Sunteți pe pagina 1din 18

O PRINCÍPIO FAVOR REI NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

THE FAVOR REI PRINCIPLE IN BRAZILIAN LAW

Laryssa Saraiva Queiroz


srta.llaryssa@gmail.com
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Saúde, Ciências
Humanas e Tecnológicas do Piauí – UNINOVAFAPI

12519 miolo.indd 99 03/09/2014 11:30:43


12519 miolo.indd 100 03/09/2014 11:30:43
O PRINCÍPIO FAVOR REI NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

RESUMO
Neste trabalho o objetivo é propor reflexões críticas acerca do princípio do
favor rei, investigando sua incidência na legislação penal e processual penal,
além de sua influência nas interpretações e decisões judiciais. Para tanto, valeu-
-se de pesquisa bibliográfica e principalmente jurisprudencial, o que permitiu
a apreciação de casos concretos e proposição de discussões com o fito de elu-
cidar e analisar questões diretamente afetas ao princípio em exame. Do estudo
analítico, constatou-se que o caráter eminentemente favorável ao réu da seara
penal pode acabar por gerar situações que inviabilizam a eficácia do sistema,
conclusão que nos remete à crítica social de que o sistema penal é falho e pro-
tecionista. Em contrapartida, a análise histórica da razão de ser do favor rei nos
leva a reconhecer sua relevância e necessidade, entretanto, propõe-se maior
prudência na aplicação desse princípio, sob pena de se incorrer em iniquidades.

PALAVRAS-CHAVE
Favor rei. Penal. Processo Penal.

ABSTRACT
This paper aims to propose critical reflections on the favor rei principle, investi-
gating its impact on criminal law and criminal procedure, and its influence on
interpretations and judgments. To do so, drew on literature and especially in
the case law which allowed the assessment of individual cases and to propo-
se discussions aiming to elucidate and analyze issues regarding the mentioned
principle. In analytical study it was found that the eminently favorable to the
defendant’s criminal harvest may end up generating situations that prevent the
effectiveness of the system, leading us to the conclusion that the criminal justice
system is flawed and protectionist. In contrast, the historical analysis on the
cause of the favor rei leads us to recognize its relevance and necessity, however,
it proposes to greater caution in the application of this principle, under penalty
of incurring iniquities.

KEYWORDS
Please king. Criminal. Criminal Procedure.

SUMÁRIO
Introdução. 1. O princípio do favor rei no ordenamento jurídico brasileiro. 2.
Interpretação de normas. 3. Direitos Exclusivos da defesa. 4. Recursos privativos
da defesa. 5. Outras situações curiosas. Conclusão. Referências.

101 

12519 miolo.indd 101 03/09/2014 11:30:43


REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.5, 2014: 99-116

INTRODUÇÃO
Inicialmente, faz-se necessário esclarecer que o princípio favor rei, muito
embora comumente utilizado como sinônimo de outros princípios do Direito Penal
e Processual Penal, é, em verdade, gênero, do qual os princípios do in dubio pro
reo, por exemplo, é uma das espécies. O grande constitucionalista Alexandre de
Morais (2004, p. 390), ao tratar do princípio da inocência, observa que há muitas
semelhanças entre este princípio e o do favor rei, entretanto alerta que não podem
ser confundidos, uma vez que este último é mais amplo e, inclusive, compreende o
próprio princípio da inocência.
O princípio do favor rei, ou favor libertatis, consiste basicamente numa di-
retriz do Estado Democrático de Direito que dispensa ao réu um tratamento dife-
renciado, baseando-se precipuamente na predominância do direito de liberdade,
quando em confronto com o direito de punir do Estado.
O referido princípio guarda forte correlação com os direitos humanos, com
alguns institutos tais como a proibição da reformatio in pejus, absolvição por in-
suficiência de provas, e com muitos outros princípios, a exemplo da dignidade da
pessoa humana, inadmissibilidade das provas ilícitas, ampla defesa, dentre outros.
Por ocasião da presente pesquisa, propõe-se reflexões acerca de situações
que, por influência da aplicação do favor rei, suscitam aparentes, senão verdadeiras,
injustiças. Então, por meio de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, buscou-se
elencar consequências da aplicação do princípio, investigando-se casos curiosos
que acabam por alimentar o senso comum das pessoas leigas de que o sistema penal
é falho e protecionista. Nesse sentido, na intenção de descobrir se tal crítica social
tem fundamento, o presente trabalho está estruturado de modo que se desenvolve
partindo da verificação da incidência do favor rei no ordenamento jurídico brasi-
leiro, passando pelo estudo de suas consequências e influência na jurisprudência,
sempre oportunizando-se uma análise crítica em cada caso.

1. O PRINCÍPIO DO FAVOR REI NO ORDENAMENTO JURÍDICO


BRASILEIRO
Em algumas searas do vasto ordenamento jurídico, o Estado brasileiro achou
por bem intervir com o fito de proteger a parte, em tese, desprotegida, mais fraca,
hipossuficiente. O Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, regula as re-
lações consumeristas de tal forma que prevê inúmeras prerrogativas em favor do
consumidor, em detrimento do fabricante, fornecedor ou comerciante. O que se
justifica pela defesa da parte economicamente mais fraca e fundamenta a existência
da inversão do ônus da prova. Poderíamos citar, ainda, a Justiça do Trabalho, organi-
zada e regulamentada de modo a proteger o empregado, com o objetivo de suprir a
diferença entre o poderio econômico deste para com o empregador, objetivando-se
aproximar, ao menos juridicamente, o trabalhador do patrão.

