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AmbientalMente

sustentable
Revista Científica Galego-Lusófona de Educación Ambiental
FOLHA DE ROSTO
AmbientalMente
sumário

sustentable 8 prefácio
Revista Científica Galego-Lusófona de Educación Ambiental 11 declaração samé luna

18 tecido 1 - mosaicos da formação


Número especial referente ao IV Imagem da capa A práxis do viver como epistemologia: o saber sentido da/na escola como forma de emancipação
Congresso Internacional de Edu- Registro da Galícia, na Espanha, 21 da condição humana no viver na terra
cação Ambiental dos países e co- feito por Júlio Resende Duarte Cláudia Moraes da Costa Vieira; Cláudia Pato
munidades da língua portuguesa
São Tomé e Príncipe, julho de Ensino e aprendizagem da educação ambiental: contribuições de disciplinas na Universidade de
Os conceitos, ideologias e valores 41 São Paulo
2017. dos artigos publicados não refle- Vivian Battaini; Marcos Sorrentino; Rachel Trovarelli
tem as opções dos editores.
Editores É de inteira responsabilidade dos 63 A EA e os alunos com NEE – Atividades da Vida Diária (AVD), a água e sua utilização sustentável
Michèle Sato & Thiago Cury Luiz autores os possíveis equívocos Olga Santos; Carla Gomes; Mário Oliveira
idiomáticos das línguas portu-
Crianças com NEE, Ensino Experimental das Ciências e Educação Ambiental – perspectiva integra-
Comissão de consultores guesas, galegas, espanholas ou 77 dora
Ad hoc inglesas (resumos). Cátia Sousa
Débora Pedrotti-Mansilla Igualmente, a qualidade e os di-
Herman Oliveira reitos autorais das imagens (fotos Alguns elementos de uma análise da integração da educação ambiental nos currículos escolares
87 do ensino básico e secundário em Cabo Verde
Imara Quadros e tabelas) contidas dos artigos es-
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
Lúcia Kawahara tão sob o encargo dos respectivos
Michèle Sato autores. 95 A educação Ambiental na Comunidade Rural de Ekovongo-Bié/Angola
Michelle Jaber-Silva José Capitango
Regina Silva
Ronaldo Senra 123 Parque Nacional Obô: Conhecimento e perceções acerca da sua importância em alunos de S. Tomé
António Almeida; Sandra Ribeiro; Helena Botelho
Thiago Cury Luiz
Valores ambientais no nordeste brasileiro: educação para a convivência no semiárido pernambu-
137 cano
Maria Waleska Camboim Lopes de Andrade; Gerlânia Francelino Rodrigues; Tamires Lima da Silva

Breve apresentação da Formação de Formadores em Educação Ambiental e Política Pública


157 brasileira: Potência de Agir ou Força de Existir estimulada pelo Coletivo Educador Ambiental de
FICHA CATALOGRÁFICA Campinas (COEDUCA)/Brasil
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto

Os equipamentos de educação ambiental para a sustentabilidade no cerne do Entre-Norte-e-Cen-


165 tro
Margarida Correia Marques

4 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 5


sumário sumário

O Método de Paulo Freire na Educação Ambiental com o uso de aplicativo de informática para A mediação de Equipamentos para a Educação Ambiental do Eixo Atlântico na relação Comu-
191 dispositivos móveis 365 nidade-Dieta-Alterações Climáticas
Osilene dos S. Rocha; M. A. da Silva; M. Lopes Sara Costa Carvalho; Pablo Angél Meira Cartea; Ulisses Miranda Azeiteiro

209 Construção coletiva de indicadores de Educação Ambiental escolar 381 Capacitação local e processos adaptativos – O lugar dos professores no projeto ClimAdaPT.
Solange Reiguel Vieira; Josmaria Lopes de Morais; Marília Andrade Torales Campos Local
João Guerra; Luísa Schmidt

216 tecido 2 - texturas das políticas e programas A mudança climática global na perspectiva dos professores de Ciências Naturais e as poten-
395 cialidades para a Educação Ambiental
219 Educação Ambiental no contexto da CPLP: Um Desafio Urgente
Luísa Schmidt; João Guerra; Joaquim Ramos Pinto Mariana de Oliveira Tozato; Marília Andrade Torales Campos

Indicadores de monitoramento e avaliação de projetos e políticas públicas de Educação


235 Ambiental no Brasil
Maria H. A. Raymundo; Evandro A. Branco; Semíramis Biasoli; Marcos Sorrentino; Renata Maranhão 400 tecido 4 - pontos e linhas ambientais
Programa Ecológico de Guimarães para a Aprendizagem do Desenvolvimento Ambiental A Educação ambiental e a valorização do património natural de São Tomé e Príncipe – contri-
253 Sustentável – PEGADAS 403 butos e desafios para o desenvolvimento local
Patrícia Ferreira; Jorge Cristino; Carlos Ribeiro Mário Acácio B. M. C. Oliveira; Olga Maria A. P. Santos

Justiça ambiental e o caso das comunidades quilombolas de Oriximiná/PA: por uma crítica
261 contemporânea da Educação Ambiental 413 O papel primordial dos percursos exploratórios na Educação Ambiental – CMIA de Vila do
Conde
Jacqueline Carrilho Eichenberger; Vilmar Alves Pereira Ana Laranja; Sílvia Morim; Rosana M. Afonso

Ritual de dança e gastronomia como viés de educação ambiental numa comunidade negra do
283 município de São Francisco do Conde-Bahia-Brasil 421 Olhar para cima: como sensibilizar gestores públicos para a conservação da biodiversidade
Luiz Roberto Mayr; Claudia de Oliveira Faria Salema
Angélica Santos da Paixão; Cristina M. D. F. Marchi; Edvaldo H. dos Santos
449 Ciência cidadã na promoção da biodiversidade
Ribeiro CA; Carvalho F; Silva N

298 tecido 3 - tramas do alimento e do clima Gestão sustentável dos Resíduos Sólidos Urbanos em São Tomé e Príncipe: Contributos da
457 Educação Ambiental
A Rede de Hortas Municipais de Santiago de Compostela (Galiza) e as súas implicacións para a Gelsa Vera Cruz; Luís Filipe Fernandes; Maria da Conceição Martins
301 Educación Ambiental
Kylyan Bisquert i Pérez A educação ambiental na sustentabilidade da vida em uma experiência de alfabetização de
477 catadores
Projeto Alimentar Mais Desperdiçando Menos: Instigando um olhar sensível do jovem educan- Dinorá de Castro Gomes; Vera Margarida Lessa Catalão
329 do para a mitigação do desperdício de alimentos
Marcelo Zaro 497 Reciclamos o Mundo –Atividades de Educação Ambiental em Escolas do 1º CEB na Maia
Teresa Filomena Pinto dos Santos
354 Aquaponia- uma novidade na Educação Ambiental
Pedro Martins

6 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 7


prefácio prefácio

A Rede Lusófona de Educação Ambiental (Redeluso) foi fundada no


e comunidades da língua portuguesa”, que aconteceu em 2017, na
ano de 2005, em Portugal, durante as jornadas da Associação Por-
Ilha do Príncipe, em São Tomé e Príncipe. Assim, este número espe-
tuguesa de Educação Ambiental (ASPEA). Em 2006 alguns de seus
cial conta com editores diferentes e conselho editorial diferenciado.
membros se reuniram pela primeira vez de forma presencial em Jo-
inville, Brasil, durante o V Congresso Ibero-americano de Educação
A ordem e a arranjo da revista poderia seguir diversas direções.
Ambiental. Neste evento, decidimos realizar congressos periódicos,
Mas foram nossas escolhas eleger a metáfora da rede para tecer a
que teve a cronologia1:
organização deste número especial da AMS. A Redeluso é um tecido
2007 – Santiago de Compostela, Galícia
bordado por diferentes concepções e valores da educação ambien-
2013 – Cuiabá, MT, Brasil
tal lusófona, e não tem a pretensão de deliberar uma razão pura, e
2015 – Torreira, Murtosa, Portugal
nem de adotar algum preceito jurídico ou moral do mundo da lu-
2017 – Ilha do Príncipe, São Tomé e Príncipe
sofonia. É no seu colorido, de entrelaçado diferente, por meio de
vários pontos que se conectam em linhas que a educação ambiental
Em todos os eventos, fizemos esforços para ter a presença de par-
concretiza um labirinto de possiblidades. É exatamente aí, nestas
ticipantes oriundos dos oito países falantes da língua portuguesa:
diferentes dimensões, que o colorido se magnifica trazendo a bele-
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal,
za do tecido da educação ambiental.
São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Além disso, tentamos garantir
localidades de identidade lusófona, como a Galícia ou Hong Kong.
A cada época, vestidos com as roupas da moda, fantasiados ou co-
O próximo evento está planejado para ser concretizada em Guiné
bertos de farrapos, ou até mesmo na nudez dos corpos, a Redelu-
Bissau, no ano de 2019.
so se veste, despe e se reveste com novas proposições, programas,
projetos, jeitos e formas de se pensar, fazer e sentir a educação am-
Nossa esperança era reunir pessoas com identidade idiomática se-
biental.
melhante, capazes de sentir, pensar e fazer educação ambiental em
nossas próprias línguas, jeitos, hábitos e cultura. Reconhecemos de
Na tessitura da educação ambiental deste número especial, trouxe-
que a identidade não é fixa, é mutante conforme nossa cultura se
mos 4 tecidos que brindamos todos os 29 artigos aprovados pelo
dinamiza, e não se confina às regras gramaticais ou ortográficas,
conselho editorial: os processos de formação; a construção das po-
senão a um mosaico de redes e fios na tessitura de novas organiza-
líticas públicas; a tão importante alimentação e as associações com
ções e rearranjos etnográficos.
as mudanças climáticas; e o último tecido agrega pontos e linhas
ambientais que se conectam visando a proteção e a gestão ambien-
Assim também é a proposta da Revista “AmbientalMente Sustenta-
tal.
ble (AMS)”, que tem a Araceli Serantes-Pazos e o Carlos Vales-Váz-
quez como editores chefes bastante talentosos em criar e manter
TECIDO 1: mosaicos da formação
a revista. Agregando muitas experiências e tornando-se referência
Iniciamos com o tecido 1 da FORMAÇÃO, assunto sério e sempre
mundial no campo da educação ambiental, a AMS abriu suas portas
mais popular entre os educadores ambientais do mundo inteiro. Da
para acolher os registros dos conhecimentos produzidos durante
escola à comunidade, as várias faces da organização dos conheci-
o “IV Congresso Internacional de Educação Ambiental dos países
mentos e novos arranjos pedagógicos que desfilam no processo da
1 https://redeluso.blogspot.com.br/p/3-congresso.html. aprendizagem dinamizam a Formação em Educação Ambiental.

8 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 9


prefácio declaração samé nuna

TECIDO 2: texturas das políticas e programas Linhas de Reflexão e Ação


A arte de tecer e fiar as políticas públicas tem seu pano na apresen-
tação de vários relatos, seja por meio de programas, leis e projetos “O Príncipe é uma pequena Terra… A Terra é uma pequena Ilha”.
dos governos e da sociedade civil. Aqui incluímos experiências rela-
cionadas com políticas específicas étnico-raciais e cores essenciais Dada a escala, riqueza e complexidade académica, social e cultural
da Justiça Ambiental. São dimensões que carecem de políticas mais dos produtos que chegaram à comissão relatora, dando conta das
justas, inclusivas e a conotação óbvia de que os dilemas sociais es- visões, recomendações, propostas, desafios e reflexões, fruto dos
tão intrinsecamente bordados com a degradação ambiental. painéis, da apresentação de comunicações, das conferências plená-
rias, das mesas redondas, dos eventos paralelos e outras atividades
TECIDO 3: tramas do alimento e do clima do congresso, estamos conscientes, pela nossa própria natureza
É cada vez mais notório o debate sobre a importância da alimenta- humana que a proposta que aqui apresentamos é mais um conjun-
ção, já que na aurora das revoluções científicas, os seres vivos não to de intuições que de conclusões.
inventaram nada que substitua a alimentação. Na época de agrotó-
xicos e maquinaria demolidora do ambiente na economia do agro- Na abertura o presidente do Príncipe colocou-nos uma pergunta
negócio, este tecido teima em debater a importância da alimen- que poderia fazer parte da filosofia da rede de educadores e educa-
tação conjugada às mudanças climáticas, que trarão (e já trazem) doras ambientais dos países de Língua Portuguesa e Galiza: como
diversas catástrofes socioambientais. poderemos, ainda, edificar a esperança, junto das nossas comuni-
dades, depois do esgotamento de algumas certezas que, nalguns
TECIDO 4: pontos e linhas ambientais casos, supúnhamos intemporais e, até, tinham suporte cultural,
No último tecido, costuramos com vários pontos e linhas coloridas aparentemente insubstituível, que suportavam a nossa velha ideia
que brindam as conexões da importância da proteção ecológica, de progresso económico e social?
totalmente fiada junto com a cultura. Aspectos da conservação se
alinham com a gestão, na tessitura socioambiental que finaliza o A presente declaração aponta possíveis linhas para responder
número especial da AMS. a essa questão. Neste sentido, partimos da necessidade de que a
CPLP e todas as entidades envolvidas, apoiem os seguintes pontos
Temos certeza de que outros tecidos poderiam ser bordados, mas gerais:
nossas agulhas indicaram este mosaico. Oxalá tenhamos consegui-
do revelar a beleza que foi o evento na Ilha do Príncipe, com seus • Criar um grupo de trabalho permanente com um secretariado
bons participantes e os hospitaleiros organizadores. Nossos espe- executivo para apoiar as atividades de continuidade dos congres-
ciais agradecimentos à Telma Fontes, que sempre atenta, paciente e sos. O grupo seria constituído por dois representantes de cada um
organizada, ajudou a construção destes panos coloridos que reves- dos países.
tem a educação ambiental.
• A exemplo do que ocorreu no Príncipe, os congressos subsequen-
Michèle Sato & Thiago C. Luiz tes deverão integrar as comunidades locais em sua programação,
(Editores) valorizando a cultura e os saberes tradicionais. O acolhimento das

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declaração samé nuna declaração samé nuna

evento em promover um processo de formação de formadores diri-


gido a formação escolar a ser construído de maneira participativa e
comunidades locais do Príncipe foi um aspeto positivo destacado apresentado ao secretariado executivo da CPLP.
pelos participantes do evento. Elas nos mostraram uma grande pai-
xão pelo seu modo de viver, por sua capacidade de auto-organiza- • Entre os temas para a elaboração de projetos integradores foram
ção em torno de seu sustento económico (baseadas em modelos apontados os seguintes: mudanças climáticas globais, bio e geo-
de economia social e solidária) e pela integração de todos os mem- diversidade, saúde ambiental, estilos de vida (relacionados a re-
bros. síduos, energia, lixo marinho e alimentação), migrações, riscos e
vulnerabilidades.
• As estratégias educativas são especialmente importantes para o
envolvimento das comunidades na definição de políticas que com-

Foto: Joaquim Ramos Pinto


binem o cuidado das áreas protegidas com a valorização da cultura
e as formas de vida das comunidades locais. As organizações e ins-
tituições deverão assumir o compromisso e a responsabilidade por
manter um equilíbrio entre as necessidades das comunidades e a
sustentabilidade socioambiental.

São Tomé e Príncipe,


no continente africano.

São Tomé e Príncipe,


no continente africano.
Foto: Joaquim Ramos Pinto

• Educação Ambiental não tem fronteiras, pois partilha espaços e


saberes com outras experiências educativas centradas na justiça
• Destaca-se a importância da formação para reforçar o papel da social e ambiental, a igualdade de género, a comunicação ou nos
Educação Ambiental no desenvolvimento de uma cultura de tran- valores da cooperação e da solidariedade. É por isso que se deve
sição para sociedades sustentáveis e equitativas, além das necessi- buscar alianças, contactos e momentos de participação em eventos
dades sociais e seus desafios para os países da CPLP e Galiza. Em comuns, nos quais se encontrem educadores e educadoras ambien-
especial, destacamos a iniciativa de um grupo de participantes do tais e outros agentes sociais. Neste sentido, destaca-se a necessida-

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declaração samé nuna declaração samé nuna

de de realizar encontros sectoriais entre cada congresso dos países


de Língua Portuguesa. elemento fundamental na construção da resiliência social. É impor-
tante capacitar a diferentes grupos sociais por meio de metodolo-
• Propor ao secretariado executivo da CPLP que reconheça e viabi- gias participativas para reduzir a sua vulnerabilidade diante das
lize a realização de um mapeamento e uma rede de centros e equi- situações de risco e catástrofe.
pamentos de Educação Ambiental.

Foto: Joaquim Ramos Pinto


São Tomé e Príncipe,
• Estimular e apoiar a elaboração e fortalecimento de políticas no continente africano.
públicas de Educação Ambiental em diferentes níveis e esferas de
organização política, criando condições para evitar processos de
descontinuidade associados às mudanças políticas. Ainda, é funda-
mental a garantia de recursos económicos e humanos para viabili-
zar e executar políticas de Educação Ambiental.

• As comunidades locais organizadas fazem a diferença entre um


coletivo vulnerável e uma comunidade resiliente frente a uma mu-
dança socioambiental global. A Educação Ambiental pode ser um

São Tomé e Príncipe,


no continente africano.

• O acesso responsável à terra, ao teto e ao trabalho são direitos


humanos fundamentais para os quais a Educação Ambiental deve
contribuir. É necessário que a Educação Ambiental incentive e
apoie o conhecimento crítico sobre as necessidades materiais e
simbólicas que emergem do contexto social. Complementariamen-
te, também deve contribuir para desvelar as formas de produção e
consumo baseadas no lucro, no patenteamento da vida, na ganân-
cia e na acumulação privada em detrimento do Bem Comum. Para
Foto: Joaquim Ramos Pinto

isto, é preciso promover a simplicidade voluntária, a frugalidade e


o decrescimento. Para que esses valores se tornem hegemónicos
é necessário formar uma cidadania ambiental politicamente ativa.

• É preciso considerar a transversalidade e pluralidade de atores

14 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 15


declaração samé nuna declaração samé nuna

e agentes de Educação Ambiental (professores e professoras, au- a igualdade de género no acesso à formação.
toridades, gestores e gestoras, etc.) e reconhecer sua capacidade
transformativa. • É reconhecida a necessidade de um estudo sobre o estado da arte do
campo da Educação Ambiental nos países de Língua Portuguesa e Gali-
• As diferenças de género são universais concretizando-se em cada za, baseado em metodologias que permitam um rigor no tratamento dos
lugar pela carga de trabalho com o cuidado da casa e dos membros dados, de forma a auxiliar a planificação e avaliação de políticas públicas.
da família atribuída às
São Tomé e Príncipe, mulheres. É preciso • Rentabilizar Plataformas Digitais existentes no contexto da CPLP, no-
no continente africano. apoiar programas que meadamente, plataforma online “Ambiente CPLP” para uso dos diferen-
visibilizem às mulhe- tes atores sociais, de forma a democratizar a difusão dos conhecimentos
res e sua liderança, que e recursos construídos pela comunidade dos países de Língua Portugue-
incrementem a sua for- sa e Galiza. Nesta linha é preciso impulsionar revistas, espaços virtuais
mação e que equilibrem e outras publicações de carácter científico e divulgativo em que se par-
os rendimentos do tra- tilhem as reflexões e as práticas de EA que se desenvolvem no espaço
balho feito em favor da CPLP e Galiza. A revista “Ambientalmente Sustentable” é o instrumento
comunidade. possível para este fim, podendo outros ser identificados e integrados.
Foto: Joaquim Ramos Pinto

• Os livros escolares e Como encaminhamento final, destaca-se que é preciso iniciar a elabo-
materiais didáticos têm ração de uma agenda comum de pesquisa para partilhar metodologias,
distorções e ausências marcos teóricos, conhecimentos e processos de construção interdiscipli-
significativas sobre as nar e transcultural do conhecimento entre os investigadores e investiga-
alterações climáticas, doras da Educação Ambiental.
a crise socioambiental
global e outros problemas globais como o lixo marinho, por isso há Esta agenda deveria incentivar projetos de investigação e de ação devem
necessidade de melhorar a qualidade destes e aprimorar a forma ter como suporte a perspetiva da cooperação democrática e horizontal
de inserção curricular desta temática. entre os países. Neste sentido, as seguintes edições do congresso deve-
riam dar prioridade à apresentação de pesquisas, relatos de experiências
• É importante identificar e difundir experiências emblemáticas e e programas educativos que impliquem equipas de pesquisa, educadores
boas práticas que são desenvolvidas nos países da CPLP e Galiza, e educadoras ambientais de mais do que um país ou comunidade.
que possam ser replicados em outros contextos geográficos. Como
exemplo, se poderia citar o programa “Príncipe sem plástico”, “Pro- Por fim, os participantes do IV Congresso Internacional de Educação
jeto Rios” e outros que foram apresentados durante o congresso. Ambiental dos Países e Comunidades de Língua Portuguesa e Galiza su-
gerem que, em reconhecimento à contribuição e ao compromisso com
• Ampliar os investimentos e ações de formação em espaços edu- os saberes tradicionais da Terapeuta Tradicional (Stlijon Mátu), “Samé
cativos informais, especialmente no que se refere a formação de Nuna”, que nos deixou no início deste congresso, que este documento se
guias e intérpretes do património natural e cultural, considerando chame Declaração Samé Nuna.

16 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 17


tecido 1 mosaicos da
formação

Foto: Júlio Resende Duarte


Galícia-ESP,
no continente europeu.
Foto: Giseli Dalla Nora

Arco-íris de Rianxo, A práxis do viver como epistemologia: o saber sentido da/na escola
na Galícia. como forma de emancipação da condição humana no viver na terra

Cláudia Moraes da Costa Vieira1


Cláudia Pato2

Resumo
Estudos têm demonstrado a ausência da instituição escolar na trajetória de vida de
grupos empobrecidos como o dos catadores de material reciclável. O objetivo do
trabalho foi compreender as trajetórias de vida e os processos escolares de estu-
dantes filhos de catadores de material reciclável de uma escola pública do Distrito
Federal-DF, localizada no Brasil. Propôs-se o método autoecobiográfico, centrado
em oficinas, observação participante e o diário de campo, baseando-se na fenome-
nologia e na hermenêutica para as análises do processo. Participaram 65 estudan-
tes do 4º ano do ensino fundamental. Pode-se inferir que a sobrevivência e a vivên-
cia no Aterro sanitário apontam para a degradação socioambiental e do trabalho,
mas assinalam a complexidade do encontro da precariedade e da criatividade. A
família é o território das relações afetivas, onde trabalho e vida se entrelaçam. A es-
cola emerge como território de contradição, mas aponta a existência de elementos
de positividade. O pertencimento ao lugar, em que símbolos, relações e histórias
se instituem como elementos fundantes para autobiografias e para a biografia co-
letiva. Destaca-se, portanto, a importância da escuta desses estudantes pela escola
para a constituição de utopias baseadas em autoeducação, autoconsciência e auto-
nomia como um modo de reconectar a educação escolar à vida.

Palavras-chaves: Estudantes filhos de catadores de material reciclável. Educação


Ambiental. Ecologia Humana. Método autoecobiográfico. Trajetória de vida.

Abstract
Studies have demonstrated the absence of the school institution in the life trajec-
tory of impoverished groups such as recyclable material collectors. The objective of
this work was to understand the life trajectories and the school processes of stu-
dents who are children of recyclable waste pickers of a public school in the Federal
District, located in Brazil. It was proposed the autoecobiographic method, centered
in workshops, participant observation and field diary, based on phenomenology
and hermeneutics for the analysis of the process. 65 students participated in the
4th year of elementary school. It can be inferred that survival and living in the land-
fill point to socio-environmental degradation and work, but they point to the com-
plexity of the encounter of precariousness and creativity. The family is the territory
of affective relationships, where work and life intertwine. The school emerges as
a territory of contradiction, but points to the existence of elements of positivity.
Belonging to the place, where symbols, relationships and stories are established as
founding elements for autobiographies and for the collective biography. Therefore,
the importance of listening to the students for the formation of utopias based on
self-education, self-consciousness and autonomy as a way to reconnect school edu-
cation with life is emphasized.

Keywords: Students children of recyclable waste pickers. Environmental education.


Human Ecology. Autoecobiographic method. Life trajectory.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 21


Cláudia Moraes da Costa Vieira; Cláudia Pato A práxis do viver como epistemologia

Introdução escolares dos estudantes filhos Para o alcance desse objeti- interpretativa ancorada na abor-
Buscar sentidos para com- de catadores, é necessário consi- vo geral foram elaborados os dagem fenomenológica – herme-
preender o ser humano e suas derar que os processos escolares seguintes objetivos específicos: nêutica. Baseou-se na análise
relações, intervenções e significa- são compreendidos como o viver analisar as trajetórias de vidas interpretativa - compreensiva de
dos atribuídos à existência, reme- e o conviver, individual e coletivo, e os processos escolares dos es- Paul Ricoeur (1994) e na leitu-
te-nos ao desejo de compreender desses estudantes, no decurso tudantes a partir das narrativas ra dos três tempos baseadas nos
a constituição de outros seres, de de seus percursos escolares. São de vida; identificar articulações trabalhos de Souza (2004): Lei-
nós mesmos, em busca do auto- questões concretas e subjetivas, entre as trajetórias de vida e os tura Cruzada e Pré-análise, Uni-
conhecimento e, simultaneamen- vivenciadas a partir das diversas processos escolares dos estu- dades de análise temáticas e des-
te, a constituição da possibilidade relações estabelecidas no territó- dantes; conhecer o olhar que os critivas e Leitura interpretativa e
de vivenciarmos o encontro com rio escolar. estudantes lançam sobre si, para compreensiva.
a humanidade que nos habita. Com base em tais reflexões, a escola e para o grupo ao qual O presente estudo foi realiza-
Assim, para o encontro com o foram levantadas as seguintes pertencem, a partir de suas tra- do na Escola Classe 01 da Cida-
saber sentido, produzido na rela- questões de pesquisa: a) quais jetórias de vida e dos processos de Estrutural, escola pública do
ção do sujeito com o espaço esco- são as compreensões que os es- escolares vivenciados; investigar Distrito Federal pertencente a
lar, faz-se necessária a construção tudantes, filhos de catadores de qual a percepção da escola sobre Secretaria de Estado de Educação
da possibilidade de olhar para a material reciclável, têm de suas os saberes, valores e sentidos ad- do Distrito Federal – SEDF, locali-
escola como um território, e de- trajetórias de vida e de seus pro- vindos da história de vida desses zada no Brasil. A escolha por esta
fini-la como um lugar constituí- cessos escolares? b) De que for- estudantes. escola se deu devido a sua loca-
do por diversas histórias. Pereira ma eles compreendem a escola, a O estudo adotou como ca- lização, a Cidade Estrutural e ou
(2008) compreende que a escola constituição de si e a do grupo a minho teórico metodológico a “Vila Estrutural”, e lá se encontrar
se insere na perspectiva de terri- que pertencem? c) De que modo constituição e a análise pessoal o Aterro Sanitário que recebe dia-
tório, quando se busca enxergá-la os saberes, valores e sentidos ad- e coletiva das histórias de vida riamente os resíduos do Distrito
como um lugar que produz iden- vindos da história de vida desses e dos processos escolares de es- Federal, bem como estão presen-
tificação, gerada pela experiência estudantes são reconhecidos pela tudantes filhos de catadores de tes os catadores que trabalham
entre os seres e o local. É a con- escola? material reciclável e, concomitan- de forma independente e aqueles
cepção de que os espaços e, os Neste sentido, o estudo buscou temente, a constituição de um es- organizados em cooperativas.
lugares existem em função dos compreender as trajetórias de paço de auto formação e de inter- Neste sentido, foram defini-
sentidos e dos valores que as pes- vida e os processos escolares dos venção, para os atores envolvidos dos quatro critérios para a esco-
soas foram atribuindo a eles, no estudantes filhos de catadores de no processo, com a inclusão dos lha dos participantes estudantes:
decorrer de sua existência, das material reciclável de uma escola professores regentes dos respec- ser filho de pessoas que exerciam
histórias que foram construídas. pública do Distrito Federal-DF, tivos grupos, a gestora da insti- a ocupação de catadores de ma-
Para propor um olhar sobre as com o uso do método autoeco- tuição de ensino, como para esta terial reciclável; estarem cur-
trajetórias de vida e os processos biográfico. pesquisadora. sando o 4º ano; aceitarem ser
Utilizou-se as estratégias: voluntários na pesquisa; terem
1 Doutora oficinas autoecobiográficas, ob- a autorização dos pais e de seus
em Educação pela UnB- Docente da Secretaria de Educação do Distrito Federal
– Brasil e do Centro Universitário UniProjeção. E-mail: claudia.moraesdacosta@gmail.com servação participante, entrevis- professores para participarem da
tas semiestruturadas e roda de pesquisa. Assim, a pesquisa foi
2 Doutora em Psicologia e docente na Universidade de Brasília-UNB – Brasil.
conversa. Optou-se pela análise realizada com 65 estudantes, com

22 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 23


Cláudia Moraes da Costa Vieira; Cláudia Pato A práxis do viver como epistemologia

média de idade de 10,75 anos (35 esse se constitui como um ponto vão identificando como algo que criança em idade escolar, mas,
meninas; 30 meninos), dos quais de referência, como um território os faz sentir a sensação de nojo, devido a vulnerabilidade social
36 residem na Ocupação Santa simbólico em que eles vão cons- aversão. Concomitantemente, familiar, coloca-se como mais um
Luzia e 29 na Estrutural. truindo relações com o lugar e relacionam o nome a algo engra- do núcleo familiar a empenhar-se
Nesse universo de 65 famílias, com tudo que o compõe. Uma çado e incômodo no sentido de pelo sustento financeiro. O traba-
41 delas possui a mesma escola- etapa no decorrer das oficinas uma sátira, utilizada por alguns lho infantil é revelado como uma
rização dos estudantes envolvi- autoecobiográficas que denomi- estudantes, que justificam serem das formas de degradação do tra-
dos nesse estudo, em alguns gru- namos de “problematização das dessa maneira que algumas pes- balho e da pessoa criança, como
pos, eles são os que apresentam narrativas” trouxe a necessidade soas denominam aqueles que são consequência do capitalismo e é,
a maior escolarização do núcleo de dialogar sobre o contexto do filhos de catadores de material de certa forma, naturalizado em
familiar, isso revela o processo de filme: O Menino Urubu, em que reciclável, as pessoas que traba- áreas vulneráveis como no Aterro
exclusão deste referido grupo na eles trouxeram na sua essência o lham no Aterro Sanitário e com o Sanitário.
perspectiva da educação formal. significado do olhar reflexivo so- processo de reciclagem. Eles reconhecem que há o tra-
A gestora e os cinco profes- bre o Aterro Sanitário. Reconhecem o contexto, mas balho infantil, mas veem como
sores regentes dos estudantes Alguns foram elencando como buscam estratégias de negarem uma forma de colaboração na fa-
foram participantes da pesqui- “um monte de lixo” e/ou uma as relações de proximidade com mília e mostram que esse modo
sa, para se buscar uma melhor “montanha de lixo”, que permitia suas próprias histórias. Vão nar- de trabalho, pode trazer de forma
compreensão do contexto escolar se manter aceso o fogo de forma rando a partir da história de ou- mais rápida o retorno monetário.
e um diálogo permanente com o permanente e que serviria como tras pessoas e ou eventos vin- Nas pesquisas como de Cavalcan-
processo da pesquisa. fogão ou “fogareiro” para vários culados na mídia. Usam como te (2014), essa condição pode ser
Dessa forma, ao relatarem suas catadores que precisavam aque- exemplos notícias acontecidas. a que atrai as crianças em situa-
trajetórias de vidas e ao mesmo cer o alimento diariamente. De São as histórias de outras pes- ção de vulnerabilidade para o tra-
tempo refletirem sobre o espaço forma consciente, os colabora- soas que trabalham no Aterro balho no Aterro Sanitário, a pos-
escolar, pode-se constatar que os dores, ao narrarem sobre essa Sanitário que são articuladas ao sibilidade de se receber o valor
estudantes vão identificando ou- luz, argumentavam que ela se contexto inicial da conversa. do trabalho na hora da entrega
tros colegas que também vivem originava o efeito do gás metano. do material.
nas mesmas condições, o que Um lugar no qual convivem os Maria (10 anos): “tia eu conheço Trazem um olhar de cuidado e
um menino que trabalha lá, a mãe
contribui para o fortalecimento catadores no trabalho com a re- dele não trabalha, ela fica olhan- preocupação no sentido de trazer
de sua identidade pessoal e cole- ciclagem, mas também em que se do os filho dela, acho que tem 12 como referência a lagoa de cho-
tiva e permite criar laços afetivos encontra a violência e os diversos ou 10 não sei? Ele vai trabalhar rume. Ao relatar, definem a com-
reciclando e depois vende o ma-
e potencializá-los. acidentes no interior do Aterro. terial e pega o dinheiro quando a preensão sobre esse fenômeno.
Ao iniciar a narração autobio- mãe dele precisa, ele pega e dá”. De acordo com a sua compreen-
Os sentidos da sobrevivência e gráfica estabelece-se o primeiro são, o Aterro poderia ser definido
da vivência no Aterro Sanitário contato com o personagem Carni- Na voz da Maria, é desvelada pela lagoa de chorume e os pro-
ça, como estratégia utilizada para a situação de crianças que ainda cessos de violência que ocorrem
As histórias e os contextos vão a aproximação do contexto dos trabalham no Aterro sanitário naquele lugar. Outro aspecto ob-
dando movimento às narrativas estudantes. Alguns colaborado- para manter a renda de suas fa- servado é o estereótipo construí-
dos estudantes, constituindo ter- res ao ouvirem a expressão Carni- mílias. Pela referência dada à ida- do da pobreza. O faz, para que não
ritórios como o Aterro Sanitário, ça, nome dado ao personagem, o de, pode-se concluir que é uma seja revelado o seu conhecimento

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Cláudia Moraes da Costa Vieira; Cláudia Pato A práxis do viver como epistemologia

daquela realidade, pois conhecer Imagem 1 - O Lixão sué, era o que mais o afetava, pois filhos de catadores e pertencen-
naquele momento, com detalhes, a quantidade de carreta o deixava tes àquele contexto. A condição
o Aterro Sanitário, era uma con- preocupado devido aos acidentes os fazia trazer a voz para o diálo-
firmação da sua relação com os que eram ocasionados ali quase go. Isso os permitia identificar o
catadores. que diariamente. local de habitação, as “casinhas”,
As narrativas vão revelando a Percebeu-se que, ao expres- como as denominavam e as carac-
dificuldade que eles têm de trazer sarem suas impressões a partir terizavam. Essas representações
elementos próprios dessa reali- do registro do desenho, foram inclusive revelavam a hierarquia
dade, descrevem o lugar, contudo, tornando-se livres e construindo existente entre os moradores das
lentamente, começam a incluir Fonte: Desenho de João, 12 anos um espaço de liberdade para tra- casinhas, da Ocupação da Santa
nomes de parentes próximos zer as questões subjetivas. Aqui Luzia e da Cidade Estrutural.
Imagem 2 - As carretas do Lixão
como tios, padrinhos, madrinhas a manifestação artística do de- As casinhas eram denomi-
e vizinhos. Descrevem histórias senho infantil rompeu o espaço nadas como as casas de tijolo e
de outras crianças e pessoas que do silêncio, trouxe elementos da madeira onde os catadores mo-
trabalham no Aterro sanitário, realidade, do cotidiano, mas veio ravam e, por isso, justificavam a
ausentam-se de afirmações, mas acompanhada da imaginação na proximidade do lixão. A Santa Lu-
revelam que conhecem de forma perspectiva do sonho de se ter, zia era definida como sendo um
autêntica o modo de vida daque- naquele local, espaços para o des- local um pouco longe da entrada
les que sobrevivem dos lixões e o canso de seus pais. O desenho das principal do lixão, como o Centro
cenário cotidiano daquele lugar. carretas era uma forma de ex- da Cidade Estrutural. Por isso, ela
Fonte: Desenho de Josué, 12 anos
A questão vai se convertendo pressar o sentimento da insegu- era considerada como a Cidade
quando eles têm a possibilidade rança e da dor que o movimento Estrutural, mesmo com a falta
de expressar os pontos significa- Os desenhos foram mostrados demasiado daqueles transportes de infraestrutura na Ocupação
tivos daquele encontro por meio ao grupo pelo colaborador e al- ocasionava entre eles. Alguns es- Santa Luzia, eles consideravam
do desenho em seus diários de guns comentavam que os urubus tudantes colaboradores se apro- um lugar melhor para se habitar.
campo. Nesse momento observa- estavam em tamanho pequeno, ximavam e contavam histórias Outro elemento era o fato das
-se que relatam ao grupo a rotina diante aos que habitavam o local. ocorridas no Aterro Sanitário e “casinhas” serem as casas dos ca-
do trabalho do Aterro Sanitário A árvore representada dentro do outros ainda faziam gestos para tadores e toda a comunidade ter
e interagem de forma coletiva a Aterro Sanitário trouxe indaga- que o colega confirmasse a sua esse conhecimento. Isso dava ao
partir dessa discussão. A conver- ções de alguns, mas para o João versão. Nesse exercício dialógi- local um status de menor aceita-
sa abre espaço para confidências representava o desejo de ter ali co, trouxeram memórias dos mo- ção por eles. Essas diferenças iam
“ao pé do ouvido” e a outras con- um local “com sombras” para que mentos do trabalho, relações com agregando valores às condições
versas que são expressadas em os catadores pudessem descan- seus pais e avós, histórias que da moradia.
voz alta e confirmadas pelo gru- sar. retratavam o Aterro Sanitário em A negação da condição de fi-
po. A imagem abaixo recorda essa Josué lembrava a quantidade um tempo passado. lhos de catadores foi compreen-
confirmação: de carretas que circulava no lixão Essas expressões iam legiti- dida como uma relação de cui-
em todos os períodos. Esses de- mando a condição de filhos de ca- dado consigo, uma autoproteção,
senhos buscaram materializar o tadores e visibilizando esses se- no sentido de se protegerem para
que para eles era mais visível no res. Iam afirmando a condição de não serem ofendidos, e/ou ma-
Aterro Sanitário o, no caso de Jo-

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Cláudia Moraes da Costa Vieira; Cláudia Pato A práxis do viver como epistemologia

chucados por seus pais serem ca- expressavam que seus pais não cussão e preocupação entre os era uma das causas dos acidentes
tadores e trabalharem no Aterro trabalhavam no Aterro direta- colaboradores. Isso tornava-se ocorridos como os citados pela
Sanitário. Essa voz se apresentou mente, somente aleatoriamente. mais delicado quando incluía pa- Luzia. Nos relatos, estabelecia-
em vários subgrupos, mas não se A partir daí, iam agregaram ele- rentes próximos como: mãe, pai, -se um saber consciente sobre a
legitimou no universo coletivo, mentos do cotidiano individual e avó, irmãos e também amigos e realidade na qual estavam inse-
pois havia outro grupo que já nos coletivo e articulando ao passado, conhecidos. Essa era uma afir- ridos. Demostravam uma capaci-
primeiros encontros, assumiu ao presente e trazendo perspecti- mação recorrente e angustiada, dade reflexiva e crítica de olhar a
essa condição. Ao passo que iam vas de futuro ao cenário do Ater- que demonstrava a incapacidade realidade e apontar questões ne-
se fortalecendo, iam verbalizan- ro Sanitário. e a dificuldade de visualizarem cessárias e perceptíveis para as
do, alguns com segurança, outros O Aterro Sanitário vai sendo possibilidades de mudanças para mudanças, mas também reconhe-
de forma tímida e ainda cabisbai- descrito a partir de elementos esta situação. ciam a limitação que tinham, pois
xos: que dão sentido a todo o cenário Era observável na expressão seus pais precisavam continuar
Utilizavam o termo vala para social, histórico, cultural e am- de seus rostos, no tom dos relatos. naquele trabalho para manter
identificar o lugar em que seus biental e revelando um trabalho Essa situação iria se perpetuar suas famílias por uma situação de
pais trabalham no Aterro Sanitá- que é exercido por famílias, como ainda por um processo grande sobrevivência.
rio. Mesmo não sendo a maioria, demonstram os relatos autobio- de tempo ou enquanto houvesse
esse pequeno grupo de crianças gráficos. Mais uma vez, verifica- pessoas trabalhando daquela ma- Amadeu (12 anos) O meu pai é
da cooperativa, lá de Brasília. As
revelou a profissão dos seus pais. -se o trabalho de adolescentes e neira. A velocidade das carretas e vez o caminhão da SLU vai levar
Conscientemente, assumiram as crianças no Aterro. Esses elemen- tratores que circulavam por lá era o lixo lá, aí eles separo. Ele não
consequências desse ato para a tos trazem uma carga de questões um ponto de preocupação: preciso ir no lixão, mas as vez ele
e os catador de lá vai, quando o
escola e para a comunidade, pois subjetivas da trajetória individual caminhão demora ai.
perceberam a presença de outros e coletiva dos colaboradores es- Tomás (11anos): Lá tem um tra-
tor passando toda hora. Máquina
naquela condição. Assim, como a tudantes e vão se aproximando de amassar o lixo. As carreta leva. A diferença mostrada revelou
Mariana, que foi se apropriando do contexto local e constituindo Tem que pegar logo, se não enter- a dificuldade do processo de co-
de suas histórias para estabele- a comunidade dos que trabalham ra.
leta seletiva no Distrito Federal,
cer o pertencimento àquela reali- naquela área. Luzia (10anos): Lá no lixão. Foi onde não há uma continuidade
dade, eles foram se apropriando Demonstraram a preocupação na Cuca. É onde a mulher traba- na entrega desse material nas
da tomada de consciência no pro- da distância entre as casas e a lha. A mulher nem mexia.
cooperativas, o que faz com quê
cesso de refletir sobre o vivido e lagoa de chorume no sentido de alguns dos catadores ainda te-
de identificar um grupo que os demonstrar as consequências da Tomás revela uma das princi-
nham que ir ao Aterro Sanitário
fortalece. localização do Aterro para toda pais causas dos vários acidentes
nos períodos em que o caminhão
No decorrer, foi revelada uma aquela comunidade e para aque- que ocorrem no lixão, a diferença
não faz a entrega do material. O
diferença dos relatos entre aque- le solo. Esta preocupação vinha da velocidade entre o homem e a
Aterro Sanitário está presente
les que os pais trabalhavam no acompanhada com a quantidade máquina. Quando o lixo era joga-
tanto para aqueles que trabalham
Aterro Sanitário de forma inde- de lixo e a forma desordenada do nos espaços de destino, vários
independente, como para aqueles
pendente e aqueles que os pais ti- de como ele era armazenado. A catadores estavam lá para coletar
vinculados a cooperativas e asso-
nham filiação a alguma Coopera- quantidade de carretas e os vá- e separar. Contudo, essa ação pre-
ciações, mas que não conseguem
tiva. Esses que pertenciam a uma rios acidentes que ocorriam ali cisava ser veloz, pois, logo após,
estabelecer uma rede de coleta, já
instituição organizada ao falarem eram outro ponto que gerava dis- viria o trator para enterrar e isso
que a do Estado ainda se encon-

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tra em situação de fragilidade no mas de preencher esse vazio. poderiam compartilhar com to- mãe se preocupa em trazer-lhes
sentido de uma política prática O trabalho é um dos elemen- dos os colegas, iam se agrupando brinquedos.
sobre os resíduos. tos que constitui uma base de como forma de fortalecimento e Joana lembrou que há um va-
Ao narrarem, iam se misturan- relação desse grupo familiar, no espaço de amizade. lor ambiental no trabalho de sua
do o Aterro Sanitário e à Cidade qual filhos e pais vivenciam dia- Para esses estudantes que vi- mãe:
Estrutural, os sofrimentos e do- riamente o contexto dos que so- venciam conflitos e contradições
res dos que trabalham na catação, brevivem da catação. O cuidado desde muito cedo, o trabalho Joana (10 anos): Eu acho esses
negócio de reciclagem são muito
dentro do Aterro, com o sofri- que demonstraram nos relatos exercido por seus pais, de catar bom pro meio ambiente, mas a
mento dos que moram na cidade, em que evidenciavam o trabalho no Aterro os resíduos sólidos, pessoa não cuidam do Meio Am-
devido aos impactos ambientais dos pais, demonstra a relação como maneira de garantir o sus- biente, joga lixo na rua . Eu tam-
bém achei bom minha mãe fazer
produzidos pela localização do entre o trabalho e o viver desses tento da família, parecia revelar esse trabalho, por que ela vai me
lixão. estudantes. A narrativa se consti- sentimentos simultâneos de or- ensinando como recicla as coisas
tuía como exercício árduo, em es- gulho e vergonha conforme ilus- [...].
A família : os laços e nós pecial nos primeiros momentos, trado na fala a seguir.
A família vai se apresentando quando não haviam estabelecido Mais uma vez a figura materna
aos poucos, a partir da afirma- o clima de confiança entre os par- Kédma (10anos): Tem muita gen- é citada. Joana compõe sua nar-
te, assim que trabalha de catado- rativa em um tom de segurança.
ção de serem filhos de catadores ticipantes, entre eles e a pesqui- ra e tem muito filho assim, que
de material reciclável. Revelam sadora. O relato ilustra a aprendizagem
tem vergonha de ter uma mãe
que pertencem a um grupo em Alguns estudavam na mesma catadora, mas eu não tenho, te- que constroem com os pais, das
que trabalho e vida se entrela- sala de aula, mas não falavam
nho muito orgulho de ter a minha contribuições de seus trabalhos
catadora, ela me dá tudo, me dá para a vida individual e das cida-
çam. Identifica-se ali uma base de muito de si. Outros se encontra- boneca, me dá as coisas, assim se
apoio e segurança para a grande vam fora da escola, no Aterro, não fosse por ela eu não estaria des. A reciclagem vai sendo apro-
maioria. Em outros casos a au- onde seus pais trabalhavam. De- na escola. priada por todo o núcleo familiar
sência dessa base é, revelada por monstrava-se certa cumplicidade e constituindo saberes e fazeres
A Kédma eleva a voz ao falar próprios da especificidade da ca-
pais e mães que parecem ser fi- e, intimidade, o que os levava a de sua mãe. O relato revela a dua-
lhos, pela circunstância da idade ficarem mais próximos na sala de tação.
lidade entre o sentimento rela- Esses aspectos também são
e também do processo de exclu- aula e a constituírem pequenos cionado ao orgulho, pois é a par-
são que ainda vivenciam. grupos. identificados nos trabalhos de
tir do trabalho de catação que sua Barbosa, (2012), Teixeira (2010)
A família vai se constituin- mãe garante o sustento de toda a
do nesse território, em que se Antônio (11 anos): tia, eu e o Ta- e Alterthum, (2005). Trata-se de
deu sai daqui e vai catar latina, sua família, a manutenção mate- um saber advindo do viver e so-
aprende desde cedo o valor de né? A gente entra lá pelo campo. rial, e o suporte da formação, pois
se contribuir uns com os outros, Né? (Sorrir muito).
breviver da reciclagem. Percebe-
é a partir dela e do trabalho que -se um vínculo entre o trabalho da
a participar da luta coletiva pela há um vínculo ao valor atribuído
sobrevivência. Diante de diversas Tadeu (11 anos): hoje tenho que reciclagem e o cuidado com meio
pegá peti também. Tia onti nós à educação, ao processo do aces- ambiente, como forma de ameni-
ausências, que se estendem à fal- achou um monte (faz gestos com so a escola. Também há destaque
ta de alguns membros, como os as mãos). zar o dano causado pelo acúmulo
ao cuidado revelado pela infân- e produção de resíduos nas cida-
pais e irmãos mais velhos, esses cia. Mesmo no meio de um traba-
estudantes precisam se mobilizar Esses grupos ou duplas esta- des, mas simultaneamente, suge-
vam sempre próximos. Eram con- lho que se exige atenção e cautela re-se um olhar de desaprovação
para aprender a suprir e criar for- para se desviar dos acidentes, a
textos muito próximos que não das pessoas e da sociedade, ao

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Cláudia Moraes da Costa Vieira; Cláudia Pato A práxis do viver como epistemologia

demonstrar o descuido que vem A escola e a lente do cotidiano uma lente em que se visualiza diversas semelhanças. Isso as fa-
da ação de “jogar o lixo na rua”. A voz das crianças sempre tra- o conteúdo a ser vencido a cada zia enxergar a escola como um
Com isso, considera-se a falta de zia uma questão que inquietava. bimestre. Com isso, as ações vão grupo de pessoas, algumas com
consciência desta importância e a Quando falavam da escola, sur- se tornando mecânicas, naturali- contextos diferentes. Passavam
própria desvalorização das ques- gia a observação sobre atenção: zadas, pois o sistema valoriza as a olhar para os estudantes como
tões ambientais e da figura do ca- “Ah tia, essa escola aqui tem que avaliações de grande escala. As- pessoas que carregavam uma de-
tador de material reciclável. ter mais atenção, uma menina se sim, a escola vai constituindo um terminada história e traziam ele-
Assim, o processo de escola- perdeu” Rodrigo (12 anos). Ao cotidiano de ausências. Ao dialo- mentos de identificação. A venda
rização vai se constituindo dos explicarem o sentido da atenção, gar com as professoras regentes do cotidiano não estava somen-
sonhos daqueles que não tiveram referiam-se ao cuidado, a estarem das turmas, essas apontavam que te nos olhos dos docentes, mas
acesso à escolarização, os cata- atentos a tudo naquele espaço. a pesquisa lhes trouxe elementos também nos olhos dos estudan-
dores de material de recicláveis Esses casos aconteciam quando significativos para olharem aque- tes que enxergavam a lógica da
como no relato da narrativa abai- as crianças entravam em ônibus le universo: escola somente a partir do olhar
xo: errados, ou desembarcavam na da lógica cognitiva. Escondiam a
escola diferente ou se perdiam Profª Danielle: Parece que eles sua constituição, pois nessa or-
Antônio (11 anos): A minha mãe estavam escondidos em algum
dentro do espaço da escola, si- lugar aqui da escola e de repente ganização não havia espaço para
fala que ela manda eu sempre
estudar para sê alguém na vida. tuações que ocasionavam medo esses meninos falam que os pais reconhecerem suas identidades.
Quando eu crescer né. e insegurança devido às próprias trabalham na reciclagem. Eles vi- Ao falarem de valores e sabe-
rão que não só eles, mas quase a
características físicas do espaço. escola toda. Não sei acho que isso res que não estão presentes na ló-
Ana (12 anos): meu pai veio para
cá pra mim estudar, mas eu acho Essas situações os levavam a de certa forma valorizou eles. An- gica escolar, descobrem que têm
que ele qué í embora de novo pro trazer para as discussões e o de- tes eles tinham muita vergonha diversos pontos e trechos da sua
Pernambuco. sejo de uma escola mais atenta. de ser filho de catador. vida que são comuns e isso passa
Isso faz recortar ao que Freire Profª Alinne: Bom eu sou reti- a ser um valor. Percebem que, ao
São mães e pais que buscam (1997) e Josso (2004) chamam rante, descobri isso em uma ma- encontrarem outros que também
na ausência da escolarização uma de atenção consciente, atenta. téria que fiz [...] Filha única, fui vivenciaram aquele contexto,
justificativa de encaminhar seus moradora de rua por um tempo
Uma atenção que está relaciona- grande, por isso que falo sobre o fortalecem-se. Olha para o outro
filhos para escola. Sentem as ale- da à ação de ver o todo e, ao mes- lanche, comer comida para quem com um sentimento de igualda-
grias do progresso e a tristeza de mo tempo, ver as parte que estão passou muita fome é, pensa, mui- de e reconhecimento do que seja
enxergar que alguns repetirão ta fome [...] a minha vida, quer
constituídas ali para possibilitar dizer, foi muito parecida com a viver em situações desfavoráveis,
seus caminhos, irão abandonar a o diálogo. A ausência desta aten- deles. mas que estavam escondidas no
escola por não conseguirem con- ção incomoda e se torna eco nas cotidiano escolar. Situações que
ciliá-la com o trabalho. Esse gru- conversas no decorrer das ofici- São relatos que apontam o só se revelam quando há a cons-
po familiar produz o eco da esco- nas, ressaltando a necessidade de que o cotidiano escolar esconde, trução de um lugar em que se
la, em uma constituição utópica ser visto e ouvido. a constituição da vida de quem possa dialogar sobre outra lógica,
de que é a partir daquele ambien- A ausência da atenção apon- constitui esse universo que é a es- a lógica das vidas, dos saberes e
te que eles irão transformar suas ta para a dificuldade da escola cola. Ao olharem para as histórias viveres do cotidiano.
vidas, ter vidas diferentes das de enxergar as diferenças contidas de vida desses estudantes, as pro- Para alguns professores essa
seus pais. ali, se atendo somente aos con- fessoras observaram que eram realidade se tornava de difícil
teúdos. Isso faz com que se crie próximas das suas e continham compreensão, pois tinham cons-

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Cláudia Moraes da Costa Vieira; Cláudia Pato A práxis do viver como epistemologia

ciência da realidade de alguns encontro produzido no espaço e Esse argumento torna-se coeren- Nesse local observou-se a difi-
grupos, mas só haviam se apro- no tempo da escola. te para aqueles que não conhe- culdade dos catadores que traba-
ximado dessa condição a partir Os estudantes ao se assumi- ciam o lixão. Os que conheciam lhavam de forma independente
da relação entre professor e estu- rem como filhos de catadores, queriam apresentar a pesquisa- quando são acometidos de pro-
dante. Isso causava dores profun- veem o espaço de poderem falar dora e aos outros, mas se obser- blemas de saúde. O pai de Ramon
das, sentimento de impotência. das suas próprias vidas e perce- vava que alguns grupos faziam vi- relatava a preocupação de ficar
Assim, no principio da relação bem que não são só suas, mas de sitas uns aos outros e, conheciam sem o trabalho, pois tinha duas
protegiam-se com o distancia- muitos outros daquele contexto. os familiares. Nesses casos a visi- crianças para alimentar. Explica-
mento. Contudo, aos poucos iam Esse reconhecimento faz com que ta se prolongava. va que no momento só a esposa
se aproximando e compreenden- eles possam, além de se identifi- Cada um deles gostaria de tra- trabalhava, porque ele havia que-
do essa realidade pelo principio carem, identificarem outros e se zer uma foto que melhor apre- brado as duas pernas no trabalho
da abertura de acolher o outro e tornarem grupo. Provavelmente sentasse a sua cidade para ser no lixão. Sobrevive com o benefí-
a si: seja essa a valorização que a pro- levada a escola. Queriam mostrar cio concedido pelo Estado, mas a
fessora Danielle se refere, pois, que mesmo diante dos impactos sua esposa trabalhava no Aterro
Norlene: Tudo pra mim é novo, com o decorrer dos trabalhos al- ambientais da localização do Li- todos os dias.
tenho só três anos de Secreta-
ria, nunca tinha trabalhado com guns traziam listas com nomes de xão, as pessoas que moram ali O grupo insistia em conver-
eles. O primeiro ano foi assusta- colegas que gostariam de partici- cuidavam do seu lixo e que os sar sobre se poder conhecer um
dor, mas a gente vai conversando, par das oficinas. Nesses momen- casos de violência muitas vezes lugar denominado por eles de
sabendo das coisas. Se apegando
a eles sabe. Não é brincadeira a tos não havia mais a “vergonha”. retratado na mídia de massa, não caminho de filme. Ao chegar no
realidade desses meninos. Escu- Seus contextos e suas histórias retirava a liberdade das mães de local a questão apresentada era
tar pela mídia é uma coisa, mas eram mostrados e assumidos. Re- passearem de bicicleta com seus a de buscarem modos de sentir o
viver isso tudo (se emociona). conheciam que não estavam soli- filhos na rua. Esse olhar de po- que esse caminho proporcionava:
O movimento de conversar e tários nesse aprender e conviver sitividade não os impediam de
Tadeu: “Tia aqui parece caminho
olhar para a escola, fez com que com o espaço escolar. registrar os problemas. Algumas de filme, é tão fresquinho”.
professores e estudantes refletis- questões tinham relação com os
impactos ambientais, outras com Valda: “Aqui é muito bonito, olha
sem sobre a condição individual lá” (apontando os vários pássa-
e coletiva de cada ser pessoa. O Olhar para um lugar chama- a ausência do Estado e condu- ros).
Isso trouxe a compreensão das do Estrutural ziam a alguns enveredavam para
A ida a Estrutural trazia di- o caminho da droga e do tráfico. Mariana: “Muito lindo! Dá von-
diversas realidades que foram tade de ficar aqui, só ouvindo”
se encontrando naquele espaço/ ferentes comportamentos. Al- Essas conversas iam surgindo no (referindo-se ao canto dos pássa-
tempo da escola e outras realida- gumas crianças queriam que caminhar pela cidade. ros).
des que foram se constituindo a entrássemos nas casas, conhecês- O Lixão vai determinando o
semos sua família. Para outras, a cenário ao redor, o fluxo do trân- Eles iam apreciando um espaço
partir deste encontro. Alguns se
passagem pelo ambiente familiar sito. Ao se aproximar do entarde- que para eles, naquele momento,
encontravam em alguns pontos
era rápida. Apresentavam os que cer, esse fluxo torna-se arriscado, trazia a percepção de estarem em
de suas histórias e experiências.
estavam no momento e saiam. A pessoas a pé e de bicicletas e di- um local natural. Era uma longa
Outros, contudo, se distanciavam
justificativa para alguns era que: versas crianças atravessando as estrada de chão, na qual se avista-
isso os faziam serem conscientes
“ Tia, é necessário ir no lixão, o ruas, no percurso a onde passam vam várias chácaras. Estávamos
da sua realidade e os o incentiva-
principal né?” (João 12 anos). as carretas. em uma área rural da Estrutural,
vam a buscar um sentido naquele

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Cláudia Moraes da Costa Vieira; Cláudia Pato A práxis do viver como epistemologia

mas que se localizava ao lado do corpos uma calmaria que os tirou vida, as relações com a escola e, laços afetivos e potencializá-los.
lixão. Iam parando, pedindo para daquela realidade. A paisagem, em especial, sobre suas famílias. Dessa forma, a escola se conver-
tirar fotos. Desciam, respiravam, no entanto, começa a mudar: O papel da mãe em suas vidas é te em um espaço em que se pode
pediam aos outros para silencia- algo significativo. São crianças e dialogar, compartilhar histórias.
rem. No dia, já havia chovido e Imagem 7 - Chorume derramando adolescentes que enfrentam si- Nesse processo, exercitam falar
estava caindo aquela chuva bem tuações de conflitos no interior de seus sonhos, suas realidades,
fina. Uma das meninas pedia de suas famílias, mas veem na fa- se reconhecem como capazes
para que todos respirassem fun- mília um núcleo de segurança. de aprender, apesar das limita-
do para sentir o cheiro da chuva, ções atribuídas a si mesmo. Vida
relacionando com o cheiro da ter- Considerações e escola vão dando sentido uma
ra molhada. Assim, iam lançando Os estudantes filhos de catado- a outra na busca de um diálogo
olhares e apresentando o local res são conhecedores de sua rea- em que ambas se alimentam e
com muito entusiasmo. lidade. Possuem um olhar crítico nutrem na direção de uma utopia
Aos poucos, iam percebendo Fonte: Produção Maria Flor, 10 anos constituído por uma percepção para uma educação emancipada
que o cenário ia sendo modifica- consciente, mas simultaneamen- que os faça rever os modos de ser
do, ouviam o barulho dos cami- A realidade da poluição estava te positivo. Trazem questões coe- e habitar o planeta, e sua própria
nhões que estavam muito próxi- próxima. Havia muito lixo jogado rentes sobre a realidade dos que existência.
mos. Voltaram a olhar a realidade pelo chão. Eles demonstravam vivem e sobrevivem nos Aterros, Assim, é necessário possibili-
do Aterro. De forma espantada, preocupações em especial com o relações familiares, seus proces- tar instrumentos para dar voz aos
começaram a apontar e verba- que retrata a imagem do derra- sos de acesso a instituições que estudantes e enxergar a escola e
lizar que já trabalharam ali. Por mamento do chorume. O choru- representam o Estado, como a suas experiências de vida a partir
alguns minutos, observou-se que me escorria para bem próximos escola, e o viver em seus lugares. dos seus olhares e das diversas
eles vivenciavam um afastamento das chácaras, que eram locais Revelam questões de degrada- formas de manifestá-lo. Com isso,
do local. Era como se a cada vez em que se cultivavam hortaliças. ção socioambiental, emergindo a pode-se provocar uma aprendi-
que se parou o carro para que A preocupação do grupo era em degradação da vida, mas alimen- zagem significativa, em que as
descessem e fotografassem, eles saber como impedir aquela situa- tam a utopia da transformação, dificuldades apresentadas sejam
pudessem vivenciar uma outra ção. Reclamavam e contavam his- em que, diariamente, exercitam a dialogadas por todo o grupo, em
realidade de paisagem, mesmo tórias de vizinhos que, ao trazer luta dos seus pais. São apanhado- uma perspectiva de colaboração.
que contemplativa. Havia um de- o material para casa, deixavam res de sonhos na complexidade Possibilitar o encontro e o for-
sejo que aquele momento se tor- o rejeito (as sobras do que não do viver. talecimento dos grupos, como
nasse uma realidade local, com serve para a comercialização) na Ao relatarem suas trajetórias estratégias de potencializá-los a
árvores e, cantar dos pássaros. rua. Pediram que, quando fossem de vidas e ao mesmo tempo refle- partir de uma educação baseada
O silêncio, mesmo que momen- reveladas as fotos, essas fossem tirem sobre o espaço escolar, po- na formação humana e na leitu-
tâneo, trouxe a cada um deles a entregues a eles, para poderem de-se constatar que os estudantes ra de mundo, em que se crie es-
calma, o que alguns verbalizavam denunciar e quem sabe, levar vão identificando outros colegas paços de cooperação, de escuta e
como sendo um sentimento de para a Administração da cidade. que também vivem nas mesmas constituição de utopias baseadas
paz e conexão com aquela natu- O andar com os colaboradores condições, o que contribui para o na superação, na autoconsciên-
reza, que simboliza um ambien- trouxe vários elementos signifi- fortalecimento de sua identidade cia e na autonomia em que seja
te natural. Observou-se em seus cativos sobre suas histórias de pessoal e coletiva e permite criar fundamental o trabalho com refe-

36 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 37


Cláudia Moraes da Costa Vieira; Cláudia Pato A práxis do viver como epistemologia

renciais próximos à realidade vi- 1997. 337 f. Tese Doutorado em Edu-


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38 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 39


Barão de Melgaço, Ensino e aprendizagem da educação ambiental: contribuições de
Foto: Giseli Dalla Nora

no estado brasileiro de Mato Grosso.


disciplinas na Universidade de São Paulo

Vivian Battaini
Marcos Sorrentino
Rachel Trovarelli

Resumo
A partir de 1983, na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universi-
dade de São Paulo (ESALQ/USP), inicia-se um processo de desenvolvimento da área
de educação ambiental, que culmina com a criação, já nos anos 2000, de discipli-
nas para graduações e pós-graduações. As disciplinas têm em comum a perspectiva
de estudantes protagonizarem a sua própria formação como profissionais e cida-
dãos/cidadãs. Ancoradas em perspectivas teóricas relacionadas ao ambientalismo,
utopismo e educação emancipatória, desenvolvem duas técnicas destacadas no
presente artigo: Mínima/Máxima Intervenção Possível (MIP) e Diário de Bordo. A
pesquisa que fundamenta o presente artigo é qualitativa, utilizando a observação
participante, avaliações processuais e intervenções educadoras junto aos estudan-
tes das mencionadas disciplinas. Os resultados demonstraram-se positivos sob o
ponto de vista do envolvimento e participação, restando questionamentos sobre
o real aprofundamento de conteúdos específicos. É perceptível o desenvolvimento
do protagonismo, autonomia e capacidade de articulação de conteúdos e ações
nos estudantes. O uso das técnicas citadas sugere favorecer o desenvolvimento de
sujeitos comprometidos com transformações de seu território e apresenta-se como
proposta de aprimoramento de processos de ensino aprendizagem na educação
superior.

Palavras chave: educação ambiental; universidade; ensino-aprendizagem.

Abstract
A process of development of the environmental education area began in 1983 at
Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, of Universidade de São Paulo
(ESALQ/USP). In the 2000s were creating subjects for graduation and post-gradua-
tion. The disciplines have in common the perspective of students to carry out their
own formation as professionals and citizens. The theoretical perspectives are based
to environmentalism, utopianism and emancipatory education. They develop two
techniques highlighted in this article: Minimum / Maximum Possible Intervention
(MIP) and Logbook. The research that bases the present article is qualitative, using
participant observation, procedural evaluations and educative interventions with
the students of the mentioned disciplines. The results were positive from the point
of view of involvement and participation, remaining questions about the actual dee-
pening of specific contents. It is noticeable the development of the protagonism,
autonomy and capacity of articulation of contents and actions in the students. The
use of the mentioned techniques suggests in favor the development of subjects
committed with transformations of their territory and presents itself as proposal of
improvement of teaching learning processes in higher education.

Keyword: environmental education; university; teaching-learning.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 41


Vivian Battaini; Marcos Sorrentino; Rachel Trovarelli Ensino e aprendizagem da Educação Ambiental

Introdução 1999) caracterizada pela diversi- de sonhar novas formas de viver não tem pensar próprio, porque
No ano de 1983 estudantes dade de atores sociais e estraté- possíveis. Para Szachi (1972, p. se ajusta a um padrão; repete
frases e pensa dentro de uma ro-
de engenharia florestal da Esco- gias de organização e ação. 8): “Utopia é, aqui, sinônimo de tina. Não se pode compreender a
la Superior de Agricultura “Luiz No Brasil e na América Latina, ideal moral e social, e utópico é existência da forma abstrata ou
de Queiroz”, na Universidade de no contexto de governos auto- todo aquele que percebe o mal e teórica. Compreender a vida é
compreender a nós mesmos; este
São Paulo (ESALQ/USP), Brasil, ritários das décadas de 70 e 80, busca meios de curá-lo”. é o princípio e o fim da educação.
reivindicam disciplinas relacio- o movimento foi marcado pela Dentre as diferentes categorias (...) A função da educação é criar
nadas à área social e mais especi- defesa e avanço da democracia. de utopias – heróica/escapista; entes humanos integrados e, por
conseguinte, inteligentes. Pode-
ficamente à educação ambiental. Dentre suas diversas vertentes, pessimistas/ otimistas; distopia/ mos tirar diplomas e ser meca-
1
A partir de 1988, são contratados nos aproximamos daquelas que eutopia; de tempo (retrospecti- nicamente eficientes, sem ser
docentes para por elas se respon- lutam “por autonomia e emanci- va/prospectiva) e de espaço; a vi- inteligentes. A inteligência não é
sabilizarem. Adaptam conteúdos pação em relação à ordem domi- são da utopia como manifestação mera cultura intelectual (...). Inte-
ligência é a capacidade de perce-
de disciplinas existentes, apoiam nante e a afirmação de novos mo- da esperança no Inédito Viável ber o essencial, o que é; despertar
grupos de extensão universitária dos de vida” (CARVALHO, 2006, reforça a liberdade do utopista de essa capacidade, em si próprio e
e desenvolvem projetos de pes- p.48). misturar diferentes perfis (RO- nos outros, eis em que se resu-
me a educação (KRISHNAMURTI,
quisa, ensino e extensão na área Em 1992, em decorrência da DRIGUES, no prelo). Manifesta a 1994, p. 12-13).
socioambiental (SORRENTINO, Conferência Internacional de insatisfação com a forma de orga-
1995). São criadas disciplinas de Meio Ambiente e Desenvolvimen- nização sociopolítica do momen- Na perspectiva de uma edu-
caráter obrigatório para os cursos to (Rio 92 ou ECO 92) realizada to presente e com a esperança de cação emancipatória, é possível
de Gestão Ambiental e Engenha- no Rio de Janeiro, o movimento que o futuro possa ser melhor, pensar:
ria Florestal e de caráter optati- ambientalista se fortalece e tam- com planos que contribuam para
vo para as demais graduações. O bém a sua relação com educação esta transformação. que a razão de ser da educação
não é apenas o ato de capacitar
mesmo se deu nos Programas de ambiental por meio da constru- Processos educadores podem instrumentalmente produtores
Pós Graduação em Ecologia Apli- ção do Tratado de Educação Am- ser importantes aliados no cami- humanos através da transferên-
cada e no de Recursos Florestais biental para Sociedades Sustentá- nho rumo às utopias, quando aju- cia de conhecimentos consagra-
dos e em nome de habilidades
da mesma universidade. As disci- veis e Responsabilidade Global. dam o educando a identificá-las, aproveitáveis. Antes disto, e para
plinas têm em comum a perspec- O Tratado aproxima-se das impulsionando-os na direção das muito além disto, ela é um gesto
tiva dos estudantes protagoniza- vertentes do movimento ambien- mesmas: de formar pessoas na inteireza de
rem a sua própria formação como talista relacionadas à busca de seu ser e de sua vocação de criar-
Para instituirmos a educação cor- -se a si mesma e partilhar com os
profissionais e cidadãos/cidadãs um “projeto de sociedade alterna- outros a construção responsável
reta, é indispensável compreen-
ancoradas em perspectivas teóri- tiva” (CASTELLS, 1999). A utopia der o significado da vida com um de seu próprio mundo social e
cas relacionadas ao ambientalis- de sociedades sustentáveis, bem todo, e, para tal, devemos ser ca- vida cotidiana (BRANDÃO, 2012,
pazes de pensar, não rigidamen- p.80).
mo, utopismo e educação eman- como a do Bem Viver (ACOSTA,
te, mas de maneira direta e ver-
cipatória. 2016), entre outras, impulsionam dadeira. Um pensador inflexível Uma educação permanente
A Educação Ambiental é parte a atuar na busca pela transforma-
de um movimento ambientalis- ção social.
ta marcado pela sua multisseto- A utopia tem vários significa- 1 Tal documento foi resultado de um amplo processo de mobilização social, por meio de
rialidade (SORRENTINO, 1988; dos, de maneira geral, pode ser oficinas, debates, aulas públicas, reuniões, fóruns, conferências em cinco continentes,
VIOLA & LEIS, 1992; CASTELLS, entendida como uma capacidade envolvendo diferentes setores e gerações da sociedade.

42 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 43


Vivian Battaini; Marcos Sorrentino; Rachel Trovarelli Ensino e aprendizagem da Educação Ambiental

que valorize a subjetividade, uma o outro, num processo educador a conjuntura da universidade atuação no sistema capitalista.
Educação Ambiental que incenti- e formador, em cuja dinâmica pública e algumas de suas conse- Nesse sentido, a universidade en-
estrutural seus doze componen-
ve: tes interagem de forma circular quências nos processos de ensi- trou numa crise de hegemonia já
e transversal. Sendo incremental no-aprendizagem. que outras instituições têm reali-
em todas e em cada pessoa a von- o método Oca deixa em aberto Autores como Santos (1995, zado atividades de pesquisa e en-
tade e a capacidade de imaginar e o convite à continuidade de sua
enunciar o seu projeto de futuro construção e implantação a fim 2005, 2007), Halffman e Radder sino superior impulsionados pe-
e a disposição de dialogar sobre de colaborar na trilha rumo às (2017), e Chauí (2017), ajudam los agentes econômicos e estatais
ele, aprimorá-lo e construí-lo in- Sociedades Sustentáveis (OCA, a compreender a crise da univer- (SANTOS, 2005).
dividual e coletivamente (SOR- 2016).
RENTINO, 2013, p. 146). sidade pública, não só no Brasil, Chauí (2017) analisa como o
Enunciada a concepção de mas nas sociedades ocidentais. A neoliberalismo surgiu atrelado à
Uma educação comprometida educação emancipatória, o recor- crise posta, segundo os autores, ideologia capitalista e resgata os
com a emancipação humana e o te do presente trabalho se dá em está contextualizada na forma de principais impactos desse siste-
envolvimento de cada um e de to- torno das disciplinas de educação organização social pautada pelo ma na sociedade. No campo da
dos com as transformações de seu ambiental, do departamento de capitalismo, ou seja, com forte in- ciência e tecnologia a autora ex-
território (SORRENTINO, 2013). Ciências Florestais. fluência do neoliberalismo no Es- plicita como essas se tornaram
Alimentada pelo Tratado de Edu- Em termos de metodologia, as tado e, mais especificamente, na forças produtivas, ou ferramen-
cação Ambiental para Sociedades referidas disciplinas têm muitas universidade pública. tas, sendo apenas um suporte
Sustentáveis e Responsabilida- semelhanças, salvo o aprofunda- Para Santos (1995) a universi- para que os agentes do capital
de Global (1992) e pelos pilares mento específico de cada uma de- dade pública nas últimas décadas incrementem sua acumulação
identidade, diálogo, comunida- las. Os programas das disciplinas tem vivido três grandes crises: a financeira. Como consequência,
de, potência de ação e felicidade são apresentados, dialogados e crise hegemônica, a crise de legi- alterou-se a forma de inserção de
(SORRENTINO et.al. 2013). reformulados de forma colabora- timidade e a crise institucional. cientistas e técnicos na socieda-
A inspiração metodológica é tiva entre professor, monitores e A crise de hegemonia envolve a de, pois estão submetidos à força
o Metodoca (OCA, 2016) que foi estudantes. As atividades propos- contradição entre produção de e poder capitalista.
construído por meio das vivên- tas envolvem condução de parte alta cultura, pensamento crítico, A segunda crise, identificada
cias nestas disciplinas, dentre ou- das aulas pelos estudantes, reali- humanístico e científico versus a por Santos (2005), a crise de le-
tras ações educadoras ambienta- zação de pequenas intervenções pressão pela produção de conhe- gitimidade, surgiu à medida que
listas com as quais o Laboratório educadoras de caráter ambien- cimento técnico e instrumental, deixou de ser consenso a posição
de Educação e Política Ambiental talista, passando pelo estudo de para formar mão de obra para de superioridade da universida-
- Oca (ESALQ/USP), se envolveu textos, auto-avaliações e elabora-
desde a sua criação, no final dos ção de pequenos documentos es-
anos 80, até 2016. A metodologia: critos em seus diários de bordo. 2
Seis disciplinas, todas com oferecimento anual: 1) Educação Ambiental, oferecida no 1º
semestre, obrigatória para o curso de graduação em Gestão Ambiental e optativa para
sem a intenção de ser "fórmula
pronta e fixa", parte de princípios, Alguns elementos da conjuntu- demais cursos; 2) Tópicos de Educação Ambiental, oferecida no 2º semestre letivo, optativa
2 a todos os cursos de graduação; 3) Projetos de Educação Ambiental, oferecida no 1º
valores, conceitos e diretrizes, ra na educação superior
bem como de análises conjun- Introduzidos os pressupostos semestre letivo, optativa a todos os cursos de graduação; 4) Política Pública, Legislação e
turais com temáticas geradoras Educação Florestal, oferecida no 2º semestre letivo, obrigatória para o curso de Engenharia
socioambientais, do enunciar das do campo da utopia, ambienta- Florestal e optativa aos demais; 5) Educação, Ambiente e Sociedade, oferecida para a pós
utopias individuais e coletivas, do lismo e educação emancipatória, graduação em Ecologia Aplicada e Recursos Florestais, optativa; 6) Oficinas de Educação
mergulho em si e no diálogo com torna-se relevante refletir sobre Superior, oferecida para a pós graduação em Recursos Florestais, optativa.

44 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 45


Vivian Battaini; Marcos Sorrentino; Rachel Trovarelli Ensino e aprendizagem da Educação Ambiental

de (pela produção de saberes es- universidades mercantilizadas, dade e avaliação e flexibilização congressos, produzindo uma vi-
pecializados) em relação a outras capazes de gerar alívio econômi- da universidade (CHAUÍ, 2017, p. são simplista da pesquisa e dei-
co imediato, como também uma 57).
formas de saberes. Tornou-se evi- redução chocante de benefícios xando de lado a docência (CHAUÍ,
dente que ao restringir o acesso sociais, em favor de ganhos eco- Esta perspectiva de autono- 2017). Chauí (2017) e Halffman
e ao credenciar as competências, nômicos (HALFFMAN e RADDER, e Radder (2017), observam que
2017, p. 12). mia universitária tem o gerencia-
a universidade não tem consegui- mento empresarial da instituição a docência é, dentre os trabalhos
do atender às demandas sociais Evidentemente em uma con- com foco na gestão de receitas e acadêmicos, a menos apreciada,
e políticas de democratização e tradição envolvendo, por um lado despesas, bem como indicadores e portanto, lecionar não entra na
igualdade de oportunidades para a definição de valores e objetivos de desempenho. A qualidade tor- medida de produtividade docen-
as classes socioeconômicas mais da universidade e a reivindicação nou-se sinônimo de “excelência” te, e logo, não é contabilizada na
desfavorecidas. Nesse sentido, de autonomia, e por outro, a cres- e “competência”, com ênfase nas qualidade universitária.
Chauí (2017) reforça a prática cente pressão para adaptar os respostas às demandas da econo-
neoliberal na diminuição dos in- A docência é entendida como
objetivos e valores da instituição mia. A qualidade é orientada por transmissão rápida de conheci-
teresses públicos: à parâmetros de eficácia e produ- quanto é produzido, em quanto mentos, consignados em manuais
tividade empresarial, instalou-se tempo e com qual custo. Ou seja, de fácil leitura para os estudantes,
Em resumo, o neoliberalismo é de preferência, ricos em ilustra-
a decisão de investir o fundo pú- a crise institucional (SANTOS, mede-se qualidade pela produti- ções e com duplicata em suportes
blico no capital e privatizar os di- 2005). Nessa perspectiva neoli- vidade, sem uma mínima reflexão eletrônicos. A docência é pensada
reitos sociais, de maneira que po- beral, as universidades são consi- sobre “o que se produz, como se como habilitação rápida para gra-
demos definir o neoliberalismo duados, que precisam entrar ra-
como alargamento do espaço pri- deradas pelo Estado como “orga- produz ou para quem se produz” pidamente num mercado de tra-
vado dos interesses de mercado e nizações sociais” prestadoras de (CHAUÍ, 2007, p. 58). balho do qual serão expulsos em
encolhimento do espaço público serviço e que portanto, assinam Com o pretexto da “qualidade”, poucos anos, pois tornam-se, em
dos direitos (CHAUÍ, 2017, p. 56) as universidades têm gerado um pouco tempo, jovens obsoletos e
“contratos de gestão” (CHAUÍ, descartáveis; ou como correia de
Analisando a crise da univer- 2017). sistema intensivo de competição transmissão entre pesquisadores
sidade pública na Europa, Half- Essa universidade, celebrado- entre si, entre departamentos, e treino para novos pesquisado-
ra de “contratos de gestão”, Chauí entre professores/pesquisadores res. Transmissão e adestramento.
fman e Radder (2017) visualizam Desaparece, portanto, a marca
a “venda” de departamentos e (2017) designa como “universi- e entre estudantes, por bolsas de essencial da docência: a formação
universidades com a crença de dade operacional”, já que está vol- estudos, financiamento de proje- (CHAUÍ, 2017, p. 60).
que dessa forma seria possível tada para si mesma, com foco na tos e reconhecimento (geralmen-
estrutura de gestão e contratos. te através da corrida incansável Com um ensino pautado pela
manter a infraestrutura neces- transmissão e adestramento, o
sária para a produção de conhe- Hallfman e Radder (2017) no- por publicações de “alto impac-
meiam as instituições com essas to”): “Isso leva a um estado de “estudante consumidor” opta
cimento. No entanto, através da pela imagem da universidade
cooperação com as empresas, es- características como “universida- guerra permanente entre todas
de gerencial”. as partes, que destrói a estrutura com uma vida estudantil mais
pera-se que a universidade pro- atrativa e tende a não se preocu-
duza descobertas e produtos co- social da universidade” (HALF-
Essa definição da universidade é FMAN e RADDER, 2017, p. 8). par com a qualidade da educação.
merciáveis em um curto período o princípio que guia as ações pro- Presos numa lógica que provê
de tempo. E continuam: postas pela Reitoria da USP, que A “qualidade acadêmica”, por-
confere um sentido bastante de- tanto, é entendida pelo número gratificações por desempenho,
Essa promessa não apenas de- terminado à ideia de autonomia de teses e publicações, estágios empréstimos, rasas perspectivas
monstra uma crença ingênua em universitária, e introduz no léxico no exterior e participação em no mercado de trabalho e o fascí-
universitário termos como quali-

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Vivian Battaini; Marcos Sorrentino; Rachel Trovarelli Ensino e aprendizagem da Educação Ambiental

nio pela “ilusão de uma vida con- nal e um projeto de país intrinse- ações emancipatórias, ponde- servados (LAPERRIÈRE, 1984
sumista”, os estudantes se torna- camente ligado ao neoliberalismo rando vantagens e desvantagens apud JACCOUND & MAYER, 2008,
p.264).
ram uma máquina treinada que é (SANTOS, 2005). de cada uma delas que vão des-
pouco potente para incidir sobre Para enfrentar a situação, San- de ações judiciais até sabota- As avaliações processuais fo-
a crise da universidade (HALF- tos (2005) sugere a necessidade gem, manifestações de massa, ram compostas por diferentes
FMAN e RADDER, 2017). de 1) resistências com alterna- greve, contra ocupações, recusa técnicas de avaliação realizadas
Voltando a questão do perma- tivas à pesquisa, extensão e for- coletiva, ação dos sindicatos, etc nas aulas e entre a equipe edu-
nente “estado de guerra”, fruto mação, com tomada de decisões (HALFFMAN e RADDER, 2017). cadora. Por fim, os projetos de
da competição enraizada na es- coletivas; 2) o reconhecimen- Diante desse cenário, o pre- intervenção educadora ambien-
trutura social universitária entre to da crise e busca de reformas sente trabalho objetiva contribuir talista atuam na realidade local
áreas do conhecimento (ciências que fortaleçam a legitimidade da com transformações na educação por meio de processos que fo-
naturais versus ciências huma- universidade, bem como o forta- superior, bem como refletir sobre mentam a transição para socieda-
nas, por exemplo), instituições, lecimento da democracia, da ex- o potencial de estratégias peda- des sustentáveis, o aprendizado
departamentos, laboratórios, do- tensão, da pesquisa-ação, da eco- gógicas de ensino aprendizagem pela práxis (BRASIL, 2006, p.21)
centes e discentes, observa-se as logia de saberes (SANTOS, 2007); no ensino superior utilizadas nas e a realização de pesquisas (OCA,
divisões e desconfianças de uns 3) reformas institucionais; 4) disciplinas de educação ambien- 2016, p.85). As intervenções rea-
com os outros. Essa estratégia de aproximação da universidade tal na Esalq-USP. lizadas nesta pesquisa foram as
“dividir para controlar” fortalece com as escolas públicas; 5) ava- disciplinas de graduação e pós
a individualização e corrói a soli- liação participativa; e a 6) ação Metodologia graduação ministradas na ESALQ.
dariedade, arruinando qualquer do Estado no fortalecimento da A perspectiva da presente
iniciativa de resistência e organi- universidade pública e regulação pesquisa é qualitativa (LUDKE & Resultados
zação coletiva que se opõe a esse das universidades privadas. ANDRÉ, 1986; BATZAN, 1995),
sistema da universidade geren- Halffman e Radder (2017), na em diálogo com vertentes par- Mínima ou Máxima Intervenção
cial ou operacional (HALFFMAN linha de Santos (2005), sugerem ticipativas, em especial com a Possível
e RADDER, 2017). outras vinte propostas de mu- pesquisa-intervenção (ROCHA &
Nesse contexto, não há apoio dança no sentido de provocar AGUIAR, 2003). Nas intervenções educadoras
da sociedade ou apoio público uma reação frente a crise insta- As técnicas de coleta de dados de caráter ambientalista, deno-
para que a universidade tenha lada que vão desde o formato de utilizados foram: observação par- minada MIP, o estudante planeja,
recursos e força para atuar. Al- tomada de decisões envolverem ticipante (BOGDAN & BIKLEN, executa e analisa criticamente
guns dos governantes reconhe- mais participação social e menos 1994; GOLDENBERG, 1999), ava- uma intervenção em grupo ou in-
cem a importância da ciência e da hierarquia, maior acessibilidade liações processuais e interven- dividualmente. Entre os objetivos
educação, mas encontram outras a estudantes aumentando o nú- ções educadoras. estão: projetar, vivenciar e arti-
prioridades de atuação (HALF- mero de vagas, fim da produtivi- A observação participante cular os conteúdos da disciplina
FMAN e RADDER, 2017). dade como critério de análise de permite: com a sua realidade. As temáticas
Diante deste cenário, as trans- pesquisas, a valorização da do- e as técnicas utilizadas na MIP
formações que vem acontecendo cência, apoio ao conhecimento o acesso a informações privile-
giadas, incluindo aquela que ele são escolhidas pelos estudantes
na universidade são eminente- comunitário, entre outros. recebe de sua própria experiên- e acompanhadas pelo docente e
mente políticas e associadas a Os autores continuam com cia (CAPLOW, 1970), graças a monitores da disciplina.
busca por um sistema educacio- mais onze possibilidades de uma compreensão mais intensa
do vivido dos participantes ob- Seu caráter Mínimo se rela-

48 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 49


Vivian Battaini; Marcos Sorrentino; Rachel Trovarelli Ensino e aprendizagem da Educação Ambiental

ciona ao mínimo necessário para vítima de atropelamento numa ção, mas ressignificando os que já dividuais. A intervenção é uma
que o realizador da mesma se avenida central da cidade. existem (Estudante Disciplina de estratégia para vivenciar uma
EA, 2017).
sinta satisfeito com a sua contri- Alguns estudantes motivados educação que diz respeito:
buição para a problemática iden- pela ausência de áreas verdes e As virtudes do processo de en-
tificada. O caráter Máximo asso- de lazer em um bairro de Piraci- [...] antes de tudo às oportunida-
sino aprendizagem promovido des de os seres humanos virem
cia-se as capacidades de análise caba organizaram a construção pelas MIPS identificados nesta ao mundo, encontrarem sua pró-
de conjuntura, identificação de de uma área verde urbana no pesquisa são quatro: (a) desen- pria voz, virem a se constituir
problemática, criação de estra- bairro. Estudantes refletiram so- como seres únicos e singulares
volvimento do protagonismo; (b) (BIESTA, 2013, p.99).
tégias de ação, além do tempo e bre a ocupação dos espaços por fortalecimento da autonomia; (c)
energia disponibilizado pelo seu meio de uma intervenção artísti- capacidade de articulação de con- c) O estudante motivado a agir, se
promotor. ca em um Sarau da Cidade. teúdos e ações nos estudantes; e motiva a estudar, a entender a sua
As MIPs realizadas ao longo A experiência nas disciplinas (d) reflexão sobre incidência em realidade e desta forma busca os
destes anos vão desde ações no traz indícios da contribuição des- políticas públicas. conhecimentos necessários para
microlocal como: sala de aula, ta ferramenta de ensino-aprendi- a sua realização. Neste sentido a
moradia dos estudantes, Centros zagem com o incremento da po- a) A MIP baseia-se numa educa- MIP favorece a reflexão e articu-
Acadêmicos, Universidade; até tência de ação dos estudantes: ção integral que se caracteriza lação dos conteúdos e ações. Dan-
macrolocais que atingem o mu- “pela ideia de uma formação ‘mais do sentido aos conteúdos, sejam
nicípio de Piracicaba ou outros e Ao falarmos em potência de agir,
referimo-nos à capacidade de completa possível’ para o ser hu- eles conceituais, atitudinais ou
eventualmente territórios temá- empreender uma ação ética, li- mano” (MOLL, J. 2009, p.15) na procedimentais (ZABALA, 1998).
ticos mais amplos. bertadora, emancipatória e não qual os sujeitos são considerados
Alguns exemplos foram: Um simplesmente ao ato de realizar
algo. Estamos tratando de um em sua totalidade, conectando d) O caráter da ação é educado-
estudante incomodado com a fal- agir consciente e intencional para suas diversas dimensões (cogni- ra, sendo assim, a aprendizagem
ta de segurança de transportar-se realizar algo desejado (COSTA- tiva, afetiva, ética, social, lúdica, e o alcance da ação estão direta-
de bicicleta na cidade de Piracica- -PINTO, 2012, p.85). estética, biológica, espiritual). mente relacionados com o ama-
ba escolheu a problemática Mo- Nas intervenções realizadas os durecimento e envolvimento dos
bilidade Urbana. A estratégia uti- Neste sentido, convidar os es-
tudantes a refletir sobre a sua estudantes são responsáveis por estudantes e grupos envolvidos,
lizada para intervir foi adicionar todo o conjunto de atividades porém as diferentes escalas de
na sua bicicleta uma estrutura realidade e intervir nela por meio
de um processo educador am- necessárias para a realização da ação permitem uma reflexão so-
demarcando à distância de 1,5m mesma, desta forma são efetiva- bre a relevância e importância de
de cada lado (distância determi- bientalista pode contribuir para
que os mesmos aumentem a sua mente os protagonistas dela. incidência em políticas públicas
nada por lei como obrigatória en- para a sustentabilidade das inter-
tre veículos motorizados e a bici- potência de agir, no sentido de
se motivarem, identificarem sua b) O desenvolvimento da auto- venções.
cleta), locomover-se pela cidade e nomia dos estudantes se dá na
observar a reação das pessoas. importância no processo, se co-
nectarem com a sua realidade e relação que se estabelece entre Soma-se a isso a importân-
Com a mesma temática, porém educador-educando baseada na cia da valorização das vivências
em outra turma e ano, um estu- ambientalizarem a sua prática.
confiança e no fortalecimento dos estudantes, segundo um es-
dante organizou uma passeata na Exercitar a educação ambien- da autoestima, estimulando que tudante, a disciplina é “Um local
cidade, motivado pela morte de tal como parte da prática que já cada um seja capaz de desen- onde as minhas vivências fora da
um amigo naquele mesmo ano, construo, sem a necessidade de volver as suas habilidades in-
inventar novos espaços de atua- sala de aula, minha militância, é

50 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 51


Vivian Battaini; Marcos Sorrentino; Rachel Trovarelli Ensino e aprendizagem da Educação Ambiental

valorizada e não repelida como diante dos objetivos e alcances da tidiana dos estudantes. O diário das habilidades e desejos indivi-
nos outros espaços da Gloriosa” MIP pode atrapalhar o processo. de bordo é realizado individual- duais.
(Estudante da Disciplina de EA, mente de acordo com interesses
2017) c) A MIP tem como objetivo po- e motivações de cada autor. Os re- a) No início do semestre letivo,
Foram identificados limitan- tencializar cada estudante a re- gistros são compartilhados com os estudantes são apresentados
tes ao desenvolvimento das MIPs, fletir sobre o processo de ensi- os responsáveis pela disciplina à proposta de diário de bordo e
destacam-se três: a) tempo ne- no-aprendizagem e a visualizar periodicamente. convidados a utilizá-lo. Em al-
cessário para compreensão e en- o potencial da aprendizagem guns casos o diário de bordo é um
volvimento com a proposta; b) quando os educandos estão ge- A proposta de um Diário de Bor- dos instrumentos de avaliação de
do nasce deste desejo de rom-
capacidade do educador de apre- nuinamente envolvidos com o per com mais uma engrenagem composição da nota final indivi-
sentar e motivar; c) Falta de con- processo. Dessa forma, provoca da linha de montagem, que se dual, com critérios construídos
tinuidade da ação desenvolvida um olhar para o ensino sobre o exemplifica numa pergunta cole- coletivamente entre professor,
tiva que ecoa em todas as salas
na vida dos estudantes: desconti- qual estão envolvidos almejan- de aula: “Professor, isto é para monitores e estudantes. A avalia-
nuidade dos objetivos da MIP na do uma transformação dos pro- copiar?” Em outras palavras, es- ção das disciplinas é processual
vida dos estudantes, cessos de ensino aprendizagem tamos na hora de romper com a e iluminativa e, portanto, o diá-
na Educação Superior. Apesar de fixação e repetição do lugar epis- rio de bordo é um instrumento
têmico do outro, no caso, o pro-
a) Sendo a técnica de ensino não haver uma sistematização fessor, de sua lógica, com seus importante de acompanhamen-
aprendizagem diferenciada das metódica dos dados colimados ao sentidos e suas paragens, com um to do desenvolvimento discente.
habituais, em especial, por exigir longo dos anos que essas discipli- percurso de pensamento, de sen- Alguns autores denominam este
sibilidade e estética, com a sele-
que os estudantes sejam ativos nas são oferecidas, para aferir os tividade de alguns autores e suas tipo de avaliação formativa: “tra-
no processo de ensino-aprendi- potenciais impactos da MIP na vi- formas de subjetivar, enfim, com ta-se de uma avaliação interativa,
zagem é necessário tempo para são de ensino-aprendizagem dos a fixação de sentidos, de ensina- centrada nos processos cogniti-
mentos... tudo isso sempre pla-
amadurecimento da proposta. estudantes, há indícios de que es- nejado previamente, delimitando vos dos alunos e associada aos
Sendo as disciplinas semestrais, tes objetivos se perdem quando marcos zero e pontos de partida, processos de feedback, de regu-
mostrou-se importante dedicar observa-se a participação deles mirando pontos de chegada e lação, de auto-avaliação e de au-
desperdiçando processos de ex-
tempo desde o início da mesma em reuniões sobre revisão dos trema riqueza que acontecem no to-regulação das aprendizagens”
para dialogar sobre a MIP e assim currículos da graduação. As MIP cotidiano das salas de aula e fora (FERNANDES, 2006, p.234 ).
possibilitar seu planejamento, não foram suficientes para provo- delas (MELLO, 2016, p. 200).
ação e reflexão. Porém, a não exis- cá-los a defenderem outros mo- b) O diário de bordo pode se
tência deste tempo pode prejudi- delos de educação? Este trabalho indica cinco tornar um instrumento impor-
car a boa realização da proposta. virtudes do diário de bordo: a) tante de aproximação entre os
Diário de Bordo acompanhamento individual da educandos e educadores, pois
b) Na mesa direção é impres- Outra estratégia pedagógica é aprendizagem dos estudantes; permite que os educadores “en-
cindível o papel do educador no o diário de bordo. Um instrumen- b) aproximação entre educando trem no mundo” do educando,
processo, enquanto, mobilizador. to de registro regular, objetivo ou e educadores; c) exercício e apri- permitido por ele mesmo através
Desta forma, é imprescindível subjetivo, envolvendo conteúdos, moramento da escrita e estimula dos registros. Essa aproximação
que ele esteja preparado e empol- sentimentos, insights e análises a organização de ideias e refle- frequentemente se desdobra no
gado para apresentar a proposta. motivadas a partir da disciplina xões individuais; d) fortalece as incremento de confiança e com-
A falta de clareza do educador e da relação desta com a vida co- associações entre a disciplina e o prometimento, elementos que
cotidiano; e) promove o exercício

52 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 53


Vivian Battaini; Marcos Sorrentino; Rachel Trovarelli Ensino e aprendizagem da Educação Ambiental

podem potencializar o processo dual, permite que o autor exer- b) Frequentemente os estudantes devido a demanda de tempo de
de ensino aprendizagem. cite seus desejos e habilidades apresentam dificuldade de exer- acompanhamento e retorno ao
que vão desde a forma de registro citar a escrita analítica e argu- material.
c) O diário estimula o exercício (poesia, texto, desenho, colagem, mentativa, envolvendo reflexões
da escrita, tanto descritiva quan- etc) até o conteúdo dos mesmos e apresentação de ideias. Muitas O diário de bordo tem contri-
to analítica, contribuindo para (objetivo, subjetivo, abstrato, vezes eles demonstraram capa- buído no fortalecimento dos con-
organização de ideias e reflexões. simbólico, linear, etc). cidade de oratória envolvendo ceitos de identidade e diálogo nas
Frequentemente observamos essas características, mas por ou- disciplinas:
nos estudantes certa dificulda- Mas, o uso do diário de bordo tro lado demonstram dificuldade
de de compreensão de questões também vem acompanhado por de escrita e muitas vezes não se Estimular o exercício do diálogo
é um desafio e uma necessidade
socioambientais complexas, com gargalos. Dentre eles: a) Com- mostram abertos a experimentá- para a Educação Ambiental que
muitas inter relações e conexões preensão dos estudantes do po- -la, praticá-la e exercitá-la. queremos realizar: aquela que
com diferentes temáticas e áreas tencial do instrumento; b) exer- fortalece e confere autonomia
e confiança aos indivíduos, que
do conhecimento. A escrita perió- cício da escrita; c) exercício de c) Algumas vezes o diário se tor- promove a coexistência equili-
dica e analítica contribui para a análise, para além de descrições; na um instrumento burocrático, brada entre as tradições, entre a
compreensão e visualização des- d) dificuldade de leitura e devolu- “para entregar”, mesmo que não tecnologia e o jeito simples de ser.
sas relações. tiva dos educadores. haja pressão direta dos educa- O diálogo é a via de acesso para a
democratização das identidades
dores nesse sentido. O diário é e saberes diversos (SORRENTINO
d) O fortalecimento da relação a) Algumas vezes os estudantes apresentado como uma opor- et.al. 2013, p.37).
entre a disciplina e o cotidiano não compreendem no início do tunidade, inclusive de avaliação
é respaldada por Freire (1987; semestre letivo o potencial deste processual. No entanto, o desafio Os resultados demonstraram-
1997) enfatizando a construção instrumento. Alguns enunciam de escrita, para além da descrição -se positivos sob o ponto de vista
de autonomia para que os estu- que consideram chato fazer os de conteúdos e fatos, pode envol- do envolvimento e participação,
dantes possam “ler o mundo”. A registros, ou que não tem esse há- ver uma dificuldade analítica ou restando questionamentos sobre
partir do conhecimento da pró- bito, ou ainda que se sentem des- então evidencia uma visão buro- o real aprofundamento de con-
pria realidade, o processo de en- confortáveis em fazê-lo. Em mui- crática do instrumento. teúdos específicos.
sino aprendizagem busca o com- tas ocasiões, houve depoimentos É perceptível o desenvolvi-
prometimento dos educandos na de estudantes que no início das d) Em turmas numerosas, de 30 mento do protagonismo, autono-
transformação e ressignificação aulas pensavam dessa forma e ou mais estudantes, é um desa- mia e capacidade de articulação
do contexto que estão inseridos. com o passar dos meses muda- fio para os educadores, especial- de conteúdos e ações nos estu-
Assim, a reflexão analítica envol- ram de opinião e se envolveram mente para o professor quando dantes. De forma geral, os estu-
vendo registro no diário de bordo com o instrumento, reconhecen- não possui monitores, realizar a dantes se envolvem na disciplina,
é uma estratégia que contribui o do suas potencialidades. Mesmo leitura atenta e dar uma devolu- em especial, nas intervenções
exercício de leitura do mundo e assim, registra-se as dificulda- tiva a cada um dos estudantes via educadoras ambientalistas.
busca de estratégias de transfor- des do professor e monitores de diário de bordo. É interessante Na página a seguir, apresenta-
mação. apresentarem as potencialidades que o diário de bordo seja entre- mos um quadro que sistematiza
do diário de forma atrativa e cla- gue duas ou três vezes no semes- as considerações até aqui apre-
e) Sendo o diário de bordo um ra. tre, no entanto, muitas vezes tal sentadas sobre as duas técnicas
instrumento de registro indivi- procedimento se torna inviável de ensino aprendizagem:

54 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 55


Vivian Battaini; Marcos Sorrentino; Rachel Trovarelli Ensino e aprendizagem da Educação Ambiental

fissionalizantes que preparem ciplina e sobre a relação dela com


mão de obra para o mercado. a vida cotidiana dos estudantes,
A perspectiva de estudantes realizados individualmente, de
protagonizarem a sua própria acordo com seus interesses e mo-
formação como profissionais e tivações. Os educadores respon-
cidadãos/cidadãs que dialogam sáveis pela disciplina acompa-
com o campo do ambientalismo, nham o registro nos diários.
utopias e educação emancipató- É perceptível o desenvolvi-
ria, possibilita a construção de mento do protagonismo, autono-
programas das disciplinas que mia e capacidade de articulação
sejam apresentados, dialogados e de conteúdos e ações nos estu-
reformulados de forma colabora- dantes. De forma geral, os estu-
tiva entre professor, monitores e dantes se envolvem na disciplina,
estudantes. em especial, nas intervenções
Atividades que envolvam a educadoras ambientalistas.
condução de parte das aulas pe- O uso das técnicas citadas su-
los estudantes, a realização de pe- gere favorecer o desenvolvimento
Considerações Finais ro. quenas intervenções educadoras de sujeitos comprometidos com
O uso das técnicas citadas O compromisso com uma edu- de caráter ambientalista - MIP, o transformações de seu território
pode favorecer o desenvolvimen- cação superior, pública, gratuita, estudo de textos, as autoavalia- e apresenta-se como proposta de
to de sujeitos comprometidos de qualidade e com todos, deve ções e elaboração de pequenos aprimoramento de processos de
com transformações em seus ter- apostar na construção de autono- documentos escritos em seus ensino aprendizagem na educa-
ritórios e apresenta-se como pro- mias, individuais e coletivas, por diários de bordo são técnicas que ção superior.
posta de transformação dos pro- meio de processos autogestioná- se destacam pelo se potencial de
cessos de ensino aprendizagem rios e autoanalíticos, nas salas de promover aprendizagens signifi- Referenciais
na educação superior. aulas e nas instituições como um cativas. ACOSTA, A. Bem Viver: Uma
O papel desempenhado pelas todo. É importante a compreen- Nas MIP o estudante planeja, oportunidade para imaginar ou-
disciplinas em foco parece ser o são de que o estudante é um adul- executa e analisa criticamente tros mundos. São Paulo. Editora
de estimular qualidades emanci- to e como tal deve criar a capaci- uma intervenção, em grupo ou Elefante, 2016.
patórias, tais como: aprender a dade de direcionar o seu próprio individualmente, com o objetivo BATZÁN, A. Etnografía. Méto-
trabalhar em grupo, fundamentar aprendizado. Tal compreensão de projetar, vivenciar e articular dos cualitativos en investiga-
suas propostas e aprender a pro- alicerça-se em uma visão de Edu- os conteúdos da disciplina com ción socio-cultural. Barcelona:
jetar. É necessária a realização de cação que exige a autonomia sen- a sua realidade. As temáticas e as Editorial Boixareu Universita-
pesquisas relacionadas ao incre- do cultivada em todas as dimen- técnicas utilizadas são escolhidas ria, 1995.
mento da potência de ação dos sões das unidades universitárias, pelos estudantes e acompanha- BIESTA, G. Para além da apren-
estudantes que passaram pelas distanciando-se de modelos das pelo docente e monitoras(es) dizagem. Educação Democrática
disciplinas, no sentido de averi- neoliberais que compreendem a das disciplinas. para um futuro humano. Coleção
guar se caminharam na busca por educação superior apenas como O diário de bordo possibilita Educação experiência e sentido.
projetos de aproximação do futu- transmissora de conteúdos pro- os registros regulares sobre a dis- Editora Autêntica. 2013.

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60 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 61


Foto: Giseli Dalla Nora

Janela do Museu do Mar, A EA e os alunos com NEE – Atividades da Vida Diária (AVD), a água
em Fisterra, na Galícia. e sua utilização sustentável

Olga Santos1
Carla Gomes2
Mário Oliveira3

Resumo
O presente artigo tem como objetivo dar a conhecer atividades desenvolvidas na
disciplina de Ciências da Natureza, do 6º ano de escolaridade, com alunos com
Necessidades Educativas Especiais (NEE), tendo subjacentes Atividades da Vida
Diária (AVD) relacionadas com o consumo de água, visando a consciencialização
para a importância deste recurso, bem como da necessidade da racionalização do
seu consumo.
A água potável é um bem cada vez mais escasso, sendo a sua utilização e gover-
nança sustentáveis, cada vez mais, um propósito que deverá envolver Toda a co-
munidade, o que implica incluir crianças/jovens com NEE, as quais poderão/deve-
rão também contribuir para alcançar tais desígnios.
Considerando a Escola uma instituição de ensino e aprendizagem essencialmente
formal, onde o conhecimento do recurso água, a sua gestão e utilização sustentá-
veis são conteúdos curriculares de abordagem obrigatória para todos os alunos,
foi elaborado um conjunto de atividades práticas alicerçadas nas AVD, permitindo
dessa forma o envolvimento direto dos alunos com NEE nas mesmas, tornando-os
cidadãos de pleno direito, mais conhecedores e, consequentemente, mais inter-
ventivos na comunidade e ambiente que integram.
Palavras Chave: Educação Especial, Educação Ambiental, Inclusão, Atividades da
Vida Diária.

Abstract
The purpose of this article is to present activities developed in Natural Sciences
discipline, of the 6th year of schooling, with students with special educational
needs, with underlying daily life activities related to the consumption of water,
aiming to raise awareness of the importance of this resource, as well as the need
to rationalize its consumption.
Potable water is an increasingly scarce resource, and its use and governance are in-
creasingly sustainable, a purpose that should involve the whole community, which
implies including children/young people who can/should also contribute to achie-
ve such goals.
Considering the School an essentially formal teaching and learning institution,
where knowledge of the water resource, its sustainable management and use are
mandatory curricular contents for all students, a set of practical activities based
on the daily life activities were elaborated, thus allowing the direct involvement
of all students in them, making them citizens with full rights, more knowledgeable
and consequently more involved in the community and environment that they
integrate.
Keywords: Special Education, Environmental Education, Inclusion, Activities of
Daily Living.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 63


Olga Santos; Carla Gomes; Mário Oliveira A EA e os alunos com NEE

A Educação Ambiental (EA) vens com NEE, as quais poderão/ nos que compunham o grupo tur- ção de ambientes saudáveis.
promove a aquisição de capaci- deverão contribuir para alcançar ma, cinco tinham NEE, sendo que
dades, comportamentos e atitu- tais desígnios. três deles beneficiavam de Currí- Para os alunos com CEI, as me-
des imprescindíveis para man- Considerando a Escola uma culo Específico Individual (CEI). tas foram simplificadas nos se-
ter o equilíbrio entre o Homem instituição de ensino e aprendiza- Dos alunos com CEI, apenas dois guintes objetivos:
e o Ambiente no que tange aos gem essencialmente formal, onde tinham contemplada a disciplina - Identificar tipos de poluição
seus recursos naturais limitados, o conhecimento do recurso água, de CN no seu currículo, ainda que do ar, água e solo.
como é exemplo a água. Urge, a sua gestão e utilização susten- na atividade também tivesse par- - Mencionar medidas de con-
assim, sensibilizar todos os ci- táveis são conteúdos curriculares ticipado uma aluna que não tinha trolo da poluição.
dadãos do planeta para que os de abordagem obrigatória para esta disciplina contemplada no
impactos negativos a este nível todos os alunos, foi elaborado um respetivo CEI. Relembramos que, Das atividades exploradas, a
sejam minimizados. Quando re- conjunto de atividades práticas, “mais do que informações e con- atividade, denominada “Consu-
ferimos todos os cidadãos, in- promovendo uma abordagem ceitos, a escola se disponha a tra- mo de água e os seus impactes”,
cluímos os que são portadores educacional inovadora, alicerça- balhar com atitudes, com forma- pretendeu sensibilizar os alunos
de deficiência, que não devem das nas Atividades da Vida Diária ção de valores e com mais ações para o desperdício de água e para
ser esquecidos do cômputo das (AVD), permitindo, dessa forma, práticas do que teóricas para que a utilização mais eficiente e sus-
atividades veiculadas pela EA, o envolvimento direto dos alunos o aluno possa aprender a respei- tentável da mesma. Antes da ex-
com o objetivo de formar cida- com NEE nas mesmas, tornan- tar e praticar ações voltadas à ploração desta atividade pelos
dãos informados e esclarecidos. do-os cidadãos de pleno direito, conservação ambiental (Medei- alunos, foi feita uma introdução
A EA deve ter a preocupação de mais conhecedores e, consequen- ros, et al, 2008). à temática, visando simultanea-
desenvolver atividades de acordo temente, mais interventivos na As atividades aplicadas inte- mente motivá-los para o tema,
com o perfil de funcionalidade de comunidade e ambiente que inte- gram-se no currículo de CN do tendo sido visionado e explorado
cada um dos seus destinatários, gram. 6.ºano de escolaridade, um filme vídeo. Foi, posterior-
almejando que cada cidadão pos- O trabalho desenvolvido foi - no Domínio II – Agressões do mente, efetuada a revisão dos
sa dar o seu contributo, por mais aplicado nas aulas da disciplina meio e integridade do organismo, conteúdos programáticos lecio-
elementar que seja. de Ciências Naturais (CN), tendo e nados no 5.º ano sobre a disponi-
A água potável, essencial à vida decorrendo no laboratório de CN, - no Subdomínio 2 - Higiene e bilidade de água doce no planeta.
na Terra, é um bem cada vez mais envolvido alunos de uma turma problemas sociais. Após esta introdução, foi feita
escasso, sendo a sua utilização e de 6.º ano de escolaridade, e re- - nas Metas curriculares: a exploração da atividade 1, que
governança sustentáveis, cada sultante da frequência, pela do- 18.4. Indicar alguns exemplos apresentava várias questões-pro-
vez mais, um propósito que deve- cente, de uma ação de formação de diferentes tipos de poluição do blema.
rá envolver Toda a comunidade, continua destinada a professores ar exterior, da água e do solo. A Questão-problema I – O ser
o que implica incluir crianças/jo- daquele ciclo de ensino. Dos alu- 18.5. Descrever as consequên- humano utiliza água para que
cias da exposição a poluentes do fins?, foi resolvida individual-
ar interior e exterior, da água e do mente, tendo sido as respostas
1 Escola Superior de Educação e Ciências Sociais - IPL/iACT/NIDE. E-mail: olga.santos@
solo na saúde individual, nos se- registadas por escrito, como se
ipleiria.pt. res vivos e no ambiente. pode verificar pela figura 1, e pos-
2 Escola Secundária de Ourém. E-mail: carlagomes80@gmail.com. 18.6. Enumerar medidas de teriormente discutidas em grupo.
3 Escola Superior de Educação e Ciências Sociais - IPL/NIDE. E-mail: mario.oliveira@ipleiria.
controlo da poluição e da promo- As repostas alcançadas pelos alu-
pt.

