados, e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do país da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas e à qual é garantido asilo.
No plano europeu, o conceito de perseguição refere, aparentemente, situações mais concretas de
perseguição, conforme resulta das Directivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, 2005/85/CE, do
Conselho, de 1 de Dezembro, 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro,
2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, e 2013/33/UE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 26 de Junho. Por outro lado, o conceito de migrante é aplicável às pessoas
humanas que abandonam o país da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivações
puramente económicas. Embora um migrante possa ambicionar a concessão de asilo, enquanto a
protecção não lhe é concedida manter-se-á como migrante ou mero requerente de asilo, não sendo,
portanto, um refugiado. Neste sentido, cfr. Guerreiro (2016, pp. 165-170).
33
Conforme reconhece Schmalz (2016, p. 237), a questão não está tanto em saber se o direito cosmopolita
é uma solução, mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos críticos na
construção teórica que envolve soluções globais.
34
Afastamo-nos, portanto, das consequências que se retiram da concepção de Walzer (2002, pp. 125 e ss.),
que nega a existência de cidadãos mundiais.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 50


Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

Com efeito, é perfeitamente plausível afirmar que: “o reforço do regime


internacional de prote[c]ção de direitos humanos – com a progressiva afirmação de um
princípio de equiparação entre cidadãos e não cidadãos em nome o princípio da
dignidade humana” se assume determinante para a “desvalorização da nacionalidade”
(Medeiros, 2014, pp. 303 e 304) e implica “uma esperança de aproximação dos
indivíduos, libertando-os do fardo de terem nascido num local inóspito e esquecido do
planeta” (Roque, 2014, p. 875).
Neste sentido, podemos, desde logo, concluir que a primeira opção das
soluções que apontámos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes é, sem
margem para dúvidas, a que menos segurança na sustentação de um dever de
hospitalidade para com os cidadãos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece. As
restantes duas são as mais adequadas a cumprir, mas não deixam ser controversas
(como se verá seguidamente).

5. APRECIAÇÃO CRÍTICA DA DECISÃO

A potencialidade maior e com mais relevância relativamente a uma análise desta


decisão reside, desde logo, na importância atribuída à indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar, 2015, pp. 4 e ss.), sendo, portanto, um limite
intransponível para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH. Esta solução comporta, no entanto, um paradoxo já anteriormente ensaiado:
a hipótese de conciliação da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condições dos Estados para os receber.
É certo que existe, segundo a argumentação do TEDH, um dever jurídico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num território contra as
regras de entrada e permanência de pessoas em vigor nesse Estado, o que é justificado
pela situação de especial fragilidade que apresentam. Em todo o caso, deve ser
ponderada a hipótese de ser compaginável a concomitante violação da CEDH quando
os Estados simplesmente não têm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situação de emergência, não se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitária instalada.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 51


Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

Com efeito, faz sentido que se pondere, no longo prazo, se o Estado de


acolhimento não tem uma posição activa na melhoria das condições de vida dos
migrantes ou na sua integração. Um desses exemplos seria uma eternização da
condição de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito, mas que com o decurso de alguns anos, mais não servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa lógica de que são simplesmente não-cidadãos.
Mas cumpre, na verdade, questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergência que ele próprio não
provocou. É esta a questão em aberto que merece ser discutida. Com efeito, enfatize-se
que, a exemplo do que sucedeu nos acórdãos “Sharifi contra Itália e Grécia” (n.º
16643/09) e “Hirsi Jamaa e outros contra Itália”(n.º 27765/09), ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas, mesmo em alto mar, que visem reduzir uma
maior exposição a fluxos migratórios, passíveis de afectar a situação social do país, que
decorre das suas características geográficas, são confrontados com a aplicação
extraterritorial da CEDH (Barreto, 2015, p. 491).
Ora, tais constatações merecem uma reflexão mais profunda no âmbito de uma
confrontação com outras decisões do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a “natureza, aparentemente absoluta, do direito de deixar um país, incluindo o seu,
pode vir a ser atenuada”, condicionando-se o direito de alguém poder ir para um país
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35. São, aliás, várias as decisões que
concluem que “a Convenção não garante o direito a um estrangeiro de entrar, residir
ou estabelecer-se num determinado país” (Barreto, 2015, p. 490).
Na prática, não apenas respondem por actos que impeçam migrantes ilegais de
entrarem no seu território, como respondem pela obrigação de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade.
Todavia, em todas as decisões, o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneráveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possível face à sua capacidade.

35
Cfr. BARRETO, Ireneu Cabral, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 5.ª ed. revista e actualizada,
Coimbra: Almedina, 2015, p. 491.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 52


Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

Outro problema importante é, neste contexto, uma situação conexa, mas


delicada. Resta-nos, com efeito, perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
análise em torno da dignidade da pessoa humana. Ora, é possível que um acolhimento
temporário e num cenário de crise, com condições de higiene e de espaço limitadas,
possa configurar uma violação das obrigações dos Estados contratantes da CEDH?
É certo que os migrantes se encontram numa situação de especial fragilidade,
necessitando, como é evidente, de condições de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem, mas terão os Estados de ser responsáveis por
violação da CEDH quando, num período transitório, não podem apresentar as
condições de higiene e de dignidade que seria, em regra, de esperar num cenário em
que não existisse uma crise humanitária? Qual seria a alternativa?
Com efeito, importa recordar o entendimento de que “o mau tratamento terá
de atingir um mínimo de gravidade, a definir de acordo com apelo a elementos
diversos, como, por exemplo, a sua duração, os efeitos físicos ou psicológicos, a idade,
o sexo ou o estado de saúde da vítima, não sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal, desonroso, repreensível ou desagradável” (Barreto, 2015, p. 93).
É certo que a interpretação da CEDH deve favorecer a protecção da dignidade
da pessoa humana. Porém, no caso em apreço, essa protecção parece assumir uma
dimensão incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo não está ao alcance
dos Estados, questionando-se se a ponderação não deverá ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicação fundamentalista e desajustada de uma realidade que,
cada vez mais, parece seguir no sentido de exigir um nível de sacrifício financeiro e um
destacamento célere de meios a que os Estados poderão não conseguir corresponder.
Ainda neste sentido, atente-se, por exemplo, ao importante acórdão “Tarakhel
contra Suíça” (n.º 29217/12), no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condições ajustadas a acolher crianças de modo a assegurar que as
condições não degeneram em situações de stress e ansiedade passíveis de deixar
sequelas traumáticas36.

36
Cfr. TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014), Case of Tarakhel v. Switzerland [Em linha].
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016]. Disponível em <http://hudoc.echr.coe.int>. §119-122.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 53


Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

O acórdão é mais abrangente, sendo que, também aqui, se repudia a ausência


de condições de acolhimento para todos os requerentes de asilo, algo que merece
reflexão, igualmente, em sede de União Europeia como um todo, já que, conforme
sublinhado anteriormente, alguns Estados estão mais expostos a fluxos migratórios do
que outros, sem que se assista a um espírito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptíveis a este
fenómeno e, como tal, acabam por ser excluídos da responsabilização a que estão
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaço Schengen e terceiros
Estados.
Em suma, além da CEDH, poderá também estar em causa o cumprimento da
Directiva n.º 2003/09/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro de 2003, que estabelece
normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros. É, assim, importante que as instâncias comunitárias e, em particular, o TEDH,
demonstrem alguma tolerância e flexibilidade para com eventuais situações de violação
excepcional e justificada das normas em apreço em matéria de direitos, liberdades e
garantias, deixando de olhar para tais violações como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princípios e valores reflectissem situações
de pura responsabilidade objectiva estatal.

6. CONCLUSÕES

A circulação de pessoas entre Estados, tenham a qualidade de migrantes ou de


refugiados, emerge como tema dominante num contexto de globalização no qual a
soberania dos Estados é desafiada relativamente à tomada de decisão sobre a quem,
entre os estrangeiros, deve ser concedida ou recusada entrada e permanência no seu
território, bem como às condições que um Estado deve e poderá proporcionar ao
estrangeiro durante o espaço de tempo em que toma esta decisão.
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro,
é expectável e exigível que essa condição seja temporária, seja porque na situação
migratória ainda não atingiu o seu destino final – devendo, caso pretenda estabelecer-
se no país de entrada, proceder à regularização da sua permanência –, seja porque em

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 54


Alexandre Guerreiro e Artur Flamínio da Silva

situações de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecção do indivíduo enquanto Ser Humano.
No processo “Khlaifia e outros contra Itália”, o colectivo de juízes decide num
sentido que deixa mais dúvidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes. Desde logo, é possível aferir das conclusões do
TEDH que o direito à liberdade e à segurança poderá não estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no território de um Estado Parte a um espaço que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilância das autoridades.
Com efeito, é neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicável aos beneficiários de asilo, que reconhece a liberdade de circulação dos
refugiados no território onde se encontram, do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as críticas para a lotação do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalações não terem correspondência legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais, motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam à clarificação do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenção.
Simultaneamente, o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituirá fundamento suficiente para se presumir a verificação de
expulsão colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsão mas dirigidos aos destinatários correctos e os documentos não padecerem de
vícios materiais? A ser assim, como podem os Estados, em tempos de crise, garantir o
cumprimento da prestação de informação das razões da prisão no mais breve prazo e
individualizar a redacção da documentação necessária sem evitar a violação da
Convenção por manter os migrantes detidos durante um período prolongado?
Por outro lado, conforme referido anteriormente, parece que o TEDH
considerou uma aplicação ampla e abstracta da proibição de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitária, deixando a ideia de que, ainda
que os Estados Partes não tenham intenção de proporcionar um tratamento desumano,

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 55


Lampedusa e o paradoxo da dignidade humana

devem estar preparados para responder a situações de crise extraordinárias, sob pena
de responderem por violação da CEDH.
Assim, será que a prioridade deixa de ser a garantia de protecção a migrantes
cujas características lhes poderá permitir beneficiar de asilo, garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida, ainda que os Estados não a pudessem prever, nem fossem
por elas responsáveis, para passar a ser a disponibilização de instalações em condições
que privilegiem o acolhimento individual?
No mesmo sentido, coloca-se a questão de saber se se tornará irrelevante o
período de tempo e a razão que sustenta a verificação da diminuição da dignidade
humana, ocorrendo violação do artigo 3.º da CEDH a colocação de migrantes num
contexto de sobrelotação e condições de higiene deficientes, o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal até ao momento37.
Em suma, a decisão do TEDH no âmbito do processo “Khlaifia e outros contra
Itália” assume um grau de importância fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisão excepcional ou se o processo em apreço marca a inversão da tendência e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados? Estarão
verificadas as condições para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia, Estado Parte da CEDH, possam propor acções de condenação
de Ancara com base nos mesmos princípios, ignorando-se o facto de o território turco
acolher cerca de 1,83 milhões de refugiados em condições inferiores às que a Itália
garante38?
Estas e muitas outras questões permanecem de momento sem resposta mas
mantêm aberto o debate e devem promover a participação e a tomada de decisão por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH.

37
Relativamente a situações similares com o caso em apreço, vejam-se as decisões dos processos
“Gavrilovici contra Moldávia” (n.º 25464/05), “Aliev contra Turquia” (n.º 30518/11) e “T. e A. contra Turquia”
(n.º 47146/11).
38
Segundo dados oficiais, em actualização permanente, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados. Cfr. ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016), 2015 UNHCR
country operations profile – Turkey [Em linha]. [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016]. Disponível em
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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 59


A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

A CONTRATAÇÃO PÚBLICA SOCIALMENTE RESPONSÁVEL AO


SERVIÇO DOS JOVENS NEET

CARLOS RODRIGUES1

RESUMO

A contratação pública tem o potencial de influenciar os mercados e modelar comportamentos tanto de

empresas como de indivíduos. À sua política primária – a prossecução do interesse público ao menor custo

possível – acrescem, por impulso comunitário, as políticas secundárias ligadas ao ambiente e à condição
social. A presente investigação visa analisar a evolução da contratação pública social enquanto pilar da

contratação pública sustentável e instrumento de políticas de apoio aos jovens NEET – Not Currently

Engaged in Employment, Education or Training.

Palavras-chave: contratação pública, políticas sociais, desenvolvimento sustentável, União Europeia, Not
Currently Engaged in Employment, Education or Training (NEET).

ABSTRACT

The Public Procurement socially responsible at the service of NEET youth. Public procurement has the

potential to influence markets and model behavior of both companies and individuals. To its primary policy

- the pursuit of public interest at the lowest possible cost – are added, by Community impetus, secondary
policies related to the environment and the social condition. This research aims to analyze the evolution of

social public procurement as a pillar of sustainable public procurement and instrument of support policies

aimed to NEET - Not Currently Engaged in Employment, Education or Training - population.

Keywords: public procurement, social policies sustainable development, European Union, Not Currently
Engaged in Employment, Education or Training (NEET).

Histórico do artigo: recebido em 15-02-2016; recebido após revisão em 10-03-2016; aprovado em 19-03-
2016; publicado em 03-05-2016.
1
Jurista e Mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra,
Portugal. E-mail: csergiomr@gmail.com.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 60


Carlos Rodrigues

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS

A Europa, tal como o resto do Mundo, atravessa uma crise que afeta diversos
campos e áreas de atividade, desde a preservação dos ecossistemas até à
sustentabilidade dos sistemas económicos. Neste sentido, o desafio das sociedades
hodiernas é duplo: por um lado, estimular o desenvolvimento económico e a proteção
ambiental, conducente ao aumento do emprego e ao aumento do bem-estar; por
outro, garantir a sustentabilidade, nomeadamente ambiental, desse desenvolvimento.
A contratação pública ocupa um lugar de peso no orçamento nacional e no
orçamento comunitário. Nas duas últimas décadas, temos assistido a um esforço
considerável pela melhor regulamentação possível deste setor de atividade pública,
com o duplo objetivo de, por um lado, evitar práticas de corrupção, tornando o regime
jurídico aplicável mais robusto e garantístico, em respeito a certos princípios básicos e,
por outro lado, instrumentalizar a influência notável que a contratação pública detém
nos mercados para a prossecução de políticas secundárias, como a proteção do
ambiente e o desenvolvimento e a aplicação de políticas sociais de inclusão e de
empregabilidade.
A presente investigação centra-se, precisamente, na prossecução de políticas
secundárias de cariz social, com especial atenção para os jovens NEET (Not Currently
Engaged in Employment, Education or Training), i.e., a percentagem dos jovens que não
estão a trabalhar, nem a estudar nem a fazer formação. O escopo destas políticas é
bem mais amplo e complexo, mas o recorte aqui operado justifica-se pelo imperativo
atual de se fazer frente a uma série de desafios prementes que perpassam a cena
global, no domínio social, dos quais optamos por analisar a (cada vez mais) crítica taxa
de desemprego entre os jovens, fator de múltiplas consequências como a emigração
forçada, o abandono do ensino superior e a degradação dos sistemas de segurança
social.
A Contratação Pública Socialmente Responsável pode ser definida como a
contratação pública que incorpora critérios sociais no seu âmbito, o que pode ocorrer
em três momentos: na fase de formação do contrato, na definição e consequente
aplicação do critério de adjudicação ou, ainda, na fase de execução do contrato já

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 61


A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

formado e adjudicado. Pelo exposto, e em confronto com o conceito de


desenvolvimento sustentável de Brundtland2, num entendimento mais atual que veio a
incluir as dimensões social e económica, podemos concluir que a esta faceta da
contratação pública é, a par com a contratação pública ecológica, um dos pilares da
nova faceta da contratação pública que a União Europeia tem conjugado esforços para
erguer: a contratação pública sustentável.
Pretendemos expor a ligação entre a contratação pública e as políticas
secundárias de cariz social relativas aos jovens NEET, em função das quais aquela pode
e deve ser instrumentalizada no contexto de uma estratégia de governação sustentável.
As Diretivas de 2014, ao virem aperfeiçoar o regime jurídico aplicável à contratação
pública a nível comunitário, constituem um dos avanços mais significativos nesta
matéria no panorama mundial, o que coloca a União Europeia, e ato contínuo Portugal,
na vanguarda das políticas públicas de sustentabilidade.
Esta terminologia tem origem internacional e tem sido alvo de atenção por
todos os decisores políticos. Aqui, torna-se essencial a leitura de um Relatório da
autoria da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, de
2012, que apresenta as características, os custos e as respostas, a nível de políticas, dos
jovens NEET.

2. CONCEITOS

Cumpre identificar e densificar os conceitos-chave em torno dos quais a


presente investigação irá tecer as considerações devidas. Relativamente ao conceito de
contrato público, seguimos RAIMUNDO: “os contratos celebrados por entidades
públicas ou que surgem numa posição de vantagem ou de sujeição, com específicos
contornos jurídico-públicos” (2013, p. 44). Trata-se de uma noção, como sublinha
ANDRADE (2010), com um recorte orgânico ou estatutário. Devido a essa relação de
supra-infra ordenação, os contratos públicos estão submetidos a uma fase de formação

2
Tal como definido na Conferência de Brundtland de 1987, mormente no Relatório daí derivado, “Our
Common Future”, o desenvolvimento sustentável traduz-se no desenvolvimento que permite satisfazer as
necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de satisfação das necessidades pelas gerações
futuras.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 62


Carlos Rodrigues

regulada com o propósito de salvaguardar valores e interesses como a imparcialidade,


a objetividade e a eficiência da afetação dos recursos públicos.
Por contratação pública podemos definir as aquisições de bens ou serviços
feitas por entidades estaduais que sejam necessárias ao bom cumprimento das suas
funções. Desta definição podemos partir para uma outra, mais abrangente e na qual a
primeira se enquadra: a noção de Direito da Contratação Pública. i.e., o conjunto de
normas que regulam a atividade de aquisição de bens e serviços realizada por entes
estaduais3.
No Direito Português vigora uma noção ampla. Por contrato público entende-se
todo o contrato celebrado por entes públicos, sejam ou não entidades adjudicantes na
perspetiva do Código dos Contratos Públicos (CCP). Aliás, visitando os artigos 2.º e 5.º
deste diploma, encontramos exclusões subjetivas (entidades) e objetivas (tipos de
contratos) ao âmbito de aplicação do mesmo4.
Em Portugal, a contratação pública encontra-se regulada pelo Decreto-Lei n.º
18/2008, de 29 de janeiro, que aprova o Código dos Contratos Públicos. Este encontra-
se sistematizado em quatro Partes, que regulam: o âmbito de aplicação objetivo e
subjetivo do regime (Parte I); os diversos tipos de procedimentos de contratação
pública, as suas regras, características e requisitos (Parte II); o regime substantivo dos
contratos administrativos (Parte III); e o regime contraordenacional (Parte IV).
O referido Decreto-Lei procede à transposição das Diretivas n.ºs 2004/17/CE e
20014/18/CE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março
(designada por Diretiva clássica), alteradas pela Diretiva n.º 2005/51/CE, da Comissão,
de 7 de setembro, e retificadas pela Diretiva n.º 2005/75/CE, do Parlamento Europeu e
da Comissão, de 16 de novembro. Vem, assim, criar um conjunto homogéneo de
normas relativas aos procedimentos pré-contratuais públicos e, no exercício da

3
Neste sentido, RODRIGUES, Nuno Cunha, A Contratação Pública como Instrumento de Política Económica,
Tese de Doutoramento. Coimbra: Almedina, novembro de 2013. O autor constata que os contratos
públicos integram o movimento de globalização económica, o que se deduz do fenómeno de
internacionalização do Direito dos Contratos Públicos.
4
O conceito de contrato administrativo é mais restrito e resulta do número 6, do artigo 1º do CCP. Para
mais desenvolvimentos acerca desta noção, vide GONÇALVES, Pedro, O contrato administrativo – uma
instituição do direito administrativo do nosso tempo, Almedina, Coimbra, 2003. Num comentário ajustado
ao CCP, vide SOUSA, Marcelo Rebelo de, e MATOS, André Salgado de, Contratos Públicos – Direito
Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, Lisboa, 2008, pp. 22-72.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 63


A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

margem de livre decisão deixada pelo legislador comunitário aos legisladores


nacionais, inovar no que se entendeu por necessário para garantir a segurança e
estabilidade jurídica aos operadores económicos, no contexto de uma modernização
contínua e em respeito pelos princípios da transparência, da igualdade e da
concorrência.
Exploremos, em termos sucintos, os princípios enunciados. O princípio da
transparência impõe que todos os procedimentos concursais sejam, atempada e
devidamente, publicitados nos canais oficiais de comunicação. Por seu lado, o princípio
da igualdade postula que os procedimentos concursais sejam realizados num ambiente
pautado por iguais condições de acesso e de participação. De acordo com o princípio
da concorrência, ex libris do direito comunitário, por cujo estrito respeito se pautam
todos os regimes de contratação pública, na formação dos contratos deve garantir-se o
mais amplo acesso aos respetivos procedimentos aos interessados em contratar, i.e.,
aos potenciais concorrentes.
A contratação pública é, per si, um instrumento de mercado frequentemente
utilizado pela Administração Pública no exercício das suas funções, inerentes à sua
missão que é a prossecução do interesse público (nos termos do número 1 do artigo
266.º da Constituição da República Portuguesa). Este pode ser definido como um
conjunto de necessidades coletivas a serem satisfeitas através de serviços que a
Administração Pública cria, organiza e cuida de manter.
Pelo peso que ocupa tanto no orçamento nacional, como no orçamento da
União Europeia, a contratação pública tem o potencial de influenciar os mercados e
moldar comportamentos, tanto da actividade económica, como dos próprios cidadãos
privados. Referimo-nos, principalmente, ao elevado volume de negócios envolvidos,
mesmo em contexto de crise como este que atravessamos, na medida em que é
através deste instrumento que a Administração Pública provê pelas suas necessidades
atinentes a recursos humanos e materiais e organiza os múltiplos serviços públicos. Em
termos orçamentais, falamos dos seguintes valores: 16,3% do PIB da UE, cerca de 1,4

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 64


Carlos Rodrigues

milhões de euros em 2004 (Comissão Europeia, 2004, p. 4)5; em 2008, o valor ascendeu
para 18%, ou seja, cerca de 2155 milhões de euros (Comissão Europeia, 2009, p. 23).
Nos anos posteriores, a percentagem ronda os 20% (Comissão Europeia, 2010, p. 10), o
que nos permite concluir pela importância crescente deste instrumento (6) (7).
Considerada a sua importância no cenário económico, a contratação pública
pode desempenhar um papel de (bom) exemplo, tendo em vista o desenvolvimento
sustentável. O cenário sustentável é aqui caracterizado pela existência, em larga escala,
de produtos, bens ou serviços mais amigos do ambiente, socialmente responsáveis e
inovadores em termos tecnológicos. A Comissão Europeia assume a contratação
pública como uma área estratégica – e a sua «ecologização» como uma prioridade no
âmbito da Estratégia Europa 20208.
A Contratação Pública Socialmente Responsável pode ser definida como a
contratação pública que incorpora critérios sociais no seu âmbito, o que pode ocorrer
em três momentos: na fase de formação do contrato, na definição e consequente
aplicação do critério de adjudicação ou, ainda, na fase de execução do contrato já
formado e adjudicado. A mesma definição ajusta-se, mutatis mutandis, ao conceito de
contratação pública ecológica, cuja missão é a preservação ecológica.