102 

12519 miolo.indd 102 03/09/2014 11:30:43


O PRINCÍPIO FAVOR REI NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Esses exemplos ilustram muito bem o princípio constitucional da igualdade


ou da isonomia, em que se busca um tratamento de forma igualitária, mas tratando-se
desigualmente os desiguais na proporção de suas desigualdades. Capez (2012, p. 64),
ao tratar da igualdade processual, afirma que no processo penal, este princípio sofre
alguma atenuação pelo também constitucional princípio do favor rei, postulado se-
gundo o qual o interesse do acusado goza de alguma prevalência em contraste com a
pretensão punitiva. Parte-se do pressuposto de que o acusado estaria em desvantagem
frente à acusação, em regra realizada por um órgão do Estado, que disporia de todo
um aparato para ampará-lo, ao passo que o acusado teria tão somente suas próprias
forças e o auxílio de um advogado. Logo, não haveria ofensa ao princípio da igualda-
de, pois essa seria mais uma hipótese de tratamento desigual de desiguais.
O princípio do favor rei, entretanto, acaba por ser o responsável e servir
de fundamento para diversas situações, no mínimo, curiosas, como passaremos a
investigar.

2. INTERPRETAÇÃO DE NORMAS
O aclamado princípio processual do in dubio pro reo tem respaldo na pre-
sunção de inocência e reza que “entre duas posições divergentes que possam ge-
rar dúvida, deve-se resolver a demanda a favor do réu, e na interpretação de duas
normas legais antagônicas, deve-se optar pela mais favorável ao réu” (LIMA, 2006,
p.48). De forma bastante didática, Capez (2012, p. 83) destaca que:
[...] o princípio da presunção de inocência desdobra-se em três aspectos: a) no
momento da instauração processual, como presunção legal relativa de não-
-culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b) no momento da avaliação
da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver dúvida; c) no cur-
so do processo penal, como paradigma de tratamento do imputado, especial-
mente no que concerne à analise da necessidade da prisão processual.

Logo, temos que na interpretação das normas, desde que haja dúvidas, deve-
-se optar pela posição mais favorável ao réu, pois ele é presumidamente inocente
até que se demonstre o contrário. Um exemplo na prática seria a absolvição por
insuficiência de provas, segundo a qual, uma vez a acusação não obtendo êxito
em comprovar a culpabilidade do acusado, este, por ser presumidamente inocente,
deveria ser absolvido nos termos do art. 386, VII do Código de Processo Penal (CPP).
Mas vale ressaltar que, a bem da justiça, em não havendo dúvidas quanto à culpa-
bilidade do agente, existindo no bojo do processo suficientes indícios de materiali-
dade e autoria, o favor rei não merecerá prosperar. Nesse esteio, fora da hipótese de
aplicabilidade do referido princípio, segue a seguinte ementa:
APELAÇÃO CRIME. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO
(ART. 16, CAPUT, DA LEI Nº 10.826/03). ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE
REFORMA DA DECISÃO POR AUSÊNCIA DE AMPARO PROBATÓRIO. PE-

103 

12519 miolo.indd 103 03/09/2014 11:30:43


REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.5, 2014: 99-116

DIDO QUE NÃO MERECE ACOLHIDA. PROVA CARREADA NOS AUTOS NO


SENTIDO DE RECONHECER A OCORRÊNCIA DO DELITO IMPUTADO AO
ACUSADO. VERSÃO APRESENTADA PELO RÉU E POR INFORMANTE NÃO
COMPROVADA. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS MILITARES UNÍSSONOS E
COERENTES, COLHIDOS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO. DECISÃO
DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA E PROVA ANALISADA COM ESTEIO NO
PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JULGADOR. CONDENAÇÃO
ACERTADA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DO FAVOR REI ANTE AS
PROVAS CARREADAS NO CADERNO PROCESSUAL. RECURSO DESPROVI-
DO. (TJ-PR - ACR: 6990492 PR 0699049-2, Relator: José Mauricio Pinto de
Almeida, Data de Julgamento: 03/02/2011, 2ª Câmara Criminal, Data de Pu-
blicação: DJ: 572) [grifo nosso]

O CPP, em seu art. 615, § 1°, prevê ainda que deve prevalecer a decisão mais
favorável ao réu em caso de empate de votos no julgamento de recursos, ou seja,
sobrevindo dúvida, deve prevalecer o posicionamento mais favorável ao réu.
Em eventual antinomia interpretativa entre preceitos normativos, é impera-
tivo, portanto, que opte-se pela interpretação mais benéfica ao réu. Nessa linha
de raciocínio, preza-se, de forma louvável, pelo adágio popular de que mais vale
um culpado solto que um inocente preso. Deve-se velar, entretanto, pela devida
condenação quando esta restar suficientemente embasada, sob pena de ineficácia
do sistema penal, perpetuação da impunidade, além de prejuízos e insegurança à
sociedade.
Vale comentar sobre recente Lei nº 12.403 de 2011, que alterou a parte do
CPP, que regulamenta as prisões. Ocorre que a atual grafia do parágrafo único do
art. 312 do CPP dispõe que a prisão preventiva poderá ser decretada em caso de des-
cumprimento de outras medidas cautelares. Surgiu, então, interpretação no sentido
de ser desnecessária a análise dos requisitos da preventiva previstos no caput do art.
312. Amaral (apud MARTINS 2013, p. 04) esclarece que:
Nas duas primeiras hipóteses [sendo a primeira a decretação da preventiva de
modo autônomo, com base no art. 311, e a segunda a decorrente de conver-
são da prisão em flagrante], a decretação da prisão preventiva dependerá da
presença das hipóteses fáticas e normativas do art. 312, bem como daquelas
do art. 313, enquanto, na última [em substituição à outra cautelar descumpri-
da], não se exigirá a presença destas últimas.

