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O documento discute como questões não resolvidas dos ancestrais podem influenciar as gerações futuras de forma inconsciente através da herança psíquica. Jung acreditava que indivíduos podem sentir a necessidade de responder perguntas que seus ancestrais deixaram sem resposta. O texto explora como experiências arquetípicas com os ancestrais podem promover transformação pessoal e reconciliação com as ambivalências inerentes à natureza humana.
O documento discute como questões não resolvidas dos ancestrais podem influenciar as gerações futuras de forma inconsciente através da herança psíquica. Jung acreditava que indivíduos podem sentir a necessidade de responder perguntas que seus ancestrais deixaram sem resposta. O texto explora como experiências arquetípicas com os ancestrais podem promover transformação pessoal e reconciliação com as ambivalências inerentes à natureza humana.
O documento discute como questões não resolvidas dos ancestrais podem influenciar as gerações futuras de forma inconsciente através da herança psíquica. Jung acreditava que indivíduos podem sentir a necessidade de responder perguntas que seus ancestrais deixaram sem resposta. O texto explora como experiências arquetípicas com os ancestrais podem promover transformação pessoal e reconciliação com as ambivalências inerentes à natureza humana.
Mestre em Psicologia – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Resumo
O objeto de nosso estudo é o legado psíquico, ou seja, o quanto que o sujeito em
seu modus vivendi está à mercê de comportamentos e sintomas que em sua origem supõe-se a conexão com padrões ancestrais não elaborados e que se movem com desenvoltura em zonas obscuras da psique. O desafio que nos propomos é o de estudar o quanto que questões existenciais prementes, estejam elas fundamentadas ou não em traumas, lutos ou segredos, afetaram a vida ancestral e que na descendência reverberaram no psíquico como uma necessidade imperiosa de uma resposta.
Começaremos apontando um trecho onde Jung se refere à questão proposta:
enquanto trabalhava em minha árvore genealógica, compreendi a estranha
comunhão dos destinos que me ligava aos antepassados. Tenho a forte impressão de estar sob a influência de coisas e problemas que foram deixados incompletos e sem resposta por parte dos meus pais, avós e de outros antepassados.[...] Sempre pensei que teria de responder questões que o destino já propusera a meus antepassados, sem que lhes houvessem dado qualquer resposta; ou melhor, que deveria terminar, ou simplesmente prosseguir, tratando de problemas que as épocas anteriores haviam deixado em suspenso. (JUNG, 1990, p. 216)
Em outras palavras, questões prementes parecem ter sido formuladas pelo
espírito do tempo e cujas respostas ainda se encontram pendentes e se impõem à personalidade como um dever ético. A religiosidade era uma atmosfera sempre presente na vida de Jung, haja vista que sua família tinha representantes desse viés; por parte de mãe haviam seis pastores protestantes; igualmente também o eram seu pai e dois tios. Era comum Jung interpelar seu pai em busca de respostas à perguntas de cunho religioso. Jung percebia seu pai como um homem aderente a dogmas e crenças em detrimento do enfrentamento às suas dúvidas religiosas pela experimentação imediata. O contraditório era uma ameaça e a desestabilização provocada por tamanha tensão o fez ceder à tentação de voltar as costas para o desafio e o confronto, acabando por penalizar o indivíduo e a sua descendência. A perspectiva de uma psicologia transgeracional é ousada na medida em que sugere um continuum psíquico entre as gerações e que por motivos vários seus representantes se viram limitados em perseverar na solução daquelas questões prementes. A proposta junguiana contempla ainda outras irreverências, a saber: o caráter histórico da psique e a atualidade da ancestralidade, fundamentadas nos conceitos de inconsciente coletivo, arquétipo e energia psíquica. Não queremos com isso dizer que estamos agrilhoados em modo definitivo a circunstâncias passadas mas sim que ao nos reconectarmos com a dinâmica que nos antecedeu é possivel compreender demandas inconscientes e liberar, a partir disso, um quantum energético ao sistema