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O cérebro no autismo

Alterações no córtex temporal podem causar prejuízo na percepção


de informações importantes para a interação social

Ricard o Zorzet to | fotos Marie Hippenmeyer

M

amãe, mamãe, descobri que o Capitão Gancho espectro autista ou transtornos globais do desenvolvimento,
é bonzinho. Ele falou ‘Eu vou cuidar muito bem esses problemas de origem neuropsicológica se manifestam
de você!’”, anunciou o garoto durante a consulta, na infância e, com maior ou menor intensidade, prejudicam
interrompendo a conversa da mãe com o médico. por toda a vida a capacidade de seus portadores se comunica-
E repetiu mais duas ou três vezes a descoberta que rem e se relacionarem com outras pessoas. Incluem quadros
fizera ao assistir ao filme sobre Peter Pan, para em variados como o autismo clássico, marcado por dificuldades
seguida retomar o silêncio habitual e voltar a agitar as mãos severas de linguagem e de interação social; a síndrome de
para cima e para baixo como se quisesse desprendê-las dos Asperger, na qual a inteligência é normal ou superior à média
braços. Diferentemente de crianças da sua idade, o menino e a aquisição da linguagem se dá sem problemas, mas em
de 7 anos atendido pelo psiquiatra infantil Marcos Tomanik que são comuns os gestos repetitivos e a falta de controle em
Mercadante não conseguia perceber a ironia na fala do vilão, movimentos delicados; ou ainda a síndrome de savant, em
determinada por uma marcante alteração no tom de voz. que, apesar do retardo mental, a memória ou as habilidades
Os sinais que Mercadante observou no garoto são carac- matemáticas ou artísticas são extraordinárias.
terísticos de um grupo de distúrbios com prevalência ainda Levantamentos feitos nos últimos anos registraram um
pouco conhecida no país e que apenas nos últimos anos aumento importante no número de casos desses transtornos.
começaram a ser mais bem compreendidos – em parte, conse- Há pouco mais de uma década se acreditava que o autismo e
quência de trabalhos de pesquisadores brasileiros trabalhan- suas variações fossem bastante raros. Com base em pesquisas
do no país e no exterior. Classificados como transtornos do feitas nos Estados Unidos e na Europa, calculava-se que uma
© Marie Hippenmeyer | fotos da série Preto e Branco, 2002-2007
população. Coordenado por Merca-
dante, da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp), e Cristiane Silvestre de
Paula, psicóloga e epidemiologista da
Universidade Presbiteriana Mackenzie,
o estudo avaliou sinais de autismo em
1.470 crianças com idade entre 7 e 12
anos, uma amostra considerada bastan-
te razoável. Mas o trabalho, publicado
em fevereiro no Journal of Autism and
Developmental Disorders, ainda é um
estudo piloto. Sua principal limitação é
que foi realizado em apenas um muni-
cípio brasileiro: Atibaia, cidade de 126
mil habitantes a 60 quilômetros de São
Paulo. “Fizemos esse estudo, financiado
pelo Mackenzie, com pouco dinheiro”,
conta Mercadante, que pretende repetir
o levantamento em cidades das cinco
regiões brasileiras.