64 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 65


Olga Santos; Carla Gomes; Mário Oliveira A EA e os alunos com NEE

nos, em grupo, foram sendo re- da atividade e alcançar os seus com todos os alunos em contex- fluenciados pelo processo. Com
gistadas no quadro branco, como objetivos, revelando dificuldades to de sala de aula, optando-se por efeito, processos desta natureza
se ilustra na figura 2. Os alunos no tocante ao registo escrito das enviar as questões 2 e 3 como ta- podem começar com o controle
com NEE resolveram a atividade mesmas. Esta situação justifica a refa para realizar em casa, com a dos consumos domésticos leva-
com a ajuda da professora e dos adequação dos materiais de re- ajuda e sensibilização dos pais. dos a cabo pela criança, podendo
colegas, tendo conseguido acom- gisto como se poderá verificar Esta situação pode contribuir de vir a ser modificados pelos pais,
panhar, oralmente, a evolução adiante. forma indireta para a conscien- se sensibilizados pelos seus fi-
cialização ambiental das crianças lhos, enquanto, simultaneamen-
Figura 1
envolvidas e repetivos pais/fami- te, contribuem como agentes ati-
liares, pois , de acordo com Betto vos nas suas aprendizagens.
(2005) e Pereira (2007), os filhos, Para facilitar o cálculo da
em muitos casos, herdam os im- quantidade de água gasta diaria-
Resposta de aluno sem NEE pulsos consumistas dos pais e do mente por cada aluno, tarefa que
Figura 2 ambiente em que convivem, in- teria de resolver em casa, foi-lhe
cluindo a atividades desenvolvi- fornecido o quadro 1, conten-
das pela família, em casa. Ora, en- do os valores de referência para
volvendo a família em reflexões consumos de água em diferentes
de natureza ambiental, será de atividades e equipamentos do-
esperar que todos os envolvidos mésticos, o qual foi devidamente
acabem por ser positivamente in- explorado em sala de aula.
Quadro 1

As várias respostas da turma à Questão-problema I –


O ser humano utiliza água para que fins?

Figura 3

Posteriormente, foi analisado


um gráfico circular, apresentado
ao lado, na figura 3, representati-
vo da utilização da água no plane-
ta, estimulando a discussão sobre Uso doméstico de água
as ideias dos alunos e procuran- por atividade ou equipamento

do que se constituísse como uma As questões II e III parece te- -problema formuladas. Algumas
síntese do que foi referido pelos rem despertado a curiosidade das respostas fornecidas pelos
mesmos. aos alunos, uma vez que todos as alunos sem NEE podem ser ob-
A questão-problema II – Que realizaram, fazendo as investiga- servadas nos registos constantes
quantidade de água gastas por ções necessárias para que fosse das figuras 4 e 5 apresentadas a
Utilização da água no planeta
dia?, foi explorada em conjunto possível responder às questões- seguir.
(Fonte: Unesco/2003)

65 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 66


Olga Santos; Carla Gomes; Mário Oliveira A EA e os alunos com NEE

Figura 4 As atividades para os alunos vimento das atividades deverão


com NEE foram adaptadas ao seu ser elaborados de acordo com a
desenvolvimento cognitivo, con- faixa etária dos envolvidos, bem
forme se pode constatar da análi- como o seu perfil de funcionali-
se da figura 6, pois, como referem dade. Todavia, foram mantidas as
(Giassi, et all, 2016), as atividades propostas de componente inves-
práticas, reflexivas e materiais di- tigativa presente na atividade dos
dáticos necessários ao desenvol- demais alunos.

Figura 6

Resposta de um aluno sem NEE à Questão-


-problema II

Figura 5

Resposta de um aluno sem NEE a uma Resposta de um aluno com NEE e grelha de
atividade proposta registro adaptada

68 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 69


Olga Santos; Carla Gomes; Mário Oliveira A EA e os alunos com NEE

A Questão-problema III: Como no reservatório do autoclismo” Figura 8


podes diminuir a consumo do- pode contribuir para reduzir o
méstico de água?, foi realizada consumo de água; face a essa di-
em grupo, com todos os alunos, ficuldade, não assinalaram essa
sendo de seguida apresentada opção, como se pode verificar
à turma. Os alunos com CEI não através da análise do registo efe-
conseguiram perceber como “co- tuado, apresentado na figura 7.
locar uma garrafa cheia de água

Figura 7

Resposta de um aluno com NEE

Na questão problema III “como O trabalho desenvolvido com


podes diminuir o consumo do- todos os alunos, incluindo os que
méstico e água?”, é possível perce- têm NEE, reforça a importância Resposta de um aluno sem NEE
ber que, de forma geral, os alunos da escola e “do papel da educação
sem NEE revelaram saber como na compreensão das questões
proceder de forma a contribuir ambientais, que usando ou não o dade e a compreensão crítica da os alunos com NEE desenvolvam
para essa redução. Estes alunos adjetivo ambiental, proporcione complexidade do mundo contem- a sua autonomia e, enquanto ci-
conseguem referir algumas alter- nas escolas espaços de sensibi- porâneo” (Giassi, et all, 2016, p. dadãos mais informados, possam
nativas tecnológicas para minimi- lização e capacitação de alunos 28). A criança só aprende aqui- dar o seu contributo, também no
zar os consumos, como adquirir para uma tomada de consciência lo que vive concretamente. Para que respeita às questões ambien-
autoclismos com duas descargas, e ações concretas, aquisição de isso podem e devem ser explo- tais, considerando “um processo
conforme se pode constatar na fi- conhecimentos que permitam radas situações concernentes às num viés mais problematizador
gura 8, na página seguinte. sua integração com a comuni- atividades da vida diária para que direcionado para as questões

70 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 71


Olga Santos; Carla Gomes; Mário Oliveira A EA e os alunos com NEE

mais próximas do contexto de sador de mudança já que os mes- estas preocupações e desígnios XEIRA, F., TENREIRO-VIEIRA,
vida dos participantes” (Giassi, mos relatam “que nas escolas, deverão, estar continuamente C., VIEIRA, R., RODRIGUES, A.
et all, 2016, p. 29). É importante muitas vezes lhes é solicitado que presentes na formação dos seus V. e COUCEIRO, F. (2006). Edu-
que ela faça suas próprias desco- tratem de temas ambientais, que professores e nas práticas letivas cação em Ciências e Ensino
bertas através da manipulação, desenvolvam projetos de Educa- de Todos os alunos. Experimental no 1ºCiclo EB.
exploração do ambiente físico-so- ção Ambiental com seus alunos e Formação de Professores. Lis-
cial, como sucedeu na tarefa em que nem sempre sentem-se pre- Referências boa: Ministério da Educação.
que os alunos tiveram de pesqui- parados para isso” (Giassi, et all, BARCELOS, V. (2009). Octávio MARTINS, I. P., VEIGA, L., TEI-
sar, em suas casas, os consumos 2016, p. 29). Paz – Da Ecologia Global à Edu- XEIRA, F., TENREIRO-VIEIRA, C.,
de água efetuados por si e respe- A importância da abordagem cação Ambiental na Escola. Lis- VIEIRA, R., RODRIGUES, A. V. e
tiva família. das temáticas ambientais na for- boa: Instituto Piaget. COUCEIRO, F. (2010). Sustenta-
Ao proporcionar a crianças mação de professores que tra- BETTO, F. (2005). A publici- bilidade na Terra - caderno de
com NEE exploração de ativida- balham com alunos com NEE é dade infantil deve ser discu- registos para crianças. Lisboa:
des relacionadas com o seu quo- tanto mais importante quanto tida em sala de aula. Portal Ministério da Educação.
tidiano, “a sociedade ganha, pois Sauvé (s/d) defende que o ideal Aprendiz. Rio de Janeiro, 22 MARTINS, I. P., VEIGA, L., TEI-
teremos cidadãos mais prepara- seria que a compreensão dos de junho de 2012. Disponível XEIRA, F., TENREIRO-VIEIRA,
dos para enfrentar os desafios processos educativos consideras- em: <http://portal.aprendiz. C., VIEIRA, R., RODRIGUES,
da sociedade atual cujo maior di- se uma visão complementar do uol.com.br/2012/06/22/ A. V. e COUCEIRO, F. (2010).
lema gira na solução dos proble- ambiente, de uma forma cumu- frei-betto-%E2%80%9Ca- Sustentabilidade na Terra -
mas ambientais, pois envolvem lativa, através de uma cuidadosa -publicidade-infantil-deveria- guião didático para professo-
aspectos econômicos, sociais, re- intervenção, ou preferencialmen- -ser-discutida-em-sala-de-au- res. Lisboa: Ministério da Edu-
cursos naturais, éticos entre ou- te, utilizando um enfoque pe- la%E2%80%9D/>. Acedido cação.
tros (Giassi, et all, 2016, p. 31). dagógico integrado. Até porque em 16 de março de 2015. MEDEIROS, A. B.; MENDONÇA,
Considerando que, conforme a cada dia que passa, a questão FLANNERY, T. (2008). O Clima M. J. S. L.; SOUSA, G. L. de; OLIVEI-
anteriormente referido, as ativi- ambiental tem sido considerada está nas nossas mãos – história RA, I. P. (2011). A Importância da
dades descritas foram realizadas prioritária no sentido de ser tra- do aquecimento global. Cruz Que- educação ambiental na escola nas
na sequência de um curso de for- balhada com toda sociedade e, brada: Estrela Polar. séries iniciais. Revista Faculda-
mação contínua de professores, principalmente, nas escolas, pois GIASSI, M. G.; DAJORI, J. F.; MA- de Montes Belos, v. 4, n. 1.
tomou-se consciência que o ca- “as crianças bem informadas so- CHADO, A. C.; MARTINS, M. C. PENTEADO, H. D. (2010). Meio
minho a percorrer neste domínio bre os problemas ambientais vão (2016). Ambiente e Cidadania: Ambiente e Formação de
ainda é longo, mas essencial para ser adultas mais preocupadas educação Ambiental nas esco- Professores. São Paulo: Cor-
a sociedade em geral e para as com o meio ambiente, além do las. Revista de Extensão, Cri- tez Editora.
crianças com NEE mais em par- que elas vão ser transmissoras ciúma/SC, v. 1, n. 1. PEREIRA, L. F. (2007). Que infân-
ticular. Acreditamos que, neste dos conhecimentos que obtive- GONÇALVES, F.; PEREIRA, R.; cia estamos construindo? Folha
domínio, a desejável renovação ram na escola sobre as questões AZEITEIRO, U. M. M.; PEREIRA, M. de São Paulo, São Paulo, 12 out.
de práticas inovadoras poderá ambientais em sua casa, família e J. V. (2007). Atividades Práticas 2007. Disponível em: <http://
residir na formação e motivação vizinhos” (Medeiros, et al, 2008, em Ciências e Educação Am- www1.folha.uol.com.br/fsp/opi-
dos professores, podendo ser a p. 2). Pretendendo-se que a es- biental. Lisboa: Instituto Piaget. niao/fz1210200709.htm>. Ace-
sua formação contínua um catali- cola seja efetivamente inclusiva, MARTINS, I. P., VEIGA, L., TEI- dido em 16 março de 2017.

72 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 73


Olga Santos; Carla Gomes; Mário Oliveira A EA e os alunos com NEE

PEREIRA, R.; GONÇALVES, F.;


AZEITEIRO, U. (2016). Ativi-
dades Práticas em Ciências
e Educação Ambiental – II.
Lisboa: Instituto Piaget.
SAPELLI, M. L. S.; FREITAS, L. C.;
CALDART, R. S. (2016). Caminhos
para transformação da escola
3. São Paulo: Editora Expressão
Popular.
SAUVÉ, L. Educação ambien-
tal e desenvolvimento sus-
tentável: uma análise comple-
xa. Disponivel em www.arvore.
com.br. Acedido em 9 de se-
tembro de 2017.

74 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 75


Poconé, localizada no estado de Crianças com NEE, Ensino Experimental das Ciências e Educação
Mato Grosso. Ambiental – perspetiva integradora

Cátia Sousa1
Olga Santos2
Mário Oliveira3
Foto: Michèle Sato

Resumo
O presente artigo tem como finalidade dar a conhecer algumas atividades desen-
volvidas com alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE), pertencentes a
uma turma de 1.º ano de escolaridade, recorrendo à metodologia enformada pelo
Ensino Experimental das Ciências e a temáticas ambientais pertinentes, como, por
exemplo, a utilização da água enquanto recurso cada vez mais escasso, domínio
em que a Educação Ambiental se revela preponderante.
Pretende-se que os alunos com NEE sejam cidadãos o mais autónomos e inter-
ventivos possível, numa sociedade cada vez mais complexa e consumista, onde as
escolhas de todos em geral, e de cada um em particular, poderão fazer a diferença
em termos de utilização racional e sustentável de recursos escassos e ameaçados
pela má gestão do ser humano.
Uma escola inclusiva tem a função, enquanto instituição, de criar condições para
que todos os alunos aprendam juntos, independentemente das dificuldades e das
diferenças, tal como preconizado pela Declaração de Salamanca. Sendo a temática
da água um conteúdo curricular de abordagem obrigatória para todos os alunos,
foi elaborado um conjunto de atividades práticas e experimentais com o intuito
de os ajudar a tomar consciência da importância da correta gestão da água e do
envolvimento de todos para alcançar tal propósito.
Palavras-chave: Ensino experimental das ciências, Educação Ambiental, Necessi-
dades Educativas Especiais

Abstract
The purpose of this article is to reveal the activities developed with a small group
of students with special educational needs (SEN), belonging to a class of 1st year
of primary education, using Experimental Teaching of Sciences methodology and
relevant environmental themes, such as the use of drinking water as an increa-
singly scarce resource, educational domain in which Environmental Education is
preponderant.
It is intended that students with SEN be the most autonomous and interventional
citizens possible in an increasingly complex and consumerist society where the
choices of everyone in general, and of each one in particular, can make the diffe-
rence in terms of rational use and sustainable use of resources scarce and threate-
ned by human mismanagement.
An inclusive school has the function, as an institution, to create conditions for all
students to learn together, regardless of difficulties and differences, as recommen-
ded by the Salamanca Declaration. Since the theme of water is a compulsory cur-
ricular content for all students, a set of practical and experimental activities were
developed to help them become aware of the importance of proper water mana-
gement and the involvement of all to achieve this purpose.
key words: Experimental Teaching of Sciences, Environmental Education, Special
Educational Needs

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 77


Cátia Sousa; Olga Santos; Mário Oliveira Crianças com NEE, ensino experimental das Ciências e Educação Ambiental

A Educação Ambiental deverá minho que deve ser seguido para tomada de consciência da pro- sivamente mais escasso, e onde
ser entendida e abordada como melhorar as condições ambien- blemática ambiental nas últimas a sensibilização para a temática,
um processo que pretende a clari- tais do planeta (…)” (Gonçalves, décadas, fez emergir um conjun- através do papel da Educação
ficação de conceitos e a interiori- et al, 2007, p.16). Quando se re- to de questões significativas para Ambiental, é preponderante.
zação de atitudes e valores, atra- fere “todos os intervenientes”, tal o desenvolvimento do currículo Com efeito, o ensino experi-
vés dos quais os indivíduos sejam implica que as crianças e jovens educativo, sendo a temática da mental das ciências permite de-
capazes de adquirir capacidades com Necessidades Educativas Es- água um conteúdo curricular de senvolver a capacidade de obser-
e comportamentos que lhes per- peciais (NEE) também devem ser abordagem obrigatória para to- var, comparar, questionar, prever,
mitam compreender e julgar, de esclarecidas e alertadas para tais dos os alunos. De acordo com a justificar e interpretar a reali-
forma crítica, as relações de in- problemáticas, uma vez que tam- OCDE (1991), “A multiplicação dade que nos rodeia, na medida
terdependência entre as socie- bém elas poderão dar o seu con- de iniciativas da Escola a favor em que através da experiência a
dades e o planeta (INA, 1989). tributo, muito significativo, nesta do ambiente é testemunho de criança vai construindo ou des-
Durante décadas, os problemas matéria, tornando-os cidadãos que um novo equilíbrio se ins- construindo o seu pensamento
ambientais passaram desperce- mais autónomos e interventivos, taura entre a concepção passiva e as suas ideias. Possibilita, de
bidos, sem qualquer preocupa- numa sociedade cada vez mais da aprendizagem e a concepção acordo com Sá (2002), “ajudar
ção para a humanidade, uma vez complexa e consumista, onde as dinâmica” (p.13), onde o ensino as crianças a pensar logicamen-
que se acreditava que a natureza escolhas coletivas em geral, e de experimental das ciências pode- te sobre o dia-a-dia e a resolver
tinha um comportamento mui- cada um em particular, poderão rá dar um contributo precioso, problemas práticos simples. Tais
to homogéneo e que os seus re- fazer a diferença em termos de proporcionando práticas peda- competências intelectuais serão
cursos naturais eram infindáveis utilização racional e sustentável gógico-didáticas inovadoras e úteis para elas onde quer que
(Gonçalves, et al, 2007). O avanço de recursos escassos e ameaça- facilitadoras da compreensão de vivam e independentemente da
desmedido da tecnologia descu- dos pela má gestão do ser huma- determinados fenómeno e con- profissão que vierem a ter” (p.
rou os efeitos que poderia vir a no. ceitos, ao mesmo tempo que se 32), especialmente quando se
causar em termos de impactos A Escola, denominada inclusi- torna um facilitador na aquisição trata de temáticas relacionadas
ambientais e hoje há situações va, tem a função, enquanto ins- de aprendizagens mais significa- com bens essenciais à vida, como
puramente catastróficas em ter- tituição, de criar condições para tivas e integradoras. é o exemplo da água potável.
mos de deterioração do planeta, que todos os alunos aprendam É neste sentido que surgiram
tornando-se as questões ambien- juntos, independentemente das as atividades desenvolvidas em Experiência em sala de aula
tais um problema central para to- dificuldades e das diferenças, sala de aula, numa turma de 1.º As atividades práticas/experi-
dos, ou pelo menos para os mais tal como preconizado pela De- ano de escolaridade, com alunos mentais desenvolvidas em con-
conscientes. Neste contexto, é claração de Salamanca (1999), com NEE, com recurso à metodo- texto de sala de aula, numa turma
fundamental “alertar e esclarecer abrangendo também as questões logia enformada pelo Ensino Ex- de 1.º ano, com alunos com NEE,
todos os intervenientes para o ca- relacionadas com o ambiente. A perimental das Ciências, que pro- aliadas a temáticas do domínio da
curaram, através de conteúdos e educação ambiental, decorrentes
conceitos específicos na área de da frequência de uma ação de for-
1 Agrupamento de Escolas D. Dinis.
Estudo do Meio, aliadas a ques- mação frequentada pela docente,
2 Escola Superior de Educação e Ciências Sociais – IPL / IACT / NIDE.
tões ambientais, como é exemplo pretenderam ajudar os alunos a
a correta utilização da água po- atingir determinados objetivos,
3 Escola Superior de Educação e Ciências Sociais - IPL/NIDE. tável enquanto recurso progres- nomeadamente, expandir o co-

78 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 79


Cátia Sousa; Olga Santos; Mário Oliveira Crianças com NEE, ensino experimental das Ciências e Educação Ambiental

Imagem 1 Imagem 2

nhecimento e a compreensão do sensorial, era privilegiada a ex-


mundo físico e biológico, estimu- ploração com os alunos da obser-
lar a curiosidade, compreender vação, registo, discussão e formu-
os fenómenos naturais que ocor- lação de conclusões.
rem no seu quotidiano e utilizar Antes da realização das ativi-
diversos procedimentos, capaci- dades práticas/experimentais,
dades e competências no âmbi- os alunos visionaram vídeos com
to dos processos da ciência, tais a finalidade de os alertar para Os alunos, recorrendo a um funil e a Os alunos, utilizando uma colher,
como observar, registar, compa- os problemas da poluição aquá- um copo graduado, colocavam em cada colocavam sal na água potável para lhe
rar, descrever e interpretar, entre tica no mundo, e lhes permitir, garrafa a mesma quantidade de água conferir sabor.
potável.
outros. de seguida, iniciar as atividades
Inicialmente, e em conversa- visando responder à questão
ção com os alunos, ficou decidido problema: “Como sabemos se a As fotografias 1 e 2 ilustram al- se deparavam com uma fonte ou
que uma vez por semana haveria água é “pura” e boa para beber?”. guns momentos da atividade em fontanário, nas saídas de campo
um espaço denominado “vamos Colocados perante a questão pro- questão, na qual os alunos recor- efetuadas à posteriori.
experimentar”, destinado a ati- blema, os alunos debateram as riam a material de laboratório ou, Outro desafio colocado aos
vidades de índole prática/expe- suas ideias, organizando-as e for- em alternativa, a materiais do seu alunos, relacionado com o seu
rimental, sendo que os alunos mulando-as enquanto hipótese a quotidiano, reutilizando-o, numa quotidiano, foi lançado através
iriam assumir o papel de peque- testar experimentalmente, recor- das etapas iniciais do procedi- da questão problema: “Porque
nos cientistas, estando direta- rendo sempre ao preenchimento, mento experimental, depois de mudam de cor as flores?”. Seguin-
mente envolvidos nas atividades tão exaustivo quanto possível, discutida e elaborada a carta de do a mesma metodologia, em que
que iriam se exploradas. de cartas de planificação, docu- planificação. se insistiu sempre na necessida-
Cada atividade teria como su- mento orientador e facilitador Salienta-se, a importância do de de planificar detalhadamente
porte uma carta de planificação, da compreensão da atividade, e envolvimento dos alunos com as atividades de forma a assegu-
onde constava uma questão-pro- não descurando a necessidade de NEE nestas atividade experimen- rar o correto controle das vari-
blema, em que os alunos teriam controlar as variáveis envolvidas. tais implicando realidades do áveis e o registo dos resultados
que seguir todos os procedimen- Dessa forma, após a realização seu quotidiano pois a aquisição alcançados, os alunos puderam
tos nela inscritos e realizar em de várias atividades com água destes novos conhecimentos re- comprovar experimentalmente
conjunto, com a supervisão da imprópria para beber (uma vez lacionados com a alteração das que as plantas que colocaram em
professora, a respetiva atividade que não se apresentava inodo- propriedades da água, em resul- água corada tinham ficado com
prática/experimental. Após ob- ra, insípida e/ou incolor), foram tado da dissolução/mistura de a cor do corante alimentar utili-
servarem e discutirem, em con- testadas as diferentes hipóteses diferentes solutos, se mostrou zado para na água, por oposição
junto, os resultados alcançados, formuladas pelos alunos, permi- relevante para a adoção de no- às depositadas em água incolor.
registavam as conclusões a que tindo-lhes comprová-las ou ne- vos comportamentos em situa- Na sequência da reflexão/deba-
chegaram, respondendo sempre gá-las e, naturalmente, ficar mais ções do seu dia-a-dia, como, por te sobre as conclusões que cada
à questão-problema. Noutras si- atentos, despertos e críticos rela- exemplo, reconhecer a água po- aluno retirou do procedimento
tuações, em que a atividade era tivamente aos temas trabalhados. tável e água não potável quando experimental levado a cabo, foi

80 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 81


Cátia Sousa; Olga Santos; Mário Oliveira Crianças com NEE, ensino experimental das Ciências e Educação Ambiental

possível aos alunos com NEE en- Dessa forma, foi possível aos Um outro tema abordado no dade, os alunos perceberam que o
tender melhor que as plantas, ao alunos refletir sobre os efeitos contexto de ensino experimental óleo não se misturou na água, tendo
obterem os nutrientes necessá- da bioacumulação sobre os or- associado a temáticas ambientais, formado uma camada que ficou a
rios à sua sobrevivência do onde ganismos vivos e apreender al- realizado com crianças com NEE, flutuar. No debate subsequente, foi
se instalam, podem, simultanea- guns cuidados básicos a ter com referiu-se à preocupante situação possível aos alunos relacionar esta
mente, absorver e incorporar ou- a aquisição e manuseamento de relacionada com a poluição dos situação com os impactes sobre os
tros compostos químicos – como, alguns dos alimentos a ingerir no oceanos e orlas costeiras decorren- seres vivos da eventual carência de
por exemplo, produtos fitofarma- seu dia-a-dia. te, em grande parte, de acidentes oxigénio em águas em que tenham
cêuticos existentes no solo e/ou As fotografias 3, 4, 5 e 6 refle- com petroleiros. Nesse âmbito, os sido/sejam lançados óleos ou ou-
água - facto que, no limite, pode tem algumas etapas associadas a alunos tentaram, recorrendo a uma tras substâncias gordurosas, por se
conduzir à sua contaminação e/ esta atividade experimental. atividade prática, ilustrada nas foto- encontrem isolados da atmosfera
ou morte. grafias 7, 8 e 9, responder à questão- pela película de óleo (gordura) que,
-problema: “O que acontece ao óleo por diferença de densidade, fica a
Imagem 3 Imagem 4 quando colocado em água?”. Na flutuar sobre a massa de água onde
sequência da realização desta ativi- existem e a isola da atmosfera.

Imagem 7 Imagem 8 Imagem 9

Os alunos, utilizando um conta-gotas, colocavam algumas gotas de Os alunos, utilizando um funil, colocaram óleo num copo graduado contendo água potável.
corante alimentar no recipiente onde se iriam colocar as flores. De seguida verificaram que se formava uma espessa camada de óleo à superfície, a qual poderia
impedir a passagem de gases (oxigénio) e de luz solar para a água.

Imagem 5 Imagem 6
Conclusão forma a motivá-los a encontra-
De acordo com Fialho (2010), rem respostas para as questões
“as actividades científicas de- problema colocadas e melhorar
vem partir de situações que as a sua compreensão dos fenóme-
crianças têm de interpretar ou nos em estudo. Desta forma, as
de problemas que têm de resol- atividades científicas, segundo
ver” (p.11), pelo que se conside- Fialho (2010), “permitem ex-
ra fundamental partir de proble- pandir o conhecimento e a com-
máticas ambientais associadas preensão do mundo físico e bio-
Os alunos observaram que as flores mudaram de cor, adquirindo a cor do corante alimentar ao quotidiano dos alunos, por lógico” (p.3), contextualizando os
adicionado à água. Ao fim de alguns dias, além da coloração adquirida, a flor estava a morrer.

82 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 83


Cátia Sousa; Olga Santos; Mário Oliveira Crianças com NEE, ensino experimental das Ciências e Educação Ambiental

conhecimentos, aprofundando os cipar nas atividades, seja o mais Referências bibliográficas


conceitos e estimulando a curio- profícua possível. Fialho, I. (2010). Ensino Experi-
sidade dos alunos, conforme se O facto de incluir alunos com mental. Exploração das activida-
constatou através da realização, NEE nas atividades exploradas des experimentais propostas no
pelos alunos, incluindo os alunos revelou vantagens a vários níveis. manual do aluno. Apresentação e
com NEE, do conjunto de ativida- Os alunos estiveram mais tempo exploração de outras actividades
des práticas/experimentais a que empenhados nas atividades pro- experimentais de apoio à prática
pertenciam as três atividades an- postas, tendo por isso apreendi- lectiva do Professor. Porto: Areal
teriormente referidas. do melhor os conceitos trabalha- Editores.
Refletindo sobre o trabalho dos. No entanto, trabalhar com Gonçalves, F.; Pereira, R.; Azei-
levado a cabo, e tendo em consi- turmas numerosas, onde estes teiro, U. M. M.; Pereira, M. J. V.
deração que o mesmo se desen- alunos estão incluídos, mas sem (2007). Atividades Práticas
volveu no âmbito de uma ação par pedagógico para auxiliar à em Ciências e Educação Am-
de formação frequentado pela realização das atividades e pro- biental. Lisboa: Instituto Pia-
docente que o realizou, pode-se porcionar aos alunos com NEE o get.
ainda concluir que as grandes seu espaço e facilitar a sua ação, Instituto Nacional do Ambiente
mudanças verificadas na prática torna-se num processo mais mo- (1989). Apontamentos de In-
pedagógica da mesma se refleti- roso e complexo, atendendo a que trodução à Educação Ambien-
ram aos seguintes níveis: apresentam ritmos diferentes tal. Instituto Nacional do Am-
- Do rigor colocado na seleção, dos demais alunos, decorrentes biente. Lisboa.
preparação e desenvolvimento das respetivas patologias. Agra- Ministério da Educação
das tarefas a realizar com os alu- va o facto de estes alunos, em (2004). Organização Curri-
nos; grupo/turma, reagirem de forma cular e programas- Ensino
- Do cuidadoso controlo das diferente e sentirem-se inibidos Básico -1º ciclo. Acedido em
variáveis envolvidas em cada um e inseguros, daí decorrendo a ne- 3/06/2017 em: http://metas-
dos estudos efetuados; cessidade de trabalhar mais afin- deaprendizagem.dge.mec.pt/
- Da supervisão das condições cadamente para que os outros metasdeaprendizagem.dge.
em que se realizaram as ativi- alunos os aceitem e respeitem no mec.
dades práticas e experimentais, seu tempo e espaço, tendo sido OCDE. (1991). A Ecologia e a Es-
bem como com o enquadramento esse objetivo atingido e tendo os cola. Porto: Edições Asa.
teórico das mesmas; alunos com NEE sido incluídos e UNESCO (1994). Declaração
- No envolvimento dos alunos participado com interesse e mo- de Salamanca e enquadra-
a nível psicomotor, cognitivo e tivação nas atividades propostas, mento da acção na área das
afetivo. evidenciando a sua adequação necessidades educativas es-
Permitiu, ainda, perceber com também para crianças com dife- peciais. Lisboa: Unesco (tra-
clareza o quanto é essencial que rentes ritmos de aprendizagem, dução portuguesa).
os alunos sejam verdadeiramen- decorrentes das patologias que
te motivados, para que a sua in- lhes estão associadas.
tegração e disposição para parti-

84 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 85


Alguns elementos de uma análise da integração da educação am-
biental nos currículos escolares do ensino básico e secundário em
Cabo Verde

Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto1


Foto: Michèle Sato

Resumo
No ano de 2012, foi realizada uma Avaliação da Integração da Educação Ambiental
nos novos currículos escolares em Cabo Verde (ensino básico e secundário). Foram
visitadas seis instituições de ensino, sendo três de ensino básico (duas com currí-
culo novo e uma com currículo antigo) e três de ensino secundário uma com currí-
culo novo e duas com currículo antigo), todas na Ilha de Santiago. O novo currículo
foi avaliado positivamente quanto à integração da EA e foram elaboradas orienta-
ções estratégicas, buscando contribuir com o aperfeiçoamento do processo.

Palavras-Chave: Educação Ambiental, Cabo Verde, Curriculum Escolar, Ensino Fun-


damental e Secundário.

Abstract
In the year 2012, an Environmental Education Integration Assessment was carried
out in the new school curricula in Cape Verde (primary and secondary education).
Six teaching institutions were visited, three of which were basic education (two
with a new curriculum and one with an old curriculum) and three from secondary
education, one with a new curriculum and two with a curriculum vitae), all on
Santiago Island. The new curriculum was evaluated positively regarding the inte-
gration of the EE and strategic guidelines were elaborated, seeking to contribute
with the improvement of the process.

Keywords: Environmental Education, Cape Verde, School Curriculum, Elementary


and Secondary Education.

1NUPEEA/UFSB – Núcleo de Pesquisa e Extensão universitária em Educação Ambiental/


Ponta Grossa, cidade brasileira Universidade Federal do Sul da Bahia/Brasil.
situada no estado do Paraná
e-mail: alegubcp@gmail.com

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 87


Alguns elementos de uma análise da integração da educação ambiental nos cur-
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto rículos escolares do ensino básico e secundário em Cabo Verde

Do contexto... programas dos Ensinos Básico e letivas do trimestre e, que, a se- fundo favorável à integração de
No início da segunda década Secundário (primeira fase e pri- leção das instituições de ensino um tema importante para o de-
do século XXI, Cabo Verde estava meiro ciclo, respetivamente) inte- visitadas, bem como os interlocu- senvolvimento e futuro de Cabo
a implementar uma reforma cur- graram efetivamente as questões tores do MED e do IP foi efetuada Verde. E, que as considerações e
ricular que buscava a transforma- ambientais de forma transversal pela REA. recomendações que se seguiram
ção dos programas curriculares no currículo; A Educação Ambiental (EA) é tiveram o intuito de contribuir
em duas vertentes fundamentais: - Elaborar orientações para a in- aqui compreendida a partir dos aprimoramento do processo.
a) Passar de uma metodo- tegração dos aspetos relaciona- documentos oficiais produzidos No que diz respeito ao ensino
logia de ensino conteudista para dos com o ambiente marinho e em conferências internacionais básico, a integração está facili-
uma metodologia baseada em costeiro aos novos currículos es- sobre o tema, como o Tratado de tada, pois trata-se de um regime
competências; colares. Educação Ambiental para Socie- de monodocência, os professores
b) Promover a integração Os novos programas centram dades Sustentáveis e Responsabili- isoladamente ou em grupo po-
nos currículos de temas transver- o modelo educativo nas compe- dade Global (Rio-92), a Agenda 21 dem abordar os temas de forma
sais de que é exemplo, e ancora, a tências, colocando o aluno como (Rio-92) e as recomendações da transversal e interdisciplinar.
Educação Ambiental. o centro do processo de aprendi- Conferência de Tibilissi (1977), Nos currículos avaliados no-
No ano de 2012, foi realizada zagem. como sendo um processo educa- tou-se um cuidado em integrar
uma consultoria para a Avaliação A metodologia utilizada foi a tivo vinculado à compreensão elementos socioambientais. Con-
da Integração da Educação Am- da pesquisa qualitativa, tendo crítica da realidade local/re- tudo, terá ficado um pouco au-
biental (EA) no currículo esco- como principais instrumentos gional/global e a processos de sente a interdisciplinaridade, por
lar (ensino básico e secundário) análise documental, entrevista intervenção nesta mesma reali- exemplo integrando artes, mate-
promovida pela parceria entre semi-estruturada e observação dade. mática, educação físico-motora e
Programa Regional de Educação participante. Entendendo-se como pensa- ciências integradas em torno das
Ambiental–PREE e REA-Rede Em visita ao terreno foram mento crítico aquele que é basea- simetrias de uma borboleta, num
da Educação Ambiental/UICN/ interlocutores membros de dife- do em informação factual sobre percurso pedestre com algum
PRCM. Cabe ressaltar que a auto- rentes instâncias do Ministério a realidade do hoje contextuali- tempo para observação e poste-
ra do presente texto fez parte da da Educação e Desporto (MED); zada sobre a realidade do ontem, rior representação de borboletas,
equipe de avaliadores. Instituto Pedagógico (IP); Escolas num processo reflexivo sobre as análise de simetrias, breve con-
Tal avaliação teve por objetivo do ensino básico e secundário. transformações ocorridas e os templação de sua beleza e refle-
geral trazer contribuições para o Foram visitadas seis institui- seus porquês – o que mudou? E, xão da sua importância ecológica.
fortalecimento da integração da ções de ensino - três de ensino porque mudou numa determina- Ou, do cálculo do comprimento
(EA) nos currículos escolares. Os básico (duas com currículo novo da direção? da mangueira para a rega gota-a-
objetivos específicos foram: e uma com currículo antigo) e -gota da horta da escola e refletir
- Avaliar o Plano de Açcão para três de ensino secundário uma Da análise... sobre como a água chega até a
Integração da Educação Ambien- com currículo novo e duas com Cabe destacar que os novos horta e sua importância, dada a
tal nos Ensinos Básico e Secun- currículo antigo), todas na Ilha de currículos foram avaliados posi- escassez hídrica em Cabo Verde.
dário - primeira fase do Ensino Santiago. tivamente quanto à integração da Nos currículos de ensino se-
Básico e primeiro ciclo do Ensino Não foi possível conversar com EA, indo ao encontro das propos- cundário, a assimetria da integra-
Secundário; alunos do ensino secundário em tas expressas nos documentos in- ção da EA foi mais marcada, pois
- Avaliar/verificar se os novos função do término das atividades ternacionais, criando um pano de há o desafio de conjugar disci-

88 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 89


Alguns elementos de uma análise da integração da educação ambiental nos cur-
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto rículos escolares do ensino básico e secundário em Cabo Verde

plinas diferentes lecionadas por uma turma de 1º ano, da pré-ex- as turmas aparecem casas, sendo o fato de esses projetos e ações
pessoas diferentes. perimentação e com o 3º ano, do estas todas iguais nos desenhos serem pontuais.
A leitura dos currículos apon- currículo antigo. dos alunos do currículo antigo.
tou a integração de elementos Com os alunos do 1º e 2os Na turma do currículo novo sur- Das estratégias
do ambiente de forma pontual. anos foi realizada uma “chuva de gem casas diferentes, as vezes Aqui são apresentadas, de for-
Alguns currículos, pela positiva, ideias” sobre o que é o ambiente com janelas, cortinas e portas ma sucinta, algumas estratégias
não só incorporaram elementos e o que faz mal ao ambiente e um abertas. de ação, que têm intuito de forta-
ambientais e do cotidiano, mas desenho livre sobre um tema, no Tais aspetos parecem apoiar lecer a integração de EA nos cur-
também buscam estimular um qual cada um escolheu o que con- uma maior audácia por parte dos rículos.
pensamento crítico no que diz siderava muito importante. alunos da pré-exprimentação, a. Para fortalecer a apren-
respeito à sustentabilidade e à Nas turmas da pré-experi- por ventura, menos “presos” ao dizagem por competências, dos
2
contextualização da ‘cadeia de mentação a participação foi mais medo de errar. A professora da alunos: formação de COM-VIDAs
porquês’ de um dado fato. imediata e os temas abordados turma em pré-experimentação, - Comissões de Meio Ambiente e
A maior dificuldade relatada foram mais diversificados. Os alu- do 2º ano, declarou que os alunos Qualidade de Vida nas Escolas.
refere-se à formação de formado- nos estiveram mais interessados, do novo currículo leem melhor e b. Interação com a Comu-
res. Embora existisse um progra- mantendo-se sossegados e par- começaram a ler mais cedo. nidade: diferentes estratégias e
ma de formação dos professores ticipando na dinâmica de forma Com a turma do 3º ano do temas podem ser utilizadas para
experimentadores, esta formação ordenada, sem que a professora currículo antigo, num jogo de as- gerar um proceso reflexivo so-
pareceu não corresponder inte- interferisse na atividade, diferen- sociação livre de palavras sobre bre o futuro desejado e sobre “o
gralmente às necessidades. Pois, temente do que ocorreu na turma ambiente, os alunos mostraram que podemos fazer coletivamente
foi uma formação condensada 2º ano do currículo antigo. algumas dificuldades em distan- para chegar lá”.
que necessitaria de continuidade Nos desenhos os temas abor- ciarem-se da palavra inicial. As c. Projetos Interdisciplina-
no tempo e de acompanhamento. dados incluíram: higiene; lixo; questões abordadas foram pre- res como atividade curricular re-
A formação foi conteudista, deta- ambiente marinho e biodiversi- dominantemente relacionadas gular e continuada, com destina-
lhando o que se entende por com- dade; fauna e flora; ações de pro- com a poluição e o lixo. ção de carga horária semanal.
petências, como se ensina por teção e conservação da natureza; A existência da REA aprece d. Formação de Formado-
competências, como se avalia por água e chuva. como um ponto positivo em prol res: processo baseado na ideia de
competências, mas não permitin- Destacam-se alguns aspetos do novo currículo na medida em “Cardápio”3, aos moldes de Cole-
do aos formandos (professores/ destes exercícios nas turmas de que ela dinamiza projetos e ações tivos Educadores4.
futuros formadores) aprender 2º ano: junto às escolas. O contraponto é e. Avaliação continua/perió-
por competências, vivenciando o - No grupo de currículo antigo,
próprio modelo. alguns dos alunos tiveram neces-
Durante a visita a duas das sidade de abrir o livro e copiar
2COM-VIDA:
escolas básicas foram realizadas desenhos. http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-continuada-alfabetizacao-
dinâmicas participativas com - No grupo da pré-experimenta- diversidade-e-inclusao/programas-e-acoes?id=17456; BRASIL, 2004.
alunos. Numa delas foram efetua- ção os desenhos tinham mais in- 3“Cardápio de Aprendizagem”: http://www.mma.gov.br/estruturas/educamb/_arquivos/
das atividades com alunos do 2º tervenção humana, com ‘balões encontros.pdf.
ano, uma turna do currículo novo de diálogo’.
4Coletivos
e outra do antigo. Na outra com - Em muitos desenhos de ambas Educadores: http://www.mma.gov.br/educacao-ambiental/formacao/item/363-
forma%C3%A7%C3%A3o-de-educadores-coletivos-educadores.

90 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 91


Alguns elementos de uma análise da integração da educação ambiental nos cur-
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto rículos escolares do ensino básico e secundário em Cabo Verde

dica do novo currículo. sos naturais ao longo do tempo


Da integração de elementos e chegar à literatura e à poesia,
marinhos e costeiros relacionando o mar e Cabo Verde,
Foram elencados grandes tópi- podendo trazer elementos para
cos considerados importantes de pensar a situação socioambiental
serem intergrados aos diferentes do país hoje e suas potencialida-
currículos. A título de exemplo des.
seguem abaixo, de forma resumi-
da, dois ‘contextos’ que buscam Referências Bibliográficas
explicitar a interrelação entre CABO VERDE. Currículos do En-
diferentes temas e subtemas pro- sino Básico e Secundário– novo
postos. currículo. Praia: Ministério da
Educação, 2011.
Contexto A CABO VERDE. Plano de Acção
A história da pesca em Cabo para a integração da Educa-
Verde remete-nos às espécies ção Ambiental no currículo
pescadas, seus habitats e a di- escolar. Versão 1. Praia: Mi-
nâmica ecológica dos mesmos, nistério da Educação e Ensino
assim como à construção de em- Superior – Direcção-Geral do
barcações tradicionais de pesca Ensino Básico e Secundário,
e, estas podem levar-nos à che- 2007.
gada da pesca industrial e às suas ONU. AGENDA 21. Conferência
consequências socias, econômi- das Nações Unidas para o Meio
cas, ambientais e políticas, pas- Ambiente e Desenvolvimento.
sar pela gastronomia local e pela Rio de Janeiro, Brasil, 1992.
confeção de artefatos, de ontem TRATADO DE EDUCAÇÃO AM-
e de hoje, e perpassar a questão BIENTAL PARA SOCIEDADES
de gênero na atualidade, remen- SUSTENTÁVEIS E RESPONSA-
tdo-nos às possíveis alternativas BILIDADE GLOBAL. Conferên-
sustentáveis para a pesca que in- cia das Nações Unidas para o
clua a igualdade entre mulheres e Meio Ambiente e Desenvol-
homens. vimento. Rio de Janeiro, Bra-
sil, 1992.
Contexto B UNESCO e PNUMA. TIBILISSI -
A história da colonização de Conferência Intergovernamen-
Cabo Verde – rota dos escravos tal sobre Educação Ambiental.
- que pode levar-nos ao modo UNESCO e Programa de Meio Am-
de vida da época e trazer daí as biente da ONU – PNUMA. Geórgia,
transformações do uso de recur- ex-URSS, 1977.

92 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 93


Foto: Michèle Sato

Rio de Janeiro, Brasil A educação Ambiental na Comunidade Rural de


Ekovongo-Bié/Angola

José Capitango1

Resumo
Ekovongo é uma comunidade rural, cuja população constrói as suas vivências
numa estreita relação com a terra e demais elementos que habitam a natureza.
Nas últimas décadas Ekovongo tem registado uma degradação acelerada do meio
ambiente causada principalmente pela exploração desregrada de florestas, leva-
da a cabo pelos produtores de carvão vegetal, para a sua comercialização, cujos
efeitos se repercutem no empobrecimento dos solos, e, por conseguinte, na baixa
produtividade agrícola.
No âmbito da investigação sob o tema “Educação e Desenvolvimento nas Comu-
nidades Ovimbundu de Angola: Estudo Etnográfico da Comunidade de Ombala
Ekovongo/Bié”, inserido no Programa de Doutoramento ainda em curso na Uni-
versidade de Santiago de Compostela, destacou-se entre vários objetivos o de
preservar a cultura local e o meio ambiente. O presente artigo objetiva, por um
lado analisar a problemática ambiental em seus aspetos mais comuns, por outro,
identificar os problemas ambientais que a comunidade enfrenta atualmente e os
saberes tradicionais que orientam a relação entre comunários e outros seres da
natureza, enquanto fatores de desenvolvimento, que na essência conformam as
representações sociais dos habitantes de Ekovongo em torno da problemática am-
biental.
Palavras-chave: Educação Ambiental, comunidade rural

Abstract
Ekovongo is a rural community whose population builds their experiences in a clo-
se relationship with the earth and other elements that inhabit nature. In recent
decades Ekovongo has registered an accelerated degradation of the environment
mainly caused by unregulated exploitation of forests, carried out by producers of
charcoal, for their commercialization. Whose effects are felt in the impoverish-
ment of the soil, and therefore in low agricultural productivity.
In the framework of the doctoral thesis on the theme: Education and Development
in Ovimbundu Communities in Angola: Ethnographic Study of the Community of
Ombala Ekovongo/Bié , still in progress at the University of Santiago de Compos-
tela, were formulated among others the goals of preserving the local culture and
the environment. This article aims, on the one hand, analyze the environmental
problematic in their common aspects; on the other, to identify environmental pro-
blems that the community faces today and the traditional knowledge that guide
the relationship between comunarios and other natural beings, as development
factors, which in essence make up the social representations of Ekovongo people
around the environmental problematic.
Keywords: Enviromental education, rural community.

1Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED-Luanda)

e-mail: josecapitango@yahoo.com.br

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 95


José Capitango A Educação Ambiental na comunidade rural de Ekovongo-Bié/Angola

Introdução problemas ambientais que a co- I - A problemática ambiental dependente de suas próprias for-
Ekovongo é uma comunidade munidade enfrenta atualmente, no contexto mundial ças, tendo por objetivo responder
rural, cuja população constrói as assim como os saberes tradicio- Em finais da década de 1960 à problemática da harmonização
suas vivências numa estreita rela- nais que orientam a relação entre e princípio da década de 1970 dos objetivos sociais e econó-
ção com a terra e demais elemen- humanos e outros seres da natu- assistiu-se a uma vaga de refle- micos do desenvolvimento com
tos que habitam a natureza. Essa reza, enquanto fatores de desen- xões e debates acerca dos limites uma gestão ecologicamente pru-
relação engloba as dimensões volvimento, que na essência con- do crescimento, que suscitaram dente dos recursos e do meio”.
(socioeconómica, cultural, reli- formam as representações sociais a primeira Conferência Mundial Uma segunda vaga de reflexões
giosa e espiritual) que se influen- dos habitantes de Ekovongo em das Nações Unidas sobre o am- teve lugar na década de 1980,
ciam mutuamente numa perfeita torno da problemática ambiental. biente humano, realizada em alimentada por uma tomada de
relação dialética. A terra é a base Assim, o artigo estrutura-se em Estocolmo em 1972, no âmbito consciência generalizada e um
da própria existência que provi- duas partes: a primeira versa so- da qual foi adotado o Programa reconhecimento institucional do
dencia os meios de subsistência. bre aspetos teóricos da educação das Nações Unidas para o Meio perigo que a poluição global re-
Nas últimas décadas, Ekovongo ambiental, mais especificamen- Ambiente (PNUMA). A Conferên- presenta ao meio ambiente e à
tem registado uma degradação te, a problemática ambiental no cia de Estocolmo centrou-se na vida.
acelerada do meio ambiente cau- contexto mundial, as correntes ideia do crescimento zero e no A Conferência de Estocolmo,
sada principalmente pela explo- do ambientalismo, desafios po- ecodesenvolvimento2, que (SA- assim como outras realizações
ração desregrada de florestas, lítico-pedagógicos e ideológicos CHS, 1980 citado por RAYNAUT que se seguiram, nomeadamente
levada a cabo pelos produtores da educação ambiental, a susten- e ZANONI, 1993:7), define como o Seminário de Belgrado (1975),
de carvão vegetal para a sua co- tabilidade como paradigma do “desenvolvimento endógeno e no qual foi lançado o Progra-
mercialização na cidade. Os efei- pensamento ambientalista con-
tos da degradação ambiental se temporâneo e a sustentabilidade
repercutem no empobrecimento ambiental em Angola; a segunda
dos solos, e, por conseguinte na aborda a educação ambiental na
2O
baixa produtividade agrícola. comunidade rural de Ekovongo, conceito de ecodesenvolvimento foi formulado por Maurice Strong e difundido por
Ignacy Sachs na década de 1970. Com relação ao meio ambiente, Sachs advoga uma
Como parte de um estudo rea- ou seja, expõe e procede a inter-
gestão prudente que assegure à geração presente e às gerações futuras a possibilidade
lizado em uma comunidade ru- pretação dos saberes tradicionais de se desenvolverem. Nesta linha, defende um projeto de civilização que considere
ral, no âmbito da tese doutoral dos habitantes sobre a relação a cultura como uma componente essencial que deve estar em estreita ligação com o
em andamento sobre: Educação com o meio ambiente. Nesta bre- ecológico e o socioeconómico; com esta perspetiva propõe cinco dimensões a considerar
e Desenvolvimento nas Comuni- ve reflexão advoga-se uma ação no ecodesenvolvimento: 1) sustentabilidade social, que consiste na redução das diferenças
sociais, isto é, considerar o desenvolvimento em sua multidimensionalidade, abrangendo o
dades Ovimbundu de Angola: Es- educativa mais abrangente, mul-
leque das necessidades materiais e não-materiais; 2) sustentabilidade económica pautada
tudo Etnográfico da Comunidade tidimensional e multidisciplinar pela alocação e gestão eficientes dos recursos e por um fluxo regular do investimento
de Ombala Ekovongo, o presente orientada a produzir mudanças público e privado; 3) sustentabilidade ecológica assente no uso dos potenciais inerentes
artigo objetiva, por um lado, ana- de mentalidades e construir uma aos variados ecossistemas, permitindo que a natureza encontre novos equilíbrios através
lisar a problemática ambiental verdadeira cultura de sustentabi- de uma utilização que obedeça ao seu ciclo temporal. Implica também preservar as fontes
de recursos energéticos e naturais; 4) sustentabilidade espacial, que consiste em evitar a
em seus aspetos mais comuns, in- lidade ambiental, não só ao nível
concentração geográfica exagerada de populações, das atividades e do poder, buscando
cluindo uma breve reflexão sobre comunitário, mas também ao ní- sempre uma relação equilibrada entre a cidade e o campo; e 5) sustentabilidade cultural,
a sustentabilidade ambiental em vel de toda a região. pautada por uma pluralidade de soluções particulares, que respeitem as especificidades de
Angola; por outro, identificar os cada ecossistema, de cada cultura e de cada localidade..

96 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 97


José Capitango A Educação Ambiental na comunidade rural de Ekovongo-Bié/Angola

ma Internacional de Educação consumo e de desenvolvimento as economias mundiais, e tantos volução tecnológica. E, como bem
Ambiental (PIEA), a ser imple- presididos pela noção de susten- outros. Numa perspetiva comple- assinala (LANA, 2015:107) “A na-
xa, a realidade que emerge como
mentado em todos os níveis da tabilidade, que como se poderá problemática é algo qualitativa- tureza, em seu sentido ecológico,
educação, tendo definido os ob- observar ao longo deste trabalho, mente e quantitativamente muito inalterada, sob a óptica do capi-
jetivos, os conteúdos e as metas se constitui em um princípio nor- mais grave que a simples acumu- talismo, é vista como ambiente
lação dessas disfunções (SAN-
a alcançar; a primeira Conferên- teador do pensamento ambienta- ainda improdutivo e que, para
TOS, 2009:2).
cia intergovernamental de Edu- lista contemporâneo. expressar a civilidade do homem,
cação Ambiental, realizada em precisa ser explorado e direcio-
Em todo o caso, qualquer que
Tbilissi (1977); o IIº Congresso 1.1. Correntes do ambientalis- nado a oferecer o mesmo subsi-
seja a perspetiva de análise da
de Educação Ambiental realizado mo, desafios político-pedagó- dio para o avanço tecnológico e
presente crise planetária não
em Moscovo (1987); o Relatório gicos e ideológicos da educa- científico”. É bem verdade, que a
deve minimizar a gravidade dos
Brundtland (1987); a Cúpula da ção ambiental revolução científica e os avanços
problemas globais como as al-
Terra ou Eco 92, que adotou im- Há pouco mais de 40 anos tecnológicos que dela despon-
terações climáticas, aumento do
portantes documentos como a que a humanidade vem toman- tam têm beneficiado de diversas
efeito estufa, aquecimento glo-
Agenda 21, a Declaração do Rio do consciência de que existe uma maneiras a humanidade, mas, ao
bal, a desertificação crescente, a
que compreende um conjunto de crise ambiental à escala planetá- mesmo tempo, alimentam o es-
perda da diversidade biológica, a
27 princípios que orientam a in- ria, constituindo-se numa séria pirito de impunidade que acom-
poluição dos rios e mares, o esgo-
teração dos seres humanos com ameaça à sobrevivência de todos panha a ação do homem sobre a
tamento de recursos naturais, o
o meio ambiente, a Declaração os seres viventes incluindo os se- natureza. Entretanto, seria uma
empobrecimento dos solos, etc.,
de Princípios sobre Florestas, a res humanos. Ao analisar a pro- certa ingenuidade postular que
que representam um perigo sem
Convenção sobre Biodiversidade blemática ambiental, (SANTOS, a revolução científica e os avan-
precedentes à sobrevivência da
Biológica e a Convenção Quadro 2009:2) considera a presente ços tecnológicos sejam os únicos
própria humanidade. A comuni-
sobre Alterações Climáticas; a Ci- crise como sendo “ (…) uma cri- fatores que estão na base desta
dade internacional e os estados
meira Mundial sobre o Desenvol- se de conhecimento e de formas crise. A crise é do modelo civili-
que a integram têm empreen-
vimento Sustentável, realizada de conhecimento; um desafio à zacional vigente; desponta fun-
dido esforços na elaboração de
em Joanesburgo (2002), também interpretação do mundo”. Na rea- damentalmente da exploração
agendas concertadas em busca
denominada Rio+10, em que foi lidade, a presente crise ambien- exacerbada de recursos naturais
de possíveis soluções, através de
adotada uma Declaração na qual tal não tem sido suficientemente para atender as necessidades de-
iniciativas analisadas na primei-
os chefes de Estado e de governo difundida de modo a explicitar a correntes da intensificação dos
ra seção, mas a verdade é que os
reafirmaram o seu compromis- verdadeira dimensão da gravida- processos produtivos, estimula-
problemas se agudizam a cada
so com a Agenda 21 e expressa- de que ele representa. Para esta dos pelas campanhas de sobreva-
dia que passa. A busca incessan-
ram uma crescente preocupação autora, lorização e homogeneização das
te do progresso e desenvolvi-
com a perda da biodiversidade, o atitudes e comportamentos, e dos
O que está sucedendo no planeta, mento parece transtornarem a
avanço da desertificação, as alte- hábitos (vícios) de consumo, cuja
neste momento, não é a soma de consciência do homem a ponto
rações climáticas e as catástrofes problemas como a desertificação finalidade é a globalização dos
de este abandonar os laços que
naturais cada vez mais graves. A crescente, o aumento desmedido mercados do capital financeiro,
da demanda energética, a mudan- antes mantinha com a natureza,
ideia dominante de todas estas a consolidação e mundialização
ça climática, a má distribuição de reivindicando para si o poder e a
realizações radica na necessidade renda que acarreta o aprofun- do neoliberalismo como modelo
missão de conquistar o mundo –
de adoção de modos de produção, damento do desequilíbrio entre civilizacional.
uma aventura auspiciada pela re-

98 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 99


José Capitango A Educação Ambiental na comunidade rural de Ekovongo-Bié/Angola

A tomada de consciência de conformar uma nova raciona- a relação entre a sociedade e a natureza: o conservacionismo e o
uma crise profunda e complexa à lidade, por via da produção do natureza, resultando numa diver- preservacionismo.
escala planetária despertou a hu- conhecimento, das políticas e sidade de concepções e correntes O conservacionismo preocu-
manidade para a necessidade de das práticas educativas. Como que permeam atualmente o cam- pa-se em conservar os recursos
um instrumento pelo qual se po- assinala (CARVALHO, 2001 cita- po da educação ambiental. No naturais, protegendo-os do con-
deria mitigar os seus efeitos e que do por MORALES, 2009:162) “A entanto, se por um lado, as mes- tacto com os seres humanos; esta
veio a conformar-se como educa- educação ambiental situa-se na mas apresentam um conjunto de concepção está arraigada nos or-
ção ambiental, da qual desponta confluência dos campos ambien- características específicas que ganismos estatais e nas organi-
a função de principal motor na tal e educativo, porém não emer- as distinguem umas das outras, zações internacionais e consiste
construção de uma consciência giu das teorias educacionais, o por outro, elas não se excluem em defender a ideia do progres-
ética, pela implementação de téc- que implica estar mais relacio- mutuamente, pois nalguns casos so associado ao pensamento uti-
nicas e práticas educativas e de nada aos movimentos ecológicos partilham visões comuns. Assim, litarista. Esta concepção não se
informação, suscetíveis de garan- e ao debate ambientalista do que desde o início do século XIX que dissocia do antropocentrismo,
tir a harmonia relacional entre os propriamente ao campo educa- começam a ganhar espaço a admi- pois, advoga o uso racional e cri-
seres humanos e a natureza. Foi cional e à teoria da educação”. A ração pelas maravilhas da nature- terioso de recursos naturais para
no intuito de repensar a relação expressão educação ambiental za, as atitudes de valorização dos fins desenvolvimentistas e uma
entre a sociedade e a natureza e foi utilizada pela primeira vez em habitats de espécies selvagens, a certa crença de que a ciência e a
da necessidade de descortinar a 1948 por ocasião da fundação da busca do campo como espaço na- tecnologia seriam capazes de dar
interdependência entre os pro- União Internacional para a Con- tural ideal para a contemplação soluções aos problemas ambien-
blemas ambientais e os fatores servação da natureza em Suíça e da natureza, o que veio a estimu- tais. As ideias defendidas por esta
sociais, políticos, económicos e posteriormente na Conferência lar a criação de jardins e parques concepção contribuíram na dé-
culturais que as primeiras inicia- sobre Educação promovida pela nos espaços urbanos. Com esta cada de 1970 para a formulação
tivas de educação ambiental se Universidade de Keele na Grã- valorização da natureza come- do conceito de desenvolvimento
desencadearam para dar lugar -Bretanha em 1965; mas, o termo ça a vulgarizar-se a produção de sustentável que vem animando
a uma ação consciente, crítica e estava associado aos princípios ideias que advogam a conser- as grandes conferências interna-
transformadora do modo de con- da ecologia e da conservação, vação da natureza, e, ao mesmo cionais sobre a relação meio-am-
ceber o mundo, estabelecendo-se pressagiando deste modo uma tempo se intensificam as críticas biente e desenvolvimento. Como
desde logo, a articulação entre as certa confusão com o ensino da sobre o crescimento industrial refere (ARAGUAIA, 2011),
ciências naturais e as ciências so- ecologia. que aumenta a poluição do ar,
ciais e humanas. Entretanto, a narrativa da edu- sobretudo nas cidades, antes re- […] O pensamento conservacio-
nista caracteriza a maioria dos
A educação ambiental tem a cação ambiental apresenta uma putadas como referências do mo- movimentos ambientalistas, e é
sua génese no movimento am- historicidade marcada por uma delo civilizacional e que agora se alicerce de políticas de desen-
bientalista que se propõe a (re) dinâmica de diálogos e disputas tornam objeto de questionamen- volvimento sustentável, que são
aquelas que buscam um modelo
discutir a relação entre a socie- entre diferentes autores e prota- tos de vária índole. Nesta senda, de desenvolvimento que garanta
dade e a natureza, implicando gonistas (investigadores, educa- e segundo (DIEGUES, 1996 citado a qualidade de vida hoje, mas que
a emergência de novos conhe- dores, pedagogos, animadores, por RAMOS, 2006:60), no início não destrua os recursos necessá-
cimentos e saberes que ressig- associações, etc) na criação de do século XIX, nos Estados Uni- rios às gerações futuras. Redução
do uso de matérias-primas, uso
nifiquem as concepções de pro- sentidos e na produção do pensa- dos da América ganham destaque de energias renováveis, redução
gresso e desenvolvimento para mento sobre o modo de conceber duas visões de conservação da do crescimento populacional,
combate à fome, mudanças nos

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padrões de consumo, equidade relação aos demais elementos da a valorização e proteção do am- necessidade de fortalecimento
social, respeito à biodiversidade natureza. Este pensamento subsi- biente natural. Os problemas da sociedade civil, substituindo
e inclusão de políticas ambien- diou o desenho das políticas e es-
tais no processo de tomada de ambientais são apresentados de o comportamento individual pela
decisões económicas são alguns tratégias de gestão das áreas na- modo aparente, desprezando-se construção de uma cultura cida-
dos seus princípios” (ARAGUAIA, turais protegidas como parques3 as causas mais profundas (ques- dã, formação de atitudes ecológi-
2011 citado por SILVA, 2011:16). e reservas naturais. Além disso, tões sociais e políticas). A relação cas e um sentido de responsabi-
o preservacionismo que defende homem-ambiente é dicotómi- lidade ética e social, necessárias
A concepção preservacionista a proteção de populações, espé- ca, sendo o homem considerado para a busca coletiva de transfor-
defende a proteção de uma na- cies, habitats e ecossistemas in- como destruidor; 2) educação mações sociais.
tureza independentemente do dependentemente do local onde ambiental pragmática – pode ter Para os ambientalistas afigu-
seu valor económico e utilitário, estejam situados e a criação de origem nas concepções tecnicis- ra-se deveras importante domi-
a criação de espaços intocáveis, áreas de conservação, reservas e tas de educação; centraliza o foco nar as ferramentas teóricas que
sem sofrer das interferências re- parques, fundamenta-se numa vi- na ação, na busca de soluções dão sustento às ações teórico-
lativas aos avanços do progresso são de ser humano destruidor da para os problemas ambientais e -práticas do campo de educação
e, ao mesmo tempo que, conside- natureza, sem preocupar-se com na formulação de normas e busca ambiental, abrindo horizontes
ra o homem como principal cau- o seu valor de uso, nem com a im- mecanismos que compatibilizem para uma compreensão mais fe-
sador do desequilíbrio natural. portância que representa para a o desenvolvimento económico cunda dos problemas ambientais
Segundo (RAMOS, 2006:61), a espécie humana. com o manejo sustentável de re- que transcenda a visão tradicio-
concepção preservacionista, pelo Outros autores, como (SILVA & cursos naturais permitindo deste nal e reducionista, projetando-se
contrário, centraliza o seu pensa- CAMPINA, 2011:33-34) apresen- modo o desenvolvimento susten- com isso uma postura participa-
mento na reverência e na valoriza- tam uma tipologia de três concep- tável. A ênfase das abordagens tiva e reflexiva impregnada de
ção da natureza concebida como ções de educação ambiental (con- recai na mudança de comporta- elementos (técnicos, científicos,
um mundo selvagem passível de servadora, pragmática e crítica), mento individual, que é suscitada pedagógicos, éticos, políticos e
apreciação estética e espiritual; a cuja essência pode ser resumida pelas informações, normas e leis ideológicos) necessários para a
sua principal preocupação pren- nos seguintes termos: 1) educa- que são apresentadas como so- consolidação de um mundo ver-
de-se com a proteção da natureza ção ambiental conservadora, re- luções acabadas; embora exista dadeiramente sustentável.
perante o desenvolvimento in- monta a sua origem nas práticas um discurso de cidadania em que É interessante notar, que ape-
dustrial e urbano. O preservacio- ambientalistas que partem de um as questões sociais são apresen- sar da existência de uma diversi-
nismo defende a ideia segundo a ideário romântico, inspirador do tadas como parte do debate am- dade teórica refletindo distintos
qual, o ser humano, assim como movimento preservacionista do biental, os conflitos decorrentes posicionamentos político-ideoló-
tudo o que existe na natureza final do século XIX, no qual os dessa relação são apresentadas gicos em torno da temática am-
(animais, vegetais, rochas, água, vínculos afetivos proporcionados em forma de um falso consenso; biental, a educação é sempre vis-
ar, etc) constituem uma única co- pela experiência de integração 3) A educação ambiental crítica, ta como um meio imprescindível
munidade e, ao homem não lhe da natureza trariam bem-estar e cujo suporte radica na perspeti- na busca de soluções (mudança
assistem direitos superiores em equilíbrio emocional, bem como va da educação crítica e no am- de atitudes e comportamentos)
bientalismo ideológico; privilegia que reduzem os impactos negati-
a dimensão política da questão vos ao meio ambiente, cujos efei-
3A ideia de parque como área selvagem desabitada era necessária não só para conservar a ambiental, questiona o modelo tos se repercutem nas diferentes
beleza estética, mas, também, para desanuviar as pressões psicológicas dos habitantes dos
económico vigente e advoga a formas de vida, particularmente
centros urbanos, onde o ser humano poderia contemplar as belezas da natureza pura.

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nos países em desenvolvimen- a complexidade das realidades rentes em educação ambiental que se resumem na tabela abaixo.
to. No entanto, cabe reconhecer socio-ecológicas” (tradução do
que a contribuição da educação autor). A autora apresenta um Quadro 1. Correntes em educação ambiental (Adaptado de Sauvé, 2003)
ambiental nestes países é por ve- quadro conceptual mais comple-
zes carregada de modismos que xo em que o meio ambiente é des-
reduzem as suas possibilidades crito como
de uma verdadeira agência de
transformação social. Na realida- […] «Natureza» que compreende
os parques nacionais e as zonas
de, são múltiplas as dimensões protegidas; o meio ambiente «re-
do ideário ambientalista que po- curso» própria das estratégias de
dem ser inseridas na grelha das conservação, que encontram eco
na linguagem mais recente do
propostas da educação ambien- desenvolvimento sustentável; o
tal para que esta possa interferir meio ambiente «problema» que
profundamente na construção de não cessa de tocar alarme, desde
novos modelos de interpretação a primavera silenciosa ao desge-
lo dos glaciares; o meio ambiente
do mundo. Uma das propostas se- «sistema» objeto da ciência eco-
ria a opção por temas controver- lógica e da perspetiva eco-sisté-
sos como, por exemplo, os confli- mica; o meio ambiente «territó-
rio» dos povos indígenas; o meio
tos sociais derivados da injustiça ambiente como «meio de vida»
distributiva e suas implicações na dos habitantes rurais e urbanos;
degradação ambiental nos espa- o meio ambiente «biosfera» da
mundialização e também da soli-
ços rurais e urbanos, que no fun- dariedade global; o meio ambien-
do são responsáveis pelo agrava- te como «projeto comunitário»
mento dos níveis de pobreza que que convoca ao compromisso
coletivo para a reconstrução do
esses países ostentam. mundo (SAUVÉ, 2010:7) (tradu-
Retornando ao assunto em ção do autor). A diversidade de correntes am- y posturas teóricas y metodológi-
análise, e tal como já foi referen- bientalistas reflete as intenciona- cas. Há arropado numerosos dis-
ciado, existe uma diversidade de cursos, desde sus vínculos com la
Esta diversidade de concep- lidades e as diferentes opções po- enseñanza de la ecologia (como
autores, cujas obras oferecem um ções influi de modo mais fecundo litico-pedagógicas e ideológicas una rama de las ciências natu-
panorama mais abrangente de na construção de correntes teó- dos intervenientes do processo rales) y la educación para conser-
concepções que concorrem para vación, hasta los enfoques com
ricas e práticas da educação am- de construção do pensamento fuertes cargas en la dimensión
a construção social de saberes biental, pois, ilustra quão é rico ambientalista. Este entendimen- cívica, en la formación ciudada-
que conformam o pensamento este campo que coloca em evidên- to alinha com (GAUDIANO, 2008) na, la educación moral y ética, la
ambientalista contemporâneo. dimensión política, desde el aná-
cia os laços entre o saber e a ação que afirma: lisis crítico de la globalización,
De entre esses, destaque-se (SAU- que se construem reciprocamen- la inequidad social y la relación
VÉ, 2010:7), para quem “ (…) a te. Para tanto, e com o intuito de Desde su legitimación como norte-sur, así como la dimensión
ideia de meio ambiente se amplia campo pedagógico, la educación rural, por citar algunas muy re-
demonstrar a consistência dessa ambiental se há encontrado en presentativas (GAUDIANO, 2008
para um espectro de significações reciprocidade (SAUVÉ, 2010:8-9) un pemanente antagonismo, o al em SAUVÉ, 2010:7).
que permitem apreender melhor apresenta uma proposta de cor- menos divergência, de enfoques

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José Capitango A Educação Ambiental na comunidade rural de Ekovongo-Bié/Angola

Quadro 1. Correntes em educação ambiental (Adaptado de Sauvé, 2003) Quadro 1. Correntes em educação ambiental (Adaptado de Sauvé, 2003)
(cont.) (cont.)

Ora, a educação ambiental é numa dada sociedade e aos con-


uma prática eminentemente po- flitos de interesse que se produ-
litica e está condicionada ao con- zem na dinâmica das relações
texto social e político em que se entre grupos sociais (dominan- aportes, que pueden ser aprove- fende e como afetam as relações
inserem os seus atores, isto é à tes e dominados). Não obstante, chados según el contexto de la ac- entre os diferentes grupos que
forma como os indivíduos se or- a diversidade de correntes pode ción educativa, según el objeto de
aprendizaje y el objetivo buscado. compõem a sociedade? Estas e
ganizam e se relacionam do pon- constituir-se em riqueza deste Cada cual ofrece possibilidades y outras perguntas devem ser fei-
to de vista económico, social, cul- campo, porquanto pressupõe a comporta también sus limites. En tas pelos atores da educação am-
tural, religioso e espiritual, assim coexistência de diferentes pers- la diversidade de proposiciones
se despliega la riqueza del campo biental, para orientar as opções
como ao tipo de valores estéticos, petivas epistemológicas e pe- teóricas e práticas, consistentes
(SAUVÉ, 2010:10).
éticos e morais defendidos e pra- dagógicas. Como bem assinala com o imperativo da transforma-
ticados numa dada sociedade. E, (SAUVÉ, 2010), ção das mentalidades que presi-
Assim, as dimensões (politi-
deste ponto de vista, a educação dem as relações na própria socie-
(…) al igual que el campo de la co-pedagógica e ideológica) da
ambiental está impregnada de dade.
educación cientifica, el de la edu- educação ambiental colocam
tensões ideológicas existentes, cación ambiental se despliega en enormes desafios diante de seus
tanto no ambientalismo, como diversas corrientes (diversas ma- 1.2. A sustentabilidade como
neras de concebir y de praticar atores, pois a sua ação não deve
na própria educação em si; logo, paradigma do pensamento am-
la acción educativa). Cada cual prescindir de questionamentos
a educação ambiental está expos- adopta una postura epistemoló- bientalista contemporâneo
sobre: quais as concepções de
ta às relações de poder vigentes gica particular. Cada cual hace sus A sustentabilidade pode ser
mundo e de homem a mesma de-

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José Capitango A Educação Ambiental na comunidade rural de Ekovongo-Bié/Angola

entendida como a habilidade cial, o humano, o ético e moral, o RO, 2012 em MATTA e SCHMIDT, fontes de energia limpa e renová-
de sustentar algo; é uma condi- étnico e religioso, exigindo desta 2014:110). vel (eólica, solar, geotérmica e hi-
ção que permite a manutenção e feita, o entendimento de desen- dráulica) para reduzir o consumo
permanência de um ente, obje- volvimento para além do modelo O paradigma da sustentabili- de combustíveis fósseis e a polui-
to, processo, etc, por um tempo racional de industrialização. Na dade ocupa nos dias de hoje um ção do ar; criação de atitudes pes-
indeterminado. A aplicação do mesma linha, (BELCHIOR e VIA- espaço privilegiado no discurso soais e empresariais orientadas
paradigma da sustentabilidade NA, 2016) afirmam, ambientalista, social, económi- para a reciclagem de resíduos só-
no pensamento ambientalista co, cultural e até tecnológico; lidos, para reduzir a quantidade
torna-a em uma capacidade dos Ao longo dos anos, termos como mas, é sobretudo a sua dimensão de lixo no solo que absorve dele
desenvolvimento sustentável e ambientalista, conservacionista
seres humanos em interagir com sustentabilidade têm sido utiliza- os minerais; criação de atitudes
a natureza preservando o meio dos, porém, sem muita compre- e preservacionista que o torna de consumo controlado de água
ambiente. Este princípio difun- ensão do que realmente signifi- mais vinculado à ideia de melho- e adoção de medidas que evitem
cam. Devido à multiplicidade das rar a relação entre o ser huma-
diu-se rapidamente tornando-se situações do cotidiano e dos im- a poluição dos recursos hídricos.
uma regra geral, embora persis- pactos ambientais vivenciados,
no e a natureza. Mesmo assim, o Entretanto, apesar de haver
tam diferentes pontos de vista na tais termos são constantemente paradigma da sustentabilidade uma certa convergência entre os
sua apropriação e significado que associados a novos paradigmas, encontra-se em um estado em- diferentes matizes sobre a neces-
novas formas de exploração dos brionário, necessitando ainda
lhe é atribuído, quando se analisa recursos naturais, novos investi- sidade de adoção de uma cultura
o seu papel nos processos de de- mentos, novas tecnologias e va- de subsídios que contribuam à de sustentabilidade, este paradig-
senvolvimento. Assim, para (MO- lores institucionais em harmonia reconsideração da diferenciação ma encerra nuanças que alimen-
com as necessidades das atuais entre o ser humano e os demais
RIN, 2008b; OLIVEIRA, 2006), e futuras gerações (BELCHIOR e tam receios sobre a possibilida-
VIANA, 2016: 73-74). seres da natureza introduzida de de o mesmo não se tornar em
A concepção de sustentabilidade pela modernização. realidade, porquanto, ainda pesa
do desenvolvimento não signifi- Neste particular, recorremos
ca um ajuste no modelo racional Deste ponto vista, conceituar sobre ele a influência da ética an-
de desenvolvimento atual, já que, a sustentabilidade torna-se cada às assertivas de (LEITE, 2013), tropocêntrica, que considera o
no cerne da ideia de sustentabi- vez mais complexo, pois o termo segundo as quais, à sustentabili- homem como sujeito de todas as
lidade está o princípio de soli- dade estão associados conceitos
dariedade, o qual se antagoniza encerra um conjunto de variáveis coisas – o rei que domina todo o
com o princípio de maximização interdependentes, abrangendo correlacionados ao termo, como a universo. A este respeito, (FER-
do ganho, de viés individualis- questões de cunho ambiental, exploração dos recursos vegetais REIRA e BOFIM, 2010), conside-
ta e competitivo, característico económico e social, além de pos- (florestas) de forma controlada, ram
do modelo de desenvolvimento garantindo o replantio sempre
capitalista (MORIN, 2008b; OLI- suir outros significados. Para
VEIRA, 2006 citados por SILVA e (LOUREIRO, 2012), que necessário; a preservação O atual discurso em torno da sus-
SILVA, 2012:4). total de áreas verdes não desti- tentabilidade ainda é centrado
numa perspetiva antropocêntri-
O conceito de sustentabilidade é nadas a exploração económica; ca, conforme observamos em co-
As autoras destacam em suas instigante, complexo e desafia- ações que visem o incentivo a mum nas diversas falas: precisa-
dor, pois abre múltiplas possi- mos conservar o planeta para as
análises o pensamento de Morin bilidades de desdobramento do produção e consumo de alimen-
que considera a dimensão com- tos orgânicos por serem benéfi- próximas gerações; os que virão
termo, assim como possibilita um depois de nós merecem um pla-
plexa da crise da sustentabilida- leque de relações, já que vem das cos à saúde humana; exploração neta habitável… Esta assertiva
de, pois envolve aspetos inter- Ciências Biológicas e enraíza-se de recursos minerais (petróleo, denota uma visão utilitária das
na política e na economia, permi- formas de conceção da vida pla-
dependentes e interpenetrantes tindo diferentes formas de em- carvão, minérios) de forma con-
netária, por focar mais no debate
como o ecológico, o político, o so- prego da nomenclatura (LOUREI- trolada e racionalizada; o uso de

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José Capitango A Educação Ambiental na comunidade rural de Ekovongo-Bié/Angola

de ordem política do que propria- sobre o conceito de sustentabili-


mente na elaboração de ações e adoção de uma cultura de sus- uma verdadeira cultura de sus-
dade, que na opinião de (CAPRA,
de cunho social, participativo e tentabilidade. tentabilidade. Em suma, somen-
planetário (FERREIRA e BOFIM,
1997),
Ora, o paradigma da sustenta- te com a tomada de consciência
2010:38). É uma função complexa, que re- bilidade deve ser entendido como para a adoção de uma cultura de
laciona cinco variáveis de estado: uma obra em construção per- sustentabilidade se poderá con-
O paradigma da sustentabi- interdependência, reciclagem, manente que necessita de uma tribuir efetivamente na preser-
lidade tende a subordinar-se às parceria, flexibilidade e diversi-
dade, não se detendo apenas ao conscientização das nações para vação e manutenção das diversas
ambições incomensuráveis deste tipo de interação humana com o a mudança de atitudes na relação formas de vida no planeta e asse-
mesmo homem predador, arqui- mundo que preserva ou conserva com a natureza, nos modos de se gurar que as futuras gerações ve-
teto da ordem vigente no plane- o meio ambiente para não com- relacionarem entre si e nos mo- nham usufruir dos recursos natu-
prometer os recursos naturais
ta, consubstanciadas no capital e das gerações futuras (KAPRA, dos de realizar as ações com vista rais de que a humanidade se tem
na busca a todo o custo do lucro, 1997 em FERREIRA e BOFIM, ao desenvolvimento, que devem, beneficiado nos dias de hoje.
para engrandecimento pesso- 2010:43). acima de tudo privilegiar a vida
al, ainda que para tal tenha que e o bem-estar de todos. A sua 1.3. A sustentabilidade am-
exterminar a própria natureza Em primeiro lugar, todas as conceção deve orientar-se por biental em Angola
e a si próprio. A atual crise pla- pessoas que vivem neste plane- uma racionalidade que conside- Tal como referenciado no pri-
netária dá sentido às afirmações ta devem perceber que vivemos re os aspetos ambientais, sociais, meiro apartado, os últimos 40
de (BOFF, 2009), pronunciadas uma situação de crise planetá- económicos, culturais e espiritu- anos foram marcados por gran-
na palestra que ele proferiu em ria e que alguns dos problemas ais, etc., que estão interrelacio- des eventos internacionais (con-
2009 no Fórum Social Mundial decorrentes dos desequilíbrios nados e circunscrevem a cadeia ferências, seminários, tratados e
segundo as quais, provocados aos ecossistemas são das necessidades humanas, pois, convenções) consagrados à pro-
irreversíveis. Em segundo lugar, concorrem para o equilíbrio e blemática ambiental, o que indi-
O sistema atual, regido pelo ca- problemas como o aquecimen- harmonia da própria existência. cia um certo comprometimento
pital e pelas leis do mercado, que
em sua natureza, é voraz, acumu- to global, as irregularidades do Infelizmente, e devido a predomi- com a salvaguarda da vida e a
lador, depredador do meio am- ciclo pluviométrico, a perda da nância da visão economicista de necessidade de políticas, estra-
biente, criador de desigualdade biodiversidade com a extinção sustentabilidade impregnada de tégias e programas educacionais
e sem sentido de solidariedade,
atesta a sua falência (…); o siste- das espécies animais e vegetais, lógicas e critérios de capital, mer- que contribuam para a constru-
ma vigente que tem como pilar a infertilidade do solo, a polui- cado, renda, lucro e consumo, as- ção de sociedades sustentáveis.
um individualismo avassalador ção do ar, a redução de recursos siste-se ainda no seio das nações Como é óbvio, Angola não po-
demonstrou-se incapaz de asse- naturais essenciais ao consumo
gurar o bem-estar da humanida- atitudes de indiferença e cinismo, deria estar à margem dos proble-
de (BOFF,2009 em FERREIRA e (água, espécies vegetais, etc.), o que torna difícil a implementa- mas que atravessam o mundo,
BOFIM, 2010:41). afetam a todos sem exceção. Des- ção das agendas adotadas, quer nomeadamente a problemática
te modo, e partindo da tomada de no plano interno, quer no plano ambiental. Ainda assim, cabe su-
Em contrapartida, os autores consciência da necessidade dos internacional. É partindo desta blinhar que a Constituição an-
advogam a necessidade de uma equilíbrios, da interdependência leitura e análise que ganha corpo golana adotada por altura da
convivência com paradigmas con- de todos os seres da natureza, da o imperativo de uma agenda con- Independência do país em 1975
trários, salientando que somente finitude dos seres e da vida, não certada de educação ambiental não contemplava alguma norma
deste modo se abre a possibili- vislumbra qualquer solução má- generalizada, que a curto e médio de proteção ambiental, tendo-se
dade de uma leitura mais ampla gica, senão a mudança de atitude prazo conduza a humanidade a centralizado na visão economi-

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José Capitango A Educação Ambiental na comunidade rural de Ekovongo-Bié/Angola

cista e utilitarista sobre os bens o Regime da Responsabilidade fosfatos, cobre, feldspatos, ouro, espaços urbanos tem acelerado
naturais, que por via dos artigos por Danos Ambientais. Além des- bauxite, urânio, zinco, chumbo, a desflorestação massiva, em de-
8º e 11º se acomete ao estado a tes instrumentos, a Constituição volfrâmio, manganês e estanho); corrência da exploração indiscri-
sua titularidade e a sua gestão Atípica de 2010, por via do arti- de recursos hídricos (bacias hi- minada de árvores para a produ-
de forma a criar riqueza em be- go 219º, acomete ao estado e aos drográficas dos rios zaire, zam- ção de carvão vegetal (principal
nefício de todo o povo angolano. municípios a tarefa de proteger o benze, kwanza, kubango, kuando fonte de energia para a maioria
Este quadro somente se alteraria ambiente e os recursos naturais. e kunene); biodiversidade em da população), forçando des-
com a revisão constitucional de Com efeito, essa intensa produ- fauna (275 espécies de grandes te modo a migração da fauna de
1992, que por via do artigo 24º ção de legislação sobre o ambien- mamíferos, 26 espécies de antílo- seus habitats, retirando do solo
consagra a proteção do ambien- te não surge ao acaso; ela confor- pes, 915 espécies de aves, 15 es- a faculdade de regeneração na-
te, naquilo que veio significar o ma a imperiosa necessidade de pécies de morcegos e 19 espécies tural e destruindo sumidouros
despontar de um novo posiciona- um quadro jurídico-legal capaz de anfíbios); em flora (8000 es- de dióxido de carbono. Por ou-
mento do estado angolano dian- de estabelecer uma normalidade pécies de plantas, florestas den- tro, e como bem revela (GOMES,
te da problemática ambiental. institucional e dar soluções equi- sas semprevirentes, savanas de 2012:2-3), “(…) cerca de 2/3 da
Essa disposição viu-se reforçada libradas à dimensão dos proble- capim alto, savanas de xerófitos, população rural e urbana vive
com a aprovação da Lei Nº 5/98 mas ambientais que a sociedade miombos, prados, estepes, vege- abaixo do limiar da pobreza, com
de 19 de Junho, Lei de Bases do angolana enfrenta atualmente. O tação ribeirinha e mangais) com um rendimento anual de 80 dó-
Ambiente4, que inspirou a produ- mito da bênção e maldição das grande incidência de espécies lares, não dispõe de água potável
ção de importantes instrumentos riquezas naturais, a falta de infor- medicinais (mais de 200 espé- e não tem acesso, nem a serviços
jurídicos, dos quais se destacam: mação atualizada sobre as poten- cies) que são bastante utilizadas de saúde, nem a educação, nem a
o Decreto Nº 51/2004, de 23 de cialidades económicas do país, a na cura de enfermidades pelas transportes”.
Julho sobre o Regime da Avalia- insuficiente capacidade institu- populações rurais. No entanto, A sustentabilidade ambiental
ção de Impacto Ambiental; a Lei cional e o baixo nível de respon- há indícios preocupantes sobre em Angola é crítica, não somen-
Nº 6-A/2004 de 8 de Outubro, Lei sabilidade ambiental da maioria a perda acentuada de fauna, com te pelos aspetos acima descri-
dos Recursos Biológicos Aquáti- da população, sobretudo daquela 175 espécies na lista vermelha da tos, mas também pelos níveis de
cos; a Lei Nº 10/2004, de 12 de que reside em espaços urbanos União Internacional para a Con- desflorestação e a consequente
Novembro sobre o Regime das constituem um enorme desafio servação da Natureza; outras em degradação dos solos, a polui-
Atividades Petrolíferas; o Decre- ao enfrentamento da problemáti- risco de extinção como a palan- ção nos centros urbanos com o
to Nº 59/2007, de 13 de Julho ca ambiental. ca negra gigante, o rinoceronte monóxido de carbono produzido
sobre o Regime da Licença Am- Segundo (GOMES, 2013:33) negro, o chimpanzé e o gorila; e por veículos automóveis, poeiras,
biental e o Decreto Presidencial Angola dispõe de recursos geoló- ainda outras espécies como a ze- acumulação de resíduos sólidos
Nº 194/2011, de 7 de Julho sobre gicos (petróleo, diamantes, ferro, bra de montanha e de planície, a à céu aberto e ainda a contami-
girafa, o ónix que são considera- nação no mar com a exploração
das como extintas em zonas onde petrolífera (derrame nos oleodu-
existiam com abundância. tos) e nos rios com a lavagem de
4Segundo (GOMES, 2012:10) A Lei de Bases do Ambiente (LBA) consagra quatro tipos de Além disso, constata-se, por minérios em que se utilizam pro-
instrumentos de proteção do ambiente: formativos (educação ambiental); preventivos (áreas
de proteção ambiental, avaliação de impacto ambiental, licença ambiental); repressivos
um lado, que o êxodo das popu- dutos químicos.
(auditorias, contravenções e crimes ambientais); e reparatórios (responsabilidade civil e lações rurais para as cidades e No concernente a degradação
seguro ambiental). o consequente alargamento dos dos solos, além de fatores climá-

112 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 113
José Capitango A Educação Ambiental na comunidade rural de Ekovongo-Bié/Angola

ticos (chuva e vento), a pressão uma situação que interpela o po- acelerada do meio ambiente cau- 2.1. Metodologia
humana sobre os recursos flo- der político, as instituições (pú- sada principalmente pela explo- Para a efetivação do estudo op-
restais no litoral e nas províncias blicas e privadas), a sociedade ração desregrada de florestas, tou-se pela etnografia por ser o
do interior, particularmente (Bié, civil e a população em geral para levada a cabo pelos produtores modelo que leva a descoberta de
Huambo, Huila e Malanje), com uma nova postura face à proble- de carvão vegetal para a sua co- construções culturais de um gru-
as queimadas e a desflorestação mática ambiental em todas as mercialização na cidade. Os efei- po ou dos membros de uma comu-
para fins energéticos (produção suas dimensões e complexidade. tos da degradação ambiental se nidade, que o investigador trata
de lenha e carvão vegetal), bem É com base a este emaranhado de repercutem no empobrecimento de descreve-los e interpreta-los
como para fins agrícolas, cons- problemas que se julga necessá- dos solos, e, por conseguinte na para atribuir-lhes significados;
tituem a principal ameaça origi- ria e imperiosa a adoção de polí- baixa produtividade agrícola. o investigador deve permanecer
nada pelos assentamentos hu- ticas e estratégias multissetoriais Como parte de um estudo re- durante um certo período de tem-
manos, que na maioria dos casos e multidisciplinares de educa- alizado em uma comunidade ru- po no local onde se produzem ce-
não têm sido acompanhados de ção ambiental, com vista a cons- ral, no âmbito da tese doutoral nários que constituem objeto de
planos de ordenamento e desen- trução de fundamentos de uma em andamento sobre: Educação estudo e manter uma interação
volvimento sustentáveis. A este cultura de sustentabilidade am- e Desenvolvimento nas Comuni- constante com os participantes
respeito, o Relatório/2006 sobre biental propiciada por processos dades Ovimbundu de Angola: Es- neles envolvidos. Em obediência
o Estado Geral do Ambiente em educativos capazes de produzir tudo Etnográfico da Comunidade a este princípio, o investigador
Angola refere, uma mudança de mentalidades, de Ombala Ekovongo, o presente inseriu-se na comunidade onde
instaurar uma ética ecológica e artigo objetiva, por um lado, ana- permaneceu vários meses, du-
Os solos em Angola sofrem em imponderar as pessoas para o en- lisar a problemática ambiental rante os quais realizou a obser-
mais de 50% processos constan-
tes ou periódicos de erosão pro- frentamento dos desafios da con- em seus aspetos mais comuns, vação participante, vinte e qua-
vocados pelas chuvas, pelos ven- temporaneidade. incluindo uma breve reflexão so- tro entrevistas em profundidade,
tos, e em geral, pela sua exposição bre a sustentabilidade ambiental semiestruturadas (individuais e
aos fatores climáticos. Fatores
antrópicos como a desarboriza- II. A educação ambiental na co- em Angola; por outro, identificar grupais); as mesmas incluíram
ção, o cultivo contínuo sem res- munidade rural de Ekovongo os problemas ambientais que a questões abertas, semi-abertas e
tauração dos nutrientes vegetais Ekovongo é uma comunidade comunidade enfrenta atualmen- fechadas, dirigidas aos informan-
ou sem fertilização, as queima- rural, cuja população constrói as te, assim como os saberes tradi- tes-chave selecionados para o
das demasiado frequentes, com
a consequente exposição do solo suas vivências numa estreita rela- cionais que orientam a relação efeito, aos agentes externos5, aos
à chuva e ao vento, são fenóme- ção com a terra e demais elemen- entre humanos e outros seres da técnicos e aos especialistas em
nos que se verificam um pouco tos que habitam a natureza. Essa natureza, enquanto fatores de de- assuntos de desenvolvimento das
por todo o país e que contribuem
também para a degradação dos relação engloba as dimensões senvolvimento, que na essência comunidades rurais. Para cruzar
solos (MINUA, 2006:167). (socioeconómica, cultural, reli- conformam as representações os dados da observação partici-
giosa e espiritual) que se influen- sociais dos habitantes de Ekovon- pante e as informações recolhi-
A exclusão social e a pobre- ciam mutuamente numa perfeita go em torno da problemática am- das através das entrevistas em
za são outras variáveis que con- relação dialética. A terra é a base biental. profundidade, organizou-se dois
tribuem ao quadro sombrio da da própria existência que provi-
sustentabilidade ambiental em dencia os meios de subsistência.
Angola, e, a ameaça à vida está Nas últimas décadas, Ekovongo 5Agentes externos são funcionários que exercem atividades na comunidade por períodos
presente em todos os biomas, tem registado uma degradação prolongados (residentes e não-residentes).

114 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 115
José Capitango A Educação Ambiental na comunidade rural de Ekovongo-Bié/Angola

grupos de discussão: o primeiro entre humanos e outros seres da lizar. abundante, o solo tinha muita
grupo foi constituído por jovens natureza, que podem ser inte- Enquanto isso, (…) se um indivi- força porque acumulava muitos
de ambos os sexos, com idades grados nos currículos e nos pro- duo pretender construir uma casa nutrientes; agora, devido a fraca
compreendidas entre 18 e 30 gramas de educação ambiental, num determinado lugar e passan- frequência das chuvas, as florestas
anos; o segundo foi constituído não só das escolas formais como do alguns dias encontrar ali aque- não têm crescido em ritmo dese-
por adultos de ambos sexos com também daquela educação que se las formigas bravas (vermelhas) é jável e o solo está empobrecendo
idades compreendidas entre os realiza em contextos informais. sinal de que será perseguido; logo, cada vez mais, o que pressupõe di-
35 e 55 anos. Ambos debateram Neste particular, os informantes- não convém insistir em construir zer que alguns fenómenos da na-
temas sobre educação, pobreza e -chave responderam: naquele lugar. (Sapwile) tureza condicionam o processo de
desenvolvimento, cujas aborda- Os seres humanos se relacio- Quanto à segunda questão re- desenvolvimento. (Pessela)
gens se estenderam aos aspetos nam principalmente com as plan- lativa aos problemas ambientais Existem plantas e árvores como
estreitamente relacionados com tas; são elas que purificam o ar que que a comunidade enfrenta nos a Elembwi7 e a Ulemba que na tra-
a problemática ambiental. Nesta respiramos. As pessoas e as plan- dias de hoje, os informantes-cha- dição umbundu são sagradas; a
senda, e no intuito de identifi- tas se relacionam mutuamente: as ve responderam: Elembwi é vulgarmente utilizada
car os saberes tradicionais que pessoas possuem sangue no corpo Pessoalmente, não gostaria que para neutralizar a ação de espíri-
orientam a relação entre os habi- e as plantas possuem a seiva. Am- alguém ateasse fogo nas minhas tos malignos. A Ulemba simboliza
tantes de Ekovongo e outros seres bos são semelhantes; por isso, é parcelas de terra; ao cultivar, eu a ancestralidade e a perenidade do
da natureza, os informantes-cha- que, sempre que a pessoa adoece viro esse mesmo capim para o poder real. Existem também ani-
ve, participantes das entrevistas se socorre das plantas para curar fundo da terra, e, desta maneira, mais e aves que são sagradas; por
foram solicitados a responder as a doença. Também, são as plantas fabrico fertilizantes de forma na- exemplo, as aves como Onduva8 ou
seguintes questões: que emitem o vapor para formar a tural. (…) A prática de fabricar Anduva e Pumumo ou Epumumu9
-Que relações os seres huma- chuva. (Sapwile)6 carvão para o consumo doméstico são sagradas, porque simbolizam
nos estabelecem com outros se- Além disso, existem pequenos e para a comercialização intensifi- o poder real. A sua presença vo-
res da natureza? animais que emitem sinais aos se- cou-se com a guerra, que provocou luntaria na comunidade ou na sua
-Que problemas ambientais a res humanos; por exemplo, se um a imigração em massa de pessoas periferia simboliza a legitimidade
comunidade enfrenta nos dias de caranguejo vivo se desloca até a das aldeias, que se aglutinaram do poder ali instituído. Qualquer
hoje? casa de alguém, assim como o cá- aqui na nossa área e destruiu as tentativa de violência contra essas
gado – isto é um milagre; mas, se nossas florestas. Nós não podía- aves é considerada como atentado
2.2. Resultados o individuo se deslocar a floresta mos proibir, uma vez que, eles fa- ao poder real e acarreta consequ-
Assim, relativamente à primei- e encontrar ali um cágado vivo é bricavam carvão vegetal para a ência devastadoras ao prevarica-
ra questão, as representações so- sinal de que, os anjos da guarda sobrevivência. (Epalanga) dor. (Grupo de adultos)
ciais apontam para a existência e protetores da lareira familiar, Antes, quando a chuva era Ora estes mitos são transmiti-
de mitos na cultura tradicional que são os seus antepassados es-
dos ovimbundu, que traduzem tão com ele na caminhada e terá
as relações afetivas e educativas sucesso naquilo que pretende rea- 7A Elembwi e a Ulemba, além de serem sagradas, também são utilizadas como medicamentos

para a cura de enfermidades.


8A Onduva ainda permanece na comunidade mesmo nos dias de hoje.
6Os nomes aqui mencionados são fictícios, pois, visam salvaguardar a verdadeira identidade
9O Epumumu afastou-se para uma área longínqua devido a violência da guerra e a
dos informantes-chave.
desflorestação.

116 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 117
José Capitango A Educação Ambiental na comunidade rural de Ekovongo-Bié/Angola

dos às crianças desde a tenra ida- esta última não deve, porém, ser (2015): A educação ambiental biente-pais, 83001e5a-e861-42e-
de, e, durante séculos permitiram considerada como uma institui- diante da problemática socio- 6-aed-4b7e9ffdffa9. Html
a conservação destas espécies. ção totalmente conservadora e ambiental na ideologia capita- RAYNAUT, Claude; ZANONI,
Como se pode observar, as afir- retrógrada, que não se abre a lista, “em”, Revista monogra- Magda, (1993): La construc-
mações e os mitos acima mencio- mudanças. Antes, pelo contrário, fias Ambientais (REMOA), nº tion de l’interdisciplinari-
nados traduzem as relações afeti- é uma instituição normativa e 1, pp. 106-114 té et formation integrée de
vas e educativas entre humanos funcional capaz de integrar novas MATTA, Carolina Rodrigues da; l’environnement et du de-
e outros seres da natureza; além ideias e produzir transformações. SCHMITD, Elizabeth Brandão, veloppement. Paris: UNES-
disso, estão impregnados de um Mas, ainda assim, se faz neces- (2014): O paradigma da susten- CO (document prepare pour
sentido educativo orientado para sária uma ação educativa mais tabilidade: o que pensam pes- la réunion sur les modalités
a preservação de algumas espé- abrangente, multidimensional e quisadores em educação am- de travail de Chaires UNES-
cies animais e vegetais atribuin- multidisciplinar orientada a pro- biental sobre as sociedades CO du developpement durab-
do-lhes uma dimensão divina, duzir mudanças de mentalidades sustentáveis?, “em”, Conjectura le, Curitiba, 1-4 Juillet. www.
que na essência, não visam ou- e construir uma verdadeira cultu- Filos. Educ., nº 2, pp. 108-119 unesdoc.unesco.org/ima-
tros objetivos, senão a sua con- ra de sustentabilidade ambiental, MORALES, Angélica Gois Mul- ges/0009/000967/096732fb.
servação, bem como a proteção não só ao nível comunitário, mas ler, (2009): Processo de ins- pdf
da vida humana. A inquietação também ao nível de toda a região. titucionalização da Educação SANTOS, Elizabeth da Conceição,
dos habitantes de Ekovongo dian- ambiental: tendências, corren- (2000): Educação ambiental
te das alterações climáticas, da Bibliografia tes e concepções, “em”, Pes- e ensino de Ciências: A trans-
destruição das florestas, quer por Revistas quisa em Educação ambien- versalidade e a mudança de pa-
fenómenos naturais, quer pela BELCHIOR, Germana Parente Nei- tal, nº 1, pp. 159-175 radigma. VII Encontro Nacional
ação antrópica, e a consequente va; VIANA, Isna Chaves, (2016): SILVA, Rosana Louro Ferreira da; de pesquisa em educação em
degradação dos solos, revela bem Sustentabilidade e meio am- CAMPINA, Nilva Nunes, (2011): ciências (Enpec). Brasil. Floria-
a importância que eles atribuem biente: reflexões sob o olhar Concepções de educação am- nápolis. http://www.posgrad.
à natureza e ao meio ambiente, da complexidade, “em”, AREL biental na mídia e em práticas fae.ufmg.br/posgrad/viienpec/
enquanto fatores de desenvolvi- FAAR, Ariquemes, RO nº 1, Vol. 4, escolares: contribuições de uma pdf/736.pdf
mento. pp. 72-99. tipologia”, “em”, Pesquisa em SAUVÉ, Lucie, (2010): Educa-
FERREIRA, Fabíola; BOMFIM, educação ambiental, nº 1, vol. 6, ción cientifica y educación
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Diferentemente da educação Sustentabilidade ambiental: do.Canada. Montreal. https://
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derna, ancorada na racionalidade cêntrica?, “em”, ambiental- MINUA, (2006): Relatório do source/view.php?id=1392478
positivista, na crença ao progres- MENTEsustentable, ano v, nº estado geral do ambiente em SILVA, Edcleide Maria da; SILVA,
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tural identitário e na tradição; LANA, Zilda Maria de oliveira, do-relatorio-estado-geral-am- al Brasileiro de Administração.

118 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 119
José Capitango A Educação Ambiental na comunidade rural de Ekovongo-Bié/Angola

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120 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 121
Parque Nacional Obô: Conhecimento e perceções acerca da sua
importância em alunos de S. Tomé

António Almeida1
Sandra Ribeiro2
Helena Botelho3

Resumo
Em S. Tomé e Príncipe foi criado o Parque Nacional Obô em 2006 com a missão de
preservar a importante biodiversidade do território. O presente estudo procurou
verificar o conhecimento e perceções acerca do Parque de 112 alunos a frequentar
duas escolas no Distrito da Capital, 51 do 7.º ano e 61 do 11.º ano de escolaridade.
Para tal foi administrado um questionário que visava saber se os alunos já tinham
visitado o Parque; se sabiam as razões da sua criação; o tipo de atividades que nele
deviam ser ou não permitidas; as vantagens e desvantagens da sua existência; e
se já haviam sido beneficiados ou não pela sua existência. O teor das respostas foi
muito semelhante nos alunos de ambos os anos de escolaridade, tendo a maioria
afirmado nunca ter visitado o Parque e manifestado dificuldades em o localizar
geograficamente. Conseguiram, ainda assim, avançar com razões que estiveram na
base da sua criação, destacando mais vantagens do que desvantagens e afirmam
nunca ter sido prejudicados pela sua existência em termos pessoais ou familiares.
Globalmente, os inquiridos revelam um significativo desconhecimento do Parque
Nacional e a escola não parece ter ainda contribuído o suficiente para a sua divul-
gação e visitação.
Palavras-chave: Áreas protegidas, Parque Nacional Obô, Perceção e conhecimento
acerca do Parque, Ensino Básico e Secundário.

Abstract
In S. Tomé and Príncipe the National Park Obô was created in 2006 with the mis-
sion of preserving the important biodiversity of the territory. The present study
sought to test the knowledge and perceptions of the Park of 112 students atten-
ding two schools in the Capital District, 51 from the 7th year and 61 from the
11th year of schooling. To this end, a questionnaire was administered to determine
whether the students had already visited the Park; whether they knew the reasons
for its creation; the type of activities that should or should not be allowed in it; the
advantages and disadvantages of its existence; and if they had already benefited
from it or not. The content of the answers was very similar in the students of both
years of schooling, and most of them admitted to never having visited the Park and
showed difficulties in locating it geographically. However, they were able to state
several reasons to justify its creation, highlighting more advantages than disadvan-
tages and claiming that its existence was not negative in personal or family terms.
Overall, the respondents revealed a significant lack of knowledge of the National
Park and schools seems not to have done enough to promote knowledge and the
desire to visit.
Poconé, localizada no estado Keywords: Natural Protected areas, Obô National Park, Perception and knowledge
brasileiro de Mato Grosso. of the Park, Basic and Secondary Education.
Foto: Priscilla Amorim

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 123


António Almeida; Sandra Ribeiro; Helena Botelho Parque Nacional Obô

Introdução parte da população rural utiliza uma área mais pequena para não de se proteger o parque do que as
Os parques e reservas natu- remédios provenientes de plan- pôr em causa a implementação populações que residiam na sua
rais têm vindo a ser criados nas tas que são fáceis e acessíveis de tanto de processos produtivos já periferia. Assim, parece que em
últimas décadas em praticamente colher (Albuquerque & Carvalho, em laboração como a criação de diferentes pontos do globo se as-
todos os países, seguindo quase 2015). novos sobre os quais já existem sinalam posições que vão desde a
sempre o modelo conservacionis- A fauna, embora menos rica projetos e que poderiam ver a sua oposição até à indiferença acerca
ta do mundo ocidental. S. Tomé que a de áreas semelhantes no viabilidade interditada se a refe- das áreas protegidas.
e Príncipe não foi exceção e em continente africano, prima, no rida delimitação incluísse uma Já no que se refere à criação
2006 surgiu o Parque Nacional entanto, pela enorme riqueza or- maior área (Almeida 2007). Ou- de áreas protegidas em países
Obô, com a missão de salvaguar- nitológica. E praticamente todos tras vezes, a procura de recursos em vias de desenvolvimento, os
dar a importante biodiversidade os mamíferos terrestres foram naturais tem também conduzido aspetos referidos anteriormen-
do arquipélago, tendo-se esta- introduzidos na ilha, com impac- à desativação de algumas áreas te podem igualmente verificar-
belecido vários objetivos, entre tos negativos nas espécies nativas protegidas (Borrini-Feyerabend, -se. Todavia, a importação de um
os quais se destacam: assegurar (Leventis & Olmos, 2009). 2002), para permitir a sua explo- modelo conservacionista do tipo
a proteção e a promoção dos va- Todavia, a delimitação de áre- ração sem obstáculos de teor ju- ocidental gera outros problemas
lores naturais, paisagísticos e as protegidas em várias partes do rídico. e é objeto de outras críticas. Na-
culturais; promover uma gestão mundo nem sempre tem sido pa- Nos países desenvolvidos têm ess (1989) lembra que a proteção
racional dos recursos naturais; cífica. Fruto de várias pressões, a surgido com alguma frequência dos grandes mamíferos em África
contribuir para disciplinar as delimitação das áreas protegidas resistências à sua criação, uma com a criação de parques nacio-
atividades agroflorestais, recrea- tem obedecido frequentemente a vez que setores diversos da so- nais ao estilo americano não teve
tivas e turísticas, promovendo o critérios económicos e políticos, ciedade os olham como um en- em conta as implicações sociopo-
turismo de natureza (Albuquer- e não ecológicos. Para preservar a trave ao que denominam de de- líticas desta proteção. Esqueceu
que & Carvalho, 2015). diversidade das espécies, e a sua senvolvimento. Em Portugal, por que, ao mesmo tempo que se pro-
O Parque inclui uma grande viabilidade genética, seria neces- exemplo, há relatos de popula- tegiam estas espécies, se contri-
variedade de biótopos, incluindo sário ter em conta critérios natu- ções de algumas aldeias que têm buía para o desaparecimento de
florestas húmidas de baixa altitu- rais de ocorrência e delimitar as mostrado resistência à sua inte- culturas onde a caça constituía
de, florestas de montanha e man- grandes unidades ecossistémicas gração em áreas protegidas por uma atividade integrante. Assim,
gais. A imensa biodiversidade de acordo com os mesmos, o que motivos que passam pela referida a sua criação nem sempre tem
da ilha tem reflexos na medicina nem sempre acontece. Opta-se perceção de que as mesmas são sido pacífica, dado forçar a sus-
tradicional, uma vez que grande quase sempre pela delimitação de um entrave ao desenvolvimento pensão de determinadas ativida-
(Almeida, 2002). Esta desvalori- des tradicionais, como a pasto-
zação pode ter diferentes graus rícia, a caça, o corte de árvores,
1Escola desde a oposição à indiferença. mesmo em populações que cau-
Superior de Educação de Lisboa; Centro Interdisciplinar de Estudos Educacionais,
da Escola Superior de Educação de Lisboa; Centro de Investigação "Didática e Tecnologia na Por exemplo, Szell & Hallett IV savam um reduzido impacto nas
Formação de Formadores", Universidade de Aveiro. (2013) desenvolveram um estudo áreas agora classificadas. Assim,
2Agrupamento de Escolas D. Carlos I- Sintra; Centro Interdisciplinar de Estudos Educacionais,
na Roménia acerca do Parque Na- em muitas partes da África ocor-
da Escola Superior de Educação de Lisboa; Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação cional Retezat e concluíram que reu o afastamento das popula-
e Desenvolvimento, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.
3Direção
os turistas tinham atitudes mais ções indígenas dos seus recursos
Geral de Planeamento e Inovação Educativa; Gabinete de Execução do Programa
positivas acerca da importância e a deslocalização de populações
acelerar o Desempenho Educativo – PADE.

