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Trabalhadores do Imaterial Precarizados1

Henrique Amorim2

Resumo

Nas quatro últimas décadas de transformação social e de debates acerca do fim do


trabalho e do fim da sociedade do trabalho é possível afirmar que o trabalho industrial,
isto é, aquele rotinizado, parcializado e intensamente controlado pela gerência, conserva
significativa participação na produção de mercadorias. Contudo, seria possível afirmar
que o trabalho imaterial sofre o mesmo tipo de rotinização, parcialização, controle e
intensificação? Procurando responder a esta questão, tenho como objetivo central deste
texto explicitar alguns dos equívocos presentes no debate sobre o trabalho imaterial na
medida em que, primeiro, procuro superar a dicotomia trabalho material versus trabalho
imaterial. Segundo, procuro demonstrar como a produção capitalista, seja em indústrias
com produção física, seja em indústrias com produção não-física, opera dentro da mesma
lógica capitalista de produção, indicando como como a precarização do trabalho atinge
os trabalhadores e trabalhadoras que produzem mercadorias não-físicas de uma forma
análoga àquela da produção física.

Introdução

Seria possível definir o trabalho imaterial como um trabalho típico da sociedade


capitalista?
Nos últimos quarenta anos, a produção de mercadorias sofreu mudanças que
pareciam apontar para a redução massiva do trabalho industrial, ocasionando o fim das
sociedades fundadas no trabalho. Esta aparente redução do trabalho, sobretudo em países
do norte ocidental, inflamou os debates sociológicos no sentido da caracterização da

1
Esse artigo é fruto de pesquisa desenvolvida com o apoio do CNPq. Uma versão deste artigo foi publicada
no livro As Classes Sociais no Início do Século XXI. São Paulo: Annablume, 2017.
2
Professor de Sociologia da UNIFESP, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (UNIFESP-
Campus Guarulhos) e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Políticas Sociais (UNIFESP-
Campus Baixada Santista) da Universidade Federal de São Paulo. E-mail: henriqueamorim@hotmail.com.

1
sociedade pós-industrial, um tipo de sociedade estruturalmente distinto da sociedade
industrial baseada no trabalho manual-fabril, como alternativa societária.3
Passadas estas quatro últimas décadas de transformação social e de debates acerca
do “fim do trabalho” e do “fim da sociedade do trabalho” é possível afirmarmos que, na
prática, o trabalho industrial, isto é, aquele rotinizado, parcializado e intensamente
controlado pela gerência, conserva significativa e majoritária participação na produção
de mercadorias. Dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) mostram que os
postos de trabalho na indústria aumentaram, no período que vai de 1991 a 2012, em torno
de 224 milhões no mundo. Em 1991, 490 milhões de trabalhadores estavam empregados
formalmente na indústria. Já em 2012, o número de trabalhadores empregados
formalmente subiu para aproximadamente 714 milhões (OIT, 2017).
Em termos absolutos, há, neste período descrito, um crescimento significativo do
número de trabalhadores e trabalhadoras na indústria que parece desabonar as teses que
advogam o fim do trabalho. Contudo, esta constatação poderia ser questionada, pelas
teses que afirmaram o surgimento da sociedade pós-industrial em substituição à sociedade
industrial, na medida em que relativizassem a natureza do tipo de trabalho dos
trabalhadores e trabalhadoras que compõe este dado. Isto é, o número de trabalhadores
teria aumentado, mas o tipo de trabalho, que fundamentaria a elevação do número de
postos de trabalho, seria estruturalmente distinto daquele encontrado nas indústrias antes
dos anos 1970.
Hoje, diriam as teses que compõem as teorias da sociedade pós-industrial, o
trabalho que se encontra nas indústrias é predominantemente imaterial, isto é, não
repetitivo, seriado, parcializado e fundamentado na cognição, na intelectualidade do
trabalhador. Concluiriam, com isso, que o crescimento do trabalho imaterial justifica o
aumento de postos de trabalho no mundo, mas que esta indústria não pode ser considerada
uma indústria tipicamente capitalista, pois apenas as indústrias com trabalho manual e
produtoras de mercadorias físicas geram mais-valor, centrando-se, assim, em uma
sociedade do tempo de trabalho4.
Procurando responder a este raciocínio, tenho como objetivo central explicitar
alguns dos equívocos presentes no debate sobre o trabalho imaterial na medida em que,
primeiro, procuro superar a dicotomia trabalho material versus trabalho imaterial e

