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Saberes docentes e práticas de

ensino de Língua Portuguesa:


leitura, escrita, análise
linguística e gramática
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

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EQUIPE TÉCNICA

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Edneire Franciscon Jacob
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Paulo Bento da Silva
Solange Marly Oshima
Formação de Professores em letras - EAD

Aparecida de Fatima Peres


(Organizadora)

Saberes docentes e
práticas de ensino de
Língua Portuguesa:
leitura, escrita, análise
linguística e gramática

29
Maringá
2012
Coleção Formação de Professores em Letras - EAD
Copydesk: Rosane Gomes Carpanese
Apoio técnico: Luciana de Araujo Nascimento
Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331
Revisão Gramatical: Maria Regina Ponte
Edição e Produção Editorial: Carlos Alexandre Venancio
Eliane Arruda
Manuela Sanchez

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)



Saberes docentes e práticas de ensino de língua portuguesa: leitura, escrita,
S115 análise lingüística e gramática / Aparecida de Fátima Peres, organizadora. --
Maringá: Eduem, 2012.
120p. 21cm. (Formação de professores em Letras – EAD; n.29)

ISBN no prelo

1. Língua portuguesa – Estudo e ensino.. 2. Língua portuguesa – Formação


docente.

CDD 21.ed. 469.5 1

Copyright © 2012 para o autor


Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo
mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos
reservados desta edição 2012 para Eduem.

Endereço para correspondência:

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá


Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário
87020-900 - Maringá - Paraná
Fone: (0xx44) 3011-4103 / Fax: (0xx44) 3011-1392
http://www.eduem.uem.br / eduem@uem.br
S umário

Sobre os autores > 7


Apresentação da coleção > 09
Apresentação do Livro > 11
Capítulo 1
Afinal, o que é preciso saber para ser professor?
> 13
Aparecida de Fatima Peres

Capítulo 2
Objetivos do ensino de língua portuguesa > 25
Annie Rose dos Santos

Capítulo 3
> 37
Uma proposta pedagógica de leitura na
perspectiva dialógica
Lilian Cristina Buzato Ritter

Capítulo 4
A produção de textos na Educação Básica > 53
Cláudia Valéria Doná Hil

Capítulo 5
Ensino de Língua Portuguesa: análise linguística
> 77
Sandra Regina Cecilio

Capítulo 6
Conteúdos gramaticais: proposta pedagógica > 101
Tânia Braga Guimarães

5
S obre as autoras

ANNIE ROSE DOS SANTOS


Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Letras

(UEM). Mestre em Filologia e Linguística Portuguesa (Unesp-Assis). Doutoranda em

Estudos da Linguagem (UEL).

APARECIDA DE FATIMA PERES


Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Letras

(UEM). Mestre em Letras (UEL). Doutora em Estudos da Linguagem (UEL).

CLÁUDIA VALÉRIA DONÁ HILA


Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Letras (UEM).

Mestre em Linguística Aplicada (UEM). Doutora em Estudos da Linguagem (UEL).

LILIAN CRISTINA BUZATO RITTER


Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Letras (UEM).

Mestre em Linguística Aplicada (UEM). Doutora em Estudos da Linguagem (UEL).

SANDRA REGINA CECILIO


Professora do Quadro Próprio do Magistério do estado do Paraná. Graduada em

Letras (UEM). Mestre em Estudos da Linguagem (UEL). Doutora em Estudos da Lin-

guagem (UEL).

TÂNIA BRAGA GUIMARÃES


Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Letras

(UEM). Mestre em Letras (UEM). Doutora em Estudos da Linguagem (UEL).

7
A presentação da Coleção
Os 54 títulos que compõem a coleção Formação de Professores em Letras fazem
parte do material didático utilizado pelos alunos matriculados no Curso de Licenciatu-
ra em Letras, habilitação dupla, Português-Inglês, na Modalidade a Distância, da Uni-
versidade Estadual de Maringá (UEM). O curso está vinculado à Universidade Aberta
do Brasil (UAB) que, por seu turno, faz parte das ações da Diretoria de Educação a
Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior
(Capes).
A UEM, na condição de Instituição de Ensino Superior (IES) proponente do curso,
assumiu a responsabilidade da produção dos 54 livros, dentre os quais 51 títulos fica-
ram a cargo do Departamento de Letras (DLE), 2 do Departamento de Teoria e Prática
da Educação (DTP) e 1 do Departamento de Fundamentos da Educação (DFE). O pro-
cesso de elaboração da coleção teve início no ano de 2009, e sua conclusão, seguindo
o cronograma de recursos e os trâmites gerais do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE), está prevista até 2013. É importante ressaltar que, visando a
atender às necessidades e à demanda dos alunos ingressantes no Curso de Graduação
em Letras-Português/Inglês a Distância, da UEM, no âmbito da UAB, nos diferentes
polos, serão impressos 338 exemplares de cada livro.
A coleção, não obstante a necessária organicidade que aproxima e estabelece a
comunicação entre diferentes áreas, busca contemplar especificidades que tornam o
curso de Letras uma interessante frente de estudos e profissional. Deste modo, as
três principais instâncias que compõem o curso de Letras na modalidade a distância
(Língua Portuguesa, Teoria da Literatura e Literaturas de Língua Portuguesa e
Língua Inglesa e Literaturas Correspondentes) são contempladas com livros que
são organizados tendo em vista a construção do saber de cada área. Semelhante cons-
trução não apenas trabalha conteúdos necessários de modo rigoroso tal como seria
de esperar de um curso universitário, como também atua decisivamente no sentido de
proporcionar ao aluno da Educação a Distância a autonomia e a posse do discurso de
modo a realizar uma caminhada plenamente satisfatória tanto em sua jornada acadê-
mica quanto em sua vida profissional posterior. Isso só é possível graças à competência
e comprometimento dos organizadores e autores dos livros dessa coleção, em sua
maior parte ligados aos departamentos da Universidade Estadual de Maringá envol-
vidos neste curso, além de convidados que enriqueceram a produção dos livros com
sua contribuição. A excelência e a destacada contribuição científica e acadêmica desses

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Saberes docentes e autores e organizadores são outros elementos que garantem a seriedade do material
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: e reforça a oportunidade que se abre ao aluno da Educação a Distância. Além disso, o
leitura, escrita,
análise linguística e material produzido poderá ser utilizado por outras instituições ligadas à Universidade
gramática
Aberta do Brasil, abrindo uma perspectiva nacional para os livros do curso de Letras
a Distância.
Além do trabalho desses profissionais, essa coleção não seria possível sem a con-
tribuição da Reitoria da UEM e de suas Pró-Reitorias, do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes da UEM e seus respectivos representantes e departamentos, da Diretoria
de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do
Ensino Superior (Capes) e do Ministério da Educação (MEC). Todas essas esferas, de
acordo com suas atribuições, foram de suma importância em todas as etapas do traba-
lho. Diante disso, é imperativo expressar, aqui, nosso muito obrigada.
Por último, mas não menos importante, registramos nosso agradecimento especial
à equipe do NEAD-UEM: Pró-Reitoria de Ensino, Coordenação Pedagógica e equipe
técnica, pela dedicação e empenho, sem os quais essa empreitada teria sido muito
mais difícil, se não impossível.

Rosângela Aparecida Alves Basso,
Organizadora da coleção.

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A presentação do livro
A disciplina Prática de Formação de Professor de Língua Portuguesa, do Curso
de Letras-EAD, tem como objetivos: 1) possibilitar a reflexão sobre o momento da
transposição didática das práticas linguísticas: leitura, produção textual, análise lin-
guística e gramática; 2) criar condições para a reflexão teórico-prática sobre aspectos
situacionais e interacionais envolvidos no ensino-aprendizagem de língua portuguesa;
3) desenvolver competências para a análise e produção de materiais didáticos.
Para subsidiar essa disciplina, este livro, composto por seis capítulos, além de dis-
cutir os saberes necessários ao professor de Língua Portuguesa, relaciona as práticas
linguísticas já mencionadas a métodos de transposição didática.
No primeiro capítulo, Peres aborda as mudanças acerca do conhecimento científi-
co, ocorridas ao longo do tempo, bem como as implicações disso em relação aos sabe-
res necessários à formação de professores. Para tanto, apresenta um contraste entre o
paradigma da racionalidade técnica e o da epistemologia da prática. Em seguida, versa
sobre os saberes que integram a base de conhecimentos desses profissionais e como
essa base influencia a formação da identidade deles.
No segundo capítulo, Santos faz um breve resgate teórico sobre os objetivos do en-
sino de língua portuguesa no Brasil. Inicialmente, a autora discorre sobre como e onde
esse ensino surgiu, para, em seguida, expor como os propósitos do ensino de língua
materna se modificaram ao longo das décadas até chegarem à contemporaneidade.
No terceiro capítulo, Ritter apresenta uma proposta pedagógica de leitura, anco-
rando-se teoricamente na perspectiva dialógica da linguagem. A autora configura um
plano de aula de leitura e dialoga com discussões teórico-metodológicas tecidas ante-
riormente em um capítulo do livro “Leitura: aspectos teóricos e práticos”. Nessa tenta-
tiva de articular teoria e prática, a autora analisa criticamente uma crônica de Moacyr
Scliar e, com a mesma crônica, compõe a proposta pedagógica de leitura.
No quarto capítulo, inicialmente Hila expõe diferenças teórico-metodológicas en-
tre redação e produção de textos, contextualizando-as com as concepções de lingua-
gem que norteiam o ensino da produção textual. Como exemplo metodológico de
trabalho com a escrita, a autora define a sequência didática como um instrumento que

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Saberes docentes e possibilita a interlocução real entre aluno e escrita. De modo particular, o artigo de
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: opinião é apresentado como forma de didatizar o trabalho com a produção de textos.
leitura, escrita,
análise linguística e No quinto capítulo, Cecilio discute o ensino de língua portuguesa, enfatizando
gramática
o ensino-aprendizagem da análise linguística na educação básica. Após a discussão
teórica, há uma contribuição pedagógica com a apresentação de uma possibilidade de
trabalho gramatical, envolvido com atividades de leitura, objetivando articular a teoria
estudada com a prática de sala de aula.
No sexto capítulo, Guimarães faz uma breve retomada de como era concebido o
ensino dos conteúdos gramaticais e como ele deve ser realizado agora, segundo as
direções apontadas pelas diretrizes vigentes. A autora também orienta o aluno de Le-
tras a elaborar um plano de aula, uma vez que o planejamento faz parte do cotidiano
docente (quer na formação inicial, quer na continuada). Ao longo da elaboração de um
plano de aula de gramática, que apresenta como exemplo, a autora discute a seleção
de material e os critérios de avaliação, considerando a relevância que se deve conferir
a questões de uso corrente na língua portuguesa, em oposição a questões de baixa
frequência ou arcaicas.
Esperamos que este livro, escrito a tantas mãos, contribua para sua formação como
professor de Língua Portuguesa.

Aparecida de Fatima Peres


Organizadora

12
1 Afinal, o que é
preciso saber para ser
professor?
Aparecida de Fatima Peres

Os demais capítulos que compõem este livro discutirão questões específicas sobre
o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa. Tais questões auxiliarão o aluno de Le-
tras-EAFORMAD a preparar os Planos de Aula que deverão ser feitos durante o Está-
gio Supervisionado III – espaço de aprendizagem da profissão docente na formação
inicial.
Este capítulo, porém, abordará fatores que propiciam reflexões sobre possíveis
respostas à pergunta: Que saberes identificam um professor? Responder a essa
questão se justifica porque a identidade de qualquer profissional envolve formação
inicial e continuada. E, como o Curso de Letras-EAD contempla a formação inicial
de professores, ele tem como um dos seus compromissos subsidiar esses futuros
profissionais com conhecimentos sobre componentes didáticos, pedagógicos e
conteudísticos que envolverão o seu trabalho em sala de aula.
Esta discussão se inicia com fato de o conhecimento científico imutável (tido como
substrato para a educação) ser um dos muitos aspectos (antes inquestionáveis) postos
em xeque com a chegada do século XXI.
Conceber o conhecimento científico como imutável consiste no paradigma da
ciência moderna, ou paradigma da racionalidade técnica, para o qual o papel da
teoria é abrir “caminhos para o domínio da realidade natural e social pelo homem”
(MIZUKAMI et al., 2002, p. 11). Nessa concepção, a realidade não depende do ser
humano, porém ele pode descrevê-la e agir sobre ela.
A formação de professores, alicerçada nesse ponto de vista, entende a prática
pedagógica como consequência da aplicação teórica. Contudo o questionamento
do imutável implicou mudanças conceituais não apenas sobre o conhecimento, mas
também sobre o contexto escolar.
Esse contexto foi alterado principalmente em razão das novas demandas, uma vez
que indivíduos das classes menos favorecidas passaram a frequentar a escola – antes
privilégio da elite. Diante disso, foi preciso dar ao ensino um caráter mais dialógico,

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Saberes docentes e em consonância com o contexto cultural dessa nova clientela, a fim de atender suas
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: necessidades e superar desigualdades sociais.
leitura, escrita,
análise linguística e Por conseguinte, aumenta-se a complexidade do trabalho docente, posto que,
gramática
em vez de se ocupar com um conhecimento inquestionável, o professor começou a
lidar com um conhecimento em construção. A educação, por seu turno, passa a ser
entendida “como um compromisso político, carregado de valores éticos e morais”
(MIZUKAMI et al., 2002, p. 12).
Isso implica que, para ser professor, não basta concluir um curso composto por
conhecimentos teóricos específicos com técnicas para ensiná-los. A formação docente
passou a exigir o domínio de práticas reflexivas e competentes, ou seja, além de conhe-
cimentos específicos, o professor necessita de outros saberes tão importantes quanto
os conteúdos específicos para bem desempenhar o seu trabalho. Isso significa que esse
profissional precisa de uma formação alicerçada também na epistemologia da prática
profissional, ou seja, de uma formação que o leve a refletir sobre sua ação pedagógica.
Na perspectiva da racionalidade técnica, conforme Schön (2000), o profissional tem
preocupações com problemas instrumentais e procura formas adequadas para solucio-
ná-los. As soluções para tais problemas se dariam por meio de teorias e de técnicas deri-
vadas da pesquisa sistemática e seriam sempre fixas e não ambíguas. Assim, mesmo nas
situações em que isso não funciona, ou seja, quando a aplicação da teoria não é possível
de forma bem clara, o profissional analisa o fato por meio de observações padronizadas e
busca modos de descobrir regras que ainda não se tornaram explícitas. Não há, portanto,
questionamento das teorias e das regras, porque, “nessa visão, os fatos são o que são e a
verdade das crenças é passível de ser testada estritamente com referência a elas. [...] Todo
o conhecimento profissional baseia-se em um alicerce de fatos” (SCHÖN, 2000, p. 39).
Já na perspectiva da epistemologia da prática, que requer reflexão sobre a ação na
busca de soluções para os problemas, além da aplicação de regras já estabelecidas, há
também respostas para o inesperado por meio de invenções e experimentos imediatos
para testar novas compreensões sobre um mesmo fato. Em casos assim, o profissional
“comporta-se mais como um pesquisador tentando modelar um sistema especializado
do que como um ‘especialista’ cujo comportamento é modelado” (SCHÖN, 2000, p. 39).
No caso da formação de professores, promover uma educação profissional com
base no diálogo equitativo entre teoria e prática significa negar a sobreposição da
ciência básica à ciência aplicada e desfazer a relação mecânica e linear entre o conhe-
cimento teórico e a prática concreta de sala de aula. Significa estabelecer uma relação
em que teoria e prática possibilitem ao futuro professor refletir sobre os problemas
e as dinâmicas gerados por sua atuação na prática, porque nem tudo tem uma res-
posta correta e nem sempre as teorias se encaixam em todos os casos. Isso implica,

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consequentemente, conceber o professor como um prático reflexivo. Afinal, o que é
preciso saber para ser
Esse raciocínio vai ao encontro das considerações de Altet (2001) quanto à professor

organização e à formalização dos saberes necessários à prática pedagógica. Segundo


a autora, “a reflexão sobre os saberes profissionais e sua explicitação permitem ao
professor inventar suas próprias normas estratégicas, as que mais convêm aos
contextos, aos alunos, à situação encontrada e que melhor a explica” (ALTET, 2001,
p. 34).
Para a autora, “o professor é um profissional da aprendizagem, da gestão das
condições de aprendizagem e da regulação interativa em sala de aula” (ALTET, 2001,
p. 26). Ao realizar seu trabalho, ele precisa desenvolver “competências profissionais”
que envolvem os conhecimentos teóricos e as competências específicas da profissão
docente que repousam sobre uma base de conhecimentos racionais, científicos ou
de conhecimentos oriundos da prática. Por conseguinte, a profissão docente é “um
processo de racionalização dos conhecimentos postos em práticas eficazes em uma
determinada situação”; e ser um professor competente significa conseguir mobilizar
conhecimentos na prática de quaisquer situações, implica “tornar-se um profissional
reflexivo, capaz de analisar as suas próprias práticas de resolver problemas, de inventar
estratégias” (ALTET, 2001, p. 26).
Mas, afinal, quais seriam os conhecimentos e os saberes necessários a esse
profissional reflexivo? De acordo com Altet (2001, p. 26), o professor “é, antes de
tudo, um profissional da articulação do processo ensino-aprendizagem em uma
determinada situação, um profissional da interação das definições partilhadas”. Mas
que conhecimentos devem compor esse processo?
Conforme Shulman (1987, p. 8), se as categorias da base de conhecimentos para o
professor fossem organizadas, elas deveriam incluir, no mínimo:

– conhecimento do conteúdo;
– conhecimento pedagógico geral, especialmente dos princípios amplos e da
estratégia de direção e de organização da sala de aula, os quais parecem ultra-
passar o assunto conteudístico;
– conhecimento do currículo, com particular compreensão dos materiais e dos
programas que servem como “ferramentas de ofício” para os professores;
– conhecimento do conteúdo pedagógico: aquele amálgama especial de con-
teúdo específico e pedagogia, ligado somente à função do professor, a sua pró-
pria forma de conhecimento profissional;
– conhecimento de alunos e suas características;
– conhecimento do contexto educacional, abrangendo desde os trabalhos do
grupo da sala de aula até a administração das escolas, as características gerais e
culturais das comunidades; e
– conhecimento dos fins educacionais, propostas, valores, filosofia e funda-
mentos históricos (SHULMAN, 1987, p. 8, tradução da autora).

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Saberes docentes e Consoante Shulman (1987), quatro são as fontes principais para a construção da
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: base de conhecimentos para o ensino:
leitura, escrita,
análise linguística e 1) saberes dos conteúdos disciplinares;
gramática
2) materiais e ambiente do processo educacional institucionalizados (currículo,
livro didático), organização e administração escolar e a estrutura da profissão
docente;
3) pesquisas em educação, organizações sociais, aprendizagem humana, ensino
e desenvolvimento e outros fenômenos socioculturais que afetam a ação dos
professores;
4) conhecimento de sua própria prática.

Os saberes referentes aos conteúdos disciplinares abarcam o conhecimento, a


compreensão, as habilidades e a disposição que devem ser ensinados aos alunos. Tal
conhecimento resulta do acúmulo de leitura e dos estudos dos conteúdos de uma área
específica e dos saberes históricos e filosóficos da natureza do conhecimento desse
campo de estudo.
Segundo o autor, sendo o ensino uma profissão do aprendizado e o professor
um membro da comunidade escolar, este deve entender as estruturas do assunto de
interesse, os princípios da organização dos conceitos e os princípios de investigação
que ajudam responder a perguntas como: Quais são as ideias e habilidades importantes
nesse domínio? Como as novas ideias são acrescentadas e como as ideias deficientes
são descartadas para os produtores de conhecimento nessa área? Quais são os papéis
e os processos de um bom saber ou de uma boa investigação? Essas considerações
sobre a fonte do conhecimento do conteúdo implicam necessariamente que o
professor tenha não só uma profunda percepção quanto a um assunto particular, mas
também conhecimentos que lhe sirvam de suporte para agir como um propiciador da
aprendizagem dos alunos. O professor tem responsabilidades especiais em relação ao
conteúdo, servindo como fonte primeira para a aprendizagem dos estudantes quanto
ao assunto de interesse, e isso envolve a maneira pela qual a compreensão lhes é
conduzida quanto ao que é essencial sobre um assunto e ao que é periférico. Essas
responsabilidades apontam profundas exigências ao professor quanto à interpretação
das estruturas do assunto de interesse e às suas atitudes frente ao que está sendo
ensinado e aprendido. Esses muitos aspectos do conteúdo de conhecimento, então, são
propriamente entendidos como uma característica central da base de conhecimentos
para o ensino.
Quanto aos materiais e ao ambiente do processo educacional institucionalizados,
Shulman (1987) observa que, para alcançar os objetivos da organização escolar,

16
são criados materiais e estruturas para o ensino-aprendizagem, os quais incluem: o Afinal, o que é
preciso saber para ser
currículo com seus objetivos e sequências; testes e materiais de provas; instituições professor

com suas hierarquias, seus sistemas de funções e regras explícitos e implícitos;


organização profissional dos professores com suas funções de negociação, mudança
social e proteção mútua; agências governamentais para a região junto aos âmbitos
estadual e federal; e mecanismos de administração e financeiro.
Como os professores funcionam necessariamente como a parte interior de uma
matriz criada por esses elementos, usando-os e sendo por eles usados, eles (os
professores) têm de conhecer o território e os mecanismos do ensino, pois estes
englobam os recursos do trabalho e as condições contextuais que também facilitarão
ou inibirão os esforços para a qualidade da educação.
Os saberes concernentes à educação formal constituem a terceira fonte e se referem
ao corpo de desenvolvimento da literatura educacional dedicada à compreensão do
processo da educação, do ensino e da aprendizagem. Essa fonte inclui as descobertas
e os métodos da pesquisa empírica em áreas do ensino, da aprendizagem e do
conhecimento humano, bem como os fundamentos normativos, filosóficos e éticos
da educação.
A quarta fonte da base de conhecimentos é o conhecimento do professor sobre sua
própria prática. Consequentemente, uma das mais importantes tarefas para a pesquisa
comunitária, segundo Shulman (1987), é trabalhar com profissionais para desenvolver
representações codificadas da compreensão da prática pedagógica dos professores
competentes.
A questão dos saberes do professor é abordada ainda por Tardif (2002, p. 36), para
quem o saber docente é “um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos
coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares,
curriculares e experienciais”. Em um sentido mais amplo, conforme o autor, o saber
“engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes
dos docentes, ou seja, aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, de saber-fazer e
de saber-ser” (TARDIF, 2002, p. 60).
Consoante o autor, os saberes da formação profissional se referem às ciências
humanas, da educação e da ideologia pedagógica – aqueles transmitidos pelas
instituições de formação de professores. No campo das ciências humanas, professor
e ensino são objetos do saber; e, como tais ciências não estão limitadas à produção
de conhecimentos, elas procuram associá-los à prática do professor, objetivando a
prática científica. Entretanto a prática docente não é somente um objeto de saber das
ciências da educação, porque ela envolve ainda os saberes chamados pedagógicos, os
quais abordam doutrinas e concepções oriundas de reflexão sobre a prática educativa,

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Saberes docentes e envolvendo, inclusive, referenciais ideológicos relacionados à prática. Esses saberes
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: se unem também às ciências da educação, visando a legitimar cientificamente suas
leitura, escrita,
análise linguística e concepções por meio da integração destas aos resultados de pesquisas.
gramática
Há ainda os saberes disciplinares, também adquiridos pelos professores no âmbito
de sua formação – inicial ou continuada. Tais saberes se referem aos diversos campos
do conhecimento (história, geografia, línguas, literatura etc.) e são dispostos na forma
de disciplinas em cursos distintos nas universidades.
Os saberes curriculares, por seu turno, estão relacionados aos programas escolares
que devem ser efetivados pelos professores. Eles “correspondem aos discursos,
objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e
apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura
erudita” (TARDIF, 2002, p. 38).
Por fim, os saberes experienciais são os saberes específicos desenvolvidos pelos
professores com base no trabalho cotidiano e no meio em que atuam. Esses saberes
“brotam da experiência e são por ela validados. Eles incorporam-se à experiência
individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e de saber
ser” (TARDIF, 2002, p. 39).
Além dessas considerações, Tardif (2002) observa que o saber do professor deve
estabelecer-se na interface entre o social e o individual e adverte ser preciso fugir do
mentalismo e do sociologismo.
Segundo o autor, “o mentalismo consiste em reduzir o saber, exclusiva, ou
principalmente, a processos mentais (representações, crenças, imagens, processamento
de informações, esquemas, etc.) cujo suporte é a atividade cognitiva dos indivíduos”
(TARDIF, 2002, p. 11). Nesse caso, portanto, o contexto social que envolve os indivíduos
não é contemplado na constituição das significações, dos sentidos. Contudo, como
observa o autor, são sociais os saberes dos professores, porque (1) esse saber é
partilhado por um grupo de agentes com formação comum, os quais trabalham em
uma mesma organização (a escola), estando, desse modo, sujeitos às mesmas regras;
(2) a posse de tais saberes paira sobre um sistema que garante sua legitimidade
(universidade, sindicatos, ministério da educação), ou seja, seu trabalho tem um
reconhecimento social, e assim “o que um professor deve saber ensinar não constitui,
acima de tudo, um problema cognitivo ou epistemológico, mas sim uma questão
social” (TARDIF, 2002, p. 13); (3) o trabalho do professor não é um trabalho solitário,
mas interativo, pois envolve outros sujeitos carregados de marcas sociais – os alunos;
(4) o que os professores ensinam e a forma como ensinam se alteram com o tempo
e com as mudanças sociais, de acordo com o que é reconhecido como relevante para
cada contexto; (5) esse saber é adquirido em um contexto de socialização profissional.

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Em suma, os saberes do professor não são conteúdos cognitivos definidos de uma só Afinal, o que é
preciso saber para ser
vez, mas são construídos socialmente ao longo de sua vida. professor

Por outro lado, não obstante essas ponderações, o autor alerta sobre o perigo de se
cair no sociologismo, pois este “tende a eliminar totalmente a contribuição dos atores
na construção concreta do saber, tratando-o como uma produção social em si mesmo
e por si mesmo” (TARDIF, 2002, p. 14-15).
Nesse sentido, nega-se a capacidade de o professor transformar sua situação, sua
ação. Assim, para o autor, ainda que os saberes dos professores sejam construídos
socialmente, é preciso considerar sua subjetividade, porque, por meio dela, na sua
atuação, eles adaptam seus saberes e os transformam de acordo com sua situação de
trabalho. Logo, “os saberes de um professor são uma realidade social materializada
através de uma formação, de programas, de práticas coletivas, de disciplinas escolares,
de uma pedagogia institucionalizada, etc., e são também, ao mesmo tempo, os saberes
dele” (TARDIF, 2002, p. 16).
Haja vista essa dualidade constituinte do saber docente, o autor propõe que esse
saber seja entendido como um todo preso pela trama de seis fios condutores.
O primeiro fio condutor respeita ao fato de que “o saber dos professores deve
ser compreendido em íntima relação com o trabalho deles na escola e na sala de
aula” (TARDIF, 2002, p. 16). Isso implica que os saberes do professor estão imbricados
no seu contexto de trabalho, de modo que podem ser entendidos como a própria
realização desse trabalho.
O segundo fio condutor se refere à diversidade do saber, porque, segundo Tardif
(2002), quando indagados sobre seus saberes, os professores abordam conhecimentos
e um saber-fazer pessoais – saberes curriculares, dos programas, dos livros didáticos,
dos conhecimentos disciplinares que ensinam, de sua experiência de vida e elementos
de sua formação profissional. Assim, seus saberes são plurais e heterogêneos, pois
envolvem conhecimentos oriundos de fontes diferentes: família, universidade, colegas
de trabalho, cursos de reciclagem etc.
O terceiro fio condutor concerne à temporalidade do saber. O caráter temporal
dos saberes do professor, segundo Tardif (2002), está fundamentado no fato de eles
serem adquiridos ao longo da vida desse sujeito. A temporalidade, contudo, não
se limita a isso, porque ela envolve também a carreira profissional do professor, a
qual está envolvida em um processo temporal de construção dos saberes necessários
para a realização do seu trabalho. Aliás, não se pode esquecer que a carreira docente
envolve várias etapas e características: socialização, consolidação da experiência, fases
de continuidade, de ruptura ou de transformação referentes às concepções sobre seu
trabalho, mudanças ambientais de trabalhos (classe, bairro, nível de ensino), além, é

19
Saberes docentes e claro, da “questão da identidade e subjetividade dos professores, que se tornam o que
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: são de tanto fazer o que fazem” (TARDIF, 2002, p. 20-21).
leitura, escrita,
análise linguística e O quarto fio condutor relaciona a experiência de trabalho como fundamento do
gramática
saber ao modo como os professores mobilizam os saberes que caracterizam o seu
trabalho, já que estes vêm de fontes diversas e são construídos ao longo do tempo.
Dessa relação, surgem questões como: Haveria uma hierarquização entre os saberes
do professor? Se há, a partir de que critérios ela é estabelecida? Todos os saberes são
usados pelo professor? Tais saberes lhe causam dilemas?
O quinto fio condutor envolve saberes humanos a respeito de seres humanos, pois
o trabalho docente é fundamentalmente interativo. Portanto, em seu desenvolvimento,
é preciso conhecer o outro – aquele(s) com quem se trabalha –, conhecer seus papéis
no processo de interação concreta. Esse conhecer deve envolver os poderes e as regras
concernentes ao contexto de trabalho, aos valores, à ética etc.
O sexto fio condutor abarca os saberes e a formação de professores. Nesse quesito,
para Tardif (2002), considerando os saberes do professor e as realidades específicas do
seu trabalho, é necessário repensar a formação para o magistério com o objetivo de
buscar “uma nova articulação e um novo equilíbrio entre conhecimentos produzidos
pelas universidades a respeito do ensino e os saberes desenvolvidos pelos professores
em suas práticas cotidianas” (TARDIF, 2002, p. 23).
Um tecido a partir desses fios é desejável, porque a formação de professores,
pautada na aplicação de conhecimentos disciplinares, sem conexão com o contexto
de atuação profissional, não surte efeito no contexto educacional. Isso significa que é
preciso envolver outros conhecimentos no processo de formação, a fim de ultrapassar
os limites da aquisição de teorias e sua aplicação por meio de estágios.
De acordo com Tardif (2002), o tempo destinado ao aprendizado do trabalho, ou
seja, o domínio progressivo dos saberes necessários à realização da prática docente,
também está relacionado à identidade do professor. Isso se justifica porque a
construção de conhecimentos teóricos e técnicos que preparam o profissional para o
desempenho de suas necessidades somente se torna possível ao longo do tempo. Da
mesma forma, é ao longo do tempo que a prática possibilita ao aprendiz familiarizar-
se com o ambiente e com os saberes necessários à efetivação de suas funções. Isso
significa que determinados saberes da profissão docente só podem ser adquiridos e
construídos em situações reais – não se limitam, portanto, a conteúdos circunscritos
em cursos de formação institucionalizados. Aliás, Tardif (2002) observa que muitos
objetos, questões e problemas relacionados à função docente não correspondem,
ou correspondem muito pouco, às teorias obtidas na universidade e produzidas pela
pesquisa na área de Educação – “para os professores de profissão, a experiência de

20
trabalho parece ser a fonte privilegiada de seu saber-ensinar” (TARDIF, 2002, p. 61), pois Afinal, o que é
preciso saber para ser
na experiência do labor envolvem-se aspectos como a personalidade do professor, sua professor

vivacidade, seu entusiasmo, seu amor aos alunos. É também da experiência cotidiana
que ocorrem a partilha de conhecimentos sociais e a integração dos professores com
o contexto escolar (conhecimento partilhado entre os pares, respeito dos pais e dos
alunos, atividades pedagógicas, material didático, programas de ensino).
Por essa razão, Tardif (2002, p. 61) conclui que os saberes profissionais do
magistério “parecem ser, portanto, plurais, compósitos, heterogêneos, pois trazem
à tona, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e manifestações do saber-
fazer e do saber-ser bastante diversificados e provenientes de fontes variadas”. O autor
observa ainda que tais fontes podem ser de naturezas diferentes, tais como: a família;
as escolas primária e secundária; os estudos pós-secundários não especializados; os
estabelecimentos de formação de professores; os estágios; os cursos de reciclagem;
o uso das “ferramentas” dos professores (programas, livros didáticos, cadernos de
exercícios, fichas etc.); a prática do ofício na escola e na sala de aula; a experiência dos
pares; etc. Para o autor, consequentemente, esses saberes podem ser caracterizados
pelo que se chama de sincretismo, porque a constituição do seu conjunto não provém
de uma unidade teórica.
Outro motivo que faz o autor caracterizar os saberes docentes como sincréticos está
no fato de o trabalho docente ser permeado, frequentemente, por situações únicas e
instáveis – característica que inviabiliza a aplicação de técnicas predeterminadas, ou
seja, não funciona conforme o modelo de aplicação da racionalidade técnica (SCHÖN,
2000).
Um terceiro motivo que justifica o sincretismo do trabalho do magistério, conforme
Tardif (2002), é o fato de o professor precisar mobilizar, no exercício de suas atividades,
diferentes tipos de raciocínio.
Acerca do raciocínio do professor, Shulman (1987) observa que a meta da formação
desse profissional não é doutriná-lo ou treiná-lo para se comportar de modos prescritos,
mas educá-lo para pensar profundamente sobre o seu ensino, bem como desempenhá-
lo de forma consciente. Esse raciocínio requer tanto um processo de pensar no que o
professor faz quanto um conjunto adequado de fatos, princípios e experiências que
lhe fundamente. O professor deve, então, usar sua base de conhecimentos para prover
suas escolhas e ações. Sua formação, portanto, tem de trabalhar com as convicções
que guiem as ações do professor, com os princípios e as evidências que estão sob suas
escolhas. Tais escolhas podem ser predominantemente arbitrárias ou idiossincráticas,
ou podem fundamentar-se em princípios éticos, empíricos, teóricos ou práticos que
tenham apoio significativo entre membros da comunidade docente.

