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O coronel e o cinema 

 Arildo Ferreira Hostalácio

Prêmio Nacional de Literatura FUMEC 
1º Edição Contos

Belo Horizonte
2009
O coronel e o cinema 

Esta história, como outras que guardo, sei de ouvir contar. Tudo aconteceu
no início do século passado em localidade do interior de Minas Gerais, ali ás,
mais das Gerais do que das Minas. Coronel Antonino, um espanhol de
nascimento, mas mineiramente brasileiro, adotado que foi por essas paragens
onde fez grande fortuna. Com habilidade para o com ércio e aproveitando de
pequena poupança, que transportou por todo oceano, embrulhada em fino len ço
de linho. Esse, de rico bordado, fora presente de sua noiva Estelita. Catita, que
aos prantos o viu sumir colina abaixo. Jurara não esquec ê-la. Mas, ao botar
olhos nas serras dos gerais, e fundar-se a empreender tropa de com ércio, viu
esgarçar-se o linho, o bordado e o amor pela tal.

Depois de muito tropear, armou assento e aumentou sua monta a partir de


entreposto comercial, que inaugurado tornou-se ponto de paragem para os
tropeiros, que abasteciam a região do Desemboque, e de tocadores de grandes
manadas, que levavam o gado de um lado para outro pelo sert ão. Naquele naco
de terra fundou-se então Confusão, distrito assim batizado pelo pr óprio, que
explicava a alcunha pela tradução de Califórnia do seu idioma natal.

Com o tratar no comércio e o passar do tempo, deu-se tamb ém de comprar


terras, gado e emprenhar negócios, o que culminou em grandes extens ões de
terras, que se iniciavam vizinhando São Roque e findavam pros lados do rio
Grande, e um sem número de cabeças de gado. Sua riqueza o fizera alvo da
intenção de todo empreendedor que precisasse dalgum para dar a andar seus
projetos. Assim Coronel Antonino tornou-se s ócio de quase tudo o que se
empresariava na região. O que lhe enchia ainda mais as burras.

Tamanha distinção lhe deu a primazia de possuir a primeira geladeira de


toda a região, a qual abastecia com leite que fazia quest ão de servir a toda

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visita que por seu julgamento merecesse. Afora o gelo, coube-lhe tamb ém
inaugurar as ruas com o primeiro autom óvel que fazia desfilar por todos aqueles
empoeiramentos.

Casado nesta época com Dona Tiana, que lhe daria seis dos oito filhos que
conheceu. Os dois mais velhos, um menino, esse testemunha do ocorrido, e uma
menina eram frutos de união voluptuosa com Maria de Jesus, sitiante em uma de
suas fazendas. Dizem que a beleza da mulata chamou-lhe a aten ção e este caiu
por encantos montando com ela casa de certo conforto, onde viveu calorosa
paixão. Mas, como nada nesta vida é de eterno tempo, apareceu Dona Tiana,
rapariga de pequenos predicados, mas com alguma terra e bom dote, que se
somaria à sua já grande fortuna. Feito o fato do casamento, p õe-se ent ão fim ao
enlace com Maria.

Neste dia, como era de seu costume, Dom Antonino jazia em descanso de
sesta em sua poltrona especial. Do descanso, é bom lembrar, se exigia na casa
silêncio de igreja. O momento era sagrado, tudo deveria esperar o final de seu
repouso. E ali ficava o Coronel espachado em poltrona dessas de estofado e
tecido de finos fazeres, que fez vir direto de hotel chique da Capital, onde apeou-
se nela e de tanto conforto não saiu mais. Fez que lhe enviassem no mesmo dia
em que veio embora. Era para que assim que chegasse, pudesse se descansar.

Sua sesta durava em média hora e meia. Logo ap ós o almo ço, entornava
uma dose generosa de café, passado e servido por Inh á Ana, sua cozinheira
desde os primeiros dias. Então, depois de provido de uma de suas bebidas
prediletas, a outra era o leite gelado, punha-se ali na poltrona, finamente vestido
em terno de linho branco, sempre branco.

