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Com a formação dos Estados nacionais, constrói-se ainda um certo equilíbrio de uma
tensão que foi central em toda a modernidade: um equilíbrio entre os imperativos de
uma consciência individual (naquele momento em processo de amadurecimento) e as
exigências “coletivas” das razões de Estado (então delineadas como uma cega
obediência à autoridade absolutista). [..]Em outros termos, a teorização sobre os
direitos universais próprios da natureza humana será o ponto sob o qual se
constituirão as teorias de formação do Estado, tenham elas sua base na sujeição das
ações humanas - justificando o absolutismo como em Hobbes -; ou se assentem no
compromisso mútuo, como formulado por Locke. A crescente cisão entre a esfera do
particular, do privado, por um lado, e a esfera do público foi a resolução possível dessa
contradição, ademais só consolidada no século XVIII. (MACEDO, 2002, p.3).
Por fim, em que pesem as contradições apresentadas entre si, essas diferentes
formas de entender o homem e as relações que estabelecem entre si são localizáveis
até os dias que correm. O liberalismo, o romantismo e o racionalismo tecnocrático-
disciplinar passaram por transformações, e embora convivam simultaneamente,
apresentaram diferentes pesos ao longo da cultura contemporânea e não perderam
de todo a vigência até nossos dias. (MACEDO, 2002, p.4).
A etapa áurea desse desenvolvimento ocorreu após o final das duas guerras mundiais
e teve por base a adoção de diversos preceitos postulados pelo economista inglês
John Maynard Keynes, para quem a saída das crises do capitalismo comportava uma
intervenção direta do Estado no sistema econômico, garantindo a regularização do
ciclo e evitando assim flutuações dramáticas no processo de acumulação de capital.
(MACEDO, 2002, p.4).
Além das razões que o capital apresentava para expandir os direitos sociais e
econômicos, assistiu-se, ao longo desta segunda metade do século, inclusive em
sociedades onde a população encontrava-se, historicamente, em contingências de
exclusão e de marginalidade, a um aumento considerável de lutas populares,
responsáveis, em grande parte, pela ampliação dos direitos próprios à cidadania.
(MACEDO, 2002, p.5).
“Hoje é evidente que (essa) Era de Ouro pertenceu essencialmente aos países
capitalistas desenvolvidos” (Hobsbawm, 1995, p. 255), pois, nas nações periféricas,
esses compromissos traduziram-se num processo bem distinto, na medida em que a
perspectiva otimista da “cidadania social” sempre entrou em choque com a exclusão
e a miséria da grande maioria da população “não- cidadã”. De qualquer forma, a
despeito do seu irregular impacto, ocorreram significativas conquistas de direitos
sociais por parte das classes trabalhadoras das sociedades centrais e, de um modo
muito menos característico e intenso, por parte de alguns setores das classes
trabalhadoras em alguns países periféricos e semiperiféricos (Gentili,1998-b, p. 113
Apud MACEDO, 2002, p.5).
A par das funções paradoxais que o Estado neoliberal vem desempenhando, quando
se trata de analisar as transformações culturais e ideológicas, é preciso afirmar clara
e objetivamente a necessidade de esse ideário contar com um “novo homem”. [..]A
lógica do mercado apresenta-se, então, como a função estruturadora das relações
sociais e políticas, comportando um viés de interpretação dos homens marcadamente
utilitarista; segundo a qual a motivação dos comportamentos humanos pauta-se por
um utilitarismo individual. (MACEDO, 2002, p.6).
Hayek (1990), por exemplo, pioneiro das idéias neoliberais, defende um modelo de
individualismo, partindo do pressuposto incontestável “ de que os limites dos nossos
poderes de imaginação nos impedem de incluir em nossa escala de valores mais que
uma parcela das necessidades da sociedade inteira” (Hayek, 1990, p. 76), na medida
em que o ganho estritamente pessoal é o que nos motiva e orienta. Enfatiza o
comportamento humano como orientado pelo auto-interesse e argumenta que o
indivíduo deve “seguir seus próprios valores e preferências em vez dos de outrem... o
sistema de objetivos do indivíduo deve ser soberano, não estando sujeito aos ditames
alheios” (MACEDO, 2002, p.6).
No liberalismo clássico, pelo menos em uma de suas formas, havia um apelo à razão
sob a forma de um individualismo que privilegiava o sujeito racional, cognoscente,
como a fonte de todo conhecimento, significação, autoridade moral e ação. A variante
particular dessa metanarrativa, própria ao neoliberalismo, baseia-se num moderno
postulado sobre o comportamento, denominado homo economicus, segundo o qual
“as pessoas devem ser tratadas como maximadores racionais da utilidade para
reforçar seus próprios interesses (definidos em termos de posições mensuráveis de
riqueza) na política, assim como em outros aspectos da conduta” (Peters, 1995, p.
221 Apud MACEDO, 2002, p.6).
[..] uma certa ênfase foi dada aos modos de sujeição na constituição dos sujeitos.
[..]No entanto, é preciso destacar que não se creditou o homem disciplinado ou o
“mínimo-eu” (Lasch, 1983) como o último e derradeiro esforço de constituição das
subjetividades, nem o único presente em nosso horizonte de possibilidades.
(MACEDO, 2002, p.7).
[..] percorreu-se um terreno que aponta para uma das posições éticas mais caras a
Foucault e com o qual se mantém estreita concordância: uma postura de “hiper-
militantismo pessimista” (Foucault, 1994, p. 386). [..]faz-se necessário tecer algumas
considerações quanto a uma acusação bastante plausível em relação a este texto: a
de tratar-se de uma análise pessimista e paralisante. (MACEDO, 2002, p.7).
A sociedade atual e as instituições que constituem sua ossatura, por certo, limitaram
a possibilidade de relações e rebaixaram o eu a um mínimo, na ânsia de construir um
mundo mais fácil de ser gerido e administrado. No entanto, com Foucault (1994),
defende-se a possibilidade de “ bater-nos contra este empobrecimento do tecido
relacional (contra...) um mundo legal, social, institucional, onde as únicas relações
possíveis são extremamente pouco numerosas, extremamente esquematizadas,
extremamente pobres” (p. 309). (MACEDO, 2002, p.7).