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ELIANE POTIGUARA E SEUS TERRITÓRIOS POÉTICOS

FEMININOS INDÍGENAS. A TRAJETÓRIA DA EMBAIXADORA


DA PAZ

Paulo Celso Silva1


Universidade de Sorocaba (UNISO)
Red Alec
Sorocaba, São Paulo, Brasil
@ paulo.silva@prof.uniso.br

Resumo
Este trabalho apresenta seu recorte teórico nos Territórios poéticos femininos indígenas para
tratar da percepção e do ativismo desse coletivo, como forma de luta e denúncia da situação
indígena brasileira. Para tanto, debruça na produção artística de Eliane Potiguara, que anuncia
suas várias e concomitantes atuações: escritora, poeta, ativista, professora, empreendedora
social de origem étnica potiguara, com a responsabilidade de quem criou a primeira organização
de mulheres indígenas no Brasil: Grumin (Grupo Mulher-Educação Indígena), e por ter
trabalhado pela educação e integração da mulher indígena no processo social, político e
econômico e trabalhado na elaboração da Constituição Brasileira. Foi criadora do primeiro
Jornal Indígena, de boletins conscientizadores e de cartilhas de alfabetização indígena, baseadas
na proposta do educador Paulo Freire, com apoio da UNESCO; organizou em Nova Iguaçu/RJ,
encontro inédito e histórico, no qual participaram mais de 200 mulheres indígenas de várias
regiões. O reconhecimento da liderança foi sua nomeação como Embaixadora Universal da Paz
em Genebra em 2011.
Palavras Chave: ativismo indígena feminino, Eliane Potiguara, literatura indígena brasileira,
territórios poéticos femininos indígenas.

1
Professor Titular Programa de Pós Graduação em Comunicação e Cultura.

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Resumen
Este trabajo presenta su recorte teórico en los Territorios poéticos femeninos indígenas para
tratar de la percepción y del activismo de ese colectivo, como forma de lucha y denuncia de la
situación indígena brasileña. Para eso, se centra en la producción artística de Eliane Potiguara,
que anuncia sus varias y concomitantes actuaciones: escritora, poeta, activista, profesora,
emprendedora social de origen étnico potiguara, con la responsabilidad de quien creó la primera
organización de mujeres indígenas de Brasil: Grumin (Grupo de Mujeres Indígenas) y por haber
trabajado por la educación e integración de la mujer indígena en el proceso social, político y
económico y en la elaboración de la Constitución brasileña. Fue creadora del primer Diario
Indígena, Boletines concientizadores y cartillas de alfabetización indígena, basadas en las
propuestas del educador brasileño Paulo Freire, con apoyo de Unesco. Organizó en Nova Iguaçu
/ RJ, encuentro inédito e histórico, donde participaron más de 200 mujeres indígenas, de varias
regiones. El reconocimiento del liderazgo fue su nombramiento como Embajadora Universal de
la Paz en Ginebra, en 2011.
Palabras clave: activismo indígena femenino, Eliane Potiguara, literatura indígena brasileña,
Territorios poéticos indígenas.

Eliane Potiguara - Ativismo poético indígena

Granadominicanicaraguaiana
Haitchilenezuelomboliviana
...Llegó a mi casa un turista
buscando un macho tribal
Le dije al débil racista:
- Señor... no lo tome a mal...
Soy indio. No soy folklore.
Soy gente y voy a alcanzar
La ciencia que los “señores”
Corrompen p'a dominar.
Taiguara, 1984.

Eliane Potiguara não é uma personagem. Ela e Eliane Lima dos Santos são a
mesma pessoa, com as várias marcas da mestiçagem que, no entender de Michel Serres
confirma e conforma em um terceiro/mestiço instruído completo, isso porque já