psíquico de tal forma a possibilitar futuros investimentos em searas mais criativas. Mas de que forma poderemos identificar em nós uma demanda premente? Uma das possibilidades é o desencontro entre um fundamento pessoal e as exigências da persona coletiva; outra possibilidade é o sentimento de que temos uma missão, um destino a ser cumprido e perceber que estamos distantes de sua realização; outra, é olhar para a nossa história e percebermos que ela gira com frequência em torno de um tema central sem que haja um movimento que representasse a sua solução; de igual modo a insatisfação constante com as escolhas realizadas. Importa aqui neste momento perceber é que as necessidades temporárias se aplacam uma vez satisfeitas, diferentes do desejo da alma que é um sentimento persistente de que a trajetória até então percorrida está a exigir um ponto de inflexão e, portanto, uma revisão tal que viabilize uma mudança de atitude. O termo “transgeracional” tem uma característica que devemos ressaltar: a subversão do tempo e do espaço. Tendemos a pensar que o que se encontra no passado é algo findo, tanto temporal quanto espacialmente. Este fato nos permite destacar a relevância do estudo da transmissão dos conteúdos psíquicos através das gerações justamente pelo seu caráter autônomo assim como o quanto sua dinâmica representa uma ruptura com o constructo causal. O que pretendemos com esta reflexão é ressaltar que existe uma lei que não se preocupa com valores e costumes instituídos mas sim com os valores espirituais e que a natureza se faz presente inexoravelmente. Um exemplo emblemático se encontra na gênese do Septem sermones ad mortuos. Segundo Jung (1990, p. 177), nessa época e depois, sempre com maior clareza, os mortos me apareceram como portadores das vozes do que ainda não tem resposta, do que ainda não tem solução ou remissão. As questões às quais eu devia dar uma resposta, mediante meu destino, não me abordavam do exterior, mas provinham precisamente do mundo interior. Por isso, as conversações com os mortos, os Septem sermones constituem uma espécie de prelúdio àquilo que eu devia comunicar ao mundo acerca do inconsciente, uma espécie de esquema ordenador e uma interpretação dos conteúdos gerais do inconsciente.
Em outras palavras, o que chamamos no início de demanda premente se
configura aqui de forma experiencial. A vívida experiência interior se densifica, torna- se viva e concreta a ponto de ser percebida sensorialmente. A intensidade com que estas experiências foram impostas a Jung pareceu exigir que algo fosse feito a respeito, como um desígnio, como um reconhecimento de que o obscuro e o bruto devessem dar lugar a um processo de aprimoramento, inicialmente de caráter pessoal mas com consequências e reverberações para o coletivo. A vivência do coletivo o trazemos da ancestralidade familiar, ou seja, é possível pensar em nossa própria multiplicidade a partir do legado ancestral; em nós reside a história da família que, por sua vez, traz em si o legado da coletividade e de toda a história ancestral do homem. Mas, a palavra “ancestral” remete ao antigo e mesmo ao esquecido; remete ao longínquo e mesmo ao sombrio pois suas raízes estão demasiado profundas para serem acessíveis. No entanto, inacessível não significa inoperante. O encontro do homem exterior com o homem interior passa pelo diálogo com as imagens e isto significa torná-las potentes no viver das pessoas. As aquisições da ancestralidade e seu desafio na elaboração simbólica das mesmas passam à descendência como demanda inconsciente expressa pelos desafios persistentes da geração presente. Para confrontá-los, faz-se premente o mergulho em si mesmo para que seja possível capturar aquela demanda em termos da expressão no indivíduo hoje. Tenhamos em mente que o material que se configurou no presente como material ancestral-familiar possui natureza arquetípica uma vez que a experiência ancestral é um representante imagético das matrizes energéticas do inconsciente coletivo. Segundo Jung (1991, p. 31), quando, mediante a exploração do inconsciente, a consciência se aproxima do arquétipo, o indivíduo é confrontado com a contradição abissal da natureza humana, o que lhe proporciona uma experiência imediata da luz e da treva, do Cristo e do demônio.
