Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
257
pelo reconhecimento de que nem toda a experiência humana se presta a uma “tradução”
pelas categorias disjuntivas e estáticas da linguagem verbal de pretensão unívoca. Toda
a esfera que compreende os sentimentos, os afetos e as moções interiores, assim como a
própria dinâmica da vida, expressam-se com maior eficácia por meios capazes de incluir
“tensão e alívio, progressão, ascensão ou queda, movimento, limite, repouso” (LANGER,
1971, p. 245), crescendo, decrescendo, accelerando e ritardando, conflito, ênfase e clímax.
Langer reconhece, portanto, uma “forma lógica” na música que a torna apta a comunicar
o que, pelo discurso de finalidade teóricaou utilitária, permaneceria absolutamente inco-
municável. Basta recordar o recurso polifônico da arte sonora, pelo qual as ambiguidades
tantas vezes presentes na vida interior poderiam ser, em certa medida, evocadas.
Ao lado deste aspecto, que incluicerta comparação entre as “linguagens” musical e dis-
cursiva, o trabalho proposto pretende examinar, num segundo momento,outra relevante
implicação do inefável musical dentro da estética de Langer. Para a autora, o conteúdo
indeterminado que a música “naturalmente” desvela seria o conteúdo comum a toda
expressão artística, até mesmo àquelas que se prestam a um alto teor representativo. Con-
forme sintetiza a filósofa, uma obra de arte deve ser compreendida como “um símbolo não
discursivo capaz de articular o que é verbalmente inefável – a lógica da própria consciên-
cia” (LANGER, 1957, p. 26). Portanto, as figuras do mundo exterior que uma tela, por
exemplo, representa não expressam, de fato, o verdadeiro conteúdo a ser nela apreendido.
Se assim nos for permitido dizer, este será sempre um conteúdo “musical”, mais global e
mais fluido que os símbolos discursivos, e é justamente nesta perspectiva que se poderia
compreender a célebre máxima de Walter Pater: “Todas as artes aspiram constantemente
à condição de música” (LANGER, 1971, p. 274).
Não obstante, o papel de centralidade que a arte de vocação explicitamente inefável ocupa
na ampla Filosofia da Arte langeriana não faz com que nela a música se eleve por sobre as
demais expressões artísticas, como ocorre em outros autores. É o que constataremos na
conclusão deste trabalho, na qual ressaltaremos a neutralidade da análise de uma filósofa-
musicista, sensível e atenta ao valor singular e insubstituível de cada arte.
Referências
LANGER, Susanne. Filosofia em nova chave: um estudo do simbolismo da Razão, Rito e Arte. Trad.
e revisão Moysés Baumstein. São Paulo: Perspectiva, 1971.
______. Problems of art: ten philosophical lectures. New York: Charles Scribner’s Sons, 1957.
______. Sentimento e forma: uma teoria da arte desenvolvida a partir de Filosofia em nova chave.
Trad. Ana M. Goldberger Coelho. São Paulo: Perspectiva, 2011. (Coleção estudos; 44)
258