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BRASILEIRA
RESUMO
No âmbito de uma política que procurava direcionar estudos para realizar o mapeamento cultural de
territórios, foi executado o inventário do patrimônio cultural das localidades ribeirinhas do Rio São Francisco,
abrangendo cinco estados da Federação: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Esta
iniciativa teve como desdobramento a criação de grupos de trabalho interinstitucionais destinados a realizar
ações de preservação e difusão do patrimônio. Por meio de uma solicitação formal de tombamento da Foz
do Rio São Francisco, o Iphan voltou seu olhar para esta região e, a partir de um seminário local que
envolveu entes públicos e privados, colocou a chancela da Paisagem Cultural Brasileira como o instrumento
mais adequado a tratar da complexidade da área em questão. A proposta foi aceita pelos participantes do
evento e o Iphan iniciou estudos visando à compreensão da área em seus aspectos humanos, histórico,
geográfico, paisagístico e ambiental. Para dar cabo a semelhante tarefa, será contratada uma empresa
especializada formada por técnicos da área de arquitetura, geografia cultural, história e antropologia, os
quais aplicando as metodologias de inventário de conhecimento e outras bases existentes no Iphan irão
fornecer os subsídios necessários à criação de um Plano de Preservação da Foz do São Francisco e a uma
proposição de Pacto a ser firmado entre os diversos atores sociais.
Palavras-chave: Paisagem Cultural. Foz do Rio São Francisco. Patrimônio Cultural. Patrimônio Ambiental.
Gestão Compartilhada.
1. INTRODUÇÃO
O Brasil reúne bens culturais diversos e belezas naturais únicas, cujo reconhecimento e
proteção constituem dever da sociedade brasileira. Na área cultural, o Iphan e os órgãos
de preservação estaduais e municipais representam a população e promovem, através
dos respectivos instrumentos legais, a proteção e valorização do patrimônio. Dentre esses
instrumentos, destacamos a Chancela da Paisagem Cultural Brasileira, criada pela
Portaria Iphan nº.127/2009 para preservar porções territoriais singulares do Brasil.
Ainda em fase de experimentação, já que se trata de um instrumento recente, a chancela
foi criada para valorizar expressões culturais materiais e imateriais representativas das
tradições dos diversos grupos sociais nas diferentes regiões do Brasil, mantendo vínculos
indissociáveis com as paisagens.
A preservação desse patrimônio dinâmico, relacionado aos modos de vida das
comunidades nessas porções territoriais, às memórias e identidades locais, deve ser
considerada no escopo das políticas públicas e das ações estratégicas de
desenvolvimento econômico e social do país. Isso inclui entender o patrimônio como um
caminho para o desenvolvimento, buscando, entre outros, a qualidade de vida dos grupos
sociais, a salvaguarda das referências culturais, o ambiente equilibrado, as alternativas
para a geração de renda e a garantia de que esse legado cultural e ambiental venha a
beneficiar as gerações futuras.
Desse modo, é importante assistir os grupos sociais, que muitas vezes se encontram em
situação vulnerável e, junto a eles e a outros envolvidos por meio de parceria, articular
ações de valorização, planejamento e gestão do patrimônio.
Entre os passos necessários para o estabelecimento da chancela, que é uma espécie de
selo de qualidade, está a pactuação entre os diversos agentes, que podem ser
representantes do poder público, da sociedade civil e da iniciativa privada, todos
trabalhando em prol da preservação dos valores de determinada paisagem cultural.
Em princípio, consideramos a paisagem da Foz do Rio São Francisco como merecedora
de reconhecimento, por conta de seus atributos culturais e ambientais singulares. Trata-
se de um lugar excepcional, com formações paisagísticas notáveis, diversidade de
ecossistemas correlacionados – como restingas, mangues, dunas – em que a água
estrutura a paisagem através de barras e meandros do rio, culminando no imbricado
encontro entre o rio e o mar. Nesse ambiente natural paradisíaco, iluminado com luz
nordestina e profusão de cores tropicais, encontram-se diversos exemplares da fauna
local, entre peixes, aves, crustáceos, mariscos. Para além dos atributos ambientais, são
identificáveis múltiplos valores patrimoniais, os quais serão detalhados no corpo do artigo.
