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Manuscritos Econômico-Filosóficos

Karl Marx

Prefácio

Já anunciei, no Deutsch-Franzoesischer Jahrbücher , uma


crítica do Direito e da Ciência Política sob a forma de crítica à
filosofia Hegeliana do Direito. Entretanto, ao preparar o
trabalho a ser publicado, ficou evidente que seria assaz
inconveniente uma combinação da crítica dirigida somente à
teoria especulativa com a crítica de vários assuntos; isso
tolheria a exposição da argumentação e tornaria esta mais
difícil de ser acompanhada. Ademais, eu só poderia comprimir
tal riqueza e diversidade de assuntos em um único livro se
escrevesse em estilo aforismático, e uma apresentação assim
aforismática daria a impressão de sistematização arbitrária.
Por conseguinte, publicarei minha crítica do Direito, Moral,
Política, etc., em diversos opúsculos separados, e, por fim,
tentarei, em uma obra a parte, apresentar o conjunto inter-
relacionado, mostrando as relações entre as várias partes e
apresentando uma crítica do tratamento especulativo desse
material. É por isso que, no presente trabalho, as relações da
Economia Política com o Estado, o Direito, a Moral, a vida
civil, etc., são apenas abordadas na medida em que a própria
Economia Política trata desses assuntos.

Não é necessário assegurar ao leitor familiarizado com a


Economia Política que minhas conclusões são o fruto de uma
análise inteiramente empírica, baseadas em um meticuloso
estudo crítico da Economia Política.

É claro que além de aos socialistas franceses e ingleses


também recorri a trabalhos de socialistas alemães. Mas as
obras alemães originais e importantes a este respeito - fora
as de Weitling - limitam-se aos ensaios publicados por Hess
no Einundzwanzib Bogen , e ao de Engels, "Umrisse zur Kritik
der Nationaloekonomie" no Deutsch-Franzoesischer
Jahrbücher. Nesta última publicação, eu mesmo indiquei, de
forma bastante genérica, os elementos básicos do presente
trabalho.

A crítica positiva, humanista e naturalista tem início


com Feuerbach. Os trabalhos menos espetaculares
de Feuerbach são os mais certos, profundos, extensos e
duradouros em sua influência; eles são os únicos, desde a
Fenomenologia e a Lógica de Hegel que contêm uma
verdadeira revolução teórica.

Ao contrário dos teólogos críticos de nossa época,


considerei o capítulo final do presente trabalho, uma
exposição crítica da dialética hegeliana e de sua filosofia
geral, como absolutamente essencial, pois isso ainda não foi
feito. Esta falta de meticulosidade não é acidental, pois o
teólogo crítico continua a ser um teólogo. Ele tem de partir,
seja de certos pressupostos da filosofia aceita como oficial, ou
então, se no decurso da crítica e como resultado de
descobertas de outras pessoas surgirem-lhe na mente
dúvidas acerca dos pressupostos filosóficos, abandona-os de
forma covarde e sem justificativa, abstrai a partir deles, e
demonstra ao mesmo tempo dependência servil face a elas e
seu ressentimento a essa dependência de maneira negativa,
inconsciente e sofística.

Olhada mais de perto, a crítica teológica, que foi no


começo do movimento um fator genuinamente progressista, é
vista como sendo, em última análise, nada mais que a
culminação e conseqüência do antigo transcendentalismo
filosófico, e especialmente hegeliano, deformado numa
caricatura teológica. Descreverei alhures, com maior minúcia,
esse ato interessante de justiça histórica, essa nêmese que
agora destina a teologia, sempre o setor infectado da
filosofia, a espelhar em si a mesma dissolução negativa da
filosofia, isto é, o processo de sua decadência.

Karl Marx, 1844

Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx
Primeiro Manuscrito

Trabalho Alienado

(XXII) Partimos dos pressupostos da Economia Política.


Aceitamos sua terminologia e suas leis. Aceitamos como
premissas a propriedade privada, a separação do trabalho,
capital e terra, assim como também de salários, lucro e
arrendamento, a divisão do trabalho, a competição, o
conceito de valor de troca, etc. Com a própria economia
política, usando suas próprias palavras, demonstramos que o
trabalhador afunda até um nível de mercadoria, e uma
mercadoria das mais deploráveis; que a miséria do
trabalhador aumenta com o poder e o volume de sua
produção; que o resultado forçoso da competição é o acumulo
de capital em poucas mãos, e assim uma restauração do
monopólio da forma mais terrível; e, por fim, que a distinção
entre capitalista e proprietário de terras, e entre trabalhador
agrícola e operário, tem de desaparecer, dividindo-se o
conjunto da sociedade em duas classes de possuidores de
propriedades e trabalhadores sem propriedades.

A economia Política parte do fato da propriedade privada;


não o explica. Ela concebe o processo material da propriedade
privada, como ocorre na realidade, por meio de fórmulas
abstratas e gerais que, então, servem como leis. Ela
não compreende essas leis; isto é, ela não mostra como
surgem da natureza da propriedade privada. A Economia
Política não dá nenhuma explicação da base para a distinção
entre trabalho e capital, entre capital e terra. Quando, por
exemplo, a relação entre salários e lucros é definida, isso é
explicado em função dos interesses dos capitalistas; por
outras palavras, o que devia ser explicado é admitido.
Analogamente, a competição é referida a todos os pontos e
explicada em função das condições externas. A Economia
Política nada nos diz a respeito da medida em que essas
condições externas, e aparentemente acidentais, são
simplesmente a expressão de uma evolução necessária.
Vimos como a própria troca se afigura um fato acidental. As
únicas forças propulsoras reconhecidas pela Economia Política
são a avareza e a guerra entre os gananciosos, a competição.

Justamente por deixar a Economia Política de entender as


interconexões dentro desse movimento, foi possível opor a
doutrina de competição à de monopólio, a doutrina de
liberdade da profissão à das guildas, a doutrina de divisão da
propriedade imobiliária a dos latifúndios; pois a competição,
liberdade de ocupação e divisão da propriedade imobiliária
foram concebidas tão-somente como conseqüências fortuitas
produzidas pela vontade e pela força, em vez de
conseqüências necessárias, inevitáveis e naturais do
monopólio, do sistema de guildas e da propriedade feudal.

Por isso, temos agora de apreender a ligação real entre


todo esse sistema de alienação - propriedade privada,
ganância, separação entre trabalho, capital e terra, troca e
competição, valor e desvalorização do homem, monopólio e
competição - e o sistema do dinheiro.

Não iniciaremos nossa exposição, como o faz o


economista, por uma legendária situação primitiva. Uma tal
situação arcaica nada explica; simplesmente afasta a
pergunta para uma distância turva e enevoada. Ela afirma
como fato ou acontecimento o que deveria deduzir, ou seja, a
relação necessária entre duas coisas; por exemplo, entre a
divisão do trabalho e a troca. Da mesma maneira, a teologia
explica a origem do mal pela queda do homem; isto é, ela
assegura como fato histórico aquilo que deveria elucidar.

Partiremos de um fato econômico contemporâneo. O


trabalhador fica mais pobre à medida que produz mais
riqueza e sua produção cresce em força e extensão. O
trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais barata à
medida que cria mais bens. A desvalorização do mundo
humano aumenta na razão direta do aumento de valor do
mundo dos objetos. O trabalho não cria apenas objetos; ele
também se produz a si mesmo e ao trabalhador como
uma mercadoria, e, deveras, na mesma proporção em que
produz bens.

Esse fato simplesmente subentende que o objeto


produzido pelo trabalho, o seu produto, agora se lhe opõe
como um ser estranho, como umaforça independente do
produtor. O produto do trabalho humano é trabalho
incorporado em um objeto e convertido em coisa física; esse
produto é uma objetificação do trabalho. A execução do
trabalho é simultaneamente sua objetificação. A execução do
trabalho aparece na esfera da Economia Política como uma
perversão do trabalhador, a objetificação como uma perda e
uma servidão ante o objeto, e a apropriação como alienação.

A execução do trabalho aparece tanto como uma


perversão que o trabalhador se perverte até o ponto de
passar fome. A objetificação aparece tanto como uma perda
do objeto que o trabalhador é despojado das coisas mais
essenciais não só da vida, mas também do trabalho. O
próprio trabalho transforma-se em um objeto que ele só pode
adquirir com tremendo esforço e com interrupções
imprevisíveis. A apropriação do objeto aparece como
alienação a tal ponto que quanto mais objetos o trabalhador
produz tanto menos pode possuir e tanto mais fica dominado
pelo seu produto, o capital.

Todas essas conseqüências decorrem do fato de o


trabalhador ser relacionado com o produto de seu
trabalho como com um objeto estranho. Pois está claro que,
baseado nesta premissa, quanto mais o trabalhador se
desgasta no trabalho tanto mais poderoso se torna o mundo
de objetos por ele criado em face dele mesmo, tanto mais
pobre se torna a sua vida interior, e tanto menos ele se
pertence a si próprio. Quanto mais de si mesmo o homem
atribui a Deus, tanto menos lhe resta. O trabalhador põe a
sua vida no objeto, e sua vida, então, não mais lhe pertence,
porém, ao objeto. Quanto maior for sua atividade, portanto,
tanto menos ele possuirá. O que está incorporado ao produto
de seu trabalho não mais é dele mesmo. Quanto maior for o
produto de seu trabalho, por conseguinte, tanto mais ele
minguará. A alienação do trabalhador em seu produto não
significa apenas que o trabalho dele se converte em objeto,
assumindo uma existência externa, mas ainda que existe
independentemente, fora dele mesmo, e a ele estranho, e
que com ele se defronta como uma força autônoma. A vida
que ele deu ao objeto volta-se contra ele como uma força
estranha e hostil.
(XXIII) Examinemos agora, mais de perto, o fenômeno
da objetificação, a produção do trabalhador e a alienação e
perda do objeto por ele produzido, nisso implícitas. O
trabalhador nada pode criar sem a natureza, sem o mundo
exterior sensorial. Este ultimo é o material em que se
concretiza o trabalho, em que este atua, com o qual e por
meio do qual ele produz coisas.

Todavia, assim como a natureza proporciona os meios de


existência do trabalho, na acepção de este não poder viver
sem objetos aos quais possa aplicar-se, igualmente
proporciona os meios de existência em sentido mais restrito,
ou sejam os meios de subsistência física para o
própriotrabalhador. Assim, quanto mais o
trabalhador apropria o mundo externo da natureza sensorial
por seu trabalho, tanto mais se despoja de meios de
existência, sob dois aspectos: primeiro, o mundo exterior
sensorial se torna cada vez menos um objeto pertencente ao
trabalho dele ou um meio de existência de seu trabalho;
segundo, ele se torna cada vez menos um meio de existência
na acepção direta, um meio para a subsistência física do
trabalhador.

Sob os dois aspectos, portanto, o trabalhador se converte


em escravo do objeto: primeiro, por receber um objeto de
trabalho, isto é, recebertrabalho, e em segundo lugar por
receber meios de subsistência. Assim, o objeto o habilita a
existir, primeiro como trabalhador e depois comosujeito físico.

O apogeu dessa escravização é ele só poder se manter


como sujeito físico na medida em que é um trabalhador, e de
ele só como sujeito físicopoder ser um trabalhador.

(A alienação do trabalhador em seu objeto é expressa da


maneira seguinte, nas leis da Economia Política: quanto mais
o trabalhador produz, tanto menos tem para consumir;
quanto mais valor ele cria, tanto menos valioso se torna;
quanto mais aperfeiçoado o seu produto, tanto mais grosseiro
e informe o trabalhador; quanto mais civilizado o produto, tão
mais bárbaro o trabalhador; quanto mais poderoso o
trabalho, tão mais frágil o trabalhador; quanto mais
inteligência revela o trabalho, tanto mais o trabalhador decai
em inteligência e se torna um escravo da natureza.)
A economia Política oculta a alienação na natureza do
trabalho por não examinar a relação direta entre o
trabalhador (trabalho) e a produção. Por certo, o trabalho
humano produz maravilhas para os ricos, mas produz
privação para o trabalhador. Ele produz palácios, porém
choupanas é o que toca ao trabalhador. Ele produz beleza,
porém para o trabalhador só fealdade. Ele substitui o trabalho
humano por maquinas, mas atira alguns dos trabalhadores a
um gênero bárbaro de trabalho e converte outros em
máquinas. Ele produz inteligência, porém também estupidez e
cretinice para os trabalhadores.

A relação direta do trabalho com seus produtos é a entre


o trabalhador e os objetos de sua produção. A relação dos
possuidores de propriedade com os objetos da produção e
com a própria produção é meramente uma conseqüência da
primeira relação e a confirma. Apreciaremos adiante este
segundo aspecto. Portanto, quando perguntamos qual é a
relação importante do trabalho, estamos interessados na
relação do trabalhador com a produção.

Até aqui consideramos a alienação do trabalhador


somente sob um aspecto, qual seja o de sua relação com os
produtos de seu trabalho. Não obstante, a alienação aparece
não só como resultado, mas também como processo de
produção, dentro da própria atividade produtiva. Como
poderia o trabalhador ficar numa relação alienada com o
produto de sua atividade se não se alienasse a si mesmo no
próprio ato da produção? O produto é, de fato, apenas a
síntese da atividade, da produção. Conseqüentemente, se o
produto do trabalho é alienação, a própria produção deve ser
alienação ativa - a alienação da atividade e a atividade da
alienação A alienação do objeto do trabalho simplesmente
resume a alienação da própria atividade do trabalho.

O que constitui a alienação do trabalho? Primeiramente,


ser o trabalho externo ao trabalhador, não fazer parte de sua
natureza, e por conseguinte, ele não se realizar em seu
trabalho mas negar a si mesmo, ter um sentimento de
sofrimento em vez de bem-estar, não desenvolver livremente
suas energias mentais e físicas mas ficar fisicamente exausto
e mentalmente deprimido. O trabalhador, portanto, só se
sente à vontade em seu tempo de folga, enquanto no
trabalho se sente contrafeito. Seu trabalho não é voluntário,
porém imposto, é trabalho forçado. Ele não é a satisfação de
uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras
necessidades. Seu caráter alienado é claramente atestado
pelo fato, de logo que não haja compulsão física ou outra
qualquer, ser evitado como uma praga. O trabalho
exteriorizado, trabalho em que o homem se aliena a si
mesmo, é um trabalho de sacrifício próprio, de mortificação.
Por fim, o caráter exteriorizado do trabalho para o
trabalhador é demonstrado por não ser o trabalho dele
mesmo mas trabalho para outrem, por no trabalho ele não se
pertencer a si mesmo mas sim a outra pessoa.

Tal como na religião, a atividade espontânea da fantasia,


do cérebro e do coração humanos, reage independentemente
como uma atividade alheia de deuses ou demônios sobre o
indivíduo, assim também a atividade do trabalhador não é
sua própria atividade espontânea. É atividade de outrem e
uma perda de sua própria espontaneidade.

Chegamos a conclusão de que o homem (o trabalhador)


só se sente livremente ativo em suas funções animais -
comer, beber e procriar, ou no máximo também em sua
residência e no seu próprio embelezamento - enquanto que
em suas funções humanas se reduz a um animal. O animal se
torna humano e o humano se torna animal.

Comer, beber e procriar são, evidentemente, também


funções genuinamente humanas. Mas, consideradas
abstratamente, à parte do ambiente de outras atividades
humanas, e convertidas em fins definitivos e exclusivos, são
funções animais.

Consideremos, agora, o ato de alienação da atividade


humana prática, o trabalho, sob dois aspectos: 1) a relação
do trabalhador com o produto do trabalho como um objeto
estranho que o domina. Essa relação é, ao mesmo tempo, a
relação com o mundo exterior sensorial, com os objetos
naturais, como um mundo estranho e hostil; 2) a relação do
trabalho como o ato de produção dentro do trabalho. Essa é a
relação do trabalhador com sua própria atividade humana
como algo estranho e não pertencente a ele mesmo,
atividade como sofrimento (passividade), vigor como
impotência, criação como emasculação, a energia física e
mental pessoal do trabalhador, sua vida pessoal (pois o que é
a vida senão atividade?) como uma atividade voltada contra
ele mesmo, independente dele e não pertencente a ele. Isso
é auto-alienação, ao contrário da acima mencionada alienação
do objeto.

(XXIV) Temos, agora, de inferir uma terceira característica


do trabalho alienado, partindo das duas já vistas.

O homem é um ente-espécie não apenas no sentido de


que ele faz da comunidade (sua própria, assim como as de
outras coisas) seu objeto, tanto prática quanto teoricamente,
mas também (e isto é simplesmente outra expressão da
mesma coisa) no sentido de tratar-se a si mesmo como a
espécie vivente, atual, como um ser universal e
conseqüentemente livre.

A vida da espécie, para o homem assim como para os


animais, encontra sua base física no fato de o homem (como
os animais) viver da natureza inorgânica, e como o homem é
mais universal que um animal, assim também o âmbito da
natureza inorgânica de que ele vive é mais universal.
Vegetais, animais, minerais, ar, luz, etc., constituem, sob o
ponto de vista teórico, uma parte da consciência humana
como objetos da ciência natural e da arte; eles são a natureza
inorgânica espiritual do homem, se meio intelectual de vida,
que ele deve primeiramente preparar para seu prazer e
perpetuação. Assim também, sob o ponto de vista prático,
eles formam parte da vida e atividade humanas. Na prática, o
homem vive apenas desses produtos naturais, sob a forma de
alimento, aquecimento, roupa, abrigo, etc. A universalidade
do homem aparece, na prática, na universalidade que faz da
natureza inteira o seu corpo: 1) como meio direto de vida, e
igualmente, 2) como o objeto material e o instrumento de sua
atividade vital. A natureza é o corpo inorgânico do homem;
quer isso dizer a natureza excluindo o próprio corpo humano.
Dizer que o homem vive da natureza significa que a natureza
é o corpo dele, com o qual deve se manter em contínuo
intercâmbio a fim de não morrer. A afirmação de que a vida
física e mental do homem e a natureza são interdependentes,
simplesmente significa ser a natureza interdependente
consigo mesma, pois o homem é parte dela.

Tal como o trabalho alienado:

1) aliena a natureza do homem e

2) aliena o homem de si mesmo, de sua própria função


ativa, de sua atividade vital, assim também o aliena da
espécie. Ele transforma a vida da espécie em uma forma de
vida individual. Em primeiro lugar, ele aliena a vida da
espécie e a vida individual, e posteriormente transforma a
segunda, como uma abstração, em finalidade da primeira,
também em sua forma abstrata e alienada.

Pois, trabalho, atividade vital, vida produtiva, agora


aparecem ao homem apenas como meios para a satisfação de
uma necessidade, a de manter sua existência física. A vida
produtiva, contudo, é vida da espécie. É vida criando vida. No
tipo de atividade vital, reside todo o caráter de uma espécie,
seu caráter como espécie; e a atividade livre, consciente, é o
caráter como espécie dos seres humanos. A própria vida
assemelha-se somente a um meio de vida.

O animal identifica-se com sua atividade vital. Ele não


distingue a atividade de si mesmo. Ele é sua atividade.

O homem, porém, faz de sua atividade vital um objeto de


sua vontade e consciência. Ele tem uma atividade vital
consciente. Ela não é uma prescrição com a qual ele esteja
plenamente identificado. A atividade vital consciente distingue
o homem da atividade vital dos animais: só por esta razão ele
é um ente-espécie. Ou antes, é apenas um ser auto-
consciente, isto é, sua própria vida é um objeto para ele,
porque ele é um ente-espécie. Só por isso, a sua atividade é
atividade livre. O trabalho alienado inverte a relação, pois o
homem, sendo um ser autoconsciente, faz de sua atividade
vital, de seu ser, unicamente um meio para sua existência.

A construção prática de um mundo objetivo,


a manipulação da natureza inorgânica, é a confirmação do
homem como um ente-espécie, consciente, isto é, um ser que
trata a espécie como seu próprio ser ou a si mesmo como um
ser-espécie. Sem dúvida, os animais também produzem. Eles
constróem ninhos e habitações, como no caso das abelhas,
castores, formigas, etc. Porém, só produzem o estritamente
indispensável a si mesmos ou aos filhotes. Só produzem em
uma única direção, enquanto o homem. produz
universalmente. Só produzem sob a compulsão de
necessidade física direta, ao passo que o homem produz
quando livre de necessidade física e só produz, na verdade,
quando livre dessa necessidade. Os animais só produzem a si
mesmos, enquanto o homem reproduz toda a natureza. Os
frutos da produção animal pertencem diretamente a seus
corpos físicos, ao passo que o homem é livre ante seu
produto. Os animais só constróem de acordo com os padrões
e necessidades da espécie a que pertencem, enquanto o
homem sabe produzir de acordo com os padrões de todas as
espécies e como aplicar o padrão adequado ao objeto. Assim,
o homem constrói também em conformidade com as leis do
belo.

É justamente em seu trabalho exercido no mundo objetivo


que o homem realmente se comprova como um ente-espécie.
Essa produção é sua vida ativa como espécie; graças a ela, a
natureza aparece como trabalho e realidade dele. O objetivo
do trabalho, portanto, é a objetificação da vida como espécie
do homem, pois ele não mais se reproduz a si mesmo apenas
intelectualmente, como na consciência, mas ativamente e em
sentido real, e vê seu próprio reflexo em um mundo por ele
construído. Por conseguinte, enquanto o trabalho alienado
afasta o objetivo da produção do homem, também afasta
sua vida como espécie, sua objetividade real como ente-
espécie, e muda a superioridade sobre os animais em uma
inferioridade, na medida em que seu corpo inorgânico, a
natureza, é afastado dele.

Assim como o trabalho alienado transforma a atividade


livre e dirigida pelo próprio indivíduo em um meio, também
transforma a vida do homem como membro da espécie em
um meio de existência física.

A consciência que o homem tem de sua espécie é


transformada por meio da alienação, de sorte que a vida
como espécie torna-se apenas um meio para ele.
(3) Então, o trabalho alienado converte a vida do homem
como membro da espécie, e também como propriedade
mental da espécie dele, em uma entidade estranha e em
um meio para sua existência individual. Ele aliena o homem
de seu próprio corpo, a natureza extrínseca, de sua vida
mental e de sua vida humana.

(4) Uma conseqüência direta da alienação do homem com


relação ao produto de seu trabalho, à sua atividade vital e a
sua vida como membro da espécie, é o homem ficar alienado
dos outros homens. Quando o homem se defronta consigo
mesmo, também está se defrontando com outroshomens.

O que é verdadeiro quanto à relação do homem com seu


trabalho, com o produto desse trabalho e consigo mesmo,
também o é quanto à sua relação com outros homens, com o
trabalho deles e com os objetos desse trabalho.

De maneira geral, a declaração de que o homem fica


alienado da sua vida como membro da espécie implica em
cada homem ser alienado dos outros, e cada um dos outros
ser igualmente alienado da vida humana.

A alienação humana, e acima de tudo a relação do homem


consigo próprio, é pela primeira vez concretizada e
manifestada na relação entre cada homem e os demais
homens. Assim, na relação do trabalho alienado cada homem
encara os demais de acordo com os padrões e relações em
que ele se encontra situado como trabalhador.

(XXV) Principiamos por uma fato econômico, a alienação


do trabalhador e de sua produção. Exprimimos esse fato em
termos conceituais comotrabalho alienado e, ao analisar o
conceito, limitamo-nos a analisar um fato econômico.

Examinemos, agora, mais além, como esse conceito de


trabalho alienado deve expressar-se e revelar-se na
realidade. Se o produto do trabalho me é estranho e
enfrenta-me como uma força estranha, a quem pertence ele?
Se minha própria atividade não me pertence, mas é uma
atividade alienada, forçada, a quem ela pertence? A um
ser, outro que não eu. E que é esse ser? Os deuses? É
evidente, nas mais primitivas etapas de produção adiantada,
por exemplo, construção de templos, etc., no Egito, Índia,
México, é nos serviços prestados aos deuses, que o produto
pertencia a estes. Mas os deuses nunca eram por si sós os
donos do trabalho humano; tampouco o era a natureza. Que
contradição haveria se quanto mais o homem subjugasse a
natureza com seu trabalho, e quanto mais as maravilhas dos
deuses fossem tornadas supérfluas pelas da industria, ele se
abstivesse da sua alegria em produzir e de sua fruição dos
produtos por amor a esses poderes!