124 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 125
António Almeida; Sandra Ribeiro; Helena Botelho Parque Nacional Obô

para fora das áreas delimitadas, dem da Natureza, não só através não conhecida pelos outros dois não ocorrer no seu interior;(iv)
na crença de que os nativos fa- da caça, mas igualmente da reco- investigadores, o que pode encer- Constatar se os próprios ou as
zem uma má gestão dos recursos, leção de lenha, frutos, sementes, rar vantagens e desvantagens. respetivas famílias tinham tido
centralizando a sua gestão e, con- etc. Além do mais, as atividades Este estudo teve as seguintes algum benefício ou prejuízo de-
sequentemente, todos os benefí- agropecuárias que desenvolvem finalidades: (i) verificar se os alu- corrente da criação do Parque;
cios (Barrow & Fabricus, 2002). conduzem à desflorestação com nos alguma vez tinham visitado As duas últimas finalidades
Neumann (1998) fala mesmo em consequente perda de biodiver- o Parque e, em caso afirmativo, procuravam verificar se existên-
situações de resistência por par- sidade. quantas vezes o tinham feito e cia do Parque era reconhecida
te das populações, porque a con- Outro aspeto que poderá vir a com quem (família, escola, por como relevante ou se, pelo con-
servação da vida selvagem viola a colocar problemas no futuro de- exemplo); (ii) identificar como trário, era vista como um obstá-
economia local. Todavia, tal como corre do crescimento populacio- percecionavam a existência do culo ao desenvolvimento, mesmo
salienta Borrini-Feyerabend nal rápido que se tem verificado Parque e as razões que motiva- sabendo que os alunos inquiridos
(2002), as atitudes de diferentes na ilha. Segundo os dados demo- ram a sua criação; (ii) saber se não viviam na sua periferia.
comunidades locais para com as gráficos provenientes do Institu- associavam vantagens e desvan- Para atender às finalidades re-
áreas protegidas é muito hetero- to Nacional de Estatística de S. tagens decorrentes da sua exis- feridas foi administrado um ques-
génea: umas adoraram-nas, ou- Tomé e Príncipe, em 2001 a po- tência; (iii) identificar o tipo de tionário com perguntas abertas e
tras odeiam-nas; umas revelam pulação era de 137 599 habitan- atividades humanas que os estu- fechadas (Quadro 1).
um elevado sentido de identida- tes, valor que subiu para 178.739 dantes consideravam poder ou
de, outras sentem-se oprimidas em 2012.
e empobrecidas pela sua exis- Quadro 1: Perguntas do questionário, com referência ao tipo de ques-
tão: Escolha Múltipla (EM) e Aberta (A)
tência. E, certamente que no seio Finalidades do estudo e aspe-
de tão extremadas atitudes não é tos metodológicos
alheio o grau de participação de O presente estudo envolveu
uma determinada comunidade 112 alunos, estando 51 a fre-
na sua gestão. quentar o 7º ano e 61 o 11º ano
Em S. Tomé a delimitação de de escolaridade no ano letivo
Parque Nacional de Obô também 2015/2016, respetivamente com
não tem sido isenta de proble- a média de idade de 13,1 e 17,6
mas. Por exemplo, na periferia anos, e inseridos em duas escolas
do Parque Nacional Obô habitam no Distrito da capital. A escolha
várias comunidades rurais em das escolas foi motivada pela sua
situação de pobreza e que estão proximidade ao contexto de tra-
dependentes da caça para a ali- balho de um dos investigadores,
mentação das famílias e para a mas as turmas e alunos foram es-
economia local, o que constitui colhidos aleatoriamente. Apesar
uma pressão sobre o parque (Le- de um dos investigadores ser de S.
ventis & Olmos, 2009). E como Tomé, considera-se que a presen-
refere Brito (2013), em geral, as te investigação traduziu um olhar
comunidades insulares depen- exterior acerca de uma realidade

126 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 127
António Almeida; Sandra Ribeiro; Helena Botelho Parque Nacional Obô

Todas as perguntas vão ao en- pleta nos alunos mais velhos. ximação à localização do Parque. de ambos os anos para nunca se
contro das finalidades enuncia- Desde logo, apenas 6 (11.8%) Entende-se por aproximação terem deslocado ao Parque Na-
das. E como é fácil de percecionar, alunos do 7.º ano de escolaridade as respostas que não traduzem cional Obô.
algumas delas procuram verificar e também 6 (9.8%) dos do 11.º uma localização precisa do Par- Da análise da tabela pode-se
a existência de algum posiciona- ano afirmaram já ter visitado o que na ilha de S. Tomé, havendo constatar que os alunos do 7º ano
mento crítico associado à criação Parque. Dos alunos do 7.º ano, 5 meramente referência a um lo- salientam essencialmente o facto
do Parque, como nas questões afirmaram tê-lo feito uma vez e cal específico que se encontra no de os pais nunca os terem levado
acerca das desvantagens da sua um duas vezes, tendo igualmen- seu interior, por exemplo, Lagoa lá; já os mais velhos, destacam
existência ou de algum prejuízo te 5 se deslocado com a família e Amélia. Piores foram os resulta- a falta de transporte e nunca te-
associado à sua criação. amigos e um através da escola. Já dos obtidos no 11º ano de esco- rem tido ninguém que os levasse.
O questionário foi previamen- dos do 11º, 4 afirmaram ter visita- laridade, com apenas 4 alunos a Importa referir que dez estudan-
te analisado por dois especia- do o Parque Nacional uma só vez conseguirem alguma aproxima- tes, sendo 8 do 11º ano, afirmam
listas que o consideraram ade- e dois duas vezes, tendo para 4 a ção à localização do Parque. mesmo que não sabiam que o
quado em termos do seu teor deslocação ocorrido com familia- Assim, a maioria dos alunos Parque existia.
face às finalidades do estudo. Foi res e amigos e para os restantes não conseguiu localizar geografi- No que se refere à existência
igualmente solicitada a opinião dois com o Grupo das Montanhas camente o Parque Nacional, ten- de áreas protegidas em S. Tomé,
de dois investigadores naturais Aventuras sem Limites. do alguns indicado referências mais de 70% dos alunos do 7.º
de S. Tomé para que dessem a Os poucos alunos que afirma- erradas, como a Roça Agostinho ano considera o facto muito im-
sua opinião acerca da construção ram conhecer o parque salienta- Neto ou o Distrito Mé-Zóchi que portante ou importante, subindo
sintática das perguntas e do voca- ram ter gostado particularmente apenas inclui uma pequena área este valor para 92% nos alunos
bulário utilizado, a qual foi igual- da diversidade de animais e plan- do Parque. do 11º ano. Importa salientar que
mente positiva. tas, da existência de espécies en- Consequentemente, a maioria os restantes alunos de ambos os
Na análise das respostas, nas démicas, tendo um único aluno do dos alunos dos dois anos de es- anos não souberam fazer essa
perguntas fechadas foi calculada 11º ano afirmado ter gostado dos colaridade nunca se deslocou ao avaliação, não tendo nenhum in-
a frequência absoluta e relati- mangais. O destaque para esta re- mesmo e por razões nem sempre quirido afirmado que a existência
va das respostas; nas perguntas ferência decorre de ter sido a úni- idênticas. O Quadro 2 apresenta de áreas protegidas era irrelevan-
abertas as respostas foram su- ca com um teor ecossistémico. Já as razões evocadas pelos alunos te.
jeitas a análise de conteúdo com em relação ao que gostaram me-
posterior agrupamento de ideias nos, apenas 3 alunos de cada ano Quadro 2. Razões evocadas pelos alunos do 7.º ano e do 11.º ano para
similares, mesmo que expressas referiram aspetos negativos, em nunca se terem deslocado ao Parque Nacional Obô. Recorda-se que cada
de forma diferente. que surgiram a referência à pre- inquirido podia indicar até 3 razões, mas nem todos o fizeram
sença de cobras, o andar muito
Apresentação dos resultados durante a visita e ainda a distân-
Apesar de algumas especifici- cia a que se encontra o Parque.
dades no modo de responder, o No que se refere a consegui-
teor das respostas foi muito se- rem localizar geograficamente o
melhante nos alunos de ambos os Parque, dos 51 alunos a frequen-
anos de escolaridade e, curiosa- tar o 7.º ano de escolaridade ape-
mente, por vezes até mais incom- nas 18 conseguiram alguma apro-

128 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 129
António Almeida; Sandra Ribeiro; Helena Botelho Parque Nacional Obô

As razões avançadas pelos alu- encontram-se sistematizadas no Quadro 4: Razões evocadas pelos alunos do 7.º ano e do 11.º ano que
nos do 7.º ano e do 11.º ano para Quadro 3. justificam a criação do Parque Nacional Obô. Alguns alunos deram mais
a existência das áreas protegidas do que uma razão.

Quadro 3: Razões evocadas pelos alunos de ambos os anos para a exis-


tência de áreas protegidas.

De facto, o número de alunos vado de alunos de ambos os anos


de ambos os anos que não res- que não responderam à questão.
Foi ainda inquirido quais as no seio do Parque. A sua listagem
pondeu foi expressivo. E a prin- No que se refere às vantagens
atividades que os alunos conside- encontra-se no Quadro 5.
cipal razão evocada em ambos e desvantagens decorrentes da
ravam ser permitidas e proibidas
os grupos para a existência das criação do Parque, as vantagens
áreas protegidas decorre da ne- não se afastam das ideias ex-
cessidade de proteger animais e pressas para a sua criação com Quadro 5: Atividades que devem ser permitidas e proibidas no interior
do Parque nacional mencionadas pelos alunos de ambos os anos. Alguns
plantas. Interessante foi a refe- a referência pelos estudantes de
alunos mencionaram mais do que uma atividade.
rência de 3 alunos mais novos ao ambos os anos à preservação de
papel das áreas protegidas na re- espécies, promoção da visitação
gulação do clima. e turismo. Ainda assim, um alu-
Na questão mais concreta de no do 7º ano avançou com a ideia
procurar saber que ideia tinham de que a vantagem do Parque se
os alunos acerca das razões que relaciona também com o evitar
estiveram na base da criação do de ações nocivas do ser humano,
Parque Nacional Obô, as razões como a caça. Já no que se refere
evocadas foram em parte seme- às desvantagens, apenas dois alu-
lhante às anteriores, mas algu- nos de cada ano as referem: os do
mas ideias diferentes foram evo- 7º ano, a ideia de que o país fica
cadas igualmente (Quadro 4). com menos espaço e que os turis-
De entre as ideias novas surgiu tas ficam a conhecer as espécies
a ideia de o parque ser um local importantes do país; os do 11º
de visitação para os turistas e ano destacam o difícil acesso e o
uma fonte de desenvolvimento do se ter de gastar dinheiro na sua
país. De assinalar o número ele- proteção.

130 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 131
António Almeida; Sandra Ribeiro; Helena Botelho Parque Nacional Obô

Assim, os estudantes de ambos Conclusões parece corresponder a um fraco dos benefícios que as mesmas
os anos destacaram como ativi- Como conclusões do presente envolvimento com as ideias pre- encerram, sendo a promoção da
dades humanas a permitir no seu estudo ficam algumas ideias e al- servacionistas que conduziram à visitação a estas áreas uma via
seio a realização de passeios, tirar gumas questões que necessitam criação das áreas protegidas. igualmente importante.
fotografias, assim como as visitas de clarificação. A primeira é a Todavia, os alunos não referem
escolares, para além de outros as- constatação de que o Parque Na- impactos pessoais e familiares Os resultados do presente es-
petos com menor frequência. De cional de Obô é desconhecido da decorrentes da criação do Parque tudo são meramente indicadores
entre estes, um destaque para os grande maioria dos inquiridos. As e de entre os benefícios obtidos de algumas tendências que ne-
3 alunos do 11º ano que salien- razões parecem decorrer de ser nunca referem ganhos diretos de- cessitam de futura investigação,
taram a recolha de espécies para dada pouca relevância ao tema correntes da sua existência. Mas atendendo à natureza explorató-
pesquisa. Já nas atividades proi- dos parques nacionais no currícu- talvez os resultados fossem dife- ria deste mesmo estudo. Ainda
bidas destacaram o evitar a des- lo e também porque a mobilidade rentes se os inquiridos fossem de assim, e tendo por base o desco-
florestação e a caça de animais. na ilha não parece corresponder localidades rurais na fronteira do nhecimento dos inquiridos em
De relevar ainda o elevado núme- a padrões ocidentais, algo que é Parque. Ainda assim, o resulta- relação a vários aspetos do Par-
ro de inquiridos de cada ano que perfeitamente compreensível. De do é muito semelhante ao de um que, importa pensar que estraté-
não menciona qualquer atividade facto, não parece ser uma área a estudo desenvolvido por Namu- gias devem ser delineadas para a
a permitir ou proibir. que as famílias se desloquem nos konde & Kachali (2015) acerca promoção das áreas protegidas
Por último, pretendeu-se iden- seus momentos de lazer, nem tão das perceções e atitudes para em jovens em idade escolar.
tificar eventuais benefícios ou pouco a escola parece desempe- com o Parque Nacional Kafue, na
prejuízos decorrentes da exis- nhar um papel importante na sua Zâmbia, embora este estudo en- Referências
tência do Parque. Como dado re- visitação. volvesse comunidades locais que Albuquerque, C.; Carvalho,
levante, nenhum dos estudantes Ainda assim, muitos estudan- habitavam na fronteira do parque A. (2015): Plano de Manejo
de ambos os anos considerou ter tes conseguem identificar ra- e uma amostra maioritariamente 2015/2020 do Parque Natural
sido prejudicado em termos pes- zões que podem estar na base da constituída por não estudantes. Obô de São Tomé. São Tomé e
soais ou familiares pela existên- criação de um Parque Nacional, Por último, concorda-se com a Príncipe, RAPAC, ECOFAC V.
cia do Parque. Todavia, também embora as respostas sejam mais ideia de que a preservação da na- Almeida, A. (2002): Abordar
foram muito poucos os que se completas e conseguidas nos es- tureza dificilmente terá sucesso o Ambiente na Infância. Lis-
afirmam beneficiados, apenas 7 tudantes mais jovens, uma dife- sem o envolvimento das popula- boa, Universidade Aberta.
estudantes do 7.º ano de escola- rença que necessita de ser me- ções locais (Barrow & Fabricius, Almeida, A. (2007): Educação
ridade e 5 do 11.º ano. As razões lhor compreendida. 2002), uma verdade que se con- Ambiental – a importância da di-
dos estudantes de ambos os anos Por último, a ideia com que se sidera válida para qualquer país, mensão ética. Lisboa, Livros Ho-
foram muito semelhantes, com fica, decorrente do olhar que se independentemente do seu grau rizonte.
destaque para a importância do assumiu como exterior à realida- de desenvolvimento. Para tal, Barrow, E.; Fabricus, C. (2002):
Parque na qualidade do ar e pela de de S. Tomé, é que a realidade para além de modelos de gestão “Do rural people really benefit
existência de plantas medicinais, das áreas protegidas permanece comunitária, a inclusão do tema from protected áreas – rheto-
benefícios aliás que tanto são de alguma forma pouco interio- das áreas protegidas nos currí- ric or reality?”, Parks - The
pessoais como coletivos. rizada nestes estudantes, o que culos escolares revela-se igual- International Journal of Pro-
mente essencial para uma mais tected Areas and Conserva-
efetiva perceção dos estudantes tion, 12 (2), 67-79.

132 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 133
António Almeida; Sandra Ribeiro; Helena Botelho Parque Nacional Obô

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134 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 135
Foto: Priscilla Amorim

Poconé, localizada no estado Valores ambientais no Nordeste brasileiro: educação para a


brasileiro de Mato Grosso.
convivência no semiárido pernambucano1

Maria Waleska Camboim Lopes de Andrade


Gerlânia Francelino Rodrigues
Tamires Lima da Silva

Resumo
Estreitar relações entre as instituições que começaram a partilhar uma área geo-
graficamente delimitada, dispondo-se a preservar suas características naturais e
possibilitar o desenvolvimento sustentável é o problema que direcionou o estudo
cujos primeiros resultados aquí se relata. O local é conhecido como Fazenda Saco,
área de 3.200 hectares situada no Sertão do Pajeú, administrada pelo Instituto
Agronômico de Pernambuco (IPA). Dentre as instituições beneficiárias da partilha
estão a Unidade Acadêmica de Serra Talhada, o Parque Estadual Mata da Pimen-
teira e o Assentamento Ivan Souto de Oliveira. Objetivou-se delinear a identidade
cultural e ecológica da comunidade de moradores da Fazenda Saco, de maneira a,
numa etapa subsequente, e fundamentado nos valores que os seus membros jul-
gam importantes, adaptar um programa de treinamento sobre os valores Coope-
ração e Respeito, visando tornar a relação cultura/ambiente enriquecedora para
todos. O método de pesquisa-ação possibilitou identificar dados socioeconómicos
e o que orienta a preocupação ambiental da comunidade residente na Fazenda
Saco (preocupação biosférica, altruista ou egoística). Essa metodologia permitiu
establecer também um início de relação cooperativa entre as instituições envolvi-
das e o respeito mútuo.

Palavras chave: Assentamento, meio ambiente, valores humanos.

Abstract
Closer the relations between institutions that began to share a geographically de-
limited area, preparing to preserve their natural characteristics and enable sustai-
nable development is the problem that led to the study whose first results are re-
ported here. The site is known as Fazenda Saco, an area of 3,200 hectares located
in the Sertão do Pajeú, administered by the Agronomic Institute of Pernambuco
(IPA). Among the beneficiaries of the sharing are the Serra Talhada Academic Unit,
the Mata da Pimenteira State Park and the Ivan Souto de Oliveira Settlement. The
goal was to outline the cultural and ecological identity of the community of resi-
dents of Saco Farm, so that, at a subsequent stage, and based on the values that
its members deem important, adapt a training program on the values Cooperation
and Respect, aiming at making the relationship culture / environment enriching for
all. The action-research method made it possible to identify socioeconomic data
and the environmental concern of the community residing at Saco Farm (biosphe-
ric, altruistic or egoistic concern). This methodology also allowed us to establish
a cooperative relationship between the institutions involved and mutual respect.

Key-words: Settlement, environment, human values.

1Apoio FACEPE (Fundação de Aparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco).

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 137


Maria Waleska de Andrade; Gerlânia Rodrigues; Tamires Lima da Silva Valores ambientais no nordeste brasileiro

Introdução bucana de Defesa da Natureza, Fazenda Saco, verificou-se que certa sociedade atribui significa-
O presente estudo insere-se preocupados com a explo-ração haviam poucos dados cataloga- dos culturais intertextuais espe-
em um programa mais amplo de lenha na região e com a neces- dos sobre quem eram e como vie- cíficos. Com base em elementos
que visa estreitar relações entre sidade de manter a diver-sidade ram a habitar o local. Propôs-se como esses, o indivíduo e o grupo
as instituições que começaram de organismos na área e um es- então uma aproximação sistema- social formam a convicção de que
a partilhar uma área geografica- paço de 300 hectares de mata vir- tizada a fim de permitir que estas compartilham uma cultura (HUN-
mente delimitada, dis-pondo-se gem. Desde então, vem-se procu- pessoas conhecessem melhor al- TINGTON, 1997). Esse é um pen-
a preservar suas carac-terísticas rando estreitar as relações com a guns dos membros da comunida- samento que é construído e não
naturais e, ao mesmo tempo, pos- comunidade habitando o entorno de acadêmica presentes em sua que existe por si só; como afirma
sibilitar o desenvolvimento sus- do Parque sem que tenha havido vizinhança e que estes pudessem Bauman (2005) a identidade só é
tentável. grandes avanços. conhecê-los a partir de seu ponto revelada como algo a ser inventa-
O local é conhecido como Fa- Verificou-se então ser neces- de vista. do e não descoberto.
zenda Saco, área de 3.200 hecta- sário conhecer primeiro quem Considerou-se distinguir Modernamente tem-se con-
res, situada no sertão do Pajeú, seriam esas pessoas e descobrir quem seriam esses moradores, -siderado que identidades tradi-
administrada pelo Instituto Agro- uma forma conjunta de atingir os observar qual a visão que teriam -cionais, que prevaleceram du-
nômico de Pernambuco (IPA) objetivos gerais de preservação de si mesmos, do ambiente em rante muito tempo para certas
e que, desde inícios do século do bioma caatinga e de promoção que vivem e de como cuidam do so-ciedades, estão em processo
XXI, vem sendo partilhada com: do desenvolvimento sustentável, meio ambiente. Ao assumir uma de fragmentação na esfera indivi-
a Universidade Federal Rural de uma vez que tudo está se trans- identidade própria, os morado- dual e na social. Novas identida-
Pernambuco, através de sua ex- formando no mundo atual. res deveriam passar a exercer um des culturais surgem e provocam
tensão, a Unidade Acadê-mica de Assim, no estudo aqui relatado pensamento autônomo enquanto a denominada “crise de identida-
Serra Talhada (UFRPE-UAST); o procurou-se delinear uma iden- comunidade e, ao mesmo tempo, de”, que é parte de amplo e pro-
Parque Estadual Mata da Pimen- tidade cultural e ecológica dessa estabelecer uma relação de con- fundo movimento de transforma-
teira (PEMP); a Univer-sidade comunidade de moradores da fiança com membros de outras ção que desloca as estruturas de
Estadual de Pernambuco (UPE); zona rural do município de Ser- comunidades e instituições. identidade cultural das socieda-
a Associação de Morado-res e As- ra Talhada, PE. Visava-se encon- A identidade cultural de um des modernas dos seus centros
sentados do Assentamento Nova trar uma maneira de adaptar um grupo social é formada de dife- tradicionais de referência. Torna-
Aliança; a Escola Municipal Brás programa de treinamento sobre rentes elementos culturais que ram-se instáveis os critérios com
Magalhães e o Posto de Saúde os valores Cooperação e Respei- podem ter distintos significados base nos quais indivíduos e gru-
Municipal Diomedes de Oliveira. to, objetivando tornar a relação intertextuais para cada indiví- pos sociais construíam sua iden-
O PEMP, primeira unidade de cultura/ambiente enriquecedora duo ou grupo. São elementos tidade cultural (HALL, 2005).
conservação Estadual do Bioma para a comunidade, o meio am- culturais: os valores sociais e os No passado, aponta Seixas
Caatinga foi criado em 2012, por biente em que vive e sua percep- modos de pensar, os costumes e (2008), os contatos culturais en-
iniciativa de professores e alunos ção social. o estilo de vida, as instituições, tre povos diferentes progrediam
da UAST que buscaram a Prefei- a história comum, os grupos ét- lentamente, durante séculos, na
tura do município de Serra Talha- Justificativa nicos, o meio ambiente natural medida em que se aperfeiçoavam
da, ambientalistas, o Comitê Es- Quando se constatou a neces- e cultural, os pressupostos filo- os meios de transporte e de co-
tadual da Reserva da Biosfera da sidade de conhecer mais de perto sóficos subjacen- tes às relações municação. Por isto, os diferen-
Caatinga e a Associação Per-nam- a comunidade de moradores da sociais e outros elementos a que tes povos tinham tempo razoável

138 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 139
Maria Waleska de Andrade; Gerlânia Rodrigues; Tamires Lima da Silva Valores ambientais no nordeste brasileiro

para assimilar elementos cultu- dente de cooperação. Supunha-se mília se organiza para conseguir refletido no amanhã. Procurou-se
rais uns dos outros e para incor- que esta era a maneira de desper- determinado fim, e que pode ser ainda demonstrar, visivelmente,
porar tais elementos em sua pró- tar, desde o início da interrelação classificada seja como uma ação condutas corretas, que implicas-
pria cultura, conforme se fazia com as comunidades que habi- padrão ou como ação espontânea. sem na proteção do planeta que
necessário ou conveniente. Atu- tam a Fazenda Saco, uma manei- A ação padrão é desenvolvida vem dando mostras de estar no
almente, esse processo é muito ra de relacionamento produtivo no interior de cooperativas, sen- limite (PERCEGONA, 2008) e que
mais intenso, quase instantâneo, na realização de ações conjuntas do racionalmente construída à cuidar do meio ambiente contri-
afirma este autor, daí resultam os que promovessem o desenvolvi- luz de um código, por sujeitos que bui para a melhoria nas ativida-
fenômenos da descentralização, mento sustentável, assim como a possuem certa divisão social de des agrícolas, por exemplo.
deslocamento e fragmentação preservação e o respeito ao meio trabalho, mas que visam, entre- Segundo Guanziroli et al.
cultural a que todos se submetem ambiente, resultando em uma tanto, à equidade tanto na lucrati- (2001 p.15) os países capitalistas
na fase contemporânea da globa- melhor qualidade de vida. vidade quanto nos prejuízos, uma que possuem hoje os melhores
lização. Cooperar significa combinar vez que possuem objetivos co- indicadores de desenvolvimento
O presente estudo interes-sou- esforços individuais com a fina- muns. Já a ação espontânea, como humano, apresentam uma forte
-se pela construção da identidade lidade de realizar propósitos co- o próprio nome sugere, acontece presença da agricultura familiar,
da comunidade do Sa-co. Quem letivos. Cooperar é também uma de forma natural “inerente a de- cuja evolução teve papel funda-
poderiam ser estas pessoas? For- forma de organização, sem fins terminados grupos e derivada de mental na estruturação de econo-
mariam de fato várias comunida- financeiros, para garantir a so- suas tradições e costumes, funda- mias mais dinâmicas e de socie-
des ou uma só? Enten-de-se aqui brevivência. mentada na reciprocidade adia- dades mais democráticas e justas.
comunidade como sen-do “todas Na perspectiva de uma or- da” (SCOPINHO, 2006). A difusão da agricultura fami-
as formas de relacio-namento ca- ganização comunitária e de as- Diferente das cooperativas, a liar alicerçou-se na garantia do
racterizado por um grau elevado sentamentos, cooperar tem sido cooperação espontânea tem sido acesso à terra, que assumiu uma
de intimidade pesso-al, profun- associado ao cooperativismo, identificada como um valor para forma particular em cada país.
deza emocional, engaja-mento movimento que se caracteri- habitantes das zonas rurais, não Além de auxiliar para impulsio-
moral (...) e continuado no tem- za pela preocupação política de seguindo uma lógica estritamen- nar o crescimento econômico, a
po”. Como “a fusão do sentí-men- transformação social. Significan- te economicista e tendo um papel agricultura familiar exerceu uma
to e do pensamento, da tradi-ção do aceitar a ideia de que a supe- na forma de solucionar neces- função hábil que tem sido releva-
e da ligação intencional, da par- restrutura social é determinada sidades e problemas concretos, do em algumas análises.
ticipação e da volição.” (NISBET, pelas mudanças na infraestrutura como lidar com a escassez, en- No Brasil, o problema da má
1974, apud SAWAIA, 2007, p.50). ou com cooperativas, “associação frentar a pobreza e preservar o distribuição das terras, existe
Durante a pesquisa, manteve- autogestionária de pessoas, re- meio ambiente. desde a colonização. Paradigma
-se presente a ideia de que os va- gida por princípios de igualdade Procurou-se assim demons- regrado no feudalismo que per-
lores que a comunidade em estu- no que se refere à propriedade, trar que os pesquisadores esta- durou na Idade Média na Euro-
do julga importantes podem ser gestão e repartição” (SCOPINHO, vam investidos de uma preocu- pa, e é uma conformação de lati-
considerados como fazendo parte 2006). pação com o meio ambiente do fúndio, escravagista, com ampla
de sua identidade social. Era ne- Scopinho (2006) afirma que qual se é dependente para viver. abundância de terra nas mãos de
cessário também deixar claro que cooperação é uma ação social cuja Que cuidar do meio ambiente uma minoria.
o valor que os pesquisadores de- função é solucionar um problema significa preservar a própria es- O INCRA, através da reforma
tinham era o valor autotranscen- concreto, como quando uma fa- pécie, pois tudo que se faz hoje é agraria, tenta promover uma dis-

140 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 141
Maria Waleska de Andrade; Gerlânia Rodrigues; Tamires Lima da Silva Valores ambientais no nordeste brasileiro

tribuição mais justa das terras, para que a qualidade ambiental ambiente, tendo este se mostra- do PEMP com relação aos cuida-
mediante modificações no regi- melhore, sendo a cooperação a do válido para diferentes popula- dos com a natureza. Por exemplo,
me e uso, a fim de atender aos melhor alternativa para se obter ções. vem sendo condenada a prática
princípios do desenvolvimento bons resultados. O modelo proposto por Stern tradicional entre eles de prender
rural sustentável, aumento de Este estudo preocupou-se, as- e Dietz (1994) foca nas atitudes passarinhos, de desmatar utili-
produção e da justiça social (Es- sim, também, com as atitudes e e comportamentos ambientais zando queimadas, de caçar e de
tatuto da Terra - Lei nº 4504/64). valores das pessoas da comuni- derivados de uma consciência queimar os resíduos sólidos. Tais
A reforma agrária tem por objeti- dade do Saco com relação ao meio quanto às consequências para informações parecem gerar certo
vo, propiciar a redistribuição das ambiente em que vivem. Muitas “entes valorizados” de danos ao conhecimento entre os membros
propriedades rurais para a reali- pesquisas psicológicas vêm exa- meio ambiente. Os “entes valori- da comunidade do Saco, mas não
zação de sua função social, visan- minando as atitudes com relação zados” estão orientados em torno parecem corresponder a uma ati-
do a implantação de um modelo ao meio ambiente baseadas nos de três fontes básicas: o self, as tude conscientemente tomada ou
de assentamento rural baseado valores humanos (GRUNERT&- outras pessoas ou todos os seres uma orientação de valor que se
na sustentabilidade ambiental, JUHL, 1995; NORDLUND&GAR- vivos. Preocupações egoísticas reporte à proteção do meio am-
no desenvolvimento territorial e VILL, 2002; SCHULTZ&ZELE- focam no indivíduo. Em outras biente. A aplicação do modelo
na viabilidade econômica. Mas as ZNY, 2003; STERN, DIETZ, ABEL, palavras, pessoas com atitudes dos três fatores vem possibilitar
comunidades rurais precisam ser GUAGNANO,&KALOF, 1999; ambientalmente egoísticas se conhecer o tipo de preocupação
melhor agenciadas em suas espe- TANKHA, 1998). preocupam com o meio ambien- ambiental que orienta os mem-
cificidades. Existe um lapso entre as at- te, mas suas preocupações estão bros da comunidade da Fazenda
Pensar no futuro significa pre- titudes e o comportamento das no nível pessoal: nos efeitos da Saco.
servar o meio ambiente e para pessoas no que diz respeito à poluição sobre sua saúde, por
isto estão surgindo movimentos questão ambiental (GRUNERT&- exemplo. Atitudes altruísticas di- Método
ambientais em prol da preser- JUHL, 1995). Os valores são, con- zem respeito a uma preocupação Construção da Identidade
vação do mesmo, para garantir a tudo, considerados como mais geral para com todas as pessoas, Não existia, no início desta
vida na terra, evitar que a biodi- estáveis (ROKEACH, 1973) e têm ou seja, pensa-se nos problemas pesquisa, um mapa roteando o
versidade diminua e evitar que uma influencia sobre o compor- ambientais porque estes afetam interior da Fazenda Saco, nem
várias espécies animais entrem tamento em prol do ambiente, outras pessoas. Atitudes biosfé- sinalização sobre os caminhos a
em extinção. A preservação de- mediado pela identidade social ricas estão baseadas em todos os seguir. Procurou-se conhecer os
pende de ações coletivas, para o (GATERSLEBEN, B. MUR-TAGH, E. seres vivos. Schultz et al. (2005) membros dos 10 diferentes gru-
bem atual e das próximas gera- & ABRAHAMSE, 2014). acrescentam que, no geral, cada pos ou comunidades e seus locais
ções, visando melhorar a quali- Baseado na teoría de Stern um desses três tipos de atitudes de habitação pelas indicações
dade de vida, relacionadas não et al (1995b, apud SCHULTZ et implicam preocupações com o que foram apontadas oralmente.
somente aos níveis de educação al. 2005), que tenta explicar a meio ambiente, mas cada um está Empreendeu-se uma metodolo-
e saúde, mas também associa- relação entre atitudes e compor- baseado em valores fundamen- gia de observação e entrevistas
da ao meio ambiente. Percegona tamentos ambientais e o mode- talmente diferentes. (MOREIRA, 2002). A abordagem
(2008) afirma que a qualidade de lo de valores desenvolvido por No presente estudo, verificou- sugeria que se conhecesse a his-
vida só é possível se houver pre- Schwartz (1992), Schultz (2001) -se que os membros da comuni- tória do lugar através da memó-
servação do meio em que se vive, testou um modelo de três fatores dade do Saco vinham recebendo ria das pessoas mais velhas e
sendo necessário tomar atitudes sobre a preocupação com o meio informações por parte da gestão como o informante e sua família

142 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 143
Maria Waleska de Andrade; Gerlânia Rodrigues; Tamires Lima da Silva Valores ambientais no nordeste brasileiro

se situavam nela. -rentesco entre os membros das tos, com ver-tentes dissecadas. Açude do Saco ocupa 500 hecta-
Participaram da pesquisa, comunidades. A vegetação é basicamente com- res da Fazenda Saco (SANTOS et
como informantes, 35 pessoas, Pelas anotações das entrevis- posta por Caatin-ga Hiperxerófila al.,2013).
entre membros das comunida- tas semiestruturadas procurou- com trechos de Floresta Caduci- Durante a década de 1950, o
des, trabalhadores do IPA e auto- -se identificar o que se repetia no fólia. cultivo do algodão encontrou sua
rida-des. Foram recenseadas 194 discurso dos participantes para Historicamente, a Fazenda fase áurea no Brasil. Sendo culti-
pes-soas, com idades variando de assim organizar uma forma mais Saco pertenceu à família do Se- vado na Fazenda Saco atraiu mui-
0 a 77 anos, de ambos os sexos, e linear de contar a história de suas nhor Agostinho Nunes Maga- tos trabalhadores que aí vie-ram
que são membros das comunida- origens e hábitos. O estudo finali- lhães, capitão-mor de uma esqua- residir. O algodão era chamado
des então presentes na Fazenda zou com as oficinas onde se pro- dra portuguesa que arrendou a de “ouro branco” do sertão e es-
Saco. curou vislumbrar uma identidade sesmaria Casa da Torre às mar- teve presente, de forma indisso-
Foram utilizados como fonte própria; foram apresentadas aos gens do rio Pajeú no século XVIII. ciável, na vida social e econômica
de informação os registros fei- participantes as informações re- Posteriormente, o Coronel Brás sertaneja, até meados da década
tos pelos agentes de saúde, eles constituídas no estudo sobre eles Magalhães, descendente de Agos- de oitenta do século XX, quando
mesmos membros da comunida- mesmos, ilustradas por fotos e ví- tinho e bisavô do ex Governador a praga do bicudo acabou com a
de. Estes apontamentos, comple- deos. Estas serviram como mar- do Estado de Pernambuco, Aga- importante ativida-de cotonicul-
mentados por comentários for- cos de uma relação de confiança menon Ma-galhães, construiu a tora e definiu uma das maiores
necidos pelos próprios agentes que se inicia. parede de terra do primeiro Açu- crises enfrentadas pela região
de saúde, permitiram o recense- Em resumo, foram reuni-das de do Saco em 1848. Em 1930, o (CARDOSO e LOPES, 2015). Os
amento dos habitantes, suas co- informações documentais e orais, Coronel Cornélio Soares vendeu a trabalhadores do IPA e suas famí-
munidades e relações de paren- qualitativas, sobre o local, as pes- Fazenda ao governo do Estado de lias permaneceram, em geral, na
tesco. As entrevistas efetuadas soas e as comunidades. Ficou evi- Pernam-buco para aí ser implan- Fazenda Saco.
em suas residências e/ou locais dente que se trata de uma única tada a Estação Experimental Lau- Alguns grupos comunitá-rios
de trabalho possibilitaram pre- comunidade, e não de várias, com ro Be-zerra a cargo do IPA. Plan- dentro da Fazenda Saco foram
encher um pou-co da história do características socioeconômicas taram-se sementes selecionadas pesquisados (Ver Tabela 1). Es-
lugar e da ori-gem das famílias. próprias. de algodão arbóreo, milho e feijão sas comunidades são for-madas
As duas ofici-nas que foram reali- de corda; reprodutores caprinos, por pessoas que antes da chegada
zadas propor-cionaram momen- Resultados bo-vinos e equinos, pecuária em do IPA já moravam nos arredores
tos de aproxi-mação mais social, A Fazenda Saco fica a cerca regime de semiconfinamento, da Fazenda Saco ou em outros
coletiva. de três quilômetros do cen-tro além do manejo florestal e pesca distritos e foram atraídas pelo
A partir dos dados censitá-rios urbano do município de Serra eram outras atividades exercidas emprego ofertado pelo IPA. Nu-
coletados na unidade de saúde Talhada. Santos e colaboradores ali. Em convênio com o INFOCS merosos filhos e parentes foram
foram elaboradas estatísticas (2013) a descrevem como uma atual DNOCS (Departamento Na- casando-se entre si e aí perma-
des-critivas (Ver Tabelas I; II e unidade geoambiental inserida cional de Obras Contra a Seca) foi necendo. Por exemplo, D. Emília,
III). Estes dados foram também na Depressão Sertaneja, carac- construído o paredão de pedra e hoje com 104 anos, veio com o
inseridos no My Heritage para tereza-da por uma superfície de cal do atual Açude do Saco, que marido e três filhos do distrito de
a construção de árvores genea- pedipla-nação monótona, relevo é abastecido pelo riacho do Me- Santa Maria (município de Miran-
-lógicas, facilitando a leitura da predomi-nantemente suave-on- déia cuja nascente fica na Serra diba) a chamado de sua irmã cujo
informação sobre o nível de pa- dulado, cor-tada por vales estrei- do Triunfo. Em época de cheia, o marido já estava empre-gado nas

144 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 145
Maria Waleska de Andrade; Gerlânia Rodrigues; Tamires Lima da Silva Valores ambientais no nordeste brasileiro

lides da estação Lauro Bezerra. vididos em 57 lotes. Atualmente apenas uma está assumindo o seu sim mais acessível.
Teve mais sete filhos na Fazenda. apenas alguns lotes estão ocu- espaço, a outra continua com a Nos Currais Velhos, habita a
Outro exemplo é o do Sr. Antônio pados por pessoas que aí cons- mãe na Vila de Baixo. O pai delas família Viturino, em grande parte
Laurentino, 77 anos, morador da truíram suas casas de taipa. Os é funcionário do IPA. composta de pessoas que vieram
comunidade Barragem, veio do outros beneficiários relutam em A Barragem tem esse nome por da Fazenda Xique-Xique. Forma
agreste com os pais e os tios e aí mudar-se para lá, uma vez que se situar perto do local construí- um grande círculo de casas, a
se instalaram, sob os auspícios do é mais dificultoso habitar no lo- do para barrar a saída das águas maioria de taipa rebocada, que
Padre Cícero Romão2, antes de o cal que fica na margen oposta do que formam o Açude do Saco. O também dá passagem ao ca-mi-
Coronel Cornélio Soares vender açude, mais distante do que suas local fica na entrada do “Saco”, vi- nho para o Assentamento Ivan
as terras para o Governo do Es- casas atuais e por terem que criar zinho à UAST e a UPE. Seus mora- Souto de Oliveira. Seus morado-
tado. Muitos casa-ram com os ha- o novo habitat ou por resistirem dores foram solicitados também res são também assentados, ape-
bitantes da Vila Xique-Xique, vi- a deixar o local específico em que a retirar-se do local e dirigir-se ao sar da diferenciação de lotes
zinha da Fazenda Saco, e vieram sempre moraram. Haras, mas relutam em fazê-lo. Os irmã Elisa, ainda não entende-
trabalhar e habitar no local. O Sr Romero, por exem-plo, mais antigos, como o Sr. Antônio ram bem sua real situação e per-
A construção da árvore gene- cercou o seu terreno e cavou um Laurentino e sua irmã Elisa, ain- ma-necem no mesmo local em
alógica evidenciou que os fa-mi- poço com o qual mantém uma da não entenderam bem sua real que viveram toda a sua vida.
liares casaram-se entre si, fo-ram plantação de fruteiras e cria ove- situação e perma-necem no mes- e estruturação das moradias.
construindo suas próprias casas lhas, empreendimentos conse- mo local em que viveram toda a As comunidades de Palmas e do
e permaneceram vivendo no local guidos com subsídios do INCRA. sua vida. Sítio Piau estão fora do perímetro
formando pequenas comu-nida- Mantém, contudo sua casa de tai- Devido ao agravante em torno da Estação Experimental, mas é
des. Ao todo foram identificados pa na Vila de Baixo, onde mora, de pesquisas agronômicas do IPA, de se ressaltar que suas ações po-
três troncos familiares nos quais local bem mais perto para o des- os moradores ganharam lotes de dem afetar diretamente o Parque
seus membros se entrelaçam em locamento de suas filhas que cur- terra para reunirem-se na área Esta-dual Mata da Pimenteira.
relações de parentesco. sam o ensino médio na cidade e do Assentamento, embora essa Seus moradores são também an-
O Assentamento Ivan Souto os dois outros que estudam na distribuição de lotes não te-nha tigos e atuais funcionários do IPA
de Oliveira foi criado para aten- UAST. atendido a todos. Na visão do Sr. e instituições instaladas no local
der às demandas das famílias dos Diferentemente, a Sra. Auci- Antônio Laurentino, a instala-ção e formam com os assentados uma
antigos funcionários do IPA, que cléia habita com seu marido e de “firmas” nas terras da Fazenda comunidade em condições pare-
aí estavam residindo, e que se vi- cinco filhos no lote mais extre- é apontada como um motivo que -cidas. Os habitantes das comu-
ram ameaçadas pela mudança na mo do assentamento, o que faz os fazem retirar-se do local. As ni-dades Vila de Baixo e Tamboril
política administrativa desta ins- fron-teira com o Xique-Xique. Seu toscas casas da Bar-ragem, cons- estão aguardando definição para
tituição. lote também foi cercado, mas eles truídas pelos seus ancestrais, no sua situação.
O Assentamento Ivan Souto de encontram mais dificuldades em início do século passado, pos- Verificou-se certo equi-líbrio
Oliveira mede 900 hectares, in- explorá-lo, embora seja este o seu suem uma bela vista do açude e entre os sexos, com ligeira pre-
cluindo as áreas de reserva legal desejo. Duas de suas irmãs tam- de grande parte da Fazenda, além dominância do sexo mascu-lino.
nas encostas das serras, subdi- bém ganharam um lote, contudo de se situarem no local da fazen- A distribuição das faixas etárias
da que fica mais próximo à entra- foi feita considerando-se mais ou
2Antigo sacerdote católico que teve, antes de sua morte, e continua tendo até hoje grande
da do Saco e ao centro da cidade menos períodos do ciclo de vida
influência e prestígio na região Nordeste do Brasil. de Serra Talhada, tornando-se as- estando, por isso, desi-guais em

146 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 147
Maria Waleska de Andrade; Gerlânia Rodrigues; Tamires Lima da Silva Valores ambientais no nordeste brasileiro

termos de número de anos que está quase seco. A pesca envolve da identidade e o desenvolvimen- por ser desenvolvidas em outros
abrange cada uma, mas poden- não apenas uma atividade tradi- to sustentável. segmentos da população local. A
do indicar certa amostragem das cional da comunidade, mas tam- Durante o processo de par- comunidade do saco tira parte de
idades, por etapas de vida. Assim, bém a estação pesqueira do IPA, tilha da Fazenda Saco, que vem seu sustento da pesca artesanal
é possível dizer que 51 (39,7%) a Associação dos Pescadores do ocorrendo desde o final do sécu- e é estimulada a tirar todo o seu
dessas pessoas são crianças e Saco, o curso de engenharia de lo XX, foi criado o Assentamento sustento da terra.
adolescentes em idade escolar, 31 pesca da UAST e o projeto Flor & Ivan Souto de Oliveira, sob su- Estas informações são impor-
indivíduos (17,3 %) são jovens Pesca de aproveitamento dos re- pervisão do Instituto Nacional de tantes quando se quer res-pon-
que eventualmente deveriam de- síduos, entidades que estabelece- Colonização e Reforma Agrária der questões como: quais são as
mandar o ensino universitário ou ram relações ainda precárias. (INCRA), no qual foram instala- necessidades dessa população?
técnico, somando 82 pessoas que Moradores se referem ao tem- das 57 das famílias que habitam Quais os seus direitos e deveres?
um dia irão demandar trabalho e po em que podiam plantar e que na área da Fazenda. Para Medei- Como irão se desenvolver e ocu-
moradia. 35 (19,6 %) são jovens colhiam com fartura. Essa prática ros et al. (2004, p.141), a criação -par o espaço? Que tipo de pla-
adultos em idade de trabalhar, foi proibida nas terras do IPA há de assentamentos rurais provoca neja-mento pode ser feito para
que se somam aos 35 que possi- alguns anos e hoje não se encon- alterações nas localidades onde assegu-rar a qualidade de vida e
velmente ainda não estão apo- tra nenhuma plantação no local, eles se inserem e no modo como a integri-dade ecológica? Como
sentados. Constituindo a maioria a não ser aquela que serve para os assentados percebem sua nova essa popu-lação pode conviver
da população. Apenas sete (3,9 alimentar o gado do IPA. Alguns inserção na sociedade. No caso com o Parque Estadual Mata da
%) tem mais de 60 anos e prova- moradores mais velhos relataram da comunidade em estudo, mui- Pimenteira ajudando a mantê-lo
velmente contribuem para a ren- que estudavam na escola do IPA tos demoraram a se aceitar sob e se benefici-ando de sua existên-
da familiar com suas aposentado- durante um turno e trabalhavam tal inserção e se auto denominam cia?
rias, além do seu trabalho. na roça no outro turno. Assim, agricultores apenas por ser uma Complementando as informa-
Com relação à renda dessas aprenderam a práti-ca agrícola exigência do órgão administra- ções socioeconómicas sobre a co-
pessoas verificou-se que pelo me- e ressentem-se de que não mais dor. munidade do Saco, procurou-se
nos um membro de cada família existam plantações. A geração se- O INCRA fornece alguns be- conhecer que tipo de orientação
trabalha na cidade, no IPA ou na guinte a esta vem mantendo a tra- nefícios para a manutenção dos esta segue conside-rando objetos
UAST. Os que trabalham, em ge- dição da pesca artesanal e procu- mesmos, mas desincentiva ati- valorizados assu-mindo as con-
ral, ganham em torno de um sa- ra passá-la para seus filhos. Mas a vidades comerciais pelos assen- sequências da ação humana da-
lário mínimo. Todos sobrevivem geração hoje em idade escolar pa- tados. Isto contraria as pers- nosa sobre o meio ambiente para
com a renda familiar a qual incor- rece não adquirir essa formação pectivas de fortalecimento da o futuro do planeta, para a huma-
pora a aposentadoria dos mais de trabalho, nem agricultura nem agricultura familiar através de nidade em geral e para cada um
velhos e o bolsa família3, além da pesca, e insere-se no grupo de atividades pluriativas e comple- individualmente, ou seja as preo-
atividade comum a todos os lares “jovens cibernéticos” caracterís- mentares. Dessa forma, diversas cupações biosféricas, altruísticas
das comunidades que é a prática tica da juventude moderna. Nes- atividades que poderiam ser rea- e egoísticas.
da pesca artesanal realizada prin- se estudo, procurou-se descobrir lizadas pelos assentados acabam
cipalmente no Açude do Saco que como esse grupo de jovens pode
hoje, depois de seis anos de seca e deve contribuir para a formação

3Programa de assistência do governo federal.

148 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 149
Maria Waleska de Andrade; Gerlânia Rodrigues; Tamires Lima da Silva Valores ambientais no nordeste brasileiro

Tabela 1. Número de famílias e de pessoas por núcleo familiar das comu- Consciência ambiental composto por quatro itens, com
nidades da Fazenda Saco. Participaram desse estudo 77 Eigenvalue de 4,04, explicando
** Comunidades fora do perímetro da Fazenda, mas com fronteira com a Mata da Pimenteira.
pessoas com idades variando de 33,73% da variância total e con-
13 a 70 anos, sendo 59,7 % do sistência interna (Alfa de Cronba-
sexo feminino e apenas 14,7 % ch) de 0,81. O segundo componen-
alcançou o Ensino Médio. te identificado foi a preocupação
Utilizou-se uma escala Likert, ambiental biosférica, composto
estudada por Schultz (2001), de três itens, com Eigenvalue de
para medir a preocupação am- 1,73, explicando 14,48% da va-
biental. Os participantes rece- riância total e consistência inter-
biam uma pergunta e deveriam na (Alfa de Cronbach) de 0,82.
indicar o grau de importância que O terceiro fator foi chamado de
dariam a um conjunto de itens va- preocupação ambiental altruísta,
Tabela 2. Quantitativo de pessoas por sexo, habitando nas comunidades lorativos. Foi feita uma análise fa- composto por quatro itens, com
do Saco. torial considerando as respostas Eigenvalue de 1,30 explicando
dos participantes para a questão: 10,88 % da variancia total e con-
“Preocupo-me com os problemas sistência interna de 0,81.
do meio ambiente por causa das Com essa configuração, os re-
consequências ruins que podem sultados confirmam o modelo
ter para...”, em que deveriam assi- trifatorial estudado por Schultz
Tabela 3. Quantitativo de pessoas por faixa etária, habitando nas comu- nalar a importância que davam a (2001). O componente com maior
nidades do Saco. cada um de 12 itens. média foi o da Preocupação Am-
O teste (Kaiser¬Meyer¬Olkin) biental Altruística (m = 4,62; sd
KMO = 0,70 e o Teste de Esferi- – 1,20) seguido da Preocupação
cidade de Bartlett = 303,604 a Ambiental Biosférica (m = 4,56;
um nível de significância de 0,00, sd = 1,24) e a menor média ficou
demonstram a consistência geral com a Preocupação Ambiental
dos dados. Os dados observados Egoística (m = 4,45; sd = 1,25).
ajustam-se ao modelo de três fa- Schultz (2000) argumen-tou
tores propostos por Stern et al. que existem diferenças indivi-
Foi feita uma análise de compo- duais no grau pelo qual as pes-
Tabela 4: Preocupação das pessoas com os problemas causados no meio nentes principais com rotação soas incluem a natureza em suas
ambiente. Oblimin e obtiveram-se três fato- representações cognitivas de si
res explicando 68% da variação mesmo. Para indivíduos com um
total. Ver Tabela 4. alto grau de inclusão, o self e a na-
Os resultados desta análise in- tureza são interconectados e as-
dicaram três componentes, sen- pectos da natureza têm um valor
do o primeiro, denominado de inerente. Num nível de inclusão
preocupação ambiental egoística mais baixo o self e a natureza es-

150 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 151
Maria Waleska de Andrade; Gerlânia Rodrigues; Tamires Lima da Silva Valores ambientais no nordeste brasileiro

tão separados e a natureza é va- do num assentamento apoiado necessidade de se trabalhar mais GUANZIROLI, C.; ROMEIRO, A.;
lorizada apenas na extensão em pelo INCRA. Sua principal fonte a questão afetiva. BUAINAIN, A.M.; SABBATO, A.
que esta afeta o self. de renda é o trabalho assalariado Outros estudos encontram-se Di.; BITENCOURT, G. (2001):
No presente caso, observa-se complementado pelo Programa em andamento para orientar o A agricultura Familiar e Re-
uma prepoderância da preocupa- Bolsa Família, a Aposentadoria programa de treinamento para a forma Agrária no Século XXI.
ção ambiental altruística sobre a e a Pesca Artesanal. São pessoas vivência dos valores cooperação Rio de Janeiro, Garamond.
egocêntrica. Valores autotrans- que se dispõem à agricultura e à e respeito à natureza. INCRA, Instituto Nacional de Co-
cendentes vem se apresentando criação. Mantém uma Associação lonização e Reforma Agrária, dis-
pela população nordestina em de moradores na qual se pode Referências bibliográficas ponível em :< http://www.incra.
outros estudos (L. de Andrade, pensar na gestão cooperativa, ALVES, A.R.; PASQUALI, L. (2006): gov.br/reformaagraria>, acesso
2000). Esse resultado também principalmente com a participa- “Validação do Portraits Ques- em: 20/07/2017, 21:34
corrobora os estudos de Sch- ção feminina. tionnaire-PQ de Schwartz para o L. de ANDRADE, M. W. C.
wartz, Sagiv e Boehnke (2000) Quanto à relação com o meio Brasil”, In: II congresso de Psico- (2000): A dimensão valora-
que apresentaram uma correla- ambiente, os moradores se refe- logia Organizacional e do Tra- tiva do sentido da vida. João
ção positiva entre valores de auto riram a práticas que são proibi- balho. Pessoa:
transcendência e preocupações das e que portanto não as fazem. AZAMBUJA, L.R. (2009): “Os L. de ANDRADE, M. W. C..; LIMA,,
altruísticas e biosféricas. Conviver com a seca, a falta de Valores da Economia Solidá- T. DA S.; RODRIGUES, G. F.; SILVA,
Dessa perspectiva, valores au- água, não é um modo de vida fá- ria”, Sociologias, n. 21, p. 282- J. L. N. DA. (2016); “Sociodiver-
to-transcendentes refletem um cil, moldando uma relação des- 317. sidade, identidade e valores no
grau maior de inclusão – uma va- confiada para com a natureza. O AXELROD, R.; DION, D. The Fur- semiárido”. I Congresso Inter-
lorização de objetivos e entes que consumo e o mundo urbano tor- ther Evolution of Cooperation. nacional da Diversidade do Se-
não estão diretamente ligados ao na-se mais atraente. Aplicando a Disponivel em:<http://www- miárido (CONIDIS), v.1.
auto interesse (igualdade, união escala trifatorial, foi possível dis- -personal.umich.edu/~axe/re- MEDEIROS, L. S. de; LEITE, S.;
com a natureza, mente aberta, tinguir os três tipos de preocupa- search/Axelrod%20Dion%20 SOUSA, I. C. de; ALENTEJANO,
um mundo de paz). ção ambiental entre os membros Further%20EC%20Science%20 P. R. (2004): Assentamentos
da comunidade do Saco. A preo- 1988.pdf acesso em Agosto de rurais: mudança social e dinâ-
Considerações finais cupação ambiental altruísta, con- 2017. mica. Rio de Janeiro, Manual.
O presente estudo traz os re- sidera que é importante que os CARDOZO, J.R.A.; LOPES, M.F. MOREIRA, D. A. (2002): O méto-
sultados da pesquisa que vem problemas ambientais não pre- (2015). Disponível em:< www. do fenomenológico na pesqui-
sendo feita nas comunidades ha- judiquem outras pessoas. Bios- caldeiraodochico.com.br/a- sa. São Paulo, Pioneira Thomson.
bitantes da Fazenda Saco, sua his- férica, significando “eu sei que -importancia-preterita-do-al- PERCEGONA, C. G. (2008):
tória, suas características socio- algumas práticas são danosas, godao-para-o-nordeste-br> Qualidade de Vida e Respei-
-econômicas e sua preocupação embora não entenda bem o por- acesso em Agosto de 2017 to ao Meio Ambiente: Artigos
ambiental. quê”. E egoísticas, pois os resul- CAMPOS, C.B.; PORTO, J.B. (2010): Sobre Políticas Públicas para
Verificou-se que existem em tados danosos feitos à natureza “Escala de Valores Pessoais: va- Implantação. Concurso de Tra-
torno de 300 pessoas morando na podem me atingir. lidação da versão reduzida em balhos sobre os Objetivos de
área de estudo, a Fazenda Saco. Em resumo, o estudo indica amostra de trabalhadores brasi- desenvolvimento do Milênio.
Que a maioria dessas pessoas são uma potencialidade para o cuida- leiros”, Psico (PUCRS. Online), v. SAWAIA, 2007. Comunidade:
aparentadas e estão se instalan- do com o meio ambiente. E uma 41, p. 208-213, apropriação de um conceito tão

152 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 153
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154 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 155
Foto: Regina Silva

São Pedro de Joselândia, localizada no Breve apresentação da Formação de Formadores em Educação Am-
estado brasileiro de Mato Grosso.
biental e Política Pública brasileira: Potência de Agir ou Força de
Existir estimulada pelo Coletivo Educador Ambiental de Campinas
(COEDUCA)/Brasil

Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto1

Resumo
Esse texto apresenta uma análise da formação de formadores em educação am-
biental (EA) desenvolvida pelo Coletivo Educador Ambiental de Campinas (COEDU-
CA), estimulada por uma política pública no Brasil. O objetivo foi formar educado-
ras/es ambientais numa perspectiva crítica, libertária e emancipatória, buscando
conferir maior poder de regulação da sociedade sobre o Estado, ou seja, formar
cidadãs e cidadãos atuantes na defesa e ampliação de seus direitos e que se auto-
determinam a agir para, assim, contribuir com a construção de sociedades susten-
táveis. O foco analítico é o aumento e/ou diminuição da potência de agir.

Abstract
This text presents an analysis of the training of trainers in Environmental Education
(EE) developed by the Campinas Environmental Educator Collective (COEDUCA),
stimulated by a public policy in Brazil. The objective was to educate environmental
educators in a critical, libertarian and emancipatory perspective, seeking to give
greater power to regulate society over the State, that is, to educate citizens who
are active in the defense and expansion of their rights and who are self-determi-
ned to act, thus contributing to the building of sustainable societies. The analytical
focus is the increase and/or diminution of the action potency.

Palavras-Chave: Educação Ambiental, Política Pública brasileira de Educação Am-


biental, Potência de agir, Espinosa, Formação de Formadores.

Keywords: Environmental Education, Brazilian Public Policy on Environmental Edu-


cation, Action Potency, Espinosa, Training of Trainers.

1NUPEEA/UFSB – Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação Ambienta/Universidade


Federal do Sul da Bahia/Brasil. E-mail: alegubcp@gmail.com.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 157


Breve apresentação da Formação de Formadores em Educação Ambiental e
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
Política Pública brasileira

Esse texto apresenta breve- trelaçam-se influenciando-se mos ideias cognitivas a partir dos PAP2 são indivíduos e represen-
mente uma análise1 da formação mutuamente, embora gerem con- nossos afetos (sentimentos, emo- tantes das instituições que fazem
de formadores em Educação Am- sequências distintas, pois a se- ções, motivações). “Pensamos e parte do CE no território e que
biental (EA) estimulada por uma gunda remete-nos ao percurso agimos não contra os afetos, mas têm o compromisso de formar
política pública no Brasil (Pro- individual da busca da suprema graças a eles” (Chauí, 1995:71). educadores ambientais PAP3. Os
FEA) desenvolvida pelo COEDU- felicidade (expressão máxima de Isto é, a partir do que sentimos, quais são os atores sociais que
CA - Coletivo Educador Ambien- nossa força de existir ou potência de como afetamos e somos afeta- participam da formação e defla-
tal de Campinas. de agir), e a primeira refere-se à dos construímos ideias, teorias e gram ações socioambientais nos
A Análise refere-se ao proces- inserção do indivíduo numa esfe- regras para gerir a sociedade em territórios, através das quais têm
so formativo, de 2004 a 2012, que ra coletiva de participação políti- que vivemos. o intuito de fomentar/fortalecer
teve como objetivo formar educa- cossocial. Na estrutura dos Coletivos grupos de ação-reflexão em cada
dores ambientais numa perspec- As infinitas possibilidades de Educadores (Brasil, 2004), os comunidade, que já vem enfren-
tiva crítica, libertária e emancipa- combinação entre os três afetos grupos de Educadores Ambien- tando uma determinada proble-
tória, de modo a conferir maior básicos, desejo, alegria e tristeza, tais são nomeados como PAP mática socioambiental, sendo
poder de regulação da sociedade são o cerne do conceito de potên- esses os potenciais Educadores
sobre o Estado, ou seja, formar ci- cia. De forma abreviada: desejo é Ambientais PAP4, ou seja, a co-
Coletivo
dadãos atuantes na defesa e am- o que nos move; alegria, nas suas Educador PAP4… munidade em geral.
pliação de seus direitos e que se diversas manifestações, é a ex- …

autodeterminam a agir e, assim, pressão psíquica do aumento de PAP COEDUCA e Potência


AP3 PAP4…
contribuir com a construção de nossa força de existir e tristeza é A educação é vista como um
PAP2 P3
sociedades sustentáveis. a expressão psíquica da diminui- PAP4… pilar importante para o desenvol-
O foco é o aumento e/ou dimi- ção de nossa potência - a qual se PAP3 vimento. Por quê?
PAP1 PAP4…
nuição da potência de agir. Apre- relaciona diretamente com as va- Porque por meio dela alcança-
sentar-se-á o quê o processo riações do ânimo em função dos PAP4… mos um estado de maior alegria,
formativo desencadeou nos indi- afetos gerados pelos encontros PAP3 maximizamos a nossa potência e
PAP2
PA
víduos e não como o processo foi que podem ser bons/alegres/po- 4… preservamos o nosso ser.
desencadeado. tencializadores ou maus/tristes/ PAP4 Cabe colocar que todo o pro-
PAP3
O conceito de potência é cen- depotencializadores. Ou seja, re- cesso formativo, deflagrado pelos
PAP4…
tral em Espinosa, pois nos remete laciona-se com a nossa capacida- PAP2, utilizou-se da estratégia
à problemática da participação de de afetar e de ser afetado (EIII, denominada Cardápio de Apren-
em duas dimensões (eticopolí- prop 59, esc). dizagem (Tonso, 2005), balizada
tica e metafísica), as quais en- Espinosa nos diz que construí- – Pessoas que Aprendem Parti- na ideia de que o processo de for-
cipando/Pesquisando, podendo mação deve oferecer diferentes
ser PAP 1, 2, 3, 4, etc. estratégias educativas, chama-
PAP1 são integrantes do Ór- das Itens de Cardápio, que as/os
2O texto apresentado é parte de uma tese de doutorado: COSTA-PINTO, Alessandra gão Gestor da Política Nacional educadoras/es PAP3 escolheram
Buonavoglia. (2012). Potência de Agir e Educação Ambiental: aproximações a partir de uma de EA que têm como papel apoiar a partir das suas próprias neces-
análise da experiência do Coletivo Educador Ambiental de Campinas (COEDUCA) SP/Brasil. o planejamento das atividades sidades de realizar a ação educa-
Tese de doutorado, São Paulo, USP, (Programa de pós-graduação em Ciência Ambiental) &
dos Coletivos Educadores (CEs). tiva socioambiental de formação
Lisboa/Portugal, Universidade de Lisboa (Departamento de Filosofia).

158 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 159
Breve apresentação da Formação de Formadores em Educação Ambiental e
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
Política Pública brasileira

dos PAP4. que nos alimentem com poesia, Contudo, não é possível afir- como ação que se expressa como
Nessa proposta os temas/con- que desenvolvam o sentido lú- mar que o conhecimento adquiri- alegria/aumento de potência/
teúdos não devem “se limitar à dico, afetivo e estético” (Tonso, do pelos PAP provenha exclusiva- força de existir. Quando esta-
questão técnica objetiva de ofe- 2005:53). Ou seja, o processo mente da vivência formativa, mas mos potentes, somos capazes de
recerem somente informações, educativo deve ser entendido não sim que é fruto desse processo nos afastar dos maus encontros
mas devem propor atividades como um acúmulo de conheci- em sinergia com aprendizados (degradantes, tristes) e buscar/
que brinquem conosco, que nos mentos, mas e principalmente, advindos de tudo mais que foi fomentar bons encontros (poten-
tragam à memória nossa história, como um processo de autoco- vivido, nas diferentes esferas da cializadores, alegres).
vida de cada um, durante este pe- Abaixo são apresentados de-
ríodo. poimentos que explicitam os
Espinosa propõe uma terapia aprendizados dos PAP a respeito
cognitiva dos afetos para atingir a de si próprios ao longo do proces-
felicidade suprema (TCI, § 1, 2, 16 so:
e 18), que se configura como um
“o COEDUCA transformou a mi-
processo reflexivo sobre a causa nha vida, o jeito como eu me re-
primeira dos nossos afetos, inci- laciono com os meus filhos, com
tando-nos a percorrer o caminho o meu marido, com os meus cole-
gas de trabalho. (...) tem a ver com
imaginação (projeção) – razão enxergar mais o outro, (...) de se
(junção dos aspectos cognitivos e colocar no lugar do outro e saber
afetivos) – felicidade (libertação que naquele momento é daquela
dos afetos tristes) e, assim, con- forma que ele [(o outro)] dá con-
ta de saber fazer. (...) também eu
ferir alegria a existência humana. sou mais tolerante comigo, tenho
Para o filósofo, a reflexão sobre mais paciência, sou menos opres-
a causa dos nossos sentimentos/ sora de mim mesma, sei que na-
quele dia é assim que eu dei conta
motivações nos permite ter ideias de fazer” (PAP2).
crítico-reflexivas, possibilitando “(...) me fez perceber o meu po-
a transformação do próprio de- der e algumas inflexibilidades (...)
este trabalho do COEDUCA me
sejo. O aspecto intelectual/cog- deixou mais flexível. (…) ajuda
Atividades formativas do COEDUCA, 2007-2009. [Fotos: COEDUCA]
nitivo nos ajuda ordenar e com- também a perceber o outro e qual
preender melhor o que estamos é o seu limite” (PAP2).
nhecimento visando a uma maior cipalmente, pelo conhecimento “(...) essa vivência do construir
sentindo/pensando, de modo a uma proposta educativa coleti-
capacidade de ação individual e técnico adquirido, tanto na área propiciar uma reflexão que nos vamente, de ouvir o outro e ter
coletiva. educacional como na socioam- permita ressignificar nossos afe- que se rever [tem me ajudado a
Os resultados aqui, parcial- biental, que relaciona-se à ca- tos/pensamentos e, consequen- me conhecer melhor], é o que me
permite hoje responder às críti-
mente, apresentados referem-se pacidade do indivíduo de com- temente, permita a elaboração de cas/coisas/demandas de manei-
à dimensão individual da potên- preender, o melhor possível, sua outras ideias - cognitivas ou afe- ra mais amorosa” (PAP2).
cia em relação ao processo edu- inserção na área da educação am- tivas. “Entrar no COEDUCA foi quase
cativo desenvolvido. O foco da biental (dimensão ético-política como salvar a minha vida, pois se
Em Espinosa, esse processo abriu para mim um mundo novo”
análise é a alegria gerada, prin- da potência). de ressignificação constitui-se (PAP3).

160 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 161
Breve apresentação da Formação de Formadores em Educação Ambiental e
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
Política Pública brasileira

samento de Espinosa, que, no ponentes como crítica social que rilena Chauí). São Paulo, Abril
“(…) parte da estrutura cognitiva século XVII, diferentemente dos busca, efetivamente, alternativas Cultural, 3a edição. (coleção:
[da pessoa] vai se constituindo pensadores de sua época, com- que possibilitem a edificação de Os pensadores).
relacionada ao conhecimento de preendia a razão não como a ne- sociedades sustentáveis, rom- LEITE, S. A. da S. (2006): “Afetivi-
si própria (…)” (Leite, 2006:27). gação dos afetos mas sim como pendo com valores hegemônicos, dade e práticas pedagógicas.” In:
um processo interpretativo/re- hoje exacerbados, como competi- LEITE, S. A. da S. (org.). Afetivi-
O acima exposto, aponta à in- flexivo sobre eles na busca pelo tividade e individualismo. dade e práticas pedagógicas.
dissociabilidade entre afeto e reconhecimento de suas causas, Assim, essa experiência apon- São Paulo: Casa do Psicólogo.
processos cognitivos, além de pois como dito anteriormente, ta à importância de termos pro-
demonstrar a atualidade do pen- são nossos afetos que fazem com cessos de EA, preocupados com o
aprendizado ético-afetivo, como
centrais em políticas públicas
educacionais e ambientais, tendo
em vista o que Espinosa nomina
de ‘vida na concórdia’ , isto é, a
sustentabilidade em sentido am-
plo.

Referências bibliográficas
BRASIL. (2004): ProFEEA - Pro-
Atividades formativas do COEDUCA, 2007-2009. [Fotos COEDUCA] grama de formação de educa-
dores(as) ambientais. Por um
Brasil educado e educando am-
que tenhamos ideias cognitivas a cia o aumento de nossa potência bientalmente para a sustentabili-
respeito das coisas (do mundo e de agir e, passa necessariamente dade. Brasília: Ministério do Meio
de nós próprios). pelo reconhecimento de nossas Ambiente/Diretoria de Educação
Considerações finais potencialidades e limitações indi- Ambiental.
Espinosa fala-nos de um viduais e coletivas. CHAUÍ, M. (1995): Espinosa,
aprendizado ético-afetivo carac- O COEDUCA sempre teve a uma filosofia da liberdade.
terizado pela reflexão sobre nos- preocupação com esse aprendi- São Paulo, editora Moderna.
sos afetos passivos, ou seja, so- zado ético-afetivo apresentado ESPINOSA, B. (2007): Ética/Spi-
bre nossas ideias imaginativas/ por Espinosa como modo de al- noza; [tradução e notas Thomaz
projeções – hábitos culturais, cançar a felicidade/libertação Tadeu]. Belo horizonte: Autêntica
crenças, experiências afetivas dos afetos tristes. A partir disso, Editora.
que determinam nosso funciona- podemos apontar que a expe- ESPINOSA, B. (1983). Pensa-
mento psíquico, valores sociais riência educativa propiciada por mentos metafísicos; Tratado
cristalizados, conhecimentos téc- este coletivo tem substrato para da correção do intelecto; Ética;
nicos imprecisos ou superficiais possibilitar a potencialização do Tratado político; Correspon-
etc. - que têm como consequên- pensar e do fazer de seus com- dência (Seleção de textos: Ma-

162 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 163
Foto: Regina Silva

Os equipamentos de educação ambiental para a sustentabilidade


no cerne do Entre-Norte-e-Centro
Margarida Correia Marques1
Fabíola Salvador Hipólito2
Rossano Lopes Bastos3

Resumo
Um equipamento de educação ambiental para a sustentabilidade (EqEA) é um im-
portante potencializador do desenvolvimento local. No presente trabalho preten-
deu-se construir uma estratégia em educação ambiental com a instalação de um
EqEA no território cunhado como cerne do Entre-Norte-e-Centro. Este território,
charneira entre as regiões Norte e Centro de Portugal Continental, é constituído
por sete concelhos: Aguiar da Beira, Castro Daire, Moimenta da Beira, Sátão, Ser-
nancelhe, Tarouca e Vila Nova de Paiva. Nesta área territorial rural ressalta a cul-
tura de pomares de macieiras, destacando-se as variedades de maçã tradicionais
certificadas. Salienta-se a existência de um EqEA registado no Sistema Nacional de
Informação de Ambiente. A opção de implantar neste território a “Quinta Peda-
gógica da Maçã” surge por ser um EqEA inovador com múltiplas valências – não
existe nenhum EqEA com caraterísticas semelhantes na Península Ibérica –, que
acrescenta valor aos recursos endógenos existentes. Sugere-se que a “Quinta Pe-
dagógica da Maçã” se localize no concelho de Moimenta da Beira ou de Tarouca,
por deterem a maior área ou com pomares de frutos frescos ou para futura intro-
dução, mais recursos hídricos e fáceis acessos. Este EqEA terá projeção, atrativi-
dade e competitividade se o empenho dos sete concelhos for coeso, cooperativo,
participativo e inovador.
Palavras-Chave: Educação ambiental, equipamento, desenvolvimento local, inova-
ção, sustentabilidade.

Abstract
Equipment of environmental education for sustainability (EqEE) is a major boos-
ter for the local development. The present paper was focused around creating an
environmental education strategy through the installation of an EqEE in a territory
known as the core of the Entre-Norte-e-Centro. This territory, located between the
northern and central areas of mainland Portugal, includes seven municipalities:
Aguiar da Beira, Castro Daire, Moimenta da Beira, Sátão, Sernancelhe, Tarouca and
Vila Nova de Paiva. The cultivation of apple trees’ orchards stands out in this rural
territorial area, and the existence of an EqEE registered with the National Envi-
ronmental Information System should also be noted. The option to establish an
"Apple Pedagogical Farm" in this land emerges as an innovative EqEE with multiple
valences - there is no EqEE with similar features on the Iberian Peninsula - and
adds value to the existing endogenous resources. There is a suggestion for the
"Apple Pedagogical Farm" to be located at the municipalities of Moimenta da Beira
or Tarouca, as they present the largest area in the territory, or hold sectors with
fresh fruit orchards or even include optimal areas for their future introduction, in
addition to having more water resources and easy accesses. This EqEE will have
projection, attractiveness and competitiveness, if the overall commitment from
the seven municipalities ends up being cohesive, cooperative, participatory and
innovative.
São Pedro de Joselândia, localizada no Key-Words: Environmental education, equipment, local development, innovation,
estado brasileiro de Mato Grosso. sustainability.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 165


Os equipamentos de Educação Ambiental para a sustentabilidade no cerne do
Margarida Correia Marques; Fabíola Salvador Hipólito; Rossano Lopes Bastos
Entre-Norte-e-Centro

Introdução zação nas questões ambientais conectada com o sistema de edu- aposta nos recursos endógenos
Desde meados do século XX (FENRINHA, 2011:13; CORREIA cação e em princípios definidos para a construção da sustenta-
que a Educação Ambiental (EA) MARQUES et al., 2015a:71,75; pela qualidade do pensamento, bilidade neste território, levou
se tem instituído e expandido, JACOBI, 2003). É, também, funda- capacidade em modelar e cons- a considerar a EA, em particular
devido à conjunção de vários fa- mental na promoção da capacida- truir o futuro, valores morais, um dos seus recursos – os Equi-
tores, tais como a crescente dos de das populações para intervi- ideais e apetência espiritual. pamentos para a Educação Am-
problemas ambientais, o debate rem nas decisões com impacte no Os objetivos da EA são formu- biental ou de Educação Ambiental
a nível internacional, nacional e ambiente e na qualidade de vida, lados com base nos problemas do para a Sustentabilidade (EqEA) –,
local sobre esses problemas, e o bem como, na consciencialização desenvolvimento da sociedade como um desafio, mas também
papel atribuído à educação como para a envolvência na resolução internacional. Convêm notar que como uma oportunidade. Este re-
fator-chave na solução destas do problema ambiental e para a a EA, bem como a sua filosofia, curso, instituído de forma orga-
questões (ALMEIDA, 2007:13- necessidade de políticas públicas difere de país para país (ZAKHA- nizada, orientada e estruturada,
19; AMADO e VASCONCELOS, nesta área (ALKIMIN, 2015:17; ROVA et al., 2015:1182,1185). é um importante potencializador
2015: 357; BLANCHET-COHEN RODRIGUES e COSTA, 2015; ROSA Em Portugal, as preocupações do desenvolvimento local.
e REILLY, 2013; CARVALHO, et al., 2015:215; ZORRILLA-PUJA- ambientais iniciaram-se em di- Neste contexto, o objetivo ge-
2015:33-44; COSTEL, 2015:1384; NA e ROSSI, 2016:152). ferentes períodos (CARVALHO, ral do trabalho realizado foi de-
FERNANDES et al., 2007; NEVES O conceito de EA tem vindo a 2015:60-65; FERNANDES et al., senvolver uma estratégia em EA
e OSSWALD, 2014:245-253; TAN- evoluir ao longo dos tempos, e 2007:36-38; HIPÓLITO, 2016:36- para a seleção e implantação de
NOUS e GARCIA, 2008; UNFCC, tem estado ligado diretamente 38), no entanto, só em 2017 se um EqEA no território multimu-
2017). Conforme França e Souza à evolução do conceito de am- concretizou o lançamento de uma nicipal sob apreço – o cerne do
Neto (2015:391) indicam, a EA é biente e à forma como este é per- estratégia para a EA (RESOLUÇÃO Entre-Norte-e-Centro. O conceito
“um instrumento capaz de pro- cecionado (FERNANDES et al., DO CONSELHO DE MINISTROS de EA em que se baseia esta es-
mover a transformação cultural 2007; HESSELINK e ČEŘOVSKÝ, n.º 100/2017 de 11 de julho). tratégia é de caráter multidisci-
e a superação da crise ambiental 2008; SAUVÉ, 2005; SERANTES O presente trabalho surge plinar, transformador e holístico.
que vivemos”. e BARRACOSA, 2008; TANNOUS e na sequência do Plano Regional Detém uma visão de ambiente
A EA constitui um instrumen- GARCIA, 2008). A Educação para de Desenvolvimento Integrado, centrada na relação dos seres
to essencial no processo de alte- o Desenvolvimento Sustentável solicitado pela empresa EGSP - com o mundo, no sentimento de
ração de valores, atitudes e com- (EDS) “concentra a sua atenção Energia e Sistemas de Potência à pertença ao lugar onde se vive, na
portamentos a nível individual e nos problemas de igualdade pela Unidade de Ambiente da Univer- postura crítica e na adaptação às
coletivo, ao sensibilizar a socie- educação e na própria educação” sidade de Trás-os-Montes e Alto diferentes realidades, bem como,
dade para uma coresponsabili- (NASIBULINA, 2015:1078). Está Douro, para um território multi- na integração das preocupações
municipal. Este território, deno- sociais e económicas. Interligado
minado por CORREIA MARQUES a este conceito está a ética am-
1Centro de Investigação e de Tecnologias Agroambientais e Biológicas – CITAB; Unidade de et al. (2015b) como o “cerne do biental, que procura formar o ci-
Ambiente da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, 5000-801 Vila Entre-Norte-e-Centro”, é consti- dadão empenhado na vida em co-
Real, Portugal. Email: mcm@utad.pt
2Unidade de Ambiente da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Quinta de Prados,
tuído por sete concelhos: Aguiar munidade, na consciencialização
da Beira, Castro Daire, Moimenta da coresponsabilidade pelo futu-
5000-801 Vila Real, Portugal.
3Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional – IPHAN
da Beira, Sátão, Sernancelhe, Ta- ro, na coexistência pacífica com
rouca e Vila Nova de Paiva. A forte os outros cidadãos, na proteção
Praça Getúlio Vargas, 268 CEP: 88 020-030 Centro. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.

166 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 167
Os equipamentos de Educação Ambiental para a sustentabilidade no cerne do
Margarida Correia Marques; Fabíola Salvador Hipólito; Rossano Lopes Bastos
Entre-Norte-e-Centro

e defesa do ambiente e no res- impacte (ALVES et al., 2013:74). de EA temáticos. 2013:23), sendo da responsabi-
peito pela ação, pelo sentimento Pode-se considerá-los laborató- • EqEA de perspetiva di- lidade das Comunidades Autó-
de pertença à comunidade e pela rios de aprendizagem individual dática ou educativa e didática nomas o diagnóstico relativo aos
participação ativa para o desen- e social de boas práticas a nível – nesta tipologia centram-se as EqEA implantados no seu terri-
volvimento da mesma. ambiental; são flexíveis, adap- quintas pedagógicas, as aulas de tório. No entanto, desde 2006,
tando-se às diversas exigências e natureza, as aulas ativas, o campo o Centro Nacional de Educación
Equipamentos para a educação necessidades. Na Figura 1 apre- de aprendizagem. Ambiental – CENEAM (MAGRA-
ambiental na Península Ibérica sentam-se os critérios e os ele- • EqEA de perspetiva socio- MA, 2017) compila anualmente
De todas as iniciativas em EA, mentos que definem os EqEA. crítica ou social – enquadram-se informação sobre os EqEA exis-
os EqEA são o recurso com maior Os EqEA classificam-se nas neste modelo os centros de de- tentes no território espanhol, ten-
senvolvimento rural, as vila-es- do registado mais de 700 EqEA.
cola, os centros de EA, as aulas Atualmente o CENEAM verifica o
experimentais. desaparecimento de muitos des-
• EqEA de perspetiva lúdi- tes EqEA devido à crise económi-
ca e turística – fazem jus a esta ca.
tipologia as casas da natureza, o Em Portugal, a entidade res-
turismo rural, os albergues da na- ponsável pela georreferenciação
tureza. dos EqEA é a Agência Portuguesa
• EqEA como centros de re- do Ambiente I.P. (APA). No Siste-
ferência – residem as iniciativas ma Nacional de Informação de
que coordenam e gerem recursos Ambiente (SNIAmb), em agosto
para outros EqEA. de 2017, estavam registados 175
O critério “impacte social” dos EqEA, incluindo: 9 Centros de
EqEA permite distinguir e inte- Ciência Viva; 54 Centros de Edu-
grar em dois grupos as tipologias, cação Ambiental; 44 Centros de
anteriormente identificadas: 1) Interpretação Ambiental; 5 Eco-
EqEA de alto impacte social; 2) tecas; 11 Parques Ambientais; 15
EqEA de baixo/médio impac- Quintas Pedagógicas; 37 Outro
Figura 1: Critérios que constituem um EqEA (adaptado de ALVES et al., 2013; te social (ALVES et al., 2013:76; (APA, 2017). A forte aposta tem
BOCOS, 2007; GUTIÉRREZ et al., 1999; PAZOS, 2006; SERANTES e BARRACO- CARVALHO et al., 2011:437). En- sido em EqEA ligados aos rios e
SA, 2008) quadram-se no primeiro grupo: ao mar. Verifica-se uma carência
os centros de EA, as aulas de na- de iniciativas em territórios de
seguintes categorias/tipologias conservacionista/institucional –
tureza, as quintas pedagógicas; baixa densidade populacional.
– que não se excluem reciproca- exemplos desta perspetiva são os
no segundo grupo: os centros de Vários autores defendem que
mente, mas completam-se – (AL- centros de visitantes, os centros
interpretação e de visitantes, os as atividades proporcionadas
VES et al., 2013:75-76; CARVALHO de interpretação, os museus e os
zoológicos, os museus. pelos EqEA devem recair numa
et al., 2011:436-437; SERANTES parques etnográficos.
Em Espanha, os primeiros maior integração da dimensão
e BARRACOSA, 2008:179-180): • EqEA de perspetiva atitu-
EqEA surgiram nos finais dos sociocultural, resultado de um
• EqEA de perspetiva na- dinal/comportamental – a título
anos 70 (SERANTES e GARCÍA, diagnóstico às iniciativas realiza-
turalista/conservacionista ou exemplificativo tem-se os centros

168 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 169
Os equipamentos de Educação Ambiental para a sustentabilidade no cerne do
Margarida Correia Marques; Fabíola Salvador Hipólito; Rossano Lopes Bastos
Entre-Norte-e-Centro

das pelos EqEA, que são maiori- ria nem aeroportuária, embora
tariamente focadas nas perspeti- exista um heliporto em Aguiar da
vas naturalista/conservacionista Beira. Para garantir e promover
(MEIRA CARTEA e PINTO, 2008; o acesso ao futuro EqEA (ver ca-
PAZOS, 2006:206). Para comba- pítulo 5) há que repensar a rede
ter as dificuldades, as carências e de transportes no território sob
as limitações que os EqEA detêm, apreço. Esta deverá ser flexível,
MUÑOZ (2002:67) defende que inteligente, amiga do ambiente e
“deveria criar-se um modelo em sempre que possível recorrer à
que a política institucional seja utilização dos recursos endóge-
centrada no público, nos servi- nos da área territorial em análise.
ços educativos, na divulgação, na A rede hidrográfica é abun-
comercialização e nas relações dante e diversificada. No Cerne
Figura 2: Localização dos sete concelhos, que constituem o cerne do Entre-
públicas, e que os processos de do Entre-Norte-e-Centro locali- -Norte-e-Centro, em Portugal Continental.
comunicação e educação se con- zam-se as cabeceiras e as nascen-
vertam na sua principal função”. tes de importantes rios, tanto da Os solos com aptidão agríco- nantemente, as explorações agrí-
bacia do Douro, como ainda do la elevada correspondem a 0,9% colas têm dimensões compreen-
O cerne do Entre-Norte-e-Cen- Vouga e do Mondego. A rede de da área do território em análise didas entre 1 ha a 5 ha. Todavia,
tro abastecimento de água e de dre- e localizam-se principalmente registam-se algumas exceções,
O cerne do Entre-Norte-e-Cen- nagem de águas residuais é com- nos concelhos de Moimenta da nomeadamente em Moimenta da
tro possui uma área de cerca de plexa, devido à sua dispersão, à Beira, Sátão Sernancelhe e Ta- Beira onde prevalece a produção
151 195 ha. Insere-se nas regiões existência de pequenos aglome- rouca (CORREIA MARQUES et al., intensiva de maçã e em Sernance-
Norte e Centro de Portugal Con- rados e à complexidade da gestão 2015b:24). O concelho de Sátão lhe com a produção intensiva de
tinental (NUTS II) e conseguintes do domínio hídrico regional. apresenta-se como o mais apto castanha. A macieira, a cerejeira, a
sub-regiões Douro e Dão-Lafões Do ponto de vista geológico e a nível florestal e agrícola, tendo pereira, a figueira e outros poma-
(NUTS III), que por sua vez per- geomorfológico, o território sob grandes áreas com moderada e res de frutos frescos são bastante
tencem aos distritos de Viseu e apreço situa-se no Maciço Anti- elevada aptidão. Com vista à im- relevantes nesta área territorial,
da Guarda (Figura 2). Está divi- go, na Zona Centro-Ibérica (COR- plantação de um EqEA no cerne mas são os pomares de macieiras
dido em 76 freguesias (CORREIA REIA MARQUES et al., 2015b:20). do Entre-Norte-e-Centro, aquan- que têm a maior expressão. Real-
MARQUES et al., 2015b:8). Embora não exista legislação que do do seu projeto de execução, ça-se a produção de maçãs tradi-
No que diz respeito às infraes- imponha zonas de proteção para deverá ter-se em consideração a cionais certificadas como a “DOP
truturas rodoviárias, e apesar as falhas geológicas deve-se con- aptidão dos solos para uso agrí- – Maçã Bravo-de-Esmolfe” e a
de, nos últimos anos, terem sido truir o EqEA em conformidade cola, de forma a colocar o equipa- “IGP – Maçã da Beira Alta” (as va-
substancialmente requalificados com as mesmas, ou seja, com ma- mento numa área adequada que riedades deste fruto são: Golden
os acessos a este território, a sua teriais de construção adequados não condicione o potencial agrí- Delicious; Royal Gala; Jonagored;
sinalização precisa de ser mui- e fundações resistentes, especial- cola da área sob apreço. Granny Smith; Reineta).
to melhorada. O cerne do Entre- mente no caso de a sua localiza- A área agrícola corresponde a A agricultura é a principal fon-
-Norte-e-Centro não dispõe de ção ser na proximidade de uma 33 791 ha, isto é, 22% da área do te de rendimento da maior parte
nenhuma infraestrutura ferroviá- destas falhas geológicas. território em análise. Predomi- da população residente no cerne

170 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 171
Os equipamentos de Educação Ambiental para a sustentabilidade no cerne do
Margarida Correia Marques; Fabíola Salvador Hipólito; Rossano Lopes Bastos
Entre-Norte-e-Centro

do Entre-Norte-e-Centro. A ele- nascimentos e à fraca fixação da Equipamentos de educação ra de Lamosa que disponibiliza
vada faixa etária (cerca de 43% população no território em aná- ambiental para a sustentabili- informação sobre o património
dos produtores têm idade igual lise. O grupo etário de população dade num e para um território natural e construído de Lamosa
ou superior a 65 anos), os níveis residente com maior expressão, multimunicipal e dos territórios desta freguesia
de instrução baixos (cerca de em 2011, correspondia ao estra- que fazem parte da Rede Natu-
59% dos produtores terminaram, to da população adulta ativa, 25- Equipamentos existentes ra 2000, do sítio de importância
apenas, o 1.º ciclo do ensino bási- 64 anos (50%). O grupo etário da No cerne do Entre-Norte-e- comunitária Rio Paiva; 3) O Par-
co) e a insuficiente formação dos população idosa, >65 anos, surgia -Centro, em agosto de 2017, es- que Botânico Arbutus do Demo,
produtores (somente 0,24% dos em seguida com 25%. A taxa de tava registado no SNIAmb apenas em Queiriga, onde se encontram
produtores têm formação pro- desemprego atingiu o seu valor um EqEA: o Centro de Interpreta- espécies botânicas autóctones –
fissional agrícola) resulta na má mais elevado no concelho de Vila ção e Informação do Montemuro dispostas por usos etnobotânicos
utilização de produtos químicos Nova de Paiva (14%) e o seu valor e Paiva (CIIMP). Situado em Cas- e industriais, propriedades medi-
na atividade agrícola e, também, mais baixo no de Aguiar da Bei- tro Daire, o CIIMP está aberto du- cinais e características aromáti-
no abandono das terras agríco- ra (9%). As habilitações escola- rante todo o ano e tem uma admi- cas –, e ainda estruturas de apoio,
las (CORREIA MARQUES et al., res predominantes no território nistração local, do setor público. como uma sala de interpretação
2015b:72). No município de Moi- (73%) correspondiam ao ensino Das atividades que pode realizar audiovisual.
menta da Beira localizam-se as básico (INE, 2011). destacam-se: eventos comemo- No concelho de Aguiar da Bei-
duas organizações de produtores A estrutura empresarial no rativos/espetáculos, trilhos in- ra está em construção um Centro
que existem neste território: a cerne do Entre-Norte-e-Centro é terpretativos, projeção de audio- Interpretativo Vivo do Castanhei-
Cooperativa Agrícola do Távora, composta por pequenas e médias visuais, campos de ocupação dos ro e da Castanha para a promoção
CRL; e a SOMA – Sociedade Agro- empresas (PME), em que cerca de tempos livres/férias e oficinas/ e o reforço da cultura do casta-
-Comercial da Maçã, Lda. Estas 98% das empresas detêm menos atividades experimentais (APA, nheiro.
organizações deverão ser envol- de dez pessoas ao serviço (mi- 2017). Convêm reforçar que todos
vidas no projeto e funcionamento croempresas) (CORREIA MAR- Existem outros EqEA no cer- os EqEA se deverão registar no
do EqEA proposto, pois poderão QUES et al., 2015b:105-106). ne do Entre-Norte-e-Centro não SNIAmb de forma a se promove-
proporcionar e adicionar conhe- A distribuição de empresas na registados no SNIAmb. A título rem e adquirirem maior visibili-
cimentos, experiência e parcerias atividade cultura de pomóideas exemplificativo mencionam-se dade, tanto no território como a
ao mesmo. (maçãs, peras, marmelos, entre dois localizados no concelho de nível nacional ou mesmo inter-
Em 2011, residiam no cerne do outras) e prunóides (pêssegos, Sernancelhe (CMS, 2017) e um nacional. Para que isto aconteça,
Entre-Norte-e-Centro 62 363 in- cerejas, nectarinas, ginjas, alper- terceiro situado no de Vila Nova esta plataforma terá que ser mais
divíduos (INE, 2011). A densida- ces, ameixas, entre outras) detêm de Paiva (CMVNP, 2017): 1) O e melhor divulgada, nomeada-
de populacional apresenta uma uma maior expressão no conce- Centro Interpretativo da Aldeia mente junto das câmaras muni-
diminuição nos últimos anos: em lho de Tarouca (66%), e menor da Faia, aberto durante todo o cipais. Relativamente, aos EqEA
2016, o valor correspondia a cerca expressão no concelho de Castro ano e administrado pela Asso- existentes no cerne do Entre-
de 42 habitantes/km2; em 2011, Daire (6%). Ainda no setor pri- ciação Dinamizadora Aldeia da -Norte-e-Centro sugere-se adicio-
a 44 habitantes/km2 (INE, 2011; mário, verifica-se que as empre- Faia; 2) O Centro Pedagógico de nalmente que haja uma maior di-
INE, 2016). Esta diminuição de- sas com sede em Sernancelhe são Lamosa e o Centro Interpretativo vulgação nos portais oficiais das
ve-se ao envelhecimento da po- as que exportam mais, seguindo- da Biodiversidade da Rede Natu- câmaras municipais.
pulação, ao reduzido número de -se as empresas de Tarouca.

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Os equipamentos de Educação Ambiental para a sustentabilidade no cerne do
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Entre-Norte-e-Centro

Seleção do tipo de equipamen- tiva didática ou educativa e didá- enquadra-se nos moldes da EA Entre-Norte-e-Centro tem em se
to e temática a implantar tica é o que melhor pode aproxi- não formal e permite dar respos- dinamizar e, portanto, conta com
Como mencionado no capítu- mar a EA à população e fomentar ta às necessidades crescentes de objetivos que venham valorizar o
lo 2, os EqEA são o recurso com a formação de uma cidadania contacto das populações com a que esta área territorial tem para
maior impacte junto das popu- ambiental que assuma e promova natureza e o mundo rural. É uma oferecer à população residente e
lações quando se aborda a EA. mudanças relevantes noutras es- ideia inovadora a que acresce o a todos os que a queiram visitar
Tendo em conta o panorama a calas territoriais. facto de, até ao presente, não exis- e explorar. Esta proposta surge,
nível da Península Ibérica (onde O critério de “impacte social” tir na Península Ibérica nenhuma também, da mudança de para-
se verificou a oferta de um vasto (ver também capítulo 2) mais Quinta Pedagógica que centre to- digma que se quer efetuar em
leque de experiências) e ao nível adequado ao EqEA proposto im- dos os seus esforços apenas num Portugal, como é o caso do com-
do território em análise, o EqEA plantar no território sob apreço produto. bate à desertificação do interior.
a implantar deverá apostar na di- corresponde ao EqEA de alto im- Sugere-se que a “Quinta Pe- Será um espaço socioeducativo
ferença, na inovação e no desen- pacte social, uma vez que neste dagógica da Maçã” adote a agri- que centra as suas atividades no
volvimento local. É essencial que nível de impacte é necessário que cultura biológica na produção Ciclo da Maçã; um recurso com-
o EqEA tenha um papel ativo na as atividades propostas sejam de da maçã, bem como em todas as plementar e facilitador de apren-
educação e seja uma referência cariz participativo, proporcio- culturas produzidas. Deve respei- dizagem de conhecimentos, in-
estável para toda a população, nem o contacto com a realidade, tar as normas específicas estabe- tegrando tradições, costumes e
colabore na formação ambiental, permitam a descoberta e a intera- lecidas pela União Europeia e a valores, que deverá assegurar o
desenvolva projetos educacionais ção, e desenvolvam-se em longos legislação em vigor em Portugal respeito pelos objetivos definidos
com continuidade no tempo, crie períodos de tempo. sobre este modo de produção na cimeira da ONU “Transformar
postos de trabalho, seja atrativo Do cruzamento das seleções (DECRETO-LEI n.º 256/2009 de o nosso mundo: Agenda 2030 de
a um elevado número de partici- atrás efetuadas e contabilizando 24 de setembro), enquadrando- Desenvolvimento Sustentável”,
pantes, gere outros programas e os recursos endógenos do terri- -se, assim, na atual Estratégia Na- que decorreu em Nova Iorque,
incremente a investigação a nível tório sob apreço (Figura 3) res- cional para a Agricultura Biológi- em 2015 (UNRIC, 2017).
local, que seja um recurso capaz salta como tipologia para o EqEA ca (RESOLUÇÃO DO CONSELHO Para a concretização de todos
de abordar estratégias de ação a implantar: a Quinta Pedagógica. DE MINISTROS n.º 110/2017, os objetivos a que a “Quinta Pe-
local. Do estudo diagnóstico no cerne de 27 de julho). A boa qualidade dagógica da Maçã” se propõe são
Neste contexto, as categorias/ do Entre-Norte-e-Centro ressal- do ar ambiente no território sob necessários os recursos básicos
tipologias de EqEA (ver capítulo ta a forte aposta na produção de apreço (CORREIA MARQUES et (e.g. recursos materiais, huma-
2), que mais se enquadram e que maçã, resultando, por vezes, uma al., 2015b:40-47) contribuindo nos e metodológicos) para um
poderão ter sucesso no cerne do grande quantidade de maçã de positivamente para a produção desenvolvimento próspero. Uma
Entre-Norte-e-Centro, são: 1) refugo (CORREIA MARQUES et biológica será também um atra- administração forte e uma equi-
EqEA de perspetiva didática ou al., 2015b:69; ver também capí- tivo para o público-alvo visitar a pa educativa sólida resultará em
educativa e didática; 2) EqEA de tulo 3). Desta constatação surge a “Quinta Pedagógica da Maçã”. ótimos recursos metodológicos e
perspetiva sociocrítica ou social; temática para a Quinta Pedagógi- materiais. A “Quinta Pedagógica
3) EqEA de perspetiva lúdica e tu- ca – o Ciclo da Maçã – composto Quinta Pedagógica da Maçã da Maçã” será pensada e adap-
rística. Porém, tendo em conta os pelas quatro fases apresentadas A proposta de criação da tada ao público-alvo, designada-
recursos endógenos do território na Figura 4. “Quinta Pedagógica da Maçã” sur- mente nos seus conteúdos, nas
sob apreço, um EqEA de perspe- A “Quinta Pedagógica da Maçã” ge da necessidade que o cerne do atividades propostas (incluindo a

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Os equipamentos de Educação Ambiental para a sustentabilidade no cerne do
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sua duração e os materiais a utili- • Investigar e inovar nas


zar), nas suas infraestruturas, na várias fases do Ciclo da Maçã, no-
sua avaliação e em todas as par- meadamente na produção, na co-
ticularidades na envolvente do lheita, no armazenamento e/ou
projeto, de forma a responder às na transformação, para colocar
necessidades locais, regionais e à disposição da população uma
até internacionais. rede de conhecimentos;
• Promover a inclusão, a
Público-alvo e objetivos participação, e o envolvimento
O cerne do Entre-Norte-e-Cen- dos intervenientes nas ações de-
tro é um território de baixa den- senvolvidas pelo equipamento;
sidade (ver capítulo 3). Por esta • Contribuir para o desen-
razão, o EqEA foi pensado e es- volvimento do turismo de qua-
truturado para todas as pessoas lidade, isto é, com produtos de
que queiram usufruir de um es- qualidade, requinte e acessíveis a
paço descontraído, enriquecido todos;
em cultura e em conhecimento, • Dinamizar o cerne do En-
sejam elas nacionais (do territó- tre-Norte-e-Centro;
rio ou não) ou estrangeiras, de • Criar postos de trabalho.
Figura 3: Seleção do equipamento para a educação ambiental a implantar no modo consciente e com respeito
território em análise. pelos recursos naturais e pelo Gestão e funcionamento
ambiente. No público-alvo inclui- O projeto educativo da “Quinta
-se: a população escolar de todos Pedagógica da Maçã” deverá ser
os níveis de ensino; os professo- realizado pela administração do
res; os investigadores; as empre- EqEA, antes da sua implantação
sas; os agricultores; a população no território em análise, contan-
jovem; a população adulta ativa; a do desde o início com o apoio da
população idosa e as famílias. equipa educativa, de preferência
Os objetivos a que o EqEA se já especializada nesta matéria.
propõe são: Pretende-se que a equipa educa-
• Educar, sensibilizar, moti- tiva seja o mais multidisciplinar
var e acompanhar o público-alvo possível, estável e profissionaliza-
para a concretização de boas prá- da. As dimensões da Quinta irão
ticas na produção, colheita, arma- determinar o número de colabo-
zenamento e/ou transformação radores necessários para o seu
da maçã; funcionamento. Todos os postos
• Valorizar e potenciar os de trabalho a criar serão verdes
Figura 4: Temática para a Quinta Pedagógica – o Ciclo da Maçã – fases deste
recursos endógenos, as tradições e sustentáveis, uma vez que es-
ciclo a partir da informação da Associação dos Produtores de Maçã de Alcoba-
ça (2017). e os costumes; tes “reduzem de forma gradual os

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impactes ambientais e sociais das vidade económica; a eficiência na A certificação da “Quinta Pe- com as escolas profissionais pode
diversas atividades económicas” utilização da água; o estado das dagógica da Maçã” através de contemplar a lecionação de aulas
e contribuem “para os objetivos águas de superfície; o estado das sistemas de gestão ambiental práticas, bem como a coorienta-
e as metas da sustentabilidade” águas subterrâneas; os fertilizan- contribuirá para o sucesso da sua ção de trabalhos académicos e
(DIAS e RAMOS, 2010:4,17). tes agrícolas; a gestão ambiental concretização e para a melhoria estágios que promovam a inclu-
As entidades responsáveis e responsabilidade social; a ges- contínua do seu desempenho am- são dos alunos no mercado de
pela administração da Quinta – tão de resíduos; a ocupação e uso biental. Poderá ser definida como trabalho. Com os agricultores po-
públicas e/ou privadas – deverão do solo; a produção agrícola cer- parte do sistema global de gestão, derá desencadear-se o desenvol-
realizar uma gestão adequada ao tificada; a produção e consumo que inclui: a estrutura funcional; vimento de atividades realizadas
tipo de EqEA, transparente, res- de energia primária; e a qualida- o planeamento das atividades; a por eles e para eles, o volunta-
ponsável, participativa, eficiente, de do ar. definição das responsabilidades; riado e a aprendizagem de novas
eficaz, coerente, dinâmica, que Propõe-se que o processo de os procedimentos e os recursos técnicas na agricultura e mais es-
possibilite a redução da pegada avaliação ocorra ao longo de todo necessários para concretizar, pecificamente para os pomares
ecológica e, simultaneamente, o projeto, podendo ser compos- manter, desenvolver e rever de de macieiras.
melhore os recursos a nível local. to pelas etapas apresentadas na modo continuado a política am- O EqEA deverá oferecer, ain-
Deverá recorrer-se a um sistema Figura 5. É importante que os biental da Quinta. da, um funcionamento regular ao
de indicadores de desenvolvi- resultados desta avaliação sejam A criação de uma Marca Regis- longo do ano, isto é, deverá estar
mento sustentável para a ava- incorporadas no melhoramento tada para a “Quinta Pedagógica aberto ao público mais de 120
liação da evolução dos níveis de e na evolução dos programas, ati- da Maçã” certificará a qualidade dias/ano. O horário de funcio-
sustentabilidade da Quinta. Dos vidades e serviços da Quinta para do EqEA e dos serviços prestados namento poderá ser variável ao
indicadores-base deste sistema incitar à melhoria do ambiente, à ao público-alvo. Além da marca, longo do ano. Como critério para
destacam-se os com interesse di- melhoria da EA, ao crescimento sugere-se a criação de um percur- a escolha do melhor horário su-
reto na avaliação das boas práti- profissional da equipa, à melho- so pedestre – a ser posteriormen- gere-se, por exemplo, a época alta
cas ambientais no Ciclo da Maçã: ria do seu funcionamento, ao for- te homologado –, que venha dina- e a época baixa de turismo ou a
o consumo da água; o consumo talecimento da relação da equipa mizar os pomares de macieiras. influência das estações do ano no
de eletricidade produzida a partir com o público-alvo, a uma maior A “Quinta Pedagógica da Maçã” ciclo da maçã.
de fontes de energia renováveis; probabilidade de contrair finan- deverá realizar parcerias com as
a ecoeficiência dos setores de ati- ciamentos e outros apoios. Organizações de Produtores do Infraestrutura
Território (ver capítulo 3), as es- A “Quinta Pedagógica da Maçã”
colas profissionais, as empresas pode ser inserida de duas formas
ligadas ao setor da agricultura, os distintas no cerne do Entre-Nor-
agricultores, e com todas as enti- te-e-Centro: a primeira hipótese é
dades que tenham interesse no e a recuperação de uma zona agrí-
para o desenvolvimento próspe- cola abandonada e/ou de um edi-
ro da Quinta. Estas parcerias irão fício ou até de uma quinta já exis-
proporcionar novas experiências, tente, da forma mais sustentável
transmissão de conhecimentos, possível; e a segunda hipótese é
associativismo, inclusão e be- a construção sustentável de uma
Figura 5: Constituição do processo de avaliação do equipamento a implantar
no território em análise.
nefícios económicos. A parceria infraestrutura para o efeito. Em

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ambos os casos é necessário res- tor de uma cozinha/laboratório 5. Zonas de circulação entre utilizar nas atividades; aplicações
peitar o ecossistema e todos os onde se realizará a transforma- os diferentes espaços. móveis; e um website.
seus princípios, minimizar os ção da maçã e algumas das ati- Todas as atividades realizadas
impactes que possam causar ao vidades (e.g. workshops, ateliers A criação de um espaço para a na Quinta deverão ter uma com-
ambiente e utilizar de forma efi- e/ou oficinas de trabalho), bem realização de investigação cien- ponente sociocultural relevante
ciente os recursos. Implicará: a como de um espaço para o arma- tífica nas várias fases do Ciclo da para recuperar costumes e valo-
minimização da produção de re- zenamento do fruto, outro para Maçã poderá resultar em docu- res tradicionais, bem como para
síduos e de emissões (de prefe- exposições e receção dos visitan- mentos científicos e técnicos que potenciar os recursos endóge-
rência Resíduo 0 e Emissão 0); a tes; um espaço direcionado para avaliem as possibilidades de in- nos do território sob apreço e a
utilização eficiente dos recursos a comercialização dos produtos vestimento nesta área e na cons- dinamização do mesmo. Tanto a
energéticos e hídricos, recorren- da Quinta; e um espaço para bar trução de uma rede de conheci- população residente como as em-
do aos recursos endógenos do e/ou restaurante; mentos que possa ser partilhada presas locais poderão participar,
território sob apreço; a maximi- • Alojamento – Espaço que com o público-alvo, empresas e envolver-se e realizar atividades
zação da durabilidade dos edi- proporcione aos visitantes esta- todas as entidades interessadas. na Quinta Pedagógica, contri-
fícios; a utilização de materiais dia (e.g. bangaló, casa rural/tra- Uma das áreas com interesse a buindo com os seus conhecimen-
ecoeficientes. Salienta-se que não dicional), de forma a desenvolver nível científico é a análise de ciclo tos na área e fomentado laços e
se deverá implantar a “Quinta Pe- turismo de qualidade; de vida da maçã, visando a oti- parcerias. É indispensável pro-
dagógica da Maçã” em zonas de • Unidade de investigação mização dos processos que com- mover a inclusão nas atividades
falhas geológicas nem nas suas científica – para aprofundar o co- põem este ciclo. de pessoas com mobilidade redu-
proximidades e em zonas que nhecimento sobre as várias fases zida e/ou deficiência, com neces-
haja risco de incêndio (ver capí- do Ciclo da Maçã e inovar nesta Atividades sidades especiais e carenciadas.
tulo 3; CORREIA MARQUES et al., área; Na “Quinta Pedagógica da Na Tabela 1 apresentam-se su-
2015b:20-21,62-63). • Estufas e viveiros; Maçã” será privilegiada a edu- gestões de atividades na promo-
Sugere-se que a dimensão da • Edifício de apoio ao po- cação, sensibilização e acompa- ção do Ciclo da Maçã que podem
“Quinta Pedagógica da Maçã” seja mar – que possibilite guardar as nhando do público-alvo na con- ser realizadas e adaptadas para
igual ou superior a 2 ha, uma vez ferramentas e os recursos mate- cretização de boas práticas no as diferentes faixas etárias. Na Fi-
que irá deter espaços de conforto riais necessários; Ciclo da Maçã, ao mesmo tempo, gura 6 ilustra-se de forma sucinta
e bem-estar, assim como, espaços • Estábulo e curral – no que se promove a sua inclusão, algumas das possibilidades que
para atividades interiores e exte- caso de optar-se pela utilização participação e envolvimento. podem ser trabalhadas nas ativi-
riores destinadas ao público-alvo. de organismos auxiliares (e.g. ga- Para tal será necessário desen- dades dirigidas à transformação
Deverão criar-se condições para linhas, ovelhas) na limitação das volver programas e atividades de da maçã.
a receção de pessoas com mobi- pragas na agricultura biológica; oferta regular que respeitem as
lidade reduzida e/ou deficiência, 2. Um espaço de grande am- diferentes etapas a ter em consi- Localização
que necessitem de cuidados es- plitude com um pomar de maciei- deração: idealização, preparação, A “Quinta Pedagógica da
peciais. Poderão ser adotados os ras realização, avaliação e reformu- Maçã” poderá localizar-se em
seguintes espaços: 3. Uma horta pedagógica lação. A equipa educativa deverá qualquer um dos sete concelhos
com uma estufa de apoio; elaborar materiais de apoio so- em análise. Porém, com o intuito
1. Edifícios: 4. Espaços que valorizem a bre esta temática, como: guias de de conhecer quais as áreas com
• Edifício principal – deten- paisagem; informação; folhetos; materiais a maior aptidão para a sua im-

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Os equipamentos de Educação Ambiental para a sustentabilidade no cerne do
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plantação, definiram-se macro concelhos, ilustrando ainda áreas


critérios imprescindíveis para a com potencial para a introdu-
seleção destas áreas: 1) Recursos ção de pomares de macieiras e
hídricos – devido à necessidade as áreas a evitar na implantação
que a Quinta terá em abastecer- da Quinta por estarem já ocu-
-se deste recurso, sobretudo na padas pelas urbes. A rede rodo-
produção de maçã; 2) Uso e ocu- viária mostra o mesmo nível de
pação do solo – para observar distribuição nos sete concelhos
a distribuição espacial da área que constituem o cerne do Entre-
agroflorestal e da área urbana -Norte-e-Centro. Essencial para o
no território sob apreço; 3) Rede desenvolvimento deste projeto,
rodoviária – com o propósito o acesso pela A24 e pelo IP3, si-
de analisar as acessibilidades à tuado em toda a extensão norte-
“Quinta Pedagógica da Maçã”; 4) -sul do concelho de Castro Daire,
Tabela 1: Atividades a realizar por todas as faixas etárias para a promoção do
Pomares de frutos frescos – de possibilitará a comunicação com
ciclo da maçã.
extrema importância para criar estradas municipais, nacionais
informação sobre a sua distribui- e internacionais. Os pomares de
ção e dimensão no território sob frutos frescos – com dimensões
apreço. Utilizando o software Ar- inferiores a 2 ha, compreendidas
cGis 10.3.1. cruzaram-se as cartas entre 2 e 5 ha e superiores a 5
correspondentes a estes macro ha – predominam nos concelhos:
critérios (CORREIA MARQUES et Moimenta da Beira e Tarouca,
al., 2015b:11,31,61,73; HIPÓLI- concentrando-se quase exclusi-
TO, 2016:91), de forma a obter a vamente a norte destes. Como foi
malha de macro localização para sugerido atrás, a “Quinta Pedagó-
os possíveis locais onde se pode- gica da Maçã” deverá deter uma
rá implantar a “Quinta Pedagógi- dimensão mínima igual ou supe-
ca da Maçã”. rior a 2 ha – não se aconselhan-
Verificou-se que os recursos do o investimento em áreas com
hídricos têm uma distribuição se- dimensão inferior a esta.
melhante por todo o território em Tendo em consideração esta
análise, portanto onde quer que análise recomenda-se que a
se pretenda implantar a “Quin- “Quinta Pedagógica da Maçã” seja
ta Pedagógica da Maçã” ter-se-á implantada no concelho de Moi-
sempre um bom abastecimento menta da Beira e/ou no de Tarou-
de água à mesma. Do uso e ocu- ca, uma vez que detêm a maior
pação do solo ressalta que a área área com pomares de frutos fres-
Figura 6: Atividades no âmbito da transformação da maçã, sugeridas para a agroflorestal está distribuída de cos, fáceis acessos, uma forte rede
Quinta Pedagógica a implantar no cerne do Entre-Norte-e-Centro. modo semelhante por todos os de abastecimento de recursos hí-

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Os equipamentos de Educação Ambiental para a sustentabilidade no cerne do
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dricos, e em caso de necessida- o estudo preliminar de macro rante todo o projeto. No cerne 31(8), 15-27.
de de introdução de pomares de localização efetuado sugere que do Entre-Norte-e-Centro deve- ALMEIDA, A. (2007). Educa-
macieiras, possuem várias áreas seja implantada nos concelhos rá desenvolver-se uma rede de ção Ambiental. A importância
onde se poderá fazê-lo. de Moimenta da Beira ou de Ta- transportes que garanta e facilite da dimensão ética. Lisboa, Li-
rouca, por aí existirem, simulta- o acesso à “Quinta Pedagógica da vros Horizonte.
Considerações finais neamente, uma maior área com Maçã”. Esta poderá integrar, por ALVES, J.; CARVALHO, S.; MEI-
A construção de uma estraté- pomares de frutos frescos, me- exemplo, uma rede de bicicletas RA-CARTEA, P.; AZEITEIRO, U.
gia em EA para a seleção e implan- lhores acessos rodoviários, uma distribuídas pelo concelho onde (2013): "Diagnóstico sobre Equi-
tação de um EqEA num território relevante rede de abastecimento o EqEA for concretizado associa- pamentos para a Educação Am-
multimunicipal – o cerne do En- de recursos hídricos e, em caso da a uma rede de veículos flexível, biental no Distrito de Lisboa. As-
tre-Norte-e-Centro –, fundamen- de necessidade de introdução inclusiva, acessível e de emissões pectos Biofísicos e Socioculturais
talmente, assenta na conjugação de pomares de macieiras, áreas reduzidas. nos Projetos Educativos.", em
de três pilares: 1) compreensão onde se poderão cultivar. A estratégia em educação am- CAPTAR 4(1), 72-91.
de conceitos como, a EA, a ética Para dar continuidade à pre- biental desenvolvida no presente AMADO, M.; VASCONCELOS, C.
ambiental e os recursos de EA sente proposta deverá realizar-se trabalho poderá ser reproduzida (2015): "Educação para o de-
que causam maior impacte; 2) o projeto educativo e definir-se a em diferentes territórios. Da me- senvolvimento sustentável em
um preciso e atual diagnóstico micro localização do EqEA. Suge- todologia adotada convêm desta- espaços de educação não for-
ambiental e socioeconómico do re-se a promoção de um concur- car a importância da realização mal: a aprendizagem baseada
território sob apreço; 3) o conhe- so de ideias para a realização da de um diagnóstico ambiental e na resolução de problemas na
cimento do tipo de EqEA existen- arquitetura/estrutura da “Quinta socioeconómico detalhado, para formação contínua de profes-
tes na Península Ibérica. Pedagógica da Maçã”, seguindo-se compreender os desafios e as sores de ciências", em Interac-
Verificou-se que não existe ne- a concretização do respetivo pro- oportunidades da área sob aná- ções, 39, 355-367.
nhuma Quinta Pedagógica na área jeto de execução. Paralelamente lise, bem como da seleção da ti- APA – Agência Portuguesa do
territorial em análise e que na Pe- deverá efetuar-se uma campanha pologia do EqEA com contributo Ambiente, I.P. (2017): Promo-
nínsula Ibérica não há nenhuma de divulgação contínua, abran- decisivo no desenvolvimento sus- ção e Cidadania. Equipamen-
que se centre apenas num produ- gente e direcionada ao público- tentável e sustentado do territó- tos e materiais. Sistema Nacio-
to. Desta constatação associada -alvo. Uma aposta adicional será rio. nal de Informação de Ambiente.
às caraterísticas do território sob a criação de uma marca registada http://www.apambiente.pt/in-
apreço, surge uma estratégia em e um percurso pedestre homolo- Agradecimentos dex.php?ref=16&subref=142&-
EA que aposta no desenvolvimen- gado. Ao designer Luis Gabriel um sub2ref=698; http://sniamb.
to local e na inovação, e que resul- Existem ainda outros esfor- especial agradecimento pelas fi- apambiente.pt/Home/Default.
ta na proposta de implantação da ços a serem feitos para o desen- guras e tabela efetuadas. htm [Consult. em 29 de agosto de
“Quinta Pedagógica da Maçã”. volvimento próspero da “Quin- 2017].
A “Quinta Pedagógica da ta Pedagógica da Maçã”, como o Bibliografia ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTO-
Maçã”, um espaço socioeducativo investimento em parcerias com ALKIMIN, G. (2015): "O panora- RES DE MAÇÃ DE ALCOBAÇA
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188 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 189
Foto: Regina Silva

O Método de Paulo Freire na Educação Ambiental com o uso de


aplicativo de informática para dispositivos móveis

O. dos S. Rocha1
M. A. da Silva2
M. Lopes3
Resumo
A problemática ambiental relaciona-se ao comportamento humano, demonstra-
do na falta de consciência necessária à preservação da natureza. O trabalho tem
como objetivo central verificar a viabilidade do Método de Paulo Freire na prática
de ensino-aprendizado da educação ambiental, mediante o uso de aplicativo de
informática, em dispositivos móveis, visando à conscientização sobre a questão da
preservação ambiental. A pesquisa, de natureza qualitativa, utilizou o estudo de
caso. A investigação fundamentou-se no Método de Paulo Freire, considerando o
princípio da dialogicidade do ato educativo. A metodología, desenvolvidamedian-
te a análise das práticas pedagógicas realizadas em escola do Ensino Fundamental,
utilizou como instrumento pedagógico jogos informatizados. A investigação ba-
seou-se no principio da dialogicidade do ato educativo de Paulo Freire. Os resul-
tados parciais constataram as afirmações de Rabelo (2011) e Silva (2007) ao afir-
marem que o uso pedagógico de software, integrado às dimensões dialógicas dos
conhecimentos adquiridos, por meio dos círculos de cultura, gera a socialização
dos alunos,transformando as concepções dos educandos, sobre o meio ambiente.
Com base nos resultados, esta pesquisa propõe ao processo educativo o método
de ensino Freiriano, integrado ao uso de aplicativos para dispositivos móveis, sina-
lizando para uma educação renovada e alinhada aos novos contextos sociais.
Palavras chave: Método de Paulo Freire, Educação Ambiental e Aplicativo de Infor-
mática, Dispositivo Móvel.