Esse artigo pretende mostrar os caminhos trilhados institucionalmente desde a concepção
do trabalho temático e territorial de identificação do Patrimônio Cultural dos municípios na
calha do Rio São Francisco, em escala nacional, até os desdobramentos em reuniões
regionais e locais, que culminaram com a solicitação para que o Iphan orientasse e
desenvolvesse o trabalho de preservação da Foz do Rio São Francisco. O intuito de
apresentar esse percurso de ações e trabalhos realizados é o de contextualizar inclusive
o instrumento da Chancela da Paisagem Cultural Brasileira, cuja gênese está ligada ao
mesmo momento do panorama institucional.
No decorrer do texto, são apresentadas algumas razões que levaram à necessidade de
criação do instrumento da chancela, e em quê difere dos demais disponíveis, sendo
inclusive debatidos alguns pontos desafiadores inerentes ao seu estabelecimento prático,
como o processo de pactuação entre os agentes e o próprio Plano de Gestão
compartilhada.
Ao final, são apresentadas as opções atuais do Iphan para a continuidade desse trabalho
e as ações sendo realizadas para o reconhecimento da Paisagem Cultural da Foz do Rio
São Francisco.
Brejo Grande possui, seguramente, um grande potencial turístico, devido a suas dezenas
de ilhas, com um denso e rico manguezal e paisagens estupendas. Entretanto a
exploração da atividade ainda é feita de maneira rústica e primitiva. Sem dúvida, o
município precisa ainda de grandes investimentos em infra-estrutura para projetar a
atividade dentro do estado de Sergipe, porém essa deve se pautar por uma exploração
turística de base sustentável e que garanta a seus moradores seu papel como guardião
do patrimônio cultural e natural.
6. AS TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS – PERDAS E GANHOS
A região da Foz do Rio São Francisco é uma área que permaneceu em relativo
isolamento pelo menos até a década de 1960 quando as estradas de rodagem e o avanço
dos meios de comunicação de massa começaram a transformar o modo de vida e de
apropriação do espaço da população local. Até então, pode-se dizer que a população
vivia em completa harmonia com o meio ambiente, dele tirando somente o necessário à
sua sobrevivência. Preocupações e impactos com o meio ambiente eram desconhecidos:
vivia-se da pesca artesanal e da agricultura de subsistência – principalmente as
plantações em várzeas que formou um típico habitante do São Francisco – o vazanteiro.
A dieta dessa população era basicamente composta de arroz e peixe, desconheciam-se
os produtos industrializados, quase tudo o que se consumia ali era produzido localmente.
O isolamento a que foi submetida a região permitiu que seus ecossistemas fossem
preservados, não obstante os impactos gerados por atividades que ocorriam ao longo do
curso do rio.
Esse quadro de vida foi sendo modificado à medida que se implantavam, no Médio e
Submédio São Francisco, as hidrelétricas, a começar da Usina de Delmiro Gouveia na
década de 1940 até a Hidrelétrica de Xingó, inaugurada na década de 1980. Desde então,
alterou-se o regime de cheias do rio, o que afetou a rizicultura e a pesca.
A modernização enfim chegou àquela região que até então vinha se mantendo em seus
modos de produção artesanal. As embarcações à vela foram sendo substituídas pelos
barcos a motor afetando também a carpintaria naval. A pesca e a agricultura de vazantes
já não eram suficientes para alimentar a população que assistira à chegada dos produtos
industriais, os quais passaram a ser consumidos de modo precário devido ao baixo nível
de renda da população.
