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Informe Agropecuário
Uma publicação da EPAMIG
v.28 n.238 maio/jun. 2007
Belo Horizonte-MG

Sumário
Editorial ............................................................................................................................. 3

Entrevista .......................................................................................................................... 4

Panorama do setor de lácteo


Marco Aurélio Marques Ferreira, Ronaldo Perez e Luiz Antônio Abrantes .................. 7

Evolução da legislação no setor de lácteos no Brasil


Vanessa Aglaê Martins Teodoro, Jader Fontoura da Silva e
Maximiliano Soares Pinto ............................................................................................... 1 4
Apresentação
Legislação brasileira de produtos lácteos com alegação de
A produção de leite no Brasil constitui uma das propriedades funcionais
principais atividades agropecuárias em função de Paulo César Stringheta, Miriam Aparecida Pinto Vilela e
Tânia Toledo de Oliveira ................................................................................................ 22
sua importância social e econômica. Representa
um dos principais setores em geração de renda Bactérias psicrotróficas e importância de seu controle
nacional e arrecadação tributária. Dentre os Estados na cadeia produtiva do leite
brasileiros, Minas Gerais destaca-se como maior Cláudia Lúcia de Oliveira Pinto, Maurílio Lopes Martins e
Maria Cristina Dantas Vanetti .......................................................................................... 29
produtor do País.
Investimentos contínuos em pesquisas voltadas Bactérias patogênicas em leite e produtos lácteos
para a melhoria da qualidade e produtividade do Maria Cristina Dantas Vanetti ........................................................................................ 38

leite, adequação e modernização da legislação, de- Mastite bovina e seus reflexos na cadeia do leite
senvolvimento de processos e produtos e comer- Heloiza Maria de Souza, Cláudia Lúcia de Oliveira Pinto, Clarice Bechara Meurer,
cialização são importantes e necessários para pro- Bethânia Maria Rodrigues Alves, Adauto de Matos Lemos e Claudia Galvão Reis .... 44
mover a competitividade e estimular o consumo Resíduos de antibióticos e seus impactos na produção e consumo do leite
interno e externo dos produtos lácteos nacionais. Daniel Arantes Pereira ..................................................................................................... 51
Esta edição do Informe Agropecuário apresenta
Queijo de coalho: características e tecnologia
temas relevantes para a agroindústria de leite e de-
Denise Sobral, Junio César Jacinto de Paula e Paulo Henrique Fonseca da Silva ....... 57
rivados relacionados com a obtenção de produtos
lácteos de alto valor agregado. Os artigos técnico- Queijo Minas artesanal: acompanhamento de características físico-químicas
do queijo produzido na região do Serro
científicos foram redigidos por pesquisadores, pro-
Danielle Braga Chelini Pereira, Gisela de Magalhães Machado,
fessores e técnicos experientes na área e contem- Márcia Aparecida Crivellari Porto e Alcy Laender de Brito ........................................... 64
plam aspectos da produção de leite e sua impor-
Tecnologia para a fabricação de doce de leite
tância socioeconômica, legislação, qualidade, pro-
Ítalo Tuler Perrone .......................................................................................................... 67
cessos, além de estratégias para difusão de tecno-
logia, com novos conceitos sobre a ampliação de Efeito do tratamento térmico do leite sobre as características físico-químicas,
microbiológicas e sensoriais de iogurte e bebida láctea fermentada
mercado e inserção dos produtores.
Maximiliano Soares Pinto e Vanessa Aglaê Martins Teodoro ........................................ 75
Cláudia Lúcia de Oliveira Pinto Projeto Via Láctea Miniusina de leite: uma inovação da EPAMIG-CT/ILCT
Luiza Carvalhaes de Albuquerque para transferência e difusão de tecnologia
Maria Regina de Miranda Souza Nelson Luiz Tenchini de Macedo e Luiza Carvalhaes de Albuquerque ........................ 80

ISSN 0100-3364

Informe Agropecuário Belo Horizonte v. 28 n. 238 p. 1-84 maio/jun. 2007

1 - sumário.p65 1 27/06/2007, 13:20


© 1977 EPAMIG Informe Agropecuário é uma publicação da
ISSN 0100-3364
Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais
INPI: 006505007
EPAMIG

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Álvaro Sevarolli Capute
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COMITÊ EDITORIAL DA REVISTA INFORME AGROPECUÁRIO
Cristina Barbosa Assis técnicos seguiu a nomenclatura proposta pelos autores de cada artigo.
Departamento de Transferência e Difusão de Tecnologia
Vânia Lacerda O prazo para divulgação de errata expira seis meses após a data de
Divisão de Publicações publicação da edição.
Maria Lélia Rodriguez Simão
Departamento de Pesquisa
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José Joaquim Ferreira
Programa Produção de Leite
Aquisição de exemplares
Fernando Antônio Resplande Magalhães
Programa Processamento Agroindustrial Setor Comercial de Publicação
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Embrapa Caixa Postal, 515 - CEP 31170-000 Belo Horizonte - MG
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Editor-técnico E-mail: publicacao@epamig.br - Site: www.epamig.br
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PRODUÇÃO
DEPARTAMENTO DE TRANSFERÊNCIA E DIFUSÃO DE TECNOLOGIA
DIVISÃO DE PUBLICAÇÕES
Informe Agropecuário. - v.3, n.25 - (jan. 1977) - . - Belo
EDITOR-EXECUTIVO Horizonte: EPAMIG, 1977 - .
Vânia Lacerda v.: il.

COORDENAÇÃO TÉCNICA
Cont. de Informe Agropecuário: conjuntura e estatísti-
Cláudia Lúcia de Oliveira Pinto, Luiza Carvalhaes de Albuquerque
ca. - v.1, n.1 - (abr.1975).
e Maria Regina de Miranda Souza
ISSN 0100-3364
REVISÃO LINGÜÍSTICA E GRÁFICA
Marlene A. Ribeiro Gomide e Rosely A. R. Battista Pereira 1. Agropecuária - Periódico. 2. Agropecuária - Aspecto
Econômico. I. EPAMIG.
NORMALIZAÇÃO
Fátima Rocha Gomes e Maria Lúcia de Melo Silveira CDD 630.5

PRODUÇÃO E ARTE
Diagramação/formatação: Rosangela Maria Mota Ennes, O Informe Agropecuário é indexado na
Maria Alice Vieira, Fabriciano Chaves Amaral e Letícia Martinez AGROBASE, CAB INTERNATIONAL e AGRIS
Capa: Letícia Martinez

PUBLICIDADE Governo do Estado de Minas Gerais


Décio Corrêa Secretaria de Estado de Agricultura,
Av. José Cândido da Silveira, 1.647 - Cidade Nova
Caixa Postal, 515 - CEP 31170-000 Belo Horizonte-MG Pecuária e Abastecimento
Telefone: (31) 3489-5076 Sistema Estadual de Pesquisa Agropecuária
deciocorrea@epamig.br EPAMIG, UFLA, UFMG, UFV

2 - folha de expediente.p65 2 26/06/2007, 09:34


Governo do Estado de Minas Gerais
Aécio Neves
Governador
Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Gilman Viana Rodrigues
Secretário
Tecnologia é fundamental
Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais
para a qualidade de leite
e derivados
Conselho de Administração
Gilman Viana Rodrigues
Baldonedo Arthur Napoleão
Silvio Crestana
Maria Lélia Rodriguez Simão
Osmar Aleixo Rodrigues Filho
Décio Bruxel O Brasil está entre os principais produtores mundiais de
Sandra Gesteira Coelho
Adauto Ferreira Barcelos leite; sendo a produção impulsionada especialmente pelo cresci-
Willian Brandt
Joanito Campos Júnior mento populacional. Ocupa a sétima posição e responde por 4,4%
Helton Mattana Saturnino
Conselho Fiscal da produção mundial, com 23,3 bilhões de litros de leite por ano,
Carmo Robilota Zeitune
Heli de Oliveira Penido com produtividade média de 1.181 litros/vaca/ano para atender
José Clementino dos Santos
Evandro de Oliveira Neiva a um consumo per capita médio de 137 litros/hab./ano.
Márcia Dias da Cruz
Celso Costa Moreira A cadeia produtiva do leite é uma das mais importantes do
Presidência
Baldonedo Arthur Napoleão
País no setor agropecuário. Alterações estruturais durante a última
Diretoria de Operações Técnicas década, como o aumento da produção, a redução do número de
Enilson Abrahão
Diretoria de Administração e Finanças produtores, a queda no preço pago ao produtor, o aumento da
Luiz Carlos Gomes Guerra
Gabinete da Presidência preocupação com a segurança alimentar diante da expansão dos
Álvaro Sevarolli Capute
mercados interno e externo e a recente normatização da produção
Assessoria de Comunicação
Roseney Maria de Oliveira de leite no País, são fatores que têm estimulado as indústrias de
Assessoria de Desenvolvimento Organizacional
Ronara Dias Adorno laticínios a terem um maior rigor na seleção da matéria-prima, e
Assessoria de Informática
Renato Damasceno Netto a implantarem programas de pagamento de leite por qualidade,
Assessoria Jurídica
Nuno Miguel Branco de Sá Viana Rebelo em detrimento aos antigos modelos com base no pagamento por
Assessoria de Planejamento e Coordenação
José Roberto Enoque
volume de leite. Atualmente, a qualidade da matéria-prima é um
Assessoria de Relações Institucionais dos maiores entraves ao desenvolvimento tecnológico e à conso-
Júlia Salles Tavares Mendes
Assessoria de Unidades do Interior lidação da indústria de laticínios no Brasil.
Carlos Alberto Naves Carneiro
Auditoria Interna Diante desse cenário, a pesquisa, a difusão e a transferência
Carlos Roberto Ditadi
de tecnologias para a cadeia produtiva do leite tornam-se vitais,
Departamento de Transferência e Difusão de Tecnologia
Cristina Barbosa Assis dando suporte ao crescimento do setor agroindustrial de leite e
Departamento de Pesquisa
Maria Lélia Rodriguez Simão derivados. A EPAMIG vem contribuindo para o desenvolvimento
Departamento de Negócios Tecnológicos
Artur Fernandes Gonçalves Filho do setor laticinista por meio de pesquisas e novas tecnologias
Departamento de Prospecção de Demandas
Juliana Carvalho Simões geradas pelo Centro Tecnológico/Instituto de Laticínios Cândido
Departamento de Recursos Humanos
Flávio Luiz Magela Peixoto Tostes (CT/ILCT), em Juiz de Fora, pioneiro em estudos sobre leite
Departamento de Patrimônio e Administração Geral
Mary Aparecida Dias e derivados no País.
Departamento de Obras e Transportes
Luiz Fernando Drummond Alves Esta edição do Informe Agropecuário apresenta um pano-
Departamento de Contabilidade e Finanças rama do setor lácteo no Brasil e da evolução da legislação nessa
Celina Maria dos Santos
Instituto de Laticínios Cândido Tostes
Gérson Occhi
área e ainda traz informações e tecnologias importantes para o
Instituto Técnico de Agropecuária e Cooperativismo setor agroindustrial de leite e derivados para obtenção de produtos
Marcílio Valadares
Centro Tecnológico do Sul de Minas lácteos de alta qualidade e competitividade.
Edson Marques da Silva
Centro Tecnológico do Norte de Minas
Marco Antonio Viana Leite
Centro Tecnológico da Zona da Mata Baldonedo Arthur Napoleão
Juliana Cristina Vieccelli de Carvalho
Centro Tecnológico do Centro-Oeste Presidente da EPAMIG
Cláudio Egon Facion
Centro Tecnológico do Triângulo e Alto Paranaíba
Roberto Kazuhiko Zito

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3 - editorial.p65 3 26/06/2007, 11:45


A evolução do setor
de leite e derivados no Brasil
Paulo do Carmo Martins é economista, formado pela Universidade Federal
de Juiz de Fora (UFJF), com mestrado em Economia Rural pela Universidade
Federal de Viçosa (UFV) e doutorado em Economia Aplicada pela Escola Superior
de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP). É professor da UFJF, onde ministra
disciplinas nos cursos de graduação em Economia e Administração e nos MBA
em Marketing, MBA em Logística e MBA em Gestão Estratégica. Foi secretário de
Agropecuária e Abastecimento e secretário de governo da Prefeitura de Juiz de
Fora, MG.
Atualmente é chefe-geral da Embrapa Gado de Leite, secretário-executivo
da Câmara Setorial do Leite e Derivados do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa) e membro da Câmara Setorial do Leite da Secretaria de
Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais.
Possui diversos artigos publicados em revistas científicas, anais de congressos
e em revistas de divulgação voltadas para a atividade leiteira.
É autor de livros sobre o sistema agroindustrial do leite, cooperativismo e
cadeia produtiva do leite.

IA - Quais as principais transformações tro décadas de tabelamento de preços tação de leite foi organizada, implantou-se
ocorridas na cadeia agroindustrial engessou a produção brasileira e não esti- a coleta a granel, com sistemas de rotea-
do leite no Brasil nos últimos anos e mulou a busca de eficiência e qualidade mento informatizado das linhas, as novas
seus impactos no setor lácteo? por parte de produtores e laticínios. Já em plantas industriais também foram infor-
2004 ocorreu o Plano Real, que reduziu a matizadas e projetadas para processar
Paulo Martins - Mudou tudo nos últi-
inflação e isso, na prática, aumentou o po- volumes elevados, visando à busca de
mos anos. Até 1990, a atividade leiteira
der de compra do consumidor. O resultado maiores escalas produtivas. Isso resultou
era basicamente extrativa, daí a expres-
foi que aumentou o consumo abrupta- na queda do custo de produção, captação,
são popular “tirar leite”, substituída hoje
mente, estimulando a produção. Estes dois processamento e distribuição. A partir des-
pela expressão “produzir leite”. A primeira
fatos, ou seja, o fim do tabelamento e o Pla- sas mudanças é que se pode efetivamente
mudança foi no ambiente institucional.
no Real mudaram em definitivo o setor de falar em cadeia produtiva. Os produtores
Em 1991, o governo deixou de tabelar o
leite e derivados no Brasil. “tiradores de leite” estão sendo expulsos
preço do leite e facilitou as importações
de produtos lácteos. No começo, parecia da atividade. Em geral são médicos, den-
IA - O que ocorreu no setor de leite após tistas, advogados que pouca atenção da-
que o setor iria sucumbir, pois os produto-
esta mudança? vam à atividade e hoje têm dificuldade de
res não estavam acostumados a negociar
preços para o seu produto. Ademais, os Paulo Martins - Os produtores perce- manterem-se produtivos. Além disso, novas
preços internacionais sempre foram artifi- beram que somente seria possível sobre- regiões passaram a merecer destaque na
ciais, pois a Europa e os Estados Unidos viver na atividade se incorporassem tec- produção. Refiro-me à Região Sul, que tem
colocavam no mercado seu excedente de nologia, se aumentassem a produção e a na agricultura familiar eficiente seu ponto
produção a preços bem abaixo do custo produtividade. Com isso, é possível produzir diferencial, e também às Regiões Centro-
de produção. Portanto, estes produtos che- a custos menores. Já a indústria trouxe para Oeste e Norte, que apresentam custos de pro-
gavam no Brasil a um preço muito competi- a atividade o conceito de logística, ou seja, dução mais baixos que os Estados tradicio-
tivo em relação ao produto nacional. Qua- a necessidade de otimizar processos. A cap- nais produtores: Minas Gerais e São Paulo.