E
m Atibaia, a psicóloga Sabrina Ri-
beiro identificou todas as escolas e
as unidades de saúde da região es-
tudada e treinou professores, médicos
e profissionais do programa de saúde
da família para identificar sinais de
autismo nas crianças. Das 1.470 que
em cada 2,5 mil crianças – ou 0,04% da Quase 1% viviam na área, 94 foram encaminhadas
população infantil – apresentasse algum para testes clínicos mais detalhados e 4
distúrbio do espectro autista. Hoje essa das crianças receberam diagnóstico de autismo.
proporção é 20 vezes maior. Quase 1% Se o índice observado ali puder ser
das crianças norte-americanas e inglesas
sofrem de algum desses transtornos de
norte-americanas extrapolado para o resto do país – in-
clusive para os adultos, uma vez que
e inglesas
desenvolvimento, segundo dados recen- estudo recente na Inglaterra mostrou
tes dos Centros para Controle e Preven- prevalência de autismo semelhante em
ção de Doenças dos Estados Unidos e de adultos e crianças –, é de esperar que
pesquisas de universidades da Inglaterra. sofrem de algum existam 570 mil brasileiros com alguma
E a taxa pode ser ainda mais elevada. forma de autismo. “Alguns trabalhos
Trabalho publicado em maio no Ame- transtorno de indicam que a prevalência de autismo
rican Journal of Psychiatry indica que a talvez seja mais baixa entre os latinos”,
prevalência de distúrbios autistas é de desenvolvimento comenta Mercadante. “O fato de nossa
2,5% na Coreia do Sul. cultura exigir mais o desenvolvimento
O mais provável é que não haja uma das habilidades sociais do que as de
epidemia de autismo. Em relatório apre- muitos países do hemisfério Norte, on-
sentado em 2010 à Organização Mundial de costumam ser feitos os estudos epi-
da Saúde (OMS), especialistas brasileiros demiológicos, pode ajudar as pessoas
e estrangeiros indicaram, após analisar com casos mais leves a levar uma vida
quase 600 estudos sobre o assunto, que o tas são nem onde estão as crianças com com certa independência e a não serem
aumento na taxa desses transtornos pa- transtorno do espectro autista. Muito identificadas como autistas”, diz.
rece decorrer do uso de estratégias mais menos se recebem o mínimo de aten- Essa seria uma estimativa favorável.
abrangentes de diagnóstico e da maior ção do sistema de saúde e de educação É possível que os números daqui e os
vigilância de profissionais da saúde – em- para que consigam levar uma vida o de outros países estejam subestimados,
bora não se possa excluir completamente mais próximo do normal possível. suspeitam os pesquisadores ingleses
uma elevação real no número de casos. O maior e mais recente levantamen- que realizaram o primeiro estudo de
No Brasil, porém, os dados sobre o to realizado no país – um dos únicos prevalência de autismo em adultos, pu-
problema são praticamente desconhe- feitos na América do Sul – sugere que blicado em maio nos Archives of General
cidos. Por falta de estudos populacio- o autismo e suas variações afetam uma Psychiatry. No trabalho, eles avaliaram
nais, não se sabe com segurança quan- em cada 370 crianças ou 0,3% dessa sinais de autismo em 7.461 adultos e

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confirmaram que 618 tinham alguma
forma do distúrbio. “Em nenhum dos
casos identificados nesse levantamen-
to as pessoas sabiam que eram autistas
nem tinham recebido um diagnóstico
oficial anteriormente”, disse Traolach O maior e mais recente levantamento
Brugha, pesquisador da Universidade
de Leicester, na Inglaterra, e autor do realizado no Brasil sugere que o autismo
estudo, em comunicado à imprensa.
Embora a maioria dos casos fosse de afeta uma em cada 370 crianças
pouca gravidade, a constatação acende
um sinal amarelo: mesmo em países
com sistemas de saúde bem estrutura-
dos muitos casos nem chegam a ser co-
nhecidos. Caso as taxas no Brasil sejam
elevadas como a dos Estados Unidos, Mesmo na cidade de São Paulo, a vive-se um círculo vicioso. “Como não
pode haver até 1,9 milhão de brasileiros mais bem servida do país, apenas 9 dos há estudos de prevalência abrangentes
com autismo. “Seria uma bomba para 16 CAPSi estão habilitados para atender no país, não se consegue mostrar que
os cofres públicos”, diz Cristiane. “Mos- casos de autismo, segundo Cristiane. o problema existe. E, sem provas, fica
traria que é preciso aumentar muito a Ante esse quadro, conta Mercadante, difícil exigir atendimento”, afirma a
capacidade de atender o problema.” a maioria dos casos é atendida por as- epidemiologista, que participa de um
“O autista demanda tratamento sociações de pais e amigos das crianças levantamento de problemas de saúde
contínuo e dispendioso”, conta Maria com deficiência intelectual, as AMAs mental em crianças de cinco capitais
Cecília Mello, mãe de Nicholas, um jo- e APAEs. Em São Paulo, uma decisão brasileiras, projeto do Instituto Nacio-
vem de 19 anos que há apenas três anos de 2001 da Justiça determinou que a nal de Psiquiatria do Desenvolvimento
recebeu o diagnóstico de síndrome de Secretaria de Estado da Saúde pague para Crianças e Adolescentes, apoiado
Asperger. “Eles também precisam de tratamento, assistência e educação es- pela FAPESP e pelo governo federal.
acompanhamento especializado para pecializados para quem tem autismo. Atendimento médico precoce e de
alavancar suas habilidades específicas Sem um levantamento mais amplo qualidade é fundamental para influen-
e desenvolver aquelas em que apresen- como o que ele e Cristiane planejam, ciar a evolução do autismo. Tanto que,
tam dificuldades”, diz a juíza federal,
fundadora, ao lado de Mercadante e de
outros pais e pesquisadores, da organi-
zação não governamental Autismo &
Realidade, criada em 2010 com a meta
de divulgar informações sobre o distúr-
bio e arrecadar recursos para financiar
pesquisas na área.
Nos Estados Unidos, onde há estatís-
tica para quase tudo, anos atrás Michael
Ganz, da Universidade Harvard, calculou
em US$ 3,2 milhões o custo para manter
um autista ao longo da vida, levando em
conta despesas médicas, de educação e
perda de produtividade no trabalho.

