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“DA DIÁSPORA”,
DE STUART HALL
Esta obra reúne textos de Stuart Hall, teórico das identidades culturais na modernidade tardia, com foco especial na
dispersão e mistura do negro em outras culturas. Traz uma entrevista em que o pensador relata sua própria
experiência e o que significou “para um caribenho negro como qualquer outro” escrever “sobre e a partir dessa
posição”. Hall afirma que a política de identidade essencialista é uma luta importante, mas não necessariamente
leva à libertação da dominação. Esta se constrói em várias frentes, em um território cultural amplificado, que inclui
a vida cotidiana, a cultura popular e a cultura de massa.
“As culturas emergentes que se sentem ameaçadas pelas forças da globalização, diversidade e hibridização (...)
podem ficar tentadas a se fecharem em suas inscrições nacionalistas e a construírem muros contra o exterior. A
alternativa (...) aprender a abraçar processos mais amplos – o jogo de semelhança e diferença – que estão
transformando a cultura no mundo. Este é o caminho da ‘diáspora’, o caminho de um povo moderno e de uma
cultura moderna” – Stuart Hall
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Elementos do resumo:
● Stuart Hall é um sociólogo nascido na Jamaica colonial. Estudou em Oxford, então não pertencia a nenhum
dos dois lugares. Ele deixou a academia, o cânone literário e a alta cultura para se tornar um intelectual da
cultura de massa. O que ele fez foi controverso: ele olhou para o poder da mídia tradicional em representar
raça, gênero, classe, etnicidade, religião. Hall dizia que esses discursos não eram inocentes; que o que
estava escondido ali eram ideologias e que o trabalho dos teóricos de mídia é descobrir essa ideologia,
expô-la, criticá-la. A racialização do crime na mídia, as narrativas patriarcais de gênero, o imigrante como
o “Outro”, muçulmanos, pobres: a mídia é um agente ativo nesse processo.
● Hall também quebrou o paradigma de que as massas são ignorantes e passivas. Na verdade ele questionou
quem são os rostos da massa. Alguns podem aceitar os significados dominantes embutidos na mídia, alguns
podem negociar esses significados, alguns podem rejeitá-los. Enquanto outros teóricos da mídia
argumentavam que as mensagens eram impostas às pessoas por sistemas dominantes, Hall dizia que o
poder não era tão simples assim: ele viu bolsões de resistência que minavam as narrativas dominantes da
mídia (blogueiros na Tunísia, grafiteiros no Brasil, o movimento Black Lives Matter). A esse sistema de
negociação de conteúdo, chamou de codificação e decodificação.
● O jamaicano foi ainda mais longe: Hall também nos disse para procurar histórias em outros lugares: nos
humildes e desprezados espaços de conhecimento (como, por exemplo, as revistas de fofoca, as novelas, os
vídeos de música). Se você quer entender a sociedade, então talvez deva evitar as notícias (esses espaços
formais que reproduzem os discursos oficiais). Encontre histórias diferentes, perspectivas diferentes,
realidades diferentes.
● Ajudou a inventar os Estudos Culturais. Ele próprio os chamou, seguindo Foucault, de formação discursiva,
reconhecível e contraditória ao mesmo tempo; outros diriam que os Estudos Culturais são uma disciplina
(Hall, 2006: 188).
● Os anos 80 são o momento em que os Estudos Culturais se divulgam e ficam conhecidos no exterior. É
nesse período também que Hall coloca no centro de seu trabalho o interesse por identidades raciais. É
palpável a preocupação que teve, até então, de reconhecer a importância das relações raciais, mas de não se
deixar enquadrar e isolar como “pensador negro”, especialista em assuntos negros.
● Seu pensamento pode ser dividido em quatro grandes fases teóricas, segundo Eduardo Restrepo (2014):
○ 1ª) Fase cultural: começo dos anos 50 até o começo da década de 70, Hall trata principalmente
sobre o reducionismo de classe e as concepções elitistas da alta cultura. Ele reflete sobre produção,
circulação e recepção dos produtos dos meios de comunicação. Também nessa época escreveu
sobre fotojornalismo e a reprodução de valores na televisão.
○ 2ª) Fase imigrante: final dos anos 70 e a década de 80, reflexões sobre hegemonia (inflexâo
gramsciana) e thatcherismo. Momento em que os Estudos Culturais se divulgam e ficam
conhecidos no exterior. É nesse período também que Hall coloca no centro de seu trabalho o
interesse por identidades raciais.
○ 3ª) Fase negra: fim dos anos 80, aproximação de Hall do pós estruturalismo, ilustrada pelas
apropriações do autor de postulados foucaultianos sobre os discursos e de Derrida sobre a
differènce e a ênfase pós-estruturalista. As vertentes de estudos dos grandes meios de comunicação
e a cultura em seu entorno, de um lado, e das identidades culturais, de outro, desaguam nas
relações de poder e a geração de lealdades, consensos, identificações, arte e cultura: no que Hall
chama a questão paradigmática da teoria da cultura, das relações entre o simbólico e o social.