21
Saberes docentes e O autor observa que, quando se examina o ato de ensinar, é comum enfatizar as
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: características do raciocínio dos professores, as quais podem explicar suas decisões
leitura, escrita,
análise linguística e para a ação. Todavia é preciso cautela para não colocar ênfase imprópria nesses
gramática
profissionais, pois suas decisões são selecionadas conforme os fins que pretendem
alcançar. Ensinar, portanto, é um ato efetivo e normativo – está relacionado a meios
e fins –, e os processos de raciocínio estão sob ambos. Consequentemente, a base de
conhecimentos tem de tratar não apenas dos propósitos da educação, mas também
dos métodos e das estratégias da educação.
As considerações de Shulman (1987) envolvem o que ele chama de processo do
raciocínio e da ação pedagógicos – processo composto por um ciclo de atividades de
compreensão, transformação, instrução, avaliação e reflexão.
A compreensão, de acordo com Shulman (1987), respeita ao fato de que ensinar
é primeiro entender. Assim, antes de ensinar, o professor precisa compreender
criticamente o que ensinará, ou seja, espera-se que ele entenda o que ensina
e, se possível, que entenda de modos diversos (por exemplo, tem de saber como
determinado assunto se relaciona com outros dentro de uma mesma área e como tais
relações ocorrem). Compreender os propósitos da educação também é fundamental
no processo de raciocínio e de ação pedagógicos. Isso envolve os resultados da
aprendizagem dos alunos, suas ações na sociedade, criação de oportunidades para
alunos vindos de contextos culturais diferentes etc. O processo de raciocínio e ação
pedagógicos toma, consequentemente, o rumo da transformação que os professores
realizam pelo desempenho do seu trabalho.
Quanto à atividade de transformação, o autor observa que os conteúdos a
serem ensinados devem ser transformados de alguma maneira, a fim de motivar o
aprendizado dos alunos. As transformações requerem uma combinação dos seguintes
passos: (1) preparação do material, interpretado de forma crítica para o uso – essa
preparação envolve a interpretação e o exame críticos dos materiais de instrução em
termos do entender do professor sobre o assunto, ou seja, ele examina o material
pedagógico, levando em conta a própria compreensão, e pergunta se é adequado
para o ensino; (2) representação das ideias na forma de analogias e metáforas –
pensamento sobre as ideias fundamentais do conteúdo da lição e sobre os modos
alternativos de representar os alunos; (3) seleções instrutivas a partir de métodos
e modelos de ensino, as quais acontecem quando o professor tiver de mover ou
reformular o conteúdo para efetivar a instrução ou desenvolver uma metodologia; (4)
adaptação da representação para as características gerais de alunos específicos e
de contextos específicos – processo em que se ajusta o material às características dos
alunos (especificidades que podem afetar suas respostas – gênero, idioma, cultura,

22
motivações, conhecimento prévio, diferentes formas de representação, concepções, Afinal, o que é
preciso saber para ser
expectativas, motivos, dificuldades ou estratégias que poderiam influenciar os modos professor

como os alunos interpretam o conteúdo), isto é, desempenho do ensino pensado,


planejado – explicita ou implicitamente.
Quanto à atividade da instrução, ela envolve o desempenho observável da variedade
do ato de ensinar e inclui muitos dos aspectos cruciais à pedagogia: organização e
administração da sala de aula; discussão; explicações claras, apresentando descrições
vividas, nomeando e conferindo trabalhos, interagindo efetivamente com os alunos,
por meio de perguntas e sondagens das respostas, das reações, dos elogios e das
críticas.
A avaliação se refere à verificação da compreensão dos alunos no processo
pedagógico. Ela também é dirigida ao próprio ensino do professor, às lições e aos
materiais empregados em suas atividades. Nesse sentido, ela conduz diretamente à
reflexão e, portanto, requer todas as formas de compreensão e de transformação já
abordadas.
O momento da reflexão ocorre quando o professor “olha” para o ensino e observa
como ele ocorreu, reconstruindo reordenando e/ou recapturando os eventos, as
emoções e as realizações. É como se fosse um processo pelo qual um profissional
aprende pela experiência. A reflexão não é somente uma questão de disposição ou
um jogo de estratégias, mas é também o uso de tipos particulares de conhecimentos
analíticos que afetam o trabalho do professor. Isso implica que o cerne desse processo
deve estar em consonância com os fins almejados.
Enfim, a compreensão nova é o resultado da conclusão do ciclo do processo
de raciocínio e da ação pedagógicos, o qual leva o professor a uma compreensão
aperfeiçoada acerca dos propósitos e assuntos relativos ao ensino, aos alunos e até
a sua ação pedagógica. A compreensão nova não acontece automaticamente; assim,
mesmo depois da avaliação e da reflexão, ela leva o professor sempre ao ponto de
partida, formando um círculo.
Apesar de Shulman (1987) ter apresentado os processos do modelo do raciocínio
e da ação pedagógicos em sequência, o autor adverte que esses processos podem
acontecer em uma ordem diferente. Alguns podem até mesmo não ocorrer em
determinadas situações de ensino. Uns podem ser confusos; outros, elaborados.
Porém, a fim de controlar sua prática e proporcionar a aprendizagem aos alunos, os
professores precisam ser hábeis em lidar com tais processos.
A habilidade para isso, entretanto, envolve fatores contextuais em que o trabalho
docente seja valorizado. E valorizar esse trabalho “significa dar aos professores
condições para analisar e compreender os contextos histórico, social, cultural e

23
Saberes docentes e organizacional que fazem parte de sua atividade docente” (PIMENTA; LIMA, 2008, p.
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: 14).
leitura, escrita,
análise linguística e Espera-se que esse texto seja uma semente para a produção de tais condições no
gramática
campo desse processo de formação inicial de professores, que é o Curso de Letras-EAD.

Referências

ALTET, M. As competências do professor profissional: entre conhecimentos,


esquemas de ação e adaptação, saber analisar. In: PAQUAY, P.; PERRENOUD, P.;
ALTET, M.; CHARLIER, É. (Org.). Formando professores profissionais: Quais
estratégias? Quais competências? 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 23-35.

MIZUKAMI, M. G. N.; REALI, A. M. M. R.; REYES, C. R.; MARTUCCI, E. M.; LIMA,


E. F.; TANCREDI, R. M. S. P.; MELLO, R. R. Escola e aprendizagem da docência:
processos de investigação e formação. São Carlos: EdUFSCar, 2002.

PERES, A. F. Saberes e identidade profissional na formação de professores de


Língua Portuguesa. Maringá: Eduem, 2010.

PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

SCHÖN, D. A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A.


(Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992.
p. 77-91.

______. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a


aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

SHULMAN, L. S. Knowledge and teaching: foundations of the New Reform. Harvard


Educational Review, Cambridge, n. 1, vol. 57, p. 1-22, Febr. 1987.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

24
2 Objetivos do ensino
de língua portuguesa

Annie Rose dos Santos

A língua portuguesa abrange grande variedade de conteúdos didáticos, e muitas


vezes nem mesmo o professor sabe por onde iniciar seu trabalho. Produção textual,
leitura, análise linguística, compreensão e interpretação de textos, gramática... O que
deve ser ensinado primeiramente? Como inserir esses conhecimentos em situações
reais de uso da língua materna? Esses e outros questionamentos têm preocupado os
profissionais de Letras em todo o país e gerado novas reflexões acerca da maneira
como a língua portuguesa é ensinada nas escolas.
Embora a língua portuguesa apresente um considerável grau de complexidade, é
importante termos em mente que quem dá vida à língua somos nós, os próprios falan-
tes, e que, uma vez adquirida a experiência linguística oral, qualquer pessoa é capaz de
aprender a sua estrutura gramatical. As pessoas que falam a língua portuguesa desde a
infância possuem uma ‘gramática internalizada’ e instintivamente sabem reconhecer as
palavras e as formações da língua nos diferentes contextos, além de saber combiná-las
de formas variadas, expressando-se nas diversas situações comunicativas.
O ensino de língua portuguesa, todavia, necessita de avaliação constante. Apesar
da relevância de cada conteúdo didático, é importante que este seja planejado e or-
ganizado de modo que os objetivos do professor sejam plenamente atingidos. Nesse
sentido, os postulados de Bechara (1985) e de Travaglia (2008) são pertinentes quan-
do assinalam que o objetivo da escola reside na formação, aperfeiçoamento e controle
das diversas competências linguísticas do aluno, ressaltando que o objetivo do ensino
de língua materna é prioritariamente desenvolver a competência comunicativa.
Neste capítulo, trataremos dos objetivos do ensino de língua portuguesa no Brasil.
Para tanto, discorreremos inicialmente sobre como e onde esse ensino surgiu, para,
em um segundo momento, abordarmos como os objetivos do ensino da língua mater-
na se modificaram ao longo das décadas e como chegaram a nós.
Tomamos como base para este texto os estudos desenvolvidos por autores como
Soares (2004), Meserani (2002), Travaglia (2008), Possenti (2004), entre outros que
se debruçaram na pesquisa deste tópico – os objetivos do ensino da língua materna.

25
Saberes docentes e BREVE HISTÓRICO DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: Soares (2004) enuncia que, em cada momento histórico brasileiro, a constituição
leitura, escrita,
análise linguística e da disciplina português foi determinada por elementos externos, por exemplo, as
gramática
condições sociais, econômicas e culturais que subjazem à escola e ao ensino, e por
elementos internos, tais como a natureza dos conhecimentos sobre a língua, o nível
de desenvolvimento desses conhecimentos e a formação dos profissionais atuantes
nessa área.
Sendo assim, a retomada desses elementos ajuda a entendermos o ensino da língua
portuguesa no passado e serve para compreendermos o atual momento do ensino
dessa língua no país.
No Brasil Colonial, o português ensinado nas escolas era tão somente instrumento
para a alfabetização dos filhos da elite, não sendo componente curricular, pois não
era a língua oficial do país. No país conviviam três línguas: a língua portuguesa do
colonizador, a língua geral – as línguas indígenas aqui faladas – e o latim – ensinado
pelos jesuítas no ensino secundário e superior. Prevalecia a língua geral, para facilitar a
comunicação entre portugueses e indígenas e entre os indígenas falantes de diferentes
línguas (SOARES, 2004).
Soares (2004) afirma ainda que a língua portuguesa não integrava o currículo escolar
no Brasil Colônia. As reformas implantadas pelo Marquês de Pombal em Portugal e em
suas colônias (incluindo-se o Brasil), em meados do século XVIII, tornaram obrigatório
o uso da língua portuguesa, sendo proibida a utilização de outras línguas. Para a
autora, essas medidas contribuíram largamente tanto para a consolidação da língua
portuguesa no Brasil quanto para a sua inclusão e valorização na escola.
No século XVIII, foi implantado também o ensino da gramática, o qual, inicialmente,
buscava servir de apoio ao ensino-aprendizagem da gramática latina. Gradativamente,
todavia, a língua latina perdeu seu uso e valor social e, consequentemente, foi extinta
do programa de ensino brasileiro, e no século XX a gramática da língua portuguesa
fortaleceu-se como uma área de conhecimento, embora, de acordo com Soares (1996),
ainda ‘alheia’ à língua portuguesa.
O ensino dessa gramática tinha por base a concepção de língua exterior ao indivíduo
e era focada nos alunos das classes sociais mais favorecidas. Sua finalidade era que eles
conhecessem e reconhecessem o sistema linguístico (SOARES, 2004), centrado em
uma única modalidade de gramática, a tradicional.
A partir da década de 50 do século XX, houve expansão do número de vagas na
escola e do acesso da camada menos favorecida da população, e foram implementadas
modificações nas disciplinas curriculares e nos objetivos da instituição escolar. O ensino
da disciplina português também foi alterado, e gramática e texto, assim como estudos

26
sobre a língua e estudo da língua, passaram a integrar a disciplina com conteúdo Objetivos do ensino
de língua portuguesa
articulado. Soares (2004, p. 167) pontua que ora era na gramática da língua que se
buscavam elementos para a compreensão e interpretação do texto, ora era no próprio
texto que se buscavam as estruturas linguísticas para a aprendizagem da gramática.
Meserani (2002) propala que, nos anos 60 do século XX, ocorreu uma revolução na
comunicação, quando teve início uma competição entre escola e meios de comunicação
de massa, como a televisão. O autor acrescenta que era “hora de se pensar um novo
sistema educacional e não só de continuar remendando um modelo exausto e obsoleto.
[...]; era “um tempo de novas ciências e de novas propostas educacionais” (p. 19).
Segundo o autor, no ensino da língua materna teve início a preocupação de
fundamentação na linguística, porém os espaços escolares continuaram a ser ocupados
pela gramática tradicional, e a escola continuou “esperando por uma lingüística que lhe
seja aplicável” (p. 20). O confronto da escola com a televisão, corroborando Meserani
(2002), forçou novas atitudes escolares, porque esta percebeu que a televisão viera
para ficar e que teria de ensinar a ler e a escrever de modo mais eficaz para poder
concorrer com esses novos meios de comunicação de massa.
Soares (2004) assinala que, nos anos 1970 e início dos anos 1980, houve um “hia-
to na primazia da gramática no ensino do português” (p. 168). A Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB) número 5692/71 ocasionou uma mudança significativa nas
disciplinas curriculares, entre elas o português, “resultante da intervenção feita nesse
transcurso histórico pelo governo militar instaurado em 1964” (p. 169).
Nas palavras da autora,

A nova lei [...] punha a educação, segundo os objetivos e a ideologia do regime


militar, a serviço do desenvolvimento; a língua, no contexto desses objetivos
e dessa ideologia, passou a ser considerada instrumento para esse desenvolvi-
mento. A própria denominação da disciplina foi alterada, não mais português,
mas comunicação e expressão (SOARES, 2004, p. 169).

Com a mudança na LDB, os objetivos do ensino de língua portuguesa passaram


a ser pragmáticos e utilitários, pois a ordem era “desenvolver e aperfeiçoar os
comportamentos do aluno como emissor e recebedor de mensagens, através da
utilização e compreensão de códigos diversos – verbais e não verbais” (SOARES, 2004,
p. 169). Trata-se, assim, do desenvolvimento do uso da língua.
Meserani (2008, p. 21) expõe que nos anos 1970 são observados os problemas
decorrentes do ensino de redação iniciado nos anos 1960. Para o autor, três questões
se sobressaem: 1) a respeito da metodologia e das técnicas de ensino, de como ensinar;
2) a respeito dos modos e critérios de avaliação; e 3) a respeito dos gêneros e tipos
de textos, do que ensinar. Esses aspectos geraram dúvidas e discussões inimaginadas

27
Saberes docentes e pela escola da primeira metade do século XX, as quais, por sua vez, propiciaram o
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: surgimento de estudos teóricos e propostas didáticas nessa década e nas posteriores.
leitura, escrita,
análise linguística e Na segunda metade dos anos 1980, foram eliminadas as denominações comunicação
gramática
e expressão e foi recuperada a denominação português para a disciplina dos currículos
do ensino fundamental e médio, por uma medida do Conselho Federal de Educação,
que respondia, dessa forma, aos insistentes protestos da área educacional (SOARES,
2004, p. 170).
Esses protestos significavam a rejeição de uma concepção de língua e de ensino
que não encontrava apoio nem nos contextos político e ideológico da década de 80
do século XX, período em que ocorreu a redemocratização do país, nem nas novas
teorias da área de ciências linguísticas que principiavam a chegar ao campo do ensino
da língua materna (SOARES, 2004, p. 171).
As ciências linguísticas, em conformidade com Soares (2004), contribuíram
para o ensino do português, visto que alertaram a escola para as diferenças entre
as variedades linguísticas efetivamente faladas pelo aluno e a variedade de prestígio,
chamada padrão culto, que se lhes pretendia (e se pretende atualmente) ensinar nas
aulas de língua materna. Na visão da autora, a redemocratização da escola fez que o
ensino da língua portuguesa fosse direcionado aos alunos que levavam para a sala
de aula uma heterogeneidade linguística que exigiu (e que ainda exige) uma nova
postura dos professores frente às diferenças dialetais, como novos conteúdos e nova
metolodogia de ensino para a disciplina de português.
Geraldi (1997) registra que os anos 1980 representam um marco decisivo no
ensino de língua materna. O ensinar era foco de estudos, e o aprender passa a ser foco
de interesses (RAUPP, 2005). Nessa década, a Linguística chega à escola desdobrada em
Psicolinguística, Sociolinguística, Linguística Teórica, Pragmática, Análise do Discurso,
todas direcionadas ao ensino da língua materna.
Instaura-se uma concepção de linguagem que vislumbra a língua como enunciação,
discurso, e não apenas como comunicação, e que, portanto, inclui as relações da língua
com aqueles que a utilizam, com o contexto em que é utilizada e com as condições
sócio-históricas de sua utilização, resultante de uma nova concepção de gramática,
de seu papel e de sua função no ensino de português (SOARES, 2004). Interação é a
palavra-chave na década de 80 do século XX (RAUPP, 2005).
Soares (2004, p. 173) assinala que não são apenas as ciências linguísticas que
propiciam novas orientações para a disciplina português. Em sua acepção, três áreas
de estudos e pesquisas recentes – a história da leitura e da escrita; a sociologia da
leitura e da escrita; e a antropologia da leitura e da escrita –, ao investigar e analisar as
práticas históricas de leitura e escrita, as práticas sociais de leitura e escrita e os usos e

28
funções da leitura e escrita em distintos grupos culturais, “introduzem a necessidade de Objetivos do ensino
de língua portuguesa
orientar o ensino da língua materna também por perspectivas históricas, sociológicas
e antropológicas”.
A autora pondera que

Três questões atualmente em discussão na área educacional brasileira só pode-


rão ser esclarecidas e decididas, no que se refere à disciplina português, se se
buscar realizar essa articulação e síntese: a definição de parâmetros curriculares
para a disciplina português, a reformulação dos cursos de formação de pro-
fessores dessa disciplina, a avaliação dos livros didáticos para essa disciplina
(SOARES, 2004, p. 174).

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA ATUALIDADE


Assim como Soares (2004), os profissionais da educação e os interessados no en-
sino da língua materna discutem muito os problemas das aulas de língua portuguesa
no país, especialmente sobre o motivo de os programas de ensino não terem êxito.
Luft (2003), por exemplo, afirma que o ensino de língua portuguesa é essencial para a
formação do indivíduo. Entretanto, precisa ser revisto, porque, ao se ensinar as regras
gramaticais, grande parte dos professores ignora a língua falada pelo aluno, implican-
do que a língua objeto de estudo fica muito distante da prática efetiva, e, se não há
aproximação, não há aprendizado.
O objetivo do ensino de uma língua para os falantes dessa língua deve centrar-se
na possibilidade de levá-los ao domínio efetivo das habilidades de leitura e escrita,
audição e oralidade. A escola, campo de aplicação desse ensino por excelência, deve
formar alunos capacitados como leitores, que sejam capazes de produzir qualquer
tipo de texto, usando também a modalidade oral. Esse objetivo, realçamos, somente
será alcançado com a prática constante, uma vez que ler e escrever são atividades
primordiais no ensino de língua.
Infelizmente, ao observarmos a prática de ensino de língua portuguesa nas escolas
brasileiras, constatamos que esse objetivo está muito distante de ser atingido. Notamos
grande defasagem na escrita de nossos alunos, quando confrontada com o padrão da
norma culta que deve ser ensinado nas escolas, uma consequência das aulas de língua
portuguesa ao longo dos anos de escolaridade, muitas vezes descontextualizadas,
fragmentadas, sem uma sequência, com exemplos distantes da realidade e da prática
linguística dos alunos.
Assim, defendemos que o ensino de língua portuguesa com enfoque na escrita e na
comunicação é mais produtivo do que, por exemplo, o ensino das normas gramaticais
desvinculadas das situações cotidianas e das formas de língua faladas pelos alunos.

29
Saberes docentes e Se, ao ingressarem na escola, as crianças já possuem uma gramática internalizada,
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: cabe à escola, portanto, explorar a sua expressividade, permitindo que suas variedades
leitura, escrita,
análise linguística e linguísticas sejam desenvolvidas, aperfeiçoadas, bem como o desenvolvimento das
gramática
variedades linguísticas de prestígio, visando à adequação às diversas situações
sociocomunicativas. Essa prática leva ao ensino da norma culta por contraste –
comparando-se a língua de que se tem posse com a língua que é exigida como
padrão na sociedade, almejando que as crianças gradativamente se apropriem do
novo modelo, sem receios e sem imposição por parte do professor.
Isso, todavia, não tem ocorrido com muita frequência no ensino escolar, e o que
deveria levar os alunos a uma reflexão e aprendizagem – o ensino das variedades
linguísticas – acaba ocasionando certa confusão. Reforçamos que é papel da escola
propiciar ao educando o estabelecimento de uma analogia entre a sua variedade
linguística e a variedade padrão, a fim de que ele perceba que diferentes situações
sociais pedem diferentes registros linguísticos e que o domínio da variedade padrão
proporcionará mais condições de se adequar às imposições sociais (SILVA, 2009).

OBJETIVOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA


Apresentamos, na sequência, alguns objetivos do ensino de língua materna na
visão oficial (Ministério da Educação) e as sugestões para a melhoria desse ensino na
concepção de linguistas brasileiros que se dedicam a estudar essa questão.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) – doravante PCNs – pos-
tulam como objetivos gerais do ensino de língua portuguesa para o Ensino Funda-
mental o desenvolvimento progressivo de uma competência em relação à linguagem
que permita aos educandos resolverem problemas da vida cotidiana, terem acesso
aos bens culturais e alcançarem a participação plena no mundo letrado.
Para que esses objetivos sejam atingidos, os PCNs assinalam que o ensino de
língua portuguesa deve ser organizado para tornar os alunos capazes de expandir
o uso da linguagem em instâncias privadas, usando-a eficazmente em instâncias
públicas, “sabendo assumir a palavra” e produzir textos orais e escritos de forma
coerente, coesa e adequada aos destinatários, aos objetivos a que se propõem e aos
assuntos tratados.
Na perspectiva dos PCNs, os alunos devem ser capazes de usar diferentes registros,
incluindo os mais formais, adequando-os às mais diferentes situações comunicativas;
de conhecer e respeitar as diversas variedades linguísticas do português falado; de
compreender os textos orais e escritos, interpretando-os corretamente; de valorizar
a leitura como fonte de informação, sendo capazes de recorrer aos materiais escritos
em função dos objetivos que pretendem; de refletir sobre a língua, conhecendo e

30
analisando criticamente os seus usos como veículo de valores e de preconceitos de Objetivos do ensino
de língua portuguesa
classe, credo, gênero ou etnia, entre outras prescrições (BRASIL, 1997).
A esse respeito, Travaglia (2008, p. 17-20) faz importantes reflexões, as quais
culminam em objetivos para o ensino de língua materna: 1) desenvolver a
competência comunicativa dos usuários da língua (falante, escritor, ouvinte,
leitor), ou seja, a capacidade do usuário de utilizar a língua de forma adequada nas
diferentes situações comunicativas; 2) levar os alunos a dominar a norma padrão
da língua e ensinar a variedade escrita da língua, distinta da variedade oral; e,
ainda, propiciar ao aluno o conhecimento da instituição linguística, mostrando como
ela é constituída e como se apresenta socialmente, haja vista que a competência
linguística deve se estender a todos os campos do conhecimento humano. O autor
adverte que, ao dar aula de uma língua para falantes dessa língua, é necessária a
indagação: “para que se dá aulas de uma língua para seus falantes?”, ou, ainda, “para
que se dá aulas de Português a falantes nativos de Português?”.
Possenti (2004, p. 318) enuncia que se deve “criar condições efetivas para a
escrita e a leitura constantes – transformá-las em práticas diárias e mais ou menos
intensas”, acrescentando que os professores da língua materna devem

escalonar as questões relativas à norma culta, para criar condições que per-
mitam efetivamente que os estudantes possam tornar-se falantes dessa moda-
lidade e, ao mesmo tempo, que sejam capazes de alterar pelo menos parcial-
mente as atitudes lingüísticas que incorporam em sua vida pré-escolar, em
geral preconceituosas.

Travaglia (2008) assevera que a escola deve “propiciar o contato do aluno com
a maior variedade possível de situações de interação comunicativa por meio de um
trabalho de análise e de produção de enunciados ligados aos vários tipos de situações
de enunciação”. Dito de outra maneira, é preciso que haja abertura à pluralidade de
discursos, única maneira de a escola abrir-se à vida e à comunidade.
O autor acresce que é importante para o ensino uma teoria que “trata
especificamente do texto” e o concebe como “espaço intersubjetivo”, resultante
da “interação entre os sujeitos da linguagem que atuam em uma situação de
comunicação para atingir determinados objetivos” (TRAVAGLIA, 2008, p. 20).
Concordamos com o autor quando enuncia ser relevante para o ensino de língua
materna a forma como o professor concebe a linguagem e a língua, porque a “concep-
ção de linguagem” do professor é tão importante quanto a postura que este tem em
relação à educação.

31
Saberes docentes e AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E OS OBJETIVOS DO ENSINO DE LÍN-
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: GUA PORTUGUESA
leitura, escrita,
análise linguística e Julgamos pertinente discorrer, mesmo que brevemente, acerca das concepções de
gramática
linguagem e a forma como elas conceituam o ensino de língua portuguesa.
Há três concepções de linguagem: a linguagem como expressão do pensamento,
para a qual as pessoas não se expressam bem porque não pensam. Nessa concepção,
a premissa para o ensino de língua portuguesa é a de que existem regras a serem se-
guidas para a organização lógica do pensamento e, por consequência, da linguagem.
Essas regras constituem as normas do bem falar e do bem escrever, aparecendo nos
estudos linguísticos tradicionais, resultando no que se denomina gramática norma-
tiva ou tradicional (TRAVAGLIA, 2008, p. 21-22). Nessa vertente, o modo como o
texto, usado em cada situação de interação comunicativa, encontra-se constituído
independe de para quem se fala, em que situação se fala (onde, como, quando),
bem como para que se fala.
Ainda citando Travaglia (2008), a segunda concepção vislumbra a linguagem
como instrumento de comunicação, como meio objetivo para a comunicação. Nela,
a língua é tida como um código, um conjunto de signos combinados conforme re-
gras, capaz de transmitir uma mensagem de um emissor a um receptor. O objetivo
do ensino de língua portuguesa é ensinar esse código aos falantes da língua para
que haja efetivamente a comunicação. Nessa concepção, em conformidade com o
autor supracitado, o falante tem em sua mente uma mensagem a transmitir a um
ouvinte, isto é, informações que quer que cheguem ao outro; para tanto, ele coloca
essa mensagem em código (codificação) e a envia para o outro por intermédio de
um canal (ondas sonoras ou luminosas). O outro, então, recebe os sinais codifica-
dos, transformando-os novamente em mensagem (informações). Ocorre, assim, a
chamada decodificação.
A terceira concepção, em consonância com Travaglia (2008, p. 23), conside-
ra a linguagem como forma ou processo de interação. Nessa vertente, o sujeito,
ao utilizar a língua, não apenas traduz/exterioriza um pensamento ou transmite
informações a outrem; ele age, atua sobre o interlocutor (ouvinte ou leitor). A lin-
guagem é vista como um local de interação humana, em determinada situação de
comunicação e em um contexto sócio-histórico e determinado. O objetivo do ensi-
no da língua portuguesa é a interação comunicativa, é levar os usuários da língua
a interagirem como sujeitos que ocupam lugares sociais e falam e ouvem desses
locais conforme as formações imaginárias (imagens) estabelecidas pela sociedade.
O que caracteriza a linguagem é o diálogo em sentido amplo (BAKHTIN , 2003); a
interação verbal constitui a realidade fundamental da linguagem.

32
Isso posto, reiteramos a assertiva de Travaglia (2008) quanto à relevância de o pro- Objetivos do ensino
de língua portuguesa
fessor de língua materna conhecer e reconhecer as concepções de linguagem utili-
zadas por ele ao ensinar, pois assim seus objetivos de ensino ficarão mais evidentes,
permitindo melhor resultado em sala de aula.
Salientamos que as três concepções de linguagem são importantes e atingiram, (e
atingem), cada uma a sua maneira, determinados propósitos no ensino da língua, já
que refletem o momento sócio-histórico e político do país quando foram amplamente
empregadas. O professor de língua materna pode e deve fazer uso dessas concepções
de linguagem em sala de aula, desde que plenamente convicto dos objetivos que
pretende alcançar com os alunos ao empregar cada concepção de linguagem.
Obviamente, a concepção de linguagem que atualmente norteia o ensino-
aprendizagem de língua portuguesa em todo o país é a terceira concepção acima
descrita: a que concebe a linguagem como processo de interação, a que busca levar os
alunos a interagirem de fato na sociedade, por meio do ensino de gêneros textuais em
real circulação social.

Considerações finais
Neste capítulo, procuramos apresentar, de modo sucinto, o percurso do ensino
de língua portuguesa no país desde a implementação do sistema oficial de ensino
brasileiro. Vimos os diferentes objetivos do ensino da língua materna, atendendo às
políticas vigentes em cada momento histórico, sobretudo no decorrer do século XX.
Percebemos que as alterações mais significativas nos objetivos do ensino de português
ocorreram na década de 1980, quando novos estudos, fundamentados nas ciências
linguísticas, foram desenvolvidos e aos poucos inseridos na escola.
Convém a ressalva de que os objetivos de língua portuguesa ainda não foram ple-
namente atingidos devido a uma série de fatores internos e externos à escola. Como
fatores internos, destacamos a deficiência na formação docente; a estrutura falha do
sistema escolar, que entre outros não contempla no programa de língua materna os
conteúdos que privilegiam a oralidade, o trabalho com a variante linguística do aluno;
as leis e programas nacionais (como os PCNs) que são criados, mas que, pelos motivos
que não nos cabe aqui discutir, não são integralmente cumpridos pelos profissionais da
educação, entre outros inúmeros problemas; e, como fatores externos, apontamos o
fato de coexistirem no país duas normas-padrão da língua portuguesa (BAGNO, 2004):
uma, a do discurso oficial e das gramáticas, que apenas existe na escrita, e outra, a da
oralidade dos falantes, que muito difere da norma padrão escrita, e que infelizmente
não é ensinada nas escolas. Há ainda outros fatores, além dos já citados, que dificultam
o ensino-aprendizagem da língua portuguesa nas escolas, culminando nos péssimos
lugares que o Brasil ocupa em rankings internacionais (tais como o Pisa, 2009).
33
Saberes docentes e Pontuamos que as pesquisas desenvolvidas pelos estudiosos e a criação de novas
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: teorias de ensino não são suficientes se os professores de língua portuguesa, mediadores
leitura, escrita,
análise linguística e do ensino da língua materna, não se dispuserem a rever constantemente sua prática
gramática
em sala de aula e não optarem pela mudança de estratégia e de foco na busca por
melhores resultados com os educandos. Realçamos que apenas o comprometimento
e a responsabilidade dos educadores como um todo – os profissionais da educação
– propiciarão ao ensino de língua materna, a disciplina português, ser mais bem
direcionado, adequado às expectativas e às necessidades reais dos aprendizes,
condizente com a sociedade atual e com os cidadãos que queremos formar.

Referências

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Janeiro: Padrão, 1985.

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a 8ª séries). Brasília, DF, 1999b. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso
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GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

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São Paulo: Loyola, 2004.

