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A Bíblia é o livro da redenção que esclarece ao homem como reconciliar-se com Deus
através de Jesus Cristo. Verdadeiramente é o “Livro dos livros”, o maior livro do mundo!
Capítulo 1
HISTÓRIA E ESTRUTURA
1.1 Introdução
Apesar de ser um dos livros mais antigos da humanidade, a Bíblia ainda é um best-seller
mundial. A espantosa atualidade dos seus temas, a originalidade de suas ideias, a coerência
ética dos seus conselhos, as experiências particulares que cada pessoa tem ao lê-la, a influên-
cia na história da humanidade, a irrefutabilidade científica, a ausência de contradições entre os
seus sessenta e seis livros são características que fazem da Bíblia um livro singular.
Ela é o livro do cristianismo! Toda a doutrina cristã está, de maneira plena e suficiente,
revelada por meio da Bíblia, não cabendo alterações, acréscimos ou retiradas de qualquer pa-
lavra ou trecho dos livros que a compõem. Isso significa dizer que a Bíblia é o manual de fé e
prática do cristão e que deve ser devidamente estudada e compreendida para que a Palavra de
Deus não se torne motivo de confusão ou tropeço para qualquer pessoa.
Escrita no oriente antigo, sob a inspiração de Deus, a Bíblia jamais se tornou obsoleta,
pelo contrário ela se apresenta extremamente válida para todas as épocas e circunstâncias.
Além de não ter limites temporais, a Bíblia também não possui limites territoriais, isto é, ela
não está sujeita às variações das muitas culturas que se espalham sobre a Terra. Podemos en-
contrar nela todos os assuntos importantes para a vida, através de exemplos ou ensinos dou-
trinários.
Os posicionamentos ético-políticos das Sagradas Escrituras incomodaram muitos filóso-
fos e governantes, tornando-se, em várias ocasiões históricas, um livro altamente perseguido –
alguns tiranos queimaram milhões de exemplares da Bíblia em praça pública, proibindo a sua
leitura pelo povo. Muitos desses déspotas acreditaram mesmo que iam destruí-la. Um grande
número de cientistas também se empenhou profundamente em invalidar os fatos nela narra-
dos. Mas, apesar de tudo isso, ela permanece sendo o livro mais lido, mais traduzido e mais
citado do mundo atual.
A palavra BÍBLIA, que significa livro, passou a fazer parte do vocabulário das línguas
modernas através do francês, passando primeiro pelo latim biblia, com origem no termo grego
biblos. Entretanto, em sua origem, o nome era utilizado para se referir a casca de uma planta
chamada papiro, utilizada para as primeiras comunicações escritas do início da civilização
ainda no século XI a.C. Após o século II d.C., o nome passou a ser utilizado pelos cristãos
para designar os seus livros sagrados.
A estrutura básica da Bíblia, de uma maneira simplificada, é apresentada em duas por-
ções principais: o Antigo Testamento e o Novo Testamento. A primeira porção é composta
por 37 livros e foi escrita em hebraico e aramaico pela comunidade judaica, antes de Cristo
em um período que vai de aproximadamente 1.500 a.C até o ano 400 a.C. A segunda porção
possui 27 livros e foi escrita pelos discípulos do Senhor Jesus Cristo que viveram no século I
d.C., a língua utilizada foi o grego comum, isto é, um grego coloquial falado em todas as na-
ções que passaram pelo domínio de Alexandre, o Grande, rei da Macedônia.
Norman Geisler, comentando essa bipartição estrutural da Bíblia, chama a atenção para
o fato de que “a palavra testamento, é tradução das palavras hebraicas e gregas que significam
‘pacto’ ou ‘acordo’ celebrado entre duas partes”, de maneira mais comum substituímos a pa-
lavra testamento pela palavra aliança. Desta forma, no caso da Bíblia, temos a aliança antiga,
celebrada entre Deus e o seu povo (Israel) e anova aliança, celebrada em Cristo (por meio de
sua morte e ressurreição) entre Deus e a humanidade.
Os estudiosos cristãos, em geral, ensinam que a pessoa de Jesus Cristo é o elemento de
unidade entre os escritos do Novo e do Velho Testamento. Santo Agostinho de Hipona, para
citar um exemplo, afirmava que o Novo Testamento acha-se velado no Antigo Testamento e o
Antigo Testamento revelado no Novo. Outros autores disseram o mesmo em outras palavras.