O ser estranho a quem pertencem o trabalho e o produto


deste, a quem o trabalho é devotado, e para cuja fruição se
destina o produto do trabalho, só pode ser o próprio homem.
Se o produto do trabalho não pertence ao trabalhador, mas o
enfrenta como uma força estranha, isso só pode acontecer
porque pertence a um outro homem que não o trabalhador.
Se sua atividade é para ele um tormento, ela deve ser uma
fonte de satisfação e prazer para outro. Não os deuses nem a
natureza, mas só o próprio homem pode ser essa força
estranha acima dos homens.

Considere-se a afirmação anterior segundo a qual a


relação do homem consigo mesmo se concretiza e objetiva
primariamente através de sua relação com outros homens.
Se, portanto, ele está relacionado com o produto de seu
trabalho, seu trabalho objetificado, como com um
objetoestranho, hostil, poderoso e independente, ele está
relacionado de tal maneira que um outro homem, estranho,
hostil, poderoso e independente, é o dono de seu objeto. Se
ele está relacionado com sua atividade como com uma
atividade não-livre, então está relacionado com ela como uma
atividade a serviço e sob jugo, coerção e domínio de outro
homem.

Toda auto-alienação do homem, de si mesmo e da


natureza, aparece na relação que ele postula entre os outros
homens, ele próprio e a natureza. Assim a auto-alienação
religiosa é necessariamente exemplificada na relação entre
leigos e sacerdotes, ou, já que aqui se trata de uma questão
do mundo espiritual, entre leigos e um mediador. No mundo
real da prática, essa auto-alienação só pode ser expressa na
relação real, prática, do homem com seus semelhantes.
O meio através do qual a alienação ocorre é, por si
mesmo, um meio prático. Graças ao trabalho alienado, por
conseguinte, o homem não só produz sua relação com o
objeto e o processo da produção como com homens
estranhos e hostis, mas também produz a relação de outros
homens com a produção e o produto dele, e a relação entre
ele próprio e os demais homens. Tal como ele cria sua própria
produção como uma perversão, uma punição, e seu próprio
produto como uma perda, como um produto que não lhe
pertence, assim também cria a dominação do não-produtor
sobre a produção e os produtos desta. Ao alienar sua própria
atividade, ele outorga ao estranho uma atividade que não é
deste.

Apreciamos até aqui essa relação somente do lado do


trabalhador, e posteriormente a apreciaremos também do
lado do não-trabalhador.

Assim, graças ao trabalho alienado o trabalhador cria a


relação de outro homem que não trabalha e está de fora do
processo do trabalho, com o seu próprio trabalho. A relação
do trabalhador com o trabalho também provoca a relação do
capitalista (ou como quer que se denomine ao dono da mão-
de-obra) com o trabalho. A propriedade privada é, portanto, o
produto, o resultado inevitável, do trabalho alienado, da
relação externa do trabalhador com a natureza e consigo
mesmo.

A propriedade privada, pois, deriva-se da análise do


conceito de trabalho alienado: isto é, homem alienado,
trabalho alienado, vida alienada, e homem afastado.

Está claro que extraímos o conceito de trabalho alienado


(vida alienada) da Economia Política, partindo de uma análise
do movimento da propriedade privada. A análise deste
conceito, porém, mostra que embora a propriedade privada
pareça ser a base e causa do trabalho alienado, é antes uma
conseqüência dele, tal e qual os deuses não
são fundamentalmente a causa, mas o produto de confusões
da razão humana. Numa etapa posterior, entretanto, há uma
influência recíproca.
Só na etapa final da evolução da propriedade privada é
revelado o seu segredo, ou seja, que é, de um lado,
o produto do trabalho alienado, e do outro, o meio pelo qual o
trabalho é alienado, a realização dessa alienação.

Esta elucidação lança luz sobre diversas controvérsias não


solucionadas:

(1) A Economia Política inicia tomando o trabalho como a


verdadeira alma da produção e, a seguir, nada lhe atribui,
concedendo tudo à propriedade privada. Proudhon,
defrontando-se com essa contradição, decidiu em favor do
trabalho contra a propriedade privada. Percebemos, contudo,
que essa aparente contradição é a contradição do trabalho
alienado consigo mesmo e que a Economia Política
meramente formulou as leis do trabalho alienado.

Observamos, também, por conseguinte, que salários e


propriedade privada são idênticos, porquanto os salários
como o produto ou objetivo do trabalho, o próprio trabalho
remunerado, são apenas conseqüência necessária da
alienação do trabalho. No sistema de salários, o trabalho
aparece não como um fim por si mas como o servo dos
salários. Mais tarde nos entenderemos sobre isto, limitando-
nos, aqui, a desvendar algumas das conseqüências (XXVI).

Um aumento de salários imposto (desprezando outras


dificuldades, e especialmente a de que uma anomalia dessas
só poderia ser mantida pela força) não passaria de
uma remuneração melhor de escravos, e não restauraria, seja
para o trabalhador seja para o trabalho, seu significado e
valor humanos.

Mesmo a igualdade das rendas que Proudhon exige só


modificaria a relação do trabalhador de hoje em dia com seu
trabalho em uma relação de todos os homens com o trabalho.
A sociedade seria concebida, então, como um capitalista
abstrato.

(2) Da relação do trabalho alienado com a propriedade


privada também decorre que a emancipação da sociedade da
propriedade privada, da servidão, assume a forma política
de emancipação dos trabalhadores; não no sentido de só
estar em jogo a emancipação destes, mas por essa
emancipação abranger a de toda a humanidade. Pois toda
servidão humana está enredada na relação do trabalhador
com a produção, e todos os tipos de servidão são somente
modificações ou corolários desta relação.

Como descobrimos o conceito de propriedade privada por


uma análise do conceito de trabalho alienado, com o auxílio
desses dois fatores também podemos deduzir todas as
categorias da Economia Política, e em cada uma, isto é,
comércio, competição, capital, dinheiro, descobriremos só
uma expressão particular e ampliada desses elementos
fundamentais.

Sem embargo, antes de considerar essa estrutura,


tentemos solucionar dois problemas.

(1) Determinar a natureza geral da propriedade


privada como resultou do trabalho alienado, em sua relação
com a propriedade humana e social genuína.

(2) Tomamos como fato e analisamos a alienação do


trabalho. Como sucede, podemos indagar, que o homem
aliene seu trabalho? Como essa alienação se alicerça na
natureza da evolução humana? Já fizemos muito para
resolver o problema, visto termos transformado a questão
referente ãorigem da propriedade privada em uma questão
acerca da relação entre trabalho alienado e o processo de
evolução da humanidade. Pois, ao falar de propriedade
privada, acredita-se estar lidando com algo extrínseco à
espécie humana. Mas, ao falar de trabalho, lida-se
diretamente com a própria espécie humana. Esta nova
formulação do problema já encerra sua solução.

ad (1) A natureza geral da propriedade privada e sua


relação com a propriedade genuína.

Decompusemos o trabalho alienado em duas partes, que


se determinam mutuamente, ou melhor, constituem duas
expressões distintas de uma única relação. A
apropriação aparece
como alienação e alienação como apropriação; alienação
como aceitação genuína na comunidade.
Consideramos um aspecto, o trabalho alienado, em seus
reflexos no próprio trabalhador, isto é, a relação alienada do
trabalho humano consigo mesmo. E constatamos ser corolário
obrigatório dessa relação, a relação de propriedade do não-
trabalhador com o trabalhador e com o trabalho.
Apropriedade privada, como expressão material sinóptica
do trabalho alienado, inclui ambas as relações: a relação do
trabalhador com o trabalho, com o produto de seu trabalho e
com o não-trabalhador, e a relação do não-trabalhador com o
trabalhador e com o produto do trabalho deste.

Já vimos que em relação ao trabalhador, que apropria a


natureza por intermédio de seu trabalho, a apropriação se
afigura uma alienação, a atividade própria como atividade
para outrem e de outrem, a vida como sacrifício da vida, e a
produção do objeto como perda deste para uma força
estranha, um homem estranho. Consideremos, agora, a
relação deste homem estranho com o trabalhador, com o
trabalho e com o objeto do trabalho.

Deve ser observado, de início, que tudo que aparece ao


trabalhador como uma atividade de alienação, aparece ao
não-trabalhador como umacondição de alienação. Em
segundo lugar, a atitude prática real do trabalhador na
produção e face ao produto (como estado de espírito) afigura-
se ao não-trabalhador, que com ele se defronta, como uma
atitude teórica.

(XXVII) Em terceiro lugar, o não-trabalhador faz contra o


trabalhador tudo que este faz contra si mesmo, mas não faz
contra si próprio o que faz contra o trabalhador.

Examinemos mais de perto essas três relações.

[o manuscrito interrompe-se aqui]

Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx
Segundo Manuscrito

A Relação da Propriedade Privada

(XL) . . . forma os juros de seu capital. O trabalhador é a


manifestação subjetiva do fato de o capital ser o homem
inteiramente perdido para si mesmo, assim como o capital é a
manifestação objetiva do fato de o trabalho ser o homem
perdido para si mesmo. Contudo, o trabalhador tem o
infortúnio de ser um capital vivo, um capital com
necessidades, que se deixa privar de seus interesses e,
conseqüentemente, seu ganha-pão, todo momento em que
não se acha trabalhando. Como capital, o valor do
trabalhador varia conforme a oferta e a procura, e
sua existência física, sua vida, foi e é considerada um estoque
de mercadoria, similar a qualquer outra. O trabalhador produz
capital e o capital produz o trabalhador. Assim, ele se produz
a si mesmo, e o homem como trabalhador, como utilidade, é
o produto de todo esse processo. O homem é simplesmente
umtrabalhador, e como tal suas qualidades humanas só
existem em proveito do capital que lhe é estranho. Como
trabalho e capital são estranhos um ao Outro, e por isso
relacionados unicamente de maneira acidental e exterior,
esse caráter de alienação tem de aparecer na realidade. Logo
que ocorre ao capital — seja forçada seja voluntariamente —
não existir mais para o trabalhador, ele não mais existe para
si mesmo: ele não temtrabalho, nem salários, e como existe
exclusivamente como trabalhador e não como ser
humano, pode perfeitamente deixar-se enterrar, morrer a
míngua, etc, O trabalhador só é trabalhador quando existe
como capital para si próprio, e só existe como capital
quando há capital para ele. A existência do capital é a
existência dele, sua vida, visto determinar o conteúdo de sua
vida independentemente dele. A Economia Política, pois, não
reconhece o trabalhador desocupado, o homem capaz de
trabalhar, uma vez colocado fora dessa relação de trabalho.
Vigaristas, ladrões, mendigos, os desempregados, o
trabalhador faminto, indigente e criminoso, são figuras não
existentes para a Economia Política, mas apenas para os
olhos de outros: médicos, juízes, coveiros, burocratas, etc.
Eles são figuras fantasmagóricas fora do domínio da
Economia. As necessidades do trabalhador, portanto,
reduzem-se à necessidade de mantê-lo durante o trabalho, de
molde a não se extinguir a raça de trabalhadores.
Conseqüentemente, os salários têm exatamente o mesmo
significado da manutenção de qualquer outro instrumento de
produção e do consumo de capital em geral, de modo a que
este possa reproduzir-se a si mesmo com juros. Ë como o
óleo aplicado a uma roda para conservá-la rodando. Os
salários, portanto, formam parte dos custos necessários do
capital e do capitalista, e não devem exceder ao montante
assim necessário. Por isso, era assaz lógico para os donos de
fábricas ingleses, antes da Emenda de 1834, deduzir dos
salários as esmolas públicas recebidas pelos trabalhadores
através das taxas estabelecidas pela lei de assistência aos
pobres, tratando-as como parte integrante dos respectivos
salários.

A produção não apenas produz o homem como


uma utilidade, a utilidade humana, o homem sob a forma
de mercadoria; de acordo com essa situação, produz o
homem como um ser mental e fisicamente desumanizado. —
Imoralidade, aborto, escravidão de trabalhadores e
capitalistas. — Seu produto é a mercadoria com consciência
própria e capacidade grande passo dado à frente por Ricardo,
Mill, etc., em contraposição a Smith eSay, declarar
a existência de seres humanos — a maior ou menor
produtividade humana da mercadoria —como indiferente, ou
deveras nociva. O verdadeiro objetivo da produção não é o
número de trabalhadores sustentados por determinado
capital, porém o volume de juros que ele adquire, a poupança
total anual. Foi, analogamente, um grande avanço lógico da
recente economia política inglesa (XLI) que, embora
estabelecendo o trabalhocomo seu princípio exclusivo,
distinguisse claramente a relação inversa entre salários e
juros do capital e observasse que, via de regra, o
capitalistasó poderia aumentar os ganhos pelo rebaixamento
dos salários e vice-versa. A relação normal é considerada
como sendo não a burla do consumidor, mas a trapaça mútua
de capitalista e trabalhador. A relação da propriedade privada
inclui em seu íntimo, em estado latente, a relação da
propriedade privada como trabalho, a relação da propriedade
privada como capital, e a influência recíproca de ambos. Por
um lado, é a produção da atividade humana
como trabalho, isto é, uma atividade alheia a si mesma, ao
homem e à natureza, e portanto alheia à consciência e à
realização da vida humana; a existência abstrata do homem
como um mero trabalhador que, por conseguinte, diariamente
salta de sua nulidade realizada para a nulidade absoluta, para
a não-existência social, e por isso real. Por outro lado, há a
produção de objetos do trabalho humano sob a forma de
capital, onde toda característica natural e social do objeto
é dissolvida, onde a propriedade privada perdeu sua
qualidade natural e social (e, portanto, perdeu totalmente seu
disfarce político e social e não mais se afigura vinculada às
relações humanas), e onde o mesmo capital permanece
o mesmonas mais diversas circunstâncias naturais e sociais,
sem relevância para o conteúdo real dele. Esta contradição,
em seu auge, é forçosamente o apogeu e o declínio da
relação inteira.

É, por conseguinte, outra grande conquista da recente


Economia Política inglesa ter definido o arrendamento da
terra como a diferença entre os rendimentos da terra pior
cultivada e da melhor, ter posto abaixo as ilusões românticas
do proprietário de terras — sua suposta importância social e a
identidade de seus interesses com os do conjunto da
sociedade (uma opinião sustentada por Adam Smith ainda
após os Fisiocratas) — e ter antecipado e preparado a
evolução da realidade que transformará o proprietário de
terras em um capitalista comum e prosaico e, portanto,
simplificará a contradição, superando-a e preparando sua
solução. A terra como terra, o arrendamento de terra como
arrendamento de terra,perderam sua diferenciação de status,
convertendo-se em meros capital e juros, ou, melhor,
capital e juros que só entendem a linguagem do dinheiro.

A distinção entre capital e terra, lucro e arrendamento de


terra, e a distinção entre salários, indústria,
agricultura, propriedade privada imóvel emóvel, é uma
distinção histórica, nunca uma distinção inscrita na natureza
das coisas. Ë uma etapa fixa na formação e desenvolvimento
da antítese entre capital e trabalho. Na indústria, etc., ao
contrário da propriedade agrária imóvel, só o modo de origem
e a antítese face à agricultura graças à qual a indústria se
desenvolveu, é manifestada. Como um género particular de
trabalho, como uma distinção mais significativa, importante e
global, ela existe apenas na medida em que a indústria (vida
urbana) se estabelece em oposição à propriedade agrária
(vida feudal aristocrática). Em uma situação assim, o trabalho
ainda parece ter um significado social, ainda tem o significado
de genuína vida comunal, e ainda não progrediu para
aneutralidade face a seu conteúdo, para uma auto-suficiência
completa, isto é, para um estado de abstração de todas as
outras existências e, pois, para o capital liberado.

(XLII) Mas, o desenvolvimento forçoso do trabalho é a


indústria liberta, constituída somente para si mesma, e
o capital liberado. O poder da indústria sobre seu opositor é
atestado pelo surto da agricultora como uma indústria
verdadeira, enquanto outrora a maior parte do trabalho era
deixada ao próprio solo e ao escravo do solo, graças ao qual a
terra se cultivava a si mesma. Com a transformação do
escravo em trabalhador livre,isto é, em assalariado, o próprio
dono da terra é transformado em um senhor da indústria, em
um capitalista.

Esta transformação tem lugar a princípio por intermédio


do lavrador rendeiro. Este, porém, é o representante,
o segredo revelado, do dono da terra. Só por meio dele o
dono da terra tem existência econômica, como possuidor de
propriedades; pois o arrendamento da terra só existe como
resultado da competição entre rendeiros. Assim, o dono da
terra já se converteu, na pessoa do rendeiro, em um
capitalista comum. E isso tem de Ser realizado na realidade;
o capitalista que dirige a agricultura (o rendeiro) tem de
transformar-se em dono da terra, ou vice-versa. O negócio
industrial do rendeiro é o do proprietário, pois a existência
daquele estabelece a deste.

Recordando suas origens e ascendência contrastantes, o


proprietário de terras identifica no capitalista seu sublevado,
liberado e enriquecido escravo de ontem, e vê-se como
uni capitalista ameaçado por ele. O capitalista vê o
proprietário de terras como o ocioso, crue1 e egoísta senhor
de ontem; ele sabe que o prejudica como capitalista, e, sem
embargo, que a indústria é responsável por sua presente
importância social, por suas posses e prazer. Ele
encara o proprietário de terras como a antítese da livre
iniciativa e do capital livre, que independe de toda limitação
natural. Esta oposição é extremamente acerba de ambos os
lados e cada um exprime a verdade acerca do outro. Basta ler
os ataques contra a propriedade imobiliária feitos pelos
representantes da propriedade móvel, e vice-versa, a fim de
se obter um quadro nítido de sua respectiva indignidade. O
proprietário de terras ressalta a nobre linhagem de sua
propriedade, reminiscências feudais, a poesia das
recordações, seu caráter generoso, sua importância política,
etc., e quando fala em termos econômicos afirma
que somente a agricultura é produtiva. Ao mesmo tempo,
descreve seu oponente como um indivíduo sonso, regateador,
impostor, mercenário, rebelde, impiedoso e desalmado, um
bandido extorsionista, mesquinho, servil, adulador, lisonjeiro
e ressequido, sem honra, princípios, poesia ou qualquer outra
coisa, alienado da comunidade que ele vende livremente, e
que alimenta, nutre e acalenta a competição e, com esta, a
pobreza, o crime e a dissolução de todos os laços sociais.
(Ver, entre outros, o fisiocrata Bergasse, que Camille
Desmoulins fustiga em seu diário Révolutions de France et de
Brabant; ver, também, von Vincke, Lancizolle, Halle, Leo,
Kosegarteu (1) e Sismondi.)

A propriedade móvel, por sua parte, indica o milagre da


indústria moderna e de sua expansão. E o filho, o filho nativo
e legítimo da era moderna. Apiada-se de seu oponente como
um simplório, ignorante de sua própria natureza (e isso é
inteiramente verdade) que quer substituir o capital
moralizado e o trabalho livre pela coação brutal e imoral e
pela servidão. Representa-o como um Don Quixote que, sob a
aparência de franqueza, decência, o interesse
geral e estabilidade, oculta sua incapacidade para expandir-
se, cobiça, egoísmo, interesse parcial e má intenção. Expõe-
no como monopolista; despeja água fria sobre suas
reminiscências, poesia e romantismo, por uma récita
histérico-satírica da baixeza, crueldade, degradação,
prostituição, infâmia, anarquia e revolta que pululavam nos
românticos castelos.
Ela (a propriedade móvel) alega ter conquistado a
liberdade política para o povo, retirado os grilhões que
tolhiam a sociedade civil, unido entre si mundos diferentes,
estabelecido o comércio que promove a amizade entre os
povos, criado uma moral pura e cultura agradável. Deu ao
povo, em lugar de suas necessidades cruéis, outras mais
civilizadas, assim como os modos de satisfazê-las. Mas, o
proprietário de terras — esse ocioso especulador de cereais —
aumenta o preço das necessidades básicas da vida do povo e,
por isso, obriga o capitalista a elevar os salários sem ser
capaz de aumentar a produtividade, tolhendo assim e
finalmente impedindo o crescimento da renda nacional e a
acumulação de capital da qual depende a criação de trabalho
para o povo e de riquezas para o país. Ele dá lugar a um
declínio generalizado, e parasitariamente explora todas as
vantagens da civilização moderna sem fazer a mínima
contribuição para esta, e sem abandonar qualquer de seus
preconceitos feudais. Finalmente, faz com que ele — para
quem o amanho do solo e a própria terra só existem como
uma fonte de dinheiro mandada pelo céu —encare
o rendeiro e diga se ele próprio não é um canalha íntegro,
fantástico e ladino que, no fundo do coração e realmente, de
há muito foi conquistado pela livreindústria e
pelas delíciais do comércio, por mais que possa resistir-lhes e
murmurar acerca de recordações históricas ou de objetivos
morais e políticos. Tudo que ele de fato pode apresentar em
justificativa sé é verdade no tocante ao cultivador da terra (o
capitalista e seus empregados) de quem o dono da
terra é antes o inimigo; assim, ele depõe
contra si mesmo. Sem capital, a propriedade imobiliária é
coisa sem vida e sem valor. E, com efeito, a vitória civilizada
da propriedade móvel ter descoberto e criado o trabalho
humano como fonte da riqueza, em vez de coisas sem vida.
(Ver Paul Louis, Courier, Saint-Simon, Ganilh, Ricardo,
Mill, MacCulloch, Destutt de Tracy e Michel Chevalier.)

Da verdadeira marcha da evolução (a ser inserida aqui),


decorre a vitória fatal do capitalista, isto é, da propriedade
privada adiantada sobre a propriedade privada
subdesenvolvida e imatura representada pelo proprietário
imobiliário. Em geral, o movimento tem de triunfar da
imobilidade, a baixeza franca e autoconsciente da baixeza
disfarçada e inconsciente, avareza do esbanjamento, o
interesse próprio e capaz e confessadamente irrequieto
do esclarecimento do interesse próprio da superstição local,
prudente, simples, inativo e fantástico, e o dinheiro das
outras formas de propriedade privada.

Os Estados que pressentem o perigo representado pela


livre indústria plenamente desenvolvida, pela moralidade pura
e pelo comércio fomentador da amizade entre os povos,
tentam, mas assaz em vão, obstar a capitalização da
propriedade agrária.

A propriedade agrária, ao contrário do capital, é


propriedade privada, capital, ainda afligido por
preconceitos locais e políticos; é capital que ainda não
emergiu de seu envolvimento com o capital mundial não-
desenvolvido. No decurso de sua formação numa escala
mundial ela tem do alcançar sua expressão abstrata, isto
é, pura.

As relações da propriedade privada são capital, trabalho, e


suas interconexões.

Os estágios por que esses elementos têm de passar são:

Primeiramente, união mediata e não-mediata dos dois – O


capital e o trabalho a princípio ainda estão unidos; depois,
com efeito, separam-se e alienam-se um do outro, mas
desenvolvendo-se e fomentando-se reciprocamente como
condições positivas.

Oposição entre os dais — eles excluem-se mutuamente; o


trabalhador identifica o capitalista como sua própria não-
existência e vice-versa; cada um procura privar o outro de
sua existência.

Oposição de cada um a si mesmo – Capital trabalho


acumulado = trabalho. Como tal, divide-se em capital
propriamente dito e juros; estes se dividem
em juros e lucro. Sacrifício completo d0 capitalista. Pie afunda
na classe trabalhadora, tal como o trabalhador — mas só
excepcionalmente — torna-se um capitalista. Trabalho como
um momento do capital, seu custo. Por isso, os salários são
um sacrifício de capital.

O trabalho divide-se em trabalho propriamente


dito e salários do trabalho. O próprio trabalhador como um
capital, uma mercadoria.