N
o sistema público de saúde brasi-
leiro, os casos suspeitos de autismo
deveriam, em princípio, ser iden-
tificados pelos pediatras nas unidades
básicas de saúde e encaminhados para
cuidado especializado em um dos 128
centros de atenção psicossocial infan-
til (CAPSi). Mas esses centros estão
concentrados no Sudeste e no Nordes-
te. Cinco estados brasileiros não têm
CAPSi e outros sete dispõem de apenas
um, de acordo com relatório recente do
Ministério da Saúde.

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olhares divergentes na fase inicial, pediatras do município
de Embu e medir a capacidade de iden-
Assistindo a cenas de um filme, as pessoas com autismo focavam a tificarem o autismo e outros problemas
psíquicos que levam ao sofrimento pre-
atenção por mais tempo na boca do personagem, menos expressiva
coce. “O pediatra tem de estar atento à
relação entre pais e filhos e ao dia a dia
t e m po de com autism o A o ver a cena abaixo, da família”, diz Posternak.
fo co d o os não autistas
o l h ar se m au tism o
seguem o olhar dos

A
personag ens ( linha nos atrás Maria Cristina Kupfer
am arela) para tentou criar uma ponte com os
ob jet o olhos localizar o quadro na
parede; enqu anto os
pediatras e auxiliar no trabalho de
olhos dos autistas detecção do autismo. Embora a psica-
10% 25% (linha ver m elha) nálise não use protocolos de identifica-
bo ca vagam pelo cenári o
4% ção como os da psiquiatria, um grupo
41% 65% de nove especialistas coordenado por
ela desenvolveu em 1999, com apoio
da FAPESP, uma série de 31 indicadores
21%
para a detecção precoce de risco para o
desenvolvimento psíquico: o protocolo
IRDI. Esse material, elaborado a pedido
da pediatra Josenilda Brant, consultora
da área de saúde da criança do Ministé-
co r p o
rio da Saúde, deveria integrar o Manual
10% para o acompanhamento do crescimento
e desenvolvimento, que o ministério dis-
25%
tribui aos médicos da rede pública.
fonte: estudos de ami klin Pediatras de 11 centros de saúde
de nove cidades brasileiras aplicaram
no mundo todo, pesquisadores buscam Ainda que alguns sintomas surjam os indicadores a 726 crianças de até
estratégias para identificar com segu- muito cedo, nos primeiros meses de 1 ano e meio de idade. Apresentados
rança o autismo já no primeiro ano de vida, os casos só costumam ser confir- em 2009 no Latin American Journal of
vida. “Quanto mais cedo se identificam mados por volta dos 3 anos de idade, Fundamental Psychopathology Online,
os sinais, melhores as chances de inter- quando o cérebro já atravessou uma das os resultados mostraram que 15 desses
vir para tentar recuperar a capacidade fases de crescimento mais intenso. E is- indicadores – eles avaliavam interações
de a criança se relacionar com os outros so na melhor das hipóteses. Mercadante simples como mãe e bebê trocam olha-
e buscar a construção de uma lingua- acredita que no Brasil a identificação res ou a criança reage (sorri, vocaliza)
gem significativa”, afirma a psicóloga e só ocorra aos 5 ou 6 anos, quando já se quando a mãe ou outra pessoa se diri-
psicanalista Maria Cristina Kupfer, do perdeu uma fase fundamental do de- ge a ela – eram capazes de predizer, a
Instituto de Psicologia da Universida- senvolvimento infantil. No estudo de partir do sexto mês de vida, se havia
de de São Paulo (USP), fundadora do Atibaia, por exemplo, só um dos quatro risco de desenvolvimento de proble-
Lugar de Vida, entidade que há 20 anos casos de autismo havia sido identifica- mas psíquicos. “Os indicadores do
atende casos de autismo. “A intervenção do anteriormente e recebia acompa- protocolo IRDI, adaptados, chegaram
precoce permite ainda ouvir os pais, nhamento especializado. “Precisamos a fazer parte da Caderneta da Saúde da
que sofrem por não receber de volta dos melhorar a capacitação dos pediatras Criança, destinada a orientar os pais,
filhos a atenção que lhes dão.” para que identifiquem os sinais o mais em 2006, 2007 e 2008 e depois foram
cedo possível”, afirma Cristiane. retirados”, conta Maria Cristina. “Mas