5
O estudo conclui que uma mera poupança de 10% pelos então apenas quinze Estados-Membros,
permitiria a três estados ter um superavit orçamental, deixando de estar em deficit.
6
Analisando o papel das autoridades públicas, partindo do poder influenciador da contratação pública
evidenciado na sua importância crescente nos orçamentos, vide DAY, Catherine, Buying Green: The Crucial
Role of Public Authorities, in Local Environment: The International Journal of Justice and Sustainability, vol.
10. Nº 2, abril de 2005, pp. 201-209
(http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/1354983042000388214?journalCode=cloe20).
7
Dado o seu peso, a contratação pública foi também alvo de mudanças decorrentes do «Programa de
Assistência Económica e Financeira», monitorizado pela troika (FMI, CE e BCE). Para uma análise dos
impactos destes PAEF sobre as PPP, um vetor importante da contratação pública, vide PARDAL, Paulo
Alves, A contratação pública sob os ventos da austeridade orçamental, in FERREIRA, Eduardo Paz e
RODRIGUES, Nuno Cunha (coord.), Novas Fronteiras da Contratação Pública, Colecção Manuais
Académicos IDEFF, Nº 1, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp. 171 a 204; Também, GONÇALVES, Pedro
Costa, Alterações ao Código dos Contratos Públicos na sequência do «Memorando de Entendimento com
a Troika», in Revista de Contratos Públicos, nº5, CEDIPRE, Coimbra, 2012, pp. 213 a 237.
8
O Relatório Monti indica que a reforma do quadro normativo europeu da contratação pública deve focar-
se na possibilidade de permitir a integração de políticas secundárias ou horizontais na contratação pública.
Tal estratégia permitirá reforçar e concretiza a Estratégia Europa 2020. (Relatório Monti, A new strategy for
the single market at the service of Europe‟s economy and society, Report to the President of the European
Comission Durão Barroso, by Mario Monti, 9 de maio de 2010 (http://www.frank-
cs.org/cms/pdfs/EC/EC_Monti_Report_9.5.10.pdf).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 65


A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

A Contratação Pública Sustentável não se limita à área do ambiente


(Contratação Pública Ecológica, CPE), antes abarcando outras áreas de igual
importância. Por um lado, temos a adesão a standards sociais e éticos, fenómeno
denominado por contratação pública socialmente responsável (CPSR). Por outro, a
contratação pública pode ser usada para promover produtos, bens ou serviços
inovadores – estamos aqui perante a contratação pública promotora da inovação
(CPPI). Ao promoverem políticas secundárias ou horizontais, os Estados aumentam a
procura por produtos e serviços com o menor impacto ambiental (CPE); encorajam a
responsabilidade social, traduzida em políticas e práticas de apoio ao emprego jovem
ou à reinserção de desempregados, por exemplo (CPSR); e promovem a inovação, pilar
essencial da competitividade (CPPI)9. Fica assim, em traços gerais, definido o universo
da Contratação Pública Sustentável (CPS).
Por fim, vertemos atenção nos jovens NEET. Esta designação surge da tentativa
de encontrar o número mais correto do total de população jovem efetivamente
desempregada, e assim obter uma percentagem que servirá de base à resenha das
necessárias políticas públicas. Usualmente, é calculada a taxa de desemprego, que
resulta da diferença entre a população ativa e a população não ativa. Por se tratar de
um rácio imperfeito, tem-se optado, para propósitos comparativos, descortinar a
percentagem de jovens que não estão a trabalhar, nem a estudar, nem a fazer
formação.
Traçadas estas considerações iniciais, avançamos para a análise da realidade dos
jovens NEET, tendo como referência, como veremos, o ano de 2011 e posterior estudo
das políticas sociais. Por fim, centramos atenções na instrumentalização da contratação
pública para a prossecução de políticas sociais.

9
Tais são as conclusões de um relatório deveras essencial e detalhado, elaborado por um think tank
dedicado à sustentabilidade: KAHLENBORN, Walter; MOSER, Christine; FRIDJAL, Joep; ESSIG, Michael,
Strategic Use of Public Procurement in Europe – Final Report to the European Comission MARKT/2010/02/C,
Berlin: adelphi, 2011, disponível em:
http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/modernising_rules/strategic-use-public-
procurement-europe_en.pdf. A tradução de excertos, devidamente citados e identificados é livre.

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Carlos Rodrigues

3. O CENÁRIO EUROPEU: OS JOVENS NEET

O quadro europeu, ao qual Portugal não é alheio,10 carateriza-se por uma


elevada taxa de desemprego,11 que atinge com particular força a população jovem. De
facto, esta geração é a mais formada a nível académico de sempre mas tem, no reverso
da medalha, dificuldade acrescida no acesso ao mercado de trabalho, o qual se
encontra saturado e mal regulado. A regulação, quando existente, tem lacunas e
subterfúgios que propiciam situações de exploração e trabalho precário, lançando a
instabilidade no espaço pessoal dos jovens e no próprio tecido económico da
sociedade em que se inserem.
Assim, a União Europeia tem que definir políticas, no domínio social, que visem
a necessária reforma do mercado do trabalho, no sentido de combater as dificuldades
específicas dos jovens, que podem ser resumidas na seguinte fórmula: obter um
emprego estável, com um nível de remuneração ajustado às habilitações académicas e
competências profissionais e pessoais. Como bem denota Giddens, o primeiro e
principal objetivo de todas as economias “tem de ser o aumento do nível de riqueza e a
criação de emprego” (2014, p. 132).12 Tal só será possível, na nossa ótica, se as novas
políticas incluírem nos seus considerandos a população jovem, enquanto a fatia da
população ativa particularmente afetada pela crise. Projeta-se, assim, um objetivo
estratégico de aumentar o nível de emprego dos jovens, que traz benefícios
incontestáveis: alivia os sistemas de segurança social e evita a saída forçada dos jovens
qualificados dos seus países de origem.
A reforma dos sistemas de segurança social é uma das prioridades da União
Europeia. Tais sistemas encontram-se sobrecarregados com um elevado número de
subsidiários face à taxa de população ativa que financia o sistema com uma parte (cada
vez maior) do seu rendimento. Apostar na empregabilidade da população jovem vai
permitir diminuir o número de subsidiários, por um lado, e aumentar a taxa de

10
Apesar de uma quebra recente, a taxa de desemprego referente a 2015 fixou-se em 12,5%, após de no
ano de 2013 ter atingido o pico de 16,2% (Pordata, 2016). Para melhor leitura dos valores, cumpre recordar
que a taxa apenas calcula os desempregados registados no centro de emprego, o que se revela um
número inferior aos desempregados “reais.”
11
A taxa, no ano de 2014, fixou-se nos 10,4% (Pordata, 2015).
12
O autor analisa a “garantia jovem”, aposta das políticas europeias, apontado que o financiamento aos
programas dessas políticas deve ser proporcional à escala do problema (p. 133).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 67


A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

população ativa a fazer descontos, por outro, o que vai aliviar, num cenário ideal mas
possível, a carga fiscal que recai sobre o contribuinte e reforçar a sustentabilidade dos
sistemas de segurança social.
Ora, para definir da melhor forma possível as políticas a aplicar, cumpre partir
de dados estatísticos rigorosos. No que concerne ao nosso tema, a estatística foca-se
na taxa de desemprego. Todavia, a mesma pode não corresponder aos reais números.
Assim, numa tentativa que encontrar uma estatística mais rigorosa, recorta-se da
população jovem os NEET.
A Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho
(EUROFOUND) tem como missão “contribuir para a conceção e o estabelecimento de
melhores condições de vida e de trabalho através de uma ação com vista a desenvolver
e difundir os conhecimentos que permitam facilitar tal evolução.”13 De acordo com o
seu Relatório, no ano de 2011, a União Europeia apresenta uma taxa de NEETs de
15,4% entre a população de 15 e 29 anos. Em Portugal, a taxa é de 14%, sendo o caso
mais preocupante, a nível comunitário, o da Bulgária (24,6%).14

4. AS POLÍTICAS SECUNDÁRIAS NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA

A racionalidade económica está presente em toda a lógica da contratação


pública. Não obstante ser reforçada durante épocas de crise financeira e económica,
toda a contratação deverá ser feita em obediência a critérios de rigor, eficiência,
economia e eficácia, de forma a evitar desperdícios, morosidade e práticas de
corrupção. Neste sentido, podemos afirmar que a política primária da contratação
pública é a prossecução do interesse público ao menor custo possível.
Os elementos de prossecução das políticas secundárias podem ser introduzidos
em três fases distintas: na formação dos contratos públicos (por exemplo, estabelecer

13
Regulamento (CEE) nº 1365/75 do Conselho, de 26 de maio de 1975, relativo à criação de uma Fundação
Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, entretanto modificado pelos
Regulamentos (CEE) n.º 1947/93, de 26 de julho, n.º 1649/2003, de 1 de outubro e n.º 1111/2005, de 4 de
agosto. Trata-se de um órgão tripartido que, no exercício das suas funções, “avalia e analisa as condições
de vida e de trabalho, dá pareceres autorizados e conselhos aos responsáveis e principais agentes da
política social, contribui para a melhoria da qualidade de vida e informa sobre as evoluções e as
tendências”.
14
Para uma leitura mais detalhada dos dados do Relatório, vide http://observatorio-das-
desigualdades.cies.iscte.pt/index.jsp?page=news&id=230.

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Carlos Rodrigues

critérios específicos de admissão das candidaturas e de seleção dos candidatos); na


fase de adjudicação, ao decidir esta com base na proposta economicamente mais
vantajosa; e por fim, na fase de execução, ao exigir-se que o serviço ou o produto a
apresentar contenha determinadas caraterísticas.
Antes de analisarmos a introdução propriamente dita de elementos das políticas
secundárias de cariz social, cumpre fazer uma breve resenha da evolução das referidas
políticas no meio comunitário.

4.1. O Acórdão Concordia Bus

Duas Comunicações Interpretativas da Comissão Europeia ocupam posição


central nesta matéria: a COM (2001) 274 final, de 28 de novembro, sobre o direito
aplicável aos contratos públicos e as possibilidades de integrar considerações
ambientais na contratação pública; e a COM (2001) 566 final, de 15 de outubro, sobre o
direito europeu aplicável aos contratos públicos e as possibilidades de integrar aspetos
sociais nesses contratos.
Na segunda Comunicação, a Comissão sublinha o papel das políticas sociais
europeias na construção da economia europeia e como pilar do desenvolvimento
sustentável. Os princípios da igualdade e da não-discriminação são recordados e
evoca-se a necessidade de prossecução de objetivos sociais, através da imposição de
condições de execução dos contratos públicos que sobre os mesmos versem –
obrigação de contratar uma quota de trabalhadores portadores de deficiência, de
providenciar pela formação dos quadros profissionais, de incluir população jovem e de
promover a igualdade entre géneros.
Tais critérios devem passar o filtro dos princípios europeus e da não-
discriminação. Diretamente relacionados com o produto/serviço a adquirir, os critérios
de adjudicação devem ser objetivos, verificáveis e específicos. Estes são os requisitos
legados pelos Acórdão Concordia Bus.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 69


A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

Marco incontornável da história do Direito Europeu do Ambiente, o Acórdão15


tem um carácter inovador que assenta na defesa da compatibilidade entre a introdução
de exigências ambientais em termos de critério de adjudicação e o princípio da não-
discriminação. Existem alguns requisitos a cumprir: os critérios ecológicos devem estar
relacionados com o objeto do concurso e não podem conferir à entidade adjudicante
uma liberdade de escolha incondicional. Têm que estar, ainda, expressamente
mencionados nos cadernos de encargos ou no anúncio de concurso e respeitar os
princípios fundamentais do direito europeu (com expressa menção ao princípio da
não-discriminação, no parágrafo 63).

4.2. A voz do soft law

A Estratégia Europa 2020,16 consagrada na COM(2010) 2020, de 3 de março,


assenta em três prioridades: desenvolvimento de uma economia baseada no
conhecimento e na inovação; promoção de uma economia hipocarbónica (norteada
pela competitividade e pela utilização eficaz dos recursos); e fomento de uma

15
Oferecendo uma análise do Acórdão, os fatos subjacentes, o quadro legal invocado e o impato nas
legislações dos ordenamentos jurídicos, vide CHARRO, Pablo, Case C-513/99, Concordia Bus Finland Oy Ab
v. Helsingin kaupunki and HKL-Bussiliikenne, Judgement of the Full Court of 17 September 2002, in
Common Market Law Review, nº 40, Kluwer Law International, Holanda, 2003, pp. 179-191. Perspetivando o
mercado ao serviço do Ambiente, através da aceitação de critérios verdes na contratação pública, vide
KUNZLIK, Peter, Making the Market Work for the Environment: Acceptance of (Some) „Green‟ Contract
Award Criteria in Public Procurement, in Journal of Environmental Law, Vol. 15, nº 2, Oxford University
Press, Inglaterra, 2003, pp. 175-201. Por sua vez, colocando frente a frente os setores público e privado
face aos desafios ambientais, deixando importantes notas para os desenvolvimentos que vieram a suceder-
lhe, o estudo seguinte: NEW, Steve, GREEN, Ken e MORTON, Barbara, An analysis of private versus public
sector: responses to the environmental challenges of the suplly chain, in Journal of Public Procurement, Vol.
2, nº 1, 2002, pp. 93-105. (http://ippa.org/jopp/download/vol2/issue-1/NewGreen.pdf)
16
Para uma visão geral sobre os contornos, desafios e objetivos da mesma, vide: PORTO, Manuel, A
Estratégia Europa 20-20: visando um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, in CORREIA, Fernando
Alves, MACHADO e Jónatas, LOUREIRO, João Carlos, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim
Gomes Canotilho, Vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 549 a 569. O autor conclui que a Estratégia
visa contribuir para o futuro colectivo. Preocupa-se com a defesa e promoção da competitividade,
depositando expectativas elevadas na iniciativa empresarial, a par da existência de uma intervenção
pública considerada indispensável.
Para uma análise centrada no Modelo Social Europeu, os desafios que enfrenta e as propostas à sua
reforma, num contexto marcado (também) pela Estratégia Europa 2020, vide MARQUES, Paulo, Entre a
Estratégia de Lisboa e a Europa 2020 – Para onde caminha o Modelo Social Europeu?, Editora Princípia,
Cascais, setembro de 2011. A obra resulta da Dissertação de Mestrado em Economia e Políticas Públicas
defendida no final de 2010, pelo Autor, no Instituto Universitário de Lisboa.
No sentido de uma resenha sobre o contexto da Europa 2020, da Estratégia de Lisboa e do balanço
possível até então, vide SILVA, António Martins da, História da Unificação Europeia – A integração
comunitária (1945-2010), Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2010, pg. 313 e sgs.

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Carlos Rodrigues

economia com elevados níveis de emprego, capaz de assegurar a coesão social e


territorial. As autoridades públicas podem contribuir significativamente através do seu
poder de aquisição. A procura de produtos e serviços mais ecológicos, inovadores e
socialmente responsáveis, tem o potencial de orientar as tendências da produção e do
consumo na direção da sustentabilidade.
O desafio jurídico consiste num salto qualitativo: abandonar a visão redutora de
que as considerações ambientais e sociais são meros aspetos secundários, meras
políticas instrumentais, em prejuízo de uma visão economicista que privilegia tão
somente o preço dos produtos, bens ou serviços.
Rematamos com a constatação de que é no domínio ambiental que a política
da União Europeia tem primado pela produção legislativa e jurisprudencial. Tal é visível
nas diversas políticas que tenta levar a cabo, como eixo estratégico de colocar-se na
vanguarda da sustentabilidade a nível mundial.
A União Europeia tem desempenhado um papel relevante, numa tentativa de
recuperar e fortalecer a competitividade das suas economias, mormente na aposta das
tecnologias verdes, e garantir o bem-estar dos (seus) cidadãos, através do
desenvolvimento de políticas sociais justas e equilibradas, da preservação do meio-
ambiente e da prossecução de um modelo de desenvolvimento económico que
respeite os ditames da sustentabilidade de Brundtland, no seu entendimento actual.17

17
O Sétimo Programa de Ação da União Europeia em matéria de Ambiente – “Viver bem, dentro das
limitações do nosso planeta”, aprovado pela Decisão 1386/2013/UE. Pretende dar continuidade ao
trabalho de orientação do desenvolvimento da política ambiental europeia. Com vista a combater tanto os
estilos de consumo e produção insustentáveis como as alterações climáticas e a perda de biodiversidade,
bem como de qualidade da saúde humana e ambiental, o 7º Programa propugna pela adesão completa e
profícua de todos os Estados - Membros e dos seus cidadãos (conforme o nº 2 do artigo 3º). Nos termos
do nº 1, qualquer ação emergente deste Programa será levada a cabo tendo em consideração os princípios
da subsidiariedade e da proporcionalidade, de acordo com o artigo 5º do TUE.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 71


A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

5. AS DIRECTIVAS EUROPEIAS

5.1. O primeiro passo: 2004

Aproveitando que nos encontramos no campo dos atos de Direito derivado


juridicamente vinculativos, recordamos a dispersão normativa18 que tinha como base
comum a previsão da possibilidade de recurso a critérios ecológicos de adjudicação
dos contratos. Em janeiro de 2002, o Parlamento Europeu aprovou o relatório do
deputado Stefano Zappala sobre as propostas da Comissão relativas a duas novas
Diretivas para o setor dos contratos públicos. Incentiva a adoção de considerações
sociais e ambientais nas regras da adjudicação dos contratos públicos. Influenciadas
por este relatório, bem como pela jurisprudência comunitária, as Diretivas de 2004
incentivam à prossecução de políticas secundárias, de natureza social ou ambiental (a
este propósito, tenham-se em conta os considerandos 1, 5, 28 e 34 da Diretiva-
clássica).
As Diretivas têm um objetivo: clarificar a forma como as entidades adjudicantes
podem contribuir para a proteção do ambiente e para a promoção do
desenvolvimento sustentável, sem prejudicar a possibilidade de obterem a melhor
relação qualidade/preço no âmbito da contratação pública. Procuram atualizar e
modernizar o regime anterior, evidenciado a função da contratação pública enquanto
instrumento de execução de políticas estruturais e setoriais da UE, em especial políticas
sociais e ambientais. A este propósito, vejam-se a alínea b) do número 3 e o número 6
do artigo 23.º («especificações técnicas») e os artigos 26.º e 27.º («condições de
execução do contrato») da Diretiva 2004/18/CE. Apesar de recentemente derrogadas
pelas Novas Diretivas de 2014, cumpre lançar-lhes um olhar crítico e colher as ideias
mais relevantes.
As Diretivas visam coordenar os procedimentos e não tanto a criação de um
corpo normativo único e completamente harmonizado relativamente à contratação
pública. Lançam as ideias gerais e as bases necessárias, mas deixam aos Estados-

18
A saber, as Directivas seguintes: 92/50 (serviços); 93/36/CEE (fornecimentos); 93/37/CEE (empreitadas);
93/38/CEE (setores especiais: água, energia, transporte e telecomunicações); 89/665/CEE e 92/13/CEE
(recursos).

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 72


Carlos Rodrigues

membros a liberdade para a aplicação concreta dos procedimentos, o que explica os


diferentes graus de implementação. Tal liberdade, como sublinha DAY, apenas permite
aos Estados ir mais longe (2004, p. 204).19
Podem ser definidas condições sociais e ambientais para a execução do
contrato (art. 26.º), desde que respeitadas certas condições. Notamos, aqui, a influência
do Ac. Concordia Bus, pois as Diretivas evocam os limites que nele encontramos
relativamente à introdução das considerações ambientais e sociais. Mas a prossecução
de objetivos sociais e ambientais, embora louvável e necessária, apresenta riscos, pelo
que se preveem condicionalismos e limites.
No campo dos princípios e critérios de adjudicação, esta deve basear-se em
critérios objetivos que assegurem o respeito dos princípios da transparência, da não-
discriminação e da igualdade de tratamento, e que garantam, simultaneamente, a
apreciação das propostas em condições de concorrência efetiva. A adjudicação pode
ser feita por um de dois critérios: o preço mais baixo e a proposta economicamente
mais vantajosa.
Em termos sucintos, distinguimos os dois critérios. De acordo com o “preço
mais baixo”, a adjudicação é feita a favor da proposta que apresente o preço mais
baixo para o fornecimento do bem/produto ou para a prestação do serviço objecto do
contrato. Por seu lado, a proposta economicamente vantajosa é aquela que, analisado
um leque de critérios, definidos no início do concurso e nos quais podemos incluir
critérios ambientais e/ou sociais, se apresenta como a mais vantajosa.20
No que respeita às considerações sociais, as condições de execução dos
contratos são compatíveis com as Diretivas enquanto não sejam discriminatórias e
estejam indicadas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos. Os objetivos
mais importantes consistem na formação profissional, no emprego de pessoas com

19
Tal como a autora explica, as entidades locais subtraem-se, pelo baixo valor dos seus contratos, à
aplicação das Directivas. Não obstante, a inclusão de considerações ambientais deriva do próprio Tratado
(de Lisboa), pelo que não carece de legitimação e deve obedecer aos princípios europeus e nacionais
vigentes.
20 Imaginemos a seguinte situação: para o fornecimento de lâmpadas, a proposta A é mais cara que a
proposta B, mas tem a especificidade de prever o uso de lâmpadas energéticas. Atendendo a critérios
económicos e ambientais, os quais devem estar devidamente publicitados no início do concurso, é possível
calcular a proposta A como a economicamente mais vantajosa.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 73


A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

dificuldades especiais de inserção, na luta contra o desemprego (em particular o


desemprego jovem e das pessoas portadoras de deficiência) e a proteção do ambiente.
De particular importância é o «Ato para o Mercado Único. Doze alavancas para
estimular o crescimento e reforçar a confiança mútua. Juntos para um novo
crescimento», COM (2011) 206 final, de 13 de abril. Inclui doze ações prioritárias a
adotar pelas instituições até final de 2012. Dessas ações destacamos a revisão e
modernização do quadro normativo no domínio dos contratos públicos, com o
objetivo de flexibilizar os procedimentos de adjudicação e permitir uma melhor
utilização estratégica destes contratos para alcançar outras políticas e, assim, responder
aos novos desafios. Procura-se que a Diretiva se baseie numa abordagem de
capacitação, ou seja, que forneça às autoridades adjudicantes os instrumentos
necessários à prossecução dessas políticas.

5.2. O segundo passo: 2014

As Novas Diretivas surgem em fevereiro de 2014.21 Referimo-nos à Diretiva


2014/24/UE, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva-clássica, e à
Diretiva 2014/25/UE, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que
operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que
revoga a Diretiva 2004/17/CE. Acresce a Diretiva 2014/23/UE, relativa à adjudicação de
contratos de concessão. As diretivas são do Parlamento Europeu e do Conselho e
datam de 26 de fevereiro de 2014.22
A sua construção teve vários passos, dos quais destacamos a COM (2011) 896
final, de 20 de dezembro, uma proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do
Conselho relativa aos contratos públicos (mais especificamente, à Diretiva-clássica). Ao
visitarmos o artigo 66.º, em especial a alínea b) do seu n.º 1, encontramos uma

21
http://www.eipa.eu/en/pages/show/&tid=44 – o sítio disponibiliza todos os documentos que fizeram
parte integrante do processo de revisão das Diretivas de 2004, na língua inglesa, bem como outra
legislação relevante no setor. Neste sentido, Estorninho, Maria João, Curso de Direito dos Contratos Públicos
– Por uma contratação pública sustentável, Almedina, Coimbra, novembro de 2012, pp. 111 a 158.
22
Utilizaremos a Versão Oficial em Língua Portuguesa publicada no Jornal Oficial da União Europeia L 94,
57º ano, 28 de março de 2014. Por assumir um carácter geral, centraremos as atenções na Diretiva
2014/24, pelo que as remissões apresentadas neste ponto devem ser entendidas no contexto dessa
Diretiva. A referência a outros atos normativos será devidamente identificada em momento próprio.

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Carlos Rodrigues

referência surpreendente. Esta alínea prevê, como um dos dois critérios de adjudicação,
«o preço mais baixo». Ora, os diversos pareceres que se sucederam foram quase
unânimes quanto à retirada deste critério, em prol da «proposta economicamente mais
vantajosa.»23
Verificaram-se duas exceções. A Comissão da Indústria, da Investigação e da
Energia não procede a alguma alteração, embora reconheçamos no seu Parecer um
forte indício de sustentabilidade: de facto, procura incluir nas suas alterações
considerações sociais, que se reportam, principalmente, à condição dos trabalhadores e
ao processo de produção (por exemplo, usar a sustentabilidade social do processo de
produção como critério para aferir a proposta economicamente mais vantajosa). Por
seu lado, a Comissão para o Desenvolvimento Regional admite a existência dos dois
critérios, embora estabeleça que a «proposta economicamente mais vantajosa» deva
prevalecer. O critério do «preço mais baixo» deve ser invocado quando hajam “boas
razões para assim proceder”.24
A revogação tem efeitos a partir do dia 18 de abril de 2016 (art.º 91.º). Na
mesma data devem os Estados-membros pôr em vigor as disposições legislativas,
regulamentares e administrativas necessárias ao cumprimento das Diretivas (n.º1 do
art.º 90.º). Ambas entram em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no
JOUE (art.º 93.º).25
Por último, destacamos as três mudanças que representam a reforma a que o
regime europeu fica sujeito com estas Diretivas, o que resulta numa modernização há

23
Relativamente à Diretiva 2004/17, temos a COM (2011) 895 final. Deitamos um olhar atento ao “Relatório
sobre a proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos Contratos Públicos”,
disponível em: http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=REPORT&reference=A7-2013-
0007&format=XML&language=PT. Assume uma importância fulcral, pois reúne os diversos Pareceres, os
quais, por sua vez, deram um contributo indispensável para a edificação das Novas Diretivas.
Para uma análise aturada destas propostas, vide PEREIRA, Pedro Matias e FRANCO, João Soares, A
adjudicação de Contratos Públicos em contexto de crise, in Revista de Contratos Públicos, n.º5, CEDIPRE,
Coimbra, 2012, pp. 143 a 165; também, ESTORNINHO, Maria João, idem, 2012, pgs. 307 a 310.
24
Apesar disso, uma proposta de alteração insuficiente: encara a proposta economicamente mais
vantajosa como um meio de alcançar a “melhor e mais vantajosa proposta em termos económicos e socais
e assegurar uma melhor relação qualidade/preço”. Ausentes estão, portanto, considerações de índole
ambiental (conforme as pgs. 422 e 423 do Relatório mencionado na nota de rodapé anterior).
25
Prevendo os mesmos prazos: arts. 51º e 54º da Diretiva 2014/23 e 106º, 107º e 109º da Diretiva 2014/25.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 75


A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

muito esperada:26 propugnam pela total implementação do e-procurement; introduzem


novos procedimentos mais céleres e menos burocráticos; e focam-se no uso
estratégico das regras de contratação pública, o que se traduz, entre outras aspetos, na
promoção da prossecução de políticas horizontais ou secundárias.