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34
Publicatio UEPG: Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas, Linguística, Letras Objetivos do ensino
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propesp.uepg.br/publicatio/hum/2005_2/05.pdf>. Acesso em: 11 fev. 2011.

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TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de


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http://www.meuartigo.brasilescola.com/portugues/desafios-ensino-lingua-portuguesa.
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http://www.gel.org.br/estudoslinguisticos/volumes/38/EL_V38N2_10.pdf. Acesso em:


13 fev. 2011.

http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/internacional/news2009. Acesso em: 09


mar. 2011.

35
Saberes docentes e
práticas de ensino de
Língua Portuguesa:
leitura, escrita, Anotações
análise linguística e
gramática

36
3 Uma proposta
pedagógica de leitura
na perspectiva dialógica

Lilian Cristina Buzato Ritter

Introdução
Apesar de, por mais de duas décadas, pesquisadores da área da Linguística Aplicada
terem se dedicado a trabalhos voltados ao ensino da leitura, alicerçando alguns
avanços teórico-metodológicos, no que diz respeito à referida prática na concepção
interacionista de linguagem, atualmente um dos grandes desafios da escola ainda se
encontra relacionado ao desenvolvimento de leitores críticos.
Tanto o documento oficial nacional – no caso, os Parâmetros Curriculares Nacio-
nais (BRASIL, 1998) – quanto o regional sobre política educacional – as Diretrizes
Curriculares da Rede Pública de Educação Básica do Paraná (PARANÁ, 2008) – ele-
gem, como objetivo das aulas de leitura, o desenvolvimento de atitudes e posturas
críticas do leitor frente aos textos. Nessa direção, podemos afirmar que esses docu-
mentos são permeados por diversos aportes teóricos, por exemplo, os da Linguística
Textual, da Psicologia Cognitiva, da Análise do Discurso, dos Estudos da Enunciação
e, entre todas essas contribuições, há uma convocação para a noção bakhtiniana de
gênero discursivo.
Na perspectiva teórica bakhtiniana, como já foi discutido no livro “Leitura:
aspectos teóricos e práticos”, particularmente, no capítulo “Uma prática de leitura
do gênero discursivo na perspectiva dialógica da linguagem” (CECILIO; RITTER,
2010), a compreensão não equivale ao reconhecimento da forma linguística, mas sim
à “interação dos significados das palavras e seu conteúdo ideológico, não só do ponto
de vista enunciativo, mas também do ponto de vista das condições de produção e da
interação locutor/receptor” (RECHDAN, 2003, p. 2). A grande implicação pedagógica
dessa afirmação requer, em sala de aula, a percepção do destinatário – para quem o
texto foi produzido, a que sujeito social a palavra foi dirigida; a reflexão sobre a esfera
social na qual esse enunciado concreto está inserido.
Em contexto de ensino, portanto, as ideias bakhtinianas subsidiam o que está
presente nos documentos oficiais sobre ensino de língua materna em relação à

37
Saberes docentes e diversidade de gêneros. Como leitores/produtores de textos, os alunos estão imersos
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: em práticas sociais e em atividades de linguagem letradas, pertencentes a diferentes
leitura, escrita,
análise linguística e situações comunicativas. Para agirem e interagirem nessas situações, é necessário
gramática
que saibam empregar adequadamente os gêneros discursivos. Assim, no eixo leitura,
corroboramos Rojo (2005, p. 207), para quem essa atividade consiste

[...] mais de despertar a réplica ativa e a flexibilidade dos sentidos na polissemia


dos signos, que de ensinar o aluno a reconhecer, localizar e repetir os signifi-
cados dos textos [...] parece-nos ser mais útil e necessário explorar com eles
(alunos) as características das situações de enunciação – relacionadas às marcas
lingüísticas que deixam.

Tal ótica concebe a leitura como instauradora de diálogos na dimensão espaço-


temporal, propiciando diferentes formas de ver, de avaliar o mundo e de (re)conhecer
o outro. Nesse sentido, torna-se relevante atentar, conforme o próprio Geraldi (1991),
que um texto pode ter mais de uma leitura, mas isso não significa admitir todas,
visto que a leitura não deve ser concebida como imanente (com sentidos fixos) nem
apenas como confirmadora das hipóteses do leitor.
Consequentemente, o trabalho de co-produção de sentidos, por intermédio da
recriação do que é omitido e dos implícitos, do preenchimento de incompletudes,
é assentado na interação sujeito-leitor e texto, em suas várias possibilidades de
interpretação. O leitor, desse modo, segundo Brandão (1997), situa-se entre o
movimento de expansão e de filtragem de sentidos.
Nessa relação, consoante a autora, é criado um significado global do texto, que
não é aquele intencionado pelo autor nem pelo leitor, mas o resultante do trabalho
dialógico de ambos. O processo de reconstrução textual é realizado porque o
leitor mobiliza seus conhecimentos prévios (linguísticos, textuais e de mundo), em
determinada situação de produção de leitura, preenchendo as lacunas textuais, via
pistas interpretativas, deixadas pelo autor – o qual produziu seu texto também em
determinado contexto de produção: com uma finalidade, em certa época, em certo
local, em um suporte específico.
Até este momento, fizemos uma retomada da concepção teórica referente ao
processo de leitura já apresentada e discutida em capítulo anterior, para pontuarmos,
em seguida, o objetivo deste trabalho: apresentar aos professorandos uma proposta
pedagógica de leitura, na configuração de um plano de aula de língua portuguesa. É
importante salientarmos que a referida sugestão didática ancora-se teoricamente na
perspectiva dialógica da linguagem (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 1992; BAKHTIN, 2003),
portanto, naquela que trava um diálogo com as discussões teórico-metodológicas
tecidas anteriormente, conforme explicitado.

38
Para articular os aspectos teóricos abordados até então com a prática de sala de Uma proposta
pedagógica de leitura
aula, compondo nossa proposta pedagógica de leitura, selecionamos uma crônica de na perspectiva dialógica

Moacyr Scliar, publicada no jornal Folha de São Paulo, em 18/05/2009, intitulada O


carro comestível. Pensando sobre a série na qual essa prática poderia ser desenvol-
vida, sugerimos a 1.ª série do ensino médio, em virtude da densidade temática da
própria crônica e também pela complexidade enunciativa que caracteriza as crônicas
produzidas nesta esfera social, a jornalística.
A fim de organizar este capítulo, primeiramente, apresentamos uma análise acerca
da crônica selecionada, tecendo reflexões a respeito da dimensão social (condições de
produção) do gênero e, a partir daí, de alguns aspectos caracterizadores da dimensão
verbal do referido texto. Em seção posterior, sugerimos uma proposta pedagógica de
leitura como exemplo modelar de trabalho para o professor.

As dimensões social e verbal da crônica


Muito produtivo para esse estudo, em termos metodológicos, são questões
elaboradas por Rodrigues (2005), por nós adaptadas, que orientam a reflexão sobre
alguns aspectos referentes a este momento da análise: o que motiva o acontecimento
dessa crônica, ou seja, ela é uma reação-resposta a quê, a quem? Como essa reação se
manifesta na crônica? Em que lugar social o autor se posiciona? O que ele diz? Qual
sua orientação valorativa diante do que diz? Como e a partir de quem ele constrói
sua orientação axiológica? Como o autor procede diante de seu interlocutor e de
que modo ele age diante de suas possíveis reações-respostas? Como tudo isso se
inscreve materialmente na crônica?
Após um estudo analítico realizado com crônicas de Luis Fernando Verissimo (apud
CECILIO; RITTER, 2010) e Moacyr Scliar, publicadas em jornais nos anos de 2008 e
2009, de modo resumido, podemos delimitar aspectos referentes ao funcionamento
do gênero discursivo crônica, entre eles:
a) o papel social assumido pelos cronistas é o de fazer o leitor refletir, via leitura
de entretenimento;
b) o papel social do leitor, revelado discursivamente, é aquele que, por não se
contentar apenas com a informação, quer sobre ela refletir e, por isso, busca
outras opiniões que dialoguem com as suas;
c) as crônicas têm um público específico, determinado pela complexidade de
seu enunciado e pelas temáticas variadas das quais tratam, demandando uma
diversidade de conhecimentos;
d) o tom irônico e despretensioso dos autores funciona como o lugar do
estabelecimento e da ancoragem da entonação do gênero (um tom autorizado)

39
Saberes docentes e e da sua atitude valorativa. Em consequência, o uso da ironia revela,
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: discursivamente, uma atitude ousada dos autores, uma vez ser símbolo do
leitura, escrita,
análise linguística e risco que ele se dispõe a correr na defesa de seus pontos de vista. Ou, ainda,
gramática
na intenção de despertar criticamente o leitor, prevendo um leitor não apenas
desejoso de com ele interagir, mas também suficientemente competente para
fazê-lo.

Em relação ao espaço destinado às crônicas nos jornais, observamos que há


uma sistematicidade quanto a sua topografia, ou seja, ao seu lugar no interior do
jornal. Percebemos que as crônicas de Moacyr Scliar ocupam um espaço do Caderno
Cotidiano, destinado, pelo jornal, a gêneros de natureza diversa, importantes para
o cotidiano do leitor, por exemplo, dicas sobre o trânsito da cidade, notícias sobre
problemas da cidade. Quanto ao espaço de publicação, as crônicas estão na parte
superior da última página desse caderno, lugar de grande importância no jornal,
por ser a parte da página que recebe primeiramente a atenção do leitor, de acordo
com informações obtidas com profissionais do jornalismo. Tal localização garante
às crônicas um status relevante quanto a sua capacidade de mobilização do leitor.
Quanto à forma de apresentação, mantém-se sempre em destaque a identificação
da autoria por meio de letras em “caixa-alta”, na parte superior central, acima do
título da crônica, acompanhada de um trecho retirado da crônica, funcionando como
o seu olho. Além disso, antes do início da crônica, sempre é especificado, em negrito
e em fonte menor, um fragmento de uma notícia, seguido da data e do caderno de
onde a notícia foi publicada. Como já ressaltamos, esses elementos configuracionais
são constitutivos do gênero, porque indicam o lugar da sua ancoragem ideológica,
delimitando a que parte do universo temático do jornalismo ele se refere, qual o seu
horizonte temático e sua finalidade de interação.
Nessa seção Cotidiano, a crônica de Scliar ocupa o lugar de um gênero
que, historicamente, tem seu horizonte temático e axiológico orientado para a
manifestação da expressão valorativa a respeito de acontecimentos sociais do
cotidiano, que, normalmente, são vistos como cenas corriqueiras. Os participantes
da interação assumem e reconhecem esse trabalho criativo, ficcional e sensível do
autor/locutor.
Conforme já foi discutido em capítulo anterior, a autoria não diz respeito à
pessoa física, mas sim a uma posição de autoria inscrita no próprio gênero. Logo, a
concepção de autoria do gênero crônica está articulada à posição privilegiada que
o autor/locutor ocupa tanto no cenário sociopolítico quanto no artístico-literário.
Tratando-se da figura social de Moacyr Scliar, essa imagem é construída no cenário

40
artístico-literário, em que ele é legitimado socialmente como um dos grandes Uma proposta
pedagógica de leitura
expoentes da literatura nacional. No caso de nosso corpus, o lugar social que Scliar na perspectiva dialógica

representa é a de um cronista que cria fatos ficcionais (crônicas narrativas) baseados


em notícias publicadas no próprio jornal Folha.
À luz da análise empreendida a respeito dos aspectos da dimensão social, focali-
zamos a dimensão verbal a fim de verificarmos como as relações dialógicas com os
enunciados já-ditos (elos anteriores) e os pré-figurados (elos posteriores – relações
dialógicas em razão do interlocutor) colaboram na construção dos efeitos de sentido
das crônicas. Para exemplificarmos o estudo da dimensão verbal, apresentamos a
análise da crônica O carro comestível, publicada em 18/05/2009.
A emergência das crônicas de Scliar publicadas na Folha é motivada por notícias
da atualidade (momento histórico vivido) que são enunciados discursivizados pela
esfera jornalística, especificamente, pelo próprio jornal em questão. As notícias que
servem de base para os textos do autor são configuradas em destaque, antes do
início da narrativa, em pequenos fragmentos, parecendo recortes do cotidiano. As
notícias relatam um fato recente que pode ser considerado inusitado ou até mesmo
engraçado, mas abordado de forma pouco aprofundada pelo jornal. Dessa maneira,
a notícia é alçada pelo cronista como uma espécie de mote ou fonte de inspiração
para a produção de suas crônicas.
Na crônica-exemplo, o autor/cronista parte da notícia de que britânicos
inventaram um carro de corrida com chassi de batata, o qual é movido a chocolate:

Britânicos fazem carro de corrida com chassi de batata e movido a chocolate.


O carro, batizado de “WorldFirst” (O mundo em primeiro lugar, em tradução
livre), tem parte do chassi feito a partir de amido de batata, usa biocombustível
produzido à base de restos de chocolate e um volante feito com cenouras e
outros vegetais. O carro é capaz de atingir uma velocidade de 200 km/h. “O
WorldFirst descarta o mito de que a performance do carro é comprometida
com o desenvolvimento de motores sustentáveis”, afirma o coordenador do
projeto, James Meredith (SCLIAR, 2009).

De forma geral, a crônica O carro comestível é uma reação-resposta do cronista


à notícia (um enunciado já-dito), cujo fato pode ser considerado um grande avanço
para o mundo, pois alia tecnologia à preservação ambiental.
Após a notícia-base, inicia-se uma narrativa curta, ágil, com predomínio do discurso
indireto, apresentando os elementos básicos da narrativa (fatos, personagens, tempo
e lugar), organizados na estrutura básica da narrativa, apresentada no quadro abaixo:

41
Saberes docentes e Quadro 1 - A estrutura composicional da crônica “O carro comestível”
práticas de ensino de
Língua Portuguesa:
leitura, escrita,
análise linguística e Organização Estrutural Texto
gramática
a) Um momento de harmonia Apresentado ao público inglês, o “WorldFirst” fez enorme
em que as personagens são sucesso. A mídia falava numa vitória da ecologia; e, como disse
apresentadas em um tempo e um líder do movimento ambiental, a partir de agora seria possível
espaço: esperar uma verdadeira revolução na indústria automobilística,
sabidamente uma das mais poluidoras do planeta e das mais
resistentes à mudança.
Efetuadas as primeiras demonstrações em grandes cidades
europeias um dos coordenadores do projeto ponderou que agora
seria necessário levar o carro para regiões menos desenvolvidas
do planeta.
Afinal, pobreza e poluição não se excluem, e o “WorldFirst”, por
seus aspectos originais, poderia representar uma lição acerca de
como preservar os recursos naturais sem abrir mão da tecnologia.
Foi planejada, portanto, uma viagem pelo continente africano,
com demonstrações em vários países. Um programa que duraria
cerca de um mês, por causa das longas distâncias, mas que se
iniciou muito bem; em todas as capitais em que foi exibido, o
“WorldFirst” despertava assombro e admiração.

b) Introdução do E aí, aconteceu o imprevisto.


conflito e seu Em geral, nessas viagens, o carro era transportado por via
desdobramento: aérea. Mas no interior da África, em regiões sem aeroporto, era
preciso recorrer a um grande caminhão para isso. Uma noite,
ao transitar por uma esburacada estrada, o veículo enguiçou.
Muito preocupada, a equipe encarregada do “WorldFirst” tratou
de procurar socorro.
A pouca distância dali havia uma aldeia, um lugar
paupérrimo,situado no meio de uma zona desértica, na qual a
fome era constante. Aos poucos os aldeões, figuras esqueléticas,
foram se aproximando.
O intérprete explicou-lhes o que tinha acontecido, contou sobre
o “WorldFirst”, o carro feito de batata e legumes, e movido a
chocolate; perguntou por um lugar em que pudessem guardá-
lo.Os habitantes da aldeia mostraram uma grande choça,
vazia. Para lá foi levado o original veículo. Cansada, a equipe
acomodou-se no próprio caminhão e ali dormiu.

c) Um momento máximo de De manhã, quando foram retirar o “WorldFirst” tiveram uma


tensão (clímax): surpresa: o chassi e o volante tinham sumido por completo, o
tanque de combustível estava vazio. Perguntaram aos aldeões;
ninguém soube ou quis informar.

d) A resolução do conflito: Quando estavam indo embora, levando o que sobrara do carro,
uma mulher contou-lhes: no meio da noite, as crianças da aldeia,
esfomeadas, tinham comido todo o chassi e o volante. Como
sobremesa, haviam saboreado o chocolate do tanque. Nunca a
nossa gente passou tão bem, disse, com um sorriso.

e) Comentário final: O mundo avança. Mas não em velocidade de carro de corrida.

42
Pensemos a respeito das questões-norteadoras: o que motiva o acontecimento Uma proposta
pedagógica de leitura
dessa crônica, isto é, ela é uma reação-resposta a quê? A quem? Como essa reação se na perspectiva dialógica

manifesta na crônica? Em que lugar social o autor se posiciona? O que ele diz? Qual
sua orientação valorativa diante do que diz? Trata-se de questionamentos a respeito
das relações dialógicas que o cronista mantém com os enunciados já-ditos no processo
de construção de sua apreciação valorativa. Em função desse aspecto, consideramos,
na crônica em foco, o predomínio do movimento dialógico de distanciamento
(RODRIGUES, 2005). O cronista apresenta uma apreciação valorativa negativa em
relação a esse enunciado já-dito (a notícia), pois desqualifica a voz capitalista que
permeia a notícia. Ele reage ironicamente ao criar a situação em que o carro “WorldFirst”
é comido pelas crianças esfomeadas, do interior da África.
Nesse caso, o uso da ironia, como estratégia discursiva, não incide sobre um dito
do autor, mas na criação da cena referida, perpassando por toda a crônica. Ainda ob-
servamos, da mesma forma que nas crônicas do outro autor, a ironia como marca da
“heterogeneidade discursiva mostrada” (maingueneau,1989, p. 98). Esse recurso
se materializa com o uso das aspas para citar o nome do carro. Muito mais do que
uma questão gramatical, as aspas introduzem no enunciado tom irônico do cronista
em relação ao significado do nome do carro: “o mundo em primeiro lugar”.
Não nos esquecendo de que a orientação para os enunciados já-ditos e sua incor-
poração na crônica realiza-se também em função do interlocutor, ressaltamos que o
cronista constrói seu acento de valor a partir de uma determinada imagem social de
leitor/interlocutor. Desse modo, ele estabelece relações dialógicas com os enuncia-
dos pré-figurados pelo leitor (elos posteriores). Ao mobilizar o recurso discursivo da
ironia, o cronista conta com um leitor capaz de reconstruir na sua reação-resposta
os aspectos implícitos que constituem o fundo discursivo dialogizador da crônica,
considerado de domínio do leitor.
Esse movimento dialógico pode ser denominado de ativação do conhecimento
prévio (SILVA, 2008), em virtude de as informações implícitas serem ancoradas na
situação social de interação, pois dependem do conhecimento de mundo do inter-
locutor. No caso da crônica em questão, o leitor precisa conhecer, por exemplo, de
que forma os chamados países ricos propõem a discussão sobre a poluição e sua
co-responsabilidade nesse processo histórico; como os países emergentes e pobres,
como alguns do continente africano, posicionam-se e são vistos nessa discussão.
A partir desses implícitos, o leitor compreende o tom irônico dado à crônica, por
exemplo, no momento em que o “WorldFirst” é devorado pelas crianças esfomea-
das, do interior da África. A invenção britânica, que representaria um grande avanço
tecnológico, deixa de existir por causa da fome que ainda mata pessoas no mundo.

43
Saberes docentes e Em outras palavras, ele foi literalmente devorado pelo terceiro mundo. Esse acento
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: de valor também se matiza pelo uso do discurso indireto e indireto livre para repre-
leitura, escrita,
análise linguística e sentar socialmente as vozes de líderes ambientalistas e pesquisadores da indústria
gramática
automobilística britânica. No trecho: “Afinal, pobreza e poluição não se excluem,
[...]”, a voz que está imbricada com a do narrador é a de um dos coordenadores do
projeto britânico, portanto a ironia recai nesse enunciado, em virtude de países do
primeiro mundo, como a Inglaterra, deverem assumir mais responsabilidades nesse
processo de preservação do planeta.
Outro movimento dialógico com elos posteriores é o de engajamento (RODRI-
GUES, 2005), pois o cronista, em determinados momentos, coloca leitor e autor em
uma mesma posição valorativa. Esse movimento manifesta-se em certos traços estilísti-
co-composicionais, por exemplo, o verbo e o pronome na 1.ª pessoa do plural; o uso
do pronome indefinido “todos”; de perguntas retóricas; e de advérbios ou expressões
adverbiais, aspectos observados em: “[...], sabidamente uma das mais poluidoras do
planeta [...]”, ou seja, “como todos nós sabemos”.
Além das relações dialógicas de engajamento e de ativação de conhecimento
prévio, percebemos, inclusive, o movimento de interpelação do leitor, visto que
há o desejo de persuadi-lo a aderir a um ponto de vista. Nessa crônica, destacamos
como característica estilístico-composicional do referido movimento dialógico a par-
te final do texto: “O mundo avança. Mas não em velocidade de carro de corrida”.
Por meio dessa estrutura composicional - o comentário final -, o cronista impõe ao
leitor a sua avaliação sobre o fato noticiado: a velocidade do avanço do Homem (a
sua humanização) é lenta porque, enquanto se investe em pesquisas tecnológicas,
há pessoas no mundo que ainda morrem de fome. Nesse sentido, o uso do opera-
dor argumentativo “mas” e da negação, nessa parte estrutural do texto, arrematam
o distanciamento do cronista em relação ao enunciado já-dito de que esse tipo de
pesquisa representa um grande avanço para o mundo.

A proposta pedagógica de leitura


Passamos a demonstrar nossa proposta pedagógica de leitura, a qual deve ser en-
tendida como resultado do estudo e da análise expostos anteriormente. Essa sugestão
de prática está formatada na configuração de um plano de aula, conforme exigência a
ser cumprida para o desenvolvimento do Estágio Supervisionado do professorando:

44
PLANO DE AULA Uma proposta
pedagógica de leitura
ESCOLA: XXXXXX PROFESSOR(A): XXX na perspectiva dialógica

SÉRIE:1º   TURMA:XX TURNO: XX   
ENSINO:  (  X  ) Médio   (    ) Fundamental
DATA: xx/xx/xx   HORÁRIO: xx    DURAÇÃO DA AULA: 04 h/a
Conteúdo:
- Leitura crítica da crônica “O carro comestível”, de Moacyr Scliar.

Objetivo geral:
- Refletir sobre o funcionamento sociodiscursivo do gênero crônica.

Objetivos específicos:
- Reconhecer e compreender a dimensão social (condições de produção) da crônica;
- Reconhecer e compreender a dimensão verbal (marcas linguístico-enunciativas referen-
tes à estrutura composicional, conteúdo temático, estilo e movimentos dialógicos com o
já-dito e com o interlocutor) da crônica.

Procedimentos de
Procedimentos de ensino Recursos
avaliação
- De forma coletiva, propor - exemplares do jornal A - participação oral nos mo-
aos alunos reflexões acerca Folha de S. Paulo; mentos de discussão;
da circulação da crônica na
esfera jornalística; - xerox da crônica “O carro - produção escrita dos exercí-
comestível”; cios de leitura.
- Leitura comparativa entre
uma notícia, uma resenha de - xerox ou impressão de
filme e uma crônica para se exercícios de leitura.
promover o estudo das ca-
racterísticas sociodiscursivas
da crônica (dimensão social).
Esse procedimento pode ser
realizado, em um primeiro
momento, em duplas, para
depois ser socializado no
grande grupo, por meio da
montagem de um quadro
comparativo entre os gêne-
ros selecionados a partir dos
elementos de suas condições
de produção;

- Estudo dos aspectos refe-


rentes à dimensão verbal da
crônica “O carro comestível”,
por meio de exercícios de
leitura que promovam a pro-
dução de sentidos do texto,
discutindo-se sobre o tema, a
estrutura composicional e os
movimentos dialógicos com
o já-dito e com o interlocutor.
Referências: SCLIAR, M. O carro comestível. Folha de S. Paulo, São Paulo, 18 maio,

2009. Caderno 2 Cotidiano.

45
Saberes docentes e A seguir, passamos à explicação desse plano de aula, tecendo comentários e descri-
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: ção sobre os procedimentos de ensino sugeridos. Primeiramente, é importante obser-
leitura, escrita,
análise linguística e varmos que, como subsidiamos teoricamente essa prática na teoria bakhtiniana e nas
gramática
propostas teórico-metodológicas dos estudos de Rojo (2005) e de Rodrigues (2005), a
aula de leitura pode ser iniciada com a reflexão sobre aspectos pertinentes à dimensão
social da crônica.
Dessa forma, em primeiro lugar, sugerimos a ênfase às características da esfera de
comunicação a que pertence o gênero e da sua situação de produção. Para essa primeira
fase do trabalho, é essencial que o aluno discuta, comente e conheça as condições de
produção e de circulação do gênero referente ao texto “O carro comestível”. Portanto,
como a crônica selecionada circulou na esfera jornalística, o contato do aluno com o
portador desse texto, o jornal A Folha de S. Paulo, é muito importante. Sabemos que a
grande maioria dos alunos de Ensino Médio não tem o hábito de ler jornal e, por isso
mesmo, pode desconhecer o fato de crônicas serem publicadas nesse portador textual.
Assim, ainda que reproduza o texto para todos, o professor deve procurar levar
o original para a sala de aula, explorando as características sociodiscursivas desse
suporte. Nesse sentido, parece-nos ser muito produtiva uma atividade como: Levar
exemplares de jornais A Folha para a sala de aula e, em conjunto com os alunos,
explorar aspectos referentes à esfera de circulação do gênero, por exemplo: quantas
seções ou cadernos esse jornal apresenta; observe o Caderno Cotidiano: quais textos
são publicados nele? Qual é o objetivo desse caderno? Nele há textos conhecidos pela
nossa sociedade como crônica? Você já deve ter lido algumas crônicas em sala de aula.
E, no jornal, por que um leitor de jornais pode querer ler crônicas? Então, qual pode
ser o objetivo de um jornal ao publicar crônicas?
O encerramento dessas discussões deve levar os alunos a perceberem, conforme já
explicitamos, que esses aspectos referentes às condições de produção são constitutivos
do gênero porque indicam o lugar da sua ancoragem ideológica, delimitando a que
parte do universo temático do jornalismo ele se refere, qual o seu horizonte temático,
sua finalidade de interação.
Na sequência da aula, o professor pode informar aos alunos que o objetivo das
próximas aulas é a leitura crítica de uma crônica, a partir do estudo das características
sociodiscursivas desse gênero. Portanto, a próxima atividade visa ao reconhecimento
do gênero crônica. O professor entrega aos alunos três textos: uma notícia de jornal
(de preferência, um texto curto), uma resenha de filme (pode ser de uma revista, por
exemplo, da Veja) e uma crônica (“O carro comestível”). Essa tarefa pode ser realizada
em duplas e consiste na leitura comparativa entre os textos, a fim de que os alunos os
diferenciem, levando em consideração as condições de produção (ou dimensão social)
de cada um.
46
De maneira coletiva, para concluir essa atividade, professor e alunos completam o Uma proposta
pedagógica de leitura
seguinte quadro comparativo: na perspectiva dialógica

CONDIÇÕES DE TEXTO 1 TEXTO 2 TEXTO 3


PRODUÇÃO
Tema

Papel social
assumido pelo autor
ao escrever o texto

Papel social
assumido pelo leitor
ao ler o texto
Objetivo da
interação
estabelecida pelo
texto (informar,
convencer, fazer
refletir, entreter, ...)
Suporte de
circulação
Gênero discursivo
(resenha de filme,
notícia ou crônica)

O professor deve ter cuidado com a metalinguagem utilizada nesse exercício, pois
ela ainda pode não ser reconhecida pelos alunos. Portanto, cabe ao professor mediar
esses conhecimentos, se for o caso. Mas, como o objetivo é levá-los a entender o
funcionamento sociodiscursivo da crônica, e não a reproduzir essa metalinguagem, o
professor pode substituir esses termos por outros que expliquem, da mesma forma, os
elementos das condições de produção dos textos.
Para promover uma sistematização dos conhecimentos até então abordados,
o professor pode desafiar os alunos a definirem o gênero crônica, levando em
consideração sua dimensão social, ou seja, pensando sobre: quem escreve (o papel
social do autor/enunciador); para quem escreve (o papel social do leitor/interlocutor);
o que se escreve (tema); onde pode circular; com que objetivo é produzida; como se
escreve (estrutura composicional e estilo).
Apesar de as crônicas de Moacyr Scliar, publicadas na Folha, apresentarem uma
estrutura fixa - a narrativa -, o professor não pode deixar de esclarecer aos alunos que
a forma composicional desse gênero é bastante heterogênea, podendo se estruturar
como narrativa, argumentação, relato, poema etc.

47
Saberes docentes e À luz dessas reflexões acerca da dimensão social da crônica, o professor inicia o
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: trabalho em sala de aula com a crônica O carro comestível. A seguir, propomos al-
leitura, escrita,
análise linguística e gumas questões que podem contemplar o nível de estudo da dimensão verbal desse
gramática
enunciado:
1) Já vimos que o texto lido é uma crônica e, portanto, tem o objetivo de levar
o leitor a refletir. Assim, após a sua leitura, podemos refletir especificamente
sobre o quê?
2) Podemos observar que as crônicas de Scliar, publicadas nesse jornal, sempre
são antecedidas por um fragmento de uma notícia recente. E, a partir dessa
notícia, o autor “cria” a sua crônica. Se considerarmos essa crônica como uma
reação-resposta a essa notícia, de que maneira o cronista reagiu ao fato noticia-
do: de uma forma positiva ou negativa? Justifique.
3) Essa crônica apresenta uma estrutura narrativa. Identifique as partes dessa for-
ma composicional: situação inicial, conflito, clímax, desfecho.
4) Releia este trecho: “Afinal, pobreza e poluição não se excluem, e o “WorldFirst”,
por seus aspectos originais, poderia representar uma lição acerca de como
preservar os recursos naturais sem abrir mão da tecnologia”. Reflita: a) Quem
faz, na crônica, essa afirmação? b) Podemos nos questionar sobre aspectos rela-
cionados ao par “pobreza – poluição”? De que forma os chamados países ricos
propõem a discussão sobre a poluição e qual sua co-responsabilidade nesse
processo histórico? Como os países emergentes e pobres, como alguns do con-
tinente africano, posicionam-se e são vistos nessa discussão?
5) O “WorldFirst” foi devorado por crianças esfomeadas do interior da África. Por-
tanto, na visão do autor, o que valeu mais a pena: o seu grande avanço tecnoló-
gico ou ter matado a fome de pessoas no mundo? Por quê?
6) A partir dessa reflexão, podemos considerar que o autor utilizou um tom irô-
nico? Além disso, o significado do nome do carro, “O mundo em primeiro lu-
gar”, nessa situação criada pelo autor, pode ser entendido como uma ironia?
Justifique.
7) Releia o trecho: “[...] a partir de agora seria possível esperar uma verdadeira
revolução na indústria automobilística, sabidamente uma das mais poluidoras
do planeta e das mais resistentes à mudança”. A “quem” o cronista se refere
ao utilizar a expressão “sabidamente” (quem “sabe”?). Assim, esse uso pode
ser considerado um recurso utilizado pelo cronista para interagir com o leitor?
Explique.
8) Se a indústria automobilística é uma das mais poluidoras e menos resistentes à
mudança, qual o impacto disso para o meio ambiente? Esse fato pode nos levar

48
a questionamentos, como: em quais países esse setor da indústria mais se desta- Uma proposta
pedagógica de leitura
ca? Esses países são considerados pobres ou ricos? Então, quem deveria ter mais na perspectiva dialógica

responsabilidade nesse processo de preservação do planeta?


9) A crônica termina com uma avaliação do cronista em relação a essas questões:
“O mundo avança. Mas não em velocidade de carro de corrida”. Você também
tem essa opinião sobre a velocidade dos avanços do mundo? Justifique.

Entendemos também que essas atividades referentes ao estudo da crônica “O carro


comestível” podem ser o início do desenvolvimento de um módulo didático de leitura,
se o que se quer é criar oportunidades para que o aluno desenvolva sua competência
discursiva pela apropriação das características típicas da crônica. Esse trabalho pode
ser organizado didaticamente a partir da seleção de outras crônicas publicadas em
jornais, que contemplem sua diversidade temática, estrutural e estilística.