Em outras palavras, o material ancestral antes afeito apenas ao cenário
familiar agora se aproxima da história universal do homem trazendo as ambivalências que lhe são inerentes. E, como a experiência de Jung o atesta, o desafio de conhecer-se passa pelo encontro com a própria sombra, terreno este carregado de incertezas não só porque devemos entrar em contato com uma história personal desconhecida mas também por essa mesma história em seu caráter arquetípico representar igualmente um desafio humano. A experiência arquetípica é uma experiência reconciliatória, pelo menos em sua proposta; isto é, “como regra geral, o ponto de vista do inconsciente é compensatório em relação à atitude consciente”. (JUNG, 2007, p. 45). Sua aparição ao indivíduo, portanto, tem esse sentido reconciliador e transformador. Por isso mesmo, Jung (2007) vai trazer o conceito de “arquétipos de transformação”, ou seja, o processo de experiência com os arquétipos surge como “personalidades atuantes em sonhos e fantasias”. Mas elas não são propriamente personalidades, “[...] mas sim situações típicas, lugares, meios, caminhos, etc., simbolizando cada qual um tipo de transformação”. (JUNG, 2007, p. 47). Ainda, segundo Jung (2007, p. 58), há tantos arquétipos quantas situações típicas na vida. Intermináveis repetições imprimiram essas experiências na constituição psíquica, não sob a forma de imagens preenchidas de um conteúdo, mas precipuamente apenas formas sem conteúdo, representando a mera possibilidade de um determinado tipo de percepção ou ação. Quando algo ocorre na vida que corresponde a um arquétipo, esse é ativado e surge uma compulsão que se impõe a modo de uma reação instintiva contra toda razão e vontade, ou produz um conflito de dimensões eventualmente patológicas, isto é, uma neurose.
Como não é possível estabelecer de que forma, com que intensidade e
quando estas experiências ocorrerão já que são considerados processos naturais e, portanto, não podem ser precipitados ou provocados de acordo com uma técnica específica, é fundamental que tais conteúdos possam ser integrados à consciência e seguidos de uma ação correspondente. Quando anteriormente falamos sobre a ancestralidade que está em nós, não nos é possível deixar de lado uma outra fala conexa mas que soa bastante irreverente: os mortos habitam em nós. Nas diversas culturas, as referências aos mortos são uma constante quer seja sob a forma ritualística, mítica, imagética ou bibliográfica. Parece existir uma demanda íntima de diálogo com os mortos como uma forma de respeito ao seu legado e sabedoria ou mesmo por temor à sua presença entre os vivos já que a esta dimensão não pertencem mais. Segundo uma reflexão da filosofia Seicho No Ie: “a Vida de todo ser humano está ligada aos antepassados, se não agradecermos às raízes da Vida, seremos como a flor amputada do caule: por mais que seja bela e vistosa, logo murchará e secará”. E é justamente a desconexão com as raízes que Jung vai com frequência nos alertar ao longo das Obras Completas. Para a dinâmica contemporânea nossas raízes estão apenas em museus e livros de história, não estão em nós e em nada nos afeta. Infelizmente a patologização acaba sendo uma estratégia compensatória à este viés unilateral, debitando à saude mental a negligência com os nossos fundamentos arquetípicos. A necessidade dos povos em compreender e dar sentido aos fenômenos vivenciados individual ou coletivamente viabilizou a construção de diversos sistemas de crenças que puderam preservar a conexão com aquelas experiências, dentre elas o sagrado e a crença na vida post mortem. Em que pese a proposta do presente trabalho, trazer à tona temas como a reencarnação e a memória de vidas passadas significa levar em conta a milenar esperança do humano com relação à imortalidade da alma. Estes temas, normalmente afeitos a crenças religiosas e ao oculto, têm seu lugar na dinâmica psíquica humana e, portanto, passíveis de consideração na abordagem psicológica. Ainda que pairem a descrença e o ceticismo, ignorar o relato dessas experiências nos afastam de um material empírico que pode contribuir para a compreensão da nossa herança psíquica fora da concretude da ancestralidade. É a possibilidade de conferir um caráter multidimensional e multivivencial à experiência humana e que representa um desafio tendo em vista a premência contemporânea em tudo limitar, quantificar e reduzir. No presente escopo, as questões inacabadas da alma se associam a algum tipo de conflito. Conflitos morais e dúvidas angustiantes pertencem ao existir do homem. Talvez o raciocínio inverso possa ser igualmente verdadeiro, isto é, a existência traz em seu bojo as dúvidas e os conflitos morais. Assumir um posicionamento frente à vida a partir de uma crença não respaldada pela experiência é uma tentativa inócua de evitar que seus fundamentos existenciais sejam expostos à dúvida. O desencontro entre o que somos e o que deveríamos