Já Bottini (2011, p. 118-119) sustenta que, mesmo na hipótese de descum-


primento de cautelar anteriormente arbitrada, a sua conversão em prisão preventiva
só pode se dar em observância ao art. 313, justificando seu posicionamento sob o
argumento de não haver ressalva expressa na lei afastando a incidência do referido
dispositivo. Contudo, como bem observa o juiz federal Tiago do Carmo Martins
(2013, p. 04), deve-se proceder com uma interpretação sistemática e conjugar o
parágrafo único do 312 com o art. 282, § 4º do CPP. Aliás, o próprio parágrafo único
daquele artigo menciona este último, o que nos leva a crer que, desde que se mostre
necessário e adequado ao resguardo da investigação ou do processo penal, deve-se

104 

12519 miolo.indd 104 03/09/2014 11:30:43


O PRINCÍPIO FAVOR REI NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

converter a anterior cautelar em prisão preventiva, sem que seja impositiva a obser-
vância dos requisitos da preventiva, ficando a juízo do magistrado a conveniência da
conversão. Conclui o magistrado que “solução diversa importaria em desprestígio e
ineficácia de todo o sistema de cautelares pessoais, uma vez que se teria um sistema
pautado em deveres cujo descumprimento não geraria qualquer sanção”.
Por ser uma alteração legislativa relativamente nova, a jurisprudência ainda
está em fase de consolidação, havendo espaço para divergência doutrinária. En-
tretanto, como demonstrado, a bem da justiça, deve-se velar, neste caso, por uma
interpretação pautada na razoabilidade, e não na corriqueira defensiva ao réu.
Outro fator relacionado a medidas cautelares e também objeto de divergên-
cias é o instituto da detração penal, que consiste no cômputo na pena privativa de
liberdade e na medida de segurança no tempo de prisão provisória. Bottini (2011,
p. 120) afirma ser devida a detração no período de cumprimento de cautelar diversa
da prisão sob o argumento de que se deve estender o instituto a qualquer hipótese
de intervenção do Estado em direitos do cidadão, seja a liberdade de locomoção,
seja outro qualquer. Contudo, como esclarece Martins (2013, p. 06), a detração tem
por critério a efetiva segregação da liberdade, seja por cumprimento de pena pri-
vativa de liberdade, por prisão provisória ou mesmo por internação, de modo que,
seguindo-se o pressuposto da legalidade, somente em eventual prisão domiciliar ou
internação provisória se faria jus à benesse da detração. Esse seria o posicionamento
mais razoável tendo em vista que como conclui o mesmo autor, “detrair da pena a
cumprir o período em que o acusado ficou, por exemplo, com o passaporte retido
(art. 320) importaria em benefício excessivo, com repercussão na própria credibili-
dade do sistema”.
Outra divergência interpretativa relevante é a relativa aos crimes inafiançá-
veis. A polêmica diz respeito à interpretação do art. 5°, incido XLIII da Constituição
Federal, que proclama serem inafiançáveis a prática de tortura, os tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes hediondos. A controvérsia re-
side na interpretação literal dada ao mencionado dispositivo, segundo a qual estaria
vedada apenas a concessão de fiança, sendo perfeitamente possível a concessão de
liberdade provisória desde que sem fiança aos citados crimes elencados na Carta
Magna. Enquanto que, em sentido diverso, há quem sustente que para tais crimes
a CF quis dar tratamento diferenciado, dada a gravidade dos referidos delitos, por
conseguinte, restaria vedada a própria concessão da liberdade provisória. A discor-
dância já está presente em discussões no Supremo, havendo vários precedentes para
ambos os posicionamentos. O Min. Eros Grau, no julgamento do HC 101.505 que
discutia um caso de tráfico de entorpecentes, muito embora tenha reconhecido a
acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes que, em suas pa-
lavras, provoca malefícios no que concerne à saúde pública, expondo a sociedade
a danos concretos e a riscos iminentes, conclui que “a inafiançabilidade não pode
e não deve – considerando os princípios da presunção de inocência, da dignidade
da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal – constituir causa

105 

12519 miolo.indd 105 03/09/2014 11:30:43


REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.5, 2014: 99-116

impeditiva da liberdade provisória”, em evidente interpretação favor rei. Indo de en-


contro a esse entendimento, o Min. Ayres Britto, no julgamento do HC 89.286-AG R,
afirmou que “a proibição de liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos
e equiparados, decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição da
República à legislação ordinária”.
Observe-se que a interpretação literal e com forte tendência defensiva impli-
ca na desvirtuação da intenção do constituinte que produzira a norma com o claro
objetivo de dar um tratamento diferenciado a crimes mais graves e regulamentar, da
melhor forma possível, a prática de delitos que causam maiores danos à sociedade,
intento que tem sido inviabilizado por conta de interpretações que não atentam para
essa finalidade.

3. DIREITOS EXCLUSIVOS DA DEFESA


O ordenamento jurídico, ainda sob a égide da proteção do réu enquanto
parte em situação desfavorável, prevê uma série de direitos que só assistem à defesa.
Além da garantia de permanecer em silêncio a fim de não produzir provas contra si
mesmo, em atenção ao que dita o Pacto de São José da Costa Rica, o acusado dispõe
ainda de direitos que conferem a si tratamento diferenciado, devendo até mesmo
o rigor técnico da ciência processual ceder perante os princípios do favor rei e do
favor libertatis, segundo os ensinamento de Grinover, Scarance e Magalhães (apud
CAPEZ, 2012, p. 696).
Para que reste inteligível a posição privilegiada ocupada pelo acusado, po-
demos destacar a possibilidade do uso de provas ilícitas para comprovar a inocência
do réu, não obstante a inadmissibilidade de provas obtidas por meio ilícito, regra
do nosso sistema processual prevista no art. 5°, LVI da Constituição Federal, regra
esta que pode sofrer mitigação, desde que favorável ao réu, num juízo de ponde-
ração com o princípio da proporcionalidade em face do favor rei, permitindo-se a
prova ilícita pro réu, como preleciona a súmula 50 das Mesas de Processo Penal da
USP, segundo a qual “podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente
colhidas, que beneficiem a defesa” (GRINOVER, 1996, p. 50). Tal exceção seria jus-
tificável sob o argumento de que as provas obtidas por meio ilícitos violariam os di-
reitos e garantias constitucionais. Exemplificando, num caso em que o único recurso
probatório fosse uma gravação em vídeo em que figurasse o acusado praticando al-
gum ato reprovável sem que este soubesse que estava sendo gravado, pela legislação
penal tal prova estaria fadada a ser considerada ilícita, e, em não subsistindo mais
qualquer fonte de prova à acusação, o réu seria considerado inocente, muito embora
incontestável a comprovação de autoria pela prova ilicitamente colhida.
Resta então a reflexão do porquê não se suscita o juízo de ponderação entre
a proporcionalidade e o interesse público na eficácia da repressão penal. Sobre
o princípio da proporcionalidade, Nucci (2008, p. 354) leciona que a teoria da
proporcionalidade tem por finalidade equilibrar os direitos individuais com os in-