Choque das contradições recíprocas

[O segundo manuscrito termina aqui]

(1) Ver o palavroso teólogo hegeliano à moda antiga,


Funke, que, segundo Herr Leo, contou com lágrimas nos
olhos como um escravo recusara, quando foi abolida a
servidão, cessar de ser uma propriedade nobre. Ver, também,
o livro Patriotische Phantasien, de Justus Moser, que se
destaca pelo fato de nunca abandonar, por nenhum
momento, o horizonte ingênuo, pequeno-burguês, "feito em
casa", comum e limitado do filisteu, e no entanto permanece
sendo pura fantasia. Essa contradição tornou essas fantasias
tão aceitáveis ao espírito alemão.

Notas:

(1) Ver o palavroso teólogo hegeliano à moda antiga,


Funke, que, segundo Herr Leo, contou com lágrimas nos
olhos como um escravo recusara, quando foi abolida a
servidão, cessar de ser uma propriedade nobre. Ver, também,
o livro Patriotische Phantasien, de Justus Moser, que se
destaca pelo fato de nunca abandonar, por nenhum
momento, o horizonte ingênuo, pequeno-burguês, "feito em
casa", comum e limitado do filisteu, e no entanto permanece
sendo pura fantasia. Essa contradição tornou essas fantasias
tão aceitáveis ao espírito alemão. (retornar ao

Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx

Terceiro Manuscrito
Propriedade Privada e Trabalho

(1) ad página XXXVI. A essência subjetiva da propriedade


privada, a propriedade privada como atividade em si mesma,
como sujeito, comopessoa, é trabalho. É evidente, portanto,
que só a Economia Política que reconheceu o trabalho por
princípio (Adam Smith) e que não mais viu na propriedade
privada unicamente uma condição extrínseca ao homem,
pode ser considerada tanto um produto do dinamismo real
e expansão da propriedade privada[N1], um produto
da indústria moderna, quanto uma força que acelerou e
exaltou o dinamismo e o desenvolvimento da industria e
tornou-a uma potência no plano da consciência.

Assim, em vista dessa economia política esclarecida que


descobriu a essência subjetiva da riqueza dentro da estrutura
da propriedade privada, os partidários do sistema monetário e
do mercantilismo, para quem a propriedade privada é uma
entidade puramente objetiva para o homem, nãofetichistas e
católicos. Engels está certo, por isso, de chamar Adam
Smith o Lutero da Economia Política. Assim
como Lutero reconheceu a religião e a fé como a essência do
mundo real, e por essa razão assumiu uma posição adversa
ao paganismo cristão; assim como ele anulou a
religiosidadeexterna ao mesmo passo que fazia da
religiosidade a essência interior do homem; assim como ele
negou a distinção entre sacerdote e leigo porque transferiu o
sacerdócio para o coração do leigo; também a riqueza
extrínseca ao homem e dele independente (só podendo, pois,
ser adquirida e conservada de fora) é anulada. Isso quer
dizer, sua objetividade externa e indiferente é anulada pelo
fato de a propriedade privada ser incorporada ao próprio
homem, e de ser o próprio homem reconhecido como sua
essência. Mas, como resultado, o próprio homem é levado
para a esfera da propriedade privada, exatamente como,
com Lutero, é levado para a da religião. Sob o disfarce de
reconhecer o homem, a economia política, cujo princípio é o
trabalho, leva à sua lógica conclusão a negação do homem. O
próprio homem não mais é uma condição da tensão externa
com a substância externa da propriedade privada; ele próprio
se converteu na entidade oprimida por tensões, que é a da
propriedade privada. O que era anteriormente um fenômeno
de ser extrínseco a si mesmo, uma manifestação extrínseca
real do homem, transformou-se, agora no ato de objetivação,
de alienação. Esta economia política parece, por conseguinte,
a princípio, reconhecer o homem com sua independência, sua
atividade pessoal, etc. Ela incorpora a propriedade privada à
essência mesma do homem, e não é mais, portanto,
condicionada pelas características locais ou nacionais da
propriedade privada considerada como existente fora dela
mesma. Ela manifesta uma atividade cosmopolita, universal,
que destrói todos os limites e todos os vínculos, reputando-se
a si mesma como a única orientação, a única universalidade,
o único limite e o único vínculo. Em seu desenvolvimento
ulterior, contudo, vê-se obrigada a rejeitar essa hipocrisia e a
mostrar-se em todo o seu cinismo. Faz isso, sem qualquer
consideração pelas contradições aparentes a que sua doutrina
conduz, revelando por uma outra maneira unilateral, e por
isso com maior lógica e clareza, que o trabalho é a
única essência da riqueza, e demonstrando que essa doutrina,
ao contrário da concepção original, tem
conseqüênciasdaninhas ao homem. Finalmente, ela aplica o
golpe de morte à renda da terra, aquela última forma
individual e natural da propriedade privada e fonte de riqueza
existente independentemente do movimento do trabalho que
foi a expressão da propriedade feudal, mas tornou-se
inteiramente sua expressão econômica e não mais consegue
oferecer qualquer resistência à economia política. (A Escola
de Ricardo.)

Não só o cinismo da Economia Política aumenta a partir


de Smith, passando por Say, Ricardo, Mill, etc., uma vez que
para este último as conseqüências da industria se afiguraram
cada vez mais ampliadas e contraditórias; sob um ponto de
vista positivo elas tornaram-se mais alienadas, e mais
conscientemente alienadas, do homem, em comparação com
suas predecessoras. Isso é somente porque sua ciência se
expande com maior lógica e verdade. Posto que eles fazem a
propriedade privada em sua forma ativa formar o tema, e
posto que ao mesmo tempo fazem o homem como não-
entidade tornar-se uma entidade, a contradição na realidade
corresponde inteiramente à essência contraditória por eles
aceita como princípio. A realidade dividida (II)
da indústria está longe de refutar, antes confirma, seu
princípio de autodivisão. Seu princípio, com efeito, é o
princípio dessa divisão.

A doutrina fisiocrática de Quesnay constitui a transição do


sistema mercantilista para Adam Smith. A Fisiocracia é, em
seu sentido direto, a decomposição econômica da propriedade
feudal, mas, por essa razão, é da mesma forma direta
a transformação econômica, o restabelecimento, desta
mesma propriedade feudal, com a diferença de sua linguagem
não ser mais feudal porém econômica. Toda a riqueza se
reduz a terra e cultivo(agricultura). A terra ainda não e
capital, mas sim um modo particular de existência de capital,
cujo valor se diz residir em sua particularidade natural, da
qual provém; a terra, não obstante, é um elemento natural e
universal, ao passo que o sistema mercantilista só encarava
os metais preciosos como riquezas. O objeto da riqueza, sua
matéria, por esse motivo recebeu sua máxima universalidade
dentro dos limites naturais - uma vez que é também, como
natureza, riqueza diretamente objetiva. E é só pelo trabalho,
pela agricultura, que a terra existe para o homem.
Conseqüentemente, a essência subjetiva da riqueza já está
transferida para o trabalho. Mas, simultaneamente, a
agricultura e o único trabalho produtivo. O trabalho, pois,
ainda não assumiu sua universalidade e sua forma abstrata;
ele ainda se acha unido a um elemento particular
danatureza como sendo a sua matéria, e só é reconhecido em
um modo especial de existência determinado pela natureza. O
trabalho é ainda, apenas, uma alienação determinada e
específica do homem, e seu produto também é concebido
como parte determinada da riqueza devida mais à natureza
do que ao trabalho propriamente dito. A terra ainda é vista
como algo existente naturalmente e sem levar em conta o
homem, e não ainda como capital, isto é, como fator do
trabalho. Pelo contrario, a terra parece ser um fator
da natureza. Porém, desde que o fetichismo da antiga riqueza
externa, existente somente como objeto, foi reduzido a um
elemento natural bastante simples, e desde que sua essência
foi em parte, e de certa maneira, reconhecida em sua
existência, subjetiva, realizou-se o necessário progresso ao
identificar-se a natureza universal da riqueza e ao elevar o
trabalho à sua forma absoluta, ou seja, em abstrato, ao
princípio. Demonstra-se, contra os fisiocratas, que, sob o
ponto de vista econômico (i. é, sob o único ponto de vista
válido), a agricultura não difere de qualquer outra indústria,
não sendo, por conseguinte, um gênero específico de
trabalho, ligado a um elemento particular, ou a uma
manifestação particular do trabalho, mas o trabalho em
geral que e a essência da riqueza.

A aristocracia nega a riqueza específica, externa,


puramente objetiva, ao declarar que o trabalho é essência
dela. Para os fisiocratas, entretanto, o trabalho é, antes de
mais nada, apenas a essência subjetiva da propriedade
imobiliária. (eles partem daquele tipo de propriedade que
aparece historicamente como o predominantemente
reconhecido.) Simplesmente convertem a propriedade
imobiliária em homem alienado. Anulam seu caráter feudal ao
declarar ser a indústria (agricultura) a essência, mas rejeitam
o mundo industrial e aceitam o sistema feudal ao declarar que
a agriculturae a única indústria.

É evidente que quando a essência subjetiva - indústria em


oposição a propriedade agrária, indústria formando-se a si
mesma como tal - é percebida, ela inclui a oposição dentro de
si mesma. Pois, assim como a indústria incorpora a
propriedade agrária por ela desbancada, sua essência
subjetiva abarca a desta.

A propriedade agrária (ou imobiliária) é a primeira forma


de propriedade privada, e a indústria aparece pela primeira
vez na história simplesmente em oposição a ela, como uma
forma particular de propriedade privada (ou melhor, como o
escravo libertado da propriedade agrária); essa seqüência se
repete no estudo científico da essência subjetiva da
propriedade privada, e o trabalho aparece, a princípio, apenas
como trabalho agrícola, mas depois estabelece-se como
trabalho em geral.

(III) Toda riqueza transformou-se em riqueza industrial, a


riqueza do trabalho e a indústria é trabalho concretizado;
exatamente como o sistema fabril é a essência concretizada
da indústria (i. é, do trabalho) e o capital industrial é a forma
objetiva concretizada da propriedade privada. Assim, vemos
que é só nesta etapa que a propriedade privada pode
consolidar seu domínio sobre o homem e tornar-se, em sua
forma mais genérica, uma potência na história mundial.

Notas:

[1] É o movimento Independente da propriedade privada tornando-se consciente de


si mesma; é a industria moderna como Pessoa. (retornar ao texto)

Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx

Terceiro Manuscrito

Propriedade Privada e Comunismo

ad página XXXIX. Todavia, a antítese entre a não-posse


de propriedade (*) e propriedade ainda é uma antítese
indeterminada, não concebida em sua referência ativa às
relações intrínsecas, não concebidas ainda como uma contra
dição, desde que não é compreendida como uma antítese
entre trabalho e capital. Mesmo sem a expansão evoluída da
propriedade privada, p. ex., na Roma antiga, na Turquia, etc.,
esta antítese pode ser expressa em uma forma primitiva.
Nesta forma, ela não aparece ainda como estabelecida pela
própria propriedade privada. O trabalho, porém, a essência
subjetiva da propriedade privada como exclusão de
propriedade, e o capital, trabalho objetivo como exclusão de
trabalho, constituempropriedade privada como a relação
ampliada da contradição e, pois, uma relação dinâmica que
tende a resolver-se.

ad ibidem. A substituição do auto-alheamento segue a


mesma marcha do auto-alheamento. A propriedade privada é
primeiro considerada somente em seu aspecto objetivo, mas
considerado o trabalho como sua essência. Sua maneira de
existir, portanto, é o capital, que é necessário abolir, "como
tal". (Proudhon.) Ou, então, a forma específica de trabalho
(trabalho que é levado a um nível comum, subdividido e, por
isso, não-livre) é visto como a fonte da nocividade da
propriedade privada e de sua alienação em relação ao
homem. Fourier, de acordo com os Fisiocratas, encara
otrabalho agrícola como sendo, no mínimo, o tipo exemplar
de trabalho. Saint-Simon assevera, pelo contrário, ser
o trabalho industrial, como tal, a essência do trabalho, e em
conseqüência pleiteia o papel exclusivo dos industriais e um
melhoramento da situação dos operários. Finalmente,
ocomunismo e a expressão positiva da abolição da
propriedade privada e, em primeiro lugar, da propriedade
privada universal. Entendendo essa relação em seu aspecto
universal, o comunismo é (1) em sua primeira forma, apenas
a generalização e concretização dessa relação. Como tal, ele
aparece numa forma dupla; a ascendência da propriedade
material avulta de tal maneira que visa a destruir tudo que
for incapaz de ser possuído por todos como propriedade
privada. Ele quer abolir o talento, etc., pela força. A posse
física imediata parece-lhe a única meta da vida e da
existência. O papel do trabalhador não é abolido, mas
ampliado a todos os homens. A relação da propriedade
privada continua a ser a da comunidade com o mundo das
coisas. Por fim, essa tendência a opor a propriedade privada
em geral à propriedade privada é expressa de maneira
animal; o casamento(que é incontestavelmente a forma de
propriedade privada exclusiva) é posto em contraste com a
comunidade das mulheres, em que estas se tornam comunais
e propriedade comum. Pode-se dizer que essa idéia
de comunidade das mulheres é o segredo de Polichinelo desse
comunismo inteiramente vulgar e irrefletido. Assim como as
mulheres terão de passar do matrimônio para a prostituição
universal, igualmente todo o mundo das riquezas (i. é, o
mundo objetivo do homem) terá de passar da relação de
casamento exclusivo com o proprietário particular para a de
prostituição universal com a comunidade. Esse comunismo,
que nega a personalidade do homem em todos os setores, é
somente a expressão lógica da propriedade privada, que é
essa negação. A inveja universal estabelecendo-se como uma
potência é apenas uma forma camuflada de cupidez que se
reinstaura e satisfaz de maneira diferente. Os pensamentos
de toda propriedade privada individual são, pelo menos,
dirigidos contra qualquer propriedade privada mais abastada,
sob a forma de inveja e do desejo de reduzir tudo a um nível
comum; destarte, essa inveja e nivelamento por baixo
constituem, de fato, a essência da competição. O comunismo
vulgar é apenas o paroxismo de tal inveja e nivelamento por
baixo, baseado em um mínimo preconcebido. Quão pouco
essa eliminação da propriedade privada representa uma
apropriação genuína é demonstrado pela negação abstrata de
todo o mundo da cultura e da civilização, e pelo retorno â
simplicidade inatural (IV) do pobre e indigente que não só
ainda não ultrapassou a propriedade privada, mas nem ainda
a atingiu.

A comunidade é só uma comunidade de trabalho e


de igualdade de salários pagos pelo capital comunal,
pela comunidade como capitalista universal. Os dois aspectos
da relação são elevados a uma suposta universalidade;
o trabalho como uma situação em que todos são colocados, e
ocapital como a universalidade e poder admitidos na
comunidade.

Na relação com a mulher, como presa e serva da luxúria


comunal, manifesta-se a infinita degradação em que o
homem existe para si mesmo; pois o segredo dessa relação
encontra sua expressão inequívoca, inconteste, franca e
patente na relação do homem com a mulher e na maneira
pela qual se concebe a relação direta e natural da espécie. A
relação imediata, natural e necessária de ser humano como
ser humano é também a relação do homem com a mulher.
Nesta relação natural da espécie, a relação do homem com a
natureza é diretamente sua relação com o homem, e sua
relação com o homem é diretamente sua relação com a
natureza, com sua própria função natural. Portanto, nessa
relação se revela sensorialmente, reduzida a
um fato observável, até que ponto a natureza humana se
tornou natureza para o homem e a natureza se tornou
natureza humana para ele. Dessa relação, pode-se estimar
todo o nível de evolução do homem. Conclui-se, do caráter
dessa relação, até que ponto o homem se tornou, e se
entende assim, um ser-espécie, um ser humano. A relação do
homem com a mulher é a mais natural de ser humano com
ser humano. Ela indica, por conseguinte, até que ponto o
comportamento natural do homem se tornou humano, e até
que ponto sua essência humana se tornou uma essência
natural para ele, até que ponto sua natureza humana se
tornou natureza para ele. Também mostra até que ponto
as necessidades do homem se tornaram
necessidades humanas e, conseqüentemente, até que ponto a
outra pessoa, como pessoa, se tornou uma de suas
necessidades, e até que ponto ele é, em sua existência
individual, ao mesmo tempo um ser social. A primeira
anulação positiva da propriedade privada, o comunismo
vulgar, é, portanto, apenas uma forma fenomenal da infâmia
da propriedade privada representando-se como comunidade
positiva.

(2) O comunismo (a) ainda político em sua natureza,


democrático ou despótico; (b) com a abolição do Estado, mas
ainda incompleto e influenciado pela propriedade privada, isto
é, pela alienação do homem. Em ambas as formas, o
comunismo já se dá conta de ser a reintegração do homem,
seu retorno a si mesmo, o repúdio da auto-alienação do
homem. Porém, como ainda não aprendeu a natureza positiva
da propriedade privada, ou a natureza humana das
necessidades, ainda se acha cativo e contaminado pela
propriedade privada. Compreendeu bem o conceito, mas não
a essência.

(3) O comunismo é a abolição positiva da propriedade


privada, da auto-alienação humana e, pois, a verdadeira
apropriação da natureza humana através do e para o homem.
ele é, portanto, o retorno do homem a si mesmo como um
ser social, isto é, realmente humano, um regresso completo e
consciente que assimila toda a riqueza da evolução prece
dente. O comunismo como um naturalismo plenamente
desenvolvido é humanismo e como humanismo plenamente
desenvolvido é naturalismo. É a resolução definitiva do
antagonismo entre o homem e a natureza, e entre o homem
e seu semelhante. É a verdadeira solução do conflito entre
existência e essência, entre objetificação e auto-afirmação,
entre liberdade e necessidade, entre indivíduo e espécie. É a
resposta ao enigma da História e tem conhecimento disso.

(V) Assim, todo o desenvolvimento histórico, tanto a


gênese real do comunismo (o nascimento de sua existência
empírica) quanto sua consciência pensante, e seu processo
entendido e consciente de vir-a-ser; ao passo que o outro, o
comunismo ainda não desenvolvido procura, em certas
formas históricas contrarias a propriedade privada, uma
justificação baseada no que já existe e, com esse fito, arranca
de seu contexto elementos isolados desse desenvolvimento
(Cabet e Villegardelle destacam-se entre os que se dedicam a
esse passatempo), apresentando-os como provas de
seu pedigree histórico. Ao fazê-lo ele deixa claro que, de
longe, a mor parte desse desenvolvimento contradiz suas
próprias afirmações e que, se jamais existiu, sua existência
pretérita refuta sua pretensão a entidade essencial.

É fácil entender a necessidade que leva todo movimento


revolucionário a encontrar sua base empírica, assim como a
teórica, na evolução dapropriedade privada e, mais
precisamente, do sistema econômico.

Essa propriedade privada material,


diretamente perceptível, é a expressão material e sensória da
vida humana alienada. Seu movimento produção e consumo -
e a manifestação sensória do movimento de toda a produção
anterior, i. é, a realização ou realidade do homem. A religião,
a família, o Estado, o Direito, a moral, a ciência, a arte, etc.,
são apenas formas particulares de produção e enquadram-se
em sua lei geral. A substituição positiva da propriedade
privada como apropriação da vida humana, portanto, é a
substituição de toda alienação, e o retorno do homem, da
religião, do Estado, da família, etc., para sua vida humana,
i.é, social. A alienação religiosa como tal, ocorre somente no
campo da consciência, na vida interior do homem, mas a
alienação econômica e a da vida real, e por isso, sua
substituição afeta ambos os aspectos. Está claro, a evolução
em diferentes nações tem início diferente, conforme a vida
efetiva e estabelecida das pessoas esteja mais vinculada ao
reino da mente ou ao mundo exterior, seja mais uma vida
real ou ideal. O comunismo começa onde começa o ateísmo
(Owens), mas o ateísmo de início está bem longe de
sercomunismo; de fato, ele é, na maior parte, ainda uma
abstração. Assim, a filantropia do ateísmo é, a princípio,
unicamente uma filantropia filosófica abstrata, enquanto a do
comunismo é desde logo real e orientada e voltada para
a ação.

Vimos como, na suposição da propriedade privada ter sido


positivamente revogada, o homem produz o homem, a si
mesmo e a outros homens; como o objeto que é a atividade
direta de sua personalidade, ao mesmo tempo é a existência
dele para outros homens e a destes para ele. Analogamente,
o material do trabalho e o próprio homem como sujeito são o
ponto de partida, bem como o resultado, desse movimento (e
porque deve haver esse ponto de partida, a propriedade
privada é uma necessidade histórica). Por conseguinte, o
caráter social e o caráter universal de todo o movimento; da
mesma forma que a sociedade produz
o homem como homem, também ela é produzida por ele. A
atividade e o espírito são sociais em seu conteúdo, assim
como em sua origem; eles são atividade social e
espírito social. O significado humano da natureza só existe
para o homemsocial, porque só neste caso a natureza é
um laço com outros homens, a base de sua existência para
outros e da existência destes para ele. Só, então, a natureza
e a base da própria experiência humana dele e um elemento
vital da realidade humana. A existência natural do homem
tornou-se, com isso, sua existência humana, e a própria
natureza tornou-se humana para ele. Logo, a sociedade é a
união efetiva do homem com a natureza, a verdadeira
ressurreição da natureza, o naturalismo realizado do homem
e o humanismo realizado da natureza.

(VI) A atividade social e o espírito social não existem


apenas, de forma alguma, sob a forma de atividade ou
espirito que sela diretamente comunal. Sem embargo, a
atividade e o espírito comunais, i. é, atividade e espírito que
se exprimem e confirmam diretamente em associação
realcom outros homens, ocorrem sempre onde essa
expressão direta de sociabilidade brote do conteúdo da
atividade ou corresponda à natureza do espírito.

Ainda quando realizo trabalho cientifico, etc., uma


atividade que raramente posso conduzir em associação direta
com outros homens, efetuo um ato social, por ser humano.
Não é só o material de minha atividade - como a própria
língua que o pensador utiliza - que me é dado como um
produto social. Minha própria existência é uma atividade
social. Por essa razão, o que eu próprio produzo, o faço para
a sociedade, e com a consciência de agir como um ser social.

Minha consciência universal é apenas a


forma teórica daquela cuja forma viva é a comunidade real, a
entidade social, embora no presente essa
consciência universal seja uma abstração da vida real e
oposta a esta como uma inimiga. Por isso é que
a atividade de minha consciência universal como tal é minha
existência teórica como um ser social.

Acima de tudo, é mister evitar conceber a "sociedade"


uma vez mais como uma abstração com que se defronta o
indivíduo. O indivíduo é o ser social. A manifestação da vida
dele - ainda quando não apareça diretamente sob a forma de
manifestação comunal, realizada em associação com outros
homens - é, por conseguinte, uma manifestação e afirmação
de vida social. A vida humana individual e a vida-espécie não
são coisas diferentes, conquanto o modo de existência da
vida individual seja um modo mais especifico ou mais geral da
vida-espécie, ou da vida-espécie seja um modo mais
específico ou mais geral da vida individual.

Em sua consciência como espécie, o homem confirma sua


verdadeira vida social, e reproduz sua existência real em
pensamento; reciprocamente, a vida-espécie confirma-se na
consciência como espécie e existe por si mesma em sua
universalidade como ser pensante. Embora o homem seja um
indivíduo original, e é justamente esta particularidade que o
torna um indivíduo, um ser comunal realmente individual -
ele é igualmente o conjunto, o conjunto ideal, a existência
subjetiva da sociedade como é imaginada e vivenciada. Ele
existe na realidade como a representação e o verdadeiro
espirito da existência social, e como a soma da manifestação
humana da vida.