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E não é que bem nessa hora apeiam em sua porta, e em comitiva, algumas
autoridades da comarca. A tal era encabe çada pelo Juiz Justo Delgado,
alcunhado de Juiz Justino, homem de baixa estatura, de m ãos pequenas e dedos
gordos e de hábitos discretos. Sua chegada na comarca coincidiu com a
pacificação da região. Era implacável quando o assunto era justi ça justa, como
gostava de falar. O prefeito Primo de Totonho, esse era g êmeo com mais dois
irmãos, Próximo e Último. Todos de Totonho, o pai, que os nomeou pela ordem
que lhe foram apresentados pela m ãe na hora da pari ção. O vig ário, padre
Inácio, que se dizia patrício de Dom Antonino, como gostava de chamar o
Coronel. E o delegado de polícia, o Zé Vela, que tinha esse apelido pelo h ábito,
adquirido no tempo dos confrontos, de colocar uma vela acesa nas m ãos de
cada um que por ele era extinto. A ideia era que esse encontrasse o caminho no
mundo das almas. A comitiva era formada por todos esses, al ém de outros
representantes do mundo oficial e social do lugar. A excita ção era tamanha que
parecia mais um bando de maritacas, claro, sem com isso querer ofender as
passarinhas.

De susto, abre a porta o filho mais velho do Coronel acompanhado do olhar


fuzilante de Dona Tiana por sobre seus ombros. Olhar esse que merece cap ítulo
à parte.

Para quem conhece de olhar e olhares, dizia-se que o de secar pimenteira


era colírio com frescor balsâmico perto do de Dona Tiana, que quando se dava a
fazer cismas, derrubava até passarinho voando.

- Já me vêm os senhores com incômodos a seu Antonino. N ão imaginam


que já nos bastam os que temos, irrompeu Dona Tiana por detr ás do primog ênito
do Coronel, com sua voz já tom e meio acima.

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- Psiu, faz o filho do Coronel, tentando abaixar o tom da voz da mulher de


seu pai.

- Calma Dona Tiana, defende o vigário.

- A causa é justa, completa de pronto o magistrado.

- Mas não sabem os senhores que a tal hora o senhor Antonino, meu
marido, está a descansaire em sua sesta. E que ele n ão gosta de ser
interrompido! Encerra enfática com os olhos arregalados.

- É de nosso conhecimento, afirmou o delegado Z é Vela, mas como disse o


doutor Justino é caso de interesse publico. Precisamos com urg ências de parecer
do nosso Coronel, para dar a andar nossa peleja.

- Pelo tamanho da comitiva vê-se que deve ser muito importante tal assunto
e imagino de muitas urgências, insiste Dona Tiana, fazendo com os dedos como
se contasse dinheiro.

- Que isso minha filha, intercede novamente o vig ário.

- Senhores, eu é que não me meto a desalojar o senhor meu marido de


seu sono. Pelo tanto que gosta de mim, pode aproveitar de tal desmazelo e me
mandar azeitar como o fez aos ciganos.

Dito isso, um silêncio de fim de parto tomou a todos, e os olhares se


visitaram em constrangida cumplicidade. Sabiam todos que em peleja com o
Coronel um bando de ciganos tomara o rumo do desencarne e foram dar contas
ao coisa ruim, como ele lembrava em conversas muito particulares e com
ouvintes de extrema confiança. Como se vê, afinal, de Dona Tiana, h á de se
lembrar, não eram perigosos só os olhares, mas tamb ém a l íngua. Essa quando

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resolvia a bater destilava tal veneno que de t ão poderoso consumia, por toda,
qualquer peçonhenta que por desventura lhe atravessasse o caminho.

-Dona Tiana, cruzou o silêncio o vigário, desculpe nossa imprud ência, mas é
que hoje, a pouco, haverá reunião na câmara e precisamos ter com Dom
Antonino um dedinho de prosa. É coisa rápida, visita de m édico.