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4-6 reportagem.p65 4 26/06/2007, 09:31


IA - Qual é a posição brasileira no mer- Paulo Martins - A Portaria é um impor- Mas avançamos muito. Agora, fica o desa-
cado internacional de lácteos e suas tante marco legal, pois insere o leite na fio de aumentar a capacidade dos labora-
perspectivas? É possível imaginar preocupação do Estado com a qualidade tórios já existentes e preparar a implanta-
uma trajetória semelhante à da carne do produto. Em geral, marcos legais têm ção da Instrução Normativa 51 nas Regiões
bovina no caso do leite? como conseqüências mudanças de pos- Norte e Nordeste, a partir do segundo se-
turas no setor produtivo e, sob esse aspec- mestre de 2007. Sem dúvida, é um mega
Paulo Martins - O Brasil sempre foi
um dos principais importadores de lácteos to, a Portaria cumpriu o seu papel. Mas a desafio, pois nessas regiões temos vários

no mundo. Mas, desde 1991, a produção expectativa criada com o PNMQL foi imen- problemas de infra-estrutura, como a ca-
cresce mais que o consumo. Dessa forma, sa, quando lançado. E os avanços não ocor- rência de energia elétrica, estradas e labo-
a produção nacional veio substituindo a reram na velocidade esperada. Na verda- ratórios.
importação e, desde 2005, somos auto- de, o Programa ficou muito centrado na
suficientes em leite, ou seja, importamos implementação da Instrução Normativa IA - Sabe-se que o mercado para os pro-
e exportamos derivados lácteos pratica- 51. Faltaram ações mais intensas visan- dutos lácteos com alegação de pro-
mente na mesma proporção. Somos, hoje, do à disseminação e à adoção de práticas priedades funcionais e de saúde é
a sétima nação que mais produz, atrás dos de segurança para alimentos. Estas ocor- promissor. Quais são as principais
EUA, Índia, Rússia, Alemanha, França e reram, mas ainda não foram totalmente dificuldades para a sua expansão?
China. E, desses países, somente Índia e incorporadas. Além disso, a grande maio-
Paulo Martins - A primeira dificul-
China podem continuar a aumentar a pro- ria dos laboratórios de qualidade do leite
dade é que a renda per capita no Brasil é
dução, por algum tempo. Nos demais, a não pôde ainda contar com equipamentos
muito baixa. Isso inibe o consumo de pro-
produção está estagnada e deverá até cair, duplicados, item fundamental para que
dutos lácteos com maior valor agregado.
em função da redução dos estímulos dados possam atuar sem conviver com perdas de
A segunda é que falta informação ao con-
pelos governos e pela agroenergia, que irá amostras motivadas por eventuais proble-
sumidor. Está disseminada a idéia que leite
competir com o leite. Na verdade, desses mas em um de seus aparelhos de análise.
é um produto nobre e, por si só, faz bem à
países citados, somente o Brasil tem condi- Mas o importante é que estamos avan-
saúde. Baixa renda e baixa informação
ções de aumentar a produção de leite con- çando, e a preocupação com a qualidade
inibem o consumo de lácteos e criam até
tinuamente, nas próximas décadas. Toda- do leite e dos derivados é hoje uma reali-
mesmo o espaço para que se tenha produ-
via, não acredito que o leite venha a ter dade. Se considerarmos o tamanho do
tos fraudados. Além disso, não temos
uma importância tão grande na balança Brasil e o número de produtores e laticínios,
linhas de pesquisas sendo desenvolvidas
comercial, como tem a carne, pois todos e, ainda, se olharmos para trás, vamos per-
de modo contínuo que apresentem solu-
os países produzem leite em alguma pro- ceber que evoluímos razoavelmente nos
ções tecnológicas na forma de novos pro-
porção. Mas é inegável que seremos um últimos oito anos.
dutos a preços acessíveis. Mas é inegá-
grande exportador em poucos anos. Para
vel que é promissor este segmento de mer-
isso, temos de fazer o dever de casa, me-
IA - Quais os resultados alcançados no cado, a contar pela visceral disputa que
lhorando a qualidade da nossa matéria-
setor lácteo com a implementação da travam as poucas empresas que já desco-
prima e sendo mais agressivos no mercado
Instrução Normativa 51 e qual a pers- briram este filão.
internacional. Na verdade, o Brasil ainda
pectiva para os agricultores fami-
não vende leite – o mundo é quem compra.
liares diante desta legislação?
Ainda não investimos em nada para ser- IA - O leite e seus derivados encontram-
mos reconhecidos lá fora. Paulo Martins - Os resultados são se em fase de consolidação como pro-
muito favoráveis. Praticamente todos os dutos que movimentam o comércio
IA - O Programa Nacional de Melhoria laboratórios na Rede Brasileira de Qua- orgânico. Os resultados para o pro-
da Qualidade do Leite (PNMQL), re- lidade do Leite estão no seu limite de tra- dutor são atraentes, considerando
gulamentado pela Portaria 56/99 do balho, o que demonstra que a Instrução que o preço pago pelo leite orgânico
Ministério da Agricultura, Pecuária Normativa 51 veio para ficar. Considero é, em média, quatro vezes superior
e Abastecimento, faz parte do “Pro- natural que nem todo o leite produzido nos ao preço pago pelo leite convencional.
grama de Modernização do Setor Lác- Estados das Regiões Sul, Sudeste e Centro- Na sua opinião, quais são as res-
teo no Brasil”. Na sua opinião, quais Oeste ainda não esteja passando por análi- trições e possibilidades do produto no
os resultados alcançados até o mo- ses, pois somos um continente, com muitas Brasil? Qual o diferencial do leite
mento no âmbito deste Programa? realidades convivendo no mesmo espaço. orgânico?

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4-6 reportagem.p65 5 03/07/2007, 10:08


Paulo Martins - A produção de leite de oito laboratórios que fazem o exame de de profissionais que atuam como consul-
orgânico exige muitos cuidados, o que se carrapatograma. Também naquele Esta- tores independentes e são reconhecidos em
traduz em investimentos, inclusive em do implantamos o Centro Tecnológico do todo o Brasil. Ocorre que todos atuam de
treinamento de mão-de-obra. Isso faz com Leite, que objetiva promover cursos para modo isolado. O que a Secretaria de Ciên-
que o custo de produção seja mais elevado. empregados de laticínios. Já em Petroli- cia e Tecnologia de Minas Gerais, está pro-
Além disso, o mercado é muito restrito. na, PE, acabamos de lançar o kit de orde- pondo é que haja uma atuação articula-
Portanto, não é mercado para a grande nha, uma tecnologia muito simples, voltada da desses especialistas, visando ganhos
maioria dos produtores. Sempre é bom para o produtor de baixos recursos, que comuns para toda a cadeia. O que se espera
lembrar que ainda convivemos com o gra- possibilita melhorar a qualidade do leite é que soluções tecnológicas visando à re-
ve problema de leite com contaminação. em até 14 vezes. Olhando para o futuro, dução de custos e novos produtos sejam
Portanto, leite orgânico está num outro acabamos de contratar novos pesquisa- apresentadas e intensifiquem a oferta de
extremo da nossa realidade. É nicho de dores, que terão a função de gerar novas cursos e treinamentos como mecanismo
mercado. É um bom negócio, porque há tecnologias em termos de uso da água e de de formação de profissionais e transferên-
poucos produtores e poucos consumido- eliminar a contaminação do leite. Já com cia de tecnologia. Naturalmente, todo este
res. Se a produção crescer mais que o con- o Ministério da Agricultura, estamos dis- esforço está inserido na lógica de promoção
sumo, o diferencial de preços, que é alta- cutindo uma série de ações para uso cole- e segurança de produtos lácteos.
mente estimulante, tenderá a desaparecer. tivo do Laboratório Nacional Agropecuário
É o que aconteceu na Europa, em que a (Lanagro), visando transformá-lo no labo- IA - Promover o aumento do consumo de
diferença de preço entre o leite comum ratório de referência da Rede Brasileira leite e produtos lácteos no Brasil é
e o orgânico já não é tão elevada. Além de Qualidade do Leite. Além disso, fizemos um grande desafio para o setor. A seu
disso, temos ainda muito pouco resulta- um esforço razoável e recebemos do Mi- ver, como este desafio pode ser resol-
do de pesquisa neste segmento. Portanto, nistério o Certificado de Primeiro Grande vido?
temos que encarar leite como nicho de Rebanho Brasileiro Livre de Brucelose e
Paulo Martins - O desafio de trans-
mercado e não o grande mercado a ser Tuberculose. Agora, estamos discutindo
formar o Brasil num dos maiores produ-
explorado. com o Instituto Mineiro de Agropecuá-
tores de leite do mundo está equacionado.
ria (IMA), um projeto para iniciar o proces-
Naturalmente, precisamos continuar a
IA - Quais são as ações conjuntas exis- so de rastreabilidade de todos os nossos
perseguir a redução contínua do custo de
tentes entre a Embrapa, Ministério da 2 mil animais. O propósito dessas ações
produção. Resta, ainda, melhorar a quali-
Agricultura e outras instituições de é conhecer os entraves de implantação de
dade da matéria-prima e dos produtos
pesquisa e ensino para a promoção normas, levando aos órgãos as dificuldades
lácteos. Isso é fundamental, pois o consu-
da qualidade e segurança de produtos defrontadas e ao mesmo tempo nos colo-
mo de lácteos aumentou 2,6% ao ano nos
lácteos? camos como vitrine para os demais pro-
últimos cinco anos, enquanto a produção
dutores. Afinal, recebemos cerca de 5 mil
Paulo Martins - Estamos envolvidos cresceu 4,2% ao ano. Ademais, a popu-
visitas a cada ano.
com a questão da qualidade e da seguran- lação brasileira cresce a uma taxa de 1,4%
ça dos produtos lácteos desde o início dos ao ano e crescerá a uma taxa de apenas
IA - A criação do Pólo de Excelência do
anos 90. Temos participado ativamente 0,8% ao ano em 2.025. Portanto, tudo leva
Leite, em Juiz de Fora, MG, integra as
desse assunto, contribuindo com conheci- a crer que teremos excedente de leite nos
ações para promoção e segurança dos
mento técnico na formulação de legisla- próximos anos. Nesse quadro, é funda-
produtos lácteos?
ções. Participamos também da formulação mental que seja aumentado o consumo de
das cartilhas do Programa Alimentos Se- Paulo Martins - Num raio de 200 km, leite no mercado interno e que possamos
guros, mais conhecido como PAS-Campo, partindo de Juiz de Fora, não existe uma conquistar de modo definitivo o mercado
e treinamos multiplicadores por todo o concentração tão grande de especialistas externo. No mercado interno é necessário
Brasil. Também temos feito palestras em em leite, em todas as três Américas. Estes que se promovam campanhas institucio-
todo o Brasil sobre a Instrução Normativa especialistas estão na Embrapa Gado de nais, como Goiás vem realizando com
51 e fomentamos a implantação da Cam- Leite, no Centro Tecnológico/Instituto de extremo sucesso. Há muito espaço para
panha do Banho Bem Dado, que visa ensi- Laticínios Cândido Tostes da EPAMIG e crescer. Já no mercado externo, temos de
nar o produtor a usar carrapaticidas. Em nas Universidades Federais de Juiz de Fo- conhecê-lo e adaptar nossos produtos às
Goiás, essa Campanha levou à montagem ra, Viçosa e Lavras. Há, ainda, uma série exigências de cada mercado.
Por Vânia Lacerda

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4-6 reportagem.p65 6 26/06/2007, 09:31


Agroindústria: leite e derivados 7

Panorama do setor de lácteo


Marco Aurélio Marques Ferreira 1
Ronaldo Perez 2
Luiz Antônio Abrantes 3

Resumo - Destaca-se a atual conjuntura do setor de lácteo no Brasil, sua importância


socioeconômica, bem como as principais mudanças ocorridas nos últimos anos, além
do panorama sobre a produção mundial de leite. São identificados os principais países
produtores e a importância da produção brasileira de leite mundialmente, a queda da
produção européia e o crescimento significativo da produção no Continente Asiático.
Destacam-se, ainda, o crescimento da produção de leite, a concentração industrial, as
mudanças na distribuição geográfica, além das alterações ocorridas nos padrões de
consumo brasileiro, nos últimos anos.
Palavras-chave: Laticínio. Leite. Produção leiteira. Cadeia produtiva.

INTRODUÇÃO mas conquistas importantes, dentre as PRODUÇÃO MUNDIAL DE LEITE


A partir da primeira metade da década quais o crescimento da produção nacional A produção mundial de leite concentra-
de 90, o setor lácteo, no Brasil, foi fortemen- de lácteos, o aumento gradual no consumo se, basicamente, em três continentes, Euro-
te influenciado pela combinação de diver- per capita de leite, o aumento das expor- pa, América e Ásia, responsáveis por mais
sas mudanças ocorridas na economia brasi- tações e a conquista de novos mercados de 90% das 500 mil toneladas anuais mé-
leira. Fatores como a desregulamentação externos. Entretanto, esses esforços ainda dias de leite. Embora a participação des-
do setor, a redução da intervenção gover- são incipientes, quando se trata da con- ses continentes, em termos de oferta, não
namental para os produtos importados, via solidação desse setor e sua elevação ao tenha tido grandes mudanças estrutu-
redução de alíquotas e barreiras não tarifá- rol das indústrias de padrão competitivo rais, no período de 1995 a 2005, algumas
rias, a interrupção da intervenção gover- internacional. alterações podem ser destacadas. A Euro-
namental e a abertura econômica, reforçada Dentre as ações necessárias ao forta- pa teve sua produção total reduzida em
pelo processo de formação e consolidação lecimento do setor, o investimento em pes- 5,27%, enquanto América, Ásia, Oceania
de blocos econômicos, foram determinan- quisa e desenvolvimento, a criação e a e África aumentaram, consideravelmente,
tes para o novo padrão de produtividade e consolidação de bancos de dados, bem as suas produções naquele período (Qua-
concorrência desse setor. Além disso, outros como a geração de informações que con- dro 1). Considerando apenas o Continente
fatores associados à estabilidade econômi- tribuam para orientar diretrizes setoriais Americano, observou-se maior evolução no
ca e aos investimentos tecnológicos pos- qualitativas, no propósito de subsidiar México e no Brasil que registraram cres-
sibilitaram mudanças quantitativas e qua- decisões do setor privado e dos órgãos cimento superior a 30% no período. Essa
litativas nos hábitos de consumo. governamentais, tornam-se imperativos. mudança na geografia da produção mun-
Neste contexto, a necessidade de con- O estabelecimento de padrões de referên- dial pode ser explicada pelo crescimento
solidação de políticas comerciais, lastrea- cia, via incentivos à qualidade e à produti- da produção de alguns países em razão da
das a ações institucionais sustentáveis, vidade, também, são necessidades imedia- queda ou redução de outros, que detinham
vem alterando a conjuntura do setor lácteo tas a serem adotadas, visando à manuten- expressiva representatividade nessa ativi-
nacional, sendo possível registrar algu- ção do ritmo de crescimento do setor. dade.