Isso faz-nos perceber que os crentes anteriores a Cristo olhavam adiante com grande expecta-
tiva, ao passo que os crentes de nossos dias vêem em Cristo a concretização dos planos de
Deus.
Além de ser dividida em Antigo e Novo Testamento, como vimos acima, a Bíblia pos-
sui várias outras divisões que facilitam o seu manuseio e entendimento. As divisões que apre-
sentaremos nesse material dizem respeito ao agrupamento por gênero literário dos livros que
compõem as Sagradas Escrituras. Valendo lembrar que se trata do gênero literário predomi-
nante de cada livro. Desta forma, livros que estão classificados como históricos podem conter
profecias ou poesias, ou vice versa.
Essa classificação não é canônica, ou seja, não é inspirada, é apenas uma forma de en-
tender melhor a forma como os livros estão organizados, facilitando o manuseio e entendi-
mento das Escrituras.
Velho Testamento
1. Gênesis; 1. Isaías;
2. Êxodo; 2. Jeremias;
3. Levítico; 3. Lamentações de Jeremias;
4. Números; 4. Ezequiel;
5. Deuteronômio. 5. Daniel.
12 Livros da História de Isra- 12
5
Livros
Poéticos
Profetas Menores
el
1. Josué;
1. Oséias;
2. Juízes; 1. Jó; 2. Joel;
3. Rute; 2. Salmos;
3. Amós;
4. I Samuel; 3. Provérbios;
4. Obadias;
5. II Samuel; 4. Eclesiastes;
5. Jonas;
6. I Reis; 5. Cântico dos Cânti-
6. Miquéias;
7. II Reis; cos.
7. Naum;
8. I Crônicas; 8. Habacuque;
9. II Crônicas; 9. Sofonias;
10. Esdras; 10. Ageu;
11. Neemias; 11. Zacarias;
12. Ester. 12. Malaquias.
Profetas Menores (um conjunto de doze livros de profecia, que embora tenham a mesma im-
portância espiritual que os demais, são assim classificados para facilitar o manuseio).
Sobre os livros Poéticos, precisamos entender que não se trata de poesia fantasiosa, mas
de um gênero literário frequentemente utilizado na cultura hebraica para comunicar as ideias
em uma sequência lógica. A poesia hebraica não é organizada por rimas, ou métricas, mas
pela composição de ideias sequenciadas que se entrelaçam, construindo uma dinâmica de nar-
rativa bastante especial. É bastante comum encontrar trechos poéticos nas narrativas históricas
ou nas profecias, isso acontece por que a poesia hebraica muitas vezes é utilizada para desta-
car a importância de algum tema específico.
Novo Testamento
EVANGELHOS HISTÓRIA
1. Mateus
2. Marcos
1. Atos dos Apóstolos
3. Lucas
4. João
CARTAS OU EPÍSTOLAS
PAULINAS NÃO PAULINAS
1. Romanos
2. I Coríntios
3. II Coríntios
1. Hebreus
4. Gálatas
2. Tiago
5. Efésios
3. I Pedro
6. Filipenses
4. II Pedro
7. Colossenses
5. I João
8. I Tessalonicenses
6. II João
9. II Tessalonicenses
7. III João
10. I Timóteo
8. Judas
11. II Timóteo
12. Tito
13. Filemon
PROFECIA
1. Apocalipse
O Novo Testamento apresenta alguns gêneros literários que não foram utilizados nas
Escrituras Verotestamentárias, são eles: os evangelhos, as cartas e epístolas. Esses três gêne-
ros estão muito ligados à cultura grega e ao momento histórico em que foram redigidos os
textos. No primeiro século da era cristã, devido às incursões militares de Alexandre, o Gran-
de, a língua grega era o idioma predominante do oriente médio. Todas as nações que foram
dominadas pelo exército macedônio foram compelidas a adotar o grego como língua oficial.
Daí nasceu o grego koiné, ou simplesmente, grego comum, uma espécie de dialeto no qual o
Novo Testamento foi inteiramente escrito.
A palavra evangelho é uma transliteração do termo grego que significa “boas novas”, ou
“boas novidades”. Os evangelhos são a narrativa dos atos e ensinamentos de Jesus Cristo,
poderiam ser considerados históricos, mas apresentam uma diversidade tão grande de estilos e
gêneros literários em sua estrutura interna que se prefere classificá-los apenas como evange-
lhos. Os discípulos que foram divinamente incumbidos de narrar os atos e ensinamentos de
Jesus Cristo buscaram registrar tudo da maneira mais literal possível. Assim, utilizaram pará-
bolas, hipérboles, poesia, narrativa de diversos gêneros, dentre muitas outras figuras de lin-
guagem para fazer o seu trabalho.