ser se constitui no cerne do comportamento neurótico; e este desencontro se manifesta sob a forma de reações emocionais extremadas ou desproporcionais frente a uma determinada experiência e que, ao final, repercurtirão em comportamentos que estão associados a estes estados afetivos. A repetição de determinados padrões ao longo das gerações permite perceber que na trajetória ancestral familiar existe um conflito básico cuja solução ainda se encontra pendente; a dinâmica inconsciente revela o caráter energético dos complexos familiares reforçados por práticas, comportamentos e afetos que sustentam as representações simbólicas de um conflito que mesmo sendo patologizador mantém coesa a cultura familiar. Além disso, o imaginário coletivo com seu sistema de crenças e valores entrando em conexão com os sistemas familiares permite que este mecanismo atávico patologizador seja perpetuado e transmitido à descendência. No entanto, nem tudo se resume ao pathos. Ainda que sob a influência inicial destes eflúvios neuróticos limitantes, é possível resistir e percorrer um outro caminho. E este caminho passa pela identificação e ruptura de alianças inconscientes perpetuadas através das gerações viabilizando uma estruturação psíquica familiar em novas bases. Vejamos esta reflexão: quando se leva em conta a existência de um estrato mais profundo da psique, teremos que admitir que, nas sagas familiares, existe um padrão arquetípico, que age como uma espécie de inteligência operativa, provocando crises e sofrimento aos membros familiares, mas que se orienta para algum ponto. Essa espécie de inteligência é um complexo autônomo operante, cujo centro é sempre um arquétipo e, como a linguagem do inconsciente é uma linguagem mítica, o conhecimento do mito será um recurso muito importante para a compreensão dos padrões arquetípicos atuantes nos dramas familiares que passam de geração em geração. (GORRESIO, 2005, p. 168).
O arquétipo em sua energética é bipolar e como consequência da reflexão
acima é importante perceber que mito temos vivido a partir da herança que recebemos: heróis ou vítimas ? Para responder a esta questão, a medida que as considerações aqui acontecem me ocorreu uma palavra que não havia capturado no começo deste trabalho: chama-se redenção. O significado deste termo se encontra alicerçado em temas recorrentes1: libertação, reabilitação, reparo e salvação. É o ato de adquirir de novo, de resgatar, de tirar do poder alheio, do cativeiro. A dinâmica da herança ancestral que coloca para o indivíduo a premência de uma resposta ou atitude o localiza, por estas definições, em mitos vitimizadores – isto é, relacionados ao termo “vítima”, em latim victimia ou victus que significa vencido ou dominado. Em nosso contexto, esse sentido de vitimização aparece dada a dificuldade e às vezes mesmo a impossibilidade de sair da tensão provocada pela ambivalência do arquétipo. O sofrimento imposto à alma acontece em função justamente do desencontro entre aquilo que existe e o porvir. As alianças inconscientes com o passado cobram sua fidelidade e ao mesmo tempo, compensatoriamente, exigem a sua ruptura. A redenção surge aqui significando “a salvação da alma” por propor a libertação de toda esta tensão provocada por afetos discordantes. Relembremos a primeira linha do Septem Sermomes ad Mortuos: “os mortos voltaram de Jerusalém, onde não encontraram o que procuravam. Pediram-me guarita e imploraram que lhes falasse. Assim comecei a ensinar”. (JUNG, 1990, p. 347). Esta imagem tão significativa nos leva de volta a um passado longínquo no qual os arquétipos do inconsciente coletivo foram ativados por um Zeitgeist que instava a releitura das letras mortas dos codex religiosos. Esta dinâmica compensatória patrocinada pelo Self apontava para a premência da dissolução de cristalizações dogmáticas para que a emergência de novos sentidos fosse possível. Aliás, poderíamos pensar na redenção justamente na possibilidade de uma nova relação de significados entre o indivíduo e o universo e com isso favorecendo a reversão de uma energética vitimizadora para um modelo empreendedor heróico. Compreendemos o termo “heróico” não no sentido arrivista, ufanista e desconectado da alma. Estamos nos referindo ao herói trágico que não se isenta dos conflitos, da tragédia existencial configurada pela tensão entre destino e vontade. E, por essa proposta, os mortos voltaram de Jerusalém: para poderem realizarem em si mesmos a proposta da individuação.
1 Em http://www.significados.com.br/redencao/, acessado em 27.08.2015 REFERÊNCIAS
GORRESIO, Zilda M.P.. Os pressupostos míticos de C.G.Jung na leitura do destino
– Moîra. São Paulo: Annablume (2005) JUNG, C. G. Memórias, sonhos e reflexões. São Paulo: Nova Fronteira (1990) JUNG, C. G. Psicologia e alquimia. Petrópolis: Vozes (1991) JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes (2007)
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