1
Adm. Empresas, D.Sc., Prof. Adj. UFV - Depto Administração, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: marcoaurelio@ufv.br
2
Engo Químico, D.Sc., Prof. Adj. UFV - Depto Tecnologia de Alimentos, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: rperez@ufv.br
3
Adm. Empresas, D.Sc., Prof. Adj. UFV - Depto Administração, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: abrantes@ufv.br

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8 Agroindústria: leite e derivados

O Brasil é um dos grandes produtores litros, perdendo para os Estados Unidos, tiva maior que 2005, sendo essa 4,5% na
mundiais de leite. Desde 2005, ocupa a Índia, Rússia, Alemanha, França e Chi- época.
sétima posição e respondeu por 4,4% da na (Quadro 2). Todavia, vale destacar que
produção mundial com 23,3 bilhões de em 2004, o País obteve participação rela- PRODUÇÃO NACIONAL
DE LEITE

QUADRO 1 - Produção de leite por continente - 1995/2000/2005


A produção de leite no Brasil é uma das
principais atividades agropecuárias, que
Produção
Variação em Total em fornece alimento à população e tem papel
(1.000t)
Continente 1995/2005 2005 importante para a sociedade. Sua importân-
1995 2000 2005 (%) (%) cia socioeconômica pode ser constatada
pela posição que ocupa no agronegócio
Europa 222.288 209.643 210.575 -5,27 39,68
brasileiro e está entre os principais setores
América 128.221 142.749 151.741 18,34 28,59
em geração de renda nacional e arrecadação
Ásia 79.456 95.762 122.042 53,60 23,00 tributária. De 2004 para 2005, o setor passou
Oceania 17.822 23.486 24.843 39,40 4,68 da sexta para a quinta posição no ranking
África 16.646 19.594 21.517 29,26 4,05 de valor bruto da produção agropecuária
nacional. Destaca-se, também, o cresci-
Total 464.433 491.234 530.718 14,27 100,00 mento de 5,6% em relação ao período ante-
FONTE: Embrapa Gado de Leite (2006b). rior, fato que promoveu o equilíbrio do setor
agropecuário diante da queda de alguns
segmentos ocorrida no mesmo período
QUADRO 2 - Classificação dos principais países na produção mundial de leite (Quadro 3).
Produção A produção de leite é impulsionada,
Posição País em 2005 Percentual em especial, pelo crescimento populacio-
(1.000t)
nal. O crescimento médio da produção de
1 Estados Unidos 80.150 15.1 leite, no período de 1991 a 2006, foi de,
2 Índia 38.500 7.2 aproximadamente, 3,3% ao ano (Gráfico 1).
3 Rússia 30.600 5.8 Em 2005, o País produziu 23,3 bilhões de
4 Alemanha 27.600 5.2 litros de leite por ano, com produtividade
5 França 25.282 4.8 média de 1.181 litros/vaca/ano, para aten-
6 China 24.530 4.6 der a um consumo per capita médio de 137
7 Brasil 23.320 4.4 litros/hab./ano (EMBRAPA GADO DE
8 Nova Zelândia 14.625 2.7 LEITE, 2006b).
9 Reino Unido 14.577 2.7 Considerando-se a capacidade produ-
10 Ucrânia 14.000 2.6 tiva do setor e o aumento do consumo per
11 Polônia 12.400 2.3 capita, existe certo otimismo, no que diz
12 Países Baixos 10.531 2.0 respeito à manutenção dessa trajetória de
13 Itália 10.500 2.0
crescimento.
A Região Sudeste, onde está concen-
14 Austrália 10.150 1.9
trada a maior produção, os maiores centros
15 México 9.873 1.9
de consumo e a maior parte das indústrias
16 Turquia 9.500 1.8
de laticínios, é destaque na produção na-
17 Paquistão 9.082 1.7
cional, seguida das Regiões Sul, Centro-
18 Japão 8.255 1.5
Oeste, Nordeste e Norte (Quadro 4).
19 Argentina 8.100 1.5
Entretanto, ocorreram mudanças consi-
20 Canadá 8.100 1.5
deráveis na produção nacional. Observou-
Soma dos demais países produtores 141.042 26.8 se que enquanto esta apresentava cresci-
Total 530.718 100 mento de 26% entre os anos de 2000 e
FONTE: FAO (2006) e Embrapa Gado de Leite (2006b). 2005, a produção no estado de São Paulo
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Agroindústria: leite e derivados 9

QUADRO 3 - Valor bruto da produção agropecuária brasileira, em 2004 e 2005


Valor bruto da produção
Variação
(R$ milhões)
Produto em 2005/2004
2004 2005 (%)

Carne bovina 32.208 30.628 -4,9

Soja 36.729 25.196 -31,4

Frango 16.403 16.533 0,8

Cana-de-açúcar 12.525 13.402 7,0

Leite 11.900 12.572 5,6

Milho 13.805 10.240 -25,8

Café beneficiado 8.813 9.572 8,6

Suíno 6.392 6.802 6,4

Arroz 8.847 6.620 -25,2

Laranja 2.991 3.135 4,8


FONTE: Embrapa Gado de Leite (2006b).

Gráfico 1 - Produção nacional de leite


FONTE: IBGE (2006) e Brasil (2006).
(1) Estimativa.

apresentou redução de 6%. Em relação Por outro lado, ao analisar esse mesmo
ao Rio de Janeiro, não houve oscilações período, ou seja, de 1985 a 2005, detectou-
consideráveis na produção, mas o Estado se crescimento na participação dos Estados
passou de 8o para 13o produtor nacional. do Norte, Centro-Oeste e Sul, respecti-
Porém, o estado de Minas Gerais destacou- vamente, de 2,4% para 7,1%; 11,4% para
se, com expressiva produção, ocupando o 15,4% e 21,8% para 26,6%. Um dos fato-
primeiro lugar na produção nacional com res de destaque na organização espacial
28,1% do total produzido e apresentou cres- da produção está na sua concentração re-
cimento de 83,14%, de 1985 a 2005, embora gional, onde os estados de Minas Gerais,
sua participação relativa apresentasse Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul respon-
pequena redução. deram por mais de 50% (Quadro 4).

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10 Agroindústria: leite e derivados

QUADRO 4 - Produção brasileira de leite por Estados e regiões


Produção Participação
Estado/Região (milhões de litros) (%)

1985 2000 2004 2005 1985 2000 2004 2005

Norte 304,4 1.049,5 1.662,9 1.742,9 2,4 5,4 7,1 7,1


Rondônia 47,3 422,2 646,4 692,4 0,4 2,2 2,8 2,8
Acre 18,1 40,8 109,2 79,6 0,1 0,2 0,5 0,3
Amazonas 19,3 36,6 42,9 43,8 0,2 0,2 0,2 0,2
Roraima 7,4 9,9 7,3 5,7 0,1 0,1 0,0 0,0
Pará 122,7 380,3 639,1 697,0 1,0 2,0 2,7 2,8
Amapá 1,1 3,7 3,3 4,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Tocantins 88,5 156,0 214,7 220,4 0,7 0,8 0,9 0,9

Nordeste 1.987,8 2.158,7 2.705,1 2.972,2 15,5 11,1 11,5 12,1


Maranhão 97,6 149,9 286,9 321,1 0,8 0,8 1,2 1,3
Piauí 62,3 76,5 75,8 78,7 0,5 0,4 0,3 0,3
Ceará 354,0 331,8 363,3 367,9 2,8 1,7 1,5 1,5
Rio Grande do Norte 140,7 144,9 201,3 212,0 1,1 0,7 0,9 0,9
Paraíba 172,9 105,8 137,3 148,5 1,3 0,5 0,6 0,6
Pernambuco 308,4 292,1 397,6 526,5 2,4 1,5 1,7 2,1
Alagoas 110,0 217,8 243,4 236,1 0,9 1,1 1,0 1,0
Sergipe 92,9 115,1 157,0 191,3 0,7 0,6 0,7 0,8
Bahia 649,0 724,8 842,5 890,1 5,1 3,7 3,6 3,6

Sudeste 6.288,4 8.293,5 9.240,9 9.535,2 49,0 42,6 39,4 38,8


Minas Gerais 3.772,4 5.585,4 6.628,9 6.908,6 29,4 28,7 28,2 28,1
Espírito Santo 281,4 378,0 405,7 417,6 2,2 1,9 1,7 1,7
Rio de Janeiro 424,2 468,7 466,9 464,9 3,3 2,4 2,0 1,9
São Paulo 1.810,4 1.861,4 1.739,4 1.744,1 14,1 9,6 7,4 7,1

Sul 2.804,4 4.904,2 6.246,1 6.542,1 21,8 25,2 26,6 26,6


Paraná 919,9 1.799,2 2.394,5 2.518,9 7,2 9,2 10,2 10,3
Santa Catarina 603,7 1.003,0 1.486,7 1.555,6 4,7 5,1 6,3 6,3
Rio Grande do Sul 1.280,8 2.102,0 2.364,9 2.467,6 10,0 10,8 10,1 10,0

Centro-Oeste 1.461,2 3.079,9 3.619,8 3.778,2 11,4 15,8 15,4 15,4


Mato Grosso do Sul 268,0 427,2 491,1 498,6 2,1 2,2 2,1 2,0
Mato Grosso 122,9 422,7 551,4 596,3 1,0 2,2 2,3 2,4
Goiás 1.055,3 2.193,7 2.538,4 2.648,5 8,2 11,3 10,8 10,8
Distrito Federal 15,0 36,3 38,9 34,8 0,1 0,2 0,2 0,1

Brasil 12.846,2 19.485,8 23.474,8 24.570,6 100 100 100 100

FONTE: Embrapa Gado de Leite (2006b).

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Agroindústria: leite e derivados 11

PRODUÇÃO INDUSTRIAL na indústria inspecionada, sendo esta res- agências internacionais de saúde (FAO,
NACIONAL ponsável, em 2005, por 69,6% da produ- 2006).
As mudanças que afetaram o setor lác- ção nacional de leite. A partir da análise No mercado de leite fluido, o destaque
teo alteraram também os padrões de concor- das informações contidas no Gráfico 2, tem sido o crescimento exponencial do lei-
rência, que atualmente são determinados observa-se que a quantidade industriali- te longa vida, que já domina o segmento
pelos custos de produção, pela qualidade zada de leite cresceu, em média, 6,64% entre desde 1997, sendo que a sua participação
da matéria-prima, pelo poder de penetra- 1999 e 2005, valor este, relativamente, percentual nas vendas internas já repre-
ção das marcas e pelas parcerias e alianças superior aos 3,42% observados no cres- senta quase 3/4 do total produzido.
estratégicas associadas a economias de cimento da produção, durante o mesmo Durante a década de 80, até meados de
escala e ganhos de eficiência. período. 1990, o leite tipo C era líder do mercado
As estratégias empresariais têm per- Para aumentar a competitividade e consumidor no Brasil. Porém, no momento
mitido à indústria ampliar sua captação, bem estimular a demanda por produtos lácteos, em que os leites tipos A e B começavam a
como minimizar as variações na capacida- com o intuito de acompanhar a tendência despontar na preferência dos consumido-
de processada ao longo do ano, o que evi- positiva da produção, prevê-se a necessi- res, sobretudo pela qualidade associada à
ta sobressaltos entre os períodos de safra dade de a indústria investir na melhoria da sua imagem, o leite longa vida consolidou-
e entressafra, visto como fatores restriti- qualidade da matéria-prima e dos proces- se, conquistando a preferência do consu-
vos de competitividade, considerando a sos e nos esforços publicitários, visando midor e dominando gradativamente o mer-
variabilidade dos preços pagos ao produ- aumentar a produtividade e estimular o con- cado, conforme destacado no Gráfico 3.
tor (Quadro 5). sumo interno. Fatores que reforçam, tam- O investimento forte em marketing com
Este processo tem estimulado as indús- bém, a necessidade de investimentos em o advento da oferta do leite longa vida con-
trias de laticínios a introduzirem meca- pesquisa e desenvolvimento, sobretudo de tribuiu para o aumento de seu consumo
nismos de remuneração diferenciada por novos produtos. interno, determinando taxa geométrica de
qualidade, além de quantidade e regula- Isso porque, embora tenha sido registra- crescimento de 25% ao ano, de 1991 a 2005.
ridade na oferta já existente. da expansão no consumo per capita anual O leite longa vida tem-se beneficiado
Vale enfatizar que, aos poucos, observa- esse valor ainda é incipiente, considerando- de diversos aspectos mercadológicos: pri-
se uma inclusão gradual do leite informal se os 180 litros/ano recomendados pelas meiro, sua capacidade de estocagem e co-

QUADRO 5 - Quantidade de leite adquirido pelos laticínios sob inspeção no Brasil no período 2000-2005

Mês 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Janeiro 1.076 1.191 1.192 1.272 1.289 1.435


Fevereiro 996 1.001 1.044 1.095 1.160 1.247

Março 983 1.058 1.073 1.131 1.155 1.277

Abril 889 1.001 1.058 1.050 1.067 1.258


Maio 900 1.012 1.057 1.046 1.109 1.293

Junho 858 1.047 1.035 1.029 1.099 1.309

Julho 915 1.095 1.061 1.074 1.179 1.354


Agosto 966 1.113 1.097 1.090 1.179 1.360

Setembro 1.021 1.096 1.055 1.071 1.177 1.330

Outubro 1.119 1.169 1.116 1.165 1.250 1.431


Novembro 1.128 1.177 1.144 1.209 1.342 1.443

Dezembro 1.201 1.202 1.243 1.323 1.436 1.486

Total 12.052 13.162 13.175 13.555 14.442 16.223

FONTE: IBGE (2006).

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12 Agroindústria: leite e derivados

Gráfico 2 - Produção e captação inspecionada de leite, no período 1999 - 2005


FONTE: IBGE (2006).