Considerações finais
As implicações teórico-metodológicas de se assumir os gêneros discursivos como
eixo de articulação e de progressão curricular nos levam a crer que, por meio de
atividades de leitura que privilegiem a reflexão sobre os elementos sociodiscursivos
constituintes das situações de enunciação dos enunciados, as aulas de leitura podem
se tornar um espaço para o aluno se instituir como um co-produtor de sentidos dos
textos.
No processo de recepção de textos em sala de aula, ao observarmos em um texto – de
determinado gênero – suas condições de produção (dimensão social), os movimentos
dialógicos estabelecidos com os discursos já-ditos (elos anteriores) e os pré-figurados
(os elos posteriores) e a relação existente desses aspectos com o conteúdo temático,
a forma do arranjo composicional, as marcas linguístico-enunciativas, promovemos
condições favoráveis para o processo de produção de sentidos dos enunciados.
A proposta pedagógica sugerida possibilita ao aluno perceber e compreender
alguns aspectos referentes ao funcionamento do gênero discursivo crônica, na esfera
jornalística, já analisados anteriormente, destacando o papel social assumido pelo
cronista; o papel social do leitor; o objetivo da interação; o horizonte e conteúdo
temático das crônicas; os movimentos dialógicos estabelecidos com o já-dito
(que podemos também denominar de “elos anteriores”) e com o pré-figurado (ou
“elos posteriores”); sua forma composicional e estilo (via levantamento de marcas
linguístico-enunciativas).
Mais uma vez, podemos afirmar que o enfoque teórico bakhtiniano leva-nos
a experienciar o ato de ler como uma ação de réplica ativa (ROJO, 2005), pois, no

49
Saberes docentes e momento em que paramos diante de um texto-enunciado e nos questionamos sobre
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: o que motiva o acontecimento desse enunciado (isto é, ele é uma reação-resposta a
leitura, escrita,
análise linguística e quê, a quem; como essa reação se manifesta; em que lugar social o autor se posiciona;
gramática
o que ele diz; qual sua orientação valorativa diante do que diz), estamos exercendo
nosso poder de perguntar, sem deixar nos prender a uma resposta petrificada em si
mesma. Nesse sentido, o que nos interessa é o evento discursivo, inscrito em um dado
momento histórico e social.
Por essas razões, o desenvolvimento de posturas críticas por meio da leitura é ainda
um desafio em nossa sociedade capitalista neoliberal. Pensar a leitura nesse movimento
dialógico entre leitor e autor é, nas palavras de Geraldi (2010, p. 47),

[...] enfrentar o problema de construir, no fluxo das instabilidades, uma estabi-


lidade, e confessá-la ao Outro como uma posição provisória que permite pro-
por a hipótese. Eis pois esta posição: instaurar a linguagem como um processo
de contínua constituição que se produz na precariedade que a temporalidade
implica.

E, nessa perspectiva, há a necessidade de abertura docente em termos de garantir,


no espaço dialógico, como se imagina a sala de aula, que os alunos externem e
confrontem suas leituras e que o professor, como mediador entre sujeito e objeto
de ensino-aprendizagem, busque observar suas caminhadas interpretativas. Cabe ao
professor, inclusive, procurar recompor a caminhada discente, (GERALDI, 1991),
sobretudo, quando há insucesso de leitura – sempre levando em conta as condições
de produção e de recepção de um texto de determinado gênero, no caso, a crônica.

Referências

BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV,V. N. Marxismo e Filosofia da linguagem. 6. ed. São


Paulo: Hucitec, 1992.

BRANDÃO, H. N. Escrita, leitura e dialogicidade. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin,


dialogismo e construção de sentidos. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1997. p.
281-288.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:


terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília, DF: MEC/
SEF, 1998.

50
CECILIO, S. R.; RITTER, L. C. B. Uma prática de leitura do gênero discursivo crônica Uma proposta
pedagógica de leitura
na perspectiva dialógica da linguagem. In: GRECO, E. A.; GUIMARÃES, T. B. Leitura: na perspectiva dialógica

aspectos teóricos e práticos. Maringá: Eduem, 2010. p. 101-126. (Formação de


professores em Letras – EAD).

GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

______. Ancoragens: estudos bakhtinianos. São Carlos: Pedro & João Editores,
2010.

MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. Campinas,


SP: Pontes; Editora da Unicamp, 1989.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação


Básica: Língua Portuguesa. Curitiba: Seed, 2008.

RECHDAN, M. L. A. Dialogismo ou polifonia? [S. l.]: Unitau, 2003. Disponível em:


<http://www.unitau.br/scripts/prppg/humanas/download/dialogismo-N1-2003.pdf>.
Acesso em: 15 set. 2009.

RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem: a


abordagem do Círculo de Bakhtin. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D.
(Org.).Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005. p. 152-183.

ROJO, R. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In:


MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.).Gêneros: teorias, métodos,
debates. São Paulo: Parábola, 2005. p. 184-207.

SCLIAR, M. O carro comestível. Folha de S. Paulo, São Paulo, 18 maio, 2009.


Caderno 2 Cotidiano.

SILVA, J. C. da. As relações dialógicas no gênero notícia. Revista Eletrônica de


Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura, [S. l.]: ano
4, n. 9, p. 18, 2º semestre, 2008. Disponível em: <http:// www.letramagna.com>.
Acesso em: 20 maio, 2009.

51
Saberes docentes e
práticas de ensino de
Língua Portuguesa:
leitura, escrita, Anotações
análise linguística e
gramática

52
4 A produção de textos
na Educação Básica

Cláudia Valéria Doná Hila

Abrindo o cenário: redação ou produção de textos?

A sala da oitava série está inquieta. A professora, após ter lido o texto Tribos e tribos
– cada um na sua e ter feito uma breve discussão, pede para os alunos realizarem uma
atividade de escrita presente no livro didático, inserida na seção intitulada “Produção
de textos”:

Após discutir com seus colegas as posições dos especialistas que


foram entrevistados na reportagem “Cada um na sua” redija, individu-
almente, um artigo expondo o seu ponto de vista sobre o assunto. Seu
texto deverá conter uma idéia principal apresentada no parágrafo ini-
cial (introdução); o desenvolvimento da idéia principal (com dois ou
três parágrafos), com a apresentação de argumentos que justifiquem
sua posição; um parágrafo final da conclusão, isto é, uma conseqüên-
cia lógica da argumentação apresentada.

In: SANTOS, M. G. V. P. Ler, entender, criar: Língua Portuguesa: 8ª.


série. São Paulo: Ática, 2006. p. 43.

Você afirmaria que a proposta acima é uma atividade de redação ou de produção de


textos? Se pensou na primeira opção, acertou. Vamos ver o porquê, situando o cenário
histórico desses termos.
Geraldi (1993) explica que o termo redação ganhou força especialmente na déca-
da de 70 do século passado, na qual as chamadas modalidades retóricas – descrição,
narração e dissertação – são eleitas textos ideais a se escrever. Explica que o termo
redação remete àqueles textos produzidos para a escola, ou seja, não há um objetivo
concreto para se escrever o que se escreve, nem tampouco uma razão para dizer o que
se diz e, muito menos, alguém para escrever (um interlocutor), diferente do próprio
professor. Leme Brito ratifica essa ideia ao afirmar que o aluno, quando escreve uma

53
Saberes docentes e redação, fala “para ninguém ou, mais exatamente, não saber a quem falar” (1997,
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: p. 19). Lopes Rossi (2002) complementa a discussão, ressaltando que esse tipo de
leitura, escrita,
análise linguística e ensino é inadequado e está fadado ao insucesso, porque
gramática
- artificializa as condições de produção de um texto, visto que não se escreve
um texto que é produto de uma prática social autêntica;
- descaracteriza o aluno como sujeito no uso da linguagem, fazendo que ele
reproduza o próprio discurso da escola;
- não estabelece um real interlocutor (exceto o professor) para que o texto
seja produzido e para que esse interlocutor dê sentido e motivação para se
escrever;
- não tem objetivos reais para escrever, a não ser o de cumprir um exercício
escolar;
- não obedece às etapas da escrita, fundamentais para o desenvolvimento do
aluno nessa prática, como o planejamento, a escrita propriamente dita, a re-
visão e a reescrita (que trataremos um pouco mais adiante).

A chamada redação escolar tomou espaço no cenário escolar porque até meados
dessa década a concepção de linguagem presente era a de “linguagem como ex-
pressão do pensamento.” Nessa visão, acredita-se que a expressão é construída no
interior da mente do aluno, sem quaisquer influências externas. A capacidade de o
indivíduo organizar logicamente seu pensamento depende, portanto, de sua correta
exteriorização. Por isso, se existem regras e normas gramaticais a serem seguidas
e se elas se constituem como normas do bem falar e do bem escrever, a função da
linguagem passa a ser a de representar ou refletir o pensamento humano.
Em meados da década de 70, surge uma nova concepção de linguagem como
“instrumento de comunicação”. Nessa visão, a escrita é vista como modelo a se imi-
tar, característico das influências estruturalistas da época. O foco de atenção desse
ensino é a ênfase na estrutura do texto, em detrimento do conteúdo, por isso a
indicação de números de parágrafos a serem redigidos e, por vezes, a indicação de
ideias a serem expostas.
Como efeito, a redação passa a ser um mero exercício escolar, desprovida de
sentido para o aluno e, na maioria das vezes, o “coringa”, o “tapa-buracos” da sala
de aula, quando falta um professor ou quando sobra tempo na aula; em outras
situações, é proposta como tarefa de casa, pois em sala não é possível trabalhá-la.
De qualquer maneira, é um exercício, na maioria das vezes, que o aluno não teve
preparo para fazer, que não sente vontade de fazer e que não contribui para o seu

54
desenvolvimento como aluno escritor de textos. A produção de textos
na Educação Básica
Esse tipo de proposta, de inspiração estruturalista, foi, posteriormente, atua-
lizado com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998),
que, dentre as atividades de escrita, orientadas para a educação básica, estabelece a
atividade de decalque como uma das possíveis a serem realizadas, na qual se libera o
aluno de pensar na estrutura do texto, fazendo-o pensar sobre o conteúdo. É o caso,
por exemplo, da escrita de paródias. Por isso, não devemos pensar que exercícios
de escrita de inspiração estruturalista sejam desnecessários; o problema é ficarmos
apenas neles.
Resumindo, as características de um ensino de escrita voltado a essas duas con-
cepções são as seguintes:

LINGUAGEM COMO EXPRESSÃO LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO


DO PENSAMENTO DE COMUNICAÇÃO
• Saber se expressar e escrever • Saber escrever é saber imitar uma
equivale a saber produzir frases e estrutura de texto com base em
orações corretas à luz da gramática outra pré-estabelecida, notadamente
tradicional; aquela escrita por escritores da
• O foco de atenção é a frase; esfera literária;
• Escrever é dominar a norma-padrão • O foco de atenção é a estrutura do
da língua, ainda que a escrita seja um texto;
amontoado de frases desconexas; • Escrever é saber imitar um modelo-
• Há maior preocupação com a padrão.
estrutura do que com a significação.

Essas duas concepções de linguagem, voltadas ao ensino da redação e das tipo-


logias textuais (descrição, narração e dissertação), na verdade, mostraram-se insufi-
cientes para promover o desenvolvimento da escrita no aluno, exatamente porque
não são práticas sociodiscursivas de nossa sociedade, isto é, não se realizam como
formas típicas de enunciados usados nas situações reais de uso da língua. Afinal, não
nos comunicamos por frases ou por imitações de textos de escritores famosos ou,
ainda, pelas tipologias textuais. Ao contrário, comunicamo-nos por meio de uma
conversa, um e-mail, um artigo de opinião, uma carta de reclamação, um boletim
de ocorrência, uma entrevista, uma fofoca, ou seja, comunicamo-nos por meio de
gêneros discursivos.
O início do trabalho com os gêneros discursivos deu-se a partir da década de 80,
na qual a chamada “crise na escola” revelava a incapacidade de os alunos escreverem
textos com proficiência. Isso ocasionou uma ressignificação no ensino de Língua
Portuguesa, provocou o surgimento de novos campos de pesquisa, especialmente

55
Saberes docentes e voltados para as chamadas práticas linguísticas: leitura, escrita e análise linguística.
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: Emerge, assim, uma nova concepção de linguagem, a de “linguagem como forma
leitura, escrita,
análise linguística e de interação entre os sujeitos”, baseada, sobretudo, em uma corrente linguística
gramática
denominada de Interacionismo Social, cujo maior representante é Mikhail Bakhtin.
Ao assumirmos essa concepção de linguagem no ensino, pensando no ato da escrita,
assumimos que o aluno tem um papel ativo no momento de sua produção, utilizan-
do a linguagem para interagir concretamente com outra pessoa. E o que podemos
entender como uma atividade interativa? Antunes (2003, p. 45) explica que uma
atividade é interativa quando

[...] é realizada, conjuntamente, por duas ou mais pessoas cujas ações se


interdependam na busca dos mesmos fins. Assim, numa inter-ação (‘ação
entre’), o que cada um faz depende daquilo que o outro faz também: a ini-
ciativa de um é regulada pelas condições do outro, e toda decisão leva em
conta essas condições. Nesse sentido, a escrita é tão interativa, tão dialógica,
dinâmica e negociável quanto a fala.

zzzzzzzzzAs diferenças entre tipologia e gêneros discursivos podem ser melhor


observadas no quadro abaixo:

Quadro1 - Diferenças entre tipologias e gêneros textuais (adaptado de (MAR-


CHUSCHI, 2005, p. 23)

TIPOLOGIAS TEXTUAIS GÊNEROS DO DISCURSO


1. Constructos teóricos definidos por 1. Realizações linguísticas concretas
propriedades linguísticas intrínsecas; definidas por propriedades sócio-co-
municativas;
TIPOLOGIAS TEXTUAIS GÊNEROS DO DISCURSO
2. Constituem-se sequências linguísti- 2. Constituem textos empiricamente
cas ou sequências de enunciados no realizados cumprindo funções em si-
interior dos gêneros e não são textos tuações comunicativas;
empíricos;
3. Sua nomeação abrange um conjun- 3. Sua nomeação abrange um conjun-
to limitado de categorias teóricas de- to aberto e praticamente ilimitado de
terminadas por aspectos lexicais, sin- designações concretas determinadas
táticos, relações lógicas, tempo verbal; pelo canal, estilo, conteúdo, composi-
ção e função;

56
A produção de textos
4. Designações teóricas dos tipos: 3. Sua nomeação abrange um conjun- na Educação Básica
narração, argumentação, descrição, to aberto e praticamente ilimitado de
injunção e exposição; designações concretas determinadas
pelo canal, estilo, conteúdo, composi-
ção e função;
5. Não há preocupação com as condi- 5. Respeito ao contexto de produção:
ções de produção do texto; ter o que dizer; para quem dizer; por
que dizer; ter estratégias para se dizer;
utilizar-se de um portador real para se
escrever;
6. Não se trabalham as fases da es- 6. Faz parte de um processo que en-
crita; volve: planejamento, escrita, revisão e
reescrita;
7. A leitura é uma aparente atividade 7. Inicia-se com atividades de leitura
prévia; orientadas e planejadas;
8. O texto é produto para uma higie- 8. A produção do aluno é um suporte
nização. para o ensino e aprendizagem.

Considerações sobre as condições de produção e de circulação dos gê-


neros discursivos
Os estudos sobre a linguagem, na área da Linguística Aplicada, têm sido grandes
motivadores de propostas oficiais (PCN, PCN+, DCNEM), visando, de uma forma ou
de outra, possibilitar que a escola auxilie seus alunos a participar plena e criticamente
de práticas sociais que envolvem o uso da escrita e da oralidade.
Podemos considerar as práticas sociais como formas de organização de uma
sociedade, das atividades e das ações realizadas pelos indivíduos em grupos
organizados. Por meio dessas práticas, definem-se as atividades humanas, bem como
os papéis e os lugares sociais para aqueles que nela estão envolvidos.
A prática social “ir à escola”, por exemplo, exige diversas atividades tanto por parte
do professor quanto por parte do aluno, tais como: planejar a aula, ouvir o professor,
elaborar/realizar exercícios, discutir tópicos, prestar atenção à aula, organizar atividades
etc. Exige, também, que assumamos, nessa esfera social, o papel quer de professor,
quer de aluno (e não, por exemplo, de namorados, de patrão, de empregado). Nessas
e em outras inúmeras atividades, o homem elabora os chamados gêneros discursivos,
tais como: agenda, prova, discussão oral, resumo, debate regrado, plano de aula
etc. Dessa forma, as práticas sociais mobilizam diversas atividades de linguagem, as
quais envolvem diferentes maneiras de expressão, por meio dos gêneros do discurso,
materializados em diferentes tipos de textos, os quais implicam diferentes capacidades
de compreensão e de produção.

57
Saberes docentes e Mas, por que trabalhar com gêneros do discurso em sala de aula, e não mais com
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: as tipologias textuais? Porque esses gêneros (a) abrem possibilidades de integração
leitura, escrita,
análise linguística e entre as práticas de leitura, de escrita e de análise linguística, comumente estanques
gramática
nos currículos da escola básica; (b) permitem a concretização de um ideal de formação
com vistas ao exercício pleno da cidadania, já que se trata de textos de efetiva circulação
social e de diferentes esferas e práticas sociais; (c) possibilitam a concretização de uma
perspectiva enunciativa para as aulas de Língua Portuguesa, o que quer dizer uma
perspectiva que leve em conta o conhecimento situado, a linguagem efetivamente em
uso, o trabalho com textos e práticas didáticas plurais e multimodais1; (d) abrangem
tanto noções discursivas quanto noções eminentemente estruturais ou linguísticas/
enunciativas, todas elas necessárias para o letramento2 do sujeito e para a correta
compreensão do próprio gênero; (e) fornecem subsídios para (re)pensarmos novas
formas de organização curricular etc.
O professor em formação, especialmente aquele que trabalha com a linguagem,
como é o caso dos cursos de Letras e de Pedagogia, precisa ter bem claras as bases
epistemológicas que orientam o trabalho com os gêneros discursivos e com a escrita.
Caso contrário, incorrerá em práticas empíricas que não contribuem nem para o
letramento do aluno, nem para o desenvolvimento de funções psíquicas de nível
superior.
Esse objeto/instrumento pode ser compreendido à luz de diferentes aportes teóricos,
tais como: o Interacionismo Social (especialmente com Bakthin), o Interacionismo
Sociodiscursivo (ISD) e sua vertente mais didática (Bronckart, Schneuwly, Dolz, dentre
outros); a chamada Escola de Sidney (Hasan, Kress, Martin etc.) e, também, a partir
da Nova Retórica (com os trabalhos mais recentes de Charles Bazerman, Caroline
Miller etc.), dentre outros. No campo mais aplicado, as contribuições de Bakhtin e da
vertente mais didática do ISD têm sido mais utilizadas.
Para Bakhtin, os gêneros do discurso são definidos como “tipos relativamente
estáveis de enunciados” (1992, p. 279), encontrados nas mais diferentes esferas da
comunicação: do cotidiano, da mídia, da religião, do comércio, da escola etc. Afirmar
que os gêneros são relativamente estáveis significa dizer que são infinitos, pois se
vinculam à história, à cultura e, portanto, sofrem modificações: alguns gêneros são

1 Entendemos o termo “multimodalidade” como a utilização de, pelo menos, duas modalidades
de linguagem ou de representação, tais como: palavras e gestos, palavras e entonações, palavras
e imagens, palavras e animações etc. Nesse sentido, todos os gêneros orais e escritos são multi-
modais.
2 O letramento pode ser entendido como o conjunto de práticas sociais que utilizam a escrita
em contextos específicos de interação e com finalidades específicas (KLEIMAN, 1995).

58
renovados, outros, criados pelas circunstâncias históricas, como o gênero página A produção de textos
na Educação Básica
pessoal na Internet. Veja um exemplo de um gênero renovado: o gênero diário
íntimo. Apesar de ainda termos (poucos) adolescentes que dele se utilizam, a
revolução produzida pela Internet fez que surgisse o blog, espécie de diário virtual
bastante utilizado nos dias atuais. O gênero, então, adaptou-se a uma nova tecnologia
e instaurou novas condições de produção e de circulação.
Os gêneros como construções sociais e históricas são maleáveis, plásticos e (re)
constituem-se ininterruptamente. Por isso, a transformação/adaptação de um gênero
como o diário pode gerar um novo gênero, como o blog. Cada novo gênero possuirá
sua identidade própria, instaurando novas relações interpessoais, estabelecendo
novas conexões entre oralidade e escrita e possibilitando novos olhares para o ensino-
aprendizagem de línguas. Por isso, Bakhtin insiste que “a riqueza e a variedade dos
gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é
inesgotável” (1992, p. 279).
Três elementos compõem os gêneros do discurso na visão bakhtiniana, os quais
devem ser levados em conta em atividades prévias de leitura e de escrita antes que
o aluno produza o seu texto: (1) o conteúdo temático ou tema; (2) a estrutura
composicional e (3) o estilo.
Os temas podem ser entendidos como os conteúdos ideologicamente dizíveis de
um gênero discursivo. Por exemplo: quando pensamos no gênero “discurso político”,
quais são, normalmente, os conteúdos recorrentes? Ou, ainda, o gênero “torpedo” para
o(a) namorado(a)? E quando pensamos no gênero “notícia de jornal sensacionalista”?
Os temas, portanto, além de refletirem as esferas em que estão inseridos, apresentam
valores ideológicos desses lugares, isto é, ideias, regras e valores compartilhados pela
comunidade pertencente àquela determinada esfera, os quais evocam significados
para os gêneros pertencentes a essas esferas.
Passemos agora para segundo elemento constitutivo do gênero: a estrutura
composicional, a qual diz respeito à forma de composição compartilhada pelos
textos pertencentes a um determinado gênero, tanto em relação às estruturas textuais
quanto às discursivas e semióticas. O artigo científico, por exemplo, apresenta
estruturas textuais mais marcadas (título, resumo, abstract, introdução, referencial
teórico, metodologia, análise e discussão dos resultados) que outros gêneros, como a
crônica da esfera da literatura. O anúncio publicitário, além de seus elementos textuais
(slogan, provas, peroração), também traz elementos não verbais (fotos, desenhos,
ilustrações), que fazem parte de sua estrutura composicional, sendo imprescindíveis
para a produção de sentidos do gênero. Não podem, portanto, ser isolados do
processo de compreensão e de interpretação na sala de aula. Assim também ocorre

59
Saberes docentes e com outros gêneros, tais como a reportagem, as histórias em quadrinhos, a charge etc,
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: que apresentam estruturas composicionais próprias.
leitura, escrita,
análise linguística e A terceira dimensão constitutiva do gênero – o estilo – refere-se às unidades linguístico-
gramática
discursivas que são mais comuns ou mais prototípicas do gênero em estudo (como as
estruturas frasais, o vocabulário, as preferências gramaticais, tais como: a utilização de
um determinado tempo verbal, uma determinada classe gramatical, além das vozes e das
modalizações).
Esses elementos constituem a base para as atividades prévias de leitura e de escrita
por parte do aluno, ou seja, para que o aluno se aproprie de determinado gênero, é
preciso que o professor desenvolva uma série de atividades anteriores (no interior de
projetos de leitura e de escrita, ou não). Desse modo, o aluno apropriar-se-á

a) do contexto de produção desse gênero que, de acordo com Lopes-Rossi (2006),


envolve o trabalho com alguns tipos de questões: Onde encontramos esse gênero?
Quem normalmente escreve? Para quem se escreve? Com qual(is) propósito(s)?
Quando e como o redator obtém as informações? Quem lê esse gênero e por que
o desenvolve?
b) da estrutura composicional do gênero (como o gênero se organiza, quais suas
sequências prototípicas);
c) das marcas do estilo: identificação de marcas formais importantes para a leitura e a
escrita do gênero, tais como: palavras, aspas, sinais de pontuação, tempos verbais,
modalizadores, vozes (mecanismos linguístico-enunciativos próprios do gênero).

Portanto, uma atividade de autoria, entendida como aquela atividade de produção


na qual o aluno deve pensar sobre o tema, sobre a estrutura composicional e sobre o
estilo do gênero, normalmente está inserida no interior de projetos que possibilitem o
trabalho com os elementos acima descritos e que preparem o aluno para a apropriação
de determinado gênero.
Para tanto, será necessário, primeiramente, explorar as condições de produção desse
gênero, as quais reúnem, no quadro do ISD, conforme Nascimento e Saito (2005),
alguns elementos:
a) a esfera da comunicação: o cenário ou formação social na qual o texto se inse-
re (Mídia, Literatura, Família, Igreja, Escola etc.);
b) a identidade social dos interlocutores: o lugar social de onde falam os parcei-
ros da interação, isto é, o texto. Este, além de ter um emissor (a pessoa que pro-
duz) e um receptor (a que recebe), também apresenta posições sociais por eles
desempenhadas. Por exemplo, em uma carta ao leitor, temos uma pessoa física
que a escreve, mas essa pessoa, ao escrever, pode assumir diferentes posições

60
sociais, como a de um escritor, a de uma mãe, a de um cientista, a de um cida- A produção de textos
na Educação Básica
dão etc;
c) a finalidade: objetivo ou o intuito do discurso da interação;
d) a concepção do referente: o conteúdo temático, o referente de que se fala;
e) o suporte material: as circunstâncias físicas em que o ato da interação se
desenrola (livro didático, out-door, jornal-online, oral ou escrito);
f ) a relação interdiscursiva: o modo como se dá o diálogo entre as vozes que
circulam no texto (que vozes são essas? da dona de casa? do vendedor? do polí-
tico? da criança?), que ocorrem em certas passagens do discurso (das diferentes
esferas), as vozes que emergem e se confrontam no texto.

Apesar de o trabalho com o contexto de produção não dar conta de fazer o aluno
escrever com proficiência um gênero textual, pois, para isso, as capacidades discursiva
e linguístico-discursiva precisam ser também alvos de trabalho, o seu conhecimento
é o primeiro passo para que os alunos reconheçam os gêneros textuais. E, pensando
na longa tradição, no âmbito da escrita, de um ensino voltado às tipologias textuais,
o trabalho com o contexto de produção oportuniza que tanto o aluno quanto o
professor entendam que não existe significado fora da noção de contexto.

A sequência didática como forma de trabalho com a escrita


O trabalho com a escrita na educação básica obtém muito mais resultados quando
integrado aos chamados projetos de escrita, que podem ser temáticos e envolver um
único gênero ou até mais de um. Como não podemos abarcar todos eles, escolhemos
a sequência didática (doravante SD) como uma das modalidades de projetos com a
escrita que você pode desenvolver. Esse tipo de projeto, além de trabalhar com todas
as práticas linguísticas, também envolve todas as fases da escrita: planejamento, revi-
são e reescrita, por isso, a nosso ver, é um dos mais completos.
A SD originariamente foi introduzida pelos pesquisadores do grupo de Genebra3
e foi definida como “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira

3 O Grupo de Genebra é formado por pesquisadores da “Escola de Genebra”, dentre os quais se


destacam: Jean-Paul Bronckart, Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz, A. Pasquier, Sylvie Haller,
pertencentes ao Departamento de Didáticas de Línguas da Faculdade de Psicologia e Ciências
da Educação da Universidade de Genebra (UNIGE). Os seus integrantes têm se dedicado a
pesquisas tanto sobre a constituição do Interacionismo Sócio-Discursivo (ISD) quanto sobre
sua aplicação no ensino de francês como língua materna e, mais, recentemente, também, com
questões relativas ao trabalho. Os resultados dessas pesquisas, em especial aqueles envolvidos
com questões mais didáticas, levou à elaboração e aplicação de sequências didáticas, as quais
visavam, principalmente, contribuir para minimizar os graves problemas de produção escrita
dos alunos francófonos.

61
Saberes docentes e sistemática, em torno de um gênero textual” (DOLZ; NOVERRAZ; schneuwly,
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: 2004, p. 97). O objetivo de uma SD é levar os alunos a se apropriarem (e também
leitura, escrita,
análise linguística e a reconstruírem) uma prática de linguagem sócio-historicamente construída. Essa
gramática
reconstrução de uma prática social se dá por meio de uma prática de linguagem
materializada nos gêneros textuais.
Para a elaboração de uma SD, Dolz , Pasquier e Bronckart (1993) aconselham
a levar em conta que (a) o objeto de trabalho escolar é a atividade de linguagem
situada, relacionada a um determinado gênero, em uma situação de comunicação
específica, por isso a escolha do gênero a ser alvo da escrita deve respeitar a sala,
o interesse dos alunos, as suas reais capacidades de conseguir proficiência naquele
gênero; (b) o trabalho de desenvolvimento na sala de aula de uma SD deve ocorrer
no interior de um projeto de sala, o que não significa, portanto, o ensino do gênero
pelo gênero, mas o gênero como um instrumento no interior de um projeto situado
na escola/sala, por exemplo, produzir uma carta de reclamação ao diretor da escola,
reivindicando melhorias na escola, no bairro ou, ainda, produzir um artigo de opinião
para ser publicado no jornal local/escola, envolvendo tema de interesse dos alunos e
da população local; (c) o ponto de partida da SD deve ser um diagnóstico realizado
com a turma, no intuito de observar quais capacidades dominam ou não em relação
àquela prática social; (d) as diferentes oficinas e exercícios devem levar em conta as
capacidades de linguagem relacionadas ao estudo do gênero por meio de atividades
diversificadas e abordando-se o gênero em diferentes aspectos (contexto de produção,
leitura, elementos da arquitetura interna, mecanismos de textualização, plano global,
unidades linguísticas significativas etc.).
As capacidades de linguagem referem-se às diferentes formas de se usar a
linguagem, divididas em três grupos específicos: (1) capacidades de ação, relativas
ao reconhecimento do contexto de produção do gênero; (2) capacidades discursivas,
relativas à mobilização de certos modelos discursivos, como o reconhecimento da
arquitetura textual do gênero; e (3) capacidades linguístico-discursivas, relacionadas
à operação de mecanismos de textualização, ao reconhecimento e ao valor das vozes e
das modalizações para o efeito de sentidos do gênero.
O primeiro passo para a elaboração de uma SD é a feitura do modelo didático do
gênero (cf. DOLZ; SCHNEUWLY, 1998 ). Esse modelo é, na verdade, uma espécie de
estudo e de pesquisa sobre o gênero, o qual apontará os elementos ensináveis que po-
derão ser objetos de ensino-aprendizagem em uma situação de comunicação específica.
O professor, então, precisa (a) buscar um conjunto de textos prototípicos do gênero
(para identificar suas características linguísticas, textuais e discursivas, bem como quais
delas são ensináveis para a sua turma em específico); (b) conhecer o estado de arte

62
sobre estudos já desenvolvidos sobre aquele determinado gênero (por isso, aconselha- A produção de textos
na Educação Básica
se que o professor iniciante escolha, dentro de um projeto de sala, um gênero que já te-
nha sido objeto de investigação, a fim de se prover de material adequado de pesquisa);
(c) levantar as características prototípicas do gênero em questão (em relação aos seus
temas, a sua estrutura composicional e ao estilo); (d) pensar quais dessas características
podem ser “ensináveis” à série em questão e de que forma.
A realização desse modelo mobiliza, obviamente, estudo e dedicação do professor
formador e do professor em formação. Do formador porque também precisa conhecer
o gênero que será objeto de transposição para poder orientar seus alunos, e dos alu-
nos em formação que, nesse momento, colocam-se como pesquisadores para, poste-
riormente, elaborarem seu material didático. Afinal, só podemos ensinar aquilo de que
efetivamente nos apropriamos. Por exemplo, preciso ensinar meu aluno a redigir um
artigo de opinião e tenho pouco conhecimento a esse respeito. Esse será justamente
o modelo a me auxiliar nesse processo. Por isso reiteramos que esse procedimento
pode promover o desenvolvimento psíquico e cognitivo de ambos, visto que, obriga-
toriamente, o modelo didático invoca a apropriação de conhecimentos científicos, mas
requer também o envolvimento e a motivação de todos os envolvidos (formadores e
alunos) para o êxito do procedimento.
A elaboração desse modelo deve seguir os três níveis de análise textual, os quais
correspondem às capacidades linguísticas, conforme exemplifica o Quadro 2, adaptado
de Lousada (2006):

Quadro 2 - Níveis de análise de um texto e capacidades de linguagem.

NÍVEIS DE ANÁLISE ASPECTOS A SEREM ANALISADOS


(inicialmente pelo professor e em seguida
transformados em exercícios para os alunos)
O contexto de - Trata-se de que gênero textual?
produção/capacidade
- Onde podemos encontrá-lo?
de ação

- Quem o escreveu/falou? O emissor e seu papel


social.

- A quem? O interlocutor e seu papel social.

- Quando? O momento psíquico e subjetivo.

- Onde? Lugar psíquico institucional.

- Para quê? Objetivo de interação.