Pensar e ser são deveras distintos, mas também formam


uma unidade. A morte parece ser uma impiedosa vitória da
espécie sobre o indivíduo e contradizer sua unidade; porém, o
indivíduo em particular é apenas um determinado ente-
espécie, e, como tal, mortal.
(4) Tal e qual a propriedade privada é a mera expressão
sensorial do fato de o homem ser ao mesmo tempo um fato
objetivo para si mesmo e tornar-se um objeto estranho e
não-humano para si mesmo; tal e qual sua manifestação de
vida é também sua alienação da vida e sua realização própria
uma perda da realidade, o aparecimento de uma
realidade estranha, assim também a revogação positiva da
propriedade privada, i. é, a apropriação sensorial da essência
humana e da vida humana do homem objetivo e
das criações humanas, pelo e para o homem, não devem ser
consideradas exclusivamente na acepção de fruição imediata
e exclusiva, ou na de possuir ou ter. O homem apropria seu
ser multiforme de maneira global, e portanto como homem
integral. Todas as suas relações humanas com o mundo - ver,
ouvir, cheirar, saborear, pensar, observar, sentir, desejar,
agir, amar - em suma, todos os órgãos de sua
individualidade, como órgãos que são de forma diretamente
comunal (VII), são, em sua ação objetiva (sua ação com
relação ao objeto) a apropriação desse objeto, a apropriação
da realidade humana. A maneira pela qual eles reagem ao
objeto é a confirmação da realidade humana. (1) É
efetividade humana e sofrimento humano, pois o sofrimento,
considerado humanamente, é uma fruição do eu pelo homem.

A propriedade privada tornou-nos tão néscios e parciais


que um objeto só e nosso quando o temos, quando existe
para nós como capital ou quando é diretamente comido,
bebido, vestido, habitado, etc., em síntese, utilizado de
alguma forma; apesar de a propriedade privada propriamente
dita só conceber essas várias formas de posse como meios de
vida e a vida para a qual eles servem como meios ser a vida
da propriedade privada - trabalho e criação de capital.

Assim, todos os sentidos físicos e intelectuais foram


substituídos pela simples alienação de todos eles, pelo sentido
de ter. O ser humano tinha de ser reduzido a essa pobreza
absoluta a fim de poder dar à luz toda sua riqueza interior.
(Sobre a categoria de ter ver Hess em Einundzwanzig
Bogen. )

A anulação da propriedade privada é, pois,


a emancipação completa de todos os atributos e sentidos
humanos. Ela é essa emancipação porque esses atributos e
sentidos tornaram-se humanos, tanto sob o ponto de vista
subjetivo quanto sob o objetivo. O olho tornou-se
olho humano quando seu objeto passou a ser um objeto
humano, social, criado pelo homem e a este destinado. Os
sentidos, portanto, tornaram-se direta mente teóricos na
prática. Eles se relacionam com a coisa em atenção a esta,
mas a própria coisa é uma relação humana objetiva consigo
mesma e com o homem, e vice-versa. (2) A necessidade e a
fruição, portanto, perderam seu caráter egoísta, e a natureza
perdeu sua mera utilidade pelo fato de sua utilização ter-se
tornado utilização humana.

Semelhantemente, os sentidos e os espíritos dos outros


homens tornaram-se sua própria apropriação. Logo, além
desses órgãos diretos, são constituídos órgãos sociais sob a
forma de sociedade; por exemplo, a atividade em associação
direta com outros tornou-se um órgão para a manifestação da
vida e um modo de apropriação da vida humana.

(1) Por conseguinte, ela valia tanto quanto as tendências


da natureza e das atividades humanas.

(2) Na prática, só posso relacionar-me de maneira


humana com uma coisa quando esta se relaciona de maneira
humana com o homem.

É evidente que o olho humano aprecia as coisas de


maneira diferente do olho bruto, não-humano, assim como
o ouvido humano diferentemente do ouvido bruto. Conforme
vimos, é só quando o objeto se torna um objeto humano,
ou humanidade objetiva, que o homem não fica perdido nele.
Isso somente é possível quando o objeto se torna um
objeto social, e quando ele próprio se torna um ser social e a
sociedade se torna para ele, nesse objeto, um ser.

Por um lado, é só quando a realidade objetiva em toda


parte se torna para o homem-em-sociedade a realidade das
faculdades humanas, a realidade humana, e portanto a
realidade de suas próprias faculdades, que todos
os objetos se tornam para ele a objetificação dele próprio. Os
objetos, então, confirmam e realizam a individualidade dele,
eles são os objetos dele próprio, i. e, o próprio homem torna-
se o objeto. A maneira pela qual esses objetos passam a ser
dele, depende da natureza do objeto e da natureza da
faculdade correspondente, pois é exatamente o caráter
determinado dessa relação que constitui o modo real
específico de afirmação. O objeto não e o mesmo para o olho
que para o ouvido, para o ouvido que para o olho. O caráter
distintivo de cada faculdade é precisamente sua
essência característica e, pois, também, o modo característico
de sua objetificação, de seu ser objetivamente real, vivo.
Portanto, não é apenas em pensamento (VIII), mas por
intermédio de todos os sentidos que o homem se afirma no
mundo objetivo.

Consideremos, a seguir, o aspecto subjetivo. O sentido


musical do homem só é despertado pela música. A mais bela
musica não tem significado para o ouvido não-musical, não e
um objeto para ele, porque meu objeto só pode ser a
corroboração de uma de minhas próprias faculdades. Ele só
pode existir para mim na medida em que minha faculdade
existe por si mesma como capacidade subjetiva, porquanto o
significado de um objeto para mim só se estende até onde o
sentido se estende (só faz sentido para um sentido
adequado). Por essa razão, os sentidos do homem social
sãodiferentes dos do homem não-social. E só por intermédio
da riqueza objetivamente desdobrada do ser humano que a
riqueza da sensibilidadehumana subjetiva (um ouvido
musical, um olho sensível à beleza das formas, em suma,
sentidos capazes de satisfação humana e que se confirmam
como faculdades humanas) é cultivada ou criada. Pois não
são apenas os cinco sentidos, mas igualmente os chamados
sentidos espirituais, os sentidos práticos (desejar, amar,
etc.), em suma, a sensibilidade humana e o caráter humano
dos sentidos, que só podem vingar através da existência de
seu objeto, através da natureza humanizada. O cultivo dos
cinco sentidos é a obra de toda a história anterior. O sentido
subserviente às necessidades grosseiras só tem um
significado restrito. Para um homem faminto, a forma
humana de alimento não existe, mas apenas seu caráter
abstrato como alimento. Poderia muito bem existir na mais
tosca forma, e é impossível afirmar de que modo essa
atividade de alimentar-se diferia da dos animais. O homem
necessitado, assoberbado de cuidados, não é capaz de
apreciar o mais belo espetáculo. O vendedor de minerais só
vê seu valor comercial, não sua beleza ou suas características
particulares; ele não possui senso mineralógico. Assim, a
objetificação da essência humana tanto teórica quanto
praticamente, é necessária para humanizar os
sentidos humanos, e também para criar os sentidos
humanoscorrespondentes a toda a riqueza do ser humano e
natural.

Exatamente como no início a sociedade encontra, graças


ao desenvolvimento da propriedade privada com sua riqueza
e pobreza (tanto intelectual quanto material), os materiais
necessários para essa evolução cultural, assim também a
sociedade plenamente constituída produz o homem em toda a
plenitude de seu ser, o homem rico dotado de todos os sen
tidos, como uma realidade permanente. E só em um contexto
social que subjetivismo e objetivismo, espiritualismo e
materialismo, atividade e passividade, deixam de ser
antinomias e, assim, deixam de existir como tais antinomias.
A resolução das contradições teóricas somente é possível
através de meios práticos, somente através da energia
prática do homem. Sua resolução não é, de forma alguma,
portanto, apenas um problema de conhecimentos, mas um
problema real da vida, que a filosofia foi incapaz de solucionar
exatamente porque viu nele um problema puramente teórico.

Pode ser notado que a história da indústria, e a indústria


como existe objetivamente, é um livro aberto das faculdades
humanas, e uma psicologia humana que pode ser apreendida
sensorialmente. Essa história não foi até aqui concebida com
relação à natureza humana, mas só sob um ponto de vista
utilitário superficial, desde que na situação de alienação só
era viável conceber faculdades humanas reais e ação
da espécie humana sob a forma de existência humana em
geral, como religião, ou como história em seu aspecto geral,
abstrato, como política, arte e literatura, etc. Aindústria
material quotidiana (que pode ser concebida como parte
daquela evolução geral; ou igualmente, a evolução geral pode
ser concebida como parte específica da industria, visto que
toda a atividade humana até agora tem sido trabalho, i. é,
indústria, atividade auto-alienação) revela-nos, sob a forma
de objetos úteis sensoriais, de maneira alienada,
as faculdades humanas essenciais transformadas em objetos.
Nenhuma psicologia para a qual esse livro, i. é, parte mais
sensivelmente presente e acessível da História, permaneça
fechado, pode tornar-se uma ciência de verdade com um
conteúdo genuíno. Que se deve pensar de uma ciência que se
mantém apartada de todo esse enorme campo do trabalho
humano e que não se sente sua própria inadequação, mesmo
que essa grande riqueza de atividade humana nada mais
signifique para ela senão, quiçá, o que pode ser expresso na
simples expressão - "necessidade", "necessidade comum"?

As ciências naturais desenvolveram uma atividade


tremenda e reuniram uma sempre crescente massa de dados.
Mas a filosofia tem-se mantido alheia a essas ciências,
exatamente como elas o têm feito em relação à filosofia. Seu
momentâneo rapprochement foi somente uma
ilusãofantasiosa. Havia um desejo de união, mas faltou o
poder para efetivá-la. A própria historiografia só leva a ciência
natural em conta fortuitamente, encarando-a como um fator
de esclarecimento, de utilidade prática e de determinados
grandes descobrimentos. A ciência natural, contudo, penetrou
mais praticamente na vida humana por intermédio da
indústria. Ela transformou a vida humana e preparou a
emancipação da humanidade, conquanto seu efeito imediato
fosse acentuar a desumanização do homem. A indústria é a
relação histórica concreta da natureza, e portanto da ciência
natural, com o homem. Se a indústria é concebida como a
manifestação exotérica das faculdades humanas essenciais, a
essência humana da natureza e a essência natural do homem
também podem ser entendidas. A ciência natural, então,
abandonará sua orientação materialista abstrata, ou melhor,
idealista, e se tornará a base de uma ciência humana, tal
como já se converteu - malgrado de forma alienada - em
base da vida humana prática. Uma base para a vida e outra
para a ciência é, a priori , uma falsidade. A natureza, como se
desenvolve através da história humana, no ato de gênese da
sociedade humana, é a natureza concreta do homem; assim,
a natureza, como se desenvolve por intermédio da indústria,
embora de forma alienada, é verdadeiramente
natureza antropológica.
A experiência dos sentidos (ver Feuerbach) tem de ser a
base de toda ciência. A ciência só é ciência genuína quando
procede da experiência dos sentidos, nas duas formas
de percepção sensorial e necessidade sensória, i. é, só
quando procede da natureza. O conjunto da História é uma
preparação para o 'homem" tornar-se um objeto
da percepção sensorial, e para o desenvolvimento das
necessidades humanas (as necessidades do homem como
tal). A própria História é uma parte real da História Natural,
do aperfeiçoamento da natureza até chegar ao homem. A
ciência natural algum dia incorporará a ciência do homem,
exatamente como a ciência do homem incorporará a ciência
natural; haverá uma única ciência.

O homem é o objeto direto da ciência natural, porque


a natureza diretamente perceptível é para o homem
experiência sensorial. Sua própria experiência sensorial só
existe como a outra pessoa que lhe é diretamente
apresentada de maneira sensorial. Sua própria experiência
sensorial só existe como experiência sensorial humana
através da outra pessoa. Mas, a natureza é o objeto direto da
ciência do homem. O primeiro objeto para o homem - o
próprio homem - é a natureza, a experiência sensorial; e as
faculdades humanas sensórias em particular, que só podem
encontrar realização objetiva em objetos naturais, só podem
alcançar o conhecimento próprio na ciência do ser natural. O
próprio elemento do pensamento, o elemento da
manifestação viva do pensamento, a linguagem, é de
natureza sensorial. A realidade social da natureza e ciência
natural humana ouciência natural do homem, são expressões
idênticas.

A partir daqui, ver-se-á como, em lugar da riqueza e


pobreza da Economia Política, teremos o homem rico e a
plenitude da necessidade humana. O homem rico é, ao
mesmo tempo, aquele que precisa de um complexo de
manifestações humanas da vida, e cuja própria auto-
realização existe como uma necessidade interior, como
uma carência. Não só a riqueza como também a pobreza do
homem, adquire, em uma perspectiva socialista, o
significado humano, e portanto social. A pobreza é o vinculo
passivo que leva o homem a experimentar uma carência da
máxima riqueza, a outrapessoa. O ímpeto da entidade
objetiva dentro de mim, a rotura sensorial de minha atividade
vital, é a paixão que aqui se torna a atividade de meu ser.

(5) Um ser não se encara a si mesmo como independente


a menos que seja seu próprio senhor, e ele só é seu próprio
senhor quando deve sua existência a si mesmo. Um homem
que vive pelo favor de outro, considera-se um ser
dependente. Mas, eu vivo completamente por favor de outra
pessoa quando lhe devo não apenas a continuação de minha
vida, como igualmente sua criação; quando ele é
a origem dela. Minha vida tem forçosamente uma causa
assim extrínseca quando não é de minha própria criação. A
idéia de criação, pois, é difícil de eliminar da consciência
popular. Essa consciência e incapaz de conceber a natureza e
o homem existindo por sua própria conta, pois tal existência
contraria todos os fatos tangíveis da vida prática.

A idéia da criação da Terra recebeu sério golpe da ciência


da geogenia, i. é, da ciência que descreve a formação e o
desenvolvimento da Terra como um processo de geração
espontânea. Generatio aequivoca (geração espontânea) é a
única refutação prática da teoria da criação.

É fácil, todavia, deveras, dizer a um indivíduo em


particular do que Aristóteles disse: você foi gerado por seu
pai e sua mãe, e conseqüentemente foi o coito de dois seres
humanos, um ato da espécie humana, que produziu o ser
humano. Vê-se, pois, que mesmo em um sentido físico o
homem deve sua existência ao homem. Por conseguinte, não
basta ter em mente apenas um dos dois aspectos, a
progressão infinita e perguntar a seguir: quem gerou meu pai
e meu avô? Também se tem de ter em vista o movimento
circular, perceptível nessa progressão, segundo o qual
o homem, no ato da geração, reproduz-se a si mesmo:
destarte, o homem sempre permanece como sujeito. Mas,
responder-se-á: admito esse movimento circular, mas em
troca você deve aceitar a progressão, que leva ainda mais
adiante ao ponto onde eu pergunto: quem criou o primeiro
homem e a natureza como um todo? Só posso responder: sua
pergunta é, em si mesma, um produto da abstração.
Pergunte a si mesmo como chegou a essa pergunta.
Pergunte-se se sua pergunta não nasce de um ponto de vista
a que eu não posso responder por que ele é deturpado.
Pergunte-se se essa progressão existe como tal para o
pensamento racional. Se você indaga acerca da criação da
natureza e do homem, você está abstraindo estes. Você os
supõe não-existentes e quer que eu demonstre que
eles existem. Replico: desista de sua abstração e ao mesmo
tempo você abandonará sua pergunta. Ou então, se você
quer manter sua abstração, seja coerente, e se pensa no
homem e na natureza como não-existentes (XI) pense
também em você como não-existente, pois você também é
homem e natureza. Não pense nem formule quaisquer
perguntas, pois logo que você o faz sua abstração da
existência da natureza e do homem se torna sem sentido. Ou
será você tão egoísta que concebe tudo como não-existente,
mas quer que você exista?

Você pode retrucar: não quero conceber a inexistência da


natureza, etc.; só lhe pergunto acerca do ato de criação dela,
tal como indago do anatomista sobre a formação dos ossos,
etc.

Como, no entanto, para o socialista, o conjunto do que se


chama história mundial nada mais é que a criação do homem
pelo trabalho humano, e a emergência da natureza para o
homem, ele, portanto, tem a prova evidente e irrefutável de
sua autocriação, de suas próprias origens. Uma vez que a
essência do homem e da natureza, o homem como um ser
natural e a natureza como uma realidade humana, se tenha
tornado evidente na vida prática, na experiência sensorial, a
busca de um ser estranho, um ser acima do homem e da
natureza (busca essa que é uma confissão da irrealidade do
homem e da natureza) torna-se praticamente impossível.
O ateísmo, como negação desse irrealismo, não mais faz
sentido, pois ele é uma negação de Deus e procura afirmar,
por essa negação, a existência do homem. O socialismo
dispensa esse método assim tão circundante; ele parte da
percepção teórica e prática sensorial do homem e da natureza
como seres essenciais. É autoconsciência positiva humana,
não mais uma autoconsciência alcançada graças à negação da
religião; exatamente como a vida real do homem é positiva e
não mais alcançada graças à negação da propriedade privada,
por meio do comunismo. O comunismo é a fase de negação
da negação e é, por conseguinte, para a próxima etapa da
evolução histórica, um fator real e necessário na emancipação
e reabilitação do homem. O comunismo é a forma necessária
e o princípio dinâmico do futuro imediato, mas o comunismo
não é em si mesmo a meta da evolução humana - a forma da
sociedade humana.

Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx

Terceiro Manuscrito

Necessidades, Produção e Divisão do Trabalho

(XIV) (7) Vimos que a importância deve ser atribuída, em


uma perspectiva socialista, à riqueza das necessidades
humanas, e conseqüentemente também a um novo sistema
de produção e a um novo objeto de produção. Uma nova
manifestação das forças humanas e um novo enriquecimento
do ser humano. Dentro do sistema da propriedade privada,
ela tem o significado diametralmente oposto. Cada homem
especula sobre a criação de uma nova necessidade no outro a
fim de obrigá-lo a um novo sacrifício, colocá-lo sob nova
dependência, e induzi-lo a um novo tipo de prazer e, em
conseqüência, à ruína econômica. Todos procuram
estabelecer um poder estranho sobre os outros, para com
isso encontrar a satisfação de suas próprias necessidades
egoístas. Com a massa de objetos, por conseguinte, cresce
também o reino de entidades estranhas a que o homem se vê
submetido. Cada novo produto é uma nova potencialidade de
mútua fraude e roubo. O homem torna-se cada vez mais
pobre como homem; ele tem necessidade crescente
de dinheiro para poder apossar-se do ser hostil. O poder de
seu dinheiro diminui na razão direta do aumento do volume
da produção, i. é, sua necessidade cresce com
o poder crescente do dinheiro. A necessidade de dinheiro é,
pois, a necessidade real criada pela economia moderna, e a
única necessidade por esta criada. A quantidade de dinheiro
torna-se cada vez mais sua única qualidade importante.
Assim como ele reduz toda entidade a sua abstração, também
se reduz a si mesmo, em seu próprio desenvolvimento, a uma
entidade quantitativa. Excesso e imoderação passam a ser
seu verdadeiro padrão. Isso é demonstrado subjetivamente,
em parte pelo fato de a expansão da produção e das
necessidades tornar-se uma subserviência engenhosa e
sempre calculista a apetites desumanos, depravados,
antinaturais e imaginários. A propriedade privada não sabe
como transformar a necessidade bruta em
necessidade humana; seu idealismo é fantasia, capricho e
ilusão. Nenhum eunuco lisonjeia a seu tirano de forma mais
desavergonhada nem procura por meios mais infames
estimular seu apetite embotado, a fim de granjear algum
favor, do que o eunuco da indústria, o homem de empresa, a
fim de adquirir algumas moedas de prata ou de atrair o ouro
da bolsa de seu amado próximo. (Todo produto é uma isca
por meio da qual o indivíduo tenta engodar a essência da
outra pessoa, o dinheiro desta. Toda necessidade real ou
potencial é uma fraqueza que atrairá o passarinho para o
visgo. A exploração universal da vida humana em
comunidade. Como toda imperfeição do homem é um vínculo
com o céu, um ponto em que seu coração é acessível ao
sacerdote, assim também toda necessidade material é uma
oportunidade para a gente aproximar-se do próximo, com
uma atitude amistosa, e dizer: "Caro amigo, dar-lhe-ei aquilo
de que você precisa, mas você conhece a conditio sine qua
non . Você sabe qual tinta tem de usar para entregar-se a
mim. Eu o trapacearei ao proporcionar-lhe satisfação.") O
homem de empresa concorda com os mais depravados
caprichos de seu próximo, desempenha o papel de alcoviteiro
entre eles e suas necessidades, desperta apetites mórbidos,
nele, e presta atenção a cada fraqueza a fim de,
posteriormente, reivindicar a remuneração por esse serviço
de amor.

Essa alienação é em parte mostrada pelo fato de o


requinte das necessidades e dos meios de satisfazê-las
produzir, como correspondente, uma selvajaria bestial, uma
simplicidade completa, primitiva e abstrata das necessidades;
ou melhor, simplesmente reproduzir-se no sentido oposto.
Para o trabalha dor, até a necessidade de ar fresco deixa de
ser uma necessidade. O homem volta novamente a morar em
cavernas, mas agora é envenenado pelo ar pestilento da
civilização. O trabalhador só tem um direito precário a habitá-
las, pois elas se transformaram em residências estranhas que
de repente podem não estar mais disponíveis, ou de que ele
pode ser despejado se não pagar o aluguel. Ele tem de pagar
por esse sepulcro. A residência cheia de luz que Prometeu,
em Ésquilo, indica como uma das grandes dádivas por meio
das quais converteu selvagens em homens, deixa de existir
para o trabalhador. Luz, ar, e a mais singela limpeza animal
deixam de ser necessidades humanas. A imundície, essa
corrupção e putrefação que corre pelos esgotos da civilização
(isto deve ser tomado literalmente), torna-se o elemento em
que o homem vive. Negligência total e antinatural, a natureza
putrefata, passa a ser o elemento em que ele vive. Nenhum
de seus sentidos sobrevive, seja sob forma humana, seja
mesmo em forma não-humana, animal.
Os processos (e instrumentos) mais grosseiros de trabalho
humano reaparecem; assim, o moinho acionado pelos pés dos
escravos romanos tornou-se o modo de produção e o modo
de existência de muitos operários ingleses. Não basta que o
homem perca suas necessidades humanas; até as
necessidades animais desaparecem. Os irlandeses não mais
têm nenhuma necessidade senão a de comer - comer
batatas, e ainda assim só da pior espécie, batatas bolorentas.
Mas a França e a Inglaterra já possuem em toda cidade
industrial uma pequena Irlanda. Selvagens e animais podem,
ao menos, satisfazer suas necessidades de caçar, fazer
exercício e ter companheiros. A simplificação da maquinaria e
do trabalho, porém, é utilizada para fazer operários dos que
ainda estão crescendo, que ainda estão imaturos,crianças,
enquanto o próprio operário converteu-se em uma criança
desatendida de qualquer cuidado. A maquinaria é adaptada à
fraqueza do ser humano, de modo a transformar o fraco ser
humano em máquina.