Gráfico 3 - Produção de leite UHT no período 1991 - 2005


FONTE: Dados básicos: Embrapa Gado de Leite (2006a) e Associação Brasileira de Leite Longa Vida (2006).

mercialização em grandes lotes; segundo, MUDANÇAS SETORIAIS A concentração no segmento de pro-


sua fácil manipulação; terceiro, sua capa- Dentre as principais mudanças seto- cessamento também é evidente com desta-
cidade de diferenciação, principalmente, riais vivenciadas nos últimos anos, destaca- que para o enfraquecimento das coopera-
pelas características de sua embalagem. se a concentração da produção industrial, tivas e fortalecimento do capital privado.
Esses fatores permitiram ao leite longa vi- que determinou o grau competitivo do Entre os anos de 1970 e 1980, o poder
da romper com o regionalismo comercial setor. Essa concentração é materializada em de mercado do setor industrial era equa-
das marcas, que vigoraram do início da dé- estratégias com foco no aumento de esca- cionado, principalmente, pela intensa pre-
cada de 80, até a segunda metade da década las, como as aquisições, fusões, integra- sença de cooperativas singulares e cen-
de 90. ções e alianças estratégicas. trais. Entretanto, o cooperativismo tem

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Agroindústria: leite e derivados 13

experimentado grande diminuição no pro- CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS


cessamento e comercialização de lácteos, Embora o setor lácteo não tenha expe- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LEITE LONGA
concentrando-se, ainda mais, na fase de rimentado grandes mudanças quantitativas VIDA. São Paulo. Disponível em: <http://www.
recepção e comercialização de leite in nos últimos anos, são considerados rele- ablv.org.br>. Acesso em: 10 mar. 2006.
natura. vantes os aspectos de concentração no
Esse fator reacendeu as discussões BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e
processamento industrial e o deslocamen-
da importância da indústria de proprieda- Abastecimento. Pecuária: Brasil – produção
to geográfico da produção para a Região
de coletiva como forma de desconcentra- de leite - por unidade de federação. Rio de Ja-
Centro-Oeste que tendem a se intensificar.
neiro, [2006]. Disponível em: <http://www.
ção de renda. Nesse ponto vale ressaltar A expectativa nos mercados nacional
agricultura.gov.br>. Acesso em: 10 mar. 2007.
que as cooperativas que já lideraram a e mundial é que o crescimento da pro-
captação de leite formal do País indus- dução de leite nos países Asiáticos e na EMBRAPA GADO DE LEITE. Leite em núme-
trializam menos de 40% do total produ- América do Sul seja mantido, em especial o ros: mercado. Juiz de Fora, [2006a]. Disponível
zido, o que favorece a concentração da da China e o do Brasil. Essa perspectiva em: <http://www.cnpgl.embrapa.br/producao/
produção entre as empresas e sociedades de crescimento deve levar a China e o Bra- mercado.php>. Acesso em: 10 mar. 2007.
comerciais, principalmente, de capital sil a consolidarem suas presenças na pro-
_______. Leite em números: produção. Juiz
externo. dução mundial de leite.
de Fora, [2006b]. Disponível em: <http://www.
No Brasil, a concentração no segmen- Dentre as preocupações atuais do se-
cnpgl.embrapa.br/producao/producao.php>.
to de processamento também é evidente, tor, destaca-se o aumento dos custos da
Acesso em: 10 mar. 2007.
uma vez que 14 organizações detêm cer- produção primária, decorrentes do aumento
ca de 39,80% da recepção anual do leite no preço dos insumos produtivos, fator FAO. FAOST - agriculture. Rome, [2006]. Dis-
inspecionado, o que representou, em mé- importante na composição de preços e na ponível em: <http:// www.fao.org/site340/
dia, entre os anos de 2002 e 2004, 5,6 bilhões competitividade do setor de lácteos na- default.aspx>. Acesso em: 10 mar. 2007.
de litros/ano (Quadro 6). cional.
IBGE. Pesquisa trimestral do leite. Rio de Ja-
neiro, [2006]. Disponível em: <http://www.
QUADRO 6 - Recepção das dez maiores marcas no período 2002 - 2004 sidra.ibge.gov.br>. Acesso em: 10 mar. 2007.

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Parmalat 751.921 641.127 406.688 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento,
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Centroleite 213.503 261.230 229.135 escala de cooperativas e sociedades de capital
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da) – Universidade Federal de Viçosa, Viçosa,
Grupo Vigor 154.158 153.145 196.425
MG, 2005.
Confepar 109.239 115.834 189.308
MARTINS, M.C. Competitividade da cadeia
Líder Alimentos 163.766 129.177 151.482
produtiva do leite no Brasil. Revista de Política
Total 5.579.750 5.590.980 5.748.578 Agrícola, Brasília, v.13, n.3, p.38-51, jul./set.
FONTE: Leite Brasil (2004). 2004.

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Evolução da legislação no setor de lácteos no Brasil


Vanessa Aglaê Martins Teodoro 1
Jader Fontoura da Silva 2
Maximiliano Soares Pinto 3

Resumo - Nos últimos anos ocorreram diversas alterações na legislação nacional de


lácteos. Estas mudanças foram necessárias diante da evolução do mercado e dos hábitos
de consumo. Cada vez mais, novos produtos são colocados no comércio e, por outro
lado, os consumidores têm-se tornado mais conscientes dos seus direitos e exigem
produtos seguros, com boas características organolépticas, obtidos por processos que
respeitem o ambiente e a sociedade. A modernização das leis no Brasil facilita a inserção
do produto nos mercados interno e externo e dificulta a comercialização dos produtos
em desacordo com os padrões. Somente é possível a obtenção de matéria-prima e
produtos de qualidade se houver conscientização dos participantes da cadeia produ-
tiva do leite, educação continuada e eficácia na fiscalização pelos órgãos públicos.
Cumprir as determinações legais é dever de todos aqueles que participam da cadeia
produtiva, de forma que garanta o fornecimento de produtos seguros à população.

Palavras-chave: Laticínio. Leite. Lei. Qualidade. Segurança alimentar. Consumidor.

INTRODUÇÃO tos ofertados sejam saudáveis e seguros que acompanharam o crescimento da pro-
Toda a cadeia produtiva do leite é re- (COSTA, 2007). dução e do comércio, mas, por outro lado,
gida por leis que acompanham a evolução O sucesso da implementação de leis de- ainda vigoram leis como o próprio Regula-
da indústria alimentícia, o desenvolvi- pende da conscientização, por meio de um mento de Inspeção Industrial e Sanitária
mento de novos produtos e os hábitos de processo educativo continuado de pro- de Produtos de Origem Animal (Riispoa),
consumo da população. A aprovação ou a dutores e de industriais, sejam estes de do ano de 1952, que, na área de lácteos, re-
modificação das leis é, por vezes, morosa grande, médio ou pequeno portes, bem presenta uma grande fragilidade diante das
e, na maioria dos casos, acaba por não sa- como da fiscalização por parte dos órgãos inovações pretendidas.
tisfazer a alguma parcela do setor produ- públicos. Segundo Rubez (2003), no mer- Questões relacionadas com a saúde,
tivo. cado competitivo dos dias atuais, apenas bem como as conseqüências ambientais
Os países têm estabelecido legislação sobreviverão aqueles que forem capazes provenientes de atividades, produtos e
própria para monitorar a higiene e a qua- de adaptarem-se às mudanças. serviços do setor alimentício têm resulta-
lidade dos produtos agropecuários, aten- Ainda hoje, existem grandes dispari- do na evolução dos conceitos e em maior
der aos interesses públicos em proteger dades dentro dos vários setores da agro- conscientização do consumidor. Isso induz
os consumidores e garantir que os produ- indústria. É fato que há leis muito atuais, à incorporação de estratégias que buscam

1
Médica-Veterinária, M.Sc., Prof a/Pesq. EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: vanessa.teodoro@epamig.br
2
Médico-Veterinário, Especialista, Fiscal Agropecuário Federal MAPA, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: rrjf-sif@veloxmail.
com.br
3
Bacharel em Ciência e Tecnologia de Laticínios, M.Sc., Prof./Pesq. EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico:
max@epamig.br