5.3. O «como» das políticas secundárias

A crítica principal às Diretivas de 2004, nesta matéria, aponta que estas indicam
«o que» fazer, os fins a alcançar, mas pouco ou nada dizem acerca do «como», dos
meios para alcançar esses objetivos. As Diretivas de 2014 tentam colmatar essa falha.
Cumpre recordar que a consideração de políticas secundárias pode ser
introduzida numa, ou em todas, de três fases: formação do contrato, momento de
adjudicação e execução do contrato já adjudicado. Veremos, de seguida, como é que
as Novas Diretivas enxertaram as políticas secundárias.
O preço mais baixo deixa de ser o fator decisivo na adjudicação do contrato
(considerandos 89 e 90 e artigo 67.º da Diretiva 2014/24, bem como os considerandos
94 e 95 e o art.º 82.º da Diretiva 2014/25). As entidades adjudicantes conhecem agora
maior liberdade, devidamente regulamentada, para a inclusão de critérios ambientais e
sociais nas suas especificações de contratações públicas, ao lhes ser incitada a
adjudicação à proposta economicamente mais vantajosa.
A proposta economicamente mais vantajosa pode ser identificada com base no
preço ou custo, através de uma abordagem de custo-eficácia, como os custos do ciclo
de vida, e pode incluir a melhor relação qualidade/preço. Esta deve ser avaliada com
base em critérios que incluam aspetos qualitativos, ambientais e/ou sociais ligados ao
objeto do contrato público (n.º2 do art.º 67.º).
Existe a possibilidade de as entidades adjudicantes serem impedidas de utilizar
o preço ou o custo como único critério de adjudicação, ou ver restringida essa

26
As Diretivas encontravam-se em gestação desde abril de 2010. Tal como podemos ler no considerando 2
da Diretiva 2014/24, as Diretivas de 2004 careciam de uma revisão e modernização que permitissem
aumentar a eficiência da despesa pública, facilitar a participação das pequenas e médias empresas na
contratação pública e permitisse uma melhor utilização desta no âmbito das políticas horizontais ou
secundárias. De outro tanto modo, esta modernização responde à necessidade de noções e conceitos
básicos claros, que garantam a segurança jurídica.

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utilização. Tal restrição ou proibição nasce do Estado-membro respetivo (parte final do


n.º2 do art.º 67.º), com o intuito de «incentivar uma maior orientação da contratação
pública para a qualidade» (considerando 90).
A adjudicação dos contratos depende da verificação, pela entidade adjudicante
(arts. 59.º a 61.º), do preenchimento de três condições, duas objetivas e outra subjetiva,
elencadas no n.º1 do art.º 56.º. Este artigo estabelece os princípios gerais da seleção
dos participantes e adjudicação dos contratos.
A proposta deve cumprir os requisitos, condições e critérios estabelecidos no
anúncio de concurso ou no convite à confirmação de interesse (alínea a)). Para tanto
releva, igualmente, o disposto acerca das variantes, na medida em que estas são
permitidas quando expressamente indicadas pela entidade adjudicante e estejam
relacionadas com o objeto do contrato (parte final do n.º 1 do art.º 45.º, para o qual
somos remetidos pela referida alínea a)). Deve, igualmente, cumprir as obrigações
aplicáveis em matéria ambiental, social e laboral estabelecidas pelo Direito da UE
(conforme resulta da parte final do n.º1 do art.º 56.º, que nos remete para o n.º 2 do
art.º 18.º). Relativamente à condição subjetiva, o proponente deve passar por um triplo
crivo: não incorrer num motivo de exclusão (art.º 57.º), cumprir os critérios de seleção
(art.º 58.º), bem como, se aplicável, as regras e os critérios não-discriminatórios a que
alude o art.º 65.º (no terceiro parágrafo do seu n.º 2).
Como decorre do n.º 4 do art.º 67.º, os critérios de adjudicação têm que reunir
uma série de caraterísticas. A entidade adjudicante não pode, por intermédio dos
critérios, ter uma liberdade de escolha ilimitada. A concorrência efetiva deve ser
assegurada. Os critérios devem ser acompanhados de especificações cabais a uma
verificação efetiva da informação fornecida pelos proponentes, o que permite avaliar o
cumprimento, por estes, dos critérios de adjudicação.
No que respeita à fase de execução dos contratos, as autoridades adjudicantes
podem fixar condições especiais de execução, desde que relacionadas com o objeto do
contrato (n.º 3 do art.º 67.º), e sejam indicadas no anúncio de concurso ou nos
documentos do concurso. Tais condições podem incluir considerações de natureza

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 77


A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

económica, ambiental, social ou de emprego, bem como em matéria de inovação,


conforme resulta dos artigos 70.º da Diretiva 2014/24 e 87.º da Diretiva 2014/25.
No campo dos critérios ambientais e sociais, a leitura dos artigos que
oportunamente referimos elucida-nos que não vigora entre eles um princípio de
taxatividade. Nenhuma das listas de critérios contidas nos artigos é fechada,
encontrando-se abertas à inclusão de novos critérios. Essa inclusão é balizada pelos
princípios do Tratado de Lisboa, bem como pelas limitações já presentes nas Diretivas
de 2004. O artigo 67.º fala-nos expressamente da possibilidade de considerar aspetos
sociais, em cumulação ou alternativa à consideração de aspetos ambientais para
compor os critérios com base nos quais é aferida a melhor relação qualidade/preço (n.º
2).27

6. O HANDBOOK EUROPEU

O Manual “Buying Social”28 demonstra a importância crescente do fator social


no âmbito das políticas europeias. Trata-se de um Guia que facilita a consideração de
critérios sociais no âmbito da contratação pública. Permite às entidades adjudicantes a
inclusão de critérios sociais nas suas compras, assegurando a igualdade de acesso a
todos os concorrentes e garantindo a utilização eficiente dos fundos públicos. Assim, as
entidades públicas são capazes de “garantir a qualidade, a inovação, a continuidade e a
integralidade dos serviços sociais.”29

27
A Diretiva de 2014/24 contém outras referências relativas às considerações de cariz social: vejam-se os
considerandos 92, 93, 97 e 99. No considerando 96, alerta-se para a necessidade de criar uma metodologia
comum para o cálculo dos custos sociais do ciclo de vida.
28
http://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=738&langId=en&pubId=606&furtherPubs=yes - podemos
colher aqui uma definição de CPSR como os procedimentos concursais que têm em consideração uma ou
mais das seguintes considerações sociais: oportunidades de emprego, emprego decente, adesão
(compliance) a direitos sociais e laborais, inclusão social, oportunidades iguais, design de acessibilidade
para todos, incluindo desafios da troca ética e adesão voluntária a responsabilidade corporativa social, no
respeito pelos princípios presentes no TFUE e nas Diretivas de 2004 (pg. 7., tradução livre).
29
In Livro Branco sobre as compras públicas ecológicas, idem, pg. 11. No âmbito da jurisprudência
europeia, destacamos os Acórdãos: Ac.Viking, proc. C-438/05, de 11 de dezembro de 2007, Coletânea
2007, mormente o parágrafo 79 (na medida em que esclarece que a Comunidade tem tanto uma
finalidade económica como social); Ac. Ruffert, proc. C-346/06, de 3 de abril de 2008, Coletânea 2008, que
reafirma o entendimento do Ac. Viking. Para uma resenha sobre ambos vide RODRIGUES, Nuno Cunha,
idem, 2013, pp. 283-291.

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Carlos Rodrigues

As entidades adjudicantes visam, aqui, incentivar as empresas a desenvolver


uma gestão socialmente responsável. Através do seu poder de compra, podem
promover o emprego, a inclusão social, a troca ética, portanto, a adesão a standards
sociais.
Partindo de uma definição possível de CPSR, o Guia estabelece uma lista não
exaustiva de exemplos de como incluir considerações sociais na contratação pública.
Tece considerações acerca dos vários elementos que compõem a noção oferecida.
Entendemos destacar o que se entende por trabalho decente (“decent work”), termo de
acordo com o qual o cidadão tem o direito a um emprego produtivo, em condições de
liberdade, igualdade, segurança e dignidade humana30.
Os benefícios são de diversa ordem. Temos o necessário estímulo da
consciência social dos mercados. Por parte dos Governos, permite comprovar uma
governação socialmente responsável, o que responde a uma exigência crescente das
sociedades hodiernas, diversificadas e multiculturais, por uma governação consciente e
socialmente responsável. Possibilita, ainda, o estímulo da integração social, em
contexto de emprego, de grupos desfavorecidos ou minorias étnicas. No campo
económico, assegura um melhor desempenho da despesa pública.
Na nossa ótica, as referidas políticas de integração e inclusão social devem
privilegiar também os jovens NEET, no âmbito de uma estratégia de salvaguardar a
sustentabilidade dos sistemas de segurança social e prevenir a fuga (forçada) dos
jovens altamente qualificados. Os mesmos representam um eixo estratégico de
qualquer estratégia de governação que vise modernizar o país e dotar a sua economia
das tão necessárias notas de competitividade e qualificação académica e profissional.

7. A CONTRATAÇÃO PÚBLICA SUSTENTÁVEL E A CAMPANHA PROCURA+

No âmbito do Projeto Procura+, surge um Guia sobre a Contratação Pública


Sustentável (Clemente, 2007). Aqui encontramos uma definição de Contratação Pública
Sustentável, como a contratação inteligente, que significa melhorar a eficiência da
contratação pública e, simultaneamente, usar o poder influenciador dos mercados
30
Vejam-se a propósito a COM (2006) 249, de 24 de maio, e a SEC (2008) 2184, baseada na COM (2008)
412 final, sobre o contributo da UE na promoção do “trabalho decente”.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 79


A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

públicos para conseguir importantes benefícios ambientais e socais, local e


globalmente. Para o que nosso tema importa, o Guia não vem apresentar os NEET
como um exemplo de política social a ser seguida, ao centrar-se na análise da
Contratação Pública Sustentável como um todo.
A CPS traduz a aquisição de produtos e serviços o mais sustentáveis possível, ou
seja, com o menor impacto ambiental e o melhor impacto social possíveis. Traduz-se
na integração sistemática de considerações ambientais e sociais em todas as atividades
de contratação pública (compra de bens ou serviços). Esta integração inicia-se com o
momento de definição das necessidades reais, atravessa a definição das especificações
técnicas apropriadas e os procedimentos de avaliação da idoneidade dos candidatos, e
alastra-se até aos resultados, ou seja, até à monitorização da performance e dos
resultados produzidos pelo candidato selecionado.
Na mudança para padrões de consumo e produção mais sustentáveis, alguns
passos são dissecados no referido Guia: redução do impacto ambiental de produtos e
serviços, encorajamento do desenvolvimento social e a eficiência financeira. Alguns
obstáculos permanecem, sendo o principal a falta de ferramentas que os apoiem e
materializem.
As principais vantagens desta faceta da contratação pública encontram-se
conjugando as vantagens do CPE, da CPSR e da CPPI individualmente consideradas.
Destacamos a poupança orçamental (redução das faturas energéticas, redução dos
custos relacionados com a produção de poluição, bem como dos custos da gestão dos
resíduos não recicláveis); o alcance de objetivos ambientais e de saúde, bem como
outros objetivos de cariz social; a potencialização da inovação local, ao providenciar
mercados para os novos produtos, o que lhes confere uma vantagem competitiva a
nível nacional e internacional. Com tudo isto, aumenta-se a legitimidade das políticas
horizontais ou secundárias e contribui-se para a sustentabilidade global, com todas as
vantagens que lhe estão associadas – mormente, a criação e manutenção do
«património comum», ideal de valores, standards e status quo, cuja idealização nos foi
legada por OST (1997, pp. 351 e ss.).

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Carlos Rodrigues

As condições para a alavancagem das compras sustentáveis estão a aumentar e


a serem facilitadas rapidamente. A consciência pública parece cada vez mais
sensibilizada e as oportunidades de colaboração transfronteiriça surgem em resposta à
consciência de que um desafio global requer uma colaboração e uma resposta globais
(para o que muito contribui a troca global de experiência e conhecimento).
Todavia, desafios e soluções obscurecem as claras vantagens. A falta de
informação e a mentalidade centrada nos fatores económicos são os maiores desafios.
Relativamente ao primeiro, o Guia do Projeto Procura+ pode ser um auxiliar
importante. No que respeita à necessária mudança de mentalidade das entidades
adjudicantes, as Novas Diretivas propugnam pela escolha pela proposta
economicamente mais vantajosa (que é aferida através da consideração de critérios
sociais, entre outros), retirando a hipótese da escolha pela proposta que tenha o preço
mais baixo.

8. CONCLUSÃO

A União Europeia está na vanguarda do desenvolvimento tecnológico. A


solidariedade, a sustentabilidade e a justiça são princípios que pautam toda a ação
comunitária. Interessa a construção de um modelo económico sustentável, que permita
a cooperação económica e, assim, o respeito pelas nossas responsabilidades
ambientais e sociais e permita fazer face à crise que atualmente atravessamos em
diversos aspectos.
No âmbito da Contratação Pública Sustentável, cuja faceta é aposta da União
Europeia, temos a Contratação Pública Socialmente Responsável. Esta visa integrar, nas
diversas fases de formação e execução de um contrato público, critérios de políticas
sociais de inclusão e empregabilidade. Operamos um recorte no conceito de inclusão
para privilegiar, também, os jovens NEET.
A aposta poderá ser feita de diversas formas, competindo aos Estados-membros
e entidades locais o desenho de estratégias que, dentro do quadro legal, melhor se
adequem à sua realidade específica. A título de exemplo, atribuir pontuação adicional a
um contrato de prestação de serviços de hotelaria que preveja que parte do staff seja

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 81


A Contratação Pública Socialmente Responsável ao serviço dos jovens NEET

preenchido por jovens NEET. Outro exemplo, pode consistir em prever que a empresa
que venha a produzir e entregar o bem coloque, no âmbito de recrutamento, os
estagiários ao abrigo de um contrato de trabalho, colocando-os numa posição jurídico-
laboral (e pessoal) mais garantística e conforme aos direitos dos mesmos.
A aposta nos jovens NEET é uma aposta no futuro. A jusante, permite
salvaguardar os regimes de segurança social e garantir saídas profissionais a uma
população que, face a ausência de emprego ou de progressão na carreira, se vê forçada
a emigrar, o que empobrece o país – de forma direta, pela ausência de quadros
qualificados e, logo, perda de competitividade; de forma indireta, pelo inverter da
pirâmide demográfica, com todas consequências associadas. A montante, permite
desenvolver uma economia competitiva e virada para o futuro, adaptada à (nova)
realidade laboral da sociedade global e globalizante em que vivemos.
Tanto no campo ambiental como no social, uma lógica de pensamento a médio e
longo prazo é indispensável. O verdadeiro interesse que deve fundamentar qualquer
atuação política e legislativa é o da prossecução de um modelo de desenvolvimento
económico sustentável, que tenha como traves-mestras a preservação do ambiente e o
aumento do bem-estar dos cidadãos.

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José Ricardo Sousa

A INTERCONSTITUCIONALIDADE COMO SISTEMA PROPULSOR


DE UMA IDENTIDADE EUROPEIA

JOSÉ RICARDO SOUSA1

RESUMO

O presente artigo pretende demonstrar os benefícios jurídicos, sociais e políticos que a implementação

adequada da teoria da interconstitucionalidade pode originar dentro do sistema legal da União Europeia,
bem como o seu contributo para a formação de uma identidade europeia. Em breves palavras, o artigo

aborda as características essenciais que fazem da teoria da interconstitucionalidade uma alternativa

credível para a construção da União Europeia, segundo Gomes Canotilho. Além disso, apresenta as
vantagens que a interconstitucionalidade pode acrescentar em termos jurídicos, assim como uma reflexão

pelo termo de Estado-Nação e a necessária mudança de interpretação do “conceito estático” de cidadania

europeia. Por último, mas não menos importante, o artigo pretende abordar a problemática da
interconstitucionalidade no aumento do padrão de proteção dos direitos fundamentais para os

ordenamentos jurídicos internos dos Estados-membros.

Palavras-chave: Interconstitucionalidade, Identidade, Estado-Nação, Cidadania Europeia, Direitos

Fundamentais.

Histórico do artigo: recebido em 15-02-2016; aprovado em 27-04-2016; publicado em 03-05-2016.


1
Mestrando em Direito da União Europeia pela Escola de Direito da Universidade do Minho, Braga. E-mail:
jrovsousa@gmail.com.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 91


A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

ABSTRACT

Interconstitutionality as a propellant system of a European identity. This research paper aims to demonstrate
the legal, social and political benefits that the proper implementation of interconstitutionality theory may

cause within the legal system of the European Union as well as their contribution to the European identity

formation. Briefly, the article discusses the key features that make the theory of interconstitutionality a
credible alternative to the construction of European Union, according to Gomes Canotilho. It also presents

the advantages that interconstitutionality can add in legal terms, also as a reflection of the term nation-

state and the necessary change in the interpretation of the "static" concept of European citizenship. Last
but not least, the article seeks to address the problem of interconstitutionality in increasing the standard of

protection of fundamental rights for the domestic legal systems of member states.

Keywords: Interconstitutionality, Identity, Nation-State, European Citizenship, Fundamental Rights

_________________________________________________________________________________________________________________

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende demonstrar os benefícios jurídicos, sociais e


políticos que a implementação adequada da teoria da interconstitucionalidade pode
originar dentro do sistema legal da União Europeia, bem como o seu contributo para a
formação de uma identidade europeia partindo do célebre lema recorrente europeu
(“unidos na diversidade”) para alcançar a longo prazo, uma identidade europeia global
com características mais similares (ou até mesmo comuns) que a que está vincada
atualmente. Até ao momento, não existe uma definição clara acerca do conceito de
Constituição. Por uma perspetiva histórico-universal, a Constituição representa um
conjunto de regras e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem
jurídico-política num determinado sistema político-social. No caso português, esta
representa a lei máxima na qual são consagrados os direitos fundamentais dos
cidadãos, os princípios pelos quais um Estado é administrado, a organização do
sistema político nacional, assim como a definição dos órgãos e suas respetivas funções
e, por último, mas não menos importante, as orientações políticas a que os respetivos
órgãos devem obedecer.
No início do século XXI surgiu a primeira tentativa europeia de unir o sistema
político europeu através de uma constituição supranacional. O recém-sucesso da união

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 92


José Ricardo Sousa

económica e monetária foi o motivo chave que levou os vários líderes europeus a
elaborarem uma nova estratégia europeia e continuarem o aprofundamento da
organização, e assim surgiu o Tratado Constitucional. Curiosamente, o entusiasmo
inicial dos líderes europeus facilmente colidiu com o ceticismo do povo francês e
holandês, dois países fundadores da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Mais
do que nunca, a União Europeia precisa de encontrar novas respostas para os atuais
desafios económicos, sociais e institucionais que tendem a desagregar a ideia de
unidade europeia original de Jean Monnet e Robert Schuman. A União Europeia é
constituída por vinte e oito constituições compostas por diferentes princípios, normas
ou organismos que, por vezes, em nada são semelhantes. Não obstante, uma nova
corrente doutrinária de prestigiados constitucionalistas europeus, como Gomes
Canotilho, divulgaram uma nova teoria, que pretende aumentar o entrosamento
institucional e democrático dos sistemas políticos nacionais baseado numa espécie de
rede multinível de constituições nacionais – a interconstitucionalidade. Este trabalho
pretende questionar se será a interconstitucionalidade um sistema à altura dos desafios
contemporâneos europeus. De que forma a interconstitucionalidade pode contribuir
para a criação da tão desejada identidade europeia?

Como ainda não existe uma Constituição com características europeias torna-se
por vezes difícil estabelecer as devidas conexões funcionais entre a União Europeia e os
respetivos Estados-membros. Desde o início da organização internacional que o
conflito entre o direito interno e o direito europeu é cada vez mais evidente. O Tribunal
de Justiça da União Europeia tem tido um papel preponderante e inovador com a
interpretação das normas da legislação europeia e o assegurar do normal cumprimento
das mesmas. Todavia, os Tratados e os atos legislativos europeus tornaram os sistemas
dos Estados-membros obsoletos e cada vez menos responsivos aos constantes desafios
que a eles são imputados.

2. A TEORIA DA INTERCONSTITUCIONALIDADE

Ainda muito antes da desilusão dos referendos para o Tratado Constitucional,


os especialistas em direito constitucional de várias universidades europeias juntaram-se

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 93


A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

para estudar um novo paradigma jurídico-constitucional europeu. Uma nova corrente

doutrinária começa a surgir na Europa, designada por teoria da interconstitucionalidade

(Canotilho, 2012, pp. 265 e ss.). Em Portugal, esta teoria foi inicialmente introduzida por
F. Lucas Pires em 1998. A referida teoria pretende enfrentar o problema da articulação
entre os poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas e, desta forma,

estudar as relações interconstitucionais de concorrência, convergência e posições

conflituosas entre as várias constituições europeias e os respetivos poderes


constituintes, ao invés de se lidar constantemente com conceitos de

“constitucionalismos multilaterais” ou “constitucionalismos federativos”.

Através deste pressuposto surge a teoria da interconstitucionalidade. Segundo


Gomes Canotilho, o processo de instituição de uma constituição europeia deve-se
desenvolver através desta teoria que aponta para autodescrições e autossuficiências

nas constituições nacionais para se suportar juridicamente. O motivo pelo qual a

autodescrição se revela importante para a interconstitucionalidade prende-se com o


facto de ser a única forma capaz de absorver as identidades nacionais dos diversos
Estados-membros, bem como as memórias e a identidade política que se encontram
nos respetivos textos constitucionais.

Outro ponto pertinente na interconstitucionalidade está na permanência do


valor e consequente função das Constituições estaduais, ou seja, o facto das
Constituições nacionais estarem em rede não retira importância funcional ou

organizacional das próprias. Segundo Gomes Canotilho, a rede formada por normas

constitucionais e por normas europeias de valor constitucional (normas e princípios dos


Tratados institutivos da União Europeia), fazem abrir as portas dos Estados mais
conservadores e relativizar os princípios da estabilidade (soberania interna,

independência, hierarquia das normas, etc.), mas não dissolve na rede os traços
principais das formatações constitutivas dos Estados-membros.

Na teoria supra aludida, a interconstitucionalidade é sinónimo e expressão da


intraorganizatividade. A autodescrição aponta para um outro sentido: necessidade

autodescritiva da organização superior. Gomes Canotilho refere que é discutível se a

autodescrição interorganizativa pressupõe um texto constitucional autodescritivo,

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 94


José Ricardo Sousa

expressamente formulado, e legitimado como tal, ou se a descrição pode resultar do

ato de assumir como constitucionalmente intraorganizativos de textos inicialmente

concebidos como convenções interestatais, como por exemplo os Tratados institutivos


da União Europeia. No sentido contrário, a Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia apontam para uma articulação da autodescrição das Constituições nacionais

em rede com a autodescrição identificadora da nova organização política. Desta forma,

os textos constitucionais mantêm-se como uma autorreferência dos sistemas nacionais


ao mesmo tempo que reentram na rede interorganizativa para assegurar o respeito das

identidades nacionais celebrado no artigo 6º n.º 3 do Tratado da União Europeia (TUE).

Supletivamente, a teoria da interconstitucionalidade também é uma teoria da


interculturalidade constitucional. A interculturalidade trata-se, como o prefixo da

palavra assim o indica, de uma partilha de cultura, ideias ou formas de encarar o


mundo e os outros. Segundo Gomes Canotilho, não se trata de uma “cultura de
organização” ou “cultura de interorganização”, mas revela um carácter de um “conceito

de integração”, isto é, um conceito de cultura transportador de dimensões interculturais


servindo de mediação daquilo que “foi” num determinado momento, ou o
desenvolvimento do que “foi” em determinado momento com a devida promoção da

transformação cultural. O conceito de interculturalidade pode ser considerado também

como um “super conceito” de várias culturas de um determinado grupo humano com


um sentido pluralista e diversificado.

De acordo com Gomes Canotilho, a interconstitucionalidade coloca um

problema de articulação de paradigmas diversos de poderes constitucionais. A doutrina


portuguesa sugeriu a diferenciação de um paradigma funcional, que está estabelecido

em Portugal, França ou Espanha, de um paradigma não funcional, que é um sistema


vigente no Reino Unido. Desta forma pode assistir-se a um confronto entre dois

paradigmas e consequentemente dois sistemas europeus que podem colocar um

problema constituinte de interorganizatividade. Assim, existem dois tipos de


paradigmas e sistemas europeus que colocam um problema constituinte do texto da

interorganizatividade.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 95


A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

A Constituição da Europa é indispensável à autodescrição identificadora da

organização política superior. Neste momento existe uma articulação de paradigmas,

contudo defronta-se com um claro dilema: ou pretende assegurar a evolução do


sistema interorganizativo segundo um esquema de valores e de programação finalista
(comunidade de defesa comum, política externa comum) ou pretende ser evolução

segundo o modelo de aquisições sucessivas.

