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INTRODUÇÃO
1. O consciente e o inconsciente
Com certeza, nós nada adiantamos de novo até aqui. O conceito de alma, de
psiquismo, tal como encontramos nos velhos tratados de psicologia, só tinha o objetivo
de servir de receptáculo às forças psíquicas agindo atrás da consciência. Mas este
conceito era tão congestionado de toda sorte de pré-julgamentos que a psicologia nova,
aquela que queria ser uma espécie de ciência natural dos fenômenos interiores, preferiu
não retê-lo, e limitou a investigação da consciência, identificando a psicologia ao estudo
dos fenômenos conscientes e reenviando o resto à metafísica.
Será sem dúvida instrutivo de lembrar as concepções dos três autores aos quais
Freud se refere durante o período em que elaborava suas próprias idéias sobre o
inconsciente, isto é durante os anos 1895-1898. Trata-se de Jerusalem, de Lipps e de
Taine ( 76 ). Eis aqui alguns excertos de suas obras: "Se nos atermos a essa distinção entre
fenômenos psíquicos e fenômenos físicos, a hipótese da existência de fenômenos
psíquicos inconscientes não se confrontará com nenhuma dificuldade. Com efeito, a
marca distintiva dos fenômenos psíquicos, a saber a ausência de apoio, permanece,
mesmo se a consciência desaparece. Que se queira então considerar o fato que nós não
conhecemos processos sem suporte outro que psíquicos - e nós poderemos assim afirmar
sem risco de nos contradizer que se todas as representações sem suporte são psíquicas,
elas não são todas conscientes." Efetivamente "as ocorrências psíquicas são nas suas
essências, desprovidas de suporte; só, o empirismo as fez aparecer como estando ligadas
aos fenômenos físicos, isto é apoiando-se sobre um suporte." "Caso se designe os
processos inconscientes pelos termos disposições psíquicas ou caso procuremos lhes
caracterizar dizendo que eles se situam abaixo do nível de consciência - isso será um
problema de terminologia que não concerne ao essencial. Contudo, visto a confusão que
uma linguagem metafórica pode criar no domínio da psicologia, prefiro empregar os
76
Freud, S. La naissance de la psychanalyse, lettres à
Wilhelm Fliess; notes et plans. Paris, P.U.F., 1950.
termos "processos inconscientes" ou mesmo "inconsciente, sem pensar ao menos em uma
qualquer que seja metafísica de Hartmann. "O inconsciente, o qual nós não estamos de
nenhuma maneira na medida de demonstrar a existência recorrendo simplesmente a nossa
experiência direta, é, para nós, um instrumento conceitual indispensável para
compreender a vida psíquica. O que se espera de um instrumento conceitual, é que ele
possa se conceber isento de toda contradição, e que ele seja utilizável. Considerando que
o essencial dos processos psíquicos reside no fato que eles são sem suporte e não no fato
que eles são conscientes, estamos na posição de forjar e de aplicar, sem nenhuma
contradição, o conceito de processos psíquicos inconscientes. O inconsciente deve ser
concebido como um fenômeno psíquico sem suporte, contínuo, mas agindo
constantemente sobre a vida psíquica consciente. De fato, sofremos continuamente a
influência de processos inconscientes e estes últimos constituem o elemento essencial de
nossa personalidade psíquica. A vida da linguagem mostra-nos a cada instante o efeito de
processos inconscientes e os fenômenos da hipnose permitem de tirar as mesmas
conclusões. Não podemos simplesmente desconhecer o inconsciente e crermos ter
adquirido o direito de servir-nos deste instrumento conceitual na nossa teoria do
julgamento ( 77 )." Assim fala Jerusalem, sobre o que Freud se exprime da maneira
seguinte: "Um trabalho de Jerusalem, A função do julgamento muito me estimulou;
efetivamente, lá encontrei duas das minhas principais idéias, a saber que o julgamento se
realiza como uma transposição nos fenômenos motores e que a percepção interna só pode
se prevaler da força da evidência."
Quanto a Lipps, ele escreve o seguinte: "Decorre do que precede que nós não
estamos de forma nenhuma bem fundamentados para falar de diferentes graus de
consciência. Tudo o que se pode colocar nestas condições é que os estímulos psíquicos
inconscientes e de natureza ainda desconhecida se emiscuem por entre nossas
representações conscientes as quais se originam e terminam no inconsciente... Vê-se
portanto que colocamos, partindo de fenômenos conscientes, a existência de um processo
psíquico inconsciente. Segue-se que a natureza deste último só nos é conhecida pelo que
nos revelam seus efeitos sobre o consciente. Que o chamemos de fenômeno material ou
imaterial pouco nos importa. Talvez alguma fisiologia ou metafísica qualquer tenham
bases sólidas para se autorizar a identificar de maneira imediata estes processos
inconscientes com processos materiais, mas, na minha opinião, nem a psicologia, nem a
filosofia, ciências da experiência interna, nada têm a ver com este problema. Se portanto
designamos estes fenômenos como sendo processos ou estímulos psíquicos, o fazemos
unicamente por que eles estão em relação imediata com representações e sensações, por
que pertencem à mesma corrente de acontecimentos destes últimos... Por ocasião da
reprodução, a aparição de representações conscientes parece constituir um caso especial,
por que, em geral, a reprodução se passa a um nível totalmente inconsciente e deve ser
pensada como um fenômeno inconsciente... As impressões inconscientes se tornam
pouco a pouco acompanhantes indispensáveis e pontos de partida das ocorrências
psíquicas... A maior parte de nossas reflexões são rematadas de maneira consciente em
palavras, sem que nos representemos ao mesmo tempo o que estas palavras designam...
77
Jerusalem: Die Urteilsfunktion. Braumüller, Viena e
Leipzig. 1895, p. 10-13.
Este fato só pode se aclarar se admitimos que representações inconscientes, enquanto
estímulos inconscientes, acompanham o ato de falar ou de escutar... Com toda evidência,
o efeito reprodutivo de estímulos inconscientes ocorre a cada vez que uma representação
"R" emerge na consciência ao mesmo tempo que outras, condicionadas por "R". O sonho
parece fornecer exemplos particularmente eloqüentes com relação a este tipo de
processo." " Designamos como sendo inconscientemente criadoras as performances
rematadas por um gênio, e estimamos que este só faz arrematar de uma maneira mais
intensa o que cada um produz. Uma outra abordagem nos proíbe igualmente de
considerar as performances criativas inconscientes como sendo totalmente particulares e
situando-se fora da esfera dos processos psíquicos ordinários. Efetivamente, elas não
devem se limitar aos casos onde a representação livre passa do ponto de partida para um
novo estado de consciência sem perder consciência de todas as etapas intermediárias.
Ocorre criatividade em toda percepção, em toda orientação, em toda compreensão, em
toda apercepção ( 78 )."
A propósito de Taine, nosso terceiro autor, Freud escreve: "A psicologia, ou mais
ainda a metapsicologia me preocupa sem cessar e o livro de Taine L'intelligence me
convém de maneira extraordinária." No Prefácio desta obra, entre outras, lê-se: " Nesta
pesquisa, a consciência, que é nosso principal instrumento, não é suficiente, no estado
usual; ela não é mais suficiente nas pesquisas de psicologia do que o olho nú nas
pesquisas em ótica. Isto por que seu aporte não é grande; suas ilusões são numerosas e
invencíveis; é necessário sempre desconfiar-se dela, controlar e corrigir seus
testemunhos, quase por tudo a ajudar, lhe apresentar objetos sob uma luz mais viva, os
aumentar; fabricar para o seu uso uma espécie de microscópio ou de telescópio, ao menos
dispor em torno do objeto, lhe dar pelas oposições o relevo indispensável, ou encontrar
ao lado dele os índices de sua presença, índices mais visíveis que ele e que testemunhem
indiretamente o que ele é. "Sabemos que este microscópio foi mais tarde inventado por
Freud que recorre a mesma comparação de Taine, na Interpretação dos sonhos, por
exemplo.
Mais adiante, lemos em Taine: "No que concerne as imagens, seu apagamento,
seu renascimento, seus redutores antagônicos (eis um outro conceito que poderia ter
ressonância junto a Freud!), o alargamento necessário é encontrado em casos singulares e
extremos observados pelos fisiologistas e pelos médicos, nos sonhos, no sonambulismo e
hipnotismo, nas ilusões e alucinações doentias." A ilusão ela mesma é considerada como
uma ilusão reprimida. "Nas manifestações espíritas trata-se de duas ações distintas: uma a
qual ele (o mesmo indivíduo) tem consciência, outra a qual não tem consciência." Elas
coexistem no mesmo instante. É assim que Taine chega ao conceito de recalcamento, que
78
Lipps: Grundtatsachen des Seelenlebens. Cohen. Bonn. 1883.
p. 125-150, 468.
pressupõe a existência do inconsciente: "É assim que na luta pela existência que se
desenrola a cada instante em todas as nossas imagens, aquela que possuiria a maior
energia no momento do seu nascimento tem, em cada conflito, a capacidade de suprimir
suas rivais.”... "Considerada nela mesma, logo que ela (a alucinação) está completada ou
terminada no seu desenvolvimento... logo ela é reprimida e permanece rudimentar ( 79 )."
Como se vê, estes adeptos do inconsciente fundam, eles também, sua concepção
sobre a continuidade do psíquico, sobre o fato que - segundo a formulação freudiana - os
processos conscientes "só nos livram das séries de manifestações incompletas, cheias de
lacunas ( 75)."
79
Taine: De l'Intelligence.
75.Fr
eus, S. Abrégé de psychanalyse, Paris, P.U.F., 1950.
80
Birkmann: Probleme des Unbewussten. Rascher. Zürich e
Leipzig, 1943.
81
Bassin: Le freudisme dans le débat scientifiques
contemporains (em russo) Voprosi Psichol. 1958, p. 133-145.
Os conteúdos do inconsciente são em parte adquiridos e em parte inatos,
herdados, como, por exemplo, os núcleos intuitivos da parte inconsciente do Supereu.
Estaria errado afirmar que o inconsciente freudiano só contém o adquirido e o recalcado.
A convicção de Freud, segundo a qual a herança toma igualmente lugar na estrutura do
inconsciente, foi reforçada pela leitura de uma quarta obra, aquela de Baldwin ( 82 ), que
Freud menciona nas suas Cartas (cartas 76 e 74).
Contudo "não queremos dizer com isso que a qualidade da consciência tenha
perdido valor aos nossos olhos. Ela permanece a única luz que brilha para nós e que nos
guia nas trevas da vida psíquica. Devido a natureza particular das nossas pesquisas, nossa
tarefa científica no domínio da psicologia consistirá de traduzir os processos
inconscientes em processos conscientes para preencher as lacunas de nossa percepção
(75, p.20).
Para dar uma última comparação entre física e psicanálise, mostremos, uma vez
mais, as palavras de Freud: "No nosso domínio científico, como em todos os outros,
trata-se de descobrir, por detrás as propriedades (as qualidades) diretamente percebidas
dos objetos, qualquer coisa de outro que dependa menos da fineza de nossos órgãos
sensoriais e que se aproximam com vantagem do que se supõe ser o estado das coisas
reais. Certamente, não esperamos atingir este último pois somos evidentemente obrigados
de traduzir todas as nossas deduções na linguagem mesma de nossas percepções,
desvantagem a qual nos é para sempre proibido de nos libertar. Mas é justamente aí que
se reconhece a natureza e a limitação de nossa ciência. Tudo se passa como se, falando de
ciências físicas, nós disséssemos: "Supondo que nossa visão seja penetrante,
82
Baldwin: Die Entwicklung des Geistes beim Kinde und bei
der Rasse. Berlin, 1898.
76
Freud, S. La naissance de la psychanalyse, lettres à
Wilhelm Fliess; notes et plans. Paris, P.U.F., 1956.
descobriríamos que um corpo em aparência sólido é constituído de partículas de tal e de
tal forma, de tal ou de tal dimensão, situadas com relação umas às outras, de tal ou de tal
maneira." É assim que procuramos aumentar o mais possível, por meios artificiais, o
rendimento de nossos órgãos sensoriais, contudo, é conveniente dizer que todos estes
esforços não modificam em nada o resultado final. O real permanecerá para sempre
"incognoscível". O que as nossas impressões sensoriais primárias dão ao trabalho
científico, é a descoberta de conexões e de interdependências presentes no mundo
exterior e que podem, de alguma maneira, se reproduzir e se refletir no mundo interior de
nosso pensamento. Este conhecimento nos permite "compreender" certos fenômenos do
mundo exterior, de prevê-los e às vezes modificá-los. É da mesma maneira que
procedemos em psicanálise. Podemos descobrir certos procedimentos técnicos que nos
permitem preencher todas as lacunas que subsistem nos fenômenos de nossa consciência
e utilizamos nossos métodos técnicos como os físicos se servem da experimentação,
deduzindo uma certa quantidade de processos por eles mesmos "incognoscíveis".
Inserimos em seguida estes entre os processos aos quais somos conscientes. Quando, por
exemplo, declaramos: "Aqui está inserida uma lembrança inconsciente", é que se
produziu alguma coisa que não concebemos mas que, se ele tivesse chegado até ao nosso
consciente, só se poderia descrever de tal ou de tal maneira (75, p. 70-71)." Esta é mais
uma maneira de ver, que corresponde a concepção materialista do mundo.
*
Os encontraremos expostos nas obras de Glover e de Menninger (p. 83-84).
1B
ridgman: Der Logik der heutigen Physik, Hueber, 1932, p.
5.
analítica. Do que precede decorre um outro pressuposto: é necessário que o analista
conheça pela sua experiência direta (o que corresponde à introspecção da psicologia) os
processos reais que condensamos em conceitos. Nenhum método analítico não poderá
substituir a experiência direta, subjetiva, liberada pela introspecção.
Malgrado sua originalidade, a psicanálise emprega métodos que não são estranhos
a certas outras disciplinas. De início a história: o psicanalista interroga continuamente o
passado para, recorrendo ao mesmo, esclarecer o presente. Atrás dos dados manifestos
ele procura fenômenos primitivos que freqüentemente não pode surpreender senão em
um estado embrionário.
Por outro lado, a psicanálise apresenta certas analogias com a arqueologia que
examina minuciosamente a menor porção de terra trazida à luz por ocasião das
escavações. (Schliemann, Petrie.) "O trabalho de construção, ou, se se prefere, de
reconstituição" apresenta, em análise, "analogias flagrantes com o trabalho do arqueólogo
ocupado em exumar os lugares de habitação e de construções destruídas ou danificadas"
( 85 ).
Como a biologia genética, a psicanálise procura um genótipo (o inconsciente) por
detrás do fenótipo.
A SITUAÇÃO PSICANALÍTICA
Na pré-história da técnica analítica (3) está a idéia de um poeta, idéia que, a meu
conhecimento, não foi jamais retomada pela literatura contemporânea (95). (Minha
atenção se dirige ao ensaio de Börne citado naquele estudo pelo Dr. Hugo Dubrovitz.)
Freud fala de um precursor da psicanálise, do escritor alemão Börne, que, em 1823, num
artigo de título promissor: Die Kunst in drei Tagen ein Originalschrifsteller zu werden (A
arte de tornar-se um escritor original em três dias), dá o seguinte conselho: "Pegue
algumas folhas de papel e anote durante três dias tudo o que passa por sua cabeça, sem
hipocrisia nem falso pudor. Diga o que você pensa de você mesmo, de sua mulher, da
guerra da Turquia, do processo criminal de Fonks, do Julgamento final, de seus
superiores hierárquicos. Terminado seu trabalho, não se espante da novidade, da
originalidade de seus próprios pensamentos." Nós também, de nossa parte nos admiramos
diante de uma tal pré-ciência, este esboço do método da psicanálise no início do Século
XIX. O conselho de Börne merece ser minuciosamente examinado.
Ele se compõe de duas partes: uma geral (anote tudo o que passa por sua cabeça;) e
outra específica; esta última contém - coisa curiosa - mais ou menos tudo o que se revela
de essencial em suas manifestações "sem falsidade e sem hipocrisia": o erótico e o
sádico, a mãe e o pai, o dever e a fé. Negligenciando entretanto esta segunda parte - sem
violentar ao pensamento de Börne - nós nos encarregaremos da primeira.
"Anote tudo o que passa por sua cabeça." Esta tese de Börne é, com efeito, um dos
aspectos, e, pelas tendências simplificatórias de que falamos acima - um aspecto
essencial da regra fundamental do método psicanalítico. Onde nos conduz sua estrita
observância, se eliminamos toda outra consideração?
Se nós nos interrogamos sobre a coesão destas frases ou sobre os fatos aos quais elas
correspondem, nós não podemos senão dar respostas negativas: não há coesão e as frases
não remetem a nenhum conjunto de fatos. Deste ponto de vista, este discurso é
desprovido de sentido. Mas de um outro ponto de vista?
Tudo o que nós sabemos do doente é que, em sua juventude, ele era ajudante de
campo de um oficial. Este único fato nos basta para compreender certos aspectos de seu
discurso. Adivinhamos que ele identifica o médico, seu atual "superior", ao oficial que
ele outrora serviu, pressentimos seu desejo obscuro e mal definido de aceder à classe
social do médico e do oficial. Deste fato, os propósitos incoerentes do maníaco
esclarecem seu psiquismo melhor do que o faz a resposta "sensata" do neurótico não
maníaco que, citado igualmente por Liepman e que, se queixando de suas insônias, as
atribui ao banho quente que ele tomou à noite ou ao barulho que fazem os outros doentes
da sala. O sentido que nós escutamos na "fuga de idéias" do maníaco não é outro senão
que a possibilidade de integrar seus propósitos na continuidade de sua vida. Este sentido
cuja apreensão é a primeira tarefa do procedimento psicanalítico é precisamente o sentido
psicanalítico.
Quais são então essas condições psíquicas nas quais o "tudo dizer" permite ir mais
profundo e aceder a conteúdos de uma importância vital? Uma dentre elas é, para nós, um
modo particular ou, mais exatamente, uma suspensão particular da atenção; graças a qual
se pode deslizar de um conteúdo a outro * .
No entanto nós temos visto que a suspensão total da atenção dirigida, o abandono
totalmente passivo aos conteúdos psíquicos, tal como eles se apresentam, não resulta em
todos os casos no surgimento do contínuo psíquico. É por isso que nós pensamos que a
injunção: "Diga tudo que passa pela sua cabeça" se não é combinada a outras
recomendações (sobretudo na fase inicial da análise ou a cada vez que o doente deva
dizer o que pesa sobre o seu coração, quer dizer fatos sensatos) é sempre tão criticável
*É-nos impossível abordar aqui a psicologia da atenção, domínio, por assim dizer, não
decifrado pela psicanálise. O que é certo é que não se trata de uma função isolável
(talvez aliás tais funções nem existam em si mesmas em psicologia) e que uma forte
concentração da atenção se acompanhe de hormônios sexuais. (Freud, Três ensaios sobre a
teoria da sexualidade, Ges. Schr., tome V, p.79) Uma concentração menos forte da atenção
desembocaria sem dúvida em um relaxamento da correlação sexual. - "A atenção" ela mesma é
desencadeada por fatores quantitativos; ela depende do grau de investimento do psiquismo
pelas energias psíquicas. (Freud: Uber einige neurotische Mechanismen bei Eifersucht. (A
propósito de certos mecanismos neuróticos do ciúme.) Ges. Schr., tome V, p.39.) Pelo jogo
dos conflitos interiores, energias podem se deslocar e se fixar sobre conteúdos, que, em
si mesmos, não seriam dignos de atrair a atenção.
quanto o é a afirmação, proferida há alguns anos por um analista segundo o qual "em
psicanálise não se encontra senão aquilo que não se procura."