Abstract
The environmental problem is related to human behavior, demonstrated in the
lack of awareness necessary for the preservation of nature. The main objective
of this work is to verify the viability of the Paulo Freire Method in the teachin-
g-learning practice of environmental education, through the use of a computer
application in mobile devices, aiming to raise awareness about the issue of en-
vironmental preservation. The research, of a qualitative nature, used the case
study. The investigation was based on the Paulo Freire Method, considering the
principle of the dialogicity of the educational act. The methodology, developed
through the analysis of pedagogical practices carried out in elementary school,
used as a pedagogical tool computerized games. The investigation was based on
the principle of the dialogicity of the educational act of Paulo Freire. The partial
results confirm Rabelo's (2011) and Silva (2007) statements by affirming that the
pedagogical use of software, integrated with the dialogical dimensions of acquired
knowledge through culture circles, generates the students' socialization, transfor-
ming the conceptions of On the basis of the results, this research proposes to the
educational process the Freiriano method of teaching, integrated with the use of
applications for mobile devices, signaling to a renewed education and aligned with
the new social contexts.
São Pedro de Joselândia, localizada no Key-words: Paulo Freire's Method, Environmental Education and Information Te-
estado brasileiro de Mato Grosso. chnology Application, Mobile Device.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 191


O método de Paulo Freire na Educação Ambiental com o uso de aplicativo de
O. dos S. Rocha; M. A. da Silva; M. Lopes
informática para dispositivos móveis

Introdução dos de Paulo Freire e meios para dos e recriados, a partir da fala ambiente sustentável, a partir
O objetivo deste trabalho foi organizar a própria experiência do saber do outro, estimulando dos resíduos que são gerados.
verificar a viabilidade do Método durante a dinâmica do aplicativo a compreensão e os significados
de Paulo Freire no conhecimento do jogo. dos seres, das coisas e dos fatos. Conscientização do espaço na-
e na prática da educação ambien- Para justificar a temática da Nisso observou-se que é no diálo- tural preservado e um ambien-
tal, com o uso de aplicativo de educação ambiental no processo go que a relação e o conhecimen- te sustentável
informática, em dispositivos mó- ensino-aprendizagem, no contex- to se consolidam. Nessas condi- Historicamente, a sociedade
veis, visando à conscientização to de sala de aula, considerou-se a ções foram se produzindo ações e foi capaz de reproduzir ao lon-
sobre a questão ambiental dos problemática ambiental vivencia- reações dos sujetos envueltos de go do tempo um modelo de de-
estudantes. Essa tendência em da pelos próprios alunos no seu modo espontâneo. Nessa relação senvolvimento injusto, moral e
utilizar aplicativos no ato educa- cotidiano e nas suas relações com e inter-relação com o outro e o ambientalmente insustentável.
tivo torna extremamente neces- a comunidade. Outro fator impor- meio, Freire (1996, p.28) afirma Santos (2016, p.16) destaca que
sário para o enriquecimento e tante trabalhado foi a comunica- que “aprende-se o conhecimento “é ambientalmente insustentável
transformaçãodo fazer pedagógi- bilidade entre os participantes, já sistematizado e se produz o co- porque busca atender padrões
co em sala de aula e fora dela. com o intuito de promover a ex- nhecimento ainda não existente”. de produção-consumo infinitos a
Em se tratando da temática pansão da consciência crítica, ao O envolvimento dos alunos na partir de uma base natural finita”.
da educação ambiental, perce- inter-relacionar os vários aspec- exploração dos aplicativos, me- Assim sendo, ao analisar os
be-se como problemática a falta tos: econômicos, sociais, políti- diante a investigação dos conteú- atuais padrões de consumo na
de conscientização da sociedade cos, culturais e ecológicos, visan- dos abordados sobre educação percepção do impacto ambiental
na preservação do meio ambien- do ajudar as pequenas e futuras ambiental, pode-se notar que o e a recente emergência e crescen-
te. Por esse motivo, investigação gerações a participarem do con- aluno se torna um desafiador no te centralidade, outro autor, Por-
buscou trabalhar o Método de texto sócio-ambiental. modo de repensar e (re) construir tilho (2005, p.25) ressalta que
Paulo Freire, utilizando inicial- Dessa forma, ao mencionar os conceitos percebidos na socie- isso “está se dando por meio de
mente palavras geradoras sobre as contribuições do Método de dade, para retornar a articulação “deslocamento”, da percepção do
os temas ambientais, na perspec- Paulo Freire, com o diálogo, bus- dos significados, compreendidos discurso e da definição da proble-
tiva do ensino-aprendizado, a fim cou-se torná-lo o elemento indis- nos círculos dialógicos, como mática ambiental, indicando uma
de tornar o alunoum sujeito par- pensável e mobilizador de todo ato de “feedback” do processo transformação no campo dos de-
ticipativo, dinamicamente crítico, o processo educativo, a partir do próprio aprendizado. Nesse bates e das práticas sobre o meio
autônomo e inovador no proces- dos temas geradores. Tais temas processo de relação com o objeto ambiente”.
so de construção do seu próprio surgiram das situações-limites, de estudo, por meio da educação Ainda segundo Santos (2016,
conhecimento. Para tanto, pro- da contextualização da aprendi- ambiental e o uso de aplicativo de p.11) “são gerados resíduos como
pos-se a interação com os méto- zagem, assim foram sendo cria- dispositivo móvel, os resultados conseqüência do crescimento da
obtidos podem conduzir a uma população, dos avanços tecnoló-
mudança de concepções ou re- gicos, do aumento da produção/
1Instituto construção de conceitos e idéias consumo entre outros proces-
Federal de Educação e Tecnologia do Ceará (Brasil). E-mail:osilene.dsrocha@
gmail.com. sobre as problemáticas ambien- sos”. Sendo assim, o crescimento
2Instituto tais. O próximo tópico abordará da população imprime grande
Federal de Educação e Tecnologia do Ceará (Brasil). E-mail: smart.alves@gmail.
com. a questão da conscientização do pressão sobre os recursos am-
3Universidade de Avero (Portugal).E-mail: myr@ua.pt. espaço natural preservado e do bientais. Todos, ao mesmo tempo,

192 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 193
O método de Paulo Freire na Educação Ambiental com o uso de aplicativo de
O. dos S. Rocha; M. A. da Silva; M. Lopes
informática para dispositivos móveis

demandam alimentos, roupas, de de suporte da natureza de sua antrópicos é refletir sobre a ca- mem.
água, diversas formas de energia diversidade ecológica pela socie- pacidade de suporte da produ- Sendo assim, o conhecimen-
(elétrica, combustível, etc), bens dade. ção/consumo pelo homem, bem to sobre educação ambiental
(duráveis e não-duráveis) e ser- Nesse proceso, verifica-se a como, na produção ou manejo tornará acessível ao cidadão, in-
viços, sendo que tal demanda é importância das futuras gerações de resíduos sólidos, segundo a terferindo na sua a formação, e
incompatível com a capacidade em absorverem esses velhos e compatibilidade da natureza de ajudando a minimizar a faixa de
de suporte da natureza e, princi- inadequados hábitos que pode- se recuperar ou causar impacto deterioração do meio natural a
palmente, com o seu ritmo de re- rão posteriormente implicar em irreversível. ponto de não mais se descartar
cuperação. um ciclo de comportamentos fa- Parte-se da concepção de que os resíduos em espaços inade-
No entanto, cabe lembrar a cetados sobre a forma de conser- aconceituação, portanto, de so- quados.
grande importância das propos- var e preservar o meio ambiente. ciedades sustentáveis exige a A seguir, apresentam-se as
tas de políticas públicas para a Isso implica no reconhecimento elaboração de novos paradigma- concepções dialógicas do Método
adequação dos espaços ideais da existência de uma grande di- samparados na necessidade de freiriano.
para o despejo de resíduos urba- versidade ecológica, biológica e conservar a diversidade ecoló-
nos a fim de minimizar ou evitar cultural entre os povos. Assim, gica, social e cultural dos povos, Paulo Freire e a relação dialó-
a poluição do ar, do solo, da água das culturas e modos de vida; gica
causando dentre outros transtor- não existe um único paradigma com opções econômicas e tec- Procurando evidenciar a re-
de sociedade do bem estar (a oci-
nos os vetores de doenças, mau dental) a ser atingida por meio do nológicas diferenciadas voltadas lação dialógica na comunicação
cheiro, além de causar hábitos desenvolvimento e do progresso principalmente para o desenvol- humana, Freire (1996) orienta
nas populações no descarte inde- linear, mas, vários tipos de socie- vimento harmonioso das pessoas que as palavras geradoras devem
dades sustentáveis, "ancoradas
vido até mesmo nos corpos hídri- em modos particulares, históri- e de suas relações com o conjunto surgir a partir de uma reunião
cos cos e culturais de relações com os do mundo natural. de grupo, na forma de conversa
Vale ressaltar que, devido às vários ecossistemas existentes na A partir dos argumentos apre- e desse meio deve-se citar pala-
divergências multiculturais, de- biosfera e dos seres humanos en- sentados, assegura-se que a edu- vras as quais serão chamadas de
tre si". (Diegues, 1992, p.22).
ve-se analisar e repensar, as con- cação ambientaltraz o desafio so- geradoras por proporcionarem a
diçõesde utilizar e reutilizar os Com efeito, Diegues (1992, p. bre as mudanças necessárias ao formação de outras. Essas pala-
recursos naturais em funçãodas 29) refere-se às conceituações entendimento e ações relaciona- vras devem favorecer a reflexão,
diferentes formas de conceituar sustentáveis da sociedade à ne- das às idéias de modelo de desen- o entendimento e, ao significá-las
o desenvolvimento sustentável. cessária reelaboração de novas volvimento sustentável baseado a partir de uma situação-proble-
A partir de cada sociedade per- mudanças de paradigmas que nos aspecto sociais, políticos, ma, deve possibilitar uma visão
cebe-se como estão fragmenta- possam adaptar as novas socie- econômicos e aos recursos am- crítica de pensar do mundo, de se
das as necessidades de consumo dades, em função da sua diversi- bientais no meio ambiente lati- humanizarem e sensibilizar, pois,
nos diversos setores (alimentício, dade e cultura voltadas para uma no-americano. Sendo assim, uma isso faz o homem refletir sobre a
vestuário, produtos tecnológicos melhor relação do homem natu- proposta de política de educação conscientização da sua totalidade
entre outros) tornando imensos reza. com base nos círculos de cultura e atuação no mundo.
geradores de resíduos em quanti- Com base nessas reflexões, poderá contribuir na formação Para melhor compreensão e
dade fora das condições sustentá- pode-se dizer que avaliar um am- cidadã nas gerações de hoje e nas importância das palavras gerado-
veis, mostrando por certo a falta biente sobre a forma de absorver futuras gerações, constituindo ras, o autor esclarece:
de reconhecimento da capacida- resíduos geradores por agentes num direito fundamental do ho-

194 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 195
O método de Paulo Freire na Educação Ambiental com o uso de aplicativo de
O. dos S. Rocha; M. A. da Silva; M. Lopes
informática para dispositivos móveis

“Esses temas se chamam gera- realizar uma observação, utili- considerando o aprendizado do gem, onde a ação-reflexão-ação
dores porque, qualquer que seja zando palavras geradoras, suas outro, ou seja, “falar com ...”. se manteria de forma continua
a natureza de sua compreensão
como a ação por eles provocada, percepçõessão capazes de definir Dando continuidade ao ex- e constante, viabilizando a cons-
contêm em si a possibilidade de cada situação-problema. Assim, posto, para se manter um olhar cientização sócio-ecológico. O
desdobrar-se em outros tantos os profesores deverão fazer ati- freiriano mais preservacionista próximo tópico abordará a ques-
temas que, por sua vez, provo-
cam novas tarefas que devem ser vidades didáticas, com os alunos, e conservacionista da natureza e tão da educação ambiental com o
cumpridas”. (Freire,1982, p. 110). provocando-os a dialogarem so- também efetuar decisões de for- uso do dispositivo móvel.
bre o tema ou palavras geradoras, ma consciente, é necessária uma Educação ambiental e aplica-
Em outras leituras, Freire por exemplo: quando a investi- educação ambiental classificada ção de dispositivo móvel
(1982, p.117) ao destacar sobre gação versar sobre o tema reci- com base em duas grandes esfe- Com o desenvolvimento de
os temas geradores, ressalta que clagem ou resíduo urbano (lixo), ras: EA Críticas e EA Não-Críticas. aplicativos para dispositivos mó-
existe uma percepção específica espera-se que os educandos se Figueiredo (2003, p.70) orienta veis, foi possível promover outras
do homem da realidade de mun- tornem sujeitos do saber, citan- optar por um respeito ao saber posibilidades as diversas áreas
do, onde há um processo de cons- do com coerência entre o que se popular visandoà sustentabili- do ensino. Desse modo, este estu-
trução das relações de acordo diz e faz, ou seja, suas ações no dade solidária. Possibilitando, do, de natureza exploratória, foi
com o esforço da consciência da cotidiano. A partir dessa dialógi- assim, a construção de uma eco- desenvolvido a partir de três apli-
realidade, essencial para o pro- ca, inicia-se diálogo mediado com práxis parceira, com a vivência cativos para dispositivos móveis,
cesso educativo. Dessa forma, a fundamento ligado ao cotidiano de uma lógica multidimensional, também denominados de “jogos
percepção e construção por meio da comunidade do entorno e o conducido por uma EA Crítica educativos”: O Recicle4, o Green
dos temas não serão iguais para tema gerador possibilitando o ato Dialógica, herdeira e companhei- Guard5, e o Desafio de Gaia6. To-
todos. educativo. ra de Paulo Freire; incorporando dos esses aplicativos foram se-
A partir desse processo, Conforme Freire (1996, p. 24- a pedagogia libertária, da autono- lecionados com o propósito de
25), referindo-se ao saber do- mia problematizadora, que se faz explorar a temática da educação
o ponto de partida freireano ini- cente, “ensinar não é transferir na superação de situações-limi- ambiental, sendo os temas abor-
cia-se pela busca, pela investiga-
ção acerca do tema gerador: [...] conhecimento, mas criar as possi- tes, na direção do inédito viável. dados voltados para os resíduos
a “codificação” e “descodifica- bilidades para a sua produção ou Nesta proposta de ensino- sólidos, que seram enfocados a
ção” permitem ao alfabetizando a sua construção”. Isso permite a -aprendizado pode-se inserir a seguir.
integrar a significação das res- reflexão do respeitar os variáveis dialogicidade por meio de temas Para Santos (2016, p.20), den-
pectivas palavras geradoras em
seu contexto existencial – ele a círculos de cultura do saber na geradores mediante situações- tre os resíduos existentes, os mais
redescobre num mundo expres- produção de novos conhecimen- -problema sobre as questões gerados são os Resíduos Sólidos
sado em seu comportamento. À tos e conceitos, visto que a a ex- ambientais, relacionando-as à Urbanos (RSU) que tem causado
“descodificação” é a “análise e
conseqüente reconstituição da pectativa de sensibilizar e aplicar contextualização da aprendiza- impactos e vem se manifestando
situação vivida: reflexo, reflexão uma nova cultura social nos paí-
e abertura de possibilidades con- ses da América Latina, visando
cretas de ultrapassagem” (Freire,
1987, p. 06). uma conscientização mais sus- 4Game (desenvolvido por Jonathan Rodrigues, versão 1.0.2, 2015 a 2017).
tentável. Freire (1996, p. 24-25) 5(desenvolvido por: Zhi Yong Information Technology Co., Ltd. Fuzhou, versão:8.4, ASIN:
Dessa forma, as questões am- descreve, ainda, que é necessário B00HZDWQ7A data original de lançamento: 23 de janeiro de 2014 atualização mais recente
ensinar-educar dialógicamente, do desenvolvedor: 23 de setembro de 2015).
bientais quando abordadas num 6(desenvolvido pelo autor: Napalm Studio Games, última versão: 1.1, data de publicação:
espaço onde os alunos possam mediante uma postura de escuta,
2014-11-17).

196 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 197
O método de Paulo Freire na Educação Ambiental com o uso de aplicativo de
O. dos S. Rocha; M. A. da Silva; M. Lopes
informática para dispositivos móveis

de forma interativa no meio bió- mudanças no repensar e saber exercício interdisciplinar, volta- besalientar a cerca do uso dos
tico (fauna e flora). Eles são os ensinar dos profesores, para pos- dos para as questões ambientais, recursos tecnológicos compu-
mais representativos, quando se sibilitar o alcance do saber em como construção permanente do tacionais, em sala de aula, como
observa que o “verde” de rema- seus diversos campos, de forma conhecimento e do desenvolvi- forma de implementaçãodos re-
nescentes áreas do meio urbano interdisciplinar. Portanto, o uso mento profissional. cursos didáticos, provendo um
constata com a multiplicidade de de aplicativo de dispositivos mó- En segundo lugar, esses impe- ambiente de aprendizado para-
cores dos mais diversos tipos de veis, são importantes instrumen- cílios implicam no aprendizado, permitir maior interatividade no
residuos depositados, por exem- tos pedagógicos na sala de aula. visto que os aplicativos de in- processo de ensino.
plo: papel, papelão, PET, metais, Isto posto, para que o objeto de formática não são instrumentos Para tanto, deve-se fazerum
vidros, cerâmicas, trapos, plásti- estudo e a visão da realidade ofe- somente de navegação de texto, planejamento de ensino, com o
cos e borrachas e outros. reça condições de ensino apren- redes sociais, jogos esporádicos intuito de incentivar, principal-
Verificando a reminiscência da dizado, por meio do uso de recur- e outras funções. A funcionalida- mente, as temáticas ambientais. A
problemática abordada, percebe- sos tecnológicos, o mesmo deve de do aplicativo, poderia vir a ser utilização e exploração dos recur-
-se, antes de tudo, que os hábitos proporcionar uma nova manipu- um instrumento viável de trans- sos tecnológicos digitais, como os
culturais devem ser primeira- lação dos elementos conceituais missão de informações que não dispositivos móveis, debe apre-
mente considerados, enfrentando e reais. A partir desse entendi- dificultasseas (dis)associação sentar um desing para posibilitar
as mudanças de conceitos e con- mento, deve-se refletir, o quanto com o cotidiano. a atração interativa e educativa
flitos com as idéias de desenvol- antes, sobre as palavras gerado- Segundo dados registrados do aluno. Neste sentido, haverá,
vimento sustentável, em função ras, a fim de que elas possam con- pelo Ministério de Educação mais fortemente, condições de
do aumento da produção/con- templar os conhecimentos que (MEC) o grande impacto da tec- simular, com maior precisão, as
sumo. A partir daí, contribuindo os alunos possuem, mediante a nologia não é permitir que os ações que contribuirá ricamente
para evitar o excesso de resíduos exploração no aplicativo. Isto de- alunos procurem informações na para aprofundar a formação cida-
urbanos e os transtornos diários. verá propiciar informações que internet ou que conversem com dã na consciência da preservação
Assim sendo, os efeitos da desca- determinará a construção do co- seus amigos, mas, do meio ambeinte.
racterização paisagística de uma nhecimento e o desenvolvimento Ribeiro et al. sugerem, a este
cidade, traz o entendimento de de habilidades cognitivas. a maior consequência é que eles respeito que:
podem usar as diversas modali-
valorização da educação ambien- No entanto, há certos empeci- dades de construção que as tec-
tal. Neste sentido, as futuras gera- lhos no processo de alcance des- nologias digitais oferecem para Os jogos digitais, ao permitirem
expressar seus interesses intelec- a simulação em ambientes vir-
ções, demonstrada principalmen- se conhecimento no uso das tec- tuais, proporcionam momentos
tuais e científicos, suas paixões,
te nas crianças de hoje, poderão nologias móveis: Primeiramente, sua indignação com os proble- ricos de exploração e controle
adquirir uma nova postura ativa e no ensino pelos profissionais, mas do mundo, criando artefatos dos elementos. Neles, os jogado-
novos, seja um documentário, um res – crianças, jovens ou adultos
consciente de preservação e con- quando não existe capacitação – podem explorar e encontrar,
servação dos recursos naturais, ouqualificação que deveria ser in- modelo robotizado, um programa
de computador, uma teoria sobre através de sua ação, o significa-
visto o investimento de políticas cluídaem programa de formação o aquecimento global, um sistema do dos elementos conceituais, a
públicas formal e não formal. de professor. Outro aspecto que de coleta de dados ambientais ou visualização de situações reais e
uma estação meteorológica auto- os resultados possíveis do acio-
Frente a essa realidade, um deve ser considerado um meio de namento de fenômenos da rea-
matizada. (MEC, 2007, p. 158)
novo processo de ensino-apren- dificultar o proceso seriam a falta lidade. Ao combinar diversão e
dizado, que se encontra nas salas de técnicas de adesão e coordena- ambiente virtual, transformam-
Enquanto a relação do apren- -se numa poderosa ferramenta
de aula, remete à necessidade de ção entre as novas tecnologias e o narrativa, ou seja, permitem criar
diz com o objeto de estudo, ca-

198 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 199
O método de Paulo Freire na Educação Ambiental com o uso de aplicativo de
O. dos S. Rocha; M. A. da Silva; M. Lopes
informática para dispositivos móveis

histórias, nas quais os jogadores proposta desenvolvida amparou- situações-problemas, com estudo Estudo de caso: refletindo ações e
são envolvidos, potencializando -se nas concepções pedagógicas de caso, simulando determinadas situação-problema do cotidiano;
a capacidade de ensino-aprendi-
zado. (RIBEIRO et al., 2006, p.11). de Paulo Freire, quanto à questão problemáticas ambientais, a fim 3) Exposição temática geradora
Pelo exposto, vale salientar da Educação Ambiental, enfati- de demonstrar críticas de pensa- sobre a problemática ambiental,
que um meio de contribuir e in- zando as problemáticas ambien- mentos e de interpretações hu- com auxílio de vídeos que refle-
centivar a aprendizagem nas tais. manizadas, na sua totalidade de tiam as questões diárias do uso
instituições de ensino seria atra- Na primeira etapa, foi realiza- mundo. dos resíduos e da sustentabilida-
vés do computador, utilizando-o do um estudo de caráter biblio- Nesta etapa, a proposta do de dos recursos naturais; 4) Pro-
como artefato de ampliação das gráfico, em que foram analisados minicurso de extensão realizado moçãodos jogos nos seguintes
funções do profesor. O que gera- três trabalhos voltados para apli- e promovido pela Diretoria de aplicativos: Separando o Lixo/
ria mudanças nas condições e no cação da tecnologia de informáti- Extensão (DIREX), do Instituto Recicle, Green Guard e Desafio de
processo de ensino aprendiza- ca (software educativo). Utilizou- Federal do Ceará (IFCE), tendo Gaia; 5) Realizar um feedbak por
gem. Dentre outra funções, opro- -se o Método de Paulo freire nas como público alvo alunos de uma meio de questionários sobre o ní-
fessor, deverá se apropriar da práticas dos profesores. As ativi- escola pública selecionada pre- vel de satisfação de cada jogo, sua
tecnologia, “descobrindo as pos- dades foram realizadas em esco- viamente. Para a aplicação das importância para a aprendizagem
sibilidades de uso que ela permi- las públicas e particulares. atividades ambientais, contou- e a conscientização ambiental.
te na aprendizagem do aluno, fa- Na segunda etapa, foi propos- -se com a colaboração da gestão As atividades realizadas du-
vorecendo, assim, o repensar do ta um micurso de extensão na pedagógica (direção e coordena- rante o minicurso de extensão,-
próprio ato de ensinar” (SODRÉ; escola pública. Foi selecionada, ção) da escola. foi fundamentado no Método de
HORA, 2014, p. 3). inicialmente, atividades teóricas As ações desenvolvidas foram: Paulo Freire, seguindo, respecti-
Outros autores, como Rocha, de Educação Ambiental, funda- 1) Promover o convite aos alunos vamente, os objetivos: 1) Propor
Cruz e Leão (2015, p. 4) contri- mentada nas Teorias Pedagógicas de séries finais de ensino funda- temas dinâmicos geradores so-
buíram, de modo pertinente, so- de Paulo Freire, cuja concepção mental; 2) Disponibilizar sala de bre a temática ambiental em que
bre a utilização de aplicativos no se baseou na educação popular informática e o espaço recreativo, “o construído se constrói durante
telefone celular, no contexto da e libertadora. A partir de uma do IFCE, a fim de representar o as relações”; 2) Elaborar e aplicar
educação, centrando nas possibi- problematização, provocou-se meio ambiente; 3) Exposição do estudos de caso cuja investiga-
lidades de impacto de seus usos, perguntas, nas quais, exigiam-se estudo de caso, na forma de círcu- ção temática foi construída por
no processo de ensino e apren- respostas que refletissem um diá- los de cultura,a partir de palavras meio de “um esforço comum da
dizagem, não no acesso propria- logo crítico e libertador, além da geradoras; 4) Subsidiar os temas consciência da realidade e, auto-
mente dito, mas na incorporação consciêntização de mundo. geradores, com o uso do aplicati- consciência na medida que cada
dessa tecnologia como ferramen- Na terceira e última etapa, foi vos, abordando os temas ambien- pensar da criança”; 3) Fornecer
ta para ensinar e aprender. realizado o planejamento de te- tais,de forma interdisciplinar. ferramentas para a aplicação na
mas geradores, que segundo o A proposta pedagógica foi educação ambiental, com enfoque
Metodologia conceito, são chamados “gerado- aplicada por meio das seguintes e interações na temática ambien-
Esta pesquisa aplicou uma ras” porque proporcionam a for- atividades: 1) Integração com os tal, abordando a problemática
proposta de ensino, que contem- mação de outras palavras sobre o participantes, a partir dos textos dos resíduos e sustentabilidade;
plou três etapas básicas, para o contexto em questão. seleccionados, abordando ques- 4) Incentivar a aprendizagem
desenvolvimento do processo da Com base na educação am- tões ambientais, desenvolvidas através do jogo, com o dispositivo
aplicação do dispositivo móvel. A biental formal, foram elaboradas de modo reflexivo e dinâmico; 2) móvel, utilizando-o como instru-

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O método de Paulo Freire na Educação Ambiental com o uso de aplicativo de
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informática para dispositivos móveis

mento de ampliação das funções tiram-se atuantes, participando tamento dos resíduos, por meio foram demonstrados pelos sujei-
do professor, para promovero ativamente do proceso de apren- da reciclagem. tos, ao perceberem os impactos
processo de ensino-aprendizado; dizagem, articulando de modo A partir das discussões ocor- causados quando se descarta, in-
e, 5) Facilitar a reflexão dos te- reflexivo. Neste momento, foi fo- ridas, concluíu-se também que devidamente, os resíduos e como
mas ambientais abordados com ram construídos novas ideias e os resultados se tornaram mais deve ser tratado as diferentes
dispositivos. conceitos, a partir dos ciculos de significativos no aprendizado em posibilidades de utilizá-los como
cultura de Paulo Freire. relação aos destinos de determi- material didático.
Resultados e discurssões A primeira fase, caracterizada nados resíduos. Dessa forma, esta fase ressal-
O processo de investigação como ciclo de cultura dos temas Quanto a confecção dos jogos touo efeito da aplicação do Méto-
fundamentou-se no princípio da geradores, obtive os seguintes educativos exibidos nas figuras, 2 do de Paulo Freire, a respeito da
dialogicidade do ato educativo, resultados: a ressignificação de (B) e 3 (C), intitulados de “Jogo da relação dialógica na comunicação
feito de forma reflexiva, inovado- conceitos e ideiasde sociedades velha”, “Jogo das varetas”, “Corri- humana; realizada a partir de
ra e autônoma representada pelo sustentáveis, fazendo surgir no- da maluca” e o “Jogo das formas”,
Método de Paulo Freire. vos paradigmas, apontados pelos foram produzidos pelos alunos,
Ao apresentar as atividades alunos. com material reciclado. A ativi-
de Educação Ambiental formal, Em decorrência disso, os alu- dade permitiu a construção de
como o estudo das situações pro- nos entenderam a importancia da material didático, possibilitando
blemas, foram simulados deter- confecção e do destino de deter-
minadas problemáticas ambien- minados resíduos urbanos, que
tais, que permitiram aos alunos são encontrados nos diferentes
demonstrar suas críticas, pensa- espaços da sociedade.
mentos e interpretações humani- A Figura 1, apresentada abaixo,
Figura 3: (C) Atividade Lúdica
zadas na sua totalidade de mun- faz menção do que foi explicitado
Fonte: do autor
do. sobre os temas geradores, expli-
Assim, para compreender a cados anteriormente, e referido- uma situação-problema, deven-
dinâmica da Educação Ambien- -se as questões ambientais. Na do, portanto, possibilitar uma vi-
tal, com o uso do aplicativo em atividade, as contribuições apon- Figura 2: (B) Atividade Lúdica são crítica de pensar do mundo.
Fonte: Os autores Após a construção dos jogos
dispositivo móvel, os alunos sen- taram a minimizaçãoeo aprovei-
didáticos, os alunos apresenta-
melhor destino do descarte diá- ram as diversas significações das
rio dos resíduos no meio ambien- palavras geradoras, influencian-
te. do na instigação do aprendizado
Nesta fase a pesquisadora per- durante a realização dos jogos
cebeu o despertar dos alunos ao com dispositivos móveis.
se manifestarem com questio- Os aplicativos utilizados no es-
namentos e observações sobre tudo de caso foram obtidos por
novas atitudes de destino, dos meio de pesquisa na internet.
resíduos utilizados diariamente. Buscou-se explorar a temática
Figura 1:(A) Análise da temática Ambiental – Resíduos e sustentabilidade Novos conceitos e paradigmas domeio ambiente e a sustentabi-
Fonte: Os autores

202 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 203
O método de Paulo Freire na Educação Ambiental com o uso de aplicativo de
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lidade. A exploração dos conteú- firmando que o Método de Paulo Participaram da pesquisa 35 específico: orgânico, plástico, pa-
dos envolveu, além da temática Freire, trabalhado sob o ponto de alunos, da turma de 8ª série do pel e vidro. Cerca de 27,2% dos
ambiental e sustentabilidade, vista da dialogicidade provoca ensino fundamental, mas apenas alunos consideraram o nível de
analizou-se a hierarquização dos as mudanças de concepções do 22 destes compareceram em to- satisfação regular para aprendi-
temas, o nível de dificuldade e a mundo a sua volta, a partir das das as atividades. Iniciou-se os zagem, deixando a desejar que
satisfação do público trabalhado. telas dos aplicativos. Em seguida, trabalhos com a orientação sobre seria necessário melhorar a va-
Cada tipo de jogo implicou serão apresentadas as telas de as regras e fases de cada dispo- riedade temática na área preten-
num recorte do meio ambiente e um dos jogos mais significativos sitivo móvel. Em seguida, os alu- dida a explorare a velocidade de
suas problemáticas. Isso refletiu na percepção dos alunos, durante nos foram divididos em grupos concretização do jogo.
nos alunos um repensar e a relei- a fase de experimentação das ati- de três, onde cada grupo ficou Enquanto na descrição do jogo
tura de seus conhecimentos, con- vidades realizadas. responsável por um tipo de jogo. “Green Guard”, este apresentou
Nesta fase, obteve-se resultados sete recursos diferentes. O apli-
significativos quanto à proposta cativo educativo para dispositi-
de educação ambiental, ao apli- vos móveis foi desenvolvido com
car o Método de Paulo Freire. sete cenários interativos e diver-
Nos três jogos aplicados, os re- tido para refletir a preservação
sultados revelaram, progressiva- ambiental trabalhando a limpeza.
mente, à realidade sócio ambien- No entanto, a maioria dos alunos
tal e o interesse, dos alunos em consideraram o jogo infantil, mas
participar como sujeito atuante. o classificaram com nível bom,
Durante as atividades, ficou evi- justificando que os cenários pos-
dente que os alunos passaram a sibilitam ainda uma consciência
Figura 2 – (A) Atividade com Dis- Figura 2 – (A) Atividade com Dis- resignificar suas percepções e o que requer responsabilidade tan-
positivos Móveis positivos Móveis seu papel preventivo e na possi- to individual quanto coletiva, no
Fonte: Tela do jogo “O Desafio de Fonte: Tela do jogo “O Desafio de bilidade de uso sustentável dos processo de conservação. Cerca
GAIA” GAIA”
recursos naturais. de 36,36% dos alunos considera-
A análise de cada dispositivo ram o jogo bom para o aprendi-
móvel, foi feita por meio da apli- zado.
cação de questionário, o qual foi Entretanto, foi a partir do jogo
dividido em dois temas: Registro “Desafio de Gaia”, que percebeu-
de Aprendizagem e Conscientiza- -se maior interação entre os alu-
ção Ambiental. No geral, os resul- nos, devido ser constatado o re-
tados apresentaram os seguintes gistro das percepções e reações,
pontos: diante dos diferentes temas inte-
O jogo “Separando o Lixo/Re- rativos de energia, água, resíduos
cicle” teve como objetivo selecio- e mobilidade urbana apresenta-
Figura 2 – (B) Atividade com Dis- nar cada resíduo nos coletores dos em cada fase. Finalizando as
positivos Móveis
seletivos, arrastando cada resí- observações feitas, esse jogoevi-
Fonte: Tela do jogo “O Desafio de
GAIA”
duo para em direção ao coletor denciou uma didática, superior

204 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 205
O método de Paulo Freire na Educação Ambiental com o uso de aplicativo de
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aos outros jogos anteriores, dei- dores foi importante considerar o Freiriano, integrado ao uso de tabilidade Ambiental, Con-
xando nítido para os alunos uma aluno como o sujeito do processo aplicativos para dispositivos mó- sumo e Cidadania. 255p. São
visão mais real de uma cidade de transformação, respeitando as veis, sinalizando para uma edu- Paulo, Cortez Editora.
sustentável como: o consumo de diferenças e coerências entre o cação renovada e alinhada aos RIBEIRO, L. O. M. et al. (2006),
água, energia, o destino seleti- que se diz e o que precisava ser novos contextos sociais. Modificações em jogos digitais e
vo do lixo e a utilização do meio feito e não somente determinar seu uso potencial como tecnolo-
de transporte alternativo menos para eles o significado das coisas. Referências bibliográficas gia educacional para o ensino de
poluente ao meio ambiente. Nes- Verificou-se, também, que ensi- DIEGUES, A.C.S. (1992), Desen- engenharia. Revista Novas Tec-
te jogo ficou registrado cerca de nar dialogando com os alunos volvimento sustentável ou nologias na Educação, v. 4, n. 1,
40,9%do nível de satisfação do exigiu uma busca de afetividade, sociedades sustentáveis - da p.11, Porto Alegre: UFRGS.
jogo pelos alunos, consideranda na medida em que procurava-se crítica dos modelos aos novos ROCHA, L. A. G.; CRUZ, F. de M.;
bom para o aprendizado. escutá-los, para torná-los inclu- paradigmas, v. 6(1/2): n. 22– 9, LEÃO, A. L. (2015), Aplicativo
sivosão estímulo da cognicidade. p.29S. Paulo em Perspec. para educação ambiental. Fó-
Conclusão Portanto, a importância significa- FIGUEIREDO, J. (2003), Edu- rum Ambiental da Alta Paulis-
Ao repensar o processo de en- tiva das contribuições do Método cação Ambiental Dialógica ta. Periódico eletrônico. Edu-
sino-aprendizado e as mudanças de Paulo Freire, com o círculo dia- e Representações Sociais da cação Ambiental, vol. 11, n.
do saber e do ensinar dos profes- lógico e a consideração do saber Água em Cultura Sertaneja 11, p. 4.
sores, pode-se verificar a impor- do outro, torna-se fundamental Nordestina: uma contribui- SANTOS, G. O. (2016), Resíduos
tância da abordagem de estudos para aproveitamento do saber vi- ção à consciência ambiental sólidos e Aterros sanitários:
de casos articulado ao Método vido pelo aluno, posibilitando-o em Irauçuba-CE (Brasil). Tese em busca de um novo olhar. 80p.
de Paulo Freire. Esta pesquisa uma aprendizagem com base nas (Doutorado em Ciências Bio- Recife.
propõe trabalhar com círculo de questões ambientais. lógicas / Ecologia / Educação SODRÉ, M. N. R.; HORA, N. N.
cultura, integrando palavras ge- Quanto a relação do Método Ambiental) – Universidade Fe- (2014), Interface entre Edu-
radoras, para atingir o objeto de freiriano com a ferramenta tecno- deral de São Carlos - UFSCar, cação, Ambiente e Tecnologia:
estudo pretendido. O Método lógica, ou seja, os jogos informa- São Carlo, p. 348. São Carlos, Articulação na Formação de
fririano assinala uma orientação tizados, em dispositivos móveis, SP. Professor. Revista Renote -
e posterior reflexão da realidade uma vez inseridos no contexto FREIRE, Paulo (1982), Pedago- Novas Tecnologias na Educa-
das questões ambientais, no pro- da educação ambiental, permitirá gia do oprimido. 11. ed., p. 107, ção, v. 12, n. 2, p. 1-10, Porto
cesso ensinar-educar dialogica- ainvestigação dediversos enfo- Rio de Janeiro: Paz e Terra. Alegre.
mente. ques dialógicos, devido à inclusão FREIRE, Paulo (1987), Peda- Vamos cuidar do Brasil: concei-
Durante o ato educativo, me- de temas ambientais, ocorridos gogia do oprimido. O mundo tos e práticas em educação am-
diado por diálogos, observou-se nos três tipos de jogos, onde in- hoje, 17. ed. v. 21, p.110, Rio de biental na escola / (2007). [Coor-
que os alunos puderam construir corporam-se vários ambientes e Janeiro: Paz e Terra. denação: Soraia Silva de Mello,
as palavras transformadoras, co- ações diversas do cidadão sobre FREIRE, Paulo (1996). Pedago- Rachel Trajber]. – Brasília: Minis-
locando seu idealismo, suas críti- o meio. gia da Autonomia: Saberes ne- tério da Educação, Coordenação
cas e reflexões a partir das situa- Com base nessa experiência cessários à prática educativa. p Geral de Educação Ambiental:
ções-limites codificadas por meio e nos estudos realizados, esta 28. (São Paulo, SP: Paz e Terra. Ministério do Meio Ambiente,
de texto, poema e imagens. pesquisa propõe ao processo (Coleção Leitura). Departamento de Educação Am-
Na discussão dos temas gera- educativo o método de ensino PORTILHO, F. (2005), Susten- biental: UNESCO.

192 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 193
Foto: Michèle Sato

Vila Nova de Gaia, em Portugal.


Construção coletiva de indicadores de Educação Ambiental escolar

Solange Reiguel Vieira1


Josmaria Lopes de Morais2
Marília Andrade Torales Campos3

Resumo
Esta pesquisa apresenta uma análise do processo de construção participativa de
uma matriz de indicadores de Educação Ambiental (EA) para avaliar a dimensão
ambiental das escolas. O trabalho foi realizado envolvendo oitenta e quatro sujei-
tos da comunidade escolar de nove escolas públicas estaduais localizadas no mu-
nicípio de Curitiba, estado do Paraná, Brasil. O caminho metodológico escolhido
foi a abordagem qualitativa por meio da pesquisa documental, bibliográfica e de
metodologias participativas. O processo subsidiou o desenvolvimento e aperfei-
çoamento de uma matriz de EA, que possui três dimensões: gestão, currículo e
espaço físico, contemplando dez indicadores e cinquenta questões descritoras. O
trabalho desenvolvido foi avaliado de forma positiva pelos participantes. O proces-
so permitiu reflexões sobre as condições socioambientais de cada escola, gerando
conhecimento do trabalho coletivo e da temática ambiental a partir do desafio de
estabelecer indicadores de avaliação. Os resultados indicaram as potencialidades
da ferramenta para promover uma reflexão coletiva visando a ação-reflexão-ação
em relação a EA no contexto escolar.

Palavras-Chave: Espaços educadores sustentáveis. Escolas sustentáveis. Indicado-


res. Metodologias participativas.

Abstract
Therefore, this research presents an analysis of the process of participatory cons-
truction of a matrix of Environmental Education (EE) indicators to measure the
progress of the environmental dimension of schools. Eighty-four persons from the
school community of nine state public schools located in the city of Curitiba, state
of Paraná, Brazil, participated in the study. The methodological approach chosen
was the qualitative approach. We used documentary, bibliographic research and
participative methodologies for the production of data. The process subsidized
the development and improvement of an EE matrix, which has three dimensions:
management, curriculum and physical space, including ten indicators and fifty des-
criptive questions. The participants evaluated the work in a positive way. The work
developed allowed reflections on the socio-environmental conditions of each
school, generating knowledge of the collective work and the environmental theme
from the challenge of establishing evaluation indicators. The results indicated the
potential of the tool to promote a collective reflection aiming at action-reflection-
-action in relation to EE in the school context.

Keywords: Sustainable educative spaces. Sustainable schools. Indicators. Partici-


patory methodologies.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 209


Solange Reiguel Vieira; Josmaria Lopes de Morais; Marília Andrade Torales Campos Construção coletiva de indicadores de Educação Ambiental escolar

Introdução a análise do processo de cons- fases (Figura 2) e a análise do processo subsidiou o aperfeiçoamento da
Diante da emergente proble- trução participativa de um ins- matriz.
mática socioambiental é funda- trumento denominado matriz de
mental repensar nossas ações/ indicadores de EA desenvolvido
decisões individuais e coletivas. para avaliar a dimensão ambien-
A resposta social para o enfrenta- tal de escolas.
mento dos desafios ambiental de-
manda aprofundamento em rela- Caminho metodológico
ção a amplitude e complexidade A compreensão do contexto e
do tema, mas também, perspecti- o processo de produção de dados
vas metodológicas de ação. Nesse realizou-se por meio da pesquisa
contexto, a escola está desafiada documental, bibliográfica e técni-
a se inscrever num processo polí- cas de metodologias participati-
tico de transformação da realida- vas.
de (re)inventar um mundo sus- Foram selecionadas 9 escolas
tentável (LEFF, 2012). estaduais do município de Curiti-
A construção de indicadores ba-PR-Brasil, sendo uma (escola
de EA pretende apontar alterna- A) para construção coletiva dos
tivas como ferramenta de avalia- indicadores e outras (escolas B a
ção de sustentabilidade, essencial I) para aplicação da matriz cons-
para o desenvolvimento da EA truída. Participaram da pesquisa
(ESTEBAN; BENAYAS; GUTIÉR- 84 sujeitos da comunidade esco-
REZ, 2000; MAYER, 2006). Assim, lar, de adesão livre e voluntária
este artigo, que decorre de uma (Figura 1). Figura 2: Esquema das etapas da pesquisa, aprovada em comitê de ética em
pesquisa.
pesquisa acadêmica, apresenta A pesquisa foi realizada em 2

Na etapa 2, foram realizados 4 encontros quinzenais (Figura 3).

Figura 1: Caracterização das escolas e dos participantes dos grupos.

1Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: solgeografia@


gmail.com.
2Doutora em Química (UFPR). Profa. do Programa de Pós-graduação em Ciência e Tecnologia

Ambiental da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.E-mail: jlmorais@utfpr.edu.br.


3Doutora em Ciências da Educação (Universidade de Santiago de Compostela). Profa.
Adjunta da Universidade Federal do Paraná – Setor de Educação. E-mail: mariliat.ufpr@ Figura 3: Imagem do roteiro de trabalho da escola A.
gmail.com.

210 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 211
Solange Reiguel Vieira; Josmaria Lopes de Morais; Marília Andrade Torales Campos Construção coletiva de indicadores de Educação Ambiental escolar

Nos encontros foram utiliza- interacional e variações intragru- estudos de avaliação qualitativa é colar, que possibilita avaliar a
das diversas técnicas com en- pais, bem como a opinião sobre a concebida [...] como uma ‘produ- dimensão ambiental escolar, por
foque participativo. No terceiro técnica utilizada e a matriz apli- ção reflexiva’, em que o observa- meio de uma reflexão coletiva, do
encontro, concretizou-se a cons- cada. Além disso, foi avaliado o dor é parte e parcela do contexto protagonismo e da emancipação
trução da ferramenta. A elabora- potencial da matriz desenvolvida e da cultura que busca entender dos sujeitos para a ação-reflexão-
ção das questões descritoras dos para diagnosticar o estágio da es- e representar […]”. Neste contex- -ação na tomada de decisão dos
indicadores resultou em 36 ques- cola participante rumo a susten- to, essa construção se constituiu caminhos a serem trilhados pela
tões dos subgrupos e 71 questões tabilidade. num processo formativo, coletivo escola. Concluindo, o percurso
da pesquisadora, totalizando 107. Por fim, realizou-se a adequa- e colaborativo, com a participa- realizado permite afirmar que a
Após análise, foram validadas 50 ção da matriz de indicadores de ção dos diversos sujeitos que vi- matriz construída poderá ser uti-
questões que atendem ao crité- EA com base nos resultados das venciam o cotidiano escolar. lizada como instrumento de ava-
rio de estarem relacionadas com etapas anteriores e a elaboração Os trabalhos realizados na liação no âmbito escolar, da ges-
as dimensões da EA conforme a de orientações para o uso da fer- escola colaboradora “A” foram tão e da pesquisa em EA.
legislação estadual, sendo 20 de ramenta. primordiais para redefinir o per-
Gestão, 15 de Currículo e 15 de curso da pesquisa. A aplicação Referências
Espaço Físico. Resultados e discussões do Questionário 1 no início do ESTEBAN, G.; BENAYAS, J.; GU-
Na fase 2, para cada grupo re- A matriz desenvolvida, está primeiro encontro foi relevante TIÉRREZ, J. La utilización de
unido foi apresentada e aplicada organizada nas 3 dimensões da para conhecer os participantes e indicadores de desarrolo de la
a matriz desenvolvida durante o EA, constituída por 10 indica- adequar o roteiro preliminar. As- educación Ambiental como ins-
uso coletivo do instrumento de dores (Figura 4), avaliados por sim, os resultados possibilitaram trumentos para evalución de po-
pesquisa. Foram observadas e 5 questões descritoras, as quais identificar o perfil dos partici- líticas de educación ambiental.
analisadas as contribuições na apresentam 3 opções de respos- pantes, suas percepções/concep- Tópicos en Educación Ambien-
adequação das questões dos in- ta: frequente – F, eventual – E, e ções sobre atitudes sustentáveis tal. n. 2, v.4, p.61-72, 2000.
dicadores, as interações grupais, nunca – N. Ressaltamos que o e a importância do trabalho em GATTI, B. A. Grupo focal na
as vivências, os posicionamentos instrumento construído deve ser equipe e da participação em pro- pesquisa em ciências sociais
dos atores, os consensos, os dis- utilizado coletivamente. Para Mi- jetos de EA. Também possibilitou humanas. Brasília: Liber Livro
sensos, os silêncios, a dinâmica nayo (2009, p. 90) “a validade dos experienciar e utilizar técnicas Editora, 2012.
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ção coletiva da ferramenta. MAYER, M. Criterios de calidad
A matriz de indicadores de EA e indicadores en educación
Figura 4: Imagem do quadro contendo dimensões e indicadores de EA da ma- desenvolvida, representa uma ambiental. Perspectivas inter-
triz desenvolvida. contribuição à comunidade es- nacionales […] Década de las

212 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 213
Solange Reiguel Vieira; Josmaria Lopes de Morais; Marília Andrade Torales Campos Construção coletiva de indicadores de Educação Ambiental escolar

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214 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 215
tecido 2 texturas das políticas
e programas

Canal da Barra, em Laguna, cidade brasileira


situada no estado de Santa Catarina
Foto: Michèle Sato
Educação Ambiental no contexto da CPLP: Um Desafio Urgente

Luísa Schmidt1
João Guerra2
Joaquim Ramos Pinto3

Resumo
Os países lusófonos registam diferentes patamares na promoção da Educação Am-
biental (EA). Um primeiro levantamento realizado em 2017 mostra que a EA é, em
geral, competência dos Ministérios do Ambiente e da Educação, estando reservado
um papel específico para o poder local e para as escolas. O apoio público está ge-
neralizado na maioria dos países, sendo, no entanto, mais significativo no Brasil e
em Portugal. Já o apoio das organizações internacionais verifica-se, sobretudo, nos
países de África e em Timor, enquanto as ONG nacionais, fundações e empresas
nacionais a atuar no campo da EA estão presentes, ainda que a diferentes níveis,
em todos os países e contextos. Em suma, estes primeiros resultados demonstram
que a EA já entrou nas agendas pública e política de todos os países, embora de
forma desigual e nalguns países ainda seja embrionária. Torna-se, assim, particu-
larmente importante aprofundar o conhecimento e a análise do campo da EA nos
países da CPLP, de modo a reforçar a eficácia da sua implementação e a melhorar
as políticas públicas nestes territórios, garantindo maior resiliência para enfrentar
os desafios que se aproximam.

Palavras-Chave: Educação Ambiental; Países lusófonos, Inquérito; Desempenhos


nacionais.

Abstract
Portuguese-speaking countries are at different levels in promoting Environmental
Education (EA). A first survey conducted in 2017 shows that EA is mostly the res-
ponsibility of the Ministries of Environment and Education, with a role reserved
for local administration and schools. While more significant in Brazil and Portu-
gal, public support is widespread in most countries. The support of international
organisations is mainly found in African countries and East-Timor while, albeit at
different levels, national NGOs, foundations and national companies are present
in all countries and contexts. In sum, although unevenly and in some countries still
embryonic, these early results demonstrate that EA has already entered the public
and political agendas of all Portuguese speaking countries. Therefore, to enhan-
ce the effectiveness of implementation, to improve public policies, and to ensure
greater resilience to face the coming challenges, it is of particular importance to
deepening the analysis and the knowledge of the EE field in the Community of
Portuguese-Speaking Countries.

Keywords: Environmental Education, Lusophone Countries; Survey, National per-


formances.

1ICS-ULisboa. E-mail: mlschmidt@ics.ulisboa.pt.


2ICS-ULisboa. E-mail: jfguerra@ics.ulisboa.pt.

Santiago de Compostela, na Galícia 3ASPEA. E-mail: joaquim.pinto@aspea.org.


Foto: Michèle Sato

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 219


Luísa Schmidt; João Guerra; Joaquim Ramos Pinto Educação Ambiental no contexto da CPLP

Introdução uma crise que, embora planetária, ça, quer nas comunidades e suas respetivos desempenhos nacio-
As questões ambientais são afeta sobretudo as populações práticas, quer nas políticas públi- nais; iii) os principais promoto-
hoje centrais para o futuro da Hu- humanas mais vulneráveis, o que cas, nomeadamente dos países res da EA e apoios disponíveis;
manidade e de qualquer comu- implica o reforço da sua aquies- da CPLP, emergindo como instru- iv) as dimensões curriculares in-
nidade ou país. As crises globais cência, resiliência e capacitação. mento crucial na transição para troduzidas abordando a temática
têm apontado o agravamento Neste contexto, “a educação é um modelo de sociedade mais ambiental e, por fim, v) algumas
progressivo de muitos problemas tanto um objetivo em si mesmo inteligente, construtivo e susten- notas conclusivas para reflexão.
ambientais com impactos gra- como um meio para atingir todos tável. Pode, portanto, revelar-se
vosos para a vida económica e os outros ODS. Não é apenas uma numa ferramenta crucial para Estratégia metodológica e
social a várias escalas – do local parte integrante do desenvolvi- ultrapassar as insuficiências do construção da amostra
ao global. A ONU tem lançado vá- mento sustentável, mas também proclamado, mas permanente- Tratando-se de uma primeira
rios alertas neste sentido e, vem um fator fundamental para a sua mente adiado, desenvolvimento abordagem exploratória que tem
preconizando uma convergência consecução” (UNESCO, 2017:1). sustentável (Reclift, 2005; Moore, por objetivo fazer um diagnós-
entre as agendas do desenvolvi- Mais especificamente, a Edu- 2011) tico da situação atual em nove
mento e do ambiente, através de cação Ambiental (EA) tem ganho O objetivo do Primeiro Inqué- países distintos, ainda que liga-
caminhos e soluções que recen- uma atualidade crescente ao lon- rito sobre Educação Ambiental dos por laços histórico-culturais,
temente foram traduzidos nos go das últimas décadas. Desde a na CPLP, levado a cabo pelo Ob- a estratégia de recolha de dados
Objetivos de Desenvolvimento Conferência Intergovernamental serva (ICS-ULisboa) e pela ASPEA centrou-se num inquérito por
Sustentável (ODS). Nesta nova de Tbilisi (CIEA, 1977) que alguns foi, por isso, fazer um diagnóstico questionário, aplicado online e
agenda para a sustentabilidade objetivos específicos – e.g., fo- preliminar da realidade da EA e por email, entre 26 de maio e 15
(Agenda 2030), a educação ganha mentar a consciencialização am- encontrar o seu lugar nos siste- de junho de 2017. Para potenciar
particular importância, surgindo biental; alargar os conhecimen- mas de educação formal e infor- taxas de resposta mais significa-
explicitamente formulada como tos e a informação dos cidadãos; mal nos países da CPLP. Os resul- tivas entre as instituições, recor-
um objetivo independente (i.e., estimular a mudança de valores tados aqui apresentados devem, remos ainda ao método de ‘bola
ODS 4 – Educação de Qualidade), e as atitudes; desenvolver capa- no entanto, ser vistos como uma de neve’, por via de contactos di-
assim como em numerosas metas cidades para uma participação primeira tentativa de análise que retos (i.e., por email e por telefo-
e indicadores de outros objetivos eficaz dos cidadãos – têm vindo a estará longe de esgotar a comple- ne), solicitando explicitamente a
(UNRIC 2016). ser defendidos. Passadas quatro xidade existente. Procura-se, tão resposta ao inquérito, bem como
Aprovada em 2015 e constituí- décadas, nem sempre os resul- só, avançar com pistas de refle- informação sobre eventuais in-
da por 17 objetivos desdobrados tados serão o que se esperaria, xão que certamente precisarão formantes privilegiados sobre EA
em 169 metas, a Agenda 2030 mas, em termos gerais, a evolu- de novos enfoques e novas abor- nos respetivos países. Nesta pri-
tem implícita uma mudança so- ção parece inegavelmente positi- dagens para as consolidar. Após meira abordagem interessou, ba-
cial que, para dar resposta aos va, assistindo-se a um crescendo uma breve introdução `temática sicamente, recolher informação
desafios da crise ambiental glo- global na consciencialização am- da Educação Ambiental, neste de fontes ligadas à promoção e ao
bal, decorrerá, em boa parte, de biental, sobretudo entre as gera- artigo apresenta-se: i) a estraté- desenvolvimento da EA: adminis-
processos educativos e/ou for- ções mais expostas a ações de EA gia metodológica e construção tração pública e ensino, ONG, em-
mativos potenciadores das neces- (Schmidt, Nave e Guerra, 2005). da amostra do inquérito aplicado presas, órgãos de comunicação
sárias dinâmicas mobilizadoras e Neste processo a EA pode resul- aos países lusófonos sobre EA, ii) social...
participativas. Trata-se, afinal, de tar numa ferramenta de mudan- o enquadramento institucional e As taxas de resposta e peso re-

220 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 221
Luísa Schmidt; João Guerra; Joaquim Ramos Pinto Educação Ambiental no contexto da CPLP

diversificação de respostas e o de cada um dos países, o que ex-


simultâneo enfoque nos oito paí- plicará a presença relativamente
ses lusófonos (mais a Galiza) re- dominante de instituições da ad-
sultou em 6 tipos diferenciados ministração pública.
de respondentes que deterão
diferentes responsabilidades na Enquadramento institucional e
promoção da EA. De acordo com desempenhos
a Figura 1, predominam as insti- Vejamos, então, como referem
tuições ligadas à Administração os inquiridos o quadro político-
Pública (34%), as ONG e as Uni- -legislativo que enquadra a sua
versidades (25% cada), a que se ação. De acordo com a Tabela
Tabela 1 – Inquérito sobre EA aplicado nos países de língua portuguesa juntam os órgãos de Comunica- 2, podemos distinguir entre i)
(taxas de resposta) ção Social (9%), outras institui- presença do ambiente na Cons-
ções (5%) e, ainda, o setor em- tituição Nacional que resulta de
lativo na amostra (Tabela 1) dão nais, exibem das maiores taxas presarial com 2% das respostas. informação avançada esponta-
conta da diversidade presente em de resposta e pesos relativos no A disponibilidade para responder neamente pelos inquiridos5 e ii)
termos de dimensão do país, mas total da amostra só ultrapassados depende do interesse e responsa- presença da Educação Ambiental
também em termos de interesse pelo do Brasil. Nesta fase, no en- bilidades assumidas na promo- na constituição.
pela EA nos vários contextos na- tanto, a preocupação central foi ção e prossecução da EA ao nível No que toca ao Ambiente, de
cionais e até da capacidade de garantir a recolha de informação
penetração da equipa de investi- tão abrangente, diversificada e
gação em cada um deles4. Assim, coerente quanto possível, tendo-
se olharmos para os casos de São -se recorrido, quando necessário,
Tomé e Príncipe e Cabo Verde, ve- a pesquisa documental confirma-
rificamos que, apesar da reduzida tória.
dimensão em termos populacio- Seja como for, o esforço de

Tabela 2 – Ambiente e EA na construção nacional

acordo com as respostas obtidas, -Bissau, São Tomé e Príncipe, Ti-


apenas a Guiné-Bissau não o in- mor-Leste e Galiza, embora, nes-
clui na Constituição. Mais concre- te último caso, o facto de se tratar
tamente, a EA tem uma presença de uma região autónoma de Es-
Figura 1 – Tipologia de instituições representadas nas respostas menos geral, estando ausente da panha possa ter determinado a
Constituição de Angola, Guiné- resposta negativa. Para efeitos
4Envio do questionário e/ou pedido de resposta a inscrito/as no Congresso e a contactos
pré-existentes da ASPEA e do ICS-ULisboa/Observa. 5As “não-respostas” de Moçambique e de Timor-Leste poderão, afinal, resultar desse facto.

222 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 223
Luísa Schmidt; João Guerra; Joaquim Ramos Pinto Educação Ambiental no contexto da CPLP

práticos e, de acordo com as res- ambiental. De acordo com os re- sobretudo, a Cabo Verde, Moçam- Em países como o Brasil e Portu-
postas galegas, a Estratexia Gale- sultados (Tabela 3), todos os paí- bique, Portugal e Galiza. gal as competências alargam-se a
ga de Educación Ambiental existe ses dispõem de uma Lei de Bases E quem aplica esta legislação? um campo vasto que vai desde a
e recomenda-se. do Ambiente, assim como uma lei De acordo com os resultados, disponibilização de informação e
Aprofundemos, então a análise sobre as Áreas Protegidas e so- especificamente a EA é compe- desenvolvimento de campanhas
procurando indagar que leis tem, bre Ordenamento do Território tência de dois ministérios que, de sensibilização e formação, à
cada um destes países, disponí- (ainda que as denominações nem através de diversos departamen- parceria com escolas e ONG, e
veis para proteger a qualidade sempre coincidam6). tos e secretarias, trabalham em ao financiamento de atividades e
complementaridade: Ministério equipamentos de EA. Nos restan-
do Ambiente e Ministério da Edu- tes países o papel do poder local
cação. Com exceção da Guiné- limita-se, sobretudo, à sensibili-
-Bissau, onde as respostas foram zação e disponibilização de infor-
sistematicamente negativas, o mação e, eventualmente, a algu-
poder local é outro dos importan- mas parcerias com ONG de cariz
tes intervenientes nesta matéria. internacional.

Tabela 3 - Legislação de proteção ambiental existente nos vários países


Tabela 4 - Equipamentos de EA disponíveis
Pelo contrário, o litoral e o ar tros, as questões relacionadas
são matérias sobre as quais nem com os solos (Brasil e Guiné-Bis-
todos os países legislam, como sau), a água (São Tomé e Prínci- Para levar a cabo uma estraté- para desenvolver projetos e ativi-
são os casos de Angola, Guiné- pe), ou os resíduos (Guiné-Bissau gia de sucesso, os equipamentos dades de EA. Em sentido contrá-
-Bissau, São Tomé e Príncipe e e Timor-Leste). Importa, no en- de EA podem potenciar as ações rio, ainda de acordo com os dados
Timor-Leste. Importará, na con- tanto, assinalar a transversalida- educativas. Interessou, por isso, expostos na Tabela 4, surge Ango-
tinuação deste estudo, procurar de que as questões ambientais perceber até que ponto estavam la, cujos respondentes apenas re-
perceber como são defendidos já assumiram na legislação dos disponíveis. Como se verifica na feriram “museus” generalistas.
estes valores ambientais nestes vários países, ainda que quadros Tabela 4, Brasil, Portugal e Gali- Se tomarmos Angola como
países, assim como, nalguns ou- legais mais completos se limitem, za destacam-se com o pleno de exemplo, a falta de equipamentos
equipamentos disponíveis no seu parece repercutir-se nas temá-
6 *S.Tomé e Príncipe: Lei sobre a Propriedade Fundiária; Angola: Lei de Terras; Timor- território. Importaria saber da ticas exploradas. De acordo com
Leste: Lei de Terras e Lei de Expropriações por Utilidade Pública. ** No site do Governo qualidade e quantidade, mas os a Tabela 5 a biodiversidade e as
de Timor-Leste não há referência a: Lei de Bases do Ambiente, Lei da Água, Lei das Áreas dados recolhidos apenas nos per- áreas protegidas são o único as-
Protegidas, mas as respostas foram afirmativas. *** Para a Galiza não houve representantes mitem sublinhar uma discrepân- sunto a conseguir o pleno entre
da administração pública a responder.
cia que vinca diferentes recursos os países inquiridos. Nas restan-

224 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 225
Luísa Schmidt; João Guerra; Joaquim Ramos Pinto Educação Ambiental no contexto da CPLP

nizações Não Governamentais sando pelo financiamento, até à


de Ambiente), e, em menor grau, execução.
também as fundações e as empre- Aliás, quanto a recursos finan-
sas são mencionadas como finan- ceiros, os inquiridos sublinham
ciadoras ou promotoras (muitas invariavelmente uma escassez
vezes executoras) de atividades clara que, quando disponíveis,
e projetos. Em Portugal, Brasil e têm maioritariamente origem
Galiza o desenvolvimento e exe- pública. Esta situação verifica-se,
cução de projetos surge, antes de sobretudo, em Portugal e no Bra-
Tabela 5 - Temáticas exploradas em ações e projetos e EA desenvolvidos pelo mais e de forma clara, atribuído sil, mas também em Cabo Verde e
poder local às ONG nacionais. Nos restantes em Moçambique. Nesta matéria,
países africanos e em Timor des- Angola e Timor-Leste destacam-
tes áreas temáticas, as questões balmente persiste em ignorar, “a tacam-se as ONG internacionais e -se pela negativa: de acordo com
do litoral e dos resíduos surgem preocupação em renovar as espe- as agências de cooperação inter- as respostas recolhidas, nestes
em segundo lugar, logo seguidas ranças para trazer a compreensão nacional que, em grande parte, países, não existem sequer fun-
pela água e pela floresta. Comu- do sentido da integridade da EA” assumem todas as fases dos pro- dos públicos específicos disponí-
nidades indígenas/tradicionais, (Sato, 2001). Na prática, apesar jetos: desde a elaboração, pas- veis para apoiar atividades de EA.
áreas degradadas e, por fim, as da retórica do desenvolvimento
questões de género espontanea- sustentável, Mantém-se em vigor
mente menos referidas fecham o o divórcio entre as consequên-
conjunto de temáticas exploradas cias no ambiente físico e as con-
pelo poder local nos países de sequências sociais da crise global
língua portuguesa. Note-se que – ambiental, económica, social e
os respondentes galegos, talvez institucional (The Commission
porque os representantes da ad- of Inquiry into the Future of Civil
ministração pública falharam na Society, 2010), num tradicional
resposta, não responderam, en- e persistente acantonamento da
quanto o Brasil se destaca com EA nas questões ecológicas e con-
respostas positivas em todas as servacionistas (Schmidt, Nave e
áreas. Guerra, 2010).
Verifica-se, assim, que as ques-
tões de género e até das comuni- Promotores e apoios disponí-
dades indígenas/tradicionais que veis
parecem pouco apelativas para Que recursos estão, então, Tabela 6 - Organizações internacionais presentes no apoio à EA.
a maioria dos países, apesar de disponíveis nestes países? A ní-
serem questões prementes em vel nacional, a generalidade das E qual o papel das Organiza- cular importância nos países afri-
qualquer dos contextos geográfi- respostas confere às ONG o pa- ções Internacionais no financia- canos e em Timor-Leste (Tabela
cos. Estaremos, pois, perante uma pel prático mais importante. Em mento da EA? Existem organiza- 6). Segundo os dados obtidos, o
fragilidade transversal que, glo- todos os países as ONGA (Orga- ções internacionais presentes em apoio que estas organizações dis-
todos os países, assumindo parti- ponibilizam é, em grande parte,

226 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 227
Luísa Schmidt; João Guerra; Joaquim Ramos Pinto Educação Ambiental no contexto da CPLP

financeiro, embora em muitos baseados em recursos naturais São Tomé existe mesmo uma dis- Se, para o desenvolvimento e
casos a intervenção das organiza- (i.e., água, saneamento, energia, ciplina dedicada à EA, enquanto execução de projetos e ativida-
ções internacionais se alargue à resíduos…) que apoiam e desen- em Angola a EA está integrada des de EA nas escolas e, conse-
própria elaboração e desenvolvi- volvem atividade nesta área. numa disciplina. Nos restantes quentemente, para a mobilização
mento do projeto, ao apoio técni- países, a EA surge como matéria e envolvimento da comunidade
co, à produção de materiais peda- Educação Ambiental nos curri- transversal a ser tratadas pelas escolar, a importância dos profes-
gógicos, aos aspetos logísticos e, cula escolares várias disciplinas. Serão, portan- sores é indiscutível, nem sempre
ainda, à formação. O sistema formal de ensino nos to, os professores (muitas vezes eles próprios se sentem prepa-
A origem de recursos (finan- seus vários níveis (i.e., dos Jardins com apoio de ONG, empresas e rados para tal tarefa. Até porque,
ceiros e outros) pode, no entanto, de Infância à Universidade) cons- municípios) que assumem ativi- a julgar pela disponibilidade de
ter outras fontes como, por exem- titui o promotor fundamental da dades e projetos num esforço em- cursos nas universidades ligados
plo, as empresas. Para além de educação ambiental e o que me- penhado e generoso, nem sempre à EA, dificilmente fez parte da sua
Timor-Leste, cujos respondentes lhor indica o sentido da mudan- devidamente reconhecido (Sch- formação de base.
referem não existirem empresas ça formativa. Como nota Jackson midt, Nave & Guerra, 2010). Com efeito, como se constata
públicas ou privadas a intervir (2009), a escola é lugar de forma-
neste campo, em todos os ou- ção e, portanto, ferramenta não
tros países e particularmente em descartável para o processo de
Portugal e no Brasil, há empre- transição que, a mal ou a bem, to-
sas, normalmente ligadas à pro- dos teremos que enfrentar.
dução/distribuição de serviços Começámos, então por inda-
Tabela 8 - Presença da EA nos currículos do ensino superior.

na Tabela 8, a EA está ainda longe máticas contíguas são ainda, ba-


de garantir um lugar de destaque sicamente, exploradas nas licen-
nas universidades, em qualquer ciaturas de ambiente e ciências
dos contextos geográficos pre- naturais.
sentes. Na Guiné-Bissau e Timor- A formação de professores e, já
-Leste a temática nem sequer é agora, de outros técnicos que, de
abordada. Em Portugal e em Mo- alguma forma, com eles possam
çambique existem já licenciatu- colaborar (e.g., técnicos autár-
ras em EA, mas são relativamen- quicos, técnicos de ONG…) é, por
Tabela 7 - Educação ambiental nas escolas. te recentes e detêm ainda pouca isso, um instrumento imprescin-
visibilidade. Finalmente, ainda dível para levar a bom porto os
gar de que forma a EA é ministra- ainda que, numa análise qualita- que no Brasil, em Cabo Verde, em objetivos da EA. Daí que importe
da nas escolas. De acordo com os tiva, em Timor-Leste essa impor- Portugal, em São Tomé e Prínci- indagar sobre a disponibilidade
resultados alcançados (Tabela 7), tância pareça menos expressiva. pe e na Galiza se tenham vindo a da formação nos vários países.
em geral, os sistemas educativos Pelo contrário, de acordo com as instituir alguns mestrados e/ou De acordo com os resultados
reconhecem a importância da EA, declarações dos inquiridos, em doutoramentos em EA, a EA e te- (Tabela 9), em São Tomé não

228 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 229
Luísa Schmidt; João Guerra; Joaquim Ramos Pinto Educação Ambiental no contexto da CPLP

térias ambientais nos curricula nas ações diárias, e é maravilho-


em diversos graus de ensino. so que a educação seja capaz de
Como aspetos menos positi- motivar para elas, até dar forma a
vos e a carecerem de medidas um estilo de vida (…)” Francisco,
Tabela 9 - Formação disponível para professores e técnicos.
específicas, regista-se a escassez 2015: 154).
generalizada de equipamentos e
está disponível nenhum tipo de ra, mais justa (Guerra e Schmidt, materiais pedagógicos de EA, ex- Referências
formação, seja destinada a pro- 2016), parece existir um défice cetuando nos casos de Portugal, CIEA (1977). Declaração da
fessores, seja destinada a outros de meios formativos que, quase Brasil e Galiza, e acima de tudo, a Conferência Intergovernamen-
técnicos. Já em Angola, na Guiné- invariavelmente, se reduzem a ausência de formação de técnicos tal sobre Educação Ambiental.
-Bissau e em Timor-Leste exis- ações pontuais. e de professores, bem como a fal- Tbilisi, Geórgia: Conferência In-
tem apenas ações pontuais que, ta de articulação entre escolas e tergovernamental sobre Educa-
de acordo com os respondentes, Notas conclusivas universidades, o que é particular- ção Ambiental.
são pouco significativas. Por seu Fazendo o balanço dos resul- mente relevante pois permitiria Francisco, Santo Padre (2015).
turno, em Cabo Verde e na Galiza tados deste inquérito que cons- um salto qualitativo nas práticas ‘Laudato Si’: sobre o cuidado
existe formação especifica para tituiu uma primeira abordagem à de EA. da casa comum - Segunda car-
professores, mas não para outros problemática da EA nos países da Em suma, os processos de mu- ta encíclica do Papa Francisco.
técnicos. Finalmente, no Brasil e CPLP, conclui-se desde logo que, dança para um modelo de susten- Lisboa: Paulus
em Portugal parece apostar-se apesar do muito curto espaço de tabilidade mais efetivo implicam Guerra, João e Schmidt, Luísa
mais na formação que, de acordo tempo da sua aplicação, o índice o envolvimento das comunidades (2016). Concretizar o Wishfull
com os respondentes brasileiros de respostas foi elevado e envol- e das populações. Para isso, tor- Thinking – dos ODS À COP21. Re-
e portugueses, está disponível veu diferentes entidades, o que na-se imperativo romper o ciclo vista Ambiente & Sociedade, 19
para os dois grupos. indicia o interesse pelo tema. Re- vicioso de incapacitação (Sen (4): 179-196.
Resta saber até que ponto esta flexo disso mesmo é a existência 2006), investindo na educação Jackson, Tim (2009): Prospe-
formação disponibilizada está de um quadro legislativo e insti- formal e informal. Dos vários pro- rity without growth: economi-
adequada às necessidades o que, tucional sobretudo nos ministé- cessos formativos disponíveis, a cs for a finite planet. London,
será impossível responder a par- rios do Ambiente e da Educação, EA constitui um contributo de- Earthscan.
tir dos resultados deste inqué- bem como o envolvimento dos terminante para fazer compreen- Moore, Frances C. 2011. «Toppling
rito. Uma análise qualitativa das poderes locais no que à EA diz der as interdependências entre the Tripod: Sustainable Develo-
respostas, deixa intuir que, antes respeito em praticamente todos sociedade e ambiente. A EA surge pment, Constructive Ambiguity,
de mais, existe uma maior dispo- os países. Outro aspeto positivo a como um ‘driver’ para a capacita- and the Environmental Challen-
nibilidade de ações e programas sublinhar é a existência de apoios ção que dará sentido à participa- ge». The Journal of Sustainable
no Brasil, seja para professores, financeiros nacionais e interna- ção pública efetiva com impacto Development, 5 (1): 141-150.
seja para outros técnicos. Mas, cionais para projetos e ações, direto na mudança de práticas, Oliveira Martins, Guilherme
de forma geral e tendo em conta bem como o papel relevante de- normas e valores sociais, tal como (coord.) (2017): Perfil dos
a fulcralidade da EA para tornar sempenhado pelas ONGA e a con- se pretende com os ODS. alunos à saída da Escola-
viável uma mudança social que, sagração generalizada de Áreas Como refere o Papa Francisco, ridade Obrigatória – Docu-
apesar de inevitável, pode ser Protegidas. Ainda positivamente, “é muito nobre assumir o dever mento elaborado pelo Grupo
menos tumultuosa e, porventu- assinale-se a introdução das ma- de cuidar da criação com peque- de Trabalho criado nos termos

230 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 231
Luísa Schmidt; João Guerra; Joaquim Ramos Pinto Educação Ambiental no contexto da CPLP

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232 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 233
Foto: Michèle Sato

Lagoa dos Patos, em Rio Grande, cidade brasileira


Indicadores de monitoramento e avaliação de projetos e políticas
situada no estado do Rio Grande do Sul públicas de Educação Ambiental no Brasil
Maria Henriqueta Andrade Raymundo1
Evandro Albiach Branco2
Semíramis Biasoli3
Marcos Sorrentino4
Renata Maranhão5
Resumo
Este artigo apresenta o processo participativo de estruturação do monitoramento
e avaliação de projetos e políticas públicas de educação ambiental (EA) no Brasil. O
processo vem sendo desenvolvido pela ANPPEA – Articulação Nacional de Políticas
Públicas de Educação Ambiental com o objetivo geral de contribuir para o forta-
lecimento das políticas de transição para sociedades sustentáveis no país. Deste
modo, está em desenvolvimento uma plataforma digital ancorada em um banco
de dados subsidiado por indicadores de monitoramento e avaliação. O arcabouço
teórico-metodológico que dá suporte ao projeto da Plataforma Brasileira de Mo-
nitoramento e Avaliação de Políticas Públicas de Educação Ambiental está refe-
rendado em políticas públicas multicêntricas, nas quais governo e sociedade têm
responsabilidades compartilhadas e se colocam como parceiros para a formula-
ção, implementação e monitoramento das políticas. O arcabouço permite também
um olhar multiescalar sobre as políticas públicas de EA, partindo da identificação
de atores em suas diversas áreas e escalas de influência espacial, oferecendo re-
levantes elementos para as análises da extensão e relação entre políticas públicas
nos territórios. Até o momento cerca de 300 pessoas de representações diversas
foram envolvidas neste processo que resultou no diagrama de dimensões articu-
ladas de indicadores de monitoramento e avaliação de políticas públicas de EA.
Palavras-chave: políticas-públicas, monitoramento, avaliação, plataforma e indi-
cadores.

Abstract
This paper introduces the participatory design of monitoring and evaluation fra-
mework for projects and public policies in environmental education in Brazil. This
process has been developed by ANPPEA – National Articulation of Enviromental
Education Public Policies, with the general objective of contributing to the streng-
thening of the policies of transition to sustainable societies in the country. Thus, a
digital platform based on database and indicators of monitoring and evaluation is
under development. The theoretical-methodological framework that supports the
Brazilian Platform for Public Policies in Environmental Education Monitoring and
Evaluation project is based on multicentric public policies concept which govern
and society has shared responsability and put themselves as partners to the for-
mulation, implementation and monitoring of public policies. This framework also
allows a multiscalar approach over public policies of environmental education,
starting from the identification of actors in their different fields and spatial sca-
les, providing relevant subsidies for the analysis of the extension and relationship
between public policies in the territory. So far, about 300 people from different
sectors were involved in the process that resulted in the diagram of articulated
dimensions of indicators for monitoring and evaluation of public environmental
education policies.
Key words: Public-policies, monitoring, evatuation, plataform, indicators.

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Maria H. A. Raymundo; Evandro A. Branco; Semíramis Biasoli; Marcos Sorrentino; Indicadores de monitoramento e avaliação de projetos e políticas públicas de
Renata Maranhão Educação Ambiental no Brasil

Introdução NEA possa ser considerado um âmbitos local e nacional, sobre instituições privadas, coletivos
A política pública de educação avanço, ainda existe um longo ca- Políticas Públicas de Educação educadores, organizações não
ambiental (PPEA) no Brasil teve minho a ser percorrido para for- Ambiental com a participação e governamentais, unidades de
um importante marco históri- talecer a EA no Brasil, o que exige apoio do Ministério da Educação conservação, comitês de bacia hi-
co com a lei federal nº 9795/99, sinergia e articulação entre as di- (MEC), Ministério de Meio Am- drográfica e outros atores.
que institui a Política Nacional versas políticas públicas, setores, biente (MMA), Prefeituras Muni- Com objetivos de promover a
de Educação Ambiental (PNEA). conhecimentos, tecnologias, ter- cipais e da Universidade de Brasí- sinergia entre atores e ações de
Pautada em princípios democrá- ritórios e atores. lia (UNB). Os seminários tiveram EA e contribuir para o fortaleci-
ticos, participativos e por pro- De acordo com Sorrentino et o objetivo de propiciar reflexões mento das políticas públicas de
cessos educativos continuados e al. (2005, p.287) as políticas pú- sobre a elaboração e implantação educação ambiental de transição
permanentes, o Órgão Gestor da blicas de educação ambiental po- de políticas públicas integradas e para sociedades sustentáveis no
PNEA, composto por represen- dem ser compreendidas na pers- comprometidas com a sociedade. país, como parte do Simpósio, foi
tantes dos Ministérios do Meio pectiva de um “processo dialético Dando continuidade aos diá- realizado um diagnóstico partici-
Ambiente e da Educação e asses- e compartilhado entre Estado e logos, reflexões, intervenções e pativo sobre demandas, desafios,
sorado por um Comitê com par- sociedade civil”, e necessitam de diagnósticos sobre as políticas expectativas e oportunidades
ticipação diversificada da socie- estudos e intervenções com abor- públicas de educação ambien- referentes a formulação e imple-
dade brasileira, realizou consulta dagens pluralistas e abrangentes. tal, com aprofundamento e re- mentação dessas políticas públi-
pública voltada a construção do O autor também afirma que “a sultados práticos, em maio de cas no Brasil.
Programa Nacional de Educação urgência de transformação social 2014 a Oca realizou o Simpósio Dentre os resultados do diag-
Ambiental (ProNEA). tratada pela educação ambiental “Políticas Públicas de Educação nóstico identificou-se que a for-
O ProNEA, neste sentido, assu- visa à superação das injustiças Ambiental para Sociedades Sus- mação é deficitária tanto nas IES,
me como seu fundamento o Tra- ambientais, da desigualdade so- tentáveis – municípios, escolas e como entre gestores de governos
tado de Educação Ambiental para cial, da apropriação capitalista instituições de educação superior municipais e profissionais das es-
Sociedades Sustentáveis e Res- e funcionalista da natureza e da que educam para a sustentabili- colas. O diagnóstico apontou que
ponsabilidade Global, elaborado própria humanidade” (p. 297). dade socioambiental (SPPEA)”, a formação é uma carência para a
pela sociedade civil planetária Em 2013, a Oca/ESALQ/USP6 com o apoio da Coordenadoria institucionalização das políticas
durante a Rio92. Embora o Pro- realizou cinco seminários nos de Aperfeiçoamento de Pessoal públicas de EA, desde sua criação
de Ensino Superior (CAPES) , da à implantação, passando também
Superintendência de Gestão Am- pelo monitoramento e análise
1Oca – Laboratório de Educação e Política Ambiental – ESALQ/USP e Fundo Brasileiro de biental da Universidade de São dos processos, resultados e ava-
Educação Ambiental - FunBEA. E-mail: henriquetasss@gmail.com. Paulo (USP), Itaipu Binacional, liação. Da mesma forma, foi apon-
2Centro de Ciência do Sistema Terrestre – CCST/INPE.
MEC e MMA. tada a demanda de investimento
3Fundo Brasileiro de Educação Ambiental - FunBEA. O SPPEA envolveu aproxima- na criação de indicadores de
4Oca – Laboratório de Educação e Política Ambiental – ESALQ/USP. E-mail: sorrentinoea@ damente 600 pessoas provenien- avaliação das PPEA. Num ques-
gmail.com. tes das cinco regiões administra- tionamento sobre a necessidade,
5Departamento de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente - DEA/MMA. tivas do Brasil, representando o desejos e disponibilidade para a
6O Laboratório de Educação e Política Ambiental (Oca) da Escola Superior de Agricultura poder público em suas múltiplas estruturação de uma articulação
Luiz de Queiroz, campus da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP), criado em meados dos esferas, as instituições de edu- nacional de políticas públicas de
anos de 1980, atua no campo das políticas públicas de educação ambiental por meio do cação superior (IES), escolas, educação ambiental 98% do pú-
ensino-aprendizagem, pesquisa, extensão e gestão compartilhada.

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blico envolvido no Simpósio res- atuantes nos territórios; cons- Plataforma Brasileira de Mo- oficinas, rodas de conversa, pa-
pondeu positivamente, sugerindo truir e produzir conhecimentos nitoramento e Avaliação de lestras, círculos de cultura, mesas
encontros presenciais e comuni- técnicos, científicos e populares Projetos e Políticas Públicas de redondas que propiciam a cons-
cação a distância para construção integrados sobre a formulação e Educação Ambiental trução coletiva do delineamento
de estratégias de articulação. execução de políticas públicas de Com objetivos de cadastro, da plataforma de monitoramento
Em busca de efetivar os en- educação ambiental. monitoramento e análises espa- e avaliação.
caminhamentos dados sobre ar- Os específicos são: mapear ciais por meio de indicadores de Quanto ao eixo técnico-cientí-
ticulação, sinergias e monitora- projetos e políticas públicas de ações estruturantes, projetos e fico, se refere à elaboração e de-
mento de políticas públicas de EA EA, em seus diversos matizes, políticas públicas de EA, nasce o senvolvimento de metodologias
a Oca firmou uma parceria téc- proponentes e escalas; promover projeto da Plataforma. Para tanto, participativas para o eixo educa-
nica com o Fundo Brasileiro de intercâmbio e divulgar os proje- foi definida uma metodologia que dor-pedagógico, às sistematiza-
Educação Ambiental (FunBEA) e tos e as políticas públicas de EA; se desenvolve em três eixos arti- ções e análises das produções co-
com o Centro de Ciência do Siste- criar espaços dialógicos sobre culados e integrados: a) político- letivas, em específico em relação
ma Terrestre (CCST) do Instituto formulação, execução, monitora- -institucional, b) educador-peda- à proposição e desenho de indica-
Nacional de Pesquisas Espaciais mento e avaliação de projetos e gógico, c) técnico-científico. dores, bem como a elaboração de
(INPE), contando com o respaldo políticas públicas de EA no país; O eixo político-institucional suas fichas metodológicas, defini-
político do Órgão Gestor da PNEA. construir e sistematizar indica- se refere às articulações neces- ção e aplicação de métodos de va-
A parceria permitiu dar início dores e instrumentos de análise sárias com a diversidade de ato- lidação dos indicadores, constru-
ao delineamento de uma plata- de dados, inclusive espacialmen- res, estabelecimento de parcerias ção do banco de dados espacial
forma para o cadastro e análises te, visando o monitoramento con- e agendas, captação de recursos de suporte ao mapeamento das
espaciais de ações estruturantes, tínuo dos projetos e políticas pú- financeiros, potencialização e PPEAs, além da previsão de tec-
projetos e políticas públicas de blicas de EA no Brasil. capilaridade das ações em de- nologias de webgis e ferramen-
educação ambiental do país. Nes- O lançamento da ANPPEA ge- senvolvimento. As atividades do tas de análise espacial e de redes
te contexto, em agosto de 2015, rou amplos diálogos, reflexões e eixo são reuniões, elaboração de (network analysis).
foi lançada a ANPPEA – Articula- encaminhamentos sendo a sua termos de cooperação técnica e Com os três eixos adotados foi
ção Nacional de Políticas Públi- secretaria executiva formada projetos, contratações, prospec- possível estabelecer as seguintes
cas de Educação Ambiental com pelo FunBEA, CCST/INPE; Oca/ ções financeiras, mapeamentos etapas metodológicas de constru-
o apoio e participação da diver- ESALQ/USP; Departamento de institucionais, etc. ção da plataforma:
sidade de atores envolvidos no Educação Ambiental do Minis- O eixo educador-pedagógico a) definição do marco referen-
diagnóstico realizado pelo men- tério do Meio Ambiente (DEA/ diz respeito a essência demo- cial e conceitual que dão a base
cionado Simpósio. MMA) e Coordenação Geral de crática, participativa, crítica e da plataforma;
Os objetivos gerais da ANPPEA, Educação Ambiental do Mi- emancipadora da EA. Portanto, as b) caracterização do frame-
são: contribuir para o fortaleci- nistério da Educação (CGEA/ informações que vem sendo pro- work utilizado para a construção
mento das políticas públicas de MEC). Como primeira missão da duzidas resultam da participa- dos indicadores;
EA de transição para sociedades ANPPEA, foi assumida a constru- ção, do diálogo de saberes e plu- c) construção participativa dos
sustentáveis no país; propiciar a ção da Plataforma Brasileira de ralidade das ações e atores que indicadores;
sinergia entre prefeituras, esco- Monitoramento e Avaliação de atuam nos territórios do Brasil. d) a definição do processo de
las, instituições de educação su- Projetos e Políticas Públicas de Neste eixo são criados espaços validação para os indicadores
perior e a diversidade de atores Educação Ambiental dialógicos com a realização de propostos;

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e) construção do conceito e de- estes que serão tratados a seguir. influenciam de forma recíproca instituintes presentes em todo o
finição das áreas de abrangência De uma maneira geral é pos- e permanente e se caracterizam ciclo da política pública (KING-
(espacial) de cada política públi- sível afirmar que políticas públi- no chamado ciclo da política pú- DON, 2003, 2006).
ca de EA potencial na plataforma; cas são o conjunto de ações es- blica : 1) dimensão de conteúdo, Alguns conceitos e concepções
f) criação do banco de dados, truturadas desencadeadas pelo ou policy; que se refere aos con- da política do cotidiano a funda-
incluindo as estratégias para co- Estado, em suas diversas esferas teúdos concretos, à configuração mentam conceitualmente. São
leta contínua e colaborativa; e escalas, como propostas de dos programas políticos, proje- eles: A relação entre instituído e
g) construção dos arquivos ve- enfrentamento a determinados tos, ações e problemas técnicos instituinte (BAREMBLIT, 2002) e
toriais, com a identificação das problemas públicos (FREY, 2000; e conteúdo material das decisões a relação entre regulação e eman-
feições espaciais e tabelas de SOUZA, 2006). A essência do con- políticas, 2) dimensão das insti- cipação trabalhada por Boaven-
atributos; ceito de políticas públicas, entre- tuições, polity, que se refere à or- tura de Sousa Santos, junto aos
h) definição de critérios de tanto, está no problema público, dem do sistema político, às nor- três pilares da sociedade: estado,
consulta, acesso à base de dados, cujas causas e consequências mas e legislações, às previsões mercado e sociedade.
inserção e validação de novos da- abarcam toda uma coletividade orçamentárias, delineadas pela O Instituído tem relação com
dos, comunicação e hospedagem. (SECCHI, 2013). estrutura institucional do siste- os poderes reconhecidos por
Neste sentido, na perspectiva ma político-administrativo; 3) di- meio da legalidade e de padrões
Abordagem Multicêntrica e multicêntrica, as políticas públi- mensão de atores e dos processos tais como universalidade, coerci-
Multiescalar da Plataforma cas são consideradas como pro- políticos ou politics, que trata das tividade e legalidade. Trata-se do
Brasileira de Monitoramento cessos complexos e dinâmicos, e forças em jogo, frequentemente reconhecimento das instituições
e Avaliação de Projetos e Polí- passam a incorporar nas decisões de caráter conflituoso, no que se e processos legais, normativos.
ticas Públicas de Educação Am- e ações de governo, outros atores refere à imposição de objetivos e Apresenta a materialidade das
biental sociais (HEIDEMANN, 2009). O às decisões de distribuição. instituições, tais como os poderes
Todo o desenvolvimento do que importa não é se o tomador Sugere-se, no contexto das executivo, legislativo e judiciário,
arcabouço teórico-metodológi- de decisão tem personalidade ju- políticas públicas multicêntri- e outros como a instituição da
co que dá suporte ao projeto da rídica estatal ou não estatal, e sim cas, a incorporação da dimensão igreja, a família e tantos outros
Plataforma Brasileira de Monito- o que confere contornos coletivos da política do cotidiano (BIASO- presentes em nosso cotidiano.
ramento e Avaliação de Projetos no sentido de compromisso com LI, 2015), cuja realização se dá a Já o Instituinte é aqui concebido
e Políticas Públicas de Educação o bem comum, ou os pactos com partir de processos permeados como forças vindas da base, as
Ambiental parte da adoção do objetivos coletivos, da res públi- pela perspectiva pedagógica e próprias forças sociais instituin-
conceito de políticas públicas ca, é que darão a legitimidade do implementados com planejamen- tes, ou indivíduos e atores sociais
multicêntricas, nas quais governo adjetivo “pública”. tos participativos. A política do que se unem para ações conjun-
e sociedade têm responsabilida- Frey (2000) identifica três di- cotidiano, neste sentido, trata da tas e em prol do bem comum. O
des compartilhadas e se colocam mensões fundamentais para a atuação política por meio da in- Instituinte está presente com a
como parceiros para a formula- compreensão e análise dos pro- serção da perspectiva pedagógica organização social. Forças ins-
ção, implementação e monitora- cessos de políticas públicas: poli- no ciclo da política pública, valo- tituintes são a materialidade na
mento das políticas. Neste mesmo cy, polity e politcs. Tais dimensões rizando os componentes subjeti- vida concreta da socialização dos
contexto, busca-se também tra- nos ensinam que uma política vos que motivam a participação indivíduos.
zer a ótica da educação ambiental pública é feita por um amplo individual e coletiva, e assim se Monitorar e avaliar políticas
instituída e instituinte, conceitos conjunto de elementos que se preocupa e fortalece as forças públicas de educação ambiental,

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requer análises de conjuntura da não há equilíbrio. Ocorre excesso soli (2015) e a impossibilidade materialidade ao monitoramento
crise socioambiental e civilizató- no pilar da regulação, com forte de se considerarem os processos e avaliação de políticas públicas
ria e para tanto, respaldado em desenvolvimento do estado, mer- políticos como lineares. Ao con- dentro da perspectiva multicên-
Santos (2002, 2008), na relação cado e das racionalidades moral- trário, as dimensões são interati- trica, foi desenhada uma estra-
regulação-emancipação descrita -prática, com o monopólio da pro- vas, de modo que um determina- tégia de abordagem multiescalar
pelo autor. Santos defende que dução e distribuição do direito, e do contexto pode condicionar a das Políticas Públicas de Educa-
a atual sociedade se assenta em da cognitivo-instrumental, com a criação de interesses específicos, ção Ambiental, partindo da iden-
dois pilares: o pilar da regulação prevalência dos ideais da indivi- que, por sua vez, influenciam as tificação do universo de atores-
e o da emancipação, sendo assim dualidade e da concorrência. instituições políticas que vão in- -proponentes – que extrapolam a
é possível perceber um desequilí- Estabeleceu-se um círculo vi- termediar o processo político e esfera pública - em potencial, bem
brio a favor da regulação ao longo cioso entre estes princípios e ló- são características presentes em como por suas diversas áreas e
dos dois últimos séculos. gicas do qual estado e mercado toda política pública, indepen- escalas de influência espacial. Tal
O pilar da regulação é consti- saíram reforçados, enquanto o dentemente de sua área temática. abordagem pode oferecer fortes
tuído pelo princípio do estado, princípio da comunidade e a ra- O destaque da política do coti- subsídios, por si só, às análises da
princípio da comunidade e prin- cionalidade estético-expressiva, diano se dá no sentido de trazer extensão e relacionamento entre
cípio do mercado, enquanto o pi- na qual se encontram as ideias de para o ciclo da política pública a políticas públicas nos territórios.
lar da emancipação consiste em identidade e de comunhão, estão perspectiva dos processos peda- É importante salientar o papel
três lógicas de racionalidade: a desfavorecidos. Os dois pilares gógicos e a valorização das forças da análise espacial, usualmente
racionalidade estético-expressiva (regulação e emancipação) se re- sociais instituintes, que majorita- realizada por meio de Sistemas
(das artes e literatura), a raciona- lacionam tanto com os poderes riamente estão fragilizadas nos de Informação Geográfica (SIG),
lidade instrumental-cognitiva (da instituídos, como com as forças processos de construção das po- na descrição e sistematização de
ciência e tecnologia) e a racionali- instituintes. líticas públicas. processos espaciais complexos
dade moral-prática (da ética e do A figura 1 demonstra a inter- A Plataforma tem, portanto, (HEPPENSTALL et al, 2012), com
direito) (SANTOS, 2002). dependência entre as dimensões como princípio, coletar dados, grande potencial para a avaliação
Na sociedade contemporânea propostas por Frey (2000) e Bia- monitorar e avaliar políticas pú- de políticas públicas. Com o obje-
blicas e projetos à luz também tivo de mensurar propriedades e
das forças instituintes, e não so- relacionamentos, considerando a
mente ou preferencialmente dos localização espacial do fenôme-
poderes instituídos. Estas quatro no em estudo, a análise espacial
dimensões do ciclo de políticas de dados é composta por proce-
públicas que respaldam a cons- dimentos encadeados cuja finali-
trução da Plataforma Brasileira dade é a caracterização da forma
de Monitoramento e Avaliação e estrutura espacial (CÂMARA
de Políticas Públicas de Educa- et al, 2004) sob a qual os dados
ção Ambiental, demonstram a estão dispostos e, desta forma,
complexidade e a necessidade de contribuir para a análise de um
compreensão de suas relações de determinado fenômeno.
forma sinérgica. Para o caso específico do es-
Figura 1: Ciclo das Políticas Públicas ampliado. Fonte: Biasoli (2015). Neste contexto, visando dar tudo de políticas públicas, as

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técnicas de análise espacial são o monitoramento participativo, Indicadores, desta forma, po- as alterações ligadas às mudan-
instrumentos relevantes tanto permitindo maior transparência, dem ser compreendidos como ças relacionadas à tal dimensão; a
nas etapas de identificação de governança e controle social. “instrumentos que permitem inteligibilidade, ou a transparên-
problemas e formulação, quanto Para Cintrão e Bizelli (2013), identificar e medir aspectos re- cia metodológica de construção
nas fases de avaliação, na medida dar estruturação e transparên- lacionados a um determinado do indicador; a periodicidade, ou
em que permitem produzir, anali- cia aos processos e resultados conceito, fenômeno, problema o intervalo de tempo da atuali-
sar e integrar dados diversos em das políticas públicas, por meio ou resultado de uma intervenção zação do indicador, propriedade
uma mesma base geográfica (GE- de sistemas de monitoramento e na realidade” (MPOG, 2007). São diretamente relacionada à facti-
NOVEZ, 2005). Tal característica avaliação, exige o uso de tecnolo- fundamentais como subsídio às bilidade (ou economicidade), ou
adequa-se e permite intensificar gias de informação e comunica- etapas de planejamento e formu- a viabilidade econômica em sua
a exploração de políticas públicas ção que promovam a governança lação de políticas públicas, além obtenção; a estabilidade, relacio-
dentro da perspectiva multicên- como um compromisso moral de possibilitarem seu acompa- nada à capacidade do estabele-
trica, tomando o território como dos governos. nhamento, monitoramento, ava- cimento de séries históricas que
elemento balizador. liação e revisão. permitam monitoramentos; e a
A introdução e o desenvolvimen- De modo mais abrangente, in- desagregabilidade, ou a capaci-
to desses sistemas de Monitora-
Indicadores de monitoramen- mento & Avaliação no processo dicadores podem ser definidos dade de representação regiona-
to e avaliação das políticas pú- de governança pública pressu- como parâmetros, ou funções de- lizada, considerando a dimensão
blicas de educação ambiental põem, por um lado, que os sub- rivadas deles, com a capacidade territorial.
sistemas setoriais implantados
O monitoramento e avaliação internamente na máquina admi- de descrever um estado, condição Sabendo-se da complexidade
que se pretende a partir da Plata- nistrativa sejam abertos e com ou uma resposta do(s) fenôme- do processo de análise e monito-
forma é parte de um movimento possibilidades de interatividade no(s) que ocorrem em um meio, ramento de políticas públicas, é
educador ambiental que constrói e, por outro lado, que na comuni- de forma sumarizada, focada e primordial que a construção e se-
dade sejam desenvolvidas habili-
sinergias, propicia intervenções, dades que permitam a absorção e condensada, dada a complexi- leção de indicadores seja prece-
ensino-aprendizagem e produz utilização de forma crítica e cida- dade do fenômeno real (OECD, dida da definição formal do mar-
conhecimentos e informações dã dessas informações, transfor- 1993, SINGH et al., 2008). co referencial de suporte, como
madas em um processo de gestão
capazes de potencializar as polí- do conhecimento (CINTRÃO & De acordo com Jannuzzi um modelo conceitual existente
ticas públicas de EA, procurando BIZELLI, 2013, p.58) (2003), são propriedades essen- ou proposto que auxilie na opera-
enfrentar seus desafios, aprimo- ciais de indicadores: a validade cionalização de conceitos de base
rar suas ações e atender suas de- A plataforma, neste contex- ou a capacidade de representar a da política pública, identificando
mandas. to, vem sendo construída como realidade que se deseja medir; a e organizando as questões que
Tratando-se de políticas públi- um sistema de monitoramento e confiabilidade, ou a qualidade do definirão o que se pretende me-
cas de EA numa perspectiva mul- avaliação, que articula e dialoga levantamento dos dados usados dir (KRONEMBERGER, 2011).
ticêntrica, há que se destacar que na diversidade de olhares e sabe- no seu computo; a sensibilidade, Desta forma, tomando como
o monitoramento e a avaliação res, com instituídos e instituintes, ou a capacidade de refletir mu- base sete dimensões colocadas
propostos pela Plataforma não além de um banco de dados sub- danças significativas se as con- pelo MMA (RAYMUNDO et al,
se reduzem ao gerenciamento sidiado por um conjunto de indi- dições que a afetam se alteram; 2015) para avaliar a educação
que auxilia a tomada de decisão cadores quali-quantitativos fruto a especificidade, ou a capacidade ambiental em políticas públicas
de gestores públicos, refere-se a de um processo educador partici- de refletir estritamente a dimen- socioambientais, a ANPPEA de-
uma estratégia que promoverá pativo. são do fenômeno de interesse ao flagrou o processo de construção

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participativa dos indicadores. Portanto, a partir dessas di-


Cabe destacar que a origem mensões a ANPPEA vem reali-
das sete dimensões é relevan- zando um processo participativo
te por ter sido fruto também, de para a construção da Plataforma
um processo participativo, este que envolveu até o momento cer-
realizado pelo Departamento de ca de 300 pessoas representando
Educação Ambiental do Ministé- governo - federal, estaduais e mu-
rio do Meio Ambiente, no período nicipais, escolas, instituições de
de 2014 a 2015, na elaboração do educação superior, coletivos edu-
seu Projeto Político Pedagógico cadores, redes de educação am-
(PPP). O PPP do MMA foi cons- biental, setor privado, movimen-
truído junto às suas instituições tos socioambientais, comissões
vinculadas, além da participação interinstitucionais de educação
do Comitê Assessor do Órgão ambiental, unidades de conser-
Gestor da PNEA, com objetivo ge- vação, comitês de bacia hidrográ- Figura 2: Diagrama de dimensões articuladas de indicadores para o monitora-
ral de fortalecer a EA nas políti- fica e outros atores. Com vistas a mento e avaliação de projetos e políticas públicas de educação ambiental.
cas públicas de meio ambiente de aprofundar, aprimorar e validar
âmbito federal. as sete dimensões, bem como,
Como parte do PPP do MMA criar novas o processo desenvol- O diagrama de dimensões ar- Construção Coletiva: refere-se à
foi realizada uma pesquisa que vido adotou algumas questões ticuladas de indicadores para o necessidade de criação e fortale-
identificou quais eram as caracte- provocadoras que foram dialoga- monitoramento e avaliação de cimento dos espaços democráti-
rísticas necessárias para verificar das em grupos de trabalho e ou- projetos e políticas públicas de cos permanentes de participação
se a EA estava presente de forma tras técnicas participativas junto educação ambiental, resultante e controle social. Prioriza a sen-
satisfatória nas políticas públicas aos mencionados atores envolvi- do processo desenvolvido até o sibilização, mobilização social,
socioambientais. O processo en- dos. presente momento, apresenta organização comunitária e empo-
volveu gestores públicos, analis- Como resultados desse pro- oito dimensões, conforme descri- deramento da sociedade na cons-
tas e educadores ambientais das cesso participativo excluiu-se to a seguir: trução coletiva.
referidas instituições e colegiado uma dimensão, validou-se seis - Dimensão Diagnóstica: trata - Dimensão da Formação Dia-
resultando nas sete dimensões propostas pelo MMA e acrescen- de um processo humanizado de lógica: compreende o desenvol-
que significam parâmetros ini- tou-se duas novas, chegando-se contextualização histórica da ter- vimento de processos educativos
ciais de análises sobre a formu- ao diagrama de dimensões ar- ritorialidade com suas relações permanentes e continuados com-
lação, execução e monitoramento ticuladas de indicadores para o sociais, econômicas, políticas, prometidos com os princípios e
da EA em políticas públicas so- monitoramento e avaliação de ecológicas e culturais, além da concepções da EA em seus aspec-
cioambientais (RAYMUNDO et al, políticas públicas de EA, apresen- identificação dos interesses, ne- tos democráticos, críticos, eman-
2015 p. 164). tado a seguir: cessidades, potencialidades, pro- cipatórios, cooperativos, solidá-
blemas e suas causas, o tempo e o rios e libertários.
espaço dos acontecimentos junto - Dimensão da Intervenção So-
à sociedade. cioambiental: trata da inclusão
- Dimensão da Participação e das práticas como exercícios de

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Considerações finais vo que culminou na definição de


cidadania e materialização dos protagonismo dos sujeitos como Monitorar e avaliar políticas oito dimensões de indicadores.
valores, princípios e diretrizes da produtores críticos e criativos da públicas de educação ambiental Para o monitoramento e ava-
EA contextualizados na realidade informação. é um desafio posto que requer liação de políticas públicas de
local. É preciso demonstrar num - Dimensão Institucional: en- diálogo, articulação e fomento de educação ambiental que se pre-
processo da práxis, de ação-re- volve a capacidade institucional, sinergias entre a diversidade de tendam estruturantes, radical-
flexão-ação, o comprometimento destacando-se a infraestrutura, atores, conhecimentos e tecno- mente democráticas, participa-
com a transformação. orçamento, equipe, dispositivos logias da informação e comuni- tivas, dialógicas e comunicativas
- Dimensão Indivíduo/Subjeti- jurídicos de fortalecimento da EA cação. Destaca-se a necessidade e que, portanto, caminhem na
vidade: aborda o reconhecimento e programas institucionais esta- de processos de formação conti- transição para sociedades sus-
e valorização das especificidades belecidos, além do monitoramen- nuados e permanentes para que tentáveis, tem sido importante
humanas, explora as subjetivida- to e avaliação como necessidade indicadores, monitoramento e o progressivo amadurecimento
des próprias do ser humano e a de controle social, revisão e apri- avaliação sejam desmistificados, sobre as distintas interfaces da
complexidade da sociedade que moramento permanente e conti- compreendidos e inseridos no dia política pública e seu relaciona-
se constrói do micro ao macro, nuado. a dia do ciclo de políticas públicas mento com as forças instituídas
das singularidades a pluralida- O diagrama de dimensões arti- multicêntricas e multiescalares. e instituintes da sociedade. A ar-
de. Trata da atenção aos sujeitos culadas de indicadores de moni- Construir e implementar um ticulação de distintos atores so-
num fomento à potência de agir toramento e avaliação de projetos sistema de monitoramento e ava- ciais neste processo e o caráter
nos indivíduos levando ao movi- e políticas públicas de educação liação de políticas públicas multi- incremental e participativo dessa
mento coletivo de transformação ambiental abrange aspectos da cêntricas de educação ambiental Plataforma é, neste sentido, um
das realidades indesejadas. pluralidade e complexidade das exigem esforços conjuntos de go- elemento que a caracteriza e pau-
- Dimensão da Complexidade: políticas públicas de EA em seus verno e sociedade para garantir ta seu gradual desenvolvimento.
diz respeito a articulação e inte- contextos locais, regionais ou na- o exercício da democracia com
gração a outras políticas, a cone- cionais. O diagrama se constitui diagnósticos, análises, revisão Referências
xão entre o local e global, teoria como a base da Plataforma que e aprimoramentos capazes de BAREMBLIT, G. Compêndio de
e prática, indivíduo e coletivi- será alimentada de modo colabo- fortalecer essas políticas para o análise institucional e outras
dade, entre os inúmeros temas, rativo pela diversidade de atores enfrentamento da crise socioam- correntes – teoria e prática. 5.
públicos, instituições, territórios, na perspectiva de instituídos e biental civilizatória. ed. Belo Horizonte/MG: Instituto
demandas, problemas e expecta- instituintes. É importante ressal- O desafio assumido pela Ar- Félix Guatarri.2002. 187p.
tivas. É a integração das partes tar, entretanto, que ainda existe ticulação Nacional de Políticas BIASOLI, S. Institucionaliza-
num todo dentro da teia existente um caminho a percorrer no deta- Públicas de Educação Ambien- ção de políticas públicas de
na vida. lhamento das dimensões do dia- tal – ANPPEA de construir uma educação ambiental: sub-
- Dimensão da Comunicação: grama em fichas metodológicas Plataforma, que contribua para sídios para a defesa da polí-
ressalta a necessidade da demo- de indicadores, trazendo suas o diagnóstico e para a educação tica do cotidiano. Tese (Dou-
cratização da informação, tra- especificidades e abrangências, de distintos atores sociais com- torado). Escola Superior de
zendo aspectos da comunicação métricas, tornando assim cada prometidos com a formulação e Agricultura Luiz de Queiroz.
institucional, mas, também a dimensão uma fonte incremental implantação de políticas públicas Centro de Energia Nuclear na
educomunicação na intenciona- para a avaliação e monitoramen- na área, se materializa na elabo- Agricultura. Piracicaba, 2015.
lidade educadora que requer o to quali-quantitativo da EA. ração de um processo participati- CÂMARA, G. MONTEIRO, M. V;

248 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 249
Maria H. A. Raymundo; Evandro A. Branco; Semíramis Biasoli; Marcos Sorrentino; Indicadores de monitoramento e avaliação de projetos e políticas públicas de
Renata Maranhão Educação Ambiental no Brasil

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250 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 251
Programa Ecológico de Guimarães para a Aprendizagem do Desen-
volvimento Ambiental Sustentável – PEGADAS

Patrícia Ferreira1
Jorge Cristino2
Carlos Ribeiro3

Resumo
Inserido no âmbito de um projeto municipal mais amplo que visa o desenvolvi-
mento sustentável do território, o programa PEGADAS – Programa Ecológico de
Guimarães para o Desenvolvimento Ambiental Sustentável pretendeu reforçar a
educação e sensibilização ambiental num contexto de promoção dos objetivos
mundiais consagrados na Agenda 2030 e que impõe como objetivo essencial a ga-
rantia da aquisição de “conhecimento e habilidades necessárias para promover o
desenvolvimento sustentável por meio da educação para o desenvolvimento sus-
tentável e estilos de vida sustentáveis”, ao mesmo tempo que coloca como priori-
tários os eixos da proteção ambiental, através do uso de energias renováveis, ação
contra as alterações climáticas, proteção da vida marinha e terrestre, produção e
consumos sustentáveis ou desenvolvimento de comunidades sustentáveis (Centro
Regional das Nações Unidas para a Europa Ocidental, 2016). Tem como princípios
a equidade, a transversalidade e a abrangência de ação nas suas interações com as
escolas em particular e a comunidade alargada no geral.