O fato de o aumento das necessidades e dos meios de


satisfazê-las resultar em uma falta de atendimento das
necessidades e meios de satisfazê-las, é demonstrado de
várias maneiras pelo economista (e pelo capitalista; com
efeito, é sempre a homens de negócios empíricos que nos
referimos quando falamos de economistas, que são sua auto-
revelação e existência científica). Primeiramente, reduzindo
as necessidades do trabalhador às míseras exigências ditadas
pela manutenção de sua existência física, e reduzindo a
atividade dele aos movimentos mecânicos mais abstratos, o
economista assevera que o homem não tem necessidade de
atividade ou prazer além daquelas; e no entanto declara ser
esse gênero de vida um gênero humano de vida. Em segundo
lugar, aceitando como padrão geral de vida (geral por ser
aplicado à massa dos homens) a vida mais pobre que se
possa conceber; ele transformar o trabalhador em um ser
destituído de sentidos e necessidades, assim como
transforma a atividade dele em uma abstração pura de toda
atividade. Assim, todo o luxo da classe trabalhadora parece-
lhe condenável, e tudo que ultrapasse a mais abstrata
exigência (quer se trate de uma satisfação passiva ou uma
manifestação de atividade pessoal) é encarada como luxo. A
Economia Política, a ciência da riqueza, portanto, ao mesmo
tempo, a ciência da renúncia, da privação e da poupança, que
de fato consegue privar o homem de ar fresco e
de atividade física. A ciência de uma indústria maravilhosa é,
concomitantemente, a ciência do ascetismo. Seu verdadeiro
ideal é o sovina,ascético porém usurário, e o
escravo ascético porém produtivo. Seu ideal moral
é trabalhador que leva uma parte do salário para a caixa
econômica. Chegou mesmo a achar uma arte servil para
corporificar essa idéia favorita, que foi apresentada de forma
sentimental no palco. Assim, a despeito de sua aparência
mundana e sequiosa de prazeres, ela é uma ciência
verdadeiramente moralista, a mais moralista de todas as
ciências. Sua tese principal é a renúncia à vida e às
necessidades humanas. Quanto menos se comer, beber,
comprar livros, for ao teatro ou a bailes, ou ao botequim, e
quanto menos se pensar, amar, doutrinar, cantar, pintar,
esgrimir, etc., tanto mais se poderá economizar e maior se
tornará o tesouro imune à ferrugem e às traças - o capital.
Quanto menos se for, quanto menos se exprimir nossa vida,
tanto mais se terá, tanto maior será nossa vidaalienada e
maior será a economia de nosso ser alienado. Tudo o que o
economista tira da gente sob a forma de vida e humanidade,
devolve sob a dedinheiro e riqueza. E tudo que não se pode
fazer, o dinheiro pode fazer para a gente; pode-se comer,
beber, ir ao baile e ao teatro. Ele pode adquirir arte, saber,
tesouros históricos, poder político; e pode-se viajar.
Ele pode apropriar todas essas coisas para a gente, pode
comprar tudo; ele é a verdadeira opulência. Mas, apesar de
poder fazer tudo isso, ele só quer criar a si mesmo, e comprar
a. si mesmo, pois tudo mais se lhe submete. Quando se
possui o dono, também se possui o servo, e ninguém precisa
do servo do dono. Dessa maneira, todas as paixões e
atividades têm de ser submersas na avareza. O trabalhador
deve ter apenas o que lhe é necessário para desejar viver, e
deve desejar viver para ter isso.

É verdade que apareceu certa controvérsia no campo da


Economia Política. Alguns economistas (Lauderdale, Malthus,
etc) advogam o luxo e condenam a poupança, enquanto
outros (Ricardo, Say, etc.), advogam a poupança e condenam
o luxo. Mas, os primeiros admitem que desejam luxo a fim de
criar trabalho, i. é, poupança absoluta, ao passo que os
últimos admitem que advogam a poupança a fim de criar a
riqueza, i. é, luxo. Os primeiros têm a idéia romântica de que
a avareza não deve determinar por si só o consumo dos ricos,
e contradizem suas próprias leis ao representar
a prodigalidade como sendo um meio direto de enriquecer;
seus opositores, então, demonstram com grande minúcia e
convicção, que a prodigalidade diminui ao invés de aumentar
minhas posses. O segundo grupo é hipócrita, ao não admitir
que são o capricho e a fantasia que determinam a produção.
Esquecem-se das "necessidades requintadas", e que sem
consumo não haveria produção. Esquecem-se de que, através
da competição, a produção tem de tornar-se sempre mais
universal e luxuosa, que é o uso que determina o valor das
coisas e que o uso é função da moda. Eles querem que a
produção seja limitada a "coisas úteis", mas esquecem que a
produção de um número excessivo de coisas úteis resulta em
muitas pessoas inúteis. Ambos os lados esquecem que
prodigalidade e parcimônia, luxo e abstinência, riqueza e
pobreza, são equivalentes.

Não se tem de ser abstinente apenas na satisfação de


nossos sentidos diretos, como comer, etc., mas também em
nossa participação em interesses gerais, nossa compaixão,
confiança, etc., se se deseja ser econômico e evitar arruinar-
se devido a ilusões.

Tudo o que se possui deve ser tornado venal, i. é, útil.


Suponhamos que eu pergunte ao economista: estou agindo
de acordo com as leis econômicas se ganhar dinheiro com a
venda de meu corpo, prostituindo-o à concupiscência de outra
pessoa (na França, os operários chamam à prostituição de
suas esposas e filhas a enésima hora de trabalho, o que é
literalmente verdadeiro); ou se eu vender meu amigo aos
marroquinos (e a venda direta de homens ocorre em todos os
países civilizados sob a forma de alistamento nas forças
armadas)? Ele responderá: você não está agindo contra as
minhas leis, mas tem de levar em conta o que a Prima Moral
e a Prima Religião têm a dizer. Minha moralidade e
religiãoeconômicas nada têm a objetar, porém Mas, a quem
se deve dar crédito, ao economista ou ao moralista? A moral
da economia política é ganho, trabalho, parcimônia e
sobriedade - no entanto, a economia política promete
satisfazer minhas necessidades. A economia política da moral
é a riqueza de uma boa consciência, virtude, etc., mas como
posso ser virtuoso se não estiver vivo e como posso ter uma
boa consciência se não me der conta de nada? A natureza da
alienação subentende que cada esfera aplica uma norma
diferente e contraditória, que a Moral não aplica a mesma
norma que a Economia Política, etc., porque cada uma delas é
uma alienação particular do homem; (XVII) cada uma está
concentrada em uma área específica de atividade alienada e,
por sua vez, acha-se alienada da outra.

É assim que M. Michel Chevalier censura Ricardo por não


levar em conta a Moral. Mas Ricardo deixa a Economia Política
falar sua língua própria; não se deve condená-lo se essa
língua não é a da Moral. M. Chevalier ignora a Economia
Política, ao preocupar-se unicamente com a Moral, mas ignora
de fato e necessariamente a Moral quando se preocupa com a
Economia Política; pois o reflexo desta naquela é arbitrário e
acidental, carecendo, assim, de qualquer base ou caráter
científico, uma mera impostura, ou então é essencial e só
pode ser então uma relação entre as leis econômicas e a
Moral. Se não existe uma relação assim, pode Ricardo ser
chamado à responsabilidade? Outrossim, a antítese entre
Moral e Economia Política é em si mesma apenas aparente;
há uma antítese e igualmente não há antítese. A Economia
Política exprime à sua própria maneira, as leis morais.

A ausência de exigências, como princípio da economia


política, é atestada da forma mais chocante em sua teoria da
população. Há homens em demasia. A própria existência do
homem é puro luxo, e se o trabalhador for "moralizado" , ele
será econômico ao procriar. (Mill sugere louvor público aos
que se mostrarem abstêmios nas relações sexuais, e
condenação pública aos que pequem contra a esterilidade do
matrimônio. Não é essa a doutrina moral do ascetismo?) A
produção de homens afigura-se uma desgraça pública.

O significado da produção com relação aos ricos


é revelado no que tem para os pobres. No alto, sua
manifestação é sempre requintada, disfarçada, ambígua, uma
aparência; nas camadas inferiores, ela é crua, franca, sem
rodeios, uma realidade. A necessidade áspera do trabalhador
é fonte de muito maior lucro do que a
necessidade requintada do abastado. As moradias em porões
de Londres dão mais aos senhorios do que os palácios, i. é,
elas constituem maior riqueza no que toca ao senhorio e,
assim, em termos econômicos, maior riqueza social.

Assim como a indústria se reflete no refinamento das


necessidades, também o faz em sua rudeza, e
na rudeza delas produzida artificialmente, cuja verdadeira
alma é a auto-estupefação, a satisfação ilusória das
necessidades, uma civilização dentro da barbárie grosseira da
necessidade. As tavernas inglesas, são, portanto,
representações simbólicas da propriedade privada.
Seu luxo desmascara a relação real do luxo industrial e da
riqueza com o homem. Elas são, pois, adequadamente, o
único divertimento dominical do povo, pelo menos tratado
com brandura pela polícia inglesa.

Já vimos como o economista estabelece a unidade do


trabalho e do capital de várias maneiras: (1) o capital é
trabalho acumulado; (2) a finalidade do capital dentro da
produção - em parte a reprodução do capital com lucro, em
parte o capital como matéria-prima (material do trabalho),
em par te o capital como ele mesmo um instrumento de
trabalho (a máquina é capital fixo, que é idêntico ao trabalho)
- é trabalho produtivo; (3) o trabalho é capital; (4) os salários
fazem parte dos custos do capital; (5) para o trabalhador, o
trabalho é a reprodução de seu capital-vida; (6) para o
capitalista, o trabalho é um fator na atividade de seu capital.

Por fim, (7) o economista pressupõe a união original de


capital e trabalho como união de capitalista e trabalhador.
Essa é a situação paradisíaca original. Como esses dois
fatores (XIX), tal como se fossem duas pessoas, avançam
para a garganta do outro, é, para o economista, um
acontecimento fortuito que por isso pode ser explicado
apenas pelas circunstâncias exteriores (ver Mill).

As nações ainda estonteadas pelo fulgor físico de metais


preciosos e, por isso, ainda fetichistas do dinheiro metálico,
não são ainda nações financeiras plenamente desenvolvidas.
Com pare-se a França com a Inglaterra. A medida em que a
solução de um problema teórico incumbe à prática, e é
conseguida pela prática, e a medida em que a prática correta
é a condição para uma teoria verídica e positiva, é
demonstrada, por exemplo, no caso do fetichismo. A
percepção sensorial de um fetichista difere da de um grego
porque sua existência sensorial é diferente. A hostilidade
abstrata entre sentidos e espírito é inevitável enquanto o
sentido humano para a natureza, ou o significado humano da
natureza, e conseqüentemente o sentido natural do homem,
não tiver sido produzido por meio do trabalho do próprio
homem.

A igualdade nada mais é que o alemão "Ich-Ich",


traduzido para a forma francesa, i. é, política. A igualdade
como base do comunismo é uma fundação política e é a
mesma de quando os alemães apóiam sobre ela o fato de
conceberem o homem como autoconsciência universal. Está
claro, a transcendência da alienação sempre provém da forma
de alienação que é a força dominante; na
Alemanha, autoconsciência; na França, igualdade, por causa
da política; na Inglaterra, a necessidade real, material, auto-
suficiente, prática. Proudhon deve ser apreciado e criticado
sob este ponto de vista.
Se agora caracterizarmos o próprio comunismo (pois,
como negação da negação, como a apropriação da existência
humana que medeia entre uma e outra por meio da negação
da propriedade privada não é a posição verdadeira, originada
por si mesma, mas antes, uma que parte da propriedade
privada)[N2] . . . a alienação da vida humana continua e uma
alienação bem maior continua quanto mais a gente tem
consciência disso) só pode ser realizada pelo estabelecimento
do comunismo. A fim de revogar a idéia de propriedade
privada bastam as idéias comunistas, mas é necessária
atividade comunista genuína no sentido de revogar a
propriedade privada real. A História produzirá, e a evolução
que já em pensamentoreconhecemos como
autotranscendente na realidade implicará em um processo
severo e prolongado. Temos, entretanto, de considerá-lo um
avanço, pois obtivemos previamente uma noção da natureza
limitada e do alvo da evolução histórica e podemos ver para
além dela.

Quando artesãos comunistas formam associações, o


ensino e a propaganda são seus primeiros objetivos. Mas, sua
própria associação cria uma necessidade nova - a necessidade
da sociedade - o que parecia ser um meio torna-se um fim.
Os resultados mais notáveis desse fato prático podem ser
vistos quando operários socialistas franceses se reúnem.
Fumar, comer e beber não mais são meios de congregar
pessoas. A sociedade, a associação, o divertimento tendo
também como fito a sociedade, é suficiente para eles; a
fraternidade do homem não é frase vazia, mas uma realidade,
e a nobreza do homem resplandece sobre nós vindo de seus
corpos fatigados.

(XX) Quando a Economia Política afirma que a oferta e a


procura sempre se equilibram, esquece imediatamente sua
própria tese (a teoria da população) de que a oferta de
homens sempre excede a procura, e conseqüentemente, que
a desproporção entre oferta e procura é mais chocantemente
expressa no fim essencial da produção - a existência do
homem.

O grau até o qual o dinheiro, que tem a aparência de um


meio, é o poder real e o único fim, e em geral o grau até que
o meio que me assegura a existência e posse do ser objetivo
estranho é um fim em si mesmo, podem ser vistos no fato da
propriedade agrária onde a terra é a fonte da vida, ecavalo e
espada onde estes são os verdadeiros meios de vida, são
também reconhecidos como os verdadeiros poderes políticos.
Na Idade Média, um estado torna-se emancipado quando tem
o direito de levar espada. Entre povos nômades, é o cavalo
que torna livre o homem, fazendo-o membro da comunidade.

Dissemos, acima, que o homem está regressando


à habitação da caverna, mas numa forma alienada e maligna.
O selvagem em sua caverna (um elemento natural que lhe é
livremente oferecido para uso e proteção) não se sente um
estranho; pelo contrário, sente-se tão em casa quanto
umpeixe na água. Mas, a habitação do pobre num porão é
uma habitação hostil, "um poder estranho, constrangedor,
que só se entrega em troca de suor e sangue". Ele não pode
considerá-la como seu lar, como um lugar onde afinal possa
dizer "aqui estou em casa". Pelo contrário, ele se encontra na
casa de outra pessoa, a casa de um estranho que está à sua
espera diariamente e o despeja se não pagar o aluguel. Ele
também se dá conta do contraste entre sua própria morada e
uma residência humana, como as que existem naquele outro
mundo, o paraíso dos ricos.

A alienação é evidente não só no fato de meu meio de


vida pertencer a outrem, de meus desejos serem a posse
inatingível de outrem, mas de tudo ser algo diferente de si
mesmo, de minha atividade ser outra coisa qualquer, e, por
fim (e isso também ocorre com o capitalista), de um poder
desumano mandar em tudo. Há uma espécie de riqueza que é
inativa, pródiga e devotada ao prazer, cujo beneficiário se
comporta como um indivíduoefêmero de atividade sem
propósito, que encara o trabalho escravo dos outros, sangue
e suor humanos, como a presa de sua cupidez e vê a
humanidade, e a si mesmo, como um ser supérfluo e votado
ao sacrifício. Assim, ele adquire um desprezo pela
humanidade, expresso na forma de arrogância e de
malbaratamento de recursos que poderiam sustentar cem
vidas humanas, e também na forma da ilusão infame de que
sua extravagância irrefreada e interminável consumo
improdutivo é condição indispensável ao trabalho e
à subsistência de outros. Ele vê a realização dos poderes
essenciais do homem apenas como a realização de sua
própria vida desordenada, de seus caprichos e de suas idéias
inconstantes e bizarras. Tal riqueza, contudo, que vê a
riqueza somente como um meio, como algo a ser consumido,
e que é, portanto, tanto senhora como escrava, generosa
como mesquinha, caprichosa, presunçosa, vaidosa, refinada,
culta e espirituosa, ainda não descobriu a riqueza como
uma forçainteiramente estranha, mas vê nela seu próprio
poder e fruição antes que riqueza. . . meta final. [N3]

(XXI) . . .. e a fulgente ilusão acerca da natureza da


riqueza, produzida por sua estonteante aparência física, é
defrontada pelo industrialtrabalhador, sóbrio, econômico e
prosaico, que está esclarecido a respeito da natureza da
riqueza e que, embora incrementando a amplitude da vida
regalada do outro e lisonjeando-o com seus produtos (pois
seus produtos são outros tantos ignóbeis mimos para os
apetites do perdulário), sabe como apropriar para si mesmo,
da única maneira útil, os poderes decadentes do outro.
Malgrado, portanto, a riqueza industrial pareça à primeira
vista ser o produto de riqueza pródiga e fantástica, não
obstante despoja o último de maneira ativa por seu próprio
desenvolvimento. A queda dataxa de juros é uma
conseqüência necessária da evolução industrial. Assim, os
recursos do arrendatário esbanjador
minguam proporcionalmente ao aumento dos meios e
oportunidades de divertimento. Ele se vê obrigado, seja a
consumir seu capital e arruinar-se, seja a tornar-se ele
próprio um industrial. . . Por outro lado, há um aumento
constante da renda da terra no decorrer do progresso
industrial, mas consoante já vimos deve chegar uma hora em
que a propriedade imobiliária, como qualquer outra forma de
propriedade, recai na categoria de capital que se reproduz por
meio do lucro - e isso é resultado do mesmo progresso
industrial. Assim, o perdulário proprietário de terras tem de
entregar seu capital e arruinar-se, ou então tornar-se um
rendeiro de sua própria propriedade - um industrial agrícola.

O declínio da taxa de juros (que Proudhon considera como


abolição do capital e uma tendência para a socialização do
capital) é, pois, antes um sintoma direto da vitória completa
do capital ativo sobre a riqueza pródiga, i. é, a transformação
de toda propriedade privada em capital industrial. É a vitória
completa da propriedade privada sobre suas
qualidades aparentemente humanas, e a submissão total do
dono da propriedade à essência da propriedade privada - o
trabalho. É evidente que o capitalista industrial também tem
seus prazeres. Ele não retorna absolutamente a uma
simplicidade antinatural em suas necessidades, mas sua
fruição é somente questão secundária; é recreação
subordinada à produção, e, assim, um divertimento calculado,
econômico, pois ele anota seus prazeres como um
desembolso de capital e o que esbanja não deve ser mais do
que pode ser substituído com lucros pela reprodução do
capital. Destarte, o divertimento fica subordinado ao capital e
o indivíduo amante de prazeres e sujeito ao acumulador de
capital, enquanto outrora ocorria o contrário. A queda da taxa
de juros é, por conseguinte, um mero sintoma de abolição do
capital, na medida em que é um sintoma de seu crescente
domínio e alienação que acelera sua própria abolição. De
maneira geral, essa e a única maneira pela qual o que existe
afirma seu contrário.

A disputa entre economistas a respeito de luxo e


poupança, portanto, é apenas uma disputa entre a economia
política que se deu bem conta da natureza da riqueza e a que
ainda está sobrecarregada com recordações românticas, anti-
industriais. Nenhum dos lados, entretanto, sabe como
expressar o assunto da disputa em termos simples, ou é
capaz, por conseguinte, de resolver a pendenga.

Além disso, a renda da terra, qua renda da terra, foi posta


abaixo, pois contra a argumentação dos Fisiocratas de ser o
dono da terra o 'único produtor legítimo, a economia moderna
demonstra, antes, que o dono da terra como tal é o único
arrendatário completamente improdutivo. A agricultura é um
negócio do capitalista, que emprega seu capital nela quando
pode contar com uma taxa de lucro normal. A afirmação dos
Fisiocratas de que a propriedade agrária, como única
propriedade produtiva, devia ser a única a pagar impostos e,
em conseqüência, ser a única a aprová-los e a participar dos
negócios públicos, é transformada na convicção oposta de
que os impostos sobre o arrendamento da terra são os únicos
impostos sobre um rendimento improdutivo e, assim, os
únicos não nocivos ao produto nacional. Está claro que sob
este ponto de vista, nenhum privilégio político para os
proprietários de terras decorre de sua situação como
principais contribuintes de impostos.

Tudo o que Proudhon concebe como um movimento do


trabalho contra o capital é somente o movimento do trabalho
sob a forma de capital, decapital industrial contra o que não é
consumido como capital, i. é, industrialmente. E a esse
movimento segue seu caminho triunfante, o caminho da
vitória do capital industrial. Ver-se-á que só quando o
trabalho é concebido como a essência da propriedade privada
é que podem ser analisadas as características reais do
movimento econômico propriamente dito.

A sociedade, como é vista pelo economista, é a sociedade


civil, em que cada indivíduo é uma totalidade de necessidades
e apenas existe para outra pessoa, como esta existe para ele,
na medida em que cada um é um meio para o outro. O
economista (como a política em seus direitos do homem)
reduz tudo ao homem, i. é, ao indivíduo, a quem ele despoja
de todas as características com o fito de classificá-lo como
capitalista ou como trabalhador.

A divisão do trabalho é a expressão econômica do caráter


social do trabalho no quadro da alienação. Ou, visto ser
o trabalho apenas uma expressão da atividade humana no
quadro da alienação, de atividade vital como alienação da
vida, a divisão do trabalho nada mais é que a
instituição alienada da atividade humana como uma real
atividade da espécie ou a atividade do homem como um ente-
espécie.

Os economistas mostram-se muito confusos e


contradizem-se a si mesmos acerca da natureza da divisão do
trabalho (que, naturalmente, tem de ser olhada como uma
força motivadora principal na produção da riqueza desde que
o trabalho é reconhecido como a essência da propriedade
privada), i. é, acerca da forma alienada da atividade humana
como atividade da espécie.

Adam Smith[N4]:
"A divisão do trabalho. . . não é originariamente o
efeito de qualquer sabedoria humana. . . E a
conseqüência obrigatória, se bem que muito lenta
e gradativa, da propensão a barganhar, trocar e
cambiar uma coisa por outra. [Quer essa
propensão seja um daqueles princípios originais da
natureza humana. . .] ou quer, como parece mais
provável, seja a conseqüência necessária das
faculdades da razão e da fala [não cabe aqui
investigar]. É comum a todos os homens e não
pode ser encontrada em nenhuma outra raça de
animais. . . [Em quase todas as outras raças de
animais, o indivíduo] quando atinge a maturidade
está inteiramente independente. . . Mas o homem
tem oportunidade quase constante para necessitar
do auxílio de seus irmãos, e é em vão que ele
esperará obtê-lo unicamente da benevolência
deles. É mais provável que seja bem sucedido se
puder interessar o egoísmo deles em seu favor,
mostrando-lhes que será vantajoso para eles fazer-
lhe o que lhes solicita. . . Não nos dirigimos à
demência deles, mas a seu egoísmo, e nunca
falamos de nossas necessidades porém das
vantagens deles (págs. 12-13).

"Como é por meio de tratado, de troca e de


compra que obtemos de outros a maior parte dos
bons ofícios de que mutuamente carecemos, assim
também é essa mesma disposição para negociar
que originariamente enseja a divisão do trabalho.
Em uma tribo de caçadores ou pastores, uma de
terminada pessoa faz arcos e flechas, por exemplo,
com maior rapidez e perícia que qualquer outra.
Freqüentemente as troca por gado ou carne de
veado com seus companheiros, e acaba verificando
que dessa maneira pode conseguir mais gado ou
carne de veado do que se fosse pessoalmente ao
campo para pegá-los. Tendo em vista seu interesse
próprio, então, a confecção de arcos e flechas
passa a ser seu principal negócio. . . (págs. 13-14)
.
"A diferença de talentos naturais de homens
diferentes. . . não é. . . tanto a causa quanto o
efeito da divisão do trabalho. . . Sem a disposição
para negociar, trocar e cambiar, cada homem teria
que providenciar por si mesmo tudo que desejasse
de necessário e conveniente. Todos teriam de ter. .
. o mesmo trabalho a fazer, e não poderia ter
havido essa diferença de ocupação, a única capaz
de dar margem a qualquer diferença grande de
talentos (pág. 14).

"Assim como é essa distribuição que forma aquela


diferença de talentos. . . entre os homens, também
é ela que torna útil tal diferença. Muitas tribos de
animais. . . da mesma espécie recebem da
natureza uma diferenciação de índole muito mais
notável do que, precedendo o costume e a
educação, parece ter lugar entre os homens. Por
natureza, um filósofo não é no temperamento e na
inclinação nem a metade diferente de um
carregador do que o é um mastim de um galgo, ou
um galgo de um spaniel, ou este último de um
cão-pastor. Essas diferentes tribos de animais,
contudo, apesar de todas da mesma espécie, são
de pouca utilidade uma para a outra. O vigor do
mastim (XXVI) não é, pelo me nos, assistido seja
pela agilidade do galope, seja. . . Os efeitos desses
diferentes temperamentos e talentos, à falta de
capacidade ou inclinação para trocar e cambiar,
não podem ser congregados em um cabedal
comum, e em nada contribuem para melhor
acomodação e utilidade da espécie. Cada animal
continua obrigado a sustentar-se e a defender-se,
separada e independentemente, e não obtém
qualquer gênero de superioridade dessa variedade
de talentos com que a natureza distinguiu seus
semelhantes. Entre os homens, pelo contrário, os
mais diversos pendores são de utilidade mútua; os
diferentes produtos de seus respectivos talentos,
graças à inclinação geral para trocar, negociar e
cambiar, são reunidos, por assim dizer, em um
cabedal comum, onde cada homem pode adquirir
qualquer parte da produção dos talentos de outros
homens para que tenha aplicação (págs. 14-15).