A interconstitucionalidade sugere intersemioticidade, uma vez que ela não

dispensa a investigação e descoberta do conjunto de regras respeitantes à produção e

interpretação dos textos constitucionais. Assim se pode afirmar que as Constituições

nacionais são dimensões de uma hermenêutica jurídica europeia. A intersemioticidade


europeia apontará para uma justiça compreensiva no contexto de comunidades
pluralistas onde se disputam várias conceções de bem. O problema que se coloca é

saber se este tato hermenêutico passa pelo recurso a um renovado formalismo jurídico

a fim de se evitar a falta de concordância, ou se é possível conjugar a hermenêutica


jurídica europeia numa inclusividade cultural, onde “valores” e “ideias” sejam unificadas.
Segundo Peter Haberle (ibid., p.278) a intersemioticidade implica articulação da busca
de regras referentes à produção e interpretação dos textos constitucionais com a

formulação de discursos e práticas sociais num contexto cultural pluralista.

Segundo Konrad Hesse, a história passou por cima dos fundamentos que se
compunham como partes constitutivas da doutrina do Estado e da Constituição (ibid.,

p. 283). O exemplo mais recente incide sobre a reflexão da necessidade de existir uma

constituição para a União Europeia. Os EM insistem num modelo estático carecido de


respostas à emergência da globalização ou regionalização, em vez de criar uma
dinâmica capaz de dar agilidade indispensável para futuros desafios constitucionais. As

ruturas paradigmáticas teriam de ser feitas na superação do esquema referencial


Constituição-Estado, assim como “a necessidade de ultrapassar as teorias dos

momentos constitucionais isolados e únicos e apreender o sentido do


constitucionalismo evolutivo; substituição do esquema hierárquico-normativo do

direito constitucional por um sistema multipolar de governance constitucional”. (ibid.,

p.283)

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 96


José Ricardo Sousa

3. UMA NECESSÁRIA MUDANÇA DO PARADIGMA CONSTITUCIONAL EUROPEU

As palavras supra aludidas de Konrad Hesse são um bom ponto de partida para
o entendimento da necessidade de uma nova conceção constitucional europeia. Na sua
investigação, Gonçal Mayos (Mayos, 2015, p.1) refere as mesmas preocupações
mencionadas por Konrad Hesse. De acordo com o mesmo, numa era globalizada como
a que vivemos atualmente, as sociedades geram inúmeros e profundos fenómenos
“inter”, os quais despertam características complexas, definitivas e causadoras de novos
riscos e conflitos). Cada vez mais se tem notado o aparecimento de fenómenos
antagónicos na sociedade europeia desenvolvidos por diferentes tipos de “inter”
relações. Estas têm-se tornado numa espécie de processos permanentes nas
sociedades globalizadas que continuarão a crescer a médio prazo.
O progressivo aumento dos fenómenos globais tem trazido problemas
acrescidos tanto aos Estados-membros como à própria União Europeia que não tem
conseguido dar as melhores respostas, em parte graças ao sistema político implantado
na União Europeia e à atitude conservadora e excessivamente protecionista de alguns
Estados-membros no que diz respeito à sua soberania. Sobre este assunto, Lucas Pires
refere que as fronteiras nacionais são incapazes de corresponder às necessidades
exigidas pelo “cidadão moderno” (Pires, 1997, p. 67). O motivo para a crescente
desvalorização do conceito de Estado-Nação está nesta crescente interdependência
regional. Este fluxo global coloca sérios entraves a tradicional resolução de questões
básicas da teoria, e principalmente, da prática democrática (Held, 1995, pp. 16-17).
Desta forma consegue-se perceber que o próprio conceito que tradicionalmente
legitima a soberania - Estado-Nação - mostra-se desadequado para enfrentar os
desafios contemporâneos. Consequentemente, David Held expõe o seu pensamento
sobre a incapacidade deste conceito em controlar a repercussão de políticas externas
dentro dos seus domínios tendo que recorrer a novas formas de controlo constitucional
para legitimar internamente os respetivos processos de decisão. Mas David Held vai
mais longe e admite que atualmente é evidente que os Estados-Nação nunca
satisfizeram totalmente os ideais constitucionais de representação e participação
democrática (ibid., p. 224).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 97


A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

A interconstitucionalidade quer fazer desaparecer o tradicional conceito de

Constituição que os Estados utilizam para protegerem a sua soberania, o seu território

e a legitimidade para tratarem de matérias internas sem qualquer interferência


proveniente do exterior. O constante fluidificar dos elementos que configuram cada um
dos Estados soberanos, bem como as práticas comerciais, migratórias e profissionais

são uma resposta natural às políticas europeias que as respetivas constituições não

conseguem dar a melhor resposta, se agirem de uma forma isolada. Para além disso, a
União Europeia não é formada, nem tem o objetivo de ser constituída por vinte e oito

comunidades isoladas pelo que é incompreensível a permanente teimosia de alguns

Estados em regular esta matéria.

Destarte, e considerando todo o condicionamento político, os cidadãos


europeus também apresentam enormes reticências em relação a uma ideia de unidade

europeia, o que se revela ainda mais preocupante uma vez que o projeto europeu é

pensado essencialmente para os próprios. No que diz respeito aos assuntos políticos,
os cidadãos costumam estar envoltos de uma inércia e um desinteresse preocupante,
mas o problema fica ainda pior quando está relacionado com assuntos europeus como
podemos verificar nas taxas de abstenção das eleições europeias. Curiosamente,

aquando dos referendos sobre o Tratado Constitucional é importante salientar que o


povo francês e neerlandês negaram qualquer aprofundamento nesta matéria
convencidos por argumentos falaciosos como o “mito do canalizador polaco” e pela

imputação de responsabilidade à UE pelas dificuldades económicas e sociais internas

(Martins da Silva, 2010, p. 282). A negação por parte dos respetivos povos traz uma
agravante devido ao simbolismo que estes países representam para a UE já que foram

dois países que tiveram voz ativa na formação da CECA.

De acordo com Alessandra Silveira, o problema da democracia europeia está “no


constante trespasse de poder nacional para legitimar o poder transnacional”(Canotilho et

al., 2013, p. 482). Estas palavras levam ao entendimento de que é necessário abordar o
tema constitucional por uma perspetiva que esteja ligada mais diretamente aos

cidadãos e deixando para segundo plano qualquer estratégia europeia que passe pelo

aprofundamento desta matéria por um método político ou institucional. A denominada

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 98


José Ricardo Sousa

racionalidade intersubjetiva estimula o cidadão europeu a moldar uma nova coesão

social baseada numa autocompreensão ético-política que possa ser construída e

consequentemente reproduzida para a comunidade. Para Gustavo Zagrebelsky, a


legitimidade de uma Constituição nos dias de hoje, já não depende da legitimidade de
quem a fez ou falou por meio dela, mas da capacidade de responder adequadamente

aos desafios do nosso tempo (Silveira, 2015, p. 7). Precisamente neste ponto, a lógica

da interconstitucionalidade poderá trazer um efeito impulsionador à União Europeia:


através dos princípios constitucionais republicanos (que representam as bases de

qualquer Constituição dos Estados-membros) pode evitar-se todos os entraves

políticos e criar as condições necessárias para a criação de uma “plataforma de

entendimento” supranacional das várias perspetivas nacionais.

Na célebre tese “Superavit democrático europeu”, Miguel Poiares Maduro


(Maduro, 2001, p. 119 e ss) aponta duas razões pelas quais se torna cada vez mais

insuficiente e irrelevante a preservação dos textos constitucionais nacionais no seio


europeu. A primeira razão incide sobre as incessantes diásporas europeias e fluxos

migratórios: pelo facto do cidadão europeu poder circular livremente pelo espaço
Schengen e não ser “prisioneiro” da sua comunidade política, ele tem o privilégio de
usufruir de direitos na sua comunidade original e outros demais direitos (de uma forma
limitada) na outra comunidade que o próprio está inserido. A título de exemplo, podem
ser considerados o seu direito de residência, o direito à segurança social dessa

comunidade, a defesa dos direitos fundamentais da UE, etc. Em segundo lugar, o


direito de representação em outras comunidades políticas nacionais que possam afetar
os interesses dos cidadãos. Aqui pode-se salientar os direitos inerentes das políticas do

mercado interno e o princípio da não discriminação com base na nacionalidade

(Maduro, 2001, p. 132).

Por isso urge a necessidade de encontrar uma resposta mais pertinente para

esta matéria e que faça desaparecer a componente histórico-cultural dos respetivos

Estados membros para uma melhor integração transnacional. A


interconstitucionalidade traz esta componente comunicativa das várias constituições
europeias que funcionam em rede, que sirva o interesse democrático do cidadão

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 99


A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

europeu ou dos vários movimentos supranacionais e que seja capaz de aproximar o

ativismo político e aumentar as contribuições políticas civilizadas e organizadas. Desta

forma cria-se esta espécie de “democracia plural” como refere Miguel Poiares Maduro e
conduz para uma diferente legitimidade dos textos constitucionais nacionais uma vez
que estes seriam apoiados pelo efeito direto proveniente dos cidadãos de cada estado-

membro.

O princípio do efeito direto revela uma elevada importância para o direito da

União Europeia e consequentemente para a democracia da organização internacional.

Através deste princípio é possível a um particular que tenha a cidadania europeia

proteger os seus direitos conferidos através das disposições dos Tratados Institutivos
ou de algum acto vinculativo europeu, e que de alguma forma foram lesados por
algum Estado-membro. Assim, os particulares podem recorrer a qualquer órgão

jurisdicional comunitário para salvaguardar os seus interesses, independentemente da

sua nacionalidade. O princípio do efeito direto afigura-se como um princípio basilar e


inovador de uma democracia pluralista tal como Miguel Poiares Maduro refere, uma
vez que possibilita ao cidadão interferir e alertar para determinados processos
legislativos dos respectivos eEstados-membros que estejam desconformes com o

direito da União Europeia. De certo modo os próprios cidadãos europeus são


incumbidos de cooperar juntamente com a Comissão Europeia no sentido de
salvaguardar e proteger as disposições dos Tratados Institutivos.

4.A DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Se é verdade que a Comissão Europeia tem uma importante função na defesa

das normas e princípios dos Tratados europeus, também não é menos verdade que o
Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e todos os tribunais comunitários

contribuem bastante no auxílio da mesma função ao assegurar o cumprimento dessas

mesmas normas na ordem interna dos Estados-membros. Em particular, o TJUE tem

revelado o seu lado inovador na interpretação das normas especificadas pelos


inúmeros reenvios prejudiciais que tem recebido com a finalidade de esclarecer os

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 100


José Ricardo Sousa

tribunais comunitários sobre quais os sentidos da norma para o respetivo caso

concreto.

De todas as matérias comunitárias que merecem a ponderação constante do

TJUE é importante salientar para o estudo do tema tudo o que envolve o tema da
cidadania europeia. De salientar também que a cidadania europeia tem uma noção

complementar à noção de nacionalidade, uma vez que a segunda confere um vínculo


legal e efetivo a um determinado eEstado, ao passo que a primeira somente atribui

uma série de direitos que caracterizam essa pessoa como sujeito da respetiva

comunidade. Apesar da preservação das nacionalidades por parte dos eEstados-

membros, que ostenta um aspeto mais reservado e limitado dos direitos conferidos a
pessoas singulares e coletivas dessa comunidade, a cidadania europeia vem agraciar os
indivíduos que residem fora da sua comunidade política nacional com direitos

igualitários e anti-discriminatórios, tal como está plasmado no artigo 18º do TUE.

Relativamente à cidadania europeia vale a pena referir, a título de exemplo, o


posicionamento do TJUE nos acórdãos Martínez Sala vs Freistaat Bayern ou o acórdão
Grzelczyk que tratam do direito a subsídios de subsistência de cidadãos europeus com
nacionalidades estrangeiras do eEstado-membro em que residem; o acórdão Zambrano

que refere à concessão de direitos de permanência de um menor no Estado-membro


que esse tem nacionalidade, ao seu progenitor mesmo que este não tenha a cidadania
europeia, bem como tem direito aos restantes direitos conferidos pelo artigo 20º do

TUE. O acórdão Zambrano é um marco importante pois foi a partir deste acórdão que

se dá deu a rutura metodológica da avaliação dos casos de cidadania tendo como em


base o pressuposto das atividades económicas, para alargar o conceito a pessoas que

não têm nenhuma atividade económica nem qualquer hipótese de o exercer. Segundo

o TJUE:

“há que considerar que essa recusa de permanência tem a consequência de


os referidos filhos, cidadãos da União, se verem obrigados a deixar o território da

União para acompanhar os seus progenitores. Do mesmo modo, se não for


atribuída uma autorização de trabalho a essa pessoa, esta corre o risco de não

dispor dos recursos necessários para se sustentar a si própria e sustentar a sua

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 101


A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

família, o que teria igualmente a consequência de os seus filhos, cidadãos da


União, se verem obrigados a deixar o território desta. Nestas condições, os
referidos cidadãos da União ficarão impossibilitados de exercer o essencial dos

direitos conferidos pelo seu estatuto de cidadão da União”(Acórdão TJUE,


08.03.2011, Zambrano, Proc. C-34/09).

Desta forma, o TJUE evidencia a sua preocupação em ir ao encontro na defesa

dos direitos fundamentais da UE dos cidadãos europeus, centrando a atenção a quem

de direito se revela legítimo detentor da cidadania europeia, baseada na sua


nacionalidade, e amplifica o campo de beneficiários da cidadania (de uma forma
indireta) conferindo um vínculo legal aos progenitores de Estados terceiros a residir na
comunidade europeia e ao respetivo certificado legal para trabalhar e, assim, conseguir

a subsistência dos menores. Este acórdão representa o 2º alargamento de


competências do conceito de cidadania europeia, noção que tem sofrido alguns recuos

na defesa dos seus direitos pelo próprio TJUE, que se tem pronunciado, em certos
acórdãos, de uma forma diferente face ao passado. De uma forma bastante sucinta, no

acórdão Dano, o TJUE opôs-se ao pedido de prestação social em regime não


contributivo para um cidadão europeu de nacionalidade romena e, indiretamente, aos

seus respetivos filhos. O facto do senhor Dano não beneficiar do direito de residência
desse Estado-membro de acolhimento, conjuntamente com o facto de não exercer
nenhuma atividade profissional foi o suficiente para o TJUE indeferir o pedido. Sobre

este ponto, nas conclusões do advogado-geral, Melchior Walthelet afirma que a


desigualdade de tratamento entre os cidadãos da UE que tenham feito uso do seu
direito de livre circulação e os cidadãos do Estado-membro de acolhimento no que

concerne a atribuição de prestações sociais é uma consequência inevitável (Acórdão

TJUE, 11.11.2014, Dano, Proc. C-333/13, considerando 77). Assim, o TJUE dá a


possibilidade do Estado-membro de acolhimento decidir quem deve ser beneficiado

pela respetiva contribuição sob o risco do montante total das prestações sociais não

contributivas começarem a ser incomportáveis para o Estado. No acórdão Alimanovic, o


TJUE também voltou a manifestar-se favorável a um condicionamento da aplicação da
terminologia de cidadania europeia. No entender do TJUE, para situações semelhantes

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 102


José Ricardo Sousa

ao caso supra aludido, a analogia entre o cidadão europeu que está no Estado-membro

de acolhimento e o cidadão europeu que é natural do respetivo Estado-membro

revela-se injusta. De certa forma, a decisão do TJUE significa uma limitação à prática da
livre circulação de pessoas e do direito de permanência nos territórios de um Estado-
membro, tal como está consagrado no artigo 20º nº2 do TFUE, pois o critério original

(atividade profissional) ainda permanece como fator determinante para decidir a

legitimidade de um cidadão europeu. Com as recentes posições do TJUE torna-se difícil


criar uma sociedade europeia mesclada e sem diferenças jurídicas entre cidadãos do

Estado-membro de origem e cidadãos de outros Estados-membros nesse espaço.

Por esta e outras razões, Alessandra Silveira, Pedro Froufe e Mariana Canotilho
alertam para a urgência de contornar aquilo que os próprios referem como um
conceito “estático de cidadania europeia” (Canotilho et al., 2013, p. 483). Num contexto

multinível, a interconstitucionalidade é um sistema capaz de desenvolver o conceito de

cidadania para outros patamares, uma vez que dá a oportunidade aos próprios de
poderem usufruir e defender os seus direitos independentemente do lugar onde estão
inseridos na Europa. Esta “nova” cidadania é baseada nos princípios democráticos e
naquilo que Miguel Poiares Maduro designa como “pluralidade de nacionalidades”

para destruir o antigo conceito que pretendia preservar as nacionalidades, e assim


preservar a soberania dos Estados. Ela pretende ser independente de qualquer vínculo
legal nacional para transforma-la na “Europa dos cidadãos”, tal como idealizara Vítor

Hugo. Um novo conceito, com novos direitos e novas responsabilidades, que sejam

reguladas pelo direito europeu e pela Carta dos direitos fundamentais da União
Europeia.

Através desta perspetiva, Alessandra Silveira, Pedro Froufe e Mariana Canotilho

referem que uma das formas de evitar o distanciamento insuportável entre o conceito
estático de cidadão europeu e o próprio cidadão europeu está na salvaguarda do

padrão mais elevado de proteção dos direitos fundamentais nos tribunais comunitários
dos Estados-membros, que os próprios cidadãos são responsáveis (ibid., p. 483).

Através da ratificação do Tratado de Lisboa por todos os Estados-membros, a

Carta dos Direitos Fundamentais ganhou força vinculativa e passou a ser considerada

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 103


A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

tão importante como os restantes Tratados constitutivos da União Europeia.

Tradicionalmente, o TJUE costumava considerar os direitos fundamentais enquanto

princípios gerais como direito da União Europeia. Por força do artigo 6º do TUE, surge a
necessidade de transformar os valores e os direitos fundamentais de diversas fontes: os
tratados constitutivos e a CDFUE para normas europeias e as constituições e os

mesmos tratados para normas nacionais. O primeiro caso onde o TJUE deixou claro que

as políticas e decisões dos Estados-membros não podem violar os direitos


fundamentais individuais dos cidadãos europeus foi no acórdão Stauder, em 1969

(Acórdão TJUE, 12.11.1969, Stauder, Proc. 29/69, considerando 7).

Neste momento, os direitos fundamentais são um importante parâmetro de


apreciação quando é para ser aplicado no direito europeu. Neste contexto, o artigo 53º
da CDFUE afigura-se como um importante artigo para proteger os cidadãos e reforçar

o primado do direito da União Europeia. Segundo o respetivo artigo, “nenhuma das

disposições da carta deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do


Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos…” em nenhuma legislação vinculada
com o direito europeu ou nacional. O disposto no artigo 53º da CDFUE aumenta o nível
de proteção dos cidadãos europeus, bem como limita o sentido de interpretação dos

artigos incorporados na CDFUE por parte do TJUE. O acórdão Melloni é o melhor


exemplo para retratar a atual aplicação do padrão mais elevado de proteção dos
direitos fundamentais. Acerca da respetiva proteção, o TJUE refere que “a interpretação

segundo a qual o artigo 53.° da Carta autoriza um Estado-Membro a aplicar o padrão de

proteção dos direitos fundamentais garantido pela sua Constituição, quando este é mais
elevado do que o que decorre da Carta, e a opô-lo, se for caso disso, à aplicação de

disposições do direito da União” (Acórdão TJUE, 26.02.2013, Melloni, Proc. C-399/11,


considerando 56).

Não obstante da importante utilidade que o padrão mais elevado de proteção

dos direitos fundamentais tem para a defesa dos cidadãos europeus, a


interconstitucionalidade poderia potenciar esta respetiva proteção. Sucintamente, o

artigo 53º da CDFUE seria aplicável nos casos em que existam, no mínimo, dois regimes

jurídicos nacionais relativos àquele direito fundamental em que, no final, será aplicado

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 104


José Ricardo Sousa

o regime jurídico que conceda maior proteção ao respetivo indivíduo. Desta forma, a

defesa do cidadão europeu alargaria o campo de possibilidades do respetivo indivíduo

para encontrar a melhor proteção salvaguardada por um possível regime interno de


outro Estado-membro.

Segundo os autores supra mencionados, na teoria dos direitos fundamentais, a

relação entre cidadania europeia e os direitos fundamentais ainda não foi devidamente
justificada dentro do contexto da União Europeia. A razão para a conclusão supra

mencionada relaciona-se com o facto da definição de cidadania europeia ainda não ser

fluída o suficiente para abranger toda a população da União Europeia e continuar a ser

utilizada como um importante direito em casos de movimentos migratórios de


cidadãos, o que contraria a intenção dos direitos fundamentais que expressam vontade
em que a cidadania não dependa de movimentos pessoais entre Estados-membros. Em

segundo lugar, a cidadania é reservada a nacionais dos Estados-membros. Assim, os

nacionais de países terceiros não são abrangidos pela salvaguarda desses direitos
fundamentais, o que cria uma falta de universalidade que torna a cidadania europeia e
os direitos fundamentais em duas categorias distintas (Canotilho et al., 2013, p. 483).

5. CONCLUSÃO

Desde a crise financeira de 2008, a União Europeia tem encontrado bastante


dificuldade em controlar as adversidades que tem encontrado ao longo dos tempos.

Alguns críticos afirmam que a União Europeia apenas manteve uma imagem de

unidade até estar diante dos primeiros grandes desafios desde a sua origem. De facto,
é a primeira vez em sessenta anos que a União Europeia enfrenta crises mais

problemáticas que as sucessivas crises políticas que sofreu até aos dias de hoje. A
mutação da natureza dos desafios europeus é o resultado do sucesso das políticas

europeias que, de uma forma ou de outra, levou a organização internacional a largar o

seu cariz essencialmente político para se afirmar dentro dos territórios dos Estados-

membros e tornar-se numa organização internacional centrada nos cidadãos europeus.


Porém, a crise económica que a Europa atravessa, bem como a “crise dos refugiados”

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 105


A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

são as consequências de um projeto supranacional incompleto e confuso quanto à

finalidade pretendida.

A surpreendente incongruência registada na União Europeia está a aumentar a

reputação negativa das políticas de Bruxelas que mantêm o impasse em volta de


alterações importantes para o reequilíbrio do funcionamento do espaço Schengen. A

dificuldade gerada pelos Chefes de Estado de alguns Estados-membros dificulta o


progresso e o crescimento de políticas europeias que beneficiem diretamente o

cidadão europeu. Por isso, além das conhecidas crises económicas e crises humanitárias

que teimam em permanecer nas fronteiras da União Europeia inclui-se também uma

crise de identidade por toda a Europa: uma crise de identidade nas instituições da UE,
uma vez que estas se encontram à deriva e subjugadas aos interesses dos Estados
integrantes; uma crise de identidade dos Estados-membros pela teimosia em

permanecer como soberanos de políticas que apresentam características mais

europeístas; e, por fim, crise de identidade dos cidadãos que começam a perder a
confiança que a UE poderá ser a solução para os problemas que os afeta diariamente.

A era da informação, auxiliada pelo “boom” tecnológico das últimas décadas,


tornou as redes sociais numa importante ferramenta de consulta para os cidadãos

europeus. A União Europeia encontra-se sob uma avaliação constante dos cidadãos
europeus nos dias de hoje, o que pode levar a que uma ação impopular emanada por
uma instituição europeia possa ser mal compreendida pelos cidadãos europeus.

Exemplo disso é o aumento de eurocéticos no Parlamento Europeu nas últimas eleições

europeias. Tendo em conta os últimos resultados obtidos pelo respetivo grupo


parlamentar, bem como o desejo de alguns Estados-membros em levar a questão de
permanência europeia a referendo popular são alertas que a UE não pode ignorar.

Por conseguinte, é necessário que o processo de integração europeu avance

para outro nível, que deve passar por uma reforma do Modelo Constitucional europeu.
A complexidade e conjuntura dos problemas que a União Europeia enfrenta atualmente
precisa de uma ação conjunta e unânime de todos os Estados-membros. Infelizmente,

tal não se verifica nos dias de hoje, apesar da progressiva integração europeia ter

resultado numa modificação do paradigma de Estado Constitucional e da própria

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 106


José Ricardo Sousa

estadualidade dos Estados-membros e do arquétipo do Estado nacional soberano

tender a evoluir para um novo esquema de comunidade no contexto da organização

política da União Europeia (Silveira, 2015, p. 7).