Palavras-Chave: Educação; Sustentabilidade; Sensibilização; Transversalidade; De-


senvolvimento.

Abstract
As part of a broader municipal project aimed at sustainable development of the
territory, the PEGADAS program - Ecological Program for Sustainable Environmen-
tal Development of Guimarães aimed to reinforce education and environmental
awareness in a context of promoting the global objectives enshrined in Agenda
2030. The main goal is to guarantee the acquisition of "knowledge and skills ne-
cessary to promote sustainable development through education for sustainable
development and sustainable lifestyles". At the same time PEGADAS assume as
priority the environmental protection, through the use of renewable energy, ac-
tion against climate change, the protection of marine and terrestrial life, the sus-
tainability of production and consumption and the development of sustainable
communities (United Nations Regional Center for Western Europe, 2016). Its prin-
ciples are equity, transversality and scope of action in its interactions with schools
in particular and the community in general.

Key Words: Education; Sustainability; Awareness; Transversality; Development.

1Câmara Municipal de Guimarães. E-mail: patricia.ferreira@cm-guimaraes.pt.


2Câmara Municipal de Guimarães.
3Laboratório da paisagem de Guimarães.
Foto: Giseli Dalla Nora

Fisterra, na Galícia-ESP

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 253


Programa Ecológico de Guimarães para a aprendizagem do desenvolvimento
Patrícia Ferreira; Jorge Cristino; Carlos Ribeiro ambiental sustentável

da um carácter inclusivo e trans- Operacionalização


geracional, não pretendendo ter Desenhado com um conjunto
apenas como alvo as escolas, mas alargado de atividades (mais de
também as IPSS, permitindo o cem atividades), através da agluti-
envolvimento dos seniores atra- nação de mais de trinta parceiros
vés de um conjunto de atividades em seis áreas temáticas distintas
para os “+65”, contribuindo deste (resíduos, energia, natureza/bio-
modo para um envelhecimento diversidade, água, agricultura e
ativo e utilizando a partilha de co- mobilidade), o programa PEGA-
nhecimento entre gerações para DAS direciona-se a todas as esco-
o desenvolvimento de ações de las do concelho, sendo coordena-
caráter de educação ambiental. A do e gerido pelo Laboratório da
implicação direta das famílias na Paisagem de Guimarães.
Figura 1 – Programa de Educação Ambiental - PEGADAS realização de atividades traduz- A particularidade desta ges-
-se na abrangência dos resulta- tão, num centro de Investigação e
dos comunitários. Desenvolvimento, permite igual-
A Educação Ambiental é hoje 2016). Também já anteriormente
Guimarães tem aliás assumi- mente contribuir de forma pio-
assumidamente um dos pilares a Agenda 2020, tinha estabeleci-
do como primordial o desenvol- neira para a divulgação de ciência
fundamentais de uma estraté- do metas ambiciosas para redu-
vimento sustentável, através de e investigação científica, permi-
gia que vise o desenvolvimento ção de 20% de emissões de gases,
estratégias integradas e concer- tindo maior proximidade aos tra-
sustentável de um território e a incremento do uso de energias
tadas, como atesta o enfoque na balhos de investigação nestas
alteração de alguns paradigmas renováveis em 20%, ou mesmo
criação de novos espaços verdes áreas.
e comportamentos, a prova dis- redução de 20% do consumo
no concelho, da criação da Horta Contudo, o PEGADAS não pre-
so é a recente apresentação da energético, metas consubstancia-
Pedagógica, agora rede Munici- tende apenas disponibilizar um
Estratégia Nacional de Educa- das nos programas Europa 2020
pal de Hortas Comunitárias, bem plano de atividades às institui-
ção Ambiental 2020 que aponta e Portugal 2020.
como o investimento pioneiro na ções, mas também assumir-se
como “crescente a importância
investigação e desenvolvimento como um programa flexível e di-
da atuação dos técnicos, tanto Princípios Orientadores
na área da sustentabilidade atra- nâmico que possibilite às esco-
das autarquias como dos equipa- A criação do programa am-
vés de fundos municipais e par- las o desafio aos parceiros para a
mentos de educação ambiental biental PEGADAS teve como ob-
cerias com as Universidades do realização de atividades diversas
no desenvolvimento de projetos jetivos principais tornar-se num
Minho e de Trás-os-Montes e Alto por estas desenhadas, contando
ou programas de Educação Am- projeto transversal em temáticas
Douro ou como projetos vários com as ideias e os contributos de
biental”, reconhecendo já a “exis- para o ambiente e sustentabilida-
integrados no plano estratégico todos para melhorar o desenho e
tência na grande maioria dos de, sendo inclusivo e abrangente
para o desenvolvimento susten- a sua articulação. De igual modo,
municípios de profissionais liga- pelas parcerias criadas através de
tável – Guimarães mais Verde – e o plano de atividades delineado
dos aos pelouros de Ambiente e outros programas conexos, como
que servirá de base para a Can- obedece ainda a critérios de ar-
Educação com competências téc- o caso do programa Eco-Escolas;
didatura de Guimarães a Capital ticulação com as diferentes áreas
nicas específicas que promovem agregador e impulsionador de
Verde Europeia 2020. curriculares, podendo assim
já um conjunto de atividades nes- comportamentos e práticas eco-
constituir-se como ferramenta
ta área” (República Portuguesa, lógicas. O PEGADAS assume ain-

254 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 255
Programa Ecológico de Guimarães para a aprendizagem do desenvolvimento
Patrícia Ferreira; Jorge Cristino; Carlos Ribeiro ambiental sustentável

adicional ao trabalho de aprofun- maior abrangência do seu impac- sensibilização da sociedade civil, ambiental.
damento realizado em contexto to na comunidade escolar e, sub- através da comunidade escolar,
de sala de aula ao nível da apren- sequentemente na comunidade para os problemas, necessidades Balanço dos Resultados
dizagem. alargada. Este conjunto de ativi- de proteção e valorização dos sis- Ao longo do primeiro ano fo-
De forma a tornar mais eficaz dades pressupõe a sua assunção temas ribeirinhos. Neste âmbito, ram organizadas 193 atividades
a coordenação e implementação em todos os estabelecimentos o Laboratório da Paisagem tem distintas, das quais resultaram
das ações disponibilizadas pelo de ensino de acordo com as suas em desenvolvimento um projeto 579 ações na totalidade das es-
programa, o PEGADAS solicita próprias especificidades. Destas científico de monitorização da colas concelho (95), e o envolvi-
a indicação de um coordenador destacam-se algumas das presen- qualidade da água e estado eco- mento de 19.227 alunos e 1.780
PEGADAS, por estabelecimento tes neste vasto programa de edu- lógico das linhas de água possi- professores, com a colaboração
de ensino, com o qual é realizado cação ambiental: Programa Eco- bilitando não só a identificação de 39 parceiros. A concretiza-
o contacto direto e que permite a -Escolas – Incentivo às escolas do de focos de poluição como a su- ção do programa levou ainda ao
adaptação do trabalho desenvol- concelho à inscrição no Programa gestão de medidas interventivas incremento em cerca de 40%
vido às especificidades do con- Internacional Eco-Escolas; Eco que contribuam para a melhoria do número de escolas inscritas
texto de cada uma das escolas. Parlamento - Assente nos princí- do estado ecológico das linhas no programa da Eco-Escolas da
O PEGADAS permite prover a pios de Democracia Participativa de água; Brigadas do Ambien- ABAE, o que demonstra o com-
cada estabelecimento de ensino Jovem, visa atrair os jovens para te – Criação de brigadas para a promisso de toda a comunidade
um leque de atividades, sem que o debate municipal, refletindo interpretação, monitorização e educativa pelas temáticas da sus-
para isso tenha sido obrigado a sobre o desenvolvimento sus- preservação dos recursos natu- tentabilidade.
um reforço orçamental, propon- tentável da cidade de Guimarães; rais, ecossistemas e equipamen- Estes números, acompanha-
do-se a fazer mais e melhor pela Guimarães Mais Floresta – pro- tos urbanos existentes nas proxi- dos dos indicadores de avalia-
rentabilização dos recursos e jeto tem como objetivo primor- midades das escolas e no próprio ção do programa (relatórios das
projetos existentes. dial alertar para a importância da espaço escolar; Biodiversity GO! escolas e entidades promotoras,
preservação da floresta, promo- – criação de uma base de dados comunicações orais em congres-
Ações Âncora vendo maior consciencialização da biodiversidade de Guimarães. sos nacionais e internacionais)
Atendendo à dimensão e signi- deste tema nos jovens e na comu- Não menos relevantes, apon- permitem atestar do sucesso des-
ficância de alguns temas aborda- nidade, bem como o seu envolvi- tam-se agora algumas das ações ta iniciativa. O PEGADAS foi ain-
dos neste programa, bem como à mento na proteção deste ecossis- complementares do PEGADAS: da considerado exemplo de boas
sua coadunação com objetivos e tema. O resultado desta atividade EducaBicla – promotor do trans- práticas pela ABAE e reconhecido
estratégias específicas do Plano será traduzido na plantação de porte ciclável; Teatro Bus - apre- como amigo do Ano Internacio-
de Ação Municipal para a área do 15 a 20 mil novas árvores autóc- sentação de uma peça de teatro nal para o Entendimento Global
Ambiente e Sustentabilidade, al- tones; Projeto Rios – Consideran- itinerante “A Viagem”, versando (IYGU), sendo que uma das suas
gumas das atividades assumem do a estratégia municipal e o Pla- as questões ambientais, e que é iniciativas, - “Eco Parlamento”, foi
um caráter chave para o trabalho no de Despoluição para o Rio Ave, levada às escolas no autocarro apontada como medida exemplar,
desenvolvido ao nível da educa- esta ação, articulada com a AS- Teatro Bus, local onde a peça de- pela forma como através do prin-
ção e sensibilização ambiental. PEA - Associação Portuguesa de corre ou o Café com Ambiente – cípio da Democracia Participativa
Estas ações são consideradas Educação Ambiental, visa a ado- Tertúlias mensais de carácter in- Jovem, atraiu jovens para o deba-
primordiais no trabalho a desen- ção e monitorização de troços de formal, versando temas diversos te concelhio sobre o desenvolvi-
volver pelas escolas, potenciando rio, com o intuito de promover a no âmbito da sustentabilidade mento sustentável do território.

256 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 257
Programa Ecológico de Guimarães para a aprendizagem do desenvolvimento
Patrícia Ferreira; Jorge Cristino; Carlos Ribeiro ambiental sustentável

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Figura 2 – Balanço do primeiro ano de implementação do programa PEGADAS


em Guimarães

258 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 259
Foto: Regina Silva

Justiça ambiental e o caso das comunidades quilombolas de


Oriximiná/PA: por uma crítica contemporânea da Educação
Ambiental

Jacqueline Carrilho Eichenberger1


Vilmar Alves Pereira2

Resumo
O artigo pretende elucidar questões relacionadas ao pensamento ecológico con-
temporâneo, filosófico, antropológico e social relacionado à Justiça Ambiental, tra-
zendo para o debate o caso das comunidades de Oriximiná/PA junto com uma pro-
funda crítica aos paradigmas dominantes do conhecimento ambiental e da própria
Educação Ambiental. A investigação aponta que a justiça ambiental, assim como
a educação ambiental, se estabelece no espaço que é do conflito, da disputa pela
reapropriação da natureza e da cultura, onde natureza e cultura resistem frente à
imposição de valores e processos ao se transformarem em valores de mercado. No
Brasil, as “populações tradicionais” vêm sendo ao longo de décadas, deslocadas
de suas terras para dar lugar a represas, projetos de mineração, agricultura em
grande escala, construção civil, turismo de massa, retirada de madeira e rodovias,
muitas vezes com base no paradigma da “propriedade”.

Palavras-chave: Justiça Ambiental; Educação Ambiental.

Abstract
The article aims to elucidate issues related to contemporary ecological, philosophi-
cal, anthropological and social thinking related to Environmental Justice, bringing
to the debate the case of the communities of Oriximiná/PA, Brazil, together with a
deep critique of the dominant paradigms of environmental knowledge and Educa-
tion itself Environmental. The investigation points out that environmental justice,
as well as environmental education are established in the space that is the conflict,
the dispute for the reappropriation of nature and culture, where nature and cultu-
re resist the imposition of values and processes as they become values of the mar-
ket. In Brazil, "traditional populations" have for decades been displaced from their
lands to give way to dams, mining projects, large-scale agriculture, construction,
mass tourism, logging and Basis of the "property" paradigm.

Keywords: Environmental Justice; Environmental education.

São Pedro de Joselândia, localizada no 1E-mail: jaque.carrilho@gmail.com.


estado brasileiro de Mato Grosso. 2E-mail: vilmar1972@gmail.com.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 261


Jacqueline Carrilho Eichenberger; Vilmar Alves Pereira Justiça ambiental e o caso das comunidades quilombolas de Oriximiná/PA

Primeiras reflexões: na busca se organizam diante dessas in- destes territórios constitui o nú- povos sistemas de conhecimento
de uma (outra) interpretação vestidas por parte de poderosos cleo central das suas lutas e isto alternativo.
da realidade agentes políticos e econômicos”. representa a afirmação do respei- Compreendemos que, cada vez
A partir da compreensão de (ESCOBAR e PARDO, 2005, p. 4). to pelas suas especificidades cul- mais, o capitalismo avança com
que as florestas tropicais, assim Na região da Amazônia brasi- turais, pela autonomia para deci- seus regimes de exploração sobre
como a Floresta Amazônica, cons- leira, estes fatos se manifestam dir o seu futuro e à proteção dos as florestas tropicais não só do
tituem-se como locais fundamen- de forma intensa já que organi- seus conhecimentos tradicionais. planeta, mas, principalmente, em
tais para que se de, de qualquer zações de negros (Foto 1) e indí- Para desenvolver esta luta, os locais que ainda as mantém pre-
forma, a penetração capitalista, genas, há tempos, lutam contra o movimentos dos povos das flo- servadas, como no caso do Bra-
percebe-se que as grandes em- governo e indústrias para obter restas e dos rios, comunidades sil e tais regimes têm provocado
presas extratoras, mineradoras, reconhecimento legal das suas quilombolas, índios e ribeirinhos “grandes danos Ecológicos sobre
agroindustriais, energéticas, in- terras e das suas autoridades se associam a aliados seja em ní- estes frágeis ecossistemas”. (ES-
fraestruturas portuárias – capa- contra as empresas madeireiras, vel local, nacional e internacional. COBAR e PARDO, 2005, p.5),
zes de atender apenas a demanda mineradoras e contra projetos Assim, os movimentos negros e
por mercadoria, juntam-se agora governamentais de construção indígenas têm delineado políticas O discurso hegemônico tinha
apresentado estes vastos terri-
as entidades relacionadas aos “re- de estradas, portos, mega hidro- culturais e ambientalistas que ar- tórios como inabitados e insalu-
cursos naturais” e a biotecnologia elétricas e, mais recentemente, ticulam diversos aspectos da sua bres, territórios selvagens que
com o objetivo de regulamentar sobre as discussões relacionadas estratégia de procura de bem- deviam ser submetidos para dar
o seu contributo à economia e aos
ou utilizar espécies vivas de ma- à comercialização de espécies -estar para as populações atra- Estados nacionais em que estão
neira rentável. “Em diversas par- utilizadas tradicionalmente ou vés de suas práticas milenares e inseridos. Recentemente, porém,
tes do mundo, grupos de habitan- existentes nos seus territórios. do uso dos recursos naturais. “As a abundância e a heterogeneida-
propostas destes movimentos so- de das espécies da floresta tropi-
tes locais das florestas tropicais Verificamos que o controle cal e a sua estrutura bioquímica,
ciais [...] fazem parte de uma visão genética e molecular passaram a
mais ampla sobre a sociedade e a serem consideradas recursos va-
natureza e constituem políticas liosos sobre os quais os agentes
estatais, capitalistas ou de mo-
culturais que se opõem às visões vimentes sociais elaboram dife-
dominantes geradas pelos agen- rentes e conflituosas estratégias
tes do capital” (ESCOBAR e PAR- de aproveitamento. (ESCOBAR e
PARDO, 2005, p. 5).
DO, 2005, p.4). Tais lutas estão
para além de ações reformistas
Assim, ainda sobre o pensa-
tradicionais, herança da educa-
mento do autor, na maior parte
ção ambiental conservacionista
dos casos, os moradores dessas
que conhecemos hoje no Brasil,
áreas caracterizadas como zonas
e estas ações sim apresentam ca-
florestais úmidas, quilombolas,
racterísticas de emancipação, já
indígenas, ou mesmo ribeirinhos
que consolidam direitos, formas
deslocados à força (ou por falta
seculares de organização, alter-
de opção), secularizaram méto-
nativas ao poder do Estado e do
dos produtivos sustentáveis e de
Foto 1: Reunião comunitária na comunidade do Abuí. Porto Trombetas/PA.
capital, além de atribuir a esses
baixo impacto sobre o conjunto

262 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 263
Jacqueline Carrilho Eichenberger; Vilmar Alves Pereira Justiça ambiental e o caso das comunidades quilombolas de Oriximiná/PA

do ecossistema. cravista. Aproximadamente cem


anos depois, já completamente
Povos do rio – quilombolas de adaptados, os negros da região
Oriximiná/PA do Rio Trombetas fundam a As-
Falar sobre as comunidades sociação dos Remanescentes de
quilombolas de Oriximiná/PA de- Quilombo Moradores de Oriximi-
verá nos remeter a lembranças ná - ARQMO. De lá para cá, a en-
de um passado secular, porém, tidade vem desenvolvendo ações
ainda profundamente vivo na que buscam, entre outras, a titu-
memória desses remanescentes lação de seu território já que pos-
de quilombos. Trata-se de uma suem uma cultura própria com
história iniciada em meados de base extrativista tradicional e de
1800 quando afrodescendentes sobrevivência.
refugiaram-se na região do rio Entender a importância des-
Trombetas em busca de proteção ses grupos negros que habitam
e abrigo. Aqui, segundo relatos, as margens do Rio Trombetas/
negros africanos compartilharam PA, distribuídos no interior de la-
o rio, a floresta e todo o alimento gos e igarapés, ligados a “furos” e
oriundo dela, com os índios que “Paranans” (Foto 2), característi-
Foto 2 – Detalhe de barco utilizado pelos comunitários no Rio Trombetas/PA.
aqui já estavam. Enfrentaram as ca local desse sistema hidrográfi-
fortes chuvas, as corredeiras, o co nos remete, sem dúvida, a uma
sol intenso, animais selvagens e abordagem sobre os anteceden- No que se refere à distribui- to dos abolicionistas, fugiram de
diversas doenças como a malária, tes e a tradição de ocupação por ção comunitária e, sobretudo, o Óbidos, Alenquer e Santarém,
a febre amarela e outras. eles desenvolvida. Foi realizada levantamento da origem das fa- localidades que mantinham fa-
Porém os negros “fugitivos” uma pesquisa junto a essas comu- mílias, os dados de campo indica- zendas com trabalho escravo.
não desistiram pois tal condição nidades que requereu uma vasta ram que 70,6% dos entrevistados Tal resistência, que durou longos
significava para eles a liberdade revisão bibliográfica sobre suas declararam-se remanescente de anos, explica a originalidade do
de seu povo. Após e mesmo antes formas de integração e manejo, quilombo em relação aos 27,5% mundo social que construíram
do ano de 1888, quando da assi- além de intervenções em campo dos que se declaram ribeirinhos nessa região. Segundo diferentes
natura da Lei que libertava da es- para entrevistas e documentação e dos 1,9% dos indígenas, habi- historiadores e antropólogos que
cravidão os homens e as mulheres fotográfica. Foram entrevistados tantes da região do rio Trombe- estudam a região desde a origem
no Brasil, iniciou-se um movi- 758 comunitários durante parte tas. Tal região compreende cerca de sua ocupação, há cerca de 200
mento de coragem e também de do ano de 2005 e parte do ano de de 500.000 hectares de floresta anos, os quilombos localizados
luta pois tudo estava apenas co- 2006 totalizando um ano de ex- amazônica, rios, platôs, lagos e ao longo do rio Trombetas/PA
meçando para esses afrodescen- pedição. Os aspectos levantados campinaranas, protegidos como representam o maior espaço físi-
dentes que ainda teriam um gran- basearam-se principalmente na áreas de proteção ambiental. co conquistado e controlado por
de desafio pela frente: enfrentar população existente, origem das Compreende-se que na época homens e mulheres que se rebe-
o preconceito que perduraria por famílias, agricultura e produtos correspondente ao ano de 1880, laram e fugiram da escravidão.
anos a fio junto à sociedade es- florestais. época em que crescia o movimen- Homens e mulheres livres e por

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índios destribalizados no estado mantêm viva a cada dia por força tados refere-se ao extrativismo gados em nome da associação de
do Grão Pará e posteriormente de sua luta, resistência, liberdade, de produtos florestais não ma- comunidades. A ocupação da ter-
na Província. Atualmente o povo territorialidade e etnia. deireiros, principalmente a cas- ra se dá por meio do sistema de
negro localizado ao longo do rio Observou-se que os mesmos tanha (69,68%), o açaí (16,25%), uso comum - base física comum,
Trombetas assume a identida- se encontram estruturados em a copaíba (21,26%), os cipós essencial e inalienável, incluindo
de política de remanescentes de um complexo sistema de orga- (7,83%), o breu (11,31), o ubim laços de solidariedade e ajuda
quilombos autenticada pela pre- nização social em torno de prá- (3,84%) e a andiroba (1,05%). mútua. O indivíduo e sua família
sença de mais de três gerações ticas econômicas e culturais que Tais características – únicas, leva- não são considerados donos da
em quase dois séculos neste ter- lhes são particulares. No que se -os a reconhecerem-se como “Fi- terra, seu direito a propriedade
ritório. A condição de etnia, con- refere à agricultura, os dados lhos do Rio” cujos antepassados limita-se apenas ao resultado do
forme Acevedo e Castro (1998) é apontaram que 70,6% dos en- encontraram no Rio Trombetas/ trabalho por eles apreendido.
traduzida pelo reconhecimento trevistados realizam agricultu- PA, condições naturais favoráveis Os quilombos possuem, por-
de uma origem comum e de for- ra de subsistência (Foto 3) onde a uma existência livre em oposi- tanto, uma interpretação jurídica.
mas de coesão, marcas da sin- 28,3% comercializa o exceden- ção à situação de escravidão na Ao apoderarem-se do potencial
gularidade dessa ocupação. Em te na feira de Oriximiná e Porto qual se encontravam. da floresta e das águas, esses “Po-
constante construção com base Trombetas – pequenos núcleos Sobre a escravidão, a maioria vos do Rio” construíram, dia após
na tradição a memória social os- urbanos da região. Outra fonte de prefere não falar sobre o assun- dia, suas raízes étnicas associadas
cila entre o hoje e o ontem e se renda declarada pelos entrevis- to, porém é a partir de sua de- à noção de território. Para eles,
nominação como mocambeiros viver, apropriar-se e transformar
– termo utilizado no século XIX a natureza encerra atos criado-
por governadores e corpos de res de existência material e so-
policiamento para identificar o cial. As formas sociais percebidas
agrupamento de escravos fugiti- sintetizam dados materiais (rio,
vos, impregnado de conotações peixe, barco, árvore) e abstratos
negativas, que suas vidas passam como os projetados por imagens
a fazer sentido. Mocambeiros ou místicas, sensibilidade, desejos e
mocambistas eram tidos como afetos em espaço contínuo, não
criminosos desertores e pregui- fragmentado.
çosos pela sociedade escravista Outras formas de apreensão
e, infelizmente, após séculos de do ambiente onde vivem são para
história contada, muitos ainda in- esses remanescentes, estranhas
sistem nessas conotações. a sua realidade construída ca-
O processo de titulação de Ter- racterizando-se como rupturas
ras quilombolas só recentemente em seus significados - reais ou
foi regulamentado pelo Decreto imaginários. A noção de territó-
Federal n◦ 4.887, de 20 de no- rio, como se pode observar, é um
vembro de 2003. As terras de resumo da utilização e apropria-
Foto 3 – Processo comunitário de fabricação de farinha na comunidade Mãe quilombo têm sido regularizadas ção desse mundo – práticas de-
Cué. Trombetas/PA. através de título coletivo outor- senvolvidas dia a dia na busca de

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Jacqueline Carrilho Eichenberger; Vilmar Alves Pereira Justiça ambiental e o caso das comunidades quilombolas de Oriximiná/PA

estratégias de vida e de trabalho. pesquisadas. Observou-se que o bém a série de normas e punições sença.
Assim como, o manejo dos recur- processo de fuga – relacionado à ditadas para os não negros e para O movimento quilombola no
sos naturais por meio de “técni- prática de resistência, geralmen- os homens e mulheres livres que rio Trombetas representou a
cas rudimentares” desenvolvidas te ocorria em épocas de festas e passavam a relacionar-se com os construção de estratégias para
por seus antepassados os susten- no período de cheias compreen- chamados mocambeiros. Nesta uma existência social estável,
ta ao longo de gerações em uma dido entre os meses de dezembro ocasião, entra em cena, a figura com princípios econômicos, so-
extensão de terra “não calculada” a maio. Nessa região esse período dos regatões – pequenos comer- cial e político. Tal existência so-
até hoje, além de ser responsável coincide com o inverno e com a ciantes que passaram a subir o cial lhes permitiu o enfrentamen-
pela construção da representa- temporada da castanha. rio para a prática de trocas de to como coletividade diferente e
ção de seu território. Observa-se pelos registros que mercadorias junto aos foragidos, até necessária para a sociedade
Desde os Mocambos, termo encontrar os irmãos, assim como, que também passam a ser coagi- escravista, já que esses negros
utilizado no século XIX até os dias um lugar que propiciasse alimen- dos. O objetivo principal de tais em seguida passam a se relacio-
atuais, com a caracterização do to e proteção eram objetivos dos medidas foi o de coibir a ameaça nar comercialmente com Óbidos
termo “Comunidades tradicio- escravos foragidos que buscavam que o comportamento revolucio- onde os quilombos passaram a
nais”, o caminho percorrido pelos o Trombetas. O processo de fuga nário dos negros representava registrar índices significativos na
povos negros dessa região esteve se inicia com a subida de escravos para a o sistema escravista que economia regional. Nesse cami-
relacionado à conquista de justi- fugitivos as cachoeiras ou isolan- insistia em se impor. nhar construíram sua identidade
ça e igualdade de direitos: O di- do-se em lagos menos transitá- étnica definida e continuamente
reito sobre a terra historicamente veis. Lá formavam os quilombos Século XX – outra abordagem recriada, baseada em um con-
conquistada. O direito sobre a sua ou mocambos. As fugas de escra- na disputa por territórios junto de práticas e de padrões
especificidade negra, raiz profun- vos para os quilombos, pelo que Historiadores ao longo dos sé- regulares de comportamento
da de sua cultura. O direito de re- se observa, passaram a se tornar culos referem-se que a existên- transmitidos na socialização de
produzir seu modo de vida agrí- a forma mais expressiva de rebel- cia desses quilombos por tanto concepções, de valores éticos e
cola e extrativo sobre as bases de dia e contestação frente à socie- tempo demandava a existência de princípios comuns, constituin-
territorialidade concedida com dade escravista. de uma estrutura de poder e lide- do-se como elemento unificador
manejo ecológico traduzido pela A partir daí, a criação de um rança apta a sustentar a unidade, e articulador.
preservação, atestado nos duzen- mundo livre, independente, li- coordenar as ações de resistência A bagagem cultural – simbó-
tos anos de existência no Lugar. vre de licenças e de permissões, e garantir a reprodução dessas lica dessas comunidades negras,
à custa de um “exílio”, um iso- sociedades. Segundo Acevedo e como visto em diferentes regis-
Prática de resistência - à for- lamento assegurado por longos Castro (1998), a dinâmica inter- tros, é atribuído a esse ir e vir, a
mação de quilombos. deslocamentos, rio acima, que na de fortalecimento desses gru- essa contínua movimentação nas
A revolta diante da condição os afastariam das ameaças e das pamentos estava condicionada cachoeiras, impelidos pela ne-
do regime escravista da época perseguições. Os senhores passa- a capacidade de reprodução. Po- cessidade de fuga. Tal período é
promoveu as diversas fugas de ram a elaborar medidas de con- rém, por meio das relações de es- caracterizado por um período de
escravos às vezes de forma indivi- trole, perseguição e prevenção paço, cria-se uma unidade onde o gestação social. Observou-se, du-
dual ora de forma coletiva, ainda de novas fugas. Podemos citar os quilombo representa a condição rante as pesquisas sobre domínio
no início do século XIX, conforme atos e resoluções aprovados pe- e existência do escravo aquilom- territorial no Trombetas em bi-
os diversos registros encontra- las Câmaras prescrevendo a or- bado e o espaço físico somente bliografia disponível, que poucos
dos nas diferentes bibliografias ganização de milícias, como tam- define-se como tal por essa pre- negros são identificados nos do-

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cumentos legais como registros pelo título de propriedade priva- ram essas terras em 1980 com a legitimada pela Constituição Fe-
de posses, títulos de proprieda- da e sim por relações de trabalho empresa Rio Xingu S/A cujo pro- deral.
des, escrituras de arrendamento. coletivo (Foto 4). prietário era o húngaro Kalman Conforme os estudos encon-
Os usuários e moradores do Alto Os negros do Trombetas per- Somody, responsável futuramen- trados, a propriedade privada
e Médio Trombetas passaram a manecem até hoje sob um sis- te pela expulsão de muitos ne- aparece como um valor do bran-
figurar nos livros cartoriais so- tema que privilegia o desenvol- gros daquela região. Observa-se co, ausente ao pensamento ne-
mente como uma referência qua- vimento comum de atividades ainda que o historiador Vicente gro quilombola – este, com base
se invisível. Observou-se pelos (moradia e sobrevivência) sobre Salles segundo Acevedo e Castro na sobrevivência e reprodução,
registros que a caracterização um território continuo adequado (1998) escreve os primeiros arti- manteve uma hierarquia de equi-
“Terras de pretos” permitia as à coleta, roças e quintais. gos denunciando à problemática, dade tendo como elo de integra-
vezes que os mesmos saíssem do Consta que no início do sécu- mais uma vez, enfrentadas pelos ção os valores básicos de coo-
anonimato, somente referindo-se lo XX, Raimundo da Costa Lima negros em relação ao contraditó- peração e reciprocidade. Nestas
a limites de terras transaciona- conhecido como Coronel Costa rio processo de titulação de ter- teias de relações, núcleos familia-
das. Lima ampliou seu domínio de ter- ras que ameaçava sua existência res negros mantêm uma profun-
Observa-se que a razão desse ras na boca do Lago Jacaré. Como nesse território. Segundo o histo- da relação de união como chave
povo negro não se relacionava constam, seus herdeiros negocia- riador: de subsistência enquanto o grupo
valoriza a terra como único meio
[...] enquanto os negros lavraram de vida. Observa-se a dificuldade
a terra, para nutrir a economia
de Óbidos, do Estado, do Pais [...] em nossa cultura de se entender
alguém que não traças e cupins os limites do território de uso co-
lavravam termos em cartórios. E mum que de forma interrompida
a posse é garantida pelos papéis.
Não pelo trabalho. Esses papéis interagem comunidades em uma
sustentam a voracidade das tra- mesma área.
ças e do cupim (ACEVEDO e CAS- Segundo Acevedo e Castro
TRO, 1998 p. 138).
(1998), das intervenções recen-
tes nesta região destaca-se pela
Essas comunidades integram- importância do impacto gerado e
-se em uma teia de relações cons- do qual, inevitavelmente, muitos
truídas ao longo de sua história e outros decorrem, a presença de
intensa bagagem simbólica, agre- um violento processo de usur-
gada a memória dos mocambos pação das terras de uso comum
garantindo seu direito de perma- dos negros com a chegada de co-
necer nas terras conquistadas em merciantes, empresas e órgãos
tempo presente junto aos novos públicos e consequentemente, o
desafios que ainda enfrentam. acirramento da competição pelos
Do ponto de vista político, essas recursos a partir da segunda me-
comunidades espalda em sua his- tade do século XX. O encontro re-
tória, organizando-se em associa- aliza-se entre duas ordens, duas
ção de luta de direitos na demar- racionalidades – empresarial e
Foto 4: Moradia característica na comunidade de Juquiri. cação definitiva de seu território,

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agro extrativa com concepções (2004), o pós se firmou apenas Estamos alcançando um perío- transportes, às comunicações e a
sobre usos e propriedade da ter- como transição. Tratamos mo- do em que as “consequências da vida cotidiana.
modernidade estão se tornando
ra (e de seus recursos) bastante dernidade como uma caracte- mais radicalizadas e universa- Orquestrados pela competição
contraditória. Antigos comer- rística daquilo que é “moderno”, lizadas do que antes”. Além da e expansão do próprio projeto
ciantes e patrões que se utilizam que transcende o obscurantismo, modernidade, devo argumentar, capitalista, o autor sugere que a
podemos perceber os contornos
do prestígio pessoal, do paterna- quem sabe, um espírito crítico, de uma ordem nova e diferente, “inovação tecnológica tende a ser
lismo e do trânsito político para ideias de progresso de renovação, que é "pós-moderna"; mas isto é constante e difusa” (GIDDENS,
apropriaram-se dos castanhais, liberdade, ciência e cultura e es- bem diferente do que é atualmen- 1991, p. 55). Alienada do contex-
te chamado por muitos de "pós-
com títulos definitivos ou de ar- ses valores precisam ser revistos, -modernidade". (GIDDENS, 1991 to social, a economia se funda-
rendamento. pois a muito já foram desacopla- p. 52). menta sobre a propriedade priva-
dos de nosso cotidiano. da dos meios de produção. Dessa
Por uma crítica contemporâ- Podemos citar Lyotard (2009) Observa-se que, com base em forma, no sentido Heideggeriano,
nea da Educação Ambiental com a ideia da necessidade de sua compreensão fenomenológi- a globalização intensifica as rela-
Na busca de uma crítica con- uma condição pós-moderna, de ca da modernidade, sem deixar ções sociais, interliga localidades
temporânea para a Educação superação da modernidade onde ainda de lançar uma profunda distantes a acontecimentos locais
Ambiental, a Ecologia Política nos a emancipação deve ser alcança- crítica ao pensamento dominante que em um processo dialético se
traz interessantes pontos para re- da por meio dos sentimentos, da principalmente junto aos estudos modelam e se transformam. As-
flexão e ainda a possibilidade de arte e da criação, ou, podemos da vida social moderna, Giddens sim, “vemos o fortalecimento de
reflexão sobre a própria reflexão, ainda citar Habermas (2010) que (1991) questiona as instituições pressões sobre a autonomia local
ou seja, a possibilidade de rever insiste em um projeto de moder- modernas capitalistas e indus- e identidade cultural regional”
o pensamento que move a cultu- nidade inacabado que precisa ser triais na modernidade. Para o au- (GIDDENS, 1991, p. 62). O autor
ra humana nos últimos séculos levado adiante, cuja emancipação tor o capitalismo pode ser com- compreende que a tecnologia
e que conduz a humanidade por do ser humano, da ideologia e da preendido como um sistema de moderna prevê alterar substan-
toda a modernidade e nos cons- dominação político-econômica produção de mercadorias, cen- cialmente as relações pré-exis-
tituiu até desembocar em uma só será possível por meio da filo- trado sobre a relação entre a pro- tentes entre a organização social
espécie de beco sem saída no que sofia da linguagem. De qualquer priedade privada do capital e do humana e o meio ambiente. Junto
trata das questões ambientais. forma, acentuam-se os argumen- trabalho assalariado em relação a esta tecnologia, o uso de ferti-
Atualmente vivemos uma crise tos de que já estamos no limiar de com um sistema de classes que lizantes, a mineração, a imposi-
civilizatória e planetária, surge uma nova era e que este está nos depende do ciclo produtivo - pro- ção de hidrelétricas, entre outras,
diante do pensamento contempo- levando para além da própria mo- dutores e consumidores. Neste como no caso das comunidades
râneo à necessidade de reflexão dernidade e pós-modernidade. sentido, o industrialismo encon- quilombolas de Oriximiná.
sobre esse fenômeno chamado Para Giddens (1991) parece que tra-se relacionado à utilização Assim, é preciso indagar e
Modernidade – que parece sem- nos deslocamos para um sistema de energia material na produção compreender uma racionalidade
pre conduziu a ascensão capita- relacionado mais centralmente de bens e na utilização das má- não instrumental, em relação à
lista, científica e tecnológica ou, com a informação. Além disso, o quinas - artefato movido a fontes dominação econômica, técnica e
até mesmo, sobre uma suposta/ autor explica que tais controvér- de energia capazes de realizarem científica da natureza no pensar
necessária pós-modernidade, sias enfocam amplamente ques- tarefas onde certamente alcança- a Educação Ambiental? O breve
a saber, uma Hipermodernida- tões de filosofia e epistemologia. ram em pleno século XXI status histórico do progresso mantém
de onde, segundo Lipovetsky de alta tecnologia aplicados aos uma relação com a exploração

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do ser humano e da natureza por humanas carece de significado e Tal compreensão possibilita como uma proposta de recons-
ele próprio. O modelo capitalista transmitem no que se refere às aprofundar modos de compre- trução do mundo e de reapro-
começa a mostrar-se insuficiente ciências sociais, uma ausência de ensão relacionados a conteúdos priação social da natureza, para
para o desenvolvimento biológi- sentido, histórico, cultural. históricos e humanísticos. A in- além da globalização que unifica
co social, cultural e econômico. Como atividade política-peda- terpretação sobre o conhecimen- os olhares, pode ser uma alter-
Paralelamente a esta compreen- gógica a crítica social veio con- to histórico e humanístico deixa nativa para recompor um mundo
são, observa-se que as questões solidar a Educação Ambiental de ser um conjunto de artifícios alienado e fragmentado, herdado
ambientais são intrínsecas às como campo de conhecimento, e técnicas de “explicação do co- dessa civilização em crise.
questões sociais, à pobreza, à es- como um campo plural, histórico, nhecimento” sobre o conteúdo Segundo o documento de con-
cassez de recursos e à expansão social e exige o questionamen- de Educação Ambiental, mas sulta pública do Plano Nacio-
populacional e combina-se para a to dos problemas ambientais, de uma reflexão sobre a própria in- nal de Áreas Protegidas – PNAP,
degradação e o colapso dos ecos- sua gênese, contradições, con- terpretação. A busca por uma instituído por Decreto Federal
sistemas urbanos e sociais a nos- sequências e de suas possíveis nova compreensão do universo 5.758 de 13 de abril de 2006,
sa volta. Diante disso, prevalece alternativas ainda subordina- fez ressurgir a ciência natural, a no desenho do sistema de áreas
uma Educação Ambiental marca- da à ecologia científica, que nos ciência da natureza. Esse novo protegidas deve contemplar a di-
da pela tradição explicativa das mostra os efeitos de nosso com- enfoque caminhou rápido, liber- versidade ecossistêmica, étnica
ciências naturais. portamento e práticas e amplia a tando o ser humano de pressu- e sociocultural associada a esses
Vale considerar que Educação “análise” por ampliar a definição postos metafísicos dogmáticos e ambientes. As potencialidades de
Ambiental, antes de tudo é Edu- do objeto quando o contextuali- de uma forma de conhecimento uso sustentável dessas áreas de-
cação e parte das ciências das za em sua realidade histórica e com resultados pouco práticos vem ser desenvolvidas e fortale-
humanidades, mas a concepção social. Porém, ainda mantemos a e eficazes. Porém, ao considerar cidas, visando o acesso e a repar-
tecnológica que têm da interpre- imagem científica (biológica) do que o ser humano encontra-se tição de benefícios que podem e
tação, com a sua “metafísica rea- objeto, do ser. Ao estudar Palmer, cada vez mais distanciado e des- devem ser gerados pelas áreas.
lística”, promove a própria irrele- observa-se a emergência de uma vinculado da natureza, acabando Faz-se necessário a integração e o
vância quando não consegue dar teoria, um método de transfor- por desconsiderar a importância fortalecimento dos esforços e as
conta dos problemas ambientais mação capaz de decifrar a maté- das atitudes e do efeito de suas práticas culturais de conservação
contemporâneos. Podemos com- ria humana naquilo que estamos ações sobre o mesmo, é possível quando, no caso, em conflito com
preender que a “epistemologia voltados a interpretar, ou seja, o observar a crescente degradação territórios quilombolas e tam-
cientifica”, como já mencionou ser do objeto. Isso nos leva a con- ambiental e o agravamento dos bém ações relacionadas à parti-
Maurice Merleau-Ponty em Pal- cordar com Palmer (1969, p. 19) problemas sociais resultantes. cipação dessas comunidades na
mer (1969), como objetivadora e “que as ciências humanas preci- Sendo assim, é possível consi- gestão das unidades de conser-
manipuladora das coisas, acabam sam de uma Hermenêutica para derar também que o surgimen- vação com relação ao estabeleci-
por desistir de ser parte nelas. Ao compreendê-las”, ou seja, de uma to da Educação Ambiental como mento de sistemas de governança
refletir sobre realismo e a pers- interpretação adequada que, pelo prática para a liberdade, cons- e repartição equitativa dos custos
pectiva científica as ciências hu- menos acompanhe os métodos titui-se como terreno fértil para e benefícios.
manas acaba por adotar um modo de análise científica, sem tornar uma pedagogia crítica que bus- Cabe ao governo definir e
científico de pensar. De caráter os objetos das ciências humanas ca uma espécie de revolução do acordar critérios para identificar
objetivo, operatório e estático, – lutas, obras, textos, imagens, pensamento. A necessidade de as áreas de sobreposição e pro-
o pensamento sobre as ciências “silenciosos e naturais”. repensar o ser e a complexidade por estratégia de solução para os

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conflitos, garantindo o consenti- de temas sobre o lugar – terri- moderna e de sua contribuição balização. Enfim, a ideia de que
mento prévio e informado, assim tórios, assim como, expressões para a destruição do meio em os movimentos sociais possam
como, mecanismos de regulação regionais e articulações no con- que se vive e ainda a sua falta de ser vistos como produtores de
junto às comunidades locais, con- texto da globalização dialogam, perspectivas no que se refere a conhecimento. Esta perspectiva
siderando suas práticas, conheci- por outro lado, com a dinâmica soluções viáveis e eficientes na tem várias dimensões já que po-
mentos e formas de organização complexidade do capital e da cul- resolução dos problemas e as- demos refletir sobre o conheci-
locais, traduz-se, sem dúvida algu- tura. Escobar (2011) irá tratar sim: a denúncia da colonização mento e a resistência; o conheci-
ma, em uma importante evolução das comunidades quilombolas do que precisa ser revelada. Históri- mento como ferramenta de luta.
do pensamento sobre unidades médio amazonas no Brasil como camente sabemos que os grupos De fundamental importância está
de conservação no Brasil. Acredi- culturalmente diversos que lu- negros representam “un modelo a identificação do conhecimento
ta-se que estabelecer sistemas de tam por respeito a suas diferen- local de naturaleza”. (ESCOBAR, produzido por estes ativistas.
governança, diversificados, trans- ças quando da coordenação e de- 2011 p.70). A partir da luta pelo movi-
parentes, democráticos e eficazes fesa de seus territórios, quando mento de Justiça Ambiental, foi
abre-se caminho a novas formas dos conhecimentos tradicionais Esta gramática, integrada en ritu- possível, o questionamento e a
ales, lenguajes y formas de clasifi-
de gestão participativa que pos- como fundamentais em relações cación de los seres naturales, que discussão sobre as ligações entre
sam contribuir particularmente com a natureza e com sua iden- los modernos podrían ver como problemas ambientais e desigual-
para a participação de povos in- tidade. Para Escobar (2011), os extrañas, constituye las bases de dade social, com preocupação de
la ecología cultural con la que
dígenas, comunidades locais e ativistas indígenas e negros da- ellos utilizan y cultivan la selva introduzir variáveis sociais nos
quilombolas e de outros setores quela região não só produzem (los bosques). Estos “sistemas de “tradicionais estudos de avalia-
tradicionalmente excluídos da seu próprio conhecimento como producción tradicional” –como ção de impacto”. Surge a pesquisa
gestão em unidades de conserva- também tal conhecimento cons- han sido llamados por los activis- participativa envolvendo todos
tas y expertos de La biodiversi-
ção. Ocorre que as “comunidades trói esquemas sofisticados, que dad a mediados de la década del os atores como coprodutores do
tradicionais” são frequentemen- são efetivamente parte do movi- noventa– han tenido una noción conhecimento, na construção de
te as últimas a obterem oportu- mento de luta. intrínseca de la sostenibilidad, la políticas públicas ambientais.
misma que en las últimas décadas
nidades de desenvolvimento ou Funda-se então uma Ecolo- se ha vuelto impracticable debido Acselrad (2000) entende que se
serviços sociais e ainda, a serem gia política da diferença a partir a una variedad de presiones (ES- trata da construção de uma resis-
efetivamente envolvidas nos pro- do lugar, devido às mobilizações COBAR, 2011, p. 70). tência global frente à dimensão
cessos de tomada de decisão que relacionadas a lutas sobre a cul- global da poluição. Se, por um
afetam os recursos naturais. tura, o território, os movimentos Trata-se de uma proposta de lado, sabe-se que os mecanismos
de indígenas e negros que têm uma ecologia política da diferen- de mercado trabalham no senti-
“Ecologia da diferença” como objetivo lutar pelo controle ça, ou uma espécie de política do da produção da desigualdade
Arturo Escobar (2011) em seu de seu território, além disso, o lu- prática onde, segundo o autor, ambiental, por outro lado, obser-
livro Ecologia Política de la globa- gar na opinião do autor continua integra diversas economias, am- va-se a omissão das políticas pú-
lidad y la diferencia faz uma abor- sendo uma importante fonte de bientes e culturas, que responde blicas favorecendo a ação perver-
dagem sobre diferentes aspectos cultura e identidade. Da mesma ao momento atual, principalmen- sa do mercado. “A experiência do
sociais, culturais e biológicos da forma acontece no Brasil, com as te na America Latina, como tam- Movimento de Justiça Ambiental
vida atual, que se encontram es- comunidades de Oriximiná/PA. bém, uma crítica a argumentos procurou assim organizar as po-
treitamente inter-relacionados. Escobar (2011) salienta o im- eurocêntricos sobre a universa- pulações para exigir políticas pú-
Sua preocupação com a questão pacto da ciência e da tecnologia lização da modernidade da glo- blicas capazes de impedir que,

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também no meio ambiente, vi- um jeito singular de compreen- territórios, considerando suas Brasília, DF: Diário Oficial da
gorem os determinantes da desi- der a terra. Sabemos ainda que as práticas, conhecimentos e formas União.
gualdade social e racial”. (ACSEL- áreas protegidas possuem grande de organização locais traduzem- BRASIL. (2006): Decreto nº
RAD, 2000, p.7-12). potencial na sustentação dessa -se, sem dúvida alguma, em uma 5.758 de 13 de abril de 2006.
O grande desafio se reverte em teoria e sua proteção pode estar importante evolução do pensa- Institui o Plano Estratégico Na-
uma nova visão sobre Unidades relacionada ao reconhecer direi- mento ambiental no Brasil. Para cional de Áreas Protegidas –
de Conservação Brasileiras que tos de subsistência a essas comu- além de uma educação ambiental PNAP. Brasília, DF: Diário Oficial
garanta a proteção ambiental e nidades – verdadeiros donos das burguesa e de suas “contradições da União.
cultural. Observa-se que existem terras e guardiões da natureza. vulgares” que interferem no cam- ESCOBAR, Arturo. (2011). Eco-
instrumentos para se caminhar Seguindo o pensamento de Van- po, uma educação de direitos, de logía Política de la globalidad y
em direção a uma solução no sen- dana Shiva (2006) a degradação justiça ambiental. la diferencia. In: ALIMONDA
tido de se implementar ações efi- da natureza e o empobrecimento Héctor. La Naturaleza colo-
cientes. das tribos nos dias de hoje encon- Referências nizada Ecología política y
As questões ambientais exi- tram-se intrinsecamente relacio- ACEVEDO, Rosa; CASTRO, Edna. minería en América Latina.
gem um repensar e um agir dife- nados com a apropriação desta (1998): Negros do Trombetas: Buenos Aires: CLACSO.
rente do que estávamos acostu- riqueza pelo poder externo, co- Guardiões de Matas e Rios. 2. ed. ESCOBAR, Arturo; PARDO, Mau-
mados, portanto cremos que os mercial, Belém, Cejup/UFPA/NAEA. ricio. (2005) Movimentos Sociais
instrumentos de gestão devem No Brasil, as visões sobre o pa- ACEVEDO, Rosa Elisabeth. e Bio Diversidade no pacífico Co-
privilegiar a mudança de compor- pel das áreas naturais protegidas (1990): Estudos de Comuni- lombiano. In Santos, Boaventura.
tamento, através de informações, ao longo de sua criação sempre dades Negras no Município Semear outras Soluções: Os ca-
participação e desenvolvimento foram questionadas. Estimava-se de Oriximiná. Belém/PA: Nú- minhos da biodiversidade e dos
de ações de caráter educativo de que somente 26% das Reservas cleo de Estudos Amazônicos. conhecimentos rivais. Rio: Civili-
forma continuada ao invés de sua Biológicas brasileiras são ocupa- ACSELRAD, Henry. (2000): Jus- zação Brasileira.
ênfase em comando e controle. das por populações humanas e, tiça Ambiental – novas articu- GIDDENS, Anthony. (1991): As
em muitos casos, especialmente lações entre meio ambiente e consequências da moderni-
Argumentos finais na Amazônia, essas populações democracia, in IBASE/CUT-RJ/ dade. Tradução de Raul Fiker.
Observa-se que as “populações habitam a região durante longos IPPUR-UFRJ, Movimento Sindical São Paulo: Editora UNESP.
tradicionais” no Brasil vêm sendo períodos que variam de décadas e Defesa do Meio Ambiente – o HABERMAS, Jürgen. (2010). Pen-
ao longo de décadas, deslocadas até séculos. Essas populações tra- debate internacional, série Sin- samento Pós Metafísico. Rio de
de suas terras para dar lugar a dicionais que habitam a região dicalismo e Justiça Ambiental Janeiro: Pensamento Tempo Bra-
represas, projetos de mineração, do médio Rio Trombetas são ca- vol.3, RJ, 2000, p.7-12. sileiro.
agricultura em grande escala, racterizadas pela prática de ativi- BRASIL. (2003): Decreto nº LYOTRD, Jean-François.
construção civil, turismo de mas- dades de relativo baixo impacto 4.887 de 20 de novembro (2009): A condição pós-mo-
sa, retirada de madeira e rodo- ambiental (agricultura itinerante de 2003. Regulamenta o pro- derna. Tradução: Ricardo Cor-
vias, muitas vezes com base no em pequena escala, colheita de cedimento para identificação, rêa Barbosa. Rio de Janeiro:
paradigma da “propriedade”. Po- produtos florestais não madeirei- reconhecimento, delimitação José Olympio.
pulações como a dos quilombo- ros, caça e pesca de subsistência). e demarcação das terras ocu- LIPOVETSKY, Gilles. (2004): Os
las de Oriximiná, caracterizadas Garantir a participação dos povos padas por remanescentes das tempos Hipermodernos. Tra-
como “Filhos do Rio” possuem no processo de gestão de seus comunidades dos quilombos. dução: Mário Vilela. São Paulo:

278 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 279
Jacqueline Carrilho Eichenberger; Vilmar Alves Pereira Justiça ambiental e o caso das comunidades quilombolas de Oriximiná/PA

Editora Bacarolla.
PALMER, Richard. (1969):
Hermenêutica. Tradução:
Maria Luisa Ribeiro Ferreira.
Portugal: Edições 70.
VANDANA SHIVA. (2006). Guer-
ras por água: privatização, po-
luição e lucro. São Paulo: Radical
Livros.

280 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 281
Foto: Giseli Dalla Nora

Ritual de dança e gastronomia como viés de educação ambiental


numa comunidade negra do município de São Francisco do Conde-
Bahia-Brasil

Angélica Santos da Paixão1


Cristina Maria Dacach Fernandez Marchi2
Edvaldo Hilário dos Santos3
Resumo
O presente trabalho expõe o resultado das ações da equipe de educação ambien-
tal da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, junto aos moradores da Ilha do
Paty pertencente a Prefeitura de São Francisco do Conde-BA e ressalta a importân-
cia das ações de sensibilização ambiental entre os povos e comunidades tradicio-
nais. Objetiva demonstrar uma experiência no campo da educação ambiental não
formal, sugerida pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos
e Comunidades Tradicionais, assim como, na Política Nacional de Educação Am-
biental, baseada no tripé, diagnóstico, sensibilização e ações efetivas, num estudo
de caráter descritivo, exploratório e bibliográfico, resultando num levantamento
de impactos ambientais, seguido de momentos de reflexão e promoção de gestos
concretos de reversão dos processos de geradores da degradação, culminando
num processo gradativo de auto reconhecimento das atitudes degradadoras em
relação ao ambiente local e às diversas possibilidades de minimização dos impac-
tos gerados.
Palavras-chave: Comunidade negra, Manifestação Cultural, Gastronomia, Ilha do
Paty, Educação Ambiental.

Abstract
This paper presents the results of the actions of the environmental education team
of the Municipal Department of the Environment, together with the residents of
Paty Island, São Francisco do Conde-BA City Hall, and stresses the importance of
encouraging environmental awareness among peoples and Traditional communi-
ties. It aims to demonstrate an experience in the field of non-formal environmental
education, as suggested by the National Policy for Sustainable Development of
Traditional Peoples and Communities, as well as in the National Environmental
Education Policy, based on tripod, diagnosis, sensitization and concrete gesture,
Descriptive, exploratory and bibliographical, resulting in a survey of environmental
impacts, followed by moments of reflection and promotion of concrete gestures
of reversal of the processes of generators of degradation, culminating in a gradual
process of self-recognition of degrading attitudes towards the local environment
and the diverse Possibilities of minimizing the impacts generated.
Keywords: Traditional Community, Cultural Expression, Gastronomy, Paty Island,
Environmental Education.

1Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Prefeitura de São Francisco do Conde, (Brasil).


E-mail: paixaoangelica16@gmail.com.
2Universidade Católica de Salvador – UCSal, (Brasil). E-mail: cristina.marchi@ucsal.br.
3Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Jacobina-BA, Secretaria Municipal do Meio
Murtosa, em Portugal Ambiente, Prefeitura de São Francisco do Conde, (Brasil). E-mail: ehsantos@uneb.br.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 283


Ritual de dança e gastronomia como viés de educação ambiental numa
Angélica S. da Paixão; Cristina M. D. F. Marchi; Edvaldo H. dos Santos comunidade negra do município de São Francisco do Conde - Bahia - Brasil

Apresentação pouco mais de 262 quilômetros Figura 2 – Manguezais na Baía de Todos os Santos e São Francisco do
Localizado geograficamente quadrados, São Francisco do Con- Conde em destaque
no Recôncavo Baiano, microrre- de figura entre os 18 municípios
gião Salvador e mesorregião Me- do entrono da Baía de Todos os
tropolitana de Salvador, capital Santos. (Figura 1)
do Estado da Bahia, Brasil e com Igual aos demais municípios

Figura 1 – Localização do Município de São Francisco do Conde-BA-BR

Fonte: SEFAZ/SEPLAN/SEHARF/SEDES, 2013/2015


Adaptação: Edvaldo Santos, dez. 2016

do entorno, São Francisco do Dentre as áreas insulares do


Conde possui um território bas- município, a ilha do Paty, junta-
tante entrecortado e recoberto mente com a ilhas das Fontes são
por rico manguezal em todo seu as únicas urbanizadas com ocupa-
litoral (Figuras 3) e abrigando ção populacional (mesmo sendo
nesta porção litorânea quatro de baixa densidade demográfica).
ilhas, sendo uma de domínio pri- Paty possui por poucos mora-
vado (Ilha de Bimbarras) uma de dores (cerca de 152 moradores,
Fonte: Queiroz & Celino, 2008, p.62
parceria público-privada (Ilha de segundo dados da Secretaria Mu-
Adaptação: Edvaldo Santos, dez. 2016
Cajaíba) e duas de domínio pú- nicipal de Planejamento. Abriga
blico: a Ilhas das Fontes e a Ilhas uma escola municipal de ensino
do Paty. É nesta última onde foi fundamental, uma associação
desenvolvido o estudo aqui apre- de moradores e de pescadores e
sentado. (Figura 3) marisqueiras, três entidades reli-

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Ritual de dança e gastronomia como viés de educação ambiental numa
Angélica S. da Paixão; Cristina M. D. F. Marchi; Edvaldo H. dos Santos comunidade negra do município de São Francisco do Conde - Bahia - Brasil

Figura 3 – Ao centro a Ilha do Paty cionais das gerações atuais, ga- p. 58)
rantir as mesmas possibilidades
para as gerações futuras e respei- “(…) ressalta que a gastronomia
se encaixa neste contexto, pois
tar os seus modos e tradições. está condicionada pelos valores
Essas comunidades apresen- culturais e códigos sociais em que
tam-se com especificidades que as pessoas se desenvolvem, ou
seja, sua identidade. Além dessa
lhes conferem identidades pró- representatividade, a gastrono-
prias. Os pescadores e marisquei- mia sempre será proporcionado-
ros, em geral são vistos como gru- ra de prazeres não somente pala-
pos culturalmente diferenciados tais, mas também acrescentando
ao homem conhecimentos cultu-
e que se reconhecem como tais, rais e, conseqüentemente (sic)
pois possuem formas próprias de o status social e a capacidade de
organização social e econômica. convivência e relacionamento
com a sociedade.”
Ocupam e usam os territórios e
recursos naturais como condição
Ainda com base neste enten-
para sua reprodução social, reli-
dimento Gaspar (2016) nos diz
Fonte: SEFAZ/SEPLAN/SEHARF/SEDES, 2013 giosa, ancestral, econômica e par-
Adaptação: Edvaldo Santos, dez. 2016 que a dança, poderosa linguagem
ticularmente.
universal, é um meio de expres-
giosas e a sua principal atividade sanitário. A música, a dança e a gastro-
são importante desde épocas re-
econômica do lugar restringe-se nomia se inserem nestes espa-
motas, assim como a música. Nos
a econômica fundada na pesca Introdução ços enquanto costumes e formas
seus rituais e crenças, a dança e a
e mariscagem. Tal característica A matriz da educação ambien- de se expressar, vinculados à sua
música têm um papel fundamen-
resulta em forte pressão ao meio tal não-formal fomentada no ter- cultura, à sua religiosidade, classe
tal e uma grande influência na
ambiente local, resultando em ritório brasileiro, prevista pela social, etnia, localização geográfi-
sua vida social dos povos e comu-
impactos socioambientais que re- Política Nacional de Desenvolvi- ca e o que cada lugar tem como
nidades tradicionais.
quer cuidados e ações constantes mento Sustentável dos Povos e elemento típico ou de influência
É nesse contexto que se inse-
de educação ambiental com seus Comunidades Tradicionais e afir- sofrida.
re a comunidade da Ilha do Paty
moradores. ma a importância de incentivar a “Há uma ligação da gastronomia localizada no município de São
A ilha do Paty possui uma ex- sensibilização ambiental das po- com a identidade regional, sendo Francisco do Conde-BA e donde
tensão territorial de cerca de seis pulações tradicionais ligadas às a alimentação uma linguagem re- se destacam a secular festa de
mil metros quadrados, dos quais Unidades de Conservação. Apon- lacionada à cultura regional pe-
los costumes e comportamentos São Roque (Figura 4) e, em espe-
mais de dois terços estão reco- ta para a participação individual de um povo. Esse fato inclui suas cial, o grupo cultural denominado
bertos por mata atlântica primá- e coletiva, permanente e respon- preparações alimentares, pois o de As Paparutas da Ilha do Paty,
ria na área central e todo o lito- sável, na preservação do equilí- modo de cozinhar está ligado ao ou simplesmente As Paparutas.
modo de vida de uma população.”
ral composto por manguezais. A brio do meio ambiente. Aponta (MULLER, AMARAL e REMOR (Figura 4) O termo vem do nome
mancha urbana ocupa cerca de para o desenvolvimento susten- apud GARCIA, 1999) paparota que significa de papar,
mil e quinhentos metros quadra- tável como caminho de promoção comida, refeição. De acordo com
dos com bons serviços público da melhoria da qualidade de vida Os mesmos autores igualmen- líder comunitário Altamirando
municipal, exceto o esgotamento dos povos e comunidades tradi- te citando Brillat Savarin (1995, de Amorim, como as pessoas da

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Ritual de dança e gastronomia como viés de educação ambiental numa
Angélica S. da Paixão; Cristina M. D. F. Marchi; Edvaldo H. dos Santos comunidade negra do município de São Francisco do Conde - Bahia - Brasil

comunidade chamavam As Pa- gia da palavra encontra se dificul- sua totalidade por negros e seus O grupo As Paparutas Boas é
parutas, manteve-se o nome As dades para definição da origem e descendentes. (Figura 5) formado por cerca de dezenove
Paparutas Boas que, no enten- real significado na lingual portu-
dimento local dizem ser Comidas guesa como um neologismo local. Figura 6 – As Paparutas em ação Figura 7 – Momento das refeições das
Boas. Verifica-se neste contexto Alguns aspectos e característi- Paparutas
para a compreensão da etimolo- cas da localidade dão a confirma-

Figura 4 – Festa de São Roque na Figura 5 – Parte dos integrantes do


Ilha do Paty, São Francisco do Con- Grupo Cultural As Paparutas Boas
de-BA do Paty

Fonte: Altamirando de Amorin, Fonte: Acervo Seplan, 2013.


2016. Foto: Altamirando de Amorin, 2013.
Foto: Altamirando de Amorin, 2013.

mulheres de distintas idades, que acompanhados por três vocalis-


se caracterizam com roupas lon- tas. As bailarinas formam um cír-
Fonte: Seplan, 2013. Fonte: Altamirando de Amorin, 2016. gas e muito coloridas. (Figura 6) culo e no meio, ao som da música,
Foto: Karinna Carvalho, 2013. Foto: Altamirando de Amorin, 2013. Em geral são saias estampadas e uma a uma se apresenta canta e
blusas lisas de cores vivas. Utili- provocam os presentes a partici-
zam utensílios de cozinha na ca- par do evento, a qual dura quase
ção que o arquipélago tem a sua dos e forte apelo à valorização da beça, quase sempre um tacho de todo o dia.
população oriunda das inúmeras população local. madeira ou barro, onde são aco- Segundo o coordenador do
concentrações quilombolas que Trata-se de um grupo cultu- modados os alimentos por elas referido grupo e também presi-
se espalharam pelo recôncavo ral composto por mulheres na preparados. As comidas típicas dente da Associação Beneficente
baiano. A manifestação cultural sua maioria negras residentes da de forte influencias africana, após dos Moradores do Paty (ABMP), o
notadamente conhecida como “As Ilha, que é ocupada por cerca de o ritual de danças e cantorias são senhor Altamirando de Amorim,
Paparutas”, é na prática, um gru- duzentos moradores. Paty é uma oferecidas ao final da apresenta- nos evidencia que
po teatral que encena o labor das das quatro ilhas banhadas pelas ção aos presentes. (Figura 7). As
mulheres, escravas nas cozinhas águas da Baía de Todos os Santos músicas utilizadas nos folguedos “o movimento das Paparutas se
constituem em um marco cultu-
dos brancos do Brasil Colonial, (BTS) e cercadas de manguezais são compostas quase sempre pe- ral, artístico e referencial para
acompanhado de cantorias e mo- no município franciscano, Estado los músicos integrantes do referi- nós moradores da ilha e nos con-
vimentos de dança. A musicalida- da Bahia, no Recôncavo Baiano do grupo cultural, na sua maioria fere diferencial e destaque no se-
nário local, de tal modo que já ex-
de, o aroma das comidas típicas e de onde são extraídos diversos homens, mas também há mulhe- trapola as fronteiras do estado.”
da Bahia e a plástica do seu figu- frutos do mar e que garantem a res e formado por onze pessoas De tal modo que se constituem
rino se agregam para uma apre- sobrevivência da maior parte dos de idades variadas que tocam ins- no grupo mais requisitado para
trumentos de corda e percussão, apresentações publica no âmbito
sentação de rara beleza, significa- seus residentes, compostos na

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Ritual de dança e gastronomia como viés de educação ambiental numa
Angélica S. da Paixão; Cristina M. D. F. Marchi; Edvaldo H. dos Santos comunidade negra do município de São Francisco do Conde - Bahia - Brasil

local e nacional, quanto chegou a figura como central no folgue- experiência no campo da educa- Trata-se de uma atividade ca-
se apresentar no Teatro Munici- ção ambiental não-formal, basea- racterizada essencialmente como
pal João Caetano no Rio de Janei-
ro, juntamente com renomados Figura 8 – Matriarca conferindo sua da no diagnóstico, sensibilização descritiva, exploratória, biblio-
artistas nacionais, como Gilberto benção ao alimento ofertado. e gesto concreto, envolvendo gráfica de natureza aplicada, rea-
Gil, Lazaro Ramos. Este evento a arte e a cultura local, funda- lizada em três etapas ocorrida ao
foi organizado pela Central Úni-
ca das Favelas (CUF) e teve a en- mentada no desenvolvimento de longo de uma semana e conse-
trega do prémio Anu Preto, que uma compreensão integrada do quente monitoramento (às vezes
é um título concedido por esta meio ambiente em suas múlti- repetições das ações quando se
entidade. Foi um momento muito
importante, pois, mais uma vez, plas e complexas relações. Envol- fazia necessário) durante o ano.
nos deu bastante visibilidade e ve ainda, os aspectos ecológicos, Tais atividades foram integra-
reconhecimento.” (depoimento sociais, econômicos, científicos, das as ações administrativas da
ao autor em 15/09/2016) culturais e éticos, na comunidade gestão municipal e replicada em
Fonte: Seplan, 2013. de pescadores e marisqueiros da outras comunidades do território
Apesar de ganhar notoriedade Foto: Altamirando de Amorin, 2013. Ilha do Paty, em São Francisco do municipal.
local, regional e nacional mais re- Conde, Bahia, Brasil. A primeira etapa teve início
centemente, trata-se de um movi- Materiais, métodos e análise com o diagnóstico socioambien-
do e tem a função, dente outras
mento cultural secular, tem a mis- dos achados tal da localidade, apurando-se
atribuições, de aprova ou não os
são de manter viva a tradição de
pratos, que lhe são apresentados
preparar pratos típicos da cozi-
pelas demais. Importante aqui Figura 9 – Reuniões diagnostica, de
nha africana, como o acarajé, ca-
salientar que, apesar da centra- sensibilização e dos resultados dos Figura 10 – Parte dos resíduos reti-
ruru, frigideira de siri, moqueca
lidade de Aiá todas as demais mutirões. rados das áreas urbanas da ilha.
de camarão, peixe frito e o feijão
integrantes, também tem impor-
fradinho. Após preparar as igua-
tância singular no evento, como
rias, elas saem de casa dançan-
forma de enfatizar a irmandade e
do ao ritmo dos tambores com
solidariedade ente os componen-
os pratos na cabeça em direção
tes do grupo.
à pequena praça, onde todos os
A dança das Paparutas da ilha
moradores da comunidade, já as
do Paty acontece impregnada de
aguardam para começar a festa.
significados da importância aos
No centro da roda fica uma Papa-
alimentos extraídos das águas e
ruta, localmente chamada Aiá ou Fonte: SEMAAP, 2012. Fonte: SEMAAP, 2012.
do manguezal da Baia de Todos
a dona da cozinha, que vem sem- Foto: Josafá de Jesus, 2012. Foto: Josafá de Jesus, 2012.
os Santos, para a sobrevivência
pre vestida de branco, dançando
da comunidade, num ritual lúdico
com uma colher de pau na mão e
que atravessa gerações, preser- os tipos e extensão dos impactos reuniões, encontros de sensibi-
um grande caldeirão e tem a fun-
vando uma das mais belas mani- ambientais existentes na locali- lização ambiental, dinâmicas de
ção de acompanhar, fiscalizar e
festações culturais do Recôncavo dade, bem como, as pertinentes educomunicação, dentre outras
experimentar as guloseimas que
Baiano. responsabilidades pelos mes- atividades visando envolver esta
serão ofertadas aos presentes
Objetivos mos em relação aos moradores população com a questão am-
(Figura 8).
Propõe-se a demonstrar uma do lugar. Em seguida, realizou-se biental do entorno. Durante estas
É este importante personagem

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Ritual de dança e gastronomia como viés de educação ambiental numa
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atividades, o apoio do Grupo Cul- mentos eram expostos materiais bre o mangue, desmatamento e aterramentos. Registrou-se significativo
tural As Paparutas do Paty, assim audiovisuais e escritos como, tex- volume de resíduos flutuantes (garrafas, plásticos) procedente do conti-
como, e principalmente da Asso- tos, filmes, vídeos e fotografias. nente e transportado pelo movimento de marés e correntes (Figura 12).
ciação Beneficente dos Morado- Estes documentos em sua grande A despeito da atitude da comunidade em lançar esgotos e resíduo no
res do Paty (ABMP). Nesta etapa maioria foram produzidos geral-
os participantes foram instiga- mente utilizando-se o próprio Figura 11 – Esgoto lançado direta- Figura 12 – Resíduos sólidos lançados
dos a avaliar suas atitudes, assim local como cenário e objeto retra- mente no manguezal. indiscriminadamente no manguezal.
como provocando-os a discutir tado ou de outras localidades do
sobre os pontos positivos e nega- município franciscano. Procura-
tivos de suas interações ambien- va-se com isso valorizar e enfati-
tais no lugar, além de mobilizar a zar as questões locais.
comunidade para a realização de Tais atividades tinham como
mutirões socioambientais, com propósito envolver, sensibilizar,
vista a dar visibilidade aos resí- convocar a comunidade para as
duos sólidos gerados e descarta- atividades vindouras, bem como,
dos inadequadamente pela popu- levantar dados para a elabora-
lação. (Figuras 9 e 10) ção diagnóstica e posterior ex- Fonte: SEMAAP, 2012. Fonte: SEMAAP, 2012.
Já na etapa diagnóstica regis- posição destes documentos para Foto: morador do local, 2012. Foto: morador do local, 2012.
trou-se intensa participação e a comunidade. Importante aqui
receptividade dos moradores da enfatizar que esta etapa sempre ambiente, verificou também que rudimentares e construídas no
ilha em todos os encontros rea- se repetia como resultado do mo- a área urbana da ilha dispões de manguezal que lamentavelmente
lizados. A frequência destes mo- nitoramento constante, valendo- regular e eficiente limpeza públi- estes equipamentos eram instala-
mentos leva-se em consideração -se das informações e relatórios ca e coleta dos resíduos, pavimen- dos sem os devidos cuidados para
um cronograma elaborado para dos eventos anteriores. Isso tinha tação em todas as ruas, abasteci- evitar a contaminação dos corpos
atender a todo o território do mu- como consequência a percepção mento de água tratada ofertada hídricos pelas excretas humanas.
nicípio, o que resultava em uma dos ilhéus dos progressos e fra- pela concessionária credenciada
frequência aproximada de um cassos registrados nos intervalos pela Prefeitura Municipal, for- Ao questionar os prepostos
por mês ao longo de quatro anos. das ações. necimento de energia elétrica dos órgãos do município respon-
Durante a realização das tare- O inicial do diagnóstico nos adequada. Porém toda a rede de sáveis pelo pela infraestrutura e
fas junto à comunidade o contato revelou que é comum entre os drenagem pluvial escorre direta- serviços públicos, a argumenta-
sempre se iniciava com uma con- ilhéus o descarte dos resíduos de mente para o manguezal o que se ção sempre apontava para as di-
vocação aos moradores para as conchas e outros produtos das constituem em mais um proble- ficuldades de execução de obras
reuniões na sede da ABMP, por se atividades pesqueiras e marisca- ma para o ambiente do entorno. de saneamento básico, diante
tratar de um espaço amplo e com gens, além dos lançamentos re- No entanto, nos chamou atenção das restrições estabelecidas pela
capacidade de abrigar conforta- síduos domésticos e de esgotos para o fato de existir nenhuma legislação estadual e federal, por
velmente aos presentes, além de diretamente no manguezal pró- destinação adequada do esgo- se tratar de local ocupado em
se constituir em lugar de conver- ximo as áreas ocupadas (Figura to por parte do poder público e Áreas de Preservação Permanen-
gência comunitária para todas 11). Somam-se ainda as constru- muito menos pela comunidade, te (APP) do bioma manguezal e
as atividades sociais. Nestes mo- ções residenciais diretamente so- exceto algumas fossas sépticas também ser integrante da unida-

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Angélica S. da Paixão; Cristina M. D. F. Marchi; Edvaldo H. dos Santos comunidade negra do município de São Francisco do Conde - Bahia - Brasil

de de conservação Área de Pre- tudo possibilitou estabelecer um Constatou-se que as ações de- senvolvimento Sustentável dos
servação Ambiental da Baia de processo de envolvimento e par- senvolvidas durante todo o traje- Povos e Comunidades Tradi-
Todos os Santos (APA BTS). ticipação da coletividade em prol to da intervenção socioambiental cionais. Decreto nº 6.040/2007.
A partir de relatos provocados de um bem comum, num expe- interferiram sobremaneira para Disponível em: <http://www.pla-
nos encontros de sensibilização, rimento de cidadania ambiental a significativa redução da quan- nalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
foi possível perceber a compreen- mediante auto reconhecimento tidade de resíduos biológicos do 2010/2007/decreto/d6040.
são por parte dos moradores da das atitudes degradadoras da pescado e mariscos descartados htm>. Acesso em 25 ago. 2016.
dimensão dos impactos ambien- comunidade no ambiente e as diretamente no manguezal e com BRASIL, Política Nacional
tais negativos decorrentes do diversas possibilidades de mini- possibilidades de utilização des- de Educação Ambiental, Lei
descarte inadequado de seus re- mização dos impactos decorren- te material como ingredientes Nº 9.795/1999. Disponível
síduos urbanos no ambiente lo- tes. Enfatizou-se o papel e a im- na construção civil, utilizando-o em: http://www.mma.gov.br/
cal, mediante seus depoimentos e portância do grupo cultural como como agregados em concreto, ar- port/conama/legiabre.cfm?-
registros fotográficos dos proble- prática cotidiana para a preser- gamassas e pavimentações. codlegi=321. Acesso em 01
mas realizados pelos mesmos. vação não só das tradições não Foi elaborado, publicado e set. 2016.
Nestas oportunidades mobili- dissociadas das preocupações distribuído um código de convi- BRILLAT-SAVARIN, Jean-Anthel-
zou-se a comunidade para a rea- com a pesca e mariscagem como vência definido pelos próprios me (1995): A fisiologia do gos-
lização de ações de retirada dos principal atividade econômica do moradores, em relação à respon- to. São Paulo. Cia. das Letras.
resíduos, por iniciativa e orga- lugar. Isso implicou em apontar sabilidade ambiental individual e GARCIA, Rosa Wanda Diez.
nização da comunidade, tendo a para o poder público municipal coletiva com a localidade, resul- (1999): A Comida, a Dieta o
participação de pessoas de várias a necessidade de intervenções tado em um dos documentos de Gosto: Mudanças na Cultura
faixas etárias, incluindo-se os es- programas, projetos e ações dire- apoio as ações de educação am- Alimentar Urbana. São Pau-
tudantes da única escola munici- tas no sentido de aprimorar a efi- biental da Secretaria Municipal lo, Universidade de São Paulo.
pal. ciência econômica e preservação do Meio Ambiente daquela pre- 305 f. Tese (Doutorado em Psi-
Também foram estabelecidas do modo cultural da população feitura. cologia).
pelos residentes, regras de com- da ilha. GASPAR, Lúcia. Danças in-
portamento quanto ao descarte Nos permitiu constatar ainda Fontes dígenas do Brasil. Pesquisa
diário de resíduos, evitando a sobre a contribuição do formato Depoimentos dos moradores Escolar Online, Fundação Joa-
proliferação costumeira de veto- para melhorar a qualidade dos gravados durante as reuniões e, quim Nabuco, Recife. Disponí-
res de doenças, propostas de al- mariscos e pescados, base alimen- particularmente do Coordena- vel em: <http://basilio.fundaj.
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esgotos e preservação do man- para as apresentações do grupo Beneficente dos Moradores do Acesso em: 28 set. 2016.
guezal. Tais ações resultaram da cultural As Paparutas pois se tra- Paty (AMIP), acompanhado do IPHAN, dossiê 4. (2006): Samba
comunidade forneceu-nos subsí- ta da principal matéria prima das processo de construção de pa- de Roda do Recôncavo Baiano.
dios para a elaboração de carti- suas refeições. Igualmente ofere- rágrafos do artigo, pertinente à Brasília, Iphan, 216 p., il., color,
lhas e folhetos educativos que fo- ceu subsídios para elaboração de comunidade e ao grupo cultural, 25 cm, + CD ROM.
ram utilizados nesta e nas outras documentos para a preservação e o Sr Altamirando de Amorim, em MATOS, Agrimaria Nascimento
localidades. futura ampliação do estoque pes- 15/09/2016. (2011): Trabalho, Identidade
Aspectos conclusivos queiro e a melhoria da qualidade Referências e Processos de Mudança: Et-
A metodologia aplicada no es- das águas da BTS. BRASIL, Política Nacional de De- nografia de uma Comunidade

294 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 295
Ritual de dança e gastronomia como viés de educação ambiental numa
Angélica S. da Paixão; Cristina M. D. F. Marchi; Edvaldo H. dos Santos comunidade negra do município de São Francisco do Conde - Bahia - Brasil

do Recôncavo Baiano. Salva- Almeida & ARGÔLO, Titaian


dor, UFBA. 120 f. Dissertação Ximenes. São Francisco do
(Mestrado em Antropologia) Conde: planejamento urbano,
– Programa de Pós-Graduação tendências e vocações. Dispo-
em Antropologia, Faculdade nível em: <http://periodicos.
de Filosofia e Ciências Huma- uesb.br/index.php/ascmpa/
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Vers%C3%A3o%20Final%20 pectos geoquímicos, geofísicos e
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CARVALHO, Karinna Santos de

296 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 297
tecido 3 tramas do alimento e

Foto: Giseli Dalla Nora


Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, em
do clima
Nossa Senhora do Livramento, cidade
localizada no estado brasileiro de Mato Grosso.
Foto: Giseli Dalla Nora

Vista do Castelo de São Jorge, em Lisboa, A Rede de Hortas Municipais de Santiago de Compostela (Galiza) e
capital portuguesa
as súas implicacións para a Educación Ambiental

Kylyan Marc Bisquert i Pérez1


Resumo
Santiago de Compostela conta con hortas urbanas municipais dende 2008 grazas a
un proxecto piloto de instalación de parcelas no parque de Belvís, no marco dunha
estratexia consistorial para diversificar os usos das zonas verdes en clave de ocio
saudable. Como finalidades, a recuperación dos saberes tradicionais, a mellora
paisaxística e a promoción da agricultura ecolóxica. Nove anos despois, coa dispo-
sición de novas instalacións como resposta á demanda, a cidade goza dunha rede
que integra cinco espazos máis, sumando ao redor de duascentas parcelas. O perfil
das participantes é diverso, facilitando interaccións interxeracionais e á emerxen-
cia de dinámicas sociocomunitarias. Porén, malia o seu potencial socioeducativo,
non se conta cun programa de Educación Ambiental asociado dende 2011. Este
traballo pretende salientar a relevancia destes equipamentos para a promoción
dunha alimentación sustentable e a reconciliación cidadá coa riqueza cultural e
biolóxica dos agroecosistemas galegos. Para tal fin, profúndase nesta experiencia
dende as olladas das súas protagonistas, mediante entrevistas semiestruturadas a
usuarias e responsables técnicas e políticas, complementadas cun grupo de discu-
sión. O que en definitiva se pretende é suscitar a reflexión acerca das implicacións
deste tipo de iniciativas para a construción dunha cultura da sustentabilidade so-
cial e ambiental nos contextos urbanos galegos.

Palabras chave: Hortas Municipais, Alimentación, Sustentabilidade, Administra-


ción Local, Agricultura Urbana

Abstract
Santiago de Compostela has municipal urban gardens since 2008 thanks to a pilot
project of allotment instalation in Belvís park, related with a strategy of the city
council for diversify the green zones uses including a healthy leisure way. The aims
were the recovery of traditional knowledge, the landscape improve and the ecolo-
gical agriculture promotion. Nine years after, with the new instalations as answer
to the citizen demand, the city has a network with five spaces more and around
two hundred allotments. Participating profile is diverse, wich allows intergenera-
tional relationships and the emergence of comunitary dinamics. However, despite
it social and educative potential, there isn’t an Environmental Education program
since 2011. This work expects to emphasise the relevance of these equipments to
promote a sustainable feeding and the citizen reconciliation with the cultural and
biological heritage of the galician agroecosystems. For that, it goes in depth in this
experience since the protagonists view by semistructured interviews to users and
technic and politic reponsibles, complemented with a discussion group. Definetily,
it hopes to arouse a reflection about implications of these initiatives for the build
of a social and environmental sutainability culture in the galician urban contexts.

Key-words: Municipal Gardens, Feeding, Sustainability, Local Administration, Ur-


ban Agriculture.

1SEPA-Interea, Universidade de Santiago de Compostela (Galiza).

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 301


A Rede de Hortas Municipais de Santiago de Compostela (Galiza) e as súas
Kylyan Marc Bisquert i Pérez implicacións para a Educación Ambiental

Introdución antes de proceder á definición da cemento, onde, paradoxalmente, guerra ao abastecer de alimentos
O traballo que aquí se presenta finalidade e deseño metodolóxico ten orixe a concepción contempo- ás tropas do fronte. Tras finalizar
é resultado dun estudo realizado adoptado neste estudo, a expo- ránea de hortas urbanas (Richter, este período bélico, a agricultura
entre o outono de 2016 e a pri- sición dos resultados obtidos e a 2017, p. 35-36). urbana sufriu un notable declive
mavera de 2017 en Santiago de proposta das conclusións acada- Adóitase identificar catro eta- coa reconstrución das asoladas
Compostela. A inclusión dunha das. pas de especial relevancia na evo- cidades e o restablecemento do
actividade de presentación de ex- lución da hortas urbanas no con- modelo de importación de ali-
periencias de hortas urbanas pre- Aproximación ás hortas urba- texto das sociedades occidentais mentos dende territorios onde as
sentes na cidade na programa- nas contemporáneas, cunha estreita actividades agrarias estaban cada
ción do Foro Ler o Mundo Hoxe, As hortas municipais consti- relación con momentos de crise vez máis industrializadas da man
organizado polo grupo de investi- túen un dos moitos modelos exis- e cambio social (Morán e Her- dunha incipiente Revolución Ver-
gación SEPA-interea da Universi- tentes de hortas urbanas, concep- nández, 2011; Richter, 2017, p. de. Mais nos anos 70 a agricultura
dade de Santiago de Compostela, to en torno ao cal se comprende 41-51). En primeiro lugar, os al- urbana volveu rexurdir mediante
motivou este novo achegamento un conxunto heteroxéneo de ini- lotments, poor gardens ou hortas proxectos colectivos comunita-
a unha realidade que aparentaba ciativas baseadas na práctica da para obreiros xurdiron da mán do rios, contraculturais e/ou ecolo-
ter experimentado unha impor- agricultura no seo dos contextos forte crecemento das urbes indus- xistas, destacando a aparición de
tante evolución nos últimos anos. urbanos, polo que nos podemos trializadas entre finais do s.XIX e movementos como a Green Guer-
Nesta nova aproximación, ba- encontrar ante unha ampla di- principios do XX, principalmente rilla nos Estados Unidos, esten-
seada nun deseño cualitativo que versidade de concepcións, usos no Reino Unido, Francia, Holan- déndose tamén a Europa -prin-
combina entrevistas en profun- e fins, tanto actuais como histó- da, Bélxica, Alemaña e os Estados cipalmente Países Baixos e Reino
didade e a celebración dun gru- ricos. Unidos, como medio complemen- Unido-, aquí xa “cunha forte carga
po de discusión cunha análise A xénese da agricultura ur- tario de subsistencia dos novos de Educación Ambiental” (Morán
interpretativa do discurso, bús- bana remóntase ao xurdimento asalariados chegados ás cidades e Hernández, 2011, p. 7).
case profundar nas percepcións das propias cidades, pois a apa- dende o campo, pero tamén como Actualmente, é posible iden-
e anhelos que persoas usuarias, rición dos primeiros asentamen- forma de control social por parte tificar unha ampla diversidade
por unha banda, e responsables tos neolíticos de certa densidade das autoridades civís e relixiosas de modelos e formatos, existin-
técnicas e políticas do proxecto, gardou unha estreita relación coa ou incluso das propias empresas. do distintas propostas de clasi-
pola outra, teñen sobre esta ex- adopción do sedentarismo que Durante as dúas grandes guerras ficación. Así, Nadal (2015, p. 96-
periencia e as súas presentes ou exixía, e á súa vez posibilitaba, a que arrasaron Europa na primei- 98), os diferencia segundo sexan
posibles implicacións socioedu- actividade agraria. Así mesmo, a ra metade de s.XX e as súas res- hortas en solo urbano, público
cativas, especialmente no eido da agricultura mantivo unha impor- pectivas posguerras, as hortas ou privado, un xardín ou parque
Educación Ambiental. tante presenza nas áreas urbanas urbanas viviron o seu momento urbano agrícola, hortas instala-
Así, nas seguintes liñas ofré- de moitos territorios europeos álxido, xogando un papel crucial das en azoteas (domésticas, para
cese unha breve aproximación ata a súa industrialización. É no abastecemento das cidades investigación ou para fins comer-
ás hortas urbanas como marco precisamente durante a revolu- dadas as dificultades de trans- ciais), agricultura vertical ou cul-
conceptual de referencia e unha ción industrial onde se produce porte e a devastación dos terreos tivos en interior. A esta clasifica-
presentación da Rede Municipal a maior fractura entre un mundo de cultivo, pero tamén cun fin pa- ción por formatos, Richter (2017,
de Hortas Urbanas de Santiago agrario que comeza a privatizar- triótico, incorporando a gran par- p. 55-61 e 108-116) engade dis-
de Compostela e a súa evolución, se e unhas cidades en pleno cre- te da poboación na economía de tincións segundo o seu modelo de

302 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 303
A Rede de Hortas Municipais de Santiago de Compostela (Galiza) e as súas
Kylyan Marc Bisquert i Pérez implicacións para a Educación Ambiental

xestión (privada, pública, terceiro entende como un modo de apro- acollida cidadá e a disposición asemade dinámicas sociais cun
sector, comunitaria), a propieda- piación colectiva duns espazos paulatina de novas instalacións carácter marcadamente comuni-
de dos mesmos, as estruturas or- urbanos cada vez máis privatiza- por parte do Concello como res- tario, o cal, xunto ás motivacións
ganizativas e de distribución dos dos, no mesmo sentido defendido posta, a cidade goza xa dunha predominantes das usuarias,
espazos (parcelas individuais/fa- por Durand (2017), en clave do ampla rede municipal que integra dotaba a este proxecto dun gran
miliares ou horta común), réxime dereito á cidade. cinco espazos máis en diferentes potencial á hora de desenvolver
de acceso (alugueiro, cesión gra- barrios, sumando máis de duas- prácticas de Educación Ambien-
tuíta, grupo pechado ou aberto, A Rede Municipal de Hortas Ur- centas parcelas adxudicadas e tal, non só entre as participantes
con ou sen cota, etc.) ou as súas banas de Santiago de Compos- traballadas de xeito individual ou da experiencia senón tamén de
finalidades e motivacións (lúdi- tela colectivo, dependendo do caso. cara á cidadanía en xeral.
cas, educativas, produtivas, polí- Dende 2008, a cidade de San- Estas foron paulatinamente ins- Porén, malia a grande oportu-
ticas, sociocomuntarias, etc.), así tiago de Compostela conta cun taladas coa apertura dos espazos nidade que supón a presenza e
como tamén identifica variables proxecto municipal de hortas ur- de Belvís de Abaixo en 2010, Fon- boa acollida deste tipo de equi-
que permiten a súa caracteriza- banas, o cal deu comezo cunha tiñas-Cotaredo en 2013, Caramo- pamentos nunha cidade como
ción, sexa en torno ao proxecto, experiencia piloto de instalación niña en 2015 e Almáciga e Brañas Santiago de Compostela, a Admi-
como son os equipamentos dis- de 29 parcelas na parte alta do de Sar en 2016 Así mesmo, o Con- nistración Local non dispón dun
poñibles, as actividades paralelas parque de Belvís, outrora área cello xa anunciou a próxima aper- programa específico de Educa-
asociadas, o sistema de abaste- agrícola cun íntimo vínculo his- tura de novos espazos de hortas ción Ambiental que os integre
cemento de auga ou o destino da tórico co casco vello da capital na céntrica zona coñecida preci- como espazo ou ferramenta pe-
produción; ou ben en relación ás galega. En primeira instancia, a samente como Hortas (redores dagóxica dende o ano 2011, o cal
usuarias, segundo tipo ou colecti- disposición destes espazos conci- da Ruela de San Clemente), así dificulta o desenvolvemento da
vo preferente, a súa composición biuse no marco dunha actuación como en Salgueiriños, Lamas de súa dimensión socioeducativa.
social, a experiencia previa e as consistorial para a rexeneración Abade e Santa Marta, cos cales se
súas motivacións principais. urbana mediante a diversifica- prevé duplicar o número de par- Finalidade
Pola súa banda, Duchemin, ción dos usos das zonas verdes celas dispoñibles2. O traballo que aquí se presenta
(2013, p. 17-92) propón unha ti- da cidade, neste caso en clave de Nun estudo previo realizado é, polo tanto, unha sorte de am-
poloxía comprensiva que preten- ocio saudable ao aire libre orien- polo autor deste texto con motivo pliación e actualización do estudo
de aglutinar todos os formatos tado prioritariamente a persoas do seu Traballo Fin de Grao (Bis- anteriormente desenvolvido, mo-
aparecidos a través do tempo e maiores. Así mesmo, o proxecto quert, 2013), púidose constatar tivado pola significativa expan-
que continúan a ter presenza na incluía como finalidades a recu- que se trataban duns equipamen- sión do proxecto inicial de hortas
actualidade, segundo sexan hor- peración dos saberes tradicionais tos empregados por un perfil moi urbanas. Porén, nesta nova apro-
tas de proximidade, obreiras-fa- –neste caso agrarios- e a mellora diverso de participantes, onde ximación houbo interese en facer
miliares, de situacións de crise, paisaxística da cidade, así como tiñan lugar interaccións inter- un maior fincapé nas percepcións
comunitarias (referíndose aquí ás prevía tamén a promoción da xeracionais en torno á práctica e aspiracións que tanto usuarias
municipais), colectivas de inser- agricultura ecolóxica mediante da horticultura e onde emerxían como responsables políticas e
ción, compartidas -de iniciativa actividades formativas, asesora-
cidadá autónoma-, institucionais, mento técnico e a instalación de
pedagóxicas ou produtivo-eco- paneis informativos. 2https://www.lavozdegalicia.es/noticia/santiago/2017/03/28/huertas-urbanas-duplicaran-
nómicas. En todo caso, o autor as Oito anos despois, dada a boa incluiran-ambito-hortas/0003_201703S28C1995.htm [Consulta: 29-08-2017].

304 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 305
A Rede de Hortas Municipais de Santiago de Compostela (Galiza) e as súas
Kylyan Marc Bisquert i Pérez implicacións para a Educación Ambiental

técnicas manexaban en relación a actual ou potencial, e que medi- novamente persoas usuarias. A 20 de setembro do 2016, en ho-
este equipamento e os seus usos, das se deberían adoptar para un información recabada foi final- rario de tarde), na que se per-
finalidades, impactos e potencia- desenvolvemento óptimo desta mente triangulada e tratada me- correron todos os espazos que
lidades. Así mesmo, interesaba dimensión da experiencia? diante unha análise intepretativa compoñen actualmente a Rede
especialmente afondar dun xeito Con todo, o que se pretendía do discurso, sistematizada me- Municipal de Hortas Urbanas na
máis específico nas implicacións era coñecer en que medida esta diante programario informático busca de participantes que acce-
socioeducativas desta experien- iniciativa, alén de medrar cuan- específicamente orientado á aná- desen a seren entrevistadas. A
cia de agricultura urbana, en es- titativamente en disposición de lise cualitativa de datos. ordre de visita dos espazos res-
pecial no tocante á Educación espazos e número de usuarias, En canto ás entrevistas ás par- pondeu ao imperativo xeográfico
Ambiental, á promoción dun mo- tiña avanzado na adopción dunha ticipantes, fíxose uso dunha mos- de desprazamento entre estes: a)
delo de alimentación sustentab- dimensión socioeducativa propia traxe de tipo accidental, recompi- Fontiñas-Cotaredo; b) Almáciga;
le e á reconexión das habitantes dirixida tanto ás participantes da lando un total de oito aplicacións c) Caramoniña; d) Belvís de Abai-
dos contextos urbanos coas tra- experiencia como á cidadanía en a usuarias que se encontraban xo; e) Belvís de Arriba; f) Brañas
dicións agrarias como xeitos de xeral, e que camiño que quedaba facendo uso das instalacións no de Sar. A composición da mostra
avanzar cara a consolidación du- aínda por percorrer e mediante momento de realización do tra- resultante exponse na seguinte
nha cultura da sustentabilidade o uso de que estratexias, sempre ballo de campo. Este tivo lugar táboa (Táboa 1).
entre a poboación urbana. dende o punto de vista de aná- nunha mesma xornada (martes Nótese que no primeiro espazo
Así pois, a finalidade deste tra- lise do referente dunha Educa-
ballo concretábase en dar respos- ción Ambiental entendida como
ta as seguintes preguntas: práctica social crítica (Caride e
• Cales son as concepcións Meira, 2001) e orientada polo
actuais das hortas urbanas ma- tanto á transformación social e á
nexadas por parte das usuarias e promoción da cultura da susten-
responsables da Rede Municipal tabilidade como novo paradigma
de Compostela? de configuración das sociedades
• Que implicacións perci- humanas.
ben que teñen na vida cotiá das
participantes e na da súa contor- Metodoloxía
Táboa 1 : Composición da mostra das entrevistas semiestruturadas a
na social inmediata? No plano metodolóxico, optou- participantes.
• Que contribucións enten- se por un deseño de corte cualita-
den que esta experiencia achega tivo baseado na realización dunha visitado (Fontiñas-Cotaredo) non que non comprometía o deseño
á cidade que as acolle? serie de entrevistas semiestrutu- se rexistrou ningunha entrevista, metodolóxico, e tendo en consi-
• Cal consideran que é esta- radas a persoas usuarias das hor- debido a ausencia total de partici- deración ademais o seu interese
do actual do proxecto e como se tas municipais, así como a aquelas pantes no momento da visita. De para o propósito secundario das
podería mellorar? consideradas responsables direc- igual xeito, cómpre indicar que entrevistas, indicado máis adian-
• E por último, que implica- tas desta inciativa consistorial, unha das entrevistas foi realizada te.
cións socioeducativas perciben complementadas posteriormente simultáneamente a dúas persoas Polo que fai ás entrevistas ás
asociadas a esta iniciativa de agri- polo desenvolvemento dun grupo por petición expresa das mesmas, responsables técnicas e políticas
cultura urbana, ben sexa de xeito de discusión no que participaron ao cal se accedeu por entender do proxecto, que tiveron lugar

306 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 307
A Rede de Hortas Municipais de Santiago de Compostela (Galiza) e as súas
Kylyan Marc Bisquert i Pérez implicacións para a Educación Ambiental

durante os meses de outubro e por unha perspectiva máis analí- de Pedagoxía e Educación Social te, contouse coa participación
novembro de 2016, solicitouse tica acerca da experiencia, a súa da Universidade de Santiago de de cinco usuarias, tres varóns e
a participación no estudo a tres relevancia e incidencia na cidade Compostela dentro do desenvol- dúas mulleres, con representa-
persoas que, polo seu desempeño a distintos niveis, sobre as súas vemento da materia Educación ción dos espazos de Brañas de
profesional ou polo seu cargo ac- contribucións no plano da sus- Ambiental e Cultura da Sustenta- Sar, Belvís de Abaixo, Almáciga e
tual ou pasado no goberno mu- tentabilidade urbana, en especial bilidade. Para a grabación e mon- Caramoniña. Mediante esta técni-
nicipal, gardan unha directa re- no tocante aos hábitos alimen- taxe do vídeo contouse coa ines- ca buscouse dotar ao estudo dun
lación co proxecto municipal de tarios da cidadanía, e acerca das timable colaboración de Hadrián enfoque máis crítico e propositi-
hortas urbanas: funcións educativas, con especial Rei, cuxas achegas artísticas e vo, así como máis centrado nas
• Irene López Franco, Guía atención ás especificamente pro- técnicas fixeron posible a realiza- implicacións socioeducativas do
Municipal de Zonas Verdes e Xar- pias da Educación Ambiental. ción deste audiovisual. proxecto, para complementar así
díns, técnica responsable da xes- É relevante sinalar que o rexis- Para o grupo de discusión, ce- a perspectiva máis descritiva das
tión do proxecto dende 2010. tro das entrevistas foi realizado lebrado meses despois da aplica- entrevistas semiestruturadas.
• Elvira Cienfuegos López, en formato audiovisual, empre- ción das entrevistas (mércores Tras unha breve introdución á di-
Ex-Concelleira de Medio Ambien- gando para tal fin dúas cámaras 31 de maio do 2017, de 18h a námica a seguir e de pedirlles ás
te e Desenvolvemento Sostible con función de vídeo, ademais 20h) nas instalacións do Centro participantes que expresasen en
(2007-2011), impulsora política dunha grabadora de son. Como de Interpretación de Parques e primeiro lugar a súa concepción
do deseño e desenvolvemento produto derivado, o material Xardíns de Santiago de Compos- persoal e subxectiva das hortas
inicial do proxecto. rexistrado nas entrevistas foi tela, equipamento de referencia urbanas, nunha primeira parte
• Xan Duro Fernández, ac- utilizado para a realización dun na xestión da Rede Municipal de da sesión abordáronse conxun-
tual Concelleiro de Medio Am- breve documental titulado «Hor- Hortas Urbanas, procedeuse a tamente cuestións vinculadas ás
biente, Convivencia e Informáti- tas Urbanas: a dimensión social» unha convocatoria aberta a todas implicacións socioeducativas do
ca, resposable político actual do (23 min.), co obxectivo de ser em- as persoas usuarias mediante un proxecto, como o estado actual
departamento do que depende o pregado con fins exclusivamente correo electrónico, enviado coa da oferta educativa e formativa
proxecto (Parques e Xardíns). académicos e pedagóxicos, alén mediación da técnica responsa- vinculada a este ou con que ini-
Para conseguir certa cohesión evidentemente do uso empírico ble da xestión do proxecto por ciativas educativas dirixidas ás
entre as achegas recollidas, fíxose dado neste estudo. Polo tanto, mor da política de protección de propias usuarias lles gustaría
uso de dous guións, un para cada non se prevé en caso algún a súa datos, no cal se lles convidaba contar, para deseguido conducir
un dos dous conxuntos de entre- edición ou publicación, detalle do a participar no estudo a través a conversa cara a proposición e
vistas, cunha breve batería de cal foran informadas as persoas deste método, explicando bre- valoración de posibles funcións
preguntas en cada un (6 no caso entrevistadas para evitar que se vemente a súa mecánica e fina- educativas das hortas dirixidas a
das usuarias e 8 no das responsa- cohibisen durante as entrevistas. lidade. Complementariamente, persoas alleas á experiencia, para
bles). Para o primeiro grupo, pú- Entre os usos que se lle deron ata durante os días previos volveu- terminar abordando de xeito crí-
xose o foco nas súas vivencias e o momento a este material, des- se a visitar os espazos de hortas tico o estado actual do proxecto
percepcións acerca dos impactos taca a súa proxeción no Centro para repartir entre as usuarias e posibles propostas de mellora.
que a experiencia como usuaria de Interpretación Ambiental de presentes o mesmo convite en Nunha segunda parte, proxectou-
das hortas ten na súa vida cotiá, Compostela dentro da programa- formato papel, co fin de evitar un se o devandito documental ba-
a nivel persoal pero tamén comu- ción do Foro Ler o Mundo Hoxe, e posible nesgo na mostra derivado seado nas entrevistas realizadas,
nitario. Para o segundo, optouse a súa presentación ao alumnado da fenda tecnolóxica. Finalmen- para a continuación comentalo e

308 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 309
A Rede de Hortas Municipais de Santiago de Compostela (Galiza) e as súas
Kylyan Marc Bisquert i Pérez implicacións para a Educación Ambiental

matizar algunhas cuestións abor- o programa informático de análi- Resultados xunto coas unidades de análise
dadas. Todo a discusión desen- se cualitativa Atlas.ti co fin de fa- Como resultado do proceso de baseadas nas fontes consultadas,
volvida durante o transcurso des- cilitar e axilizar a sistematización categorización e dunha primeira foron emerxendo de xeito induc-
ta técnica foi rexistrada mediante da información acumulada, me- análise cruzada do material em- tivo categorías en base ás unida-
grabadora de son. diante un proceso de categoriza- pírico recompilado (transcrip- des de análise definidas para dar
Finalmente, en concordancia ción e codificación e a posterior cións dos rexistros das entrevis- resposta ás cuestións planteadas
co enfoque cualitativo do estudo, análise. Para definiir categorías tas e do grupo de discusión), e neste estudo (Ver Táboa 2).
optouse por desenvolver unha optouse por unha estratexia mix-
análise semántica do discurso, ta na que se combinaron os enfo-
cun carácter eminentemente in- ques deductivo e inductivo, aínda
terpretativo ou social-hermenéu- que cun significativo predominio
tico (Alonso, 1998), entendendo deste último para favorecer a
o discurso como un proceso se- emerxencia e identificación dos
miótico, narrativo e contextuali- discursos particulares asociados
zado a unha situación específica a esta experiencia concreta de
de referencia (Lozano, Peña-Ma- agricultura urbana. Para o esta-
rín e Abril, 1997), neste caso a blecemento deductivo de catego-
Rede Municipal de Hortas Urba- rías recurriuse a estudos previos,
nas de Santiago de Compostela, como a recentemente defendida
os espazos concretos de hortas tese doctoral de Richter (2017)
que a compoñen e que á súa vez no tocante ás implicacións da ex-
se enmarcan dentro de contextos periencia para as persoas usua-
xeográficos e sociais determina- rias, concretamente no referido
Táboa 2: Relación de unidades de análise e categorías.
dos (parques e barrios, veciñan- ás motivacións predominantes de
zas e comunidades), e os suxeitos participación (p. 151-156) e aos
que a configuran dende a asun- beneficios e retornos desta nas É en base a estas que se es- sables manexan en relación a esta
ción de distintos roles dende os propias usuarias (161-167), así truturou a análise dos discursos en base á súa experiencia persoal.
que se pronuncian. Dadas as limi- como á inspiración de propostas vinculados a cada unha delas, or- Dende un plano estritamente
tacións temporais que acotaron de autoras cun maior percorrido ganizados á súa vez nunha ampla descritivo, destácase o carácter
este estudo, unicamente levouse no estudo da cuestión dende o gama de subcategorías, das que municipal do proxecto, indicán-
a cabo unha análise dos discursos campo do urbanismo, como Mo- aquí daremos conta das máis re- dose así mesmo a súa orientación
predominantes ou máis recur- rán (2010) no referente as contri- currentes ou relevantes. preferente a persoas maiores, o
rentes, sen prexuízo de futuras bucións deste tipo de espazos aos carácter temporal da cesión das
análises moito máis detalladas entornos urbanos actuais. Para Concepción das hortas urbanas parcelas e a súa gratuídade.
que resalten os discursos subxa- o inductivo, as categorías foron O primeiro paso tomado para En alusión ás súas funcións,
centes mais non por iso menos emerxendo e sendo identificadas acomenter a análise dunha inicia- destácase o rol desta iniciativa
relevantes. a partir do propio material de tiva como a que aquí nos ocupa, como fornecedora de espazos
A opción por dito enfoque ana- análise, é dicir, dos discursos das foi explorar as distintas concep- de socialización dentro da tra-
lítico non foi óbice para empregar persoas participantes no estudo. cións que participantes e respon- ma urbana. É tamén recorrente

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a mención á provisión de alimen- o abandono de propiedades.Por no e a alienación coa produción que en menor medida, cun certo
tos produto do traballo na parce- último destácase tamén que este dos alimentos que esta supón, aforro económico ao suplir des-
la, así como a que se trata dunha proxecto convertiuse nun modelo mais tamén hai unha importante te xeito necesidades que doutra
alternativa interesante de lecer. de referencia para outras cidades incidencia na procura dunha ali- maneira tiñan que ser satisfeitas
Por ultimo, aínda que menos pre- e vilas galegas, que emularon esta mentación máis saudable como completamente mediante com-
sente nos discursos analizados, experiencia con proxectos simila- motivo principal, a cal se busca pra. Neste sentido, faise referen-
alúdese a certa función educativa res. conseguir mediante a produción cia tamén ao mantemento de cer-
delimitada ás aprendizaxes de- directa de alimentos. A vontade ta actividade física que implica o
rivadas da participación no pro- Implicacións persoais de manter un estilo de vida activo coidado da horta e que permite
xecto. En canto ao tipo de activi- Nun plano máis persoal rela- mediante a practica dunha activi- combatir o sedentarismo e os
dade desempeñada polas persoas cionado coa vivencia da experien- dade física moderada, a busca de seus efectos negativos, valorán-
usuarias, valórase especialmente cia como participante do proxec- alternativas de ocio ou dun maior dase igualmente que estes espa-
que no desenvolvemento da mes- to municipal de hortas urbanas, contacto coa natureza foron moti- zos posibilitan un xeito de lecer
ma se poda gozar de certo con- analizáronse os discursos á luz vacións tamén expresadas de xei- satisfactorio, tanto polo propio
tacto coa natureza. Menciónase das categorías usadas por Richter to recorrente. É tamén destacable proceso como polo sentimento
tamén que se trata dunha activi- (2017) na súa tese e que máis se unha motivación máis emocional de realización que achega a con-
dade saudable, relaxante e moi acomodaban ás cuestións de inte- vinculada a sentimentos de nos- secución duns produtos froito da
adecuada para ser realizada en rese deste estudo: as motivacións talxia relativos á orixe rural por actividade desenvolvida, e cun
familia. De entre as finalidades, das persoas entrevistadas para parte dalgunhas usuarias, coa cal contacto coa natureza maior que
destácase por riba de todo a re- ser partícipes deste proxecto, por buscan reconectar en certa medi- no resto de oferta lúdica dispoñi-
cuperación dunha tradición agra- unha banda, e os beneficios e re- da a través da práctica hortícola. ble nun contexto urbano. Por úl-
ria aínda moi presente e aprecia- tornos persoais que perciben da Outras motivacións indicadas, timo, valóranse tamén as apren-
da no imaxinario colectivo das propia participación, pola outra. aínda que dun xeito máis mino- dizaxes acadadas en relación á
persoas participantes no estudo, Porén, inductivamente apare- ritario, foron a procura dun xeito práctica da agricultura, en espe-
mais tamén se incide na diver- ceron outras subcategorías que de lecer apropiado para practicar cial no referido aos manexos eco-
sificación dos espazos urbanos trascendían esta clasificación e en familia, a busca da recreación lóxicos, así como a emerxencia de
que supón a instalación das hor- que foron agrupadas nun terceira estética mediante o coidado du- certo vínculo emocional co espa-
tas urbanas nas zonas verdes da grupo. nha parcela ou motivos cun ca- zo e coa iniciativa.
cidade, así como a promoción da Así, polo que fai ás motiva- rácter explícitamente ideolóxico Entre outras implicacións
agricultura exolóxica á que esta cións, destaca principalmente vinculados ao ecoloxismo. emerxidas dos discursos das per-
experiencia se orienta. Dun xeito a busca dunha actividade que Entre os beneficios e retornos soas participantes no estudo non
menos recorrente, saliéntase que permitise establecer relacións identificados, destacan mesma- clasificables dentro das catego-
dita instalación supuxo nalgúns sociais en torno a un interese mente as relacións sociais que se rías establecidas de xeito deducti-
casos, como no da Caramoniña común, neste caso a agricultura establecen entre as participantes, vo en base ao traballo de Richter,
ou no da Almáciga, a rehabilita- urbana. Saliéntase así mesmo a entre as que se inclúe compartir detaca a mellora das relacións
ción de zonas degradadas a causa vontade de recuperar o víncu- recursos e produtos, así como a veciñais, é dicir, entre as usua-
do desenvolvemento desigual da lo persoal coa tradición agraria, posibilidade dun maior autocon- rias das hortas e a veciñanza que
trama urbana compostelá, mais perdida en grande medida pola sumo de alimentos producidos habita nas áreas circundantes a
tamén polo consumo de drogas e adopción dun estilo de vida urba- na horta, o cal se relaciona, aínda cada espazo. Saliéntase tamén