"Como é a capacidade de trocar que dá


oportunidade à divisão do trabalho, a extensão
dessa divisão tem sempre de - ser limitada pela
extensão daquela capacidade, ou, por outras
palavras, pela extensão do mercado. Quando o
mercado é muito pequeno, ninguém pode
encontrar qualquer estímulo para dedicar-se
inteiramente a um emprego, por falta de
capacidade para cambiar a parte excedente de seu
próprio trabalho, acima e além de seu próprio
consumo, por partes análogas da produção do
trabalho de outros homens para que tiver
aplicação." (pág. 15).

Num estágio adiantado da sociedade: "Todo


homem, pois, vive por meio da troca, ou torna-se,
em certa medida. um mercador, e a própria
sociedade alcança o que é propriamente uma
sociedade comercial" (pág. 20). (Ver Deustutt de
Tracy[N5]: "A sociedade é uma série de trocas
recíprocas; o comercio é toda a essência da
sociedade.") A acumulação de capital aumenta com
a divisão do trabalho e vice-versa.

- Até aqui falou Adam Smith.

"Se toda família produzisse tudo o que consome, a


sociedade poderia prosseguir sem que tivesse
lugar qualquer espécie de intercâmbio. Em nosso
estado adiantado de sociedade, a troca, apesar
de não ser fundamental, é indispensável."[N6] "A
divisão do trabalho é um hábil desdobramento das
capacidades do homem; ela aumenta a produção
da sociedade - seu poder e seus prazeres - mas
diminui a capacidade de cada pessoa considerada
individualmente. A produção não pode ter lugar
sem a troca."[N7]

- Assim falou J. B. Say.


"As faculdades intrínsecas do homem são sua
inteligência e sua capacidade física para trabalhar.
As oriundas da situação da sociedade consistem na
capacidade para repartir o trabalho e distribuir
tarefas entre diferentes pessoas e no poder trocar
os serviços e produtos que constituem os meios de
subsistência. O motivo que impele o homem a dar
seus serviços a outro é o interesse próprio; ele
exige uma retribuição pelos serviços prestados. O
direito à propriedade privada exclusiva é
indispensável ao estabelecimento das trocas entre
os homens. . . Troca e divisão do trabalho são
mutuamente dependentes."[N8]

- Assim falou Skarbek.

Mill apresenta a troca aperfeiçoada - o comércio - como


uma conseqüência da divisão do trabalho:

"A atuação do homem pode ser reconstituída por


elementos muito simples. Ele não pode, com
efeito, fazer mais nada se não produzir
movimento. Pode aproximar as coisas uma da
outra, (XXXVII) e pode separá-las uma da outra:
as propriedades da matéria desincumbem-se do
resto. . . No emprego do trabalho e da maquinaria,
constata-se, amiúde, que os efeitos podem ser
aumentados pela distribuição hábil, pela separação
das operações que têm qualquer tendência a se
obstarem mutuamente, e pela conjugação de todas
as operações que podem ser feitas de modo a
auxiliarem-se umas às outras. Como os homens
em geral não podem executar muitas operações
diferentes com a mesma rapidez e destreza com
que pela prática aprendem a executar algumas, é
sempre vantajoso limitar tanto quanto possível o
número de operações impostas a cada um. Para
dividir o trabalho, e repartir os esforços dos
homens e máquinas, com a máxima vantagem, em
muitos casos e necessário operar em grande
escala; por outras palavras, produzir as utilidades
em grandes quantidades. E essa vantagem que dá
existência às grandes manufaturas, de que umas
poucas, instaladas nos locais mais convenientes,
freqüentemente abastecem não um país, porém
muitos, com a quantidade desejada da utilidade
produzida."[N9]

- Assim falou Mill.

Toda a moderna Economia Política, entretanto, está


acorde em que a divisão do trabalho e riqueza da produção, a
divisão do trabalho e acumulação de capital, determinam-se
mutuamente; e também que só a propriedade privada livre e
autônoma pode produzir a mais eficaz e extensiva divisão do
trabalho.

O raciocínio de Adam Smith pode ser sintetizado da


seguinte forma: a divisão do trabalho confere a este uma
capacidade de produção ilimitada. Ela se origina da propensão
a trocar e barganhar, uma propensão especificamente
humana que provavelmente não é acidental porém
determinada pelo uso da razão e da fala. O motivo dos que se
empenham nas trocas não é a bondade, mas o egoísmo. A
diversidade dos talentos humanos é mais o efeito que a causa
da divisão do trabalho, i. é, do intercâmbio. Ademais, é só a
última que torna útil essa diversidade. As qualidades
particulares das diferentes tribos dentro de uma espécie
animal são naturalmente mais pronunciadas que as diferenças
de aptidões e atividades dos seres humanos. Mas como os
animais não são capazes de estabelecer troca, a diversidade
de atributos dos animais da mesma espécie, porém de tribos
diferentes, não beneficia qualquer animal individualmente. Os
animais são incapazes de combinar as varias qualidades de
sua espécie, ou de contribuir para a superioridade e
conforto comum da espécie. Dá-se o contrario com
os homens, cujos mais diversos talentos e formas de
atividade são úteis uns aos outros, porque eles podem reunir
seus diferentes produtos em um cabedal comum, de que cada
homem pode comprar. Como a divisão do trabalho surge
da propensão a trocar, ela se desenvolve e é limitada
pela extensão da troca, pela extensão do mercado. Em
condições adiantadas, todo homem é um mercador e a
sociedade é uma associação comercial. Say encara
a troca como acidental e não fundamental. A sociedade
poderia existir sem ela. Torna-se indispensável em um
estágio adiantado da sociedade. Todavia, a produção não
pode ocorrer sem ela. A divisão do trabalho é um
meio cômodo e útil, um hábil desdobramento das faculdades
humanas para a riqueza social, mas diminui a capacidade de
cada pessoa considerada individualmente. O último
comentário é um progresso da parte de Say.

Skarbek distingue as faculdades inatas individuais do


homem, inteligência e capacidade física para trabalhar,
das oriundas da sociedade - troca e divisão do trabalho, que
se determinam mutuamente. A condição prévia indispensável
da troca, porém, é a propriedade privada. Skarbek exprime
aqui objetivamente o que dizem Smith, Say, Ricardo, etc., ao
designar o egoísmo e o interesse próprio como base da troca
e o regateio comercialcomo a forma de troca essencial e
adequada.

Mill representa o comércio como conseqüência da divisão


do trabalho. Para ele, a atividade humana reduz-se
a movimento mecânico. A divisão do trabalho e o uso de
maquinaria promovem a abundância da produção. A cada
indivíduo deve ser dada a menor amplitude possível de
operações. A divisão do trabalho e o uso de maquinaria, por
sua vez, exigem a produção em massa da riqueza, i. é, de
produtos. Essa é a razão para a manufatura em larga escala.

(XXXVIII) A consideração da divisão do trabalho e


da troca é do máximo interesse, posto que são a
expressão perceptível, alienada, da atividade e
capacidades humanas como a atividade e as
capacidades próprias de uma espécie.

Declarar que a propriedade privada é a base da divisão do


trabalho e da troca é simplesmente afirmar que o trabalho é a
essência da propriedade privada; uma afirmação que o
economista não pode provar e que desejamos provar para
ele. É precisamente no fato de a divisão do trabalho e
datroca serem manifestações da propriedade privada que
encontramos a prova, primeiro de que a
vida humana necessitava da propriedade privada para sua
realização, e, segundo, que ela agora exige a revogação da
mesma.

A divisão do trabalho e a troca são os dois fenômenos que


levam o economista a gabar o caráter social de sua ciência,
enquanto, ao mesmo tempo, inconscientemente exprime a
natureza contraditória dessa ciência - o estabelecimento da
sociedade graças a interesses não-sociais, particulares.

Os fatores que temos de considerar agora são os


seguintes: a propensão a trocar - cuja base é o egoísmo - é
encarada como a causa do efeito recíproco da divisão do
trabalho. Say considera a troca como não sendo fundamental
para a natureza da sociedade. A riqueza e a produção são
explicadas pela divisão do trabalho e pela troca. O
empobrecimento e o desnaturamento da atividade individual
devido a divisão do trabalho, são admitidos. A troca e a
divisão do trabalho são reconhecidas como as fontes
da grande diversidade dos talentos humanos, que por sua vez
se torna útil em decorrência da troca. Skarbek distingue duas
partes nas faculdades produtivas dos homens: 1) as aptidões
específicas ou habilidades, as individuais e inatas, e a sua
inteligência; 2) as provindas não do indivíduo real, mas da
sociedade - a divisão do trabalho e a troca. Além disso, a
divisão do trabalho é limitada pelo mercado. O trabalho
humano é simples movimento mecânico; a maior parte é feita
pelas propriedades materiais dos objetos. O menor número
possível de operações deve ser atribuído a cada indivíduo.
Fissão do trabalho e concentração do capital; a nulidade da
produção do indivíduo e a produção em massa de riqueza.
Significado da propriedade privada livre na divisão do
trabalho.
continua >>>

Início da página

Notas:

[2] Uma parte da página está rasgada neste ponto, e seguem-se fragmentos de
seis linhas que são insuficientes para reconstruir a passagem. - Nota do T.
(retornar ao texto)
[3] O fim da página está rasgado e faltam várias linhas do texto. - Nota do T.
(retornar ao texto)

[4] As passagens seguintes são de A Riqueza das Nações, Livro I, Cap. II, III e IV.
Marx refere-se à tradução francesa: Recherches sur la nature et les causes de la
richesse des nations, por Adam Smith. Marx cita com omissões e em alguns casos,
parafraseia o texto original, usando a edição Everyman, colocando dentro de
colchetes as partes que foram parafraseadas. - Nota do T. (retornar ao texto)

[5] Destutt de Tracy, Éléments d'idéologie. Traité de la volonté et ses effets:, Paris,
1826, págs. 68, 78. (retornar ao texto)

[6] Jean-Baptiste, Say, Traité d'économie politique. 3éme édition, Paris, 1817. T. I,
pág. 300. (retornar ao texto)

[7] Ibid, pág. 76. (retornar ao texto)

[8] F. Skarbek, Théorie des richesses sociales, suivie d'une bibliographie de


l'économie politique, Paris, 1829, T. I, págs. 25-27. (retornar ao texto)

[9 ] James Mill, Elemeats of Political Economy, Londres, 1821. Marx cita da


traduçao francesa por J. T. Parisot (Paris, 1823). - Nota do T. (retornar ao texto)

Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx

Terceiro Manuscrito

Dinheiro

(XLI) Se os sentimentos, paixões, etc. do homem não são


meras características antropológicas no sentido mais restrito,
mas sim afirmações verdadeiramente ontológicas do ser
(natureza), e se só são realmente afirmadas na medida em
que seu objetivo existe como um objeto dossentidos, então é
evidente:

(1) que seu modo de afirmação não e um só e imutável,


mas, antes, que os diversos modos de afirmação constituem
o caráter distintivo de sua existência, de sua vida. A maneira
pela qual o objeto existe para eles é a forma distintiva de
sua gratificação;
(2) onde a afirmação sensorial é uma anulação direta do
objeto em sua forma independente (como ao beber, comer,
trabalhar um objeto, etc), esta é a afirmação do objeto;

(3) na medida em que o homem, e daí também seus


sentimentos, etc., são humanos, a afirmação do objeto por
outra pessoa também é sua gratificação própria;

(4) só por meio da indústria evoluída, i. é, por meio da


propriedade privada, concretiza-se a essência ontológica das
paixões humanas, em sua totalidade e humanidade; a própria
ciência do homem é um produto da autoformação do homem
graças à atividade prática;

(5) o significado da propriedade privada - liberta de sua


alienação - é a existência de objetos essenciais ao homem,
como objetos de divertimento e atividade.

O dinheiro, já que possui a propriedade de comprar tudo,


de apropriar objetos para si mesmo, é, por conseguinte
o object par excellence . O caráter universal
dessa propriedade corresponde à onipotência do dinheiro, que
é encarado como um ser onipotente. . . o dinheiro é
a proxenetaentre a necessidade e o objeto, entre a vida
humana e os meios de subsistência. Mas, o que serve de
medianeiro à minha vida também serve à existência de outros
homens para mim. Ele é para mim a outra pessoa.

"Com a breca! pernas, braços peito,


Cabeça, sexo, aquilo é teu;
Mas, tudo o que, fresco, aproveito,
Será por isso menos meu?
Se podes pagar seis cavalos,
As suas forças não governas?
Corres por morros, clivos, valos,
Qual possuidor de vinte e quatro pernas."
(GOETHE, Fausto, Mefistófeles)[N10]

Shakespeare em Tímon de Atenas:

"Que é isto? Ouro? Ouro amarelo, brilhante,


precioso? Não, deuses: eu não faço protestos vãos.
Raízes quero, ó céus azuis! Um pouco disto
tornaria o preto branco; o feio, belo; o injusto,
justo; o vil, nobre; o velho, novo; o covarde,
valente. Mas, oh, ó deuses! por que é isso? isto
que é, deuses? Isto fará com que os vossos
sacerdotes e os vossos servos se afastem de vós;
isto fará arrancar o travesseiro de debaixo das
cabeças dos homens fortes. Este escravo amarelo
fará e desfará religiões; abençoará os réprobos;
fará prestar culto à alvacenta lepra; assentará
ladrões, dando-lhes título, genuflexões e aplauso,
no mesmo banco em que se assentam os
senadores; isto é que faz com que a inconsolável
viuva contraia novas núpcias; e com que aquela,
que as úlceras purulentas e os hospitais tornavam
repugnante, fique outra vez perfumada e
apetecível como um dia de abril. Anda cá, terra
maldita, meretriz, comum a toda a espécie
humana, que semeia a desigualdade na turba-
malta das nações, vou devolver-te à tua verdadeira
natureza."

E mais adiante:

"Ó tu, amado regicida; caro divorciador da mútua


afeição do filho e do pai; brilhante corruptor dos
mais puros leitos do Himeneu! valente Marte! tu,
sempre novo, viçoso, amado galanteador, cujo
brilho faz derreter a virginal neve do colo de Diana!
tu, deus visível, que tornas os impossíveis fáceis, e
fazes como que se beijem! que em todas as
línguas te explicas para todos os fins! Ó tu, pedra
de toque dos corações! trata os homens, teus
escravos, como rebeldes, e, pela tua virtude,
arremessais a todos em discórdias devoradoras, a
fim de que as feras possam ter o mundo por
império!"[N11]

Shakespeare retrata admiravelmente a natureza do


dinheiro. Para entendê-lo, comecemos interpretando o trecho
de Goethe.

O que existe para mim por intermédio do dinheiro, aquilo


por que eu posso pagar (i. é, que o dinheiro pode comprar),
tudo isso sou eu, o possuidor de meu dinheiro. Meu próprio
poder é tão grande quanto o dele. As propriedades do
dinheiro são as minhas próprias (do possuidor) propriedades
e faculdades. O que eu sou e posso fazer, portanto, não
depende absolutamente de minha individualidade. Sou feio,
mas posso comprar a mais bela mulher para mim.
Consequentemente, não sou feio, pois o efeito da feiúra, seu
poder de repulsa, é anulado pelo dinheiro. Como indivíduo
sou coxo, mas o dinheiro proporciona-me vinte e quatro
pernas; logo, não sou coxo. Sou um homem detestável, sem
princípios, sem escrúpulos e estúpido, mas o dinheiro é
acatado e assim também o seu possuidor. O dinheiro é o bem
supremo, e por isso seu possuidor é bom. Além do mais, o
dinheiro poupa-me do trabalho de ser desonesto; por
conseguinte, sou presumivelmente honesto. Sou estúpido,
mas como o dinheiro é o verdadeiro cérebro de tudo, como
poderá seu possuidor ser estúpido? Outrossim, ele pode
comprar pessoas talentosas para seu serviço e não é mais
talentoso que os talentosos aquele que pode mandar neles?
Eu, que posso ter, mediante o poder do dinheiro, tudo que o
coração humano deseja, não possuo então todas as
habilidades humanas? Não transforma meu dinheiro, então,
todas as minhas incapacidades em seus contrários?

Se o dinheiro é o laço que me prende à vida humana, e a


sociedade a mim, e me liga à natureza e ao homem, não é
ele o laço de todos oslaços? Não é ele também, portanto, o
agente universal da separação? Ele é o meio real tanto
de separação quanto de união, a força galvano-químicada
sociedade.

Shakespeare ressalta particularmente duas propriedades


do dinheiro:

(1) ele é a divindade visível, a transformação de todas as


qualidades humanas e naturais em seus antônimos, a
confusão e inversão universal das coisas; ele converte a
incompatibilidade em fraternidade;

(2) ele é a meretriz universal, o alcoviteiro universal entre


homens e nações.
O poder de inverter e confundir todos os atributos
humanos e naturais, de levar os incompatíveis a
confraternizarem, o poder divino do dinheiro reside em seu
caráter como a vida espécie alienada e auto-alienadora do
homem. Ele é a força alienada da humanidade.

O que sou incapaz de fazer como homem, e, pois, o que


todas as minhas faculdades individuais são incapazes de
fazer, me é possibilitado pelo dinheiro. O dinheiro, por
conseguinte, transforma cada uma dessas faculdades em algo
que ela não é, em seu antônimo.

Se estou com vontade de comer, ou desejo de viajar na


diligência da posta por não ser bastante forte para ir a pé, o
dinheiro proporciona-me a refeição e a diligência, i. é, ele
transforma meus desejos de representações em realidades,
de seres imaginários em seres reais. Atuando assim como
mediador, o dinheiro é uma força genuinamente criadora.

A procura também existe para o indivíduo sem dinheiro,


mas sua procura é mera criatura da imaginação, que não tem
efeito nem existência para mim, para um terceiro, para. . .
(XLIII) e que, assim, permanece irreal e sem objeto. A
diferença entre a procura efetiva, apoiada pelo dinheiro, e a
inefetiva, baseada em minhas necessidades, minha paixão,
meu desejo, etc., é a diferença entre ser e pensar, entre a
representação meramenteinterior e a representação existente
fora de mim mesmo como objeto real.

Se não disponho de dinheiro para viajar, não


tenho necessidade - nenhuma necessidade real e auto-
realizável - de viajar. Se tenho vocação para estudar, mas
não disponho do dinheiro para isso, então não tenho vocação,
i. é, não tenho vocação efetiva, legítima. O dinheiro é o meio
e poder, externo e universal (não oriundo do homem como
homem ou da sociedade humana como sociedade) para
mudar a representação em realidade e a realidade em mera
representação. Ele transforma faculdades humanas e naturais
reais em meras representações abstratas, i. é, imperfeições e
torturantes quimeras; e, por outro lado,
transforma imperfeições e fantasias reais, faculdades deveras
importantes e só existentes na imaginação do indivíduo,
em faculdades e poderes reais. A esse respeito, portanto, o
dinheiro é a inversão geral das individualidades, convertendo-
as em seus opostos e associando qualidades contraditórias às
qualidades delas.

O dinheiro, então, aparece como uma


força demolidora para o indivíduo e para os laços sociais, que
alegam ser entidades auto-subsistentes. Ele converte a
fidelidade em infidelidade, amor em ódio, ódio em amor,
virtude em vício, vício em virtude, servo em senhor,
boçalidade em inteligência e inteligência em boçalidade.

Posto que o dinheiro, como conceito existente e ativo do


valor, confunde e troca tudo, ele é a confusão e
transposição universais de todas as coisas, o mundo
invertido, a confusão e transposição de todos os atributos
naturais e humanos.

Aquele que pode comprar a bravura é bravo, malgrado


seja covarde. O dinheiro não é trocado por uma qualidade
particular, uma coisa particular ou uma faculdade humana
especifica, porém por todo o mundo objetivo do homem e da
natureza. Assim, sob o ponto de vista de seu possuidor, ele
troca toda qualidade e objeto por qualquer outro, ainda que
sejam contraditórios. Ele é a confraternização dos
incomparáveis; força os contrários a abraçarem-se.

Suponhamos que o homem seja homem e que sua relação


com o mundo seja humana. Então, o amor só poderá ser
trocado por amor, confiança, por confiança, etc. Se se desejar
apreciar a arte, será preciso ser uma pessoa artisticamente
educada; se se quiser influenciar outras pessoas, será mister
se ser uma pessoa que realmente exerça efeito estimulante e
encorajador sobre as outras. Todas as nossas relações com o
homem e com a natureza terão de ser uma expressão
específica, correspondente ao objeto de nossa escolha, de
nossa vida individual real. Se você amar sem atrair amor em
troca, i. é, se você não for capaz, pela manifestação de você
mesmo como uma pessoa amável, fazer-se amado, então seu
amor será impotente e um infortúnio.
continua >>>
Notas:

[10] Goethe, Fausto, Parte 1, Cena 4. Esta passagem foi tirada da trad. por Bayard
Taylor, The Modem Library, Nova York, 1950 - N. do T (N. do T. - Em português,
recorremos à trad. de Jenny Klabin Segail, S. Paulo, Instituto Progresso Editorial,
1949, pàg. 106.) (retornar ao texto)

[11] Shakespeare, Timon of Athens, Act Iv, Scene 3. Marx citou a traduçao (alemã)
de Schlegel-Tieck. - Nota do T. (N. do T. - Recorremos à tradução portuguesa de
Henrique Braga, Pôrto, Livraria Chardron, de Leilo & Irmao, 1913, págs. 119 e
145.) (retornar ao texto)

Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx

Terceiro Manuscrito

Crítica da Filosofia Dialética e Geral de Hegel

(6) Este talvez seja um ponto apropriado a explicar e


substanciar o que foi dito, e a tecer certos comentários gerais
a respeito da dialética deHegel, especialmente como se acha
exposta na Fenomenologia e na Lógica, e a respeito de sua
relação com o moderno movimento crítico.

A crítica alemã moderna tem estado tão preocupada com


o passado, e tão tolhida por seu enredamento com o tema,
que tinha uma atitude totalmente pouco crítica face aos
métodos de crítica e ignorava completamente a pergunta, em
parte formal, mas de fato essencial qual nossa posição
relativamente à dialética hegeliana? Essa ignorância da
relação da crítica moderna com a filosofia geral de Hegel, e
em particular com a dialética, era tão grande que críticos
como Strauss e Bruno Bauer (o primeiro em todos os seus
trabalhos; o último em seu Synoptiker, onde em oposição a
Strauss, ele substitui a "autoconsciência" do homem abstrato
pela substância da - "natureza abstrata", e mesmo em Das
entdeckte Christentum) viram-se, pelo menos implicitamente,
presos na armadilha da lógica hegeliana. Assim, por exemplo,
em Das entdeckte Christentum, argumenta-se: "Como se a
autoconsciência ao postular o mundo, o que é diferente, não
se produzisse a si mesma ao produzir seu objeto; pois então
ela anula a diferença entre si mesma e o que produziu, já que
só tem existência nessa criação e movimento, só tem sua
finalidade nesse movimento, etc." Ou então: "Eles (os
materialistas franceses) não podiam ver que o movimento do
universo só se tornou real e unificado em si mesmo na
medida em que é o movimento da autoconsciência." Essas
expressões não só não diferem do conceito hegeliano, como o
reproduzem textualmente.

(XII) Quão pouco esses autores, ao empreenderem sua


crítica (Bauer em seu Synoptiker) se davam conta de sua
relação com a dialética deHegel, e quão pouco essa percepção
brotou de sua crítica, é demonstrado por Bauer em seu Gute
Sache der Freiheit quando, em vez de responder à pergunta
indiscreta feita por Gruppe, "E agora, o que fazer com a
lógica?", ele a transfere a futuros críticos.