A implementação de políticas europeias por parte dos Estados-membros levou a

uma “erosão” do conceito de Estado e a uma consequente “desterritorialização do


poder” (ibid., p. 7). Assim se compreende a necessidade de utilizar um modelo fluido,

útil e que esteja diretamente ligado aos cidadãos europeus. A interconstitucionalidade

apresenta-se como a solução ideal uma vez que explora toda a vertente protecionista

das constituições nacionais através dos direitos fundamentais dos cidadãos europeus.

Além disso, a interconstitucionalidade dá a possibilidade aos cidadãos europeus de

salvaguardar os seus interesses e dos seus direitos, contribuindo também como um


novo controlo para além daqueles que os Tratados confiaram à Comissão e aos
Estados-membros.

A aplicação da interconstitucionalidade e do alto padrão de proteção dos


direitos fundamentais não se aparenta um caso simples, dado que a interpretação e
filtragem do TJUE em assegurar os objetivos da ordem jurídica europeia pode resultar
em resultados diversos, devido às nuances sistémicas resultantes dos padrões dos

Estados-membros, apesar no núcleo essencial (neste caso os direitos fundamentais


inserido na Carta) sejam os mesmos em todos os países. Por um lado, há quem

considere que o alto padrão de proteção dos direitos fundamentais não seria possível

de aplicar uma vez que consideram que existem regimes jurídicos incomparáveis no
que diz respeito aos níveis de proteção, em parte considerados como refletores da
identidade e cultura de um Estado-membro. Por outro lado, Alessandra Silveira refere
que tais argumentos só podem ser levados em conta se os ordenamentos jurídicos não

fossem submetidos ao mesmo supra-ordenamento constitucional, mas não no atual

estádio de unidade jurídico-político da União Europeia (Silveira, 2012, p. 23).

Como sustenta Alessandra Silveira, com a interconstitucionalidade “as


constituições dos estados-membros da União desciam do “castelo” para a “rede”, sem

perderem as suas funções identificadoras” (Silveira, 2015, p. 16). A

interconstitucionalidade pode ser o sistema ideal para potencializar a ideia de unidade

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 107


A interconstitucionalidade como sistema propulsor de uma identidade europeia

que é pretendida para consolidar a União Europeia, contudo existem dúvidas no que

concerne à capacidade de responder aos desafios institucionais e políticos da União

Europeia. Joseph Weiler é da opinião de que a União Europeia criou um novo modelo
de federalismo, baseado na tolerância constitucional, onde os próprios Estados-
membros se submetem voluntariamente às esferas das competências da União (ibid., p.

25). Porém, essa tolerância constitucional, tal como intitula Joseph Weiler, rapidamente

se torna em intransigência quando algum país dos EM se depara com a mais pequena
adversidade ou não pretende perder o controlo de algum sector onde o próprio seja

soberano.

Cada vez mais, a União Europeia afigura-se como um caldeirão democrático que
se vê obrigada a aceitar as legítimas vontades dos seus cidadãos e a dialogar com
governos nacionais que vão desde a extrema-esquerda até à extrema-direita. No meio

de tanta divisão política é impossível que a União Europeia responda de forma

perentória às contrariedades, pelo que é necessário estabelecer condições para que


haja maior proximidade entre o cidadão europeu e a União Europeia. Só através da
criação de identidade europeia será possível criar condições para que a União Europeia
ultrapasse as divisões políticas e os interesses que persistem em estagná-la.

BIBLIOGRAFIA

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Acórdão TJUE, 08.03.2011, Zambrano, Proc. C-34/09.
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Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparado – LAECC.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 109


Nacionalismo Democrático para a União Europeia

NACIONALISMO DEMOCRÁTICO PARA A UNIÃO EUROPEIA


UMA NECESSIDADE PRAGMÁTICA PARA O DESENVOLVIMENTO E

SOBREVIVÊNCIA COMUM

MICAEL SOUSA1

RESUMO

O nacionalismo está carregado de uma forte conotação negativa – exemplos históricos são imensos,

especialmente na história europeia. No entanto, os nacionalismos contribuíram para a autodeterminação

dos povos e conseguiram criar coesão e os meios necessários para projetos coletivos importantes. A União
Europeia atravessa uma crise de identidade e coesão. O desenvolvimento de um pan-nacionalismo que

assente num modelo de multiculturalismo, tolerância e democracia poderia contribuir para a necessária

coesão para este projeto coletivo. Será necessário encontrar os pontos de contacto, usando a eficácia dos
nacionalismos do passado, mas evitando os seus efeitos negativos. Mais do que surgir uma nova

identidade europeia resultante da fusão do multiculturalismo, o nacionalismo multicultural poderá surgir


da contribuição dessas partes diversas, sem que ocorra perda das várias identidades culturais. Assim,

surgiria um pan-nacionalismo europeu, orientado para a qualidade de vida e desenvolvimento da União

Europeia, sem a perda de liberdade e das diferentes culturas europeias.

Palavras-chave: Nacionalismo, Pan-nacionalismo, União Europeia, Democracia

Histórico do artigo: recebido em 11-02-2016; aprovado em 19-02-2016; publicado em 03-05-2016.


Publicação a convite do Conselho Editorial.
1
Escritor, colunista no P3 – Público e Vereador-adjunto da Câmara Municipal de Leiria. Leiria, Portugal. E-
mail: micaelssousa@gmail.com

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Micael Sousa

ABSTRACT

Democratic Nationalism for the European Union: a pragmatic need for the common development and
survival. Nationalism have a strong negative connotation, historical examples are immense, especially in

the European history. However, nationalism contributed to the self-determination and managed to create
cohesion and the means to valuable collective projects. The European Union is going through an identity

crisis and lack of cohesion. The development of a pan-nationalism based on a multiculturalist model,

tolerance and democracy could contribute to the necessary cohesion to the European collective project. It
will be imperative to find the proximity links, using the effectiveness that nationalism proved to achieve,

but avoiding its negative effects. More than generating a new identity from the multiculturalism, the

multicultural nationalism may arise from the contribution of these different parts, without the loss of the
different cultural identity. Thus, it could emerge a European pan-nationalism, orientated to quality of life

and the development of the European Union, without losing freedom and the different European cultures.

Keywords: Nationalism, Pan-nationalism, European Union, Democracy

_________________________________________________________________________________________________________________

1. INTRODUÇÃO

A construção dos Estados-nação aconteceu naturalmente em alguns países


europeus, mas noutros foi um processo direcionado. Em ambos os casos a “invenção”
do nacionalismo foi essencial para essa construção política, que permitiu dar corpo a
medidas de natureza variada: social, económica, cultural, entre outras. É seguro que o
nacionalismo extremista teve manifestações muito negativas - ideologias e tendências
que ainda persistem em algumas locais e ameaçam crescer. Mas o nacionalismo, na sua
vertente libertária e espontânea, teve seguramente aspetos positivos para o
desenvolvimento das comunidades agregadas, segundo o espírito de um Estado que
passou a ser também nação. De outro modo, muito provavelmente, seria difícil
conseguir que grupos diversos e alargados cooperassem perante um desígnio superior
coletivo além da escala local do homem comum. Terá sido essa “invenção” nacionalista
que fomentou a cooperação, ainda que pudesse existisse já uma propensão étnica
histórica e natural das sociedades em causa.
No caso da União Europeia, sendo uma entidade recente, comparativamente
com o nacionalismo próprio da maioria dos Estados-nação europeus, o seu potencial
está ainda em formação e definição. Podemos chamar-lhe de “Pan-nacionalismo”,

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 111


Nacionalismo Democrático para a União Europeia

partindo da soma coincidente dos vários nacionalismo que a constituem, pois para
haver uma união efetiva há forçosamente pontos comuns entre os vários Estados. Caso
contrário, a união seria completamente anacrónica. Poderá ser então esse aspeto que
falta reforçar na atual União Europeia: um sentido de unidade e partilha concretizado
num nacionalismo democrático europeu, capaz de ser um elemento ideológico e
cultural agregador do desenvolvimento das comunidades, fomentando do espírito de
cooperação e aceitação da diferença para propósitos comuns.

2. NACIONALISMO DO BEM E DO MAL

Tendo em conta a história contemporânea, especialmente após o advento dos


nacionalismos expansionistas europeus do final de século XIX e os conflitos
catastróficos que potenciaram durante o século XX, o nacionalismo sofre hoje de
estigmas difíceis de ultrapassar. Apesar disso certas minorias radicais estão em
crescimento, apelando a um nacionalismo separatista e fomentador da intolerância e
hostilização. Esta realidade deve trazer preocupações à própria vida democrática no
seio da União Europeia.
Curiosamente, tal como refere René Remond, o nacionalismo do início de
século XIX, nas suas primeiras manifestações, que contribuíram para a instituição de
vários Estados europeus independentes, ora separados de impérios ora agregando
pequenos territórios fragmentados, não estavam associados a ideologias políticas de
esquerda ou direita, e muito menos a totalitarismos. Esses movimentos tendiam muito
mais para o liberalismo. Foi então em finais de século XIX e inícios de século XX que o
nacionalismo foi convertido numa arma de opressão e domínio, principalmente quando
associado a sistemas políticos totalitários expansionistas.
Ou seja, se for possível recuperar a versão não extremista original, a do advento
dos nacionalismos do século XIX, e liga-los à cultura democrática europeia -
característica original da invenção da própria democracia que nasceu na europa e
numa antiguidade clássica grega, que sempre foi assimilada à cultura europeia
posterior -, poderá ser criado um novo tipo de nacionalismo que evite a sua dimensão
perniciosa. Esse nacionalismo democrático europeu, o tal pan-nacionalismo europeu de

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 112


Micael Sousa

base democrática, poderá ser o contraponto para esvaziar as ameaças dos crescentes
movimentos nacionalistas extremistas, anti-europeus, e fomentar o fator de união
cívica europeia.

3. VISÃO MODERNISTA VERSUS VISÃO ETNICISTA

Modernistas como Ernst Gellner e Michel Mann, mas mais ainda Eric Hobsbawm
e Patrick Geary, tendem a defender que o nacionalismo surge primeiro dos Estados
politicamente instituídos ou em fase de construção, ou seja: é premeditado e orientado
para fins políticos e de governação. Por outro lado Anthony Smith mais timidamente,
mas depois Josep Llobera, Adrian Hastings e outros mais contundentes, defendem uma
versão em que o nascimento do nacionalismo se associa mais a origens étnicas que a
premeditações económicas e políticas. A vertente étnica, com forte relação com a
cultua, a língua e as tradições e organizações sociais mais antigas, diverge, por
natureza, da versão modernista.
Apesar das duas inclinações divergentes, dificilmente alguma delas poderá
assumir uma dimensão universalista. Dos casos concretos reais dos nacionalismos que
conhecemos da história da humanidade, quase sempre, surgiram de uma mescla, mais
ou menos pronunciada, tando do princípio utilitário do Estado como da genuína
vontade étnica de união e autogoverno. É quase impossível haver algum tipo de
nacionalismo a surgir de um modo absoluto fruto somente por via da tendência
modernista ou étnica. A opção mais razoável é a conjugação de ambas.
A origem dos nacionalismos contemporâneos terá então uma componente
“modernista”, proveniente de um objetivo planeado; e uma componente étnica surgida
da cultura e história das próprias sociedades e comunidades.
Desse modo, caso se pretenda fomentar o nacionalismo, ou o pan-nacionalismo para o
caso da União Europeia, o seu sucesso será também o resultado de uma mescla de
criação nova orientada e do reforço das existências e aproximações étnicas.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 113


Nacionalismo Democrático para a União Europeia

4. NACIONALISMO NO MUNDO GLOBALIZADO

Num mundo globalizado, em que as distâncias diminuem e a mistura cultural,


tendencialmente homogeneizante para uma versão ocidentalizada, faz sentido
questionar os nacionalismos. No entanto, apesar dessa globalização, ou agora da
mundialização da informação, dos fluxos financeiros e da própria cultura, que tão
facilmente atravessa fronteiras, as nações mantém a sua força e os nacionalismos estão
longe de desaparecer, pois constituem identidades que dificilmente podemos
dispensar enquanto indivíduos que sentem necessidade de fazer parte de um
determinado coletivo. Somos animais sociais – como dizia Aristóteles - e tendemos
para garantir certos níveis de pertença a grupos, locais ou outros valores, mesmo que
sejam imaginários.
Apesar do esbatimento de algumas fronteiras nacionais, certas coisas
continuam a ser possíveis apenas na realidade delimitada dos Estados-nações e dos
nacionalismos. Mesmo os emigrantes e migrantes tendem a levar consigo o seu
nacionalismo, na forma de cultura, como característica identitária a cultivar,
independentemente do local onde se estabeleçam.

5. PAN-NACIONALISMO: NACIONALISMO EUROPEU

Na Idade Média, certos grupos já cruzavam as fronteiras instáveis, por vezes a


“ferro e fogo”, da Europa, ignorando as diferenças políticas. Construtores medievais,
estudiosos e académicos faziam da europa um espaço alargado de ação, mudando de
local de trabalho sem grandes limitações. Eram a exceção em sociedades rígidas,
estáticas e estratificadas. Mas existia uma espécie de pan-europeismo entre esses dois
grupos. No caso dos académicos, quase sempre associados ao clero, usavam uma
língua internacional europeia: o latim medieval. Latim herdado, com as devidas
alterações, de uma época em que parte considerável da Europa estava unificada sob
um império, do qual restaram fundamentos de cultura e também a instituição da Igreja
católica que contribuiu para uma continuidade de unidade religiosa. Esse mesmo
império tinha sido tão forte, e com tanta influência nos séculos posteriores, que muitos

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 114


Micael Sousa

governantes o tenham tentando recriar à sua maneira. A União Europeia, com o tratado
de Roma de 1950 não escapou também a essa influência.
No início da época moderna, por volta do século XVI, quebrou-se a unidade
religiosa europeia, mas surgiu o prenúncio de outro tipo de unidade: o capitalismo,
ainda que a várias velocidades e em níveis de desenvolvimento contínuos para os
vários Estados. Com o desenvolvimento do capitalismo, depois da queda dos
protecionismos dos Estados mercantilistas, por volta de finais do século XVIII, surge
uma crescente busca pelo liberalismo geral, que reforçou o individualismo, mas não só.
Contribuiu também para a emancipação de grupos culturais em nacionalismos. Uns
tinham mais fundamento étnico que outros, uns foram mais forçados pelos interesses
geopolíticos e económicos, outros pelas aspirações coletivas daqueles que partilhavam
culturas comuns facilmente identificáveis. Esses movimentos de emancipação coletiva
beberam muito do crescente reforço liberal que se tornou movimento democratizante,
ainda que tenham existido exceções na Europa. Fosse como fosse, as inspirações na
antiguidade clássica greco-latina, de nações compostas de cidadãos, que em alguns
casos era aprofundada até ao seu desenvolvimento último em democracia plena,
criaram e fundaram um princípio comum, quer fosse herdado diretamente ou adotado:
a cidadania.
O nacionalismo europeu assumiu uma vertente democratizante inicialmente,
mas depois, durante a primeira e segunda guerra mundial, sob a égide dos
nacionalismos expansionistas e extremistas, potenciou-se a intolerância e a violência,
ainda mais agravadas pelas novas possibilidades tecnológicas, até uma escala nunca
vista.
Como resposta ao cataclismo das guerras mundiais – para que a europa nunca
mais fosse o palco de tais eventos - foi alicerçado, a partir dos anos 50 do século XX,
um projeto europeu de unidade. Enquanto as memórias das guerras estavam vivas, e
pairava a Guerra Fria alimentando receios da repetição do passado, a construção da
unidade europeia, assente nos princípios democráticos e da cidadania, foi facilitada.
Foram os próprios aliados Norte Americanos que exigiram, para a aplicação do Plano
Marshall, uma unidade na Europa, conscientes da necessidade de força e coesão, um

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 115


Nacionalismo Democrático para a União Europeia

pouco à semelhança da sua realidade federal que os impulsionou para o primeiro lugar
nas nações até aos dias de hoje.
Mas essa construção não conseguiu reinventar um novo tipo de nacionalismo.
Não surgiu verdadeiramente um pan-nacionalismo europeu que fortalecesse a união
naturalmente, e que partisse e vivesse no imaginário cultural dos cidadãos europeus.
Não se cultivou esse formato superior de nacionalismo, que podia ter sido baseado na
ideologia cívica e democrática para a união. O pan-nacionalismo europeu poderia ter
mantido e preservado os vários nacionalismos dos vários Estados, tal como persistem
os regionalismos dentro desses mesmos Estados, pois a democracia está longe de ser
incompatível com a liberdade e tolerância pela diferença, sendo o sistema político mais
apto e capaz de estabelecer pontos de contacto comuns.
Por isso, hoje, quando os desafios vêm de dentro e de fora, os cidadãos
europeus não respondem em uníssono, e nem os próprios representantes políticos
encontram a coesão que necessitavam para responder às ameaças externas e internas.
Hoje o inimigo é, principalmente, a crise e a própria perda de importância e poder dos
europeus. Lembrando Hobbes, a Europa precisa de ser um Leviatã e todos os europeus
precisam de ter um inimigo contra quem unir forças. Esse inimigo não precisa, nem
deve, de maneira alguma, ser identificado como um outro Estado, Nação ou Federação.
O inimigo é pobreza e a perda de qualidade de vida das populações, a perda de
direitos e liberdades. O cimento dessa união é a democracia, a cidadania para a
melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.

6. MAIS EUROPEUS QUE NUNCA

Atualmente, mesmo tendo Rousseau precocemente referido no seu tempo a


existência de um sentimento europeu a sobrepor-se aos sentimentos nacionais, somos
mais europeus que nunca. Apesar do nacionalismo europeu ser fraco, ele hoje é mais
marcado que nunca, especialmente por comparação. Se os nacionalismos de Estado
prevalecem quando se comparam Estados, o espírito muda quando os cidadãos
comparam blocos políticos de maiores dimensões. Se nos compararmos, por exemplo,
com os Estados Unidos da América, muito provavelmente recorreremos à dimensão da

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 116


Micael Sousa

União Europeia. Também no caso dos emigrantes e migrante dentro do espaço da U.


E., passados os processos de aculturação, e quando a identidade oscila entre o país de
origem e o de acolhimento, a cidadania europeia ajuda a resolver problemas de
identificação. Não podemos esquecer que se tem fomentado a circulação de pessoas,
de estudantes e trabalhadores no espaço da união, por isso esse sentimento de
pertença europeia será igualmente importante para essas pessoas, que ficam no limbo
das nacionalidades.
Apesar de sermos mais europeus que nunca, um nacionalismo europeu está
ainda longe de ser uma realidade. E, com as devidas precauções, seguindo sempre pela
via democrática e da tolerância, o potencial positivo do nacionalismo da União
Europeia está por concretizar.

7. NACIONALISMO EUROPEU COMO FACILITADOR DAS POLÍTICAS EUROPEIAS

É altamente improvável que o processo de construção europeia aconteça sem a


dimensão cultural e a política estarem conjugadas. Tem de ser desenvolvido um novo
tipo de patriotismo, mais além do patriotismo meramente constitucional e legalista, se
bem que mesmo esse ainda pouco se encontra desenvolvido.
Já hoje a União europeia, tal como refere Rita Ribeiro, é “uma comunidade de
valores essencialmente políticos: democracia, direitos humanos, liberdades, Estado social
e Estado de direito”. Apesar do Estado Social estar a ser redimensionado pelas medidas
de austeridade, a sua existência, e das restantes características enunciadas, distinguem
os Estados da Europa, quer seja por as terem desenvolvido ou por as tentarem
aprofundar e defender continuamente como valores basilares das suas sociedades.
Estes são claros motivos de união e que podiam contribuir para a coesão, pois todos se
relacionam com a qualidade de vida e felicidades dos cidadãos europeus. Poderão,
mais que isso, ser o vinco de um nacionalismo, numa vertente pan-estatal, do
necessário pan-nacionalismo europeu, tão importante para a sobrevivência da própria
União Europeia num mundo de blocos.
Hoje o mundo não se divide em dois blocos, como aquando da fundação da
União Europeia. Nem sequer se divide em três se considerarmos o 3º Mundo na sua

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 117


Nacionalismo Democrático para a União Europeia

conceção original - países que não se enquadravam em nenhum dos dois grandes
blocos. Hoje o mundo é também composto por potências, mas são mais os
concorrentes. Existem muitos Estados-potência que podem ser vistos como blocos
também, especialmente como blocos económicos. Ai se inserem os países emergentes,
a Índia, o Brasil e outros, que vêm equilibrar o poder entre os dois antigos blocos
compostos pelos Estados Unidos da América e pela Rússia, e agora também a China.
Falando em Estados não podemos esquecer outros países, ou unidades políticas, que,
independentemente da sua dimensão geográfica, influenciam a economia mundial e a
geopolítica global. Resta saber se a União Europeia terá a capacidade de manter a
unidade e se desenvolver para poder ombrear com as restantes potências.
De modo a sobreviver, garantindo o nível de vida, preponderância económica e
papel de relevo na política mundial, é do senso comum, e está definido há muito, que
os Estados Europeus terão de saber constituir uma união efetiva e funcional. Mas,
atualmente, vive-se numa época crítica: a União parece vacilar e ser incapaz de dar o
passo seguinte.
Os cidadãos europeus não se sentem tão próximos como era suposto da sua
União, sendo esse afastamento decorrente de razões diferentes em cada Estado ou
região. Não é absoluta a tolerância e empatia entre cidadãos de Estados diferentes.
Provavelmente isto acontece por não se reconhecerem como iguais. A União só será
viável se existir um elo comum entre todos, que incuta igualdade e partilha de valores e
objetivos comuns. Isso, tal como já foi referido, poderia ser conseguido através de um
novo tipo de nacionalismo, imunizado pelo valor da liberdade e democracia, pois essa
é uma característica de base nas sociedades europeias, ou por ligação histórica direta
ou por adoção. A história comprova o sucesso possível dessa intenção. Muitos países
europeus passaram por esse processo com sucesso. Apesar das diferenças regiões,
constituíram-se como nações com uma cultura base comum. O mesmo terá de
acontecer na União. O nacionalismo e a noção de pertença acontece a vários níveis. No
nível superior ficaria o nacionalismo europeu. No nível intermédia a associação a
culturas e espaços Estatais, e depois a regiões, podendo terminar na família ou outro
grupo social de maior proximidade. Tudo isto é possível sem conflitos de

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 118


Micael Sousa

compatibilidade, desde que a base comum seja de facto coerente. Para isso a
democracia, num sentido lato, seria a melhor candidata, sempre associada à liberdade,
em todas as variantes que lhe possamos associar. Tal seria ainda mais benéfico pois
sabe-se que as comunidades que vivem em sistemas democráticos mais aprofundados
tendem a ser as mais desenvolvidas e onde os cidadãos conseguem experimentar
melhor qualidade de vida, isto com base nos estudos recentes de Daron Acemoglu e
James Robinson.
Essa união de ideias base poderá ser a forma de aproximar os cidadãos da
própria U.E., pois se a base desse nacionalismo for a própria democracia europeia
facilmente se garantirá coesão, unidade, liberdade, desenvolvimento e robustez para
enfrentar os desafios do futuro.

8. DEMOCRACIA: ESTÁ TUDO INVENTADO?

A democracia está longe de ser um sistema político esgotado. Existem vários


modelos diferentes no mundo e até nos próprios Estados-membro da União Europeia.
A maior parte dos modelos seguem pela via da representação democrática, com
cidadãos a poder eleger representantes para várias câmaras e assembleias, com vários
poderes e objetivos distintos. Existem também variantes de democracia mais direta em
certas realidades, com voto direto através de assembleias alargadas, referendos,
orçamentos participativos e outros tipos de sistemas parciais ou totais de democracia
direta. Nuns utilizam-se mais as novas tecnologia de informação e comunicação,
noutros a participação é mais tradicional, através da presença física in loco.
Há muito a melhorar e aprofundar na democracia representativa, especialmente
porque os níveis de abstenção são preocupantes. Tal pode significar que novos
sistemas de participação e avaliação dos representantes têm de ser instituídos, ou
então simplesmente que o modo representativo tem de ser conjugado com a via
direta, nem que seja em sistemas mistos. Por outro lado, é na via direta onde o
crescimento e aprofundamento pode ser mais consequente. Muito há por fazer no
desenvolvimento e aplicação da democracia direta e até no conceito, em crescente
afirmação, de “democracia eletrónica”. As tecnologias da informação e comunicação

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 119


Nacionalismo Democrático para a União Europeia

poderão ser um aspeto chave no desenvolvimento da democracia direta e da


capacidade de adaptação da vida cívica ao mundo contemporâneo, com impacto muito
relevante nas gerações mais jovens. A panóplia de opções e modelos mistos
eletrónicos de participação individual é imensa e em crescimento. Facilmente se
consegue passar imensas quantidades de informação, debater de modo sucinto e
eficaz, construir projetos e ideias em conjuntos sem a necessidade de presença física
com real representação cívica. As interações podem ser feitas à distância, em trabalho
colaborativo, quer em tempo real quer em modelos assíncronos. Podemos especular e
fantasiar sobre as possibilidades futuras das novas formas de fazer democracia, mas o
mais importante será manter em aberto a possibilidade de melhorar continuamente a
democracia e adapta-la ao uso cívico, porque nem sempre os cidadãos vêm a
democracia como feita para o seu uso. Será importante contrariar a visão de que: a
democracia apenas se faz com e para políticos profissionais.
As possibilidades de aprofundar a democracia são imensas. A democracia pode ser
renovada, ser muito mais próxima dos cidadãos e fácil de “usar”, pois a verdadeira
cidadania só acontece quando os cidadãos usam - no bom sentido - dos seus direitos e
deveres democráticos. Só assim existe de facto democracia.