2
ultrapassou as dicotomias, as hemiplegias que a divisão social inflige aos corpos, e uma
filosofia da pureza que se impõe ao homem contemporâneo.2
Todavia, acatar a mestiçagem é um exercício de vida e de identidade no qual a
passagem somente vai acontecer quando se está no meio do rio, longe das margens e da
segurança que os pés na terra indicam. Também na solidão e, principalmente, no
“desvanecimento das referências” (Serres, 1991: 12). Quando chega à outra margem, ei-
lo mestiço, múltiplo, há habitar as duas margens e também um corpo líquido: universal
“sendo único, verte em todos os sentidos” (Serres, 1991:14).
Eliane Lima dos Santos nasce em 29 de setembro de 1950 no Rio de Janeiro e
traz em seu nome atual a descendência potiguara, migrante do nordeste brasileiro
devido às perseguições e risco de vida. Seu bisavô desapareceu no início do século XX
pelas ações colonizadoras no Estado da Paraíba. Sua mãe e tias migraram para o Rio de
Janeiro trazendo em sua identidade o ser mulher, indígena, pobre, migrante e
desaldeada, estigma que ainda marca parte dos povos indígenas no Brasil.
Eliane Potiguara estudou, pois sua avó, Maria de Lourdes, acreditava que a
superação da condição viria pela educação, ainda que a discriminação contram a mulher
indígena fosse grande e persistente no Rio de Janeiro. Sua trajetória acadêmica a levou
para o magistério, entre os anos de 1969 e 1987, com a formação em letras na
Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1979. Nesse mesmo ano, a ideia da REDE
GRUMIN DE MULHERES INDÍGENAS toma corpo e materializar-se-ia três anos
depois, e juridicamente em 1987.
Também complementou sua formação com variados cursos: Curso de linguística
e aplicação em línguas indígenas (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1975);
Curso sobre Propriedade intelectual (INPI, Instituto Industrial sobre Propriedade
Intelectual, Rio de Janeiro); Cursos diversos sobre Direitos Indígenas e Gênero (ONU,
no Brasil, Costa Rica, Suíça, China, Egito, Peru e Cuba, de 1988 a 2010); Cursos sobre
Conhecimentos Tradicionais e Diversidade Biológica (ONU, Convenção da
Biodiversidade. INBRAPI, Comitê Intertribal, Ministério do Meio Ambiente, Rio de
Janeiro e Brasília, de 2000 a 2010); Cursos sobre literatura indígena (INBRAPI -
Instituto Indígena para a Propriedade Intelectual, Rio de Janeiro e Brasília).
Entretanto, uma formação mais abrangente, nunca foi sinônimo de facilidade ou
aceitação de sua origem e luta, pelo meio acadêmico e intelectual brasileiro:

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Conforme sugere Michel Serres, em 1991, em sua obra Filosofia Mestiça (Le Tiers-Instruit). Rio de
Janeiro: Nova Fronteira.

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Quando, naquela época [1987], o Grumin chamava atenção para a invisibilidade da
mulher indígena, a antropologia, a Igreja, as entidades e o Estado, conservadores, nos
miravam como inconsequentes, por falarmos em saúde e direitos reprodutivos... As
entidades ainda viam a questão indígena de uma forma muito romântica, apesar de
compreenderem a violação aos Direitos Indígenas... Lembro-me como uma minoria de
sociólogos, sutilmente, causava desconforto entre nós, indígenas, por sermos urbanos,
aldeados do Nordeste ou desaldeados citadinos. A discriminação contra nossa
consciência era enorme, principalmente quando vínhamos das cidades. Imaginem!
Nós tínhamos nossas terras e fomos acuados para as cidades! Não somos culpados. De
vítimas, passamos a ser discriminados como oportunistas... Algum dia reconhecerão a
importância política dos indígenas desaldeados pela violência ou pela migração
(Potiguara, 2018: 48-49).

Assumir uma identidade ancestral, não é garantia de reconhecimento e, em


momentos de reflexão e autocrítica, a poetisa Potiguara assume o comando. O poema
“O criador, a identidade e o guerreiro” expõe essa tensão:

Onde estavas identidade adormecida?


Sofrida nas noites ensanguentadas
Anestesiada ou morta
Ou apenas me contemplando
Ao pé da porta?
Mirava-me calada, identidade amiga
Mas vieste a mim, pelas mãos do Criador
Fruto das atenções da luta
De suas mãos solares
De olhares ternos e carinhos puros.
Quem tu és identidade?
Que secretos poderes tens,
Que me matas ou me faz reviver
Que me faz sofrer ou me faz calar
Quais mistérios tu trazes na Alma? (Potiguara, 2004: 63).