Lembremo-nos, a esse propósito, a forma pela qual, de manhã, nós procuramos nos
lembrar de nossos sonhos meio esquecidos. Para fazê-lo, nós precisamos "querer", mas
para chegar a nossos objetivos, nós precisamos não fixar nossa atenção sobre os
conteúdos psíquicos que vão surgindo, mas antes de tudo, desviá-la , deixá-la fluir, ou
fixá-la sobre outras tarefas. É então que "a intenção de procura" pode realizar-se num
momento em que nem esperávamos. Constatamos a mesma coisa quando queremos
recuperar um nome perdido. Este surge na consciência com a rapidez e a brusquidão de
um relâmpago - na condição de que a atenção não seja dirigida sobre ele.
*É conveniente também lembrar que freqüentemente a injunção "tudo dizer" não pode ser
seguida efetivamente, em razão do engavetamento de idéias que se atropelam ao surgirem.
Federn: "O fato de que os procedimentos psicanalícos provocam estados psicóticos leves
e passageiros não entrava em si absolutamente nossa luta com o inconsciente. Eu recorro
sempre a este aparecimento anódino de mecanismos psicóticos para despistar e superar
causas profundas, notadamente sentimentos de culpabilidade. Mas para alcançar tais
objetivos táticos, é preciso praticar uma estratégia que consiste na interrupção imediata
da corrente de associações livres ulteriores. Com meus primeiros pacientes, eu tinha antes
a tendência a me contentar com esta produção abundante de materiais inconscientes, eu
lhe favorecia o aparecimento, sem levar em consideração o fato de que reações afetivas
podem ser taxadas de psicóticas na medida em que, por uma súbita e intempestiva
conversão da libido no caso de reações maníacas e da "mortido" no caso de reações
melancólicas, é o conjunto e não somente uma parte do Eu que se encontra investido.
Com a aplicação de métodos habituais, sem que tomemos em consideração as reações
maníacas ou melancólicas, estas últimas parecem se intensificar e a psicose latente torna-
se manifesta." No caso de psicose manifesta ou latente, convém renunciar à associação
livre (88).
Consideremos agora a concepção da injunção analítica tal como ela aparece segundo
Freud, ou seja da forma que ele descreve a situação psíquica mais favorável para a
obtenção de um material utilizável. Em sua Introdução à psicanálise Freud cita, em
diversos lugares, a regra de base da técnica analítica. "Nós convidamos o doente a se
colocar em estado de auto-observação, sem pensamentos pré-concebidos, e a nos
participar todas as percepções internas que ele assim faça, e na ordem mesma em que ele
as faça: sentimentos, idéias, lembranças. Nós o incitamos expressamente a não ceder a
nenhum motivo que possa lhe ditar uma escolha ou uma exclusão de certas percepções,
seja porque elas são muito desagradáveis ou muito indiscretas, ou muito pouco
importantes ou muito absurdas para que nos fale. Nós lhe dizemos claramente para se
manter à superfície de sua consciência, para descartar toda crítica, qualquer que seja ela,
dirigida contra o que ele bem imaginar , e nós o asseguramos de que o sucesso e,
sobretudo, a duração do tratamento dependem da fidelidade com a qual ele se conformará
a esta regra fundamental da análise (7)." Encontramos em A Interpretação dos sonhos
uma outra passagem sobre o papel da atenção e do estado próximo do sono * (8).
*Fenichel chama a atenção para o fato de que nós não seguimos mais a injunção freudiana
de fechar os olhos de medo de convidar o paciente a não olhar a realidade de frente (89).
Com a tese börneana (artificialmente simplificada: dizer tudo o que nos passa pela
cabeça) nós apresentamos um dos pólos extremos da atitude psicanalítica; a auto-
observação tranqüila, exigida por Freud, representa o outro pólo. A primeira demanda
uma tensão quase maníaca, a segunda um relaxamento um pouco depressivo. A primeira
teve como precursor um escritor romântico; será um acaso se o romantismo nos oferece
um outro para representar o segundo? Nós não o cremos: a época da imaginação liberada
e do retorno ao realismo era sem dúvida favorável às tendências que visavam ("visant") o
relaxamento dos mecanismos psíquicos.
O homem que nós vamos citar não é um diletante em ciências: trata-se de Johannes
Müller, o grande fisiólogo do Século XIX, o inventor da teoria das energias sensoriais
específicas. Um de seus opúsculos, editado em 1826 com o título de über die
phabtatischen Gesichtserscheinungen (Sobre as aparições visuais fantásticas) e que se
inspira em sua teoria fisiológica, contém um certo número de observações interessantes e
particularmente importantes para nós. Trata-se com efeito dos estados psíquicos do autor
nos quais este viu surgirem estranhas formações, as "aparições visuais fantásticas".
"Antes de dormir, logo que eu esteja deitado, os olhos fechados, escreve ele, acontece-me
raramente de não ver, na obscuridade de meu campo visual, uma multidão de imagens
brilhantes. Estas me acompanham desde a tenra idade e eu sempre soube distingui-las das
imagens dos sonhos propriamente ditos, pois elas alimentavam minhas reflexões antes
que o sono me alcançasse. Auto-observações repetidas me permitiram mesmo suscitar e
conservar os fenômenos. Meus passeios entre as criações de meus próprios olhos me
permitiram abreviar muitas noites de insônia. Se eu quero observar estas imagens
brilhantes, é-me preciso imergir meus olhos fechados, e, perfeitamente repousados, na
obscuridade de meu campo de visão, relaxar até a calma absoluta, descartar todo
pensamento, todo julgamento, toda impressão chegada ao organismo do exterior. O que
eu observo então, são reflexos visuais de estados orgânicos cujo centro está em algum
outro lugar que não nos olhos . Estas imagens brilhantes e sensoriais, logo absolutamente
imaginárias e imediatamente afugentadas por toda reflexão "são formações pouco
familiares, figuras humanas e de animais estranhos, jamais vistos anteriormente, claros
locais onde eu jamais estive. Impossível estabelecer a menor relação entre esses
fenômenos e minhas experiências diurnas.” Se bem que os instantes que precedem o
adormecimento sejam particularmente favoráveis ao aparecimento dessas imagens
espontâneas, podemos evocá-las durante o dia. "Eu passei horas na calma, os olhos
fechados, mas sem pensar em dormir, a estudar essas imagens, diz Müller.
Freqüentemente, me bastava sentar-me, fechar os olhos e me abstrair de tudo, para ver
surgirem espontaneamente estas imagens agradáveis, às quais eu me habituei desde
minha juventude. Contanto que a obscuridade reine, contanto que eu tenha o espírito
suficientemente tranqüilo, livre de toda paixão, eu estou certo de ver surgirem estes
fenômenos, até mesmo quando não é uma questão de dormir."
Não, porque sua atitude representa apenas um dos pólos extremos da situação
analítica. Se segundo Börne, a liberdade era não-diretividade, segundo Müller, a "calma"
é um dobrar-se sobre si. Ao se concentrar sobre o campo visual, Müller se fecha aos
julgamentos, aos sentimentos e aos pensamentos. O teatro psíquico destes fenômenos é o
campo visual e nada mais. Ele assiste assim ao surgimento de imagens que ele não
compreende, que lhe parecem incoerentes, desprovidas de referências aos fatos -
enquanto que uma pessoa versada em psicanálise teria talvez podido interpretá-las. O
psiquismo interior profundo não se manifesta mais aqui do que na "fuga de idéias",
resposta à instrução borneana.
Mas, assim como nós pudemos resgatar na "fuga de idéias" um núcleo utilizável a
nossos fins, da mesma forma a atitude de Müller talvez não seja sem proveito para os
objetivos analíticos. Müller mesmo reproduz uma descrição interessante, tirada do
Magazin zur Erfahrungskunde de Moritz e de Pockels. "No estado intermediário entre
sono e vigília, nós percebemos algumas vezes imagens bizarras, ridículas, indecentes até
terrificantes que atravessam nossa alma e cuja origem misteriosa escapa ainda ã
investigação psicológica. Sem descobrir o menor traço de associações de pensamentos,
suscetíveis de explicar evocações memoriais, nós nos lembramos com uma
impressionante precisão de acontecimentos passados, ou acreditamos perceber um objeto
intensamente iluminado, uma figura humana repugnante, um cadáver, um precipício, uma
mulher deslumbrante. Um erro de juventude, cuja evocação diurna não nos afeta quase
nada, nos causa então uma dor intensa e, na calma solitária da noite, nos ruborizamos
com alguns de nossos pensamentos, enquanto que nós jamais aprovaríamos um tal
sentimento durante o dia."
Esta observação de J. Müller seria ela conhecida por Freud? Ouçamos, uma vez mais,
a obra de Taine: "Eu conhecia este estado (aquele descrito pelo Manual de psicologia de
Müller, II, 547) por minha própria experiência, e eu repeti a observação um muito grande
número de vezes, sobretudo durante o dia, estando fatigado, e sentado em minha
poltrona: basta-me então tampar um olho com um lenço, pouco a pouco, a visão do outro
olho torna-se vaga, e este olho se fecha. Aos poucos, todas as sensações exteriores se
apagam, ou pelo menos deixam de ser marcantes; ao contrário, as imagens interiores,
fáceis e rápidas durante a vigília completa, tornam-se intensas, distintas, coloridas,
estáveis e duráveis: é um tipo de êxtase acompanhado de descanso geral e de bem- estar.
Advertido por uma experiência freqüente, eu sei que o sono vai vir e que não é preciso no
momento contrariar a visão nascente; eu me deixo levar , ao cabo de alguns minutos ela
está completa. Arquiteturas, paisagens, figuras enérgicas, desfilam lentamente, e por
vezes persistem." O autor faz igualmente alusão à "alucinação hipnagógica" descrita por
Maury (79, p.78)
Um analista belga, cedo desaparecido, Varendonck (9), dá do devaneio, que ele chama
"pensamentos fantasmáticos preconscientes", uma descrição que, guardadas as
proporções, corresponde à precedente. Ele é assaltado por imagens análogas mas sempre
antes do sono, algumas vezes mais cedo, interrompidas por conversações dialogadas e
por lembranças que surgem em sua memória. É este último ponto que nos interessa
sobretudo aqui e a questão, muito importante do ponto de vista do método analítico, é a
de saber se existe uma relação qualquer entre o surgimento de lembranças e a atitude de
Müller?
Freud pode ler em Taine certas passagens sobre o surgimento de velhas lembranças
sob o efeito do "hachiche, da agonia, de grandes e súbitas emoções". "Não se pode então
assinalar limites a estes renascimentos e somos forçados a outorgar a toda sensação, por
rápida, pouco importante, por apagada que ela seja, uma atitude infinita a renascer (79,
p.134).
Lembremos aqui uma descoberta muito antiga da psicanálise: o sono ele mesmo é de
natureza regressiva. O estado "antigo”, passado, é aqui, segundo Freud, a vida intra-
uterina. Ferenczi elabora a base fisiológica desta teoria ao dirigir notadamente a atenção
sobre o retorno, durante o sono, do reflexo de Babinski (11). Nós sabemos o que significa
este retorno: diminuição do tônus do aparelho superior, inibindo, do sistema nervoso
central e, paralelamente, enfraquecimento das inibições psíquicas, o que funda a teoria
dos sonhos. Mas encontramos seus traços na contemplação de Müller e no devaneio de
Varendonck, estados vizinhos do sono, assim como na atenção flutuante da situação
analítica.
Coisa curiosa, tais regressões não são unicamente provocadas pela calma e o voltar-se
para si. Certos tipos de movimentos, como a marcha regular ou o ritmo regular do
trabalho, podem chegar ao mesmo resultado. Mais um movimento é monótono, mais ele
"adormece" certos setores do psiquismo, e mais ele contribui para o aparecimento de
estados favoráveis à regressão. Eis o que notou a este respeito o engenheiro alemão,
Hultzsch, que se engajou como trabalhador nas fábricas Ford: "Tomado pelo ritmo do
trabalho, eu me separava mais e mais da execução de minha tarefa... eu era invadido por
lembranças, idéias se encadeavam em meu espírito, sem que minha atenção se relaxasse
um só instante..." Compreendemos facilmente o caráter regressivo e primitivo de
operações rítmicas; pensemos no berço de nossa infância! Eu consegui um dia provocar,
em um neurótico compulsivo grave, um estado psicanalítico favorável: para desviar sua
atenção sempre tensa durante a sessão, eu lhe pedi que escrevesse uma palavra várias
vezes. O doente escolheu seu próprio nome para este efeito, e durante a execução rítmica
de sua tarefa, ele viu surgirem lembranças e afetos que teriam um papel muito importante
no prosseguimento da análise. Essas operações rítmicas não contribuem somente para
desviar a atenção, como nós temos visto a propósito da atitude maníaca, mas também
para conduzir o psiquismo a um estado próximo do sono e isto diretamente, utilizando a
força sonolenta do ritmo.
Diz-se há muito tempo que uma perfeita relaxação com eliminação de toda excitação
sensorial vinda do exterior conduz a um estado de sono (Strümpell). Recentemente,
experiências foram feitas em cabine à prova de som: resultou em que para assegurar a
continuidade da consciência, o cérebro necessitou de excitações sensoriais constantes e
variadas. Com efeito, a excitação monótona que "adormece" a consciência é responsável
por diversos acidentes na indústria ou o exército. Ao curso de um longo exercício no
radar, um soldado observador não percebeu certos fenômenos, até que algum
acontecimento exterior viesse desviar sua atenção. Ao curso das experiências em cabine à
prova de som a que nós fizemos menção, as orelhas do sujeito estavam cobertas de
almofadas de borracha, a cabine recebia uma claridade lívida que impedia o
reconhecimento de objetos e o tato obstruído por longas luvas e mangas. Ao curso da
experiência que durou 24 horas, o sujeito, foi tomado pouco a pouco pelo sono, acabando
por dormir. Depois de seu despertar, o estado de sonolência persistia e o sujeito, ávido
por excitações, começou a cantar, a falar consigo mesmo e a explorar a cabine. Incapaz
de se concentrar, ele se torna presa de delírios e fantasmas alucinatórios; um sentimento
de vazio apodera-se dele e ele acaba por se encontrar num estado de instabilidade
emocional extrema. Fantasmas "spatiaux", análogos àqueles que são provocados pela
mescalina, fizeram igualmente sua aparição (97).
A técnica da relaxação para o tratamento de neuróticos foi aplicada desde 1891 por
Annie Payson-Call. Jacobson, Rippon e Fletscher (92, 93,94) engajaram-se pelo mesmo
caminho. A associação livre não tinha ainda lugar nesses métodos.
Para terminar, assinalemos dois outros procedimentos. O primeiro foi aplicado por
J.H. Schultz, autor de um método de terapia fundado sobre uma atitude como a de
Müller, se bem que ele não faça qualquer menção (14). Para ele a correlação
relaxamento-aprofundamento é uma relação ancestral, como o indicam as numerosas
analogias que ela apresenta com o relaxamento ligado ao adormecimento. O treinamento
autógeno se vincula a um mecanismo biológico. O procedimento de Schultz, se bem que
seja capaz de produzir abreações "autocatárticas", visa obter a ausência de ressonâncias a
afetos mais do que a ausência de conflitos favoráveis à análise, o que indica que nós
estamos diante de um método de defesa "fechado" (se bem que a obtenção do estado
autohipnótico figure entre os objetivos do autor).
"Eu compreendi, escreve ele, que era por vezes útil aconselhar exercícios de
descontração e que esse tipo de relaxamento podia permitir superar inibições psíquicas ou
resistências em matéria de associações. Eu não precisaria dizer que esses conselhos estão
exclusivamente a serviço da análise. Tudo o que tem em comum com os exercícios de
relaxamento e de domínio de si da yoga, é que, graças a eles, nós podemos esperar uma
melhor compreensão da psicologia do sujeito (69)." Muitos anos mais tarde, Ferenczi nos
informava que o abandono de si e o relaxamento do paciente, por tão perfeitos que sejam,
tinham limites. Nos estados de relaxamento, numerosas lembranças surgem de forma
inteiramente espontânea. O analista deve então servir de ponte entre o estado de transe e
a realidade favorecendo constantemente a elaboração intelectual dessas lembranças,
graças às questões que ele coloca (96).
O que nós expusemos aqui foi recentemente formulado da seguinte forma com a ajuda
da psicologia do Eu e notadamente da noção de autonomia do Eu (Hartmann,98). "As
condições materiais da psicanálise - o divã, a obrigação de cessar toda ação, a
representação do psicanalista enquanto "mur blanc" etc. - isolam o doente de estímulos
exteriores. A técnica psicanalítica reconhece expressamente que é necessário impedir os
contatos com a realidade exterior a fim de fazer aceder as emanações do Isso ["Ça"] à
consciência. A realização eficaz desta técnica provoca uma modificação do equilíbrio da
autonomia; esta se fortalece face ao ambiente exterior e se enfraquece face ao Isso.
Graças à afluência da teoria da autonomia, a da técnica psicanalítica adquire bases
sólidas; se nossos conhecimentos sobre a técnica psicanalítica, seus problemas e suas
aplicações se enriquecem sem cessar, a teoria desta técnica,e, em particular, sua
metapsicologia fica muito atrás . A concepção da autonomia tem relações diretas com a
psicoterapia dos estados limites. A técnica psicanalítica se encontra modificada: o divã
desaparece, terapeuta e paciente estão face a face, o psicanalista mudo é substituído por
um psicoterapeuta participante e pronto a ajudar, etc. Da mesma forma , as excitações
estão menos propícias a serem descartadas . Entretanto, o momento em que um caso
limite , ou um neurótico grave, deve ser liberado do divã para ocupar a posição sentada
não é evidente. Nós ignoramos ainda em que momento esta privação de excitações
ultrapassará a regressão terapeuticamente necessária, a serviço e sob o controle do Eu,
para oscilar na regressão patológica. Nós ignoramos se a redução relativa e reversível da
autonomia do Eu face ao Isso - objetivos das regras da técnica psicanalítica - escapam a
nosso controle. Como obter um estado psíquico terapeuticamente eficaz, evitando as
limitações ulteriores, regressivas e patológicas, da autonomia do Eu face ao Isso? É um
dos problemas essenciais da psicoterapia dos estados limites e talvez de toda terapia
(99)."
Nós podemos dizer em resumo que o estado de auto-observação tranqüila, tal como
ele é apresentado em sua forma extrema (fechado à interioridade) na descrição de
Johannes Müller, conduz a um estado próximo do sono que favorece o mergulho
regressivo no passado, e - a menos que procuremos eliminá-los intencionalmente - o
surgimento de lembranças-imagens. Ora, a análise tem necessidade de lembranças-
imagens, não seria este o porque de numerosas lembranças de infância serem depositadas
em nós sob uma forma eidética e, para retomar uma fórmula impressionante, o objetivo
da psicanálise ser o mergulho na história da vida (16).
Nós falamos até o presente de duas atitudes que, isoladas no conjunto da situação
psicanalítica, constituem duas manifestações extremas: de uma parte, a estrita
observância da injunção börneana: dizer tudo o que nos passa pela cabeça; de outra parte,
a auto-observação tranqüila, dirigida sobre a visão, tal como a descreve Johannes Müller.
No que concerne às duas primeiras atitudes, nós podemos evocar dois paralelos
tomados emprestados ao romantismo do início do Século XIX. Poderíamos reconduzir a
atitude "catártica" à poética clássica de Aristóteles? O ensinamento de Aristóteles sobre a
catarse não nos é disponível, nós conhecemos apenas as diversas interpretações que lhe
foram dadas mais tarde. Os comentários, na medida em que eles são corretamente
desenvolvidos, partem de dois pontos de vista opostos: o ponto de vista moralizador e o
ponto de vista psicologizante. Privilegia na primeira acepção: sua concepção era
dominante por volta de l880; a segunda visão foi ilustrada - depois de uma primeira
contribuição de E. Müller (1837) - por Bernays, em seu tratado publicado em 1857 (17) .