9. CONCLUSÃO

O nacionalismo sempre serviu para justificar vários fins, quase sempre políticos.
No caso de um nacionalismo para a União Europeia, um tipo de pan-nacionalismo,
obviamente que terá também objetivos políticos pragmáticos, especialmente porque a
própria U.E. também é uma agregação pragmática de Estados unidos para certos
objetivos. A U.E. surgiu para superar as dificuldades sentidas no contexto da época, no
pós-guerra e início da Guerra Fria. Hoje os problemas que enfrentam os Estados
Europeus são substancialmente diferentes, pois o mundo mudou. Poucas são as
soluções viáveis que não passem pelo aprofundamento da união para ultrapassar os
desafios contemporâneos num mundo globalizado. Para isso é necessário envolver os
cidadãos, construindo e reforçando o sentimento cívico de pertença europeia. A isso
chamo de um novo tipo de nacionalismo: o nacionalismo democrático europeu. Esse

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 120


Micael Sousa

nacionalismo vive da prática comum da democracia por todos os cidadãos em todos os


Estado-membro e na U.E., e do facto de ter sido uma invenção da antiguidade ancestral
da própria Europa. Esta opção tem muitas vantagens, primeiro pela qualidade de vida
que pode propiciar aos europeus em todas as suas vertentes, mas também porque é
um sentimento e via autossustentável. Quando mais abraçarmos a democracia mais a
aprofundamos, e quando mais a assimilamos em profundidade mais nos aproximamos
dos nossos cidadãos europeus, sendo todos eles, em conjunto, a base democrática que
sustenta e concretiza o processo europeu. O método é o fim em si próprio, criando
uma circularidade que tende para mais e melhor democracia, tendo para mais União na
Europa.

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© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 122


COMUNICAÇÕES
A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?
Maria João Palma

A União Bancária resolve?


Nuno Cunha Rodrigues
A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?

A PROTEÇÃO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO


– UMA NOVA POLÍTICA EUROPEIA?1

MARIA JOÃO PALMA2

RESUMO

O presente artigo é baseado numa apresentação com o título “A proteção do Investimento Estrangeiro
pela União Europeia”, proferida no Seminário subordinado ao tema “Dilemas da Globalização”, realizado

no dia 21 de Abril de 2016, na Academia das Ciências, em Lisboa, organizado pela Associação Portuguesa

de Estudos Europeus (APEE), conjuntamente com a Academia das Ciências. Tendo como ponto de partida a
alteração do âmbito da política comercial comum, mediante a inclusão da referência ao “Investimento

Directo Estrangeiro”, na redação dada ao artigo 207º do Tratado sobre o Funcionamento da União

Europeia (TFUE), pelo Tratado de Lisboa, o estudo discorre sobre a aparente edificação de um emergente
Direito do Investimento Estrangeiro da União Europeia. O texto identifica os principais atos aprovados pela

União Europeia (direito derivado, Acordos Internacionais em processo de negociação/conclusão) que terão
permitido regular a articulação entre as competências dos Estados-Membros e as competências da União

Europeia, dando lugar ao surgimento de uma Nova Política Europeia de Proteção do Investimento

Estrangeiro.

Palavras-chave: Política comercial comum, Investimento Direto Estrangeiro, Tratado de Lisboa,


Regulamento Grandfathering, Acordos de Investimento.

Histórico do artigo: recebido em 25-04-2016; aprovado em 26-04-2016; publicado em 03-05-2016.


Publicação a convite do Conselho Editorial.
O presente texto é baseado na nossa intervenção subordinada ao título “A proteção internacional do
1

Investimento Estrangeiro pela União Europeia” - realizada no dia 21 de abril de 2016, na Academia das
Ciências, Lisboa, no Seminário “Dilemas da Globalização”, organizado conjuntamente pela Associação
Portuguesa de Estudos Europeus (APEE) e pela Academia das Ciências.
Os nossos agradecimentos à APEE pelo gentil e honroso convite para publicar a nossa intervenção na
Revista Análise Europeia, dirigida pela mesma Associação.
2
LLM College of Europe. Mestre em Direito FDL. Assistente convidada no Curso de Estudos Europeus,
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lisboa, Portugal. E-mail: luzpalma2011@hotmail.com.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 124


Maria João Palma

ABSTRACT

The protection of Foreign Investment – A new European policy? This article is based on the presentation “The
protection of Foreign Investment by the European Union” given at the Conference “Globalization’s

Dilemmas” held in Lisbon (on 21 April 2016, in the Science Academy) organized by the Portuguese
Association for European Studies (APEE) and the Science Academy. The changes introduced by the Treaty

of Lisbon concerning the scope of the common commercial policy by the inclusion of a reference to foreign

direct investment (article 207 Treaty on the Functioning of the European Union (TFEU)), claim for the
analysis about the newly shaped Foreign Investment Law by the European Union. This text identifies the

main regulations concerning investment law approved by European institutions, the investment

agreements under negotiation and the main questions involving the division of competences between the
member states and the European Union. This framework reveals the emergence of a foreign investment

policy by the European Union.

Keywords: Common commercial policy, Foreign Direct Investment, Lisbon Treaty, Grandfathering
regulation, Investment agreements.

_________________________________________________________________________________________________________________

1. A PROTEÇÃO JURÍDICA DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO – DO


3
BILATERALISMO AO REGIONALISMO

A celebração do primeiro Acordo Bilateral de Promoção e Proteção Recíproca


de Investimento remonta a 1959, por altura da assinatura do primeiro BIT (Bilateral
Investment Treaty)4 entre a República Federal da Alemanha e o Paquistão5. Desde essa
altura, o número de acordos celebrados a nível mundial aumentou para,
aproximadamente, 3000 BITs, dos quais cerca de metade foram celebrados por
Estados-Membros da União Europeia6.

3
A presente reflexão encontra a sua raiz no nosso estudo – “A nova Política Europeia de Investimento
Estrangeiro decorrente do Tratado de Lisboa: o Regulamento Grandfathering e a articulação entre a
competência da União Europeia e as competências remanescentes dos Estados-Membros”, in Revista
Internacional de Arbitragem e Conciliação, Almedina, Vol. VIII, 2015, p. 83 a 110.
4 Uma vez que o seu uso é generalizado, usaremos a sigla em inglês BIT (Bilateral Investment Treaty) para
fazer referência aos acordos bilaterais de promoção e proteção recíproca de investimento.
5 Alemanha, China, Suíça e Reino Unido são os 4 maiores signatários de BITS a nível mundial. As listas por
país podem ser consultadas em - unctad.org/en/Pages/DIAE/…/Country-specific-List-of-Bits.aspx.
6 Em 2013, o número de BITs celebrados totalizava 3. 240 dos quais 1.382 celebrados pelos Estados-
Membros com 149 países. Vide, UNCTAD, World Investment Report, 2013, p. 114-128,
(http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2013_en.pdf).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 125


A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?

Os Acordos Bilaterais de Investimento têm por objetivo assegurar, de forma


recíproca, garantias mínimas aos investimentos e aos investidores de uma parte
contratante no território da outra parte contratante (“level playing field”)7 8.
Essas garantias consubstanciam, por um lado, um conjunto de direitos
substantivos que são assegurados aos investidores (como a regra do tratamento
nacional ou o direito a indemnização em caso de expropriação) mas, também, o acesso
à arbitragem internacional como modo de resolução dos litígios em alternativa aos
tribunais nacionais e cuja principal vantagem residirá na deslocalização dos litígios
relativos a investimentos efetuados em destinos considerados de risco político para
ambientes que possam garantir, de forma acrescida, a resolução imparcial da regulação
da contenda9.
Presentemente, os acordos bilaterais de proteção do investimento estrangeiro
continuam a prevalecer em termos quantitativos, porém, em termos de impacto
económico o destaque deve ser dado aos Acordos regionais, ou Acordos Mega
regionais, como são designados no jargão do comércio internacional. O aumento do
peso económico dos Tratados regionais é notório desde a conclusão da negociação da
zona de comércio livre entre o México e a América Central (NAFTA)10, a qual incluiu um
capítulo sobre investimento; sendo evidenciado, também, pelas negociações em curso
do Acordo de Comércio Livre Trans-Pacifico (TPP Agreement)11, ou pelos
desenvolvimentos recentes no ASEAN12.

7 Khawar Qureshi apresenta a seguinte definição: “What is a BIT? These are Treaty arrangements to provide
foreign investors with a “level playing field” and access to an intern national arbitral tribunal in the event the
host State uses its sovereign power with detrimental effect to the foreign investor”, in “Bilateral Investment
Treaties (BITs): The Essentials”, 2007,
http://www.mcnairchambers.com/media/documents/200810/investmenttreatyessentials_.pdf.
8 No que se refere ao tratamento a dar aos investidores estrangeiros existem Tratados há mais de
duzentos anos: os percursores dos Acordos Bilaterais de proteção dos investimentos foram os Acordos de
“Amizade, Comércio e Navegação”, tendo o primeiro destes sido assinado em 1788 entre os Estados
Unidos e a França.
9
O sistema de resolução de litígios usualmente previsto nos BITs surge estruturado quer numa vertente
inter-estadual, quer numa vertente investidor-Estado, admitindo-se um variado leque de remissões para
tribunais arbitrais de onde sobressai a remissão para o Centro Internacional para a Resolução de
Diferendos relativos a Investimentos (CIRDI em Washington), instituído pela Convenção de Washington, de
1965, sob os auspícios do Banco Mundial.
10 O North American Free Trade Agreement (NAFTA) é um acordo assinado pelo Canadá, México e
Estados Unidos, tendo entrado em vigor em 1994.
11 O TPP é uma zona de comércio livre, em negociação desde Dezembro de 2012, entre a Austrália, Brunei,
Chile, Canadá, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura, os Estados Unidos e o Vietname. O Japão

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 126


Maria João Palma

Torna-se, também, relevante notar que, a nível da União Europeia (UE) a


Comissão Europeia está, atualmente, em virtude da nova competência atribuída pelo
Tratado de Lisboa e da redação dada ao artigo 207º do TFUE, a negociar acordos que
incluem disposições relativas à proteção de investimento, em nome da UE e de todos
os Estados-Membros, nomeadamente, com o Canadá (CETA), Singapura, Índia e com os
Estados Unidos da América (TTIP)13.
Mais recentemente, saliente-se a proposta americana de constituição de uma
zona de comércio livre entre os Estados Unidos e a União Europeia de negociação de
um acordo Compreensivo sobre Comércio e Investimento (TTIP)14 e a abertura oficial
das negociações para uma Zona de Comércio Livre, incluindo disposições sobre
investimento, entre a UE e o Japão15.
Note-se que, estes acordos regionais são zonas de comércio livre (Free Trade
Area, FTA, na sigla inglesa) que, além de regularem questões relativas ao comércio
incluem também disposições relativas à liberalização de serviços, propriedade
intelectual e à proteção do investimento, respondendo de forma mais adequada à atual
realidade económica em que estas dimensões estão intimamente interligadas
(hodiernamente, designados de FTAs Plus).

expressou também o seu desejo de se juntar às negociações. A Coreia de Sul foi convidada pelos Estados
Unidos mas declinou o pedido.
12 A Associação de Nações do Sudeste Asiático (ANSEA/ASEAN) é uma organização regional de Estados
do sudeste asiático que foi constituída em 8 de agosto de 1967. Foi fundada originalmente pela Tailândia,
Indonésia, Malásia, Singapura e Filipinas. Em 1992, os países participantes decidiram transformá-la em
zona de livre-comércio, a ser implantada gradualmente até 2008. A nível de relações externas, a prioridade
da ASEAN é fomentar o contacto com os países da região Ásia-Pacífico, mas foram também estabelecidos
acordos de cooperação com o Japão, China e Coreia do Sul.
13 Em Junho de 2010, na Comunicação sobre a Política Europeia de Investimento (COM (2010) 343, a
Comissão enumera aqueles que considera os parceiros de valor acrescentado - Canadá, Índia, Singapura,
Mercosul, a curto prazo; China e Rússia a médio prazo. Sobre as negociações em curso pode consultar-se,
http://ec.europa.eu/trade/.
14 A 12 de Fevereiro de 2013, o Presidente Barack Obama convidou a UE para o início de negociações
informais de um Acordo Transatlântico entre os Estados Unidos e a União Europeia (the Transatlantic Trade
and Investment Partnership (TTIP). A 12 de Março, a Comissão apresentou um estudo de impacto sobre o
TTPI (SWD (2013) 69 final, 12.3.2013 e solicitou ao Conselho uma autorização para a abertura formal das
negociações. De acordo com os resultados do estudo, este Acordo UE-EUA será o maior acordo bilateral
alguma vez negociado e poderá implicar um output de cerca de 0.5% da economia anual da UE.
15 http://ec.europa.eu/trade/.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 127


A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?

Toda esta rede de acordos em que, por vezes, o mesmo parceiro está presente
em vários acordos de comércio tem sido, expressivamente, designada pela doutrina
dedicada ao estudo do direito do comércio internacional de spaghetti bowls – uma
complexa rede de instrumentos de proteção de investimento que origina
sobreposições e inconsistências16.

2. O REGULAMENTO GRANDFATHERING E A CONVIVÊNCIA ENTRE BITs


CELEBRADOS PELOS ESTADOS-MEMBROS E OS ACORDOS DE INVESTIMENTO DA
UNIÃO EUROPEIA

Tendo como objetivo prevenir aquele efeito e, na decorrência da assunção, após


o Tratado de Lisboa, por parte da UE, de uma nova competência para a celebração de
acordos internacionais em matéria de Investimento Direto Estrangeiro (IDE), aquela
aprovou, em 2012, um conjunto de regras cujo escopo pretende ser disciplinar a
sucessão no tempo entre os BITs nacionais e os Acordos da UE que contenham
disposições relativas à proteção do investimento estrangeiro através do Regulamento
(UE) nº 1219/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de
201217, o qual estabelece disposições transitórias para os acordos bilaterais de
investimento celebrados entre os Estados-Membros e os países terceiros.
18
Este Regulamento – também designado de Regulamento Grandfathering -
assegura a vigência dos BITs nacionais até à sua substituição pelos Acordos de
investimento celebrados pela UE, evitando, assim, a aplicação do artigo 351º do TFUE19,
do qual resultaria a obrigatoriedade de denúncia por parte dos Estados-Membros dos

16 Vide, UNCTAD, 2012, p. xx. Na doutrina, Richard Baldwin: “Multilaterilising regionalism: spaghetti bowls
as building blocs on the path to global free trade”, Working paper nº 12545,
http://www.nber.org/papers/w12545.
17
Publicado no Jornal Oficial da União Europeia, L 351/40, de 20.12.2012.
18
Uma análise do Regulamento Grandfathering pode ser encontrada no nosso estudo supra citado na nota
3.
19 O artigo 351º do TFUE prevê o seguinte: “As disposições dos Tratados não prejudicam os direitos e
obrigações decorrentes de convenções concluídas antes de 1 de Janeiro de 1958 ou, em relação aos Estados
que aderem à Comunidade, anteriormente à data da respetiva adesão, entre um ou mais Estados-membros,
por um lado, e um ou mais Estados terceiros, por outro.
Na medida em que tais convenções não sejam compatíveis com os Tratados, o Estado ou os Estados-
Membros em causa recorrerão a todos os meios adequados para eliminar as incompatibilidades verificadas.
Caso seja necessário, os Estados-Membros auxiliar-se-ão mutuamente para atingir essa finalidade, adotando,
se for caso disso, uma atitude comum (…) - o sublinhado é nosso. A expressão “... por todos os meios ...”
inclui a denúncia ou revogação do acordo.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 128


Maria João Palma

referidos Acordos em virtude da alteração da titularidade da competência relativa ao


IDE, a qual, de competência nacional, passou a competência exclusiva da UE.
O referido Regulamento estaria, assim, na base de um processo de edificação
daquilo que podemos identificar como um emergente Direito do Investimento Europeu,
o qual, através de uma hábil engenharia jurídica viria a ditar as regras de uma
convivência pacífica entre os BITs dos Estados-Membros e os Acordos de Investimento
da UE.
Esta engenharia assenta numa trilogia em que convivem os BITs antigos dos
Estados-Membros, um espólio considerável que é mantido nos termos do referido
Regulamento, cerca de 1500 BITs, a par dos Acordos de Investimento da UE que são
celebrados por esta e que não interferirão com os BITs dos Estados-Membros, desde
que os parceiros não sejam idênticos e, por fim, novos BITs celebrados pelos Estados-
Membros com autorização da UE que, tendo-se assumido, desde o Tratado de Lisboa,
como a titular da competência, dá o seu aval a novos BITs dos Estados, procedendo, se
assim o entender, a uma habilitação nos termos do artigo 2º do TFUE, para que
celebrem novos acordos desde que não tenha interesse nos parceiros eleitos pelos
Estados-Membros.
Esta possibilidade de negociações paralelas – por parte da UE e por parte dos
Estados-Membros - compreende-se se pensarmos que os Estados deverão ter a
oportunidade de poder equiparar as suas redes de proteção de investimentos, não
devendo, para tal, ficar a aguardar que a UE celebre Acordos com todos os potenciais
destinatários ou recetores de investimentos (a Alemanha ou o Reino Unido tem,
seguramente, mais do dobro de BITs em vigor do que, por exemplo, Portugal)20.
Posteriormente, surgiria o Regulamento sobre Responsabilidade Financeira que
determina os critérios de repartição de competências entre a UE e os Estados-
Membros21 22.

20
Em junho de 2013, a Alemanha tinha 136 BITs assinados, dos quais 127 em vigor; ao passo que Portugal
tinha 55 BITs assinados e 41 em vigor.
21
Regulamento (UE) n. ° 912/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014 , que
estabelece um regime de gestão da responsabilidade financeira relacionada com os órgãos jurisdicionais
de resolução de litígios entre os investidores e o Estado, estabelecidos por acordos internacionais em que
a União é parte.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 129


A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?

3. OS ACORDOS INTERNACIONAIS DE INVESTIMENTO A CELEBRAR PELA UE – A


VAEXATA QUESTIO DA MIXITY

Atualmente, a estruturação desta nova competência encontra-se numa fase


mais dinâmica em que caminham em simultâneo as negociações de um feixe de
Acordos de Investimento da UE com países terceiros (TTIP, CETA, UE Japão, UE China,
UE Myanmar, UE Índia, UE Vietname, UE Singapura).
Uma vez tendo sido dirimida a questão da competência para a celebração dos
Acordos - questão que está, presentemente, a ser discutida no Tribunal de Justiça da
UE no âmbito do Parecer nº 2/2015, desencadeado pela Comissão para o caso
concreto do Acordo UE/Singapura, e do qual deverá resultar a pronúncia, por parte
daquele Tribunal sobre a natureza exclusiva ou mista do referido Acordo23 - pronúncia
que será relevante, não só, para o caso concreto mas, também, para o conjunto de
feixes de Acordos em negociação pela UE tendo em consideração a similitude do
grosso das matérias versadas, os mesmos poderão entrar em vigor, no ordenamento
dos Estados-Membros.
A questão da mixity – como é apelidada no jargão dos experts das relações
comerciais externas da UE - é, em nosso entender, mais do que uma questão jurídica,
uma questão política – na medida em que, apenas a soma das competências de ambos
(UE mais Estados-Membros) permite igualar o conjunto das competências dos grandes
parceiros como os EUA, a China, a Índia ou a Rússia quando esteja em causa a

22
Ambos os Regulamentos apresentam como base jurídica apenas o artigo 207º do TFUE. Na medida em
que consideramos que estão em causa não apenas competências exclusivas da UE mas, também,
competências partilhadas (ex. portfolio), a base legal elegida foi, assim o entendemos, insuficiente. Para
uma análise crítica dessa escolha vide o nosso estudo referido na nota 3. Enfatizamos que, a questão
ganhará renovada atenção no caso de o TJUE vir a considerar que o investimento estrangeiro é uma
competência partilhada quando se pronunciar no âmbito do Parecer nº2/2015 (infra). As considerações
que o TJUE vier a tecer em termos de classificação das competências em torno dos diferentes tipos de
investimentos (direto e indireto) serão, mutatis mutandis , transponíveis para o campo do direito derivado.
O investimento direto – enquadrável no âmbito do artigo 207º do TFUE – reporta-se a investimento de
longa duração, aquele que deixa lastro na economia de um país, contrapondo-se ao investimento indireto
(ex. portfolio). Para uma análise dos diferentes tipos de investimento e repercussões ao nível da escolha da
base jurídica, vide o nosso estudo referido na nota 3 e bibliografia aí referida.
23
No caso de o TJUE se pronunciar pela competência mista – que defendemos – a celebração dos Acordos
deverá ser conjunta, i.e., pelo Conselho em nome da UE e pelos Estados-Membros de acordo com os
ditames previstos nas respetivas Constituições. Neste sentido, pronunciou-se em tempos, o Tribunal
Constitucional Alemão quando analisou o Tratado de Lisboa, a 30 de junho de 2009, para. 379, 2 BVE 2/08.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 130


Maria João Palma

celebração de Acordos de domínios abrangentes24. Nestes casos, deve caber ao


conjunto constituído pela UE e os seus Estados-Membros o papel de ator global na
arena do comércio internacional25, devendo para o efeito os Acordos Internacionais em
curso assumir as vestes de Acordos Mistos.

4. DESENVOLVIMENTOS RECENTES – O CONTÁGIO BILATERAL ENTRE BITs DOS


ESTADOS-MEMBROS E OS ACORDOS DE INVESTIMENTO DA UE

Por fim importa referir que, muito embora a UE tenha evitado proceder à
aprovação de um Modelo de BIT/Acordo de Investimento26, é possível verificar que o
clausulado dos Acordos de Investimento da UE é próximo dos BITs dos Estados-
Membros e, também, próximo entre si27, não nos cabendo, porém, nesta sede,
proceder a uma comparação pormenorizada dos mesmos, deixando, apenas,
assinalado que, na medida em que o processo de celebração de novos Acordos – da UE
e dos Estados-Membros - caminha em paralelo nas duas esferas28 - é possível
identificar os traços principais desse percurso.
Dois traços deixamos, aqui, assinalados e que trespassam o conjunto dos
Acordos de Investimento da Nova Era seja no patamar nacional, seja no patamar da UE
– por um, lado, a consagração do direito de regular dos Estados-Membros em defesa
do interesse público (policy space)29 e, por outro, preocupações acrescidas no que se
refere à jurisdicionalização da forma de resolução de litígios.

24
O que o Professor Félix Ribeiro designou expressivamente de “parcerias esmagadoras” por altura da sua
brilhante intervenção no Seminário “Dilemas da Globalização”, na Academia das Ciências em Lisboa, a 21
de Abril de 2016.
25
Assim, “Analysis of the upcoming modernisation of the trade pillar of the European Union – Mexico
Global Agreement”, Directorate-General for External Policies, Policy Department (Parlamento Europeu,
INTA) , 2016, nota 133, p. 41
26
Vide, Comunicação da Comissão Europeia “Towards a comprehensive European international investment
policy”, COM (2010) 343 final, 7 de julho.
27
Certa doutrina identifica um Modelo invisível de Acordo de Investimento da UE. Assim, M. Bungenberg e
A. Reinisch – “The Anatomy of the (Invisible) EU Model BIT”, The Journal of World Investment and Trade
(2014) 15.
28
Para uma lista dos pedidos de autorização para negociar/celebrar BITs submetidos pelos Estados à
Comissão ao abrigo do Regulamento Grandfathering, consulte-se www.europarl.eu/.../COM-AC_DI.
29
Cogitem-se as disposições relativas às atendíveis justificações em caso de expropriação indireta, por
exemplo, no BIT Nigéria/Áustria (assinado em 8/4/2013) onde se assegura o direito de regular dos Estados
justificado pelo interesse publico, com os Anexo X.11 do CETA e Anexo I do TTIP com o mesmo propósito.
Vide, texto consolidado do CETA, publicado a 26 de setembro de 2014 –
http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2014/september/tradedoc_152806.pdf e textos propostos para o

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 131


A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?