106 

12519 miolo.indd 106 03/09/2014 11:30:43


O PRINCÍPIO FAVOR REI NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

teresses da sociedade, logo, não se poderia admitir a rejeição contumaz das provas
obtidas por meio ilícito. Nesse sentido, podemos concluir que, assim como a liber-
dade é um direito individual, a segurança, o bem comum e a repressão de crimes
são interesses da sociedade e mereceriam lugar na prática da ponderação. Comenta,
ainda, o mesmo autor que (2008. p. 355):
[...] não é momento para o sistema processual penal brasileiro, imaturo ainda
em assegurar, efetivamente, os direitos e garantias individuais, adotar a teoria
da proporcionalidade. Necessitamos manter o critério da proibição plena da
prova ilícita, salvo nos casos em que o preceito constitucional se choca com
outro de igual relevância.

Aury Lopes Jr. (2009, p. 580) observa que “o perigo dessa teoria é imenso, na
medida em que o próprio conceito de proporcionalidade é constantemente mani-
pulado e serve a qualquer senhor” e chama a atenção para a quantidade imensa de
decisões e até de juristas que justificariam no “interesse público x interesse privado”
uma restrição de direitos fundamentais, ou mesmo condenação, a partir da preva-
lência do interesse público. Insta frisar que a proposta feita anteriormente deque
se sopese a proporcionalidade com o interesse público não objetivou a restrição
dos direitos fundamentais, mas demonstrar que, em casos semelhantes ao exemplo
supra destacado, interesses sociais como a segurança, o bem comum e a repressão
de crimes poderiam ser levados em consideração nos casos em que, embora obtidas
por meios ilícitos, as provas, de forma indiscutível, comprovassem materialidade e
autoria. Entretanto, como nos alerta Avolio (2003. p. 66/67):
A aplicação do princípio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defe-
sa, também garantido constitucionalmente, e de forma prioritária no processo
penal, onde impera o princípio do favor rei é de aceitação praticamente unâ-
nime pela doutrina e pela jurisprudência.

Em respeito à ampla defesa e ao favor rei, até mesmo a psicografia poderia


servir como meio de prova para comprovar a inocência, sendo que essa hipótese
não é considerada como prova ilicitamente obtida, na medida em que esta tem sido
aceita como prova documental a ser submetida a exame pericial grafotécnico, como
nos esclarece Leandro Teixeira (2011).
Outro direito que favorece ao réu é o relativo ao princípio do tantum devo-
lutum quantum appellatum. A respeito desse princípio Tourinho Filho (apud CAPEZ,
2012, p. 763) entende que este não tem no processo penal a mesma dimensão que
lhe traça o processo civil, afirmando que o juiz tem liberdade para apreciar a senten-
ça, mesmo na parte não guerreada, desde que seja para favorecer o réu.
Não param por aí os direitos que favorecem ao acusado, poderíamos ainda
destacar a Súmula 453 do STF, que proíbe a aplicação do art. 384 do CPP, que insti-
tui a mutatio libelli, em sede recursal. Faz-se conveniente a análise do seguinte caso:
APELAÇÃO CRIMINAL ARTIGO 184, § 2º DO CP SENTENÇA CONDENA-
TÓRIA PLEITO PELA ABSOLVIÇÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ADE-

107 

12519 miolo.indd 107 03/09/2014 11:30:43


REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.5, 2014: 99-116

QUAÇÃO SOCIAL PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO DA DENÚNCIA COM A


SENTENÇA INOCORRÊNCIA DE ADITAMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓ-
RIA `MUTATIO LIBELLI’ (CPP, ART. 384) INVIABILIDADE DE SUA APLICA-
ÇÃO EM 2º GRAU DE JURISDIÇÃO SÚMULA 453 DO STF ABSOLVIÇÃO
DO ACUSADO QUE SE IMPÕE SOLUÇÃO TÉCNICA E PROCESSUALMENTE
ADEQUADA EXEGESE DA SÚMULA 160 DO STF RECURSO CONHECIDO
E PROVIDO, COM ABSOLVIÇÃO DO RÉU, PORÉM, POR CONDIÇÕES DI-
VERSAS DAQUELAS APRESENTADAS NO APELO.

ACÓRDÃO: Acordam os Desembargadores da 4ª Câmara Criminal do Tribu-


nal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e
dar provimento ao recurso, absolvendo o Réu João Guimaraes Pedroso.(TJ-PR
– ACR: 6973684 PR 697368-4, Relator: Benjamim Acacio de Moura e Costa,
Data de Julgamento: 09/08/2012, 4ª Câmara Criminal)[grifo nosso]

In casu, se é possível detectar a incidência dos dois últimos direitos que fa-
vorecem ao réu acima aduzidos, o tantum devolutum quantum appellatum e a proi-
bição da mutatio libelli em 2° grau. Muito embora o pleito da apelação não tenha
sido a absolvição, o juiz acabou por reconhecer a inaplicabilidade do art. 384 do
CPP em sede recursal, motivo pelo qual julgou procedente o recurso, absolvendo,
mas por condições diversas da apresentada na apelação. Por meio dos ensinamentos
de Mirabete (2001, p.843)podemos depreender o fundamento do desfecho do caso:
Segundo a Súmula nº 453 do STF, “não se aplicam à segunda instância o art.
384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova
definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar
não contida explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa”. Caso no
Tribunal se reconheça, em apelação da defesa ou revisão, que a definição
jurídica correta para o fato criminoso é diversa da imputação, por não ter ha-
vido o aditamento, a solução não é a decretação da nulidade da sentença, se
não foi ela arguida pela defesa (Súmula nº 160 do STF), mas sim, a absolvição.