O único livro histórico é Atos dos Apóstolos, escrito por Lucas e, assim como o evange-
lho do mesmo autor, é dirigido a Teófilo. Esse livro é uma continuação do evangelho que
apresentou “tudo o que Jesus começou a fazer e a ensinar” (At 1:1) e tem como intuito falar
sobre as obras, ensinos e primeiros caminhos percorridos pelos apóstolos de Cristo.
As cartas e epístolas compõem outro gênero especial que aparece no Novo Testamento.
Poderíamos ainda dividir as cartas paulinas em gerais e pastorais, gerais são aquelas destina-
das às igrejas como as nove primeiras (também chamadas epístolas), as pastorais são cartas
destinadas ao treinamento e/ou aconselhamento de líderes como aquelas escritas a Timóteo,
Tito e Filemon. As epístolas não paulinas são escritas por outros autores, elas se caracterizam
por, apresentar um caráter mais geral e não um destinatário específico.
Podemos dizer que a profecia no Novo Testamento é, também, um gênero bastante es-
pecífico devido ao grande uso de figuras de linguagem muito especiais utilizadas por João. O
único livro profético do NT é Apocalipse e sua profecia é diferenciada na composição literá-
ria, mas também, e principalmente, no conteúdo. João apresentou, por meio de muitas figuras
de linguagem, uma narrativa do futuro, descrevendo o, já anunciado pelos profetas do Antigo
Testamento, Dia do Senhor.
O próprio Jesus afirmou ser o tema do Velho Testamento (ver Mt 5:17; Lc 24:27; Jo
5:39 e Hb 10:7) e, indiscutivelmente, Ele é o tema central do Novo Testamento. Desta forma,
a organização da Bíblia de acordo com a estrutura acima colocada pode ser compreendida a
partir dos seguintes subtemas:
Esses subtemas nos fazem perceber a forma como cada porção das Escrituras se dirige à
pessoa de Cristo, independentemente da época ou local em que foram escritos. É importante
observar que, apesar de toda a diversidade que existe nos sessenta e seis livros que compõem
a Bíblia, Cristo é o tema unificador.
Mais precisamente, podemos observar que a Bíblia se organiza em torno do plano de
Deus para a salvação da humanidade que se perdeu em razão do pecado e que esse plano gira
em torno de Cristo e sua de obra na cruz do Calvário. Desta maneira, concluímos que seria
impossível entender corretamente a Bíblia sem utilizar uma visão cristocêntrica.
Capítulo 2
2.1 Introdução
Conhecer a estruturação e obter uma visão cristocêntrica das Escrituras são dois passos
muito importantes para que possamos manusear e compreender melhor a Bíblia. No entanto, o
ponto fundamental da fé cristã é o conteúdo e não apenas a forma como a Bíblia se apresenta.
E, nesse sentido, algumas perguntas precisam ser respondidas: 1) a Bíblia foi escrita por ho-
mens! Então, que razões eu tenho para crer nela? 2) será que as bíblias que são vendidas atu-
almente nas livrarias trazem realmente o conteúdo original das Escrituras ou será que foram
modificadas ao longo do tempo? 3) por que os textos chamados apócrifos que estão presentes
nas bíblias católicas não estão presentes nas bíblias evangélicas?
Antes de prosseguir, precisamos saber qual é a importância prática desses questiona-
mentos. Com a primeira questão, esperamos refletir sobre a autoridade da Bíblia. Afinal, se
ela fosse apenas mais um conjunto de ideias humanas não haveria razões para que nós aceitás-
semos as suas regras, os seus ensinos e conselhos. Pelo contrário, nós poderíamos compará-la
a qualquer outro escrito ou filosofia. Desta maneira, a discussão gira em torno das evidências
da inspiração divina. Pois é a inspiração de Deus que dá autoridade à Bíblia, retirando-a da
condição de mais um livro e alçando-a a condição de Palavra de Deus.