Nesta obra a catarse é apresentada como um tipo de cura médica. Aristóteles teria dito
que os cânticos sagrados têm o dom de acalmar os agitados exatamente como uma cura
médica ou uma catarse. Da mesma forma para os doentes, aterrorizados e todos aqueles
que estão bem dispostos a considerar certo afeto... para todos estes deve haver uma
catarse qualquer, um sentimento de prazer que os alivie." Bernays pensa que o termo
"agitado" recobre em Aristóteles as pessoas que apresentam "sintomas nervosos ou, como
dizemos hoje em dia, de sonambulismo, ou "magnetismos". Num escrito do Século III,
tratando do culto fálico e da linguagem impura dos cultos, lemos, a propósito do efeito do
drama: "As forças que engendram as afecções humanas, geralmente presentes em nós,
agitam-se com violência redobrada se procuramos fortalecê-las inteiramente. Ao
contrário, se deixamo-las se manifestar durante um breve lapso de tempo com
moderação, elas procuram uma satisfação comedida, para apaziguarem-se em seguida,
sem a intervenção de qualquer violência. Eis porque o espetáculo de afetos estranhos na
comédia ou na tragédia apaziguam nossos próprios afetos moderando-os e aliviando-os ,
e da mesma forma, no templo, nós conjuramos, pela visão e audição de certas coisas
sujas, o prejuízo que seu acompanhamento real poderia nos causar. "Esta concepção
corresponde tão bem àquela de Aristóteles. Este não acreditava absolutamente na cura
pela aplicação de qualquer cura "radical" visando a destruir os afetos, é preciso sobretudo
confiança na catarse enquanto derivativo e paliativo.
Retornemos às nossas duas primeiras atitudes, aquelas que nós expusemos até aqui.
Por trás de um sentido manifesto, não tardamos a descobrir o sentido analítico. Se a
primeira destas atitudes - considerando suas formas limites - terminavam num tipo de
"fuga de idéias", a segunda desencadeia séries de imagens eidéticas. Há entretanto um
ponto comum às duas, é - em seus casos limites - sua independência frente às funções
intelectuais. Longe de serem regidas pelas leis da razão, elas obedecem às regularidades
próprias a seus sistemas: a primeira atitude é dominada pelas similitudes sonoras, as
associações de palavras, as repetições, as rimas e as aliterações, a segunda pelas
modificações do material de imagens determinado pela plasticidade do campo visual.
Mas nos dois casos, trata-se de automatismos: o da língua e o do campo visual.
Um terceiro tipo de automatismos vem se juntar aos dois primeiros: o dos afetos.
Darwinianos ou não, nós podemos convir que as manifestações de afetos são
reproduções, atualmente desprovidas de sentido, de processos em outros tempos
carregados de sentido , porque relacionados a fatos concretos . Um exemplo clássico a
este respeito é aquele da manifestação de cólera: os rangidos de dentes e os punhos
cerrados - o sujeito se prepara para morder e para bater - mostram com suficiente clareza
a origem deste afeto. Além disso, a filiação é menos límpida, as derivações propostas por
Darwin não indicam sempre relações evidentes; mas nós assistimos, a cada vez, a uma
série inevitável de fenômenos motores concomitantes, que, por falta de poder ir mais
longe, o sujeito e as testemunhas interpretam como "signos”, mais exatamente como
"índices", eles têm suas próprias leis, aquelas fixadas pela filogênese e também um certo
caráter de turbilhão pois arrastam para o centro do turbilhão tudo o que está em contato
com eles.
*"... se (a tragédia) age por meios que engendram o medo ou a compaixão, ela deveria
concluir este trabalho no teatro mesmo, pela pacificação de tais paixões... "Ele
(Aristóteles) entende por catarse o desfecho apaziguador que se pode demandar a todo
drama, assim como a toda obra poética..." "... pois não existe nenhuma catarse mais
elevada que aquela do Édipo em Colonne onde um semi-culpado, um homem que, por sua
constituição demoníaca, pela impetuosidade de seu ser, enfim, pela grandeza de seu
caráter, por sua pressa excessiva de agir, é precipitado numa violência inexplorável e
inapreensível, precipitando os seus na miséria mais profunda e a mais irremediável e
completa todavia para se apaziguar apaziguando, este homem, dizia eu, é admitido na
família dos deuses, torna-se o chefe protetor de um país..."
A forma com que o afeto entra na situação psicanalítica constitui talvez o capítulo
mais importante da metodologia. O problema aparece relativamente cedo; nós o
encontramos já na obra de Breuer e de Freud sobre a histeria. Nós aí lemos, por exemplo:
"Descobrimos... que cada um dos sintomas histéricos desapareciam imediatamente e sem
retorno quando conseguíamos colocar em plena luz a lembrança do incidente
desencadeador, despertar o afeto ligado a este último e quando, em seguida, o doente
descrevia o que lhe acontecia de forma bem detalhada e dando à sua emoção uma
expressão verbal. Uma lembrança destituída de carga afetiva é quase sempre totalmente
ineficaz. É preciso que o processo psíquico original se repita com a máxima intensidade
possível , que ele seja retomado in statum nascendi, em seguida verbalmente traduzido *
(19)."
O que, nesta descrição, nos importa mais no momento, é a necessidade de criar uma
atitude própria para fazer surgir os afetos originais, mas - atenção! - (nem mais que as
palavras na atitude "à la Börne" e as imagens na atitude "à la Müller") estes não devem
vagabundear ao capricho de seu automatismo. Para que haja conhecimento analítico e
abreação terapêutica, é preciso que os automatismos dos afetos sejam conduzidos em
direção à verbalização; os afetos devem se exprimir pela interpretação da palavra. É o
que Freud chama catharsis: reviver os afetos in statu nascendi e traduzi-los
imediatamente em palavras.
Abordamos este problema de duas maneiras, nós nos perguntamos, por um lado, se
existe, na natureza da palavra, alguma coisa que favoreça aquela "conversão verbal" e,
por outro lado, se podemos presumir no doente (e de um modo geral, no homem) uma
força interior que o impulsione para a expressão verbal e cuja manifestação seria assim
encorajada pela injunção do analista.
O problema da natureza da linguagem é muito complexo para ser enfocado aqui sob
todos seus aspectos, nós nos limitaremos então a indicar alguns, que nós julgamos
particularmente importantes.
A palavra nos abre outras perspectivas; sua verdadeira importância se revela nas
situações regressivas. Na criança como no ser primitivo, a palavra não é exatamente
experimentada como o é entre nós. Ela faz parte de um mundo mágico e constitui em si
mesma um centro mágico donde emana uma potência mágica, suficientemente forte para
veicular as emoções e executar vontades. Nesse universo, a palavra pronunciada não
serve tanto para exprimir um pensamento quanto para manifestar forças destinadas a
modificar a realidade. É a palavra que exige que a criança obedeça, que transmite as
ordens, que é o suporte da força contida no comando.
Por outro lado, verbalmente formulado, a idéia ganha uma nova dimensão: a da
temporalidade. Expresso pela linguagem, um afeto, intemporal na origem, vem a situar-
se no tempo, no passado ou no presente, no tempo objetivo, o que lhe permite separar-se
do sujeito. É esta particularidade que explica a melhor aptidão da palavra para a
conversão e abreação.
Entretanto, nós temos sérias reservas em relação a esta concepção. Se ela fosse
inteiramente fundada, e se o desejo de ser punido fosse suficientemente forte para arrastar
o neurótico em perpétuas mentiras e o criminoso pelo caminho de confissões, seria
necessário admitir que os órgãos da segurança pública - polícia, polícia militar -
alcançariam dimensões exageradas * . Em psicanálise, a hipótese de uma tendência à
autopunição facilitaria muitas vezes nosso trabalho, mas o aprofundamento desta nos
revela em geral motivações menos superficiais. Eis, a título de informação, mais que a
título de demonstração, o caso de um jovem garoto de 15 anos, incapaz de responder
corretamente em classe, mesmo quando tem bem preparadas suas lições. Depois de um
exame superficial, um analista interpretou esse sintoma neurótico como a manifestação
de uma inclinação à autopunição, consecutiva a um sentimento de culpabilidade. Mas, ao
longo da análise, entraram em questão uns cursos de ginástica durante os quais um amigo
deste garoto tinha algumas vezes ereções; a evocação dessa lembrança permitiu precisar a
natureza dos sintomas do paciente e de identificá-los como sendo o medo da ereção e da
ejaculação, medo de deixar escapar alguma coisa dele mesmo, mesmo quando ele está
preparado, e de se deixar levar no turbilhão do instinto. O sentimento de culpabilidade
não era senão um fenômeno de superfície, se superpondo a esta angústia profunda.
Para avançarmos neste caminho, é preciso que nós nos orientemos em direção a uma
outra pista, a do segredo. Do ponto de vista da culpabilidade, o segredo é um fenômeno
psíquico perfeitamente neutro: ele pode celar o "bem" como o "mal". O que nos importa
aqui, é outra coisa, é sua ambivalência, sua tendência a ocultar alguma coisa e a revelá-la
ao mesmo tempo.
Há alguns anos, o acaso me permitiu consultar os estatutos de várias "sociedades
secretas" de escolares. Eles eram todos conhecidos sobre o mesmo esquema: tratava-se
toda vez de segredos referentes à sexualidade de forma direta ou indireta, que era preciso
se guardar de revelar "ao exterior" mas que os membros da sociedade tinham de
comunicar entre eles (23). O segredo é um fato social onde dissimulação e revelação
estão em relação complementar: dissimulação, de um lado, revelação de outro.
*O ato criminoso deixa traços atrás de si, talvez em razão da obrigação que o criminoso
experimente de fazer confissões. Mas todo ato humano, na verdade todo evento psíquico
deixa traços também. (V. o capítulo: Campo de dispersão, acaso, causalidade.) A volta do
criminoso ao local do crime é muitas vezes devida ao desatino da pessoa realmente
perseguida.
não é o conteúdo do segredo que me isola do resto da humanidade, mas o fato de guardá-
lo para mim. Ora, o amor, o fato de amar é incompatível com o segredo; por um lado,
porque a comunicação rompe o caráter exclusivo da relação afetuosa e estabelece laços
muito estreitos, embora de uma outra natureza, com o parceiro, mas sobretudo porque o
segredo eleva um anteparo ante o desejo de osmose perfeita. Esta "osmose" é ao mesmo
tempo o primeiro modo de orientação do ser vivo (24), a orientação segundo o calor e o
frio, a orientação que permite o contato entre o corpo da mãe e o do recém-nascido e que,
no filhote do homem, engendra o primeiro desejo insatisfeito, em razão das dificuldades
desse apego. Guardar o segredo, é contradizer este instinto primitivo e arcaico que
reclama por sua vez o abandono de si e a osmose com o exterior.
Acontece que a evacuação verbal se modela sobre uma outra tentativa de cura: a
evacuação do conteúdo do estômago pela boca (vômito). Lembramos freqüentemente que
o surgimento de velhas lembranças enterradas é acompanhado de um sentimento de
enjôo, de ânsia de vômito.
Resta-nos fazer duas observações, que se impõem apesar de sua aparência paradoxal
em relação ao precedente. Tal como as duas atitudes "incompletas" (a de Börne e a de
Müller) descritas mais acima, esta última, que entretanto nos parece improvável, pode
conduzir a absurdos por excesso. A língua não é somente um instrumento de
comunicação; ela pode também servir de instrumento de dissimulação. A técnica que nós
empregamos para combater esse último automatismo, tão incoercível quanto o primeiro,
consiste em obrigar o doente a moderar o ritmo de seu discurso, a lhe solicitar
interromper-se de tempos em tempos, até mesmo a lhe impor pausas.
Uma outra dificuldade vem do fato de que o analisado não é sempre capaz de efetuar a
objetivação esboçada acima, pois algumas de suas lembranças fortemente carregadas de
afetividade não podem surgir novamente senão sob a forma do vivido subjetivo. Este
Glover (83, p.304) se pergunta até que limites o analista pode tolerar as abreações e as
"catarses" do analisado? Deve ele, por exemplo, lhe permitir quebrar objetos que se
encontram em seu gabinete? Em sua opinião, tais crises eclodem sempre sobre um fundo
de angústia e de sentimentos de culpabilidade enormes. Um dia, uma de suas pacientes,
depressiva e presa desde a sua infância, a violentas explosões de cólera, dirigidas
sobretudo contra sua mãe de um egoísmo excessivo, joga ao chão - após várias
advertências - os livros da biblioteca. Ora, isso não era uma abreação no sentido próprio
do termo, mas a manifestação de uma transferência de conflito com vistas a provocar a
cólera do analista e reações de sua parte. Mais tarde, ela teve vergonha de seu ato.
Anteriormente, esta paciente tinha estado em mãos de um analista selvagem e cada
sessão terminava em longos abraços.
É preciso sublinhar com força o que a catarse não é: em particular, não é uma simples
descarga de energia até então contidas. Longe de fundar-se sobre uma base fisiológica
simples, ela se enraíza no conjunto psíquico complexo. Eu tentei fornecer sua
demonstração numa exposição feita em 1921 na Sociedade húngara de Psicanálise sobre
a dinâmica da expressão de afetos. Freud chega a conclusões análogas com respeito ao
efeito da angústia e sua relação com a libido contida.
Lembremo-nos da questão colocada no início desse capítulo: por que é preciso que a
abreação dos afetos passe pela linguagem? É o método analítico que o exige; com efeito,
a abreação desse tipo pode ser desenvolvida e controlada metodicamente, enquanto que a
explosão direta do afeto, em caso de vingança, por exemplo, pode causar graves prejuízos
ao paciente e às pessoas que ele freqüenta. Entretanto, uma pequena porta fica aberta
nesta última direção. Um tipo de válvula regulável deve ser conduzida entre "catarse
completa" e catarse pela palavra - é necessário e mesmo desejável que uma quantidade de
afetos seja "abreagida" diretamente. O terceiro estado de reação de que falam Breuer e
Freud, o estado de choro toma um lugar não neglicenciável entre as reações afetivas do
paciente. Eu não posso praticamente conceber uma análise correta ao curso da qual o
paciente não procure eliminar suas tensões chorando. O choro pode tocar camadas
afetivas muito profundas e seu aparecimento assinala que feridas muito profundas da
alma estão reabertas. Como a criança, uma vez que parou de chorar, afunda de novo em
lágrimas à visão de sua mãe ou de seu pai, da mesma forma o deprimido pode se aliviar
ao contar seus sofrimentos chorando, igualmente o choro do paciente manifesta sua
confiança. O choro - como o mostram as lágrimas que vertemos em ocasiões
importantes - provam nosso sentimento de ter superado uma situação difícil, e
experimenta a esperança de reencontrar o ser querido que nós tínhamos perdido.
Depois de algum tempo, concedeu-se uma grande atenção aos estímulos subliminares
(97). Ao lado da "não atenção seletiva", da não atenção de acordo com uma intenção
inconsciente, existe uma não atenção que concerne aos estímulos subliminares. Esses
estímulos, do mesmo modo que a não atenção seletiva, não são desprovidos de efeitos.
Todos os estados que "degradam" o estado consciente normal (sonolência, isolamento,
lesão cerebral) reforçam os efeitos desses estímulos subliminares. As experiências
confirmam certas pesquisas, já antigas, de Pötzl. Este último demonstra o efeito desses
estímulos sobre a formação dos sonhos. Fisher obtem de seus sujeitos experimentais uma
reprodução perfeita de imagens visuais expostas durante 1/100 ou 1/200 de segundo. O
efeito desses estímulos é revelável em condições experimentais, pelo exame de imagens
oníricas, graças a certos signos que eles deixam. L. Székely estima que o efeito do medo
provocado pelos olhos brilhantes e descrito por mim mesmo (105) se explica igualmente
pela ação de um estímulo subliminar. I. Fónagy fala de experiências com estimulações
sonoras subliminares. É preciso entender por isto que "com a ajuda de fones de ouvido
faz-se chegar aos ouvidos do sujeito uma fonte sonora subliminar. Essas experiências,
repetidas durante dezenas de anos, permitiram chegar à conclusão surpreendente de que,
mesmo se as palavras pronunciadas diante do microfone não atinjam a consciência do
sujeito, as associações deste provam que os estímulos verbais alcançaram seus ouvidos;
em geral, o sujeito responde aos estímulos verbais subliminares por representações
adequadas." Fónagy cita o tratado de Baker publicado em 1937, e o de Lazarus-
McClearly em 1951 (106).
Eis dois exemplos dos quais o primeiro ilustra o que nós chamamos "dissolução pela
linguagem" e o segundo a compreensão analítica.
Uma paciente nos fala de uma carta que ela recebeu do estrangeiro, nos lê certas
passagens, menciona, ao curso da mesma sessão, uma outra carta à qual uma de suas
conhecidas tinha feito alusão e também a lógica rigorosa que caracterizava uma terceira
carta que lhe tinham mostrado. Tudo sem absolutamente notar que a sessão girava em
torno do tema "carta". Eu perguntei a ela se não tinha outra coisa a dizer a propósito de
uma dessas cartas? Ela começa a protestar - todas essas cartas tinham um caráter de
atualidade, mas para ela não era nada. Mas imediatamente, ela acrescenta: “... faz meses
que eu quero lhe falar da sensação que se apodera de mim cada vez que eu vejo um
carteiro na rua. Eu desejo arrancar-lhe as cartas das mãos. Coisa estranha, eu jamais
cheguei a falar nisso ao curso da análise, apesar de que eu não queria absolutamente
dissimular este sentimento." A descoberta do sentido analítico que se manifesta naquele
"desejo" é um dos objetivos ulteriores da análise.
Ao início de uma outra sessão, esta mesma paciente manifesta o desejo de acender um
cigarro, o que não está em seus hábitos. Eu lhe pergunto imediatamente se ela discutiu
com sua sogra, pois, visivelmente, ela quer queimar uma bruxa. Sim, me responde ela,
admirada. Adivinhar seus pensamentos não era porém "bruxaria" . Eu conhecia a tensão
que reinava há algum tempo entre ela e sua sogra, e eu sabia também que, nos fantasmas
de minha paciente, a sogra tomava a figura de uma bruxa. Bastava então interpretar sua
voz e observar seus gestos ao início da sessão. Nesse caso, trata-se, bem entendido, não
do inconsciente, mas do não-dito. A diferença é considerável de vários pontos de vista,
mas não daquela da compreensão analítica. Nós percebemos os dados em nossa
disposição de espírito particular, à espera do não-dito e pouco nos importa que este nos
seja dissimulado, que não tivéssemos tido "a ocasião" de falar nisso, ou que o não-dito
pertença ao domínio do inconsciente.
Existe um guia desta compreensão analítica? Talvez duas regras possam ser
formuladas. Primeiramente, é preciso tudo observar, ou, para melhor dizer, é preciso
permitir a nossos sentidos tudo observar, o que a eles é recusado na vida cotidiana. Eu
diria quase que é preciso vigiar com uma acuidade de paranóico para que nada escape ao
nosso aparelho receptor. Por exemplo, o analista tem interesse em se concentrar de
tempos em tempos sobre a voz do paciente, à exclusão de toda outra coisa. As entonações
revelam conteúdos e sentimentos não-ditos; por exemplo, a forma com que se termina
uma frase pode deixar adivinhar que havia ainda alguma coisa a acrescentar, e, se
conhece suficientemente a história da vida do paciente, pode-se mesmo determinar o que
ele tinha querido calar. A falta de sinceridade, a afetação, a identificação a um outro, a
agressividade face-a-face do universo circundante transpiram igualmente na voz. Bem
entendido, o analisado aplica a mesma técnica de despistagem face ao analista que ele
não vê, do qual ele escuta somente a voz. (Nós estivemos muitas vezes inclinados a
considerar este tipo de "adivinhação" como uma forma de ler nos pensamentos de
outrem, mesmo que na realidade, se trate de uma análise inconsciente da voz.)