3
Discuto mais detalhadamente o debate sobre a sociedade pós-industrial, em: Amorim (2014) e o debate
sobre o “fim do trabalho” e/ou “fim da sociedade do trabalho”, em: Amorim (2015).
4
Analisei mais detidamente a questão do tempo de trabalho, em: Amorim (2013).

2
também a dicotomia trabalho manual versus trabalho intelectual. Segundo, procuro
demonstrar como a produção capitalista, seja em indústrias com produção física, seja em
indústrias com produção não-física, opera dentro da mesma lógica capitalista de
produção. Por fim, procuro mostrar como a precarização do trabalho atinge os
trabalhadores e as trabalhadoras que produzem mercadorias não-físicas de uma forma
análoga àquela da produção física.5

Trabalho e produção imaterial capitalista

Estruturalmente, todas as formas de trabalho respondem direta ou indiretamente à


lógica de valorização do capital. Se estamos sob imperativos capitalistas, para que a
sociedade se reproduza é necessário que se reproduzam as formas estruturais que dão
sentido a esta sociedade, isto é, a divisão em classes sociais e a exploração da classe
trabalhadora nos processos de produção de mercadorias como forma central e necessária
para a manutenção deste modo de vida.
Este pressuposto nos dá suporte para o exame do trabalho imaterial, mais do que
isso, como um trabalho que também se caracteriza como uma forma típica de trabalho
das sociedades capitalistas, o trabalho abstrato6, nos termos de Marx (1998).
No entanto, mesmo sendo o trabalho imaterial uma forma de trabalho abstrato que
produz mais-valia, com base na exploração de tempo de trabalho, ele tem características
particulares (Amorim, 2014). Isto é, se tomarmos o ponto de vista do trabalho concreto,
o trabalho do programador de software é diferente do trabalho do operário da indústria de
agronegócios; o trabalho da digitadora é diferente do trabalho do ferramenteiro da fábrica
de carros; o trabalho do teleoperador é diferente do trabalho da operária das indústrias de
eletrodomésticos e da operária da indústria têxtil. Assim, de um lado, o programador, a
digitadora e o teleoperador, operam com matérias-primas e meios de produção
intangíveis, isto é, o conhecimento, a informação e a comunicação; enquanto, de outro, o

5
Esta discussão está sendo realizada no âmbito de dois projetos de pesquisa. O primeiro intitulado:
“Trabalho, Classes Sociais e Precarização no Contexto das Tecnologias da Informação e da Comunicação”,
financiado pelo CNPq/PQ; e o segundo intitulado: “Trabalho Imaterial e Precarização no Contexto das
Tecnologias da Informação e da Comunicação: uma comparação Brasil-França”, financiado pela
FAPESP/BPE.
6
Focaremos nossa análise na produção imaterial que se utiliza de trabalho assalariado, sabendo que o
assalariamento é uma das características, mas não a única, do trabalho tipicamente capitalista. Há formas
não típicas de trabalho como o trabalho autônomo, escravo, semiescravo, servil e várias modalidades de
trabalho informal que direta e indiretamente compõem as cadeias de valorização do capital. Além disso, há
a dimensão do desemprego que, do ponto de vista de uma reserva de força de trabalho latente, opera na
valorização/desvalorização da força de trabalho empregada.