O nascimento do mestiço não está isento de dores. Há que partir, para tudo
começar. Diria Serres, “de fato, nada aprendi sem que tenha partido, nem ensinei

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ninguém sem convidá-lo a deixar o ninho” (Serres, 1991:14). Encontrar seu ‘lugar
mestiço, desabrochar a sensibilidade, que significa “possibilidade e capacidade em
todos os sentidos” (Serres, 1991: 16). Assim, por que o reconhecimento seria menos
doloroso?
Eliane Potiguara narra sua verdadeira odisseia pessoal e mística, para cumprir
com as exigências burocráticas, visando o reconhecimento legal de sua identidade
indígena pelas autoridades brasileiras. Para tanto, era necessário encontrar antigos
documentos da avó que estavam em algum lugar da biblioteca da casa entre livros e
arquivos desorganizados. A experiência de encontra-los foi única:

Desesperada e aos prantos, procurando os documentos de vovó, ouvi vozes, sussurros,


pisadas, como se estivessem uma vinte pessoas adentrando o corredor que antecedia a
entrada da casa em que eu estava, sentada no chão juntos aos meus dois filhos, Tajira e
Samora Potiguara – na época com 9 e 12 anos, respectivamente. Lembro-me bem:
estávamos na época que antecedia a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente,
promovida pela ONU em 1992, na qual eu estava envolvida também, por intermédio
do comitê Intertribal, cujo presidente era Marcos Terena. Pensava eu que o som era
dos ruídos da minha filha mais velha Moína, na época com 16 anos aproximadamente,
e de suas amigas barulhentas. Eu, que havia retornado da área Potiguara com a
exigência de recolher os documentos e leva-los ao procurador, encontrava-me com a
sensibilidade a flor da pele, passando por diversas crises de pressão alta e úlceras
gástricas. Meus filhos também sofriam consequências desse processo. De repente,
uma grande luz branca esfumaçada, de dois metros e meio mais ou menos,
ultrapassando a altura da porta de cerca de um metro e meio de largura, acompanhada
de ruídos de passos, surgiu à nossa frente. Eu olhei estática para aquele fenômeno, e
minha filha levantou-se e foi ao encontro da grande luz. A menina passou por dentro
dela e foi ao outro cômodo. Voltou e, nas mãos, trazia uma pastinha vermelha. Eram
os documentos de vovó, que estavam perdidos atrás da estante de ferro em meio à
bagunça literária. Eu nunca iria encontrar aquela pastinha! Então, disse-me Tajira:
Toma, mamãe! Eu nem pude acreditar! A luz se foi e eu, ainda estupefata, perguntei a
meus filhos com os olhos marejados e profundamente agradecida: “Vocês viram?”.
Eles responderam: “Sim, mamãe”. (Potiguara, 2004:123). A glorificação da etnia
indígena, associada ao nome de batismo, foi um caminho enconColocartrado pelo
nascer do movimento indígena como uma forma de exaltação à identidade indígena,
uma forma de resgate cultural e de resistência indígena. Eu estava resistindo, no meu
entender (Potiguara, 2004:127).

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A atuação com o movimento indígena, assim com o informativo do Grumin para
conscientização e denúncia da situação das mulheres indígenas perturbaram muito os
acordos políticos e econômicos no nordeste brasileiro. A capa do número 1 do
informativo GRUMIN (Grupo Mulher Educação Indígena) (figura 1) já antecipava,
denunciava, em 1993, os 500 anos de tentativas de silenciar a comunidade indígena por
parte das várias elites que se revezaram no poder político e econômico do país.
Destaque para um logotipo no canto esquerdo do informativo em que as caravelas
ostentam uma cruz, um símbolo pirata e um cifrão, representando o que foi, para o
ambiente e a população local esse encontro não esperado por eles: imposição de crenças
alheias aos seus ideais e visões de mundo, roubo e saque das riquezas naturais e
humanas para acumulação de poucos na Europa.

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Figura 1 INFORMATIVO GRUMIN CAPA. Fonte:
http://www.cpvsp.org.br/upload/periodicos/pdf/PIGRURJ011993001.pdf

O informativo traz também a representatividade (figura 2), quando indica que o


Grupo de Mulheres tem status consultivo na ONU para assuntos indígenas do Conselho
Internacional dos Tratados Indígenas. A representatividade, o fato de tratar-se de um
Grupo de Mulheres, aliados ás conjunturas políticas e econômicas de um país que
recentemente havia aprovado sua Constituição (1988), implicava ou foi entendido,
principalmente, no Nordeste brasileiro, como uma afronta às lideranças políticas e
econômicas masculinas brancas locais, perpetuadas em seus privilégios e únicas vozes a
serem reconhecidas.
No interior do informativo, uma proposta de reflexão e construção, não de uma
identidade, que essa já existe desde antes dos europeus aportarem, mas de uma
participação efetiva e estruturada nas escalas social/global; cultural/espiritual;
político/jurídico. Pares dialéticos que, na essência, mostram a unidade dos fenômenos
que atentam para a dinâmica capitalista e na qual o papel da mulher indígena joga e

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cobra um alto preço, considerando que é a equivalente a Terra nas cosmogonias locais
(figuras 3 e 4).