63
Saberes docentes e
práticas de ensino de A organização textual/ - Plano global do texto – escolhas e ordem do
Língua Portuguesa: capacidade discursiva: conteúdo.
leitura, escrita,
análise linguística e
gramática Tipos de sequência - Sequência narrativa, descritiva, dialogada,
dominantes descritiva de ações, explicativa, argumentativa.

Os aspectos-linguístico- - Coesão textual


discursivos/capacidade
- Conexão textual
linguístico-discursiva

- Modalização

- Voz

Resumidamente, com base em Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), Nascimento


(2007) e Hila (2009), a elaboração do modelo didático pode ser guiada por alguns
passos, como explica o Quadro 3:

Quadro 03 - Passos para elaboração de um modelo didático.

a. Buscar um conjunto de textos prototípicos/autênticos e variados do gênero.

b. Conhecer o estado de arte sobre o gêneros por meio de pesquisas em obras


de referência.

c. Levantar as características do contexto de produção do gênero, incluindo sua


definição.

d. Identificar o plano textual do texto.

e. Analisar os mecanismos de textualização (conexão, coesão nominal e coesão


verbal).

f. Analisar os mecanismos linguístico-enunciativos e a modalização.

Findado o modelo, é hora de elaborarmos a sequência didática. O esquema a seguir,


apresentado por Nascimento (2007), com base em Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004,
p. 98), ilustra quatro procedimentos nucleares para a elaboração de uma sequência
didática:

64
Quadro 4 - Etapas de uma SD (NASCIMENTO, 2007). A produção de textos
na Educação Básica

ESQUEMA DE UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA

1) O aluno deve ser exposto ao projeto coletivo de produção de


um gênero (qual é o gênero, a quem se dirige a produção, qual
o suporte material da produção, quem são os participantes etc.).
1) Apresentação
2) O aluno tem de conhecer o conteúdo com que vai trabalhar e
da situação
saber da sua importância.
3) Reconhecimento do gênero textual e da sensibilização em re-
lação a ele.

1) A produção inicial pode ser simplificada, somente dirigida à tur-


ma ou a um destinatário fictício, com o objetivo de realizar um diag-
nóstico com a sala a respeito das capacidades que já dominam em
relação ao gênero.
2) A primeira pro-
2) Avaliação formativa: define os pontos em que o professor pre-
dução
cisa intervir melhor; permite ao professor adaptar os módulos de
maneira mais precisa às capacidades reais dos alunos; determina
o percurso que o aluno tem ainda a percorrer.

Trata-se de:
1) trabalhar problemas de níveis diferentes:
a) representação da situação de comunicação (contexto de
produção);
b) pesquisas para aprofundamento do tema;
c) atividades sobre a construção composicional do gênero;
d) atividades sobre o estilo do gênero;
e) atividades sobre os títulos.

2) Variar as atividades e os exercícios:atividades de observação e


de análise de textos;
3.ª) As oficinas
a) tarefas simplificadas de produção de textos;
b) análise linguística (ortografia, pontuação, organização sin-
tática, vocabulário...);
c) atividades de leitura;
d) atividades orais.

3) Capitalizar as aquisições: lista de constatações.

1) Possibilita ao aluno pôr em prática as noções e os instrumentos


elaborados separadamente nos módulos.
4.ª) A produção 2) Permite ao professor realizar uma avaliação somativa (da pri-
final meira produção e da produção final).
3) Completa a interação, enviando os textos aos destinatários.
4) Precisa ser divulgada para se aproximar de sua real circulação.

65
Saberes docentes e A apresentação da situação inicial tem a finalidade de expor aos alunos um problema
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: de comunicação real da escola/bairro/turma, o qual deverá ser resolvido por meio da
leitura, escrita,
análise linguística e produção de um texto oral ou escrito. Esse é o momento em que a turma constrói uma
gramática
representação da situação de comunicação do gênero e da atividade de linguagem
a ser executada. Essa primeira fase deve fornecer aos alunos todas as informações
necessárias para que eles conheçam o projeto comunicativo e se sintam motivados
para a aprendizagem do gênero a ele relacionada. Em outras palavras, é o momento de
apresentar o projeto à sala de uma forma que seja atraente e interessante para a turma.
A produção inicial ou o levantamento dos conhecimentos dos alunos sobre
determinado gênero tem como objetivo identificar quais as capacidades de linguagem
eles dominam em relação aos gêneros, para, posteriormente, serem objetos dos
exercícios da sequência didática.
As oficinas ou módulos têm justamente a função de “trabalhar com os problemas
que apareceram na primeira produção e dar aos alunos instrumentos necessários para
superá-los” (DOLZ, NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 103). O número de oficinas de
uma sequência é então variável, ou seja, dependerá tanto dos problemas encontrados
quanto dos objetivos propostos na SD. No caso do estágio supervisionado, há de
considerarmos, ainda, as coerções de tempo (número de aulas) para sua realização,
por isso adaptações serão sempre necessárias.
As atividades ou tarefas que compõem cada oficina devem ser variadas, tanto
no sentido de sua apresentação (tarefas explícitas, implícitas, abertas, fechadas,
lacunadas) quanto da execução pelo aluno, a fim de se variar os processos mentais
por ele utilizados (HILA, 2009). Essas tarefas estão intimamente ligadas aos eixos da
leitura, da escrita e da análise linguística ou do uso da língua.
A produção final é o momento no qual o professor observa se houve realmente o
desenvolvimento nas capacidades dos alunos (contextuais, discursivas e linguística-
discursivas) a partir das atividades desenvolvidas nas oficinas. Essa produção pode
ser individual ou mesmo coletiva (de grupos). Essa etapa finaliza a interlocução que
é feita no início da produção do gênero (quando um problema de comunicação real
havia sido proposto para seus alunos) e permite ao professor realizar uma avaliação
formativa:

A avaliação formativa pode ser entendida como uma apreciação qualitativa so-
bre dados relevantes coletados nas produções iniciais de estudantes [...], dados
esses que devem auxiliar o docente na tomada de decisões. A verificação dos
resultados de aprendizagem, depois da SD, será analisada por meio de uma lista
de constatações, que tem o intuito de mapear as dificuldades dos estudantes
para solucioná-las. Assim sendo, a avaliação terá o compromisso de aprendi-
zagem [...] servirá como diálogo/interação entre professor/estudante (NASCI-
MENTO, 2007, p. 38).

66
A proposta para a produção final deve vir em forma de um comando que traga as A produção de textos
na Educação Básica
condições de produção daquele gênero:

ORGANIZAÇÃO DO COMANDO DE ESCRITA PARA ATIVIDADES DE AUTORIA


O TEMA: O que dizer?
A FINALIDADE: Para que dizer?
O INTERLOCUTOR: Para quem dizer?
O GÊNERO: Como dizer?
O MEIO DE CIRCULAÇÃO: Por onde dizer?

Veja um exemplo proposto por uma estagiária de Letras para uma 5.ª série:

Nesse bimestre trabalhamos em nosso projeto as cartas, em especial as cartas


de solicitação. Após as discussões e as leituras que realizamos, sua tarefa ago-
ra é redigir uma carta de solicitação (GÊNERO) sobre a questão da maioridade
penal (TEMA), defendendo sua posição (FINALIDADE) para ser enviada (FINA-
LIDADE E MEIO DE CIRCULAÇÃO) ao deputado Régis de Azevedo (INTERLO-
CUTOR) autor do projeto de lei.

Ao elaborar a primeira versão do texto, é aconselhável que os alunos tenham em


sala uma lista contendo os principais conteúdos apreendidos durante as oficinas,
referentes ao contexto de produção do gênero, a sua estrutura composicional e as
suas marcas de estilo. Essa lista funciona como uma espécie de resumo dos princi-
pais aspectos estudados sobre o gênero, que pode estar, inclusive, escrita em papel
manilha, em letras grandes e legíveis, na própria sala.
Feita a primeira versão, chega-se às fases da revisão e da reescrita do texto. Essas
fases devem ser adotadas como procedimentos corriqueiros em sala de aula, sem os
quais dificilmente um aluno avança e se desenvolve em termos de escrita. Os PCNs
de Língua Portuguesa do 1.º e 2.º ciclos esclarecem que

o objetivo é que os alunos tenham uma atitude crítica em relação à sua pró-
pria produção de textos, o conteúdo a ser ensinado deverá ter procedimentos
de revisão [...]. A seleção deste tipo de conteúdo já traz, em si, um compo-
nente didático, pois ensinar a revisar é completamente diferente de ensinar
a passar a limpo um texto corrigido pelo professor. No entanto, mesmo as-
sim, ensinar a revisar é algo que depende de se saber articular o necessário
(em função do que se pretende) e o possível (em função do que os alunos
realmente conseguem aprender num dado momento). Considerar o conhe-
cimento prévio do aluno é um princípio didático para todo professor que
pretende ensinar procedimentos de revisão quando o objetivo é muito mais
do que a qualidade da produção – a atitude crítica diante do próprio texto
(BRASIL, 1998. p. 46).

67
Saberes docentes e Fica claro, portanto, que revisar é uma atitude muito diferente daquela de “higie-
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: nizar”, que, por muito tempo, acompanhou as atividades de avaliação do professor:
leitura, escrita,
análise linguística e
gramática A reescrita transformava-se numa espécie de ‘operação de limpeza’, em que
o objetivo principal consistia em eliminar as ‘impurezas’ previstas pela pro-
filaxia linguística, ou seja, os textos são analisados apenas no nível da trans-
gressão ao estabelecido pelas regras de ortografia, concordância e pontuação,
sem se dar a devida importância às relações de sentido emergentes na inter-
locução. Como resultado, temos um texto, quando muito, ‘linguisticamente
correto’, mas prejudicado na sua potencialidade de realização ( JESUS, 1997,
p. 102).

Percebemos, assim, que há, normalmente, uma predileção para a higienização


de elementos apenas na superfície do texto, em especial em relação aos erros de
ortografia, pontuação e concordância, como se esses elementos tivessem suprema-
cia sobre os elementos de base semântica, em seus aspectos de coesão e coerência.
Não restam dúvidas de que a reescrita é um “espaço privilegiado de articulação
das práticas de leitura, produção e reflexão sobre a língua” (BRASIL, 1998, p. 80),
possibilitando ao aluno uma relação mais interativa com seu próprio texto, provo-
cando um diálogo entre o aluno-autor com o seu produto. Além disso, a reescrita
auxilia o aluno a enxergar, por meio da mediação do professor, o que antes ele não
conseguia ver sozinho.
Sercundes (1997) também aponta uma outra razão da importância das ativida-
des de reescrita. Para a autora, se o aluno parte de seu próprio texto e emite sobre
ele um olhar mais analítico e avaliativo, ele terá condições de realmente perceber
que escrever é trabalho, mas não um trabalho associado à visão negativa do termo,
como algo enfadonho. Ele será capaz de compreender que se trata de uma atividade
pautada na perspectiva freinetiana, que consiste em observar o trabalho como uma
atividade natural do homem, que o ajudará a se tornar um usuário mais efetivo de
sua própria língua.
Interessante, também, é a posição de Jolibert (1994), ao reforçar que as ativida-
des de reescrita, quando mal-entendidas ou mal-planejadas, feitas de forma repeti-
tiva e entediante, tendem a afastar o aluno de sua própria língua. Da mesma forma
que Freinet (1974), o autor observa que o trabalho com a reescrita deve ser visto
como uma etapa significativa, que permite ao aluno avançar, gradativamente, em sua
própria aprendizagem. Reforça, ainda, que reescrita não é cópia do texto.
Assim, o professor, ao término de uma atividade de produção, poderá trabalhar
a reescrita de diversas formas, utilizando o texto todo, partes do texto, parágrafos
e até unidades menores, como a frase. O importante é que, em cada momento,
priorizem-se aspectos para além dos problemas formais (que devem ser objetos da

68
reescrita, mas que não devem ser apenas eles). O ideal é selecionar, para aquelas A produção de textos
na Educação Básica
produções, quais aspectos chamaram mais a atenção e trabalhá-los, alternando for-
ma e conteúdo. No caso da forma, por exemplo, que é bastante significativa nessa
fase, ou o professor se debruça sobre ela, ou sobre a pontuação, ou sobre os as-
pectos de coesão. Quanto ao conteúdo, aspectos como a progressão das ideias e a
adequação do conteúdo ao gênero proposto também podem e devem ser objetos
de uma reflexão.
Para as crianças muito pequenas, a atitude da revisão é uma tarefa que os autores
consideram difícil, exatamente porque exige o distanciamento do próprio texto; daí,
procedimentos como utilizar textos alheios para serem analisados coletivamente são
interessantes. Nesse caso, é preponderante o papel do professor, que deverá colocar
questões a serem avaliadas para o problema que deseja focar. É o professor, nesse
caso, o primeiro modelo de revisor.
Há, também, algumas formas de auxiliar o aluno a elaborar a revisão a partir de
si próprio, por meio de fichas de autoavaliação, nas quais o professor estabelece
aspectos que pressupõe que as crianças já internalizaram e pede que observem no
texto aspectos da forma e do conteúdo. Os próprios colegas também podem cum-
prir esse papel, com o texto do outro.
As fichas são interessantes, quando inseridas, sobretudo, em projetos. Ao elabo-
rar uma ficha, o professor deve incluir como itens aqueles que efetivamente foram
trabalhados durante a SD, envolvendo os aspectos temáticos, composicionais e de
estilo. A título de exemplo, veja a ficha abaixo, elaborada por uma professora da 5.ª
série, por ocasião do desenvolvimento de um projeto envolvendo a carta do leitor:

FICHA DE AUTOAVALIAÇÃO

Pontos para você observar ok Preciso(a) mudar


A linguagem utilizada na minha carta está
de acordo com os leitores da Revista Atre-
vida?
Deixei claro para os leitores o objetivo da
minha carta? (tópico trabalhado no capítu-
lo 3)
Usei apenas opiniões ou desenvolvi argu-
mentos? (tópico trabalhado no capítulo 4)
Consegui argumentar em relação à minha
opinião sobre a matéria lida, isto é, por
meio de fatos, exemplos, comparações?

69
Saberes docentes e
práticas de ensino de Usei uma pontuação adequada no pará-
Língua Portuguesa: grafo, respeitando as pausas e evitando
leitura, escrita,
análise linguística e muitas vírgulas?
gramática
Marquei minha opinião por meio de ex-
pressões indicativas do meu ponto de vis-
ta? (tópico trabalhado no capítulo 5)
Usei expressões específicas para finaliza-
ção dos meus argumentos?

Caso você não queira utilizar essa ficha no processo de avaliação do aluno, você
pode elaborar uma ficha de constatação (GONÇALVES, 2009) a respeito dos ele-
mentos alcançados ou não por cada aluno, por exemplo: em relação ao contexto de
produção, o aluno X ainda não conseguiu perceber o que diferencia um artigo de
opinião de um ensaio; o aluno Y, por sua vez, conseguiu reconhecer... e assim por
diante com cada aspecto que foi objeto de ensino. Depois estabelece as anotações
para o aluno poder elaborar sua reescrita.
Por tudo isso, é preciso que o aluno tenha um trabalho continuado com o pro-
cesso da reescrita, que se acostume a ele como uma das fases da escrita, e não como
um castigo. Fiad e Marynk-Sabinson (1991, p. 55) ratificam essa afirmação, pois, ao
encararem a reescritura como uma atividade inerente à própria escritura do texto,
os alunos passam a se preocupar mais com a forma como os leitores verão os seus
textos. Passarão a considerar o texto escrito “como resultado de um trabalho cons-
ciente, deliberado, planejado e repensado.”

O artigo de opinião: uma proposta de didatização do gênero com vistas


à escrita
A seguir, apresentamos o planejamento de uma sequência didática baseada no
gênero textual artigo de opinião, que pode ser aplicada (de forma geral) para uma 8.ª
série ou adaptada para outras, dependendo do nível de desenvolvimento dos alunos.
Elaboramos uma SD mais longa para você perceber as possibilidades de trabalho, mas
que poderia ser realizada com menos oficinas. Não detalharemos os exercícios das
oficinas, mas apresentaremos um plano de aula relativo a uma delas. Ao analisar o
resultado de nosso trabalho, você perceberá o que significa trabalhar com gêneros
textuais de acordo com a proposta teórica do Interacionismo Sociodiscursivo, tendo
em vista contextos da educação fundamental.
Outro ponto importante a esclarecer é quanto ao número de aulas que de você
precisará para desenvolver uma SD. Elas apresentam duração variável, podendo levar

70
duas semanas ou um bimestre, dependendo dos objetivos visados; o importante é A produção de textos
na Educação Básica
que você mantenha seus alunos articulados em torno do projeto de classe que a SD
delineia. No caso de estágios de docência, você escolherá os problemas mais significa-
tivos dos alunos para serem trabalhados nas oficinas, os quais são fundamentais para a
produção escrita. Você não terá tempo para trabalhar todos os problemas detectados
no diagnóstico, portanto, para elaborar sua SD, você terá de se adaptar à carga-horária
prevista. Vamos então ao nosso exemplo.

SEQUÊNCIA DIDÁTICA ARTIGO DE OPINIÃO


1.º E 2.º PASSOS: APRESENTAÇÃO DO PROJETO À SALA E PRODUÇÃO INICIAL
Objetivos:
 articular os alunos em um projeto de comunicação coletivo;
 envolver os alunos em torno de um objetivo comum: a elaboração da página
OPINIÃO do jornal escolar;
 verificar a Zona de Desenvolvimento Proximal dos alunos a respeito de uma
produção inicial de texto que talvez ainda não tenha passado por um processo
de ensino deliberado.

Atividade: Produção inicial. Seus alunos deverão produzir um texto de opi-


nião que fará parte da rubrica Opinião do jornal de sua escola. Não é preciso dar
muitas explicações sobre o gênero; você apenas deseja saber o que eles já sabem sobre
esse gênero para ajudá-los a avançar. Para tanto, leve um assunto polêmico de interes-
se da turma. Você pode ir à escola, antes do estágio de docência, e fazer essa aplicação,
ou solicitar que o professor da sala faça por você.

3.º PASSO: AS OFICINAS


Oficina 1: Reconhecimento dos gêneros textuais de opinião
Objetivo:
 Discutir os elementos principais do contexto de produção

Oficina 2: O contexto de produção do artigo de opinião
Objetivos:
 conhecer o plano textual de um artigo de opinião;
 identificar a opinião do argumento que lhe dá sustentação.

Oficina 3: Reconhecendo as fases do artigo de opinião

71
Saberes docentes e Objetivos:
práticas de ensino de
Língua Portuguesa:  reconhecer as “fases” da sequência argumentativa que predominam nos textos
leitura, escrita,
análise linguística e de opinião.
gramática
 desenvolver capacidades de fazer inferências para compreender informações
implícitas no texto.

Oficina 4:Identificando questões polêmicas


Objetivo:
 resgatar questões polêmicas que circulam na comunidade.
Oficina 5: Ampliando o conhecimento de mundo sobre o tema que deu ori-
gem à questão polêmica
Objetivo:
 buscar informações e ampliar o conhecimento prévio a respeito de um dos
temas da oficina anterior.

Oficina 6: Análise linguística do artigo de opinião


Objetivos:
 conhecer e usar palavras e expressões que conectam, articulam o artigo de
opinião
 produzir levantamento de palavras e de expressões usadas nos textos de
opinião expostos no mural;
 reconhecer os sinais de pontuação empregados nos textos de opinião.
 reconhecer a variante linguística em uso nos textos de opinião.

Oficina 7: Os marcadores de conexão no artigo de opinião


Objetivo:
 reconhecer e usar elementos de conexão nos textos de opinião.

4. º PASSO: A PRODUÇÃO FINAL


Oficina 08: A produção individual do artigo de opinião
Objetivos:
 produzir um texto individual que passará por diferentes refacções até chegar
ao destinatário final;
 elaborar um cartaz contendo as características do gênero que foram objeto de
ensino-aprendizagem nas diferentes oficinas da SD.

A fim de ilustrar como ficaria o plano de aula para uma das oficinas, escolhe-
mos a Oficina 3.
72
A produção de textos
PLANO DE AULA na Educação Básica

ESCOLA: XXXXXX
PROFESSOR(A): C.M.P.
SÉRIE: 2.ª TURMA: B TURNO: Matutino
ENSINO: ( X ) Médio ( ) Fundamental
DATA: ___/___/___________ HORÁRIO: 8h-9h30min
DURAÇÃO DA AULA: 2 h/a
Conteúdo: Fases do artigo de opinião

Objetivo Geral: compreender os movimentos organizadores da estrutura composicional do artigo


de opinião.

Objetivos específicos: (a) analisar os tipos de sequências predominantes do artigo de opinião: (b)
identificar as sequências prototípicas do artigo de opinião

Procedimentos de ensino Recursos Procedimentos de ava-


liação

(a) Motivar a sala para a discussão inicial do Xérox, quadro-de- Leitura, discussão oral e
tema “Proposta do referendo”, usando a dinâmi- giz, quadro de pa- escrita.
ca da batata-quente, na qual uma caixa circulará pel manilha.
entre os alunos e, no momento em que a música
parar, eles tirarão questões sobre o referendo,
no intuito de sondar o conhecimento prévio sobre
o assunto; (b) fazer uma leitura compartilhada do
artigo de opinião de Stephen Kanitz, intitulado “A
questão do referendo” (Veja, 18/01/2006); (c)
responder em duplas às seguintes questões: 1.
Qual o fato noticiado que gerou a escrita desse
artigo? 2. Qual é a questão polêmica que está
em discussão? 3. Qual é a posição do autor? 4.
Quais são os argumentos que sustentam a tese
do autor? 5. Quais são os contra-argumentos
trazidos pelo autor? d) preencher com os alunos
em um quadro feito de papel manilha (a ser fixa-
do no quadro-negro) os movimentos argumenta-
tivos presentes no texto, por meio da localização
dos parágrafos, a saber: - a tomada de posição
do articulista; - a sustentação da tese; - os con-
tra-argumentos - a negociação de posições; 5.
produzir no caderno, como atividade para casa,
um pequeno diário de aprendizagem, com o se-
guinte comando: Vamos fixar o que aprendemos
hoje sobre o artigo de opinião? No seu caderno
redija um pequeno texto contendo: - quais temas
o artigo de opinião trata; - quais são as catego-
rias presentes no artigo de opinião ou sua forma
de construção; - qual a diferença entre o artigo
de opinião e a dissertação de vestibular.

73
Saberes docentes e
Bibliografia de apoio
práticas de ensino de
Língua Portuguesa:
leitura, escrita, BRÄKLING, K. L. Trabalhando com o artigo de opinião: revisitando o eu no exercício da palavra do
análise linguística e outro. In: ROJO, R. (Org.). A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCN’s. Campi-
gramática nas, SP: Mercado de Letras, 2000.

HILA, C. V. D. O gênero artigo de opinião: diagnóstico e intervenção na formação inicial de professo-


res. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, SP, n. 47, p.183-201, jan./jun. 2008.

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debates. São Paulo: Parábola, 2005.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino da produção textual com base nos gêneros discursivos por intermédio de
sequências didáticas é uma das possibilidades à disposição do professor para trabalhar
com a escrita de forma a desenvolver capacidades de linguagem tanto nos alunos
como em si próprio. Esse ensino não pode ser mais visto como um “apêndice” das
aulas de Língua Portuguesa; ao contrário, trata-se de uma atividade que demanda do
professor o estudo consciente e deliberado a respeito do gênero que ele quer ensinar
aos seus alunos.
No caso específico das sequência didática, seu uso permite que o conhecimento seja
permanentemente (co)construído no percurso, de forma dialógica e contextualizada
às necessidades de uma escola e de seus alunos, o que, sem dúvida, fez emergir, nesse
processo interativo, enunciados concretos que, conforme Voloshinov e Bakthin (1976,
p. 5), “sempre une os participantes da situação comum como co-participantes que
conhecem, entendem e avaliam a situação de maneira igual”.

Referências

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SERCUNDES, M. M. I. Ensinando a escrever. In: CHIAPPINI, L. (Coord.). Aprender e


ensinar com textos de alunos. São Paulo: Cortez, 1997. p. 75-97. v. 1.

VOLOSHINOV,V.N.; BAKHTIN, M. Discurso na vida e discurso na arte: sobre poética


sociológica. Trad. De Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza. In: VOLOSHINOV, V.N.
Freudismo. New York: Academic Press, 1976. (Circulação para uso didático).

76
5 Ensino de Língua
Portuguesa: análise
linguística

Sandra Regina Cecilio

Introdução
Neste capítulo teceremos comentários a respeito da análise linguística no ensino
de língua portuguesa. Nosso objetivo é contextualizar o ensino da língua materna,
trazendo para o debate os estudos sobre análise linguística, embasados em autores
que pesquisam sobre o tema. Também apresentaremos, após a fundamentação teórica,
uma proposta de trabalho pedagógico que aborde a análise linguística, de modo
contextualizado com as atividades de leitura. Não temos o intuito de indicar “receitas”,
mas a intenção de promover um diálogo com vocês, professores em formação, acerca
do ensino de língua materna nas escolas de educação básica no que tange ao estudo
da análise linguística.
O ensino de língua portuguesa tem sido, nas últimas décadas, centro de discussão
sobre a necessidade de se melhorar a qualidade do ensino. O eixo de tal discussão é
centrado no domínio da leitura e da escrita pelos alunos. Na abordagem tradicional,
priorizava-se o ensino da gramática, trabalhando-se em sala de aula com os estudos
da metalinguagem, e não com a linguagem. A questão crucial não é ensinar ou não
a gramática, mas para quê e como ensiná-la. Na prática pedagógica “tradicional”, o
ensino de língua é voltado para um conjunto de prescrições sintáticas consideradas
“corretas”, para a imposição de pronúncias artificiais que não correspondem às
variedades linguísticas reais e para a cobrança sobre o conhecimento da nomenclatura.
Em outras palavras, ensinar português significa, nesse contexto, ensinar norma
gramatical, com ênfase na linguagem escrita. Nesse sentido, a premissa hipotética é
a de que quem conhece pormenorizadamente a prescrição é capaz de fazer bom uso
dos recursos da língua e aqueles que desconhecem a norma não são usuários eficazes.
Assim, muitos, inclusive professores, acreditam que o ensino de língua portuguesa
deva ser pautado no trabalho com a gramática, considerando como válida somente
a norma padrão. No entanto, o método tradicional parece não ter sido eficaz, pois
77
Saberes docentes e se ensinam a mesma nomenclatura, conceitos e normas nos ensinos fundamental e
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: médio e, talvez, até no nível superior, e os alunos saem da escola alegando que não
leitura, escrita,
análise linguística e sabem português, pelo fato de esta ser uma língua “difícil”.
gramática
Já parece consenso, ao menos na academia e nas propostas oficiais sobre ensino, que
os estudos gramaticais teórico-normativos descontextualizados são considerados trabalho
improdutivo. Isso porque, nessa perspectiva, consideram que o estudo de língua materna
se caracteriza como uma teoria fragmentada, repleta de regras e de exceções e, sob essa
visão, o ensino fica voltado para a metalinguagem, com definições, conceitos, categoriza-
ções e análises, quase sempre, descontextualizadas. É um ensino de reconhecimento de
normas, classificações e estruturas que não propicia a reflexão e nem garante o conheci-
mento e a ampliação do horizonte discursivo dos alunos acerca das práticas de linguagem.
Essa sistematização da língua é subjacente às concepções de linguagem como expres-
são do pensamento e instrumento de comunicação. Essas concepções se desenvolveram,
respectivamente, conforme Travaglia (1996), com os estudos tradicionais da língua desde
a Antiguidade greco-latina e com o Estruturalismo (Saussure) e o Gerativismo (Chomsky),
para os quais a língua era um sistema linguístico homogêneo, formal e abstrato. Em uma
perspectiva formalista, ambos limitaram seus estudos ao funcionamento interno da língua,
separando-a do homem no seu contexto social.
A respeito das discussões sobre o ensino da gramática normativa nos contextos esco-
lares, Mendonça (2001) salienta que, para muitos, gramática é sinônimo de língua portu-
guesa. Nesse enfoque, a visão prescritiva da língua e a ideia de poder delegado à variante
de prestígio é emanada pela sociedade e, consequentemente, pela escola. Tal associação é
decorrente da longa tradição de ensino calcada na norma culta, valorizada pela sociedade
do discurso (FOUCAULT, 1996). Em estudo sobre o assunto, Britto (1997) salienta a forte
influência dos formadores de opinião – em especial a mídia, o vestibular e o material didá-
tico – no ensino da gramática e da língua nas escolas brasileiras. Essas instâncias de poder
acabam sustentando e reproduzindo concepções equivocadas de língua e de gramática na
escola e na sociedade, ignorando os conhecimentos produzidos pela Linguística.
Mendonça (2001) concebe essa visão dos formadores de opinião como uma visão
estreita de língua e como políticas de fechamento por agirem contra a heterogenei-
dade do discurso. Nessa perspectiva, as políticas de fechamento surgem quando os
sujeitos não são levados a refletir sobre a linguagem e nem encontram espaços, princi-
palmente no âmbito escolar, para o surgimento de conflitos ideológicos, de modo que
profiram suas contrapalavras.
Como a sociedade do discurso privilegia o padrão culto da língua, a escola muitas
vezes também o faz na realização de um trabalho gramatical teórico-prescritivo, silen-
ciando sentidos nos processos de leitura, na estereotipação de gêneros discursivos e

78
na construção da imagem de estabilidade da norma culta escrita, desprezando, assim, Ensino de Língua
Portuguesa: análise
as variedades linguísticas. linguística

Entretanto, os estudos da linguagem têm mostrado que o valor social das


variedades linguísticas não é o mesmo e que o uso de diferentes variedades provoca
efeitos diversos sobre interlocutores, como cumplicidade, admiração ou exclusão. Isso
acontece porque nos modos de falar estão embutidas as marcas do lugar em que se
fala, do tempo, das características sociais do falante e das particularidades da situação
comunicativa.
Diante do exposto, o ensino gramatical desarticulado dos usos não se justifica e
não é viável a escola se concentrar em apenas um objeto de ensino parcial – a norma
padrão – cuja gramática dita regras, fazendo julgamentos de valor e indicando o “certo
e o errado”. Desse modo, o estudo da gramática não deve se restringir à variante
padrão, que corresponde à variedade linguística de prestígio. Entendemos que essa
é mais uma variedade, mesmo sabendo que cabe à escola ensiná-la, já que reflete
poder e autoridade; é vista como sinônimo de ascensão social e é norma vigente nos
documentos escritos oficiais. Porém, se o ensino for voltado somente para a gramática
normativa, poderá ficar arraigado ao conservadorismo e, certamente, não fará muito
sentido para aqueles que se encontram na condição de aprendizes.
A gramática, portanto, não deveria ser trabalhada pedagogicamente isolada
das práticas de linguagem, indo, da metalinguagem para a língua por meio de
exemplificação, exercícios de reconhecimento e memorização de terminologias. O que
se pretende é que o aluno cresça não só como usuário, mas também como monitor
da sua própria atividade linguística. Desse modo, se o objetivo é fazer que os alunos
usem os conhecimentos adquiridos por meio da prática de reflexão sobre a língua para
melhorar a capacidade de compreensão e de expressão, nas situações de comunicação
escrita e oral, é preciso que se organize o trabalho educativo nessa perspectiva.
Ressalta-se, assim, a importância de a escola não conferir exclusividade à variante
padrão, consolidando o uso de uma variedade de prestígio, esquecendo-se das outras,
pois ensinar apenas a norma padrão é negar à linguagem seus usos, suas funções,
sua historicidade, sua natureza ideológica e seu caráter interativo. Nesse sentido, é
importante considerar que o sujeito constrói seu discurso adequando-o ao contexto
de produção e, sendo assim, evidencia-se que no uso da linguagem há outros fatores
envolvidos além do código. Por esse motivo, não basta somente dominar regras
gramaticais para que haja interação linguística entre os falantes. Por conseguinte,
a escola não pode deixar de considerar as condições de produção – elementos tão
importantes – nas situações de interação social.