3
operário agrícola, o ferramenteiro, a operária da indústria de eletrodomésticos e a operária
da indústria têxtil operam a terra, máquinas de cultivo, ferramentas físicas e máquinas,
ou seja, matérias-primas e meios de produção tangíveis.
Neste sentido, mesmo sob a lógica da produção de mercadorias no capitalismo,
enquanto alguns tipos de trabalhadores laboram uma matéria-prima intangível (não-
física) e produzem mercadorias intangíveis (não-físicas), outros operam com uma
matéria-prima tangível (física) e produzem mercadorias intangíveis (físicas). Entretanto,
isto não baliza uma diferenciação estrutural destes tipos de trabalho. Tanto uns quanto
outros, mesmo tendo matérias-primas e resultados diferentes, obedecem a uma mesma
lógica produtiva.
No entanto, para alguns autores (Gorz, 2005 e 2007; Lazzarato, 1992; Moulier-
Boutang, 2007; Negri, 2004; Vercellone, 2007), com o desenvolvimento da produção e
do trabalho imaterial, operar matérias-primas e produzir mercadorias intangíveis
fundamentaria um novo paradigma produtivo que se descolaria da produção tipicamente
capitalista.
A imaterialidade da produção e do trabalho passaram a ser consideradas, por se
utilizarem do conhecimento, da informação e da comunicação, como uma alternativa à
produção capitalista. Mas, este tipo de “trabalho imaterial” não estaria inserido na mesma
forma de organização da produção do “trabalho material”? Antes de respondermos a esta
questão é necessário explicar o que é considerado material ou imaterial no trabalho e
quais são os limites desta consideração.
Para a maioria dos autores que defendem a tese de que o trabalho imaterial teria
se tornado a força produtiva central no capitalismo contemporâneo, imaterial se refere ao
caráter intangível e não-físico, enquanto material se refere ao caráter tangível e físico do
trabalho e da produção. Isto é, o que se coloca no centro de toda a explicação sobre a
novidade da produção imaterial tem relação com o trabalho concreto. Não importa, assim,
se o objetivo e a organização social e tecnológica que fundamentam a produção imaterial
sejam exatamente os mesmos daqueles da produção material. O que importa é se o
conteúdo, que dá base à produção e ao trabalho, é ou não tangível.
Grosso modo, o trabalho imaterial é apresentado como um trabalho sem
substância física. Um trabalho predominante intelectual, seja de prestação de serviços
administrativos, gerenciais, seja de produção de mercadorias não-físicas em que o
conhecimento e a informação servem de base para a maior parte do processo produtivo.

4
Sendo intangível, este tipo de trabalho não poderia ser apreendido pelas garras do
capital, já que toda a produção tipicamente capitalista precisaria, segundo tais autores
citados acima, de uma medição baseada no tempo de trabalho. Assim, produtos
intangíveis são considerados não mensuráveis, pois não têm base física, não podendo ser
contados. Não se poderia medir, portanto, o conhecimento investido em um software, na
informação jornalística presente em uma notícia, nem na desenvoltura comunicativa de
um teleoperador. Ainda segundo estes autores, todos estes trabalhos não poderiam ser
reduzidos a unidades de tempo de trabalho e, por fim, não poderiam ser codificados.
Tal fundamentação sobre a produção imaterial entende, portanto, que não seria
mais possível medir a produtividade do trabalho com base no tempo de trabalho. Por
consequência, e projetando o crescimento da produção que se utiliza das novas
tecnologias da informação e da comunicação (NTICS), a lógica produtiva imaterial
substituiria tendencialmente a produção capitalista e, por consequência, o modo de
produção capitalista. Formar-se-ia, com isso, uma “economia do conhecimento” em
substituição à economia do tempo de trabalho (Gorz, 2005; 2007).
Como o núcleo dessa produção é intangível, segundo a “economia do
conhecimento”, tais atividades que a compõem não poderiam ser reduzidas a uma
expressão quantitativa, isto é, a trabalho abstrato (Gorz, 2005).
O primeiro problema desta afirmação está no embaralhamento de algumas
categorias de análise. Primeiro, a distinção conceitual entre trabalho material e trabalho
imaterial é realizada apenas sob o ângulo do trabalho concreto, restringindo, assim, a sua
dimensão social ao conteúdo destes trabalhos específicos. Segundo, faz-se uma separação
absoluta entre o trabalho material e o imaterial como se estes dois fossem representações
ideal-típicas do trabalho manual e do trabalho intelectual, respectivamente. Isto é, de um
lado, estaria um trabalho sem nenhuma dimensão cognitiva e fundamentado pela
repetição e pelo controle externo. De outro, um trabalho criativo e autônomo que não
poderia ser enquadrado na lógica capitalista. Trabalho manual e trabalho intelectual são,
com isso, apresentados como formas opostas e excludentes de trabalho na medida em
que, respectivamente, informam a materialidade e a imaterialidade do trabalho, isto é, a
fisicidade e a não-fisicidade do trabalho.
Contrariamente, entendemos que a relação entre o trabalho manual e o trabalho
intelectual deva ser apreendida em sua dimensão social necessariamente contraditória.
Primeiro, pois não há nenhuma forma de trabalho que seja absolutamente manual ou
absolutamente intelectual. Segundo, pois, ao operar com a relação entre trabalho manual