Em segundo lugar, convém colocar sempre a questão seguinte: o que eu vejo, o que eu
escuto é adequado ou inadequado à situação e ao relato? A inadequação pode se
manifestar no gesto, no olhar, na voz, na escolha de palavras, pelos risos ou choros
intempestivos, na construção do relato, e por toda irrupção - revelada pela psicanálise -
do não-dito ou do não-consciente, como pelos lapsos de linguagem, esquecimentos,
confusões, pela escolha de exemplos e de símbolos. Certamente, esta "atividade
interpretativa" se adquire, mas quanta ciência ignora a matéria.
Que ela vise o dito ou o não-dito, a atenção do analista a respeito do material que lhe é
oferecido não deve nem se fixar em um domínio determinado, nem vagabundear de uma
forma maníaca. Em resumo, para empregar um termo de Ferenczi, é a elasticidade que
deve caracterizar o comportamento geral do analista. "Como uma liga elástica, nós
devemos ir no sentido das tendências do paciente, mas sem para tanto abandonar nossas
próprios caminhos e objetivos (26)." Reformulada em nossa terminologia, esta
elasticidade significa também que o modo de escuta do analista não é "retilíneo", mas
antes "curvo", "em arco de círculo", tanto ele se separa de seu objeto, quanto ele aí se
prende para dele se afastar de novo. Escutamos o paciente completamente escutando a si
- mesmo, de diversas maneiras, escutando seus próprios fantasmas e percepções
desencadeadas pela escuta do outro.
5. As resistências. Sua origem e seus modos de manifestação
Até aqui, nós pudemos imaginar o desenrolar de uma análise da seguinte forma: o
analisado "abre sua alma" ao analista, faz-lhe "confidências" que aquele escuta e procura
compreender segundo um certo método, que será exposto mais tarde. Ora, não é sempre
assim e as causas e conseqüências desses "desvios" em relação a um desenrolar "normal"
constitui um capítulo importante da metodologia psicanalítica.
Em sua carta de 5 de novembro de 1897, Freud escreveu: "É notável que a literatura
atual se interesse tão vivamente pela psicologia da criança. É o caso do livro que eu
recebi hoje: o de James Mark Baldwin. Continuamos sempre uma criança de sua época
com aquilo que acreditamos possuir de mais íntimo (76, carta n. 74)." Nesse livro, Freud
encontra a seguinte passagem: "O comportamento de uma criança é tão espontâneo que é
uma fonte. Sua influência sobre sua vida espiritual se manifesta por atos puros, não
influenciados pelo cálculo, pela falsidade ou reserva, como entre os adultos. Cada um de
nós se cerca de um tecido de prejulgamentos convencionais; nós levamos em conta
convenções sociais ao nosso redor, perdendo assim a ingenuidade que caracteriza a
infância, e, além do mais, cada um de nós construiu para si um mundo fechado de
formalidades. Cada um tem seus próprios ídolos "privados", além de ídolos "oficiais". A
criança, ela mesma , não conhece nem sua importância, nem sua posição social, nem sua
beleza, nem sua religião, nem suas qualidades e sua deficiências herdadas; não aprendeu
ainda a se contemplar através das numerosas lentes de aumento do tempo, do lugar e das
circunstâncias. Não é deus e o universo não é para ela um templo; nós podemos então
estudá-la nela mesma, sem considerar "du fatras" que sua própria consciência reunirá
mais tarde a sua personalidade (82, p. 6)."
A experiência nos dá um certo número de fatos que é impossível não levar em conta.
Mesmo se todas as condições da situação psicanalítica forem reunidas, mesmo se o
analisado tem todas as razões de "revelar sua alma", a revelação pode não se produzir. Os
pensamentos ou as lembranças surgem sim em sua consciência, mas todas suas tentativas
de as formular verbalmente fracassam . O analisado experimenta o choro ou a vergonha e
se sente, dessa feita, incapaz de se revelar. O analista espera a exposição de um material
utilizável, mas em vão; o analisado tinha a possibilidade de se exprimir, mas, ainda assim
ele não experimenta nem choro, nem vergonha, ele prefere se calar ou falar de coisas
insignificantes para "afogar o peixe". Veio sem dúvida para curar-se, seu comportamento,
ao cabo de um certo número de sessões, não indica em nada esta intenção: em vão o
analista o exorta a "voltar ao passado" , ele considera manifestamente que sua tarefa, a
mais importante, é de se opor a ele. Desprezando métodos e regras analíticas já
aprendidas, ele esquece seus sonhos, chega atrasado às sessões, etc. Não leva em
consideração qualquer dos conselhos de seu analista, na verdade se prende a ele a
propósito de tudo e de nada; contesta os resultados da cura ou os atribui à influência do
tempo que passa, e se derrama em reprovações à menor perturbação. De toda evidência,
de forças opostas freiando os progressos da análise, importa despistá-las. Até o presente,
nós falamos apenas da forma que a atitude favorável à análise facilita, na verdade
provoca as confissões do analisado. Mas em que consiste a resistência que viola o jogo
opondo-se a esta afluência feliz de circunstâncias exteriores e interiores?
Para explicar esta atitude geral que se opõe a toda intervenção, falta considerar a
história da vida do analisado. A psicanálise não é a primeira intervenção do mundo
exterior no psiquismo do indivíduo. A separação da criança primeiramente do corpo da
mãe, de seus mamilos em seguida; as conseqüências da educação constituem
intervenções difíceis de suportar contra as quais o psiquismo - para atenuar os efeitos
dolorosos - reage de uma forma específica, sufoca os desejos opostos às intervenções, e
teme seu aparecimento. Assim, as modificações não serão senão aparentes, toda
verdadeira modificação tornando-se impossível. É este o modo de reação que se reproduz
ao curso da análise: lá ainda, o psiquismo espera, como resultado de seu abandono e do
trabalho do analista, alguma coisa de dolorosa, de contrária ao Eu e de perigosa para a
vida, e lá ainda, ele reage por aparências de modificação, por reservas e as redobra sobre
si.
Ao lado desta resistência geral, se chocam também resistências específicas. Estas se
enraízam na história de diferentes casos: por exemplo, se o analisado tropeça numa
palavra obscena, em um momento importante de sua vida, há muito tempo talvez, ele já
teve esta reação. Se ele se recusa a falar da vida amorosa de seus pais, à época de sua
infância, sacudido ao capricho das emoções, ele fugiria a este gênero de revelações.
Esse exemplo mostra também até que ponto é legítimo colocar a questão da origem de
uma resistência: enquanto fonte de forças é pouco provável que a pronúncia de uma
palavra obscena baste por si só para mobilizar toda a resistência; esta deve se alimentar
de outras fontes.
Para classificar as resistências, Freud levou em conta sua origem tópica. Assim, a
resistência se enraizaria: no Eu, no Isso, ou no Supereu (27).
Enquanto sendo do Isso, a resistência lhe deve não sua motivação mas sua força. Com
efeito, o inconsciente sendo orientado para sua automanifestação, não há resistência nele.
Se ao contrário, um instinto reprimido quer se manifestar na superfície, uma força
operante no Isso tende a fazer com que esta manifestação possa sempre tomar a mesma
forma. O que está agindo aqui, é a compulsão à repetição, é ela que impele à reprodução
de velhos modos de solução, e estes se opõe a toda nova forma de manifestações,
preconizadas pela análise. "Se o trabalho analítico abre caminhos novos à excitação do
instinto, nós observamos regularmente que estes não são seguidos sem evidentes
hesitações." Particularmente difícil é o combate contra as resistências que emanam do
Isso, quando estas são a expressão de um instinto de destruição. Estes pacientes resistem
por todos os meios à liquidação das resistências (75).
Ela pode ser o efeito de transferências; esse modo de defesa constitui uma parte
considerável de todas as resistências; para compreendê-lo, é preciso reportar-se à
exposição contida no capítulo seguinte da presente obra.
Ela pode fazer parte de uma tendência à conservação da doença, tendência oriunda do
inconsciente, mas que, uma vez manifesta, utiliza forças provenientes do Eu * .
Ela pode beneficiar tendências narcísicas: "Você não poderá me informar nada que eu
já não saiba" "Eu me conheço perfeitamente", etc.
Enfim, como o sublinha Reich, ela pode enraizar-se nos traços de caráter e colocar a
seu serviço as particularidades formais do Eu (lentidão da compreensão, reações de
cólera, etc.) * (28).
*Diz-se que a resistência visando à conservação da doença é alimentada não somente pelo
doente mas também por seu ambiente.
*
Esse ponto de vista de Reich é algo exagerado; não existe senão resistências inerentes ao
caráter. Os estudos de Anna Freud sobre a defesa (108) permitem Reich corrigir sua
concepção (Sterba, 109).
A classificação que nós adotamos segue o esquema freudiano de instâncias tópicas. O
outro ponto de vista (a origem no objeto) se impõe, se queremos adotar uma classificação
puramente psicológica e se consideramos os conteúdos das idéias ou a impossibilidade de
seguir nossos conselhos concernentes ao livre curso dos pensamentos. Se tomamos esse ponto
de partida, podemos distinguir resistências de duas origens diferentes: são, de uma parte,
reações a conteúdos (lembranças, sentimentos) que surgem, mas, de outra parte, elas
procedem da angústia provocada pela situação analítica artificialmente determinada.
tinha sua mãe ( quando ele era ainda criança) de exortá-lo à obediência, de lhe confiar
tarefas cada vez que ela o via ocupado com seus próprios pensamentos; ele transfere para
o analista uma tendência que está em contradição com a situação analítica;
4 - contra a algazarra interior. Essa algazarra evoca sofrimentos: batimentos do
coração, incômodo da respiração. É um sinal - análogo ao reflexo de Moro - produzido
por cada abalo. Mas toda formulação verbal é uma algazarra interior (28 a); tanto que o
paciente pode preferir o silêncio. É quase impossível propor uma classificação exaustiva
das formas de aparecimentos concretas das resistências, mas nós esperamos apreender o
essencial formulando as categorias seguintes:
A resistência pode se dirigir diretamente contra o material que surge; é o caso, por
exemplo, da palavra obscena que o paciente se recusa a pronunciar. Por trás desse caso
simples se projeta um segundo, mais complexo.
Um tal mal entendido pode racionalizar a resistência contra a cura. Dispõe, quanto a
isso, de várias possibilidades. O inconsciente pode colocar um sinal de igualdade entre a
cura e a "perda" da doença, qual uma perda de alguma coisa, a perda de si mesmo. Mas o
mal entendido pode também dirigir-se para uma situação presente e substituir à cura
presente uma cura passada; se aquela se associa a lembranças penosas, o inconsciente
pode se levantar contra uma cura em curso.
Não é inútil conhecer o que um de meus doentes chamou resistência negativa, e que é
um abandono em algum tipo "profilático" de certos atos "repreensíveis", quer dizer,
entravados de resistências. Se, ao curso da análise, esses atos não são mencionados - pelo
menos a propósito de um fato atual -, é porque o analisado "se arranja" para evitar de ser
exposto a situações onde tais atos perversos, por exemplo, correriam o risco de serem
cometidos. Ora, se diz, não há lugar para "revelar" o que não existe * .
A resistência negativa pode fazer com que o analisado chegue sempre atrasado, se
apresse em "ratrapper" o retardo, impeça seus pensamentos vergonhosos de acederem à
consciência, mais obsessivos sobre o analista e sua família.
*Podemos mencionar sob esta mesma rubrica os casos que Freud chama "fuga na saúde".
Em um sentido mais amplo, podemos falar também de resistência manifestada sob a
forma de esquecimento. O doente "não pede mais" do que falar de tal ou tal de seus
hábitos, mas, coisa curiosa, estes não lhe vêm jamais ao espírito durante a sessão. "Como
se não existisse" - eis o que parece significar esta forma de resistência.
Mas o analista não se interessa pelas resistências por elas mesmas. Se bem que elas
lhe forneçam numerosas informações, seu objetivo principal consiste em vencê-las. É
preciso ensinar ao analisado a superá-las para poder prosseguir a análise. De que meios o
analista dispõe para isto?
A psicanálise estaria tentada a dizer que é preciso deixar as resistências. Mas nós
vimos que certas dentre elas são conscientes. Trata-se sempre de resistências-telas
("résistances-écrans") atrás das quais é sempre possível descobrir resistências
inconscientes? Mesmo que a análise ponha a nu todo um conjunto de resistências, ela, às
vezes, não se encontrará menos bloqueada.
Uma vez mais, Freud nos ajuda a compreender o fenômeno. Elaborando o conceito de
perlaboração, ele mostrou que a resistência, para ser vencida, deve ser esclarecida de
diferentes lados, a fim de que a interpretação do analista seja adotada inteiramente pelo
analisado, por seu Eu e por seu inconsciente. Além disso, disse Freud, existe uma
economia da vitória sobre a resistência: esta não é jamais superada de uma única vez,
mas pouco a pouco, como por "à-coups".
(esquema)
Uma espécie particular de resistência é constituída por aqueles pacientes cujo Eu não
está suficientemente desenvolvido, que não têm senão um pseudo-eu. Se o analista se
adapta ao Eu pouco desenvolvido do paciente e, pela via de identificações, o analisado
desenvolve um Eu autêntico, as resistências podem aparecer, se o analista comete faltas,
ou se, de uma forma ou de outra, seu comportamento deixa a desejar; isto até que ele se
torne consciente de suas faltas e se desembarace delas. Contudo, ele não tem que pedir
desculpas, pois estas poderiam prevenir a explosão da cólera do analisado, cólera que
teria aqui uma primeira ocasião de se manifestar (Winnicott, 113).
Nós nos perguntamos no capítulo precedente porque, apesar de uma atitude favorável
à análise e apesar de um desejo sincero de comunicar, o analisado se opõe à revelação de
seu psiquismo. Nós vimos a força das resistências, uma força suscetível de se multiplicar.
Como, nessas condições, a análise é outrossim possível?
A resposta se oferece por si mesma: o doente quer antes de tudo curar-se e aumentar
seus conhecimentos sobre ele mesmo. Certamente, trata-se de forças consideráveis sendo
impensável não tê-las em conta, mas a experiência mostra que existe uma força ainda
mais importante que contribui ao feliz desfecho da análise: nós queremos falar de uma
categoria de afetos que visa o analista e que impele o analisado a entrar, não sem
dificuldades e sem vagar, no jogo temeroso dos turbilhões interiores.
Aqui, convém fazer uma distinção. Primeiramente, é preciso que a situação analítica
dê lugar às disposições afetivas suscetíveis de engendrar, no analisado, a confiança no
analista, em sua boa vontade e sua capacidade de compreensão, de uma parte, sua própria
vontade de compreensão e de aceitação, de outra parte. Mesmo se ele não tiver
inteiramente confiança ao início, o analisado, na condição de não ficar aterrado pela
perspectiva das revelações que ele terá de fazer, na condição de não ver no analista um
juiz ou um moralista que perdoa com condescendência, mas uma pessoa compreensiva e
de visão clara, sem curiosidade indiscreta, verá se instaurar uma atmosfera de confiança
correspondente à situação real. Trata-se de um tipo de sentimento afetuoso: o analisado
sente que ele é bem recebido, ajudado, compreendido, enfim, que se ocupam dele, que ele
se confia a um ser humano e não a um juiz ou a um educador sempre pronto a castigar,
que o analista, enfim, não tem nada de um sedutor. É uma situação a uma só vez ideal e
real, à qual corresponde a atmosfera particular, afetuosa, da análise; nós a chamamos
doravante atmosfera de base.
Ela é, para a análise, o que é o "calor" familiar ideal para a criança que aí se beneficia
de tudo o que se pode oferecer-lhe, calor sempre pronto a acolher, mesmo se ela cometeu
algum malfeito. Mas assim como o calor familiar não é sempre "ideal", igualmente a
atmosfera de base da análise é submetida a constantes flutuações. Esta age em dois
sentidos. Não mais do que o calor, a situação real à qual corresponde a atmosfera de base
não pode ser sempre "ideal". O analista pode não ter compreendido alguma coisa que no
entanto estava a seu cargo, ele pode ter sido desatencioso, não apreender a continuidade
das revelações do analisado; ele pode também ter uma visão mais grave que de hábito ao
momento de acolher o analisado, sua voz pode trair a fadiga ou a irritação, etc.; "autant
de" causas reais de uma modificação da atmosfera de base; convém ao analista
restabelecê-la; a realidade "nefasta" deve ceder o lugar à realidade "benéfica". É uma
questão de tato * ou de técnica em sentido amplo, mas não de metodologia.
A análise é um processo natural onde qualquer "artifício" não pode ter lugar. É preciso
eliminar tudo o que é artificial.
*Não podemos perder de vista que a situação de base de toda neurose é constituída de
conflitos. Foi em Taine que Freud encontrou a noção de conflito. Lemos, por exemplo, nesse
primeiro autor: "A parada mútua, o arrastar recíproco, a repressão constituem por seu
conjunto um equilíbrio; e o efeito que vemos produzir para a sensação corretiva especial,
para o encadeamento de nossas lembranças, para a ordem de nossos julgamentos gerais, não é
senão um caso de perpétuos re-endireitamentos e de limitações incessantes como de
incompatibilidades e de conflitos inomináveis operando incessantemente em nossas imagens e
em nossas idéias (79, p. 124)." A obra de Baldwins evoca igualmente um "conflito de
impulsões" em uma criança de oito anos de idade (82, p. 120-122).
*
Para contribuir para criar uma situação independente de dados reais, a análise coloca o
analista atrás do analisado, de forma a não ser visto.
Na apresentação de Spitz, a situação analítica ela mesma, a posição deitada sobre o
divã, a passividade do analisado, são um desvio da realidade exterior, são linguagem
isenta de inibições correspondente à situação da primeira infância. Segundo Spitz, o
recém-nascido é totalmente passivo ao longo dos primeiros meses de sua existência, não
tem qualquer comunicação coordenada com sua mãe. Entretanto, Spitz parece esquecer
que se abandona ao recém-nascido o hábito de se agarrar ("cramponner") ativamente à
sua mãe, engate do qual será contudo perfeitamente capaz. Ele dirige então sua atividade
não para um objeto dual, mas para ele mesmo (90). Mas Spitz tem razão em afirmar que a
transferência se completa sempre sob o efeito de um estímulo exterior mínimo, vindo, por
exemplo, do analista. A resposta a este estímulo exterior na transferência comporta uma
tonalidade afetiva estruturada. O efeito de tais estímulos mínimos é comparado por Spitz
àqueles estímulos mínimos de dois olhos, fronte e nariz acompanhados de um movimento
que, para o recém-nascido de 4 a 6 meses de idade, representam a visão do objeto que
significa a segurança (114, p.380-385). Esse último ponto de vista estabelece uma ligação
entre a teoria da transferência e a psicologia animal mais recente.
Não é inútil tomar consciência do fato de que o processo analítico oferece vários
pontos críticos: a transferência de conflitos pode se manifestar aí seguindo o modelo
conhecido, ou, em caso de uma disposição favorável ao conflito, pode mesmo provocar
novidades.
Tais situações geradoras de conflitos são: a ruptura que sobrevém a cada fim de sessão,
o "reenviar" o paciente aos seus sofrimentos; a não-satisfação de seus desejos eróticos,
coisa que ele pode julgar ofensivo; o dinheiro que ele consagra à cura e que lhe recorda
que ele não é tratado por amor; a atitude do analista em relação à sua profissão, o
paciente pode ressentir esta atividade como sendo a de uma máquina; o fato de que o
analista tem uma família e cuida de outros pacientes, o que suscita o ciúme; o
reconhecimento que o paciente pode experimentar constatando os sucessos da cura e que
pode impeli-lo a excessos e, por isso mesmo, a reservas. Mas não são unicamente esses
atributos inevitáveis da análise que provocam conflitos; a manifestação de todo instinto,
em razão, precisamente, do caráter de turbilhão da força instintual, esconde
possibilidades de conflitos: trata-se a cada vez, de escolher entre egoísmo e altruísmo,
entre viver para hoje e viver para amanhã, de se fixar os limites "até aos quais se pode ir",
de se perguntar onde termina a eficácia e onde começa o perigo mortal, etc.
