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O QUE SÃO LIMITES E PARA QUE SERVEM?
A palavra limite se origina do latim limes, que significa fronteira, sulco,
demarcação entre dois campos. Portanto limitar é criar demarcações,
fronteiras, sejam elas físicas, de espaços ou mesmo de atitudes,
comportamentos ou períodos de tempo.
Por isso a Natureza, sábia que é, protege o bebê limitando seu movi-
mento. E por alguns meses ele só poderá permanecer deitado. Ele está
limitado para seu próprio bem.
Como vemos, não pode haver vida estruturada sem limites. E através
dos limites a vida não apenas flui, mas cria e recria. Pois certamente
muitas das maiores invenções humanas só ocorreram porque em certos
dias nos vimos limitados e necessitamos criar uma outra forma de ser ou
de agir para contornar certos limites.
A partir disso não é difícil concluir que os limites são realmente neces-
sários e que precisamos deles para viver. Se toda a natureza precisa de
limites, com as crianças não será diferente.
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Crianças que tiveram experiências esporádicas, contraditórias ou confu-
sas com limites, apresentam mais tarde dificuldades para captar as regras,
como se tivessem uma rede mal tecida (WILD, 2006).
Quando os pais dizem tal coisa, significa que estão esperando uma solu-
ção imediata, rápida. Porém muito poucas coisas na educação do ser
humano (ou quase nenhuma) acontecem de forma imediata e rápida.
Saber disso nos tranquiliza, pois aplicaremos os limites com mais paci-
ência e tolerância, sem nutrir falsas expectativas, sem esperar algo que
naquele momento a criança ainda não está pronta para oferecer.
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passe tinta nos cobertores. Ou quando o pai é incisivo à beira da calça-
da e proíbe a criança de dar qualquer passo sozinha, pois carros estão
passando e desobedecer a esse limite poderia ter o preço de uma vida.
Isso é óbvio, pois na cozinha haverá tomadas, facas e outros objetos cor-
tantes e pesados, perigosos. Nesse caso, o problema não está nos limites
e na forma de empregá-los, mas sim no ambiente que é inadequado.
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Já discutimos que a vida envolve limites, mas a vida não é, e não pode ser,
somente limitações! Quando digo para a criança que não pode fazer tal
coisa, naturalmente devo apontar o que ela pode fazer. Se lhe nego uma
possibilidade, preciso lhe oferecer outra.
Além disso, os limites não podem ser aplicados como receitas prontas. Em
cada etapa de seu desenvolvimento a criança possui certas necessidades
essenciais, além de uma forma de linguagem específica, que deve ser bem
compreendida para que possamos auxiliá-la em seu processo educacional.
No caso dos bebês de 0 a 1 ano, muitos limites precisam ser dados pelo
espaço físico. Com isso queremos dizer que não será efetivo pedir que
um bebê não engatinhe para além de certo espaço argumentando que
é perigoso.
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E saber que frases musicais, com tonalidades enfáticas, farão melhor
efeito do que longas explicações em tom de voz linear.
Nessa hora o pai se aproxima e diz: “Filho, você não pode puxar esse fio.
Se fizer isso, o computador do papai, que é muito caro, vai cair no chão.
Vai quebrar. O papai vai ficar triste. E depois o papai vai ficar muito chate-
ado com você. Então que tal soltarmos o fio?”
Essa é uma descrição clara de como não devemos proceder com uma
criança dessa faixa etária. Esse tipo de explicação não é devidamente
compreendida por uma criança tão jovem, pois suas capacidades mentais
e de linguagem ainda estão se desenvolvendo.
No caso desse exemplo, caberia ao pai ser incisivo, dizendo o clássico
Mas não vamos falar essas frases. Vamos codificar essa mensagem em
uma expressão simples, curta e sonora, que a criança poderá enten-
der. Quer dizer que podemos passar uma mensagem muito precisa para
essa criança, mas a forma deverá ser apropriada.
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limites x regras
Confundir limites e regras pode trazer muitos problemas. Por
isso precisamos entender a diferença entre um e outro. Os limi-
tes são incisivos, são impostos, são inegociáveis e inflexíveis.
Por outro lado, as regras são criações humanas. São os chamados “com-
binados”. E um combinado pode ser desfeito, assim como foi feito. Basta
querermos entrar em um acordo. As regras envolvem um conteúdo inte-
lectual, uma explicação. E elas podem ser mais ou menos elásticas.
Por exemplo, posso combinar com meu filho uma regra de que não se
Por isso, os melhores sistemas para ensinar as regras e como lidar com
elas são os jogos. Pois falar de jogo é falar de regra. Não existe jogo
sem regras, pois são elas que permitem ao jogo funcionar, ser compre-
endido, e ter o sabor de alegria e diversão que lhe caracterizam.