5
e intelectual, seria importante observar a sua necessária relação de complementação, mas
não como expressão do trabalhador individualizado, como quer a “economia do
conhecimento” e como fundamentou a Economia Política Clássica, mas sim como
expressão do trabalhador coletivo. Em resumo, como expressão de uma produção que
combina socialmente formas variadas de trabalho em diferentes regiões e territórios,
níveis de qualificação e formação profissionais e diferentes níveis salariais para atingir os
objetivos de valorização do capital.
Portanto, o capital procura se utilizar de uma variedade de trabalhos, físicos e não
físicos, todos eles como formas de trabalho abstrato e, por isso, trocáveis. Opera, assim,
na variedade combinada de múltiplas formas de trabalho que se “revezam” a serviço desta
valorização. Com isso, entendemos que o conteúdo do trabalho se apresenta como parte
importante desta relação dialética, mas não apenas nele estão os dispositivos de
estruturação ou desestruturação da produção capitalista.
Limitar a “função social do trabalho” ao seu conteúdo, é limitar a análise da
produção capitalista a uma essência inexistente7 e não observar que a materialidade do
trabalho (física ou não física) tem sua determinação em um imbricamento contraditório
de relações capitalistas de produção, claramente, marcadas pelas relações de força em
uma dada conjuntura política.
A produção de mercadorias no capitalismo responde, assim, a um complexo de
dimensões variadas que se “(...) originam do estômago ou da fantasia” (Marx, 1998, p.
45). A intangibilidade da produção não faz, portanto, da produção capitalista algo menos
ou mais material, sobretudo, porque a materialidade é aquela de um conjunto de relações
sociais historicamente determinadas.
No sentido de caracterizar a produção imaterial como uma produção tipicamente
capitalista, procuro descrever algumas formas de controle e precarização do trabalho que
atingem este universo produtivo contemporaneamente.

7
Isto é, a uma caraterística que estaria intrinsecamente presente na produção e no trabalho imaterial. A
“economia do conhecimento” procura equivocadamente demonstrar a imensurabilidade do trabalho
imaterial, baseando-se em uma essência na medida em que acredita que o saber e o conhecimento, presentes
nas atividades imateriais, seriam inapreensíveis do ponto de vista da sua racionalização, codificação e
controle. Para nós, trata-se de uma “essência inexistente”, haja vista que a sua mensurabilidade e/ou
apreensão mercantil, depende do conjunto de relações sociais que configuram o trabalho, seja ele tangível
ou intangível.