A segunda questão está ligada à credibilidade da Bíblia. Ora, passaram-se quase dois
mil anos de história. Sabemos que nesse período muitos grupos poderosos tentaram destruir
ou manipular a Bíblia, especialmente durante a idade média. Como podemos ter a certeza de
que as palavras registradas nos evangelhos, por exemplo, são, realmente, de Jesus Cristo? Ter
a certeza de que a Bíblia de hoje é a mesma que foi escrita pelos discípulos de Cristo e pelos
verdadeiros autores do Antigo Testamento é fundamental para que possamos reconhecer a sua
validade para o nosso tempo e principalmente para as nossas vidas.
E, finalmente, a terceira questão se refere ao fato de que a Bíblia Católica possui alguns
textos que não aparecem na Bíblia Evangélica. Trata-se de sete livros inteiros (Tobias, Judite,
Sabedoria de Salomão, Eclesiástico, Baruque, I e II Macabeus) e alguns acréscimos que foram
feitos aos livros de Daniel [o cântico dos três jovens na fornalha (3:24-90); A história de Su-
zana (Cap. 13) e a história de Bel e o Dragão (Cap. 14)] e de Ester nos versos que vão de 10:4
a 16:24. Ora, quais são os critérios para que um livro seja considerado canônico ou não? Essa
pergunta é importante, pois precisamos saber como esse conjunto de livros que chamamos de
Bíblia foi composto, quais foram os critérios, qual a sua confiabilidade, quais as razões para
que outros livros não possam ser considerados igualmente inspirados por Deus.
Quando falamos em inspiração divina, não estamos nos referindo, de modo algum, à
inspiração poética a exemplo do senso comum que fala sobre a inspiração dos cantores, poetas
e demais artistas. No sentido bíblico, a inspiração está ligada ao selo da autoridade divina, ou
seja, estamos dizendo que os textos bíblicos foram literalmente soprados por Deus nos ouvi-
dos dos homens que Ele escolheu para registrar a Sua sabedoria.
Claro que não se tratava de um ditado, mas de uma comunicação especial que foi regis-
trada cada autor. A inspiração não retira as características pessoais dos autores, pelo contrário
cada um registrou a sua própria maneira o conteúdo que Deus lhes instruiu.
A própria Bíblia nos oferece uma explicação muito rica sobre a inspiração, seu signifi-
cado e sua importância:
II Tm 3:16,17 – Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repre-
ensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja
apto e plenamente preparado para toda boa obra.
I Co 2:13 – [...] Delas também falamos, não com palavras ensinadas pela sabedoria hu-
mana, mas com as palavras ensinadas pelo Espírito, interpretando verdades espirituais
para os que são espirituais.
II Pe 1:21 – Pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram
da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo.
b) Mediação profética: Os profetas que escreveram as Escrituras não eram autômatos. Eram
algo mais que meros secretários preparados para anotar o que se lhes ditava. Escreveram se-
gundo a intenção total do coração, segundo a consciência que os movia no exercício normal
de sua tarefa, com seus estilos literários e seus vocabulários individuais. As personalidades
dos profetas não foram violentadas por uma intrusão sobrenatural. A Bíblia que eles produzi-
ram é a Palavra de Deus, ou seja, Deus usou personalidades humanas para comunicar propo-
sições divinas. Os profetas foram a causa imediata dos textos escritos, mas Deus foi a causa
principal.
c) Autoridade escrita: O produto final da autoridade divina em operação por meio dos profe-
tas, como intermediários de Deus, é a autoridade escrita de que se reveste a Bíblia, conforme
II Tm 3:16. A Bíblia é a última palavra no que se concerne a assuntos doutrinários e éticos.
Todas as controvérsias teológicas e morais devem ser trazidas ao tribunal da Palavra escrita
de Deus. As Escrituras receberam sua autoridade do próprio Deus, que falou mediante os pro-
fetas. No entanto, são os escritos proféticos e não os escritores desses textos sagrados que
possuem e retêm a resultante autoridade divina. Os profetas morreram, mas os escritos profé-
ticos continuam.
Compreendendo esses três elementos essenciais da inspiração, podemos perceber que
o ser humano é apenas um instrumento para que as verdades divinas sejam registradas. Em
outras palavras, o ser humano envolvido no processo de registro das Escrituras não possui
nenhuma influência no conteúdo, mas apenas e tão somente nos estilos literários da escrita.
Importante lembrar que a Bíblia está completa, ou seja, que não pode haver uma se-
gunda inspiração. Para ser bem claro: a INSPIRAÇÃO CESSOU. Tudo que temos agora é a
1
Adotamos
aqui
a
palavra
profeta
no
sentido
apoiado
por
Coenen
e
Brown
em
seu
Dicionário
Internacional
de
Teologia
do
Novo
Testamento.