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que esta iniciativa permitiu a de do ecosistema urbano, pois a escala máis humana, destácase a tamén co resto da veciñanza, fa-
aparición de relacións interxe- instalación de hortas dentro do rexeneración dos espazos urba- vorecendo a integración interxe-
neracionais que doutro xeito se- entramado da cidade é percibido nos, volvéndoos máis habitables racional, o convivio, o sentimento
ría máis difícil que tiveran lugar, como un xeito de diversificar os e agradables, achegándolles valor de indentidade e os procesos de
pois permite compartir espazo e usos das zonas verdes xa existen- estético e ampliando a oferta lú- inclusión, chegando a ser unha
actividade entre persoas de moi tes e de rexenerar espazos degra- dica e de espazos alternativos de causa de fixación de poboación
distintas idades. Por outra ban- dados, incorporando unha maior socialización cun maior contacto nos barrios onde se localizan.
da, valórase que a participación diversidade de especies vexetais, coa natureza, e propiciando así Non obstante, tense percibido
neste proxecto permite dispoñer as cales permiten a recuperación mesmo unha maior apropiación que tamén poden ser obxecto de
dun lugar de relaxació e de desco- da fauna asociada, facendo mes- dos espazos baseada no fomento certas tensións, que se materiali-
nexión da rutina, chegándoselle a mo de corredores biolóxicos e de da participación nas zonas públi- zan na aparición dalgún conflito
atribuir beneficios terapéuticos espazos para a recuperación da cas e no vínculo emocional que se con outros colectivos do barrio
neste sentido. Finalmente, apré- biodiversidade no seo dos entor- establece a través da xestión du- e na aparición marxinal de hos-
ciase a posibilidade de acceder a nos urbanos. A segunda agrupa nha parcela. Neste sentido, recól- tilidades cara as hortas e as súas
través da práctica da agricultura as achegas das hortas a un maior lense tamén contribucións perci- usuarias, como son a expresión de
urbana a alimentos dunha calida- equilibrio do metabolismo urba- bidas en relación ao benestar e envexas e reproches, a aparición
de que é difícil atopar nos medios no, debido a que poden chegar a calidade de vida da cidadanía, de residuos derivados do consu-
convencionais de distribución. a permitir certa redución na de- entendéndose que as experiencia mo nocturno de alcohol e outras
manda de alimentos importados de hortas urbanas propician es- sustancias nas instalacións ou o
Contribucións ao contexto ur- que son substituídos polo au- tilos de vida saudables, tanto no dano e roubo de colleita, material
bano toconsumo, unha disiminución relativo á alimentación como no e equipamentos.
En relación aos impactos ou tamén na emisión de resíduos de- mantemento da actividade física, Con todo, enténdese que a tra-
implicación que a existencia des- bido a dita redución e ao fomento mediante actividades de lecer re- zos xerais a presenza das hortas
ta experiencia de hortas urbanas do produto fresco non envasado, laxantes e satisfactorias, e cun ca- contribúe a unha rexeneración
ten para a cidade que as alberga, mais tamén porque se traballan rácter familiar e interxeracional, urbana integral, que tamén é per-
estruturouse a análise en torno cuestións relativas a xestión dos aspectos especialmente relevan- cibida a través da reconexión do
a categorías inspiradas nas pro- resíduos urbanos, a través por tes no caso das persoas maiores, contexto urbano coa tradición
postas de Morán (2010) á hora de exemplo da compostaxe de restos que ademais atopan unha moti- agraria, vinculada a elementos
atribuir contribucións que a pre- orgánicos. A isto se engade unha vación extra ao sentir que conser- apreciados da identidade cultu-
senza da agricultura urbana ten maior presenza da agricultura van unha función social relevante ral galega, así como na boa acol-
para as cidades contemporáneas. ecolóxica na cidade, que se mate- e apreciada. lida que este proxecto municipal
En primeiro lugar, indícanse rializa na formación nos manexos Especial interese gardan as recibiu por parte da cidadanía e
algunhas contribucións expli- en finca asociados entre as usua- contribucións percibidas en prol que está a permitir a súa rápida
citadas polas participantes do rias e nunha promoción desta op- do desenvolvemento comunita- expansión e polo tanto incremen-
estudo en relación á mellora da ción alimentaria entre a cidada- rio, pois percíbese dun xeito xe- to da súa presenza e impacto na
sustentabilidade urbana, catego- nía en xeral. ralizado as hortas como espazos cidade.
ría organizada á súa vez en dúas A continuación, entre as contri- de socialización que permiten
subcategorías. A primeira delas bucións das hortas urbanas para incrementar e fortalecer rela- Estado do proxecto
é a melloría da sustentabilida- configuración da cidade a unha cións sociais entre usuarias, pero Unha das motivacións prin-

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cipais á hora de empreder este todas as parcelas. A nivel xeral, se indica que non existe unha di- concedidas a título particular,
estudo era coñecer a situación demándase que todas e usuarias námica permanente de traballo pero que reflexan en parte a her-
actual do proxecto despois da conten cuns equipamentos e ser- coas usuarias nin un programa de danza dunha tradición agraria
significativa evolución que este vizos mínimos en igualdade de actividades que doten ao proxec- galega baseada no minifundismo.
experimentou dende 2013. Se condicións, independentemente to de maior contido que a mera Isto dificulta en grande medida
ben era posible basearse nas in- do espazo no que se localice a concesión de parcelas. Outro a aparición de dinámicas de or-
formacións aparecidas en distin- parcela que traballan. Por outra asunto que preocupa xeralmen- ganización e colaboración máis
tos medios ou nos comunicados banda, hai certo sentimento xe- te ás usuarias é o da seguridade, estruturadas alén do intercambio
oficiais emitidos polo Concello, ralizado de desamparo entre as debido ao reiterado sufrimento de saberes, sementes, ferramen-
interesaba explorar cunha maior participantes, tanto por parte do de roubos de ferramentas e pro- tas e produtos, que incluso non
profundidade a percepción que Concello como da empresa con- dutos da horta, polo que en certa se dan necesariamente sempre.
as persoas que participan direc- cesionaria encargada da xestión medida se tende a valorar mellor Isto provoca, entre outras causas,
tamente desta experiencia tiñan do proxecto e dos espazos que neste sentido os espazos cuxo re- unha falta de articulación e de
acerca desta cuestión. Como é compoñen a Rede. Neste sentido, cinto permanece pechado fóra do iniciativa por parte das usuarias,
lóxico, nesta unidade de análi- laméntase que hai un mantemen- horario de actividade, como é o o que impide a emerxencia dunha
se o proceso de categorización to insuficiente das instalacións, caso da Caramoniña. Por último, maior autoxestión dos espazos
foi completamente inductivo, que se percibe, por exemplo, no bótase en falta dun xeito explícito ante as eivas de xestión por parte
resultando unha organización deterioro de paneis informativos a existencia dunha maior oferta das responsables anteriormen-
das mesmas en catro categorías e outros equipamentos ou nun educativa destinada ás usuarias, te indicadas. Por outra banda,
principais, dúas de carácter críti- coidado de sendeiros e outros es- pois perciben certas carencias e indícase que adoitan a ter lugar
co, coa xestión do proxecto mais pazos comúns ás veces deficitario lagoas nos coñecementos e des- incumprimentos das ordenanzas
tamén coa mesma participación ou que mesmo ten que ser aten- trezas agrícolas necesarias para que regulan o funcionamento das
das usuarias, e dúas cun carácter dido polas propias usuarias, can- optimizar o cultivo da horta, es- hortas e as condicións do seu uso,
máis propositivo, en clave de de- do isto non entra a priori dentro pecialmente mediante manexos especialmente na obriga de prac-
mandas de mellora pero tamén das súas responsabilidades. Todo ecolóxicos. ticar manexos ecolóxicos libres
coa expresión de vontades de isto, sumado ao abandono de par- Por outra banda, as usuarias de agrotóxicos, especialmente
cambio no rol desempeñado po- celas por parte dalgunhas usua- participantes neste estudo fixe- entre as usuarias de maior idade.
las propias participantes. rias, propicia unha atmosfera de ron tamén gala dun gran sentido Tamén se lamenta a entrada de
Así, no primeiro plano, entre as decadencia que provoca certo de- da autocrítica, pois na súa análi- animais domésticos (cans e ga-
críticas á xestión actual do proxec- sánimo entre as participantes e a se da situación actual do proxec- tos principalmente) nos espazos
to saliéntanse algunhas carencias que consideran unha mala imaxe to non se abstiveron de sinalar de hortas, moitas veces introdu-
e desequilibrios na disposición de cara o resto da cidadanía. Outro algúns defectos pola súa parte cidos polas propias usuarias, o
equipamentos nos espazos, con- aspecto no que se observa dita en tanto que actores involucra- que eventualmente provoca cer-
cretamente na disposición de al- desatención é na carencia dun dos no proxecto. Así pois, un dos tos problemas, como a presenza
macéns suficientemente grandes acompañamento máis próximo elementos máis salientados foi de excrementos ou a remexedura
e seguros para gardar ferramen- e continuado por parte das res- o individualismo imperante na das terras de cultivo. En último
tas e apeiros, e na dispoñibilida- ponsables do proxecto, pois máis relación das usuarias co espazo, lugar, unha queixa común ten
de de contedores de compostaxe alá dunha primeira toma de con- acentuado polo formato de dis- que ver co abandono ou desleixo
e tomas de auga suficiente para tacto e algunha actividade illada, tribución das hortas en parcelas dalgunhas parcelas, que quedan

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durante meses ou mesmo duran- reivindicación especialmente de vontades por parte das parti- lación no recinto dun servizo de
te todo o ano sen ser traballadas, alentada polo anuncio do Concel- cipantes en relación á súa actua- aseos, vestiarios e almacén para
cos agravios que isto implica tan- lo de apertura dun novo espazo de ción como tales. Primeiro, existe gardar ferramentas dun xeito se-
to para as usuarias, pola imaxe de hortas ao redor da Ruela de San certa intención, aínda que con al- guro, a normalización do servizo
decadencia, a perda de valor esté- Clemente, moi próxima ao Pazo gunhas reservas sobre a súa via- de recollida de resíduos no es-
tico dos espazos e por ser un foco de Raxoi, sede do Concello, no que bilidade entre algunhas partici- pazo, o cumprimento efectivo do
de pragas e outras ameazas para se anticipa se esixirá un especial pantes no estudo, de emprender peche do recinto nos horarios es-
os cultivos, como para as persoas decoro no coidado das parcelas3, unha proceso de organización e tablecidos segundo tempada e da
que permanecen na lista de agar- o cal provoca certo malestar dada mobilización entre as usuarias normativa no referente ao aban-
da para a concesión dunha parce- a escasa resposta ao abandono dos diferentes espazos da rede, dono de parcelas. Sinálase no tex-
la. destas noutros espazos. Neste co fin de crear un movemento to que simplemente se demanda
Xa nun plano propositivo, a sentido, proponse que se proce- de agricultores urbanos, chegan- que se cumpran as ordenanzas e
modo de demandas ou propostas da á reasignacións das parcelas do incluso a poderse constituir as previsións do proxecto no que
de mellora, pídese unha maior claramente abandonadas co fin eventualmente como asociación, a dotación de servizos se refire.
implicación do Concello no pro- de evitar os prexuizos antes indi- coa finalidade de defender os Solicítase así mesmo unha posta
xecto que vaia máis alá de abrir cados e facilitar a súa concesión a seus dereitos en tanto que usua- ao día no mantemento das insta-
novos espazos, así como a apertu- novas usuarias. En último termo, rios dun servizo público, mais lacións, tanto en mobiliario como
ra de canles de comunicación di- como requisitos básicos para a tamén para desenvolver diná- infraestrutura, pois existe un im-
recta coa Concellería competente mellora e evolución cualitativa do micas dunha maior autoxestión portante deterioro destas que in-
(Medio Ambiente, Convivencia e proxecto, demándase que se esta- da súa actividade e contribuir cluso entraña certo perigo para
Informática) non necesariamente blezan e implementen procesos así mesmo dunha manera activa usuarias e visitantes. Por último
mediada pola empresa concesio- de avaliación e supervisión, co fin á promoción da agricultura ur- se engade como anexo algunhas
naria da xestión do proxecto, pos- de poder dar resposta ás caren- bana, a agricultura ecolóxica e a demandas adicionais das usua-
to que en definitiva se trata dun cias ou anomalías que se detec- adopción de estilos de vida máis rias asinantes, nas que se inclúen
servizo de carácter municipal. ten no desenvolvemento óptimo sustentables en xeral entre o con- a reposición de lindes e marcos
Así mesmo, demándase tamén da experiencia, mais tamén de xunta da cidadanía. entre parcelas, desvanecidas co
unha mellora na comunicación e acompañamento, para dinamizar Neste sentido, cómpre indicar paso do tempo, o suministro de
o trato por parte da responsable a participación das usuarias dun que, coincidindo no tempo coa compost en igualdade de con-
da xestión, pois síntese que non é xeito máis colectivo e atender ás celebración do grupo de discu- dicións que noutros espazos da
todo o correcto e fluído que cabe- súas necesidades formativas, así sión, tívose coñecemento da di- Rede e a oferta de formación in
ría esperar, o que en parte tamén como poder chegar a aproveitar namización nun dos espazos que situ en técnicas vinculadas a agri-
orixina a devandita sensación de mellor o potencial socioeducativo compoñen a Rede dun proceso de cultura ecolóxica (compostaxe,
desamparo. Doutra banda, reclá- das instalacións de cara ao resto recollida de sinaturas de usuarias control de pragas, etc.). Suxírese
mase a aplicación dunha política da cidadanía. para apoiar un texto dirixido ao ademais o aproveitamento con
de igualdade de dereitos e servi- Finalmente, en base a esta Concelleiro de Medio Ambiente, fins pedagóxicos en colaboración
zos accesibles entre o conxunto análise do estado do proxecto, Convivencia e Informática, Xan con asociacións ou escolas das
de usuarias e espazos da Rede, apareceron algunhas expresións Duro Fernández, no cal se recol- abundantes parcelas abandona-
lían unha serie de solicitudes das mentres non sexan readxudi-
3Ver nota 1. entre as que se incluían a insta- cadas a novas demandantes, pois

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están a supoñer un problema interese por parte das participan- cidadanía, mentres que dentro especial ao exemplo que moitas
cada vez máis extendido e que da tes, ben sexa en relación á forma- das primeiras distinguiuse es- das súas prácticas supoñen tan-
lugar a distintos agravios e irre- ción xa ofertada ou á que poten- pecialmente ás persoas maiores to para o resto de usuarias como
gularidades, chegando incluso a cialmente se podería desenvolver ao considerarse un colectivo con para a cidadanía en xeral e a po-
provocar novos abandonos de- dentro do marco desta iniciativa necesidades e potencialidades boación infantil ou escolar en
bido ao desánimo que, xunto cos de hortas urbanas, destacan prin- educativas diferenciadas, den- particular. En relación a esta últi-
sucesivos roubos, provoca a ante- cipalmente as cuestións máis tro dunha lóxica interxeracional. ma, salientouse a posiblidade de
dita sensación de decadencia. directamente vinculadas á for- Por último, o público infantil ou recibir as súas visitas nos espazos
mación en agricultura ecolóxica, escolar foi o colectivo alleo á ini- de hortas, sendo esta unha ini-
Implicacións socioeducativas como poden ser as técnicas de ciativa no que se fixo unha maior ciativa relativamente recurrente
Finalmente, para acometer xa fertilización e compostaxe, o con- incidencia á hora de salientar á dende o comezo do proxecto e
directamente o principal propó- trol de pragas e as implicacións existencia ou a potencialidade de anteriormente tamén vinculada
sito deste traballo fíxose espe- do uso de pesticidas e as súas propostas socioeducativas vincu- ao extinto Programa Municipal
cial fincapé, tanto mediante as alternativas, ou as técnicas de ladas ao proxecto. de Educación Ambiental4. A tra-
entrevistas como do grupo de cultivo máis eficientes ao tempo En canto aos formatos, estes vés deste formato as usuarias
discusión, nas actuais e poten- que respectuosas co medio e coa fóronse indicando en relación a poden compartir os coñecemen-
ciais implicacións socioeducati- saúde humana. Interesa tamén cada colectivo destinatario, alén tos adquiridos mediante a súa
vas vinculadas á Rede Municipal profundar en nocións máis xerais dalgúns que se expresaron cun experiencia nas hortas munici-
de Hortas Urbanas, en tanto que de agricultura, como as tempadas carácter máis xeral. Así, en re- pais, mais tamén se sinala a po-
conxunto de equipamentos pero de cultivo, as variedades autócto- lación ás usuarias de maior ida- sibilidade doutros formatos que
tamén como proxecto municipal nas ou as especies aromáticas e de remarcouse a necesidade de xa están a funcionar con maior ou
que trascende a mera disposición mediciñais. Hai certa sensibilida- reorientar prácticas incorrectas menor consistencia, como son as
de parcelas. Así entón, no caso de tamén cara a temas de índole ou que contraveñen a obriga de hortas nas escolas ou a reserva
desta unidade de análise fíxose máis sociocomunitaria, como o prácticar a agricultura ecolóxi- de parcelas para uso das escolas
uso tamén de categorías induc- fomento da cooperación, do res- ca, excluindo polo tanto o uso de próximas aos espazos da Rede,
tivas para agrupar as diferentes pecto entre distintos colectivos – agrotóxicos (abonos, pesticidas, como no caso da Almáciga ou das
cuestións que foron emerxendo, dentro das usuarias e do resto da etc.), mediante formacións que Brañas do Sar. Neste último for-
organizándose segundo tiveran cidadanía- e de hábitos cívicos. evidencien a viabilidade de mé- mato incídese na importancia da
relación coa temática, destinata- Por último, tamén se salientou a todos alternativos (compostaxe, implicación do mestrado e das
rias ou formato das distintas ini- pertinenza das hortas urbanas asociacións de especies, acolcha- familias das nenas e nenos no de-
ciativas educativas existentes ou para traballar temas propios das dos vexetais, bancais, etc.), aínda senvolvemento da actividade. Do
posibles, coas limitacións iden- disciplinas da Ecoloxía, o Pai- que tamén se destacou o valor da mesmo xeito, cara á cidadanía en
tificadas que impiden ou dificul- saxismo ou a Edafoloxía, así como transmisión interxeracional da xeral, saliéntase tamén o formato
tan o desenvolvemento dunha cuestións de alimentación e sus- súa experiencia, pois é a que per- das visitas aos espazos e o exem-
dimensión socioeducativa máis tentabilidade urbana. mite a recuperación da tradición plo que ofrecen as usuarias coa
complexa e estruturada ou con Polo que fai a identificación agrícola. Dáselle tamén un valor súa práctica, cos consecuentes e
propostas que a poderían permi- dos posibles colectivos destina-
tir, promover e sustentar. tarios desta oferta, discriminouse 4http://santiagodecompostela.gal/medi/departamento/atencion_cidadan/EDUCACION/
Ao respecto das temáticas de entre persoas usuarias e resto da Programa_de_Educacion_Ambiental/Presentacion1.pdf [Consulta: 30-08-2017].

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visibles resultados produtivos, nos últimos meses tivo lugar al- Así mesmo, sinálase que o propio le unha contribución maior des-
ao que se engade a posibilidade gunha actividade illada, está moi modelo de xestión establecido, te colectivo á construción dunha
da reserva de parcelas para aso- lonxe de ser aproveitada do xei- baseado na concesión dun servi- dimensión socioeducativa poten-
ciacións veciñais, malia que aín- to previsto polo proxecto inicial. zo público a unha empresa pri- te. Por outra banda, sinálase que
da queda pendente traballar en Formatos que se indican como in- vada, non é o máis axeitado para existe certa resistencia ao cambio
reforzar o vínculo da Rede con teresantes a desenvolver irían na administrar un proxecto destas ou a adoptar novas propostas re-
outras iniciativas sociais com- liña da capacitación técnica sobre características, e menos se se lle lativas ao manexo produtivo, así
postelás, reto do cal se resalta o terreo, nos distintos espazos de quere dotar dunha vertente so- como unha carencia de hábito
seu interese e potencial. Outro hortas. E finalmente, cun carácter cioeducativa sólida e orientada á de acceso á formación, especial-
formato proposto nesta liña se- máis xeral se indica a presenza de transformación social, pois esta mente entre as usuarias de maior
ría desenvolver algún tipo de es- paneis interpretativos nos espa- vocación non entra dentro do idade. Tamén se indica que as dú-
cola-taller de xardinería ou agri- zos de hortas e se propón como conxunto de intereses últimos bidas que moitas usuarias teñen
cultura orientado á mocidade en formato interesante a desenvol- dunha empresa enfocada a fins acerca dos métodos e técnicas
situación de desemprego. De cara ver a celebración de xornadas lucrativos. Hai certo consenso en de agricultura ecolóxica máis efi-
ás usuarias en xeral, entre os for- temáticas de distintas índole que atribuír a esta causa á xa sinalada cientes cohíbelles de asumir un
matos xa existentes destácanse contribúan a dinamizar a partici- carencia de oferta educativa, deri- papel máis activo na sensibiliza-
os de carácter informal, como a pación e a cohesión das usuarias vada dunha poliítica educativa es- ción doutras usuarias neste sen-
aprendizaxe colectiva e os inter- da Rede. casa e pouco definida, carente du- tido. Por último, unha limitación
cambios (sementes, receitas, etc.) En relación ás limitacións que nha planificación, xestión e moito común a ambas partes e que se
que teñen lugar entre participan- impiden ou dificultan o desen- menos avaliación serias desta di- identifica tamén como causa do
tes, a experimentación mediante volvemento da dimensión so- mensión socioeducativa da Rede. freo ao desenvolvemento do po-
a lóxica do ensaio-erro e a auto- cioeducativa desta experiencia Polo que fai ás limitacións colec- tencial socioeducativo da Rede
formación, principalmente a tra- de agricultura urbana, identifi- tivas das usuarias, vóltase a inci- son os problemas de comunica-
vés de Internet. Cun carácter máis cáronse elementos cun carácter dir na barreira que supón o forte ción existentes entre usuarias e
formal, menciónase a celebra- máis estrutural, atribuíbles ao individualismo que caracteriza a responsables.
ción dalgunha palestra, percibi- propio funcionamento do pro- participación de moitas delas das En derradeiro lugar, achegá-
da como insuficiente, mentres se xecto, por unha banda, e factores hortas, traducido nunha preocu- ronse algunhas propostas que
aprecia a existencia dunha horta que dependen máis directamente pación exclusiva polas respecti- podrían funcionar como facili-
de referencia nas hortas de Bel- das usuarias das hortas como co- vas parcela e nula polos asuntos tadoras do desenvolvemento de
vís de Abaixo, excepcionalmente lectivo, pola outra. En canto aos comúns. Relacionado con isto, iniciativas socioeducativas, po-
adxudicada dun xeito permanen- primeiros, redúndase na escasa reitérease que, por múltiples ra- déndose distinguir segundo se
te a un dos usuarios de maior ida- atención por parte do Concello zóns, hai moi pouca iniciativa por orienten á toma de medidas por
de da Rede, o señor Eduardo, que máis alá da xestión para a aper- parte das usuarias á hora de asu- parte das responsables do pro-
xa traballaba ese terreo antes de tura de novos espazos de hortas, mir un rol máis activo dentro da xecto, á asunción de compromi-
existir o proxecto municipal. Nes- pero tamén na insuficiente impli- Rede, o que, xunto coa dificultade sos por parte das usuarias ou se
ta mesma liña, laméntase o esca- cación da empresa concesionaria intrínseca dos procesos asem- poñen o foco na comunicación e
so aproveitamento educativo da da xestión do proxecto á hora de blearios, entorpece a emerxencia colaboración entre ambos colec-
horta experimental, que se ben desenvolver dita dimensión máis dunha maior articulación entre tivos. No primeiro caso, destá-
nos primeiros anos funcionou e alá dalgunhas accións puntuais. estas, mediante a cal sería posib- case de novo a demanda dunha

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A Rede de Hortas Municipais de Santiago de Compostela (Galiza) e as súas
Kylyan Marc Bisquert i Pérez implicacións para a Educación Ambiental

maior implicación do Concello No segundo caso, indícase que traer algunhas conclusións rele- solícitase maior implicación por
no desenvolvemento da oferta por parte das persoas usuarias vantes para o caso que aquí nos parte das persoas e institucións
educativa vinculada ao proxecto, tamén se pode contribuír sig- ocupa, algunhas das cales tamén responsables, unha mellora das
en tanto que, malia que a xestión nificativamente a enriquecer as poderían ser empregadas como relacións e a comunicación entre
estea concertada cunha empre- implicacións socioeducativas da referencia en iniciativas similares as partes involucradas, e unha
sa privada, continúa tratándose Rede, pero isto ten que pasar ne- de agricultura urbana, salvando planificación e posta en práctica
dun servizo municipal con voca- cesariamente por unha maior ar- sempre as diferencias. de procesos de acompañamento,
ción pública. Así mesmo, sinála- ticulación e mobilización destas Primeiro, pódese afirmar que supervisión e avaliación, espe-
se o interese que tería vincular e, polo tanto, dunha maior proac- se ben o proxecto experimentou cialmente no que ao desenvolve-
esta Rede con outras iniciativas tividade e compromiso para co un claro crecemento cuantitativo mento da dimensión socioeduca-
municipais afíns e que están a proxecto máis alá do goce parti- no que a número de espazos, par- tiva do proxecto se refire.
funcionar de xeito exitoso, como cular da parcela temporalmente celas e usuarias participantes se Terceiro, detectouse certa
a campaña de instalación de com- concedida. En canto ao terceiro refire, e mesmo segue con esta di- vontade por parte dalgunhas das
posteiros individuais5. Por outra aspecto, enténdese necesaria a námica coa previsión de apertura usuarias participantes do estudo
banda, suxírese á responsable mellora na relación entre todas as de novos espazos noutras zonas de dotarse dunha maior articula-
técnica do proxecto un maior partes involucradas, destacándo- da cidade, non tivo un proceso ción como colectivo, dentro dos
esforzo en materia de planifica- se o establecemente de canles de similar no plano cualtitativo, pois distintos espazos de hortas e a ni-
ción educativa, apostando pola comunicación directa co Concello non se profundizou na dotación vel do conxunto da Rede, que per-
descentralización da oferta para en tanto que responsable último de servizos nin se optimizou a mita a defensa dos seus dereitos
achegala aos espazos de hortas do desenvolvemento do proxecto. xestión, chegándose incluso a su- como usuarias dun servizo pú-
e facilitar así a participación dun Por último, estímase oportuna e frir retrocesos ou deterioros por blico, pero tamén un maior pro-
maior número de usuarias, espe- desexable a creación dun equipo falta de mantemento segundo tagonismo no funcionamento do
cialmente daquelas que carecen educativo transdisciplinar válido se desprende das contribucións proxecto, contribuíndo á súa mel-
de hábito de acceso á formación. e comprometido que coordine dalgunhas das participantes do lora e ao desenvolvemento dunha
Incídese unha vez máis na ne- conxuntamente coas responsa- estudo. O mesmo ocorre no plano dimensión socioeducativa poten-
cesidade de adoptar procesos bles do proxecto a dimensión socioeducativo, pois se ben nos te, tanto a nivel interno como de
de avaliación, acompañamento socioeducativa da Rede, en base inicios do proxecto tratáronse cara ao resto da cidadanía. Porén,
e supervisión, tamén no plano a obxectivos consensuados entre de desenvolver iniciativas vincu- para isto precísase rachar con
das iniciativas socioeducativas todas as partes e cunha especial ladas ás hortas neste eido, esta algunhas dinámicas limitantes,
vinculadas ás hortas, ben estean atención ás necesidades formati- vontade non prosperou no de- estruturais e propias, e promo-
estas orientadas exclusivamente vas das usuarias. correr dos anos e esta dimensión ver entre o colectivo unha maior
ás usuarias ou abertas a outros foise reducindo cada vez máis á proactividade e compromiso co
colectivos, pois se entende que Conclusións mínima expresión. proxecto común, para o cal sería
este é o único xeito de mellorar En base aos resultados das Segundo, hai unha clara de- de gran axuda certo apoio a este
cualitativamente esta dimensión. análises efectuadas, pódense ex- manda dunha reorientación na proceso por parte das responsa-
xestión do proxecto, dentro das bles do proxecto.
marxes de maniobra que permi- En cuarto e último lugar, e
5 htt p : / /s a nt i a g o d e co m p o ste l a . ga l / fa c e n d o _ c i d a d e /a p a r ta d o . p h p ? t x t = fc _ te a súa configuración organiza- como proposta recollida na análi-
limpeza&ap=2&lg=gal [Consulta: 30-08-2017]. tiva actual. Así, a trazos xerais, se das achegas das participantes

324 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 325
A Rede de Hortas Municipais de Santiago de Compostela (Galiza) e as súas
Kylyan Marc Bisquert i Pérez implicacións para a Educación Ambiental

pero que asume completamente a poboación compostelá. Agora so. Hacia una semiótica de la cia de ocio emergente y fe-
o autor deste traballo como re- cómpre escribilo entre todas do interacción textual. Madrid, nómeno social en expansión
comendación, unha vez acadadas mellor xeito posible. Cátedra. [Tesis doctoral]. Bilbao, Uni-
as dimensións actuais do proxec- MORÁN ALONSO, Nerea (2010): versidad de Deusto
to no seu proceso de expansión Referencias bibliográficas “Agricultura urbana: un aporte
cuantitativa, revélase pertinen- ALONSO BENITO, Luís Enrique a la rehabilitación integral”, en
te e interesante como medio de (1998): La mirada cualitativa Papeles de relaciones ecoso-
mellora cualitativa, a formación en sociología. Madrid, Funda- ciales y cambio global, 111,
dunha equipa transdisciplinar mentos. 99-111. Recuperado de http://
válida e comprometida que se BISQUERT i PÉREZ, Kylyan www.fuhem.es/media/cdv/file/
encargue de coordinar e dinami- Marc (2013): As Hortas Mu- biblioteca/revista_papeles/111/
zar a dimensión socioeducativa nicipais de Belvís (Santiago agricultura_urbana_N._MORAN.
do proxecto, en estreita colabo- de Compostela): unha ex- pdf [Consulta: 23-08-17]
ración coas responsables políti- periencia de Educación Am- MORÁN ALONSO, Nerea; e
cas e técnicas, e que traballe en biental? Estudo do caso [Tra- HERNÁNDEZ AJA, Agustín
base a obxectivos consensuados ballo Fin de Grao]. Santiago (2011): “Historia de los huer-
por todas as partes involucradas, de Compostela, Repositorio tos urbanos. De los huertos
especialmente as usuarias como Minerva - Universidade de para pobres a los programas
protagonistas da experiencia, e Santiago de Compostela. Recu- de agricultura urbana ecoló-
mediante procesos de planifica- perado de http://hdl.handle. gica”, en Actas del I Congre-
ción, acompañamento e promo- net/10347/12825 [Consulta: so Estatal de Agricultura
ción da participación, mediación 23-08-17] Ecológica Urbana y Periur-
de posibles conflictos e para a CARIDE GÓMEZ, José Antonio; bana. Recuperado de http://
mellora da comunicación e unha e MEIRA CARTEA, Pablo Ángel oa.upm.es/12201/1/INVE_
avaliación rigurosa de todas as (2001): Educación Ambiental y MEM_2011_96634.pdf [Con-
iniciativas desenvolvidas. Desarrollo Humano. Barcelona, sulta: 07-08-17]
Ariel. NADAL FUENTES, Ana (2015):
En definitiva, tal como se rei- DUCHEMIN, Éric (Dir.) (2013): “Agricultura urbana en el marco de
terou por parte de varias partici- Agriculture urbaine: aména- un urbanismo sostenible”, en Eli-
pantes deste estudo, incluíndo o ger et nourrir la ville. Montré- sava Temes de Disseny, 31, 92-
actual Concelleiro de Medio Am- al, Vertigo. 103. Recuperado de http://www.
biente, Convivencia e Informáti- DURAND FOLCO, Jonhatan raco.cat/index.php/Temes/arti-
ca, a Rede Municipal de Hortas (2017): À nous la ville! Traité cle/view/299338/388832 [Con-
Urbanas de Santiago de Compos- de municipalisme. Montréal: sulta: 07-08-17]
tela son ante todo un libro aberto Écosociété. RICHTER ITURREGUI, Fernan-
por escribir, cun grande potencial LOZANO HERNÁNDEZ, Jor- do (2017): Los huertos urba-
socioeducativo e de transforma- ge; PEÑA-MARÍN, Cristina; nos y el cultivo de sí. La agri-
ción social para a propagación da e ABRIL CURTO, Gonzalo cultura urbana en España y
cultura da sustentabilidade entre (1997): Análisis del discur- el País Vasco como experien-

326 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 327
Foto: Giseli Dalla Nora

Murtosa, em Portugal Projeto Alimentar Mais Desperdiçando Menos: Instigando um


olhar sensível do jovem educando para a mitigação do desperdício
de alimentos

Marcelo Zaro

Resumo
O desperdício de alimentos passou a ser discutido com constância em razão da
necessidade de se erradicar a fome e de problemas ambientais. Nesse sentido, a
UFRGS CLN desenvolveu em escolas municipais de Caxias do Sul/RS, juntamente
com a Prefeitura Municipal, a UCS e o Instituto Pampeanos de Preservação Am-
biental, um projeto de educação ambiental com foco no combate ao desperdício
de alimentos. O projeto contemplou mais de 1.100 estudantes de 6º ao 9º ano do
ensino fundamental, contando com atividades extracurriculares propostas por um
grupo multidisciplinar. Como exemplo, pode ser citado o plantio de hortas nas es-
colas; a realização de seminários tratando da relação do desperdício de alimentos
com o meio ambiente; gincanas; e oficinas de compostagem e culinária. Para a
execução das ações, foram selecionadas pela prefeitura cinco escolas com situa-
ções de vulnerabilidade social. Do total de indicações das escolas, 84,7% sinali-
zam que os estudantes se mostraram satisfeitos com as atividades desenvolvidas
e 93,7% que os ministrantes foram esclarecedores durante as intervenções. Em
relação às informações de estudantes, 50,0% das indicações informam que foram
tomadas iniciativas em casa após o início do projeto na escola. Os resultados foram
considerados satisfatórios, havendo espaço para aperfeiçoamentos.

Palavras-chave: Educação ambiental; Desperdício de alimentos; Resíduos sólidos;


Alimentação saudável; Ensino fundamental.

Abstract
Food wastage has been fully debated due to the need to eradicate hunger and en-
vironmental problems. In this respect, UFRGS CLN developed in municipal schools
of Caxias do Sul/RS, supported by the City Hall, the University of Caxias do Sul and
the Pampeanos Institute of Environmental Preservation, an environmental educa-
tion project focused on combating food wastage. The project included more than
1,100 students in grades 6 through 9 of elementary school. The project included
extracurricular activities proposed by a multidisciplinary group. For example, vege-
table gardens were planted in schools, seminars dealing with the relationship bet-
ween food waste and the environment were developed; as well as competitions;
and composting and cooking workshops. For the development of the actions, the
City Hall chose five schools with social vulnerability situations. Considering the
total indications from schools, 84.7% point the students were satisfied with the
activities and 93.7% stated the activities were instructive. Regarding students in-
formation, 50.0% of the indications show that were taken initiatives at home after
the project started in school. The results are considered satisfactory, but there are
still opportunities for enhancement.

Key-words: Environmental education; Food wastage; Solid waste; Healthy diet;


Elementary school.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 329


Marcelo Zaro Projeto Alimentar Mais Desperdiçando Menos

Introdução mentais. A legislação brasileira, -se que entre 30-50% de toda a alimentos frescos; perdas no va-
O desperdício de alimentos inclusive, trata da educação am- comida produzida no mundo seja rejo; características do consumi-
é um problema que ocorre em biental e das responsabilidades transformada em resíduo sólido. dor atual, ou seja, que seleciona
âmbito global e ao longo de uma que as instituições públicas e pri- Portanto, políticas sociais, econô- os alimentos por padrões estéti-
cadeia complexa, que parte do vadas, assim como a coletividade, micas e ambientais precisam ser cos; e promoções que estimulam
campo, ou seja, da produção dos têm com o seu cumprimento. estabelecidas hoje para garantir a consumidores a comprar mais do
alimentos até o ponto de consu- O objetivo desse trabalho é sustentabilidade no futuro (IME- que realmente precisam. Em paí-
mo. Os padrões de desperdício, relatar a experiência do projeto CHE, 2013). ses desenvolvidos, o desperdício
porém, variam de região para re- “Alimentar Mais Desperdiçando De acordo com relatório divul- está mais relacionado a aspectos
gião, em razão de fatores políti- Menos” em escolas de ensino fun- gado pelo Instituto dos Engenhei- políticos, econômicos e de com-
cos, tecnológicos e culturais. damental do município de Caxias ros Mecânicos (IMECHE, 2013), o portamento da sociedade, sendo
Devido às consequências so- do Sul/RS. O foco foi a sensibili- desperdício de alimentos deve re- as perdas concentradas ao final
cioambientais atreladas ao des- zação de estudantes quanto ao ceber atenção especial pelos da- da cadeia produtiva – varejo e do-
perdício de alimentos, o tema é tema desperdício de alimentos, nos diretos e indiretos causados micílios. Nos países em desenvol-
atualmente um dos pilares do tratando também de alimenta- à sociedade e à natureza, como, vimento, as perdas ocorrem com
Plano de Ação da Comunidade ção saudável e gestão de resíduos por exemplo, o uso de grandes mais intensidade no início da
de Estados Latino-Americanos e sólidos. O projeto é resultado de extensões de terra, energia, fer- cadeia – na lavoura, transporte e
Caribenhos (CELAC) 2025 para uma parceria entre a Universida- tilizantes e água, recursos que estocagem (KOSSEVA, 2013; IME-
a Segurança Alimentar, Nutrição de Federal do Rio Grande do Sul, também são perdidos quando ali- CHE, 2013; FAO, 2013).
e Erradicação da Fome (CELAC, a partir do Campus Litoral Norte mentos são desperdiçados. Além Uma estimativa da geração de
2016), o que reforça a importân- (UFRGS CLN), o Instituto Pam- disso, estima-se que a agricultu- resíduos alimentares ao longo
cia de se discutir o assunto e pro- peanos de Preservação Ambien- ra seja responsável por mais de da cadeia, em termos mássicos, é
por políticas públicas de combate tal (IPPA), a Prefeitura Municipal 25% das emissões de dióxido de apresentada pela Food and Agri-
ao desperdício de alimentos. O de Caxias do Sul, representada carbono e outros gases do efeito culture Organization of the Uni-
Conselho Nacional de Segurança pelas Secretarias Municipais da estufa geradas pelo homem, além ted Nations (FAO, 2013). Os três
Alimentar e Nutricional (CON- Educação (SMED) e do Meio Am- de ser responsável por processos maiores responsáveis pela gera-
SEA, 2015) reforça que os aspec- biente (SEMMA) e a Universidade de erosão e salinização do solo, ção de resíduos alimentares no
tos ligados à produção e consu- de Caxias do Sul (UCS). desertificação e perda de biodi- mundo são, na ordem, a agricul-
mo de alimentos são primordiais versidade (MILLER; SPOOLMAN, tura, o manejo e armazenamento
para a garantia da Segurança Ali- Revisão bibliográfica 2012). de alimentos pós colheita, e os
mentar e Nutricional (SAN). As projeções indicam que em Os motivos que levam ao des- pontos de consumo, representa-
Para diminuir o desperdício 2075 a população mundial pode perdício de alimentos são diver- dos por unidades de alimenta-
de alimentos e seus impactos so- chegar a 9,5 bilhões de pessoas, sos: perdas na lavoura em razão ção e domicílios. Considerando
cioambientais, são importantes o que significa um aumento de de técnicas de agricultura, esto- as emissões de carbono relacio-
as ações de educação ambiental, três bilhões de pessoas buscando cagem e transporte inadequadas; nadas ao desperdício de alimen-
pois essas incitam a reflexão da alimentos para o sustento. Atual- métodos de conservação de ali- tos, os maiores responsáveis são
população acerca das suas ações, mente são produzidos em torno mentos defasados ou ineficien- a Europa, Estados Unidos e Ásia
promovendo a sua sensibilização de 4 bilhões de toneladas de ali- tes; distância de centros urbanos, industrializada. A América Latina
e também mudanças comporta- mentos por ano, porém, estima- o que dificulta a aquisição de tem uma contribuição um pouco

330 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 331
Marcelo Zaro Projeto Alimentar Mais Desperdiçando Menos

maior que a média mundial, por- pearam a quantidade e a compo- é estimado em 335-460 milhões Embora muitas vezes o des-
tanto, não se destacando positi- sição dos resíduos de alimentos de kg/ano. É importante salientar perdício esteja popularmente
vamente no ranking. gerados na Finlândia, desconsi- que esses valores não conside- associado ao maior poder aqui-
Nesse sentido, diversas expe- derando cascas, borra de café e ram o que é perdido ainda na pro- sitivo das famílias, a pesquisa
riências apresentadas na litera- ossos. Os resultados foram obti- dução primária, e que a Finlândia de Porpino, Parente e Wansink
tura especializada retratam o pa- dos de pesquisa realizada em 420 é um país relativamente pequeno. (2015) com 14 famílias brasilei-
norama geral do desperdício de domicílios, 72 restaurantes, in- Williams et al. (2012) relatam ras de menor renda demonstrou
alimentos no mundo. formações de empresas do varejo diversas razões que levam ao des- que o fenômeno “desperdício de
Uma pesquisa realizada por e indústria e pesquisas da litera- perdício de alimentos em pesqui- alimentos”, coexiste em grupos
Sonnino e McWilliam (2011) em tura. No âmbito doméstico, obte- sa com 61 famílias da Suécia. No com perfis socioeconômicos dife-
três hospitais do País de Gales, ve-se uma geração de resíduos de estudo, as famílias foram convi- rentes. Os pesquisadores identi-
diagnosticou que uma quantida- alimentos de aproximadamente dadas a observar a sua geração de ficaram diversos motivos que le-
de muito grande de alimentos era 130 milhões de kg de resíduos resíduos e responder a um ques- vam às perdas de alimentos pelos
preparada para o número de pa- de comida/ano, o que represen- tionário sobre os seus padrões consumidores, tais como: a) com-
cientes atendidos, havendo ainda ta um desperdício de 23 kg per de descarte. Ambos os grupos pra excessiva motivada por im-
o preparo de alimentos para pa- capita/ano. Nesse caso, a maior indicaram que aproximadamen- pulsividade, falta de planejamen-
cientes que não tinham refeições parte dos alimentos descartados te 50% da comida era descarta- to nas compras, preferência por
nos hospitais. De acordo com os são representados por alimentos da por ter estragado e, em torno embalagens maiores, promoções
autores, isso ocorria, por exem- frescos e perecíveis, ou sobras de 25%, porque foi preparada e preferência por marcas especí-
plo, por falta de capacitação dos de preparações e refeições. Essa em uma quantidade maior que a ficas; b) excesso no preparo em
colaboradores das instituições geração, convertida em gases do consumida. O tamanho de emba- razão de senso de hospitalidade
pesquisadas e também pela per- efeito estufa, representaria, de lagens e a dificuldade em se esva- e sentimento de abundância, fal-
cepção que se tem de que a qua- acordo com cálculos dos auto- ziar algumas delas, devido ao seu ta de planejamento ou habilida-
lidade dos serviços prestados res, a emissão anual de dióxido design, também foram relatadas de no preparo das refeições; c)
está relacionada à quantidade de de carbono de aproximadamen- pelos respondentes como moti- animais de estimação que “jus-
alimentos oferecidos. No que se te 100.000 carros. No setor de vos para terem desperdiçado ali- tificam” o excesso, bem como o
refere ao desperdício no prato, serviços de alimentação, a quan- mentos. Estudos de Stancu, Hau- senso de cuidado; d) preconceito
ficou evidente a falta de atenção tidade de resíduos alimentares gaard e Lahteenmaki (2016) com com sobras, havendo preferência
dos colaboradores em ofertar ali- variou de 7 a 28% dos alimentos famílias dinamarquesas com- por alimentos frescos; e e) prá-
mentos ao gosto dos pacientes. preparados, faixa que depende do plementam ao relatarem outros ticas deficitárias de conservação
Porções em quantidades pré-es- tipo de restaurante. Nesse setor, fatores além de rotinas domésti- de alimentos, como o seu não ar-
tabelecidas e oferta automática foi estimado um desperdício de cas (ex. planejamento, compras e mazenamento sob refrigeração
de verduras e legumes contri- alimentos que varia entre 75 a 85 reuso de sobras). Informações de adequada.
buíam para aumentar o desper- milhões de kg/ano. Na indústria 1.062 respondentes demonstra- Nonenmacher e Kalsing
dício. Como consequência, os e no varejo, estima-se um desper- ram, por exemplo, um menor des- (2012) destacam resultados de
resultados indicaram que o des- dício adicional de 75-140 e 65-75 perdício de alimentos em famílias um balanço mássico realizado
perdício de alimentos nos hospi- milhões de kg/ano, respectiva- menos numerosas, consumidores por estudantes no refeitório do
tais variou de 19 a 66%. mente. Portanto, o desperdício mais idosos e indivíduos de me- IFC - Campus Concórdia/SC, re-
Katajajuuri et al. (2014) ma- de alimentos total na Finlândia, nor renda. ferentes à pesagem dos resíduos

332 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 333
Marcelo Zaro Projeto Alimentar Mais Desperdiçando Menos

alimentares gerados durante ções, o desperdício de alimentos como: mum afirmar que o objetivo da
cinco dias – não contabilizando no restaurante ocorria devido educação ambiental é conscien-
os ossos. Na semana de amos- a oferta de alimentos ser maior os processos por meio dos quais tizar estudantes e comunidades.
o indivíduo e a coletividade cons-
tragem, foram servidas 1.964 re- do que o consumo pelos clientes. troem valores sociais, conheci- Porém, destaca que o conceito
feições, sendo que em 419 delas Relatos de alguns colaboradores mentos, habilidades, atitudes e de conscientização tem muitos
foi constatado o desperdício de do meio de hospedagem, a par- competências voltadas para a significados. Quando as pessoas
conservação do meio ambiente,
alimentos. Em termos mássicos, tir de entrevistas, indicaram que bem de uso comum do povo, es- mencionam o termo querem co-
foram fornecidos 1.500,28 kg a quantidade de alimentos ofer- sencial à sadia qualidade de vida mumente dizer: sensibilizar para
de alimentos, sendo 281,50 kg tados é compreendida como um e sua sustentabilidade. o meio ambiente; repassar co-
(18,8%) referentes à alimentos indicador da qualidade dos servi- nhecimentos; ensinar comporta-
não consumidos. ços prestados pelo meio de hos- A partir do Art. 3º é possível mentos adequados não levando
Sobre a geração de resíduos pedagem. constatar a responsabilidade em consideração as característi-
alimentares em restaurantes Pirani e Arafat (2016) exami- pela incorporação da dimensão cas socioeconômicas e culturais
de meios de hospedagem, são naram o status do desperdício ambiental na gestão das organi- do grupo com o qual se interage.
importantes as contribuições de alimentos na rede hoteleira zações. Todos os segmentos da A educação ambiental crítica é a
de Pistorello, De Conto e Zaro dos Emirados Árabes Unidos. A sociedade precisam conhecer a problematização da realidade, de
(2015) ao realizarem um balan- partir de entrevistas com gesto- Política Nacional de Educação nossos valores, atitudes e com-
ço mássico do café da manhã de res, uma parcela significativa dos Ambiental e assumir o seu papel portamentos. Ela envolve diálogo
um restaurante de um meio de respondentes (44%) informou no cumprimento da mesma. e incentiva a reflexão, tornando o
hospedagem de Caxias do Sul/RS. apresentar avisos nas cantinas O Art. 9º da mesma Lei trata indivíduo apto a agir e interferir
O balanço mássico refere-se ao de uso comum dos colaborado- da Educação Ambiental no ensino na realidade da sua comunidade.
processo que envolve a segrega- res encorajando os mesmos a não formal, englobando a educação A partir do estudo bibliográfi-
ção de resíduos por categorias, e desperdiçarem alimentos. No en- básica (educação infantil, ensino co, é possível inferir que o desper-
posterior pesagem, para determi- tanto, foi constatado que menos fundamental e médio), superior, dício de alimentos, e consequente
nação da representatividade das de 10% dos 45 estabelecimentos especial, profissional e de jovens geração de impactos ambientais,
diferentes tipologias de materiais pesquisados já haviam coloca- e adultos. O Art. 10º aponta que exige uma abordagem multidis-
no montante de resíduos gerados. do em prática alguma campanha a educação ambiental deve ser ciplinar e ações imediatas, prin-
A pesquisa obteve que, do total para incentivar os hóspedes a desenvolvida como uma prática cipalmente porque, apesar de
de alimentos ofertados aos hós- desperdiçarem menos alimentos. educativa integrada, contínua e avanços significativos em âmbito
pedes, apenas 37,3% eram con- Diante desse contexto, são im- permanente. global, várias regiões e sub-re-
sumidos, 49,2% eram intocados e portantes as ações de sensibili- Loureiro (2007) defende a in- giões ainda não evoluíram nesse
13,5% correspondiam a resíduos zação conjunta de consumidores, serção da educação ambiental sentido. Dados da FAO (2014)
gerados pelos hóspedes. Além produtores e manipuladores de crítica nas escolas, a qual se con- indicam que na África Subsaaria-
disso, do total de alimentos utili- alimentos, podendo iniciar ainda trapõe à educação ambiental con- na, mais de uma em cada quatro
zados no preparo do café da ma- na fase escolar. A Lei nº 9.795 de servadora, na qual as informa- pessoas permanecem gravemen-
nhã, 21,3% eram transformados 1999 (BRASIL, 1999), que dis- ções ambientais são repassadas te desnutridas, ao passo que na
em resíduos ainda no processa- põe sobre a Política Nacional de com foco no conteúdo, estanque Ásia, que é a região mais popu-
mento dos alimentos na cozinha. Educação Ambiental, em seu Art. e sem noção de interdisciplinari- losa do planeta, é onde vivem a
Concluiu-se que, em muitas situa- 1º, define a educação ambiental dade. O autor informa que é co- maior parte dos desnutridos, ou

334 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 335
Marcelo Zaro Projeto Alimentar Mais Desperdiçando Menos

seja, 526 milhões de pessoas. nutricionista e dois engenheiros uniões realizadas, foi acordado destaca o conceito da pirâmi-
ambientais do IPPA. As ativida- que as escolas deveriam adotar, de alimentar, sua importância
Metodologia des propostas buscaram sempre no mínimo, 60% da carga horária no cotidiano dos escolares e
Para participar do projeto fo- incentivar a reflexão e discussão proposta pelo projeto, que é de comunidade, em geral, e ins-
ram selecionadas cinco escolas dos assuntos tratados, adotando aproximadamente 23 h por estu- trumentaliza os estudantes
municipais de ensino fundamen- o conceito da educação ambiental dante. com informações para uma
tal do município de Caxias do crítica. A partir das observações e reflexão sobre a qualidade nu-
Sul/RS, contemplando 1.143 es- Na fase de planejamento e or- discussões realizadas nas esco- tricional da sua alimentação e
tudantes de 6º ao 9º ano. As esco- ganização do projeto foram reali- las, foi proposto um cronograma para realizar o porcionamento
las participantes foram indicadas zadas as seguintes atividades: para a realização das atividades, correto das refeições, evitando
pelo programa CIPAVE da SMED, - Atividade 1 - Conhecendo o e tabelas contendo informações o desperdício.
em razão de situações de vulne- perfil da escola: representa a diversas, como o número de es- - Atividade 5 - Gincana Ali-
rabilidade social registradas nes- fase de coleta de dados gerais tudantes participantes por ativi- mentação Sensorial: tem a fi-
sas instituições. São elas: EMEF sobre as escolas e a identifica- dade. nalidade de possibilitar aos
Angelina Sassi Comandulli, EMEF ção dos perfis dos estudantes, Na fase de implementação/ estudantes a oportunidade de
Dolaimes Stedile Angeli, EMEF contemplando itens como o execução do projeto foram exe- testar seus sentidos e identi-
Santo Antonio, EMEF Rosário de número e faixa etária dos es- cutadas as atividades descritas a ficar alimentos pelo paladar e
São Francisco e EMEF Basílio Tca- tudantes; turno(s) de funcio- seguir: pelo tato. Além disso, contri-
cenco. namento das escolas; perfil - Atividade 3 - Seminário Pro- buir para que os estudantes
A fase de intervenção nas esco- socioeconômico dos estudan- jeto Alimentar Mais Desper- tenham subsídios para monta-
las iniciou em maio de 2016 e foi tes e da comunidade as quais diçando Menos: em um pri- rem um prato saudável evitan-
finalizada em dezembro do mes- as escolas estão inseridas; es- meiro momento é realizada a do o desperdício de alimentos.
mo ano. O projeto consiste em paço físico; recursos audiovi- apresentação do projeto aos A atividade confere premiação.
16 atividades, que foram organi- suais; identificação de outros estudantes, indicando as ativi- - Atividade 6 - Oficina Horta
zadas e ministradas por um gru- projetos em andamento, entre dades a serem desenvolvidas, na escola: estimula o cultivo
po multidisciplinar: um profes- outros. os ministrantes das atividades de hortas em pequenos espa-
sor, um engenheiro ambiental e - Atividade 2 - Reunião com e o cronograma previsto. Na ços (escola e em casa) e o con-
quatro estudantes dos cursos do os representantes das escolas: sequência, os estudantes são sumo de alimentos saudáveis.
Bacharelado Interdisciplinar em o objetivo é discutir as propos- convidados a formar grupos Também mostra na prática o
Ciência e Tecnologia e Licencia- tas do projeto, tirar dúvidas com no máximo cinco inte- trabalho e o tempo dispendi-
tura em Educação do Campo da dos professores e definir as grantes para responderem a do no cultivo dos alimentos.
UFRGS CLN, dois professores dos turmas participantes de cada três perguntas, com o intuito A atividade é dividida em três
cursos de Engenharia Ambiental uma das atividades. de estimular a reflexão acer- encontros, que compreendem
e Nutrição da UCS, além de 11 es- Para melhor organização do ca do tema e identificar o co- a preparação do solo, plantio,
tagiários voluntários e não volun- grupo multidisciplinar que visi- nhecimento que os estudantes e discussão dos resultados.
tários dos Cursos de Engenharia tou as escolas, um instrumento têm sobre o desperdício de ali- - Atividade 7: Oficina de Culi-
Ambiental, Nutrição, Agronomia, de coleta de dados foi elaborado. mentos. nária: de forma prática, ob-
Educação Física e Artes da mes- Foram também realizados regis- - Atividade 4 - Seminário Pirâ- jetiva proporcionar aos estu-
ma instituição, bem como uma tros fotográficos. Durante as re- mide Alimentar - O que é isso?: dantes um novo olhar sobre o

336 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 337
Marcelo Zaro Projeto Alimentar Mais Desperdiçando Menos

aproveitamento integral dos estudantes sobre a realidade portiva: promove uma ativi- diversos aspectos positivos, a ela-
alimentos e alimentação sau- do desperdício de alimentos dade esportiva de integração boração do questionário é uma
dável, assim como a importân- e impactos sociais, bem como e recreação entre todos os en- etapa crítica, que requer muita
cia da correta higienização de aguçar o senso crítico sobre o volvidos no projeto. Parte das atenção por parte do pesquisa-
mãos e dos alimentos no pre- tema. atividades têm ligação com os dor, de modo a evitar a indução de
paro das refeições. - Atividade 12 - Observação temas tratados ao longo do respostas. As escolas foram ques-
- Atividade 8 - Seminário Des- da geração de resíduos ali- projeto. A gincana confere pre- tionadas se os ministrantes foram
perdício de Alimentos x Meio mentares em casa: contempla miação. esclarecedores durante as inter-
Ambiente: chama a atenção a observação da geração de re- - Atividade 16 - Encerramen- venções; sobre o envolvimento
dos estudantes sobre a impor- síduos alimentares no cotidia- to do projeto: momento de e compreensão das atividades
tância de não se desperdiçar no dos escolares, seja em casa, confraternização de todos os pelos estudantes; se os objetivos
alimentos e indica a relação do seja em outros locais, como envolvidos onde são apresen- propostos pelas atividades foram
desperdício de alimentos com casas de parentes e amigos, tados os resultados do projeto, alcançados; e se os estudantes se
o meio ambiente, nos mais di- unidades de alimentação e na servindo de ocasião para tam- mostraram satisfeitos com as ati-
versos aspectos. escola. bém entregar as premiações vidades. Havia ainda um espaço
- Atividade 9 - Oficina de com- - Atividade 13 - Atividade Teia das gincanas previstas no pro- para comentários e sugestões.
postagem de resíduos orgâni- do Envolvimento: proposta jeto e produções textuais. Um relatório também era
cos: apresenta aos estudantes por grupo de estudos da Psico- Como procedimento padrão, preenchido pelos ministrantes do
uma alternativa de minimiza- logia da UCS, revisa e discute ao longo de todas as atividades projeto AMDM ao final de cada
ção da geração de resíduos só- os assuntos abordados nas ati- do projeto foram entregues ques- atividade realizada nas escolas.
lidos orgânicos, provenientes vidades 3-12, e sensibiliza os tionários para os professores ou Os ministrantes eram questio-
de alimentos não consumidos estudantes sobre o papel que coordenadores pedagógicos das nados sobre a sua percepção em
e de podas/limpeza de jardim. cada indivíduo tem em seus escolas avaliarem as atividades. relação ao envolvimento e com-
- Atividade 10 - Pesquisa so- lares, escolas e comunidade Os questionários foram estrutu- preensão das atividades pelos es-
bre a geração de resíduos só- no que se refere à preservação rados com perguntas abertas ou tudantes, sendo ainda solicitados
lidos: atividade realizada no do meio ambiente e no movi- fechadas e de múltipla escolha. O a realizar relatos gerais e fazer
laboratório de informática, en- mento contra o desperdício de questionário foi escolhido como sugestões.
volve a investigação com res- alimentos. instrumento de pesquisa, pois Ao final do projeto, as escolas
peito à temática “geração de - Atividade 14 - Produção tex- como indica Marconi e Lakatos receberam a orientação de en-
resíduos sólidos” e estimula a tual: consiste na elaboração (2011), esse apresenta diversas tregar aos estudantes um ques-
socialização dos resultados da de uma produção textual livre vantagens, tais como, economia tionário com perguntas abertas
pesquisa realizada com os co- sobre os assuntos abordados de tempo e viagens; permite ob- e fechadas para avaliação das
legas. no projeto, visando verificar ter grande número de dados; atividades do projeto. Em grupos
- Atividade 11 - Oficina A Ilha as informações assimiladas e atinge um número maior de in- de 5-6 integrantes, os estudan-
das Flores está mais próxima reforçar/fixar os conteúdos divíduos simultaneamente; e tes deveriam indicar o seu grau
do que imaginamos!: a partir trabalhados nas demais ati- permite maior liberdade nas res- de satisfação com cada uma das
da apresentação do curta-me- vidades. A atividade confere postas, decorrente do anonimato. atividades desenvolvidas e eram
tragem Ilha das Flores, a ati- premiação. Embora o questionário apresente questionados sobre terem socia-
vidade busca sensibilizar os - Atividade 15 - Gincana es-

338 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 339
Marcelo Zaro Projeto Alimentar Mais Desperdiçando Menos

lizado as informações do projeto tabelas. Por outro lado, nas escolas lo- Um ponto bastante destaca-
com a família e amigos; se haviam calizadas no perímetro urbano, do pelos ministrantes trata da
tomado iniciativas em casa após o Resultados a maioria das indicações de mi- importância da participação dos
início do projeto na escola; sobre Avaliação do projeto nistrantes apontam resultados professores nas atividades. Quan-
a atratividade das informações Avaliação dos ministrantes variando entre “bom” e “regular”. do o monitoramento não ocorria,
apresentadas pelo projeto; se ha- Ao longo do projeto foram Isso é reflexo das maiores dificul- ou era incipiente, era comum
viam notado alguma diferença na preenchidos 100 relatórios pelos dades apontadas pela equipe do ocorrer bagunça durante a execu-
escola com a execução do projeto; ministrantes do projeto. A Tabe- AMDM ao longo do projeto nes- ção das atividades. Além disso, as
e se tinham interesse que o proje- la 1 apresenta a distribuição de sas escolas, como situações de discussões que ocorriam durante
to continuasse na escola. frequência e porcentagem de in- bagunça ou desinteresse pelas as atividades do projeto se torna-
Os dados coletados foram en- dicações das escolas sobre o en- atividades por parte de alguns vam menos ricas. A transcrição
tão sistematizados em uma plani- volvimento e compreensão das estudantes. Também era comum direta de um dos relatórios de
lha eletrônica e organizados em atividades pelos estudantes. situações de xingamentos entre ministrantes sustenta a informa-
estudantes, representando um ção:
Tabela 1: Distribuição de frequência e porcentagem de indicações de desafio para a equipe do projeto
ministrantes sobre o envolvimento e compreensão das atividades pelos AMDM. “A professora não acompanhou a
discentes por escola. Uma observação que chama a atividade e os alunos não foram
atenção se refere aos resultados muito participativos.”
das EMEF Angelina Sassi Coman-
dulli e Dolaimes Stedile Angeli: no Outro apontamento feito pelos
primeiro caso, a porcentagem de ministrantes trata da dificuldade
indicações de ministrantes que em se realizar atividades que en-
afirmaram considerar “ótima” a volvem discussão em grupo. Um
percepção e envolvimento dos dos relatórios preenchidos por
estudantes ao longo das ativida- um professor de escola, ao avaliar
des foi de apenas 13%, sendo que a execução da Atividade 11, indi-
no segundo caso esse percentual ca uma possível causa para essa
Os resultados mostram que a positivos dos ministrantes do foi de 47%. É interessante salien- situação:
percepção dos ministrantes do projeto AMDM em razão do bom tar que as escolas distam aproxi-
projeto quanto ao bom andamen- comportamento e participação madamente 1 km uma da outra, “Os alunos não participam ques-
to das atividades, indiretamente dos estudantes. O fato de a escola atendendo, teoricamente, popu- tionando ou respondendo, pois
medida pelo envolvimento dos ficar localizada na área rural de lações de perfil semelhante. Por tem vergonha e medo de serem
estudantes e compreensão dos Caxias do Sul, possuir um núme- outro lado, não se pode deixar de ridicularizados pelos colegas,
assuntos tratados ao longo do ro reduzido de estudantes, sendo considerar o fato que as turmas embora tenham compreendido a
projeto, foi maior na EMEF Santo que muitos deles são moradores e o número de turmas atendidas mensagem do filme.”
Antonio, com 90% de indicações da comunidade, pode ter favore- na EMEF Dolaimes Stedile Ange-
“ótima”. É importante destacar cido a escola nessa avaliação, ao li eram menores, e o suporte e Uma sugestão para a próxima
que a escola, desde o início do menos sob o olhar dos ministran- acompanhamento das atividades intervenção nas escolas seria a
projeto, sempre recebeu relatos tes. pela escola foi maior. adoção da técnica do GV-GO. Re-

340 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 341
Marcelo Zaro Projeto Alimentar Mais Desperdiçando Menos

sumidamente, são formados dois gumas restrições nas atividades Avaliação das escolas tagem de indicações das escolas
grupos, sendo que o grupo de de horta: em visitas realizadas As atividades 1 e 2 foram re- sobre os ministrantes terem sido
verbalização (GV) debate o tema nas escolas, foi comum encon- unidas em uma única etapa. Isso esclarecedores na execução das
e o grupo de observação (GO) ob- trar os espaços descuidados e ocorreu, pois a SMED, a partir do Atividade 1 e 2 e se os objetivos
serva sem fazer nenhum comen- com falta de água. Essa atividade programa CIPAVE, intermediou o foram alcançados. Das cinco esco-
tário. Quando o grupo GV esgotar demonstrou que a colaboração contato com as escolas selecio- las selecionadas para participar
a discussão ele troca de posição da comunidade escolar é muito nadas para participar do projeto do projeto, quatro responderam
tornando-se GO, e o grupo GO se importante para que a atividade AMDM. Deste modo, a coleta de ao questionário disponibilizado.
desloca para GV. Ao final, os dois ocorra de forma satisfatória. A dados in loco e a discussão do Os resultados sinalizam que os
subgrupos apresentam as suas Figura 1 apresenta a dinâmica de projeto e atividades com os pro- ministrantes do projeto AMDM
conclusões. horta ocorrendo em uma das es- fessores e coordenadores de es- foram esclarecedores durante as
Também é importante citar al- colas participantes. colas ocorreu simultaneamente. intervenções realizadas nas esco-
A Tabela 2 apresenta a distri- las e que os objetivos propostos
buição de frequência e porcen- foram alcançados.

Tabela 2: Avaliação das escolas sobre as Atividades 1 e 2, referentes às visitas e


reuniões nas escolas.

Ao longo do projeto também feito em conjunto pelos professo-


retornaram 190 relatórios de res e coordenações das escolas, o
avaliação das atividades que que por vezes não aconteceu.
ocorreram especificamente com A Tabela 3 apresenta a distri-
os estudantes (Atividades 3-16). buição de frequência e porcen-
Uma parcela significativa de re- tagem de indicações das escolas
latórios entregues não retornou. ao serem questionadas se os mi-
Isso ocorreu, pois professores ou nistrantes foram esclarecedores
coordenadores de escolas pediam nas intervenções realizadas com
para entregar os relatórios em os estudantes; se os objetivos
outra ocasião ou, como no caso propostos pelas atividades foram
Figura 1: Atividade da horta ocorrendo na EMEF Basílio Tcacenco. da gincana esportiva, o preenchi- alcançados; sobre a percepção
mento do relatório deveria ser em relação ao envolvimento e

342 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 343
Marcelo Zaro Projeto Alimentar Mais Desperdiçando Menos

compreensão das atividades pe- se mostraram satisfeitos com as Em geral, os resultados foram rios das EMEF Angelina Sassi Co-
los estudantes; e se os mesmos atividades desenvolvidas. considerados muito satisfatórios, mandulli e Dolaimes Stedile An-
mas podendo melhorar, princi- geli. De modo a prevenir esse tipo
Tabela 3: Avaliação das escolas com relação às atividades desenvolvidas no palmente quanto ao envolvimen- de ocorrência, na próxima etapa
projeto AMDM. to e compreensão das atividades de intervenção do projeto os re-
pelos estudantes. Nesse caso es- latórios deverão ser aplicados e
pecífico, chamou a atenção os recolhidos pelos integrantes do
resultados obtidos nas Escolas projeto.
Santo Antônio e Rosário de São A Tabela 4 apresenta a distri-
Francisco, que foram muito supe- buição de frequência e porcenta-
riores aos obtidos nas demais es- gem de indicações de estudantes
colas. Em relação à escola Rosário da EMEF Angelina Sassi Coman-
de São Francisco, umas das possí- dulli sobre terem ficado satisfei-
veis explicações se deve ao bom tos com as diferentes atividades
acompanhamento do projeto pela desenvolvidas na escola. No total,
coordenação pedagógica e dire- foram recebidos 36 questioná-
ção da escola, tal como ocorreu rios respondidos, lembrando que
na escola Santo Antonio. Durante os estudantes deveriam discutir e
a execução do projeto na escola responder aos questionamentos
Rosário de São Francisco, hou- em pequenos grupos de 5-6 inte-
ve, inclusive, um encontro para grantes.
discussão sobre o andamento do Foram observadas nas avalia-
projeto com os professores, dire- ções das atividades algumas in-
ção e coordenadores pedagógi- dicações de “não participamos”,
cos, havendo ainda um momento porém algumas dessas atividades
de confraternização, o que estrei- foram realizadas com as turmas,
tou a relação ministrantes-escola. o que denota possível esqueci-
Essa aproximação, com troca de mento ou dificuldade em se as-
experiências e sentimentos em sociar os nomes das atividades
relação às atividades em desen- com as ações realizadas durante
volvimento, pode ter favorecido o projeto.
a avaliação e os bons resultados Considerando apenas as in-
obtidos. dicações “Sim” (60,9%), “Não”
(21,0%) e “Parcialmente”
Avaliação dos estudantes (18,1%), que representam um
Das cinco escolas participan- total de 353 de 504 indicações,
tes, apenas duas entregaram os os resultados são considerados
questionários aos estudantes. bons, principalmente porque fo-
Portanto, foram coletados relató- ram relatadas dificuldades pelos

344 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 345
Marcelo Zaro Projeto Alimentar Mais Desperdiçando Menos

ministrantes do AMDM ao longo de ministrantes que afirmaram tomaram iniciativas em casa; se to atrativas; sobre o interesse na
do desenvolvimento das ativi- considerar “ótima” a percepção e acharam as atividades do proje- continuidade do projeto na es-
dades na escola. Por exemplo, envolvimento dos estudantes da
como apresentado anteriormen- escola ao longo das atividades foi Tabela 5: Avaliação do projeto pelos estudantes da EMEF Angelina Sassi
te, a porcentagem de indicações de apenas 13%, valor bem menor Comandulli.

Tabela 4: Distribuição de frequência e porcentagem de indicações de estudan-


tes da EMEF Angelina Sassi Comandulli sobre terem ficado satisfeitos com as
diferentes atividades desenvolvidas na escola.

cola; e impacto notado na escola ver um maior impacto do projeto


após o início do projeto. AMDM na comunidade escolar.
Os resultados mostram que, Ao mesmo tempo, é interes-
embora a maioria dos grupos de sante notar que 44,4% das in-
estudantes tenham respondi- dicações sinalizam que foram
do não ter discutido os assuntos adotadas iniciativas em casa, em-
do projeto no grupo familiar ou bora uma porcentagem menor de
entre amigos, 44% das indica- indicações (30,6%) aponte que
ções se referem às opções “Sim” impactos positivos foram nota-
e “Parcialmente”. Considerando dos na escola com a execução do
que o processo de sensibilização projeto.
deve ocorrer de forma contínua e Finalmente, mais da metade
permanente, são esperados avan- das indicações (61,1%) apontam
ços nesses resultados havendo a que as informações prestadas
do que os obtidos em outras es- Angelina Sassi Comandulli quan- continuidade do projeto na es- pelo projeto foram “interessan-
colas. do foram questionados se socia- cola. A participação dos pais no tes”, de modo que 63,9% das in-
A Tabela 5 apresenta a ava- lizaram as informações do pro- projeto, por exemplo, seria uma dicações apresentam o interesse
liação dos estudantes da EMEF jeto em casa ou com amigos; se alternativa válida para promo- na continuidade do projeto na

346 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 347
Marcelo Zaro Projeto Alimentar Mais Desperdiçando Menos

escola. dicações “Sim” (71,5%), “Não” acharam as atividades do proje- continuidade do projeto na es-
A Tabela 6 apresenta a distri- (7,3%) e “Parcialmente” (21,1%), to atrativas; sobre o interesse na
buição de frequência e porcenta- que representam um total de 123
gem de indicações de estudantes de 140 indicações, os resultados Tabela 7: Avaliação do projeto pelos estudantes da EMEF Dolaimes Stedile
da EMEF Dolaimes Stedile Ange- são considerados muito satisfató- Angeli..
li sobre terem ficado satisfeitos rios, e superiores aos registrados
com as diferentes atividades de- na EMEF Angelina Sassi Coman-
senvolvidas na escola. No total, dulli. O interessante é que o pro-
foram recebidos 10 questioná- jeto pedagógico aplicado é o mes-
rios respondidos pelos grupos de mo para as duas escolas, mesmo
estudantes. assim os resultados de satisfação
Considerando apenas as in- dos estudantes com as atividades

Tabela 6: Distribuição de frequência e porcentagem de indicações de estudantes


da EMEF Dolaimes Stedile Angeli sobre terem ficado satisfeitos com as diferentes
atividades desenvolvidas na escola.

cola; e impacto notado na escola e em seguida foram discutidos os


após o início do projeto. pontos positivos e negativos do
Acompanhamento do projeto projeto. Entre os pontos positivos
Quase ao final do desenvolvi- relatados pelas escolas, podem
mento do projeto, foi realizada ser destacadas as seguintes in-
uma reunião de acompanhamen- formações: deixou a escola mais
to, organizada pela SEMMA e bonita; conscientização; ativida-
SMED. Foram convidados a parti- des diversificadas e dinâmicas;
cipar, além da equipe do AMDM, imagens boas; didática aplicada;
representantes das escolas e do várias habilidades desenvolvi-
FAS - Fundo de Assistência Social das; integração teórico-prática;
do município. Das cinco escolas a equipe se dedicou muito; mate-
participantes, apenas uma não rial bom; humor; e envolvimento
e o projeto foram diferentes. foram questionados se sociali- enviou representante. dos estudantes.
A Tabela 7 apresenta a ava- zaram as informações do pro- Inicialmente, foram apresen- Entre os pontos negativos es-
liação dos estudantes da EMEF jeto em casa ou com amigos; se tados resultados parciais do pro- pecíficos do projeto, foi feita ape-
Dolaimes Stedile Angeli quando tomaram iniciativas em casa; se jeto pelo coordenador do AMDM, nas uma observação pela Escola

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Marcelo Zaro Projeto Alimentar Mais Desperdiçando Menos

Santo Antônio, no caso, sobre a geral, se mostraram satisfeitos da educação ambiental crítica, ponível em: <http://www4.
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zão de dificuldades no transporte mas ressalvas. Essas servirão de problemas de engenharia, como é municacao/noticias/2016/
de materiais para a realização da base para a realização de ajustes o caso do desperdício de alimen- plano-nacional-de-seguran-
dinâmica, a atividade acabou as- no projeto original, visando me- tos, requerem uma abordagem ca-alimentar-e-nutricional-ja-
sumindo características de semi- lhor atender os estudantes em multidisciplinar e também afeti- -esta-disponivel-na-internet>.
nário. No entanto, os outros as- uma futura intervenção. va. Acesso em: 21 out. 2016.
pectos citados pelas escolas não As escolas que participaram CELAC – Comunidad de Estados
tratavam diretamente do projeto das ações de sensibilização aco- Referências bibliográficas Latinoamericanos y Carineños
em si. Uma das escolas destacou lheram muito bem o projeto e os BARTON, A. D.; BEIGG, C. L.; MA- (2016), CELAC 2025- Seguri-
a substituição de professores du- ministrantes, havendo a necessi- CDONALD, I. A.; ALLISON, S. P. dad alimentaria, nutrición y
rante as atividades, em razão das dade de se reavaliar o papel dos (2000), High food wastage and erradicación del hambre: Ele-
trocas de períodos de aula na es- professores no acompanhamento low nutritional intakes in hospi- mentos para el debate y la coo-
cola, o que, teoricamente, preju- das atividades. A realização de tal patients. Clinical Nutrition, v. peración regionales. Santiago.
dicaria o acompanhamento das encontros de acompanhamento 19, n. 6, p. 445-449. Disponível em: <http://reposi-
atividades. Ao menos dois coor- nas escolas, bem como a inclusão BASTOS, A. (2015), Pesquisa torio.cepal.org/bitstream/hand-
denadores, também lamentaram das famílias dos estudantes nas identifica fatores de desper- le/11362/40348/1/S1600707_
não poder ter acompanhado to- ações do projeto, são melhorias dício de alimentos em famí- es.pdf>. Acesso em: 21 out. 2016.
das as atividades desenvolvidas. que devem ser adotadas futura- lias de baixa renda. Embrapa. CONSEA – CONSELHO NACIO-
Entre as sugestões de melho- mente visando tornar o projeto Disponível em: <https://www. NAL DE SEGURANÇA ALIMEN-
rias, foi consenso geral entre os mais amplo e efetivo. embrapa.br/web/mobile / TAR E NUTRICIONAL (2015),
presentes a necessidade de se de- Os benefícios do projeto alcan- noticias/-/noticia/3381192/ Conceitos: Segurança Alimen-
signar professores para realizar o çaram não apenas os estudantes pesquisa-identifica-fatores- tar e Nutricional e Soberania
acompanhamento do projeto nas das escolas contempladas pelo -de-desperdicio-de-alimentos- Alimentar. Brasília. Acesso em:
escolas. Outra observação seria o projeto, mas a comunidade esco- -em-familias-de-baixa-renda>. <http://www4.planalto.gov.
cuidado para não se realizar ati- lar como um todo. Diversas ini- Acesso em: 21 out. 2016. br/consea/acesso-a-informa-
vidades durante os períodos de ciativas foram relatadas ao longo BRASIL (1999), Lei nº 9795, de cao/institucional/conceitos>.
educação física, pois alguns es- do desenvolvimento do projeto, 27 de abril de 1999. Dispõe so- Disponível em: 21 out. 2016.
tudantes acabavam se chateando resultado das abordagens reali- bre a educação ambiental, institui DIAS, D. M.; MARTINEZ, C. B.;
por perder a aula, atrapalhando o zadas nas escolas. a Política Nacional de Educação BARROS, R. T. de V. (2014), Esti-
desenvolvimento das atividades. No caso dos estudantes de gra- Ambiental e dá outras providên- mativa da geração de resíduos só-
Quando questionados sobre a duação que atuaram no projeto, cias. Disponível em: <http:// lidos urbanos como subsídio para
continuidade do projeto nas es- foram proporcionadas oportu- www.planalto.gov.br/ccivil_03/ ações voltadas à sustentabilidade
colas, todos os quatro represen- nidades e experiências valiosas, leis/L9795.htm>. Acesso em: 19 ambiental. Revista Brasileira de
tantes de escolas responderam principalmente ensinamentos de dez. 2016. Ciências Ambientais, n. 33.
afirmativamente. convivência em um ambiente tão ______ (2016), 2º Plano Nacio- FAO - Food and Agricultu-
plural, tal como é a escola. nal de Segurança Alimen- re Organization of the Uni-
Conclusões Finalmente, o principal mérito tar e Nutricional (PlanSAN ted Nations (2011), Global
As escolas e estudantes, em do projeto foi aplicar o conceito 2016-2019). Brasília, DF. Dis- Food Losses and Foot Waste.

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73, p. 322-329. NONENMACHER, S. E. B.; KAL- ment: a case study of hospital
KOSSEVA, M. R. (2013), Causes SING, R. M. S. (2012), Desperdí- food systems in Wales. Food
and Challenges of Food Wasta- cio como tema gerador para um Policy, v. 36, n. 6, p. 823-829.

352 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 353
Aquaponia: - Uma novidade na Educação Ambiental

Pedro Martins1

Resumo
A aquaponia é uma atividade que conjuga a aquacultura e a hidroponia. Geral-
mente, consiste na criação em circuito fechado de peixes e plantas, sendo ambos
destinados à alimentação humana. Os peixes excretam compostos azotados, os
quais, após transformação por bactérias nitrificantes, são utilizados como nutrien-
tes pelas plantas. Assim, a água fica limpa de novo e disponível para os peixes. Este
circuito fechado permite aumentar a produção de alimentos de forma sustentada,
poupar água e evitar poluição dos solos e das águas. A aquaponia é um conceito
transversal a diversos contextos, que vão desde o nível local, de uma agricultura
de subsistência, até um nível global, marcado pela sobrepopulação e pela deple-
ção de recursos. Por este motivo, a aquaponia tem vindo a ser abordada de forma
emergente por programas de educação ambiental um pouco por todo o mundo.
A EPAMAC é uma escola profissional em Portugal, que está presente em diversos
projetos associados ao tema e tem vindo a revelar-se uma instituição embaixadora
do conceito de aquaponia no sistema educativo português.

Palavras-chave: Aquaponia; Alimentação; Sustentabilidade; Educação Ambiental.

Summary
Aquaponics is an activity that combines aquaculture and hydroponics. Usually, it
consists on a closed-circuit combination of fish farming and plant growth, both of
which are destined for human consumption. Fish excrete ammonia, which, after
transformation by nitrifying bacteria, is used as nutrients by plants. This way, water
becomes clean again and available for fish. This closed circuit allows to increase
food production in a sustainable way, to save water and to avoid soil and water
pollution. Aquaponics is a transversal concept, ranging from the local subsistence
agriculture context to a global level, marked by overpopulation and the depletion
of resources. For this reason, aquaponics is being approached in an emerging way
by environmental education programs all over the world. EPAMAC is a professional
school in Portugal, which is present in several projects associated with the subject,
and has been proven to be an ambassador of the concept of aquaponics in the
Portuguese educational system.

Key words: Aquaponics; Food; Sustainability; Environmental Education.


Foto: Joaquim Ramos Pinto

São Tomé e Príncipe,


no continente africano 1APAMAC. E-mail: pedro.martins@apamac.com.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 354


Pedro Martins Aquaponia

A aquaponia é uma atividade forma-se em nutrientes para as Quadro 1. Alguns dos tipos de peixes e plantas mais utilizadas em aquaponia.
que conjuga a aquacultura (cria- plantas. As plantas retiram os
ção de animais aquáticos) com nutrientes da água através do seu
a hidroponia (cultivo de plantas sistema radicular, podendo esta
sem solo). Geralmente, consiste recircular para os peixes.
na criação em circuito fechado de As opções em termos de espé-
peixes e de plantas, sendo ambos cies de peixes e de plantas utiliza-
destinados à alimentação huma- das em aquaponia são inúmeras.
na (fig. 1). Por vezes utilizam-se outros ani-
O princípio assenta no facto mais aquáticos, como crustáceos,
dos peixes excretarem amoníaco, moluscos, invertebrados e até
o qual, após um processo de nitri- aves. No quadro 1 apresentam-se
ficação (de amoníaco em nitritos algumas das espécies mais co- Fonte: Adaptado de Bernstein, S. (2011) e de McLarney (2013).
e de nitritos em nitratos) levado a muns.
cabo por bactérias (fig. 2), trans-
História luz já na segunda metade do sécu-
As origens da aquaponia são lo XX, com os trabalhos de Sneed
remotas, embora não sejam cla- et al. (1975), Naegel (1977), Le-
ras. Existem evidências deste wis et al. (1978), entre outros.
princípio já nos séculos XII e XIII, Na senda destes podemos refe-
na América Central e do Sul - os renciar McMurtry et al. (1990) e,
Aztecas criavam pequenas ilhas sobretudo, Rakocy et al. (1997),
flutuantes feitas de plantas, de- o qual estabeleceu mesmo o de-
nominadas chinampas, junto às senho para uma instalação de
quais criavam peixes (Crossley, aquaponia comercial de pequena
2003). Também pela mesma al- dimensão tipificada (com uma
tura os chineses criavam peixes produção de 5 Toneladas de tilá-
Fig. 1- Diagrama representativo do processo de aquaponia. em arrozais, utilizando o mesmo pia por ano e colheitas de plantas
princípio (Bocek, 2009). de seis em seis semanas) (fig. 3).
A aquaponia moderna veio à

Fig. 2- Processo de nitrificação através de bactérias nitrificantes.. Fig. 3- Esquema do sistema de Aquaponia da Universidade das Ilhas Virgens
(Adaptado de Rakocy, 1997).

356 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 357
Pedro Martins Aquaponia

Paradigma atual apenas nos Estados Unidos e na O exemplo paradigmático é o - Qualifica (a maior feira de Edu-
Atualmente, a aquaponia é um Austrália. Na mesma altura, mais projecto ERASMUS+ denomina- cação, Vocação e Emprego em
conceito transversal a diversos de 1.000 escolas nos estados Uni- do ANNIE- Aquaponics, a New Portugal, que conta com mais de
contextos, que vão do nível local, dos utilizavam aquaponia como Novelty in Education (Referência 33.000 visitantes);
marcado por uma agro-pecuária instrumento pedagógico para a 2016-1-NL01-KA202-023006) - Feira Nacional de Agricultura (A
de subsistência, até um nível glo- abordagem das ciências naturais constituído por 13 parceiros, maior feira agrícola em Portugal,
bal, marcado pela sobrepopula- no ensino básico. Desde aí, esta oriundos de sete países europeus com cerca de 220.000 visitantes;
ção e pela depleção de recursos. E atividade tem vindo a ser aborda- (Portugal, Espanha, Inglaterra, - Encontro Municipal Eco-Escolas
se a intensificação industrial ain- da de forma emergente em pro- Holanda, Grécia, Eslovénia e Ro- (um programa que desenvolve a
da está a dar os primeiros passos, gramas de educação ambiental ménia), que pretende divulgar a educação ambiental nas escolas,
embora já hajam casos de suces- um pouco por todo o mundo. Aquaponia e introduzir este con- e que contou com a presença de
so (Love et al. 2015), a activida- Este crescimento deve-se às ceito no sistema educativo. mais de 1800 estudantes);
de ambientalmente sustentável características da aquaponia, No contexto deste projecto, - Vários Congressos sobre
tem vindo a crescer. De acordo enquanto actividade ambiental- a EPAMAC construiu um siste- Aquaponia na EPAMAC (com a
com Rakocy (2012), existiam, em mente sustentável de produção ma portátil de demonstração de presença de centenas de visitan-
2012, mais de 10.000 estações de de alimentos (fig. 4). aquaponia (3x2x1,5m), que tem tes).
aquaponia de pequena dimensão, sido usado em diversos eventos, Em todas estas ocasiões, foram
dos quais se destacam: levadas a cabo palestras e ofici-
nas de divulgação de aquaponia.

Fig. 4- Vantagens da aquaponia (Adaptado de Rakocy, 2012).

Estudo de caso na Educação Ambiental em Por-


A Escola Profissional de tugal, estando presente em diver-
Agricultura e Desenvolvimen- sos projetos associados ao tema e
to Rural de Marco de Canaveses tornando-se uma embaixadora e
(EPAMAC) é pioneira na introdu- promotora deste conceito em vá-
Fig. 5- Alguns eventos nos quais se usou o sistema portátil de aquaponia da
ção da do conceito de aquaponia rios países. EPAMAC..

358 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 359
Pedro Martins Aquaponia

Adicionalmente, levaram-se a - Construíram-se várias micro- liza, “A Terra é uma ilha”, pelo que (1), 92-99.
cabo outras ações com o intuito -unidades de aquaponia com os a aquaponia pode ser uma das Love, D.C.; Fry, J.P.; Ximin, L.;
de divulgar o conceito de aquapo- estudantes da EPAMAC, para lhes respostas práticas às suas fragili- Hill, E.S.; Genello, L.; Semmens,
nia; ensinar a conceção de sistemas dades e um contributo para viver K. & Thompson, R.E. (2015):
de aquaponia; dentro dos seus limites. “Commercial aquaponics pro-
- Efetuaram-se visitas a diversas - Divulgou-se o conceito no IV duction and profitability: Fin-
unidades industriais e domésti- Congresso Internacional de Edu- Referências dings from an international
cas de aquaponia, em Portugal, cação Ambiental dos Países e Co- Bernstein, S. (2011): Aquaponic survey” em Aquaculture, 435,
Espanha, Holanda, Grécia e Ro- munidades de Língua Portuguesa Gardening: A Step-By-Step Gui- 67-74.
ménia; e Galiza. de to Raising Vegetables and Fish McLarney, W. (2013): The Fre-
Together. Gabriola Island, New shwater Aquaculture Book: A
Society Publishers. Handbook for Small Scale Fish
Bocek, A. (2009): Introduc- Culture in North America. Brattle-
tion to Fish Culture in Rice boro, Echo Point Books & Media.
Paddies. International Center McMurtry, M.R., et al. (1990):
for Aquaculture and Aquatic “Sand culture of vegetables
Environments, Auburn Uni- using recirculating aquacul-
versity. tural effluents” em Applied
Crossley, P. L. (2004): “Sub-irri- Agricultural Research, (5) 4,
gation it wetland agriculture” em 280–284.
Agriculture and Human Values, Naegel, L. (1977): “Combined
(21), 2-3, 191–205. production of fish and plants in
Fig. 6. Algumas outras ações de divulgação da Aquaponia levadas a cabo pela ERASMUS+Project Ref. recirculating water” em Aqua-
EPAMAC.
2016-1-NL01-KA202-023006. culture, 10, 17-24.
ANNIE- Aquaponics, a New Rakocy, J. (2012): Aquapo-
Para além das ações supraci- princípios de gestão flexível do Novelty in Education. Con- nics-Integrating Fish and
tadas, pretende-se, a curto prazo, currículo, será implantado, já a sultado a 8 de Setembro de Plant Culture. Oxford, Wiley-
efetivar mais algumas: partir do ano lectivo 2017/2018 2017, às 18h30m, em: http:// -Blackwell.
o conceito de aquaponia no plano ec.europa.eu/programmes/ Rakocy, J.E.; Bailey, D.S.; Shultz,
- Publicar um artigo sobre de estudos do Curso Técnico de erasmus-plus/projects/pro- K.A. e Cole, W.M. (1997):
aquaponia em duas revistas; Produção Agropecuária. ject-details-page/?nodeRef=- “Evaluation of a commercial
- Conduzir ensaios para imple- Desta forma, a introdução do workspace://SpacesStore/ scale aquaponic unit for the
mentar uma unidade de aquapo- conceito de aquaponia na Educa- 92df315e-af85-4214-9ee- production of tilapia and let-
nia de maior escala na EPAMAC ção Ambiental levada a cabo em 1-6a5a98714fbf. tuce” em Tilapia Aquacultu-
(a escola já possui piscicultura e Portugal, passa a ser uma realida- Lewis, W.M. Yopp, J.H. et al. re: Proceedings of the Fourth
estufas de hidroponia, pelo que de consolidada. (1978): “Use of hydroponics to International Symposium on
não será uma tarefa difícil); Lembrando o mote do IV Con- maintain quality of recirculated Tilapia in Aquaculture, 1, 357-
- De acordo com a autonomia que gresso Internacional de Educação water in a fish culture system” 372.
é concedida, por lei, às escolas Ambiental dos Países e Comuni- em Trans. Am. Fish. Soc., 107 Rakocy, J.E.; Masser, M.P. e T. M.
profissionais e de acordo com os dades de Língua Portuguesa e Ga-

360 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 361
Pedro Martins Aquaponia

Losordo (2006): “Recirculating


Aquaculture Tank Production
Systems: Aquaponics—Integra-
ting Fish and Plant Culture” em
SRAC Publication, 454, 1-16.
Sneed, K.; Allen, K. et al. (1975):
“Fish farming and hydroponi-
cs” em Aquaculture Fish far-
mer, (1) 2, 18-20.

362 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 363
A mediação de Equipamentos para a Educação Ambiental do Eixo

Foto: Joaquim Ramos Pinto


Atlântico na relação Comunidade-Dieta-Alterações Climáticas
Sara Costa Carvalho1
Pablo Angél Meira Cartea2
Ulisses Miranda Azeiteiro3
Resumo
Os padrões de consumo alimentar influenciam significativamente as Alterações
Climáticas (AC), as quais têm vindo a “mediterranizar” o norte da Península Ibé-
rica. Sendo a mudança de comportamento a componente mais crítica e a dieta
um dos aspectos cujas decisões pessoais mais podem influenciar essa mudança, é
importante que os equipamentos para a educação ambiental (EqEA) atuem a ní-
vel comunitário. O projeto visa promover os EqEA como mediadores entre AC-pa-
drões alimentares e as comunidades locais, na Euroregião do Eixo Atlântico (Galiza
e Norte de Portugal). Através da investigação-ação e de três níveis de EqEA - um
EqEA piloto, um conjunto restrito de EqEA, um conjunto não limitado - haverá uma
intervenção socio-pedagógica. Os dois primeiros níveis participarão em grupos de
I-A e em ações de formação, e todos os níveis receberão formação. Espera-se que
este projeto contribua para a tomada de consciência da relação entre a dieta e as
AC, assim como para uma mudança de comportamentos alimentares nos cidadãos
e comunidades envolvidas relativamente às AC.

Palavras-chave: Equipamentos para a educação ambiental, Alterações Climáticas,


Euroregião do Eixo Atlântico, Descarbonização de estilos de vida e dieta, centros
de educação ambiental

Abstract
Current patterns of food consume have high influence on Climate Change (CC),
which has an ongoing “Mediterranization” pattern in the north of Iberian Penin-
sula. Since the change of behavior is the most critical component in this matter
and being diet patterns one of the aspects in which personal decisions most can
influence this change, it is important that resources such as the Environmental
Education Facilities (EEF) act at a community level. This project aims to promote
the EEF as mediators between CC-food patterns and the local communities, wi-
thin the Euro Region of Eixo Atlântico (Galicia, Spain and the Northern Portugal).
Throughout a methodology of investigation-action (I-A) and using three levels of
EEF – a pilot EEF, a restrict set of EEF, and a wider set of EEF – it will be developed a
sociopedagogical intervention. The first two levels will participate in groups of I-A
and all the levels will have training courses. It is expected that this projects leads
to an effective change of behavior among citizens and communities concerning CC.

1Departamento de Biologia e CESAM (Centro de Estudos Ambientais e Marinhos),


Universidade de Aveiro, Campus de Santiago 3810-193 Aveiro, Portugal. E-mail:
saradcarvalho@ua.pt
2Departamento de Teoria da Educación, História da Educación e Pedagoxía Social, Faculdade

de Ciências da Educación, Universidade de Santiago de Compostela, Campus Universitário


Sur, 15706 Santiago de Compostela, Galicia, España.
3Departamento
São Tomé e Príncipe, de Biologia e CESAM (Centro de Estudos Ambientais e Marinhos),
no continente africano Universidade de Aveiro, Campus de Santiago 3810-193 Aveiro, Portugal.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 365


A mediação de equipamentos para a Educação Ambiental do Eixo Atlântico na
Sara C. Carvalho; Pablo A. M. Cartea; Ulisses M. Azeiteiro relação Comunidade - Dieta - Alterações Climáticas

Introdução nos destinatários das atividades específicos: afetam as emissões de gases de


A presente comunicação di- pedagógicas e na população lo- -Constituir uma rede de EqEA na efeito de estufa (GEE) (Faber et
vulga um projeto de Pós-douto- cal de cada EqEA, colocando-se a Euroregião do Eixo Atlântico para al., 2012). Em concreto, estima-se
ramento recentemente aprova- sub-hipótese investigativa de que intercâmbio, formação especiali- que os alimentos sejam responsá-
do pela Fundação para a Ciência esses destinatários, em geral, não zada e inovação pedagógica, em veis por cerca de 30% das emis-
e Tecnologia, Portugal, na área percepcionam a relação entre AC torno à descarbonização nos esti- sões globais (Garnett, 2011).
da Educação para as Alterações e o tipo de dieta que praticam los de vida das comunidades en- Tais padrões de consumo ali-
Climáticas (AC). Tal projeto tem diariamente. volventes dos EqEA; mentar ou dietas de baixo Vs.
como contexto educativo os Assim, o projeto tem como -Estudar os tipos de intervenção elevado carbono incluem opções
Equipamentos para a Educação objectivo geral, ajudar os EqEA a pedagógica que estão a ser de- como a preferência ou não por
Ambiental (EqEA) e incide nas resignificar as atividades e proje- senvolvidos actualmente pelos produtos locais e sazonais, por
implicações da nossa dieta no fe- tos em torno da questão das Al- EqEA incluídos na rede, como es- produtos com certificação bioló-
nómeno das AC. terações Climáticas, no sentido tratégia de diagnóstico; gica, dieta com reduzida ou ele-
O desenho do projecto partiu da descarbonização dos estilos -Estudar a perceção dos destina- vada quantidade de carne (Boer,
da seguinte hipótese investigati- de vida, e em especial, através da tários das atividades pedagógicas Witt & Aiking (2016) e atenção ao
va: Os EqEA não estão a trabalhar dieta (estilo de alimentação). Isto (da comunidade local) acerca da desperdício de alimentos (Blanco
o tema das AC de acordo com a é, pretende-se resgatar o concei- relação entre AC, produção de ali- et al., 2014).
urgência do problema, incluindo to dos EqEA como mediadores mentos e dieta (consumo); No contexto europeu e, em
a causa difusa relacionada com entre o problema global das AC e -Implementar uma intervenção particular na Península Ibérica,
a produção e consumo de ali- as comunidades locais (Figura 1): pedagógica com os EqEA da rede as Alterações Climáticas (AC)
mentos. Tal lacuna repercute-se O projeto tem como objectivos formada, que seja adequadamen- tendem a originar uma “mediter-
te contextualizada ao entorno de ranização” do norte (UA, s/d). As
cada EqEA e que permita intervir emissões também ameaçam as
sobre os estilos de vida da popu- tradições e culturas locais (Adger
lação; et al., 2012) como, por exemplo, a
-Avaliar o plano de intervenção prática pecuária com raças autóc-
pedagógica, incluindo os impac- tones, no interior da Galiza (UA,
tos educativos e sociais das ações s/d) e do Norte de Portugal (NP).
desenvolvidas, através de instru- Não obstante, cresce o ceticis-
mentos adequados que permitam mo sobre as AC em alguns países
uma avaliação de seguimento e fi- desenvolvidos (Capstick et al.,
nal; 2015), para além de haver lacunas
-Atingir uma mudança de com- em conhecimentos e ações (Mei-
portamentos nos cidadãos e nas ra-Cartea et al., 2011). O estudo
comunidades envolvidas. de Boer, Witt & Aiking (2016),
conclui que apenas 12% dos ho-
Estado da Arte landeses e 6% dos americanos re-
Os padrões de consumo re- conhece que a redução substan-
Figura 1 - Quadro conceptual da investigação lacionados com a alimentação cial de carne é das medidas mais

366 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 367
A mediação de equipamentos para a Educação Ambiental do Eixo Atlântico na
Sara C. Carvalho; Pablo A. M. Cartea; Ulisses M. Azeiteiro relação Comunidade - Dieta - Alterações Climáticas

efectivas para a mitigação das AC. víduos e organizações é a com- tos para a educação ambiental lectual ou metodológico que faci-
No entanto, o consumo de carne ponente mais crítica (Vaughter, (EqEA) podem favorecer uma litam a consecução dos objectivos
de acordo com as recomendações 2016). Então: “A tarefa de um educação ambiental sociocrítica da EA (Serantes, 2011). No pre-
dietéticas saudáveis consegue programa educativo para mitigar por serem, nomeadamente, re- sente estudo, a denominação de
reduzir as emissões provenien- as AC e promover a adaptação às ferências estáveis para a comu- equipamentos para a educação
tes da produção destes produtos suas consequências inevitáveis, é nidade local (Serantes, 2011 e ambiental (EqEA) é tomada, for-
em aproximadamente de 15 a representar um problema colec- Serantes & Barracosa, 2008). Os malmente, como se tratando de
25% do total de GEE, segundo o tivo global à escala individual e EqEA estão assim incluídos na um conjunto de iniciativas hete-
exemplo sueco (Hallstrom, Roos social” (IPCC, 2014: 69). Através designação de recursos ou ins- rogéneas constituídas por vários
& Borjesson, 2014). No NP, estu- de uma abordagem transversal é trumentos de corpo físico, inte- elementos (Figura 2):
dantes universitários represen- possível tornar visíveis as alter-
tam as AC baseando-se na cultura nativas ecológicas e implicações
comum e não na formação cien- técnicas, económicas, éticas, cul-
tífica (Neves, 2011) e estudantes turais e políticas (Arto-Blanco &
em Espanha e México raramente Meira-Cartea, 2017).
relacionam este problema com a Por exemplo, no que concer-
alimentação (Arto-Blanco & Mei- ne à transição para uma dieta de
ra-Cartea, 2017). baixo carbono, baseada nomea-
Perante este panorama, a As- damente na redução de consumo
sociação Transfronteiriça da de carne, a pesquisa de Laesta-
Euroregião Eixo Atlântico do dius et al. (2014) mostra que é Figura 2 - Definição de equipamentos para a educação ambiental
(Serantes, 2011).
Noroeste Peninsular e, em parti- necessária uma colaboração no-
cular, a Agência de Ecologia Urba- meadamente entre organizações
na tem apoiado projetos de miti- não governamentais (ONG) de di- De acordo com a figura 2, os sentido do desenvolvimento co-
gação e adaptação às AC como o ferentes âmbitos e não apenas de EqEA têm: 1) instalações com ob- munitário e o reforço de coesão
CLIMATLANTIC (Sorrosal, 2010) ONG de ambiente para fortalecer jectivos próprios da EA; 2) pro- social. Segundo esta óptica de
e iniciativas no Programa IN- a divulgação e o envolvimento ci- jecto educativo com actividades mobilização social e da aborda-
TERREG V-A Espanha-Portugal dadão nesse sentido. Assim, as in- definidas; 3) equipa educativa, gem sociocultural nas atividades,
2014-2020 (Baleiras, 2009). Em tervenções deverão ser baseadas estável e profissionalizada; 4) re- os equipamentos poderão ter
Portugal, para além da Estratégia na participação, a relevância e a cursos materiais, humanos e me- maior ou menor “peso” na socie-
Nacional de Adaptação às AC, foi interconectividade (Allen & Cro- todológicos; 5) modelo de gestão dade local ou seja, um nível maior
implementado o Projeto ClimA- wley, 2017) através de sessões sustentável ambientalmente; 6) ou menor de impacto social. Este
daPT.Local (Estratégias Munici- práticas (Collins & Ison, 2009, com sistema avaliação do projec- conceito, por sua vez, tem asso-
pais de Adaptação às AC) (APA, McCrum et al., 2009) e envol- to; 7) sendo este adaptado a cada ciados três critérios-chave: nível
s/d), Na Galiza, também existem vendo também adultos (ex.: gru- tipo de usuários. de participação dos usuários;
planos municipais e sectoriais pos de profissionais) e seniores Perspectivando a dimensão contacto com a realidade local;
como na área agro-florestal. (Vaughter, 2016). de mobilização local, os equipa- duração das acções (Serantes &
Nestes processos, a mudan- Estruturas de educação não mentos são encarados como po- Barracosa, 2008).
ça de comportamento dos indi- formal como os equipamen- tenciais dinamizadores sociais Na abordagem sociocrítica ao
(Serantes & Barracosa, 2008), no fenómenos das AC, EqEA como

368 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 369
A mediação de equipamentos para a Educação Ambiental do Eixo Atlântico na
Sara C. Carvalho; Pablo A. M. Cartea; Ulisses M. Azeiteiro relação Comunidade - Dieta - Alterações Climáticas

os museus também estão posi- Atlântico do Noroeste Peninsular cativa e social relacionada com as desenho e na implementação das
cionados para funcionarem como visa assim, o desenvolvimento Alterações Climáticas (AC), como ações.
agentes de governância para as social, económico, cultural, tec- também partir de um problema O projeto contará com três ní-
AC pois o público confia na infor- nológico, educativo e científico contextualizado e ainda implicar veis de envolvimento de EqEA da
mação livre de influência política das cidades e regiões envolvidas. a colaboração dos participantes Euroregião do Eixo Atlântico, no
(Allen & Crowley, 2014) e po- A participação das cidades da na detecção de necessidades, no papel de mediadores (Figura 4):
dem promover a participação em Galiza e do Norte de Portugal foi
ações sobre AC (Cameron, Hodge crescendo, integrando uma estru-
& Salazar, 2013). tura urbana de cidades de maio-
No Eixo Atlântico são escassos res dimensões (ex. Porto e Vigo) e
os trabalhos em EA e em EqEA, de médias dimensões. Em termos
e além disso tão pouco existem de território global, o Eixo Atlân-
instrumentos estratégicos espe- tico é dividido por 4 áreas básicas
cíficos para este sector (Meira & transfronteiriças e 7 áreas adja-
Pinto, 2008). Sabe-se, no entanto, centes, ocupando uma superfície
que as AC são abordadas de for- de 50700 km2 (Figura 3).
ma residual em EqEA (Carvalho Considerando as semelhanças
et al., 2011, Carvalho, 2015, Se- geográficas e culturais entre Ga-
rantes, 2011). A investigação nes- liza e NP, Meira & Pinto (2008)
ta região também vem da sequên- recomendam o desenvolvimento
cia da pesquisa de doutoramento de iniciativas compartilhadas que
realizada por Carvalho (2015), difundam boas práticas de EA e, Figura 3 - Enquadramento geográfico do Eixo Atlântico na Europa.
sobre a integração de aspetos neste caso, sobre AC.
biofísicos e socioculturais locais
em EqEA do Eixo Atlântico. Metodologia prevista
Enquadrando o surgimento Para alcançar o objectivo prin-
desta Euro-região, já desde pe- cipal pretende-se realizar uma in-
ríodos ancestrais que os povos do tervenção socio-pedagógica atra-
espaço geográfico da atual Galiza vés de uma rede de EqEA do Eixo
e do Norte de Portugal tiveram Atlântico. O processo a desenvol-
experiências comuns de sobre- ver seguirá uma linha de investi-
vivência. Após um largo período gação-ação (I-A) pois pretende-se
de afastamento e com a adesão produzir mudanças na realidade
dos dois Estados à Comunidade estudada (Bisquerra, 2000).
Europeia, em 1986, a cooperação Através da I-A do tipo partici-
voltou a ganhar força, incluindo a pativo ou cooperativo (Sampieri,
constituição da entidade que vi- Collado & Lucio, 2007) será possí-
ria a constituir o Eixo Atlântico. A vel, não só envolver a transforma-
Associação da Euroregião do Eixo ção e melhoria da realidade edu-
Figura 4 – Anéis de níveis de envolvimento de EqEA no projeto

370 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 371
A mediação de equipamentos para a Educação Ambiental do Eixo Atlântico na
Sara C. Carvalho; Pablo A. M. Cartea; Ulisses M. Azeiteiro relação Comunidade - Dieta - Alterações Climáticas

De acordo com a Figura 4, o es- tentável da Área Metropolitana recurso a gravação de áudio e dos níveis I e II) relacionados
tudo abrangerá: do Porto (CRE Porto) e a Rede de vídeo e a notas de campo (Bog- com a relação AC – alimenta-
I) Um EqEA piloto - “caso- Equipamentos para a Educação dan e Biklen, 1994). ção. Os grupos de I-A e a aná-
-zero” – partindo das necessi- Ambiental da Galiza. O programa de trabalhos está lise de documentos (materiais
dades socioambientais locais e Seguindo também o proces- dividido em 7 tarefas: dos próprios EqEA) serão as
potencialidades dos recursos so próprio da I-A, interessa que - Tarefa 1: Aprofundamento técnicas principais de recolha
naturais endógenos face às AC; sejam desenvolvidos os quatro da revisão da literatura sobre de dados. Trata-se de uma es-
II) Um grupo restrito de principais ciclos sucessivos de EA em AC e sobre implicações tratégia de diagnóstico/avalia-
EqEA com elevado/médio im- planificação, acção, observação e da dieta/alimentação nas AC e ção para auxiliar igualmente
pacto social, segundo Seran- reflexão em espiral autoreflexiva sua relação com a situação so- na planificação da intervenção
tes (2011) e Carvalho (2015); ou dialética (Bisquerra, 2000), ciogeográfica do Eixo Atlântico. participada. Os resultados do
EqEA situados em municípios pretendendo a reflexão dar feed- Serão consultados documen- diagnóstico serão apresenta-
com estratégias face às AC; uns -back à “espiral” de I-A. tos, incluindo materiais peda- dos aos participantes durante
próximos da raia (faixa trans- Para recolher dados ao longo gógicos de outros contextos os grupos de I-A, para juntar
fronteiriça) e outros que já do processo de I-A irá recorrer-se geográficos, assim como ar- dados e validar informação;
abordam o tema das AC; a várias técnicas do tipo qualitati- tigos sobre formação de edu- - Tarefa 4: Implementação da
III) Um grupo alargado de vo seguindo um modelo indutivo cadores em AC e trabalho em intervenção pedagógica com
EqEA do Eixo Atlântico, que (Bisquerra, 2000). Tais técnicas rede de EqEA; os EqEA da rede formada. A
receberá formação prática ao incluem: - Tarefa 2: Constituição da rede intervenção que inclui ativi-
longo dos vários ciclos do pro- a) grupos de I-A, numa técnica de EqEA do Eixo Atlântico em dades e materiais pedagógicos
cesso de I-A. híbrida entre grupos de dis- torno da descarbonização nos (para destinatários à escolha
cussão (Delgado & Gutiérrez, estilos de vida das comunida- dos EqEA e de forma regular)
No nível I irá participar um 1998) e comunidades de prá- des. Como primeiro ciclo da I-A, será contextualizada em cada
EqEA da zona nordeste de Por- ticas (Aguilar & Krasny, 2011) será planificada a intervenção, EqEA. Aqui também se fará
tugal (município de Bragança) e contando cada grupo com começando pela organização uso dos grupos de I-A. O nível I
que está a dar os seus primeiros elementos da equipa de um de sessões iniciais (oficinas) de EqEA será acompanhado de
passos. O grupo restrito de EqEA EqEA, com a investigadora e, com os EqEA dos três níveis de forma individual no decurso
do nível II será composto por três sempre que possível, o líder de envolvimento, numa lógica de das actividades. Paralelamen-
equipamentos do Norte de Por- um grupo de visitantes; trabalho de cenários (previsão te serão realizadas ações de
tugal e quatro centros da Galiza, b) análise de documentos insti- de 3 e 6 anos). Esta tarefa in- formação práticas (oficinas)
abrangendo iniciativas da zona tucionais dos EqEA ou realiza- clui ainda a criação dos grupos com os EqEA dos três níveis
costeira e da zona interior do dos pelos participantes nas ac- de I-A e de linhas de orienta- da rede, com a colaboração
Eixo Atlântico. tividades (ex. textos, desenhos, ção envolvendo os EqEA dos de especialistas (em EA, em
Além disso, participarão es- fotografias, filmes, outros ma- níveis I e II; equipamentos e noutras áreas
pecialistas em EA e as entidades: teriais pedagógicos sobre as - Tarefa 3: Pesquisa sobre os ti- necessárias) e envolvendo as
Associação Portuguesa de Educa- AC); pos de intervenção pedagógica comunidades locais. O ciclo
ção Ambiental (ASPEA), Centro c) observação de atividades desenvolvidos pelos EqEA do de I-A relacionado com ob-
Regional de Excelência de Educa- pedagógicas desenvolvidas no nível II e sobre os problemas servação (da implementação
ção para o Desenvolvimento Sus- âmbito da intervenção, com socioambientais locais (EqEA das atividades e a formação

372 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 373
A mediação de equipamentos para a Educação Ambiental do Eixo Atlântico na
Sara C. Carvalho; Pablo A. M. Cartea; Ulisses M. Azeiteiro relação Comunidade - Dieta - Alterações Climáticas

de educadores) irá recorrer às mentos de reflexão: a meio do


técnicas de notas de campo e projeto (3 anos) e outro no fi-
análise de documentos; nal (6 anos). Serão realizadas
- Tarefa 5: Reflexão participada sessões com os três níveis de
com os EqEA sobre as interven- EqEA (pelos menos duas ofi-
ções pedagógicas implemen- cinas, uma com cada região do
tadas, com vista à retroali- Eixo Atlântico) para debate de
mentação do processo de I-A. propostas futuras;
Nesta tarefa são avaliadas as - Tarefa 7: Divulgação e pu-
estratégias de intervenção pe- blicação dos resultados - or-
dagógica (impactos educativos ganização de seminário in-
e sociais) e serão efectuados ternacional (último semestre
ajustes, através dos grupos do projeto) e publicação dos
de I-A (com os níveis I e II de resultados na forma de livro,
EqEA) e através de oficinas assim como de três artigos em
(com os três níveis); revistas internacionais com fa-
- Tarefa 6: Avaliação periódica tor de impacto.
para balanço da intervenção
e do funcionamento da rede Na Figura 5 é ilustrada a dinâ-
temática através de dois mo- mica das tarefas de 1 a 5:

Figura 5 – Principais fases da investigação-ação e tarefas a desenvolver com os


EqEA (adaptado de Sampieri, Collado & Lucio, 2007).