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o acompanhamento da produção em todo Normativa 51 (BRASIL, 2002b) elevou os Lácteo no Brasil e prima pela qualidade do
seu processo, com tendência favorável padrões exigidos para produção de leite em leite, até então esquecida em nosso país,
aos alimentos mais saudáveis, sem conser- países desenvolvidos. A busca pela quali- contudo, muito exigida nos países desen-
vantes ou agrotóxicos, e sem riscos para o dade aumenta as possibilidades de, em mé- volvidos e tradicionais da atividade lei-
ambiente (COSTA, 2007). dio prazo, os lácteos tornarem-se um dos teira. Na sua elaboração, foi realizado um
principais produtos na pauta de exporta- diagnóstico das dificuldades enfrentadas,
IMPORTÂNCIA ções brasileiras. desde a produção primária até a comercia-
As transformações ocorridas na cadeia lização do leite e derivados lácteos, a partir
Modernamente, observa-se, em todo o
produtiva do leite aumentaram a competi- do qual estabeleceram-se novas metas a
mundo, um rápido desenvolvimento e aper-
tividade entre produtores e incentivaram a ser atingidas para a modernização do setor
feiçoamento de novos meios e métodos
evolução da percepção sobre volume, pro- como um todo (COSTA, 2004).
de detecção de agentes de natureza bioló-
dutividade e qualidade da matéria-prima O Programa é um conjunto de medidas
gica, química e física, causadores de mo-
(COSTA, 2007). que, em escala gradativa e plurianual, tem
léstias nos seres humanos e nos animais,
Como conseqüência da abertura de como objetivos melhorar a qualidade do
passíveis de veiculação pelo consumo de
mercado nos anos 90, a globalização do leite produzido no Brasil, com intuito de
alimentos e motivo de preocupação de enti-
comércio fez com que o produtor brasileiro obter leite e produtos lácteos com padrões
dades governamentais nacionais e interna-
passasse a concorrer com produtores de de qualidade internacional, atender às cres-
cionais. Ao mesmo tempo, há um aumento
todo o mundo. Para vencer essa competi- centes exigências do mercado consumidor,
das perdas de alimentos e matérias-primas
ção, é necessário produzir com compe- dar condições ao leite brasileiro de compe-
em decorrência de processos de deterio-
tência. Para isso, é preciso atender a qua- tir, no futuro, com países especializados
ração de origem microbiológica, infestação
tro requisitos fundamentais, que definem em pecuária leiteira, melhorar as condições
por pragas e processamento industrial ine-
a conquista de mercado: preço, qualida- de pagamento ao produtor e possibilitar o
ficaz, com severos prejuízos financeiros às
de, quantidade e regularidade de oferta aumento da produção nacional, para aten-
indústrias de alimentos, à rede de distribui-
(CUMPRIR..., 2006). der ao consumo interno e, posteriormente,
ção e aos consumidores.
A qualidade do leite é imprescindível, exportar (COSTA, 2004).
Os Sistemas de Segurança Alimentar,
tanto pela exigência do consumidor, quan- Outro objetivo é mudar a forma como
hoje adotados pelos principais mercados
to pela restrição que representa para as o leite é produzido atualmente, a fim de
mundiais, asseguram que os produtos indus-
exportações de derivados lácteos (COSTA, melhorar sua qualidade, para que a popula-
trializados sejam elaborados sem riscos à
2007). O entendimento e o cumprimento das ção consuma produtos seguros, nutritivos
saúde pública, apresentem padrões uni-
determinações legais são muito importan- e saborosos, além de proporcionar con-
formes de identidade e qualidade e atendam
tes para a cadeia produtiva do leite, princi- dições para aumentar o rendimento dos
às legislações nacionais e internacionais,
palmente se o Brasil quiser se firmar como produtores (DÜRR, 2005). A longo pra-
no que tange aos aspectos sanitários de
país exportador de lácteos (CUMPRIR..., zo, pretende-se acabar com os diferentes
qualidade e de integridade econômica.
2006). tipos de leite, produzindo um tipo “único”,
Os programas de Boas Práticas de
Fabricação (BPF), Procedimentos Padrão com padrão internacional de qualidade
PRINCIPAIS MUDANÇAS (COSTA, 2004).
de Higiene Operacional (PPHO) e Análise
de Perigos e Pontos Críticos de Controle A segurança alimentar, ou seja, o forne- A abertura do mercado a importações e
(APPCC), além de representarem um meca- cimento de alimentos seguros e de qualida- a participação do leite informal no merca-
nismo de prevenção e controle que atinge de à população, é uma preocupação mun- do interno desencadearam o processo de
o segmento de industrialização de leite e dial. Segundo Costa (2007), no Brasil, em reestruturação da cadeia do leite. De modo
derivados, sua implementação passa a ser que pese o processo de granelização da geral, no Brasil, todos os ramos do Sistema
imprescindível na reorientação dos progra- coleta do leite e a tentativa de implemen- Agroindustrial do Leite têm demonstrado
mas nacionais de garantia da qualidade tação do Programa Nacional de Melhoria interesse crescente na melhoria da quali-
destes produtos para atendimento às exi- da Qualidade do Leite (PNMQL), a ativi- dade do leite e derivados por um motivo,
gências internacionais. dade leiteira avançou em produção e pro- em grande parte, logístico, em que todos
Segundo Rubez (2003), o Brasil pode- dutividade, entretanto, pouco melhorou em competem por mercado e consumidores
ria ser uma das maiores plataformas expor- qualidade. (COSTA, 2004).
tadoras de produtos lácteos do mundo. O PNMQL, criado em 1996, faz parte A adequação às normas internacionais,
Em termos legais, a aprovação da Instrução do Programa de Modernização do Setor a certificação da qualidade, a sobrevivência
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em um mercado competitivo e maior grau tida e de acordo com a capacidade analítica contaminação cruzada; definição de res-
de exigência dos consumidores têm levado do sistema laboratorial. ponsabilidades e periodicidades; análises
as empresas à valorização do controle de Com o processo de globalização, as e padrões utilizados na seleção e no con-
qualidade de seus produtos. Neste sentido, empresas têm procurado adotar sistemas trole de qualidade de matérias-primas,
um avanço significativo foi a criação da de qualidade, não apenas por imposição ingredientes e produtos acabados; proce-
Rede Brasileira de Laboratórios de Controle de órgãos governamentais, mas por neces- dimentos de recall e de atendimento ao
de Qualidade do Leite, com atribuições de sidade diante do aumento da concorrência consumidor, dentre outros.
realizar análises laboratoriais, para fiscali- e das exigências dos consumidores quanto O Sistema APPCC é uma abordagem
zação de amostras de leite cru, colhidas em à qualidade dos produtos adquiridos, bem científica e sistemática para o controle de
propriedades rurais e laticínios (COSTA, como em respeito ao meio ambiente e à so- processo, elaborado para prevenir a ocor-
2007). ciedade. rência de problemas, assegurando que os
No mundo moderno, grande parte da Segundo Gonçalo (2007), segurança controles são aplicados em determinadas
segurança alimentar está no controle de alimentar não está relacionada apenas com etapas no Sistema de Produção de Alimen-
remanescentes residuais nos alimentos, em o aspecto quantitativo, que aborda a dis- tos, onde possam ocorrer perigos ou situa-
decorrência do uso de pesticidas e drogas ponibilidade de alimentos à população, mas ções críticas. É um sistema de análise que
veterinárias, ou por acidentes, envolvendo também com o aspecto qualitativo, focan- identifica perigos específicos e medidas
contaminantes ambientais. O Brasil neces- do, principalmente, a saúde do consumi- preventivas para seu controle, objetivando
sita desse controle, particularmente nos dor. Esse princípio envolve todos os elos a segurança do alimento, a garantia da qua-
dias atuais, quando essa prática é quase da cadeia produtiva de alimentos. lidade e a integridade econômica. Baseia-
uma imposição no contexto do comércio A fim de cumprir normas internacionais se na prevenção, eliminação ou redução
internacional de produtos pecuários in e nacionais, e garantir o fornecimento de dos perigos físicos, químicos e biológicos
natura e processados. alimentos seguros à população, são exigi- em todas as etapas da cadeia produtiva.
O bem-estar e a saúde dos seres hu- dos, pelos órgãos de fiscalização, a imple- A implementação das BPFs e dos PPHOs
manos são direitos universalizados, por- mentação das BPFs, regulamentadas pela é um pré-requisito para o APPCC. Vale
tanto, é dever de todos os governos pre- Portaria 368 de 1997 (BRASIL, 1997). Além destacar que estabelecimentos interessa-
servar e manter a sanidade das pessoas, disso, também devem ser implementados dos em exportar seus produtos devem ter
dos rebanhos e dos ecossistemas. Nesse os PPHOs e o Plano de APPCC, regulamen- todos os programas de qualidade imple-
contexto, em 1986 foi instituído o Plano tados pela Resolução 10 de 2003 (BRASIL, mentados. Destaca-se também a exigência
Nacional de Controle de Resíduos em Pro- 2003) e pela Portaria 46, de 1998 (BRASIL, dos Estados Unidos e da União Européia,
dutos de Origem Animal (PNCR). O Plano 1998), respectivamente. em seus conceitos de equivalência de sis-
prevê a adoção de Programas Setoriais para As BPFs são procedimentos de higiene temas de inspeção e da aplicação de pro-
os diferentes produtos de origem animal, necessários para a obtenção de alimentos gramas com base no Sistema APPCC.
incluindo o leite – Programa de Controle inócuos, saudáveis e sãos. Os PPHOs são Em 2005, foi publicada a ISO 22000
de Resíduos em Leite (PCRL). procedimentos descritos, desenvolvidos, que especifica requisitos para o Sistema
A Instrução Normativa 42, de 1999 implantados e monitorizados, para estabe- de Gestão da Segurança de Alimentos, pa-
(BRASIL, 1999), prevê a coleta de amostras lecer a forma rotineira pela qual o estabele- ra a certificação da segurança. Formulada
de leite, orientada por sorteios semanais cimento industrial evitará a contaminação e reconhecida internacionalmente, aplica-
para atender ao Subprograma de Moni- direta ou cruzada e a adulteração do pro- se a todas as organizações, abrangendo
toramento. Estabelecimentos que violarem duto, além de preservar sua qualidade e toda a cadeia de fornecedores da indús-
o Limite Máximo de Resíduo (LMR) per- integridade por meio da higiene antes, du- tria de alimentos. Além disso, incorpora e
mitido ou que indicarem resíduos de dro- rante e após as operações industriais. mantém os princípios de APPCC do Codex
gas de uso proibido serão submetidos ao O processo consiste, basicamente, Alimentarius, a fim de garantir o controle
Subprograma de Investigação, com colhei- na elaboração de manuais com descrição de perigos e o fornecimento de alimentos
tas de novas amostras. Nesses casos, as dos procedimentos realizados pela indús- seguros.
propriedades ficam sujeitas às penalidades tria, quanto à higienização das instalações, No Brasil, sua tradução foi publica-
previstas na lei. Há, ainda, o Subprograma equipamentos e utensílios; controle de pra- da em 2006 como Norma Brasileira da
de Controle de Produtos Importados com gas e vetores; segurança da água; saúde Associação Brasileira de Normas Técnicas
as amostras colhidas nos pontos de entra- e hábitos higiênicos dos colaboradores; (ABNT) – NBR ISO 22000 – Sistemas de
da, pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF), descrição das tecnologias empregadas na Gestão da Segurança de Alimentos – Requi-
em número proporcional ao volume da par- fabricação dos produtos; prevenção da sitos para qualquer organização na cadeia
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produtiva de alimentos (ASSOCIAÇÃO prova substancial do interesse em fazer menos uma vez por mês, em laboratório da
BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, com que o setor nacional de lácteos cresça rede oficial do Ministério da Agricultura,
2006). acompanhando padrões mundialmente Pecuária e Abastecimento (MAPA) ou cre-
A ISO 22000 representa uma oportu- estabelecidos. denciado, quanto à Contagem de Células
nidade para atingir a harmonização inter- O leite cru deve ser resfriado a 4ºC, em Somáticas (CCS) e Contagem Bacteriana
nacional no que tange aos padrões de se- até 3 horas após sua obtenção, em tanques Total (CBT). Para essas análises o padrão
gurança alimentar, que resultará em uma de expansão direta, coletivos ou indivi- exigido para 2007 é de 1 milhão de Células
ferramenta para implementar o APPCC por duais, podendo ser coletado a cada 48 ho- Somáticas (CS) ou para CBT por mL de leite,
toda cadeia de fornecedores. Aplica-se a ras, embora o ideal seja em 24 horas. A cole- conforme o caso. O objetivo é atingir, no
todos os integrantes da cadeia como pro- ta e o transporte até o laticínio devem ser ano de 2011, para as Regiões Sul, Sudes-
dutores primários, indústrias de alimentos, realizados por meio de caminhões-tanque te e Centro-Oeste e, em 2012, para Norte e
prestadoras de serviços de transporte e com unidade frigorífica. O leite também po- Nordeste, 400 mil CS por mL, para CCS e
armazenamento, lojas e distribuidoras de de ser resfriado em tanques de imersão de 100 mil UFC por mL, para CBT.
serviços de alimentação, produtoras de equi- latões, individuais por produtor, no máximo, A intenção é acabar gradativamente
pamentos, materiais de acondicionamento, a 7ºC. A Instrução Normativa 51 (BRASIL, com a produção do leite tipo C, substituído
aditivos, ingredientes e agentes de limpeza, 2002b) não aboliu por completo o transporte pelo leite pasteurizado. O prazo para extin-
dividindo responsabilidades e facilitan- em latões, sob temperatura ambiente, mas ção do leite tipo C, cru ou pasteurizado, foi
do o trabalho em conjunto com todos que restringiu em muito sua utilização. O pro- estipulado até julho de 2005, nas Regiões
participam da cadeia de fornecimento. dutor poderá fazer esse tipo de transporte Sul, Sudeste e Centro-Oeste, prorrogado
A norma divide-se em requisitos para desde que o leite seja entregue, no máximo, até o fim do mesmo ano e até julho 2007,
as boas práticas de manufatura, APPCC e em 2 horas após a ordenha e apresente os nas Regiões Norte e Nordeste.
para um sistema de gestão. Todos os requi- padrões microbiológicos e físico-químicos A Instrução Normativa 51 tem como
sitos são aplicáveis a todas as organiza- estabelecidos. Além disso, a indústria deve foco principal a produção higiênica do leite
ções na cadeia produtiva de alimentos, concordar em trabalhar com esse tipo de por meio do controle sanitário dos rebanhos,
independente de tamanho e complexidade leite. das boas práticas de ordenha, da refrige-
e garantem a segurança alimentar, trazem Para que haja sucesso na implemen- ração do leite imediatamente após sua
melhorias para a produção, elaboração e tação da Instrução Normativa 51 (BRASIL, obtenção, da conservação e do transporte
manipulação de produtos alimentícios e 2002b), deverá haver capacitação não refrigerado, do armazenamento, da distribui-
controlam toda a cadeia alimentar para que somente dos produtores, mas também do ção e da comercialização, para que a indús-
não haja perigo de contaminação e riscos à motorista responsável pela coleta do leite. tria trabalhe com matéria-prima de qualida-
saúde do consumidor. Isto porque, na maioria das vezes, é o pró- de, o que possibilita ao consumidor acesso
É um sistema pró-ativo, que atua de prio motorista que verifica a temperatu- a alimentos seguros (CUMPRIR..., 2006).
forma preventiva na ocorrência de perigos ra da matéria-prima no momento da coleta De fato, a Instrução Normativa 51
e nas não-conformidades do produto final. e realiza análises do Álcool Alizarol 72%, (BRASIL, 2002b) exige dos produtores o
A implementação reduz custos com retra- optando pela coleta ou pela recusa do leite. fornecimento de um leite de melhor qualida-
balho, desperdícios de matéria-prima e A indústria é responsável pelo leite que de e, embora os órgãos de inspeção exijam
insumos em geral e a devolução de pro- recebe, portanto, deve implementar um pro- que esta lei seja cumprida, apenas poderão
dutos não-conformes, além disso, promove grama de educação continuada das pes- efetivamente cobrá-la, quando determina-
uma melhoria da imagem da empresa pe- soas envolvidas com a manipulação do dos artigos do Regulamento da Inspeção
rante o mercado. alimento em todas as etapas de produção. Industrial e Sanitária de Produtos de Origem
Nos últimos anos, muito tem sido feito Além disso, deve manter formalizado e Animal (Riispoa), específico da produção,
para equiparar a legislação nacional com a atualizado o Programa de Coleta a Granel, entrega para industrialização e para o con-
de países mais desenvolvidos e para cum- com nome do produtor, volume e tipo de sumo do leite, forem revogados. Nesse
prir determinações de órgãos internacio- leite, capacidade do refrigerador, horário e sentido, o Riispoa representa um entrave à
nais. A Instrução Normativa 51, de 2002 freqüência de coleta, rota da linha graneli- melhoria da qualidade do leite e de seus
(BRASIL, 2002b), que regulamenta a pro- zada e Programa de Controle de Qualidade derivados.
dução, a identidade e a qualidade, a coleta da matéria-prima. A Instrução Normativa 68, de 2006,
e o transporte dos leites tipos A, B, C, pas- O leite, além das análises de rotina, deve oficializa os métodos analíticos físico-
teurizados e crus refrigerados, ainda muito ser submetido à pesquisa de resíduos de químicos para controle de leite e produtos
discutida entre os setores produtivos, é antibióticos e deverá ser analisado, pelo lácteos usados nos Laboratórios Nacionais
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Agropecuários (Lanagro). Este documento de origem láctea que varia de 1,0% a 1,7%, propriedades nutricionais (Informação Nu-
substitui a Instrução Normativa 22, de 2003, dependendo do tipo fabricado. A base lác- tricional Complementar). Vitaminas e de-
que estabelecia os padrões de análises dos tea varia de 51% para produtos com adição mais minerais possuem declaração faculta-
produtos e tem como objetivo o combate à de ingredientes não lácteos a 100% para tiva, porém, apenas podem ser declarados,
fraude econômica, em especial, à prática aquelas sem adição. quando representarem um mínimo de 5%
de adição de soro de queijo ao leite por Além das bebidas, as especialidades da Ingestão Diária Recomendada (IDR).
meio do aperfeiçoamento das análises de lácteas também incomodaram especialistas As gorduras trans estão presentes prin-
detecção de caseinomacropeptídeos (CMP), do setor e induziram muitos consumido- cipalmente em produtos industrializados,
indicativos da presença de soro no leite. res ao erro no momento da aquisição do incluindo sorvetes, batatas fritas, salga-
Com o aperfeiçoamento dos métodos ana- produto. Nesse caso, não há regulamento dinhos em pacote, bolos, biscoitos, entre
líticos será possível inferir sobre a quali- técnico específico, porém, em dezembro de outros, bem como gorduras hidrogenadas,
dade do leite adquirido pelas indústrias 2005 foi baixada uma norma pelo Ministério margarinas e alimentos preparados com
(MAPA..., 2006). da Agricultura, Pecuária e Abastecimento estes ingredientes. Além disso, estão pre-
A qualidade na indústria de alimen- (MAPA), que impede a denominação de sentes também, em menor quantidade,
tos tem um sentido amplo. No setor de lác- venda “Especialidade láctea” ou “Especia- em produtos in natura, como carne e leite.
teos, invariavelmente, aborda a obtenção lidade culinária”. Permite-se, no entanto, a A recomendação é que sejam consumidos,
da matéria-prima e as características dos designação “Requeijão com... (amido e/ou diariamente, no máximo, dois gramas deste
produtos finais no que se refere à iden- gordura vegetal)”, contrariando o Regula- tipo de gordura (RÓTULOS..., 2006).
tidade e qualidade do produto, incluin- mento Técnico de Identidade e Qualidade A informação nutricional deve ser
do características organolépticas, padrões (RTIQ) do requeijão, na medida em que expressa por porção, incluindo a medida
microbiológicos e físico-químicos. Estas permite a adição de gordura de origem não caseira correspondente, segundo a Reso-
características, na maioria das vezes, são láctea. Espera-se que, com esta nova no- lução RDC 359/2003 (ANVISA, 2003a) e em
determinadas por regulamentos técnicos menclatura, o consumidor seja capaz de percentual de Valor Diário (VD). Especifi-
específicos. identificar um requeijão tradicional, de certa camente, para gorduras trans, não é calcula-
Quando surge um produto novo no forma com maior qualidade, de outro pro- do o VD, devendo ser declarado como não
mercado, com boa aceitabilidade, a ten- duto que tenha sido adicionado de amido estabelecido. Além disso, o VD do valor
dência é que, com o tempo, sua produção e/ou de gordura vegetal. energético passou de 2.500 kcal para 2.000
seja regulamentada. É o caso das bebidas Outras alterações na legislação que, no kcal ou 8.400 kJ.
lácteas, que, além da importância de esta- ano de 2006, preocuparam os industriais e A Lei no 11.265 (ANVISA, 2006), que
belecer padrões de identidade e qualidade, ainda preocupam são aquelas referentes à regulamenta a comercialização de alimen-
houve necessidade de maior esclarecimen- rotulagem dos produtos. Várias normativas tos para lactentes e crianças de primeira
to à população, para que não se enganasse permeiam as exigências quanto às infor- infância, aprovada em janeiro de 2006, traz
no momento da compra. mações que devem conter nos rótulos dos algumas modificações nos rótulos de leites
A Instrução Normativa 16, de 2005 produtos embalados na ausência do con- fluidos que não foram muito significativas,
(BRASIL, 2005a) aprova os Padrões de Iden- sumidor. se for considerada que, desde 2002, a Re-
tidade e Qualidade das Bebidas Lácteas. As Resoluções RDC 359 e 360 da Agên- solução RDC 222 (ANVISA, 2002) já fazia
Esta Instrução Normativa apresenta algu- cia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tais exigências. Ambas têm como objetivo
mas exigências quanto à rotulagem dos do ano de 2003 (ANVISA, 2003ab), tratam, maior, incentivar o aleitamento materno.
produtos. No caso das chamadas bebidas de forma específica, da informação nutri- Os rótulos de produtos como leites flui-
lácteas brancas, exige a presença no rótulo cional e o prazo para adequação às novas dos, leite em pó e leites modificados devem
das seguintes expressões: “Contém......% exigências esgotou em julho de 2006. conter informação quanto à indicação ou
de soro de leite” e “Bebida láctea não é Uma das novidades é a obrigatoriedade não-indicação na alimentação de crianças
leite” ou “Este produto não é leite”. Para de informar a quantidade de gordura trans, de primeira infância e lactentes. Esta infor-
as bebidas lácteas coloridas, indicar: “Con- além do valor energético em quilocalorias mação deve figurar no painel principal, de
tém soro de leite” e “Bebida láctea não é (kcal) e quilojoule (kJ), carboidratos, pro- forma legível e de fácil visualização. A Re-
iogurte” ou “Este produto não é iogurte”. teínas, gorduras totais, gorduras saturadas, solução RDC 222 (ANVISA, 2002) não exige
Quando houver adição de gordura vegetal, fibra alimentar e sódio. O colesterol e outros que seja, obrigatoriamente, no painel prin-
deve trazer no painel principal do rótulo a tipos de gorduras deixaram de ter sua de- cipal, mas, por outro lado, o tamanho das
indicação “Contém gordura vegetal”. Além claração obrigatória, exceto para aqueles letras utilizadas na informação deve ser pro-
disso, deve estabelecer o teor de proteínas casos em que for realizada a declaração de porcional ao da denominação de venda do
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Agroindústria: leite e derivados 19