-Ah seu vigário, visita de médico não é sem contribuição de malditos


honorários. Já vi tudo. Quando é assim, me v êm sacar nas burras do senhor
meu marido. Mas então, vamos a entrar, n ão fiquem ai como se fossem em fila
de sopa. Vamos, vamos, vamos, sentem-se pela sala.

Disse tudo caminhando para dentro, encabe çando a romaria de gentes que
tomavam os corredores da casa. Todos se achegam e se acomodam. Dona Tiana
chama de lado o filho de seu marido e fala:

-Você! Vá lá dentro e veja em que altura está o sono do senhor seu pai.
Se achares prudente, avise dos incômodos.

-Sim, senhora, respondeu e já saiu de liso.

Menino ainda em seus doze para treze anos, o filho mais velho do Coronel
vivia ali por determinação expressa de seu pai. Esse quando se casou avisou a
noiva que tinha dois filhos com Maria de Jesus e fazia quest ão da companhia de
seu primogênito. É claro que a noiva aceitou, apesar de muito a contra gosto, e
era por isso que tornava a vida do menino um verdadeiro calv ário. Mas essa é
outra história.

Alvino, como era chamado, chegou silenciosamente ao aposento de


descanso do pai, uma saleta pequena que apesar de estar nos fundos da casa,
tinha uma localização privilegiada, de frente para o quintal, o que trazia uma

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brisa recheada de aromas frescos e que tornava o ambiente sempre acolhedor.


Decorada com certa simplicidade, tinha uma estante de livros, que acondicionava
obras literárias raras, e uma escrivaninha, que era usada única e exclusivamente
pelo Coronel para seus despachos. O cofre, sempre abarrotado, ficava na parede
acima da escrivaninha e atrás de um quadro que reproduzia o quintal, pintado e
presenteado por Zacheatto, um italiano que se hospedou uns tempos com a
família.

O garoto veio caminhando, pé e ante-pé, at é chegar o mais pr óximo que


podia e onde achava não incomodaria, mas poderia aferir, de olhar, o sono de
seu pai. Foi espichando o pescoço e agachando o corpo. Lambeu com o olhar a
face, onde parou nos lábios a medir o ressonar, depois no nariz acompanhando
a respiração e de repente, tal não é seu susto, quando se depara com os olhos
de Dom Antonino, abertos, a pescar-lhe os movimentos.

- Filho! Que deseja? Que sucede? Alguém murió? Foi a Senhora?

- Não pai.

- Entonces que se passa? Que barulhama é essa?

- É que lá na sala estão de comissão o doutor Justino, o padre In ácio, o


Zé Vela, o Primo de Totonho.

- Comissão?

- Sei lá, foi sua mulher que falou.

- Hum, se estão o prefeito, o juiz e o padre ent ão deve ser comitiva. E


pode ser coisa séria.

Ordena para servir a todos uma taça de leite gelado. Vou lavar-me e

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cambiar minhas roupas.

Isso dito levantou-se e imediatamente saiu em dire ção ao quarto que


ocupava na casa. O menino voltou em carreira para a sala para avisar e dar por
efeito as ordens do pai. Primeiro, falou a todos que seu Antonino se apeara da
poltrona e já se punha a trocar-se. E segundo, avisou a mulher de seu pai, que
o mesmo mandara servir leite gelado a todos.

– Gelado? Perguntou a dona.

- Gelado. Respondeu o garoto.

Com isso Dona Tiana se dirige para a cozinha e lá manda Inh á Ana
separar as taças para servir o leite às visitas como ordenara seu Antonino. Na
sala essas faziam pequenos comentários sobre os hábitos de sesta do Coronel.

Quando de lá da cozinha, vem na frente o som do arrastar dos chinelos de


Inhá Ana, carregando as taças de cristal fino. Adentra a sala e repousa a
bandeja, toda em prata decorada, sobre o aparador que ficava pr óximo a uma
das janelas. Logo atrás vinha de carreirinha Aninha filha de Inh á Ana, que
ajudava a mãe nos serviços da casa. Sua beleza mesti ça denunciava a todos
sua origem, diziam, era filha de um holand ês que por ali passara vendendo
sementes e implementos. Recebido pelo Coronel Antonino, hospedou-se com ele
por uns tempos, acabou sócio do próprio. Alguns meses depois de sua partida,
Inhá Ana paria menina Ana, que foi juntada pelo Coronel e criada com sua prole.