○ 4ª) Fase diaspórica: meados dos anos 90 até a morte do autor, compreende as reflexões de Hall
sobre o pós-colonialismo, enfocando raça e etnicidade. O nome que Hall dá ao que lhe interessa é
“diáspora” como produtora da inovação cultural e de um futuro em que as pessoas possam viver
laços de pertencimento social sem ter que reprimir sua diferença.
● Sua obra é contextualizada em meio a algumas das grandes transformações do século XX, como o processo
de descolonização, o descrédito do comunismo, a criação de sociedades multiétnicas nos centros de poder
europeus, o boom da cultura de massa, sobretudo da produção de imagens.
● Em Da Diáspora (2003), Hall estuda os mitos fundadores do conceito de diáspora e aprofunda-se na
questão do hibridismo, das reconfigurações e da cultura caribenha. Também fala um pouco sobre a
globalização, tema ao qual recorre novamente na conclusão da obra.
● No livro, o jamaicano ressalta a importância das questões geradas pela diáspora, por serem centrais não
apenas para seus povos, mas para as artes e culturas que produzem, onde um certo sujeito imaginado está
sempre em jogo.
● Segundo o autor, nossas sociedades são compostas não de um, mas de muitos povos. Suas origens não são
únicas, mas diversas. O conceito de diáspora, portanto, se apóia sobre uma concepção binária de diferença:
por um lado está fundado em uma idéia que depende da construção de um “Outro”, e de uma oposição
rígida entre o dentro e o fora. Por outro lado, sabendo que o significado é crucial à cultura, temos a noção
moderna pós-saussuriana que insiste que o significado não pode ser fixado definitivamente, pois está
sempre em movimento.
● Hall também alega que a cultura caribenha é irremediavelmente “impura”, essencialmente impelida por
uma estética diaspórica e cita o Caribe como um dos cenários chave do início da globalização. Aliás, sobre
esse processo ocorrido no pós-1970, Hall diz que é uma fase transnacional do sistema, o qual tem seu
centro cultural em todo lugar e lugar nenhum; “está se tornando descentrada”.
● Da Diáspora (2003) fala ainda da importância da África ao afirmar que cada movimento social e cada
desenvolvimento criativo nas artes do Caribe neste século começaram com um momento de tradução do
reencontro com as tradições afro-caribenhas ou o incluíram. Mas não porque a África seja um ponto de
referência antropológico fixo. A razão para isso é que a África é como um significante, uma metáfora para
aquela dimensão de nossa sociedade e história que foi maciçamente suprimida, sistematicamente desonrada
e incessantemente negada.
● Minorização periférica.
Assim como os fluxos do capital e da tecnologia, os fluxos não regulados de povos e culturas também são
amplos e irrefreáveis. São eles que inauguram um processo de “minorização” dentro das sociedades
metropolitanas, que não necessariamente está restrito aos guetos. Hall afirma que, algumas vezes, essa
minoria até engaja uma cultura dominante em uma frente bem ampla, fazendo uma espécie de movimento
transnacional com conexões múltiplas marcando, assim, o fim da Modernidade definida exclusivamente
nos termos ocidentais. Essas tendências têm o poder de confrontar e repelir as anteriores, subvertendo,
traduzindo, negociando e fazendo com que o capital “assalte” essas culturas consideradas mais fracas.
Ainda, segundo o autor, isso leva à disseminação da diferença cultural por todo o planeta. Outro ponto a se
pensar diante desse fator é que, antes, a “modernidade”, as tendências eram transmitidas a partir de um
único centro. Hoje, não mais. O potencial está em todo lugar.
● Para o autor, como funciona o jogo da semelhança e da diferença e como isso pode aproximar os
sujeitos?
Para Hall, a alternativa não é apegar-se a modelos fechados, unitários e homogêneos de pertencimento
cultural, mas abarcar os processos mais amplos o jogo da semelhança e da diferença que estão
transformando a cultura no mundo inteiro. Esse é o caminho da diáspora, que é a trajetória de um povo
moderno e de uma cultura moderna.
● De que forma a identidade brasileira pode ser analisada dentro da perspectiva de Hall?
A construção da nacionalidade brasileira passa também por um processo narrativo. Desde os princípios da
ordem e do progresso, até a concepção da mítica convivência de todas as raças (Gilberto Freyre) ou do em
desenvolvimento, permite construir uma identidade em torno do que seja o Brasil. De um país do qual se
envergonhar a uma nação da qual se orgulhar é um processo lento, no qual muitos significantes foram
explorados, em detrimento de outros, de forma a construir um orgulho nacional.
“Essa cultura popular, mercantilizada e estereotipada não constitui, como às vezes pensamos, a arena
onde descobrimos quem realmente somos, a verdade da nossa experiência. Ela é uma arena
profundamente mítica. É um teatro de desejos populares, um teatro de fantasias populares. É onde
descobrimos e brincamos com as identificações de nós mesmos, onde somos imaginados, representados,
não somente para o público lá fora, que não entende a mensagem, mas também para n6s mesmos pela
primeira vez” - Stuart Hall