79
Saberes docentes e Análise Linguística
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: A partir das críticas aos métodos da abordagem tradicional de ensino de língua,
leitura, escrita,
análise linguística e repensou-se o modo de ensinar a língua portuguesa nas escolas, propondo-se o ensino
gramática
não mais centrado na teoria gramatical, mas nas práticas de leitura e de produção
textual com base nas perspectivas sociais. Essa transformação, no Brasil, teve início a
partir da década de 80, do século XX, época em que surgiram várias pesquisas voltadas
para a sala de aula, discutindo-se o estabelecimento da interação social e propondo-se
o discurso e o texto como unidades de ensino. Um dos precursores dessa mudança
de postura teórica no Brasil foi o professor João Wanderley Geraldi, que pontua, com
base na perspectiva bakhtiniana, que, por meio do discurso, o aluno pode expressar
seu ponto de vista sobre o mundo e, por meio do texto, aprender a língua materna.
A perspectiva bakhtiniana à qual nos referimos no parágrafo anterior é discutida
pelo filósofo russo Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975). Esse autor construiu
uma discussão acerca da filosofia da linguagem que concebe a linguagem como um
constante processo de interação mediado pelo diálogo. Sendo assim, a língua existe em
função do uso que os falantes (seja na oralidade, seja pela escrita) e seus interlocutores
(quem escuta ou quem lê) fazem dela em situações de comunicação. A linguagem,
nessa concepção, passa necessariamente pelo sujeito, que é o agente das relações
sociais e o responsável pela composição e pelo estilo dos discursos. Em outras palavras,
ao vivermos em sociedade temos uma relação com o outro (o interlocutor) - tudo é
pensado em relação a ele - e assim ele tem importância fundamental que leva a uma
relação dialógica. É a partir do outro que se instaura o diálogo e se determinam as
condições de produção.
Conforme aponta Geraldi (1997), o outro é a medida, pois é para ele que se produz
o texto e o outro não se inscreve no texto no processo de produção de sentidos na
leitura, mas insere-se já na produção como condição necessária para que o texto exista. É
pensando no outro que fazemos as escolhas de linguagem, ou seja, escolhemos o modo
mais formal ou mais informal de usar a língua, escolhemos as palavras, escolhemos a
maneira de organizar o discurso, entre outros elementos
Inseridos nesse contexto, voltemos à discussão sobre o porquê de o ensino de lín-
gua portuguesa não poder se pautar apenas na gramática normativa. Mendonça (2006)
postula que vem se firmando um movimento de revisão crítica dessa prática, o que fez
emergir a proposta da prática de análise linguística, em vez das aulas de gramática. A au-
tora assinala que o termo surgiu para determinar uma nova postura de reflexão sobre o
sistema linguístico e os usos da língua, com vistas ao tratamento escolar dos fenômenos
gramaticais, textuais e discursivos. A análise linguística, assim, surge como uma alterna-
tiva complementar às práticas de leitura e de produção de texto.

80
Ensino de Língua
Portuguesa: análise
[...] a organização cumulativa ignora o objetivo de formar usuários da língua,
linguística
para privilegiar a formação de analistas da língua. A escola não tem de formar
gramáticos ou lingüistas descritivistas, e sim pessoas capazes de agir verbal-
mente de modo autônomo, seguro e eficaz, tendo em vista os propósitos das
múltiplas situações de interação em que estejam engajadas.
Por isso, a AL surge como alternativa complementar às práticas de leitura
e de produção de texto, dado que possibilitaria a reflexão consciente sobre fe-
nômenos gramaticais e textual-discursivos que perpassam os usos lingüísticos,
seja no momento de ler/escutar, de produzir textos ou de refletir sobre esses
mesmos usos da língua. (MENDONÇA, 2006, p. 204, grifos da autora).

É importante destacar que a análise linguística não elimina a gramática, pois


é impossível usar a língua ou refletir sobre ela sem gramática. Também é relevante
destacar que a análise linguística não deve ser entendida como a gramática aplicada
ao texto, mas como um deslocamento da reflexão gramatical, porque seu objetivo
primeiro é a construção de conhecimento, e não o reconhecimento de estruturas. Pela
análise linguística, podemos “buscar ou perceber os recursos expressivos e processos
de argumentação que se constituem na dinâmica da atividade linguística” (BRITTO,
1997, p. 164), enquanto as gramáticas normativas, vistas como “resultado de uma certa
reflexão sobre a linguagem são insuficientes para dar conta das muitas reflexões que
podemos fazer” (GERALDI, 1997, p. 192).
Para Mendonça (2006, p. 208), o trabalho de análise linguística configura-se pela
“reflexão recorrente e organizada, voltada para a produção de sentidos e/ou a com-
preensão mais ampla dos usos e do sistema linguísticos, com o fim de contribuir para
a formação de leitores-escritores de gêneros diversos, aptos a participarem de eventos
de letramento com autonomia e eficiência”. Geraldi (1999, p. 74) explica, no artigo
Unidades básicas do ensino de Português, em nota de rodapé, que

O uso da expressão “prática de análise linguística” não se deve ao mero gosto


por novas terminologias. A análise linguística inclui tanto o trabalho sobre ques-
tões tradicionais da gramática quanto questões amplas a propósito do texto,
entre as quais vale a pena citar: coesão e coerência internas do texto; adequação
do texto aos objetivos pretendidos; análise dos recursos expressivos utiliza-
dos (metáforas, metonímias, paráfrases, citações, discursos direto e indireto,
etc.); organização e inclusão de informações; etc. Essencialmente, a prática da
análise linguística não poderá limitar-se à higienização do texto do aluno em
seus aspectos gramaticais e ortográficos, limitando-se à “correções”. Trata-se de
trabalhar com o aluno o seu texto para que ele atinja seus objetivos junto aos
leitores a que se destina.

Na citação de Geraldi (1999), é dada maior relevância à prática de análise linguística


a partir do texto produzido pelo aluno. Entretanto, a dimensão dessa prática é mais
abrangente. Para o autor (1997), é no interior e a partir das atividades de leitura e de

81
Saberes docentes e produção textual que a análise linguística ocorre. Esta, praticada nas aulas, permite aos
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: sujeitos “retomar suas intuições sobre a linguagem, aumentá-las, torná-las conscientes
leitura, escrita,
análise linguística e e mesmo produzir, a partir delas, conhecimentos sobre a linguagem que o aluno usa
gramática
e que outros usam” (GERALDI, 1997, p. 217). Assim, nas aulas de língua portuguesa,
o ensino levaria a pensar a língua em uso, ou seja, a maneira como é exercitada e
avaliada em sociedade.
Nesse sentido, assinalamos a relevância de uma prática pedagógica que integre
leitura, produção textual e análise linguística de modo contextualizado. Na prática de
análise linguística, evidenciamos dois momentos importantes: o processo de leitura e
o processo de produção do texto. No processo de leitura, verificamos como o produtor
do discurso mobiliza recursos linguístico-expressivos na construção dos sentidos
almejados; nesse processo, realizam-se atividades interativas de produção de sentidos,
por meio dos elementos linguísticos presentes na superfície textual e da mobilização
de um conjunto de saberes e sua reconstrução no interior do evento comunicativo.
Com a prática de análise linguística no processo de leitura, a escola pode propiciar ao
estudante a busca e a compreensão das particularidades dos gêneros/textos por meio
dos recursos agenciados pelo autor para construir efeitos de sentido desejados, de
acordo com as condições de produção.
Sobre esse encaminhamento, as Diretrizes Curriculares Estaduais (DCE) de Lín-
gua Portuguesa do Estado do Paraná (2008) enfatizam que a prática de análise linguís-
tica constitui um trabalho em que o aluno percebe o texto como resultado de opções
temáticas e estruturais realizadas pelo autor, tendo em vista o seu interlocutor. Nessa
perspectiva, “o texto deixa de ser pretexto para se ensinar a nomenclatura gramatical e
a sua construção passa a ser objeto de ensino” (PARANÁ, 2008, p. 61).
No processo de produção, o aluno, como sujeito de seu discurso, também agencia
recursos expressivos em função de seus conhecimentos, considerando a relação inter-
locutiva e a situação de uso para mobilizar efeitos de sentido pretendidos. Ele também
faz as escolhas lexicais, gramaticais e textuais no agenciamento dos recursos linguísti-
co-expressivos utilizados nas ações sobre a linguagem com o outro. Nesse contexto, o
ensino da gramática não se volta exclusivamente para a metalinguagem, mas torna-se
um ensino que integra leitura e produção de textos.
É importante apontar uma outra etapa do enfoque da análise linguística, que é o
processo de refacção dos textos produzidos pelos alunos. Quando o aluno escreve,
faz uso de recursos expressivos, de acordo com seu conhecimento, e o professor, pelo
texto do aluno, pode definir conteúdos de ensino.
Em suma, nas duas abordagens de ensino com o texto – processos de leitura e
de produção –, o trabalho de análise linguística é primordial, visto ser por meio das

82
expressões selecionadas, do léxico, das escolhas sintáticas, enfim, dos recursos utiliza- Ensino de Língua
Portuguesa: análise
dos, que se constroem os efeitos de sentido pretendidos. Pelas escolhas linguísticas, é linguística

possível também perceber a subjetividade, pois o autor reflete sua individualidade nos
enunciados (BAKHTIN, 1997), revelando-se e mostrando-se como sujeito.
Essa perspectiva de trabalho pedagógico é ancorada na concepção de linguagem
como interação entre os sujeitos. Conforme Bakhtin (1981), a realidade essencial
da linguagem é seu caráter dialógico, já que as enunciações são efetivadas entre os
falantes. Quando adotamos essa concepção de linguagem como norte para o ensino
de língua materna, a unidade básica de trabalho não está mais centrada na palavra ou
em frases isoladas, mas no texto em sua dimensão discursiva, considerando-o uma
atividade comunicativa efetiva, com suas múltiplas situações de interlocução.

As atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas


Como já mencionamos, a análise linguística ocorre no interior das práticas de leitura
e de produção de textos, uma vez que, conforme Geraldi (1997), por meio dessas
instâncias a elaboração do texto com a linguagem se faz por operações discursivas
que constroem os sentidos. Assim, a análise linguística, mediante esse pesquisador,
caracteriza-se como um debruçar-se sobre os modos de ser da linguagem, já que, por
meio dela, falamos sobre o mundo, sobre nossa relação com as coisas e também sobre
como falamos, recorrendo a atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas.
A linguagem pode ser pensada, assim como constitutiva dos sujeitos que a constroem
e a reconstroem seguidamente em cada ato enunciativo. Com base nesse pressuposto,
Geraldi (1997) postula que é no espaço da interlocução que os sujeitos e a linguagem
se constituem. Desse modo, tanto a linguagem quanto o sujeito são objetos histórico-
sociais, razão pela qual a linguagem não pode ser reduzida a um sistema formal. Pela
linguagem, os sujeitos interagem uns com os outros em sociedade, compreendem o
mundo em que vivem e nele agem.
Nesse contexto, a linguagem se caracteriza como um processo complexo e dinâmico
em uma sistematização aberta de recursos expressivos que ganham concretude na
singularidade dos acontecimentos interativos entre os sujeitos. Em outras palavras, a
linguagem se constitui pelo trabalho dos sujeitos e estes se constituem pelo trabalho
linguístico, ao participarem de processos interacionais.
Diante do estabelecimento da subjetividade como constitutiva da linguagem,
discutiremos os conceitos de atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas.
As atividades linguísticas dizem respeito à progressão do assunto em pauta nos
processos interacionais. As reflexões que se fazem nessa atividade, tanto nas escolhas
de recursos expressivos realizados pelo locutor quanto na sua compreensão pelo

83
Saberes docentes e interlocutor, não buscam interromper a progressão do assunto de que se está
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: tratando, mas “demandam na compreensão responsiva, um certo tipo de reflexão que
leitura, escrita,
análise linguística e se poderia dizer ‘automática’, sem suspensão das determinações do sentido que se
gramática
pretendem construir na intercompreensão dos sujeitos” (GERALDI, 1997, p. 20). Em
outras palavras, as atividades linguísticas referem-se ao uso da língua nos processos
interlocutivos.
Nas atividades epilinguísticas, a reflexão é voltada para o uso da língua, no interior
da atividade linguística em que se realiza, tomando os próprios recursos expressivos
como seu objeto. Ou seja, a reflexão é vinculada ao próprio processo interativo, como
caminho para tomar consciência e aprimorar o controle sobre a produção linguística.
Para exemplificar, Geraldi (1997, p. 24-25) assinala que, nessas atividades, as
operações se manifestam em negociações de sentido, em hesitações, autocorreções,
reelaborações, rasuras, pausas longas, repetições, antecipações, lapsos, sempre
presentes nas atividades verbais e incidindo “ora sob aspectos estruturais da língua
(como nas reformulações e correções auto e heteroiniciadas), ora sobre aspectos mais
discursivos como o desenrolar dos processos interativos”. De acordo com Angelo e
Loregian-Penkal (2010, p. 142-143), com as atividades epilinguísticas

o aluno experimenta novos modos de construções linguisticas, avalia a eficácia


ou adequação de certas expressões no uso oral ou escrito, procura descobrir
a intencionalidade implícita em textos lidos ou ouvidos, reflete sobre os dife-
rentes recursos que a língua oferece para a construção de diferentes efeitos
de sentido. Isto pode ser evidenciado quando o aluno, diante de um texto de
propaganda, por exemplo, procura questionar por que se empregam verbos
no imperativo, adjetivos, pronomes de segunda pessoa; por que aparecem pre-
ferencialmente períodos simples ao invés de períodos compostos; por que o
autor do texto usou uma expressão humorística, metáforas ou comparações.

As atividades metalinguísticas estão relacionadas às análises voltadas para a des-


crição, por intermédio da categorização e sistematização dos elementos linguísticos,
sendo assim, atividades de conhecimento. De acordo com os Parâmetros Curricula-
res Nacionais (PCNs) de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997), essas atividades não es-
tão vinculadas propriamente ao processo discursivo, mas consistem na utilização (ou
construção) de uma metalinguagem que possibilite falar sobre a língua. Para Geraldi
(1997), as atividades metalinguísticas dizem respeito a atividades de conhecimento
que analisam a linguagem com a construção de conceitos, classificações etc. Angelo e
Loregian-Penkal (2010, p. 143) apontam que temos atividades metalinguísticas quando
são explorados conceitos e classificações em exercícios, tais como: “classifique os subs-
tantivos em simples ou compostos; sublinhe os artigos definidos e circule os artigos
indefinidos; copie do texto três advérbios de tempo” etc.

84
No trabalho com a língua em sala de aula, integram-se as três atividades (linguísticas, Ensino de Língua
Portuguesa: análise
epilinguísticas e metalinguísticas). Nessa integração, as atividades epilinguísticas linguística

são primordiais, uma vez que, conforme Geraldi (1997), elas são condição para a
busca significativa de outras reflexões sobre a linguagem. Para o autor, as atividades
epilinguísticas devem anteceder as atividades metalinguísticas a fim de que estas
tenham significado para os estudantes.

[...] para que as atividades metalingüísticas tenham alguma significância neste


processo de reflexão que toma a língua como objeto, é preciso que as atividades
epilingüísticas as tenham antecedido. Se quisermos inverter a flecha do ensino,
propugnando por um processo de produção do conhecimento e não de reco-
nhecimento, é problemática a prática comum na escola de partir de uma noção
já pronta, exemplificá-la e, através de exercícios, fixar uma reflexão. Na verdade,
o que se fixa é a metalinguagem aprendida na escola para analisar esta língua.
Esta percepção é fruto do trabalho escolar: o aluno, falando em português, diz
não saber português (GERALDI, 1997, p. 191).

Como síntese das discussões e para que tenhamos uma melhor compreensão das
diferenças básicas entre o ensino da gramática e a análise linguística, reproduzimos,
neste espaço, a tabela ilustrativa elaborada por Mendonça (2006, p. 207) em livro que
aborda o ensino de língua portuguesa no ensino médio e a formação do professor.

ENSINO DE GRAMÁTICA ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA


• Concepção de língua como sistema, • Concepção de língua como ação in-
estrutura inflexível e invariável. terlocutiva situada, sujeita às interfe-
rências dos falantes.
• Fragmentação entre os eixos de en- • Integração entre os eixos de ensino:
sino: as aulas de gramática não se a análise linguística é ferramenta
relacionam necessariamente com as para a leitura e a produção de textos.
de leitura e de produção textual.
• Metodologia transmissiva, baseada • Metodologia reflexiva, baseada na
na exposição dedutiva (do geral para indução (observação dos casos par-
o particular, isto é, das regras para o ticulares para a conclusão das regu-
exemplo) + treinamento. laridades/regras).
• Privilégio das habilidades metalin- • Trabalho paralelo com as habilidades
guísticas. metalinguísticas e epilinguísticas.
• Ênfase nos conteúdos gramaticais • Ênfase nos usos como objeto de en-
como objetos de ensino, abordados sino (habilidades de leitura e escrita),
isoladamente e em sequência mais que remetem a vários outros objetos
ou menos fixa. de ensino (estruturais, textuais, dis-
cursivos, normativos), apresentados
e retomados sempre que necessário.
• Centralidade da norma-padrão. • Centralidade dos efeitos de sentido.

85
Saberes docentes e
práticas de ensino de ENSINO DE GRAMÁTICA ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
Língua Portuguesa:
leitura, escrita, • Ausência de relação com as especi- • Fusão com o trabalho com os gêne-
análise linguística e ficidades dos gêneros, uma vez que ros, visto que contempla justamente
gramática
a análise é mais de cunho estrutural a intersecção das condições de pro-
e, quando normativa, desconsidera o dução dos textos e as escolhas lin-
funcionamento desses gêneros nos guísticas.
contextos de interação verbal.
• Unidades privilegiadas: a palavra, a • Unidade privilegiada: o texto.
frase e o período.
• Preferência pelos exercícios estrutu- • Preferência por questões abertas e
rais, de identificação e classificação atividades de pesquisa, que exigem
de unidades/ funções morfossintáti- comparação e reflexão sobre ade-
cas e correção. quação e efeitos de sentido.

Uma prática de análise linguística


Nesta seção, apresentaremos uma sugestão de abordagem didática para a prática
de análise linguística. A abordagem aqui proposta comporta um texto exemplar do
gênero carta de reclamação e apresenta-se com sugestão de trabalho a ser adaptado,
reformulado, ampliado, enfim, redimensionado, de acordo com a situação de uso.
Como já dissemos no início do capítulo, não temos a intenção de indicar “receitas”,
mas o de estabelecer um diálogo a respeito do trabalho pedagógico com a análise
linguística nas aulas de língua portuguesa.
É importante considerar que a abordagem de ensino aqui proposta está
ancorada na noção bakhtiniana de gêneros discursivos que considera o dialogismo
no processo comunicativo e nos quais os PCNs (BRASIL, 1997, 1998) e as DCEs de
Língua Portuguesa (PARANÁ, 2008) estão fundamentados. Os gêneros discursivos são
processos interativos que apresentam três dimensões essenciais e indissociáveis, como
aponta Bakhtin (1997): conteúdo temático, construção composicional e estilo verbal,
determinados pelos parâmetros da situação de produção dos enunciados e, sobretudo,
pela apreciação valorativa (BAKHTIN, 1981) do locutor a respeito do(s) tema(s) e do(s)
interlocutor(es) do discurso, único fim de um enunciado vivo, como aponta Rojo
(2005). Em vista disso, qualquer análise envolvendo os gêneros não pode preceder
da análise das condições de produção, pois a noção de gêneros incorpora elementos
sócio-históricos, considerando a situação de produção dos discursos – quem fala, para
quem, lugares sociais dos interlocutores, posicionamentos ideológicos, objetivos,
modalidade de linguagem, veículo, esfera social – e abrange o conteúdo temático, a
construção composicional e as marcas linguísticas.
Na tentativa de explicar melhor a análise linguística, esboçaremos nos parágrafos

86
seguintes um princípio de análise que não se esgota nos elementos aqui abordados, Ensino de Língua
Portuguesa: análise
mas que pretende demonstrar, a título de exemplificação, como seria possível orientar- linguística

se por essa prática no ensino da língua portuguesa. Desse modo, apresentaremos,


primeiramente, uma breve descrição do gênero carta de reclamação e, em seguida,
uma possibilidade de leitura de um exemplar do gênero, adaptada de Cecilio (2009).
A carta de reclamação é um gênero usado em situações em que o cidadão deseja
externar alguma injustiça, insatisfação, algo que julgue ser impróprio ou errado e,
ainda, solicitar uma resolução para seu problema. Pertence ao agrupamento de gêneros
da ordem do argumentar (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004), situando-se na esfera de
comunicação de assuntos/temas controversos; quanto ao aspecto tipológico, apresenta
como capacidade de linguagem dominante a sustentação, a refutação e a negociação
de tomadas de posição. Com efeito, os aspectos nos quais a carta de reclamação se
situa socialmente se relacionam a dois objetivos do ensino fundamental, de acordo
com os PCNs (BRASIL, 1997, 1998): a compreensão da cidadania como participação
social e política, no exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando,
no dia a dia, atitudes de solidariedade, de cooperação e de repúdio às injustiças; e o
posicionamento crítico, responsável e construtivo nas diferentes situações sociais.
Em relação ao contexto de produção, o gênero em pauta pode ser escrito e divulgado
em espaços específicos de jornais ou revistas intitulados de maneiras diversas, tais
como: Fórum do Leitor, Cartas do Leitor, Cartas, Opinião Livre, Caixa Postal etc., ou
ainda pode ser enviado diretamente à instância responsável pela criação e consequente
resolução do problema causador da insatisfação do cidadão. Quando a carta é divulgada
na imprensa, o efeito de sentido que produz vai além de expressar uma reclamação.
Desse modo, o lugar social em que se realiza a interação e no qual vai circular o texto
tem importância fundamental nos efeitos de sentido. Ao escrevermos uma carta de
reclamação, temos como objetivo, além de expor que estamos insatisfeitos, buscar a
resolução para um problema. Assim, enviar a carta diretamente à instância responsável
é um caminho na busca de nosso objetivo. Contudo, quando a carta é divulgada na
imprensa – e dessa forma muitas pessoas terão acesso a ela –, sua função vai além de
mera reclamação e tentativa de resolução do problema. Publicar esse gênero discursivo
na imprensa produz o efeito de sentido de se fazer uma denúncia.
Ainda, em relação ao contexto de produção, as cartas de reclamação podem circular
por diferentes suportes e, em alguns jornais e revistas, há abertura para que os leitores
exponham opiniões diversas sobre assuntos atuais e/ou tratados em exemplares
anteriores. Nesse contexto, essas cartas pertencem ao gênero carta do leitor.
Cabe destacar que os gêneros não apresentam formas estáticas e imutáveis; podem
apresentar um formato híbrido, já que estão envolvidos na “relação com as práticas

87
Saberes docentes e sociais, os aspectos cognitivos, os interesses, as relações de poder, as tecnologias, as
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: atividades discursivas e no interior da cultura” (MARCUSCHI, 2005, p. 19), mudando,
leitura, escrita,
análise linguística e fundindo-se e misturando-se para manter sua identidade funcional com inovação
gramática
organizacional. Assim, a carta de reclamação pode também circular em espaços
destinados à carta do leitor, confirmando o hibridismo dos gêneros.
As marcas de linguagem mais relevantes do gênero em tela, segundo Barbosa (2005),
são o uso: dos organizadores textuais temporais em relatos, como advérbios e locuções
adverbiais; dos operadores argumentativos na apresentação das argumentações; do dis-
curso em primeira ou terceira pessoa; de afirmações categóricas e não modalizadas que
conferem ao texto um tom agressivo e ameaçador.
No gênero carta de reclamação, o remetente emprega uma série de estratégias na
realização de seu projeto, em função de seus objetivos, de seu lugar social, de seu inter-
locutor, do lugar social, no qual se realiza a interação e no qual vai circular sua carta, e
da ferramenta que utiliza – o gênero – que indica as maneiras de como o indivíduo deve
interagir em determinada situação.
A partir da descrição do gênero discursivo, o professor pode definir o que abordar
na prática pedagógica, não sendo necessário trabalhar com todos os aspectos ofereci-
dos pelo gênero. Conforme Barbosa (2005), ele pode selecioná-los, considerando os
objetivos definidos para a série, as possibilidades dos alunos e a progressão do trabalho
nas diferentes séries, a esfera social em que o texto circula, as condições de produção
dos textos pertencentes ao gênero, o conteúdo temático, a construção composicional,
tudo associado às marcas linguísticas selecionadas ou mais relevantes para o estudo.
Desse modo, é importante que as atividades propostas no trabalho pedagógico
explorem os dois domínios a que os gêneros estão intimamente relacionados: o con-
texto geral de produção – esfera de atividade humana, contexto sócio-histórico e eco-
nômico mais amplo; e os elementos constitutivos – conteúdo temático, construção
composicional e estilo.
Vejamos agora um exemplar de carta de reclamação, retirado da seção Fórum
do Leitor de um jornal diário, portanto, uma carta que circulou na imprensa. Para
uma melhor ilustração de nossa análise, dividiremos, no quadro abaixo, a carta de
reclamação em três partes:

88
Ensino de Língua
Represento a Associação de Moradores e Amigos da Zona 01, área Portuguesa: análise
central de Maringá, na qualidade de secretário, procuro este jornal linguística

para demonstrar nossa revolta pelo descaso das autoridades e


empresas instaladas principalmente no centro. Devido ao excesso
Parte 1
de barulho, nossas autoridades não escutam as reclamações dos
moradores. Tudo pode, tudo é permitido,
mais recentemente tivemos a inauguração de uma loja de calçados
em que o desrespeito às pessoas que moram no centro foi total. No
dia da inauguração mais ou menos 5 horas da manhã já estava um
locutor falando ao microfone, fazendo propaganda da loja, mas isto
ainda não era o pior, pois estava para vir mais ou menos 6h15 um
foguetório sem precedentes que durou algo próximo de 10 minutos.
Durante o dia procurei via telefone falar no meio ambiente, mas a
pessoa responsável não se encontrava, liguei para a Polícia Florestal
eles alegaram que não tem equipamentos e que deveria reclamar no
Parte 2
Meio Ambiente. Iniciou-se o jogo de “empurra empurra", ninguém quer
assumir. Agora também bem recente, foi autorizado um trenzinho a
trabalhar na área central, e este trenzinho tem uma buzina e som
infernal que perturba os moradores.
Não estamos sendo chatos, e nem queremos tirar a liberdade de
ninguém de trabalhar. Gostaríamos que as autoridades fizessem
Parte 3 alguma coisa.

C. T. B. – Maringá
Fonte: Jornal O Diário do Norte do Paraná, 8 dez. 2005, edição on-line.

Como vimos, ao divulgar-se uma carta na imprensa, o efeito de sentido produzido


pode ser o de denunciar algo. Nessa carta específica, as denúncias que o remetente
faz aparecem nos seguintes trechos: as autoridades não escutam as reclamações
dos moradores; durante o dia procurei via telefone falar no meio ambiente, mas a
pessoa responsável não se encontrava; liguei para a polícia federal eles alegaram
que não tem equipamentos e que deveria reclamar ao Meio Ambiente. Iniciou-se o
jogo do “empurra empurra”, ninguém quer assumir.
O produtor do texto evidencia que pessoas e órgãos públicos não estão cumprindo
suas tarefas adequadamente. As escolhas linguísticas usadas pelo autor da carta
reforçam essa ideia. Chamamos a atenção para a locução adverbial de tempo - durante
o dia - que nos leva a pensar que o responsável por aquele setor não estava cumprindo
adequadamente a função a ele atribuída, pois não se encontrava em seu local de trabalho
naquele momento. Também denuncia que um órgão passa a responsabilidade para o
outro e assim ninguém assume e nem resolve o problema. Para deixar bem marcada
essa ideia, faz uso da expressão jogo do “empurra empurra” que, nesse contexto,

89
Saberes docentes e indica um julgamento de valor do produtor em relação aos órgãos públicos que, a seu
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: ver, são os responsáveis pelo controle da poluição sonora na cidade.
leitura, escrita,
análise linguística e O remetente ao dizer que tudo pode, tudo é permitido, na parte 1 da carta, pode
gramática
não estar denunciando apenas o problema do barulho ocasionado pela inauguração
de um estabelecimento comercial no centro da cidade. Talvez sua intenção seja mostrar
e denunciar que autoridades locais permitem abusos, não só esse, mas também (e
possivelmente) outros. Nesse contexto, é o uso do pronome indefinido tudo que dá
margem a tais encaminhamentos de leitura e possíveis efeitos de sentido.
Em cartas de reclamação, parece ser comum o uso de apreciações valorativas do
remetente porque ele, ao assumir-se como sujeito, destaca seu ponto de vista em
relação à instância causadora do problema. Assim, entendemos que as valorações
apreciativas configuram marcas do arranjo textual desse tipo de carta. Em nosso
exemplar, percebemos que o remetente lança mão da ironia ao fazer suas apreciações
valorativas (Devido ao excesso de barulho, nossas autoridades não escutam as
reclamações dos moradores. Tudo pode, tudo é permitido. / iniciou-se o jogo do
“empurra empurra”, ninguém quer assumir / esse trenzinho tem uma buzina e som
infernal que perturba os moradores).
O modo como o autor se identifica marca seu lugar social – representante da
Associação de Moradores e Amigos da Zona 1. Ele determina esse lugar para marcar
o discurso de autoridade, pois a esse sujeito é atribuída uma certa competência
(representante dos moradores do bairro) em relação a uma instância social (a
associação) e, nessa perspectiva, é um discurso institucionalmente aceito pela
sociedade. Desse modo, o remetente quer marcar seu discurso de autoridade que se
torna um forte mecanismo argumentativo na construção da carta.
Desse modo, a carta tem início com a apresentação do agente produtor, não como
um ser empírico que se assume como produtor do texto, mas como um enunciador
que destaca o seu estatuto sociosubjetivo (quem é ele no contexto de produção desse
texto) ao se identificar como o representante da Associação de Moradores e Amigos da
Zona 01. Ele marca seu lugar social para depois relatar o problema que o fez ir à mídia
registrar sua insatisfação e as consequentes denúncias.
Assim, o relato é inserido na carta, instituindo uma argumentação ilustrativa que
está destacada na parte 2. A organização do segmento é ancorada na origem espaço-
temporal, na qual o autor da carta situa o leitor acerca do local onde ocorreu o proble-
ma (região central da cidade) e esclarece que ele é morador do bairro e representante
da associação de moradores. Também situa o leitor no tempo do acontecimento.
Ao fazer o relato, lança mão de verbos que marcam tempo passado, com predo-
minância de dois tempos de verbos dominantes: o pretérito perfeito e o pretérito

90
imperfeito do indicativo para indicar ações concluídas e ações em desenvolvimento no Ensino de Língua
Portuguesa: análise
passado. O par pretérito perfeito/pretérito imperfeito coloca os conteúdos apresen- linguística

tados como estando distantes temporalmente em relação ao momento da produção.


Nessa parte da carta, predomina o pretérito perfeito para relatar o problema causador
da reclamação. É o momento em que o agente-produtor “volta no tempo” para revelar
a causa da reclamação. Os dois tempos verbais contribuem para a explicitação do tipo
de relação existente entre a progressão do relato e a progressão efetiva do conteúdo
temático. Conforme Bronckart (2003), essa progressão confere ao segmento do discur-
so um valor de isocronia, ou seja, a progressão do relato se desenvolve paralelamente
à progressão dos acontecimentos. No mesmo pressuposto, Weinrich (1974) assinala
que a função dos tempos verbais é a de cientificar o ouvinte/leitor quanto à situação
comunicativa em que a linguagem se atualiza. Ao estabelecer a distinção entre tempos
verbais do comentário e tempos verbais da narração, pontua que o pretérito perfeito e
o pretérito imperfeito do indicativo pertencem ao mundo narrado: o pretérito perfeito
indica que os processos a que se aplicam são colocados em primeiro plano – denota a
ação propriamente dita – e o imperfeito marca o segundo plano.
Em relação aos outros tempos verbais presentes na carta, o presente do indicativo,
no início do texto, é utilizado para expor o problema; já o futuro do indicativo e o pre-
térito imperfeito do subjuntivo, ao final da carta, indicam a solicitação de resolução do
problema e a tomada de posição do destinatário, elementos importantes nesse gênero
discursivo. Os verbos, nesses segmentos de discurso, marcam o momento da produção
da carta e as intenções do produtor.
É importante observar que o autor ora usa marcas de primeira pessoa do singular
(eu), ora marcas de primeira pessoa do plural (nós). Embora esteja falando em nome
da instituição, é ele quem toma a atitude concreta de escrever a carta e, assim, assume o
discurso, mas sinaliza que a queixa não é exclusiva dele, já que se apóia no grupo usan-
do um discurso de autoridade. Ao final da carta, faz uso apenas da primeira pessoa do
plural, com as expressões não estamos sendo chatos, nem queremos tirar a liberdade
de ninguém, gostaríamos que as autoridades fizessem alguma coisa. Ao usar expres-
sões em primeira pessoa do plural, além de reforçar a ideia de que a reclamação não é
apenas sua, também indica uma forma de atenuação em relação ao seu ponto de vista,
já que em muitos momentos da carta ele foi categórico e irônico.
O agente produtor explicita também os locais e os momentos em que se deu o pro-
blema e faz uso, além dos verbos, de outras unidades linguísticas com valor temporal,
tais como: mais recentemente, no dia da inauguração, mais ou menos 5h da manhã,
mais ou menos 6h15, durante o dia, agora também bem recente. Tal explicitação é uma
regularidade nesse tipo de discurso, o qual requer um conhecimento dos parâmetros

91
Saberes docentes e da situação de ação de linguagem em curso e, especificamente, na carta de reclamação,
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: em que é fundamental essa relação espaço-temporal, já que a pessoa que escreve deve
leitura, escrita,
análise linguística e situar o leitor, com o maior detalhamento possível, no intuito de atingir seu objetivo.
gramática
Então podemos afirmar que o detalhamento nesse gênero de texto é também um me-
canismo de argumentação.
Ao final da parte 2, o remetente destaca que agora bem recente foi autorizado
que um trenzinho circulasse pela área central da cidade, e ainda reclama de seu ba-
rulho. Temos de levar em conta a data de publicação (e escrita) da carta. O texto foi
divulgado na imprensa no início de dezembro, mês em que o comércio lança mão de
artifícios para atrair consumidores. O trenzinho mencionado pelo autor é um desses
artifícios. Cabe explicar que tal trenzinho, na época, circulava pela cidade com pes-
soas, especialmente crianças, ao som de músicas natalinas. Um possível efeito de sen-
tido de mais essa reclamação na carta pode estar relacionado à possibilidade de que o
barulho, que tanto incomodou os moradores da região central do município, poderia
continuar após o Natal, já que houve a autorização para a circulação do trenzinho.
Além da expressão agora também bem recente, o produtor já havia usado outra
expressão temporal que indica a atualidade do problema: mais recentemente. Essas
expressões adverbiais de tempo são marcas linguísticas na carta e, de acordo com
Barbosa (2005), são características nesse gênero de texto.
Assim, constatamos que todos os elementos do texto são importantes na busca
de seus sentidos e a caminhada interpretativa vai muito além daquilo que está verba-
lizado e expresso na materialidade linguística do texto. É importante que na leitura
levemos em conta todos os elementos contextuais e as marcas do arranjo textual do
gênero em estudo.