D
esde que o autismo foi descrito nos Leonardo Posternak, pediatra do os indicadores validados pela pesquisa
anos 1940, o diagnóstico continua Hospital Albert Einstein em São Paulo, não foram integrados à ficha de acom-
clínico. Em geral um neurologista pretende iniciar neste ano, em parceria panhamento do desenvolvimento, usa-
ou psiquiatra examina a criança e avalia com uma equipe da Unifesp, um estudo da pelos pediatras nas consultas feitas
sua história de vida à procura de indí- multicêntrico para avaliar a eficácia de no sistema público de saúde.”
cios de atraso no desenvolvimento da um treinamento de pediatras desenvol- Apesar do revés, Maria Cristina não
capacidade de interagir socialmente e vido por uma entidade assistencial fran- se acomodou. “Se fecharam uma porta,
se comunicar e de defasagem no desen- cesa, a PréAut, com auxílio da psicana- procuramos outra”, diz a psicanalis-
volvimento motor, descritos no Manual lista brasileira Marie Christine Laznik. ta, que planeja testar seus indicadores
diagnóstico e estatístico de transtornos Posternak, que já oferece o treinamento em 29 creches do bairro paulistano do
mentais, da Associação Psiquiátrica para os médicos do Instituto da Família, Butantã. “O uso dessa ferramenta em
Americana, e na Classificação Interna- organização social que atende crianças e creches é uma alternativa interessante,
cional de Doen­ças, da OMS. famílias de baixa renda, planeja treinar, porque as crianças passam oito horas

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‘Quanto mais
cedo são
identificados
os sinais,
melhores as
chances de
reduzir as
deficiências, diz
Maria Cristina

por dia ali e têm muito mais contato inteligência e capacidade de aprendi- da médica brasileira Monica Zilbovicius,
com os professores do que com os pe- zado de linguagem normais, mas com pesquisadora do Instituto Nacional da
diatras”, justifica. dificuldade de interagir socialmente – Saúde e da Pesquisa Médica (Inserm)
Foi como problema de contato sinais que se tornam característicos da da França. Usando um aparelho de to-
afetivo, aliás, que os primeiros casos síndrome de Asperger, um dos trans- mografia por emissão de pósitrons, que
do que viria a ser conhecido como au- tornos do espectro autista. mede o fluxo sanguíneo e, portanto, o
tismo foram descritos pelo austríaco nível de atividade de diferentes regiões

E
Leo Kanner, psiquiatra do Hospital nquanto Asperger acreditava na do sistema nervoso central, Monica ana-
Johns Hopkins, nos Estados Unidos. origem biológica desses distúrbios, lisou o cérebro de 21 garotos com autis-
Em outubro de 1938, Kanner examinou Kanner os via como problemas com mo e 10 sem o problema – o autismo é
um garoto norte-americano chamado causas psíquicas, resultado da criação quatro vezes mais comum em meninos
Donald Gray Triplett, do Missouri, que por pais frios e distantes. Por influên- do que em meninas.
desde muito cedo demonstrava dificul- cia de pesquisadores como o psicólogo Ela verificou que as crianças do pri-
dade de interagir com pessoas ao mes- Bruno Bettelheim, esta visão prevaleceu meiro grupo apresentavam atividade
mo tempo que tinha fixação por certos por anos e se tornou conhecida como reduzida no sulco temporal superior,
objetos e grande capacidade de memo- a “teoria da mãe geladeira”. “Toda uma pequena área do lobo temporal, segun-
rização. Embora os sinais lembrassem geração de pais – particularmente as do resultados apresentados em 2000 no
o de um problema psiquiátrico grave, mães – foi levada a se sentir culpada American Journal of Psychiatry. “Quatro
a esquizofrenia, Kanner não conseguiu pelo autismo dos filhos”, escreve o neu- grupos haviam tentado antes de nós,
fechar o diagnóstico de imediato. Nos rologista inglês Oliver Sacks no livro mas não encontraram nada”, conta Mo-
anos seguintes, ele reuniu outros nove Um antropólogo em Marte, publicado no nica. “Naquela época, nem sabíamos
casos semelhantes e os apresentou em Brasil pela Companhia das Letras. qual era a função dessa área no cérebro
um artigo de 1943 intitulado “Autis- Esse peso só seria tirado dos ombros normal.” Além de menos ativo, o córtex
tic disturbances of affective contact”. dos pais nos anos 1960, quando come- do sulco temporal superior, situado na
No texto Kanner tomou emprestado o çaram a surgir evidências favorecendo a região das têmporas, logo acima das
termo autismo, usado para descrever o ideia de que alterações no sistema nervo- orelhas, era menos espesso.
distanciamento e o ensimesmamento so central estariam por trás do autismo. Inicialmente se acreditava que o lobo
típicos da esquizofrenia. Um ano mais Mas levaria algum tempo para a visão temporal fosse importante apenas para
tarde outro psiquiatra de origem aus- biológica ganhar força. O primeiro gru- a percepção dos sons. Estudos mais de-
tríaca, Hans Asperger, descreveria casos po a identificar o funcionamento anor- talhados mostraram, porém, que tanto
um pouco distintos. Eram crianças com mal no cérebro de crianças autistas foi o o sulco temporal superior como outra