Agora que Feuerbach, em sua "Thesen" em Anecdotis, e


com maior minúcia em sua Philosophie der Zukunft, demoliu
o princípio interior da dialética e da filosofia antigas, a "Escola
Crítica", que foi incapaz de fazer isso por si mesma mas viu-o
realizado, proclamou-se a crítica pura, decisiva, absoluta e
finalmente esclarecida, e em sua soberba espiritual reduziu
todo o movimento histórico à relação existente entre ela
mesma e o resto do mundo, enquadrado na categoria de a
massa". Ela reduziu todas as antíteses dogmáticas
a única antítese dogmática entre sua própria sagacidade e a
estupidez do mundo, entre o Cristo crítico e a humanidade - a
ralé. Em todos os instantes do dia, demonstrou sua própria
excelênciavis-à-vis a estultícia da massa, e anunciou,
finalmente, o juízo final crítico, proclamando estar iminente o
dia em que toda a humanidade decaída se reunirá diante dela
e será dividida em grupos, a cada um dos quais será entregue
o respectivo testimoniu paupertatis (certificado de pobreza).
A Escola Critica tornou pública sua superioridade sobre todos
os sentimentos humanos e o mundo, acima do qual ela está
sentada num trono em sublime solidão, contente de ocasional
mente deixar escapar dos lábios o riso dos deuses do Olimpo.
Após todas essas momices divertidas do idealismo (do Jovem
Hegelianismo) que está expirando sob a forma de crítica, a
Escola Crítica ainda nem insinuou até agora ser necessário
examinar criticamente sua própria fonte, a dialética de Hegel,
nem deu qualquer indicação de sua relação com a dialética
de Feuerbach. Esse é um procedimento completamente
desprovido de senso crítico.

Feuerbaché a única pessoa que tem uma relação séria e


critica com a dialética de Hegel, efetuou descobrimentos
verdadeiros nesse campo e, acima de tudo, levou de vencida
a velha filosofia. A grandeza do feito de Feuerbach e a
modesta simplicidade com que apresenta sua obra ao mundo,
contrastam incrivelmente com a conduta de outros:

A grande realização de Feuerbach é:

(1) ter mostrado a filosofia nada mais ser do que a


religião trazida para o pensamento e desenvolvida por este,
de vendo ser igualmente condenada como outra forma e
modo de existência da alienação humana;

(2) ter lançado os fundamentos do materialismo genuíno e


da ciência positiva, ao fazer da relação social de "homem com
homem" o principio básico de sua teoria;

(3) ter-se oposto à negação da negação que alega ser o


positivo absoluto um princípio auto-suficiente, positivamente
baseado em si mesmo.

Feuerbach explica a dialética de Hegel e, ao mesmo


tempo, justifica a adoção do fenômeno positivo, aquele que é
perceptível e indubitável, como ponto de partida, da seguinte
maneira: Hegel principia pela alienação da substância
(logicamente, pelo infinito, pelo universal abstrato), pela
abstração absoluta e fixa; i. é, em linguagem comum, pela
religião e pela teologia. Em segundo lugar, cancela o infinito e
postula o real, o perceptível, o finito e o particular. (Filosofia,
cancelamento da religião e da teologia.) Em terceiro lugar, a
seguir revoga o positivo e restabelece a abstração, o infinito.
(Restabelecimento da religião e da teologia.)

Destarte, Feuerbach concebe a negação da negação como


sendo apenas uma contradição dentro da própria filosofia,
que afirma a teologia (transcendência, etc.) após tê-la
anulado, e assim a afirma em oposição à filosofia.

Pois o postulado ou auto-afirmação e autoconfirmação


implícito na negação da negação é encarado como um
postulado ainda incerto, oprimido pelo seu contrário,
duvidando de si mesmo e por isso incompleto, não
demonstrado por sua própria existência, e implícito. (XIII) O
postulado perceptualmente indubitável e alicerçado em si
mesmo, opõe-se-lhe diretamente.

Ao conceber a negação da negação, sob o aspecto da


relação positiva a ela inerente, como a única verdadeiramente
positiva, e sob o aspecto da relação negativa a ela inerente,
como o único ato verdadeiro, e que se confirma a si próprio,
de todo o ser, Hegel descobriu simplesmente uma
expressão abstrata, lógica e especulativa do processo
histórico, que ainda não é a verdadeira história do homem
como um dado sujeito, mas apenas a história
do ato de criação, da gênese do homem.

Explicaremos tanto a forma abstrata desse processo


quanto a diferença entre o processo como foi ideado
por Hegel e pela crítica moderna, e porFeuerbach em Das
Wesen des Christentums; ou melhor, a forma crítica desse
processo, ainda tão pouco crítico em Hegel.

Examinemos o sistema de Hegel. É necessário começar


pela Fenomenologia, porque aí nasceu a filosofia de Hegel e aí
seu segredo tem de ser descoberto.

Fenomenologia

A. Autoconsciência
1. Consciência.
(a) Certeza da experiência sensorial, ou o "isto" e
o significado.
(b) Percepção, ou a coisa com suas propriedades,
e ilusão.
(c) Poder e compreensão, fenômenos e o mundo supra-
sensível.
II. Autoconsciência. A verdade da certeza de si mesmo.
(a) Independência e dependência da autoconsciência,
dominação e servidão.
(b) Liberdade da autoconsciência. Estoicismo, ceticismo,
a consciência infeliz.
III. Razão. Certeza e verdade da razão.
(a) Razão perceptível: observação da natureza e da
autoconsciência.
(b) Auto-realização da autoconsciência racional. Prazer e
necessidade. A lei do coração e o frenesi da vaidade. A
virtude e a trajetória do mundo.
(c) A individualidade que é real em si e para si mesma. O
reino animal espiritual e a burla, ou a própria coisa.
Razão legislativa. Razão que põe à prova as leis.
B. Espirito
I- Espírito verdadeiro; moral consuetudinária.
II- Espírito auto-alienado; cultura.
III- O espírito certo de si mesmo; moral.
C. Religião
Religião natural, a religião da arte, religião revelada.
D. Conhecimento absoluto.

A Encyclopaedia de Hegel começa com a lógica, com


o pensamento especulativo puro, e termina com o
conhecimento absoluto, a inteligência filosófica ou absoluta,
autoconsciente e capaz de conceber a si mesma, i. é, a
inteligência sobre-humana, abstrata. O conjunto
da Encyclopaedianada mais é que o ser prolongado da
inteligência filosófica, sua auto-objetificação; e a inteligência
filosófica nada mais é do que a inteligência alienada do
mundo pensando dentro dos limites de sua auto-alienação, i.
é., concebendo-se a si mesma de forma abstrata. A lógica é
o dinheiro da mente, o valor-pensamento especulativo do
homem e da natureza cuja essência é indiferente a qualquer
caráter real determinado e, portanto, irreal;
o pensamento que é alienado e abstrato e ignora o homem e
a natureza reais. O caráter externo desse pensamento
abstrato. . . a natureza como existe para esse pensamento
abstrato. A natureza é externa a ele, uma privação dele
mesmo, e só concebida como algo externo, como pensamento
abstrato, mas pensamento abstrato alienado. Finalmente, o
espírito, esse pensamento retornando à própria origem e que,
como espírito antropológico, fenomenológico, psicológico,
consuetudinário, artístico-religioso, não é válido para si
mesmo até se descobrir e relacionar-se com conhecimento
absoluto no espírito absoluto (i. é, abstrato), quando recebe
sua existência consciente e adequada. Pois seu verdadeiro
modo de existência é a abstração.
Hegel comete um duplo erro. O primeiro aparece mais
claramente na Fenomenologia o berço de sua filosofia.
Quando Hegel concebe a riqueza, o poder do Estado, etc.,
como entidades alienadas do ser humano, ele as concebe
somente em sua forma de noções. Elas são entes de razão e,
assim, simplesmente uma alienação do pensamento puro (i.
é, filosófico abstrato). O movimento inteiro, por conseguinte,
acaba no conhecimento absoluto. É exatamente o
pensamento abstrato de que esses objetos se acham
alienados e enfrentam com sua presunçosa realidade.
O filósofo, ele próprio uma forma abstrata de homem
alienado, instala-se a si mesmo como a medida do mundo
alienado. Toda a história da alienação, e do retraimento da
alienação, portanto, é apenas a história da produção de
pensamento abstrato, i. é, de pensamento absoluto, lógico,
especulativo. O alheamento, que assim forma o verdadeiro
interesse dessa alienação e da revogação dessa alienação, é a
oposição de em si e para si, de consciência eautoconsciência,
de objeto e sujeito, i. é, a oposição, no próprio pensamento,
entre pensamento abstrato e realidade sensível ou existência
sensorial real. Todas as outras contradições e movimentos
são a mera aparência, a máscara, a forma exotérica desses
dois opostos, os únicos importantes e que constituem
a significância do outro, contradições profanas. Não é o fato
de o ser humano objetificar-se desumanamente, em oposição
a si mesmo, mas o de ele objetificar-se distinguindo-se e
opondo-se ao pensamento abstrato, que constitui alienação
como existe e como tem de ser transcendida.

(XVIII) A apropriação das faculdades objetificadas e


alienadas do homem é, pois, em primeiro lugar, apenas
uma apropriação efetuada naconsciência, no pensamento
puro, i. é, em abstração. E a apropriação desses objetos
como pensamentos e como movimentos do pensamento. Por
essa razão, a despeito de sua aparência perfeitamente
negativa e crítica, e a despeito da critica genuína nela
encerrada freqüentemente antecipar progressos ulteriores, já
estão implícitos na Fenomenologia, como germe,
potencialidade e segredo, o positivismo e idealismo não-
críticos de obras posteriores de Hegel - a dissolução filosófica
e restauração do mundo empírico existente. Em segundo
lugar, a defesa do mundo objetivo para o homem (por
exemplo, o reconhecimento da percepção dos sentidos não
ser percepção sensorial abstrata, mas percepção
sensorial humana, de a religião, a riqueza, etc., serem apenas
a realidade alienada da objetificação humana, de faculdades
humanas postas em ação e, portanto, umcaminho para a
realidade humana genuína), essa apropriação, ou o
discernimento desse processo, aparece em Hegel como o
reconhecimento dosensacionalismo, religião, poder estatal,
etc., como fenômenos mentais, pois só a mente é
a verdadeira essência do homem, e a verdadeira forma da
mente é a mente pensante, a mente lógica e especulativa.
O caráter humano da natureza, da natureza produzida
historicamente, dos produtos do homem, é demonstrado por
eles serem produtos da mente abstrata e, pois, fases
da mente, entes de razão. A Fenomenologia é uma crítica
velada, obscura e mistificadora, mas, na medida em que
concebe a alienação do homem (conquanto o homem apareça
exclusivamente como mente) todos os elementos da crítica
acham-se nela contidos, e são amiúde apresentados e
trabalhados de forma que ultrapassa de longe o ponto de
vista do próprioHegel. As seções dedicadas à consciência
infeliz", à "consciência honesta", à porfia entre a consciência
"nobre" e a "vil", etc., etc., encerram os
elementos críticos (se bem que ainda sob forma alienada) de
áreas inteiras, como a religião, o Estado, a vida civil, etc.
Assim como a entidade, o objeto, aparece como um ente de
razão, também o sujeito é sempre a consciência ou
autoconsciência; ou melhor, o objeto aparece apenas como
consciência abstrata e o homem como autoconsciência.
Assim, as formas distintivas da alienação manifestadas são
meras formas diferentes de consciência e autoconsciência.
Com a consciência abstrata (a forma em que o objeto é
concebido) é em si mesma unicamente um momento
distintivo da autoconsciência, o resultado do movimento é a
identidade de autoconsciência e consciência - conhecimento
absoluto - o movimento do pensamento abstrato não se
voltando para fora, mas para dentro de si mesmo; i. é, daí
resulta a dialética do pensamento puro.

(XXIII) A proeza extraordinária


da Fenomenologia de Hegel - a dialética do negativismo como
principio motor e criador - é, primeiramente, Hegelperceber a
autocriação do homem como um processo, a objetificação
como perda do objeto, como alienação e transcendência
dessa alienação, e, por isso, perceber a natureza do trabalho,
e conceber o homem objetivo (verdadeiro, porque real) como
o resultado de seu próprio trabalho. A orientaçãoreal, ativa,
do homem para si mesmo como ente-espécie, ou a afirmação
de si mesmo como verdadeiro ente-espécie (i. é, como ser
humano) só é possível na medida em que ele de fato põe em
ação todas as potencialidades da espécie (o que somente é
possivel graças à cooperação da humanidade e como produto
da História) e trata esses poderes como objetos, o que de
inicio só pode ser feito sob a forma de alienação.

Mostraremos, a seguir, pormenorizadamente, o


unilateralismo e as limitações de Hegel, como são revelados
no capitulo final de suaFenomenologia sobre o conhecimento
absoluto, capítulo esse que contém o espírito concentrado de
todo o livro, sua relação com a dialética, e também
a consciência do próprio Hegel quanto a ambas e à sua inter-
relação.

No momento, façamos estas observações preliminares: o


ponto de vista de Hegel é o da moderna Economia Política.
Ele concebe o trabalho como a essência, a essência
autoconfirmadora do homem; observa somente o aspecto
positivo do trabalho, não o seu aspecto negativo. O trabalho é
amarcha do homem para se tornar ele próprio dentro
da alienação, ou como homem alienado. Assim, o que acima
de tudo constitui a essência da filosofia, a alienação do
homem conhecendo-se a si mesmo, ou a ciência alienada
concebendo-se a si mesma, Hegel percebe como essência
dela. Consequentemente, ele fica em condições de reunir os
elementos separados da filosofia anterior e apresentar a sua
própria como sendo a Filosofia. O que outros filósofos
fizeram, isto é, conceber elementos isolados da natureza e da
vida humana, como fases da autoconsciência e, deveras, da
autoconsciência abstrata, Hegel sabe por fazer filosofia; por
conseguinte, sua ciência é absoluta.

Passemos agora ao nosso tema:

Conhecimento absoluto
O capítulo final da Fenomenologia

O ponto capital é o objeto da consciência nada mais ser do


que autoconsciência, o objeto ser apenas autoconsciência
objetificada, autoconsciência como um objeto. (Homem que
postula = autoconsciência.)

É necessário, pois, vencer o objeto da consciência.


A objetividade como tal é considerada apenas uma relação
humana alienada não correspondente à essência do homem,
a autoconsciência. A reapropriação da essência objetiva do
homem, produzida como algo alheio ao homem e
determinado pela alienação, significa a revogação não só
da alienação mas também da objetividade; isto é, o homem é
visto como um ser não-objetivo, espiritual.

A processo de superação do objeto da consciência é


descrito por Hegel da seguinte maneira: o objeto não se
revela apenas como retornando ao Eu (segundo Hegel, essa é
uma concepção unilateral do movimento, considerando
somente um aspecto). O homem e igualado ao eu. O Eu, no
entanto, é apenas o homem concebido abstratamente e
produzido por abstração. O homem é auto-referível. Seu olho,
seu ouvido, etc., são auto-referíveis; todas as suas
faculdades possuem essa qualidade de auto-referência. É
inteiramente falso, todavia, dizer, por isso, "A
autoconsciênciatem olhos, ouvidos, faculdades." A
autoconsciência é antes uma qualidade da natureza humana,
do olho humano, etc.; a natureza humana não e uma
qualidade da (XXIV) autoconsciência.

O Eu, abstraído e determinado por si mesmo, é o homem


como um egoísta abstrato, egoísmo puramente abstrato
elevado ao plano do pensamento. (Voltaremos a esse ponto
mais adiante.)

Para Hegel, a vida humana, o homem, é equivalente


a autoconsciência. Toda a alienação da vida humana é,
assim, nada mais que alienação da autoconsciência. A
alienação da autoconsciência não é vista como a expressão,
refletida no conhecimento e no pensamento,
da verdadeira alienação da vida humana. Ao invés, a
alienação efetiva, que parece real, em sua mais
íntima natureza oculta (que é pela primeira vez desvendada
pela filosofia) é apenas a existência fenomenal da alienação
da vida humana real, da autoconsciência. A ciência que
abrange isso é, por conseguinte, denominada Fenomenologia.
Toda reapropriação da vida objetiva alienada aparece, assim,
como uma incorporação à autoconsciência. A pessoa que se
apodera do ser humano é apenas a autoconsciência que se
apodera do ser objetivo; a volta do objeto para dentro do Eu,
portanto, é a reapropriação do objeto.

Expressa de maneira mais lata, a revogação do objeto da


consciência significa: (1) que o objeto como tal se apresenta
à consciência como algo que desaparece; (2) que é a
alienação da autoconsciência que estabelece o característico
de "coisa"; (3) que essa alienação tem
significado positivoassim como negativo; (4) que ela tem esse
significado não apenas para nós ou em si, mas também para
a própria autoconsciência; (5) que para a autoconsciência a
negação do objeto, sua revogação, tem significado positivo,
ou a autoconsciência conhece a nulidade do objeto porquanto
ela se aliena a si mesma, pois nessa alienação ela se
estabelece como objeto ou, em prol da união indivisível
de existir por si mesma, estabelece o objeto como ela
própria; (6) que, por outro lado, esse outro "momento" está
igualmente presente, a auto consciência revogou e
reabsorveu essa alienação objetivamente, e está, assim, em
casa em seu outro ser como tal; (7) que esse e o movimento
da consciência, e esta é, então, a totalidade de seus
"momentos"; (8) que, analogamente, a consciência deve ter-
se relacionado com o objeto em todas as suas determinações,
e tê-lo concebido em função de cada uma delas. Essa
totalidade de determinações faz o objeto intrinsecamente, um
ser espiritual, e ele se torna assim, deveras, para a
consciência, pela apreensão de cada uma dessas
determinações como o Eu, ou pelo que foi anteriormente
chamado de atitude espiritual para com elas.

ad (1) Que o objeto como tal se apresenta à consciência


como algo que desaparece, é a acima mencionada volta do
objeto para o Eu.
ad (2) A alienação da autoconsciência estabelece
o característico de "coisa". Porque o homem se iguala à
autoconsciência, seu ser objetivo alienado ou "coisa" e
equivalente à autoconsciência alienada, e essa alienação
estabelece a situação de "coisa". ("Coisa" é o que é um objeto
para ele, e um objeto para ele só é realmente aquilo que é
um objeto essencial, consequentemente
essência objetiva dele mesmo. E como ela não é ohomem
verdadeiro, nem sua natureza - o homem sendo natureza
humana - que se torna como tal um sujeito, mas apenas uma
abstração do homem, a autoconsciência, a "coisa" só pode
ser autoconsciência alienada.) É bem compreensível um ser
natural, vivo, dotado de faculdades objetivas (i. é, materiais)
ter objetos naturais reais de seu ser, e igualmente sua auto-
alienação ser o estabelecimento de um mundo objetivo, real,
mas sob a forma de exterioridade, como um mundo que não
pertence a, e domina, o seu ser. Nada há de ininteligível ou
de misterioso acerca disso. O inverso, sim, seria misterioso.
Mas, é igualmente claro que uma autoconsciência, i. é, sua
alienação, só pode estabelecer a situação de "coisa", i. é,
somente uma coisa abstrata, uma coisa criada pela abstração
e não uma coisa real. É claro (XXVI), ademais, que a situação
de "coisa" carece totalmente de independência, em ser, vis-à-
vis, a autoconsciência; e um mero construto estabelecido pela
autoconsciência. E o que é estabelecido não é confirmável por
si mesmo; é a confirmação do ato de estabelecimento que,
por um instante, e só por um instante, fixa sua energia como
produto e,aparentemente, confere-lhe o papel de ser
independente e real.

Quando o homem real, corpóreo, com os pés firmemente


plantados no chão, aspirando e expirando todas as forças da
natureza, postula suas faculdades objetivas reais, como
resultado de sua alienação, como objetos alienados,
o postulador não é o sujeito desse ato mas a subjetividade da
faculdade objetiva cuja ação, pois, também deve ser objetiva.
Um ser objetivo age objetivamente, e não agiria
objetivamente se a objetividade não fizesse parte de seu ser
essencial. Ele cria e estabelece apenas objetos porque é
estabelecido por objetos e porque é
fundamentalmente natural. No ato de estabelecer, não desce
de sua "atividade pura" para a criação de
objetos; seu produto objetivo simplesmente confirma sua
atividade objetiva, sua atividade como ser natural, objetivo.

Vemos aqui como o naturalismo ou humanismo coerente


se distingue tanto do idealismo como do materialismo e, ao
mesmo tempo, constitui a sua verdade unificadora. Vemos,
também, como só o naturalismo está em condições de
compreender o processo da história mundial.

O homem é diretamente um ser natural. Como tal, e como


ser natural vivo, ele é, de um lado, dotado
de poderes e forças naturais, nele existentes como tendências
e habilidades, como impulsos. Por outro lado, como ser
natural, dota dotado de corpo, sensível e objetivo, ele é um
sersofredor, condicionado e limitado, como os animais e
vegetais. Os objetos de seus impulsos existem fora dele
como objetos dele independentes; sem embargo, são objetos
das necessidades dele, objetos essenciais indispensáveis ao
exercício e a confirmação de suas faculdades. O fato de o
homem ser dotado de corpo, vivo, real, sensível e objetivo,
com poderes naturais, significa ter objetos reais e
sensíveis como objetos de seu ser, ou só poder expressar seu
ser em objetos reais e sensíveis. Ser objetivo, natural,
sensível e, ao mesmo tempo, ter objeto, natureza e sentidos
fora de si mesmo, ou ser ele mesmo objeto, natureza e
sentidos para um terceiro, é a mesma coisa. A fome é
uma necessidade natural; ela exige, portanto,
uma natureza a ela extrínseca, um objeto a ela extrínseco, a
fim de ser satisfeita e aplacada. A fome e a necessidade
objetiva que um corpo tem de um objeto existente fora dele e
essencial para sua integração e a expressão de sua natureza.
O sol é um objeto, um objeto necessário e assegurador de
vida para a planta, tal como a planta é um objeto para o sol,
uma expressão do poder vivificador e dos poderes essenciais
objetivos do sol.

Um ser que não tenha sua natureza fora de si mesmo não


é um ser natural e não compartilha da existência da natureza.
Um ser sem objeto fora de si mesmo não é um ser objetivo.
Um ser que não seja, ele próprio, o objeto para um terceiro
ser, não possui ser para seu objeto, i. é, não é relacionado
objetivamente e seu ser não é objetivo.
(XXVII) Um ser não-objetivo é um não-ser. Suponhamos
um ser que não seja objeto por si mesmo nem tenha objeto.
Em primeiro lugar, um ser assim seria o único ser; nenhum
outro existiria fora dêle, e êle estaria sôzinho e solitário. Pois,
desde que existam objetos fora de mim, logo que eu não
esteja só, sou um outro, uma outra realidade com relação ao
objeto exterior a mim. Para êsse terceiro objeto, portanto,
sou uma outra realidade, que não é, i. é, o objeto dele. Supor
um ser que não é objeto de outro, seria supor não existir ser
objetivo nenhum. Logo que tenho um objeto, êsse objeto tem
a mim para objeto dêle. Um ser não-objetivo, porém, é um
ser irreal, insensível, meramente concebido; i. e, um ser
simplesmente imaginado, uma abstração. Ser sensorial, i. é,
real, é ser um objeto dos sentidos ou objeto sensorial e, pois,
ter objetos sensoriais fora de si mesmo, obje tos de suas
próprias sensações. Ser sensível é sofrer (expe rienciar).

O homem, como ser sensível objetivo, é um ser sofredor,


e como sente seu sofrimento, um ser apaixonado. A paixão é
o esfôrço das faculdades do homem para atingirem seu
objetivo.

Contudo, o homem não é apenas um ser natural; êle é um


ser natural humano. Ele é um ser por si mesmo e, portanto,
um ente-espécie; como tal, tem de expressar-se e autenticar-
se ao ser assim como ao pensar. Consequentemente, os
objetos humanos não são objetos naturais como se
apresentam diretamente, nem é o sentido humano, como
é dado imediata e objetivamente, sensibilidade e
objetividade humanas. Nem a natureza objetiva nem a
subjetiva são apresentadas diretamente de forma adequada
ao ser humano. E como tudo o que é natural tem de ter
uma origem, o homem tem então seu processo de gênese, a
História, que é para êle, entretanto, um processo consciente
e, portanto, conscientemente autotranscendente. (Voltaremos
a isso mais tarde.)