Carta de Reclamação: uma possibilidade de transposição didática


Os gêneros, por serem construções histórico-sociais, são perpassados pela lingua-
gem e elaborados de acordo com as condições de produção. Acreditamos que tomar
os gêneros como objeto de estudo implica a transposição didática e assinalamos que
nesse processo talvez não seja possível explorar todos os elementos encontrados em
uma análise aprofundada de um texto. A escolha dos elementos a serem abordados
dependerá dos objetivos do professor e do nível dos alunos.
Diante disso, apresentamos sugestões de encaminhamento didático a serem le-
vadas a efeito nas aulas do 8.º ano do ensino fundamental, relativas ao gênero carta
de reclamação, as quais abordem o conteúdo temático e as condições de produção
juntamente com o arranjo textual e com as marcas linguísticas. Tal prática de aná-
lise linguística deve ser entendida como resultado do estudo das características do

92
gênero discursivo carta de reclamação e da leitura da carta específica realizada acima. Ensino de Língua
Portuguesa: análise
Nessa proposta que apresentaremos, focalizamos a discussão da análise linguística no linguística

processo de leitura, não abordando o processo de produção de texto. A proposta pe-


dagógica que segue está configurada em um plano de aula conforme exigência para o
desenvolvimento do Estágio Supervisionado do curso de Letras.

PLANO DE AULA

ESCOLA: XXXXXXXX
PROFESSOR(A): XXXXXXX
SÉRIE:  8.º ano    TURMA:  xx    TURNO: xxxx    
ENSINO:  (    ) Médio   (  X  ) Fundamental
DATA: xx/xx/xxxx    HORÁRIO: ___xxxx
DURAÇÃO DA AULA:  06h/a

Conteúdo:
- Estudo da análise linguística no gênero discursivo carta de reclamação.

Objetivo geral:
- Refletir sobre os efeitos de sentidos do texto, via estudo da análise linguística.

Objetivos específicos:
- reconhecer que o objetivo, veiculado ao contexto de produção, direciona a
escrita das cartas;
- reconhecer e compreender a argumentação na carta;
- trabalhar as marcas linguísticas da carta e o arranjo textual e seus efeitos de
sentido: local e data, formas de início e formas de finalização, identificação do
remetente e do destinatário e seus respectivos papéis sociais; fatos situados no
tempo; relato pormenorizado dos motivos que levaram ao envio da carta com
menção a datas e locais em que ocorreram os acontecimentos, explicitação da
tomada de posição que se espera do destinatário.

93
Saberes docentes e
práticas de ensino de Procedimentos de ensino Recursos Procedimentos de ava-
Língua Portuguesa: liação
leitura, escrita,
análise linguística e - Apresentação de cartas - Jornais; - Participação oral nos
gramática
de diferentes gêneros para momentos de discussão.
- Revistas;
identificação do gênero car-
- Apresentação / socia-
ta de reclamação dentre as -Cópias xerocopia- lização de análises de
várias apresentadas; das do exemplar da cartas realizadas em tra-
carta em estudo;
- Verificar o que há de co- balho extraclasse.
mum entre as cartas e o que - Quadro de giz;
há de específico.
- TV, pendrive, data
- Abordar o gênero e as show ou retroproje-
condições de produção das tor;
cartas em estudo – produtor
da carta, interlocutor, papel - Laboratório de in-
social de ambos, objetivo da formática.
escrita, local de circulação.

- Abordagem aos aspectos


da construção composicio-
nal.

- Atividades de análise lin-


guística: efeitos de sentido
dos verbos e pessoas do
discurso no texto; aprecia-
ções valorativas, afirmações
categóricas e atenuação do
discurso; diferença entre
escrever uma carta para
o jornal e para a instância
responsável pelo problema;
marcas de discurso de auto-
ridade no texto.

REFERÊNCIAS:

BARBOSA, J. P. Carta de solicitação e carta de reclamação. São Paulo: FTD,


2005. (Coleção Trabalhando com os gêneros do discurso).
CECILIO, S. R. O ensino de Língua Portuguesa e os gêneros discursivos:
um estudo de análise linguística a partir dos gêneros carta de reclamação e tex-
to de divulgação científica. 2009. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem)
- Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2009.

94
A seguir, elencaremos possibilidades de ações pedagógicas com o gênero carta Ensino de Língua
Portuguesa: análise
de reclamação e, mais especificamente, com a carta que analisamos. É importante linguística

destacar que o trabalho deve ser direcionado de modo a não apresentar atividades
descontextualizadas.

1. Reconhecimento do gênero
Apresentar aos alunos cartas de diferentes gêneros. Discutir a respeito da
dinamicidade dos gêneros discursivos, enfatizando que, em função das necessidades
socioculturais, o gênero carta originou outros gêneros – uma diversidade de cartas
– como a carta familiar, a carta íntima, a carta de amor, a carta circular, a carta
propaganda, a carta aberta, a carta do leitor, a carta ao leitor, a carta de solicitação, a
carta de reclamação, dentre outras. Em seguida, trabalhar com exemplares de cartas
de solicitação e de cartas de reclamação. O objetivo é fazer que os alunos reconheçam
que, apesar de as duas cartas apresentarem solicitação a respeito de algo, na carta de
reclamação a pessoa julga ter direito àquilo que está sendo pedido.
Pode-se instigar os alunos com questionamentos tais como:
a) embora com elementos em comum, as cartas apresentam diferenças entre si.
Qual a diferença em relação ao conteúdo? Explique.
b) em algumas cartas, o autor apenas solicita algo ao destinatário. Em outras, além
do pedido, há também uma reclamação. Isso as torna distintas. Em qual das
cartas em estudo o autor acredita ter direito ao que está pedindo?

2. Contexto de produção
Abordar o objetivo do gênero e as condições de produção (produtor da carta,
interlocutor, papel social de ambos, objetivo, local de circulação) no intuito de assinalar
que o objetivo, veiculado ao contexto de produção, direciona a escrita da carta (quem
escreve, para quem escreve, em que situação). Para tanto, é interessante analisar
cartas publicadas na imprensa e cartas enviadas diretamente à instância causadora do
problema (essas cartas podem ser encontradas em sítios da Internet que tratam de
direitos dos consumidores ou em obras que trabalhem com esse gênero discursivo).
É também relevante discutir a respeito da diferença entre escrever uma carta de
reclamação para ser publicada na imprensa e escrever uma carta de reclamação para
enviar diretamente à instância responsável pelo problema.
Questionamentos possíveis:
a) Qual a finalidade das cartas? Quem são seus interlocutores?
b) O pedido feito pelo remetente atende a suas necessidades pessoais ou a sua
função social?

95
Saberes docentes e c) Entre o produtor (remetente) da carta e seu interlocutor há algum grau de
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: intimidade e/ou relacionamento?
leitura, escrita,
análise linguística e d) Analise a linguagem empregada na carta. Observe o emprego da pessoa, dos
gramática
pronomes, do tempo verbal... Enfim, a linguagem selecionada pelo produtor
do texto é coloquial (informal) ou formal?
e) Uma das características da carta de solicitação é a polidez, ou seja, há um
distanciamento, um certo respeito em relação ao interlocutor, já que o remetente
pede, solicita algo. Reflita: o fato de alguém solicitar algo que julgue ter direito
pode influenciar no modo de escrita da carta?
f ) Para você, há diferença entre escrever uma carta de reclamação para ser publi-
cada na imprensa e escrever para enviar diretamente à instância responsável?
Justifique sua resposta.

3. Organização das cartas


Trabalhar o arranjo textual das cartas – local e data, formas de início e formas
de finalização, identificação do remetente e do destinatário e seus respectivos papéis
sociais; fatos situados no tempo; relato pormenorizado dos motivos que levaram ao
envio da carta, fazendo menção a datas e locais em que ocorreram os acontecimentos;
explicitação da tomada de posição que espera do destinatário da carta; despedida;
assinatura, destacando o papel social do remetente.

4. Análise Linguística
Nesta etapa de nossa proposta pedagógica, abordaremos apenas a carta analisada
em nossa discussão. Em um projeto maior, pode-se fazer a análise de todas as cartas
levadas para a sala de aula.

4.1 Marcas temporais


Discutir a relevância das marcas temporais nesse gênero discursivo, uma vez que
é característico em cartas de reclamação o relato do problema pelo enunciador que
toma o status de expositor dos acontecimentos. A organização do relato é ancorada na
origem espaço-temporal para que o autor situe o leitor acerca do local onde ocorreu o
problema e no tempo do acontecimento.
a) Usando cores diferentes, separe os verbos e as outras unidades linguísticas com
valor temporal na carta em estudo;
b) Reflita: Por que é importante registrar, marcar o tempo e o espaço na carta de
reclamação?
c) Na carta de reclamação, como já vimos, há predominância de verbos no presente

96
(a ação do autor/reclamante) e do pretérito perfeito do indicativo (relato dos Ensino de Língua
Portuguesa: análise
fatos que originaram a reclamação). Na carta em estudo, também aparecem os linguística

verbos no futuro do indicativo e no pretérito imperfeito do subjuntivo. Explique


o uso desse tempo verbal na carta.

4.2 Marcas de 1.ª pessoa do singular e 1.ª pessoa do plural


Identificar na carta todas as unidades de segmento de texto que se referem
diretamente ao agente-produtor, ou seja, identificar marcas de 1.ª pessoa a fim de
verificar se tais marcas ajudam a construir efeitos de sentido.
a) O autor da carta três não fala apenas em seu nome. Ele fala em nome da
associação dos moradores de seu bairro. No entanto, há momentos na carta em
que ele apresenta marcas de primeira pessoa do singular (eu) e momentos em
que apresenta marcas de primeira pessoa do plural (nós). Releia a carta e tente
explicar o uso do pronome “nós” ao final do texto.

4.3 Apreciações valorativas e ironia


Analisar, juntamente com os alunos, as apreciações valorativas. Essa é uma marca
do arranjo textual das cartas, já que o remetente, ao se assumir como sujeito, destaca
seu ponto de vista em relação à instância causadora do problema. As apreciações
valorativas podem ocorrer por meio da ironia.

a) Quais são as denúncias que o autor da carta 3 faz?


b) Qual é o efeito de sentido da locução adverbial de tempo “durante o dia” no
trecho: “Durante o dia procurei via telefone falar no meio ambiente [...]”?
c) Explique o sentido da expressão “jogo do empurra empurra” no trecho:
“Iniciou-se o jogo do ‘empurra empurra’. Ninguém quer assumir”.
d) Transcreva da carta os momentos em que ocorrem ironias e tente explicá-las.

5. Pesquisando
Após a discussão do gênero e a análise da carta de reclamação, pode-se propor aos
alunos que pesquisem (grupos de três ou quatro alunos), em jornais, revistas e/ou
sítios da internet, exemplares do gênero. Em momento posterior, os alunos podem
socializar sua pesquisa com os demais colegas da sala e com o professor.
a) Nos jornais e nas revistas, há um espaço específico para que o leitor manifeste
sua opinião acerca de assuntos diversos e, dentre esses assuntos, ele pode
manifestar reclamações diante de injustiças, discriminações e desrespeitos
de direitos de cidadão. Pesquise, na mídia impressa e na virtual, cartas de

97
Saberes docentes e reclamação e tente analisar a intenção do autor ao escrever uma carta para ser
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: publicada na imprensa e lida por um grande público leitor. Você pode pesquisar
leitura, escrita,
análise linguística e em sítios da internet e comparar cartas divulgadas em outros suportes;
gramática
b) Identifique nas cartas: o lugar de produção; o momento de produção; o emissor;
o receptor;
c) Identifique se na carta os fatos são situados no tempo, se há identificação
espacial (onde ocorreu o fato), destaque o uso de verbos e outras unidades
linguísticas com valor temporal;
d) Observe se na carta há o relato detalhado dos motivos que levaram ao seu
envio, com menção a datas e locais em que ocorreram os acontecimentos
que geraram a reclamação e argumentos que expliquem ou fundamentem os
motivos da reclamação ou da reivindicação; uso de operadores argumentativos
nas argumentações feitas como: pois, já que, assim, então, no entanto etc.; se
há afirmações categóricas, se há apreciações valorativas etc;
e) Observe se há o esclarecimento das pretensões/tomadas de atitude desejadas
para que se resolva o problema;
f ) Analise a maneira como o remetente da carta se apresenta e verifique se sua
intenção é marcar um discurso de autoridade.

Considerações finais
Nosso objetivo neste capítulo foi discutir teoricamente o ensino de língua portu-
guesa, enfocando a análise linguística, e apresentar, como contribuição pedagógica,
uma possibilidade de trabalho gramatical contextualizado, no intuito de articular a
teoria com a prática de sala de aula.
Acreditamos que o ensino de língua materna viabilizado na proposta dos gêneros
discursivos privilegia atividades de leitura, de análise linguística e de produção de textos
associadas às situações de enunciação e relacionadas às marcas linguístico-enunciativas
dos textos. O benefício da proposta reside no fato de desenvolver uma gama de ativida-
des que possibilitam o trabalho contextualizado com a linguagem e, especificamente, um
trabalho de gramática contextualizada e de leitura como produção.

de sentidos.
Referências

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linguística. In: MENEGASSI, R. J. (Org.). Leitura, escrita e gramática no ensino
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BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um


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WEINRICH, H. Estructura y function de los tiempos em el lenguaje. Madri:


Gredos, 1974.

Anotações

100
6 Conteúdos gramaticais:
proposta pedagógica

Tânia Braga Guimarães

Introdução: ensino de gramática no contexto atual


A importância que a língua e a linguagem apresentam na sociedade, nos diversos
níveis de interação social e no seu uso como instrumento de avaliação, seleção e
ascensão social, permite afirmar que alterações no currículo, em decorrência da
redução da carga horária semanal destinada à Língua Portuguesa (doravante LP),
contribuem para o aumento dos desafios enfrentados pelo professor dessa disciplina.
Diante desse contexto, como fazer um trabalho adequado com limitações de tempo?
Se as aulas de LP ficarem reduzidas, o quanto isso implicaria a redução do trabalho com
conteúdos gramaticais? Apesar desses desafios, neste capítulo, discutiremos caminhos
possíveis para a elaboração de aulas de gramática.
O aluno de Letras, ao se tornar professor, invariavelmente lecionará literatura,
gramática e produção textual. É chegada a hora de pensar em termos bem práticos
como essas aulas podem ser planejadas, pois, quanto antes o profissional se apropriar
da terminologia gramatical, das sequências de conteúdos, e quanto antes sistematizar
o trabalho de professor, mais apto estará para enfrentar os desafios da profissão.

Estrutura básica da gramática normativa


Os professores costumam ter várias gramáticas para que elas se complementem,
uma vez que uma gramática não consegue explicar todos os fatos da língua. Quando
elas não solucionam a dúvida, recorrem ainda a dicionários de referências. As gramá-
ticas mais escolares são as de autores como Pasquale e Sacconi; as mais tradicionais
e, portanto, as que chamamos de gramáticas de referência são de autores como Be-
chara, Rocha Lima etc. Cada gramático escolhe uma abordagem. Existem gramáticas
mais antigas (com exemplos tirados de excertos de obras clássicas de mais de 100
anos, Cegalla, por exemplo) e as mais modernas (com exemplos tirados da mídia, da
publicidade e com ilustrações e quadrinhos). É recomendável que o professor tenha
vários exemplares de gramáticas em sua estante, pois, devido à grandiosidade da LP

101
Saberes docentes e e, apesar dos conteúdos em comum, algumas gramáticas resolvem uma determinada
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: dúvida, outras não.
leitura, escrita,
análise linguística e Vamos reconhecer um sumário básico de uma gramática, escolhida aleatoriamente:
gramática

Capítulo 1 – Conceitos Gerais


PARTE 1 - FONOLOGIA
Capítulo 2 - Fonologia
Capítulo 3 - Ortografia
Capítulo 4 – Acentuação
PARTE 2 – MORFOLOGIA
Capítulo 5 – Estrutura e formação das palavras
Capítulo 6 – Estudo dos verbos (I)
Capítulo 7 - Estudo dos verbos (II)
Capítulo 8 - Estudo dos verbos (III)
Capítulo 9 - Estudo dos substantivos
Capítulo 10 – Estudo dos artigos
Capítulo 11 - Estudo dos adjetivos
Capítulo 12 - Estudo dos advérbios
Capítulo 13 - Estudo dos pronomes
Capítulo 14 - Estudo dos numerais
Capítulo 15 - Estudo das preposições
Capítulo 16 - Estudo das conjunções
Capítulo 17 - Estudo das interjeições
Parte 03 – SINTAXE
Capítulo 18 – Introdução à sintaxe
Capítulo 19 – Termos essenciais da oração
Capítulo 20 – Termos integrantes da oração
Capítulo 21 – Termos acessórios da oração e vocativo
Capítulo 22 – Orações subordinadas substantivas
Capítulo 23 - Orações subordinadas adjetivas
Capítulo 24 - Orações subordinadas adverbiais
Capítulo 25 – Orações coordenadas
Capítulo 26 - Concordância verbal e nominal
Capítulo 27 – Regência nominal e verbal
Parte 4 - APÊNDICE
Capítulo 28 – Problemas gerais da língua culta
Capítulo 29 – Significado das palavras
Capítulo 30 – Noções elementares de estilística
Adaptado de Cipro Neto e Infante (2003, p. 4-6).

102
Dessa forma, pode-se observar que a primeira parte da gramática trata das questões Conteúdos gramaticais:
proposta pedagógica
de Fonologia, ciência que estuda os fonemas; a segunda parte estuda a Morfologia,
ciência que estuda os morfemas, ou seja, as partes que compõem uma palavra. Há
ainda outro grupo de conteúdos gramaticais, como a Sintaxe, que estuda as relações
estabelecidas entre as orações.
Para facilitar a sua vida de professor, tomemos alguns questionamentos para discus-
são: Como aprendemos gramática? Como a internalizamos? Quando somos capazes de
entender uma regra e aplicá-la corretamente1 em nosso exercício de questões pré-ves-
tibulares? Quando somos capazes de entender uma regra e de aplicá-la corretamente
em nossa redação? Seguindo a ordem dos conteúdos expostos no sumário, sabemos
que ortografia e acentuação são conteúdos de importância indiscutível. Todo exame
trará pelo menos uma questão que contemple ambos. Sabemos que a ortografia, além
das suas regras, está intimamente ligada ao nosso sistema visual. Diante de uma dú-
vida dessas, é comum que fechemos os olhos para enxergar a palavra, olhemos para
cima, ou passemos a rascunhar para ver qual das opções combina com a memória que
temos da palavra. Acentuação também tem suas regras. É comum que pessoas com
dificuldade de lembrá-las busquem-nas na memória para solucionar a presença ou não
de acento.
Como professores, podemos trabalhar bem esses itens, mas é fundamental que o
aluno seja um leitor, um analista e um crítico dos fenômenos linguísticos. Na parte da
morfologia, temos as dez classes gramaticais: verbos, substantivos, artigos, adjetivos,
advérbios, pronomes, numerais, preposições, conjunções, interjeições.
Quando estudamos morfologia, gosto de pensar que tudo que existe no universo,
ou é criado, necessariamente adquire um nome. Por exemplo, na área da informática,
quando o computador foi inventado, um sem-número de palavras foi inventado
também. A palavra computador trouxe consigo o mouse, o CPU, a impressora, e as
palavras que não foram inventadas foram emprestadas de outros contextos, pois nosso
computador pega vírus, usamos teclado (objetos anteriores ao computador possuem
teclados, como pianos e órgãos) e navegamos ou surfamos na web. Portanto, todas as
palavras que existem na nossa língua se enquadrarão em apenas dez classes gramaticais.
Existem os testes para verificar se uma palavra é verbo, se é substantivo, se é adjetivo.
Quanto mais conhecemos tais testes, mais fácil fica pensar a nossa língua. Entender

1 Embora a Linguística não considere inúmeros aspectos da língua como erro, uma vez que o
uso que se faz dela é diferente da norma culta, neste capítulo usaremos os termos ‘erro/errado’,
‘correto/corretamente’, para nos referir à norma culta. Como sabemos, os alunos vão à escola
para aprender algo além daquilo que eles já sabem pela experiência cotidiana.

103
Saberes docentes e bem o sistema da língua nos desobriga de memorizar tudo. Por isso, podemos afirmar
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: que um substantivo se flexiona em número (singular/plural), ou seja, menino/s, e
leitura, escrita,
análise linguística e em gênero (masculino/feminino). Há outras formas de plural, claro, mas o plural
gramática
em ‘s’ é o mais comum: menino/s, carro/s, balanço/s, barco/s. Portanto, você pode
explicar isso ao seu aluno, mas não à exaustão, porque ele já chega à escola usando
essa regra, ou, se ele fala ‘os menino’, é importante alertá-lo que, embora esse uso
seja comum na oralidade, nos seus textos escritos ele deverá prestar atenção para
respeitar a concordância que as regras da LP exigem. Então, o professor dedicará
mais tempo às flexões de gênero e de número que não estão circunscritas à regra
simples, por exemplo, boi/vaca; aldeão/aldeões/aldeãs.

O professor de gramática em diferentes contextos de ensino de Língua


Portuguesa
Essa pergunta pode ser respondida de diversas maneiras, conforme a década em
que pensamos a educação no Brasil. De uma forma simplificada, podemos afirmar
que o professor de português, antigamente, era aquela pessoa que sabia muito da
LP e, de preferência, tinha as respostas na ponta da língua quando questionada, ou
seja, sabia as regras “de cor e salteado”. Zanini (1999, p. 80) afirma que “o ensino
de língua materna há muito tempo se confunde com o ensino de gramática da
língua materna” e que, portanto, na sala de aula surgem duas figuras com papéis
determinados. “Assim, coloca-se, de um lado, o professor – detentor do saber, com
a responsabilidade de transmitir conteúdos – e, de outro, está o aluno – recipiente
desses conteúdos” (ZANINI, 1999, p. 80).
Apesar de não haver necessidade de ser o professor que sabe tudo de cor, cabe
prestarmos atenção ao alerta dos pesquisadores:

Antes de mais nada é preciso dizer que, mesmo que o professor decida não
ensinar teoria a seus alunos, é necessário que ele tenha um conhecimento
teórico o mais amplo possível, pois sem esse conhecimento dificilmente o
professor saberá estruturar e controlar atividades pertinentes de ensino e
que realmente caminhem em direção a fins determinados de forma específi-
ca e clara (TRAVAGLIA, 2004, p. 81).

Segundo Zanini (1999, p. 80), “sentimos que hoje, utilizar a língua ‘corretamente’,
além do domínio da forma de modo aceitável, é ‘usá-la’ adequadamente ao contexto
e ao usuário a que se destina a mensagem veiculada”. A autora, portanto, resume bem
o que está em questão quando se discute o ensino de língua materna atualmente.
Hoje, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), assim como as Diretrizes Curri-
culares do Paraná, preconizam que o professor deve trabalhar os conteúdos gramaticais

104
percorrendo um caminho inverso ao que sempre foi percorrido antes. Aquele professor Conteúdos gramaticais:
proposta pedagógica
que sabia tudo “de cor e salteado” sempre começava suas aulas partindo de uma defini-
ção do conteúdo a ser ensinado. Após a definição, trazia exemplos e, como etapa impor-
tante de assimilação, finalizava com os exercícios de repetição. O que está expresso no
quadro abaixo era o que acontecia em sala de aula, para todo conteúdo do currículo
escolar.

Substantivos Definição Exemplos Exercícios


Adjetivos Definição Exemplos Exercícios
Verbos Definição Exemplos Exercícios
Advérbios Definição Exemplos Exercícios

Estamos falando de uma prática em que havia muitos exercícios de repetição e


memorização. Então, toda aula de gramática pressupunha um roteiro pré-definido,
com o qual qualquer conteúdo poderia ser abordado. Esse método, chamado na
linguística de estruturalista, uma vez que apegado às partes constitutivas dessa língua,
foi imensamente discutido e chegou-se à conclusão de que o aluno memorizava o
conteúdo para as avaliações, mas não aprendia de fato.
Hoje, é praxe que o aluno tenha o ensino de língua portuguesa voltado para o texto.
E nesse texto se busca atender às questões de leitura, interpretação, análise linguística,
ou seja, um trabalho mais completo com o texto em questão, não o trazendo à sala
de aula apenas como pretexto para ensinar gramática. Um desafio dos bons para o
professor de hoje, que viu seu professor de ontem seguindo, sem que isso fosse um
problema, um modelo completamente tradicional.
Você, estudante, em breve um profissional da língua e linguagem, não será mais aque-
le professor que repete as estruturas à exaustão, apesar de, provavelmente, ter ainda en-
contrado resquícios desse modelo em seus professores. O que se espera de você é que,
como professor, você consiga ensinar os conteúdos de forma significativa. Mas, como
fazemos isso?
Como professora, eu gosto bastante de pensar em como eu processava as infor-
mações quando era criança ou adolescente. Como aluna, eu adorava os conteúdos da
disciplina de língua portuguesa, como uma criança/adolescente normal, eu detestava
gramática. Lembro-me bem de uma aula na oitava séria, de orações coordenadas e
subordinadas, em que tudo se tornou uma grande falação sem sentido. Bom, meu
consolo foi saber que muitas pessoas, escritores, não gostavam ou não entendiam gra-
mática. Com o tempo, passei a gostar dos conteúdos gramaticais. Hoje, vejo claramente

105
Saberes docentes e que o conteúdo pode e deve ser divertido. E essa abordagem que procura entender a
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: língua como ela é não vai excluir obrigatoriamente a repetição. Há momentos em que
leitura, escrita,
análise linguística e tomar notas, repetir as palavras, tentar agarrá-las, digeri-las, internalizá-las é uma parte
gramática
importante do processo de apropriação do conhecimento. Embora não possamos saber
tudo sobre uma língua, os principais conceitos e terminologias trazidos em uma gramá-
tica – geralmente totalizando de trezentas a quinhentas páginas – podem ser facilmente
memorizados e internalizados, apesar de, inicialmente, parecer uma tarefa assustadora.
Falando em internalizado, é importante saber que contamos com a gramática in-
ternalizada pelo simples fato de sermos falantes da língua portuguesa. Essa gramática
internalizada é a que você aprende quando aprende a falar. É por isso que ouvimos
uma piada que diz: “olha, aquele menino americano sabido! Aos três anos já sabe falar
inglês!” Por que para nós, adultos, tentando aprender a língua inglesa, para nós estran-
geira, pode parecer um processo muito difícil e para aquela criança, nascida e criada
em um ambiente no qual aquela língua lhe é materna, torna-se algo muito natural? Um
estrangeiro pode brincar assim também: “nossa, que menino sabido, aos três anos já
sabe português!”
Vamos tentar buscar caminhos para o ensino significativo que almejamos.

Para que e como elaborar um plano de aula de gramática?


O plano de aula é considerado uma ferramenta muito útil no trabalho do professor.
É um planejamento, uma previsão que lhe permite traçar objetivos de ensino. Pode
ser que se queira ignorar essa etapa, mas isso pode implicar um mau aproveitamento
do tempo disponível para as atividades e, como sabemos, o professor tem sempre
conteúdos a vencer.
Logo abaixo, você encontra o plano de aula em uma das fichas usadas para o
estágio. O primeiro passo é estabelecer qual é o conteúdo da aula. Pode ser verbo,
substantivo, adjetivo, ou qualquer outro assunto previsto na grade curricular de uma
série específica. Após o estabelecimento do conteúdo, o passo seguinte é eleger qual
é o objetivo geral da aula, ou seja, qual a habilidade que você pretende desenvolver
em seus alunos. O passo seguinte será estabelecer o objetivo de sua aula. Esse objetivo
tem a ver com as habilidades e os conhecimentos que você quer que seu aluno
adquira após a aula. Além disso, qual a razão de desenvolver essa habilidade? Por que é
importante? Em que será útil tal conhecimento? Para ter seu objetivo bem estabelecido,
use o enunciado: “Ao término da aula, o aluno deverá ser capaz de…”.
Segundo Antunes (2003, p. 34),

a complexidade do processo pedagógico impõe, na verdade, o cuidado em se


prever e se avaliar, reiteradamente, concepções (O que é a linguagem? O que

106
é uma língua?), objetivos (Para que ensinamos? Com que finalidade?), procedi- Conteúdos gramaticais:
mentos (Como ensinamos?) e resultados (O que temos conseguido?), de forma proposta pedagógica
que todas as ações se orientem para um ponto comum e relevante: conseguir
ampliar as competências comunicativo-interacionais dos alunos.

Após ter clara qual é a habilidade a ser desenvolvida, é possível estabelecer


objetivos específicos, que são outros detalhes do conteúdo e outras habilidades que
você queira que seu aluno obtenha. Segundo PITELLI (1997), são verbos úteis para
expressar os objetivos: analisar, argumentar, assimilar, caracterizar, classificar,
colaborar, comparar, compreender, construir, contrastar, criticar, descrever,
diferenciar, distinguir, dramatizar, enumerar, escolher, escrever, estabelecer,
exemplificar, explicitar, falar, identificar, interpretar, justificar, ler, listar, localizar,
organizar, redigir, reproduzir, resolver, resumir, selecionar, sintetizar, verbalizar,
verificar.

Planejamento e seleção de material ou recursos


Você pode estar se perguntando: Como escolho os materiais para elaborar a minha
aula de gramática?
Para ensinar gramática, podemos fazer uso de textos, de músicas, de vídeos, enfim,
a possibilidade de materiais é infinita, uma vez que tudo que circula na sociedade
brasileira circula essencialmente no código da língua portuguesa e na linguagem. Além
dos materiais que você pode usar para discussão, existem muitas gramáticas boas à
venda, que você pode adotar. Você também pode seguir a sequência trazida no livro
didático e ocupar-se de trazer textos extras, textos complementares que dificilmente
o seu aluno, do ensino fundamental ou médio, terá maturidade para achar por conta
própria.

Procedimento de ensino
Uma vez definidos os objetivos, você elaborará quais serão os procedimentos
de ensino, escrevendo cada etapa da aula. Depois da lista de conteúdos, vêm os
procedimentos ou operacionalização. Nesse espaço, devem ser detalhados todos
os passos listados no plano de aula. Escreve-se a respeito de ações, processos ou
comportamentos que serão propostos pelo professor durante a aula, sempre com base
nos objetivos previstos.