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área do lobo temporal, o giro fusiforme, caso do garoto que não conseguia per- doutorado em psicologia na London
estavam envolvidos no processamento ceber a intenção maldosa na voz do Ca- School of Economics, Klin criou um
de dois tipos de informações relevantes pitão Gancho. Essas descobertas levaram experimento simples que permitiu
para as interações sociais. Eles captam Monica a propor em 2006 que modifi- constatar que os bebês com autismo
informações auditivas, sobre a voz do in- cações nessas regiões do cérebro durante têm uma reação anormal ao ouvir
terlocutor, e visuais, como os movimen- o desenvolvimento seriam responsáveis vozes. Ele próprio criou um aparelho
tos dos olhos, os gestos e as expressões pelo sintoma mais frequente do autismo: com dois botões – um reproduzia uma
faciais, processam-nas e as distribuem a dificuldade de interação social. gravação da voz materna e o outro, a
para outras áreas cerebrais associadas às Ao mesmo tempo que se mapeavam de uma mistura de vozes – e o apresen-
emoções e ao raciocínio lógico. algumas das regiões cerebrais envol- tou a bebês com menos de 1 ano. Na
É o funcionamento adequado dessas vidas no autismo, outro pesquisador maioria das vezes, as crianças saudáveis
áreas que permite conhecer a intenção e a brasileiro, o psicólogo Ami Klin, come- acionavam o botão que permitia ouvir
disposição da pessoa com quem se intera- çava a identificar por que as crianças a voz da mãe. Já as com autismo não
ge. Quando uma das áreas está alterada, com o distúrbio falhavam em perceber mostraram preferência: apertavam am-
a percepção de informações tanto visuais informações importantes para a inte- bos indistintamente. Na Universidade
quanto auditivas é deficiente, como no ração com outras pessoas. Durante o Yale, nos Estados Unidos, onde dirigiu