Figura 2 INFORMATIVO GRUMIN DETALHE pág. 20 . Fonte:


http://www.cpvsp.org.br/upload/periodicos/pdf/PIGRURJ011993001.pdf

Figure 3 - Construindo as bases do Movimento Indígena Potiguara, pág. 18. Fonte:


http://www.cpvsp.org.br/upload/periodicos/pdf/PIGRURJ011993001.pdf

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Figura 4 INFORMATIVO GRUMIN pág.15. Fonte:
http://www.cpvsp.org.br/upload/periodicos/pdf/PIGRURJ011993001.pdf

Pelas denúncias feitas, seu nome e o do jornalista brasileiro Caco Barcelos,


estavam em uma lista de pessoas juradas de morte, isso a obrigou a sair das terras
Potiguaras da Paraíba (Potiguara, 2002 e 2018).
Na trajetória ativista indígena de Eliane Potiguara destacamos ainda que foi
nomeada Embaixadora Universal da Paz em Genebra em 2011. Em 2005, foi indicada
para o Projeto internacional Mil Mulher para o Prêmio Nobel da Paz; participou na
elaboração da ”Declaração Universal dos Direitos Indígenas”, na ONU, Genebra e
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recebeu o título de “Cidadania Internacional” em 1996; foi eleita uma das “Dez
Mulheres do Ano de 1988”, pelo Conselho das Mulheres do Brasil.
Sua publicação em livro conta com A Terra é mãe do índio (1990), Akajutibiró –
Terra do índio Potiguara (1994), O pássaro encantado (2014), O Coco que guardava a
noite (2012), A cura da Terra (2015), Metade Cara, Metade Máscara (2004, 2018). Das
centenas de palestras e entrevistas, podemos destacar a participação no evento ‘do Chão
à janela da escola: Diálogo entre saberes históricos’ (na Universidade Estadual do Rio
de Janeiro) e ‘Narrativas indígenas nos festivais literários’ (Museu da República no Rio
de Janeiro), ambos ocorridos em 18 de outubro de 2018, momentos em que escrevíamos
este artigo.
Da apresentação, necessária, uma vez que vida e obra de Eliane Potiguara se
fundem em um ativismo e liderança, a criar os territórios poéticos femininos indígenas
que são, por natureza, mestiços.

Territórios poéticos femininos indígenas

Eu não fico quieto não!


Eu reclamo...
Eu falo...
Eu denuncio!...
Marçal Tupã, 18/04/1977

O conceito que estamos aceitando como Territórios poéticos femininos


indígenas compreendem três posicionamentos, tanto teórico quanto políticos, ou mais
filosoficamente com Michel Serres, é o terceiro, nem branco nem índio. Um terceiro
que responde ao contemporâneo de forma que o concreto não é, necessariamente,
compreendido pela razão em primeiro lugar, mas processado pela sensibilidade e
permanecido em ebulição pelo corpo. Considera-se assim a totalidade do humano e não
um ser metafísico compartimentado em um momento razão e noutro emoção: assim é o
poético.
O primeiro posicionamento, quanto ao território, parece-nos oportuno entendê-lo
como território usado, o qual “conduz a ideia de espaço banal, o espaço de todos, todo o
espaço” (Santos, 2000: 2). Essa posição implica uma ligação direta com a identidade e o

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lugar, dado que ambos estão coadunados na experiência cotidiana. Entretanto, há que se
pensar também em uma escala multiterritorial que cria a condição geral na sugestão de
uma multiterritorialidade que:

...aparece como uma resposta a esse processo identificado por muitos como
“desterritorialização”: mais do que a perda ou o desaparecimento dos territórios,
propomos discutir a complexidade dos processos de (re)territorialização em que
estamos envolvidos, construindo territórios muito mais múltiplos ou, de forma mais
adequada, tornando muito mais complexa nossa multiterritorialidade. Assim, a
desterritorialização seria uma espécie de “mito”, incapaz de reconhecer o caráter
imanente da (multi)territorialização na vida dos indivíduos e dos grupos sociais.
(Haesbaert, 1994, 2001b, 2004)