Hoje, o que se observa é um modo de vida misto de tradição e modernidade com a perda
gradativa das práticas tradicionais e sua substituição por outros meios gerados pelo
progresso tecnológico. Os filhos já não querem aprender os ofícios dos pais e isso afeta
sobremaneira o ofício de carpinteiro naval. Segundo Carlos Eduardo Ribeiro, da entidade
Canoa de Tolda, as técnicas de construir embarcações tradicionais estão se perdendo,
pois os mestres estão envelhecendo e há poucos (ou nenhum) interessados em perpetuar
essa tradição.
Essa perda de tradições enraizadas na população aponta para uma perda de identidade e
memória. Entendemos que se trata de um processo irreversível e todo o trabalho de se
preservar os modos de vida que formam a paisagem cultural do Rio São Francisco seria
inútil se não contássemos com um trunfo poderoso: a ligação afetiva dos moradores com
o rio e a importância deste na formação da identidade do povo que ali reside.
A partir desse ponto é que buscamos interpretar as noções de significado e pertencimento
relacionados ao modo de viver ribeirinho para podermos investir em um plano de gestão
que pretende preservar tradições, preservar o meio ambiente e proporcionar uma vida
digna a seus habitantes. Importa ressaltar que esta é uma tarefa que só poderá ser
concretizada a partir de uma pactuação entre todos os envolvidos. O conhecimento da
área sob vários aspectos, social, econômico, ambiental e da preservação do patrimônio
cultural é uma etapa preliminar à construção de um Plano de Preservação em que as
partes estejam acordadas através do Pacto firmado.
Com isso queremos dizer que não pretendemos congelar o patrimônio, musealizá-lo ou
impor alteração para o curso das mudanças. Entendemos que o caminho é outro: trata-se
da construção de um plano que leva em conta tanto os anseios imediatos do ser humano
como seus sentimentos mais profundos de pertencimento a um lugar.
Não esperamos, por exemplo, que toda a frota pesqueira se resuma a embarcações a
vela, mas desejamos que ainda continue havendo regatas de veleiros, que uns poucos
interessados continuem a fabricar e vender barcos a vela e que esse conhecimento se
preserve.
Nosso posicionamento é análogo quanto ao turismo, à pesca, à agricultura familiar, enfim
a todas as atividades existentes e possíveis que se desenvolvam de modo não predatório
evitando que essa região se torne ainda mais um foco de exploração econômica até
exaurirem-se seus recursos.
8. CONCLUSÃO
O “Rio da Unidade Nacional” que percorre cinco estados brasileiros encontra por fim o
seu destino: o mar. E nesse momento forma-se uma paisagem peculiar, rica de elementos
minerais, vegetais e animais configurados em ecossistemas diversos e abundância de
matérias-primas que até então permitiram aos seus habitantes uma perfeita interação
entre o ser humano e a natureza.
Ao adotar o conceito de paisagem cultural e seus desdobramentos, acreditamos que este
pode, juntamente com outros mecanismos de proteção ambiental e cultural, assegurar um
modo de vida sustentável aos habitantes da região da Foz do Rio São Francisco.
AGRADECIMENTOS
Carlos Eduardo Ribeiro, Luiz Fernando de Almeida, Dalmo Vieira Filho, Maria Regina
Weissheimer, Carlos Fernando de Moura Delphim e todos os parceiros que vêm ajudando
no desenvolvimento do trabalho.
REFERÊNCIAS
Acervo Iphan – Inventário do Patrimônio Cultural das Localidades da Calha do Rio São
Francisco. Empresas contratadas: Fare Arquitetura (2009) e Demacamp (2010).
Acervo da Sociedade Sociambiental do Baixo São Francisco – Canoa de Tolda.
Documentos gentilmente cedidos por Carlos Eduardo Ribeiro.
BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas – Dicionário Bibliográfico,
Histórico e Geográfico de Alagoas. Tomo II. G – Z. Vol. 62-B. Brasília: Edições Senado
Federal, 2005.
<http:// www.desenvolvimentomunicipal.com.br>
Governo do Estado de Sergipe. Sergipe: Seplantec/Supes, 1997/2000.