produto. Por sua vez, o nome do produto, A Lei proíbe a utilização, nos rótulos Brasileiro de Inspeção (SISBI) de produtos
segundo a Instrução Normativa 22, de 2005 desses produtos, de imagens de lactentes, de origem animal, onde se inserem os pro-
(BRASIL, 2005b), que regulamenta as infor- crianças pequenas ou outras figuras huma- dutos lácteos, de origem vegetal e de insu-
mações obrigatórias da rotulagem e sua for- nizadas e a indução ao uso do produto para mos. A Instrução Normativa 19, de julho de
ma de apresentação, deve ser proporcio- essas faixas etárias, bem como denomina- 2006 (BRASIL, 2006b), fixa os critérios de
nal ao tamanho das letras utilizadas para a ções ou frases com o intuito de sugerir se- adesão ao Sisbi e exige equivalência dos
marca. Tudo isso dificulta a apresentação melhança com o leite materno ou identificar serviços de inspeção municipais e esta-
das informações e, talvez por este moti- o produto como mais adequado à alimenta- duais.
vo, a Lei no 11.265 (ANVISA, 2006) não faça ção infantil. São proibidas também expres- A adesão ao SISBI é voluntária e, para
tal exigência. sões que induzam à dúvida, quanto à ca- isso, Estados e municípios deverão adequar
Em função de muitas reclamações por pacidade das mães de amamentarem seus seus procedimentos de inspeção e fisca-
parte dos empresários do setor lácteo quanto filhos e informações que possam levar ao lização, ficando obrigados a seguir a legis-
à advertência nos rótulos de leite “O Mi- uso dos produtos em virtude de falso con- lação federal ou dispor de regulamentos
nistério da Saúde Adverte”, expressão esta ceito de vantagem ou segurança. equivalentes, reconhecidos pelo MAPA.
comum à dos rótulos de cigarro, em 2007 Outra novidade de 2006 foi a implemen- Além disso, deverão comprovar estrutura
foi feita uma alteração na Lei 11.265/2006 tação da Instrução Normativa 49 (BRASIL, administrativa que permita executar as
pelo MAPA por meio da Lei 11.474/2007 2006c), a qual aprova as instruções para ações, conforme estabelecido na legisla-
(BRASIL, 2007). Assim, a advertência dos permitir a entrada e o uso de produtos nos ção. Dessa forma, aumentaria a área co-
rótulos de leite passou para “Aviso Impor- estabelecimentos registrados ou relacio- mercial de estabelecimentos com registro
tante”: nados no Departamento de Inspeção de nos órgãos estaduais e municipais que
Produtos de Origem Animal (DIPOA), do poderiam realizar comércio interestadual.
I - leite desnatado e semidesnatado, com
MAPA, além de revogar a Instrução Nor- Apesar dessas modificações, perma-
ou sem adição de nutrientes essen-
mativa no 8, de 2002 (BRASIL, 2002a), nece em vigor a Lei 7.889 de 1989 (BRASIL,
ciais: AVISO IMPORTANTE: Este
referente à Autorização de Uso do Produto 1989) que determina as responsabilida-
produto não deve ser usado para ali-
(AUP). Ou seja, os estabelecimentos fabri- des da inspeção, segundo a abrangência
mentar crianças, a não ser por indi-
cantes de insumos não mais precisarão da comercial. Portanto, estabelecimentos re-
cação expressa de médico ou nutri-
obtenção da AUP, assim, os fabricantes de gistrados em Estados e municípios que
cionista. O aleitamento materno evita
produtos lácteos não necessitarão exigi- optarem pela não adesão continuarão a
infecções e alergias e é recomendado
la. Por outro lado, para todos os insumos realizar o comércio de seus produtos ape-
até os 2 (dois) anos de idade ou mais;
adquiridos pela empresa de leite e deriva- nas no âmbito estadual ou municipal, con-
II - leite integral e similares de origem forme o caso.
dos será exigido o preenchimento de for-
vegetal ou mistos, enriquecidos ou
mulários, além do lançamento dos dados
não: AVISO IMPORTANTE: Este pro- IMPACTOS SOBRE A
no Sistema de Informação Gerencial do SIF
duto não deve ser usado para alimen- CADEIA PRODUTIVA DO LEITE
(SIGSIF). Ela traz uma lista de todos os pro-
tar crianças menores de 1 (um) ano de E QUALIDADE DOS
dutos que, na realidade, devem passar por
idade, a não ser por indicação expressa PRODUTOS LÁCTEOS
este controle, praticamente todos os insu-
de médico ou nutricionista. O aleita-
mos adquiridos pela empresa, desde ingre- A produção de leite de melhor qualida-
mento materno evita infecções e aler-
dientes e coadjuvantes de tecnologia, pas- de traz benefícios aos produtores, à medi-
gias e deve ser mantido até a criança
sando por substâncias de higiene, óleos da que reduz a incidência de doenças, o
completar 2 (dois) anos de idade ou
lubrificantes, até as embalagens utilizadas que resulta em maior produção de leite e
mais;
para o produto final. menores custos. Além disso, uma tendên-
III - leite modificado de origem animal ou Outras alterações ocorreram no ano de cia cada vez mais clara é a valorização do
vegetal: AVISO IMPORTANTE: Este 2006 e, talvez, a mais significativa tenha si- produto por meio do pagamento por qua-
produto não deve ser usado para ali- do a aprovação do Decreto 5.741 (BRASIL, lidade. Dessa forma, todos os componen-
mentar crianças menores de 1 (um) 2006a) que regulamenta alguns artigos da tes da cadeia do leite são beneficiados, do
ano de idade. O aleitamento materno Lei Agrícola de 1991 (BRASIL, 1991) e orga- produtor ao consumidor.
evita infecções e alergias e é reco- niza o Sistema Unificado de Atenção à Sa- A implementação da Instrução Norma-
mendado até os 2 (dois) anos de idade nidade Agropecuária (SUASA). Como uma tiva 51 abrirá novos mercados para o leite
ou mais. subdivisão do Suasa, foi criado o Sistema brasileiro, de forma que garanta a susten-

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20 Agroindústria: leite e derivados

tabilidade da produção nos próximos anos. dutivo, na industrialização e na comercia- tentes e Crianças de Primeira Infância. Diário
Para isso, todos os elos da cadeia devem lização, teremos um mercado altamente Oficial [da] República Federativa do Brasil,
estar integrados para somar esforços por promissor. Principalmente, porque o País Poder Executivo, Brasília, 6 ago. 2002.
um objetivo comum: o leite de qualidade tem condições de produzir da forma mais
_______. Resolução RDC no 359, de 23 de de-
(DÜRR, 2005). natural possível e diminuir ou eliminar os
zembro de 2003. Aprova Regulamento Técnico
O baixo nível cultural e o pouco uso de contaminantes químicos e biológicos do
de Porções de Alimentos Embalados para Fi-
tecnologia por parte dos produtores de lei- leite (CUMPRIR..., 2006).
ns de Rotulagem Nutricional. Diário Oficial
te são, de certa forma, preocupantes por-
[da] República Federativa do Brasil, Poder
que evidenciam a vulnerabilidade deste CONSIDERAÇÕES FINAIS
Executivo, Brasília, 26 dez. 2003a.
setor diante das modificações que vêm Qualidade e segurança dos alimentos
ocorrendo na cadeia de lácteos do Brasil, são questões que têm recebido maior aten- _______. Resolução RDC no 360, de 23 de de-
que visam garantir a qualidade do produ- ção por parte das autoridades, indústria, zembro de 2003. Aprova Regulamento Técnico
to (SALMAN, 2006). profissionais, produtores e consumidores. sobre Rotulagem Nutricional de Alimentos Em-
Se, por um lado, a Instrução Normativa 51 A legislação brasileira, relativa à cadeia balados, tornando obrigatória a rotulagem nutri-
estabelece um novo padrão para o leite pro- produtiva do leite, passou por um proces- cional. Diário Oficial [da] República Federati-
duzido e comercializado no Brasil, por outro so de modernização com objetivos de pro- va do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 26 dez.
lado, a baixa qualidade do leite inviabiliza a mover a melhoria da qualidade do leite e 2003b.
permanência de muitos pequenos produ- derivados e acompanhar a tendência mun-
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS
tores no mercado formal ou inspecionado. dial. Alguns pontos limitantes devem ser
TÉCNICAS. NBR ISO 22000: Sistemas de ges-
De acordo com Schiavi (apud SALMAN, resolvidos como mudanças no Riispoa,
tação da segurança de alimentos – requisitos
2006), o processo de modernização do setor capacitação contínua dos produtores e dos
para qualquer organização na cadeia produtiva
leiteiro no Brasil ainda não mostrou resul- manipuladores de leite. A normatização e a
de alimentos. Rio de Janeiro, 2006.
tados em termos de melhoria da matéria- fiscalização na produção de leite por parte
prima recebida nos laticínios. No entanto, do governo são de fundamental importân- BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e
a granelização do leite tem como uma de cia. A conscientização dos consumidores, Abastecimento. Decreto no 5.741, de 30 de março
suas conseqüências a seleção de produto- quanto ao reconhecimento de seus direi- de 2006. Fica aprovado, na forma do Anexo des-
res implícita no processo. Sendo assim, a tos contribui para a melhoria da qualida- te Decreto, o Regulamento dos arts. 27-A, 28-A
refrigeração e a granelização representarão, de. A população deve conhecer os riscos e 29-A da Lei no 8.171, de 17 de janeiro de 1991.
em médio prazo, um forte impacto sobre o advindos do consumo de leite informal ou Diário Oficial [da] República Federativa
produtor não especializado de leite. Os pro- de baixa qualidade. O trabalho integrado do Brasil, Brasília, 31 mar. 2006a. Seção 1,
dutores que não se adaptam às novas regras dos componentes da cadeia produtiva do p.82.
tendem a deixar de comercializar o produto. leite é um fator crítico para a obtenção de
Logo, fica evidente que a implementação _______. Instrução Normativa no 8, de 16 de
matéria-prima e produtos lácteos de alta
da Instrução Normativa 51 será um desafio janeiro de 2002. Aprova as Instruções para
qualidade. O cumprimento das exigências
a mais a ser enfrentado pelos pequenos Autorização de Uso de Produtos – AUP, a serem
legais deve ser considerado desde a pro-
produtores de leite, os quais precisarão se utilizados nos Estabelecimentos de Produtos
dução até o consumo.
organizar em associações e cooperativas de Origem Animal, sob Inspeção Federal do
para buscar as informações e o capital ne- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abaste-
cessários para adequação de suas proprie- REFERÊNCIAS cimento. Diário Oficial [da] República Fe-
dades às novas regras (SALMAN, 2006). derativa do Brasil, Brasília, 17 jan. 2002a. Se-
ANVISA. Lei no 11.265, de 3 de janeiro de 2006.
Os principais benefícios alcançados com ção 1, p.10.
Regulamenta a comercialização de alimentos
o resfriamento do leite nas propriedades e
para lactentes e crianças de primeira infância e _______. Instrução Normativa no 16, de 23 de
seu transporte a granel são a melhoria da
também a de produtos de puericultura corre- agosto de 2005. Aprova o Regulamento Técnico
qualidade da matéria-prima, o aumento da
latos. Diário Oficial [da] República Federa- de Identidade e Qualidade de Bebida Láctea.
eficiência produtiva do produtor e da
tiva do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 4 jan. Diário Oficial [da] República Federativa do
indústria e a redução de custos para o pro-
2006. Brasil, Brasília, 24 ago. 2005a. Seção 1, p.7.
dutor e também para a indústria.
O Brasil tem um potencial extraordinário _______. Resolução RDC no 222, de 5 de agosto _______. Instrução Normativa no 19, de 24 de
para a produção de leite. Desenvolvendo a de 2002. Aprova o Regulamento Técnico para julho de 2006. Estabelece os requisitos para ade-
competência necessária no processo pro- Promoção Comercial de Alimentos para Lac- são dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni-

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Agroindústria: leite e derivados 21

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ca Federativa do Brasil, Brasília, 20 set. 2006c. as condições Higiênico-Sanitárias e de Boas
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informações. Milk Point, 2006. Disponível em:
_______. Instrução Normativa no 51, de 18 de Elaboradores/Industrializadores de Alimentos.
<http://www.milkpoint.com.br/?actA=7&
setembro de 2002. Aprova os Regulamentos Diário Oficial [da] República Federativa do
areaID=50&secaoID=165&noticiaID=30156>.
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DIMENTOS – PADRÃO DE HIGIENE OPERA-
Cru Refrigerado e seu Transporte a Granel. leitebrasil.org.br/artigos jrubez_078>. Acesso
CIONAL – PPHO, a ser utilizado nos Estabeleci-
Diário Oficial [da] República Federativa em: 5 fev. 2007.
mentos de Leite e Derivados que funcionam
do Brasil, Brasília, 20 set. 2002b. Seção 1,
sob o regime de Inspeção Federal, como etapa SALMAN, A. K. Instrução normativa 51:
p.13-22.
preliminar e essencial dos Programas de Segu- um desafio para os pequenos produtores de
o
_______. Lei n 7.889, de 23 de novembro de rança Alimentar do tipo APPCC (Análise de leite em Rondônia. Clic News, 2006. Disponí-
1989. Dispõe sobre a inspeção sanitária e indus- Perigos e Pontos Críticos de Controle). Diário vel em: <http://www.clicnews.com.br/artigos/
trial dos produtos de origem animal, e dá outras Oficial [da] República Federativa do Brasil, view. htm?id=54949>. Acesso em: 5 fev.
providências. Diário Oficial [da] República Brasília, 28 maio 2003. Seção 1, p.4. 2007.

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22 Agroindústria: leite e derivados

Legislação brasileira de produtos lácteos


com alegação de propriedades funcionais
Paulo César Stringheta 1
Miriam Aparecida Pinto Vilela 2
Tânia Toledo de Oliveira 3

Resumo - São relacionadas informações sobre legislação brasileira, critérios conside-


rados na avaliação das alegações e mercado de alimentos funcionais, com subsídios
para o desenvolvimento de produtos lácteos, com alegação de propriedades funcio-
nais e/ou de saúde.
Palavras-chave: Leite. Laticínio. Alimento funcional. Mercado. Lei.