6
Trabalho imaterial precarizado

Contrariamente à voga teórica de uma produção ou de uma sociedade pós-


industrial, entendemos que a produção baseada no conhecimento, na informação e na
comunicação estende as formas de exploração capitalista na medida em que à produção
de mercadorias físicas soma-se, nos últimos 40 anos e mais profundamente nos últimos
20 anos, a produção de mercadorias não-físicas.8
O capital estendeu as formas de exploração, portanto, no sentido de massificar e
precarizar a exploração do trabalho onde predominam as novas tecnologias da informação
e da comunicação e onde são utilizadas forças produtivas cognitivas. Avançou, com isso,
em uma recente e nova fronteira produtiva (Amorim, 2009; 2014) pouco explorada por
ele mesmo. A extensão das formas de exploração e utilização das capacidades intelectuais
se torna, portanto, um ponto central de nossa análise, sobretudo por estarmos destacando
a utilização massiva destas capacidades. Isto pressupõe que em nossa análise não
atribuímos às formas recentes de exploração do trabalho cognitivo nem uma novidade
estrutural, nem uma novidade paradigmática.
Harry Braverman (1980), na década de 1970, já havia sublinhado a precarização
do trabalho em setores administrativos e de supervisão. Antes dele, e de forma mais
estrutural, Marx (1998) demonstrou a perda progressiva, por parte do trabalhador
coletivo, das formas de controle dos processos de trabalho e das formas de concepção do
trabalho.
Entendemos, assim, que se até os anos 1950 e 1960 a dimensão física se
apresentava como forma central para a exploração das forças produtivas vivas, a partir de
então, a essa produção física, se soma a produção não-física, chamada imaterial. Esta,
obedecendo à mesma lógica, também reproduz e intensifica as formas de precarização do
trabalho para o conjunto da classe trabalhadora.
Portanto, o capital, de uma forma global, além de reproduzir as formas tradicionais
taylor-fordistas e toyotista de exploração, controle e precarização do trabalho nas
indústrias de produção física, onde predomina o trabalho manual, alarga as fronteiras de
exploração do trabalho na medida em que explora combinadamente os trabalhos nos quais
predominam as atividades intelectuais.

8
A relação entre produção tipicamente taylor-fordista e a produção de hardware e software, como uma
produção que se atualiza sob a mesma lógica, pode ser encontrado no excelente trabalho de Bridi e Motim
(2011).

7
Mas, como identificar a precarização do trabalho imaterial? Aqui terei como
referência empírica a produção de software. É nesta produção que se alojam os principais
argumentos sobre um tipo de atividade produtiva que poderia se apresentar como um
trabalho alheio às práticas de trabalho capitalistas e, em certa medida, caracterizado como
uma via social para a transformação do capitalismo desde seu interior. Isto é, a produção
imaterial abriria espaço para organizações societárias alternativas às capitalistas, já que
em seu interior prevaleceriam atividades que não poderiam ser apreendidas, nem
racionalizadas (ou externalizadas, como sugere Gorz, 2005) pelo capital.
No entanto, observando empiricamente a produção imaterial, na qual as funções
produtivas são predominantemente cognitivas, ou seja, na qual tanto a matéria-prima,
quanto o resultado produtivo são intangíveis, não-físicos, notamos a presença de formas
de controle, gestão produtiva, intensidade do trabalho, formas de contratação, estímulos
à produtividade, produtividade, rotinização e serialização da produção muito semelhantes
àquelas da produção física, como a de automóveis, eletrodomésticos, vestuários, etc. etc.
No Brasil dos últimos anos, por exemplo, os teleoperadores de indústrias de
teleatendimento permanecem, em média, apenas oito meses em uma mesma empresa,
haja vista que tais trabalhadores e trabalhadoras têm condições de trabalho com alta
intensidade produtiva, controle gerencial despótico, metas produtivas também altas e com
índices crescentes de doenças por estresse, emocionais e psíquicas, resultantes da intensa
pressão por produtividade baseada em metas de vendas e obtenção de resultados. Somado
a isso, o salário deste segmento profissional é um dos mais baixos, ocasionando esta alta
rotativa do trabalho (Dutra, 2014).
Particularmente, a indústria de software e a produção de tecnologia da informação
(TI) estão marcadas, desde sua instalação no Brasil, por um processo que se fundamenta
dentro do quadro da divisão internacional do trabalho. Assim, a indústria brasileira de
software e de tecnologia da informação obedecem às demandas de determinados países,
cuja produção já se encontra relativamente organizada.
Em termos gerais, o setor de telecomunicações que se estrutura no Brasil a partir
da década de 1970 sofre da mesma doença de outros setores produtivos presentes no
Brasil, isto é, de uma dependência em relação à produção de tecnologia, conhecimento e
inovação desenvolvida em outros países.9

9
É importante salientar que, nos anos 1970, o setor de telecomunicações teve massivo financiamento do
governo federal. Não obstante, desde o final dos anos 1980 e, particularmente, a partir de 1991, há uma
diminuição progressiva destes financiamentos que redimensionaram e radicalizaram a dependência do