Logo atrás, Dona Tiana fiscalizava os eventos e as destrezas das


empregadas. Não se podia derramar uma gota que fosse fora da bandeja. O
desajeito era motivo de peleja e amofinamentos.

Todos já servidos de cálices de leite gelado, saciando-se da sede, quando

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aparece o Coronel. Era uma presen ça, em seus quase dois metros de altura
trajando, como de sempre, um terno de linho branco, sempre branco. A pele
clara e olhos azuis quase verdes denunciavam sua origem ib érica.

Mesmo já quase nos sessenta anos, sua pessoa impunha a todos o respeito
e a autoridade dantes. Sua chegada, na sala, provoca o rebuli ço de todos. V êm
os cumprimentos e saudações.

- Boas tardes dom Antonino, inaugurou, novamente, o padre Ign ácio.

- Tarde Coronel, emendou Zé Vela, aliado antigo e devedor de muitos


serviços e favores.

Tarde Coronel, repetiram um a um dos visitantes, o que seu Antonino


respondia com um leve assentimento de cabeça.

Findo o beija-mão procurou seu lugar de costume, e avistou Dona Tiana


empoleirada como de hábito. Parecia um pedr ês a guardar a propriedade do
dono. E foi só seus olhares se cruzarem para que ela de salto sa ísse do
assento e em movimento contínuo se postasse por detrás da poltrona. Esperou o
Coronel atravessar toda a sala, sentar-se, para pousar bem de leve a m ão
esquerda sobre o ombro direito dele. E ali ficou como uma ave de rapina a
espreitar os presentes, a proteger sua cria ou quem sabe sua presa.

- Buenas senhores, buliu seu Antonino, que os trazem aqui nessas horas?
Pelo tamanho da fila é coisa séria.

- Não é bem isso, anuiu o prefeito, na verdade é causa de justa apela ção.

- Si, mas entonces? Insistiu o Coronel.

- Bem, é de sabedura geral que o senhor é homem de intelig ência única,

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empenhado em todo tipo de projeto e desbravador de terras, al ém do que, é


pessoa muito benquista por todos aqui presentes, continuou o prefeito, e apesar
de não ser nascido aqui é mais patr ício do que muitos que t êm umbigo
enterrado nessas terras. Com esses dizeres o prefeito arrancou de todos uma
salva de palmas que imediatamente recebeu o olhar de censura de Dona Tiana.

- É isso mesmo, completou padre Ignácio, isso mesmo.

Enquanto ouvia, Dona Tiana ia apertando o ombro do marido, e conforme o


que diziam, se era de concordância aliviava as unhas, do contr ário, as apertava
ainda mais.

- Bueno, se era para me fazer elogios caro Primo recebo com gratid ão, e j á
me dou por satisfeito, entonces, podemos ter por encerrada a visita.

- Não, entrou no assunto o Dr. Justino e aos risos completou, que isso Seu
Antonino, ainda não é para despachar as gentes!

- No? Indagou seu Antonino.

- Pois é. É que o Primo falou de cora ção, o senhor sabe. Mas, o que nos
traz aqui, é que para hoje temos na câmara reunião deliberativa. E necessitamos
do senhor uma confirmação para uma demanda que pretendemos assumir.

- Si? Respondeu seu Antonino acudindo com a cabe ça.

- É que nossa cidade tem crescido muito, hoje j á somos l íderes na regi ão.
E, inclusive com sua ajuda, já temos a escola, o col égio das irm ãs e o clube
que já está no finzinho, emendou doutor Justino.

- Isso mesmo, as obras estão por findar-se, saiu declarando o prefeito.

- Si? Novamente seu Antonino repetindo o gesto com a cabe ça.

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- Mas falta ainda uma coisa que vai nos colocar no mapa do estado como
uma comunidade progressista, falou o vigário.