Por um lado, a regulação do direito de regular tem sido uma preocupação


constante como forma de travar as arbitragens consideradas fraudulentas30. Além dessa
preocupação coloca-se, também, a questão de regular o recurso à arbitragem
internacional tendo em consideração as propostas que estão a ser discutidas de
reforma do sistema arbitral e respetiva transição para um sistema judicial. 31
A necessidade de proceder a esta reforma aparece na sequência de uma
consulta pública realizada pela Comissão Europeia sobre o Acordo TTIP32, e as críticas
dirigidas à possibilidade de recurso à arbitragem internacional no referido Acordo33. Em
reação, a Comissão Europeia viria a apresentar, através do Concept Paper de maio de
201534, não só propostas de melhoria do sistema apresentado, mas, também, uma
proposta de reflexão sobre a possível criação de um tribunal de investimento de
natureza judicial, permanente e multilateral, i.e., abrangendo, além do TTIP, outros
Acordos de Investimento35.

capítulo do TTIP relativo ao investimento –


http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs72015/september/tradoc_153807.pdf. É expectável um efeito de
alastramento das previsões relativas a policy space ao nível dos BITs dos Estados-Membros.
30
Vide, Maude Barlow e Raoul Marc Jennar – “O flagelo da arbitragem internacional”, Le Monde
diplomatique, 01.02.2016.
31
Sobre o sistema de resolução de litígios investidor-Estado nos Acordos da Investimento da União
Europeia, August Reinisch e Lukas Stifter – “What about ISDS in EU Investment Agreements”, in Revista
Internacional de Arbitragem e Conciliação, Almedina, Vol. VIII, 2015, p. 7 a 34.
32
O Relatório da Comissão Europeia sobre o resultado da consulta pública, de 13 de Janeiro de 2015,
pode ser encontrado em http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2015/january/tradoc_153046.pdf
33
Os argumentos invocados contra a arbitragem internacional em matéria de investimentos são
conhecidos: por um lado, a tendência dos árbitros para decidir a favor dos investidores atendendo ao seu
interesse na nomeação para as arbitragens; por outro, o facto de os tribunais arbitrais de investimento
terem natureza privada não existindo um controlo público da sua constituição ou das suas decisões;
invoca-se, também, o facto de a arbitragem colocar em causa o direito de regulação pública dos Estados,
referindo-se um abuso de um direito de ação contra medidas legítimas tomadas pelos Estados – são
conhecidos os casos Abaclat (arbitragens ICSID iniciadas por investidores estrangeiros contra medidas de
reestruturação da dívida pública pela Argentina para fazer face à crise económica e financeira) ou o caso
Vattenfall (iniciado contra a Alemanha, também no ICSID, em virtude da sua decisão de supressão
progressiva da energia nuclear). Para uma análise crítica destes casos, vide, Maude Barlow e Raoul Marc
Jennar – “O flagelo da arbitragem internacional”, Le Monde diplomatique, 01.02.2016.
Por fim, invoca-se, ainda, o facto de a arbitragem fazer sentido relativamente aos BITs celebrados pelos
Estados-Membros com países em desenvolvimento cujos sistemas judiciais não oferecem garantias de
imparcialidade (destinos de risco político), o que não se verificará no caso dos Acordos em curso,
nomeadamente, no caso do TTIP. Neste sentido, vide Maude Barlow e Raoul Marc Jennar, op. cit.
Uma resenha desta argumentação pode ser encontrada no artigo de Ricardo do Nascimento Ferreira “A
judicialização do Sistema de ISDS no TTIP”, in Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação, Almedina,
Vol. VIII, 2015, p. 114.
34
http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2015/may/tradoc_153408.PDF.
35
Sobre os desenvolvimentos subsequentes aos resultados da consulta pública vide, August Reinisch e
Lukas Stifter, op. cit, p. 10 e segs.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 132


Maria João Palma

Na mesma linha, o Parlamento Europeu aprovaria uma Resolução, em 8 de julho


de 2015, recomendando à Comissão Europeia um novo sistema de resolução de litígios
entre os investidores e os Estados, sujeito a princípios e controlo democráticos,
processos públicos e de acordo com regras de transparência, com recurso a juízes
profissionais, independentes e nomeados pelo poder público, incluindo recurso das
decisões de modo a assegurar a coerência das mesmas, regras estas que contribuiriam,
no seu conjunto, alegadamente, para impedir que os interesses privados possam
comprometer a prossecução de objetivos de interesses públicos36.
A 16 de setembro de 2015, a Comissão Europeia publicou para efeito de
discussão os textos propostos para o capítulo TTIP relativo ao investimento, incluindo
disposições sobre um sistema judicial permanente de resolução de litígios de
investimento, manifestando, na mesma publicação, o seu empenho na criação de um
Tribunal de Investimento Internacional que substitua todos os sistemas de resolução de
litígios previstos em Acordos de Investimento37 - incluindo os dos BITs dos Estados-
membros, cujo contributo em termos de equilíbrio na garantia dos vários interesses em
presença importará equacionar.

5. CONCLUSÃO

Tendo como ponto de partida a alteração do âmbito da Política Comercial


Comum, mediante a inclusão da referência ao “Investimento Direto Estrangeiro”, na
redação dada ao artigo 207º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
(TFUE), pelo Tratado de Lisboa, a UE iniciou um processo de edificação de um
emergente Direito do Investimento Estrangeiro da União Europeia cuja densificação nos
permite concluir estarmos perante o surgimento de uma Nova Política da União
Europeia.
Esta Nova Política que se ergue não pode ser, pela sua versatilidade e
abrangência de conteúdos, maxime a amplitude dos investimentos cobertos pelos
Acordos Internacionais a celebrar pela UE , enquadrável unicamente no artigo 207º do

36
Ver http://www.europarl.eu/sides/getDoc.do?pubRef
37
Ver http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2015/september/tradoc_153807.pdf e
http://europa.eu/rapid/press-release_MEMO-15-5652_en.htm.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 133


A proteção do investimento estrangeiro – uma nova política europeia?

TFUE, não podendo, atualmente, afirmar-se que se trata de uma competência exclusiva,
muito embora o “mote” para a dinâmica da UE tenha vindo do artigo 207º do TFUE que
regula um campo de exclusividade.
A Política Europeia de Investimento Estrangeiro permanece, por ora, uma
competência partilhada entre a UE e os Estados-Membros – ditando a imposição de
celebração de Acordos Mistos na esfera internacional.
Esta Política só assumirá as vestes de uma política exclusiva quando a palavra “
direto” for suprimida do artigo 207 do TFUE38, o que só poderá suceder pela via de uma
revisão formal dos Tratados, a qual implicará a chancela unânime dos Estados-
Membros.

38
Em alternativa, poder-se-á enveredar pela regulação do investimento estrangeiro em disposição
autónoma, o que, em nosso entender, será mais consentâneo com a autonomização da Política de
Investimento Estrangeiro da UE.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 134


Nuno Cunha Rodrigues

A UNIÃO BANCÁRIA RESOLVE?1

2
NUNO CUNHA RODRIGUES

RESUMO

O presente artigo corresponde ao texto da intervenção realizada no dia 26 de janeiro de 2016, na


Faculdade de Direito de Lisboa, na conferência organizada pelo IDEFF e pelo Instituto Europeu

subordinada ao tema “O Sistema Financeiro Português”. Partindo da análise dos três pilares da união
bancária, o artigo reflete sobre a resolução de dois bancos em Portugal – o BES (Novo Banco) e o BANIF –

bem como sobre o surgimento daquela união no contexto da crise financeira, concluindo que, sem uma

verdadeira união económica e monetária, ainda por concretizar, a união bancária não permitirá resolver
alguns dos problemas estruturais da União Europeia.

Palavras-chave: União bancária, união económica e monetária, crise financeira, Banco Central Europeu,

mecanismo único de resolução.

Histórico do artigo: recebido em 15-02-2016; aprovado em 19-02-2016; publicado em 03-05-2016.


Publicação a convite do Conselho Editorial.
1
O presente artigo corresponde ao texto da intervenção realizada no dia 26 de janeiro de 2016, na
Faculdade de Direito de Lisboa, na conferência organizada pelo IDEFF e pelo Instituto Europeu
subordinada ao tema “O Sistema Financeiro Português 40000 Milhões de Imparidades Depois”.
Agradeço à Associação Portuguesa de Estudos Europeus (APEE) o amável e honroso convite para publicar
a comunicação então efetuada na revista da APEE.
2
Doutor em Direito. Professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Lisboa, Portugal.
E-mail: nunorodrigues@fd.ulisboa.pt

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 135


A União Bancária resolve?

ABSTRACT

Does the Banking Union solve? The article is the text of the speech held on January 26, 2016, at the Law

School of Lisbon, at the conference organized by IDEFF and the European Institute entitled "The
Portuguese financial system." Based on the analysis of the three pillars of the banking union, the article

reflects on the resolution of two banks in Portugal - BES (Novo Banco) and BANIF - as well as the
emergence of the banking union in the context of the financial crisis, concluding that without true

economic and monetary union, yet to be achieved, the banking union will not be able to solve some of the

structural problems of the European Union.

Keywords: Banking union, economic and monetary union, financial crisis, European Central Bank,
mechanism single resolution.

_________________________________________________________________________________________________________________

Foi-me pedido que respondesse a uma questão concreta: a União Bancária


resolve?
A pergunta envolve uma pluralidade de vertentes.
Procura-se, por um lado, saber se a criação da União Bancária resolveu – ou
resolve - a deficiência estrutural que ocorria no sistema financeiro e que esteve, em
parte, na origem da crise financeira; por outro lado, perceber se a criação do
Mecanismo Único de Resolução – um dos pilares da União Bancária - constitui uma
solução para bancos problemáticos, à semelhança do que sucedeu com o Novo Banco
ou o Banif.
Ao procurar as respostas lembrei-me de uma célebre frase de um jogador de
futebol que parece poder aplicar-se ao comportamento da União Europeia quando,
diante de uma crise, ensaia uma solução.
O jogador, explicando o que a sua equipa tinha feito, contou: “Quando
estávamos à beira do abismo, tomámos a decisão certa: demos um passo em frente”.
Essa parece ser a estratégia da União Europeia nas últimas décadas: perante o
abismo, dar um passo em frente.
Vejamos.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 136


Nuno Cunha Rodrigues

Na década de 90, pujante de crescimento económico e galvanizada


politicamente pela queda do muro de Berlim e pela consequente reunificação alemã, a
então Comunidade Europeia decidiu aprofundar a união política.3
No entanto, face ao impasse relativo à indefinição do modelo político, decidiu
avançar no aprofundamento do modelo económico, criando uma União Económica e
Monetária pouco pensada e estruturada porquanto construída em tempos de
crescimento, com base em premissas teóricas dos anos 60, nomeadamente do Prémio
Nobel da Economia de 1999, Robert Mundell, sobre zonas monetárias ótimas. Estas
realidades não se encontravam, como se sabe, na então Comunidade Europeia.4
Com a União Económica e Monetária (UEM), procurou mimetizar-se, no espaço
europeu, o modelo monetário norte-americano.
A consequência foi que, na impossibilidade de se gizar um novo modelo
político para a Europa, avançou-se desenhou um novo modelo económico com
resultados que, uma década depois, estavam à vista de todos.5
Na verdade, cedo ficou claro que a Europa não dispunha de um orçamento
federal que permitisse acorrer, de forma efetiva, a choques económicos assimétricos e
a concretizar a ideia de solidariedade presente nos textos dos Tratados.
A propósito de solidariedade, recordo apenas que, em 1992, o Tratado de
Maastricht procedeu à alteração do regime dos auxílios de Estado (que agora a
Comissão Europeia frequentemente evoca) para permitir a reunificação alemã e que,

3
Com a aprovação do Tratado de Lisboa, a Comunidade Europeia deu lugar à União Europeia com a
consequente mudança da denominação.
4
O principal contributo de Mundell assentou na apresentação, como principal critério para o
estabelecimento de uma zona com uma única moeda, a existência no seu interior de um alto grau de
mobilidade de fatores. Assim, v. ROBERT A. MUNDELL, A theory of optimum currency areas, in American
Economic Review, vol. 53, 1961, pp. 657-664. Assinalando que a União Europeia não é uma zona monetária
ótima uma vez que não existe uma política orçamental de estabilização centralizada; porque os salários e
preços não são suficientemente flexíveis e porque é pequena a mobilidade internacional do fator trabalho,
v. SAMUELSON / NORDHAUS, Economia, 18.ª edição, McGraw Hill, Madrid, 2005, p. 638 e ANÍBAL CAVACO
SILVA, União Monetária Europeia – funcionamento e implicações, Verbo, Lisboa, 1999, p. 93.
5
Já em 1999, PAULO DE PITTA E CUNHA, in De Maastricht a Amesterdão – problemas da União Monetária
Europeia, Almedina, Coimbra, 1999, p. 97, alertava para as dificuldades de implementação da união
económica e monetária então idealizada, nos seguintes termos: “the lauching of EMU, with its unbalanced
structure – decisions on the unification of monetary policy under strict stability rules not paralleled by any
move to centralize budgetary powers -, may create a serious problema to those Member States facing
asymmetric shocks, in the contexto of a single market deprived of real mobility of the labour force (…) it is
advisable, even in the absence of political will to set up the structures of fiscal federalism, to tackle the above
referred problem”.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 137


A União Bancária resolve?

ainda atualmente, o artigo 107.º, n.º 2, alínea c) do Tratado sobre o Funcionamento da


União Europeia (TFUE) considera compatíveis com o mercado interno os auxílios
atribuídos à economia de certas regiões da República Federal da Alemanha afetadas
pela divisão da Alemanha.
Mais tarde, já na presente década, e perante as dificuldades causadas pela crise
financeira surgida em 2007/2008, a União Europeia aprovou legislação – onde destaco
o Tratado Orçamental e os pacotes vulgarmente designados como o six-pack e two-
pack – que correspondiam a uma tentativa de unificação orçamental europeia mas que,
em rigor, não resolviam nada de concreto, uma vez que possuíam objetivos quase
exclusivamente preventivos, visando, antes de mais, controlar as economias mais
débeis da União Europeia, como a Portuguesa ou a Grega.6

6
O Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária
vulgarmente conhecido como Tratado Orçamental, é um tratado intergovernamental, outorgado fora do
quadro jurídico da União Europeia, tendo sido assinado pelos Estados-Membros da União Europeia (UE),
com exceção do Reino Unido, da Croácia e da República Checa.
O six-pack foi aprovado em 2011 e agrega uma componente de controlo orçamental, que procura garantir
uma maior ação preventiva por parte da União Europeia, bem como uma componente de supervisão
macroeconómica, com vista a prevenir e corrigir os desequilíbrios verificados nos Estados-membros.
É composto por cinco regulamentos e uma diretiva (Regulamento (UE) n.º 1173/2011 do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011, relativo ao exercício eficaz da supervisão orçamental
na área dos euroafetados ou ameaçados por graves dificuldades no que diz respeito à sua estabilidade
financeira; Regulamento (UE) n.º 1174/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de
2011, relativo às medidas de execução destinadas a corrigir os desequilíbrios macroeconómicos excessivos
na área do euro; Regulamento (UE) n.º 1175/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de
novembro de 2011, que altera o Regulamento (CE) n.º 1466/97 relativo ao reforço da supervisão das
situações orçamentais e à supervisão e coordenação das políticas económicas; Regulamento (UE) n.º
1176/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011, sobre prevenção e
correção dos desequilíbrios macroeconómicos; Regulamento (UE) n.º 1177/2011 do Conselho, de 8 de
novembro de 2011, que altera o Regulamento (CE) n.º 1467/97 relativo à aceleração e clarificação da
aplicação do procedimento relativo aos défices excessivos e Diretiva 2011/85/UE do Conselho, de 8 de
novembro de 2011, que estabelece requisitos aplicáveis aos quadros orçamentais dos Estados-Membros).
O two-pack foi aprovado em 2013 e visou introduzir um novo ciclo de monitorização da Zona Euro, com a
submissão prévia à Comissão Europeia dos orçamentos relativos ao ano seguinte pelos Estados-Membros.
É composto por dois regulamentos (Regulamento (UE) n.º 473/2013, de 21 de maio de 2013, que
estabelece disposições comuns para o acompanhamento e a avaliação dos projetos de planos orçamentais
e para a correção do défice excessivo dos Estados-Membros da área do euro e o Regulamento (UE) n.º
472/2013, de 21 de maio de 2013, relativo ao reforço da supervisão económica e orçamental dos Estados-
Membros afetados ou ameaçados por graves dificuldades no que diz respeito à sua estabilidade financeira
na área do euro).

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 138


Nuno Cunha Rodrigues

Tudo isto quando, na década anterior, a Alemanha e a França tinham sido


condenadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) por terem violado o
Pacto de Estabilidade e Crescimento.7
Convém não esquecer: a Alemanha não tinha sido penalizada pelo Conselho,
em 2003, por ter infringido o Pacto de Estabilidade e Crescimento, decisão mais tarde
considerada ilegal pelo TJUE.
Disse-se que a decisão, em 2003, de não penalizar a Alemanha se tratara de
uma demonstração de solidariedade europeia, anterior à crise.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
Eis-nos então chegados a estes tempos.
Neste momento, a União Europeia já não culpa exclusivamente os Estados-
membros pela emergência da crise financeira. Reconhece que esta se deveu, também,
ao mau funcionamento do sistema bancário (como se viu, por exemplo, no caso da
Irlanda) e ao efeito de contágio daí decorrente para as dívidas soberanas.
A União Bancária surge, por conseguinte, como resposta a um problema central
verificado em diversos Estados-membros no contexto de crises financeiras cruzadas,
resultantes do contágio entre Estados-membros por um sistema financeiro marcado
pela circunstância de o Banco Central Europeu (BCE) não poder atuar como financiador
de última instância dos Governos nacionais e da consequente realidade de ser a banca
nacional, em grande parte, financiadora de último recurso dos Estados.8
Este facto motivou a fragmentação do sistema financeiro existente nos Estados-
membros, pondo à vista a fragilidade de alguns sistemas bancários – em parte
motivadas pela necessidade de cumprimento das novas regras de Basileia III -, levando
à perda de confiança dos depositantes, ao agravamento das condições de
financiamento dos Estados e particulares, à ampliação do risco sistémico e a
fenómenos de “nacionalização” do sistema bancário, como sucedeu na Irlanda e, de
alguma forma, em Espanha e em Portugal.

7
Cfr. acórdão do TJUE Comissão vs. Conselho, de 13 de julho de 2004, proc. C-27/04, Coletânea, 2004, p. I-
6649.
8
Cfr. artigo 123.º, n.º 1 do TFUE e artigo 21.º, n.º 1 do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu
de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu. Esta proibição não impede, contudo, o BCE de poder
intervir nos mercados secundários, nomeadamente ao abrigo do chamado programa OMT.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 139


A União Bancária resolve?

É neste contexto que surge a União Bancária, constituída pelos seguintes três
pilares:
a) O Mecanismo Único de Supervisão (MUS), que atribui a função de
supervisão bancária direta ao Banco Central Europeu, responsável pela
supervisão direta dos 123 maiores grupos bancários na União Europeia9;
b) O Mecanismo Único de Resolução (MUR) que nos termos do qual, desde
janeiro de 2016, as resoluções devem ser sobretudo financiadas pelos
acionistas e pelos credores dos bancos - em aplicação do princípio
segundo o qual as perdas devem ser suportadas, em primeiro lugar,
pelos acionistas e pelos credores e, não, recorrendo a fundos do Estado
- podendo, a título complementar, haver financiamento pelo Fundo
Único de Resolução (FUR), resultante de contribuições do setor bancário
efetuadas pelos bancos ao longo dos próximos 8 anos e que, quando
atingir o nível-alvo de fundos, permitirá deter cerca de 55 mil milhões de
EUR, ou cerca de 1 % dos depósitos cobertos na área do euro.10

Pretende-se que, no futuro, seja este fundo europeu a assegurar a resolução de


entidades do sistema financeiro.

9
O Mecanismo Único de Supervisão (MUC) foi criado na sequência da aprovação do Regulamento (UE) n.º
1024/2013, de 15 de outubro, que atribuiu ao BCE o poder de supervisionar as instituições de crédito
significativas dos países da zona euro e dos outros Estados que, não tendo adotado o euro como moeda,
desejem fazer parte desta colaboração.
10
O Mecanismo Único de Resolução (MUR) visa evitar que a resolução dos bancos afete a estabilidade
sistémica e a situação financeira dos países onde estes operam. Nos termos do MUR, caberá ao BCE
desencadear o processo de resolução e decidir se um banco está ou não em risco de falência, como resulta
do Regulamento (UE) n.º 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho, que estabelece
regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de
investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução
bancária e que altera o Regulamento (UE) n.º 1093/2010.
Neste contexto foi igualmente aprovada a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de
15 de maio de 2014, relativa à recuperação e resolução bancária (DRRB), que prevê formas de resolução
das instituições de crédito sem que seja necessário recorrer aos contribuintes.
Em abril de 2014, o Parlamento Europeu aprovou ainda o pacote DRC IV, constituído pela Diretiva bancária
2013/36/UE relativa aos Requisitos de Fundos Próprios (DRC) e pelo Regulamento (UE) n.º 575/2013
relativo aos Requisitos de Fundos Próprios (CRR). Este novo pacote transpõe para o direito comunitário os
requisitos prudenciais em matéria de fundos próprios para as instituições de crédito e as empresas de
investimento, reforçando as normas de capitalização e liquidez dos bancos, as regras relativas às práticas
de remuneração, assim como os incentivos à concessão de crédito, nomeadamente às PME.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 140


Nuno Cunha Rodrigues

Note-se que para aceder a este fundo, os bancos "tóxicos" deverão aplicar
perdas aos seus principais credores, incluindo os detentores de dívida sénior (algo que
não se verificou nos grandes resgates desta crise).
O que implica que a autoridade central, o Conselho Único de Resolução (CUR) -
agência independente da União Europeia que se tornou operacional desde janeiro de
2016 - seja, em última instância, responsável pela decisão de iniciar a resolução de um
banco e por exercer diretamente a função de resolução em relação a todas as
instituições sujeitas à supervisão direta do BCE ou com atividade transfronteiriça na
área do euro, ao passo que, a nível operacional, a decisão será executada em
cooperação com as autoridades nacionais de resolução.
Sabendo-se que, no caso Novo Banco e no caso BANIF, a resolução foi decidida
em escassos dias, é legítima a interrogação de saber se este mecanismo europeu será
suficientemente ágil para resolver grandes bancos europeus em escassos dias.
Registe-se que esta divisão de competências entre o Conselho Único de Resolução
(CUR) e os bancos centrais nacionais traz associada alguma esquizofrenia entre quem
decide – o CUR - e quem paga – os depositantes, obrigacionistas e, no limite,
contribuintes nacionais.
Tudo isto entronca, como veremos mais adiante, num problema central da
União Bancária: carência de legitimidade democrática.
Concordo, por isso, com quem afirma o mecanismo único de resolução não
pode ser visto como a bala mágica capaz de solucionar os problemas de risco
sistémico.11
A União Europeia é totalmente inexperiente neste domínio, uma vez que, no
passado, falências de bancos foram solucionadas sem recurso a mecanismos de
resolução, seja através de intervenções públicas (caso da Irlanda ou da Suécia no início
da década de 90) ou de nacionalizações (v. o caso do BPN em Portugal).
Tudo dependerá, portanto, da forma como o mecanismo único de resolução
vier a ser utilizado no futuro.

11
Assim, v. NICOLAS VÉRON e GUNTRAM B. WOLFF, From supervision to resolution: Next steps on the road
to European banking union, Bruegel Policy Contribution, n.º 2013/04, p. 2, disponível em
http://hdl.handle.net/10419/72128 (acesso em fevereiro de 2016).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 141


A União Bancária resolve?

E aqui, Portugal pode estar a servir de cobaia da União Europeia.