8
A organização da indústria de software e de serviços de TI, como uma síntese do
setor de telecomunicações, se fundamenta, assim, dentro de um processo de
monopolização e concentração tanto das plataformas tecnológicas, quanto em relação à
concentração científica e de inovação tecnológica.10
Como sugere Bertoni “(...) a Indústria Brasileira de Software e Serviços de TI
surgiu em um mercado já monopolizado, organizado internacionalmente por “empresas-
rede” e por modelos de produção modulares em torno de plataformas tecnológicas já
consolidadas” (Bertoni, 2014, p. 07). A produção brasileira de software e TI, em sua
maior parte, fica, portanto, com a fatia menos rentável na divisão internacional do
trabalho, já que apenas reproduz o conhecimento e os padrões tecnológicos que são
desenvolvidos, sobretudo nos Estados Unidos, onde a produção está concentrada com
base em monopólios e oligopólios.11
Há, com isso, um primeiro desdobramento importante fruto deste caráter de
dependência da indústria brasileira frente ao mercado externo, onde estão localizadas as
matrizes de multinacionais como a Microsoft, IBM e Oracle que operam no Brasil: o
perfil da produção e do trabalho que são realizados no Brasil é de baixo valor agregado,
seriado, com custos reduzidos e, por isso, com uma força de trabalho cada vez menos
qualificada.

Brasil em relação às empresas multinacionais, como a Microsoft, a IBM e a Oracle, entre outras, e a certos
países estrangeiros, em especial os Estados Unidos, produtores de P&D e de inovações tecnológicas. Para
uma melhor descrição do processo de instalação do setor de telecomunicações e da indústria de software e
TI no Brasil, ver: Tapia (1995); e Moreno (2015).
10
A década de 1990 é, assim, marcada por uma inversão no sentido da organização do setor de
telecomunicações e, em especial, da indústria de software. Como indica Botelho,“(...) O Brasil não possui
uma política específica e individualizada para software, embora o software seja um dos pilares das
políticas públicas que se sucederam a partir do início dos anos 90. Na década anterior, a Política Nacional
de Informática, amparada na Lei 7.232/1984, estimulou o desenvolvimento do setor brasileiro de
informática através da reserva de mercado para as empresas de capital nacional. Na época, a prioridade
era, sobretudo, a proteção da indústria brasileira de hardware. A política que entra em vigor a partir do
final de 1991 reorienta a estratégia. Em movimento inverso ao observado nos anos anteriores, procura
estimular investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no País sem restrições ao capital
estrangeiro, por meio de incentivos fiscais para fabricantes de equipamentos que realizem atividades de
P&D no Brasil. O software surge como uma prioridade” (Botelho, SOFTEX, 2009).
11
As cadeias de mundialização do capital obedecem assim a um processo de concentração e centralização
do capital nos países nos quais as multinacionais têm suas sedes instaladas. Nos países para os quais tais
empresas transferem a sua produção, procurando legislações trabalhistas mais frágeis, são instaladas filiais
que apenas reproduzem as inovações tecnológicas produzidas nas empresas matrizes. Há, com isso, uma
transferência apenas das formas de produção que, primeiro, devem ter padrões produtivos que a legislação
local das empresas sedes não permitiriam para a intensificação da produção e, segundo, uma absorção dos
componentes desenvolvidos nas empresas matrizes. Não obstante, a maior parte do lucro das empresas
multinacionais retorna para os países das empresas sedes, concentrando e centralizando o lucro da
produção.