Isto
é,
profeta
é
aquele
que
“proclama
abertamente”,
“declara
publicamente”,
“proclama
em
alta
voz”.
A
palavra
grega
–
quase
igual
a
nossa
–
indica
em
sua
epistemologia
que
o
profeta
é
aquele
que
anuncia
aquilo
que
Deus
lhe
ordena
e
que
não
tem
nenhuma
relação
necessária
com
o
futuro.
iluminação da própria palavra de Deus. Isso quer dizer que todo ensino sobre a vontade de
Deus que escapar daquilo que é ensinado na Bíblia deve ser rejeitado, conforme Gl 1:8,9.
Desde o século XIX, quando a metodologia científica se propagou com mais veemên-
cia, fazendo surgir uma abordagem chamada “análise das fontes”, que, como o próprio nome
sugere, investiga se as fontes geradoras do material literário são confiáveis e se é possível
atribuir a esses textos a qualidade de históricos. Por meio desse método, duas questões podem
ser levantadas: 1) os textos bíblicos a que temos acesso nos dias atuais são realmente idênticos
aos originais? 2) os fatos narrados nesses textos, caso os textos sejam confiáveis, são narrati-
vas de uma história real, ou são ficção?
Sobre a primeira questão, podemos afirmar com muita tranquilidade que as bíblias a
que temos acesso nos dias atuais estão referendadas pelo testemunho de muitos documentos
da antiguidade. Documentos estes que oferecem à Bíblia mais credibilidade do que qualquer
outro escrito da mesma época possa ter. Vamos dividir essa argumentação, como seria de se
esperar, em dois blocos, Antigo e Novo Testamento.
O Antigo Testamento teve o seu cânon2 concluído por volta do ano 430 a.C., inician-
do um período conhecido como “Período Interbíblico” ou “Tempo da Espera”. Malaquias foi
o último a profetizar no Antigo Testamento, foi a última palavra profética antes de João Batis-
ta. No entanto, o manuscrito mais recente a que se tinha acesso datava do século IX d.C. essa
era uma distância histórica3 que punha em dúvida a confiabilidade das cópias disponíveis,
pois acreditava-se que elas podiam ter sido alteradas e não mais corresponder àquilo que os
verdadeiros autores haviam escrito.
Porém, aprouve a Deus que, “acidentalmente”, fossem encontrados manuscritos ex-
tremamente antigos em 11 grutas nas rochas da colina de Qunrã, a 13 Km ao sul de Jericó, as
2
Cânon
é
uma
palavra
de
origem
grega
cujo
significado
original
é
“régua”
ou
simplesmente
“cana”,
tratava-‐se
de
um
instrumento
utilizado
para
padronizar
as
coisas,
para
colocar
tudo
dentro
de
um
mesmo
padrão.
Quan-‐
do
vemos
expressões
como
o
cânon
bíblico,
ou
expressões
correlatas,
entendemos
que
estamos
nos
referindo
aos
livros
que
possuem
evidências
de
inspiração
divina,
ou
seja,
que
estão
dentro
de
um
padrão
que
por
si
mesmo
sugere
que
foram
inspirados
por
Deus.
3
O
termo
distância
histórica
é
utilizado
para
definir
o
período
entre
a
data
em
que
o
material
foi
escrito
e
o
manuscrito
mais
antigo
que
se
possui
nos
dias
atuais.
margens do Mar Morto. Trata-se dos famosos Manuscritos do Mar Morto. Esses manuscritos
foram encontrados entre os anos de 1947 e 1956 e datam do século II a.C. até o século primei-
ro da era cristã. Agora sim, haveria uma aproximação histórica maior do que qualquer outro
documento da antiguidade.
Mas, afinal, o que havia naquelas grutas? Ali, foram encontrados pergaminhos inteiros
e fragmentos de diversos livros do Antigo Testamento. Entre eles, o livro de Isaías inteiro. Os
outros livros bíblicos ali encontrados, infelizmente, estavam bastante estragados, restando
apenas cerca de dez por cento de seu conteúdo. Foram encontrados 36 exemplares do livro
dos Salmos, 29 exemplares de Deuteronômios e 21 exemplares do livro de Isaías, além de
outros textos encontrados em menor quantidade.