Do ponto de vista da metodologia, é importante sublinhar que se essas perturbações da
atmosfera de base seguem uma curva regular, todas as condições estão reunidas para que
a análise se desenrole com sucesso. Com efeito, a transferência de afetos positivos,
dominada pelo sentimento de afeição, deixa o analisado mais compreensivo, facilita a
revelação de seu inconsciente e torna as sessões desejáveis. Por outra, em seu foro
interior, o analisado quer ser agradável ao analista não apenas por seus progressos e por
sua compreensão, mas também por suas qualidades morais, por seu amor à justiça,
apresentando-lhe os membros de sua família sob uma luz favorável; tantos pontos de
ancoragem oferece aos silêncios, às incompreensões, enfim, às resistências. Se,
ultrapassando o segundo "optimum", a transferência de afetos positivos se orienta para o
amor, as resistências se multiplicam. (Também, pensamos nós que o primeiro "optimum"
é estável, mas o segundo é instável.) A regularidade da "curva analítica" exige que todo
comportamento transferencial seja tornado produtivo pela atitude do analista que
considera as transferências como sintomas entre outros. Aí então, o analista deve
compreender e interpretar a tempo, conduzindo as transferências (não certamente, in
statu nascendi, pois ele tem necessidade de ver as lembranças e os afetos se
desenvolverem) à atmosfera de base estável da análise, a um momento onde estejam
ainda em estado de irrealidade.
É o que quis exprimir Freud afirmando que a análise deve se concluir na renúncia.
"Não deve haver qualquer relação sexual real entre os pacientes e o analista, e satisfações
mais delicadas, tais como os testemunhos de amizade, uma certa intimidade, não devem
ser senão muito parcimoniosamente concedidas (75, p. 44)."
*Eu estou inteiramente de acordo com Menninger (84, p. 81) que se ergue contra o termo
"manejo”. Podemos provocar, esclarecer ou eliminar uma transferência, mas aquela não é um
objeto psíquico!
Vejamos mais de perto as considerações de Federn. Segundo ele, a transferência nos
psicóticos se realizam nas condições totalmente irregulares e não justifica o emprego de
métodos psicanalíticos que se aplicam aos pacientes neuróticos. Devemos "restabelecer"
a transferência positiva, com interrupção do tratamento, se a transferência vira negativa.
É assim que Federn, depois de seis semanas de entrevistas com uma catatônica internada,
obtém, graças a sua atitude amigável, sua transferência: ele lhe contava histórias
animadoras sobre as pessoas de quem ela muito gostava e não mencionava aquelas que
ela não gostava. Ele a provia também de chocolate. Com os psicóticos, "obtemos
facilmente uma boa transferência explorando sua regressão ao estágio oral." Federn
termina por prender o doente junto dele. Não havia mais explosões de cólera, ela não
mais recusa alimentar-se e abandona o hábito de fazer os cem passos no quarto, à noite,
fumando cigarro atrás de cigarro e falando de seus sofrimentos alucinatórios (88, p. 108-
113). Ainda mais eloqüentes são as passagens seguintes do livro: "Os analistas se
enganam afirmando que não há transferência possível com os psicóticos. Estes desejam a
transferência, e esse desejo atinge tanto a parte sã como a parte psicótica de seu Eu; cada
uma delas pode visar seja o mesmo objeto, seja objetos diferentes de transferência. Essa
transferência pode desaparecer pouco depois, mas pode também durar toda a vida.
Aquela da parte psicótica da personalidade é algumas vezes fortemente perigosa; pode
conduzir a agressões até mesmo a homicídios, mas também à idolatria do objeto - pelas
angústias profundamente enraizadas às quais estão ligadas, estes dois extremos da
transferência podem determinar uma cessação de todo contato. Fora certos casos limites
benignos, a transferência não pode ser utilizada como um catalisador seguro no trabalho
de esclarecimento psicanalítico. Cada novo estado pode aniquilar a transferência já
existente. O psicótico não separa facilmente a psicanálise da vida, ante o que a estrutura
do seu Eu não se torna próximo ao normal ... Aquele que queira conservar a
transferência, isto é, psicanalisar um paciente psicótico deve observar uma prudência
muito grande... A transferência psicótica é vulnerável, é preciso tratá-la com cuidado (88,
p. 125, 133, 134)."
Nós temos examinado a atitude analítica sob variadas óticas: nós vimos os preceitos
de Börne e de Müller, o princípio da abreação de Freud, as resistências, a luta do desejo
de revelação contra o desejo de dissimulação, o papel às vezes estimulante e entravante
das transferências. O despistar e o ultrapassar resistências, a vitória do desejo de cura e
de conhecer sobre as resistências - tal é o caminho do progresso, a atmosfera de base da
análise constituindo a garantia. Nossa tarefa principal, temos dito, consiste em
compreender, em esclarecer e em suscitar a confiança do analisado que nós esperamos,
em retorno, uma compreensão dele mesmo e de seu comportamento em análise.
Resta entretanto assinalar um ponto de vista. Certamente, nós temos indicado que o
que nós pedimos ao analisado, desde o início, não é "associar livremente", é nos dizer o
que lhe "pesa sobre o coração". Nós examinamos em detalhe esta injunção freudiana, nós
entrevimo-lhe a complexidade. Mas nós não tivemos ainda a ocasião de ver a fundo como
nós fazemos compreender ao analisado o que nós esperamos dele. Com efeito, a injunção
de dizer o que lhe pesa sobre o coração, assim como a exposição de indicações freudianas
são difíceis de apreender e fáceis de desconhecer; trata-se de instruções por demais gerais
e - coisa particularmente mal recebida pelo analisado no início da análise - elas contêm
poucos conselhos concretos. Não é preciso lembrar que o analisado não é forçosamente
dotado de sentido psicológico, ele não está habituado a observar seu próprio psiquismo e
mesmo que o fosse, isso não é exatamente o que lhe pede a atitude analítica.
Estes conselhos concretos podem ser divididos em três grupos. Nós podemos
primeiramente, pedir ao analisado uma atitude de expectativa. Que ele esteja sempre
pronto a se observar, a espreitar - para aprisionar - a lembrança, o sentimento ou o
pensamento que surgiu. Trata-se de se "surpreender", Sich-Ertappen, como o diz Müller
(33). Para facilitar esta atitude, nós chamamos a atenção do analisado sobre as
manifestações do contínuo psíquico, por exemplo, sobre a conexão estreita - mas não
intencional e conscientemente não percebida - entre o material de um início de sessão e
aquele da sessão precedente. Por exemplo: ao curso de uma sessão, o doente nos disse
que lhe acontece comumente de estragar seus negócios "no final”; ele comete erros na
parte final de seu exame, não persevera numa dada atitude - e, que em sua adolescência,
ele considerava a ejaculação como repreensível. Mas logo no início da sessão seguinte,
ele emite dúvidas quanto à realização de desejos nos sonhos: precisaria ele rever esta
velha tese psicanalítica? Para fazê-lo compreender o funcionamento do contínuo
psíquico, eu chamei sua atenção sobre o encadeamento de duas idéias: realização de
desejos, de uma parte, a não ejaculação, de outra. No curso da sessão, é preciso encorajar
o analisado mostrando-lhe a importância que pode ter a mínima idéia para a continuação.
Citar exemplos tomados no caso do analisado para ilustrar que o não-dito retorna sem
cessar, que um assunto evitado pode absolutamente abrir um caminho para se exteriorizar
ou (para) se colocar, ao contrário, ao serviço da resistência, se anexa a toda idéia lateral,
reduzindo tudo o que não é ele à insignificância, provocando um verdadeiro vazio na
consciência. É preciso estar sempre pronto a combater as resistências e preparar assim
um tipo de "segundo sopro": o corredor depois de ter superado os primeiros sinais de
esgotamento, chega a um segundo estado de respiração regular; seu curso torna-se um
tipo de automatismo e ele sente menos fadiga. Graças a este "élan", a esta atitude visando
a superar imediatamente toda resistência, o analisado pode ir muito mais longe do que se
ele devesse, à cada vez, decidir se vai, sim ou não, fazer revelações. Podemos mostrar-lhe
que o psiquismo conhece correntes às quais ele pode se abandonar mesmo, se ao início,
ele ignora onde elas o levam; até que, omitindo um elo, por mais insignificante que possa
parecer, no encadeamento de seus pensamentos, ele arma um dique contra a corrente e
bloqueia o processo, já iniciado, da exteriorização psíquica.
O que ele precisa evitar a todo preço, é - se bem que se trata de um método que parece
se impor - o apelo à vontade. De uma forma geral, a analisado não dispõe de sua
vontade, nem para facilitar a emergência de lembranças nem para vencer resistências.
Aliás, o espírito da análise (de que depende também o sucesso) exige que a mudança no
psiquismo seja obtida não pela força ou sedução (tal é, com efeito, em minha opinião, a
base instintual da vontade), mas pela redução de obstáculos, pela apercepção do sentido e
graças ao "élan" da força vital.
Comumente, nós tentamos fazer reviver aos analisados, dominados por um afeto de
vergonha, a cena que teria provocado o afeto. Agindo assim, o analista ocupa a posição
da pessoa, que, de outra vez, suscitou as reações de vergonha.
Esses dois conceitos de fluxo e de encurvação nos permitem igualmente esboçar uma
imagem do inconsciente e dos representantes instintuais que o regem dentro do Isso. O
material clínico, por exemplo, o desenvolvimento de estados depressivos, permite
estabelecer que forças em turbilhão estão operando no Isso e que os instintos eles
mesmos são, no fundo, tais forças. A associação livre é constituída, interiormente, de
correntes alimentadas pelas formações em turbilhões, e, conseqüentemente, de
encurvações. Nós vemos assim que a injunção à associação livre desencadeia o
aparecimento dessas correntes, que ela equivale na realidade a promover um modelo do
inconsciente. É assim que nós nos utilizaremos de dois conceitos ilustrativos para
descrever nossos processos. A obrigação que sente comumente o analisado ao
prosseguimento da análise - o que é um índice da boa marcha da análise - provém dessas
correntes em turbilhão. Estas são responsáveis por neuroses (transferenciais) analíticas
que se desenvolvem durante a análise. (Bem entendido, o sentimento de que se é
obrigado a prosseguir a análise provoca resistências.) O analisado é tentado a interromper
bruscamente a análise, quer dizer a obedecer às resistências. Hoffer elaborou
cientificamente esse aspecto da neurose (transferencial) analítica; segundo ele, ela
procederia de tendências sexuais agressivas da infância terminando na ameaça de ter de
se separar, suporte atual da transferência (121). - Um tipo particular de neurose
(transferencial) analítica aparece na obrigação que experimenta o analisado a ventilar o
material analítico, a discutir com tal e tal, a falar sobre um tom sentimental de seu amor
transferencial: segundo minha experiência, esse modo de comportamento dissimula uma
confissão de insinceridade (e eventualmente, de impulsos "desleais" não ditos) do
analisado durante a análise.
Mas tudo isto seria de pouco interesse, se nós não pudéssemos utilizar essas
considerações para melhor responder a questões práticas levantadas no domínio da
associação livre. É significativo que o fluxo do material ótico, que, a meu conhecimento,
Johannes Müller descreveu o melhor, deve seu aparecimento a um estado vizinho do
sono;
que as instruções de Schultz visando à relaxação corporal e as de Ferenczi com vistas à
relaxação afetiva visam igualmente a provocar estados vizinhos do sono. Pareceria
também que existe um estado ótimo situado entre o sono total e a vigília, para favorecer
esse fluxo, estado no qual o fluxo e o grau de encurvação são particularmente "produtivos
do inconsciente". Esta distância ótima com relação a certos pólos, a certos "graus zero" -
que podemos chamar nível do fluxo de associações - está submetido a oscilações não
somente no que concerne a sua posição entre sono total e vigília, mas também no que
concerne a sua distância em relação aos centros ‘em turbilhão' dos instintos. Na análise
de adolescentes, o que é impressionante, é sua constante prontidão à atuação, a rapidez
clara com a qual eles são arrastados por todo novo turbilhão, a serena desenvoltura com a
qual eles se riem do analista, assim como a freqüência de suas ereções. De qualquer
modo, os adultos acusam igualmente tais complexos de sintomas - de caráter quase
instintual - no fluxo de associações.
A análise deve se fixar como tarefa de penetrar nesta zona pára - instintual e de
favorecer sua transformação em fluxo principal. Trata-se lá, com efeito, de uma seqüela
direta do estado de desenvolvimento onde atravessa o instinto. A natureza geométrica de
numerosos paralelos se explica verdadeiramente pelo caráter imperioso de instintos que
atravessam. Nessa camada pára - instintual, o abalo de posições da libido pode ser eficaz.
Além disto, seria pouco natural que o analisando falasse, durante longas horas,
meses e anos, somente o que há de mais profundo e mais vital nele. Ele fala de tudo e
coloca ao analista tanto revelações, como idéias fugitivas e banais. Entretanto, tudo que
faz, tudo que diz e sente durante a sessão; ver tudo que ele faz em presença do analista ou
sob sua influência; toda sua mímica e seus gestos constituem material analítico.
Se fôssemos mais longe: Não somente o tema mas também a perda da luva,
núcleo factual do tema enquanto "sintoma passageiro" (Ferenczi), que é, segundo nós,
integrado no seguinte sentido: é aquilo que exprime a atitude da paciente no fim da
sessão. O sentido do núcleo factual é análogo àquele do sistema neurótico, cuja
interpretação é um dos objetivos da análise.
No caso de Lazarus, seria preciso procurar o que significava para ele, a morte do
amigo e por que ele tinha pressentimentos de morte.
Da mesma forma que a idéia surgida ou o sintoma, a sessão analítica pode possuir
um sentido. Digamos, por exemplo, que uma paciente, durante a sessão, cogite a idéia de
divórcio. Mas nossa expressão "idéias de divórcio" é o reflexo lingüístico de uma
cumplicidade estabelecida entre analista e analisando; na verdade, "as idéias de divórcio"
Não se relacionam unicamente ao divórcio; elas se ligam a uma longa série de eventos
atuais e longínquos.
Podemos, dessa maneira, falar do sentido de toda uma parte da vida. Assim,
numerosos sintomas de uma de nossas pacientes se explicam, graças ao fato de que,
durante muito tempo, ela se identificava com sua cunhada, a mulher de seu irmão que ela
amava muito.
Parece que uma certa função se constrói desde a pequena infância; função que
tem por objetivo assegurar a continuidade dos acontecimentos vividos. Uma criança de
dois anos repete inúmeras vezes durante o dia: amanhã jora, amanhã comer, amanhã
andar... Observamos nas crianças o que constatamos com freqüência nos adultos: uma
conversação interrompida pode ser retomada no ponto onde foi deixada...
Mas, esse "lugar", Não é um ponto entre dois outros pontos vizinhos (como quer a
Psicologia associacionista) mas antes um nó no tecido psíquico, um nó feito de curvas
que se ramificam, compostas de inúmeros fios.
Podemos comparar esta situação a de uma esponja que retiramos da água: assim
como ela se embebe do elemento do qual ela acabou de emergir, mas com ela fica em
contato (pois ela está impregnada de água, é a idéia surgida da continuidade psíquico que
também fica impregnada de tudo aquilo que, no psiquismo, a cercava e ainda a cerca. *
Somente a livre associação de idéias mostra todos os fios que conectam as idéias isoladas
na história psíquico d analisando. Nessa visão, estamos diante de fatos experimentais. A
*
Talvez essa comparação permitirá a melhor compreensão da tese, freqüentemente verificada
pela experiência, segundo a qual, é precisamente a primeira idéia surgida que abre a via
mais importante que conduz ao inconsciente; isso se ela não se chocar ao refúgio da
crítica (talvez por causa do perigo de ver o inconsciente deixar de sê-lo) desconfie da
"primeira idéia surgida". Mas atenção! É preciso se precaver de exagerar os fatos, e ao
fazer retornar ao seu contrário, afirmando que uma solução é sempre dada pela primeira
idéia surgida.
livre associação tem uma função que podemos designar como sendo "provocadora de
sentido".
Para nós, nos casos "normais" (quer dizer, os casos onde o analisando associa
idéias a seus próprios temas), o sentido determinado de suas idéias é a prova da
determinação mútua dos temas e idéias uns pelos outros. Ora, a constatação de Schneider
poderia s`inscrire in faux contra esta tese. Com efeito, se as idéias se associando a temas
"estranhos" é pessoa, podem ser determinadas de maneira significativa, o fato de que as
idéias se associando ao tema, sejam dotadas de sentido, Não podem constituir prova do
caráter determinado do tema ou de seu núcleo factual.
Freud sublinha que é impossível chegar é resposta do porquê Untel Não tomou
esta ou aquela via ao longo de sua existência; de outro modo, diz que o método
psicanalítico é incapaz de esclarecer os lados negativos de uma história de vida. Na
minha opinião, ele também postula o princípio metodológico da continuidade.
*
É por esta razão, ser inútil se perguntar qual dos dois fatores, relacionados à
determinação mútua, é anterior ao outro. Por exemplo, a agressão que se externaliza ou se
internaliza; a diminuição do fluxo libidinal que se externaliza ou a intensificação da
agressão.
A descrição que Freud faz das funções do Eu, mostra a que ponto o problema do
"sentido" (na acepção desenvolvida acima) o preocupava. Ele Não se continha
simplesmente em enumerar as funções do Eu, mas de definir, cm cuidado, ao mesmo
tempo seu sentido, sua "origem e objetivo": "Ele (o Eu) assegura a auto-conservação e no
que concerne o exterior ele completa sua tarefa aprendendo a conhecer les excitations,
acumulando, na memória, as experiências que elas lhe fornecem, evitando les excitations
muito fortes, pela fuga, se acomodando em excitations moderadas, pela adaptação, enfim
chegando a modificar de maneira apropriada e a seu favor, o mundo exterior (atividade).
Interiormente, ele conduz uma ação contra o ID (ca) adquirindo o domínio das exigências
pulsionais e decidindo se estas podem ser satisfeitas ou se convém resistir a elas Até um
momento mais favorável u ainda se é preciso sufocá-las completamente. Em sua
atividade, o Eu é guiado, levando em consideração as tensões provocadas pelas
excitations de dentro e de fora. (75, p.4)".
Segundo Freud (8, Apêndice c), a interpretação que toma sentido é a tradução do
conteúdo latente, no modo de expressão do estado de vigília, ou seja, na língua. A
interpretação é a mesma coisa que a compreensão (75, p. 28), ou seja, a tomada de
sentido. Assim, a interpretação se realiza pela tradução do conteúdo latente
compreendido - do sentido - em expressões lingüísticas. O inconsciente tem acesso,
então, ao pré-consciente. Consideremos a injunção dirigida ao paciente: "dizer tudo", e
veremos que a língua está no centro do método psicanalítico. Não é por acaso que Freud
se interessa, tão intensamente, por problemas de afasia (l89l) aos quais ele
se refere nas suas "cartas" (1896). *
*
Num tratado publicado somente em húngaro, procurei mostrar que a concepção de Freud sobre
a afasia servia-lhe de modelo para a sua teoria sexual. Na afasia (pag 90, texto apagado)
há um campo lingüístico unitário com certos "pontos" a se observar. Na teoria sobre a
sexualidade, temos a libido unitária com, como pontos a se observar, as zonas erógenas
(126). No momento, estamos em condições de apoiar esta afirmação pelas cartas de Freud
(76).
*
Eu tinha sido informado da concepção de Leibniz pela obra (publicada em húngaro) de G.