Em terceiro lugar, como êsse estabelecimento da situação


de "coisa" e em si mesmo so' mente uma aparência, um ato
que contradiz a natureza da atividade pura, tem de ser
novamente anulado e a situação de "coisa" tem de ser
negada.
ad 3, 4, 5, 6. (3) Essa alienação da consciência não tem
só significado negativo, mas também positivo, e (4) tem êsse
significado positivo não apenas para nós ou em si mesma,
mas para a própria consciência. (5) Para a consciência a
negação do objeto, ou sua anulação de si mesmo por êsse
meio, tem significado positivo; ela sabe da nulidade do objeto
pelo fato de alienar-se a si mesma, porque nesta alienação
ela se conhece como o objeto ou, em benefício da união
indivisível do ser-para-si-mesmo, conhece o objeto como êle
próprio. (6) Por outro lado, êsse outro "momento" está
igualmente presente, em que a consciência revogou e
reabsorveu essa alienação e objetividade e está, assim, em
casa em seu outro ser como tal.

Já vimos que a apropriação do ser objetivo alienado, ou a


revogação da objetividade na situação de alienação (que tem
de evoluir da não-identidade indiferente para a alienação
antagônica de verdade) significa para Hegel, também, ou
primordialmente, a revogação da objetividade, uma vez que
não é o caráter determinado do objeto mas seu
caráter objetivo que é o próbrio da alienação para a
autoconsciência. O objeto, portanto, é negativo, auto-
anulador, uma nulidade. Essa nulidade do objeto tem
significado positivo, assim como negativo, para a consciência,
pois êle é a autoconfirmação da não-objetividade, (XXVIII) o
caráter abstrato dêle mesmo. Para a própria consciência, por
conseguinte, a nulidade do objeto tem significado positivo por
ela conhecer essa nulidade, ser objetivo, como sua auto-
alienação, e saber que essa nulidade só existe graças à sua
auto-alienação. . .

O modo em que a consciência é, e em que algo é para ela,


o conhecimento. Conhecer é sua única ação. Assim, algo
chega a existir para a consciência na medida em que
ela conhece esse algo. Conhecer e sua única relação objetiva.
Ela conhece (ou sabe), então, a nulidade do objeto (i. é, sabe
a não-existência da distinção entre si mesma e o objeto, a
não-existência do objeto para ela) por ela conhecer o objeto
como sua auto-alienação. Isso quer dizer, ela conhece a si
mesma (conhece, conhecendo como um objeto) porque o
objeto é apenas uma imagem de um objeto, uma ilusão, que
intrinsecamente nada é senão o conhecer-se que se defrontou
consigo mesmo, estabeleceu em face de si mesmo
uma nulidade, um "algo" que não tem existência objetiva fora
do próprio conhecimento. O saber sabe que ao se relacionar
com um objeto está apenas fora de si mesmo, aliena-se, e
que ele só lhe parece como um objeto; ou, por outras
palavras, que aquilo que lhe aparece como objeto é apenas
ele próprio.

Por outro lado, Hegel diz, esse momento" está presente


ao mesmo tempo; ou seja, que a consciência igualmente
revogou e reabsorveu essa alienação e objetividade e,
consequentemente, está em casa em seu outro ser como tal.
Neste exame, todas as ilusões da especulação acham-se
congregadas.

Primeiro, a consciência - autoconsciência - está em casa


em seu outro ser como tal. Ela está, portanto - se nos
abstrairmos da abstração deHegel e substituirmos a
autoconsciência por autoconsciência do homem - em casa em
seu outro ser como tal. Isso subentende, primeiramente, que
a consciência (saber como saber, pensamento como
pensamento) alega ser diretamente o outro de si mesma, o
mundo sensorial, a realidade, a vida; é o pensamento
ultrapassando-se a si mesmo em pensamento (Feuerbach).
Este aspecto é nela contido, na medida em que a consciência
como mera consciência não é afrontada pela objetividade
alienada mas pela objetividade como tal.

Em segundo lugar, isso implica no homem autoconsciente,


na medida em que tenha reconhecido e revogado o mundo
espiritual (ou o mundo espiritual universal de existência de
seu mundo) o confirmar, a seguir, novamente, nessa forma
alienada e apresentá-lo como sua existência verídica; ele o
restabelece e alega estar em casa em seu outro ser. Assim,
por exemplo, após revogar a religião, quando a reconheceu
como produto da auto-alienação, em seguida ele encontra
uma confirmação de si mesmo na religião como religião. Essa
é a raiz do falso positivismo de Hegel, ou de sua
meramente aparente crítica; o que Feuerbach denomina de
pressuposto, negação e restabelecimento da religião ou
teologia, mas que tem de ser concebido de maneira mais
generalizada. Assim, a razão está em casa no absurdo como
tal. O homem, que reconheceu estar levando uma vida
alienada no direito, política, etc., vive sua vida
verdadeiramente humana nessa vida alienada como tal. A
auto-afirmação, em contradição consigo mesma, e com o
conhecimento e a natureza do objeto, é, pois, o
verdadeiro conhecimento e vida.

Não pode haver mais dúvida acerca da transigência


de Hegel com a religião, o Estado, etc., pois esta mentira é a
mentira de toda sua argumentação.

(XXIX) Se conheço a religião como autoconsciência


humana alienada, o que conheço nela como religião não é
minha autoconsciência, porém minha autoconsciência
alienada nela confirmada. Assim, meu próprio eu, e a
autoconsciência que e a essência dele, não são confirmados
na religião, mas na abolição e revogação da religião.

Em Hegel, portanto, a negação da negação não é a


confirmação do verdadeiro ser pela negação do ser ilusório. E
a confirmação do ser ilusório, ou do ser auto-alienado em sua
negação; ou o repúdio desse ser ilusório como ser objetivo
existente fora do homem e independentemente dele, e sua
transformação em sujeito.

O ato de revogação desempenha parte estranha,


onde repúdio e preservação, repúdio e afirmação, se acham
entre-laçados. Assim, por exemplo, na Filosofia do
Direito de Hegel, o direito privado revogado é igual à moral, a
moral revogada igual à família, a família revogada igual
à sociedade civil, a sociedade civil revogada igual ao Estado e
o Estado revogado igual à história mundial.
Mas, concretamente, direito privado, moral, a família, a
sociedade civil, o Estado, etc., permanecem; só se
transformaram em "momentos", modos da existência do
homem, sem validade quando isolados mas que mutuamente
se dissolvem e geram um ao outro. Eles são momentos do
movimento.

Em sua existência efetiva, essa natureza móvel é


escondida. E pela primeira vez revelada no pensamento, na
filosofia em conseqüência, minha verdadeira existência
religiosa e minha existência na filosofia da religião, minha
verdadeira existência política é minha existência na filosofia
do Direito, minha verdadeira existência natural é minha
existência na filosofia da natureza, minha verdadeira
existência artística é minha existência nafilosofia da arte, e
minha verdadeira existência humana é minha existência
na filosofia. Da mesma maneira, a verdadeira existência da
religião, do Estado, da natureza e da arte, é a filosofia da
religião do Estado, da natureza e da arte. Mas, se a filosofia
da religião é a única existência verdadeira da religião, só sou
verdadeiramente religioso como filósofo da religião, e
contesto o sentimento religioso efetivo e o homem
religiosoconcreto. Ao mesmo tempo, entretanto, eu
os confirmo, em parte por minha própria existência ou na
existência alienada com que os enfrento (pois essa é apenas,
a expressão filosófica deles), e em parte em sua própria
forma original, desde que são para mim o
meramente aparente outro ser, alegorias, os contornos de
sua verdadeira existência própria (i. é, de minha existência
filosófica) disfarçada por cortinas sensoriais.

Da mesma maneira, a qualidade revogada é igual


a quantidade, a quantidade revogada igual a medida, medida
revogada igual a ser, ser revogado igual a ser fenomenal, ser
fenomenal revogado igual a realidade, realidade revogada
igual a conceito, conceito revogado igual aobjetividade,
objetividade revogada igual a idéia absoluta, idéia absoluta
revogada igual a natureza, natureza revogada igual a
espírito subjetivo, espírito subjetivo revogado igual a espírito
objetivo ético, espírito objetivo ético revogado igual a arte,
arte revogada igual a religião, e religião igual a conhecimento
absoluto.

Por outro lado, essa revogação é a de um ente de razão;


assim, a propriedade privada como pensamento é revogada
pelo pensamento de moral. E mesmo que o pensamento
imagina ser ele mesmo, sem intermediário, o outro aspecto
de si mesmo, ou seja, a realidade sensorial, e considera sua
própria ação como sendo ação real, sensorial, essa revogação
em pensamento, que deixa seu objeto existindo no mundo
real, acredita ter ela mesmo realmente superado ele. Por
outro lado, como o objeto agora se tornou para ela um
"momento" do pensamento, ele e encarado em sua existência
real como confirmação do pensamento, da autoconsciência,
da abstração.

(XXX) Sob um aspecto, portanto, o existente


que Hegel revoga em filosofia não é a religião, Estado ou
natureza real, mas a própria religião como objeto do
conhecimento, i. é, a dogmática; e analogamente com
a jurisprudência, a ciência política e a ciência natural. Sob
este aspecto, pois, ele se coloca em oposição tanto ao ser
real quanto à ciência direta, não-filosófica (ou
os conceitos não-filosóficos) desse ser. Logo, ele contradiz os
conceitos convencionais.

Sob o outro aspecto, o homem religioso, etc., pode


encontrar em Hegel sua confirmação definitiva. (a)
A revogação como movimento objetivo quereabsorve a
alienação em si mesma. Este é o discernimento, expresso
dentro da alienação, na apropriação do ser objetivo graças à
revogação de sua alienação. E o discernimento alienado
da objetificação real do homem, da apropriação real de seu
ser objetivo pela destruição do caráter alienado do mundo
objetivo, pela anulação de seu modo alienado de existência.
Da mesma maneira, o ateísmo como anulação de Deus é o
surgimento do humanismo teórico, e o comunismo como
anulação da propriedade privada é a defesa da vida humana
real como propriedade do homem. O último é, também, o
surto do humanismo prático, pois o ateísmo é o humanismo
atingido por intermédio da anulação da religião, ao passo que
o comunismo é o humanismo atingido mediante a anulação
da propriedade privada. Só pela revogação desse
intermediário (que, no entanto, é condição prévia
indispensável) pode aparecer o
humanismo positivo autogerado.

O ateísmo e o comunismo, entretanto, não são uma fuga


ou abstração, ou ainda perda, do mundo objetivo, que os
homens criaram pela objetificação de suas faculdades. Eles
não são um retrocesso empobrecido à primitiva simplicidade
antinatural. São, antes, o primeiro surto real, a legítima
concretização, da natureza do homem como algo real.

Hegel, pois, pelo fato de ver o significado positivo da


negação auto-referível (apesar de sob forma alienada),
concebe o auto-alheamento do homem, sua alienação do ser,
perda de objetividade e realidade, como autodescoberta,
mudança de natureza, objetificação e realização. Em
resumo,Hegel concebe o trabalho como o ato de autocriação
do homem (embora em termos abstratos); ele percebe a
relação do homem consigo mesmo como um ser alienado e o
aparecimento da consciência de espécie e da vida-
espécie como a demonstração de seu ser alienado.

(b) Em Hegel, porém, à parte da, ou antes, como


conseqüência da inversão já descrita por nós, esse ato de
gênese surge, antes de mais nada, como ato
meramente formal, por ser abstrato e por ser a própria
natureza humana tratada como natureza abstrata, pensante,
como autoconsciência.

Em segundo lugar, por ser formal e abstrata a concepção,


a anulação da alienação torna-se confirmação da alienação.
Para Hegel, esse movimento de autocriação e auto-
objetificação, sob a forma de auto-alheamento, é a expressão
absoluta, e por isso final, da vida humana, que tem seu fim
em si mesma, está em paz consigo mesma e unida à sua
própria natureza.

Esse movimento, em sua forma abstrata (XXXI) como


dialética, é então visto como vida humana verdadeira, mas
como, sem embargo, é uma abstração, uma alienação da vida
humana, é visto como processo divino e, portanto, o processo
divino da humanidade; é um processo por que passa o ser
abstrato, puro e absoluto do homem, e não ele próprio.

Em terceiro lugar, esse processo tem de ter um portador,


um sujeito, mas este emerge inicialmente como um
resultado. Este resultado, o sujeito conhecer-se a si mesmo
como autoconsciência absoluta, é portanto Deus, o espírito
absoluto, a idéia que se conhece e se manifesta por si
mesma. O homem real e a natureza real convertem-se em
meros predicados, símbolos desse homem e natureza irreais e
ocultos. Sujeito e predicado, por conseguinte, têm uma
relação inversa entre si; um sujeito-objeto místico, ou
uma subjetividade que ultra passa o objeto, o sujeito absoluto
como processo de auto-alienação e o retorno da alienação
para si mesmo, e, ao mesmo tempo, de reabsorção dessa
alienação, o sujeito como esse processo; puro, incessante
movimento de repetição dentro de si mesmo.

Primeiramente, a concepção formal e abstrata do ato de


autocriação ou auto-objetificação do homem.

Visto Hegel igualar homem e autoconsciência, o objeto


alienado, o ser real alienado do homem, é
simplesmente consciência, a mera idéia de alienação, sua
expressão abstrata, e por isso vazia e irreal, a negação. A
anulação da alienação é também, portanto, apenas uma
anulação abstrata e inane dessa abstração vazia,
a negação da negação. A atividade repleta, viva, sensória e
concreta da auto-objetificação reduz-se, destarte, a mera
abstração, negatividade absoluta, uma abstração que é a
seguir cristalizada como tal e concebida como uma atividade
independente, como a própria atividade. Já que essa assim
chamada negatividade é meramente a forma abstrata e vazia
daquele ato real vivo, seu conteúdo só pode ser um
conteúdo formal produzido pela abstração de todo conteúdo.
Essas são, pois, formas de abstração gerais, abstratas, que se
referem a qualquer conteúdo e são, portanto, neutras face a,
e válidas para, qualquer conteúdo; formas de pensamento,
formas lógicas destacadas do espírito e da natureza reais.
(Exporemos, adiante, o conteúdo lógico da negatividade
absoluta.)

A realização positiva de Hegel em sua lógica especulativa


é mostrar que os conceitos determinados, as formas de
pensamento fixas, em sua independência da natureza e do
espírito, são resultado necessário da alienação generalizada
da natureza humana e também do pensamento humano, e
descrevê-los em conjunto como momentos do processo de
abstração. Por exemplo, ser revogado é essência, essência
revogada é conceito, o conceito revogado. . . a idéia absoluta.
Mas, o que é a idéia absoluta? Ela tem que se revogar a si
mesma se não quiser passar novamente por todo o processo
de abstração, desde o começo, e contentar-se em ser uma
totalidade de abstrações ou uma abstração capaz de se
entender a si mesma. Mas, a abstração capaz de se entender
a si mesma sabe que ela mesma nada é; ela tem de
abandonar-se a si mesma e assim chegar a uma entidade que
é exatamente o seu oposto, a natureza. Toda a Lógica,
portanto, é uma demonstração de que o pensamento abstrato
nada é por si mesmo, a idéia absoluta é nada para si mesma,
e só a natureza é alguma coisa.

(XXXII) A idéia absoluta, a idéia abstrata que,


"encarada sob o aspecto de sua unidade consigo mesma,
é intuição" (Hegel, Encyclopaedia, 3ª ed., pág. 222) e "em
sua própria verdade absoluta resolve permitir o momento de
sua particularidade ou de determinação inicial a ser-outro,
a idéia imediata, como seu reflexo, emergir livremente de si
mesma como natureza". (ibid.) Toda esta idéia, que se
comporta de maneira assim tão bizarra e caprichosa e tem
dado aos hegelianos tão terríveis dores de cabeça, nada mais
é do que abstração, i. é, o ser pensante abstrato. E a
abstração que, tornada prudente pela experiência e
esclarecida a respeito de sua própria verdade, resolve, em
condições várias (falsas e ainda abstratas)abandonar-se e
estabelecer seu outro ser, o particular, o determinado, em
lugar de sua auto-absorção, não-ser, universalidade e
indeterminação; e resolve deixar a natureza, escondida
dentro dele somente como uma abstração, como um ente de
razão, emergir livremente de si mesma. Isto é, ela decida
renunciar à abstração e a observar a natureza livre da
abstração. A idéia abstrata, sem a qual mediação se converte
em intuição, não passa de pensamento abstrato que se
abandona e opta pela intuição. Toda essa transição da lógica
à filosofia da natureza é simplesmente a transição
doabstrair para o intuir, extremamente difícil para o pensador
abstrato efetuar e, por isso, descrita por ele em termos tão
estranhos. O sentimentomístico que impele o filósofo do
pensamento abstrato para a intuição é o ennui [N.T.- tédio,
aborrecimento, fastio], a aspiração de um conteúdo.

(O homem alienado de si mesmo é também o pensador


alienado de seu ser, i. é, de sua vida natural e humana. Seus
pensamentos são, em conseqüência, espíritos extrínsecos a
natureza e ao homem. Em sua Lógica, Hegel aprisionou
juntos todos esses espíritos, concebendo-os, um por um,
primeiro como negação, i. é, alienação do
pensamento humano, e depois como negação da negação, i.
é, como revogação dessa alienação e expressão real do
pensamento humano. Visto como, todavia, essa negação da
negação é em si mesma restrita à alienação, ela é em parte
uma restauração daquelas formas espirituais fixas em sua
alienação e em parte uma imobilização no ato final, o ato de
auto-referência como o verdadeiro ser dessas formas
espirituais.[N12] Além disso, na medida em que essa abstração
concebe a si mesma e experiência uma crescente fartura de si
mesma, aparece em Hegel um abandono do pensamento
abstrato que se movimenta unicamente na esfera do
pensamento e é destituído de olhos ouvidos, dentes, tudo
enfim, e uma resolução de reconhecer a natureza como um
ser e apelar para a intuição.)

(XXXIII) A natureza também, contudo, tomada


abstratamente, por si e rigidamente separada do
homem, nada é para o homem. Não é mister dizer que o
pensador abstrato entregue à intuição, intui a natureza
abstratamente. Como a natureza acha-se encerrada no
pensador de forma obscura e misteriosa até para ele mesmo,
como idéia absoluta, quando a deixou surgir dele mesmo ela
era ainda apenas natureza abstrata, a natureza como
um ente de razão, mas agora com o significado de ser o outro
ente do pensamento, é a natureza real, intuída, distinta do
pensamento abstrato. Ou, usando linguagem humana, o
pensador abstrato descobre, ao intuir a natureza, que as
entidades que ele julgava estar criando do nada, da abstração
pura, criando na dialética divina como produtos puros do
pensamento interminavelmente em vaivém dentro de si
mesmo e sem nunca levar em conta a realidade exterior, são
simplesmente abstrações de características naturais. A
natureza inteira, por conseguinte, reitera para ele as
abstrações lógicas, mas de uma forma sensível, exteriorizada.
Ele analisa a natureza e essas abstrações, uma vez mais. Sua
intuição da natureza é simplesmente, pois, o ato de
confirmação de sua abstração da intuição da natureza; sua
representação conscientedo processo de geração de sua
abstração. Assim, por exemplo, o Tempo iguala-se à
Negatividade auto-referível (loc. cit., pág. 238). Na forma
natural, o Movimento revogado como Matéria corresponde ao
Vir-a-Ser revogado como Ser. Na forma natural, a Luz é
Reflexo-em-si. O corpo comoLua e Cometa é a forma natural
da antítese que, segundo a Lógica, é de um lado o positivo
alicerçado em si mesmo, e de outro o negativoalicerçado em
si mesmo. A Terra é a forma natural do terreno lógico, como
a unidade negativa da antítese, etc.

A natureza como natureza, i. é, na medida em que é


distinguida sensorialmente daquele sentido secreto oculto
dentro dela, a natureza separada e distinguida dessas
abstrações é nada (uma nulidade demonstrando sua
nulidade), é desprovida de sentido, ou tem apenas o sentido
de uma coisa externa que foi revogada.

"No ponto de vista finito-teleológico, encontra-se a


premissa correta de a natureza não encerrar em si
a finalidade absoluta." (loc. cit., pág. 225.) Sua
finalidade é a confirmação da abstração. "A
natureza mostrou-se como sendo a idéia sob
a forma de ser-outro. Como idéia é, sob esta
forma, a negativa de si mesma, ou exterior a si
mesma, a natureza não é apenas relativamente
exteriorvis-à-vis essa idéia, porém
a exterioridade constitui a forma em que ela existe
como natureza." (loc. cit., pág. 227.)

A exterioridade não deve ser aqui entendida como


o mundo auto-exteriorizador dos sentidos, aberto à luz e aos
sentidos do homem. Deve ser considerada na acepção de
alienação, um erro, um defeito, que não devia existir. Pois o
verdadeiro é ainda a idéia.

A natureza é aparentemente a forma de seu ser-outro. E


como pensamento abstrato é ser, o que é exterior a ele por
sua própria natureza é meramente coisa exterior. O pensador
abstrato reconhece ao mesmo tempo que sensorialidade,
exterioridade, em oposição ao pensa mento que fica em
vaivém dentro de si mesmo, é a essência da natureza.
simultaneamente, contudo, ele exprime essa antítese de tal
maneira que essaexterioridade da natureza, e seu contraste
com o pensamento, aparece como uma deficiência, e a
natureza se distinguindo da abstração se afigura um ser
deficiente. (XXXIV) Um ser deficiente, não simplesmente para
mim ou para meus olhos, mas em-si tem algo fora dele que
lhe falta. Isso equivale a dizer, seu ser e, outra coisa que não
ele mesmo. Para o pensador abstrato, a natureza tem, pois,
de revogar-se a si mesma, porque já está pressuposta por ele
como um ser potencialmente revogado.

"Para nós, o espírito tem a natureza como sua


premissa, sendo a verdade da natureza e, por
conseguinte, seu primus absoluto. Nessa verdade,
a natureza desapareceu e o espírito capitulou como
a idéia que alcançou ser-por-si, cujo objeto, assim
como osujeito, é o conceito. Essa identidade
e negativamente absoluta, pois enquanto na
natureza o conceito encontra sua perfeita
objetividade exterior, aqui sua alienação foi
revogada e o conceito identificou-se a si mesmo.
Ele é essa identidade somente na medida em que é
um retorno da natureza." (loc. cit., pág. 392.)

"A revelação, como a idéia abstrata, é uma


transição sem mediação para o vir-a-ser da
natureza; como a revelação do espírito livre é
o estabelecimento da natureza como seu próprio
mundo, estabelecimento esse que, como reflexo, é
simultaneamente a pressuposição do mundo como
natureza existente independentemente. A
revelação em conceito é a criação da natureza
como o próprio ser do espírito, no qual ele adquire
a afirmação e verdade de sua liberdade."
"O absoluto é espírito; esta é a mais alta definição
do absoluto."

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Notas:

[12] Isto é, Hegel substitui essas abstrações fixadas pelo ato de abstração
rodopiando dentro de si mesmo. Ao fazê-lo, antes de mais nada ele tem o mérito
de haver indicado a fonte de todos aqueles conceitos Inadequados que
originariamente pertenciam a diferentes filosofias, e havê-los reunido e
estabelecido a amplitude global das abstrações, em vez de uma determinada
abstração, como o objeto da crítica. Veremos mais tarde por que Hegel separa o
pensamento do sujeito. Já esta claro, todavia, que se o homem não for humano a
expressão de sua natureza não poderá ser humana e, consequentemente, o próprio
pensamento não poderá ser concebido como uma expressão da natureza humana,
como uma expressão de um sujeito humano e natural, com olhos, ouvidos, etc.,
vivendo na sociedade, no mundo e na natureza. (retornar ao texto)

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