Assim considerado, quando nos voltamos para o “indígena” de nosso conceito,


verificamos que ele vive a totalidade de sua existência, sem distinções e rachaduras em
seu ser, em sua vivência; tudo é realidade, seja a realidade dormindo ou a realidade
acordada. Seus territórios são demarcados, mas não exclusivos, os comparte com
animais, plantas, entidades da mata e de seus ancestrais. Dessa forma, na junção desses
momentos emerge o poético no qual a complexidade e a desconstrução de camadas de
sentido faz re-velar o sensível, isto é, um abrir-se e voltar a velar-se (Silva, 2007).
Assim, temos a configuração de territórios poéticos indígenas que aceitam o racional e o
emocional, o aparente e a essência sem dualismos; porém, partes de uma mesma
vivência.
Isso não exclui a luta, que a palavra território carrega em seu interior. Eliane
Potiguara define no poema “Essência Indígena” (2018: 63) o seu interior e a quem
pertence sua essência:

ESSÊNCIA INDÍGENA
Um dia
Esse corpo vai apodrecer
E eu vou ser verdade...
Então eu vou ser feliz.

No poema, “Agonia dos Pataxós” (2018:62) exprime a atemporalidade da


realidade vivida:

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AGONIA DOS PATAXÓS
Às vezes
Me olho no espelho
E me vejo tão distante
Tão fora de contexto!
Parece que não sou daqui
Parece que não sou desse tempo.

O poema “Brasil” (2018:29), mais extenso, questiona a identidade e o


pertencimento da mulher indígena, e de todos os indígenas, na configuração e
construção da nação Brasil. Mas não de qualquer nação, mas a nação de todos e em que
todos não sejam violentados de forma nenhuma:

BRASIL
Que faço com a minha cara de índia?
E meus cabelos
E minhas rugas
E minha história
E meus segredos?
Que faço com a minha cara de índia?
E meus espíritos
E minha força
E meu Tupã
E meus círculos?
Que faço com a minha cara de índia?
E meu Toré
E meu sagrado
E meus "cabôcos"
E minha Terra
Que faço com a minha cara de índia ?
E meu sangue
E minha consciência
E minha luta
E nossos filhos?

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Brasil, o que faço com a minha cara de índia?
Não sou violência
Ou estupro
Eu sou história
Eu sou cunhã
Barriga brasileira
Ventre sagrado
Povo brasileiro
Ventre que gerou
O povo brasileiro
Hoje está só ...
A barriga da mãe fecunda
E os cânticos que outrora cantavam
Hoje são gritos de guerra
Contra o massacre imundo

Mas apesar de toda luta e denuncia. O poema “Desilusão” (2018: 67) faz uma
autocritica, refletindo o desapontamento de ver a ilusão de alguns indígenas e não
indígenas não conseguirem fazer a leitura da realidade imediata e aceitarem as regras do
capitalismo no campo e na cidade em troca de benéfices fúteis, passageiras, que pouco e
nenhum bem trará ao coletivo.

DESILUSÃO
A mim me choca muito esse ambiente
Essa música, essa dança
Parece que todos dizem sim.
Sim a quê ?
Sim a quem ?
Porque concordar tanto
Se o que se tem que dizer agora
É NÃO !
NÃO a morte da família
NÃO a perda da terra
NÃO ao fim da identidade.

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Entre risas y lágrimas (apytépe puka ha tesay)

Para mim esses mairuns já fizeram a revolução-em-liberdade.


Não há ricos, nem pobres;
quando a natureza está sovina, todos emagrecem;
quando está dadivosa, todos engordam.
Ninguém explora ninguém.
Ninguém manda em ninguém.
Não tem preço essa liberdade de trabalhar ou folgar ao gosto de cada um.
Depois, a vida é variada, ninguém é burro, nem metido a besta.
Darcy Ribeiro, Maíra.

No início dizíamos poeticamente que Eliane Potiguara não é uma personagem.


Ela e Eliane Lima dos Santos são a mesma pessoa, porém marcadas, agora, não somente
pela mestiçagem, mas pelos territórios poéticos construídos no decorrer de sua trajetória
de representante do povo Potiguar. Por isso, a luta pela diversidade é contínua e
perseverante. O ano de 2018 mostrou um avanço na luta da mulher indígena com a
eleição da deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), que é a primeira indígena
eleita para o cargo no Brasil e, no dia 25 de outubro, foi a vencedora, dentre 300
indicados, do Prêmio das Nações Unidas de Direitos Humanos.
No dia 28 de outubro, segundo turno das eleições, muitos eleitores, contrários ao
ultradireitista, votaram com um livro na mão, protestando pelas posições
antidemocráticas, anticulturais e segregatórias do candidato. A imagem abaixo mostra a
eleitora de Juazeiro (Ceará) com o livro de Eliane Potiguara:

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Figura 3 - Déba Viana Tacana. Dia da resistência indígena no Brasil! Voto com o livro de uma mulher indígena
ELIANE POTIGUARA #haddad13 #elenao . Postado em 28 outubro 2018,
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1747969318646696&set=a.365147986928843&type=3&theater

Esse ato simbólico da jovem Déba com o livro de Potiguara representa, para a
luta da mulher indígena um reconhecimento da fluidez dos territórios poéticos
femininos que, partindo da experiência cotidiana da identidade da autora, supera
distâncias e vai encontrar consonância com a jovem em Juazeiro do Norte, Ceará.
A trajetória da escritora Eliane Potiguara apresenta, além da denúncia da
situação da mulher indígena, a criação dos territórios femininos poéticos indígenas
como forma de dar voz às subalternas em uma sociedade patriarcal que não quer ouvir
além se si-mesmo.

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Olivieri-Godet ao analisar os trabalhos literários ameríndios contemporâneos no
Brasil, afirma a posição dos autores para quem

Seu projeto literário se enraíza no espaço social urbano onde nasceram, cresceram e
foram educados e, ao mesmo tempo, no imaginário cultural ameríndio que
descobriram, resgatando-o em textos que trazem as marcas de sua identidade híbrida.
A educação universitária no Brasil como vetor de ascensão social, que permite ao
indivíduo ultrapassar as barreiras que lhe atribuem um lugar precário, é também um
fator importante nas trajetórias [dos] escritores (Olivieri-Godet, 2017: 10).

Assim, aldeia e cidade são pares dialéticos nessa construção territorial, dos quais podem
surgir outros pares como mulher-terra, contemporâneo-ancestral, rendição-luta,
presentes em seus poemas e prosas, nos quais a condição de mulher indígena,
duplamente discriminada pela sociedade brasileira, se põe como modus operandi na
construção de outras significações poéticas que não àquelas apenas ligadas a luta pelo
reconhecimento ou pela posse da terra. Ao clamar por sua avó, a ancestralidade
atualiza-se, via poesia ou prosa, em conhecimentos milenares para os quais outras
mulheres podem se identificar.
Sem utilizar-se do conceito de decolonialismo, percebemos na leitura dos seus
poemas, trabalhos, entrevistas, palestras, uma forte aproximação da autora Potiguara
com suas práticas. Decolonalismo no sentido de ter possibilidades, muito mais do que
desconstruir, de realmente construir novas histórias, subjetividades femininas e
masculinas, conhecimentos atuais e milenares utilizando ferramentas e meios da
colonialidade hegemônica, como livros, palestras nas universidades, blogs e redes
sociais, mas desde uma perspectiva inovadora a contemplar povos antes silenciados.

Referências
Déba V. T. (2018). “Dia da resistência indígena no Brasil! Voto com o livro de uma
mulher indígena e nordestina ELIANE POTIGUARA #haddad13 #elenao”.
Postado em 28 outubro. Recuperado de:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1747969318646696&set=a.3651479
86928843&type=3&theater.

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Haeshaert, R. (2005). “Da desterritorialização à multiterritorialidade”. In Anais do X
Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março. Universidade de
São Paulo.
Informativo GRUMIN #1 (1993). Recuperado de
http://www.cpvsp.org.br/upload/periodicos/pdf/PIGRURJ011993001.pdf .
Olivieri-Godet, R. (2017). “A emergência de autores ameríndios na literatura brasileira.
Ciclo de Debates Cultura Brasileira Contemporânea : novos agentes, novas
articulações”. Recuperado de: encurtador.com.br/rNWY8
Potiguara, E. (2018). Metade cara, metade máscara. Lorena: DM Projetos Especiais.
___________ (2002). “Participação dos povos indígenas na Conferência em Durban”.
Rev. Estud. Fem. [online]. 2002, vol.10, n.1, pp.219-228. ISSN 0104-026X.
Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100016.
Ribeiro, D. (1996). Maíra: um romance dos índios e da Amazônia. Rio de Janeiro:
Record.
Santos, Milton et al. (2000). O papel da geografia. Um manifesto. XII Encontro
Nacional de Geógrafos. Florianópolis, julho.
Serres, M. (1991). Filosofia Mestiça (Le Tiers – Instruit). Rio de Janeiro: Nova
Fronteira.
SILVA, M. C. C. (2007). Comunicação e Cultura Antropofágicas: mídia, corpo e
paisagem na erótico-poética oswaldiana. Porto Alegre: Sulina.

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