Révész La psychologie de Leibniz- A observação de Freud em O Eu e o Isso, onde a hipótese
fala Leibniz, é a continuidade de fatos independentes do conteúdo tais como a
consciência, a intensidade). A experiência mostra que a continuidade psíquico se realiza
por processos conflituosos. De outro modo, diz, influências exteriores, representações,
tendências e contra-tendências estão em contato permanente, e mesmo se o desenrolar de
um desses processos é interrompido, sua continuidade é assegurada pelo próprio
revezamento da atividade interruptora. Podemos também falar de uma continuidade de
primeiro e segundo grau. A Psicanálise se esforça para substituir a continuidade de
segundo grau (por contato) por uma continuidade de primeiro grau (processo
ininterrupto).
de uma série contínua de fatos conscientes e de fatos inconscientes (em contradição com a
existência de um inconsciente qualitativamente específico) é refutada, é dirigida contra o
princípio de Leibniz, enquanto argumento convincente.
pode ser operatória; dito de outra forma, nenhum princípio lógico está em condições de
servir de instrumento de transição de um fato inconsciente a outro. Para o inconsciente, a
existência de cada fato deve ser reconhecida e tornar-se reconhecível, independentemente
de outros fatos.
Não queremos dizer, que Ouspensky construiu uma lógica correta e aplicável;
queremos apenas chamar a atenção para as relações de sua teoria com a que foi
apresentada mais acima.
Toda lógica formal é, segundo seus próprios princípios, atemporal; suas leis são
válidas, independentemente do tempo e elas Não conhecem manifestações temporais.
Ora, afirmamos, seguindo isto em Freud, que umas das principais características do
sistema inconsciente é precisamente a atemporalidade. Em segundo lugar, é conveniente
considerar os dois modos de manifestação do inconsciente, a saber: a condensação e o
deslocamento. Refletindo sobre isso, constatamos que as condutas da lógica formal são
essencialmente condensações, no que concerne é formação de conceitos e de
deslocamentos; trata-se de "deslocar", de transferir a evidência, o valor de verdade das
premissas em direção é conclusão. A lógica formal Não mais que restringe a aplicação
dessas condutas, mas Não chega a suprimi-las. Sua validade está ligada a certas
condições precisas, então, para o que é do inconsciente, estas condições são inoperantes;
deslocamentos e condensação agem sem restrição. Estes mecanismos do inconsciente
dominam igualmente o pré-consciente, mas com certas restrições inerentes é adaptação, é
realidade e ao material verbal. A unidade d dualismo está presente na primeira lógica
"booléenne": a.a = a. A nova lógica simbólica anuncia uma lógica fora da língua, da
mesma forma que são processos do inconscientes. Estranha ao inconsciente, a negação
Não pode ser abolida na lógica formal ou na lógica simbólica, onde o problema do
verdadeiro e falso é essencial. Mas este papel dominante se enfraquece nas lógicas Não
aristotélicas, como a de Reichenbach, por exemplo, onde trata-se de decidir entre positivo
(verdadeiro), falso e indeterminado. A coexistência de contrários, ver exigência mútua de
A e de Não A, é característica da lógica dialética: o inconsciente Não conhece fatores
inibidores surgidos de contrários. Em breve, o confrontamento da ciência do inconsciente
nada acrescentará é credibilidade desta última.
Assim, a teoria dos conjuntos reflete as leis do inconsciente, Não somente porque
ela é influenciada por estas leis, ou porque o inconsciente contém conjuntos quase
infinitos, mas porque os dois domínios se encontram extremamente afastados da
realidade exterior ou devem ser considerados como tais (128).
Mas Não são somente estas analogias que permitem falar no domínio do
inconsciente. As regularidades inconscientes são passíveis de se exprimir de forma
aproximativa e parcial, na linguagem da lógica simbólica, como mostrou recentemente
Matte Blanco (130). Segundo ele, as forcas determinantes dos processos do inconsciente
podem se reconduzir a dois princípios. O primeiro se enunciaria da seguinte forma: todo
objeto individual do inconsciente deve ser concebido como membro de uma classe, ela
mesma pertencendo a uma classe superior, etc... De acordo com o segundo princípio, no
inconsciente toda relação é simétrica, ou seja, retornável. Com este princípio, a relação
temporal, por exemplo, seria impossível. E o mesmo ocorreria com a negação.
Vemos igualmente numa outra ciência, que faz do "significativo" o seu objeto,
que esta dispersão é uma particularidade essencial do "significativo"; essa ciência é a
Lógica. A Lógica moderna abandonou a velha ambição de ter acesso é realidade. Ela
pode apenas propor as possibilidades, sem poder escolher entre elas.
Havíamos dito que "tudo" aquilo que fosse produzido em situação analítica seria
material analítico, ou seja, interpretável. Paralelamente, é difícil resolver o problema do
sentido em função de um grupo de fenômenos situados nos limites do psíquico e do
físico, ou seja, dos instintos. De acordo com um ponto de vista prudente e de modo algum
*
Bohr (citado depois de Frank) insiste sobre o fato, que os acontecimentos psíquicos
resistem ao princípio da predizibilidade. Ao contrário, é possível predizer com uma grande
probabilidade os fenômenos que dependem do domínio da compulsão à repetição; é isso que
explica a "regulação" do caráter ao mesmo tempo que as séries de atos infratores do homem
"sem caráter".
teórico, o instinto pode explicar uma intenção, estando, ele mesmo, fora do domínio do
significativo * , salvo no que concerne a desejo. Mas o ponto de vista teórico é menos
restritivo. Considerando o instinto, como uma tendência do organismo vivo que retorna a
um estado anterior, Freud postula uma continuidade Não interrompida da pessoa, com
possibilidade de considerar o instinto entre os processos dotados de sentido. Aumentando
assim as premissas analíticas, atribui-se ao instinto, u antes ao seu representante dentro
do Id, uma tendência compulsiva a salvaguardar a continuidade da pessoa. Por isso, esta
intenção é dotada de "sentido" interpretável.
Mas Até onde se estende a continuidade do psiquismo? Em que medida pode ser
ela limitada pelos acontecimentos externos?
*
Não confundir com o sentido propriamente biológico do termo "instinto".
*
A integração das doenças orgânicas na continuidade psíquica pode surgir tanto do
narcisismo do analista como do paciente. A auto-acusação "É minha culpa" pode revelar a
crença em uma causa psíquica.
significativo. Se alguém está em um trem de onde um louco salta e se, em seguida a este
atentado, ele se machuca, trata-se manifestamente de um acaso e Não de uma tentativa
inconsciente de suicídio. Somente o paranóico diria que o louco pulou do trem por causa
dele e que o acidente, longe de ser um acaso, é um fato intencional e, por conseqüência
dotado de sentido.
O outro exemplo tomado de uma análise: um paciente me disse que seu relógio,
todavia irrepreensível, parou no momento em que ele partia de sua casa para se encontrar
comigo. Em vão ele o desmontou e remontou de todas as maneiras possíveis, ele se
recusava a funcionar. Mas na véspera, o paciente vivenciou um acontecimento próprio a
suscitar um certo sentimento de culpa nele ou, talvez, no relógio. Escutando Moscou pelo
rádio, ele ouviu sinos do Kremlim no exato momento em que seu relógio marcava dez
horas. Ele ficou então muito orgulhoso de seu relógio, em tão perfeita sincronia com
Moscou. No dia seguinte, ele me diz que a Psicanálise do relógio teve sem dúvida bons
resultados, postos que, voltando, reparou que o relógio trabalhava novamente. Mas o
relógio está fora da continuidade psíquico - e certamente Não foi sua psicanálise que o
recolocou em funcionamento. Aparentemente se trata de um fato do acaso.
É fácil perceber que estes dois princípios Não coincidem durante a evolução
psíquico individual. No começo, nós assistimos é predominância de um amor objetal-
narcísico transbordante (orientação de temperatura) * , com o sentimento real do
todo-poderoso (Ferenzi); somente mais tarde é que este amor se cinde em amor "objetal"
e amor narcísico, enquanto que o sentido da realidade se divide em percepção do Eu e em
percepção dos objetos independentes.
*
Para este termo, C.F. Psicanálise e lógica de I. Hermann (p.151-152).
analisável o que implica de uma certa forma um contato qualquer com o inconsciente. A
experiência mostra que se trata sobretudo de sonhos, de sintomas neuróticos, etc... De
certo, uma doença psicossomática pode, por sua vez, enviar às pseudo- determinantes,
quer dizer a um (pseudo-) sentido, ou ainda a um sentido "aprés coup" ** ; mas do ponto
de vista metodológico, sua análise só será autorizada se por um de seus aspetos, ela
revele a participação do inconsciente. ***
**
Um caso particularmente enganoso é aquele onde a obtenção de um sentido aparentemente e
a atenuação do sintoma orgânico coincidem. Com efeito, a atenuação do sintoma orgânico
pode desencadear uma verdadeira perturbação na economia libidinal, perturbação que, por
sua vez, integra o sintoma orgânico nas conexões dotadas de sentido; é o que faz por
exemplo, a dinâmica dos sonhos com as dores físicas.
***
Como veremos, a participação do instinto pode indicar a utilização da análise enquanto
método auxiliar, mas não enquanto análise de sentido.
4) O caráter ilógico - do ponto de vista da consciência - do próprio sintoma. Para
se assegurar é suficiente para quem sofre de neurose compulsiva, citada anteriormente, de
prevenir o faxineiro de serviço que ele perdeu uma chave na calcada e que voltará para
procurá-la. Ele Não faz nada, pois o simples fato de falar foi suficiente para acalmar sua
inquietude. O inverso infelizmente Não é verdade; Não se pode sempre dizer que a
característica "lógica" de um sintoma excluir ("ipso facto") a ação do inconsciente. Uma
idéia "lógica" (por exemplo, nós vamos falir) pode, pela cronologia de sua gênese,
revelar o jogo do inconsciente. Além disso, lógica e ilógica Não se distinguem sempre
claramente, estando os princípios básicos da lógica comandados inconsciente (37) e a
lógica moderna só atribui é "lógica" genericamente admitida, um lugar restrito no
universo geral da lógica (46). Nós somos sempre expostos é aparições surpreendentes do
inconsciente.
A questão de saber a partir de que a análise pode ser empreendida já foi discutida
do ponto de vista metodológico. ╔ analisável aquilo que é integrável é continuidade
psíquico. Uma outra maneira de tratar a questão consiste em se perguntar em que a
análise promete a cura. As duas respostas Não coincidem forçosamente, ainda que nós já
houvéssemos tido ocasião para mostrar a convergência entre aquilo que pode ser
interpretado e aquilo que pode ser curado. Levando-se em conta que no curso da análise
se produzem perturbações nos instintos e também transferências, quer dizer, excitações
libidinosas Não narcisistas, fica-se tentado a responder que a possibilidade de cura
depende antes de tudo da natureza da doença. A resposta a esta pergunta depende, então,
dos indícios fornecidos pela psicanálise; ela Não deve nos reter demais aqui.
A formulação é absurda, mas voltemos a questão. Se uma mulher perde uma luva
num ônibus enquanto está sentada ao lado de seu marido - uma mulher com um certo
passado, um marido com um dado caráter, e uma certa atitude em relação é sua vida atual
-então, é na constelação fantasiosa que compreende todos esses elementos, que convém
procurar a causa da perda da luva.
Então, uma tal explicação conduz a um caos metodológico, e, Além disso, ela
Não penetra tão profundamente na essência do significativo analítico. De certo, a infinita
complexidade dos fatos psíquicos torna difícil, se Não impossível, a obtenção de uma
visão sintética que as mostre na sua integralidade. Mas Não podemos esquecer osso
princípio metodológico segundo o qual nós só podemos admitir conceitos verificáveis.
Recorrer a determinantes desconhecidas para deduzir uma causalidade rigorosa, é falar
no vazio, e tal procedimento Não pode, em nenhum caso, constituir a base de uma
metodologia. Além disso, esta explicação fundada na causalidade determinista deixa de
levar em consideração duas particularidades do psiquismo: seu caráter concreto e
individual, válido para todo fato psíquico e que, por isso mesmo, se erige contra toda
generalização do tipo "se A então B" e, de outra parte, seu campo de dispersão, o jogo
que ele permite em sua volta. toda constelação de fatos psíquicos abre caminho para um
número limitado de possibilidades; qualquer que seja a possibilidade realizada está em
jogo a causalidade determinante da constelação. Conclusão: possibilidade de determinar
a causa, impossibilidade de determinar o efeito.
Necessário enquanto isso se precaver de uma conclusão errônea: nem todo efeito
é resultado de uma intenção ou de algo desejado - sejam elas inconscientes ou não. Por
exemplo, uma mulher grávida cai e decide ter a criança, apesar da opinião de alguns
membros do seu grupo, mas conforme o conselho de seu ginecologista - e expondo assim
a se submeter a uma cesariana; a criança nasce efetivamente com uma cesariana e a pobre
mulher sucumbe alguns dias mais tarde a uma trombose. Temos o direito de declarar que
esta mulher queria intencionalmente sua morte, pois o que se manifesta é que ela queria
uma criança. Uma coisa é cera: os efeitos só podem ser considerados como intencionais
na medida em que escapam do acaso. Ainda, é possível existirem situações onde
acontecimentos atribuídos ao acaso são intencionais - (por exemplo, no nosso exemplo, o
parto difícil). A única solução para o analista é ir no sentido do demonstrável e submeter
a decisão a uma análise possível (aquilo que, evidentemente, Não é encarado num caso
mortal). Enquanto isso, penso poder distinguir, com a ajuda destes casos, aqueles que
pensam verdadeiramente de forma analítica e aqueles que Não fazem. Aqueles que
pensam em esquemas acharão solução imediata. Os amantes de estereótipos Não terão
acesso jamais ao inconsciente.
De uma forma geral, deve-se ressaltar que uma implicação lógica Não conduz
necessariamente a uma relação psicológica. O que é "lógico" em um enunciado Não está
forçosamente em conformidade com a Psicologia, nem mesmo sob o prisma do
inconsciente.
O "sentido" ele próprio Não existe; Não se pode falar dele senão na medida em
que se acha alguém para concebê-lo.
Para respondermos a esta questão, Não temos nenhuma intenção de formular uma
série de regras. Preferimos tomá-la por um outro aspecto, imaginando um "érgéo" ou um
"aparelho" apropriado é percepção do sentido ou do virtualmente significativo como o
olho está para a luz e do virtualmente colorido. E do mesmo modo que de sua "energia
sensorial específica" o olho responde por sensações épticas a estímulos Não épticos, tais
como golpes, pressões, etc... do mesmo modo, nosso aparelho hipotético perceberá o
"significativo", mesmo se o material que lhe é apresentado Não o for. Do mesmo modo
que a luz é o estímulo apropriado, adequado ao olho, do mesmo modo a continuidade
psíquico o é para este érgéo interpretativo.
Não nos perguntemos demais qual é a parte de realidade dentro deste postulado
do érgéo interpretativo; qualquer que ela seja, ela contribui, em nosso entendimento, de
um forma importante para o conhecimento do homem e para a compreensão do que se
passa com o outro. As condições necessárias para interpretar um sentido Não são para
nós exigências de caráter mecânico, mas funções do érgéo interpretativo. Estimamos que
uma tal apresentação permita melhor perceber o lado organicamente necessário destas
condições. Vejamos algumas:
É sabido há muito tempo, que a (abréaction), tal como é descrita por Breuer e
Freud, implica: a pessoa insistir cem vezes no mesmo obstáculo, para depois contá-lo a
alguém. No curso da (abréaction) catártica, ela Não se sentiria aliviada, enquanto contar
estes cem casos concretos, um após o outro. A continuidade psíquico ignora a
generalização e cada acontecimento patogênico deve ser revivido. A omissão, no
decorrer da análise, dos sentimentos que acompanharam o acontecimento, pode se
explicar pelo fato de que sozinhos surgiram lembranças de pouco valor afetivo e do
mesmo conteúdo.
*
Algumas vezes, para reforçar o sentimento do vivido, fazemos o analisado fazer desenhos
suscetíveis de representar certos detalhes que ele nos expõe. Para favorecer o surgimento
de lembranças, de acontecimentos concretos, é recomendável fazer executar a planta da casa
onde o paciente passou sua infância (disposição dos leitos, etc.) Ao curso da análise, a
generalização traduz a resistência ao concreto, sobretudo às manifestações instintuais e
aparece como a reprodução de resultados da educação visando a fazer do indivíduo uma
criança "ajuizada", reprimindo suas tendências pessoais.
renuncie a isto: se o símbolo produzido tem um sentido genérico, tem também um sentido
particular, individual, que o reporta geralmente ao primeiro.
Nós invertemos esta proposição freudiana, e dizemos que a objetividade nos torna
intuitivos no sentido etimológico da palavra (in-tuere, olhar (para) dentro); se nossa visão
Não é dificultada por um meio opaco, somos capazes de perceber o sentido no estado
puro, de imediato.
No fim de uma sessão, doente se aprontando para sair, chamo sua atenção sobre o
fato de que sua carteira está quase caindo d bolso de sua calca. (A sessão havia sido
consagrada sobretudo é análise de seu medo de ejacular). Na sessão seguinte, o mesmo
doente falou sobre sua excitação anal e passou logo a contar um sonho tido alguns dias
antes e que terminava pela perda de sua carteira, posto que a pessoa que sonhava estava
na posição d cito. Ao acordar, ele anotou seu sonho, colocou o papel na sua carteira;
estava quase caindo do bolso da sua calca. Depois de contado o sonho e evocada a sessão
da véspera, ele contou um outro sonho, mais recente: um homem que o acompanha, o
compara a Rafael. Ele acha neste sonho um homossexual e percebe ele mesmo que a
excitação anal sentida no começo da sessão estava relacionada a este sonho. (Ele conta ao
mesmo tempo o desaparecimento desta sensação). Pude fazê-lo notar que por duas vezes,
o conteúdo do sonho se manifesta na realidade, como se o doente houvesse contado uma
parte de seu sonho sem traduzi-la em palavras. Mas, da mesma maneira, pode-se
considerar um dos sintomas essenciais do doente como a citação de fantasmas latentes de
coito e de ejaculação. Efetivamente, a origem deste sintoma remonta a uma época na qual
uma moça havia levado nosso doente ao banheiro para se oferecer a ele. Ele teve então,
sem sombra de dúvidas, uma ereção.
Uma outra paciente nos mostra explosões de cólera completamente sem motivos.
Talvez ela esteja esgotada; após um longo período de repouso (pela primeira vez em sua
vida), ela só teve dois acessos de cólera, dos quais ela ainda é capaz de lembrar as causas;
no primeiro caso, alguém queria entrar no quarto onde ela se trocava e no segundo, uma
outra pessoa lhe perguntou coisas indiscretas demais. Juntemos a esta narração uma
importante recordação de infância: para lhe fazer abandonar suas práticas masturbatórias,
sua mãe a havia ameaçado de introduzir uma sonda na uretra; lembremos que a paciente
considera suas próprias explosões de cólera como forca exterior - e Não nos será difícil
fazer a interpolação necessária para a compreensão da situação: a paciente está tomada
pelo medo de uma penetração estranha, nutrindo um fantasma concernente a uma
penetração análoga.
Outro exemplo: o paciente descobre na sua infância, numa época em que seu
superEu está em desenvolvimento que seu pai (ou sua mãe), que ele ama profundamente,
cometeu um ato criminoso ( aí entra em jogo a construção que convém pertencer-lhe).
Ele também, identificando-se com a pessoa amada, desenvolve um superEu, que se
apoiando em exigências morais comanda também os atos amorosos. Isto permite tocar o
núcleo da neurose compulsiva. Freud estabelece uma relação entre interpretação e
construção, análoga é que existe entre tática e estratégia.