O que esses textos provaram? Eles mostraram que não há diferenças significativas en-
tre os textos do século II a.C. e a Bíblia que lemos hoje. As pequenas diferenças que foram
encontradas, apenas ajudaram a esclarecer, ainda mais, a compreensão e interpretação dos
textos que hoje temos disponíveis. Podemos, por tanto, fundamentar o nosso argumento da
seguinte forma: os manuscritos mais antigos que possuíamos antes de encontrar os manuscri-
tos do Mar Morto datavam do século IX d.C. Os novos manuscritos são onze séculos mais
velhos e possuem o mesmo conteúdo, sem apresentar nenhuma diferença que desqualifique as
bíblias que lemos hoje, pelo contrário, apenas ratificando a perfeição da herança que o Senhor
nos legou e divinamente providenciou que chegasse intacta ao século XXI.
A tradução da Bíblia chamada NVI (Nova Versão Internacional) já considera os do-
cumentos do Mar Morto em sua tradução, tornando aquilo que já era correto, ainda mais fiel
aos escritos antigos. (Para aprofundamento sobre esse tema, leia: Apêndice: Rolos do Mar
Morto in Ridderbos (1995)).
4
Papiro
era
o
principal
material
de
escrita
da
antiguidade,
segundo
Paroschi
(1999,
p.
25-‐26)
os
originais
e
as
primeiras
cópias
do
Novo
Testamento,
assim,
como
o
Antigo
Testamento
foram
escrito
nesse
tipo
de
material.
Bom
lembrar
que
o
papel
só
começou
a
ser
utilizado
no
preparo
de
livros
bíblicos
ou
litúrgicos
no
século
XIII.
Esses manuscritos, como o nome indica, são cópias feitas manualmente por pessoas
chamadas copistas, que passavam a palavra de Deus adiante. Obviamente, estamos falando de
uma época anterior a invenção da imprensa7 e, portanto, as cópias não são perfeitamente
iguais. Dessa forma, existe uma ciência chamada crítica textual que se preocupa em analisar
todos os materiais disponíveis. As análises são realizadas com alto rigor científico e buscam
fazer com que as traduções sejam totalmente fieis ao texto original.
Além dos manuscritos, existe uma grande quantidade de materiais auxiliares que com-
provam a autenticidade do Novo Testamento, trata-se dos escritos dos pais da Igreja. Homens
como Jerônimo (tradutor da Vulgata8), Atanásio, Agostinho, dentre vários outros, registraram
praticamente todas as partes do Novo Testamento em seus escritos. Esses escritos funcionam
como testemunho de que as citações feitas nos primeiros séculos do cristianismo ratificam a
Bíblia que temos hoje.
2.4 Os Apócrifos9
5
Pergaminho
era
um
material
melhor
e
mais
durável
do
que
o
papiro,
começou
a
ser
utilizado
no
século
III.
Eles
eram
formados
de
peles
de
carneiro
ou
ovelhas
que
passavam
por
um
tratamento
com
cal
e
depois
eram
raspadas
com
pedra-‐pomes.
6
Os
códices
eram
uma
espécie
de
cadernos
da
antiguidade.
As
folhas,
ao
invés
de
enroladas
em
pergaminhos,
eram
pregadas
em
uma
das
margens
formando
um
caderno
bastante
volumoso,
pois
era
feito
de
materiais
como
os
dos
pergaminhos.
7
Aqui
uma
curiosidade,
a
imprensa
foi
inventada
por
um
alemão
chamado
Johannes
Gutenberg
por
volta
de
1440
e
o
primeiro
livro
impresso
nela
foi
a
Bíblia
Sagrada.
Essa
máquina
ficou
conhecida
como
“prensa
de
tipos
móveis”
e
foi
uma
grande
revolução
para
a
comunicação.
8
Vulgata
é
a
tradução
do
Antigo
Testamento
da
língua
hebraica
para
o
latim.
9
A
palavra
“apócrifo”
significa:
de
origem
duvidosa.
Utilizamos
esse
termo
para
nos
referir
aos
textos
que
a
igreja
católica
acrescentou
ao
Antigo
Testamento
das
Sagradas
Escrituras.
Os
católicos,
por
sua
vez,
chamam
esses
textos
de
“deuterocanônicos”,
ou
seja,
livros
de
uma
segunda
inspiração.
que valem para todos os livros e depois vamos ver os termos específicos, aqueles que expli-
cam a não aceitação de cada texto.