INTRODUÇÃO HISTÓRICO O princípio foi rapidamente adotado


A expansão dos conhecimentos sobre O termo alimentos funcionais foi inicial- mundialmente. Entretanto, as denomina-
o papel dos componentes fisiologicamente mente introduzido pelo governo do Japão, ções das alegações ou claims, bem como
ativos dos alimentos, de fontes vegetais em meados dos anos 80, como resultado os critérios para sua aprovação variam de
(fitoquímicos) e animais (zooquímicos), o de esforços para desenvolver alimentos acordo com a regulamentação de cada país
consenso científico da estreita relação entre que possibilitassem a redução dos gastos ou de blocos econômicos. Portanto, é impor-
alimentação-saúde-doença, os novos con- com saúde pública, considerando a alta tante considerar a regulamentação do mer-
ceitos sobre os efeitos benéficos de outros expectativa de vida naquele país. O Japão cado a que se destina o produto.
compostos não nutrientes, a urbanização, foi pioneiro na formulação do processo A primeira fase do mercado de alimen-
o aumento de expectativa da vida, o desen- específico de regulamentação dos alimen- tos funcionais ocorreu na década de 90.
volvimento científico e tecnológico, a glo- tos funcionais. Refere-se aos alimentos Caracterizou-se pela adoção do conceito
balização da economia e as mudanças na processados, similares na aparência aos estimulado pelas inovações do mercado
regulamentação são fatores de estímulo à alimentos convencionais, usados como japonês dos anos 80, como os probióti-
produção de alimentos específicos na ma- parte de uma dieta normal e que demonstra- cos, margarinas para redução do colesterol,
nutenção da saúde. ram benefícios fisiológicos e/ou reduziram barras de cereais e outros. A segunda fase
Neste contexto, a indústria de laticí- o risco de doenças crônicas, além de suas iniciou-se em 2000 e caracterizou-se pela
nios destaca-se no lançamento de produ- funções básicas nutricionais. Conhecidos consolidação da indústria de alimentos co-
tos com alegação de propriedades fun- como Alimentos para Uso Específico de mo líder no mercado nutricional, pela di-
cionais, de maior valor agregado e que Saúde – Foods for Specified Health Use versificação e segmentação de produtos e
apresentam maior possibilidade de con- (Foshu), estes alimentos trazem um selo pelo crescente foco das empresas na busca
quistar o consumidor, cada vez mais exi- de aprovação do Ministério da Saúde e do conhecimento e interpretação dos dese-
gente. Bem-estar japonês. jos do consumidor consumer insights.

1
Engo Agro, D.Sc., Prof. Tit. UFV - Depto Tecnologia de Alimentos, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: pstringheta@gmail.com
2
Farmacêutica-Bioquímica, Doutoranda, Prof a Adj. UFJF - Faculdade de Farmácia e Bioquímica, CEP 36036-330 Juiz de Fora-MG. Correio
eletrônico: miriamaop@yahoo.com.br
3
Química, D.Sc., Prof a Adj. UFV - Depto Bioquímica e Biologia Molecular, CEP 36570-000, Viçosa-MG. Correio eletrônico: ttoledo@ufv.br

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Agroindústria: leite e derivados 23

A partir da constatação de que o con- devem ainda estar em consonância com f) ensaios bioquímicos;
sumidor tem sido confundido com uma as diretrizes da política pública de saúde.
g) ensaios nutricionais e/ou fisiológi-
nomenclatura e alegações claims de pro- O alimento ou ingrediente que alegar pro-
cos e/ou toxicológicos em animais;
priedades não demonstradas cientifica- priedades funcionais e/ou de saúde deve
mente, a tendência do Codex Alimentarius ser seguro para consumo sem a supervisão h) estudos epidemiológicos;
e de vários países foi disciplinar as alega- médica. O conteúdo da propaganda não i) ensaios clínicos;
ções sobre as propriedades funcionais dos pode ser diferente, em seu significado, da-
j) evidências abrangentes da literatu-
alimentos ou de seus componentes, como quele aprovado para a rotulagem (ANVISA,
ra e de organismos reconhecidos;
também a segurança com base em evidên- 1999e, 2005a). A fiscalização da propa-
cias científicas (ANVISA, 1999d, 2004). ganda e da publicidade desses produtos k) comprovação de uso tradicional com
No Brasil, em 1999, a Agência Nacio- é feita pela Anvisa, por meio da Gerência benefícios e sem danos à saúde.
nal de Vigilância Sanitária (Anvisa), apro- de Monitoração e Fiscalização da Propa- A Resolução RDC no 2/2002 (ANVISA,
vou a regulamentação que trata das di- ganda, de Publicidade, de Promoção e de 2002) aplica-se às diretrizes a serem adota-
retrizes básicas para avaliação do risco e Informação de Produtos Sujeitos à Vigi- das para a avaliação de segurança, registro
segurança dos alimentos – Resolução no lância Sanitária (GPROP). e comercialização de substâncias bioati-
17/99 (ANVISA, 1999c), dos procedimen- O registro na Anvisa é obrigatório tan- vas e probióticos isolados com alegação
tos para registro de alimentos e/ou no- to para as substâncias bioativas e probió- de propriedades funcional e/ou de saúde,
vos ingredientes – Resolução n o 16/99 ticos isolados, como para alimentos com apresentadas como formas farmacêuticas
(ANVISA, 1999b), das diretrizes básicas alegação de propriedade funcional e/ou (cápsulas, comprimidos, tabletes, pós, gra-
para análise e comprovação de alegação de saúde e para os alimentos novos e no- nulados, pastilhas, suspensões e soluções).
de propriedade funcional e/ou de saúde vos ingredientes, produzidos no Brasil Este regulamento define substância bio-
alegadas em rotulagem de alimentos – ou importados (ANVISA, 2000ab, 2005b). ativa, além dos nutrientes os não nutrientes
Resolução no 18/99 (ANVISA, 1999d) e, Mesmo para os produtos lácteos que são que possuem ação metabólica ou fisioló-
Portaria 398/99 (ANVISA, 1999a) e dos da competência do Ministério da Agricul- gica específica e probiótico, microrganis-
procedimentos para registro de alimen- tura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o mos vivos capazes de melhorar o equilíbrio
to com alegação de propriedades funcio- processo referente à comprovação das ale- microbiano intestinal e produzir efeitos
nais e/ou de saúde – Resolução no 19/99 gações deve ser previamente encaminha- benéficos à saúde do indivíduo.
(ANVISA, 1999e). do à Anvisa, para análise. Segundo a asses- O Informe Técnico no 9, de maio de 2004
soria de imprensa da Anvisa (BOURROUL, (ANVISA, 2004), foi elaborado a partir da
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA 2006), o processo de avaliação de uma so- constatação de que a aplicação do item 3.3,
A legislação brasileira não define ali- licitação de registro demora, aproximada- da Resolução no 18/99 (ANVISA, 1999d):
mento funcional (ANVISA, 1999ade), mas mente, seis meses. O referido órgão infor-
para os nutrientes com funções plena-
define alegação de propriedade funcional mou que, atualmente, existem 230 alimentos
mente reconhecidas pela comunidade
como aquela relativa ao papel fisiológico registrados com alegações de propriedades
científica não será necessária a demons-
no crescimento, desenvolvimento e fun- funcionais no mercado brasileiro. tração de eficácia ou análise da mesma
ções normais do organismo e alegação de Para obter o registro do produto com para alegação funcional na rotulagem.
propriedade de saúde como: alegações, a empresa deve apresentar junto
Este Informe Técnico possibilitava si-
com as demais documentações, o relatório
aquela que afirma, sugere ou implica a tuações que contrariavam as Diretrizes das
técnico-científico, com as seguintes infor-
existência de relação entre o alimento Políticas Públicas de Saúde, trazendo con-
mações (ANVISA, 1999ade):
ou ingrediente com doença ou condição fusão para os consumidores e a partir da
relacionada à saúde. a) texto e cópia do layout dos dizeres observação do aumento da utilização de
Estabelece as diretrizes para sua utiliza- de rotulagem; alegações em rótulos de produtos dispen-
ção, bem como as condições de registro b) denominação do produto; sados da obrigatoriedade de registro no
dos produtos (ANVISA, 1999ade). Dentre c) finalidade de uso; comércio (ANVISA, 1999ad). Apresenta,
as diretrizes para esse tipo de alimento são ainda, os seguintes critérios que devem
permitidas alegações funcionais e/ou de d) recomendação de consumo; ser cumpridos, para aprovação das alega-
saúde, em caráter opcional. Não são permi- e) composição química, com caracte- ções para nutrientes com função plena-
tidas alegações que façam referência à cura rização molecular, quando for o caso, mente reconhecida pela comunidade cien-
ou à prevenção de doenças. As alegações e formulação do produto; tífica:
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a) estarem relacionadas com nutrien- pressupostos, a necessidade de as alega- na porção diária do produto pronto para
tes intrínsecos ao produto, os quais ções estarem de acordo com as políticas consumo, deve ser declarada no rótulo,
devem estar presentes pelo menos do Ministério da Saúde e serem de fácil próximo à alegação.
na quantidade estabelecida para o compreensão pelos consumidores, além de 2. A empresa deve apresentar laudo de
atributo “fonte”, conforme a regula- cumprir com o estabelecido pelas Reso- análise do produto para comprovar a
mentação sobre Informação Nutricio- luções no 17/99, 18/99 e 19/99 (ANVISA, quantidade do microrganismo viável
nal Complementar da Portaria no 27 1999cde). Os seguintes produtos tiveram até o final do prazo de validade do pro-
de 13 de janeiro de 1998 (ANVISA, suas alegações modificadas, com o intuito duto.
1998a); de aprimorar o entendimento para os con-
sumidores, quanto às propriedades desses Bifidobacterium animallis
b) serem específicas quanto à função
alimentos: ácidos graxos da família ômega 3,
do nutriente objeto da alegação; Alegação: “O Bifidobacterium animallis
carotenóides (licopeno e luteína), fibras
(probiótico) auxilia o funcionamento do
c) estarem vinculadas ao alimento de alimentares (beta glucana, frutooligossa-
intestino. Seu consumo deve estar asso-
consumo habitual da população, o carídeos, inulina, lactulose, Psillinum ou
ciado a uma dieta equilibrada e hábitos de
qual não deve ser de consumo oca- Psillium, quitosana), fitoesteróis, probió-
vida saudáveis”.
sional e nem estar apresentado em ticos (Lactobacillus acidophilus, L. casei
cápsulas, comprimidos, tabletes ou shirota, L. casei var. rhammosus, L. casei
Observações:
outras formas farmacêuticas. var. defensis, L. delbrueckii subspécie
bulgaricus, Bifidobacterium bifidum, B. 1. A quantidade do probiótico em uni-
O atendimento aos critérios estabeleci-
lactis, B. longum, Streptococcus salivarius dades formadoras de colônias (UFC),
dos para o uso das alegações previstas no
subespécie thermophillus) e proteína de contida na porção diária do produto
item 3.3 da Resolução no 18/99 (ANVISA, pronto para consumo, deve ser declara-
soja. Alguns exemplos de alegação com
1999d), de responsabilidade da empresa, da no rótulo, próximo à alegação.
linguagem padronizada, com as respecti-
dispensa o envio de documentação para
vas observações para probióticos, fibras 2. A empresa deve apresentar laudo de
avaliação técnica. Entretanto, a dispensa
alimentares como tal e fibras alimentares análise do produto para comprovar a
refere-se apenas à necessidade de compro-
prebióticas (frutooligossacarídeos e inu- quantidade do microrganismo viável
vação das alegações – item 4.1.1.9 da Re-
lina) são apresentados a seguir: até o final do prazo de validade do pro-
solução no 18/99 (ANVISA, 1999d) e não
duto.
ao registro e aos demais itens do relatório
PROBIÓTICOS
técnico-científico (item 4.1.1).
Lactobacillus acidophilus FIBRAS ALIMENTARES
Em relação à expressão “não deve ser
Lactobacillus casei shirota
de consumo ocasional” (ANVISA, 2004), Fibras alimentares
Lactobacillus casei variedade rhammosus
de acordo com a Resolução RDC no 359 de
Lactobacillus casei variedade defensis Alegação: “As fibras alimentares auxiliam
2003 (ANVISA, 2003) os seguintes produ-
Lactobacillus delbrueckii subespécie o funcionamento do intestino. Seu consu-
tos, dentre outros, são considerados de con-
bulgaricus mo deve estar associado a uma dieta equi-
sumo ocasional: balas, pirulitos e pastilhas,
Bifidobacterium bifidum librada e hábitos de vida saudáveis”.
sorvetes de massa, sorvetes individuais,
Bifidobacterium lactis
pós para preparo de refresco e mistura pa-
Bifidobacterium longum Observações:
ra preparo de docinho.
Streptococcus salivarius subespécie 1. Esta alegação pode ser utilizada para as
Após cinco anos, a Anvisa (2005a)
thermophillus fibras solúveis e insolúveis desde que a
reavaliou os produtos com alegações de
propriedades funcionais e/ou de saúde, Alegação: “O (indicar a espécie do micror- porção diária do produto pronto para

aprovados desde 1999. Utilizaram-se como ganismo) (probiótico) contribui para o equi- consumo atenda pelo menos ao atributo

base os conhecimentos científicos atuali- líbrio da flora intestinal. Seu consumo deve “fonte” de fibras alimentares estabele-
estar associado a uma dieta equilibrada e cido pela Portaria SVS/MS no 27/98.
zados e relatos e pesquisas que demons-
hábitos de vida saudáveis”.
traram as dificuldades encontradas pelos 2. Na tabela de informação nutricional
consumidores em entender o verdadeiro deve ser declarada a quantidade de fibra
Observações:
significado da característica anunciada solúvel e ou insolúvel, dependendo do
para determinados produtos contendo 1. A quantidade do probiótico em unidades caso, abaixo da denominação fibras
alegações. Esta revisão considerou como formadoras de colônias (UFC), contida alimentares.