9
Estando a produção de software e de serviços de TI sob o manto da produção
internacional, isto é, sob o domínio das empresas multinacionais que concentram a
inovação tecnológica e de P&D, demanda-se um contingente de trabalhadores com menor
nível de qualificação técnica se comparado à demanda das décadas de 1970 e 198012.
Portanto, a absorção da força de trabalho disponível se dá com base no perfil de mercado
dependente, isto é, com base em um perfil em que, não necessitando de profissionais com
nível elevado de qualificação científica e técnica, se incorpora uma força de trabalho com
habilidades e competências com baixa qualificação13 para um modelo industrial que
apenas reproduz as bases científicas e tecnológicas desenvolvidas em outros países.14
Além disso, observa-se no setor uma média salarial baixa dos trabalhadores se
comparada à média salarial nacional entre 2003 e 2010. Após um investimento mais
intenso por parte do governo brasileiro nos anos 1970 no setor de telecomunicações,
particularmente, em P&D e inovação tecnológica, o setor passa a sofrer cortes no que se
refere aos investimentos estatais. Nota-se com esta mudança de política de investimentos
estatais, a transformação do perfil da indústria nacional e, com isso, do trabalhador
demandado.
Nos anos 1970, a média salarial era mais elevada, sobretudo, por conta da alta
qualificação dos trabalhadores requisitados. Desde os anos 1980, e de maneira mais
radical, a partir dos anos 2000, este perfil se transforma na medida em que os
investimentos estatais, que ainda dinamizavam a indústria nacional, são substituídos pela
completa adaptação ao perfil de industrialização dependente.
Em dados divulgados pela SOFTEX, podemos observar este cenário. Não
obstante, a elevação tanto do número de trabalhadores, quanto da massa salarial do

12
Segundo Bertoli, “(...) Ao longo do período de 2003 a 2010, cresce proporcionalmente mais o número
de vínculos empregatícios em ocupações que exigiriam, em tese, maior qualificação (analistas de TI,
engenheiros em computação, gerentes de TI e administradores de TI). No entanto, estas ocupações
passaram a ser exercidas por uma quantidade maior de pessoas jovens, com nível superior incompleto; o
que provocou a queda das remunerações médias dessas ocupações. Em suma, mais pessoas foram
contratadas, porém, com menor grau de escolaridade e menores salários. A flexibilização do mercado de
trabalho desses profissionais evidencia-se no uso de alternativas à contratação via CLT. A contratação do
profissional como consultor, pessoa jurídica (PJ) ou como CLT Flex gera imperfeições no mercado de
trabalho. Esses contratos alternativos prejudicam as empresas que optam pela CLT, pois elas passam a
ter dificuldades para estabelecer preços compatíveis com o de suas concorrentes” (BERTONI, 2014, p.
10).
13
Segundo dados da SOFTEX (2013, p. 93), houve uma diminuição de quase 10% no número de
trabalhadores empregados com formação superior entre os anos de 2003 e 2009 no que se refere aos serviços
de TI.
14
Ainda com Bertoni (2014, p. 122) vê-se que não há inovação científica implementada pelas empresas de
software e de serviços de TI no Brasil, mas apenas adaptação às inovações realizadas nos países centrais
nos quais as matrizes das multinacionais estão instaladas.

10
conjunto dos trabalhadores empregados neste setor, o aumento da média salarial ficou
aquém daquela do conjunto dos trabalhadores brasileiros entre 2003 e 2010. Mesmo que
o número de trabalhadores, com contratos formais de trabalho, tenha crescido à taxa de
139,4% para as indústrias de software e serviços de TI, enquanto a taxa de contratos
formas seja apenas de 49,2% para o conjunto da economia nacional, a média salarial nas
indústrias de software e serviços de TI cresceu apenas 9,4%, enquanto para o conjunto de
trabalhadores ocupados no Brasil essa média foi de 18,6%, isto é, quase o dobro
(SOFTEX, 2011).15
Uma das possíveis explicações para a redução das médias salariais no setor de
software e serviços de TI se refere às formas de contratação de trabalho. Com objetivo de
reduzir custos, no sentido de participar de modo mais agressivo do mercado com
indústrias estrangeiras e se enquadrando em um perfil industrial dependente, as empresas
deste setor se valem de formas precárias de contratação de seus trabalhadores, o que se
convencionou denominar como um processo de flexibilização das formas de contrato de
trabalho em relação à CLT.
Este processo de flexibilização das formas de contrato de trabalho, que são
apresentadas como uma alternativa (do ponto de vista das empresas) para ampliar sua
capacidade de concorrer no mercado de produção de software e de serviços de TI, não
está obviamente restrito a este setor. Na verdade, o setor representa um movimento mais
estrutural dentro de um quadro geral de flexibilização dos contratos e de precarização do
trabalho.
Nestes termos, podemos constatar formas de flexibilização dos contratos de
trabalho tais como: a CLT flex, os contratos de Pessoa Jurídica (pejotização), além de
formas de ampliação e intensificação da jornada de trabalho com base no teletrabalho16,
presentes também em outros setores da produção.
É importante destacar que todas estas modalidades de contratação escapam, de
alguma forma, à legislação trabalhista. Não obstante, seu crescimento continua a ser
observado em todos os setores produtivos. Com isso, a produção no Brasil do setor de
produção de software e serviço de TI acaba por se estruturar em “linhas produtivas” e
serviços de baixos custos. Ou seja, em linhas de produção virtuais que se valem, primeiro,