Termos Gerais: os termos gerais a que nos referimos aqui, dizem respeito a dois crité-
rios importantes: 1) à aceitação dos livros pelos povos a quem se destinaram; e 2) os proble-
mas de datação e de historicidade. A não aceitação de um livro pelo povo a quem se destina,
no caso os Judeus, é um problema muito sério para o reconhecimento da inspiração. Como
poderíamos reconhecer a inspiração divina de um livro que não tem autoridade reconhecida
pelo povo? Quanto problema da historicidade, a pergunta é: como poderíamos reconhecer
como divinamente inspirado um livro que se baseia erros crassos de histórica, de geografia e,
em algumas vezes, de caráter? Os motivos gerais que elencamos para o não reconhecimento
dos apócrifos são os seguintes:
1. Os judeus jamais aceitaram esses livros como canônicos;
2. Eles também não foram aceitos por Jesus, nem pelos autores do Novo Testamento;
3. A maior parte dos primeiros padres da igreja rejeitou a canonicidade desses livros;
4. Jerônimo, grande especialista bíblico e tradutor da Vulgata, jamais aceitou os apócrifos.
Somente depois de sua morte, esses livros foram inseridos na Vulgata;
5. Esses livros são rejeitados pela Igreja Católica Ortodoxa, pelos Anglicanos e pelos Protes-
tantes;
6. Esses livros não foram unanimidade entre os teólogos católicos da patrística10, nem da re-
forma11;
7. Esses livros, em sua maioria, foram escritos em datas muito distantes dos fatos narrados,
sem nenhuma evidência de compromisso histórico em sua narrativa. Mas, isso será mais
bem avaliado nos termos específicos.
Termos específicos: nesta parte do nosso estudo, vamos verificar os motivos de não
aceitação de cada escrito individualmente. Não seremos exaustivos na abordagem, para apro-
fundamento, por favor, procure os livros indicados na bibliografia que segue esse texto.
10
Patrística
é,
segundo
Kelly
(2009)
o
período
demarcado
historicamente
entre
o
final
do
século
primeiro
até
meados
do
século
quinto,
constituindo
um
movimento
de
profundo
estudo
das
Escrituras
e
da
filosofia.
Os
estudiosos
dessa
época
ficaram
conhecidos
como
os
Pais
da
Igreja,
pois
desenvolveram
a
teologia
e
filosofia
cristã
que
temos
hoje.
11
Aqui
tratamos
da
Reforma
Protestante
ocorrida
em
1517,
liderada
por
Martinho
Lutero.
Naquela
época
hou-‐
ve
grande
discussão
sobre
todos
os
aspectos
teológicos,
inclusive,
com
muita
ênfase
no
reconhecimento,
ou
não,
dos
livros
que
formariam
o
Cânon
Bíblico.
12
O
epicurismo
é
uma
doutrina
filosófica,
fundada
por
Epicuro
por
volta
do
ano
240
a.C.
que
apregoava
a
feli-‐
cidade
por
meio
dos
prazeres
físicos.
Mal
interpretado,
Epicuro
foi
visto
durante
muito
tempo
como
um
per-‐
vertido,
mas
a
sua
doutrina
também
apresenta
preceitos
morais
compatíveis
com
a
fé
cristã.
Capítulo 3
3.1 Introdução
Segundo Grudem (1999, p. 44) “a autoridade das Escrituras significa que todas as pa-
lavras nas Escrituras são palavras de Deus, de modo que não crer em alguma palavra da Bíblia
ou desobedecer a ela é não crer em Deus ou desobedecer a Ele”. Dessa afirmação de Grudem,
podemos entender os seguintes pontos sobre a autoridade das Escrituras:
pírito de Deus, uma pessoa não receberá verdades espirituais e, em particular, não receberá
nem aceitará a verdade de que as palavras das Escrituras são de fato palavras de Deus.
ensinado pelos [...] apóstolos” (2Pe 3.2). Desobedecer aos escritos de Paulo tornava a pessoa
passível de disciplina da igreja, tal como excomunhão (2Ts 3.14) e punição espiritual (2Co
13.2-3), inclusive punição por Deus (aparentemente é esse o sentido do verbo na voz passiva
“será ignorado”, em 1Co 14.38). Por outro lado, Deus se alegra em todo aquele que “treme”
diante de sua palavra (Is 66.2).
b. Portanto, todas as palavras nas Escrituras são inteiramente verdadeiras e não contêm
erro em lugar algum.