É muito negativo quando o adulto combina uma regra com uma crian-
ça, exige que ela seja cumprida, mas ele é o primeiro a desobedecê-la.
Devemos lembrar que não há educação mais eficiente que o exemplo do
adulto para a criança. O que falamos tem valor, mas o que fazemos tem
ainda mais.
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Depois de uma saudável experiência com os limites, de construir as
primeiras regras e aprender a segui-las, de incluí-las em seus jogos, a
criança passa para uma terceira fase: a do jogo em que ela agora não
só segue regras, mas aprende a criá-las e a fazer experiências com elas.
limites x preconceitos
autoritarismo e marcas negativas na infância
Uma importante barreira a ser transposta para que consigamos êxito
São também os limites que demarcam o “eu” da criança, onde ele come-
ça e onde termina, assim como assinalam onde começa e termina o “eu”
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do outro. Os limites são então fundamentais para a liberdade, para o
autoconhecimento e para a convivência humana.
Dar limites é um gesto de amor tão profundo, pois é capaz de levar uma
mãe com vontade de sorrir, a fechar o rosto para mostrar ao seu filho
quando ele agiu mal e com isso educá-lo.
Porém não devemos confundir firmeza com atitudes rígidas, nem com
emoções como a raiva. Ser firme é não negociar, porque há coisas que
não podem ser negociadas. Não há negociação possível para atraves-
sar uma rua com automóveis passando em alta velocidade.
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agir, para brincar, para viver, pois os limites lhe comunicam claramente o
espaço-tempo no qual pode ficar tranquila para se desenvolver.
Por isso em primeiro lugar devemos saber que essa será uma dificulda-
de a ser enfrentada. E devemos ser capazes de perceber quando esta-
mos deixando o instinto falar mais alto do que o dever de educar.
Por isso a primeira regra para lidar com nossa instabilidade emocional
frente as nossas crianças, é sermos capazes de escolher outro momen-
to para trabalhar os limites, quando estejamos em melhores condições
internas. Nossas emoções são não apenas sentidas, mas absorvidas pelas
crianças. Por isso devemos reservar a elas nossas melhores emoções.
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//Contrapor amor e limites
Outro erro é alegar que não se quer dar limites por amor às crianças. A
questão aqui é justamente o contrário: é justamente porque amamos
nossas crianças que devemos dar limites a elas.
Que gesto maior de amor podemos ter do que ensinar nossas crianças
a viver nesse mundo, ensinando-as a se proteger dos muitos perigos e
conhecendo suas leis? Só alguém que ama profundamente uma criança
pode lhe dar limites.
A maior prova que podemos ter disso, é que quando somos firmes nos
limites, as crianças nos retribuem com um carinho cada vez maior, pois
sentem-se protegidas perto de nós. Sabem, de forma profunda, que
estamos cuidando de suas vidas, e a seu modo, são gratas por isso.
Nosso rosto pode estar sério, como um saudável tetro que fazemos
para impor limites a uma atitude negativa da criança. Mas internamente
estamos sorrindo. Essa é a imagem que devemos ter ao dar limites.
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Por isso é fundamental que aprendamos a olhar para nossas crianças.
Mas deverá ser um olhar com profundidade, com interesse, com aten-
ção dedicada, pois somente assim poderemos conhecer as necessida-
des reais de cada criança e encontrar a forma correta de dar limites a ela.
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PALAVRAS FINAIS
O assunto dos limites é longo, envolve particularidades como em rela-
ção a cada idade e fatos específicos da vida de cada criança, de cada
família ou de cada escola. Por isso não é tarefa simples atender as
necessidades precisas de cada pai e mãe com seus filhos ou de cada
educador com sua turma de alunos.
É nisso que acreditamos e é isso o que sonhamos com esse texto. Que-
remos que ele seja uma semente a ser plantada no coração de cada
adulto que educa uma criança, para que germine e torne-se uma árvore
de bons frutos humanos.
REFERÊNCIAS
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Roger
Hansen
É Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Pesquisador da infância há quase 15 anos, iniciou sua
carreira como professor universitário e posteriormente dedicou-se ao
desenvolvimento da Pedagogia Florença. Roger é Diretor do Colégio
Acadêmico Florença, que atende crianças de 0 a 6 anos. Em paralelo
segue conduzindo seus estudos e pesquisas sempre aliados a uma
profunda experiência prática, em contato direto com as crianças e
educadores. Nos últimos anos tem ministrado cursos e palestras em
várias partes do país sobre o tema da Educação na Primeira Infância. É
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