Freud estima que Não é sempre possível formar construções corretas. "A questão
que se coloca imediatamente, escreve ele, se refere é garantia que possuímos com relação
à validade de nossas construções. Não estamos expostos a erros e Não estamos arriscados
a comprometer o sucesso da cura pela aplicação de uma construção errônea?... A
experiência analítica nos ensina... que o engano, ao apresentar ao paciente uma
construção incorreta, como uma verdade histérica provocável, Não representa um estrago
irreparável, ou seja, perdemos tempo com esses erros e como conseqüência Não
contribuímos para o avanço da cura. Mas, um só erro na construção Não significa algo
grave. O que acontece num caso semelhante é a indiferença do paciente, que Não
responde nem por sim, nem por Não. Esta é uma maneira de diferenciar sua reação e,
*
Dizemos freqüentemente que só compreendemos realmente aquilo que já vivenciamos. Isso é
parcialmente correto. Certamente a vivência facilita a compreensão - mas, por outro lado,
esta mesma vivência nos dá um sentimento de que interpretamos cedo demais; antes mesmo de
qualquer confirmação dada pela objetividade. Temos a tendência de perdoar os outros de
acordo com o que nós mesmos já vivenciamos - ou, ao contrário, combater essas mesmas
coisas. Seja o que for, o fato subjetivo pode entravar nosso trabalho. Para evitar essa
confusão pela subjetividade, convém proceder à auto-análise.
mesmo se isto acontece, podemos chegar é conclusão de que nos enganamos, e podemos
reconhecê-lo ao paciente, sem por em risco nosso prestígio. A ocasião se apresenta no
momento em que surge novo material... Certamente exageramos no que se refere ao
perigo que há em "persuadir" o paciente, em lhe sugerir coisas nas quais o analista crê,
mas que o paciente Não quer admitir". (85, p. 48)
Talvez seja útil chamar a atenção para o fato de que, numa série de experiências
análogas (pode tratar-se de experiências relativas ao trauma primitivo), não há sempre a
nível individual, a série completa, mas somente os primeiros ou últimos termos. É o que
visa a preferência periférica (48) da vida psíquica infantil e inconsciente. 1
*
Expressão retirada da obra de Burkamp: Begrift und Beziehung (Conceito e Relação), p.67 e
seguintes. Em lógica, falamos do estado "objetos" que é oposto ao estado "conceitos".
Poderíamos chamar "conteúdos de base", os conteúdos do nível individual, por oposição aos
conteúdos derivados.
1
Como diz W Kohler a propósito de eletro-fisiologia : "Contours attract attention more
than homogoenous, field do" (In: Cerbral mechanisms in Behavior. Ed. by Loyd A. Jeffers.
Niley, Chapman and Hall. New-York-London, 1951 p. 44)
tela para outros traumas do nível individual. Sabemos, graças a Freud, que as lembranças
da infância são, elas mesmas interpretáveis; ou seja, que elas servem de tela a
experiências recalcadas no inconsciente. Seja uma menina que jogou um frasco de
perfume no cestinho de seu pequeno irmão, logo após seu nascimento - esta lembrança
irá se integrar numa experiência dolorosa; a menina que queria "acabar" com a diferença
sexual que ela acabara de observar. Entretanto, estas lembranças se revelam como sendo
lembranças - telas de um outro tipo, como produtos fantasmas; trata-se então de fazer a
distinção entre lembranças "autênticas" e lembranças "fantasmas"; estas últimas podendo
contradizer as primeiras. É importante fazer esta distinção, porque, depois do
reconhecimento de uma realidade psíquica, o trabalho analítico deve ainda superar um
obstáculo suplementar, se um conteúdo de experiência reclama, abusivamente, o lugar de
nível individual. A perspicácia psicológica do analista é igualmente colocada em prova
pela apresentação de lembranças (fantasmas) cujo caráter irreal é conhecido do paciente.
Sobre quais critérios decidir? Pode ser que os eventos traumatizantes trazidos no início
da análise sejam de tipo fantasmés e não mereçam ocupar um lugar a nível individual. A
fraqueza da instância moral pode igualmente favorecer a sustentação das lembranças
fantasmés. É com grande dificuldade e (como enfatiza Ferenczi), etapa por etapa que a
análise tem acesso à lembranças recalcadas e verdadeiramente reais do nível individual.
O analista se oferece ao paciente como objeto e "espera ser introjetado por este
último enquanto superEu. Mas, desde o início, sua única ambição é de se diferenciar dos
objetos arcaicos do paciente e, na medida do possível, conseguir que o paciente não o
como um (imago) arcaico, introjetando-o a seu superEu primitivo, mas como núcleo de
um superEu novo e separado (127, p. 73). "É que precisamente este objetivo esperado
graças ao comportamento e às interpretações do analista.
Fenichel acha que verifica-se se uma interpretação é justa, não pelo primeiro
"sim" ou "não" do analisando, mas pelo conjunto de reações do paciente. Segundo ele,
uma interpretação justa determina uma mudança dinâmica, que se manifesta nas
associações do analisando e em todo seu comportamento. (89, p. 32)
2
Tudo aquilo que aparenta ser sincero a eles mesmos, não o são forçosamente, se
consideramos o conjunto de sua vida psíquica. Aqueles que esquecem momentaneamente o
caráter mentiroso de suas declarações podem também ter o sentimento de serem sinceros. é
por isso que falamos da "sinceridade no sentido psicanalítico".
Nos perguntamos, no que segue, como Freud chegou a suas conclusões e
examinaremos à luz de alguns exemplos concretos, a estrutura lógica de seus resultados
científicos.
Em Balbwin, Freud podia ler o seguinte: "as relações entre a evolução individual
e a evolução da raça são tão estreitas (de fato, as duas evoluções são freqüentemente
idênticas) que é impossível de tratar claramente um de seus sujeitos sem considerar o
outro, os resultados obtidos no outro domínio(82, prefácio, p. X)".
B) Alguns dos exemplos concretos com tendência a mostrar a estrutura lógica dos
resultados científicos de Freud.
*
Encontramos freqüentemente, nas demonstrações de Freud, uma ausência total do "geral"
como princípio de explicação. Tomamos sua afirmação segundo a qual o pensamento é um
ensaio do ato com um mínimo de investimento de forças. Reconduzindo o pensamento a um
ensaio do ato, Freud elimina a possibilidade de ver no ato e no pensamento verbalizado as
manifestações de uma função "pensante" geral e comum aos dois.
um passo nessa direção, enfatizando que, se quisermos ser mais prudentes e exatos,
deveríamos nos limitar a dizer que os traços de caráter em questão são alimentados
somente pela fonte do instinto anal(52). Mas mesmo nesta formulação encontramos uma
atitude bastante clara diante da relação de causa e efeito. Como se explica essa atitude?
2. A segunda fase desta conduta, oferece uma indicação mais clara. Estamos
sempre no interior do sensível e do verificável e os fatos observados corroboram a
correlação. Com efeito, Freud diz que nos mesmos sujeitos, anomalias que se referem à
defecação, desaparecem após a infância, portanto, com o crescimento, a zona anal perde
sua importância erógena.
3. Aqui chegamos à terceira etapa, que não é mais um fato experimental, mas uma
"suposição" (vermutung) segundo a qual a constante da tríade característica se relaciona
ao enfraquecimento e ao desaparecimento progressivo do erotismo anal. Vemos que essa
suposição demanda uma sustentação, tanto quanto a proposição inversa: o
enfraquecimento do erotismo anal deve-se a um reforçamento (digamos constitucional)
de qualidades de ordem, etc... talvez bem aceitos.
*
Freud: Ein Kind wird geschlagen, Ges. Schriften, V. 344-373; "Bate-se numa criança",
R.F.P. 1933, 3, 3-4, 274-297.
de ver o pai castigar seu favorito; na segunda fase, trata-se de um prazer evidentemente
masoquista ; e na terceira fase, trata-se de um sentimento sádico - onanista.
3
Podemos acrescentar a esta argumentação, a ignorância em que nos encontramos relativa à
proporção de neuróticos compulsivos no conjunto dos doentes tratados. Poderíamos mostrar o
interesse metodológico de elementos negativos da demonstração. (O fato de que os três
outros doentes não são neuróticos compulsivos é desprovido de interesse? Com efeito,
constatações negativas permitem algumas vezes que a pesquisa científica realize um
verdadeiro passo adiante.
todos os fantasmas; estes, quanto mais próximos do núcleo, mais importantes são. Ora, a
semente que dá lugar às germinações é o Complexo de Édipo. Toda uma série de
observações clínicas mostram que convém se deter a esta hierarquia de valores, no
interior do sistema.
III - Nosso terceiro exemplo dá uma demonstração de uma lei geral do psiquismo.
Numerosas teorias psicológicas, anteriores às de Freud se ocupavam do princípio do
prazer e nele viam um dos pilares da vida psíquica.
Freud pensou, durante muito tempo, que esta era uma lei fundamental, a mais
geral de todas cuja adaptação ao princípio da realidade constitui somente uma
modificação devido à maturação. Mas, mais tarde em "Além do Princípio do Prazer", ele
postula uma função fundamental, ainda mais geral " a de eliminar as excitações do
aparelho psíquico e o princípio do prazer não seria mais que uma forma derivada desta
função ; numa outra tendência que não visa diretamente o princípio do prazer, a retenção
da repetição. Esta interrogação é tão mais importante que a nova teoria freudiana dos
instintos, que distingue entre instintos de vida e de morte, se baseia sobre o mesmo corpo
conceitual.
3. Uma vez mais o segmento decisivo foi dado por um conjunto de observações
feitas durante a análise. Se pedimos ao analisando que faça esforços para evocar suas
lembranças, pode ser que por um certo tempo ele se ocupe dessa tarefa, mas mais tarde
ele não evocará mais suas lembranças, no sentido psicológico do termo, mas a repetição
de situações de conflito e sentimentos ocorridos há muito tempo. Essas repetições surgem
do inconsciente recalcado e se relacionam, com freqüência a cenas penosas. O analisando
se dá conta de que elas não têm nenhuma relação com o prazer e que se trata de algo mais
elementar, mais primitivo e mais instintivo que o princípio do prazer; algo demoníaco
que lembra o destino singular de personagens submetidos a várias reprises do mesmo tipo
de infelicidade. Assim, se livrando de preconceitos, a observação clínica postula uma
compulsão arcaica de repetição.
4. O novo conceito assim delimitado não pode ficar fora do sistema, é preciso
integrá-lo no sistema conceitual da psicanálise. Para isto, é necessário elaborar conceitos
teóricos. Uma dessas concepções tomada como ponto de partida, o trauma; os sonhos dos
neuróticos traumáticos, onde se repete o evento traumatizante são bastante eloqüentes,
nesse ponto de vista. Sintetizando várias hipóteses, pode-se conceber que o psiquismo
desenvolve a angústia necessária para mobilizar forças contrárias àquelas que procuram
agir sobre ele, com a condição de que essas forças não sejam muito vigorosas. Do
contrário, o psiquismo se desarma e fica inerte contra a invasão súbita de grandes
energias. Após o trauma, o traumatizado reapresenta a si mesmo, a situação
traumatizante, a fim de "retomar" a angústia que não experimentou. Assim se esclarece a
relação entre compulsão de repetição da cena traumatizante e o princípio do prazer: a
primeira prepara o terreno para o triunfo ulterior do segundo.
Estamos diante do ponto crucial de toda esta demonstração: por que, apesar de
todas as objeções possíveis, Freud optou por sua tese? Não nos parece difícil declarar
aqui, um "a priori" do gênero que precede, obrigatoriamente, toda conclusão:
o da coesão unívoca e inteligível do psiquismo. Se o instinto não tende a repetir antigos
traumas, fora do sistema analítico, fora da continuidade, ele passa a ser parte integrante
do sistema, pelo intermédio de seus representantes.
Sobre a base do que foi exposto no capítulo precedente iremos tentar definir, na
medida do possível, as linhas diretrizes do sistema psicanalítico.
*
E. Laqueur coloca da seguinte maneira este problema de princípio da biologia: "A
extraordinária complexidade que encontramos no corpo de um indivíduo adulto é ela pré-
existente, embora, em parte, invisível, no gérmen (pré-formação), ou melhor o gérmen é
Por sua estrutura interna, a Psicanálise é, em parte, orientada para a epigênese.
Numerosos críticos da Psicanálise se enganam sobre sua essência, abordando certas
conclusões parciais a partir de uma outra concepção de evolução, e mesmo a partir da
negação de qualquer idéia evolucionária ( de um ponto de vista idealista,
fenomenológico, absoluto) sem ter claramente definida, a diferença entre seus pontos de
vista. Isto é particularmente verdadeiro para as críticas de cunho moral e religioso.
Se se admite que cada etapa de uma evolução (se ela não é pré-formada)
representa uma mudança, uma reação a um trauma, coloca-se uma ponte entre a
concepção epigenética da evolução e o fato, a ser explicado do aparecimento de novas
formas. Não é somente na Psicanálise que podemos justapor a concepção de catarse
(imagem espelho do trauma) e a concepção epigenética. Aristóteles, a quem devemos a
teoria médica da catarse, era um claro adversário da doutrina platônica da pré-existência
de idéias. Ele pensava que a vida era uma evolução perpétua a partir de uma
potencialidade, deixando em sua concepção algum lugar à uma "geratio equivoca"
Uma aplicação ainda mais audaciosa desse novo ponto de vista nos leva ainda
mais longe. Ferenczi recomendou o ponto de vista do utraquismo como um método
particular. Ele escreve: "Pouco a pouco, a minha convicção se reafirmava de que uma
introdução de conceitos de ciências naturais na psicologia e de conceitos psicológicos nas
ciências naturais era inevitável e talvez extraordinariamente estimulante... Em meus
trabalhos anteriores não exitava em recomendar esta fórmula de trabalhar que havia
denominado utraquismo, e expressar esperança de que ela permitiria à ciência responder
a questões que ela se mostrava incapaz de fazê-lo até então. Mas se nos permitirmos fazer
uma utilização mais ampla de analogias, até então pouco admitidas, é natural que
entremos em domínios longínquos. Com efeito, analogias surgidas de domínios vizinhos
passam facilmente por tautologias e não têm nenhum valor de prova. Nas proposições
científicas que querem formular julgamentos sintéticos e não analíticos, o sujeito do
enunciado não deve jamais se repetir. A formulação mais suscinta desta tese é a seguinte:
todo fato teórico - fisiológico pede uma explicação "metafísica" (psicológica) e toda
Psicologia pede uma explicação meta-psicológica (física).
Lembremos outra vez o "L'intelligence" de Taine que Freud lia com atenção em
1896. Achamos esta passagem: "Em geral, todo estado singular de inteligência deve ser o
assunto de uma monografia, pois é preciso ver o relógio desordenado para distinguir os
contrapesos que observamos num relógio que trabalha bem... A história natural do sonho
e do erro nos dá a chave para a história natural do estado de vigília e da inteligência.
(79,i.p.15 e II p. 51)."
III
O CONTROLE
A exigência, segundo a qual nossas afirmações devem poder ser controladas por
ações realizáveis, impõe limites à aplicação dos conceitos. Para que uma afirmação à
aplicação seja controlável, é necessário que os conceitos que ela utiliza o sejam
de nossa metodologia, definidos levando-se em conta este princípio. Mas faltaria fazer o
justapostos e colocados em correlação. Nós lemos, por exemplo: "nós nomeamos ativo o
indivíduo [que agride] seu objeto sexual, o conquista, e passivo o que se abandona a seu
geralmente efetuados pelo macho enquanto que nas fêmeas observa-se, em geral, um
O sinal de igualdade posto entre ativo e masculino pode muito bem ser explicado
por certas idéias preconcebidas: é assim que em certas épocas a moral sexual deseja que
o macho seja ativo e a fêmea passiva. Mas é sempre a um certo tipo de atividade que se
pema e a qual não diz respeito à atividade sexual específica da fêmea, a que se manifesta,
por exemplo, na coqueteria ou na sedução. Por outro lado, muitos homens querem, por
uma angústia neurótica, que a mulher tenha um papel puramente passivo no ato sexual.
Ora, uma vez livre (débarassé) de sua idéia preconceituosas, determinadas pela história
fundamento biológico (V. por exemplo, a "apresentação" da macaca 67); que a tendência
e que, enfim, a pretensa passividade da mulher no ato sexual repousa sobre uma confusão
que se opõe aqui é uma vontade ativa de penetração a uma vontade também ativa de
recepção.
não faça parte integrante da alma e que as exigências morais não apareçam que pela
transbordante] (24).
Certos autores, dos quais eu mesmo, têm sempre insistido sobre a distinção entre
se assim sobre este assunto: "deve-se considerar instintos e órgãos de um ponto de vista
explicavam pelo fato de que ela continha elementos diversos. Craig, aliás, decompôs a
ab-reação. Este último elemento foi designado por Lorenz sob o nome de movimento de
instinto, mas ele pode, por sua vez, comportar elementos diversos tais como reflexos,
estereotipada... Sua primeira realização revela uma ação condicionada pelo instinto
apaziguar o instinto... Como não se pode reconhecer o instinto a não ser pela sua
manifestação, seus efeitos sobre o comportamento do animal, nós não dispomos ainda de
uma definição satisfatória de sua essência (142). "Esta descrição parece justificar levar-se
em conta a noção de libido enquanto energia instintual da pulsão sexual, e mostra, ao
mesmo tempo, a audácia que há em se trabalhar com as noções de pulsão de vida e pulsão
de morte (que dever-se-ia chamar "mortido" segundo Federn, 88). A palavra pulsão
alimenta.
homem (90) é, hoje em dia, universalmente aceito. "Se admitimos que os macacos
antropóides são nossos parentes mais próximos no reino animal, somos levados a
considerar a capacidade da criança a se dependurar com a ajuda de seus braços como uma
sobrevivência da época em que nossos ancestrais seguravam seus filhotes sobre si como
mãos, não é mais que uma propriedade familiar a de uma criança que, com seus braços,
uma forma mecânica como se faz na psicologia dos animais inferiores. "Para a
modo de comportamento fixo como uma habilidade que emerge pouco a pouco, que
segue uma evolução mais ou menos estável], que difere de um animal para outro, que só
O que vale para os pequenos animais vale igualmente para o pequeno homem [le
petit de l'homme], onde não se pode perder de vista a longa evolução, nem sua
trabalho de controle. É necessário, além disso, exigir: a) que o conceito seja provido ao
anexas são, para a projeção, uma orientação olfativa e térmica complexa e para a
pode e deve-se sempre [ter sucesso na produção de prova de uma orientação olfativa e
controle são muito mais complexas em razão da estrutura desta noção. Freud encontra no
verdadeiro Supereu uma instância moral interior, semelhante ao Eu, interior no sentido de
que esta instância não é equivalente ao medo do castigo exterior. O verdadeiro Supereu
indicação de direção que tomará a verificação. Será indispensável, sempre, poder provar
pessoa exterior que inspire o medo e o que age não é um conteúdo psíquico, mas um
sistema.
acesso a um alimento; se este permanece escondido durante algum tempo, o animal não
ou do basta que o indivíduo dominante esteja ausente para que os hábitos adquiridos
sejam prontamente abandonados. Os macacos, que não querem se separar do cadáver de
seu parceiro amoroso ou de seu filho, não mostra nenhum sinal de apego a estes seres
estes fenômenos se confrontam com o fato de que o inconsciente não conhece a negação.
Por conhecer a fidelidade ao não - presente, falta dar mais um passo na evolução. De
acordo com Freud, esta direção de evolução está relacionada com o destino da angústia
conduzir à castração o sentido da angústia, vai de par com uma atitude que tende a
valorizar a falta. Porém, considerar esta direção da evolução como ligada à perda do
objeto ele mesmo e não à angústia de castração, quer dizer ao desapego especial do
efeito, que a presença constante da pessoa a ser respeitada (do pai) entrava a formação do
demonstrada pela especificidade de sua evolução histórica, por aquela do material a ser
trabalhado e por aquela de seu modo de trabalho. O Isso é o sistema psíquico original, o
(
5) Acontece que, secundariamente, a ausência seja utilizada para retroativar imagens
internas através das formações do tipo alucinatória (Representação de Deus).