Já que as palavras da Bíblia são palavras de Deus, e já que Deus não pode mentir nem
falar falsamente, é correto concluir que não há inverdades ou erros em qualquer parte das pa-
lavras das Escrituras. “As palavras do SENHOR são palavras puras, prata refinada em cadinho
de barro, depurada sete vezes” (Sl 12.6). Aqui o salmista usa imagem vívida para falar da pu-
reza não diluída das palavras de Deus: não há imperfeição nelas. Também em Provérbios 30.5
lemos: “... toda palavra de Deus é pura; ele é escudo para os que nele confiam”. Não são ape-
nas algumas palavras das Escrituras que são verdade, mas cada palavra.
É importante perceber que a forma final em que as Escrituras permanecem como auto-
ridade é a forma escrita. Foram as palavras de Deus escritas em tábuas de pedra que Moisés
depositou na arca da aliança. Mais tarde, Deus ordenou a Moisés e aos profetas que o segui-
ram que escrevessem suas palavras em um livro. E foi a Escritura em forma escrita (graphÂ)
que Paulo disse ser “inspirada por Deus” (2Tm 3.16). De modo semelhante, são os escritos de
Paulo que são “mandamento do Senhor” (1Co 14.37) e que poderiam ser classificados com
“as demais Escrituras” (2Pe 3.16).
Temos afirmado ao longo desse estudo que todas as palavras na Bíblia são palavras de
Deus e que, portanto, não crer em alguma palavra das Escrituras ou não obedecer a ela é não
crer em Deus ou desobedecer a ele. Afirmamos ainda que a Bíblia ensina claramente que
Deus não pode mentir nem falar com falsidade (2Sm 7.28; Tt 1.2; Hb 6.18). Assim, todas as
palavras nas Escrituras são declaradas completamente verdadeiras e destituídas de erros,
qualquer que seja o trecho (Nm 23.19; Sl 12.6; 119.89, 96; Pv 30.5; Mt 24.35). As palavras de
Deus são, de fato, o padrão máximo da verdade (Jo 17.17). A isso nós chamamos de Inerrân-
cia Bíblica.
Crer na inerrância das Escrituras é fundamental para o cristão, pois é ela quem garante
que a Palavra de Deus não pode ser relativizada. Se não crermos nesse ponto que diz respeito
à Autoridade das Escrituras, teremos sérios problemas.
Veja alguns problemas que podem ser gerados se não crermos na inerrância das Escri-
turas:
d. Se rejeitarmos a inerrância, precisaremos também dizer que a Bíblia está errada não
apenas em detalhes secundários, mas também em algumas de suas doutrinas.
A negação da inerrância implica estarmos dizendo que o ensino da Bíblia sobre a na-
tureza das Escrituras e sobre a veracidade e fidedignidade das palavras de Deus é também
falso. Esses detalhes não são secundários, mas questões doutrinárias centrais nas Escrituras.
fala portuguesa na Indonésia. Em 1681 concluiu a primeira edição do Novo Testamento. Mor-
reu em 1691, tendo traduzido o Antigo Testamento até o Capítulo 48 de Ezequiel. A partir
daí, discípulos seus, missionários da Liga Holandesa de Missões, se encarregaram de comple-
tar a obra, a qual foi concluída entre 1748 e 1753 na Batávia, atual Ilha de Java (Indonésia).
Essa tradução não continha os livros Apócrifos. A partir daí muitas revisões têm sido feitas ao
texto original de Almeida em virtude do dinamismo que permeia o desenvolvimento da lín-
gua. Em 1948 com as dificuldades e transtornos provocados pela segunda guerra mundial, os
cristãos brasileiros que até então importavam bíblias de outros países, surgiu a iniciativa de se
produzir a bíblia aqui em nosso país. Assim nascia a Sociedade Bíblica do Brasil, a primeira
editora a publicar a bíblia produzida em solo brasileiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
EPICURO. Carta sobre a felicidade (A Meneceu). Editora Unesp. São Paulo: 1973.
GAGLIARD, Ângelo. Panorama do Velho Testamento. 2a ed. Vinde. São Paulo: 1995.
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. Edições Vida Nova. São Paulo: 1999.
KELLY, J. N. D. Patrística. Origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da fé cristã.
São Paulo: Vida Nova, 2009.
PAROSCHI, Wilson. Crítica Textual do Novo Testamento. 2a Ed. São Paulo: Vida Nova,
1999.
RIDDERBOS, J. Isaías. Introdução e Comentários. Série Cultura Bíblica. 2a Ed. São Paulo:
Vida Nova, 1998.