De acordo com a figura 5 po- das, com vista à retroalimentação


de-se observar que o processo do processo de I-A e à divulgação
de investigação-ação consistirá dos resultados alcançados.
numa espécie de espiral de co- Espera-se, desta forma, contri-
nhecimento. Assim, o primeiro buir para uma mudança gradual
ciclo consistirá no estudo do pro- e efetiva de comportamentos nos
blema; o segundo ciclo, na elabo- cidadãos e comunidades envol-
ração do plano; o terceiro ciclo, vidas relativamente às AC, e em
na implementação e avaliação concreto na descarbonização das
do plano; e o quarto ciclo, na re- diversas componentes da dieta.
troalimentação do processo. Em
suma, o projecto contará com vá- Agradecimentos
rios ciclos de reflexão participada O projeto tem o apoio da Fun-
com os EqEA sobre as interven- dação para a Ciência e Tecnolo-
ções pedagógicas implementa- gia, Portugal (Número de bolsa:

374 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 375
A mediação de equipamentos para a Educação Ambiental do Eixo Atlântico na
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378 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 379
Capacitação local e processos adaptativos – O lugar dos professores
no projeto ClimAdaPT.Local

João Guerra1
Foto: Joaquim Ramos Pinto

Luísa Schmidt2
Resumo
Assumindo como pressuposto o papel estratégico dos municípios, das comunida-
des locais e da educação ambiental no esforço conjunto de resposta às altera-
ções climáticas, o projeto ClimAdaPT.Local teve como objetivo a elaboração de
Estratégias Municipais de Adaptação às Alterações Climáticas e a sua integração
no planeamento municipal. Pretendeu-se alcançar este objetivo através do de-
senvolvimento de ferramentas e metodologias de implementação que incluíram o
envolvimento do corpo técnico autárquico de 26 municípios e, ainda a participa-
ção e a capacitação das comunidades locais. Estes últimos aspetos surgiram como
condição sine qua non para se alcançarem as metas predefinidas e para criar novas
oportunidades de transformação individual e social que potenciassem a resiliência
local e global. Para tal, contou-se, entre outros atores, com a mobilização dos pro-
fessores, a sua experiencia formativa e a sua capacidade pedagógica para promo-
ver os processos de reflexão individual e coletiva. Centrando-se nos resultados de
um inquérito por questionário, este capítulo irá descrever algumas conclusões de
uma análise comparativa que postula a mais-valia acrescentada pelos professores
no processo de mobilização da comunidade e confronta as suas posturas, capa-
cidades e predisposições com as de outros atores igualmente mobilizados para a
adaptação e defesa ambiental.

Palavras-Chave: Alterações Climáticas, Comunidades Locais, Participação, Educa-


ção Ambiental.

Abstract
Assuming the strategic role of municipalities, local communities, and Environmen-
tal education in the joint effort to climate change response, the ClimAdaPT.Local
project aimed to launch a set of Municipal Strategies for Adaptation to Climate
Change and its integration into municipal planning. The objective was to achieve
this goal by developing tools and methodologies, by training local technical staff
of 26 municipalities, and by empowering of local actors. This last factor emerged
as a sine qua non condition to reach the planned goals and to provide new oppor-
tunities for individual and social transformation that can enhance local and global
resilience. For this end, within other local actors, teachers of all levels have been
mobilised, as well as their formative experience, and their pedagogical capacity to
promote individual and collective reflection. This chapter is focused on results of a
questionnaire survey, and will draw some conclusions from a comparative analysis
that posits the added value of teachers in the community mobilisation process,
and confronts their positions, capacities and predispositions with other local ac-
tors equally mobilised for adaptation and environment protection.

Key-words: Climate Change, Local Communities, Participation, Environmental Edu-


cation.
São Tomé e Príncipe, 1E-mail: jfguerra@ics.ulisboa.pt
no continente africano 2E-mail: mlschmidt@ics.ulisboa.pt.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 381


João Guerra; Luísa Schmidt Capacitação local e processos adaptativos

Introdução municípios, EA e promoção da procurou tirar partido da estraté- cipar ativa e conscientemente no
Se na atualidade o consenso sustentabilidade local. gia de envolvimento dos cidadãos processo de transição local e glo-
em torno da relevância das Alte- Com efeito, as evidências empí- no projeto que, entre outros, ti- bal para a sustentabilidade (Gon-
rações Climáticas (AC) é cada vez ricas têm vindo a tornar claro que nha como meta a integração dos çalves e Guerra, 2007).
mais alargado, não será menos o sucesso de qualquer estratégia saberes leigos nas Estratégias
evidente que permanecem re- educacional e, sobretudo, de EA, Municipais de Adaptação às Alte- O ClimAdaPT.Local e os profes-
sistências e um sem-número de cujo leitmotiv é o comportamen- rações Climáticas (EMAAC). sores na mobilização das co-
outros problemas a desviar es- to individual e coletivo, depende Por outro lado, para não per- munidades locais
forços dos necessários processos do foco que se lhes imprime em der de vista a EA e os seus impe- Para combater o fenómeno das
de adaptação às AC (Schmidt et. dimensões locais, tangíveis e exe- rativos – i.e., desenvolvimento de AC e os seus efeitos, o projeto Cli-
al., 2015). Tal acontece a vários quíveis (Anderson, 2012). Trata- saberes práticos; mudança dos mAdaPT.Local3 propôs-se imple-
níveis quer entre decisores políti- -se de compatibilizar vontades, estilos de vida, visão estratégica mentar um processo de elabora-
cos e instituições da administra- interesses e capacidades, num da comunidade (Pardellas San- ção de Estratégias Municipais de
ção pública, quer entre organiza- esforço conjunto de adaptação tiago, Meira Cartea, Iglesias da Adaptação às Alterações Climáti-
ções da sociedade civil e cidadãos em comunidades que se encon- Cunha, 2017) – centrar-nos-emos cas (EMAAC) e a sua integração
em geral. tram, cada vez mais, em ebulição numa análise comparativa entre nas ferramentas de planeamento
Neste caminho de transição intermitente devido à frequência a generalidade dos participantes municipal. Pretendeu-se alcan-
que, de qualquer modo, já está e intensidade dos eventos extre- nesses workshops e um grupo çar este objetivo pela capacitação
em curso (Jackson 2009), e cujo mos (i.e., depois das cheias vêm mais restrito aí incluído: profes- do corpo técnico municipal, pela
inexorável horizonte condiciona os fogos, depois dos fogos vêm as sores dos vários níveis de ensino. consciencialização dos decisores
as vias de mudança social (Garcia, secas…), mas que se querem re- Parte-se do princípio que os pro- políticos, pela mobilização dos
Martinez-Iglesias e Kirby, 2017), silientes e capazes de responder fessores, sobretudo aqueles mais atores locais e pelo desenvolvi-
os municípios assumem um lugar aos impactos das AC (Campos et. ambientalmente mobilizados e, mento de ferramentas e formas
importante, assente na interme- al. 2017). portanto, mais interessados na de implementação.
diação entre sociedade civil, setor Não restam, portanto, grandes EA, estarão também mais dispo- Os resultados que aqui se
privado e governo central (Guer- dúvidas de que as comunidades níveis para promover a redefini- apresentam decorrem de uma
ra, 2009, Roberts, 2012) que os locais e a sociedade global acaba- ção de comportamentos e a adap- auscultação continuada e trans-
posiciona no fulcro da adaptação rão por confrontar-se com a ne- tação às AC entre os seus alunos versal que procurou sistemati-
às AC. Nesta linha, uma educação cessidade de adaptação – mais ou e, por via deles, entre as famílias zar o processo de monitorização
ambiental (EA) que se quer efi- menos forçada – aos efeitos das e as comunidades. Ou seja, com do projeto. O conjunto global
caz, assume como seus “os com- AC (Jackson, 2009). Propondo-se base em experiências práticas e de inquirição contou com nove
promissos de avançar comunitá- o projeto ClimAdaPT.Local res- vividas, levar os cidadãos a parti- questionários aplicados em três
ria e ecologicamente para uma ponder a esse desafio, o presente
sociedade sustentável” (Caride texto assenta nos resultados de
e Meira, 2001: 243). Tarefa que, um inquérito aplicado aos atores 3Cofinanciado a 85% pelo EEA Grants e a 15% pelo Fundo Português de Carbono (FPC), o
mais uma vez, implica um envol- locais nele envolvidos, presentes projeto foi coordenado pelo grupo de investigação Climate Change, Impacts, Adaptation
vimento que só a vivência local em vinte e seis workshops delibe- and Modelling (CCIAM) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e contou com
a parceria de diversas entidades (académicas, empresariais, ONG e municípios), entre as
possibilita. Daí a relação fecunda rativos, levados a cabo em outros
quais o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que foi responsável pela
que se pode implementar entre tantos municípios. Este inquérito aplicação e análise dos inquéritos de monitorização.

382 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 383
João Guerra; Luísa Schmidt Capacitação local e processos adaptativos

Tabela 1 – Rondas do inquérito e objetivos referentes aos quatro grupos-alvo.

rondas distintas, a quatro grupos passado, quando teorizava sobre


de intervenientes, nos 26 muni- a relação histórica entre o dióxi- Figura 1 – Centralidade do papel dos municípios e da EA no processo de adap-
cípios envolvidos: atores locais, do de carbono e o clima da Terra tação local.
corpo técnico não diretamente (Plass, 1956) –, as AC ganharam
envolvido, técnicos diretamente uma notoriedade relativamente
cial mobilizador das comunida- citação e mobilização de alunos
envolvidos nas atividades do pro- recente, ainda longe de corres-
des, conseguido através dos estu- e suas famílias e, por via deles,
jeto e decisores políticos. ponder a uma reorientação signi-
dantes e suas famílias (Gonçalves, das comunidades locais em geral
Esta abrangência de grupos-al- ficativa de práticas de produção/
Guerra e Schmidt, 2007). (Schmidt, Guerra e Nave, 2010).
vo decorreu da própria natureza consumo. Seja como for, os sinais
Assim, numa conjuntura em Presumindo que detêm um ca-
das AC que resultam de diferen- de degradação ecológica deixam
que os efeitos percecionados pital acumulado de EA que, por
tes atividades e comportamentos cada vez menos espaço para o
das AC (e.g., imprevisibilidade, princípio, “promove a aprendi-
centrados na sobre-exploração negacionismo que, hoje em dia,
insegurança, vulnerabilidade, zagem social multi-stakeholder;
de combustíveis fósseis, com con- surge basicamente acantonado à
incerteza…) só complexificam a enfatiza o empoderamento das
sequências sociais importantes: questão da distribuição de esfor-
tarefa de envolvimento público, comunidades e dos cidadãos;
destruição dos meios de susten- ços para as ultrapassar.
a estratégia delineada procurou, envolve questões fundamentais,
to em muitas comunidades lo- É, aliás, neste contexto de con-
ao nível de cada um dos vinte e como sejam os direitos humanos,
cais, alteração das economias e senso que a estratégia do ClimA-
seis municípios, envolver um es- a redução da pobreza, os meios
debilitação do desenvolvimento, daPT.Local tem lugar (Figura 1),
pectro tão abrangente quanto de subsistência sustentáveis e a
recrudescimento dos fluxos mi- elegendo o nível local como ful-
possível de grupos sociais, bus- igualdade de género; e incenti-
gratórios e multiplicação das de- cro de atividades: os municípios
cando o confronto de uma ampla va mudanças de comportamento
sigualdades. Trata-se, portanto, surgem como instrumento cen-
gama de perspetivas (Schmidt et. que procuram garantir um futu-
de um problema complexo, com tral para a adaptação – i.e., fun-
al., 2015). Neste processo, os pro- ro mais sustentável” (Anderson,
implicações que ultrapassam lar- ção mediadora entre sociedade
fessores assumiram particular 2012, 193), o objetivo deste texto
gamente os seus efeitos sobre o civil, tecido empresarial e outros
relevância (enquanto recetores e centrou-se nos professores, pro-
ambiente físico. níveis da administração (Roberts,
emissores de conhecimento) pelo curando, a partir das suas respos-
No entanto, se o termo já tem 2012) –, a que, na nossa análise,
papel que podem desempenhar tas, perceber qual o seu contri-
uma história longa – Gilbert Plass se juntam o sistema educativo e
nos processos de formação, capa- buto específico para a adaptação
cunhou-o em meados do século os professores com o seu poten-

384 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 385
João Guerra; Luísa Schmidt Capacitação local e processos adaptativos

local, quando comparado com os começamos pela caracterização


outros representantes da socie- dos inquiridos, limitando-nos,
dade civil. por economia de espaço, à tipolo-
gia da sua instituição de perten-
Discussão de resultados do in- ça, cuja diversidade foi condição
quérito prévia para levar a efeito cada um
Para contextualizar a análise, dos workshops.

Figura 3 – Gravidade atribuída ao problema das AC

Vejamos, então, até que pon- portugueses que, portanto,


to os professores se distinguem não distingue estes dois gru-
dos restantes participantes com pos entre si, nem da sociedade
resultados mais relacionados portuguesa em geral (e.g., Sch-
com as EMAAC, na altura em de- midt e Guerra, 2013; Schmidt e
senvolvimento. Ao serem ques- Delicado, 2014)
Figura 2 – Distribuição dos inquiridos por tipo de entidade representada. tionados sobre se, na atualidade, • Comparando estes resul-
as AC eram um problema grave tados com os do questionário
a diversas escalas geográficas: aplicado no início do projeto,
A Figura 3 só em parte dá con- ressa aqui sublinhar, sobretudo, o
global, nacional, regional e local nota-se que a perceção gene-
ta dessa diversidade já que, cada peso das instituições de ensino na
(Figura 4), os dois grupos foram ralizada da gravidade do pro-
um dos grupos aqui representa- globalidade da amostra: o segun-
unânimes em, pelo menos, dois blema tende a aumentar com
dos, inclui uma variedade interna do maior grupo. O que reforça o
aspetos: a participação no ClimAdaPT.
igualmente relevante. Por exem- interesse de comparar o compor-
• A preocupação com a gra- Local, o que confirmará o su-
plo, nas instituições de ensino tamento destes inquiridos com os
vidade das AC é elevada e tanto cesso do projeto, mas, aparen-
incluem-se educadores de infân- restantes que, como fica claro na
maior quanto mais abrangente temente, com melhores resul-
cia e professores universitários, Figura 3, são ainda mais diversi-
é a escala, com 69% dos pro- tados entre os professores que
escolas públicas e privadas. Inte- ficados.
fessores e 72,7% dos restantes parecem mais predispostos a
inquiridos a considerar que, processar a informação dispo-
a nível global, são um proble- nibilizada (Guerra e Travassos,
ma muito grave, enquanto ao 2017).
nível local os mesmos grupos
não ultrapassam os 32,4% e Há, por isso, algumas diferen-
28,2%. Trata-se de um padrão ças que também importa sub-
de resposta já usual entre os linhar: é notório que os profes-

386 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 387
João Guerra; Luísa Schmidt Capacitação local e processos adaptativos

sores tendem a avaliar menos nor dramatização. Talvez pelas


negativamente a situação. Se con- mesmas razões, acresce que essa
siderarmos que este será um gru- diferença aumenta, sobretudo, no
po particularmente informado, e que toca à avaliação regional e
sem menosprezar a preocupação local. O que poderíamos chamar
que partilham com os restantes “efeito EA” revela-se num fator
participantes nos workshops, de apaziguamento e, talvez mais
verifica-se que, maior reflexão importante, pode reforçar a ação
(decorrente das atividades de municipal, com base na consen- Figura 5 – Expetativas dos inquiridos sobre o sucesso e cumprimento dos
ensino e EA) parece implicar me- sualização gerada. prazos

tes participantes nos workshops dos prazos previstos, a dificulda-


tendem a acreditar na qualidade de em responder aumenta trans-
das EMAAC produzidas (apenas versalmente, mas, ainda mais,
15,2% dos professores e 9% dos entre os professores. Talvez por-
outros participantes não acre- que, sendo outsiders do aparelho
ditam que as EMAAC permitirão administrativo municipal, seja
enfrentar melhor os desafios das mais difícil avaliar a capacidade
AC). Já quanto à capacidade de e a vontade política para avançar.
implementar as EMAAC dentro Resta, então, perceber que

Figura 4 – Avaliação do conhecimento adquirido como


resultado do ClimAdaPT.Local

Numa questão que indagava sim, não apenas mais habilitados


até que ponto o projeto ClimA- a lidar com as questões das AC,
daPT.Local aumentou o conhe- como mais disponíveis para pro-
cimento sobre as AC, os valores cessar e assimilar novos conheci-
das categorias positivas (1, 2 e mentos que surtirão certamente
3) aumentam consideravelmen- efeito na sua atividade pedagógi-
te em todas as situações (para o ca. Será que, então, se distinguem
próprio, para o município e para quanto às espectativas criadas
o país) e acentuam-se particular- pelo ClimAdaPT.Local? De acor-
mente entre os professores, so- do com a figura 8 as diferenças
bretudo, quando em causa estão entre os dois grupos não pa-
os efeitos para si próprio e para recem ser de monta ainda que
o país. suscitem algumas interrogações. Figura 6 – Requisitos para implementar a EMAAC
Os professores parecem, as- Quer professores quer os restan-

388 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 389
João Guerra; Luísa Schmidt Capacitação local e processos adaptativos

requisitos são necessários para dos municípios. Nesta estraté- Já quanto aos fatores poten- com diferentes pontos de vista
implementar as EMAAC. A con- gia, o envolvimento das comuni- ciadores da adaptação, pode di- (professores, cidadãos comuns,
sonância global de posições en- dades locais foi uma prioridade zer-se que, globalmente, não di- ONG, cientistas, empresas…) e
tre os dois grupos não impede a que contou com os mais variados ferem significativamente entre com problemas que diferiram de
emergência de algumas diferen- atores representativos das vinte professores e outros participan- município para município. Mas
ças mais óbvias (Figura 6). Os e seis comunidades municipais, tes. Para todos os inquiridos, os permitiu, sobretudo, através do
professores distinguem-se dos onde os professores foram parte fatores fulcrais para a implemen- foco criado nas sessões delibe-
outros participantes porque atri- integrante de todos os processos tação das EMAAC são: os recur- rativas sobre as realidades lo-
buem uma importância destaca- deliberativos. sos (humanos e financeiros) e as cais, alagar perspetivas sobre as
da a temáticas que, globalmente, A estratégia de envolvimento aptidões de envolvimento/parti- questões globais decorrentes das
são recorrentes na EA: envolvi- estabelecida permitiu mobilizar cipação presentes entre as popu- AC e, a partir delas, garantir ex-
mento da sociedade civil, progra- uma boa parte das comunidades lações (organização, envolvimen- periências e conhecimentos que,
mas de sensibilização e literacia locais e trazer para o terreiro de to, resistência ou capacidade de posteriormente, podem vir a ser
e/ou conhecimento sobre a ma- discussão (e, consequentemente, mudança). utilizados para fomentar uma ci-
téria. Quanto aos restantes requi- de formulação das EMAAC), uma Nestas breves páginas procu- dadania mais ativa e interativa.
sitos para implementar a EMAAC, diversidade alargada de saberes rámos estabelecer algumas li- Afinal, tendo em conta o papel
sublinham-se, prioritariamente, leigos, interesses e valores locais nhas do que se poderá alcançar mobilizador dos professores, este
requisitos diretamente ligados que, de outra forma, teriam sido com um projeto semelhante ao tipo de projetos contribui para
com condicionalismos sentidos ignorados. ClimAdaPT.Local, numa ótica em ajudar a pensar as AC de uma for-
na gestão autárquica: recursos Neste processo, o papel dos que, como referiam José A. Cari- ma holística, assentando em pro-
humanos, recursos financeiros e professores foi central. No âmbi- de e Pablo A. Meira (2001), mui- blemas reais e nas suas interde-
articulação de serviços camará- to de uma educação para as AC, a tas das abordagens pedagógicas pendências e na forma de melhor
rios, que constituem falhas cróni- sua participação resultou numa modernas se justificam pela ne- lidar com as suas consequências.
cas no funcionamento das autar- maior propensão/aceitação da cessidade de dar uma resposta às
quias. mudança que se espera e, conse- tensões resultantes de diferentes Referências
quentemente, na criação de maior experiências de crise interliga- Anderson, Allison (2012): “Clima-
Conclusões resiliência local. A diferença sur- das (económica, política, cultural, te Change Education for Mitiga-
Estando o poder local e os mu- giu, sobretudo, numa capacida- ecológica, axiológica, etc.). Assim, tion and Adaptation”, em, Journal
nicípios num lugar charneira en- de acrescida que parecem deter, o lugar dos professores e da sua of Education for Sustainable
tre, por um lado, as populações para ouvir e refletir sobre pontos “expertise”, nas comunidades lo- Development, 6 (2): 191–206.
e os problemas e, por outro lado, de vista alternativos. Daí que nas cais, ganha particular relevo, so- Campos, Inês, Guerra, João,
o governo nacional e as instân- avaliações sobre a gravidade das bretudo, se interligado com o dos Ferreira, José, Schmidt, Luísa,
cias de governança europeia e AC e suas consequências divirjam municípios que podem garantir a Alves, Filipe, Vizinho, André,
internacional (EU, ONU), o pro- um pouco dos seus interlocuto- exequibilidade das matérias deli- Penha-Lopes, Gil (2017): “Un-
jeto ClimAdaPT.Local procurou res. Entre os professores tende beradas. derstanding climate change
responder ao desafio das AC com a desdramatizar-se mais a situa- A participação nos workshops policy and action in Portugue-
disponibilização de mais conhe- ção, a refletir mais sobre ela e, deliberativos do ClimAdaPT. se municipalities: A survey”,
cimento e maior capacitação por conseguinte, a compreendê- Local ofereceu, portanto, uma em, Land Use Policy, 62: 68-
para a adaptação local, a partir -la/conhecê-la melhor. experiência de contacto direto 78.

390 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 391
João Guerra; Luísa Schmidt Capacitação local e processos adaptativos

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392 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 393
A mudança climática global na perspectiva dos professores de

Foto: Joaquim Ramos Pinto


Ciências Naturais e as potencialidades para a Educação Ambiental

Mariana de Oliveira Tozato1


Marília Andrade Torales Campos2
Resumo
Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa sobre a mudança climática
global no contexto escolar. Os dados foram coletados com um grupo de profes-
sores da rede pública do município de Curitiba/PR (Brasil). A pesquisa teve por
objetivo identificar a relação que os professores de Ciências Naturais do 6º e 7º
ano do Ensino Fundamental constroem entre conteúdos de sua disciplina (efei-
to estufa, camada de ozônio, dióxido de carbono) e a mudança climática global,
considerando o potencial que estes conteúdos possuem para realização de ações
no campo da Educação Ambiental. Assim, definiu-se na base teórica o apoio de
autores como: Artaxo (2014), González-Gaudiano e Meira-Cartea (2009) e Teixeira
e Torales (2014). Adotou-se a metodologia qualitativa, com a coleta de dados feita
por meio da realização de entrevista com os professores. Na análise dos dados
percebeu-se que os participantes relacionavam os conteúdos que ministram com a
mudança climática global, embora sem articulação com as demais áreas do conhe-
cimento, o que restringe a interpretação do fenômeno que caracteriza-se como
complexo, híbrido e requer um esforço interdisciplinar para sua compreensão.

Palavras-chave: Mudança climática global; educação ambiental; professores de


Ciências Naturais.

Abstract
This paper presents the results of a research on global climate change in the school
context. Data were collected with a group of teachers from the public network of
the city of Curitiba / PR (Brazil). The aim of the research was to identify the relation
between the contents of their discipline (greenhouse effect, ozone layer, carbon
dioxide) and global climate change, considering the potential that the teachers
of Natural Sciences of the 6th and 7th year of elementary school. These contents
have for carrying out actions in the field of Environmental Education. Thus, the
support of authors such as Artaxo (2014), González-Gaudiano and Meira-Cartea
(2009) and Teixeira e Torales (2014) were defined on the theoretical basis. The
qualitative methodology was adopted, with the data collection done through an
interview with the teachers. In the analysis of the data it was observed that the
participants related the contents that they teach with global climate change, al-
though without articulation with the other areas of knowledge, which restricts the
interpretation of the phenomenon that is characterized as complex, hybrid and
requires an effort Interdisciplinary approach for their understanding.

Key-words: Global climate change; environmental education; teachers of Natural


Sciences.

São Tomé e Príncipe, 1Universidade Federal do Paraná (Brasil).


no continente africano 2Universidade Federal do Paraná (Brasil).

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 395


A mudança climática global na perspectiva dos professores de Ciências Naturais
Mariana de O. Tozato; Marília A. T. Campos
e as potencialidades para a Educação Ambiental

Introdução em sua atividade profissional pectiva metodológica qualitativa. volvimento de ações pontuais
Esta pesquisa justifica-se pela são inúmeros, entre eles estão a O instrumento desta investigação limitadas a própria disciplina de
necessidade de preencher lacu- falta de políticas institucionais foi a entrevista semiestruturada Ciências Naturais, caracterizando
nas de conhecimento e ação dian- que assumam o compromisso realizada com 11 professores de a presença de práticas pedagó-
te do desafio contemporâneo que das instituições formadoras com Ciências Naturais no 6º e 7º anos gicas desarticuladas com as de-
a mudança climática global re- a necessária ação dos professo- do Ensino Fundamental no sis- mais áreas do conhecimento para
vela. Para isto, se faz necessária res em relação à problemática tema educativo brasileiro. Para abordar a mudança climática glo-
uma resposta social ao fenômeno ambiental (TEIXEIRA; TORALES, análise dos dados, a pesquisa se bal, o que limita a compreensão
a partir de diversos campos, den- 2014). Nesta direção, a formação apoiou na análise de conteúdo do fenômeno.
tre eles, os que envolvem ações docente, para o avanços dos pro- (BARDIN, 1977).
de pesquisas que aportem novos cessos formativos, seria preciso Considerações finais
conhecimentos e compreensões instaurar um processo profundo Análise e discussão dos resul- Identificou-se nos resultados
sobre o tema. No caso da pesqui- de análise da realidade, tendo tados da pesquisa que professores de
sa aqui apresentada, tratou-se de em vista que os fenômenos am- De acordo com os dados co- Ciências do 6º e 7º ano do Ensino
investigar a relação que os profes- bientais são de natureza híbrido letados, percebeu-se que alguns Fundamental relacionam conteú-
sores de Ciências Naturais - que e complexa (GONZALEZ-GAU- professores, definem a mudança dos de sua disciplina (efeito estu-
atuam no Ensino Fundamental DIANO; MEIRA-CARTEA, 2009). climática global pelas suas con- fa, camada de ozônio, dióxido de
do sistema de ensino brasileiro Portanto, assumimos neste estu- sequências e outros associam carbono) com a mudança climáti-
-estabelecem entre os conteúdos do que as Ciências Naturais não seu significado ao conceito de ca global, e reconhecem o poten-
curriculares que ensinam e a mu- preenchem todas as lacunas para “alterações climáticas”. Para Tilio cial que estes conteúdos possuem
dança climática global, entendida tratar da complexidade de fenô- Neto (2010) o fenômeno não re- para realização de ações no cam-
como objeto de estudo do campo menos como a mudança climática presenta alteração, mas sim uma po da Educação Ambiental. Ape-
da Educação Ambiental. global, mas trazem importantes mudança devido a uma anomalia sar disto, e mesmo compreen-
Em relação à metodologia, aportes para a compreensão des- no sistema climático. Além dis- dendo a importância de uma ação
adotou-se a abordagem quali- te processo. so, Artaxo (2014), afirma que as interdisciplinar, ainda encontram
tativa com uso de instrumentos Neste sentido, a perspectiva mudanças geológicas da Terra e a dificuldades para realizar uma
como a entrevista semiestrutura- interdisciplinar possibilita a su- ação humana provocaram trans- ação que envolva outras áreas de
da aplicada a um grupo de onze peração do saber fragmentado, e formações significativas no nosso conhecimento. Por isso, é funda-
professores da disciplina de Ciên- traz um possível direcionamen- planeta. Sendo assim, não se trata mental o fomento de pesquisas
cias. Para a análise dos dados foi to para a construção de uma vi- apenas de alterações cíclicas, mas sobre mudança climática global
utilizado os procedimentos que são integral de meio ambiente, a de um processo de mudança no no contexto da Educação Am-
se referem a um processo de aná- partir da articulação de diversos contexto climático global. biental e ampliação dos proces-
lise de conteúdo fundamentada campos de conhecimento ante a Em relação a perspectiva meto- sos de formação de professores.
nos estudos de Bardin (1977). necessidade de composição de dológica de trabalho com o tema,
estratégias de mitigação e adap- foram identificadas ações como: Referências bibliográficas
Mudança climática global no tação à mudança climática global. uso os experimentos e realização ARTAXO, Paulo Eduardo (2014):
contexto da Educação Ambien- de atividades em laboratórios; “Mudanças climáticas e o Brasil”,
tal Metodologia da pesquisa indicação da internet como prin- em Dossiê Clima - Revista USP, n.
Os desafios aos professores A pesquisa adotou a uma pers- cipal fonte de informação; desen- 103, p. 8-12.

396 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 397
A mudança climática global na perspectiva dos professores de Ciências Naturais
Mariana de O. Tozato; Marília A. T. Campos
e as potencialidades para a Educação Ambiental

BARDIN, Laurence (1977):


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quisas Sociais.

398 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 399
Foto: Giseli Dalla Nora

tecido 4 pontos e linhas


Noia, na Galícia ambientais
A Educação ambiental e a valorização do património natural de São

Foto: Joaquim Ramos Pinto


Tomé e Príncipe – contributos e desafios para o desenvolvimento
local
Mário Acácio B. M. C. Oliveira1
Olga Maria A. P. Santos2
Resumo
O património natural de São Tomé e Príncipe tem vindo a ser identificado e reco-
nhecido pela comunidade científica, processo em que se tem destacado mais a
sua riquíssima diversidade biológica que a geológica, não obstante a sua relativa
importância. O relacionamento da comunidade com os recursos naturais do arqui-
pélago tem vindo a intensificar-se e a promover impactos significativos, como o
atestam a progressiva depleção da floresta, a erosão costeira e a extração furtiva
de inertes, entre outras situações identificadas. Promover um maior e melhor co-
nhecimento do património natural de São Tomé e Príncipe, bem como de modelos
de relacionamento mais harmoniosos entre a comunidade e este património, é
um desígnio da Educação Ambiental. A Educação Ambiental torna-se promotora
da sensibilização, formação, divulgação, promoção e valorização do conhecimento
relativo ao património natural/ambiental, tornando-se um veículo de intervenção
e desenvolvimento comunitário. Pode contribuir, assim, para o desenvolvimento
do arquipélago aos seus vários níveis - abarcando múltiplos atores nesse processo
educativo, nomeadamente estabelecimentos de ensino, organizações não-gover-
namentais com preocupações ambientais e de desenvolvimento, ordens profis-
sionais e poder político, entre outros – exigindo também o estabelecimento de
uma rede de cooperação/parcerias essencial ao país e à defesa do seu património
natural.
Palavras Chave: Educação Ambiental; Património natural; Biodiversidade; Geodi-
versidade; Rede de Geossítios de São Tomé e Príncipe.

Abstract
The natural heritage of São Tomé and Príncipe archipelago has been identified
and recognized by the scientific community, a process in which its rich biological
diversity has been more prominent than geological diversity, despite its relative
importance. The community's relationship with the natural resources of the ar-
chipelago has been intensifying and promoting significant impacts, as evidenced
by the progressive depletion of the forest, coastal erosion and furtive extraction
of aggregates, among other identified situations. To promote a greater and better
knowledge of the natural heritage of São Tomé and Príncipe, as well as more har-
monious relationship models between the community and this heritage, is a design
of Environmental Education. Environmental Education becomes a promoter of the
awareness, formation, dissemination, promotion and valorization of knowledge
related to the natural / environmental heritage, becoming a vehicle for interven-
tion and community development. It may contributes to the development of the
archipelago at its various levels - encompassing multiple actors in this educational
process, including educational establishments, non-governmental organizations
with environmental and development concerns, professional orders and political
power, among others - of a network of cooperation / partnerships essential to the
country and the defense of its natural heritage.
São Tomé e Príncipe, Keywords: Environmental Education; Natural Heritage; Biodiversity; Geodiversity;
no continente africano São Tomé e Príncipe Geosites Network.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 403


A educação ambiental e a valorização do patrimônio natural de
Mário A. B. M. C. Oliveira; Olga M. A. P. Santos
São Tomé e Príncipe

A República Democrática de dos Côcos, Ilhéu Tinhosa Gran- relevo, também a hidrografia da neste particular, o elevado núme-
São Tomé e Príncipe é um arqui- de, Ilhéu Tinhosa Pequena, entre ilha do Príncipe se revela bastan- ro de endemismos identificados,
pélago localizado no Golfo da Gui- muitos outros. te menos exuberante, sobressain- facto a que não será alheio, justa-
né, a aproximadamente trezentos A ilha de S. Tomé possui no do o rio Papagaio e um conjunto mente, a situação em que o isola-
quilómetros da costa ocidental Pico de S. Tomé o seu relevo de de ribeiras com origem na região mento geográfico decorrente do
africana e sobre o equador, linha cota mais elevada, com 2024 me- montanhosa central (Cardoso & facto de se tratar de ilhas e ilhéus,
imaginária que atravessa o Ilhéu tros de altitude, ainda que possua Garcia, 1962). Também nesta ilha nalguns casos bastante distantes
das Rolas. O conjunto de ilhas que algumas outras elevações com co- é possível encontrar algumas cas- entre eles.
constitui este arquipélago possui tas superiores a 1000 metros, es- catas, relevantes em termos pai- Para além da biodiversida-
origem vulcânica, inserindo-se, sencialmente localizadas na sua sagísticos e de exploração turís- de associada ao meio terrestre,
segundo Munhá, et al. (2007, p.5), parte sul. Este relevo condiciona tica, mas também na perspetiva também o estudo do mundo su-
no “troço oceânico do alinhamen- as bacias hidrográficas desta ilha, geológica e pedagógica, como su- baquático associado a estas ilhas
to vulcânico dos Camarões, que as quais são constituídas por uma cede, por exemplo, com a cascata e ilhéus tem permitido conhecer
se estende por 1600 quilómetros, rede de ribeiras correm das zo- Ôque Pipi, entre outras. uma notável diversidade bioló-
desde o interior do continente nas montanhosas, em vales rela- O arquipélago tem origem gica, com natural destaque para
africano a NE (…) até à ilha de Pa- tivamente encaixados, onde, por vulcânica, facto facilmente iden- a importância da ocorrência de
gulu (Ano-Bom) a SW (…)”. vezes, se precipitam em cascatas, tificável na paisagem das ilhas e mais de duas dezenas de espécies
Este arquipélago é constituí- como a cascata de S. Nicolau, mui- ilhéus que o constituem, bastan- de cetáceos e das 4 espécies de
do por duas ilhas de maiores di- tas delas com potencial interesse do atentar na existência de eleva- tartaruga que desovam regular-
mensões – a ilha de S. Tomé, com geológico, turístico e pedagógico; do número de crateras de vulcões mente nas praias do arquipélago,
aproximadamente 857 km2, e estas ribeiras acabam por gerar inativos, das quais, porventura conforme referem Reeves, Ste-
a ilha do Príncipe, com cerca de rios cuja foz apresenta, frequen- a mais famosa seja a mui conhe- wart, Clapham & Powel, mencio-
142 Km2, as quais cederam o temente, sedimentos de grandes cida Lagoa Amélia, na ilha de S. nados por Gonçalves (2010).
nome pelo qual o país é interna- dimensões, bastante rolados, em Tomé, ou, ainda, na ocorrência de A relevância da riqueza bioló-
cionalmente comummente desig- resultado dos regimes torrenciais bastantes estruturas geológicas gica do arquipélago encontra-se
nado (São Tomé e Príncipe) – e verificados. associadas a episódios de vulca- reconhecida internacionalmente
por um vasto conjunto de peque- A ilha do Príncipe possui um nismo, de afloramentos rochosos através de um cada vez mais vas-
nos ilhéus, de que se destacam relevo bastante menos acentuado e, mais raramente, de manifesta- to conjunto de publicações cien-
os bem conhecidos Ilhéu das Ca- do que a ilha de São Tomé, con- ções secundárias de vulcanismo. tíficas (Leventis & Olmos, 2009;
bras, Ilhéu das Rolas, Ilhéu Bom forme se pode constatar se refe- Será, justamente, à geomorfo- Mendes &Sousa, 2012; Lima,
Bom, Ilhéu Boné de Jóquei, para rirmos que o Pico do Príncipe, o logia destas ilhas e ilhéus, bem 2012), onde se pode aferir o ele-
além do Ilhéu de Santana, o Ilhéu maior relevo da ilha, apenas al- como à sua localização geográfica vado número de espécies endé-
Catarino, o Ilhéu Quixibá, o Ilhéu cança os 848 metros de altitude. e condições climáticas particula- micas o que confere as ilhas um
Sete Pedras, o Ilhéu Jalé e o Ilhéu A exemplo do que sucede com o res daí resultantes, que se ficará estatuto de prioridade no tocan-
a dever a relevante diversidade te a estratégias de conservação,
1Escola biológica existente no país, bem mas, também, de reconhecimento
Superior de Educação e Ciências Sociais/Instituto Politécnico de Leiria/Núcleo de
Investigação e Desenvolvimento em Educação (NIDE) - Leiria – Portugal.
como da sua estratificação e dis- pela UNESCO, em 2012, da Ilha do
2Escola tribuição pelos distintos ecossis- Príncipe como Reserva Mundial
Superior de Educação e Ciências Sociais/Instituto Politécnico de Leiria/Núcleo de
Investigação e Desenvolvimento em Educação (NIDE) - Leiria – Portugal. temas conhecidos. Saliente-se, da Biosfera. Naturalmente, essa

404 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 405
A educação ambiental e a valorização do patrimônio natural de
Mário A. B. M. C. Oliveira; Olga M. A. P. Santos
São Tomé e Príncipe

importância traduz-se, também, gico, rapidamente se percebe que a constituir a nível nacional. Esta grafias 4 e 5), estruturas filonea-
numa maior preocupação com a continua a ser mal conhecido e, rede, debidamente equacionada nas varias (Fotografia 6), Ilhéu
sua recuperação, conservação e de forma geral, maioritariamente em função de exigentes e crité- Santana (Fotografias 7 e 8) , Ilhéu
gestão, domínios em que a edu- valorizado apenas enquanto re- rios de seleção, poderia englobar Chapéu de Jóquei (Fotografia 9),
cação ambiental começou já a de- curso mineral e, por isso, explo- uma vasto conjunto de geossítios entre muitos outros - e ser equa-
sempenhar um papel relevante e, rável, com impactes impossíveis – como, por exemplo, a Pedreira cionada no sentido de potenciar
naturalmente, a produzir alguma de remediar, na maior parte das de Palmar (Fotografias 1 e 2), as um patrimonio geológico que se
documentação de suporte a ati- situações. nascentes de águas gaso-carbó- pode mostrar relevante à escala
vidades de formação e sensibili- Dessa forma, é possível, em nicas de Queluz, Madre de Deus, nacional, local ou regional, con-
zação em matéria de ambiente, vários locais do arquipélago, en- Boa Entrada, Caixão Grande e Pa- forme referem Muñoz (1998) e
em contextos educativos formais contrar atividades humanas, com lha, os Picos do Príncipe e do Cão Brilha (2005), referidos por Nas-
e informais (MARAPA, 2009; Oli- destaque para as explorações Grande (Fotografia 3), as cascatas cimento, Mantesso-Neto & Ruch-
veira & Santos, 2013; Pinto & mineiras, cujos impactes podem de S. Nicolau e Ôque Pipi (Foto- kys (2008).
Lima, 2014). estar a colocar a geodiversidade/
Considerando, como referem patrimonio geológico em risco,
Brilha, et al. (Magalhães, 2013, pg. comprometendo, eventualmente,
169), referindo Gray (2004), que potenciais futuras utilizações nas
«a geodiversidade diz respeito à vertentes (eco)turística e peda-
variedade natural de minerais, gógica, por exemplo, e, por essa
rochas, fósseis e geoformas, sen- via, o desenvolvimento das co-
do o seu valor diversificado, con- munidades locais e o rendimento
templando fatores intrínsecos, económico do próprio país.
culturais, ecológicos, estéticos, A título de exemplo, atente-se
económicos funcionais, científi- no risco de perda definitiva que
cos e educativos», somos levados corre a magnífica frente de ex-
a reconhecer que a geodiversida- ploração da Pedreira de Palmar, Fotografia 1 – Pedreira Fotografia 2 – Disjunção colunar, ou prismática, do
de do país não se revela tão exu- quase integralmente constituída de Pamar basalto na Pedreira de Palmar
berante quanto a biodiversidade. por basalto, cuja disjunção pris-
Todavia, apesar da sua menor mática, ou colunar, se apresen-
relevância, o contributo do patri- ta particularmente bela e bem
monio geológico para o patrimó- conservada. Naturalmente, esta
nio natural global de São Tomé e exploração, embora legítima, po-
Príncipe merece ser evidenciado deria vir a dar lugar a um proce-
e, naturalmente, recuperado, va- so negocial de transferência da
lorizado e dignificado. Com efeito, unidade de exploração para ou-
estabelecendo um paralelo sobre tro local, salvaguardando aquela
a importância atribuída ao patri- estrutura geológica para efeito
monio geológico do país, analisa- pedagógicos e/ou turísticos, inte-
do-o comparativamente ao bioló- grando-a uma rede de geossítios
Fotografia 3 – Pico do Cão Grande

406 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 407
A educação ambiental e a valorização do patrimônio natural de
Mário A. B. M. C. Oliveira; Olga M. A. P. Santos
São Tomé e Príncipe

Fotografia 7 e 8 – Ilhéu Santana e Pormenor da disjunção colunar


ou prismática do basalto

Fotografia 4 e 5 – Cascatas de S. Nicolau, em São Tomé,


e Ôque Pipi, na Ilha do Príncipe

Fotografia 9 – Ilhéu Chapéu de Jóquei

Com efeito, através de uma - gerar uma estraégia de geocon-


concertada estraégia de conser- servação e valorização deste pa-
vação, uma rede de geossítios trimónio, contribuindo de forma
em São Tomé e Príncipe pode, decisiva para a consolidação de
através das suas múltiplas pers- um modelo de desenvolvimento
petivas de valorização – cultural, mais harmonioso para o País, em
turística, cientíco-pedagógica, pleno respeito pelo ambiente e
estética, económica, entre outras seres vivos que o compôem.
Fotografia 6 – Filão no Ilhéu Bom Bom, na Ilha do Príncipe

408 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 409
A educação ambiental e a valorização do patrimônio natural de
Mário A. B. M. C. Oliveira; Olga M. A. P. Santos
São Tomé e Príncipe

Considerando que Gonçalves, das com todos os atores com que guide (bilingue). 1ª ed. S. Paulo, ção portuguesa e IPAD – Instituto
et all (2007), citando Oliveira este se relaciona. Brasil, Alves & Fotos Editora. Português de Apoio ao Desenvol-
(1987), salienta a importância da Lima, R.F. (2012): Alterações vimento
educação ambiental na resolução Referências bibliográficas do uso do solo e biodiversi- Nascimento, M.A.L.; Mantesso-
de problemas concretos no am- Brilha, J.; Pereira, P.; Pereira, D.; dade em São Tomé. in Actas -Neto, V.; Ruchkys, U.A. (2008):
biente em que o Homem vive, e, Hemnriques, R. (2013). Geos- do Colóquio Internacional Geodiversidade, geoconser-
citando Branco (1999), enfatiza sítios de Relevância nacional e São Tomé e Príncipe numa vação e geoturismo: trinô-
que ela é responável pela modifi- Internacional em Portugal Con- perspectiva interdisciplinar, mio importante para a prote-
cação de mentalidades e da forma tinental (pp. 169-176). In Ma- diacrónica e sincrónica (pp. ção do patrimônio geológico.
de encarar o meio e a Vida, torna- galhães, M. R. (Coord.) (2013). 455-464). Lisboa: Instituto São Paulo, SBG.
-se evidente a necessidade de a Estrutura Ecológica nacional Universitário de Lisboa (ISC-
promover junto das comunidades – Uma proposta de delimitação TE-IUL), Centro de Estudos
em geral, dos decisores políticos e regulamentação. Lisboa, ISA- Africanos e Instituto de In-
e dos gestores do territorio e seus Press vestigação Científica Tropical
recursos, mais em particular, de Cardoso, J. C.; Garcia, J.S. (IICT),
forma a salvaguardar o patrimó- (1962). Carta dos solos de MARAPA (2009): Ecologia e Edu-
nio natural de São Tomé e Prínci- São Tomé e Príncipe. Lisboa: cação Ambiental em S. Tomé e
pe. Memórias da Junta de Investi- Príncipe. S. Tomé e Príncipe:
Em suma, urge desenvolver gações do Ultramar, segunda MARAPA; CTA.
uma política nacional visando a série, nº 39. Mendes, L.F.; Sousa, A. B.
identificação, caracterização, re- Gonçalves, F. (2010): Os Cetáceos (2012): Riqueza de espécies e
cuperação, conservação, valoriza- em São Tomé e Príncipe: A luta endemicidade das borboletas
ção, divulgação e correta gestão pela Biodiversidade e Dignidade diurnas (Lepidoptera: Rhopa-
do património geológico nacio- de um Povo (pp.122-138). in Bri- locera) de São Tomé e Prín-
nal, tanto mais que o mesmo pode to, B. (Coord.) (2010). Abrindo cipe (pp. 653-663). in Actas
vir a revelar-se mais uma fonte de trilhos tecendo redes – refle- do Colóquio Internacional
desenvolvimento económico para xões e experiências de desen- São Tomé e Príncipe numa
o país e para as suas comunida- volvimento local em contexto perspectiva interdisciplinar,
des. Torna-se, também, essencial lusófono. Lisboa, Gerpress. diacrónica e sincrónica. Lis-
integrar e articular as políticas de Gonçalves, F.; Pereira, R.; Azei- boa: Instituto Universitário de
educação ambiental e de conser- teiro, M.M.U.; Pereira, M.J.V. Lisboa (ISCTE-IUL), Centro de
vação do património geológico (2007): Actividades práticas Estudos Africanos e Instituto
(e da Conservação da Natureza em Ciência e Educação Am- de Investigação Científica Tro-
em geral) envolvendo sempre as biental. Lisboa, Instituto Pia- pical (IICT).
populações na proteção e explo- get Munhá, J.; Caldeira, R.; Madeira, J.;
ração racional e sustentada do Leventis. A.P.; Olmos, F. (2009): Mata, J.; Afonso, R. (2007): Geo-
seu património geológico, mas As Aves de São Tomé e Príncipe: logia da ilha de S. Tomé. Notícia
também biológico e paisagístico, um guia fotográfico / The Birds explicativa da carta geológica na
através de iniciativas coordena- of São Tomé e Príncipe: a photo- escala 1:25000. Lisboa, Coopera-

410 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 411
São Tomé e Príncipe, O papel primordial dos percursos exploratórios na Educação

Foto: Joaquim Ramos Pinto


no continente africano
Ambiental – CMIA de Vila do Conde

Ana Laranja1
Sílvia Morim2
Rosana M. Afonso3

Resumo
Um dos principais objetivos do CMIA de Vila do Conde é a monitorização de des-
critores ambientais e consequentemente a divulgação dos valores, recursos e pro-
blemáticas ambientais. As atividades com maior sucesso entre os nossos visitantes
são os percursos exploratórios que nos permite dar a conhecer inúmeras espé-
cies e promover alterações de comportamento junto de diferentes faixas etárias
que vão desde o pré-escolar até à idade adulta. No decorrer destes percursos, são
preenchidas folhas de registo onde cada participante assinala as diferentes espé-
cies que visualiza ao longo do percurso, são descritas algumas curiosidades sobre
essas mesmas espécies encontradas e posteriormente a equipa do CMIA lança na
plataforma do BioDiversity4all – Biodiversidade para todos, as espécies encontra-
das em cada grupo.
Desenvolveu-se um estudo realizado aos participantes destes percursos, onde ve-
rificamos que estas atividades permitiram estimular, motivar e explicar ao público
que nos visita que de uma forma lúdica todos podem contribuir diretamente para
o levantamento da biodiversidade, contribuindo eficazmente para a conservação
da biodiversidade e do meio ambiente que os rodeia.

Palavras chave: Percursos Exploratórios, Educação Ambiental, Mobilização do Pú-


blico, Ciência Cidadã e Literacia Científica.

Abstract
The CMIA of Vila do Conde presents as its main goals, not only the monitoring of
environmental indicators, as well as the correct interpretation and dissemination
of the values, resources and issues surrounding the environment. The activities
with greater success among our visitors are exploration trails that allowed mee-
ting a numerous species and promoting the change of behaviors among different
age groups ranging from preschool to adulthood. In these activities, they watched
birds, plants and marine species and recorded Information about them in on-line
platform: BioDiversity4all – Biodiversidade para todos.
Developed a study to the participant of these activities, have made it possible to
stimulate, motivate and explain to the public that visits us through a playful way
everyone can contribute directly to the biodiversity survey and contributing ef-
fectively to the conservation of biodiversity and the environment that surrounds
them.

Key-words: Exploratory trails, Environmental Education, Public engagement, Citi-


zen Science and Scientific Literacy.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 413


Ana Laranja; Sílvia Morim; Rosana M. Afonso O papel primordial dos percursos exploratórios na Educação Ambiental

Introdução que as pessoas façam escolhas tivos e dinâmicos, algo crucial na busca de soluções por meio da
O Centro de Monitorização e mais sustentáveis. educação não-formal, bem como reflexão-crítica (Mazzarino et al,
Interpretação Ambiental de Vila se estariam a ser transmitidos os 2010) e possibilitando o desen-
do Conde é um equipamento mu- Metodologia objetivos subjacentes à educação volvimento de atividades partici-
nicipal com a coordenação cientí- Este trabalho engloba dois ambiental, no que respeita aos pativas de citizen science – ciên-
fica do Centro Interdisciplinar de estudos diferentes, o primeiro conhecimentos, comportamentos cia cidadã.
Investigação Marinha e Ambien- estudo (Ramos, 2013) decorreu e atitudes para uma melhoria na Estes percursos permitem a
tal - CIIMAR. Tem como um dos no âmbito de um estágio curri- preservação e conservação am- identificação e classificação de
principais objetivos a monitori- cular do Mestrado em Educação, biental. diferentes espécies e que os par-
zação de descritores ambientais e onde foi desenvolvido e validado Segundo a UNESCO a educação ticipantes percebam que as áreas
consequentemente a divulgação o inquérito usado para testar os ambiental, assenta no pilar da in- protegidas têm um papel funda-
dos valores, recursos e problemá- percursos exploratórios enquan- tergeracionalidade, ou seja, “um mental para as diferentes espé-
ticas ambientais. to ferramenta adequada para desenvolvimento capaz de satis- cies, e que ganhem consciência
Está localizado próximo do rio transmitir conteúdos importan- fazer as necessidades da geração sobre o papel da ciência cidadã e
e o mar e não muito distante, da tes à preservação e conservação presente sem comprometer a de cada um de nós para a prote-
Paisagem Protegida Regional do ambiental. E o segundo estudo, capacidade das gerações futuras ção destes habitats e espécies.
Litoral de Vila do Conde e Re- decorreu da avaliação anual das para satisfazer as suas próprias Num estudo efetuado por
serva Ornitológica de Mindelo atividades de educação ambien- necessidades” (CMMAD, 1987). Thompson e Bonney (2007), foi
(PPRLVCROM) - a primeira reser- tal levadas a cabo pelo CMIA refe- A amostra deste estudo foi aferido que os indivíduos que
va criada para fins ornitológicos rente ao ano de 2016. aleatória e consistiu em 99 inqui- participaram na observação de
da Europa. Este estudo foi desenvolvido ridos, dos 8 aos 60 anos, apesar aves quiseram aumentar os seus
Os Percursos Exploratórios, no âmbito de três grandes áreas de estar concentrada entre os 8 e dias de observação e anotar in-
permitem dar a conhecer inúme- que são: a biodiversidade das po- 9 anos. As habilitações literárias formação depois de participarem
ras espécies, promover altera- ças de maré, observação de aves dos inquiridos dividem-se em: em um projeto, destacando as-
ções de comportamento junto de e as singularidades da PPRLV- 73 do 1º ciclo do ensino básico, 6 sim, que este género de projetos/
diferentes faixas etárias e preten- CROM, onde no final de cada per- do 3º ciclo do ensino básico, 6 do atividades promovem mudança
de apresentar-se como uma boa curso os inquiridos respondiam ensino secundário, 11 de licen- de mentalidades.
ferramenta de disseminar con- voluntariamente ao inquérito. ciatura, 1 de mestrado e dois não Com estes percursos durante
teúdos ambientais aumentando Tentou verificar se os percur- responderam. estes três meses (maio, junho e
a literacia ambiental permitindo sos, eram suficientemente intera- julho) de 2017 conseguimos efe-
Percursos exploratórios tuar 275 observações com 173
Estas atividades podem ser espécies registadas. Dentro das
desenvolvidas como um instru- espécies avistadas destacamos
1Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental de Vila de Conde (Portugal); Centro mento de desenvolvimento da as seguintes aves como o Penei-
Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Portugal); Faculdade de Ciências da
Universidade do Porto (Portugal).
cidadania pela educação ambien- reiro-vulgar (Falco tinnunculus),
2Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental de Vila de Conde (Portugal); Centro tal, conscientização social, sensi- a Águia-de-asa-redonda (Buteo
Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Portugal). bilização para problemas sócio buteo), a Toutinegra-de-cabeça-
3Centro ambientais do entorno da comu- -preta (Sylvia melanocephala)
de Monitorização e Interpretação Ambiental de Vila de Conde (Portugal); Centro
Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Portugal). nidade e aprendizagem para a e o Maçarico-das-rochas (Actitis

414 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 415
Ana Laranja; Sílvia Morim; Rosana M. Afonso O papel primordial dos percursos exploratórios na Educação Ambiental

hypoleucos). entanto, 15 ficaram ainda com a estão dispostos a contribuir de ce Association, 2015).
Em termos de plantas terres- ideia de que as questões ambien- forma efetiva para a mudança de Estas atividades, contribuem
tres observadas, podemos des- tais não têm custos a nível finan- hábitos e consequentemente ter para que a sociedade civil obte-
tacar o endemismo lusitânico ceiro. atitudes mais eco-friendly. nha novas aprendizagens e com-
Jasione lusitanica, as espécies Ao nível da preservação am- petências, para aumentar a lite-
das costas atlânticas Armeria pu- biental, a maioria dos indivíduos Promovendo a ciência cidadã racia científica de cada indivíduo,
bigera e Silene uniflora, as espé- acha que o ambiente deve ser “A ciência cidadã é considerada permitindo obter mais ferramen-
cies parasitas Cuscuta planiflora uma preocupação de todos e que como abordagem de investigação tas de decisão no futuro.
e Orobanche arenaria. o governo deve criar medidas como qualquer outra, com Nos percursos dinamizados,
A nível dos ecossistemas mari- ambientais para a preservação limitações e enviesamentos quando solicitado, é explicado
nhos, podemos destacar o líquen do mesmo. No entanto, há sete que devem ser considerados que será efetuado o levanta-
Verrucaria maura, as esponjas indivíduos que acham que há coi- e controlados. Contudo, ao mento das espécies avistadas e
Halichondria panicea, e as algas sas mais importantes que o am- contrário das abordagens posteriormente os dados serão
Chondrus crispus, Porphyra um- biente, sete que acham que não científicas tradicionais, a ciência inseridos na plataforma do pro-
bilicalis, Laminaria ochroleuca, é necessário preocuparmo-nos cidadã providencia oportunidades jeto “BioDiversity4All”. Em simul-
Fucus sp., e Ulva sp. que consti- com o ambiente, pois a ciência e para um maior envolvimento do tâneo, conseguimos averiguar o
tuem espécies-chave para estes a tecnologia resolvem e cerca de público e uma democratização da interesse do público-alvo na ati-
ecossistemas. 10 inquiridos acha que a poluição ciência.” vidade e em participar com um
dos rios e lagos não é perigosa European Citizen Science levantamento de espécies con-
Alteração das Práticas para o Homem. Association (2015). tribuindo para a publicação dos
Durante a atividade, um dos É importante que toda a socie- dados que obtiveram (Afonso et
nossos principais objetivos é pas- dade entenda que todos temos o De acordo com a Comissão Eu- al, 2015).
sar a mensagem acerca do envol- dever de proteger o ambiente e ropeia, uma característica impor- O que se pretende, é motivar,
vimento, interação e importância que se nada fizermos e não mu- tante de disponibilizar ciência a mobilizar e explicar ao público
dos fatores económicos, sociais e darmos os nossos hábitos a ten- todos (entre pares ou cidadãos) que nos visita que de uma forma
ambientais, no que se refere ao dência é piorar e termos vários relaciona-se com a forma como o lúdica todos podem contribuir
desenvolvimento sustentável e à riscos associados. Como tal, para público está a assumir um papel diretamente para o levantamento
preservação do ambiente, de uma estes inquiridos contribuírem mais ativo na ciência - "ciência da biodiversidade, contribuindo
forma dinâmica e interativa. frequentemente para o ambiente cidadã". Os participantes estão eficazmente para a conservação
O estudo também quis aferir, é muito importante. envolvidos ativamente nas ativi- da biodiversidade e do meio am-
quais os conhecimentos que cada Sendo que para contribuir para dades científicas, gerando assim biente que os rodeia.
indivíduo tem em relação ao de- a defesa e preservação ambiental um novo conhecimento e com-
senvolvimento sustentável e pre- é necessário que cada ser huma- preensão. Os cidadãos podem Conclusões
servação do ambiente que estão no adote determinadas atitudes atuar como peças fundamentais Concluiu-se com este trabalho
dependentes de fatores políticos, e condutas, tornou-se importan- na contribuição e colaboração de que estas atividades transmitem
sociais e económicos. A maioria te questionar quais os compor- novos dados ou investigações ou os conhecimentos, comporta-
dos inquiridos tem perceção da tamentos que pretendiam ado- como líderes de projetos, assu- mentos e atitudes subjacentes à
dependência dos fatores eco- tar com mais frequência a partir mindo um papel importante no educação ambiental, sendo que,
nómicos, sociais e políticos. No daquele momento. Os inquiridos projeto (European Citizen Scien- de uma forma geral, estes são

416 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 417
Ana Laranja; Sílvia Morim; Rosana M. Afonso O papel primordial dos percursos exploratórios na Educação Ambiental

transmitidos com sucesso, verifi- 553-569.


cando-se uma maioria de respos- CMMAD (1987). Nuestro futuro
tas positivas nestes pontos. Os común. Alianza Editorial, Ma-
percursos exploratórios dão a co- drid.
nhecer a realidade de cada local, European Citizen Science As-
que por si só funcionam como óti- sociation (2015). “Dez princí-
mas ferramentas de estudo e in- pios da ciência cidadã.” Lis-
vestigação – verdadeiros labora- boa, Portugal.
tórios ao ar livre, que assenta no Mazzarino, J., Polis, E. e Farias, A.
lema “Conhecer para proteger…”. (2010): “Comunicação para Edu-
O investimento em atividades cação Ambiental e metodologia
mais interativas e de ciência cida- participativa: percursos explora-
dã possibilitou não só o levanta- tórios” em Caderno pedagógico
mento de novos dados de distri- Lajeado, 7, 9-20.
buição das espécies observadas, Thompson, S. and Bonney, R.
mas também uma maior mobili- (2007): "Evaluation the im-
zação e envolvimento do público pacts of participation in an
em questões ambientais, através online citizen science project:
de uma forma atrativa e impul- A mixed-methods approach.”,
siona para futuras atividades. em Museums and the web,
Apesar dos percursos explora- Toronto, Canada.
tórios terem tido um grande au-
mento de número de participan-
tes nos últimos anos do CMIA, e
numa diversificação do público
alcançado. O CMIA continuará a
procurar alcançar todo o público,
procurando disseminar o conhe-
cimento e promover o aumento
da literacia científica.

Referências bibliográficas
Afonso, R.; Ramos, C.; Laran-
ja, A.; Morim, S. & Mucha, A.P.
(2015): "Educação Ambiental,
Como alcançar o público? Co-
nhecer para mudar – CMIA de
Vila do Conde.", em Ambien-
talmenteSustentable, 20,

418 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 419
Olhar para cima: como sensibilizar gestores públicos
para a conservação da biodiversidade

Luiz Roberto Mayr1


Claudia de Oliveira Faria Salema2

Resumo
A equipe de meio ambiente do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tec-
nologia, no Brasil, tem por desafio sensibilizar a instituição para a importância da
conservação da biodiversidade, quando percebe que a minimização dos impactos
negativos das operações sobre o ambiente não é priorizada pela gestão. Ocorre
que seu Campus de Laboratórios está bem no encontro de três unidades de con-
servação e promovem a conectividade entre remanescentes de Mata Atlântica, na
paisagem periurbana fragmentada da periferia do Rio de Janeiro. Assim, questões
como destinação de resíduos, tratamento de efluentes e manutenção de áreas
externas não podem ser negligenciadas e devem incluir a recuperação de áreas
protegidas degradadas às margens dos rios e nas encostas. Para ganhar espaço na
mídia, e na agenda institucional, a equipe promove plantios, trilhas e palestras,
abertas aos colaboradores, mas que visam sensibilizar os gestores quanto ao cum-
primento da legislação. Com a divulgação do evento e seus resultados, alcança-se
à todos, abaixo e acima na hierarquia da instituição. Espera-se assim maior empe-
nho dos gestores nas questões ambientais. Este trabalho apresenta um panorama
da Educação Ambiental no Inmetro, discute alternativas às práticas consolidadas e
avalia sua aplicação, a permitir o seu futuro aperfeiçoamento.
Palavras chave: Educação Ambiental; Gestão Pública; Conservação da Biodiversi-
dade.

Abstract
The environmental team of the National Institute of Metrology, Quality and Te-
chnology, in Brazil, is challenged to turn the institution aware of the importance
of biodiversity conservation when it realizes that its management doesn’t priori-
tize the minimizing the negative impacts of its operations on the environment. It
happens that its Laboratory Campus is just at the meeting of three conservation
units and promotes the connectivity between remnants of the Atlantic Forest, in
Foto: Joaquim Ramos Pinto

the fragmented periurban landscape of Rio de Janeiro outskirts. Thus, issues such
as waste disposal, effluents treatment and external areas maintenance can not
be neglected and should include the recovery of degraded protected areas along
riverbanks and on slopes. In order to gain space in the internal media, and in the
institutional agenda, the team promotes plantations, trails and lectures, open to
employees, but aimed at making managers aware of legislation compliance. With
the dissemination of the event and its results, it reaches everyone, below and abo-
ve in the institutional hierarchy. This way, it is expected that managers will be more
committed to environmental issues. This paper presents an overview of Environ-
mental Education in Inmetro, discusses alternatives to consolidated practices and
assesses its application, allowing for its future improvement.
Keywords: Environmental Education; Public Administration; Biodiversity Conser-
São Tomé e Príncipe, vation.
no continente africano

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 421


Luiz Roberto Mayr; Claudia de O. F. Salema Olhar para cima

1. Introdução, contextualização grande importância para a conec-


e objetivos tividade entre remanescentes de
A equipe de meio ambiente do floresta, em território sensível do
Inmetro, Instituto Nacional de ponto de vista ambiental, que so-
Metrologia, Qualidade e Tecnolo- fre grandes pressões por conta da
gia, autarquia federal como sede crescente urbanização e expan-
no estado do Rio de Janeiro, em são industrial na região metropo-
sua atuação, se depara com o de- litana do Rio de Janeiro. A Figura
safio de promover a melhoria do 1 ilustra a paisagem do Campus
desempenho ambiental da insti- em meio às montanhas, florestas
tuição. Com poucos instrumen- e unidades de conservação.
tos além da Educação Ambiental, Neste contexto, questões liga-
constata que os impactos ambien- das aos lançamentos de efluen-
tais negativos decorrentes das tes sanitários e laboratoriais e
operações da instituição não são destinação final de resíduos de
devidamente priorizados quando diferentes categorias, do material
a Administração está voltada ape- reciclável ao contaminante, não Figura 1 - aspectos do Campus do Inmetro em Xerém, na periferia do Rio de Ja-
nas para a resolução dos proble- podem ser negligenciadas, na me- neiro, em região que sofre grande pressão pela urbanização e industrialização,
mas administrativos cotidianos. dida em que a poluição das águas mas que contém significativos remanescentes de Mata Atlântica
Ocorre que o Campus de La- e a contaminação do solo, além
boratórios do Inmetro em Xerém, de afetar a saúde humana e des-
no município de Duque de Caxias, cumprir a legislação ambiental, habitat, refúgio e passagem para energia e material de escritório,
está localizado bem no encontro tem impacto direto sobre espé- a fauna dispersora de sementes, como demandadas pelos gesto-
de três unidades de conservação cies nativas, algumas endêmicas necessária à sobrevivência das res, em uma perspectiva de redu-
do bioma Mata Atlântica: a Reser- e sob ameaça. Da mesma forma, florestas e à manutenção de inú- ção de custos e economia para a
va Biológica do Tinguá, federal, o Inmetro tem grande responsa- meros serviços ambientais rele- instituição, não são suficientes.
de proteção integral, a Área de bilidade quanto a correta manu- vantes, como a produção de água, A pretexto da busca pela susten-
Proteção Ambiental de Petrópo- tenção de suas áreas livres, o que a regulação do clima local e a fi- tabilidade prioriza-se a questão
lis, federal, de uso sustentável, e inclui a recuperação de áreas de xação do solo nas beiras de rio e econômica e perde-se a oportuni-
a Área de Proteção Ambiental do preservação permanente ciliares nas encostas. A Figura 2 ilustra as dade de abordar questões sociais
Alto Iguaçu, estadual, de uso sus- e de encosta, protegidas pela Lei preocupações da equipe de meio e ambientais relevantes. Deve-se
tentável. Com área de 186 hecta- de Proteção da Vegetação Nativa ambiente do Inmetro com os im- ter em conta que em uma estru-
res e a abrigar significativos frag- (BRASIL, 2012), mas em grande pactos ambientais sobre uma tura organizacional fortemente
mentos florestais, o Campus é de parte degradadas, que servem de área ambientalmente vulnerável. hierarquizada, subordinada a in-
Para questões ligadas ao meio teresses políticos circunstanciais,
1Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Brasil). E-mail: mayrluiz@gmail. ambiente e à conservação, as característica da administração
com. campanhas educativas direciona- pública no Brasil, apenas aos ges-
2Instituto
Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Brasil). E-mail: claudiafaria@ das à força de trabalho, para a ra- tores cabe decidir como alocar
gmail.com. cionalização do consumo de água, os recursos que poderiam mini-

422 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 423
Luiz Roberto Mayr; Claudia de O. F. Salema Olhar para cima

A literatura científica nos apreender o meio ambiente. De


mostra que o campo de conhe- modo complementar, Loureiro
cimento da Educação Ambiental (2011) entende a Educação Am-
não é homogêneo, ao contrário, é biental como uma práxis educati-
rico em concepções teóricas que va e social que tem por finalidade
vêm sendo construídas ao lon- tanto a compreensão da realida-
go de várias décadas. Para Short de quanto a atuação de atores so-
(2010), a combinação de dois ciais no ambiente.
conceitos – educação e ambien- Hungerford (2010) recupera
tal – produz outro conceito não o desenvolvimento da Educação
muito claro: afinal, a educação Ambiental ao longo do século
ambiental educa sobre o meio passado. De acordo com o autor,
ambiente, no meio ambiente ou se voltarmos a aproximadamente
para o meio ambiente? Qual am- 1970, descobrimos que os esfor-
biente? Que pedagogia deve ser ços educacionais nesta área visa-
implementada? Como sabemos vam ao estudo da natureza e da
se nossos esforços foram efica- conservação, sendo seguido pela
Figura 2 - aspectos do Campus do Inmetro que sintetizam a preocupação da zes? É possível abordar simul- educação ecológica e a educação
equipe de meio ambiente: resíduos em local inadequado, efluentes sem trata- taneamente as preocupações de sobre a poluição. Na década se-
mento e desmatamento das margens de rio, que resultam em degradação de ambas as disciplinas? Essas e ou- guinte, notou-se um crescente
habitats e perda de conectividade. tras questões similares têm sido interesse público sobre gestão do
a base para quatro décadas de uso da terra, espécies ameaçadas
mizar os impactos ambientais (e, é discutir estratégias para sen- pesquisas e debates, juntamente de extinção, crescimento popu-
deve ser mencionado, sociais) ne- sibilizar gestores de instituições com o surgimento de várias revis- lacional, gestão de resíduos sóli-
gativos das operações da institui- públicas para o cuidado com o tas científicas para divulgar essas dos, uso e produção de energia,
ção e, por consequência, proteger meio ambiente. Este trabalho faz discussões. o que ocasionou certo número
a biodiversidade e o nosso futuro um panorama do programa de Sauvé (2005) defende que a de mudanças no que diz respeito
comum. Educação Ambiental do Inmetro Educação Ambiental é mais do à Educação Ambiental. No final
O desafio que se coloca então e de sua base conceitual, propõe que uma educação “a respeito do, do século XX, houve um cresci-
para os que tentam fazer Educa- uma abordagem alternativa, ilus- para o, no, pelo ou em prol do” mento no interesse sobre biodi-
ção Ambiental é: como engajar tra alguns dos eventos educativos meio ambiente. O objeto da Edu- versidade, mudanças climáticas
os gestores ou lideranças, no In- já realizados e apresenta uma cação Ambiental é fundamental- e desenvolvimento sustentável.
metro, ou em outras instituições avaliação preliminar dos seus re- mente a relação do homem com Todas essas abordagens variadas,
públicas no Brasil, no cuidado sultados, a permitir o seu futuro o meio ambiente. Então, para in- juntamente com seus defensores,
com o meio ambiente, e incorpo- aperfeiçoamento. tervir do modo mais apropriado, resultaram em uma mistura de
rar, para além de valores ligados à o educador deve levar em conta filosofias sobre como Educação
sustentabilidade, o compromisso 2. Fundamentação as múltiplas facetas dessa rela- Ambiental deve ser dirigida.
com a conservação da biodiver- Educação Ambiental como campo ção, que correspondem a modos Uma forma interessante de se
sidade. O objetivo deste trabalho de conhecimento diversos e complementares de perceber os diversos matizes de

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Luiz Roberto Mayr; Claudia de O. F. Salema Olhar para cima

Educação Ambiental existentes limites rígidos entre as correntes, cípios ecológicos desejáveis. Já coletividade constroem valores
hoje é a sintetizada por Sauvé mas sim de criar uma referência a corrente crítica estaria mais sociais, conhecimentos, habilida-
(2005). A autora revisou 30 anos didática, fornecendo pontos de voltada para a dimensão política des, atitudes e competências vol-
de literatura sobre Educação referência e fontes de inspiração da questão ambiental, almejan- tadas para a conservação do meio
Ambiental e identificou quinze para o planejamento de estraté- do-se uma transformação mais ambiente, bem de uso comum do
correntes que se distinguem en- gias educacionais adequadas, de ampla da sociedade. É sobre esta povo, essencial à sadia qualidade
tre si pela abordagem educativa acordo com os objetivos preten- corrente que, no Brasil, se apoia de vida e sua sustentabilidade”.
adotada. Essas correntes diferem didos e o contexto de intervenção. a Política Nacional de Educação Pela lei, a Educação Ambiental
desde a concepção dominante Mais do que descrever as várias Ambiental (PNEA) – Lei Federal é um “componente essencial e
de meio ambiente até a intenção correntes, oferece caminhos para 9.795/1999. permanente da educação nacio-
central da Educação Ambiental, uma exploração mais profunda e nal, devendo estar presente, de
dentre vários outros aspectos. uma análise crítica de cada ver- A política nacional brasileira de forma articulada, em todos os
Para exemplificar, enquanto a cor- tente. Permite que cada uma seja Educação Ambiental níveis e modalidades do proces-
rente naturalista enfoca o meio contrastada com as outras. Tam- O Brasil tem um complexo so educativo, em caráter formal
natural, buscando reconstruir bém possibilita a identificação de conjunto de políticas públicas e e não-formal”. Cabe às empresas,
o sentimento de pertencimento aspectos complementares, tendo instrumentos legais em relação entidades de classe, instituições
do homem à natureza, a corren- em vista uma Educação Ambien- ao meio ambiente. A Constituição públicas e privadas, “promover
te conservacionista está centra- tal abrangente, que englobe todas Federal (BRASIL, 1988) estabele- programas destinados à capacita-
da na conservação da natureza as diversas dimensões da nossa ce que “todos têm direito ao meio ção dos trabalhadores, visando à
enquanto recurso, priorizando a relação com o ambiente. Pode, ambiente ecologicamente equi- melhoria e ao controle efetivo so-
educação voltada para mudanças ainda, auxiliar os educadores a si- librado, bem de uso comum do bre o ambiente de trabalho, bem
nas condutas individuais e cole- tuar suas próprias escolhas teóri- povo e essencial à sadia qualida- como sobre as repercussões do
tivas com respeito aos recursos cas e suas próprias práticas, para de de vida, impondo-se ao Poder processo produtivo no meio am-
extraídos do meio ambiente. Por analisá-las e enriquecê-las. Público e à coletividade o dever biente”.
outro lado, a corrente solucio- Na prática, várias destas de defendê-lo e preservá-lo para A Política Nacional de Educa-
nadora de problemas adota uma abordagens coexistem e se com- as presentes e futuras gerações”; ção Ambiental, PNEA, tem por
perspectiva crítica voltada à su- plementam, podendo ser ain- é incumbência do Poder Público princípios básicos, nos termos da
peração de problemas ambien- da agregadas de acordo com as “promover a Educação Ambien- lei, entre outros: o enfoque hu-
tais causados ou amplificados suas similaridades. De uma for- tal em todos os níveis de ensino manista, holístico, democrático
pela ação antrópica, enquanto a ma mais ampla, alguns autores e a conscientização pública para e participativo; a concepção do
perspectiva sistêmica defende entendem que todas essas cor- a preservação do meio ambiente”. meio ambiente em sua totalida-
que a Educação Ambiental deve rentes podem ser resumidas em Como consequência da incum- de, considerando a interdepen-
desenvolver habilidades cogniti- duas grandes vertentes com limi- bência constitucional ao Poder dência entre o meio natural, o
vas voltadas para a compreensão tes mais rígidos: a conservadora Público, a Educação Ambiental é socioeconômico e o cultural, sob
e análise das interações entre os e a crítica. A linha conservadora objeto de uma política nacional, o enfoque da sustentabilidade; e,
elementos biofísicos e sociais de se caracterizaria principalmen- instituída pela Lei 9795/1999 a vinculação entre a ética, a edu-
um sistema ambiental. te pela busca de uma mudança (BRASIL, 1999), devendo ser en- cação, o trabalho e as práticas
Essa sistematização, todavia, comportamental dos indivíduos, tendida como “os processos por sociais. O objetivos são, entre ou-
não tem a intenção de estabelecer por meio da transmissão de prin- meio dos quais o indivíduo e a tros: o desenvolvimento de uma

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compreensão integrada do meio outras políticas públicas nacio- não são infinitos, e estabelece na 10ª Conferência das Partes da
ambiente em suas múltiplas e nais, ligadas à questão ambiental, uma filosofia de uso sustentável Convenção da Diversidade Bio-
complexas relações, envolvendo mencionam a necessidade de in- (O ECO, 2017). A CDB marca a to- lógica, realizada em Nagoia, em
aspectos ecológicos, psicológicos, tegração com a PNEA, como a Po- mada de consciência quanto ao 2010, foi aprovado o Plano Es-
legais, políticos, sociais, econômi- lítica Nacional de Recuperação da “valor intrínseco da diversidade tratégico de Biodiversidade para
cos, científicos, culturais e éticos; Vegetação Nativa (BRASIL, 2017), biológica e dos valores ecológico, o período 2011 a 2020, que es-
o estímulo e o fortalecimento de a Política Nacional de Resíduos genético, social, econômico, cien- tabelece um conjunto de metas,
uma consciência crítica sobre a Sólidos (BRASIL, 2010), a Política tífico, educacional, cultural, re- na forma de objetivos de longo
problemática ambiental e social; Nacional de Saneamento Básico creativo e estético da diversidade prazo, materializados em 20 pro-
o incentivo à participação indi- (BRASIL, 2007). A Política Nacio- biológica e de seus componentes” posições, todas voltadas à redu-
vidual e coletiva, permanente e nal do Meio Ambiente (BRASIL, e, também, da sua importância ção da perda da biodiversidade
responsável, na preservação do 1981), tendo sido publicada ain- “para a evolução e para a ma- em âmbito mundial. Conhecidas
equilíbrio do meio ambiente, en- da durante o regime militar, traz nutenção dos sistemas necessá- como as Metas de Aichi de Biodi-
tendendo-se a defesa da qualida- entre seus princípios a Educação rios à vida da biosfera” (BRASIL, versidade, elas estão organizadas
de ambiental como um valor inse- Ambiental a todos os níveis de 1994, preâmbulo). em cinco grandes objetivos estra-
parável do exercício da cidadania; ensino, inclusive a educação da A conservação da diversidade tégicos voltados para “viver em
e o fortalecimento da cidadania, comunidade, com o objetivo de biológica é essencial à manuten- harmonia com a natureza” (COP,
autodeterminação dos povos e capacitá-la para participação ati- ção da vida no planeta e à melho- 2010): a) tratar das causas fun-
solidariedade como fundamentos va na defesa do meio ambiente. ria da qualidade de vida das po- damentais de perda de biodiver-
para o futuro da humanidade. pulações. É a biodiversidade que sidade, fazendo com que as preo-
A PNEA faz distinção entre Legislação ambiental brasileira mantém o equilíbrio ecológico, cupações com a biodiversidade
Educação Ambiental no ensino Grande parte das políticas pú- regula o clima, retém água, pro- permeiem governo e sociedade;
formal e não formal. Para o en- blicas e da legislação brasileira tege o solo contra erosão e tor- b) reduzir as pressões diretas so-
sino formal, a política estabelece que trata da questão ambiental é na possível a agricultura (MMA, bre a biodiversidade e promover
que essa será desenvolvida como decorrente da assinatura da Con- 2016). A diversidade biológica o uso sustentável; c) melhorar a
uma prática educativa integrada, venção da Diversidade Biológica, está na base do funcionamento situação da biodiversidade, pro-
contínua e permanente em to- CDB, pelo Brasil durante a Confe- dos ecossistemas e da prestação tegendo ecossistemas, espécies e
dos os níveis e modalidades do rência das Nações Unidas sobre de serviços ecossistêmicos es- diversidade genética; d) aumen-
ensino formal e que não deve ser Meio Ambiente e Desenvolvimen- senciais para o bem-estar huma- tar os benefícios de biodiversida-
implantada como disciplina espe- to no Rio de Janeiro, em 1992. A no: Provê a segurança alimentar, de e serviços ecossistêmicos para
cífica no currículo de ensino. Já a CDB expressa o reconhecimento a saúde humana, o fornecimento todos; e e) aumentar a implanta-
Educação Ambiental não-formal de que a conservação da nature- de ar e água limpos; contribui ção, por meio de planejamento
é entendida como as ações e prá- za deve ser uma preocupação co- para a subsistência local e para participativo, da gestão de conhe-
ticas educativas voltadas à sensi- mum à humanidade e é motivada o desenvolvimento econômico e cimento e capacitação.
bilização da coletividade sobre as pela perda da diversidade bioló- é essencial para a realização dos Também como desdobra-
questões ambientais e à sua orga- gica pelo processo acentuado de Objetivos de Desenvolvimento do mento da CDB o Brasil criou e
nização e participação na defesa extinção de espécies causada por Milênio, incluindo a redução da aprimorou diversos dispositivos
da qualidade do meio ambiente. atividades humanas; é um lem- pobreza (COP, 2010). legais, como a Lei de Crimes Am-
Vale destacar que, no Brasil, brete de que os recursos naturais Como desdobramento da CDB, bientais, a Lei da Mata Atlântica

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e a Lei de Proteção da Vegetação fauna aquática”. Crimes contra a ordenamento urbano e patrimô- getação do Bioma Mata Atlântica
Nativa, muitas vezes chamada Flora: (art. 38) “destruir ou da- nio cultural: (art. 64) “promover de acordo com o estágio sucessio-
de Novo Código Florestal. Estes nificar floresta considerada de construção em solo não edificá- nal, sendo vedados nos casos de
instrumentos trazem implíci- preservação permanente, mesmo vel, ou no seu entorno, assim con- vegetação primária e secundária
tos diversos conteúdos ligados que em formação, ou utilizá-la siderado em razão de seu valor em estágio avançado de regene-
à ciência da conservação. A Lei com infringência das normas de paisagístico, ecológico, artístico, ração, com exceção de quando
9605/1998, ou Lei dos Crimes proteção”; (art. 38-A) “destruir turístico, histórico, cultural, reli- necessários para a realização de
Ambientais, dispõe sobre as san- ou danificar vegetação primária gioso, arqueológico, etnográfico obras, projetos ou atividades de
ções penais e administrativas de- ou secundária, em estágio avan- ou monumental”. Os crimes con- utilidade pública, pesquisa cien-
rivadas de condutas e atividades çado ou médio de regeneração, tra a administração ambiental se tífica e práticas preservacionis-
lesivas ao meio ambiente. Prevê do Bioma Mata Atlântica”; (art. referem essencialmente à con- tas. Nas áreas urbanas e regiões
penas como multa, restrições 39) “cortar árvores em floresta cessão de licença em desacordo metropolitanas, a supressão de
de direitos e detenção, que são considerada de preservação per- com as normas e a apresentação vegetação primária é vedada e a
agravadas quando cometidas por manente”; (art. 48) “impedir ou de estudos e laudos falsos ou en- secundária, nos casos de lotea-
funcionários públicos. Penaliza dificultar a regeneração natural ganosos, inclusive por omissão. mentos ou edificações, é limita-
não apenas “quem, de qualquer de florestas e demais formas de A Lei 11428/2006, ou Lei de da a um percentual que varia de
forma, concorre para as práticas vegetação”. A poluição e outros Proteção da Mata Atlântica tem 50%, no caso de estágio avança-
dos crimes” como também quem crimes ambientais: (art. 54) “cau- por objetivo geral o desenvolvi- do, a 30%, no caso de estágio in-
“sabendo da conduta crimino- sar poluição de qualquer nature- mento sustentável e, por obje- termediário. Para a lei (art. 35) a
sa de outrem, deixar de impedir za em níveis tais que resultem ou tivos específicos, a salvaguarda conservação, em imóvel rural ou
a sua prática, quando podia agir possam resultar em danos à saú- da biodiversidade, da saúde hu- urbano, da vegetação primária
para evitá-la” (art. 2°). O seu Ca- de humana, ou que provoquem mana, dos valores paisagísticos, ou da vegetação secundária em
pítulo V trata dos crimes con- a mortandade de animais ou a estéticos e turísticos, do regime qualquer estágio de regeneração
tra o meio ambiente: contra a destruição significativa da flora”; hídrico e da estabilidade social. do Bioma Mata Atlântica cumpre
Fauna; contra a Flora; poluição; (art. 56) “produzir, processar, ... Entre seus princípios: a manu- função social e é de interesse pú-
contra o ordenamento urbano transportar, ... ter em depósito ou tenção e a recuperação da bio- blico.
e patrimônio cultural; e, contra usar produto ou substância tó- diversidade, vegetação, fauna e A Lei 12651/2012, ou Lei de
a administração ambiental. Os xica, perigosa ou nociva à saúde regime hídrico do Bioma Mata Proteção da Vegetação Nativa,
crimes descritos incluem, contra humana ou ao meio ambiente, em Atlântica para as presentes e fu- estabelece normas gerais sobre
a Fauna: (art. 29) “matar, perse- desacordo com as exigências es- turas gerações; a formação de a proteção da vegetação, áreas
guir, caçar… espécimes da fauna tabelecidas”; (art. 60) “construir, uma consciência pública sobre de Preservação Permanente e as
silvestre, nativos ou em rota mi- reformar, ampliar, instalar ou fa- a necessidade de recuperação e áreas de Reserva Legal; a explo-
gratória”; (art. 32) “praticar atos zer funcionar ... estabelecimentos, manutenção dos ecossistemas; o ração florestal, o suprimento de
de abusos, maus-tratos, ferir ou obras ou serviços potencialmente disciplinamento da ocupação ru- matéria-prima florestal, o con-
mutilar animais silvestres, do- poluidores, sem licença ou auto- ral e urbana, de forma a harmo- trole da origem dos produtos flo-
mésticos ou domesticados, nati- rização dos órgãos ambientais nizar o crescimento econômico restais e o controle e prevenção
vos ou exóticos”; (art. 33) “provo- competentes, ou contrariando as com a manutenção do equilíbrio dos incêndios florestais. Tem por
car, pela emissão de efluentes… normas legais e regulamentares ecológico. A lei disciplina o corte, objetivo (art. 1° A) o desenvol-
o perecimento de espécimes da pertinentes”. São crimes contra o a supressão e a exploração da ve- vimento sustentável, atendendo

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aos seguintes princípios, entre humanas, sem fazer distinção consolidadas ocupadas por popu- 1999), que considera a Educação
outros: afirmação do compro- entre zonas rurais ou urbanas lação de baixa renda. É permitido Ambiental como um direito de to-
misso soberano do Brasil com a (art. 4°). São APP, entre outros: o acesso de pessoas e animais dos, está incumbido de promover
preservação das suas florestas e as faixas marginais de qualquer às APPs para obtenção de água a Educação Ambiental e o enga-
demais formas de vegetação na- curso d’água natural perene e in- e para a realização de atividades jamento da sociedade na conser-
tiva, bem como da biodiversida- termitente, excluídos os efêmeros de baixo impacto ambiental. São vação, recuperação e melhoria
de, do solo, dos recursos hídri- (em largura mínima de 30 metros admitidas algumas atividades do meio ambiente e de promover
cos e da integridade do sistema para os com largura inferior a 10 de utilidade pública e atividades programas destinados à capacita-
climático, para o bem estar das metros); as áreas no entorno de eventuais ou de baixo impacto ção de trabalhadores, visando à
gerações presentes e futuras; nascentes (no raio mínimo de 50 ambiental, que incluem: abertura melhoria e ao controle efetivo so-
e, responsabilidade comum da metros); as encostas com declivi- de pequenas vias de acesso in- bre o ambiente de trabalho, bem
União, Estados, Distrito Federal dade superior a 45° (equivalente terno e suas pontes e pontilhões; como sobre as repercussões das
e Municípios, em colaboração a 100%); os topos de morro com implantação de trilhas para o atividades humanas e dos proces-
com a sociedade civil, na criação altura mínima de 100 metros; e desenvolvimento do ecoturis- sos produtivos no meio ambiente.
de políticas para a preservação e áreas cobertas com florestas ou mo; construção e manutenção de Essa atribuição cabe, pela atual
restauração da vegetação nativa e outras formas de vegetação des- cercas na propriedade; pesqui- estrutura regimental do Inmetro,
de suas funções ecológicas e so- tinadas às seguintes finalidades, sa científica relativa a recursos à Coordenação de Infraestrutura,
ciais nas áreas urbanas e rurais. entre outras, quando declaradas ambientais; coleta de produtos da Diretoria de Administração e
Reconhece (art. 2°) as florestas de interesse social: conter a ero- não madeireiros para fins de sub- Finanças, onde as atividades de
e as demais formas de vegetação são do solo e mitigar riscos de sistência e produção de mudas, Gestão Ambiental estão inseridas
nativa, como de utilidade às ter- enchentes, abrigar exemplares como sementes, castanhas e fru- junto a outras ligadas à obras e
ras que revestem, e como bens ameaçados da fauna e flora, for- tos; plantio de espécies nativas reparos de edificações e sistemas
de interesse comum a todos os mar faixas de proteção ao longo produtoras de frutos, sementes, prediais, serviços e manutenção
habitantes do País, exercendo-se de rodovias e assegurar condi- castanhas e outros produtos ve- da infraestrutura, como seguran-
os direitos de propriedade com ções de bem-estar público. Nas getais; exploração agroflorestal ça, limpeza e transporte. Em um
as limitações que a legislação es- APPs (art. 7°), a vegetação deve- e manejo florestal sustentável, contexto assim, realizar ativida-
tabelece. rá ser mantida pelo proprietário comunitário e familiar, incluindo des educativas tende a ser muito
Vale destacar das definições da área, possuidor ou ocupante a extração de produtos florestais mais uma iniciativa de servido-
da Lei 12651/2012, em seu art. a qualquer título, pessoa física não madeireiros, sempre desde res com afinidade pessoal com a
3°, inciso II, as Área de Preserva- ou jurídica, de direito público ou que não descaracterizem a cober- temática ambiental do que uma
ção Permanente, APP, como área privado; tendo ocorrido supres- tura vegetal nativa existente nem demanda institucional decorren-
protegida, coberta ou não por ve- são, o ocupante a qualquer título prejudiquem a função ambiental te da internalização da PNEA no
getação nativa, com a função am- é obrigado a promover a recom- da área. Inmetro.
biental de preservar os recursos posição da vegetação. A interven- Vale mencionar que na estru-
hídricos, a paisagem, a estabilida- ção ou supressão poderá ser au- 3. Proposição tura regimental anterior, que vi-
de geológica e a biodiversidade, torizada excepcionalmente para O Inmetro, como órgão do Po- gorou até janeiro de 2016, havia
facilitar o fluxo gênico de fauna a execução de obras em projetos der Executivo Federal, e nos ter- um Núcleo de Gestão Ambien-
e flora, proteger o solo e assegu- de regularização fundiária de in- mos da Política Nacional de Edu- tal, voltado para a promoção da
rar o bem-estar das populações teresse social, em áreas urbanas cação Ambiental, PNEA (BRASIL, melhoria do desempenho am-

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biental do Inmetro e a agrupar voltada para condicionar as pes- deveria ser tentada uma outra Assim, o que se quer e o que
atividades ligadas ao controle de soas a poupar água, energia e abordagem, que direcionasse a se precisa, de imediato, é que a
aspectos ambientais, à pesqui- material de escritório e a descar- Educação Ambiental para alcan- lei seja cumprida (o que não é
sa e à educação ambiental. Na- tar os resíduos nos contêineres çar prioritariamente os gestores, tão óbvio assim, mesmo em se
quelas condições, a cada ano, a apropriados não era nem capaz sensibilizando-os quanto a te- tratando da administração públi-
equipe elaborava um Plano Anual de promover o engajamento de mas relevantes da questão am- ca). Infelizmente, o argumento da
de Educação Ambiental, com a todos na conservação, recupera- biental no contexto do Inmetro, obrigatoriedade do cumprimen-
identificação e mapeamento das ção e melhoria do meio ambien- como a minimização dos impac- to da legislação ambiental, junto
situações problema, o recorte do te, muito menos sensibilizar os tos ambientais das operações, aos gestores, parece ser uma fer-
público alvo, a definição de ob- gestores quanto a necessidade a proteção da biodiversidade e ramenta mais poderosa de con-
jetivos a serem alcançados com de alocar recursos para, pelo me- o engajamento da sociedade na vencimento (mais do que de sen-
cronograma de execução, indica- nos, consertar dispositivos com conservação. Mas como alcan- sibilização) do que uma reflexão
dores e metas. Para o Plano, eram mau funcionamento, promover çá-los e sensibilizá-los se a sua sobre a sustentabilidade, sobre a
levados em conta os pressupos- compras públicas sustentáveis e posição hierárquica os distingue necessidade de manter a nature-
tos da abordagem crítica, que evitar a destinação final irregular acima da força trabalho da insti- za em condições de prestar seus
permeiam a PNEA, mais voltada de resíduos de obras. Em relação tuição, a quem são direcionadas relevantes serviços ambientais
para a dimensão política da ques- às atividades educativas, poucos as atividades educativas? ou sobre a resiliência em face das
tão ambiental, almejando-se uma servidores se dispunham a par- A saída que se começou a ser mudanças climáticas.
transformação mais ampla da ticipar de eventos de sensibiliza- construída foi muito simples e Quanto ao alcance da Educação
sociedade, e com a visão de que ção, mesmo quando estimulados baseada em três obviedades: a) Ambiental, para ser de fato inclu-
a educação ocorre no processo e a realizar plantios de árvores em a legislação ambiental brasileira siva ela deve chegar ao conjunto
não, simplesmente, no sucesso da áreas degradadas ou caminhar traz, de forma implícita, uma sé- de colaboradores que atuam na
mudança comportamental. Infe- por trilhas através dos remanes- rie de conceitos e conteúdos teó- instituição, e que sejam capazes
lizmente, apesar de suas nobres e centes de Mata Atlântica. Talvez, ricos da ciência da conservação, de, por ação ou omissão, por pe-
relevantes intenções, uma unida- a necessidade de obter anuência de tal maneira que, o cumprimen- quenos gestos ou fortes atitudes,
de organizacional com escassos das chefias fosse um desestímulo to da lei favorece à conservação afetar de alguma forma as condi-
recursos para suas iniciativas. à participação dos servidores e da natureza e à proteção da bio- ções ambientais. Isto independe
Pois foi exatamente o fim do causa do esvaziamento dos even- diversidade; b) o meio ambiente do vínculo com a instituição, se
Núcleo de Gestão Ambiental, em tos. Constatou-se assim que a é um bem comum e cabendo a servidores, mão de obra terceiri-
uma mudança na estrutura regi- Educação Ambiental no Inmetro todos a sua defesa e preservação, zados ou prestadores de serviço
mental do Inmetro, interpretado estava muito longe de alcançar de tal maneira que a Educação ou até mesmo por indicação ou
como um possível descaso dos seus objetivos. Ambiental deve ser inclusiva, no nomeação, independente do nível
gestores da autarquia quanto a Um processo de análise crítica, sentido de alcançar todo o cor- de atuação, seja operacional, ge-
questão ambiental, que suscitou baseado no Ciclo PDCA (Plan, Do, po funcional da instituição; e, c) rencial e até mesmo político.
uma reflexão entre os servidores Check, Act) da NBR ISO 14001 - o evento de Educação Ambiental Já em relação aos eventos, sua
ligados à questão ambiental so- Sistemas de Gestão Ambiental não existe sem a sua divulgação, divulgação e cobertura jornalísti-
bre a efetividade ou não de suas (ABNT, 2015), adotado usual- e vice versa, de tal maneira que a ca, é fácil perceber que as mídias
iniciativas de Educação Ambien- mente pelas organizações produ- divulgação e o evento devem for- oferecem muito mais oportuni-
tal. Percebeu-se que a atuação tivas, levou à constatação de que mar um todo coerente. dades de transmitir conteúdos

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do que o evento em si, na medi- pontuais da Alta Administração,


da em que há mais frequência como campanhas de racionaliza-
de inserções, antes e depois do ção de consumo, podem ser tra-
evento, e um alcance de públi- tados caso a caso, mas sempre a
co expressivamente maior, que buscar estabelecer uma relação
inclui até mesmo os gestores. com o objetivo geral na conserva-
Desta forma, tanto a divulgação, ção.
pré-evento, como a cobertura jor- De uma certa maneira, o que
nalística, pós-evento, devem ser se propõe é uma inversão da lógi-
articuladas como parte do even- ca quanto a realização de eventos
to. Acredita-se que assim é pos- e sua divulgação: se antes a divul-
sível ultrapassar algumas barrei- gação estava a serviço do evento,
ras impostas pelo forte senso de passou-se a usar o evento a ser-
hierarquia em uma organização viço da divulgação de conceitos
burocratizada. Por conta deste al- e idéias quanto ao meio ambien-
cance maior, convém que a divul- te. Neste sentido, a operaciona-
gação e a cobertura jornalística lização das iniciativas depende,
tragam em si a parte essencial do necessariamente, de uma forte
conteúdo que se quer transmitir. aproximação entre as áreas de Figura 3 - esquema proposto para a organização de eventos de Educação Am-
A combinação destas três pre- meio ambiente e de comunica- biental no Inmetro, considerados como uma iniciativa voltada para disseminar
missas, aponta para a seguinte ção do Inmetro. A Figura 3 ilustra a idéia de conservação da natureza.
proposição alternativa a direcio- o esquema proposto para esta
nar a Educação Ambiental no In- interação, com as equipes de co- base em novas premissas foi a própria Alta Administração para
metro: o objetivo geral das inicia- municação e de meio ambiente a pretexto de cumprir o calendário a disseminação interna de infor-
tivas é a conservação da natureza atuar em conjunto na elaboração de eventos ligados à questão am- mações relevantes. Seu conteúdo
e a proteção da biodiversidade, o dos materiais para o pré e o pós- biental. No Brasil, é comemorado, destaca: os serviços ambientais
que deve ser alcançado pelo es- -evento. tradicionalmente, o Dia da Árvo- prestados pelas florestas, como
trito cumprimento da legislação re, ou, oficialmente, a Festa Na- a regulação do clima nos am-
ambiental e pela internalização 4. Aplicação cional das Árvores, sendo que na bientes de trabalho; que a área
de políticas públicas pela insti- A atuação no sentido de dis- maioria dos estados brasileiros onde serão plantadas as mudas
tuição. Os dispositivos legais e seminar no Inmetro a idéia de em 21 de setembro, a marcar a de árvores fazem parte da Zona
regulamentares e seus conteúdos conservar a natureza e proteger a chegada da primavera. Assim, foi Especial de Interesse Ambiental
devem ser informados e disse- biodiversidade, por conta da sua organizado em 2016 este even- de Xerém; e, que as mudas foram
minadas para todo o corpo fun- localização em meio às unidades to, no Campus de Xerém, a in- doadas pelo Jardim Botânico do
cional, a incluir os gestores, por de conservação, dá um novo dire- cluir palestra, trilha e plantios. O Rio de Janeiro. Isso foi feito como
meio da divulgação e realização cionamento e qualifica as inicia- convite foi divulgado para toda a tentativa de: chamar a atenção
de eventos comemorativos ao tivas de Educação Ambiental da instituição por e-mail através de para a ocorrência de fragmentos
longo do ano. Eventuais objetivos equipe de meio ambiente. A pri- uma mensagem na forma de ‘Co- florestais no Campus do Inmetro;
específicos ligados à demandas meira oportunidade de agir com munica’, que é o meio usado pela informar que a área tem sua im-

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portância para o meio ambiente ajardinamento, mas que se carac- lestra contou com a presença de Rio de Janeiro. É no período de D.
reconhecida pelo Plano Diretor teriza como degradada, por ser cerca de 75 pessoas; um sucesso! João VI no Brasil que ocorre a pri-
do município; e, valorizar o even- Área de Preservação Permanen- A Figura 5 ilustra a abordagem meira grande crise de abasteci-
to por conta da origem das mudas te de encosta. Ainda de manhã e da palestra realizada, com ima- mento de água na capital, que irá
em instituição conhecida nacio- na sequência, caminhou-se por gens do Século XIX a representar motivar a proteção das florestas
nalmente e respeitada por todos. uma trilha através do remanes- a Mata Atlântica em bom estado que existem ainda hoje na região
Para marcar uma distinção cente de Mata Atlântica mapeado e a paisagem degradada da Bai- onde está inserido o Campus do
em relação aos tímidos eventos pela Fundação SOS Mata Atlânti- xada Fluminense, na periferia do Inmetro.
anteriores, este, em especial, foi ca, que está inteiramente contido
agendado para ser iniciado junto no Campus. A Figura 4 ilustra o
ao prédio da Diretoria de Admi- plantio e a trilha com a partici-
nistração e Finanças. Neste caso, pação da equipe de manutenção
as atividades iniciaram-se de ma- de áreas externas e diversos ser-
nhã, com plantio de 60 mudas vidores e colaboradores adminis-
em área antropizada no entorno trativos da instituição.
do prédio, à época tratada com Na parte da tarde foi realizada

Figura 4 - imagens ilustrativas de plantios e trilha pela floresta por ocasião do


Dia da Árvore, em 2016, no Inmetro, com a participação de colaboradores e Figura 5 - imagens ilustrativas da palestra realizada por ocasião do Dia da Ár-
pessoal de manutenção de áreas externas do Campus. vore, em 2016, no Inmetro, a mostrar a Mata Atlântica em seu estado original e
a paisagem degradada do Rio de Janeiro já no século XIX.
a palestra “Importância do Cam- biodiversidade e a importância
pus do Inmetro para a conecti- dos serviços ambientais ligados Outros eventos, ainda em de comemorar algum dia em es-
vidade na Baixada Fluminense”, à água. Para garantir um público 2016, seguiram na mesma linha, pecial. Para a palestra do Dia do
não somente para abordar con- mínimo na palestra, esta foi aber- sempre a combinar palestra com Servidor Público, oficialmente
teúdos de Biologia da Conserva- ta à todos mas dirigida aos fun- conteúdo educativo, trilha pela comemorado em 28 de outubro,
ção, mas para destacar o impor- cionários da empresa contratada Mata Atlântica e plantio de mu- foi utilizado o auditório da Dire-
tante papel que a instituição pode que faz o serviço de manutenção das em áreas de preservação per- toria de Metrologia Legal, e teve
desempenhar na conservação da de áreas externas. Com isso a pa- manente degradadas, e a pretexto como tema os aspectos legais da

438 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 439
Luiz Roberto Mayr; Claudia de O. F. Salema Olhar para cima

conservação. Abordou-se nova- que o seu descumprimento pode manente degradadas no Campus ninguém da área de Engenha-
mente a questão da necessidade caracterizar crime ambiental. A mas a enfatizar a importância de ria ou da Alta Administração se
de recuperar as APP áreas de pre- Figura 6 ilustra a abordagem da tratar adequadamente os efluen- dispôs a comparecer. A Figura 7
servação permanente degrada- palestra realizada, com imagens tes lançados pela instituição nos ilustra a abordagem da palestra
das no Campus e também os efei- do mapeamento das APP no Cam- corpos de água. Curiosamente, realizada, com imagens do mes-
tos da degradação sobre a fauna pus, de incidentes com a fauna foi incluída na programação uma mo rio Saracuruna antes e depois
silvestre. A intenção era destacar silvestre e de resíduos dispostos breve apresentação do projeto da de passar ao longo do Campus do
que os servidores públicos devem de maneira incorreta. nova estação de tratamento de Inmetro.
agir sempre de acordo com a lei e Para a palestra do Dia do Rio, efluentes, a ser construída, mas Estes eventos, apesar de terem

Figura 6 - imagens ilustrativas da palestra realizada por ocasião do Dia do Figura 7 - imagens ilustrativas da palestra realizada por ocasião do Dia do
Servidor, em 2016, no Inmetro, a mostrar as áreas de preservação permanente Rio, em 2016, no Inmetro, a mostrar como o rio Saracuruna e suas margens se
do Campus e efeitos da antropização sobre a fauna silvestre. degradam nas áreas antropizadas.
em 21 de novembro, não previsto proteção dos rios (e das águas)
no calendário oficial de comemo- por meio dos serviços ambientais uma organização trabalhosa, no tura e manutenção de trilhas, têm
rações, mas oportuno para essa prestados pelas Áreas de Preser- preparo das matérias de divulga- custo muito baixo. Os benefícios
estratégia, foi utilizado o audi- vação Permanente. Mais uma vez ção e jornalismo, na elaboração que podem ser obtidos no médio
tório da Diretoria de Metrologia da necessidade de recuperar as palestras, na obtenção de mudas e longo prazo são potencialmente
Científica, e teve como tema a APP áreas de preservação per- e preparo dos plantios, na aber- grandes, quando se pensa no ob-

440 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 441
Luiz Roberto Mayr; Claudia de O. F. Salema Olhar para cima

jetivo geral ligado à conservação. nicação para os eventos de Edu-


A Figura 8 ilustra as campanhas cação Ambiental em 2016.
realizadas pela equipe de comu- Um dos primeiros resultados

Figura 9 - imagens ilustrativas do evento Dia do Meio Ambiente, em 2017, no


Inmetro, a mostrar o Diretor de Administração e Finanças em fala para alunos da
rede pública; na apresentação, o mapa mostra a conectividade com os remanescen-
tes da floresta.

Essas mudanças nas práticas de silvestres, principalmente as aves


manutenção de áreas externas que encantam as pessoas, mas
têm forte impacto na paisagem também os peçonhentos, que as
e, se por um lado favorecem a amedrontam. Conseguir intervir
conectividade e permitem a pas- dessa maneira na paisagem não
sagem da fauna silvestre, por ou- é trivial e o resultado pode ser
tro alteram uma visão idealizada considerado como uma pequena
Figura 8 - imagens ilustrativas do material de divulgação preparado pela equipe
e compartilhada do Campus do grande vitória.
de comunicação do Inmetro para os eventos de Educação Ambiental de 2016; o Inmetro como uma grande área
conteúdo ligado ao objetivo na conservação está no próprio texto, mas também é ajardinada. 5. Conclusões e considerações
destacado no box com a pergunta “você sabia?”. Deve-se aqui ter em mente o finais
processo de sucessão ecológica Após a realização de um con-
da Mata Atlântica, onde as áreas junto atividades de educação
foi despertar o interesse da Alta disso pediu a palavra para se ma- livres e sem manutenção são ambiental planejadas sob a nova
Administração: no evento que já nifestar em apoio à iniciativa. A ocupadas inicialmente e rapida- abordagem, de tentar alcançar
foi realizado em junho de 2017 Figura 9 ilustra a passagem do mente por vegetação herbácea prioritariamente os que estão
para o Dia do Meio Ambiente, representante da Alta Adminis- e arbustiva densa, sem interes- acima na hierarquia da institui-
quando foram convidados alunos tração no evento. se paisagístico para o senso co- ção, emergem algumas dúvidas:
da rede pública, pela primeira vez Um outro efeito notável, é o mum. Este é um ambiente mui- será que este redirecionamento
um Diretor, no caso o da Direto- apoio obtido do Diretor para ini- to favorável para a regeneração de abordagem foi efetivo, com
ria de Administração e Finanças ciativas da equipe de meio am- de processos naturais, mas que a sensibilização dos gestores
da instituição, a qual a equipe de biente, a permitir a ampliação de dificulta significativamente al- do Inmetro para a conservação;
meio ambiente está subordinada, áreas em processo de regenera- guns serviços de manutenção e será que existem desdobramen-
se fez presente em uma ativida- ção natural e a introduzir mudan- de vigilância patrimonial. Esta tos práticos, com a transforma-
de de Educação Ambiental. Além ças no paisagismo do Campus. paisagem alterada atrai animais ção das boas intenções em boas

442 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 443
Luiz Roberto Mayr; Claudia de O. F. Salema Olhar para cima

ações; e, o que pode ou deve ser é tido como positivo, pelo expres- quanto na cobertura jornalística, degradadas, mas os eventos edu-
feito para melhorar esta aborda- sivo aumento da ocorrência de para o ajuste dos conteúdos espe- cativos com este enfoque estão
gem? Dados concretos não foram aves no campus. Assim, parece cíficos ligados à questão ambien- bem encaminhados. No entanto,
levantados, mas existem alguns ser possível obter uma mudança tal ao processo comunicativo. são ainda necessárias iniciativas
indícios negativos e positivos a na postura dos gestores com base Talvez o primeiro grande pas- de sensibilização dos gestores
permitir uma reflexão. em ações educativas, em espe- so na busca da efetividade das quanto a minimização dos impac-
Por um lado, permanecem na cial nas áreas de maior interface iniciativas educativas nas orga- tos ambientais negativos, princi-
instituição os hábitos arraigados, com a questão ambiental, como nizações seja o de sensibilizar e palmente em relação a efluentes
que dependem de uma posição os setores da Alta Administração estabelecer uma aliança com o e resíduos. Certamente, o princi-
firme dos gestores, para a reso- responsáveis pela infraestrutura pessoal da área de comunicação pal argumento é a legislação am-
lução dos problemas ligados aos e atividades de apoio e manuten- (no caso do Inmetro, subordi- biental, que, obviamente deve ser
impactos ambientais negativos, ção para as operações do Inmetro nada diretamente ao Gabinete cumprida por todos, em especial
como o lançamento de efluentes no campus. da Presidência). Pode-se pensar pelos agentes públicos.
sem tratamento e o descarte in- Pode-se então pensar que a ainda que a área de comunica- No entanto, na perspectiva das
devido de resíduos (sendo o mais realização e divulgação dos even- ção tem como desempenhar um organizações, sempre caberá à
notável os de restos de obra e de tos de educação ambiental, a ocu- papel de relações públicas entre sua equipe de meio ambiente, ou
materiais inservíveis no “mato”). par espaços na mídia interna da a área de meio ambiente e a Alta de gestão ambiental, promover
Quanto a isso, há de se reconhe- instituição, servem de fato para Administração, a estabelecer um ações educativas específicas, de
cer que até o momento a equipe chamar a atenção para a questão canal de comunicação alterna- preferência a combinar conteú-
de meio ambiente não promoveu ambiental. Um ponto chave para tivo à estrutura hierárquica da dos teóricos com vivências prá-
nenhuma iniciativa específica esta abordagem é a necessidade organização. No Inmetro, a edu- ticas, a fazer uso da comunica-
neste sentido. Por outro lado, nas de estabelecer e consolidar laços cação ambiental conta agora com ção para alcançar e sensibilizar
questões que foram objeto das entre a equipe de meio ambiente o significativo apoio institucional os diferentes níveis hierárquicos
ações educativas, a mudança em com a equipe da área de comuni- nesta área. Desta parceria, por quanto ao significado desta legis-
práticas de manutenção de áreas cação da instituição, que é quem exemplo, resultou recentemente lação para a proteção da biodi-
externas, para a recuperação da faz a divulgação dos eventos edu- uma publicação digital Aves do versidade e provocar a reflexão
vegetação em áreas de preserva- cativos e também, no nosso caso, Campus (INMETRO, 2017), com sobre o que ela representa em
ção permanente degradadas, não a divulgação de seus resultados. uma mostra da diversidade bioló- termos de nosso futuro comum.
sofreu resistência significativa, Cada evento não é apenas uma gica na região, lançado no Dia da
apesar de seu forte impacto na mas são três oportunidades de Biodiversidade, em 22 de maio, Referências
paisagem com a transformação sensibilização: a divulgação pré- com repercussão muito positiva ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
de áreas de parque em áreas de via, o evento por si e a divulga- na instituição. DE NORMAS TÉCNICAS (2015).
“mato”, do aumento da ocorrência ção dos seus resultados. Em cada Como desdobramentos da NBR ISO 14001:2015 Sistemas
de animais peçonhentos e da fra- momento devem ser abordados abordagem proposta para a edu- de gestão ambiental - Requisi-
gilização do sistema de vigilância os conteúdos ligados ao objeti- cação ambiental do Inmetro, tos com orientações para uso.
e segurança patrimonial. Há o vo que se quer alcançar. Assim, existem inúmeras possibilida- Rio de Janeiro: ABNT.
reconhecimento de que se está a deve haver uma grande interação des e muito por fazer. É preciso BRASIL. Decreto nº 8.972, de
cumprir a lei e com isso a prote- entre as duas equipes, tanto na consolidar o processo de recu- 23 de janeiro de 2017. Insti-
ger a biodiversidade. O resultado elaboração do material gráfico, peração da vegetação em áreas tui a Política Nacional de Recu-

444 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 445
Luiz Roberto Mayr; Claudia de O. F. Salema Olhar para cima

peração da Vegetação Nativa. LOUREIRO, Carlos Frederico


BRASIL. Lei 12.651, de 25 de Bernardo (2011). Educação
maio de 2012. Dispõe sobre a ambiental e movimentos so-
proteção da vegetação nativa; ciais na construção da cidada-
altera as Leis nos 6.938, de 31 nia ecológica e planetária, em
de agosto de 1981, 9.393, de 19 BAETA, Anna Maria Bianchini
de dezembro de 1996, e 11.428, et al., Educação Ambiental:
de 22 de dezembro de 2006; re- repensando o espaço da cida-
voga as Leis nos 4.771, de 15 de dania. pp.73-103. São Paulo:
setembro de 1965, e 7.754, de Cortez.
14 de abril de 1989, e a Medida SAUVÉ, Lucie (2005). Uma carto-
Provisória no 2.166-67, de 24 de grafia das correntes em educação
agosto de 2001; e dá outras pro- ambiental, em SATO, Michèle e
vidências. CARVALHO, Isabel Cristina Mou-
BRASIL. Lei 12.305, de 2 de ra, Educação Ambiental: pes-
agosto de 2010. Institui a Po- quisa e desafios. pp.17-44. Porto
lítica Nacional de Resíduos Só- Alegre: Artmed.
lidos; altera a Lei no 9.605, de SHORT, Philip C. (2010). Res-
12 de fevereiro de 1998; e dá ponsible environmental ac-
outras providências. tion: Its role and status in en-
BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de vironmental education and
agosto de 1981. Dispõe sobre environmental quality. The
a Política Nacional do Meio Am- Journal of Environmental
biente, seus fins e mecanismos de Education, v 41, n 1, p. 7-21.
formulação e aplicação, e dá ou-
tras providências.
HUNGERFORD, Harold R
(2010). Environmental Educa-
tion (EE) for the 21st century:
Where have we been? Where
are we now? Where are we
headed? The Journal of Envi-
ronmental Education, v 41, n
1, p. 1-6.
INMETRO (2017). As Aves do
Campus. Publicação digital.
Disponível em <http://www.you-
blisher.com/p/1829402-As-A-
ves-do-Campus/>

446 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 447
Ciência cidadã na promoção da biodiversidade

Foto: Joaquim Ramos Pinto


Ribeiro CA1
Carvalho F2
Silva N3

Resumo
A ciência cidadã é hoje, reconhecidamente, uma das formas emergentes de apro-
ximação da ciência aos cidadãos, mostrando a sua capacidade de contribuir para
uma ciência mais participativa e o envolvimento destes nas diversas atividades
desenvolvidas, nomeadamente aquelas que se debruçam sobre a educação para
a sustentabilidade. Em causa não está apenas o potencial da ciência cidadã como
estratégia para uma ação mais participada dos cidadãos, mas, essencialmente, o
seu potencial de comprometimento e envolvimento destes nos principais desa-
fios da sociedade atual. A preservação e promoção da biodiversidade é um dos
exemplos aqui vertidos e cuja ligação entre aqueles que fazem ciências e os cida-
dãos é essencial para o cumprimento dos objetivos propostos. No presente caso,
apresentam-se como exemplos a criação de uma base de dados de biodiversidade
suportado pelo conceito da ciência cidadã e promotor da biodiversidade urbana
e um projeto de redução e valorização de resíduos, impulsionador da redução de
acumulação de resíduos nas cidades, desenvolvidos pelo Laboratório da Paisgaem
de Guimarães. A ciência cidadã pode, por isso, ser uma ferramenta essencial na
capacidade que demonstra de envolvimento dos cidadãos comuns, podendo e de-
vendo ser utilizada como um instrumento de motivação da comunidade escolar
para o seu envolvimento e responsabilização nomeadamente na proteção e pro-
moção da biodiversidade.