- Si? E entonces? Novamente seu Antonino acudindo com a cabe ça.

- Então o senhor não imagina do que se trata, insiste o padre.

- De dinheiro! Apelou Dona Tiana.

- Si... Emendou o Coronel.

- Não! Atinou o padre e arrematou, não se trata apenas de dinheiro, mas


principalmente do apoio. O que nós precisamos, Dom Antonino, é do seu apoio,
encerrou.

- Si, meu apoio, devolveu o Coronel.

- O que acontece é que estamos querendo construir um cine-teatro


municipal. E para isso precisamos do apoiamento do amigo, alegou Z é Vela.

- Cinema? Perguntou seu Antonino.

- Cinema! Desdenhou Dona Tiana.

- Cinema! Afirmou o padre, isso mesmo cinema! Precisamos acompanhar o


progresso, toda cidade moderna tem um cinema e precisamos do nosso.

- E donde pensam os senhores plantar isso? Insiste a perguntar seu


Antonino

- No largo, do lado da igreja. Respondeu doutor Justino.

- Mas lá é de Durval. Retrucou seu Antonino.

- Pois é, e a reunião na câmara é justo para desapropriar o local. Falou


Primo de Totonho.

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- Mas vocês avisaram o Durval disso? Perguntou com um sorriso de lado o


Coronel.

- Como assim? Falou sem pensar o Zé Vela.

- Ora, o Durval concorda? Ele é tinhoso e avesso a essas modernices,


explicou Dom Antonino.

- Mas essa é umas razões que precisamos de seu apoio, emendou doutor
Justino.

- É fato que sabedor de seu apoiamento, ele não vai botar embargo no
intento da comunidade, reforçou o prefeito Primo.

- Si... Meu apoiamento... Durval... Divagou por uns tempos o Coronel, como
que a abrir as portas de suas memórias, e por à tona algumas lembran ças.

Quanto a Durval Peregrino era personagem antiga nas vidas da maioria dos
presentes. Desde cedo se pôs de picardia, às vezes, ou de ambi ção, na maioria,
contra os interesses dos outros. Era inimigo bravo e de certo ponto cruel.
Submetia seus interesses a todos, e muitos se viam ref éns de sua brutalidade.
Era sabido que Coronel Antonino e o Durval cultivavam diferen ças antigas,
começou sabe-se lá quando, mas o porquê, por certo, foi alguns dos muitos
abusos de Durval, quando ainda eram vizinhos. E aquilo que era apenas
desavença virou perseguição, mudou-se para política, e se instalou como destrato.
Mas a coisa desandou mesmo há exatos dez anos, antes do acontecido, quando
culminou em encontro derradeiro entre os dois e selou-se a tiros um acordo. A
destreza com armas de fogo e a frieza do Coronel o fez, mais uma vez,
vencedor. Certeiro, deitou em Durval dois bala ços, um no alto do peito e o outro
no joelho direito. Caído esparramado no ch ão, esse viu o Coronel se aproximar

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lentamente, se ajoelhar e em pé de ouvido propor acordo. Oferecia-lhe seu


respeito como combatente e sugeria dois caminhos. O primeiro, clem ência. Deix á-
lo-ia viver, mas daquele dia em diante lhe era devedor para sempre. O segundo,
misericórdia. Metia-lhe, ali mesmo, mais um certeiro no meio das fu ças e
abreviava-lhe o encontro com o Justo. Descobriu-se ali, mais uma faceta do
caráter de Durval. Esse para não perder o valor da vida, selou de pronto acordo,
e suplicou aos berros por clemência. Isso repetidas vezes. Desde ent ão se
manteve amansado deixando de lado as pelejas injustas nas quais se metia.

- É sabido que a única pessoa viva a quem ele deve respeito é o senhor.
Confirmou padre Inácio.

- Si, e só? Tentou encerrar ali seu Antonino.

- Claro que não Coronel, além do aprovamento para a desapropria ção,


precisamos que o senhor abra a lista de doa ção. Respondeu imediatamente o
juiz.

- É certo, entrou o padre, os outros vendo que o senhor firmou aporte,


todos vão acompanhar e aí é causa ganha.