Procedimentos de avaliação
Nessa discussão de como preparar planos de aula, chegamos à etapa de avaliação.
Após ensinar as regras gramaticais aos meus alunos, após cumprir todas as etapas

107
Saberes docentes e
práticas de ensino de
previstas, após realizar inúmeros exercícios, como faço para avaliar o quanto meu
Língua Portuguesa:
leitura, escrita,
aluno aprendeu do conteúdo? Sabemos que o professor deve ser coerente entre aquilo
análise linguística e que ensina e fala em sala de aula e aquilo que cobra em suas provas. Portanto, bom
gramática
senso é a palavra-chave para nossa prática.
Vamos ler este texto do autor Rubem Braga para discutir um pouco como pode ser
o nosso trabalho de seleção de conteúdos para aula e avaliações:

Nascer no Cairo, ser fêmea de cupim

Rubem Braga

Conhece o vocábulo escardinchar? Qual o feminino de cupim? Qual o antônimo de


póstumo? Como se chama o natural do Cairo?
O leitor que responder “não sei” a todas estas perguntas não passará provavelmente em
nenhuma prova de Português de nenhum concurso oficial. Aliás, se isso pode servir de algum
consolo à sua ignorância, receberá um abraço de felicitações deste modesto cronista, seu
semelhante e seu irmão.
Porque a verdade é que eu também não sei. Você dirá, meu caro professor de Português,
que eu não deveria confessar isso; que é uma vergonha para mim, que vivo de escrever, não
conhecer o meu instrumento de trabalho, que é a língua.
Concordo. Confesso que escrevo de palpite, como outras pessoas tocam piano de ouvido.
De vez em quando um leitor culto se irrita comigo e me manda um recorte de crônica anotado,
apontando erros de Português. Um deles chegou a me passar um telegrama, felicitando-me
porque não encontrara, na minha crônica daquele dia, um só erro de Português; acrescentava
que eu produzira uma “página de bom vernáculo, exemplar”. Tive vontade de responder: “Mera
coincidência” — mas não o fiz para não entristecer o homem.
Espero que uma velhice tranqüila — no hospital ou na cadeia, com seus longos ócios — me
permita um dia estudar com toda calma a nossa língua, e me penitenciar dos abusos que tenho
praticado contra a sua pulcritude. (Sabem qual o superlativo de pulcro? Isto eu sei por acaso:
pulquérrimo! Mas não é desanimador saber uma coisa dessas? Que me aconteceria se eu
dissesse a uma bela dama: a senhora é pulquérrima? Eu poderia me queixar se o seu marido
me descesse a mão?).
Alguém já me escreveu também — que eu sou um escoteiro ao contrário. “Cada dia você
parece que tem de praticar a sua má ação — contra a língua”. Mas acho que isso é exagero.
Como também é exagero saber o que quer dizer escardinchar. Já estou mais perto dos
cinqüenta que dos quarenta; vivo de meu trabalho quase sempre honrado, gozo de boa saúde
e estou até gordo demais, pensando em meter um regime no organismo — e nunca soube o
que fosse escardinchar. Espero que nunca, na minha vida, tenha escardinchado ninguém; se o
fiz, mereço desculpas, pois nunca tive essa intenção.
Vários problemas e algumas mulheres já me tiraram o sono, mas não o feminino de cupim.
Morrerei sem saber isso. E o pior é que não quero saber; nego-me terminantemente a saber, e,
se o senhor é um desses cavalheiros que sabem qual é o feminino de cupim, tenha a bondade
de não me cumprimentar.
Por que exigir essas coisas dos candidatos aos nossos cargos públicos? Por que fazer do
estudo da língua portuguesa uma série de alçapões e adivinhas, como essas histórias que uma
pessoa conta para “pegar” as outras? O habitante do Cairo pode ser cairense, cairei, caireta,
cairota ou cairiri — e a única utilidade de saber qual a palavra certa será para decifrar um
problema de palavras cruzadas. Vocês não acham que nossos funcionários públicos já gastam
uma parte excessiva do expediente matando palavras cruzadas da “Última Hora” ou lendo o
horóscopo e as histórias em quadrinhos de “O Globo?”.
No fundo o que esse tipo de gramático deseja é tornar a língua portuguesa odiosa; não
alguma coisa através da qual as pessoas se entendam, mas um instrumento de suplício e de
opressão que ele, gramático, aplica sobre nós, os ignaros.
Mas a mim é que não me escardincham assim, sem mais nem menos: não sou fêmea de
cupim nem antônimo do póstumo nenhum; e sou cachoeirense, de Cachoeiro, honradamente
— de Cachoeiro de Itapemirim!
Rio, novembro, 1951.

Texto extraído do livro


BRAGA, Rubem. Ai de Ti, Copacabana. Rio de Janeiro:
Editora do Autor, 1960. p. 197.

108
Nesse texto, adorável por sinal, Rubem Braga levanta curiosas questões sobre a lín- Conteúdos gramaticais:
proposta pedagógica
gua. Qual é o significado de escardinchar? Qual é o feminino de cupim? Qual é o antô-
nimo de póstumo? Como se chama quem é natural do Cairo? Após isso, constata que
quem não souber respondê-las “não passará provavelmente em nenhuma prova de Por-
tuguês de nenhum concurso oficial”. O autor confessa que não sabe tais coisas e chama
de irmão os que não sabem. E aborda um mito complementar ao do professor de gra-
mática, que é entendido como quem sabe tudo de gramática. A variante desse mito seria
a de que o escritor também é um ser que esgota em sabedoria todas as regras da língua.
“a verdade é que eu também não sei. Você dirá, meu caro professor de Português, que
eu não deveria confessar isso”. Esse trecho em que ele explica as suas habilidades com a
língua - “Confesso que escrevo de palpite, como outras pessoas tocam piano de ouvido”
- tem tudo a ver com a gramática internalizada a que fizemos referência.
Irônica e hilária é a parte em que diz que “Um deles chegou a me passar um tele-
grama, felicitando-me porque não encontrara, na minha crônica daquele dia, um só
erro de Português; acrescentava que eu produzira uma ‘página de bom vernáculo,
exemplar’. Tive vontade de responder: “Mera coincidência” —, mas não o fiz para não
entristecer o homem”.
Perguntas pertinentes que ele faz e com as quais muitos pesquisadores concordariam:
“Por que exigir essas coisas dos candidatos aos nossos cargos públicos? Por que
fazer do estudo da língua portuguesa uma série de alçapões e adivinhas, como essas
histórias que uma pessoa conta para “pegar” as outras?”. Engraçada é a funcionalidade
que Braga atribui para se conhecer quem é nascido no Cairo: “pode ser cairense,
cairei, caireta, cairota ou cairiri — e a única utilidade de saber qual a palavra certa
será para decifrar um problema de palavras cruzadas”. Aqui, o autor mostra que esse
conhecimento não tem uma utilidade de fato nem prova o quanto a pessoa sabe da
língua portuguesa. Para pulcritude, o autor traz a resposta: “Sabem qual o superlativo
de pulcro? Isso eu sei por acaso: pulquérrimo!”. Dentre as possibilidades que Braga
elencou para ‘natural do Cairo’, a correta é cairota. Escardinchar seria “responder
em tom de provocação, ou então para acabar com a pessoa de modo a “não sair do
salto”, acabando moralmente ou psicologicamente com a pessoa por meio do uso da
ignorância dela contra ela mesma, usando as palavras vindas dela, em seu ataque” O
feminino de cupim é arará, mas, ao consultar diversos dicionários, você verá que não
é nada fácil achar e confirmar essa informação. O antônimo de póstumo deve render
bastante pesquisa. Já adianto que no dicionário Aurélio não consta.
Toda essa discussão do texto do Rubem Braga é para mostrar a você, acadêmico,
que, quando for escolher materiais, textos, conteúdos, dentre tantos disponíveis, é
preciso ter bom senso como professores, para que o aluno entenda a língua e não
tenha ojeriza a ela:
109
Saberes docentes e Insisto em dizer que a avaliação centrada na ‘caça aos erros’, como prova do
práticas de ensino de que não se conseguiu fazer, inibe a expressão do aluno e condiciona, de certa
Língua Portuguesa:
leitura, escrita,
forma, o bloqueio com que, mais tarde, as pessoas encaram a prática social
análise linguística e da escrita. Esta prática da ‘caça aos erros’, repito, fez com que o professor de
gramática português, ao longo do tempo, se especializasse apenas em procurar o ‘erra-
do’ e, sem muita reflexão, discernir sobre os erros. Parece que não é capaz de
perceber outra coisa e, de fato, acaba não sendo, pois, como adverte Millôr Fer-
nandes, ‘tudo é erro na vida do revisor’ (p.165). O fato de o professor, diante
dos trabalhos dos alunos, ter apenas que procurar erros tornou-se uma coisa
tão natural que o termo consagrado para essa leitura do professor é ‘corrigir’.
A pergunta que os alunos nos fazem é sempre: Professor (a), o (a) senhor (a) já
corrigiu as provas? Por que não pergunta se já vimos, se já lemos seus trabalhos,
seus textos?. (ANTUNES, 2003, p. 161).

Ser professor é um processo constante de amadurecimento. Hoje, com sua visão,
você fará determinadas escolhas e, a cada ano, tornar-se-á um professor cada vez mais
seguro de suas opções metodológicas.

Referências no plano de aula


As referências de seu plano de aula devem trazer os livros, artigos, enfim, todos
os materiais usados ao elaborar a sua aula. Trazer essa relação de materiais ao final
é um procedimento muito comum e importante, uma vez que tudo que fazemos no
meio acadêmico traz a teoria em que nos baseamos. Para organizá-las, deve-se colocar
o nome dos autores em ordem alfabética em padronização indicada pelas normas da
ABNT vigentes. Não se esqueça das referências, pois seu professor, com certeza, exigirá
isso de você. E, com as referências, você conclui o seu plano de aula. Esperamos que
o modelo aqui exposto, uma possibilidade dentre tantas outras, seja um parâmetro de
plano de aula, um roteiro que possa ser sempre revisitado.

Plano de aula sobre pronomes pessoais e de tratamento


Imaginemos uma aula em que o conteúdo a ser ensinado sejam os pronomes e
na qual os objetivos sejam fazer que os alunos aprendam quais são, como usá-los
e como diferenciá-los. Podemos começar com uma explicação teórica do que são e
quais são os pronomes pessoais. Em seguida, solicitamos aos alunos que leiam a tabela
dos pronomes pessoais, disponibilizada no livro didático. Para preparar essa aula,
levaremos em consideração o que diz LOPES (2007, p. 115):

Os manuais didáticos raramente fazem alusão às novas formas pronominais


quando descrevem o quadro de pronomes pessoais, embora, como os resulta-
dos mostraram, a substituição de nós por a gente venha sendo implementada
de forma acelerada nos últimos trinta anos no português do Brasil. Tal processo
ocorreu não só na oralidade, mas também nos textos escritos, em que há a re-
produção de situações dialógicas ou menor grau de formalidade (textos narra-
tivos, cartas pessoais, publicidade e propaganda, e-mails etc.). Nos textos lidos
em sala de aula, veiculados pela mídia eletrônica, extraídos dos jornais ou dos

110
manuais didáticos, as formas pronominais inovadoras são recorrentes. Por que Conteúdos gramaticais:
deixar, então de apresentar aos alunos tais estratégias alternativas que ocorrem proposta pedagógica
em contextos lingüísticos e extralingüísticos específicos?
Portanto, essa aula é pensada para ensinar o conteúdo gramatical tradicional e
alguns aspectos por ela ignorados e ensinados sem maiores discussões.

PLANO DE AULA
ESCOLA: XXXXXX
PROFESSOR(A): XXXXXXXXX
SÉRIE: 8.ª    TURMA: A   TURNO: MATUTINO   ENSINO: (   )Médio   ( X) Fundamental
DATA: __/__/_____ HORÁRIO: ______ AULA 4: DURAÇÃO: 50 MINUTOS

Conteúdo: PRONOMES
Objetivo geral: Ensinar os pronomes
Objetivos específicos: levar o aluno a
a) entender, memorizar, reconhecer os pronomes;
b) entender os pronomes em uso no português;
c) ser capaz de entender por que certos pronomes parecem estar em desuso;
d) entender os contextos específicos de uso.

Procedimentos de ensino Recursos Procedimentos de avaliação


••
Explicar o que e quais são ••
Textos; ••
Avaliação contínua, obser-
os pronomes; vando a participação oral
••
Livro didático;
nos momentos de discus-
••
Propor aos alunos a leitura
••
Música; são;
do capítulo Na casa dos
pronomes, de Emília no ••
Giz; ••
Avaliação específica por
país da Gramática; meio de prova bimestral.
••
Quadro.
••
Solicitar aos alunos que
leiam a tabela dos prono-
mes pessoais dos seus
livros;
••
Solicitar aos alunos que
leiam o texto Tanta polêmi-
ca, de Denise Fraga;
••
Solicitar aos alunos que
leiam as orações em que
aparece o uso do vosso/
vossa, Pai Nosso e Ave
Maria;
••
Exercícios com a música
Anunciação, de Alceu Va-
lença;
••
Exercícios estruturais de
pronome, do livro didático
adotado.

111
Saberes docentes e REFERÊNCIAS:
práticas de ensino de CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramática: texto, reflexão
Língua Portuguesa: e uso. São Paulo: Atual, 1998.
leitura, escrita,
análise linguística e
gramática
CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. São
Paulo: Scipione, 1998.

FRAGA, Denise. Tanta polêmica. [S. l.]: Editora Globo, 2012. Disponível em: <http://
revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI128749-15542,00.html>. Acesso em: 3
fev. 2011.

LOBATO, Monteiro. Emília no país da gramática. São Paulo: Brasiliense, 2005.

Após a leitura do plano de aula, daremos prosseguimento à aplicação dessa aula. O


primeiro passo seria explicar o que são pronomes, quais são e como os usamos. Sacconi
(1999, p. 158) traz a seguinte definição: “Toda palavra que substitui ou acompanha um
substantivo, indicando a pessoa gramatical, é um pronome”. Como exemplos ele traz:
Ela veio, mas não a vi.
Nossa casa é aquele barraco.

Após a introdução mais geral, a primeira atividade seria a leitura do texto Na casa
dos pronomes, de Monteiro Lobato. Como você pode perceber, ele aborda todos os
tipos de pronomes: pessoais, de tratamento, possessivos, demonstrativos, relativos,
interrogativos e indefinidos. Portanto, dependendo da turma, pode ser uma ótima
forma de apresentá-los ou revisá-los.

TEXTO 1

NA CASA DOS PRONOMES

— Chega de Adjetivos — gritou a menina. — Eu não sei por quê, tenho grande simpatia
pelos PRONOMES, e queria visitá-los já.
— Muito fácil — respondeu o rinoceronte. — Eles moram naquelas casinhas aqui de-
fronte. A primeira, e menor, é a dos Pronomes PESSOAIS.
— Ela é tão pequena... — admirou-se Emília.
— Eles são só um punhadinho, e vivem lá como em república de estudantes.
E todos se dirigiram para a casa dos Pronomes Pessoais enquanto Quindim ia ex-
plicando que os Pronomes são palavras que também não possuem pernas e só se
movimentam amarradas aos VERBOS.
Emília bateu na porta — toque, toque, toque.
Veio abrir o Pronome Eu.
— Entrem, não façam cerimônia.
Narizinho fez as apresentações.
— Tenho muito gosto em conhecê-los — disse amavelmente o Pronome Eu. — Aqui na
nossa cidade o assunto do dia é justamente a presença dos meninos e deste famoso
gramático africano. Vão entrando. Nada de cerimônias.
E em seguida:
— Pois é isso, meus caros. Nesta república vivemos a nossa vidinha, que é bem impor-
tante. Sem nós os homens não conseguiriam entender-se na terra.
— Todas as outras palavras dizem o mesmo — lembrou Emília.
— E nenhuma está exagerando — advertiu o Pronome Eu. — Todas somos por igual
importantes, porque somos por igual indispensáveis à expressão do pensamento dos
homens.

112
— E os seus companheiros, os outros Pronomes Pessoais? — perguntou Emília. Conteúdos gramaticais:
— Estão lá dentro, jantando. proposta pedagógica
À mesa do refeitório achavam-se os Pronomes Tu, Ele, Nós, Vós, Eles, Ela e Elas. Es-
ses figurões eram servidos pelos Pronomes OBLÍQUOS, que tinham o pescoço torto e
lembravam corcundinhas. Os meninos viram lá o Me, o Mim, o Migo, o Nos, o Nosco,
o Te, o Ti, o Tigo, o Vos, o Vosco, o O, o A, o Lhe, o Se, o Si e o Sigo — dezesseis
Pronomes Oblíquos.
— Sim senhor! Que luxo de criadagem! — admirou-se Emília. — Cada Pronome tem a
seu serviço vários criadinhos oblíquos. . .— E ainda há outros serviçais, os Pronomes
de TRATAMENTO — disse Eu. — Lá no quintal estão tomando sol os Pronomes Fu-
lano, Sicrano, Você, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Majestade e outros.
— E para que servem os Senhores Pronomes Pessoais? — perguntou a menina.
— Nós — respondeu Eu — servimos para substituir os Nomes das pessoas. Quando a
Senhorita Narizinho diz Tu, referindo-se aqui a esta senhora boneca, está substituindo
o Nome Emília pelo Pronome Tu.
Os meninos notaram um fato muito interessante — a rivalidade entre o Tu e o Você. O
Pronome Você havia entrado do quintal e sentara-se à mesa com toda a brutalidade,
empurrando o pobre Pronome Tu do lugarzinho onde ele se achava. Via-se que era um
Pronome muito mais moço que Tu, e bastante cheio de si. Tinha ares de dono da casa.
— Que há entre aqueles dois? — perguntou Narizinho. — Parece que são inimigos...
— Sim — explicou o Pronome Eu. — O meu velho irmão Tu anda muito aborrecido
porque o tal Você apareceu e anda a atropelá-lo para lhe tomar o lugar.
— Apareceu como? Donde veio?
— Veio vindo... No começo havia o tratamento Vossa Mercê, dado aos reis unicamente.
Depois passou a ser dado aos fidalgos e foi mudando de forma. Ficou uns tempos
Vossemecê e depois passou a Vosmecê e finalmente como está hoje — Você, entrando
a ser aplicado em vez do Tu, no tratamento familiar ou caseiro. No andar em que vai,
creio que acabará expulsando o Tu para o bairro das palavras arcaicas, porque já no
Brasil muito pouca gente emprega o Tu. Na língua inglesa aconteceu uma coisa assim.
O Tu lá se chamava Thou e foi vencido pelo You, que é uma espécie de Você em-
pregada para todo mundo, seja grande ou pequeno, pobre ou rico, rei ou vagabundo.
— Estou vendo — disse a menina, que não tirava os olhos de Você. — Ele é moço e
petulante, ao passo que o pobre Tu parece estar sofrendo de reumatismo. Veja que
cara triste o coitado tem. . .
— Pois o tal Tu — disse Emília — o que deve fazer é ir arrumando a trouxa e pondo-se
ao fresco. Nós lá no sítio conversamos o dia inteiro e nunca temos ocasião de em-
pregar um só Tu, salvo na palavra Tatu. Para nós o Tu já está velho coroca.
E mudando de assunto:
— Diga-me uma coisa, Senhor Eu. Está contente com a sua vidinha?
— Muito — respondeu Eu. — Como os homens são criaturas sumamente egoístas,
eu tenho vida regalada, porque represento todos os homens e todas as mulheres que
existem, sendo pois tratado dum modo especial. Creio que não há palavra mais usada
no mundo inteiro do que Eu. Quando uma criatura humana diz Eu, baba-se de gosto
porque está falando de si própria.
— E fora os Pronomes Pessoais não há outros?
— Há sim — disse Eu —, moram aqui na casa ao lado. Uns pobres coitados...
Os meninos despediram-se do Pronome Eu para irem visitar os “coitados” da outra
casa, muito admirados da petulância e orgulho daquele pronominho tão curto.
— Parece que tem o presidente da República na barriga — comentou a boneca.
E parecia mesmo. . .
Na outra casa os meninos encontraram os Pronomes POSSESSIVOS — Meu, Teu,
Seu, Nosso, Vosso e Seus com as respectivas esposas e com os plurais. Emília, que
achava as palavras Meu e Minha as mais gostosas de quantas existem, agarrou o
casalzinho e deu um beijo no nariz de cada uma, dizendo:
— Meus amores!
Depois encontraram os Pronomes DEMONSTRATIVOS — Este, Esse, Aquele, Mes-
mo, Próprio, Tal, etc, com as suas respectivas esposas e parentes. As esposas eram
Esta, Essa, Aquela, Mesma, Própria, etc, e os parentes eram Essoutro, Estoutro, Aque-
loutro, etc.
— Muito bem — disse Narizinho. — Vamos adiante. Vejo alguns senhores muito con-
hecidos.
De fato, mais adiante os meninos encontraram os Pronomes INDEFINIDOS, muito fa-
miliares a todos do bandinho. Eram eles: Algum, Nenhum, Outro, Todo, Tanto, Pouco,
Muito, Menos, Qualquer, Certo, Vários, etc, com as suas respectivas formas femininas
e os competentes plurais.
— São umas palavrinhas muito boas, que a gente emprega a toda a hora — comentou
Emília, sem entretanto beijar o nariz de nenhuma.
Havia ainda os Pronomes RELATIVOS, quê servem para indicar uma coisa que está
para trás. Eram eles: Que, Quem, O Qual, Cujo, Onde, etc, com as suas respectivas

113
Saberes docentes e
práticas de ensino de esposas e plurais. Quindim exemplificou:
Língua Portuguesa: — O Visconde, cuja cartolinha sumiu, está danado. Nesta frase, o Pronome Cuja
leitura, escrita, refere-se a uma coisa que ficou para trás.
análise linguística e De fato, o Visconde havia perdido a sua cartolinha na aventura com as Palavras Ob-
gramática scenas. Deixara-a para trás.
— Continue, Quindim — pediu Emília, e o rinoceronte continuou.
— Temos, por fim, os Pronomes INTERROGATIVOS, que servem para fazer pergun-
tas. Todos usam um Ponto de Interrogação no fim, para que a gente veja que são
perguntativos.
E os meninos viram lá os Interrogativos: Quê? Qual? Quanto? Quem?
Emília gostou de conhecer aqueles Pronomes. Ela era a boneca que mais trabalho
dava aos Senhores Pronomes Interrogativos.

LOBATO, Monteiro. Emília no país da gramática. São Paulo: Brasiliense, 2005.

Após a leitura desse texto, peça para seu aluno relê-lo, comparando à tabela de
pronomes que ele tem no livro didático ou gramática. Certamente, ele observará uma
tabela assim:

PRONOMES RETOS PRONOMES OBLÍQUOS


eu me, mim, comigo
Tu te, ti, contigo
Ele o, a, lhe, se, si consigo
Nós nos, conosco
Vós vos, convosco
Eles o, as, lhes, se, si, consigo

Essa tabela é apresentada na página 159, da gramática de Sacconi (1999). Não


apresentarei, por questões de espaço, todas as tabelas de pronomes. Mas você
continuará a pedir para que o aluno compare as outras tabelas que ele encontrar
na gramática com os pronomes trazidos no texto de Lobato. Peça para que anotem
alguma possível diferença.
No texto de Lobato, o você aparece como pronome de tratamento. Discuta com
seus alunos se você não assumiu outras funções no decorrer do tempo. Se eles não
constatarem por conta, mostre que formas como Essoutro, Estoutro, Aqueloutro
tornaram-se arcaicas. Enfim, essa atividade de comparação dos pronomes que aparecem
no texto e os pronomes listados nas gramáticas de hoje rende bastante discussão.
A essa altura da sua aula, você já teria discutido, também, como a tabela de pronomes
do caso reto ignora alguns outros, hoje, considerados pronomes amplamente em uso
na nossa língua. A tabela abaixo não deve ser levada para a sala de aula. Ela serve para
o embasamento de seu trabalho. Mas é claro que você pode explicar que o “a gente”,
antes palavra comum, tantas vezes foi usado até que entrou para o sistema pronominal
da língua.

114
Conteúdos gramaticais:
proposta pedagógica
Situação atual:

PESSOA PRONOME PRONOME POSSESSIVOS


SUJEITO COMPLEMENTO
DIRETO
P1 Eu me meu/minha
P2 tu/você te, lhe (se), você teu/tua/seu/sua/de você
P3 ele/ela o, a, (se)/lhe/ele(a) seu/sua/dele (a)
P4 nós/ a gente nos/a gente nosso (a)/ da gente
P5 vocês vocês/lhe/se seu(s)/sua(s)/de vocês
P6 eles/elas os, as, (se)/lhes/ seu(s)/sua(s)/deles(as)
eles(as)

Fonte: LOPES (2007, p. 116).

Por outro lado, vós/vos/vosso caíram em desuso, ou melhor, ficaram restritos a con-
textos específicos. Para vê-los em seu contexto mais comum, peça para que os alunos
leiam os textos 2 e 3.

TEXTO 2
Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, venha a nós
o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu.
O pão nosso de cada dia nos daí hoje, perdoai-nos as nossas ofensas,
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Não nos deixei
cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém.

TEXTO 3
Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco. Bendita sois vós entre
as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.
Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora
da nossa morte.
Amém.

115
Saberes docentes e Feita a leitura dos textos com as formas que ficaram restritas a determinados
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: contextos, peça aos alunos para lerem o texto Tanta polêmica. Primeiro uma leitura
leitura, escrita,
análise linguística e silenciosa, depois uma leitura em voz alta com toda a sala.
gramática

TEXTO 4
Tanta polêmica

Venha a nós o NOSSO reino, seja feita a NOSSA vontade, assim


na terra como no céu...” Difícil explicar para nossos pequenos o que
é VOSSO. Vira e mexe, conserto o pai-nosso por aqui, onde ainda se
fala para que seja feita a vontade deles, pequenos, e não a do nosso
pobre Pai lá de cima.
No ano passado, estive debruçada nas conjugações verbais com
o pequeno enorme Nino em sua árdua recuperação de português e
vi que “quiserdes” é uma palavra realmente esquisitíssima para um
menino de 12 anos. O uso do “vós” em nossa língua está totalmente
em desuso. Talvez o encontrem na literatura, lendo um Machado de
Assis ou um José de Alencar, e acho que será difícil ouvi-lo por aí em
algum discurso empolado, que também caiu em desuso. Mas, por
incrível que pareça, as escolas continuam a inclui-lo no “eu, tu, ele”.
Não quero esticar a discussão. Acho mesmo que devemos estudar
os rococós de nossa linda língua portuguesa, mas daí a ter várias
questões na prova testando se o menino sabe usar o “vós” e valer
pontos tirados à substituição de um “ouvíreis” por um “ouvires”, que
tampouco é ouvido ou lido, já são outros quinhentos. É uma longa
polêmica.
Na verdade, o que me chamou a atenção mesmo foi ver os meninos
insistindo no erro do pai-nosso, pedindo livremente, sem culpa nen-
huma, que seja feita a NOSSA vontade. Nem me incluo nesse pacote
“nossa vontade”, nossa, dos reles mortais, pois sei que, se pudessem
mesmo, eles rezariam a oração que o senhor nos ensinou com des-
carados “venha a MIM” e “seja feita a MINHA vontade, na terra, no
céu e onde quer que seja”.
Toda a humanidade, a princípio, luta pelo seu. Cabe a nós, mães,
chatas criaturas com pequenas funções divinas, além de todos os tê-
nis recolhidos pela sala, fazê-los entender a importância de não pen-
sar primeiro em si próprios e sim no coletivo. E ainda fazemos isso de-
safiando toda a psicanálise, que fez o favor de tirar um pouco da culpa
das últimas gerações, mas, desculpe o desabafo, às vezes, produz
criaturas analisadas extremamente egocêntricas e mal-educadas,
quando não fica a cargo do papai e da mamãe um pequeno combate
ao ego. Mas também esta é uma longa discussão. Ando mesmo com
os homenzinhos de minha cabeça fazendo hora extra no plenário,
de tanta polêmica. Ao contrário dos homens do nosso Congresso,
eles insistem em ficar até mais tarde, discutindo os novos projetos
daqui de casa, pois, se há coisa que os filhos nos dão em troca são
questionamentos.
A questão do momento é musical. Nino adora música sertaneja. Sei
lá por que, sei lá onde começou ouvir, só sei que até eu já sei algumas
letras de sofrível poesia de cor por conta do som alto que rola aqui

116
Conteúdos gramaticais:
em casa. Podia até imaginar que meus filhos iriam achar careta meu proposta pedagógica
Caetano e meu Chico, mas nunca pensei que tentaria convencê-los
a ouvir Skank ou Jota Quest. Nada contra os sertanejos, até gosto,
mas algumas letras realmente me ferem o ouvido. Temos tido alguns
dias de briga de volume entre os sertanejos do Nino, o Led Zeppelin
do Pedro e nossas “músicas de velho”. Será, meu Pai, que vamos ter
que nos render a andar pela casa com nossos fiozinhos de iPod nos
ouvidos, cada um no seu mundo? Bom, seja feita a VOSSA vontade.

Fonte: <http://revistacrescer.globo.com/Revista/
Crescer/0,,EMI128749-15542,00.html>.
Acesso: 3 fev. 2011.

Depois da leitura compartilhada, pode-se discutir essa percepção da mãe quanto ao


modo como a gramática vem sendo ensinada na escola. É uma percepção que entende
que o pronome vosso não é tão usado assim no nosso cotidiano, portanto adquire
importância menor no contexto de outros assuntos gramaticais mais relevantes. Ponto
para a mãe que teve essa percepção e ponto para a professora se conseguir evitar que
aconteça em sala de aula uma cobrança demasiada de um fato da língua que se tornou
praticamente arcaico.
Mas se o vós já não faz parte do sistema da língua, mas aparece em determinados
contextos, o que devo fazer como professor? A minha resposta é simples. Você deve
levar o conhecimento ao aluno. Mas deve, em uma avaliação, por exemplo, dar mais
importância (ou nota) àqueles conteúdos que farão maior diferença ao aluno. A mãe
no texto teve a exata noção da dimensão da questão: “Acho mesmo que temos que
estudar os rococós de nossa língua portuguesa, mas daí a ter várias questões na prova
testando se o menino sabe usar o “vós” e valer pontos tirados à substituição de um
“ouvíreis”, que tampouco é ouvido ou lido, já são outros quinhentos. É uma longa
polêmica”.
Para a parte de exercícios e fixação, você pode pedir para eles fazerem o que consta
ao final da lição da gramática ou escolher um texto em que o pronome seja empregado
em um contexto mais cotidiano, como em músicas, para as quais podem ser feitas as
seguintes questões.

1) Leia a letra da música Anunciação, de Alceu Valença.


Na bruma leve das paixões
Que vêm de dentro
Tu vens chegando
Prá brincar no meu quintal
No teu cavalo

117
Saberes docentes e Peito nu, cabelo ao vento
práticas de ensino de
Língua Portuguesa: E o sol quarando
leitura, escrita,
análise linguística e Nossas roupas no varal...(2x)
gramática
Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais
Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais...
A voz do anjo
Sussurrou no meu ouvido
Eu não duvido
Já escuto os teus sinais
Que tu virias
Numa manhã de domingo
Eu te anuncio
Nos sinos das catedrais...
Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais
Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais...
Ah! ah! ah! ah! ah! ah!
Ah! ah! ah! ah! ah! ah!...

2)) Faça um levantamento de todos os pronomes que você encontrar.


3) Classifique os pronomes em pessoais, demonstrativos, interrogativos, de tratamento,
relativos.
4) Em Tu vens, o uso está correto de acordo com a gramática?
5) Pesquise o significado de quarando.
6) Ouça as pessoas à sua volta e analise se, na sua região, usa-se mais o tu ou o você.

Considerações finais
O plano de aula apresentado neste capítulo é apenas uma possibilidade de trabalho
diante de tantas outras abordagens possíveis e de tanto material que pode adquirir sig-
nificado em sala de aula. Para Lopes (2007, p. 116), no caso do ensino dos pronomes,
“deixar de apresentar aos alunos o atual sistema em toda sua complexidade é um equí-
voco, mas não mencionar a existência dos pronomes em desuso seria um equívoco
ainda maior”. Ainda segundo Lopes (2007, p. 116),

118
trata-se de um conhecimento passivo que precisa estar disponível, para que seja Conteúdos gramaticais:
possível ler um texto em sincronias passadas (o cancioneiro medieval ou poesia proposta pedagógica
trovadoresca dos primeiros tempos de nossa história, a Carta de Caminha, a
poesia, os romances de época).

Referências

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BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro:


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www.releituras.com/rubembraga_cairo.asp>. [S. l.]:Projeto Reeleitura, 2012. Acesso
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BRITTO, Luiz Percival Leme. A sombra do caos: ensino de língua x tradição


gramatical. Campinas, SP: Mercado de Letras; Associação de leitura do Brasil, 1997.

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Paulo: Scipione, 2003.

FRAGA, Denise. Tanta polêmica. [S. l.]: Editora Globo, 2012. Disponível em:
<http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI128749-15542,00.html>.
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pedagogica/gramatica-decoreba-423568.shtml. Acesso em: 15 fev. 2011.

119
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Língua Portuguesa:
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ZANINI, Marilurdes. Uma visão panorâmica da teoria e da prática do ensino de língua


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Anotações

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