Seguindo a lógica e a razoabilidade, o mais sensato seria que os fatos devi-


damente provados quando da instrução probatória em 1º grau, independentemente
da capitulação errônea na denúncia por parte do Ministério Público, pudesse, senão
apreciadas em 2º grau sob alegação de supressão de instância, ao menos remetidas
de volta ao 1º grau para novo julgamento quanto às novas alegações, assegurando-se
ao acusado nova instrução probatória, além de total e irrestrito contraditório e am-
pla defesa, e não a pura e simples absolvição por inadmissibilidade do instituto da
mutatio libelli. Acreditamos que se esse fosse o procedimento adotado nesses casos,
não haveria que se falar em ofensa ao princípio da correlação ou da congruência
entre a denúncia e a sentença, uma vez que a medida a ser tomada seria a submissão
a novo julgamento dentro da nova definição, ao tempo em que não se absolveria o
indivíduo quando sua culpabilidade por certos fatos restaram provadas, não sendo
por estes responsabilizados por mero juízo de inadmissibilidade que restringe a apli-
cação do art. 384 do CPP somente ao 1° grau.

108 

12519 miolo.indd 108 03/09/2014 11:30:43


O PRINCÍPIO FAVOR REI NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Outra situação decorrente do princípio do favor rei merecedora de uma


análise crítica é a hipótese de uma sentença proferida por um juiz absolutamente
incompetente que absolva o réu, ou que de outra forma o beneficie, uma vez tran-
sitada em julgado, não poderá ser alterada para prejudicá-lo. Vale lembrar que há
acirrada discussão quanto à natureza da sentença proferida por juízo absolutamente
incompetente, se nula ou inexistente, mas, seja qual for a classificação, cediço é
que dela podem emanar certos efeitos, tanto que, num eventual reconhecimento
de nulidade desta decisão no bojo de recurso impetrado pelo acusado, ainda que o
Tribunal determine a remessa dos autos para o juízo competente para que prolate
nova decisão, este fica subordinado à primeira sentença, não sendo possível que
a situação do réu seja agravada, pois, nos termos do art. 617 do CPP, é proibida a
reformatio in pejus.
A priori, somos levados a pensar que esta situação revela-se uma afronta ao
princípio do juiz natural. Entretanto o Ministro do STJ, Jorge Mussi, em seu voto no
julgamento do HC n° 114.729-RJ, nos esclarece:
[...] o princípio do juiz natural, previsto como direito fundamental no inciso
XXXVII do artigo 5º da Constituição Federal, é instituído essencialmente em
favor daquele que é processado, a quem se confere o direito de ser julgado
por quem esteja regular e legitimamente investido dos poderes de jurisdição.
Não é concebível, pois, que uma garantia estabelecida em favor do acusado
seja contra ele invocada, a fim de possibilitar o agravamento de sua situação
em processo no qual apenas ele recorreu.

Corroborando com o colega do mesmo Tribunal, a Ministra Maria Thereza de


Assis Moura, no julgamento do HC n° 173.397-RS, observa que “ainda que se trate
de decisão proferida por juízo absolutamente incompetente, deve-se reconhecer a
prevalência dos princípios do favor rei, favor libertatis ene bis in idem, de modo a
preservar a segurança jurídica que o ordenamento jurídico demanda”.
Ademais, como exemplo de mais um direito que favorece somente ao réu,
cabe lembrar daquele instituto que relativiza a coisa julgada, a ação rescisória pe-
nal, mas que assiste somente ao réu, trata-se da revisão criminal. Como se não
bastasse ser ação exclusiva da acusação, a revisão criminal não prescreve, não tem
prazo preclusivo e pode ser apresentada quantas vezes for possível quando tiver por
fundamentos provas novas. A razão de ser do instituto seria a anteriormente aduzida
proibição da reformatio in pejus, mais um princípio com o qual o favor rei guarda
relação direta.
O propósito aqui não é insurgir-se contra a revisão criminal, que consiste em
notável possibilidade de desconstituir condenações injustas, sendo mecanismo es-
sencial na efetivação da justiça por possibilitar a correção de erros, debate de provas
falsas, apresentação de provas da inocência, reconhecimento de atenuantes, etc.;
mas propor a discussão de por qual motivo a ação não pode ser movida pela acusa-
ção. Note-se que, depois de transitada em julgado, uma sentença absolutória, ainda
que posteriormente surjam provas incontestáveis que comprovem o cometimento

109 

12519 miolo.indd 109 03/09/2014 11:30:43


REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.5, 2014: 99-116

do delito, será imutável, sob a justificativa de que afrontaria a segurança jurídica


do acusado. Em verdade, o que nos parece extremamente desarrazoável e ofensa
à segurança pública, corroborando com o sentimento de impunidade que acome-
te à sociedade, é a impassibilidade frente à evidente prevalência da proteção ao
comprovadamente culpado, frente à coibição de condutas criminosas. Isso porque,
uma coisa é optar pela liberdade quando subsistirem dúvidas a respeito da culpa-
bilidade, outra coisa, diametralmente oposta, é a proibição do reconhecimento de
provas incontestes que comprovem o cometimento de um crime, impedindo assim
a responsabilização penal. Flagrante é então o favor rei figurando como justificativa
comum na tutela de situações com objetivos totalmente divergentes.