- Eu sabia, espetou Dona Tiana, e para quantas vai essa assinatura?

- Que isso, minha filha, não se aflija por detalhes, é coisa pouca algo em
torno de cem contos. Defendeu-se o prefeito.

- O quê? O senhor prefeito perdeu o ju ízo, cem contos? Aturdiu Dona


Tiana, já no seu tom e meio.

- Si, interpôs Coronel Antonino, mas segue o enterro, meu caro, isso deve
ter um fim.

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- E não pode ser menos, que é para mostrar a todos a lideran ça de Dom
Antonino, com ele abrindo a lista com esse aporte, n ão h á ningu ém que tenha
coragem de negar menos que isso, arrematou doutor Justino.

- Aí nossa empresa é fadada ao sucesso, completou o prefeito.

- E teremos o mais bonito cine-teatro da região, disse o padre.

- Quem sabe do estado, levantou Zé Vela.

- Do Brasil! Completou com ufanismo o prefeito.

Dona Tiana ouvia as declaratórias e a cada uma apertava as unhas no


ombro de seu marido, a ponto do mesmo ter que lhe cortar o movimento com
olhar de severidade.

- O que me diz então, Dom Antonino? Perguntou o vigário.

- É, o que tem a dizer? Enfatizou doutor Justino.

- Pelo amor de Deus, meu marido, diga alguma coisa, insiste Dona Tiana.

- Si... Dom Antonino faz uma pausa e continua, é do saber de todos que
Durval não se mete mais a pelear comigo. Quanto a isso podem dar por garantia
minha palavra, e avisem a ele, que abono a desapropria ção. Melhor ainda,
pensando bem, ele pode fazer é uma doa ção. É isso mesmo, digam a ele que
preciso que doe o tal terreno para a constru ção do cine-teatro. E que se veja
depois com o prejuízo.

Ouve-se, então, na sala um viva uníssono acompanhado de uma demorada


salva de palmas.

A esposa do Coronel já estava empalidecida.

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- Bravo! Bravo, Coronel! Repetia o juiz.

- E quanto à lista, impõe novamente uma longa pausa e depois continua,


acho que cem contos é pouco. Cerrou os punhos, e bateu com eles nos bra ços
da poltrona.

- Meu Deus! Disse definhando Dona Tiana, que nessa hora sentiu sua alma
fugir-lhe do corpo.

- Como é Coronel? Pergunta o padre.

- Estou aqui a pensar e entendo que cem contos não d ão para nada. Quem
sabe não seria melhor que os senhores empreendessem da seguinte maneira.
Primeiro, vocês têm todo meu apoio na questão com o Durval. Segundo, assumo
compromisso com todos os presentes e dou meu aval no recolhimento de fundos
para o início das obras. E terceiro, proponho a voc ês darem a andar de tudo.
Façam o projeto, a fundação, a alvenaria e o telhado, isso pronto, eu assumo.

- Como assim? Perguntou com surpresa novamente o padre.

- Jesus! Desesperou-se Dona Tiana.

- Calma... Calma... Senhora Tiana, conduziu o Coronel, o que eu estou


falando é que a cidade merece mais. Aprovo todo o esfor ço dos senhores e
empenho minha solidariedade à sua demanda. Agora, gostaria de dar mais, por
isso me comprometo com os senhores, que me entregando a alvenaria e o
telhado prontos, mando vir, de imediato, do Rio de Janeiro oficiais portugueses
para dar fins aos acabamentos.

- Minha nossa! Interrompeu o padre, que já era pura excita ção.

- Minha nossa! Repetiu desesperada Dona Tiana.

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- Gente, deixa o Coronel falar. Chamou atenção o prefeito Primo.

- Pois não é, continuou seu Antonino, quero acabamento de finos tratos,


coisa de europas, bem barroca, com toda aquela firula. Tapetes, poltronas,
assoalhos e pinturas.

- Não acredito. Já quase sem voz, insiste incrédula Dona Tiana.