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um programa de estudos sobre autis- No ano passado a equipe de Muotri
mo, Klin passou a usar uma técnica conseguiu um avanço importante pa-
que permite rastrear o movimento dos ra investigar o que há de errado com
olhos a fim de verificar onde quem tem Se quisermos os neurônios no autismo. Como não
autismo focava a visão no contato com é ético extrair células do cérebro de
outras pessoas. “Se quisermos de fato compreender uma criança, o pesquisador brasileiro
compreender o que passa pela cabeça e seu grupo retiraram células da pele de
deles, precisamos ver o mundo pelos
olhos deles”, disse Klin, hoje pesquisa-
o que se passa crianças com síndrome de Rett – um
dos distúrbios do espectro autista – e
dor da Universidade Emory, em uma
entrevista anos atrás. na cabeça deles, de crianças não afetadas para conver-
tê-los em células-tronco, por meio de
um processo chamado reprogramação
precisamos
N
um teste com adolescentes saudá- genética. Em seguida, essas células fo-
veis e autistas, ele constatou que, na ram estimuladas em laboratório a se
maior parte do tempo, os primei- ver o mundo transformarem em neurônios. Muotri
ros dirigiam a atenção para os olhos observou que os neurônios de crianças
do interlocutor, padrão que os seres pelos olhos deles, com Rett apresentavam cerca de 50%
humanos e outros grandes primatas menos projeções (espinhas) que conec-
desenvolvem nas primeiras semanas comenta Klin tam uma célula a outra. Em parceria
de vida – e teria importância evolutiva com o grupo de Maria Rita, ele repetiu
por permitir distinguir os membros o experimento com células de polpa do
da mesma espécie (e suas intenções) dente de crianças com autismo clássico
dos predadores. Os autistas focavam o e observou resultado semelhante. Da-
olhar ao redor da boca ou nos cabelos, dos preliminares mostram um número
áreas que não fornecem informações menor de espinhas nos neurônios de-
relevantes sobre o contexto social. No grupo na USP, que em 2009 descreveu rivados de crianças com autismo (ver
autismo, aparentemente, a capacidade alterações nos genes de dois recepto- Pesquisa FAPESP nº 173).
de buscar essas pistas sociais se perde- res do neurotransmissor serotonina, “Nunca vamos saber se o que ob-
ria bem cedo na vida, como demons- desenvolveu um chip de DNA para servamos nesses neurônios em cultura
trou Klin ao repetir o experimento com procurar pequenas alterações em 250 é fiel ao que ocorre no cérebro”, expli-
crianças de 2 anos. “É provável que, por genes responsáveis pelas conexões en- ca Muotri. “Ainda assim, acredito que
esse motivo, as pessoas com autismo tre os neurônios em 500 crianças com alguma informação importante seja
não consigam decifrar a expressão do autismo, a maioria diagnosticada pela possível tirar desse modelo”. Apesar da
rosto do outro nem demonstrar ex- equipe do psiquiatra Estevão Vadasz. dúvida, esse modelo celular do autismo
pressões adequadas às situações so- Das 70 crianças já testadas por Cíntia é promissor. Aplicando dois compostos
ciais”, comenta Monica. Marques Ribeiro, 20% têm defeitos em – o antibiótico gentamicina e o fator de
É consenso hoje que a formação ao menos um desses genes. crescimento semelhante à insulina 1
inadequada das redes neuronais liga- (IGF-1) – durante o desenvolvimento

M
das à percepção e ao processamento ercadante e a geneticista Patricia neuronal, Muotri conseguiu alterar a
das informações sociais – o chamado Braga, também da USP, tentam ou- estrutura dos neurônios obtidos a par-
cérebro social – se deve a defeitos nos tro caminho. Em vez de trabalhar tir de células autistas, que passaram a
genes. “Acredita-se que o autismo te- com um grupo grande de autistas com exibir o aspecto de neurônios saudá-
nha origem genética importante e que características clínicas variadas, selecio- veis. “Ao mostrar que essas alterações
a manifestação do problema dependa naram poucos pacientes com quadros são reversíveis, provamos que existe
predominantemente da constituição semelhantes a fim de ver se apresentam um problema biológico e quebramos
genética do indivíduo”, comenta Maria alterações genéticas em comum. o estigma de que o autismo não tem
Rita Passos Bueno, geneticista da USP “Uma classificação mais geral revela cura”, diz o neurocientista.
que investiga o distúrbio. que as alterações gênicas já encontra- Ele próprio sabe que a estratégia
Até o momento alterações em mais das interferem em três vias bioquími- usada com células em cultura ainda não
de 200 genes, distribuídos por quase cas responsáveis pelo desenvolvimento poderia ser aplicada a seres humanos.
todos os cromossomos humanos, já dos neurônios, um dos tipos de célu- A gentamicina é relativamente tóxica
foram associadas ao autismo. Defeitos las que compõem o cérebro”, explica e o IGF-1 aplicado na corrente san-
em um pequeno número (10%) desses o neurocientista brasileiro Alysson guínea não chega ao cérebro de forma
genes, porém, aparentemente explicam Muotri, da Universidade da Califórnia eficiente. O resultado, porém, desperta
por completo o problema. Apesar de em San Diego, Estados Unidos. As vias a esperança de que um dia, num futuro
haver certo padrão entre os sinais clí- bioquímicas afetadas controlam a pro- ainda distante, talvez seja possível de-
nicos, do ponto de vista genético cada liferação e a maturação de neurônios senvolver um tratamento farmacológi-
paciente parece ter uma forma de au- e a formação de conexões (sinapses) co para amenizar os traços do autismo,
tismo própria, segundo Maria Rita. Seu entre essas células cerebrais. um problema ainda sem cura. n

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