O Isso trabalha com o turbilhão dos instintos, o inconsciente com - entre outros -
do verdadeiro Supereu nas definições deste tipo? Freud nos indica - e de um modo
valores ideais da moral e da lógica. Seu modo de trabalho específico - e aqui, nos
lado, a moral comporta a valorização dos atos realizados depois de muito tempo. Os atos
repreensíveis são também os atos que não querem se apagar, que não podem ser
esquecidos.
Ao lado destes critérios específicos e controláveis do verdadeiro Supereu, pode-se
indicar circunstâncias que se anesas manifestam com um vigor particular durante a
análise. Trata-se de um critério do caráter moral no qual parece se encarnar uma idéia de
Bálint que concebe as qualidades do caráter como as qualidades do modo de amar (32).
Aquele que desenvolveu apenas um pseudo-Supereu no seu psiquismo pode [manifestar-
se] facilmente uma pessoa imoral, mas o que é dirigido para um verdadeiro Supereu
experimentará a repugnância ao se relacionar com pessoas moralmente repreensíveis.
Na verdade, em razão do caráter inconstante do sistema, os fatos reais são mais
complexos que a breve descrição que acabamos de dar possa deixar supor. Por exemplo,
o sentimento de culpabilidade pode pertencer tanto ao pseudo-Supereu quanto ao
verdadeiro Supereu. Dois tipos de distinções importantes devem ser feitas na estrutura
destes sentimentos de culpabilidade. O Eu coletivo não conhece ainda o pecado absoluto,
porém o verdadeiro Supereu define as normas absolutas; ele se exterioriza por símbolos
auditivos e símbolos de dor, enquanto o pseudo-Supereu é, antes, submisso a uma
orientação olfativa e térmica. O pseudo-Supereu não conhece a redenção do desenrolar
temporal, enquanto que a verdadeira consciência moral é sensível ao tempo,
especialmente nas noções de contrição e punição
2. Sobre o controle da pesquisa em psicanálise.
O controle da pesquisa em psicanálise pode se efetuar de duas formas [approches]
diferentes: de um lado, pelo trabalho de interpretação prático-terapêutico, e de outro, pela
estrutura científica.
Na interpretação prático-terapêutica, a precisão do procedimento empregado
pode ser confirmada pelo fato de que o analisando admite que as idéias "descobertas"
pelo paciente, a saber que qualquer coisa foi "divinamente boa" e o paciente se recorda,
então de ter realmente escutado esta expressão, na véspera, em sociedade.) Pode também
ter confirmações exteriores, por exemplo, por membros da família. No entanto, não é
(Contudo, mesmo se qualquer coisa é negada por todos que o cercam [par l'entrourage],
de sua infância o qual o analisando afirma jamais ter tido conhecimento. É assim que eu
contou, em grande segredo, que ele a tomava por sua mãe e que ele não sabia nada de sua
verdadeira mãe, morta quando ele era ainda bebê. Ela me pediu guardar segredo. Porém,
formulei desde o início, e com muita precaução, as interpretações que caminhavam neste
sentido, até o dia que a criança revelou, ele mesmo, sua dúvida concernente a uma
infância indicavam, igualmente, que a criança considerava sua madrasta como uma
estranha. Além disso, este caso fornece uma excelente ilustração de minha concepção,
Trata-se de uma parte da reação psicanalítica positiva mas nós sabemos, graças a Freud,
que existe também uma reação terapêutica negativa, quando uma de nossas descobertas
tempo mais ou menos longe. Só então ter-se-à uma idéia do todo do desenvolvimento da
análise.
Não se deve perde de vista o fato de que - mesmo no caso de uma interpretação
abarcar a totalidade, mas somente uma parte do conteúdo da interpretação. Seja dada a
hipótese permite, talvez, obter bons resultados, porém a força que prova o controle
concerne somente à representação - ela mesma - e não sua natureza original, visto que a
continuação mostra claramente que os órgãos genitais da mãe eram muito claramente
"mãe fálica" não era, pois, que uma medida de defesa (144).
3. A cura. - mas este critério deve ser manuseado com prudência; eu já indiquei, a
Não se deve, com efeito, perder de vista a possibilidade de uma cura espontânea -
sintomas pode ser senão um engodo produzido ao acaso pela resistência (cf. o capítulo
doente podem ser vítimas desta aparência se, ao fim de dois ou três meses, o doente se
sente livre de seus sintomas. Porém, se o analista não se deixa enganar e se o trabalho
continua, eles não tardarão a perceber, um e outro, que eles iriam construir sobre a areia.
Todos que tenham compreendido a verdadeira natureza da psicanálise sabem que alguns
meses de trabalho são, em geral, insuficientes para uma revelação integral da alma.
limitá-la ao lugar e extensão; a força sugestiva deve servir unicamente para contribuir no
domínio das resistências, e não deve, em nenhum caso, permitir ao analista reivindicar
este faz sua aparição, a analista o considerará como uma transferência e se esforçará para
que, se ela pode efetivamente sobrevir em qualquer mês, nada garante sua eficácia.
tornar-se mais indulgente para com tudo que é humano. Tudo isto toca em uma
recalcado permite ao indivíduo retificar seu comportamento, suas concepções, toda sua
orientação. (Assim, o jovem que, quando entrou em análise cria - em razão de seus
recalcamentos - que o coito era anal, verá se modificar toda sua atitude para com a vida
sexual, se ele chega a substituir suas idéias errôneas pelas corretas). Ver alguém que se
ocupa de você, escuta-o sem procurar sancioná-lo, mas tentando compreendê-lo, melhora
a estima que o analisado tem por si mesmo - e, por outro lado, o doente, o qual o amor
O analisado será tentado a submeter seus ideais a um exame crítico, ele será,
assim, levado a entrever o elemento humano no que ele havia divinizado. Ele descobrirá,
talvez, que uma dolorosa falta de sinceridade penetra sua vida, visto que seu irmão
primogênito, que ele amava calorosamente, e que lhe servia de modelo, freqüentemente
faltou de franqueza, o que o paciente não queria jamais confessar a si mesmo. Porém,
procedendo assim, ele poderá fabricar novos ideais, mais próximos da vida.
novo Supereu, graças à imagem do analista, conduz" ... a uma pós-educação do neurótico
e pode retificar certos erros, os quais os pais foram responsáveis na educação dada. É, por
outro lado, sobre este ponto que convém não medir a influência que se teve. Por mais
tentado que possa estar o analista de tornar-se o educador, o modelo e o ideal de seus
pacientes, qualquer desejo que ele tenha de os moldar à sua imagem, deve se lembrar que
este não é o objetivo que ele procura alcançar na análise mesmo que falhe na sua tarefa,
deixando-se conduzir nesta inclinação. Agindo com sorte, ele somente repetirá o erro dos
por uma nova. O analista, desde que ele se esforce por melhorar, por educar seu paciente,
deve sempre respeitar a personalidade deste. O grau de influência do qual ele poderá
atual do paciente. Certos neuróticos permanecem a tal ponto infantis que convém, mesmo
que nomeamos "sugestão", pois ela revela uma importância particular na marcha da
análise. Sua teoria e sua prática foram elaboradas por Ferenczi; este tomou como ponto
de partida uma experiência freudiana de analista: ele chega, durante a análise, a suscitar
princípio do prazer e que vão para além da luta contra as resistências; por exemplo, a
senso ferencziano não diz respeito à intervenção precoce e artificial do analista nas
processo já foi estudado no capítulo consagrado à ab-reação dos afetos. Graças à análise,
que, a partir de lá, conduzem à gênese das formações psíquicas mais elevadas (70).
Nunberg que, na cura, atribui um papel importante à colaboração sintética dos três
sistemas, crê também que a cura deve muito à capacidade, adquirida pelo Eu no curso da
análise, de suportar o desprazer (71). Na minha opinião, estes dois aspectos da cura são
quais é impossível satisfazer podem, assim, ser sublimados - por exemplo, uma atitude
sádica pode dar lugar à firmeza do caráter e a uma atenção acurada afinada às exigências
morais. O neurótico cessa, assim, de ser insuportável, sem consideração por seu próximo,
vê suas ambivalências se atenuarem e ele mesmo tornar-se mais apto ao amor, mais digno
de ser amado. Uma condição importante desta evolução é a renúncia que deve
analista dão lugar a uma relação mais independente. O analista deve tornar-se alguém
A propósito das duas mudanças das quais acabamos de falar, convém levar em
doença, esgotamento, etc, a força do Eu diminui, os instintos até então dominados com
sucesso podem reivindicar o direito à fala (115, P, 69-70". Segundo Freud, a ação própria
disponha de meios, depois da análise, "de responder às exigências superiores às quais ele
estabelecimento destas novas relações levam à destruição dos elementos antigos - ou, em
desliga dos objetos de libido e de ódio que perderam todo senso real e não constituem
mais que pontos de fixação inconscientes. O Supereu torna-se mais tolerante e este efeito
não é passageiro, é durável. A análise das resistências está a serviço deste objetivo da
transferências, o trabalho analítico obtém seu melhor resultado se, ao fim da análise, o
analisado declara ter "sempre sabido" o que aprendeu (no que ele tem razão, já que nada
aprendeu que o seu inconsciente não soubesse) e se, à sua vista e na vista do seu grupo, a
análise fez dele "um outro homem". Apenas, este outro homem não difere em nada do
qual ele era antes da análise, ele ama a mesma pessoa que antes, à condição que ela lhe
convenha, mas ele sabe também se separar daquela à qual estava ligado apenas pela força
da inércia; ele sabe, também, reconciliar-se consigo mesmo e com seus adversários,
estando entendido que era ele mesmo a fonte de sua diferença, ele não deve renunciar a
seus ideais nobres, na medida que eles não sejam irreais e saberá com mais força e
"A conversão, quer dizer, a substituição dos recalques moderados por uma mestra
segura aprovada pelo Eu, só pode ter sucesso parcialmente; certas partes do antigo
mecanismo não podem ter sido demolidas pelo trabalho analítico... O que não é sempre
possível assegurar suficientemente as bases da dominação dos instintos. Deve-se levar
em conta a viscosidade da libido, uma libido muito móvel pode rapidamente aniquilar
todo sucesso terapêutico (115, p 73-74, 87) (15, p. 73-74, 87)."
E Meng coloca a questão: O que é eficaz? A que se deve dar prioridade? Nós
pensamos que são eficazes, antes de tudo:
1 - As relações inter-humanas conscientes e inconscientes da situação analítica.
2 - O efeito-choque das descobertas no "Aha-Erlebnis" no processo de
conhecimento de si.
3 - As experiências produtivas de contato, de distância e de tato.
4 - A tolerância relativa às faltas e às realizações.
5 - O comportamento exemplar do terapeuta.
6 - Uma nova atitude com relação à vida e a morte.
7 - A possibilidade dada à supremacia do espírito.
8 - A capacidade de aceitar esta palavra de Nietzsche: "Deve-se ter a coragem de
admitir o que se sabe". Nietzsche estima: "mesmo os mais corajosos dentre nós raramente
têm a coragem de admitir o que eles sabem". "Lá, onde havia o Isso, deve haver o Eu
(Freud)".
9 - Compreender a verdade desta palavra de Freud: (O Eu é o Isso) "Para o Eu,
viver é ser amado pelo Supereu que, aqui, é também representante do Isso".
10 - Remanejamento das relações inter-humanas. Na transferência realizam-se
mesmo tempo, lá onde, em outro tempo, nós só formulávamos julgamentos. (Meng, 145,
p. 31-32)."
psicanálise. De quais pontos de apoio dispõe uma tal crítica, sendo entendido que o
controle prático, que está fora de sua competência, não conta ou deve ser considerado
como regrado?
Uma das visões desta crítica consiste na exposição da metodologia com a tarefa
dos conceitos. Em que medida o método analítico, é ele suscetível de ser exposto
presente obra, ela mesma, poderia constituir um elemento de resposta a esta questão. Em
todo estado de causa, a crítica não deve perder de vista que um método sem lacunas e
sem nenhuma contradição só pode ser de uma ciência morta. A ciência deve progredir
antes mesmo que sejam resolvidos todos os problemas práticos e teóricos - ora, estes
naturais (b).
(Ad a): a psicologia animal parece dispor de tais resultados. Entretanto, para que
eles sejam próximos dos resultados analíticos, é necessário que esta psicologia animal se
ocupe dos animais superiores, quer dizer da psicologia dos macacos. Em muitos dos
possibilidade de controle ainda mais importante se, de um lado, ela é isenta da influência
das interpretações analíticas, o que raramente é o caso nos dados da literatura e, de outro
de base, sobretudo se, como no caso de Róheim, ela trabalha utilizando o método
analítico.
ser humano impõe tarefas cuja crítica poderia beneficiar. Nós não pensamos somente na
pesquisa no domínio da secreção química interna, naquela Freud via uma das bases
futuras da teoria analítica. Uma pesquisa orientada em direção à anatomia cujo plano
teria podido ser traçado por Johannes Müller ( 7 ) e uma pesquisa em fisiologia nervosa
cujas bases teriam sido efetivamente lançadas pelo mesmo Müller ( 8 ) são chamadas a
7
( ) Müller encontrou - mas talvez estaria ele enganado? - um substrato anatômico
específico da credibilidade nas artérias periféricas. Em todo estado de causa, a crítica
dirigida contra ele não levou em conta a existência das zonas erógenas.
8
( ) Cada um pôde experimentar o incômodo que se verifica de não se compreender o libido a
não ser em plano conceitual, já que nós não dispomos de nenhum método capaz de provar a
existência objetiva desta mesma libido. No seu manual consagrado à fisiologia do homem,
Tomo II. 1838, P. 497 - 498, Johannes Müller escreveu: "Se a sensação das vibrações
aumenta e tem por sede as partes excitáveis do corpo como, por exemplo, os lábios, ela
pode tomar a forma do estímulo que produz a sensação de cócegas, como se aproximássemos
dos lábios um diapasão vibrante. Obtém-se facilmente uma sensação análoga sobre a língua,
sempre por vibrações. Seria, então, possível formular a hipótese segundo a qual as
sensações de cócegas obtidas por outras vias, por contato, balanço, etc. e a volúpia,
clarear muitas coisas. "O futuro nos ensinará, esperamo-lo, a agir diretamente, com o
(75, P 51)".
(1906 - 1908) e os Diagnósticos psicológicos dos fatos (146) do mesmo autor, assim
estreitamente determinado (149). Crosland demonstrou a mesma tese com mais método
(148). Symonds dava aos sujeitos de sua experiência a instrução de responder tão rápido
individuais são indispensáveis (149). Luria recorreu à hipnose para demonstrar que as
de verificação. Freud, ele mesmo, como foi indicado acima (III. 5. point 4.) recorreu a
despertada de boa hora era a componente sádica, devia ser confirmada pelo fato que os
que um recalque tardio do sadismo desencadeou uma disposição a esta mesma neurose.
"Não parece que o resultado fornecido pelo exame clínico contradiz esta hipótese. Entre
as seis observações sobre o estudo aprofundado nas quais este curto estudo está baseado,
havia dois casos de neurose obsessiva: o primeiro muito grave, desorganizando toda a
caso apresentava, pelo menos, alguns traços claros de neurose obsessiva. Certamente, o
quarto caso era uma simples histeria com dores e inibições e, no quinto caso, havia-se
recorrido à psicanálise somente por indecisões... Que esta estatística não nos [deçoive].
além disso, nós devemos nos estimar contentes em explicar os fatos positivos, sem nos
crermos obrigados a precisar porque tal ou tal coisa não aconteceu (53, p. 348. Tradução
francesa de H. Hoesti)".
tratamento.
Não é por acaso se, falando do problema do sucesso terapêutico, Meng evoca
declarou que, para ele, os neuróticos compulsivos eram os seres os mais cansativos. A
viam seu estado melhorar". No que concerne os perversos, de acesso tão difícil, Meng
sublima: "Segundo minhas estimativas, a porcentagem de sucesso é mais alta que para as
A propósito da crítica, convém não publicar que não se trata de uma crítica
objetiva a questão aqui. Porém cada um sabe a que ponto é difícil guardar objetividade
nesta matéria. Como sublinhou Freud muitas vezes, a crítica é influenciada pelos mesmos
ferido não somente pelas agressões inerentes à análise, mas também por cada novidade.
desvios em relação á atmosfera amigável de base que, só, é capaz de garantir o objetivo,
9
( ) O mais propalado destes contra-sensos é o da "pansexualidade".
receptáculos adequados... Esta é uma das mais graves mensagens que os médicos jamais
proferiram..." "Os loucos são numerosos e difíceis de reconhecer..." (72). "A obra de
Harvey (excitatio de motu cordis et sanguinis in animalibus, 1628) desencadeou uma
verdadeira tempestade... Ataques e objeções chuveram de todos os lados, nos debates no
tom compassado como nas polêmicas as mais vulgares e a arma dos invejosos,
adversários de toda descoberta nova, não tardava a vir à recusa, afirmando que não havia
nada de novo sob o sol, que Salomão e Platão já sabiam tudo sobre a circulação do
sangue... apresentava-se de modo irônico como um dissecador de insetos, de sapos e de
outros répteis; seus colegas invejosos elevavam os ombros e declararam que ele estava
louco... (73)". Esta sorte de "crítica" não poupou a psicanálise tão pouco.
Donde vem este insulto, tão freqüentemente repetido, da loucura? É qualquer
coisa de novo em relação aos insultos habituais nos quais se gratifica a análise, ainda que
ela não seja totalmente desconhecida. Bem entendido, todos os que levantam idéias novas
são loucos... (v. o caso de J.R.Mayer) mas não é lá o que se pode chamar crítica
"objetiva".
Não é por acaso se este epíteto é tão freqüentemente empregado pela crítica
científica; para se descobrir as razões, basta volver os olhos sobre a evolução histórico-
cultural da crítica. Nos tempos antigos, uma instituição, aquela do "Bobo do rei" velou
para que se pudesse sempre dizer a verdade aos poderosos. ( 10 ) É esta atitude que é
sempre atribuída aos que dizem a verdade, são apresentados sempre como "bobos".
Enunciar a verdade, indicar logo após um gesto que em realidade "é o louco que fala
assim", que não há lugar para escandalizar-se, mas que convém dar livre carso (catártico)
ao afeto resplandecente de rir, a fim de não expor um lugar no inconsciente a esta recente
10
( ) O Arlequim de M. Möser escreve: Contanto que eu não deixe atravessar nenhuma maldade,
eu possa, com a candura de meu estado, revelar atrevidamente as faltas mais graves e as
mais leves, sem ferir de nenhum modo a suscetibilidade da pessoa visada. Esta terá
vergonha de se ofender a propósito de um louco, o que não o impedirá de aprender a lição."
- De um modo geral, toda arte do bobo do rei consiste em fazer rir. Ele dispõe em todo
tempo, do privilégio de dizer a verdade nas situações onde teria sido perigoso para outros
fazer revelações tão comprometedoras. - Segundo Schuppius, não existem loucos mais
burlescos que os loucos sábios, os que não querem admitir que são loucos, mas defendem sua
loucura com as armas da gramática e da lógica; (Cf. K. Fr. Flügel, Geschichte der
Hofnarren (História dos bobos do rei) 1789, P. 22-24). Nas suas vestes folclóricos, o
louco aparece "como um demônio vegetativo [thériomorphiquement] caracterizado. O chapéu e
o [fouet] são os símbolos penianos (74)". Veja aqui uma das origens da "pansexualidade",
atribuída à psicanálise.
descoberta - esta é a visão que a verdade deve, obrigatoriamente, tomar emprestado em
presença dos poderosos.