15
Ver ainda as tabelas detalhadas do relatório da SOFTEX (2011, p. 04-08) que descrevem este movimento
de redução da elevação média do salário nas indústrias de software e TI.
16
Sobre antigas e recentes formas de contratação de trabalho ver: Azevedo e Tonelli (2014) e sobre o
processo de pejotização da força de trabalho no setor, ver: Fernando; Batista; Fiala (2008).

11
da reutilização e reprodução de bases tecnológicas já desenvolvidas fora do país, segundo,
de uma força de trabalho cada vez mais jovem e com baixa qualificação e, terceiro, de
contratos de trabalho flexibilizados, orientando-se, assim, para um padrão de produção
em massa, com produtos de baixa qualidade, mas com preços atraentes para o mercado
nacional e internacional.

Conclusão

As formas de precarização do trabalho que atingem as “indústrias tradicionais”,


isto é, de produção física, atingem também a produção baseada no conhecimento, na
informação e na comunicação. A terceirização, a flexibilização dos contratos de trabalho,
a pejotização, a produção repetitiva e seriada sem autonomia do trabalhador e sem
participação em processos decisórios não configuram aquilo que os teóricos da
“economia do conhecimento” conclamam como uma produção não capitalista e, em
determinados casos, anticapitalista.
Mesmo que a produção que se utiliza das NTICs tenha aberto novas possibilidades
de enfrentamento político e também para novas possibilidades de produção que estão à
margem da produção capitalista (aqui me refiro às organizações de desenvolvedores de
softwares independentes), não há indícios de que estas novas formas produtivas se
reproduzam tendencialmente em substituição à produção capitalista. Na prática, este tipo
de produção alternativa se reproduz apenas de forma marginal, quando não é
completamente incorporada às cadeias de valorização do capital.
Além disso, é importante sublinhar que um software, como uma síntese de um
conjunto de relações sociais, tem, do ponto de vista do trabalho abstrato, as mesmas
qualidades da máquina a vapor do século XVIII, do telefone no século XIX ou do
automóvel no século XX. Todos estes conjuntos de relações sociais, tangíveis ou
intangíveis, podem estar inseridos dentro das cadeias de valorização do capital que
obedecem a um mesmo fim que, em última instância, é o de reprodução social da
dominação capitalista. Não há, assim, nada intrinsecamente presente no conhecimento
sintetizado em um software, nada que liberte, libere, autonomize ou desamarre os
coletivos de trabalho do controle e do despotismo físico ou virtual da produção de
mercadorias no capitalismo.
O trabalho imaterial, como um trabalho onde predominariam as capacidades
intelectuais, parece, portanto, sofrer das mesmas condições sociais do trabalho taylor-
fordista seriado e rotinizado ou ainda toyotizado. Neste tipo de produção, o controle físico

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do gerente é incorporado a um software que controla quando e onde os desenvolvedores
“logam” suas máquinas. O quadro de horário de ponto físico se transforma em um quadro
virtual, no qual a empresa torna-se capaz de controlar a intensidade e a produtividade do
trabalho em tempo real. Com isso, produzir em casa ou no trabalho não importa mais, já
que se tornou possível controlar os coletivos de trabalho virtualmente e converter o
potencial de seus “cérebros, nervos e músculos” em mercadorias imateriais.

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