Se a troika é hoje entendida como um balão de ensaio (o que foi, aliás,
reconhecido pelo Tribunal de Contas Europeu12), uma experiência da União Europeia
face à crise financeira que surgiu, também, devido a deficiências estruturais da União
Económica e Monetária e à inexistência de instrumentos económicos adequados,
ensaio este realizado em Portugal e na Grécia também o mecanismo único de
resolução parece ter vindo a ser subtilmente testado em Portugal nos casos Novo
Banco e BANIF para, mais tarde, ser eventualmente utilizado noutros Estados Membros,
nomeadamente impondo um fenómeno de concentração bancária transeuropeia em
que, no final, apenas os grandes bancos sobreviverão (ao contrário do que
provavelmente seria decidido pela Comissão Europeia em sede de controlo prévio de
concentrações de empresas o que não sucedeu, no caso BANIF, apenas e só por
estarmos face à resolução de um banco13).

c) Ficou por referir o terceiro pilar da União Bancária: o Mecanismo Único


de Garantia de Depósitos.
Visa-se, com este mecanismo, harmonizar as regras relativas à garantia de
depósitos estabelecida a nível nacional para que Estado-membro tenha um sistema de
garantia que atinja um nível de capitalização correspondente a 0,8% dos depósitos
cobertos, num prazo de 10 anos.
Porém, neste momento, o terceiro pilar não avançou tendo-se a União Europeia
limitado a homologar as condições em que este fundo devem operar em cada país.14

12
Cfr. Relatório Especial nº 18/2015 "Assistência financeira prestada a países em dificuldades", disponível
em http://www.eca.europa.eu/Lists/News/NEWS1601_26/INSR_CRISIS_SUPPORT_PT.pdf (acesso em
fevereiro de 2016).
13
A apreciação de uma operação de concentração de empresas (nomeadamente quando resulta da fusão
de dois bancos) pode ser feita a nível nacional (Autoridade da Concorrência) ou europeu (Comissão
Europeia), caso sejam ultrapassados os limiares financeiros estabelecidos no Regulamento 139/2004.
Porém, em qualquer caso, a operação pode não ser autorizada caso resulte na criação de entraves
significativos à concorrência efetiva em consequência, nomeadamente, da detenção de elevadas quotas de
mercado em resultado da operação projetada.
14
O Mecanismo Único de Garantia de Depósitos (SGD) foi criado com a aprovação da Diretiva 2014/49/UE
relativa aos sistemas de garantia de depósitos, que contribui, juntamente com o FUR e o Mecanismo
Europeu de Estabilidade (MEE), para o terceiro pilar da União Bancária.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 142


Nuno Cunha Rodrigues

Descritos os pilares da União Bancária, é tempo de responder às duas questões


que suscitámos.15
Comecemos pela primeira: a criação da União Bancária resolveu – ou resolve - a
deficiência estrutural que se verificava no sistema financeiro?
Creio que não.
Desde logo, atendendo a três observações:
i) A União Bancária não encontra, relativamente a um dos pilares,
fundamento jurídico no texto dos Tratados;
ii) A União Bancária carece de legitimidade democrática;
iii) A União Bancária não estará completa sem uma verdadeira União
Económica e Monetária, que está ainda por concretizar.

Vejamos o primeiro ponto: a União Bancária não encontra, relativamente a um


dos seus pilares, fundamento jurídico no texto dos Tratados.
A harmonização da supervisão prudencial – 1.º pilar -, encontra base jurídica
adequada no artigo 114.º do TFUE, tal como a criação do mecanismo único de
supervisão que se fundamenta no disposto no artigo 127.º, n.º 6 do TFEU, apesar das
dúvidas que se suscitam quanto à extensão das competências dispostas naquele artigo.
Coloca-se, contudo, o problema da escolha da base jurídica quando nos
referimos ao mecanismo de resolução.
É que a criação deste mecanismo – ao contrário do mecanismo de supervisão –
não se encontra expressamente referido no texto dos Tratados, o que, de alguma
forma, se relaciona com a circunstância de qualquer mecanismo de resolução
especialmente aplicável aos bancos dever ser considerado como alternativo ao regime
de insolvência que é ainda matéria da esfera dos Estados-membros – ao contrário do
que sucede, por exemplo, nos EUA.

Sobre a eventual criação deste mecanismo, no contexto da união bancária, v. DANIEL GROS e DIRK
SCHOENMAKER, European Deposit Insurance and Resolution in the Banking Union, Journal of Common
Market Studies, Volume 52. Number 3, 2014, pp. 529–554.
15
Discutindo a realização dos três pilares da união bancária, v. JEAN PISANI-FERRY; ANDRÉ SAPIR;
NICOLAS VÉRON; GUNTRAM B. WOLFF, What kind of European banking union?, Bruegel Policy
Contribution, n.º 2012/12, disponível em http://hdl.handle.net/10419/72098 (acesso em fevereiro de 2016).

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 143


A União Bancária resolve?

É certo que, para alguns, a base jurídica para a criação do mecanismo único de
resolução seria extraída implicitamente do disposto no artigo 114.º do TFUE, referente
à harmonização de legislação entre os Estados-membros.
Ao ler o Regulamento n.º 806/2014 - que criou o Mecanismo Único de
Resolução e o Fundo Único de Resolução bancária -,verificamos que foi aprovado
tendo em conta, justamente, o artigo 114.º do TFUE.
Acontece que, como referi anteriormente, esta norma não confere
explicitamente competências à União neste domínio.
Não sou original nesta afirmação.
A maior parte da doutrina estrangeira considera essencial proceder a uma
revisão dos Tratados a este respeito, para que a União Bancária não esteja, à partida,
condenada por falta de base jurídica adequada no que respeita ao mecanismo único de
resolução.16
Passemos agora à segunda observação: a União Bancária encontra-se
desprovida de legitimidade democrática.
Este ponto já foi analisado pelo Parlamento Europeu. Recorde-se que o
Parlamento esteve diretamente envolvido no processo legislativo que levou à criação
da União Bancária mas competiu-lhe apenas uma função consultiva relativamente à
legislação referente à União Bancária.17
A tudo isto acresce que a União Bancária reforçou os poderes do BCE ficando
por definir que tipo de escrutínio democrático esta instituição ficará submetida.
Trata-se, no fundo, de procurar dar resposta à velha questão latina quis
custodiet ipsos custodes? – quem vigia os vigilantes?
É certo que, dos atos do BCE, admite-se recurso para o Tribunal de Justiça.18

16
Sobre a falta de base jurídica adequada no TFUE para a criação do mecanismo único de resolução, v.
NICOLAS VÉRON, A realistic bridge towards European banking union, Bruegel Policy Contribution, n.º
2013/09, disponível em http://hdl.handle.net/10419/106306 (acesso em fevereiro de 2016), pp. 5-7.
17
Assim, v. DAVID HOWARTH e LUCIA QUAGLIA, Banking Union as Holy Grail: Rebuilding the Single Market
in Financial Services, Stabilizing Europe‟s Banks and „Completing‟ Economic and Monetary Union, in Journal
of Common Market Studies, Volume 51 Annual Review, 2013, p. 119.
18
O artigo 271.º, alínea d) do TFUE prevê que o TJUE é competente para conhecer dos litígios respeitantes
à execução das obrigações resultantes dos Tratados e dos Estatutos do SEBC e do BCE pelos bancos
centrais nacionais.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 144


Nuno Cunha Rodrigues

Mas se, a nível nacional, conhecemos a relevante tarefa desempenhada pelas


comissões de inquérito para, de alguma forma, escrutinar a atuação do Banco de
Portugal, não conhecemos idêntica realidade a propósito da atuação do Banco Central
Europeu.
Avancemos agora para o terceiro ponto: a União Bancária nunca estará
completa sem uma verdadeira União Económica e Monetária.
Também aqui não sou original.
Já em 2012, o então Presidente do Conselho Europeu Herman Van Rompuy,
num relatório intitulado “Rumo a uma verdadeira União Económica e Monetária”,
expunha a sua visão de uma União Económica e Monetária estável e próspera assente
em quatro elementos constitutivos que passo a ler19:
i) Um quadro financeiro integrado destinado a garantir a estabilidade
financeira, em particular na área do euro, e a minimizar os custos para os
cidadãos europeus decorrentes de situações de falência dos bancos.
ii) Um quadro orçamental integrado (…) que englobe a coordenação (…)
uma melhor execução e medidas comensuráveis conducentes à emissão
comum de títulos de dívida. Este quadro poderá igualmente incluir
diferentes formas de solidariedade orçamental.
iii) Um quadro de política económica integrada dotado de mecanismos
suficientes para garantir a implementação de políticas nacionais e europeias
promotoras do crescimento sustentável, do emprego e da competitividade
(…).
iv) Assegurar a legitimidade e responsabilização democráticas necessárias
ao processo decisório no âmbito da UEM, assente no exercício conjunto da
soberania em matéria de políticas comuns e de solidariedade.
Ora, se é possível dizer que a União Bancária procura dar resposta ao primeiro
elemento constitutivo da (nova) União Económica e Monetária – ao criar um quadro

A este propósito, v. MARIA LUÍSA DUARTE, O Banco Central Europeu e o sistema judicial da união europeia:
supremacia decisória e controlo da legalidade, in Estudos em Homenagem a Sousa Franco, vol. III, Coimbra
Editora, Coimbra, 2006, pp. 149-176.
19
O relatório está disponível em
www.consilium.europa.eu%2Fpt%2Fworkarea%2Fdownloadasset.aspx%3Fid%3D17415&usg=AFQjCNGnh0
c6RzX5cUdrR5623-0BCRvR2g (acesso em fevereiro de 2016)

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 145


A União Bancária resolve?

financeiro integrado que minimize os custos para os cidadãos europeus -, a verdade é


que estão ainda por concretizar os restantes três elementos constitutivos.
Onde estão as (i) medidas conducentes à emissão comum de títulos de dívida e
as formas de solidariedade orçamental, nomeadamente um verdadeiro orçamento
federal que permita acorrer a choques económicos assimétricos como os verificados no
passado?
(ii) onde está o quadro de política económica integrada que garanta políticas
nacionais e europeias promotoras do crescimento sustentável, do emprego e da
competitividade?; e , por fim
(iii) onde está a legitimidade e responsabilização democráticas necessárias ao
processo decisório no âmbito da UEM?
Por tudo isto, parece poder afirmar-se que a União Bancária ainda está manca.
Respondo, por conseguinte, à primeira questão, dizendo que a União Bancária
(ainda) não resolveu a deficiência estrutural que se verificava no sistema financeiro.
Cumpre finalmente responder à segunda pergunta: a criação do Mecanismo
Único de Resolução constitui uma solução para liquidar para os chamados bancos
problemáticos, tais como o Novo Banco ou o Banif?
Aqui, diríamos que a arquitetura estrutural e institucional da União Bancária
privilegia a conhecida lógica too big to fail que esteve presente na regulação do
sistema financeiro norte-americano na década passada.
Essa lógica não evitou, no entanto, a falência de grandes bancos como o
Lehman Brothers.
Na Europa, procurou-se erguer uma União Bancária na qual os grandes bancos
são supervisionados pelo Banco Central Europeu e os restantes são deixados à
supervisão dos bancos centrais nacionais (ainda que, é certo, sujeitos a regras de
supervisão prudenciais comuns, aprovadas pela União Europeia).
Tudo numa zona que partilha a mesma moeda.
Fará isto sentido?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 146


Nuno Cunha Rodrigues

Não estaremos, de novo, a ser colocados perante uma União Europeia a duas
velocidades: a dos grandes bancos e a dos pequenos e médios bancos e, por outro
lado, a dos bancos da zona euro e a dos bancos de fora da zona euro?20
É que, se partilhamos a mesma moeda – o Euro - e se, consequentemente, a
política monetária nos foi expropriada, por que razão devemos ter um mecanismo
único de resolução para grandes bancos e outros para pequenos e médios bancos,
afeto aos bancos centrais nacionais regido por entidades distintas – BCE e Bancos
Centrais Nacionais?
Poderia até discutir-se a arquitetura institucional deste modelo, indagando se
fará sentido que, a nível nacional, a entidade supervisora tenha simultaneamente
competências de resolução como acontece com o Banco de Portugal.
Esta dúvida ficou claramente à vista de todos no caso BANIF.
É tempo de concluir.
Procurei, de forma sintética, dar resposta à questão de saber se a União
Bancária resolve?
Sei que, sem dar respostas concretas, muitas questões ficam em aberto.
A meu ver, a correção de algumas das deficiências genéticas da União Bancária
permitiriam transformar uma União Bancária “tóxica” numa União Bancária “solidária” e
exemplar para o avanço da União Europeia.
Assim o queiram os decisores políticos.

20
Suscitando questão idêntica v. DAVID HOWARTH e LUCIA QUAGLIA, Banking Union as Holy Grail:
Rebuilding the Single Market in Financial Services, Stabilizing Europe‟s Banks and „Completing‟ Economic and
Monetary Union, in Journal of Common Market Studies, Volume 51 Annual Review, 2013, pp. 114–117.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 147


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assistências científicas, técnicas e financeiras.
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esta ficar no meio da frase, ou a abreviatura “fig.”, caso se usem parêntesis: Ex: (fig. 1).
As figuras são numeradas sequencialmente em numeração árabe e a sua legenda deve
ser clara e curta, posicionada abaixo da figura, em Segoe UI, tamanho 9, centrado.

A qualidade das figuras representadas deve ser suficiente para garantir a sua
legibilidade. Sempre que possível, as figuras devem ser a cores, em formato jpeg, gif,
png, com uma resolução não inferior a 300 dpi.

Cada figura será enviada em separado e não pode exceder os 5 MB, enquanto que o
conjunto não pode ultrapassar os 30 MB. As figuras devem ser identificadas com o
apelido do primeiro autor e respetivo número da figura (ex: Silva_fig. 1.jpg).
Juntamente, deve ser enviado um ficheiro de texto com uma listagem de todas as
figuras, onde constem o número da figura, a respetiva legenda e a fonte. Esta lista deve
ser identificada com o apelido do primeiro autor, seguido de _figuras (ex:
Silva_figuras.docx).

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numeradas sequencialmente em numeração árabe. O seu título deve ser claro e
sintético, posicionado acima do quadro, em Segoe UI, tamanho 10, centrado. A fonte
deve ser indicada.

A informação contida nos quadros deve ser simples e concreta, devendo caber dentro
de uma só página. Os quadros devem, obrigatoriamente, ser formatados com linhas
horizontais interiores e exteriores, ficando ao critério do(s) autor(es) a inclusão de
linhas verticais interiores e exteriores.

3.3. Abreviaturas e siglas


A utilização de abreviaturas e siglas deve ser restringida ao máximo. A designação
completa à qual se refere uma abreviatura ou uma sigla deve preceder de uma primeira
indicação destas no texto (ex.: Organização das Nações Unidas (ONU)), a não ser que se
trate de uma unidade de medida padrão (ex.: m (metros)). Não devem ser utilizados
pontos nas siglas (ex.: UE em vez de U.E.).

3.4. Números
Os números, quando não forem seguidos por unidades de medida, deverão ser
apresentados por extenso, de primeiro a décimo e de um a dez (inclusive), e por
algarismos a partir deste último número. As unidades de milhar devem ser separadas
por um espaço (ex.: 1 500).

3.5. Citações
As citações pouco extensas (até 3 linhas) devem ser incorporadas no texto, entre aspas.
As citações mais longas serão recolhidas e formatadas em letra de tamanho inferior ao
do texto (tamanho 10), sem aspas, com um avanço de parágrafo de 1 cm à esquerda e
à direita.

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justifiquem citar-se também o original, ser apresentadas em tradução. Deverá ser
enviado em anexo o texto original de todas as citações cuja tradução seja da
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omissões serão assinaladas por reticências dentro de parênteses retos [...]. O título das
publicações referidas será apresentado em itálico, tratando-se de livros, ou será
colocado entre aspas, no caso de artigos.

4. Referências bibliográficas

4.1. Por tipo de publicação

Chave
Tipo de publicação
Citação da fonte no texto
Referência da fonte na bibliografia

Livro impresso (1 Autor)


…de acordo com Lourenço (2007, p. 3) ou … (Lourenço, 2007, p. 3)
LOURENÇO, Frederico (2007), Caracteres. Lisboa: Cotovia.

Livro impresso (2 autores)


…como identificado por Abreu e Sequeira (1990, p. 67) ou …(Abreu e Sequeira,1990, p.
67)
ABREU, Isaura e SEQUEIRA, Ana Pires (1990), Ideias e histórias: contributo para uma
educação participada. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 153


Normas de Publicação

Livro impresso (3 ou mais autores)


…(Perkins et al., 1990, p. 56)
PERKINS, George [et al] (1990), The American tradition in literature. 70th ed. New York:
Mcgraw-Hill.

Livros editados
(Keene, 1988, p. 89)
KEENE, Eduard ed., (1988), Natural language. Cambridge: University of Cambridge
Press.

Capítulos de livros editados


(Mortimore, 1998 cit. por Hargreaves et al., 1998, p. 89)
MORTIMORE, Peter (1998), The Vital Hours: Reflecting on Research on Schools and
their Effects. In Hargreaves, Andy [et al], eds. -International handbook of educational
change. Dordrecht [etc.]: Kluwer Academic Publishers, 1998. p. 85-99.

Livro eletrónico
(Shapiro e Varian, 1999, p. 45)
SHAPIRO, Carl; VARIAN, Hal (1999), Information rules: a strategic guide to the network
economy [em linha]. Harvard: Harvard Business School Press. [Consultado em 21 de
abril de 2009]. Disponível em:
<http://books.google.pt/books?id=aE_J4Iv_PVEC&printsec=frontcover&_navlinks_s>.

Artigo impresso
(Keirstead, 1987, p. 29)
KEIRSTEAD, Carol (1987), Lowell looks for answers. Equity and Choice. Vol. 3, n.º 2, p.
28‐33.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 154


Normas de Publicação

Artigo eletrónico
(Price-Wilkin, 1994, p. 7)
PRICE‐WILKIN, John (1994), Using the World Wide Web to deliver complex electronic
documents: implications for libraries. The Public Access Computer System Review [Em
linha]. Vol. 5, n.º 3, p. 5‐21. [Consultado em 28 de abril de 2015]. Disponível em:
<http://www.lib.uh.edu>.

Teses e dissertações
(Silvestre, 2008, p. 65)
SILVESTRE, Susana Margarida (2008), Partilhar livros com bebés dos 9 meses aos 3
anos: o papel das bibliotecas públicas portuguesas no suporte à literacia emergente
[Texto policopiado] Évora: [S.n.]. Dissertação de mestrado.

Portal/Página Web
(Governo de Portugal, 2015)
GOVERNO DE PORTUGAL (2015), Agenda do Primeiro-ministro. [Em linha]. Lisboa:
Governo de Portugal. [Consultado em 21 de junho de 2015]. Disponível em:
<http://www.portugal.gov.pt/pt/os-ministerios/primeiro-ministro/agenda.aspx>.

Base de dados
…conforme dados do Eurostat (2013) ou (Eurostat, 2013).
Eurostat (2013), Main GDP aggregates per capita. [Em linha]. [Consultado em 21 de
junho de 2015]. Disponível em: <http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/show.do>.

Legislação nacional
…Dec. Lei nº 239/97 de 9 de Setembro
Decreto-Lei n.º 239/97 de 9 de Setembro. Diário da República nº 208/97 - I Série A.
Ministério do Ambiente. Lisboa.

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 155


Normas de Publicação

Legislação e normas europeias


(COM(2010) 548 final, p. 4)
(Directiva 2009/147/CE)
(JO L 169, 26.9.1987, p. 11)

COMUNICAÇÃO COM(2010) 548 final DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO


PARLAMENTO EUROPEU de 8 de Outubro de 2010 sobre a Avaliação de 2010 da
Implementação do Plano de Acção da UE sobre Biodiversidade.
DIRECTIVA 2009/147/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 30 de
Novembro de 2009 relativa à conservação das aves selvagens.
Jornal Oficial das Comunidades Europeias, Número L 169, de 26 de Setembro de 1987 –
ACTO ÚNICO EUROPEU.

4.2. Vários documentos do mesmo autor


Se, na lista das referências bibliográficas, houver vários documentos do(s) mesmo(s)
autor(es), o(s) apelido(s) do autor(es) pode(m) substituir-se por travessão (-) na
segunda referência e seguintes.

Exemplo:
COELHO, Jacinto do Prado (1996), Bocage, pintor do invisível. Lisboa: Academia de
Ciências de Lisboa.
___ (1955), Garrett prosador. Rev. Fac. Letras de Lisboa. 2ª Série. 21:1, 35-49.
___ (1944), A poesia ultra-romântica. Lisboa: Clássica Editora.

4.3. Documentos do mesmo autor com a mesma data


Se as citações e respetiva lista de referências bibliográficas contiverem vários
documentos do mesmo autor, publicados no mesmo ano, acrescenta-se ao ano de
publicação uma letra (a, b, c, etc.) na citação e na referência bibliográfica, para
assegurar a correspondência entre a citação e a referência.

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 156


Normas de Publicação

Exemplo:
FAVARGER, C. (1980a), Un exemple de variation cytogéographic: la complexe de
l'Erysinum grandiflorum-sylvestre. An Inst. Bot. Cavanilles, 35, p. 361-393.
FAVARGER, C. (1980b), Le nombre chromossomique de populations alticoles
d'Erysimum des Picos de Europa. Bull. Soc. Neuchateloise Sci. Nat, 100, p. 93-105.

4.4. Vários locais de publicação


Se o documento indica vários locais de publicação, transcreve-se o que estiver em
maior evidência seguido de [etc.]; caso todos tenham o mesmo relevo tipográfico
transcreve-se apenas o primeiro seguido de [etc.]. Poder-se-ão transcrever até três, no
caso de corresponderem a editores diferentes.

Exemplo:
London [etc.]
London: Pergamon; New York: Marcel Dekker; Madrid: Interamericana.

4.5. Omissões
Quando algum elemento da referência bibliográfica é omisso (autor, ano, editora, local
de publicação), deve-se colocar a abreviatura n.d. em substituição, que significa “não
definido.”

Exemplo:
Ayuntamiento de Zaragoza (n.d.), Cómo Moverse en Transporte Público. [em linha].
[Consultado em 10 de abril de 2013]. Disponível em:
<http://www.zaragoza.es/ciudad/viapublica/movilidad/como-ir/>

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 157


Política Editorial

POLÍTICA EDITORIAL

A Análise Europeia, editada pela Associação Portuguesa de Estudos Europeus, publica


textos originais que contribuam para o desenvolvimento da investigação científica, a
promoção de uma reflexão e discussão aprofundada sobre as metodologias dessa
mesma investigação, e a divulgação de informação e conhecimento no âmbito dos
Estudos Europeus.

A Análise Europeia reserva-se o direito de publicar ou não os trabalhos recebidos,


comprometendo-se a informar os autores, dentro de um prazo previamente
estabelecido, da sua decisão. Todos os trabalhos devem cumprir os seguintes critérios
de admissibilidade:
 Originalidade e pertinência;
 Relevância do trabalho para a difusão e o desenvolvimento do conhecimento;
 Qualidade geral do texto (apresentação, clareza e correção linguística);
 Metodologia (adequação e profundidade coerente na abordagem do tema);
 Atualidade da bibliografia utilizada;
 Adequação às normas de publicação.

Essa decisão é apoiada num processo de apreciação, realizado em duas etapas


sucessivas. Em primeiro lugar, todos os trabalhos enviados para publicação serão
avaliados pelos editores quanto à sua originalidade e pertinência, qualidade geral do
texto e adequação às normas de publicação. Se o trabalho cumprir com todos estes
requisitos, este passará à segunda fase de avaliação. A segunda fase de avaliação dos
trabalhos estará a cargo de um membro do Conselho Científico, através do sistema
blind peer review (revisão cega por pares). O avaliador irá considerar a relevância do
trabalho, a metodologia usada e a atualidade da bibliografia, elaborando um parecer a

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2016 158


Política Editorial

fundamentar a sua decisão final. Através do parecer emitido, o avaliador poderá


aprovar o trabalho na sua forma original, sugerir modificações ou manifestar-se
desfavorável quanto à sua publicação.

O parecer favorável pode estar condicionado à reformulação dos trabalhos, bem como
sugestões para adequá-los às normas de correção gramatical e ortográfica e às
exigências de clareza, tendo em vista torná-los acessíveis ao maior número possível de
leitores. Os editores podem sugerir aos autores a revisão dos artigos propostos,
mediante essas indicações, e condicionar a sua publicação a uma nova apreciação das
versões revistas. Os trabalhos aceites serão submetidos a uma nova revisão editorial
pelos editores, do qual depende a decisão final quanto à sua publicação.

O Diretor da revista pode, se assim entender, convidar os membros do Conselho


Científico ou qualquer personalidade, que se destaque pelo seu mérito profissional
e/ou científico na área de Estudos Europeus, a publicar. Nesses casos, os seus trabalhos
não serão sujeitos ao processo de arbitragem científica enunciado acima.

Após submissão dos seus trabalhos, os autores são legalmente responsáveis pela
garantia de que estes não constituem infração aos direitos de autor, isentando a
Associação Portuguesa de Estudos Europeus de qualquer responsabilidade. O direito
de autor sobre a publicação recai na editora e proprietária da revista, a Associação
Portuguesa de Estudos Europeus. O autor transfere os direitos de autor do seu artigo a
favor da editora da revista, autorizando-a a editar, publicar, distribuir e reproduzir a sua
obra em suporte eletrónico, incluindo a difusão através de plataformas de distribuição
de artigos online com as quais a Associação estabeleça acordos. Sempre que se
justificar, a Associação pode distribuir e reproduzir os textos em todos os suportes que
tenha à sua disposição, nomeadamente magnéticos, óticos e em papel. A transferência
do direito de autor não implica custos para ambas as partes.

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Política Editorial

As opiniões emitidas serão da exclusiva responsabilidade dos autores dos trabalhos,


não expressando a opinião da Associação.

A Análise Europeia não cobre qualquer valor monetário pela submissão dos trabalhos
ou pelo processamento e edição do texto aquando da sua publicação.

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