- Mas acredite e mais, faço questão, sentenciou o Coronel repetindo o gesto


dos punhos.

- Mas... Quanto vai custar tudo isso? Já sem sentir as pernas tentou
indagar a esposa.

- E me importo... Pago o que for preciso, que seja quatrocentos, quinhentos,


setecentos ou mesmo novecentos contos, seja o que for preciso, eu cumpro.

- Mas que alegria! Dom Antonino, que alegria! Repetia o vig ário.

- Esse é o homem! Esse é meu Coronel, fechou questão doutor Justino.

- Vamos colocar o nome do Coronel no edifício, sugeriu o prefeito.

- De jeito nenhum, empacou Dom Antonino, n ão quero agrado, se for por


esse caminho não dou nada. Batiza com o seu nome Primo, sugeriu.

O prefeito Primo não cabia em si de tanta alegria.

– Era o mínimo que podíamos esperar de pessoa tão ilustre.

- Pois entonces, façam como estou falando. Vão até a câmara e deem a
andar as cousas. Avisem a Durval de meu intento. E podem levar a todos meu
compromisso.

- Pois então está dito Coronel, vamos agora. Levantou-se o prefeito. E de

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pé, pôs-se diante da cadeira ocupada por seu Antonino, e fez-lhe refer ência com
a cabeça.

O que o Coronel respondeu com o mesmo movimento. Logo, os outros lhe


seguiram o movimento e depois de todos passarem diante de sua cadeira Dom
Antonino colocou-se de pé. E ordenou que Dona Tiana acompanhasse as visitas
até a porta. O que ela assentiu imediatamente, e meio tonta ainda, saiu
encabeçando a fila, abriu a porta, se colocou de lado e conferiu a sa ída de um
a um até o último.

Depois disso cerrou a porta, travou os dentes e se encaminhou em dire ção


ao marido que já se sentara novamente, e era servido pelo filho de um c álice de
leite gelado. Entrou sala adentro em respira ção única, e de uma vezada desabou
sobre seu Antonino toda sua ira.

- O senhor meu marido por acaso enlouqueceu? O senhor sabe com o que
se comprometeu? Por acaso tem bebido às escondidas?

A cada frase, as faces se avermelhavam, as veias do pesco ço j á estavam a


quase um dedo e brotava-lhe dos cantos da boca uma espuma branca. O
quadro, de modo geral, era de assustar. Respirou fundo e continuou.

- Me diga senhor Antonino como pode me empenhar essa fortuna, pois se


eles queriam apenas cem contos, que lhes desse os cem contos! Agora o que
temos? O senhor meu marido se compromete em quinhentos contos! Ou sabe lá
Deus quanto! Meu Deus o que é isso? Enlouqueceu? Disse isso j á nas pontas
dos pés, com os cabelos eriçados e desgrenhados, a imagem era de uma
ariranha a preparar-se ao ataque.

O Coronel, por sua vez, ouvia os grunhidos de Dona Tiana com um sorriso

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de canto, como que se divertisse com a rea ção dela. É claro que a conhecia a
tal ponto de não esperar dela atitude diferente. Por isso fitava a mulher como a
esperar uma síncope. Depois de deleitar-se com a rea ção de sua esposa, seu
Antonino, interveio com a mão. O que provocou de sua senhora imediata rea ção
de silêncio.

- Chega Senhora, já basta, não entendo sua rea ção. N ão v ê que ao inv és
de gastar cem contos, economizei. Por acaso a senhora acredita que eles v ão
passar do alicerce. Parece não conhecê-los. O que é isso. Acha mesmo que
algum dia conseguirão erguer alguma coisa. Pois, diferente do que a senhora
está aí a cuspir, não só conservei meus contos como ainda buli com o coisa
ruim do Durval Peregrino, fora o prazer de ver a senhora sapatear e se espumar
toda. Pode ter coisa melhor?

E encerrou o susto da mulher com uma boa gargalhada, um gole bom e


farto de leite gelado.

Pois não é que até seu desenlace, o que demorou mais de trinta anos, o
cine-teatro não passava de um mal acabado alicerce.

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