4. RECURSOS PRIVATIVOS DA DEFESA


Partindo ainda do pressuposto de influência do princípio do favor rei, existem
na seara penal recursos privativos da defesa, a exemplo dos embargos infringentes
e de nulidade, cabíveis quando não for unânime a decisão de segunda instância,
desfavorável ao réu, sendo que aquele cabe quando a discussão for material e este
último quando for processual (CAPEZ, 2012, p. 808-12).
Os embargos infringentes consistem em recursos que podem converter uma
condenação, lembrando que não basta a falta de unanimidade, é necessário tam-
bém que a divergência do voto vencido seja favorável ao réu. Desse modo, apre-
ciando uma apelação ou recurso em sentido estrito, caso a Câmara ou Turma, por
maioria, decida contra o réu, e o voto dissidente lhe for favorável, cabíveis serão os
embargos. Vale comentar a declaração do Ministro Gilmar Mendes na defesa de que
os eventuais embargos infringente no aclamado processo do Mensalão não sejam
aceitos. Segundo ele, esse tipo de recurso seria uma “jabuticaba” no processo – fa-
zendo referência à fruta que costuma ser apontada como exclusivamente brasileira
– servindo apenas para postergar a execução das condenações do Supremo. Para o
eminente Ministro, o processo penal tem que “cumprir uma utilidade” e não pode
se prolongar indefinidamente. Ademais, afirmou:
Vejam que isto [aceitar embargos infringentes] faria, ao invés de o processo se
tornar mais célere, teríamos um processo mais demorado, às vezes para repetir
julgamentos. É preciso que o processo cumpra uma utilidade. Estamos desde
o ano passado aguardando o julgamento desses embargos de declaração para
repetir o que já dissemos. É um desperdício de energia.

Vale observar que nosso ordenamento jurídico e a própria organização judi-


ciária pauta-se na consideração da maioria como critério democrático e da consti-
tuição de órgãos colegiados como meio de evitar decisões abusivas, entretanto, isso
não obsta a possibilidade de modificação de uma acusação desfavorável ao réu,
quando houver pelo menos um dissidente.
Na hipótese em que a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu,

110 

12519 miolo.indd 110 03/09/2014 11:30:43


O PRINCÍPIO FAVOR REI NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

não for unânime e a divergência versar sobre matéria estritamente processual, capaz
de tornar inválido o processo, restam cabíveis os embargos de nulidade. Estes não
tencionam a modificação, mas à anulação do feito, possibilitando sua renovação.
Segundo Tourinho Filho (2013), “trata-se de recurso exclusivo do réu e que existe
para tutelar mais ainda o direito de defesa” e conclui afirmando que os embargos
privativos da defesa “representam uma decorrência do princípio do favor rei”.

5. OUTRAS SITUAÇÕES CURIOSAS


Além dos diversos casos já analisados no decorrer deste trabalho, vale desta-
car outras situações que também decorrem da incidência do favor rei e que também
merecem uma análise crítica por serem, no mínimo, curiosas.
Examinemos então um caso em que o agente forje a própria morte e use
certidão falsa para livrar-se da condenação. O juiz, por conseguinte, alheio à falsifi-
cação, iria proferir sentença que julga extinta a punibilidade, nos termos do art. 107,
I, do Código Penal (CP), com base em certidão de óbito falsa. Segundo a posição
doutrinária dominante, seria esse um caso de nulidade absoluta, logo, nada poderia
ser feito, tendo em vista que o instituto da revisão criminal, já estudado em linhas
passadas, só pode ser movido pela defesa, não se admitindo revisão pro societate,
no máximo o indivíduo seria responsabilizado pelo uso do documento falso, como
incurso no art. 304 do CP. Pereira (2010) elenca parcela considerável da comunida-
de jurídica que posiciona-se nesse sentido: Heleno Cláudio Fragoso, Fernando da
Costa Tourinho Filho, Damásio de Jesus, Fauzi Hassan Choukr, Vicente Greco Filho,
Julio Fabbrini Mirabete, Guilherme de Souza Nucci.
Por sorte, o entendimento do STF tem sido maduro o suficiente para, con-
trariando a doutrina majoritária, posicionar-se no sentido de considerar presente o
vício da inexistência, e não da nulidade absoluta. Convém colacionar dois julga-
mentos neste esteio, um deles datando de 1978:
HABEAS CORPUS - PROCESSO-CRIME. 1. Revogação de despacho que julgou
extinta a punibilidade do réu, a vista de atestado de óbito baseado em registro
comprovadamente falso: sua admissibilidade, vez que referido despacho, além
de não fazer coisa julgada em sentido estrito, fundou-se exclusivamente em fato
juridicamente inexistente, não produzindo quaisquer efeitos. [...] (STF - HC:
55901 SP , Relator: CUNHA PEIXOTO, Data de Julgamento: 15/05/1978, PRI-
MEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 29-09-1978)[grifo nosso]
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXTINÇÃO DA PUNI-
BILIDADE AMPARADA EM CERTIDÃO DE ÓBITO FALSA. DECRETO QUE
DETERMINA O DESARQUIVAMENTO DA AÇÃO PENAL. INOCORRÊNCIA
DE REVISÃO PRO SOCIETATE E DE OFENSA À COISA JULGADA. FUNDA-
MENTAÇÃO. ART. 93, IX, DA CF. I. - A decisão que, com base em certidão de
óbito falsa, julga extinta a punibilidade do réu pode ser revogada, dado que
não gera coisa julgada em sentido estrito. II. - Nos colegiados, os votos que
acompanham o posicionamento do relator, sem tecer novas considerações,

111 

12519 miolo.indd 111 03/09/2014 11:30:43


REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.5, 2014: 99-116

entendem-se terem adotado a mesma fundamentação. III. - Acórdão devida-


mente fundamentado. IV. - H.C. indeferido. (STF - HC: 84525 MG, Relator:
CARLOS VELLOSO, Data de Julgamento: 15/11/2004, Segunda Turma, Data
de Publicação: DJ 03-12-2004) [grifo nosso]