Palavras-Chave: Ambiente, Biodiversidade; Ciência-Cidadã; educação; sustentabi-


lidade

Abstract
Citizen’s science is one of the emerging ways of bringing science closer to citizens,
showing its capacity to contribute to a more participatory science and its invol-
vement in several activities developed, namely those that focus on education for
sustainability. Citizen’s science has a great potential for the citizen’s engagement
and commitment in the main challenges of society.
The preservation and promotion of biodiversity is one of the examples which the
link between those who make science and the citizens is essential for the achieve-
ment of the proposed goals.
The creation of a database of biodiversity supported by the concept of citizen
science and promoter of urban biodiversity and a project for waste’s reduction and
recovery, contributing to the reduction of waste accumulation in cities, are the two
examples proposed by the Landscape Laboratory and reported here.
Citizen’s science can, therefore, be an essential tool for the engagement of ordi-
nary citizens. It also should be used as a motivating tool for the school community
involving them in the protection and promotion of biodiversity.
São Tomé e Príncipe,
no continente africano Keywords: Biodiversity; Citizens’ Science; education; environment; sustainability.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 449


Ribeiro CA; Carvalho F; Silva N Ciência cidadã na promoção da biodiversidade

Ciência-Cidadã e Biodiversida- nos paradigmas atuais, com foco no dem ser visto como um bem público de desenvolvimento sustentável do
de crescimento do trabalho científico que é produzido através do aumen- território – Guimarães mais Verde
Como definição, a biodiversi- no que toca à conservação e preser- to de ferramentas de colaboração e – e impulsionador da Candidatura
dade corresponde à variedade de vação da biodiversidade, mas tam- recursos, promovendo ao mesmo de Guimarães a Capital Verde Euro-
ecossistemas, espécies e genes que bém no envolvimento da sociedade tempo a participação do público na peia procurou, suportado pelo con-
nos rodeia (União Europeia). Esta em geral, nas preocupações, no tra- ciência e na preservação do planeta. ceito de ciência-cidadã, desenvolver
biodiversidade apesar de valer por balho de campo e na execução das Nesse sentido, o Laboratório da projetos que visassem a preservação
si só proporciona à sociedade uma metas estabelecidas. Durante sé- Paisagem de Guimarães em estrei- e promoção da biodiversidade, pro-
vasta gama de serviços ecossistémi- culos as pessoas registaram as suas ta colaboração com o Município curando envolver os cidadãos nos
cos dos quais dependemos, como observações do mundo natural, in- de Guimarães e no âmbito mais principais desafios do território.
os alimentos, a água doce, a polini- cluindo fenologias e distribuições alargado de um plano estratégico
zação, a proteção contra as inunda- de plantas e animais, qualidade da
ções, etc. Apesar de ser inquestio- água, dados sobre a meteorologia
nável o valor da biodiversidade e e fenómenos astronómicos (Dic-
das funções e serviços que a mesma kinson, 2012). Crê-se que a reno-
proporciona, verifica-se que a nível vação do interesse na ciência cida-
global a ameaça à biodiversidade é dã - uma indispensável forma de
hoje incontornável, com as espécies combinar, enriquecida com a pers-
a desaparecem a um nível muito petiva e os dados provenientes de
elevado fruto, essencialmente, de uma longa tradição na participação
ações humanas que põe em causa a pública na ciência irá alargar a li-
sustentabilidade da vida no planeta. gação e o compromisso do público
Assim, preocupada com o rumo da na investigação em ecologia e levar
biodiversidade na Europa, em maio a novas descobertas científicas. As
de 2011, a Comissão Europeia ado- aproximações à ciência cidadã va-
tou uma nova estratégia que estabe- riam desde monitorizações feitas
lece o quadro de ação da UE para os pela comunidade, o uso da internet
dez anos seguintes com vista a atin- para variadas tarefas científicas em
gir o objetivo central para 2020 em formato “crowd-source”- partilha Figura 1 – Laboratório da Paisagem de Guimarães.
matéria de biodiversidade. de informação e dados entre comu-
Reconhece-se, porém, que o su- nidades, até à recolha de dados para Laboratório da Paisagem como vimento da comunidade, nomea-
cesso das metas traçadas só será descobertas. A ciência do cidadão e Promotor de Educação Am- damente a comunidade escolar.
alcançado se existir uma mudança os dados ecológicos resultantes po- biental Neste sentido, o Laboratório da
O Laboratório da Paisagem Paisagem atua numa base mul-
enquanto centro de investiga- tidisciplinar procurando num
1Laboratório ção, procura desenvolver diver- conceito inovador, aglutinar à ex-
da Paisagem de Guimarães. Autor correspondente. E-mail: carlos.ribeiro@
labpaisagem.pt. sos projetos de investigação, periência de gestão do território
2Laboratório da Paisagem de Guimarães. integrando-os num contexto de do poder local, o conhecimento
3Laboratório da Paisagem de Guimarães. educação ambiental e de envol- fornecido pelas universidades - a

450 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 451
Ribeiro CA; Carvalho F; Silva N Ciência cidadã na promoção da biodiversidade

Universidade do Minho e a Uni- Desta forma, e face à inexistên-


versidade de Trás-os-Montes e cia de uma base de dados de toda
Alto Douro. a biodiversidade do concelho, o
Reconhecendo a importância Laboratório da Paisagem procu-
da Ciência-Cidadã, acima des- rou desenvolver um projeto que
crita, o Laboratório da Paisagem visasse a sua criação suportada
de Guimarães é ainda membro pelo conceito de ciência-cidadã,
da Associação Europeia de Ciên- possibilitando assim que o pro-
cia-Cidadã, procurando através jeto pudesse ser uma ferramenta
desta contribuir para o fortaleci- útil para ser utilizada em contex-
mento de estratégias indutoras to escolar. O desenvolvimento de
da participação da sociedade nos uma aplicação móvel para utili-
principais desafios ambientais zação em qualquer smartphone
atuais. procurou também responder ao
uso massivo destes e potenciar Figura 2 – Aplicação móvel Biodiversity GO! Que visa a criação
Biodiversity GO! – Base de Da- ainda o envolvimento da popula- de uma base de dados de biodiversidade.
dos de Biodiversidade ção mais jovem neste projeto. As-
Dado o relativo crescimento da sim, o projeto passou igualmente ção de resíduos sólidos urbanos, 2007), sendo que o impacto da
investigação em ecologia como a ser uma das atividades prin- por força da expansão e urbani- acumulação destes resíduos nos
campo de estudo profissional, as cipais do programa ambiental zação das cidades tem sido um ecossistemas aquáticos tem sido
contribuições históricas de “ama- municipal PEGADAS, resultando dos principais problemas com amplamente descrito, nomea-
dores” para a ecologia podem em centenas de contributos que que se debatem todas as cidades. damente no que concerne à pre-
facilmente ser subestimadas. De permitem servir de base para a Para este facto, e principalmen- sença de determinadas toxinas,
forma a perceber alterações a avaliação do potencial florístico e te para os resíduos acumulados nicotina e outros agentes cance-
longo prazo nos ecossistemas, os faunístico dos vários espaços ver- nas ruas das cidades muito tem rígenos assim como a presença
investigadores estão agora a re- des do concelho. contribuído aquele que é desig- do filtro constituído por plástico
visitar muitas destas base-de-da- A partir desses contributos, nado por micro-lixo e para o qual não biodegradável (Elli Slaughter,
dos históricas criadas com regis- será ainda possível criar bases as pontas de cigarro e pastilhas 2011).
tos de pessoas não profissionais informativas para residentes e elásticos contribuem de forma Reconhece-se que o sucesso
deste campo de estudo. Ao longo visitantes e, paralelamente, estu- decisiva. Um pouco por todo o dos projetos está intimamente
dos últimos 100 anos as organi- dar a evolução da biodiversidade mundo, são mesmo dos resíduos ligado com a sua capacidade de
zações científicas foram aumen- num contexto científico, podendo mais encontrados, compreen- envolvimento da população e,
tando a inclusão de voluntários servir de base ao desenvolvimen- dendo em muitos casos cerca de mais do que isso, de promoção
em projetos de monitorização to de projetos nesta área. 70% dos resíduos identificados da educação e sensibilização am-
de larga-escala para aumentar a (Hosford, 2016). As pontas de ci- biental. Desta forma, e no sentido
extensão geográfica e o tamanho EcoPontas & PapaChicletes – garro são igualmente os resíduos de contribuir para o envolvimen-
da amostragem relativamente Redução e Valorização de Resí- mais recolhidos nas praias em to da população, procurou-se
às observações (Miller-Rushing, duos todo o mundo (Ocean Conservan- através de mecanismos de parti-
2012). O aumento gradual da produ- cy International Coastal Cleanup, cipação ativa nomeadamente em

452 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 453
Ribeiro CA; Carvalho F; Silva N Ciência cidadã na promoção da biodiversidade

contexto escolar que os vídeos resíduos de pontas de cigarro e chewing gum are still the biggest
promocionais lançados na apre- pastilhas elásticas. Do mesmo litter problems in Ireland. The
sentação oficial do projeto foram modo, a estreita ligação com as Journal, 1.
realizados em parceria com uma escolas permitiu recolher o fee- (Elli Slaughter, 2011). Toxicity
escola secundária do concelho, dback dos estudantes durante o of cigarette butts, and their
cumprindo assim o propósito de processo de desenvolvimento de chemical components, to
alertar os alunos e toda a comuni- alguns pormenores das referidas marine and freshwater fish.
dade escolar para as consequên- estruturas. California: group.bmj.com.
cias associadas à acumulação de

Figura 3 – EcoPontas e PapaChicletes – Novas estruturas de mobiliário urbano para


redução de acumulação de resíduos de pontas de cigarro e pastilhas elásticas.

Conclusão Referências
Mais do que um chavão, o con- (Dickinson, 2012). The current
ceito de ciência-cidadã será cada state of citizen science as a tool
vez mais fulcral na ligação da so- for ecological research and public
ciedade aos principais desafios engagement. Frontiers in Ecolo-
ambientais da humanidade. En- gy and the Environment, 10(6),
volver e comprometer, deverão 291-297.
ser palavras de ordem para, cada (Miller-Rushing, 2012). The
vez mais, serem procuradas solu- history of public participation
ções que visem motivar a popula- in ecological research. Fron-
ção para responder aos objetivos tiers in Ecology and the En-
de proteção e promoção do patri- vironment, 10(6), 285-290.
mónio natural. (Hosford, 2016). Cigarettes and

454 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 455
Gestão sustentável dos Resíduos Sólidos Urbanos em São Tomé e

Foto: Joaquim Ramos Pinto


Príncipe: Contributos da Educação Ambiental

Gelsa Vera Cruz1


Luís Filipe Fernandes2
Maria da Conceição Martins3

Resumo
Em São Tomé e Príncipe a modificação dos estilos de vida e dos padrões de consu-
mo tem conduzido ao aumento da importação e comercialização de uma grande
variedade de produtos embalados, levando ao aumento da produção de resíduos
sólidos urbanos (RSU). Tratando-se de um país insular, a gestão dos resíduos tem
constituído um problema acrescido. Ganham, por isso, maior premência os proje-
tos de educação ambiental, que estimulem a redução, a reutilização a e a separa-
ção na fonte. Com o presente estudo, pretende-se conhecer as utilizações que os
frequentadores da Lixeira de Penha fazem dos resíduos recolhidos e a importância
económica dessa atividade para as famílias, sensibilizar os diferentes agentes re-
lacionados com a gestão dos RSU para a importância da prevenção e da redução
da produção de resíduos. Aplicou-se um questionário aos frequentadores da Li-
xeira e realizou-se uma entrevista aos representantes das Câmaras Distritais de
Água-Grande e Mé-Zochi. Fez-se uma ação de sensibilização das crianças que fre-
quentavam a escola mais próxima. Os resultados mostram que há uma perceção
generalizada sobre as consequências nefastas do manuseamento direto e do não
tratamento dos RSU, mas perpetuam a sua recolha por questões económicas e por
falta de aplicação de regras de gestão mais restritivas.

Palavras-chave: Resíduos Sólidos Urbanos; Lixeira; Gestão sustentável de resíduos;


Promoção da Saúde; Educação Ambiental.

Abstract
In São Tomé and Príncipe, changes in lifestyles and consumption patterns have
led to an in-crease in the import and marketing of a wide variety of packaged pro-
ducts, leading to an in-crease in the production of solid urban waste. As an island
country, waste management has been a major problem. For this reason, environ-
mental education projects are more urgently needed to stimulate reduction, reuse
and separation at source. The aim of this study is to know the uses that the people
who go to the dump make of the collected residues and the economic importance
of this activity for the families, to sensitize the different agents related to the waste
management to the importance of the prevention and reduction of waste produc-
tion. A questionnaire was applied to the residents of the Wastebasket and an inter-
view was held with the representatives of the District Chambers of Água-Grande
and Mé-Zochi. An action was taken to sensitize the children attending the nearest
school. The results show that there is widespread awareness of the adverse con-
sequences of direct handling and non-treatment of waste, but perpetuates its col-
lection for economic reasons and the lack of more restrictive management rules.

Keywords: Urban Solid Waste; Trash can; Sustainable waste management; Health
São Tomé e Príncipe, promotion; Environmental education.
no continente africano

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 457


Gelsa Vera Cruz; Luís Filipe Fernandes; Maria da Conceição Martins Gestão sustentável dos resíduos sólidos urbanos em São Tomé e Príncipe

Contributos da Educação Am- duos possam participar respon- cia do seu envolvimento, indi- tinua a ser um dos grandes pro-
biental para a gestão sustentá- sável e eficazmente na prevenção vidual e coletivo, na definição e blemas para as sociedades con-
vel de Resíduos Sólidos e solução dos problemas ambien- consecução das soluções que per- temporâneas. Esta problemática
Os problemas ambientais tais. Para que esta mudança seja mitam mitigar os problemas de- advém, não só da necessidade de
mais graves da atualidade estão possível, é necessário desenvol- correntes da acumulação de resí- prevenção e contenção da cada
ligados às atividades económi- ver uma nova ética, baseada no duos. A Educação Ambiental visa, vez maior produção de resíduos,
cas praticadas pelo Homem, pelo reconhecimento da importância acima de tudo, gerar, em cada in- mas também da necessidade de
que só uma mudança profunda da integridade das comunidades divíduo e em cada comunidade, controlar o destino a dar aos resí-
no âmbito dos valores e das ati- humanas e dos sistemas naturais a perceção que desenvolvimento duos que produzem. Os Objetivos
tudes pode conduzir ao sucesso, (Martins, 1996). não é sinónimo de crescimento. O de Desenvolvimento Sustentável
e isto só será possível através da A Educação Ambiental, na “novo” desenvolvimento deverá (ODS) contidos na Agenda 2030
educação (Fernandes, 1982). A perspetiva do desenvolvimento ser direcionado para a satisfação aprovada pelas Nações Unidas
educação, atuando nos contextos integral do cidadão, tem como das necessidades humanas, mas (ONU, 2015) destacam a preo-
formais e informais, será o agente base as ações individuais e cole- tendo em conta a capacidade de cupação, à escala mundial, com
capaz de fornecer os contributos tivas em relação ao ambiente e regeneração dos recursos natu- a necessidade de assegurar pa-
indispensáveis para a mudança surge como um instrumento fun- rais. Assim, torna-se necessário drões de produção e de consumo
de consciências e de estilos de damental para um processo de tomar consciência de que a ges- sustentáveis, assim como de se
vida necessários para atacar, em promoção de mudança de valores, tão do ambiente é, antes de mais, alcançar uma gestão ambiental-
profundidade, a crise mundial, mentalidades e atitudes de modo a gestão de bens comuns, que são mente saudável dos resíduos ao
no que concerne ao ambiente. a criar uma consciência profunda pertença de toda a sociedade e longo de todo o seu ciclo de vida
Assim, a educação dos jovens, na e duradoura na sociedade em re- na qual toda a sociedade se deve e de reduzir significativamente a
escola e nas comunidades, deve lação aos problemas ambientais rever. Todas as nações devem liberação destes para o ar, água
construir, tijolo a tijolo, o siste- (Morgado, Pinto & Leitão, 2000). encarar o problema do ambien- e solo, para minimizar seus im-
ma de valores que os amparará e Nesse sentido, tem o intuito de te como sendo um problema de pactos negativos sobre a saúde
orientará no seu comportamen- restabelecer a harmonia entre todos, assegurado que a sua ges- humana e o ambiente. Esta preo-
to quotidiano durante toda a sua as atividades humanas e a capa- tão seja partilhada por todas as cupação é ainda mais relevante
vida (Fernandes, 1983). Os valo- cidade de reconstituição da na- nações, mas assegurando que a nos Pequenos Estados Insula-
res e as decisões são os princípios tureza, através da sensibilização responsabilidade da preservação res em Desenvolvimento (PEID/
organizadores da ação, pelo que dos cidadãos face os problemas dos sistemas e recursos naturais SIDS), nos quais a menor viabi-
a educação relativa ao ambiente ambientais, e da mudança das seja também partilhada. lidade económica dos processos
não pode desenvolver-se plena- suas atitudes e comportamentos, A noção de desenvolvimento de reciclagem e as limitações de
mente sem incitar os indivíduos tendo em vista uma participação sustentável implica uma relação solo adequado para a deposição
à clarificação das escolhas que devidamente informada e ativa estreita entre justiça social, quali- dos resíduos, concorrem para o
suportam as suas decisões. Para nas soluções dos mesmos. Tal sig- dade de vida e equilíbrio ambien- aumento do risco de potenciais
isso, a Educação Ambiental deve nifica prover os cidadãos de co- tal. Neste contexto, enquadra-se a danos ambientais e para a saúde
promover a aquisição dos conhe- nhecimentos que lhes permitam promoção da gestão de resíduos, pública.
cimentos, dos valores, dos com- compreender a relação entre o uma vez que uma produção exa- Em São Tomé e Príncipe, no
portamentos e das competências consumo e a gestão dos resíduos gerada e a deposição e eliminação âmbito da preparação do Plano
necessárias para que os indiví- e, consequentemente, a relevân- em condições deficientes con- de Ação de Gestão Integrada de

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Resíduos Sólidos Urbanos para síduos é um problema de todos, -se acrescidas devido ao custo nacionais e internacionais assu-
2011 – 2016, realizaram-se ações pois cada cidadão deve assumir elevado para os transportar e midos, as políticas, planos e ações
destinadas à sensibilização de a sua quota-parte de responsa- tratar adequadamente, associa- que reflitam essa preocupação
entidades responsáveis por este bilidade na prevenção da produ- do à falta de meios para realizar tardam a ser implementados.
setor de atividade, incluindo re- ção de resíduos e no encaminha- campanhas de sensibilização dos O relatório sobre a implemen-
presentantes dos ministérios, mento dos mesmos, tendo em cidadãos para as boas práticas. tação dos Objetivos de Desenvol-
câmaras distritais, agência regu- vista a preservação do ambiente. A gestão dos RSU tem constituí- vimento do Milénio, definidos pe-
ladora, empresas e ONG, tendo Nesse sentido, é importante que do, assim, uma dificuldade cres- las Nações Unidas que deviam ser
em vista, entre outros temas, in- haja um projeto de Educação cente em São Tomé e Príncipe. A atingidos pelos Estados membros
formar sobre os objetivos que de- Ambiental direcionado para esta modificação dos padrões de vida no período 2000-2015, revela que
vem presidir à elaboração de um temática, realizado diretamente dos habitantes e a fraca aposta na São Tomé e Príncipe apresentava
plano de ação nesta matéria e dos com as populações, em cada co- agricultura e transformação de progressos no acesso universal à
quais dependerá o sucesso das munidade, através da realização produtos locais, tem contribuído educação básica, mas tinha sérios
estratégias delineadas, a saber: de oficinas participativas, onde para a importação e a comercia- desafios na maioria dos restantes
Reduzir a produção de resíduos; os cidadãos possam participar lização em massa, sendo posta ODM, com destaque para a sus-
Definir políticas de importação ativamente, reforçando o seu co- à disposição da população uma tentabilidade ambiental (ODM7)
de embalagens, incluindo a apli- nhecimento sobre os malefícios variedade crescente de produtos (Mário & Nuvunga, 2012).
cação de taxas; Envolver a popu- das más práticas, quer para a sua embalados e importados que re- Em termos internacionais,
lação no processo; Assegurar a saúde, quer para o ambiente, mas fletem a "sociedade de consumo" São Tomé e Príncipe faz parte da
racionalização da utilização dos onde possam adquirir e testar em que vivemos e que se traduz Aliança dos Pequenos Estados In-
meios de recolha; Definir tipos competências que lhes permitam no aumento de resíduos. sulares em Desenvolvimento, que
de resíduos a transferir e outros a alcançar a mudança de atitudes e A Constituição da República congrega os países constituídos
valorizar; Utilizar os resíduos or- de comportamentos que permi- Democrática de São Tomé e Prín- por ilhas pequenas e países cos-
gânicos para compostagem; Proi- tam mudar essas práticas. cipe de 1990, no seu Artigo 10.º teiros de baixa altitude com uma
bir a queima descontrolada de estipula como um dos quatro variada geografia, clima, cultura e
resíduos; Transformar as lixeiras A problemática dos RSU e o De- Objetivos Primordiais do Esta- nível de desenvolvimento econó-
em vazadouros controlados; De- senvolvimento Sustentável em do Santomense: “d) Preservar o mico, mas que compartilham de-
finir e implementar um plano de Pequenos Países Insulares equilíbrio harmonioso da nature- safios comuns para enfrentar de-
gestão da Lixeira; Aplicar o prin- A República Democrática de za e do ambiente”, o que compro- safios de desenvolvimento únicos
cípio do Poluidor-Pagador (TESE, São Tomé e Príncipe é um país mete as autoridades nacionais que derivam de fatores tais como
2011). Contudo, nesta matéria, é insular situado na costa da Áfri- com a promoção ativa de políti- isolamento relativo ou localiza-
importante salientar que, embora ca Central, com uma popula- cas, medidas e ações destinadas à ção remota, mercado de reduzi-
as decisões que têm implicações ção de187.356 habitantes (INE, preservação do ambiente. Nesse das dimensões, recursos e expor-
na qualidade de vida da socieda- 2012). Pelo facto de as ilhas de sentido, regista-se uma preocu- tações limitados, suscetibilidade
de sejam, na maioria das vezes, São Tomé e do Príncipe serem pação crescente com a preserva- a choques económicos externos,
da responsabilidade do poder ambas de pequena dimensão, ção dos sistemas naturais e com o vulnerabilidade a ameaças am-
político e dependentes do conhe- as dificuldades de gestão dos desenvolvimento sustentável. No bientais e efeitos de alterações
cimento científico e de soluções resíduos, incluindo os resíduos entanto, apesar dos diagnósticos climáticas, e exposição a desas-
técnicas, a problemática dos re- sólidos urbanos (RSU), tornam- efetuados e dos compromissos tres naturais frequentes causa-

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dos por fenómenos naturais. As No plano de ação intitulado incentivar o uso de tecnologias lhante. Dadas as áreas de terra
Nações Unidas têm ajudado e “SAMOA Pathway” (SIDS Acce- ambientalmente apropriadas e limitadas os aterros/lixeiras, que
ampliando a cooperação entre os lerated Modalities Of Action Pa- a implementação de abordagens atuam como o principal método
PEID nos seus esforços de pro- thway [S.A.M.O.A.] Pathway), de reutilização, reciclagem, recu- de deposição de resíduos, deixa-
moção do desenvolvimento sus- aprovado em Apia, os Estados peração e retorno de acordo com -os em risco de potenciais danos
tentável através da aprovação em reafirmaram o seu compromisso as capacidades nacionais (SIDS, ambientais e riscos para a saúde
1994 do Programa de Ação para com o desenvolvimento sustentá- 2014). pública.
o Desenvolvimento Sustentável vel (SIDS, 2014), salientando que O relatório apresentado pelo O relatório elaborado pela
dos Pequenos Estados Insulares isso só pode ser alcançado com Programa das Nações Unidas República Democrática de São
em Desenvolvimento (Programa uma ampla aliança de pessoas, para o Meio Ambiente (PNUMA, Tomé e Príncipe para preparação
de Ação de Barbados), revisto em governos, sociedade civil e setor 2013) mostra a preocupação dos da participação na conferência de
2005 através da aprovação da Es- privado, trabalhando em conjun- especialistas quanto ao aumento Ápia (RDSTP, 2013) salienta que
tratégia das Maurícias. Em 2014, to para alcançar o futuro auspi- do nível do mar nos 52 Pequenos a lei de bases do ambiente e a le-
em Apia, Samoa, na Terceira Con- cioso para as gerações presentes Estados Insulares, causado pelas gislação sobre resíduos sólidos
ferência Internacional sobre os e futuras. Reconheceram ainda mudanças climáticas (quatro ve- precisa de ser revista e regula-
Pequenos Estados Insulares em que, entre outros, a promoção zes superiores à média mundial). mentada e aponta como desafios
Desenvolvimento, os Chefes de de padrões sustentáveis de con- O documento aponta que a vulne- que STP enfrenta nas próximas
Estado e de Governo reafirmaram sumo e produção e a proteção e rabilidade destas pequenas ilhas décadas, entre outros, a gestão
o compromisso de tomar medi- gestão dos recursos naturais são é agravada por fatores como a re- dos resíduos, o ordenamento do
das urgentes e concretas para os objetivos gerais e os requisi- duzida extensão territorial, a con- território e a educação ambien-
enfrentar a vulnerabilidade dos tos essenciais para o desenvolvi- centração da população e a gran- tal. Além disso, identifica, entre
PEID, inclusive através da imple- mento sustentável, reafirmando de dependência dos ecossistemas outras lacunas, a fraca sensibili-
mentação do Programa de Ação a necessidade da promoção de costeiros para alimentação, sub- zação em algumas franjas da po-
de Barbados e da Estratégia das um crescimento económico sus- sistência e proteção contra even- pulação, propondo como ações
Maurícias. Este compromisso as- tentado, criando maiores opor- tos extremos. Para reduzir os prioritárias introduzir a educa-
sumido pelos Estados, incluindo tunidades para todos, reduzindo impactos, o estudo sugere a pro- ção ambiental em todos níveis do
STP é tão mais relevante, quan- as desigualdades, elevando os moção de políticas da chamada sistema educativo formal e con-
to ele “visou também identificar padrões básicos de vida, promo- Economia Verde, que ofereçam tinuar a organizar ações de sen-
os novos e emergentes desafios, vendo o desenvolvimento social oportunidades de gestão susten- sibilização e educação ambiental
as parcerias internacionais e as e a inclusão e promovendo a con- tável do capital natural, a diversi- não formal, em colaboração com
prioridades para o desenvolvi- servação, regeneração, restaura- ficação da economia e o aumento as ONG. Identifica ainda como
mento sustentável dos PEID na ção e resiliência dos ecossiste- da eficiência no uso de recursos e lacuna a fraca aplicação e divul-
elaboração da agenda de desen- mas diante de desafios novos e no combate à pobreza. À medida gação dos textos jurídicos, pro-
volvimento pós-2015 das Nações emergentes. Entre outras áreas, o que a população urbana dos Pe- pondo a atualização o dispositivo
Unidas” (RDSTP, 2013, p.3), com “SAMOA Pathway” busca melho- quenos Estados Insulares em De- legal, o reforço da aplicação da le-
base nos quais viriam a ser defi- rar os programas técnicos e for- senvolvimento continua a crescer gislação ambiental e o reforço da
nidos os Objetivos de Desenvol- talecer os mecanismos nacionais, significativamente, a necessidade fiscalização e inspeção ambiental
vimento Sustentável, contidos na regionais e internacionais para de sistemas de gestão de resí- (RDSTP, 2013).
Agenda 2030 (ONU, 2015). a gestão de resíduos, bem como duos aumenta de forma seme- Ainda no âmbito dos compro-

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missos internacionais, o Plano negativos sobre a saúde humana darem o tratamento adequado (ambiental, social e económico).
Estratégico de Cooperação da Co- e o ambiente”, assim como a meta aos diversos tipos de resíduos, A deposição final desadequada
munidade dos Países de Língua de, “até 2030, reduzir substan- nem para o acondicionamento de resíduos gera lixiviados que
Portuguesa (CPLP), os Ministros cialmente a geração de resíduos dos mesmos. O relatório elabora- conduzem à contaminação dos
do Ambiente da CPLP e seus re- por meio da prevenção, redução, do pela República Democrática de solos e dos recursos hídricos,
presentantes, incluindo STP, re- reciclagem e reuso” (ONU, 2015, São Tomé e Príncipe para prepa- sendo esta contaminação poten-
unidos em Maputo, em abril de Objetivo 12). ração da participação na Tercei- ciada pela elevada pluviosidade
2014, reafirmaram “os resultados ra Conferência Internacional dos característica da região. A queima
da Conferência das Nações Uni- A gestão dos RSU em São Tomé PEID realizada em Ápia destacou de resíduos indiferenciados a céu
das sobre Desenvolvimento Sus- e Príncipe que “as agressões ao ambiente aberto é outro fator que contri-
tentável, contidos no documento A produção exagerada de resí- ainda continuam a verificar-se bui para a poluição do ar, sendo
“O Futuro Que Queremos” e a sua duos tem sido, desde sempre um em algumas partes do país” pro- esta prática comum em São Tomé
importância para a construção dos grandes problemas para as duzindo-se anualmente cerca de e Príncipe. Mais ainda, a queima
da Agenda de Desenvolvimento” sociedades. A gestão de resíduos “22.000 toneladas de resíduos, junto a casas de habitação tem
(p.2) e para adoção dos Objetivos sólidos pode ser definida como com tendência para aumentar impactes diretos na saúde. Como
de Desenvolvimento Sustentável uma matéria associada à produ- em cada ano” (RDSTP, 2013, p.9). consequência da deposição a céu
(ODS), constituintes da Agenda ção, recolha, armazenamento, O facto de São Tomé e Príncipe aberto, e potenciado pela pro-
2030 adotada pelas Nações Uni- controlo, transferência e trans- ser constituído por duas ilhas de fusão de pequenos locais de de-
das na sequência dos ODM, deci- porte, processamento, tratamen- pequenas dimensões, causa difi- posição dispersos, assiste-se à
diram “criar um Comité Técnico to e destino final dos resíduos só- culdades acrescidas à gestão dos proliferação de mosquitos e ou-
constituído por pontos focais e lidos, de acordo com os melhores resíduos sólidos devido, entre tros animais, que são vetores de
especialistas dos distintos secto- princípios de preservação da saú- outros aspetos, ao custo elevado doenças para a população. Como
res, com vista a acelerar a imple- de pública, economia, engenharia, despendido para transportar e as pessoas, nomeadamente crian-
mentação das componentes de conservação dos recursos, estéti- tratar corretamente os resíduos, ças, procedem à recolha de resí-
resíduos, mudança do clima, seca ca e outros princípios ambientais. associados à falta de meios para duos nos locais de acumulação
e desertificação contidas no Pla- Modernamente entende-se que a realizar campanhas de sensibili- dos mesmos, com o objetivo de
no Estratégico de Cooperação em gestão dos resíduos sólidos passa zação dos cidadãos para as boas os vender, regista-se um aumento
Ambiente da CPLP” (p.7). A Agen- por diversos pilares estruturan- práticas nesta matéria. do risco de acidentes e infeções,
da 2030 prevê como objetivo tes que constituem uma política De acordo com o Plano Nacio- dada a deposição conjunta de ob-
“assegurar padrões de produção integrada, baseada na redução na nal de Gestão Integrada de Re- jetos cortantes ou contaminados.
e de consumo sustentáveis”, des- fonte, na reutilização de resíduos, síduos Sólidos Urbanos de São Por outro lado, esta atividade tem
tacando a meta de “até 2020, al- na reciclagem, na transformação Tomé e Príncipe para 2010-2015, impactes no acesso destas crian-
cançar a gestão ambientalmente dos resíduos e a deposição em a “realidade de São Tomé e Prín- ças à educação, dado que para
saudável dos produtos químicos aterros. Contudo, em São Tomé cipe no que se refere à gestão de realizar a coleta de resíduos não
e todos os resíduos, ao longo de e Príncipe, a gestão dos resíduos resíduos sólidos tem um impac- vão à escola. Também ao nível do
todo o ciclo de vida destes” e “re- sólidos tem constituído uma di- to de forma transversal a todo o turismo, um sector cada vez mais
duzir significativamente a libera- ficuldade para as Câmaras Dis- desenvolvimento do país” (TESE, relevante na economia de São
ção destes para o ar, água e solo, tritais, uma vez que estas não 2010, p.64), afetando os três eixos Tomé e Príncipe, se verifica um
para minimizar seus impactos possuem meios necessários para do desenvolvimento sustentável forte impacte da deficiente ges-

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tão de resíduos. Por um lado, o ge apenas o processo de recolha. que foi feito em 2010-2011, ten- positados. Daqui advêm, ainda de
aumento do turismo encontra-se Por ser o mais visível, acaba por do originado o PA-GIRSU - Plano acordo com o PA-GIRSU, diversas
associado à produção de elevadas ser o que é mais discutido, esque- de Ação de Gestão Integrada de consequências negativas, entre
quantidades de resíduos, sem que cendo-se, muitas vezes, as outras Resíduos Sólidos Urbanos de São as quais: elevada percentagem de
as condições e infraestruturas componentes, como as campa- Tomé e Príncipe. De acordo com resíduos por recolher, acumulan-
necessárias à sua recolha, depo- nhas de sensibilização para di- os dados constantes na caracte- do-se os não biodegradáveis nos
sição e tratamento tenham sido minuição de resíduos, a recolha rização efetuada para a elabo- solos, provocando a sua contami-
previamente criadas. Por outro seletiva para reciclagem e a depo- ração deste plano (TESE, 2010) nação; deposição de resíduos em
lado, o desenvolvimento do sec- sição final dos restantes. Apesar menos de 40% da população to- locais impróprios, com elevado
tor do turismo é negativamente dos esforços feitos pelas Câmaras tal do arquipélago é abrangida potencial de contaminação; de-
afetado pelo atual modelo de ges- Distritais, esta instituição ainda pelo sistema de recolha de resí- gradação da paisagem; não envol-
tão, uma vez que a proliferação é caracterizada pela inexistên- duos sólidos e na capital do país vimento da população na gestão
de resíduos de forma aleatória na cia de infraestruturas adequadas um número elevado de pessoas sustentável dos RSU.
maior parte do território implica para a recolha, transporte e depo- sofrem diretamente os efeitos Uma estratégia de gestão de
um impacte estético dos resíduos sição, pela deficiente capacitação da ausência de contentores e de resíduos eficiente contempla a
na paisagem (TESE, 2010), bem dos agentes que trabalham dire- vazadouros/aterros controlados, recolha selectiva de materiais
como nas condições de saúde e tamente ligados ao sector, assim para o tratamento final dos lixos. com valor, privilegiando-se a se-
higiene dos visitantes, pela proli- como a fraca consciencialização A cidade dispõe de um sistema paração na fonte, seja ela nos do-
feração de insetos e maus odores e sensibilização da população em ainda muito rudimentar e vulne- micílios, comércio, serviços e em
e pela contaminação das águas de geral. A situação é crítica em to- rável de gestão de resíduos sóli- todos os locais onde se originem
consumo e balneares. dos os centros urbanos, mas com dos urbanos. Os resíduos que são resíduos sólidos urbanos (TESE
Com base nos princípios da maior relevância para a cidade de colocados nos contentores dispo- & EcoGestus, 2011). A alternativa
Constituição da República Demo- São Tomé, no distrito de Água- nibilizados pela Câmara Distrital à separação na fonte é a recolha
crática de São Tomé e Príncipe de -Grande, com um total de 69.454 são recolhidos e depois trans- indiferenciada, com mistura de
1990 e na Declaração do Rio sobre habitantes e no distrito de Mé- portados a Lixeira de Penha. Na resíduos num único contentor e
o Ambiente e Desenvolvimento -Zochi, com um total de 44.752 análise das lacunas verificadas posterior separação em centrais
Sustentável, de 1992, foi criada a habitantes, de acordo com os da- no Sistema de Gestão dos RSU de triagem, mas esta, devido à
Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º dos do Recenseamento Geral da em STP (TESE, 2010), identifi- compactação dos resíduos du-
10/99, de 15 de abril), à qual se População e da Habitação (INE, cam-se: insuficiência e desgaste rante transporte, implica uma
seguiu a produção de legislação 2012). dos meios de recolha, a ausência diminuição da qualidade dos ma-
conexa, com base na qual a ges- Em 2005 foi elaborado o Plano de planeamento adequado; insu- teriais e uma maior dificuldade
tão dos resíduos sólidos urbanos Diretor dos Pântanos e de Gestão ficiência do território nacional em valorizá-los materialmente e,
é da responsabilidade das Câma- dos Resíduos Sólidos. Atendendo abrangido pela recolha; ausência por conseguinte, uma perda eco-
ras Distritais. Contudo, essas ins- à evolução conhecida nos últimos de locais de armazenamento tem- nómica e ambiental. Além disso,
tituições governamentais têm-se anos, com um grande fluxo mi- porário intercalar dos resíduos; a primeira opção (recolha seleti-
deparado com diversos constran- gratório das zonas rurais para as inexistência de aterros sanitá- va com separação na fonte) res-
gimentos, entre os quais a falta de urbanas, com destaque para a ca- rios; e não controle do acesso de ponsabiliza mais os cidadãos e as
meios. Na maior parte dos casos, pital do país, houve a necessida- pessoas à atual lixeira da Penha autoridades pelos custos e viabi-
a gestão destes resíduos abran- de de atualizar o referido plano, o nem controle dos resíduos aí de- lidade económica do sistema, le-

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vando a um maior investimento tária deve basear-se na sensibi- sável pela liberação de produtos • Sensibilizar os responsá-
na diminuição da produção de lização e educação ambiental da tóxicos e cancerígenos cujas con- veis distritais para a necessidade
RSU. Simultaneamente, o esforço população, comprometendo os sequências são ainda desconheci- de promoção de melhorias nos
da separação na fonte é recom- cidadãos com a necessidade e das. Perante estas circunstâncias, processos de recolha, confina-
pensado pelo aumento de salu- relevância da diminuição da pro- torna-se urgente proceder a uma mento e tratamento dos RSU em
bridade do sistema, pelos meno- dução de RSU, através da redução intervenção no quadro da Educa- STP;
res impactes ambientais e pela na origem e a reutilização direta ção Ambiental que tenha efeito • Estimular o debate na co-
possibilidade de rentabilização destes produtos. sobre os gestores e sobre a popu- munidade santomense sobre ges-
económica dos materiais recolhi- lação da localidade de Penha, ten- tão sustentável de RSU;
dos que tenham valor monetário Objetivos do em vista contribuir para que • Desencadear reflexões so-
intrínseco. Numa breve análise A presente investigação cen- os problemas ambientais, sociais bre a relevância da participação
da viabilidade da recolha seletiva, tra-se na preocupação com a ges- e de saúde pública sejam minimi- individual e coletiva na Redução
e tendo presente as atuais con- tão dos Resíduos Sólidos Urbanos zados ou ultrapassados. e na separação para Reciclagem
dições socioeconómicas de São (RSU) em São Tomé e Príncipe, Com o presente estudo, pre- dos RSU.
Tomé e Príncipe, considera-se nomeadamente a deposição de tende-se atingir os seguintes ob-
que as fileiras com potencial de RSU a céu aberto na grande Li- jetivos: Metodologia
recolha seletiva na fonte são: os xeira da Penha, a maior do país. • Identificar as políticas e Esta investigação enquadra-se
resíduos biodegradáveis (fer- A Lixeira da Penha localiza-se programas existentes com vis- num paradigma metodológico es-
mentáveis), incluindo o cartão no distrito de Água-Grande mas ta à eliminação das lixeiras, bem sencialmente qualitativo. Ocorre
e papel; o vidro de embalagem; é utilizada pelos dois maiores como as alternativas existentes e num contexto natural, procuran-
outras embalagens (plásticos, distritos: Água-Grande e Mé-Zo- as motivações dos gestores políti- do compreender e interpretar as
metais); os resíduos perigosos chi. Devido às más condições de cos; influências do contexto nos fenó-
(REEE, pilhas, químicos agressi- acondicionamento destes resí- • Sensibilizar os diferentes menos a estudar, através do con-
vos) (TESE & EcoGestus, 2011). duos sólidos geram-se problemas agentes relacionados com a ges- tacto direto e colaborativo com os
Os resíduos biodegradáveis, in- ambientais de contaminação do tão dos RSU (catadores, funcio- sujeitos de estudo. A escolha des-
cluindo o cartão e o papel, consti- solo, do ar, dos mananciais hí- nários da câmara, outros) para a ta metodologia apoia-se nos estu-
tuem a maior fração de RSU e têm dricos e dos alimentos, e promo- prevenção e a redução da produ- dos de Bogdan e Biklen (1994),
um enorme potencial para serem ve-se a reprodução de moscas, ção de resíduos e para o correto os quais referem que esta con-
transformados em produtos com baratas, mosquitos, roedores e encaminhamento e tratamento; siste na procura da melhor com-
valor económico e ambiental con- outros animais. A existência de • Conhecer as utilizações preensão dos comportamentos e
siderável. Em São Tomé e Prínci- habitações e de uma linha de que os frequentadores da Lixei- experiências humanas, tentando
pe a reciclagem dos materiais água na proximidade da Lixeira ra de Penha fazem dos resíduos também compreender o processo
importados (plásticos, metais e da Penha são dois dos principais recolhidos e a importância eco- mediante o qual as pessoas cons-
outros materiais não biodegra- problemas associados à sua loca- nómica dessa atividade para as troem significados e, finalmente,
dáveis) está condicionada pela lização. No entanto, é no seu pro- famílias; descrever em que consistem es-
insularidade do território e qua- cessamento que residem os prin- • Aferir as perceções da po- tes mesmos significados.
se ausência de indústria transfor- cipais riscos para a saúde pública, pulação local sobre os efeitos ne- Tendo em vista a triangulação
madora local (TESE & EcoGestus, devido à queima indiferenciada gativos da lixeira para a saúde e metodológica para o confronto e
2011), pelo que a opção priori- de resíduos a céu aberto, respon- para o ambiente; análise dos dados obtidos pelos

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diferentes métodos sobre o mes- da lixeira, para recolherem mate- quiridos que expressa a opinião crianças. Retiram-se da lixeira
mo fenómeno, os dados foram riais e objetos que elas e as suas referindo que recolhem coisas brinquedos, que são usados di-
recolhidos fazendo-se uso de di- famílias depois consomem, usam para vender é muito baixo (8%). retamente pelas crianças, e cane-
versas técnicas complementares. ou vendem. Assim, optou-se por As opções “escolher coisas para cas para lavar boca, mas também
Recorreu-se à técnica de inquéri- promover uma ação junto dessas brincar”, seguido de “brincar” e recolhem alimentos e garrafas,
to por questionário no caso dos crianças. A ação de sensibilização “colher coisas a pedido dos pais” latas e outros vasilhames, tendo
moradores e frequentadores da foi realizada na Escola Primária obtiveram resultados elevados em vista a utilização para vendas
Lixeira da Penha, aplicado em si- perto da localidade da Penha, e muito próximos (20%), dado de azeite, vinhos, petróleo, arroz,
tuação presencial, com questões teve a duração de 45 minutos e que alguns dos inquiridos são milho, etc.
sobre o perfil dos inqueridos, o abrangeu 40 alunos da 4ª classe,
Tabela 1. Motivos que levam as crianças a frequentar a Lixeira da Penha.
seu conhecimento sobre as con- de ambos os sexos, com idade de
sequências ambientais e de saú- 10 anos. Teve como objetivo prin-
de pública decorrentes da po- cipal perceber os conhecimentos
luição causada pela lixeira, bem das crianças sobre a coleta seleti-
como sobre quais os seus com- va de resíduos e alertar para a ne-
portamentos em relação aos RSU cessidade de mudança dos seus
depositados na lixeira. Antes da hábitos.
aplicação do questionário foram
explicados a cada um dos parti- Resultados
cipantes os objetivos do estudo A lixeira é frequentada por Em resposta à questão “Quais te das Câmaras Distritais (30%),
e que os dados recolhidos seriam muitas pessoas que recolhem são as coisas que encontram no lojas (28%) e casas (23%). Na
sigilosos e que seria mantido o ali materiais para reutilização, lixo na lixeira?” (Tabela 2), po- questão “Será que todas essas
anonimato dos inquiridos. pondo em risco a sua saúde, face demos concluir que os inquiri- coisas devem ser deitadas fora,
Assim, optou-se por conside- a possíveis contaminações por dos valorizam mais os seguintes mesmo as embalagens que este-
rar uma amostra constituída por agentes infeciosos. Atendendo resíduos: garrafas (26%), latas jam vazias?”, dos 25 inquiridos,
25 participantes, sendo 12 mora- a que é frequente serem vistas (19%) e plásticos (15%). Quanto 14 responderam que sim, en-
dores nesta localidade e 13 fre- crianças a apanhar lixo na lixeira, à identificação da proveniência quanto 11 responderam que não,
quentadores da lixeira,12 eram foi solicitado aos frequentadores dos lixos, podemos constatar que tendo estes últimos salientado
menores, com idade entre os 6 e e moradores que indicassem duas os inquiridos consideram que os que “essas coisas devem ser apa-
os 17 anos, e 13 são maiores, com razões para que isso se verifique resíduos vêm predominantemen- nhadas para serem utilizadas”.
idade entre os 18 e os 59 anos, (Tabela 1). Os resultados mos-
Tabela 2. Identificação dos resíduos efetuada pelos inquiridos.
num total de 17 indivíduos do tram que a principal razão para
sexo masculino e 8 indivíduos do frequentarem a lixeira é reco-
sexo feminino, com escolaridade lher coisas para usarem em casa
entre 1 ª a 11 ª Classes. Durante (30%), seguido de colher coisas
a aplicação dos questionários aos para brincar. Segue-se brincar
frequentadores da Lixeira da Pe- (na própria lixeira), colher coisas
nha percebeu-se que são as crian- a pedido dos pais e colher coisas
ças as principais frequentadoras para venderem. O número de in-

470 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 471
Gelsa Vera Cruz; Luís Filipe Fernandes; Maria da Conceição Martins Gestão sustentável dos resíduos sólidos urbanos em São Tomé e Príncipe

Na questão “Porque razões veis pelo setor dos RSU das duas sidade urgente, em particular no feciosos. Retiram-se da lixeira
vêm à lixeira?”, verificamos que Câmaras Distritais que enviam nosso país, onde há muito a fazer. brinquedos, que são usados di-
17 (63%) moradores e frequen- resíduos para a Lixeira da Penha, A falta de formação, informação e retamente pelas crianças, e cane-
tadores responderam que vão foi possível constatar que existem sensibilização com que a socieda- cas para lavar boca, mas também
à lixeira “deitar lixo”, enquanto algumas ações de sensibilização de se tem confrontado apelam a recolhem alimentos e garrafas,
cinco (19%) responderam que ambiental governamentais, mas uma atuação firme e rápida para latas e outros vasilhames, tendo
vão apanhar coisas para usarem, são as ONG internacionais quem resolver um dos principais pro- em vista a utilização para venda
quatro vão recolher coisas para mais se dedica à realização de blemas da atualidade provocados de azeite, vinhos, arroz, etc. Na Li-
brincar (15%), e apenas um re- sensibilização para a redução da pela sociedade consumista em xeira da Penha podemos consta-
fere que vai buscar coisas para quantidade de resíduos sólidos e que vivemos. tar a presença de muitas crianças
os pais. Na questão “O que tiram para a adboção de práticas mais Os resultados obtidos permi- procurando resíduos. Algumas
dela?”, foram obtidos os seguin- sustentáveis em relação aos resí- tem-nos concluir que os morado- delas foram incluídas no presen-
tes resultados: Objetos, como duos produzidos. Conclui-se tam- res e frequentadores da Lixeira da te estudo, através da participação
garrafas, latas, pneus, carica (18; bém que a fiscalização na Lixeira Penha têm alguns conhecimentos no preenchimento do questioná-
51%), brinquedos (10; 29%), ali- da Penha não funciona de forma quanto aos efeitos que alguns dos rio, mas houve dificuldades, dado
mentos e comida para cão (05; eficaz, tanto por parte da Câmara resíduos ali depositados, e o seu que algumas foram impedidas
14%) e apenas dois responderam Distrital, como da DGA. Este as- manuseamento, podem ter para pelos pais de participarem do
“nada”. Isto mostra que, apesar de sunto deve ser revisto, para que a saúde e para o ambiente. De questionário. Dos resultados ob-
não concordarem com a localiza- seja evitada a deposição clandes- acordo com as suas opiniões, a tidos pelas entrevistas efetuadas
ção da lixeira, consideram que a tina de resíduos na lixeira e para lixeira é responsável pela prolife- aos representantes das Câmaras
mesma contribui para a econo- que seja evitada a coleta dos re- ração de muitas moscas e outros Distritais, constatámos que exis-
mia familiar. Na questão “Quem síduos ali depositados, nomeada- bichos, pela existência de fumo tem alguns programas governa-
são as pessoas que recebem as mente por parte de crianças. e pela poluição da água do rio. mentais, mas são as ONG inter-
coisas da lixeira?”, de acordo Por isso, causa diarreias, outras nacionais quem mais se dedica a
com os resultados obtidos, foram Principais conclusões emer- infeções, sida, vómitos, proble- programas de sensibilização para
identificadas as seguintes cate- gentes do estudo mas respiratórios, paludismo e a redução da quantidade de re-
gorias de resposta e obtidos os Embora os problemas am- doença de pele. O abandono de síduos sólidos e para as práticas
seguintes resultados: senhoras bientais se situem à escala glo- resíduos sólidos nas lixeiras a céu mais sustentáveis em relação aos
que vendem azeite ou vinho (9; bal, entendemos que é no âmbi- aberto constitui um problema da que são produzidos. Conclui-se
39%); os pais (6; 26%); senhoras to nacional e local que podemos sociedade santomense, agrava- também que a fiscalização na Li-
que vendem farinha de mandioca intervir de forma mais imediata e do pela ausência de tratamento xeira da Penha não funciona de
(3; 31%), enquanto apenas dois eficaz. Sendo assim, procurámos ou de escassez de áreas para o forma eficaz, tanto por parte da
identificam que entregam as coi- que essas ações levassem a uma seu depósito final. Confirmou-se Câmara, como da DGA. Este as-
sas que recolhem a comerciantes. consciencialização e participação com este estudo que a Lixeira da sunto deve ser revisto, para que
Estes resultados mostram que os de todos, promovendo uma mu- Penha é frequentada por muitas seja evitada a deposição clandes-
resíduos obtidos na lixeira têm dança efetiva de atitudes e políti- pessoas que recolhem materiais tina de resíduos na lixeira e para
uma utilização permanente entre cas. Consideramos que esta ação para reutilização, pondo em ris- que seja evitada a coleta dos re-
a comunidade. pode ser um contributo para a co a sua saúde, face a possíveis síduos ali depositados, nomeada-
Das entrevistas aos responsá- Educação Ambiental, uma neces- contaminações por agentes in- mente por parte de crianças.

472 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 473
Gelsa Vera Cruz; Luís Filipe Fernandes; Maria da Conceição Martins Gestão sustentável dos resíduos sólidos urbanos em São Tomé e Príncipe

É importante que haja um pro- de Educação Ambiental. Lisboa: Samoa, 2014. Relatório Nacio-
jeto de Educação Ambiental di- Secretaria de Estado do Ambien- nal. São Tomé: República Demo-
recionado para a comunidade de te. crática de São Tomé e Príncipe.
Penha, realizado diretamente na INE - Instituto Nacional de Es- SIDS (2014). Report of the Ex-
comunidade, através de oficinas tatística (2012). Quarto Re- pert Group Meeting on Small
participativas, pois nas entrevis- censeamento Geral da Po- Island Developing States
tas realizadas com os moradores pulação e da Habitação. São and the Post-2015 Agenda,
e frequentadores constata-se que Tomé: Ministério do Plano e New York, 23-24 April, 2013.
alguns inquiridos identificaram Finanças. Disponível em: http://www.
os problemas que uma lixeira a Mário, T. V. & Nuvunga, S. (2012). sids2014.org/content/docu-
céu aberto provoca para a saúde, Estudo sobre as metas do de- ments/187SIDS%20and%20
mas muitas outras continuam a senvolvimento do milénio nos post2015%20EGM%20
frequentar e a utilizar os resíduos países da CPLP. Terceiro Relató- FINAL%20(2).pdf.
lá recolhidos. A Redução, através rio de Progresso 2012. Fundação TESE (2010). Plano Nacional de
de menos desperdício de produ- para o Desenvolvimento da Co- Gestão Integrada de Resíduos
tos, embalagens, etc., bem como a munidade (FDC). Sólidos Urbanos - São Tomé e
separação para Reutilização dire- Martins, M. C. (1996). Atitu- Príncipe 2010-2015. Capítulo 1
ta pelas próprias pessoas e a se- des dos Jovens Face ao Am- Diagnóstico e Caracterização. S.
paração de materiais Recicláveis biente: Perspetiva diferencial Tomé: Ministério de Assuntos Ex-
devem ser incentivadas, visando e desenvolvimentista. Disser- teriores e de Cooperação & Agên-
diminuir os custos finais com a tação elaborada para obtenção cia Espanhola de Cooperação
gestão dos resíduos sólidos, além do grau de Mestre. Lisboa: Uni- Internacional para o Desenvolvi-
de propor a mudança de hábitos versidade de Lisboa. mento.
dos cidadãos para consigo e para Morgado, F., Pinto, R. e Leitão, F. TESE & EcoGestus (2011). Pla-
com o ambiente. (2000). Educação Ambiental – no de Ação para a Gestão In-
Para um Ensino Interdisciplinar tegrada de Resíduos Sólidos
Referências e Experimental da Educação Am- Urbanos - São Tomé e Prín-
Bogdan, R. & Biklen, S. (1994). In- biental. Lisboa: Plátano Edições cipe 2011-2016 (PA- GIRSU).
vestigação Qualitativa em Edu- Técnicas. Volume III – Plano de Acção S.
cação: uma introdução à Teoria e ONU (2015). Agenda Pós- Tomé: Ministério de Assuntos
aos Métodos. Porto: Porto Edito- 2015. Rumo à agenda de de- Exteriores e de Cooperação &
ra, Lda. senvolvimento sustentável. Agência Espanhola de Coope-
Fernandes, J. A. (1982). Edu- Consultado em http://nacoe- ração Internacional para o De-
cação sobre o Ambiente um sunidas.org/pos2015/. senvolvimento.
Contributo para o Desenvol- RDSTP (2013). Preparação à Ter-
vimento Integrado. Aprendi- ceira Conferência Internacional
zagem/Desenvolvimento. Lis- sobre o Desenvolvimento Susten-
boa: Instituto Piaget. tável dos Pequenos Estados Insu-
Fernandes, J. A. (1983). Manual lares em Desenvolvimento, Ápia,

474 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 475
A educação ambiental na sustentabilidade da vida em uma
experiência de alfabetização de catadores

Dinorá de Castro Gomes1


Vera Margarida Lessa Catalão2
Resumo
Inserido no universo da educação ambiental este artigo apresenta uma discussão,
decorrente de uma pesquisa de doutorado, sobre a contribuição da Educação Am-
biental para alfabetização e formação humana junto a uma turma de trabalhado-
res em uma cooperativa de catadores de resíduos sólidos na cidade de Goiânia,
Goiás, Brasil. A experiência buscou interfaces entre a Educação Ambiental (EA) e a
Educação Popular (EP), tendo como referência a transversalidade, conforme René
Barbier, e a educação libertadora, na concepção de Paulo Freire. A observação par-
ticipante, a roda de conversa e as entrevistas semiestruturadas foram procedimen-
tos utilizados para construção dos dados. A experiência ampliou o olhar em rela-
ção ao papel socioambiental dos catadores e à relevância da educação ambiental
como geradora da percepção de pertencimento do catador à sociedade humana.
Enfatizou o reconhecimento do catador como um profissional, de acordo com a
lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, e favoreceu
o enfrentamento do sentimento de marginalidade. Ressalta-se a importância da
contribuição da EA para a efetivação de uma educação transformadora, fortale-
cendo os princípios da EP. Elos submersos emergiram ao articular o compromisso
com as mudanças sociais e com a sustentabilidade da teia da vida em escala local
e planetária.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Alfabetização de Catadores. Formação Hu-


mana. Resíduos Sólidos.

Abstract
Inserted in the universe of environmental education this article presents a discus-
sion, descending from a doctorate research, about the contribution of Environ-
mental Education for the alphabetization and human formation among a class-
room of workers in an union of solid waste collection in the city of Goiânia, Goiás,
Brazil. The experience sought interfaces between the Environmental Education
(EA) and Popular Education (PE), having as a reference the transversality, according
to René Barbier, and the freeing education, as conceived by Paulo Freire. The parti-
cipating observation, the circle of conversation and the interviews semi-structured
were procedures utilized for the construction of data. The experience amplified
the view in relation to the socio-environmental role of the solid waste collectors
and the relevancy of environmental education as generator of the perception of
belonging of the collector into human society. Emphasized the recognition of the
solid waste collector as a professional, according with the law 12.305/2010 that
institutes a National Policy of Solid Waste, and favored the confrontation of the
feeling of marginality. Stands out the importance of the contribution of the EA for
the effectiveness of a transformative education, strengthening the principles of
the PE. Submerged ties emerged when the compromise with the social changes
and sustainability of the web of life in local and planetary scale emerged.
Foto: Michèle Sato

Sintra, em Portugal Keywords: Environmental Education. Alphabetization of Collectors. Human For-


mation. Solid Waste.

ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 477


Dinorá de Castro Gomes; Vera Margarida Lessa Catalão A educação ambiental na sustentabilidade da vida em uma experiência de
alfabetização de catadores
CA TA DOR plexa. na e com o desafio de dimensões
A abrangência da experiência imensuráveis ao se posicionar
Cata cata catador realizada adentra situações loca- na contramão da exploração, da
Cata as sobras pelo chão lizadas no tempo e no espaço que fome, da injustiça, de tudo aqui-
Cata os resíduos da vida
acompanham a realidade dos ca- lo, enfim, que atenta contra toda
Cata a semente do pão
tadores colaboradores da pesqui- manifestação da vida no planeta.
Cata cata catador sa realizada e interagir com esse Bases sobre as quais se sustenta
Cata o Sol e cata a Lua contexto foi o grande desafio para a lógica de mercado capitalista
Cata o sonho e cata a lida a efetivação daquela experiência assentada na compra e venda de
Cata a sina que é tua com os catadores. Para enfrentar produtos retirados da natureza e
esse desafio, entendemos que era consumidos desenfreadamente,
Cata cata catador necessário, dentre tantas escutas, na obsessão do lucro, enquanto
Cata a tua beleza apreender a ordem que regia as consome o próprio ser condicio-
Cata cata a natureza relações da teia de sustentação nando a sua inserção ou exclusão
Cata o mistério da flor da vida na comunidade onde a social ao seu poder de pertenci-
experiência se efetivava, bus- mento a esse ciclo consumista.
Cata cata catador
cando maior aproximação entre A interação com essa reali-
Cata o pranto
Cata o (en)canto aquela realidade e a experiência dade, na experiência vivida jun-
Cata a lição do amor de alfabetização que se pretendia to com os catadores, cuja maior
realizar. fonte de sustento provinha das
Dinorá de Castro Gomes relações com uma cooperativa
Outono de 2016 A conscientização não está ba- de resíduos sólidos, nos impelia
seada sobre a consciência, de um
lado, e o mundo, de outro; por ou- a romper com padrões mutilado-
tra parte, não pretende uma sepa- res, sob os quais a nossa socieda-
Introdução paço humano multidimensional e ração. Ao contrário, está baseada de é predominantemente conce-
Trazer a alfabetização de multirreferencial. Um lugar onde na relação consciência – mundo. bida. O lugar existencial por meio
adultos catadores para uma ex- “o ser humano é ao mesmo tem- Tomando esta relação como ob- do qual avistávamos aquela rea-
periência transversalizada pela po: biológico, psíquico, social, jeto de sua reflexão crítica, os
homens esclarecerão as dimen- lidade, nos colocava em busca de
educação ambiental é colocar-se afetivo e racional.” (MORIN, 2003, sões obscuras que resultam de um olhar integrador, um olhar ca-
na “Terceira Margem do Rio3". A p. 38) Esse trabalho com os adul- sua aproximação com o mundo. paz de superar as fragmentações
inclusão da Educação Ambiental tos catadores requer, portanto, A criação da nova realidade, (...), e que nos permitisse perceber a
no trabalho com a alfabetização entender o conhecimento envol- não pode esgotar o processo da totalidade integradora dos ele-
de adultos catadores direciona o vendo as mais diversas áreas, sob conscientização. A nova realida-
de deve tomar-se como objeto de mentos que constituíam o corpo
olhar para a imersão em um es- a perspectiva da totalidade com- uma nova reflexão crítica. (FREI- “matrístico” (MATURANA, 2004)
RE, 1979, p. 15) de sustentação da vida naquela
1E-mail: gomes.diza@gmail.com. comunidade.
2E-mail: veramcatalao@gmail.com.
O campo da educação ambien- Assim, fomos nos dando conta
3ROSA, Guimarães. Primeiras Estórias.Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1988, pág. tal popular emerge, então, com de que a nossa existência habita
32. Disponível em: <http://www.releituras.com/guimarosa_margem.asp>. Acesso em: 18 uma zona de não resistência lo-
fev. 2016, às 18h40min.
a força da realidade que o origi-

478 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 479
Dinorá de Castro Gomes; Vera Margarida Lessa Catalão A educação ambiental na sustentabilidade da vida em uma experiência de
alfabetização de catadores
calizada em dimensões fora da dora e significativa sem iniciar tivo. Havia muita conversa e mui- texto da pesquisa nos fazendo
percepção de nossa capacidade essa transformação em mim e, tos risos, o encontro estimulava perceber, por conseguinte, que,
humana racional, que nos lançam por conseguinte, nas estratégias as manifestações espontâneas e para este estudo, é necessária
na terceira margem do rio. Se a ecopedagógicas de minhas práti- descontraídas. A transdiscipli- uma compreensão capaz de de-
busca que estamos empreenden- cas docentes? A terceira margem, naridade brotava naturalmente monstrar a relação existente en-
do atualmente no universo da EA portanto, é o local onde a escuta por meio dessas manifestações, tre os elementos fundantes da
é pela percepção de outra lógica sensível pode ser feita, local onde elas faziam parte de uma con- pesquisa: a Educação Ambiental,
de compreensão e, especialmen- os ruídos ecoam ao percorrer os textualização que atualizava o a Educação Popular, as cooperati-
te, de interação com o mundo, caminhos de dentro. É o local das conhecimento do conhecimento vas de resíduos sólidos e os sujei-
então, os mesmos pares binários origens, sonhos e realizações, da existente naquela realidade, te- tos envolvidos nessa tessitura.
fragmentados pela lógica carte- busca de sentidos integradores matizando e resultando no envol-
siana: parte-todo, simples-com- da existência, de conexões entre vimento de atividades de leitura O pertencimento e a coopera-
plexo, local-global, unidade-di- os caminhos, de pertencimento. e escrita. A experiência de vida, o ção
versidade, particular-universal, A terceira margem é a própria conhecimento que cada um trazia A cooperação é água que jorra
são retomados a partir do princí- lógica do terceiro incluído mani- era o que alimentava as trocas, a intensa da fonte da Educação Am-
pio hologramático proposto por festada pela prática da transdis- inclusão, o pertencimento. biental. Ao nos inserirmos com
Morin (2015) que afirma que a ciplinaridade, ao que Nicolescu Barbier (2007) amplia o nosso uma pesquisa-ação em uma co-
parte não somente está dentro (2000, p. 142-143) explica que entendimento, dando-nos segu- munidade de catadores, residen-
do todo, como o próprio todo rança na escolha pela pesquisa- te no entorno de uma cooperativa
Ao fluxo de informação que atra-
também está dentro das partes, vessa de maneira coerente os di- -ação existencial ao longo de suas de resíduos sólidos, acolhemos a
ressurgindo como capazes de nos ferentes níveis de realidade cor- explanações, mas especialmente cooperação como tema que des-
conduzir a uma nova escuta, uma responde um fluxo de consciência quando explica que: pertava aprendizagens e sabe-
atravessando coerentemente os
escuta agregadora concebida na diferentes níveis de percepção. res provenientes das relações de
Desse ponto de vista, as pesqui-
inteligência do coração. Os dois fluxos são inter-relacio- sas-ações que eu empreendo vida engendradas por aqueles ca-
O percurso que trilhamos se- nados porque eles compartilham tratam, há anos, de temas muito tadores. A natureza integradora
gue sustentado por essas águas a mesma zona de não resistência. enraizados na afetividade huma- da EA, tendo a cooperação como
Conhecimento não é nem exterior na (nascimento, amor e paixão,
que nos localizam na “Terceira nem interior: ele é simultanea- velhice, morte, sofrimento, auto- trilha para sua compreensão do
margem do rio”, pois na medida mente exterior e interior. Os estu- formação, vida social alternativa, mundo, percebe sua presença nas
em que identificamos o objeto de dos do Universo e do ser humano interculturalidade, etc.). Faz par- relações de sustentação da vida e
sustentam um ao outro. A zona te da natureza da pesquisa-ação
pesquisa e tentamos responder às de não resistência desempenha assim como da natureza das ar-
na fonte mesmo da própria vida.
questões que a conduzem vamos o papel do terceiro secretamente tes marciais que a obsessão do Inúmeros estudos têm demons-
encontrando lugar para os ques- incluído que permite a unificação rigor e da competição desapare- trado que, em seus diferentes
do Sujeito transdisciplinar e do ça, ao longo da experiência, em
tionamentos existenciais. Afinal, Objeto transdisciplinar, sem que níveis e formas de manifestação,
prol de sua finalidade repleta de
como saber qual a contribuição haja a supressão de suas diferen- uma complexidade crescente do os seres necessitam ajudar-se
da EA para uma aprendizagem ças. (Grifos do autor) Potencial Humano. (BARBIER, mutuamente para a garantia de
significativa, sem vivenciar essa 2007, p. 67) sua sobrevivência. A competição
experiência em meus próprios O momento de encontro do gera sentimentos e pensamentos
caminhos internos? Como pro- grupo dos catadores na sala de A pesquisa-ação existencial que se opõem à manutenção da
por uma educação transforma- aula geralmente era alegre e fes- contempla as solicitações do con- vida, que levam à morte. A coo-

480 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 481
Dinorá de Castro Gomes; Vera Margarida Lessa Catalão A educação ambiental na sustentabilidade da vida em uma experiência de
alfabetização de catadores
peração, ao contrário do que as As ideias de Kropotkin (2009) a classe que (por não dispor de ção do ser, que se percebe capaz
relações sociais predominantes evidenciam que essas forças es- capital) ganha a vida mediante a de fazer junto, compreendendo
venda de sua força de trabalho à
estabelecem, assegura particu- tão presentes em nossa socieda- outra classe. O resultado natural que com o outro ele pode realizar
laridades onde todos participam de, ou seja, “tanto a ajuda mútua é a competição e a desigualdade. mais que sozinho, com o outro ele
da elaboração da vida. Em seus quanto a luta de todos contra to- pode realizar o que não é possível
estudos, observando a natureza dos”. É entre essas forças que nos Segundo Lima (2013, p. 31): realizar sozinho. A cooperação
para compreender a sociedade movimentamos, mas já é momen- “As origens históricas nos mos- gera sentimentos verdadeiros de
humana, Kropotkin (2009, p. 22) to da humanidade alertar-se de tram que a economia solidária partilha, bem estar, satisfação,
apresenta que que, neste atual estágio de vida resgata as lutas dos trabalhado- gratidão, amorosidade, alegria.
planetária, ela tem a capacidade res no início do século XIX, sob Sentimentos partilhados pela
A sociabilidade e a luta de todos
são, no mesmo grau, uma lei da de fazer escolhas e definir sobre a forma de cooperativismo, que evolução do ser. Dessa maneira,
Natureza. É claro que seria difi- que tipo de sociedade deseja ter, servia como manifestação contra a cooperação, a ética e a susten-
cílimo estimar, mesmo que su- decidindo sobre o seu próprio o avanço avassalador do capita- tabilidade são elementos acopla-
perficialmente, a importância
numérica relativa de ambas as destino e o da vida no planeta. O lismo industrial.” O Cooperati- dos em interação permanente fe-
séries de fatos. Mas, se nos va- modelo capitalista, determinante vismo surgiu, então, como uma cundando as águas por onde a EA
lermos de uma prova indireta e das relações sociais, profunda- forma de organização social que navega. Este entendimento vai ao
perguntarmos à Natureza “Quem mente enraizado entre os huma- contribuísse para o fortalecimen- encontro do que Ribeiro (2014, p.
são os mais aptos: aqueles que vi-
vem em guerra ou aqueles que se nos, se alimenta da competição e to dos trabalhadores e a melhoria 59) comenta sobre cooperação.
apoiam mutuamente?”, vemos de a competição se nutre na seleção das condições de vida, se orien-
imediato e sem sombra de dúvi- A cooperação entre as pessoas
onde o vencedor é sempre aquele tando pelos princípios da orga- acontece quando existe empatia e
da que são estes últimos. Os que
adquirem hábitos de ajuda mútua a quem é dada a melhor condição nização autogestionada, ou seja, abertura. Cooperamos com aquilo
têm mais chances de sobreviver e de competir, é aquele a quem as um tipo de organização em que que acreditamos ser importante
atingem, em suas classes respec- para nossas vidas ou para a socie-
homenagens são direcionadas, não há patrão, todos participam dade. Para que haja cooperação é
tivas, o desenvolvimento mais
elevado do intelecto e da organi- enquanto o perdedor é retirado coletivamente das decisões em preciso que as pessoas se sintam
zação corporal. Considerando os de cena e entregue às suas maze- igualdade de condições. parte do processo coletivo ou que
incontáveis fatos que podem ser las. Singer (2002, p. 10) comenta O pertencimento foi um tema se identifiquem com a causa co-
apresentados para corroborar mum. No campo institucional o
essa visão, podemos dizer com que recorrente na pesquisa realizada mesmo princípio se aplica, pois
segurança que tanto a ajuda mú- e se despontou como chave para uma instituição se interessa em
tua quanto a luta de todos contra O que importa entender é que a cooperar em uma iniciativa onde
desigualdade não é natural e a o entendimento da cooperação
todos são uma lei da vida animal; os posicionamentos institucio-
mas enquanto fator de evolução, competição generalizada tam- naquele lugar. Nas relações hu- nais sejam respeitados e tenham
a primeira tem provavelmente pouco o é. Elas resultam da forma manas, o sentido da ação se faz espaço para se expressar.
uma importância muito maior, como se organizam as atividades
econômicas e que se denomina no pertencimento. A cooperação
na medida em que favorece o se distingue de uma ação pura- A cooperação pode ser com-
desenvolvimento dos hábitos e modo de produção. O capitalis-
características que asseguram a mo é um modo de produção cujos mente altruísta, não se trata de preendida como uma forma de
manutenção e a evolução da es- princípios são o direito de pro- uma simples dedicação ao outro, organização social humana, mas,
pécie, além de maior bem-estar e priedade individual aplicado ao
capital e o direito à liberdade in- mas, principalmente, uma troca também, com uma abrangência
melhor qualidade de vida para o
indivíduo com o menor dispêndio dividual. A aplicação destes prin- onde todos se beneficiam com a ampliada, aberta à percepção da
de energia. cípios divide a sociedade em duas ação. A cooperação é uma forma cooperação como uma organi-
classes básicas: a classe proprie-
tária ou possuidora do capital e de relação resultante da evolu- zação presente em todas as ma-

482 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 483
Dinorá de Castro Gomes; Vera Margarida Lessa Catalão A educação ambiental na sustentabilidade da vida em uma experiência de
alfabetização de catadores
nifestações da vida na natureza. artificialidade urbana. O lixo é o para o lixo que produz e percebe nesse amplo circuito que envolve
Assim, perpassando por este en- gerador da coleta seletiva e para que nem tudo é lixo, se dá con- a vida. A coleta seletiva, portan-
tendimento ampliado de coope- falar da coleta seletiva é preciso ta de que grande parte daqueles to, é um artifício que nasce da
ração, o cooperativismo aparece entendê-lo, pois a coleta seletiva é rejeitos pode tornar-se matéria necessidade de cuidar do mais
como uma forma de organização uma decorrência da produção de prima para a produção de outros pernicioso produto do mundo ar-
social humana, uma proposta de lixo. O lixo é um fenômeno pura- objetos. Impelida, então, mais tificial criado pela humanidade, o
mudança num mundo orientado mente humano, na natureza não pelo comércio que por uma cons- lixo. Ela se torna, então, uma con-
pela lógica de mercado, pelo lu- existe lixo, na natureza tudo tem ciência ambiental, passa a exis- ciliação de forças entre o mundo
cro, pelo grande capital. A incur- vida e tudo se renova, lembran- tir a coleta seletiva. Lentamente, artificial e os ciclos da natureza,
são pela história do cooperativis- do Lavoisier. Em sua caminhada esse movimento está conduzindo conectando-se paradoxalmente
mo vai demonstrar a relevância “evolutiva” o homem priorizou a humanidade a se dar conta da aos catadores pelas vias das de-
desse tipo de organização como sua capacidade inventiva em bus- presença da natureza no lixo pro- sigualdades sociais. O catador é
alternativa para a reorganização ca de atender as necessidades de duzido, mesmo que ainda distan- um trabalhador urbano que teve
da sociedade, sob os princípios sobrevivência e, assim, foi des- te de uma relação de equilíbrio. sua origem fazendo a coleta dos
da cooperação e da solidarieda- truindo a natureza, na medida Mesmo assim, o homem segue resíduos sólidos pelas ruas das
de, em lugar dos princípios da em que ia inventando formas de padecendo com as consequên- cidades. Com o surgimento das
competição, rivalidade, disputa. se proteger e se alimentar. Mas a cias de seus atos enquanto não cooperativas de resíduos sóli-
As cooperativas de catadores de capacidade inventiva da humani- tomar consciência e respeitar os dos, provenientes da Política Na-
resíduos sólidos são um espaço dade não satisfeita somente em ciclos de renovação da natureza. cional de Resíduos Sólidos, Lei
de trabalho e de expressão dos proteger-se e alimentar-se, viu Enquanto não se perceber como 12.305/2010, o catador passa a
sujeitos que as fazem. Cada coo- que podia acumular, percebeu um ser, assim como tantos ou- ser reconhecido como um profis-
perativa possui uma história, que acumulando podia fazer tro- tros, fazendo parte da grande teia sional, tendo como principal ati-
cada história é parte de uma teia cas e logo notou que podia ven- da vida, sustentada pela água, o vidade o trabalho com a triagem
tecida nas sombras da sociedade. der e lucrar. fogo, a terra e o ar, amálgama da dos resíduos sólidos provenien-
A aproximação com a pesquisa O comércio, que se alimenta vida no planeta. O desrespeito tes da coleta seletiva.
registrou um pouco do que se pelo grande estímulo ao consu- aos ciclos é a destruição da vida, Na cidade de Goiânia, a coleta
passa no mundo interno de uma mo, ao mesmo tempo em que inclusive a vida humana. seletiva se dá em caminhão apro-
dessas cooperativas. As reivindi- depreda desenfreadamente a A lógica de produção e consu- priado para essa finalidade e em
cações, as lutas e os desafios, en- natureza, provoca um grande mo inventada pelo homem é ge- cronograma distinto do recolhi-
voltos em sonhos e emoções, em acúmulo de lixo produzido pela radora de produtos que, embora mento do resíduo orgânico. Os
aprendizagens e ensinamentos. A sociedade humana. Para acomo- tenham sua origem na natureza, resíduos sólidos arrecadados são
sustentabilidade e a manutenção dar esse lixo, a sociedade urbana a manipulação humana dificul- distribuídos em cooperativas ins-
da vida no planeta submersas nas o despeja em lixões a céu aberto, ta o seu retorno ao ciclo natural. taladas nas periferias da cidade,
relações humanas que se estabe- mas a demasiada produção exi- Nessa artificialidade, a indústria algumas circundadas por comu-
lecem no interior de cada uma. giu uma solução. Então, surgem e o comércio tentam inventar nidades que têm aí o seu princi-
os aterros sanitários, que passam seu próprio ciclo, que se confron- pal sustento. Até 2014, existiam
O despertar do catador a conviver com os lixões, e a cole- ta com o grande ciclo natural da 15 cooperativas cadastradas na
O lixo, a coleta seletiva, o cata- ta seletiva. Os problemas gerados vida. O maior desafio, então, pas- prefeitura da cidade de Goiânia e,
dor. Frágil ciclo de equilíbrio da obrigam a humanidade a olhar sa a ser, encontrar um equilíbrio dentre estas, 7 fomentadas pela

484 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 485
Dinorá de Castro Gomes; Vera Margarida Lessa Catalão A educação ambiental na sustentabilidade da vida em uma experiência de
alfabetização de catadores
Incubadora Social da Universida- vendido é determinado pelo mer- da do vínculo com a Incubadora. duos Sólidos (PNRS), sancionada
de Federal de Goiás (UFG), ligada cado, ou seja, a cooperativa vende Por essa razão, em 2014 havia 7 em 02 de agosto de 2010, dava
à Pró-Reitoria de Extensão e Cul- para quem pagar mais. O dinhei- cooperativas incubadas. A Coo- prazo de 4 anos para que as ci-
tura (PROEC). Essas cooperativas ro arrecadado é dividido entre perfam, a CooperMas, a Cooper dades se adequassem às normas
concentram muitas pessoas e vi- os catadores envolvidos, sob a Rama, a Guarani, a Cooprec, a dessa política. Para isso, todos os
vem em torno do trabalho de tria- administração de uma liderança Coocamare e a Acop. municípios do país teriam que
gem e venda do material reciclá- escolhida pelo grupo, conforme O Programa Goiânia Coleta substituir os lixões por aterros
vel4. A quantidade de catadores os preceitos das cooperativas au- Seletiva (PGCS) percebe a neces- sanitários, implantar a coleta se-
em cada uma está sempre varian- togestionárias. sidade de fazer a capacitação dos letiva e a reciclagem, o reuso, a
do, porque boa parte dificilmente O Programa Goiânia Coleta catadores para que eles consigam compostagem e o tratamento do
se mantém por um longo período Seletiva (PGCS) percebe a neces- se organizar e administrar suas lixo até 2014. Com essa exigência,
nessa atividade, mas cada coope- sidade de fazer a capacitação dos associações. A UFG, então, é con- a Incubadora da UFG precisou
rativa trabalha com uma média catadores para que eles consigam vidada a prestar essa assessoria. ampliar sua área de atendimento
de 15 a 20 catadores. se organizar e administrar suas Dessa parceria nasce em 2008 a para outros municípios além da
A estrutura para receber os associações. A UFG, então, é con- Incubadora Social da Universida- região metropolitana de Goiânia,
resíduos varia em cada coopera- vidada a prestar essa assessoria. de Federal de Goiás, vinculada à com parcerias via Secretaria Na-
tiva. Na maioria das vezes a coleta Dessa parceria nasce em 2008 a Pró-Reitoria de Extensão e Cultu- cional de Economia Solidária (SE-
trazida pelos caminhões é depo- Incubadora Social da Universida- ra, com a finalidade de fazer a ca- NAES) e com o Ministério Público
sitada nos pátios onde, no chão de Federal de Goiás, vinculada à pacitação e o assessoramento aos do Estado de Goiás.
mesmo ou sobre bancadas e com Pró-Reitoria de Extensão e Cultu- empreendimentos dos catadores Com relação a esse prazo esta-
pouca proteção de equipamentos, ra, com a finalidade de fazer a ca- de materiais recicláveis. Essa In- belecido pela PNRS, muitos muni-
é feita a triagem. Predominam pacitação e o assessoramento aos cubadora iniciou imediatamente cípios alegaram não terem condi-
condições precárias de higiene e empreendimentos dos catadores o atendimento a três associações, ções de atender as exigências no
estrutura. O trabalho realizado é de materiais recicláveis. Essa In- mas, impelida pela grande de- prazo estabelecido. Em decorrên-
basicamente o de triagem e ar- cubadora iniciou imediatamente manda, ampliou rapidamente seu cia, no dia 01/07/2015, o Senado
mazenamento dos resíduos em o atendimento a três associações, atendimento e em 2011 já estava aprovou um projeto que prorro-
grandes sacos de lona, que eles mas, impelida pela grande de- com 10 grupos sendo atendidos. gou o prazo para as cidades bra-
denominam de “bags”, fornecidos manda, ampliou rapidamente seu A adesão desses grupos à Incuba- sileiras se adequarem às regras
pelas empresas, as mesmas que atendimento e em 2011 já estava dora é voluntária, as cooperativas da PNRS. De acordo com esse
retornam para negociar e trans- com 10 grupos sendo atendidos. incubadas é que definem quanto projeto aprovado, os municípios
portar o material separado. Esses A adesão desses grupos à Incuba- à sua adesão, permanência e saí- têm o prazo de 2018 a 2021 para
“bags” possuem um tamanho pa- dora é voluntária, as cooperativas da do vínculo com a Incubadora. se adequarem à PNRS, com crité-
dronizado e servem de unidade incubadas é que definem quanto Por essa razão, em 2014 havia 7 rios que variam de acordo com a
de medida. O valor do material à sua adesão, permanência e saí- cooperativas incubadas. A Coo- localização geográfica, o número
perfam, a CooperMas, a Cooper de habitantes e a renda. Quanto
Rama, a Guarani, a Cooprec, a maior o município e a renda, as-
4Reciclagem, Coocamare e a Acop. sim como os de fronteira, menor
lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, item XV, Capítulo II, é o processo de
transformação dos resíduos sólidos que envolve a alteração de suas propriedades físicas, A Lei nº 12.305 que legisla so- o prazo. Sobre o empenho dos
físico-químicas ou biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos produtos, bre a Política Nacional de Resí- municípios, o Sr. Fernando, coor-
observadas as condições e os padrões estabelecidos pelos órgãos competentes (...).

486 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 487
Dinorá de Castro Gomes; Vera Margarida Lessa Catalão A educação ambiental na sustentabilidade da vida em uma experiência de
alfabetização de catadores
denador da Incubadora Social Esse comentário do Sr. Fer- do intervalo entre uma refeição puxando os seus carrinhos, como
da UFG, em entrevista5 para esta nando esclarece que a prorroga- e outra. Pessoas espectadoras do meio de sobrevivência. A coope-
pesquisa, comenta: ção do prazo dado aos municí- mundo consumista e que se con- rativa foi uma maneira de se or-
pios para o cumprimento da Lei somem na lida com os resíduos ganizarem para lutarem também
(1) Eu acho que está como quase
todos os lugares que eu conheço, de PNRS, não resolve a situação, sólidos, mas pessoas cujas águas por moradia. A diferença funda-
muito fraco, muito tímido, mas porque se o prefeito não tiver permanecem aquecidas pelo ca- mental entre essas duas histórias
isso a gente tem detectado aqui, consciência ambiental ele nunca lor de suas emoções, na partilha é que uma cooperativa foi entre-
no decorrer do tempo, que existe o
que a gente chama de “a cultura vai conseguir cumprir o que está da vida, no cultivo coletivo dos gue pronta, equipada, estimulan-
do lixo”, nós vivemos sob a cultura estabelecido nessa diretriz, ou sonhos. Dentre estas, destaco a do um grupo a tornar-se catador,
do lixo e nós temos percebido que em qualquer outra, não importa cooperativa Cooprec e a Acop, enquanto a outra foi fruto da luta
tanto a sociedade e os governan- qual seja o prazo. O problema não por serem pioneiras nesta expe- de quem era catador, mesmo sem
tes percebem os materiais que são
descartados, não importa se é re- está na Lei ou nos prazos, o pro- riência em Goiânia e guardarem ter uma cooperativa.
ciclável ou não, isso é lixo. (...) En- blema está na falta de Educação memórias de uma relevante his- Em entrevista para esta pes-
tão, a gente vê governantes de mu- Ambiental, no analfabetismo am- tória da experiência da EA vivida quisa Naná6 fala sobre as lutas
nicípios que não se preocupam em
fazer essa distinção entre o que é biental dos governantes. A PNRS nesta cidade. com propriedade:
material reciclável ou não, para não se integra à visão estreita de A cooperativa Acop e a Coo-
que as pessoas possam compreen- (1) Olha, acho que toda coope-
muitos governantes submergidos prec são as grandes pioneiras na rativa, desde o começo, tem uma
der que o material reciclável não
é lixo, é material limpo, é material em suas astuciosas políticas elei- experiência da coleta seletiva em luta, uma caminhada. Então se
gerador de trabalho e renda. Essa toreiras. Essa tem sido uma gran- Goiânia. Elas viveram essa experi- ela não lutar, se ela não caminhar,
eu creio que é a maior das dificul- nada vai pra frente. Se ela não cor-
de dificuldade encontrada no ência de maneira diferente, a par- rer atrás, não vem, as coisas não
dades por estarmos submetidos à
cultura do lixo. Então, investir nes- trabalho da Incubadora e é tam- tir do contexto de cada uma. A Co- caem do céu. Primeiro, através
se segmento não é uma coisa que bém uma grande barreira para o oprec era composta por pessoas da luta ela tem um sonho, que é o
está dentro dos planos, desde que avanço do trabalho ambiental. A que moravam nos bairros do seu sonho de ser estruturada, de ser
tirou da frente da casa, sumiu, já bem sucedida, com galpões, eles
resolveu o problema.
Incubadora está no meio de uma entorno, cada uma tendo o seu fica sonhando. Cooperado que é
(2) Então nós percebemos que é cadeia, tentando fazer o elo entre lugar de moradia nesses bairros, cooperado sonha. “Vamo ter uma
muito comum, a gente observa, as partes que a mantêm. ou nas proximidades e trabalha- prensa, vamo fechar isso aqui,
isso é visível, por exemplo, o in- vamo ter isso, vamo ter uma sala
Cada cooperativa visitada pos- vam nos serviços da cidade: do- de jogos, um refeitório”, eles fica
vestimento em propaganda dos
governos muito maior do que em sui uma história e em cada histó- mésticas, babás, serviços gerais, sonhando. Eu falo por mim – que
uma estrutura dessa natureza. En- ria uma gota a mais que se des- ajudantes de pedreiro e até cata- eu sonhava mais a Maria W – que
tão, no meu entender, que eu vejo a gente via essas empresa grande,
prende das narrativas ocultadas dores, dentre outros. A Acop era eu falava: “já imaginou?”. A gente
essa relação entre Educação Am-
biental e Coleta Seletiva, [...] acho nas sombras das águas de nossa composta por pessoas que não ti- fica com aquele sonho. E através
que o ponto de partida é a edu- sociedade. As cooperativas visita- nham onde morar, elas moravam dos sonhos a gente gera as movi-
cação ambiental, mas ela de cer- mentações, as lutas, as conquistas,
das trazem de comum entre elas em uma favela debaixo de uma as reuniões... As vezes a gente faz
ta forma orientada para quebrar
esse paradigma que vem amarra- um grupo de pessoas que experi- ponte, sobre os trilhos de trem manifestações também, através de
do nesse aí chamado de cultura do mentam o espaço mais dolorido de uma linha desativada. Pessoas tudo um vai puxando o outro.
lixo, esse é o grande problema que da nossa sociedade, pessoas que que viviam da coleta de material
nós vivemos aí.
sabem o que é a fome pra além reciclável, andando pelas ruas,

5Entrevista nº 1, de 05/03/2015. 6Entrevista nº 02, de 09/03/2015.

488 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 489
Dinorá de Castro Gomes; Vera Margarida Lessa Catalão A educação ambiental na sustentabilidade da vida em uma experiência de
alfabetização de catadores
Naná é uma catadora filha de ter o conhecimento como é o ma- são, defendendo seus interesses e chega na cooperativa e a partici-
catadores, ela e os irmãos cresce- nual desses equipamento, como é participando como atores ativos pação da sociedade na coleta se-
que você vai fazer uma leitura do
ram ajudando seus pais na coleta, manual de equipamento que você no processo. O socioambientalis- letiva. Falta de ações do poder pú-
por isso, conhece profundamente vai usar se você não sabe ler? mo tem a emancipação como ob- blico no cuidado com o lixo e com
a vida de catador e fala com pro- (2) No caso, hoje eu estou como jetivo a ser alcançado por meio a coleta seletiva, uma realidade
presidente, sei ler, sei escrever e
priedade sobre as lutas e os so- tal. Amanhã ou depois, qualquer da EA crítica e essa emancipação complexa e que pede urgência em
nhos do catador, ao mesmo tempo outro cooperado que tá aqui ocorre quando os sujeitos se tor- seu tratamento. Aos catadores
em que demonstra já ter se dado dentro pode ser um presidente, nam agentes do processo, elabo- resta uma condição degradante,
e como é que ele vai ser presi-
conta de como tudo está conec- dente se ele não sabe assinar os rando, pensando, definindo e se em decorrência da falta de envol-
tado: a cooperativa, o cooperado, documentos que precisa ser assi- organizando com autonomia, sem vimento da sociedade com ações
os sonhos, as movimentações, as nado? Assinar uma folha de che- depender de agentes públicos ou educativas de preservação do
caminhadas, as reuniões, as lutas, que pra fazer o pagamento dos instituições para isso. meio ambiente. A todos nós resta
cooperados, tudo isso... Pra fazer
as conquistas, as manifestações, a assinatura num projeto de uma Observamos que a vida das aprendermos que a nossa exis-
"um vai puxando o outro". parceria, de um convênio com a cooperativas se mantinha em tência somente se mantém, em
Ao longo da pesquisa, percebe- Prefeitura, com o Ministério Pú- meio a épocas boas e outras de conexão com ações solidárias, em
blico, tudo isso a gente tem que
mos o distanciamento do catador saber ler. Você lê o instrumento crise, uma irregularidade que se conexão com a rede de sustenta-
ao processo de escolarização. Seu lá, que antes de assinar você lê, manifestava na remuneração dos bilidade da vida no Planeta Terra.
Iramar, presidente da Acop no tem o conhecimento. Hoje, na ver- catadores, eles mesmos nunca sa-
dade você tá tratando com pesso-
ano 2014, catador atuante, repre- as do poder público e tudo, mas biam ao certo quanto receberiam Considerações
sentante do movimento nacional nem tudo a gente deve expressar em cada mês. F Catador explica A Educação Ambiental como
dos catadores no Estado de Goiás uma confiança total naquilo que essa realidade e, ao mesmo tem- estratégia de alfabetização de
tá escrito no papel. Estar ciente
e um dos membros da Comissão realmente, ler um pouco antes de po, tece uma crítica e apresenta a adultos catadores foi a maneira
Nacional do Movimento Nacional assinar, ter o conhecimento re- sua sugestão: empregada para analisar a con-
dos Catadores de Material Re- almente. Ah, não, eu tô ciente do tribuição da Educação Ambiental
ciclável (MNCR), sabe do valor que que tá acontecendo, então eu (1) O ser humano, a classe média, para alfabetização e formação hu-
posso assinar sabendo o que eu ele não dá valor aos cooperados,
da escolarização para o fortale- tô assinando. porque se ele desse valor, as coo- mana junto a uma turma de tra-
cimento das lutas e, consequen- (3) Se os companheiro não ti- perativa era botado lá em riba. balhadores de uma cooperativa
temente, para a melhoria das ver um incentivo pra buscar se Como que nós tamo ajuntando, de resíduos sólidos na cidade de
alfabetizar, pra se formar, pra se nós tamo ajuntando aquele mate-
condições de trabalho e vida. Em capacitar... Hoje a gente já tem rial que aquelas pessoas joga fora, Goiânia. Para localizar esses sujei-
entrevista concedida para esta até satisfação de falar. Tem uma que tá gerando emprego e renda tos percorremos 8 cooperativas
pesquisa no dia16/04/2015, ele catadora lá em Anápolis que ela para a gente, ele se torna o pão de de catadores vinculadas à Incu-
trabalhava no lixão e estudava. Aí cada dia nosso. E o governo fede-
comenta sobre a importância do ela saiu do lixão, tá na cooperati- ral ou estadual, se quisesse ajudar,
badora Social da UFG, em 2013 e
catador saber ler e escrever. va, continua a estudar, se formou abrisse os olhos, ele podia pagar 2014, aplicando um questionário
agora no começo desse ano. Não um salário para cada cooperado, para buscar os dados pessoais e
(1) Pra todo cidadão, assim, que me recordo bem a matéria, agora fora os material que ele pega.
tem conhecimento da verdade de escolares desses catadores. Des-
já tá fazendo a faculdade.
leitura, pra gente é fundamental sa maneira, a comunidade onde a
sê saber ler e escrever. No proces- A situação vivida por esses ca- experiência se desenvolveu pôde
so de cooperativa, a gente vai tra- A escolarização dos catadores tadores é um desdobramento da
balhar também com vários tipos ser revelada. Assim, a experiência
é da maior importância para que falta de conexão entre a atividade
de equipamento, e você tem que foi desenvolvida, no ano de 2014,
possam se afirmar como profis- que desenvolvem, o material que

490 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 491
Dinorá de Castro Gomes; Vera Margarida Lessa Catalão A educação ambiental na sustentabilidade da vida em uma experiência de
alfabetização de catadores
em uma comunidade de catado- ticipação de todos. Amplas cam- dade de possibilidades aponta- sustentado na destruição da na-
res que vivia no entorno de uma panhas publicitárias na televisão, das pelo contexto da realidade de tureza, ou abre mão da vida no
cooperativa de resíduos sólidos, nos jornais, nas escolas e uni- cada uma delas. Nesse sentido, Planeta Terra, dentre essas, a pró-
a cooperativa Acop, situada no versidades, em praças e painéis considero que a Incubadora So- pria vida humana. Embora esteja
Setor Albino Boaventura, na Re- precisam ser feitas orientando cial, como órgão de extensão de consciente desse dilema, a huma-
gião Noroeste da cidade de Goiâ- e estimulando a coleta, assim uma Universidade Federal, a UFG, nidade ainda não conseguiu fazer
nia. Ela revelou, entre os sujeitos como apresentando e valorizan- aberta à multirreferencialidade outras escolhas e mudar o rumo
envolvidos, a resistência, a baixa do o catador, envolvendo toda a do conhecimento, pode ter um de sua trajetória no Planeta.
autoestima e o distanciamento à população na importância da co- papel relevante à frente da diver- É esse o contexto onde se lo-
vida escolar. Ao mesmo tempo, laboração de todos num grande sidade de ações que podem ser calizam as cooperativas de ca-
desvendou o desejo contido, a sa- movimento solidário em defesa implementadas em um movimen- tadores de Goiânia, elas fazem
tisfação de estudar, a alegria por da vida, onde todos se beneficiam to intensificado e contínuo de for- parte desse ciclo de manutenção
estarem em uma escola deles, in- ao participar desse grande ciclo talecimento das cooperativas. Um da vida que envolve toda a socie-
serida naquela comunidade e na solidário. Ações que nos pare- movimento que não se efetiva dade. O modelo autogestionário
realidade de suas vidas. O resgate cem simples, mas capazes de cau- apenas no suporte logístico, mas é mais um ponto de coerência
do ser, do pertencimento e o re- sar uma grande movimentação em uma formação que lhes am- entre o funcionamento dessas
conhecimento do valor do cata- em toda a cidade, envolvendo-a plie a visão das possibilidades de cooperativas e o princípio de so-
dor como um profissional digno em um ambiente de profunda e transformação, que lhes faça per- lidariedade e respeito à vida ca-
e importante para a sociedade imensurável transformação. Esse ceberem a força de mudança que pazes de mudar essa trajetória do
urbana atual, foram um caminho deve ser o desafio posto àqueles eles conduzem, um movimento Planeta. A manutenção, portanto,
para despertar o desejo de apren- que se comprometem com essa de superação da naturalização da de condições adequadas de fun-
der a ler e a escrever. Dessa ma- realidade na construção de um submissão. cionamento dessas cooperativas
neira, a alfabetização de adultos mundo melhor, mais justo e mais Os conflitos, as tensões, a está vinculada à própria toma-
trouxe a Educação Popular como humano. fome, o aquecimento global, as da de decisão da humanidade
campo de diálogo com a EA pro- A precariedade da vida dos ca- doenças, o descontrole da vida, quanto ao seu modelo de desen-
porcionando o encontro de elos tadores submersos no submundo está levando a humanidade a se volvimento. A coleta seletiva e as
submersos capazes de originar da exclusão, associada à falta de dar conta cada dia mais de que há cooperativas podem, portanto,
uma experiência enriquecedora escolarização, submete esses ca- algo de errado com a escolha de se fortalecer e originar um movi-
no processo de alfabetização. tadores à sujeição de uma condi- desenvolvimento que tomou. Ela mento capaz de impelir a huma-
A falta de orientação e estímu- ção social que lhes rouba também já percebeu que não pode haver nidade a fazer a opção pela vida.
lo à população para que participe a competência de se perceberem desenvolvimento em desarmonia
da coleta seletiva é uma grande como sujeitos capazes de trans- com a natureza e que esta está Referências Bibliográficas
barreira que ainda precisa ser formar essa condição. Dessa chegando ao seu limite de sus- BARBIER, René. (2007): A Pes-
transposta. A coleta seletiva é um maneira, entendemos que é ne- tentação da vida, em decorrência quisa-Ação. Brasília, Liber Livro
fio condutor que nos entrelaça, cessário dar as mãos e estimu- da exploração desenfreada e des- Editora.
que nos conecta com a constru- lar a organização do movimento respeitosa de seus ciclos. Agora, FREIRE, Paulo. (1979): Cons-
ção de uma cidade sustentável, dos catadores, ampliando ações o dilema é um só: ou a humani- cientização: teoria e prática
um tipo de cidade que somente em defesa desses sujeitos e das dade abre mão do seu modelo da libertação: uma introdução
pode ser construída com a par- cooperativas a partir da diversi- de desenvolvimento econômico ao pensamento de Paulo Frei-

492 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 493
Dinorá de Castro Gomes; Vera Margarida Lessa Catalão A educação ambiental na sustentabilidade da vida em uma experiência de
alfabetização de catadores
re / Paulo Freire. Tradução de SINGER, Paul. Prefácio. (2013):
Kátia de Mello e Silva; revisão In: LIMA, Mª Isabel R. Economia
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Brasília, Ararazul, Organização
para a Paz Mundial.

494 ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial ambientalMENTEsustentable, 2017, número especial 495
Castelo Ceida, em Coruña, Reciclamos o Mundo –Atividades de

Foto: Michèle Sato


na Galícia
Educação Ambiental em Escolas do 1º CEB na Maia

Teresa Filomena Pinto dos Santos1

Resumo
O presente artigo pretende dar a conhecer a importância dos projetos de educa-
ção ambiental no 1.º Ciclo do Ensino Básico, através das Atividades de Enriqueci-
mento Curricular (AEC). É nos primeiros anos de escolaridade que os alunos de-
vem começar a trabalhar questões relacionadas com a educação ambiental, de
forma a consciencializa-las para as boas práticas ambientais. Neste âmbito, surgiu
o projeto “Reciclamos o Mundo” no Agrupamento de Escolas Gonçalo Mendes da
Maia, em parceria com Câmara Municipal da Maia, dinamizado nas AEC. O projeto
em causa teve como objetivo sensibilizar os alunos para a importância dos con-
ceitos de reciclagem, política dos 4’RS e a importância de uma correta gestão de
resíduos. Teve ainda como propósito alertar os alunos para os impactes negativos
causados pela produção de resíduos e conhecer o trajeto desde a sua produção
até ao destino final.

Palavras Chave: Educação Ambiental, Reciclar, Reduzir, Reutilizar, Recuperar.

Abstract
This article aims to show the importance of environmental education projects in
the 1st Cycle of Basic Education, through Curricular Enrichment Activities (AEC).
It is in the first years of schooling that students should start working on issues
related to environmental education in order to raise awareness of environmental
good practices. In this context, the project "Recycling the World" was born in the
Gonçalo Mendes Schools Association of Maia, in partnership with Maia City Coun-
cil, revitalized in the ACS. The aim of the project was to raise students' awareness
of the importance of recycling concepts, 4'RS policy and the importance of proper
waste management. It was also intended to alert students to the negative impacts
caused by the production of waste and to know the route from its production to
the final destination.

Key words: Environmental Education, Recycle, Reduce, Reuse, Recover.

1Câmara Municipal da Maia/Atividades de Enriquecimento Curricular/Maia - Portugal.


E-mail: teresa.santos.f@gmail.com.

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Teresa Filomena Pinto dos Santos Reciclamos o mundo

Um dos objetivos da educação a reutilização o principal tema


ambiental é promover a articu- abordado.
lação das ações educativas com O objetivo geral deste proje-
atividades direcionadas para a to foi envolver os alunos, e mais
proteção, recuperação e melho- tarde a comunidade escolar, para
ria ambiental, potencializando a a problemática dos resíduos só-
função da educação para as mu- lidos, mais propriamente o lixo
danças culturais e sociais, numa doméstico e a sua correta separa-
perspetiva de desenvolvimento ção, para a tomada de consciên-
sustentável. A escola, no âmbito cia como problema ambiental e
da educação ambiental, deve con- também a formação cidadã e par-
Figura 1: Presépios Elaborados pelos Figura 2: Presépios Elaborados pelos
tribuir para a construção de va- ticipativa dos alunos. Houve um Alunos Alunos
lores, no aluno, que conduzam a conjunto de iniciativas levadas a
uma convivência de respeito pelo cabo, onde a participação dos alu-
ambiente e as demais espécies nos era fundamental para a pros-
que habitam o planeta, atenden- secução das várias etapas que
do a que, de acordo com Schmidt faziam parte do referido projeto.
et al (2010), a literacia ambiental Assim, a recolha de lixo e a sua
já faz parte, [ou deveria fazer], da correta separação foi um ponto
cultura geral de qualquer criança. chave para dar inicio ao nosso
Da posse da literacia ambiental à projeto. Depois de todo material
ação propriamente dita, parece- recolhido foi hora de construir
-nos existir uma distância consi- vários objetos com material reu-
derável, o que torna premente a tilizado para as nossas exposi-
procura incessante de estratégias ções. Com a aproximação do Na-
que minimizem os impactes dos tal e toda a magia que o envolve
resíduos sólidos no ambiente, no- e transmite às crianças, os alunos
meadamente o lixo considerado construíram presépios que pos-
doméstico. Foi nesta que surgiu teriormente foram expostos nas
Figura 3: Presépios Elaborados pelos Figura 4: Presépios Elaborados pelos
o projeto “Reciclamos o Mundo” instalações da Câmara Municipal Alunos Alunos
que se desenvolveu no âmbito da Maia, (Figuras 1,2,3e4) por se
das AEC e que fez parte integrante considerar um local estratégico
das atividades lúdico expressivas para a divulgação dos trabalhos e de aprendizagem por excelência. cipal da Maia, (Figuras 5,6,7 e 8)
(ALE), que decorreu no ano letivo da criatividade dos alunos no âm- Um segundo momento deste depois de esta instalada os alu-
2014/2015, no Agrupamento de bito da temática que estava a ser projeto foi a construção de bo- nos tiveram a oportunidade de a
Escolas Gonçalo Mendes da Maia explorada, ao mesmo tempo que necas africanas partindo de uma visitar.
em parceria com Câmara Munici- as exposições criam um espaço garrafa de plástico ou vidro, ter- As Visitas de Estudo são con-
pal da Maia, orientado pelo co- de partilha de conhecimento, minadas as bonecas foi feita uma sideradas pelo como Currículo
ordenador Nuno Gomes, sendo sendo um meio de comunicação e nova exposição na Câmara Muni- Nacional do Ensino Básico, como

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lizados, ao longo do ano letivo, lúdico pedagógico para a realiza-


decorrentes da observação e das ção de Ateliês de sensibilização
aprendizagens feitas no âmbito ambiental sobre reutilização de
da referida visita. Estas ativida- materiais para a construção de
des potenciaram o trabalho em objetos. ( Figura 10). O quarto
grupo, uma vez que o contributo momento deste projeto foi a ex-
de cada aluno foi precioso para ploração de uma história sobre
poderem apresentar um traba- lixo marinho “Graciosa a Baleia
lho mais completo uma vez que Vaidosa”( Figura 9). Com esta
Figura 5: exposição de Bonecas Figura 6: Exposição de Bonecas é uma oportunidade de construir história os alunos perceberam
Africanas africanas coletivamente o conhecimento. O que devemos cuidar e respeitar
terceiro momento deste projeto os ecossistemas marinhos para
foi marcado pela semana da fa- não colocar em risco a vida dos
mília, onde foi criado um espaço animais que nele habitam.

Figura 7: Exposição de Bonecas Figura 8: Exposição de Bonecas


Africanas Africanas

recursos dotados de inúmeras base o envolvimento ativo dos Figura 9: Desenhos da História Figura 10: Material Utilizado nos Ateliês
potencialidades para os alunos alunos na busca de informação e
aprenderem. De acordo com Oli- na utilização de recursos exterio-
veira (2008), as visitas de estudo res à escola, quando devidamente Este projeto é a prova de que Sucesso Escolar. Barcarena: Edi-
são atividades que se realizam organizadas e planeadas. acreditamos no poder transfor- torial Presença.
fora do contexto escolar e que Com esta visita pretendeu- mador da educação, que é através Nespor, J. (2000). School field
permitem aos seus intervenientes -se sensibilizar os alunos para a dela que se torna possível educar trips and the curriculum of pu-
desenvolverem-se a nível concep- importância doa reutilização de para a sustentabilidade, numa blic spaces. Journal of Curri-
tual, procedimental e de relacio- materiais, ajudando a garantir perspetiva de preocupação com culum Studies, 32 (1), 25-43.
namento inter-pessoal e afetivo. um bom ambiente e qualidade de as gerações vindouras. Oliveira, M. M. G. T. (2008). As Vi-
Para Nespor (2000) as visitas de vida das populações. Contribuiu sitas de Estudo e o ensino e a
estudo são atividades basilares também para a motivação dos Bibliografia aprendizagem das Ciências Fí-
no processo de ensino- aprendi- alunos, na realização de várias Lieury, A., Fenouillet, F. (s/d). En- sico-Químicas: um estudo sobre
zagem, pelo facto de terem por atividades com materiais reuti- sinar e Aprender: Motivação e concepções e práticas de profes-

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sores e alunos. Tese de Mestrado


não publicada: Universidade do
Minho.
Schmidt, L., Nave, J. G., Guerra,
J. (2010). Educação Ambien-
tal. Balanço e perspetivas
para uma agenda mais sus-
tentável. Lisboa: Instituto de
Ciências Sociais da Universi-
dade de Lisboa.

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