Vale destacar que, embora na ementa do último caso acima exposto tenha-
-se feito questão de destacar a inocorrência da proibida revisão pro societate e de
ofensa à coisa julgada, resta inegável que houve certa supressão dos efeitos da coisa
julgada em prejuízo do absolvido e em favor da justiça. Fica o questionamento da
existência ou não de ofensa ao favor rei nestes casos, mas resta indubitável que esse
posicionamento é o mais prudente e justo. Poderíamos inclusive suscitar os referidos
entendimentos como indícios de que a evolução jurídica e jurisprudencial possa vir
a inclinar-se à sensatez em alguns dos casos já exemplificados neste estudo.
Não obstantes direitos e recursos que assistem somente á defesa, cabe ainda
citar as hipóteses em que o réu é favorecido por flagrante erro do judiciário que não
pode ser corrigido sob o argumento da proibição da reformatio in pejus. Um juiz
de direito que lida diariamente com diversos casos, falível por sua natureza huma-
na, é perfeitamente passível de prolatar uma sentença errônea, que, por exemplo,
estabeleça uma pena que não se coadune com o fato narrado e provado. Caso a
pena seja além do que deveria ser, o réu faz jus à modificação, entretanto, caso seja
estabelecida abaixo do esperado, a correção, de ofício pelo Tribunal de erro material
no quantum da pena fixada na sentença condenatória, em prejuízo do condenado,
constituiria reformatio in pejus quando feita em recurso exclusivo da defesa, logo
não seria possível. Foi exatamente o que aconteceu no julgamento de agravo regi-
mental pelo STJ no HC n° 92089-RS.
Por fim, cabe alertar aos que louvam e veneram a soberania dos vereditos do
Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, que suas decisões não estão a salvo da in-
fluência protecionista do princípio do favor rei. O julgamento da Apelação Criminal
n° 970906 do TJ-DF ilustra muito bem essa situação.
In casu, o acusado fora condenado pelo Conselho de Sentença como incurso
nas penas do artigo 121, caput, do CP, sendo-lhe aplicada a sanção de 08 (oito) anos
de reclusão. Em sede de apelação interposta pela defesa, reconheceu-se a nulidade
do julgamento por ausência de quesito obrigatório. O acusado fora então submetido
a novo julgamento no Tribunal do Júri, desta feita condenado a 12 (doze) anos de
reclusão. A defesa novamente interpôs recurso de apelação postulando a anulação
da sentença em virtude de violação ao princípio da vedação a reformatio in pejus,
pois o segundo julgamento realizado pelo Júri agravou a situação do apelante, haja
vista o reconhecimento da qualificadora do motivo fútil. Postulou ainda, subsidia-
riamente, a reforma da sentença para que a pena privativa de liberdade aplicada ao
apelante estivesse adstrita àquela fixada no primeiro julgamento, qual seja, 08 (oito)
anos de reclusão. Por fim, a decisão da segunda apelação foi no sentido de conside-
rar a pena e a capitulação do primeiro julgamento do Tribunal do Júri.

112 

12519 miolo.indd 112 03/09/2014 11:30:43


O PRINCÍPIO FAVOR REI NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Assim, com o fito de não agravar a situação do apenado, em atenção ao favor


rei e à proibição da reformatio in pejus, o acusado acabou por beneficiar-se com
uma pena mais branda, afastado o reconhecimento de uma qualificadora.

CONCLUSÃO
Diante de tudo que foi exposto acerca do princípio do favor rei e da abor-
dagem crítica no que concerne às suas consequências e influência nas decisões
judiciais, a conclusão a que se pode chegar é que deve-se reconhecer a relevância
e necessidade do princípio em estudo no nosso ordenamento dada sua razão de ser,
por objetivar equalizar a relação entre o direito de liberdade e o de punir do Estado,
entretanto, faz-se mister um posicionamento mais prudente na aplicação deste prin-
cípio diante de certos casos, sob pena de se incorrer em iniquidades.
O italiano Cesare Beccaria, em sua obra Dos Delitos e Das Penas, em 1764
já nos alertava quanto à necessidade de estruturação do sistema penal que prote-
gesse o acusado da arbitrariedade do Estado, considerando o cenário da época em
que vivia, no qual o condenado era submetido a práticas desumanas na aplica-
ção da pena. Foi de enorme importância as observações de Beccaria para a época,
contribuindo assim para uma reflexão e efetiva modificação dos comportamentos
abusivos praticados em sua época e nos tempos subsequentes. Convém colacionar
o seguinte trecho da referida obra (1764, p. 21):
Abramos a história, veremos que as leis, que deveriam ser convenções feitas
livremente entre homens livres, não foram, o mais das vezes, senão o instru-
mento das paixões da minoria, ou o produto do acaso e do momento, e nunca
a obra de um prudente observador da natureza humana, que tenha sabido
dirigir todas as ações da sociedade com este único fim: todo o bem-estar pos-
sível para a maioria.

Reiterando a lembrança do cenário histórico que induziu Beccaria a redigir


as linhas acima, comparando-se com o ordenamento jurídico que nos rege atual-
mente, podemos concluir que é completamente diferente. Não obstante a proble-
mática quanto à situação degradante vivenciada em parte do sistema carcerário bra-
sileiro, notável é a evolução no sentido de cessação de penas cruéis, degradantes e
desumanas. Ademais, como se foi possível perceber neste estudo, a legislação penal
e processual penal é eminentemente protetiva do réu, principalmente por conta do
princípio do favor rei, restando perfeitamente compreensível a crítica social de que
o sistema é falho e protecionista.
Logo, sabendo-se que a Justiça idealiza-se na busca de um equilíbrio razoá-
vel entre interesses, e que o ordenamento jurídico já evoluiu o bastante no sentido
de promover a proteção do acusado frente às eventuais arbitrariedades estatais, resta
o questionamento de se não seria o momento adequado para que o bem comum
figurasse no juízo de ponderação ao lado do favor rei. Após a análise crítica do pre-

113 

12519 miolo.indd 113 03/09/2014 11:30:43


REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.5, 2014: 99-116

sente trabalho, essa é a proposta, considerando-se o atual cenário democrático em


que vivemos, superada a era ditatorial, para o alcance de “todo o bem-estar possível
para a maioria” que Beccaria nos fala.
Propõe-se, então, maior cautela na aplicação desenfreada de institutos e in-
terpretações que privilegiem de forma desarrazoada o réu em detrimento do próprio
objetivo repressivo do delito e de preservação da sociedade que constituem finali-
dades do Direito Penal, mas assegurando-se sempre a dignidade, o contraditório,
e todos os outros princípios que assistem ao acusado. Sugere-se apenas que, em
certas situações como em alguns casos que foram objeto deste estudo, considere-se
também o bem comum e não apenas o individual do réu, afinal, pode-se acabar
por incorrer em iniquidades. Registre-se o notável abismo que se instalou entre lei
e justiça, posto que, infelizmente, nem sempre o cumprimento da lei é sinônimo de
justiça. Finalmente, recomenda-se a necessária reflexão no que tange à crescente
criminalidade, que acaba por prejudicar a qualidade de vida das pessoas ao pôr a
sociedade à mercê da falta de segurança pública, ao mesmo tempo em que a impu-
nidade serve de estímulo ao infrator.

REFERÊNCIAS
AVOLIO. L. F. T. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clan-
destinas. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
BECCARIA, C. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2000.
BOTTINI, P. C. Medidas Cautelares Penais: Lei 12.403/2011. Revista do Advogado, nº
113, set. 2011.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br> Acesso em 22/08/2013.
________. Presidência da República (1941). Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outrubro
de 1941, dispõe sobre o Código de Processo Penal. Disponível em <http://www.
planalto.gov.br/>. Acesso em 23/08/2013.
________. Presidente da República. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Código Penal. Diário Oficial, Poder Executivo, Rio de Janeiro, 31 de dezembro de
1940, p. 2391. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em 23/08/
2013.
________. Presidente da República. Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, altera disposi-
tivos do Código de Processo Penal relativos à prisão processual, fiança, liberdade
provisória, demais medidas cautelares e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em 11/08/2013.
________. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental n° 92089, Rio Grande do Sul,
23 de novembro de 2010, 6ª Turma. Disponível em <http://stj.jusbrasil.com.br/>.
Acesso em: 24/08/2013.

114 

12519 miolo.indd 114 03/09/2014 11:30:44


O PRINCÍPIO FAVOR REI NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

________. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n° 114.729, Rio de Janeiro, 21 de


novembro de 2010, 5º Turma. Disponível em <http://stj.jusbrasil.com.br/>. Acesso
em: 24/08/2013.
________. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n° 173.397, Rio Grande do Sul,
23 de junho de 2010. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/>. Acesso em
24/08/2013.
________. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 55901, São Paulo, 15 de maio
de 1978, 1º Turma. Disponível em:<http://stf.jusbrasil.com.br/>. Acesso em
24/08/2013.
________. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 84525, Minas Gerais, 15 de no-
vembro de 2004, 2º Turma. Disponível em:<http://stf.jusbrasil.com.br/>. Acesso
em: 24/08/2013.
________. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Criminal
nº97090620088070003, Distrito Federal, 23 de março de 2012, 2ª Turma Criminal.
Disponível em: <http://tj-pr.jusbrasil.com.br/>. Acesso em 23/08/2013.
________. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Criminal nº 6990492, Paraná, 03 de
fevereiro de 2011, 2ª Câmara Criminal. Disponível em: <http://tj-pr.jusbrasil.com.
br/>. Acesso em 23/08/ 2013.
CAPEZ, F. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
FERREIRA, L. T. Psicografia no processo penal: a admissibilidade de carta psicografada
como prova judicial lícita no direito processual penal brasileiro. Jus Navigandi,
Teresina, ano 17, nº 3412, 3 nov. 2012. Disponível em <http://jus.com.br/>. Acesso
em: 25/08/2013.
GRINOVER, A. P. O processo em evolução. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
LIMA, M. P. Curso de Processo Penal. Vol. 1. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumem Juris, 2006.
LOPES JR. A. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume I. Edi-
tora Lumen Juris. Rio de Janeiro: 2009.
MARTINS, T. C. Considerações sobre as alterações promovidas pela Lei nº 12.403/2011
no Código de Processo Penal. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, nº
53, abr. 2013. Disponível em <http://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao053/
Tiago_Martins.html>. Acesso em 10 set. 2013.
MIRABETE, J. F. Código de Processo Penal Interpretado. 8. ed., São Paulo: Atlas, 2001,
MORAES, A. Constituição do Brasil interpretada. 4. ed., São Paulo: Atlas, 2004.
NUCCI, G. S. Código de processo penal comentado. 8. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008.
PASSARINHO, N; OLIVEIRA, M. Embargos infringentes seriam mais uma ‘jabuticaba’,
diz Gilmar Mendes. Notícia 22/08/2013. Disponível em <http://glo.bo/16iMNSc>.
Acesso em 26/08/2013.

115 

12519 miolo.indd 115 03/09/2014 11:30:44


REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.5, 2014: 99-116

PEREIRA, M. F. R. A questão da reabertura da ação penal na hipótese de extinção da


punibilidade provocada por certidão de óbito falsa. Estaríamos diante de um caso
de revisão “pro societate”?. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2693, 15 nov. 2010.
Disponível em <http://jus.com.br/artigos/17837>. Acesso em: 26/08/2013.
TOURINHO Filho, Fernando. Os embargos infringentes no processo penal e sua entrada
no Supremo Tribunal Federal. 22/4/2013. Disponível em <http://www.migalhas.
com.br/>. Acesso em 26/08/ 2013.
Recebimento em 15/10/2013
Aprovação em 16/06/2014

116 

12519 miolo.indd 116 03/09/2014 11:30:44

S-ar putea să vă placă și