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3. Deve constar no rótulo das fibras iso- produto pronto para consumo: mínimo de ativas ou probióticos adicionados e para a
ladas em cápsulas, tabletes, comprimi- 3 g de fibras/100 g para sólidos e mínimo porção de consumo do alimento.
dos, pós e similares a seguinte frase de 1,5 g de fibras/100 mL para líquidos. A indústria de laticínios está entre as
de advertência em destaque e em ne- A situação atual no Brasil, após a reava- que apresentam maior crescimento na dis-
grito: “O consumo deste produto deve liação das alegações em 2004, adequando- ponibilização de produtos com alegações
ser acompanhado da ingestão de líqui- as às políticas de saúde pública e nutrição de propriedades funcionais, em especial
dos”. do Ministério da Saúde e aos conhecimen- nos segmentos de iogurtes e outros leites
tos científicos atualizados, é a seguinte: fermentados, que utilizam microrganismos
Prebióticos não existe nenhuma alegação de saúde probióticos e substâncias prebióticas. As
- Frutooligossacarídeos aprovada. Estão aprovadas 14 alegações culturas probióticas devem constar da lista
de propriedades funcionais genéricas com de produtos, geralmente reconhecidos
Alegação: “Os frutooligossacarídeos (FOS)
linguagem padronizada e 25 tipos de subs- como seguros – Generally Recognized As
contribuem para o equilíbrio da flora intes-
tâncias ou microrganismos com alegação Safe (GRAS). A adição de bactérias pro-
tinal. Seu consumo deve estar associado a
de propriedade funcional. Os fabricantes bióticas pode ser feita basicamente de três
uma dieta equilibrada e hábitos de vida
tiveram prazo para adequar os rótulos até maneiras: como componente da cultura
saudáveis”.
janeiro de 2001, ou negociar novo prazo starter que dará origem ao produto; por
junto à Vigilância até o esgotamento das adição de uma cultura concentrada junto
Observações:
embalagens (ANVISA, 2005a). As alegações com a cultura starter, no início do pro-
1. A porção diária do produto pronto pa-
sobre nutrientes com função plenamente cessamento ou por adição de uma cultura
ra o consumo deve atender pelo menos
estabelecida encontram-se em discussão concentrada, após a fermentação, antes da
ao atributo “fonte” de fibras alimenta-
(LAJOLO, 2006). embalagem. Esta última prática, comum na
res estabelecido pela Portaria SVS/MS
no 27/98.
produção de produtos lácteos probióticos
DESENVOLVIMENTO fermentados, é essencial na produção de
2. Na tabela de informação nutricional DE PRODUTOS LÁCTEOS produtos lácteos probióticos não fermen-
deve ser declarada a quantidade de COM ALEGAÇÃO DE
tados.
frutooligossacarídeos abaixo da deno- PROPRIEDADES FUNCIONAIS
Os prebióticos são substâncias não
minação fibra alimentar.
O desenvolvimento de produtos lác- digeríveis pelo hospedeiro e que têm a pro-
teos com alegação de propriedades fun- priedade de ser fermentados de maneira
- Inulina
cionais e/ou de saúde deve considerar de seletiva, no cólon, favorecendo o seu bem-
Alegação: “A inulina contribui para o equi- forma prioritária a legislação vigente, bem estar. Os oligossacarídeos constituem o
líbrio da flora intestinal. Seu consumo deve como os critérios utilizados pelos órgãos grupo mais enfatizado, destacando-se a
estar associado a uma dieta equilibrada e competentes na avaliação dos processos inulina e os frutooligossacarídeos. Os pro-
hábitos de vida saudáveis”. de solicitação de registro, pois somente os bióticos e prebióticos têm sido também
produtos que cumprem com a legislação utilizados em outros produtos, como bebi-
Observações: têm a solicitação de registro aprovada. das lácteas não fermentadas (leite sweet),
1. A porção diária do produto pronto pa- As alegações devem ser embasadas em só- leites em pó, iogurtes congelados e quei-
ra consumo deve atender pelo menos lida comprovação científica. jos, com alegação de propriedades funcio-
ao atributo “fonte” de fibras alimenta- A indústria de insumos adquiriu uma nais.
res estabelecido pela Portaria SVS/MS grande importância no desenvolvimento de A garantia dos benefícios dos produtos
no 27/98 . produtos com alegações de propriedades probióticos fabricados com tecnologia ade-
2. Na tabela de informação nutricional funcionais e/ou de saúde. Ela deve oferecer quada depende da eficiência e do controle
deve ser declarada a quantidade de inu- o embasamento científico que sustente as de toda a cadeia de frio, de transporte, de
lina abaixo da denominação fibra ali- alegações de propriedades funcionais e/ou distribuição, de comercialização e consu-
mentar. de saúde relativas ao ingrediente. A indús- mo. A informação para o transportador, dis-
tria de laticínios, interessada no desenvol- tribuidor, comerciante e consumidor deve
De acordo com a Portaria n o 27/98 vimento do produto, deve considerar a ser abundante, para que todo o esforço não
(ANVISA, 1998a), para utilizar o atributo especificidade dos resultados dos testes seja perdido.
fonte de fibras alimentares o alimento deve de comprovação para a matriz do alimento, O panorama relatado por Santos (2006),
apresentar as seguintes condições no para as quantidades das substâncias bio- em relação ao fluxo de aprovação dos pro-

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cessos de solicitação de registro para ali- ca ou nenhuma evidência para o con- cia disponível das experimentações
mentos com alegações de propriedades trário. A evidência disponível baseia- controladas randomizadas. São ne-
funcionais, no período de 1999 a 2004, se em um número substancial de cessárias pesquisas mais bem deli-
evidenciou a alta proporção de processos estudos, incluindo estudos obser- neadas para apoiar as tentativas de
indeferidos: 214 processos deferidos e vacionais prospectivos e, quando associações.
162 indeferidos. Observa-se a necessida- relevantes, ensaios controlados ran-
Lajolo (2006) afirmou que existem na
de do conhecimento das diretrizes das po- domizados de tamanho, duração e
literatura, evidências científicas de diversos
líticas de saúde e dos critérios utilizados qualidade adequados, apresentan-
efeitos de algumas substâncias bioativas,
para avaliação da base científica das ale- do efeitos consistentes. A associa-
porém, o critério para a aprovação de uma
gações, por parte das empresas solicitan- ção deve ser biologicamente plau-
alegação é a existência de concordância
tes. sível;
científica significativa, ou seja, evidência
b) provável: evidência com base em convincente. Exemplificou que existem di-
CRITÉRIOS PARA A estudos epidemiológicos que apre- versas evidências epidemiológicas de ações
AVALIAÇÃO DAS ALEGAÇÕES sentem associações consistentes benéficas do licopeno, como a redução do
A política pública de saúde do Brasil suficientes entre a exposição e a risco de ocorrência de doenças cardio-
específica para a área de alimentação e nu- doença, mas onde são percebidas vasculares e de câncer de próstata. Mas,
trição é a Política Nacional de Alimentação falhas na evidência ou alguma evi- até o momento, somente a ação como anti-
e Nutrição (PNAN). O Guia Alimentar para dência do contrário, o que impossi- oxidante obteve a concordância científi-
a População Brasileira (BRASIL, 2005) bilita um julgamento mais definitivo. ca significativa, demonstrada por estudos
constitui o cumprimento de uma das dire- As falhas na evidência podem ser clínicos controlados e considerada como
trizes da PNAN. O referido Guia incorpo- as seguintes: duração insuficiente relação convincente. Por este motivo, a
rou as recomendações da estratégia glo- dos ensaios ou estudos, estudos ou Comissão Técnico-Científica de Assesso-
bal sobre dieta, atividade física e saúde da ensaios disponíveis insuficientes, ramento em Alimentos com Alegações de
Organização Mundial da Saúde (OMS) e tamanhos inadequados de amostra Propriedades Funcionais e/ou de Saúde e
estabelece as diretrizes para a alimentação e acompanhamento insuficiente. Novos Alimentos (CTCAF) aprovou para
saudável e atividade física. As diretrizes Evidências de laboratório são geral- esta substância, somente a alegação como
dessas políticas recomendam a redução do mente de suporte. A associação deve antioxidante.
teor de sal, açúcar e gorduras nos alimen- ser biologicamente plausível; O documento do Codex Alimentarius
tos, o incentivo ao aleitamento materno “Diretrizes para o uso de alegações de saú-
c) possível: evidência com base prin-
exclusivo nos primeiros seis meses de vida de e de nutrientes, Guidelines for use of
cipalmente em resultados de estudos
e à prática de atividade física, com o objeti- nutrition and health claims” (CODEX
caso-controle e transversais. Estão
ALIMENTARIUS COMISSION, 2004)
vo de reduzir a incidência de doenças crô- disponíveis insuficientes ensaios
fornece recomendações aos governos para
nicas não transmissíveis (DCNT) como a controlados randomizados, estudos
facilitar o controle das alegações utilizadas
obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardio- observacionais, ou estudos contro-
pela indústria. De acordo com o documen-
vasculares e câncer. lados não randomizados. Evidências
to, algumas condições são necessárias para
A OMS e a Organização das Nações com base em estudos não epidemio-
aprovação das alegações como:
Unidas para Agricultura e a Alimentação lógicos, como pesquisas clínicas e
(FAO) publicaram, em 2003, os critérios de de laboratório, de apoio. São reque- a) segurança e inocuidade do alimen-
classificação da força da evidência das re- ridos mais ensaios para apoiar as ten- to são pressupostos para a avalia-
comendações para prevenção de doenças tativas de associações, que devem ção científica de uso de alegações
de acordo com a qualidade, quantidade e também ser biologicamente plausí- de saúde, inclusive a segurança
resultados dos estudos disponíveis. Se- vies; e a inocuidade relacionada com o
gundo estes critérios, a evidência é classi- aumento do consumo do alimento
d) insuficiente: evidência com base em
ficada como (WHO; FAO, 2003): em função da alegação claim utili-
resultados de poucos estudos que
zada;
a) convincente: evidência apoiada em são sugestivos, mas não são sufici-
estudos bem conduzidos, que apre- entes para estabelecer uma associa- b) devem ser realizadas simulações
sentem associações consistentes ção entre exposição e doença. Existe conduzidas por métodos apropria-
entre exposição e doença, com pou- evidência limitada ou não há evidên- dos para avaliar o risco potencial

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do consumo excessivo, com base em b) a comprovação de uma alegação de- forma fidedígna e respeitando o consumi-
valores éticos; ve tomar por base dados humanos, dor. A legislação brasileira mantém-se aten-
basicamente provenientes de estu- ta aos conhecimentos científicos atuali-
c) devem ser avaliados o tipo e as ca-
dos intervencionais, com recomen- zados e incorpora os princípios do Codex
racterísticas do alimento sobre o
dações específicas de planejamento; Alimentarius, que objetivam promover e
qual será feita uma alegação;
c) quando o benefício final da alegação proteger a saúde pública, além de garantir
d) este alimento deve estar de acordo práticas eqüitativas no comércio de alimen-
não puder ser diretamente mensu-
com a política de saúde e nutrição tos.
rado, os estudos deverão recorrer a
do País, a fim de que evitem infor-
marcadores;
mações contraditórias sobre a fina-
AGRADECIMENTO
lidade do alimento; d) os marcadores devem ter:
À Coordenação de Aperfeiçoamento
e) deve-se ter sólida evidência cientí- - validade biológica, que apresente
de Pessoal de Nível Superior (Capes).
fica para aprovação da alegação. relação conhecida com resultado
final e distribuição normal dentro
Os dados obtidos devem mostrar de mo-
das características da população- REFERÊNCIAS
do constante uma associação entre expo-
alvo,
sição e a melhora da função e/ou redução ANVISA. Alimentos com alegações de pro-
do risco de doença, com pouco ou nenhum - validade metodológica, com respei- priedades funcionais e ou de saúde, novos
dado que demonstre o contrário, no caso de to às suas características analíticas; alimentos/ingredientes, substâncias bio-
estudos epidemiológicos (relação convin- ativas e probióticos. Brasília, 2005a. Dispo-
e) dentro de um estudo, a variável-alvo
cente). O documento “Proposta de reco- nível em: <http:www.anvisa.gov.br/alimentos/
deve ser estatisticamente significa-
mendações sobre a base científica de alega- comissoes/tecno.htm>. Acesso em: 1 set. 2005.
tiva e biologicamente relevante para
ções de saúde etapa 2/3, Proposed Draft
o grupo-alvo, além de consistente _______. Orientação para utilização, em ró-
Recommendations on the Scientific Basis
com a alegação a ser comprovada; tulos de alimentos, de alegação de proprie-
of Health Claims at Step 2/3” (CODEX
dades funcionais de nutrientes com funções
ALIMENTARIUS COMMISSION, 2005), f) a alegação deve ser cientificamente
plenamente reconhecidas pela comunidade
que ainda se encontra em discussão, reco- comprovada, considerando a totali-
científica: item 3.3 da Resolução ANVS/MS
menda a utilização de estudos clínicos e dade dos dados disponíveis e a ava-
no 18/99. Brasília, 2004. (ANVISA. Informe
que outros estudos somente sejam aceitos liação da evidência.
Técnico, 9). Disponível em: <http://www.
para sustentar a evidência clínica; que não
anvisa.gov.br/alimentos/informes/09_210504.
devem ser permitidas alegações claims CONSIDERAÇÕES FINAIS
htm>. Acesso em: 6 abr. 2005.
com base em descobertas ou associações A regulamentação orienta a indústria
recentes, sem a devida solidez dos dados de alimentos e garante ao consumidor pro- _______. Portaria no 27, de 13 de janeiro de
encontrados; recomenda ainda que deve dutos diferenciados, reconhecidamente 1998. Aprova o Regulamento Técnico referen-
ocorrer a reavaliação em função do sur- te à Informação Nutricional Complementar
comprovados pela comunidade científica.
gimento de evidências científicas convin- (declarações relacionadas ao conteúdo de nu-
Os produtos com alegação de propriedades
centes que alterem as associações anterior- trientes), constantes do anexo desta Portaria.
funcionais e/ou de saúde bem-sucedidos
mente estabelecidas. Diário Oficial [da] República Federativa do
incentivam o desenvolvimento de novos
O projeto Processo para Avaliação da Brasil, Poder Executivo, Brasília, 16 jan. 1998a.
ingredientes e alimentos proporcionando
Base Científica para Alegações em Alimen- Disponível em: <http://e-legis.anvisa.gov.br/
um importante e crescente mercado.
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alegação de propriedades funcionais é um
Seção Regional Europa – aprovou seis cri- assunto complexo que deve considerar _______. Portaria no 398, de 30 de abril de 1999.
térios para a comprovação científica das todos os aspectos sensoriais, tecnológi- Aprova o regulamento técnico que estabelece
alegações de saúde em alimentos. Os cri- cos e normativos, de forma que garanta os as diretrizes básicas para análise e comprovação
térios são: benefícios alegados e mantenha a con- de propriedades funcionais e ou de saúde
a) o alimento e/ou o componente ali- fiança do consumidor. A propaganda dos alegadas em rotulagem de alimentos. Diário
mentar ao qual é atribuído o efeito produtos deve-se limitar ao conteúdo apro- Oficial [da] República Federativa do Brasil,
alegado devem ser caracterizados; vado para a rotulagem, informando de Poder Executivo, Brasília, 3 maio 1999a. Dis-

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Agroindústria: leite e derivados 29

Bactérias psicrotróficas e importância de seu controle


na cadeia produtiva do leite
Cláudia Lúcia de Oliveira Pinto 1
Maurílio Lopes Martins 2
Maria Cristina Dantas Vanetti 3

Resumo - A implementação da granelização do leite cru, no Brasil, permitiu a redu-


ção dos custos operacionais de produção e as perdas por acidificação por atividade de
bactérias mesofílicas. Esta prática pode resultar em perda de qualidade dos produtos
lácteos associada ao crescimento e à atividade enzimática de bactérias psicrotróficas.
As principais causas de contaminação do leite por esse grupo bacteriano estão associadas
a procedimentos inadequados de higiene na cadeia produtiva do leite. O desen-
volvimento de métodos rápidos para detectar a microbiota psicrotrófica deteriorante
no leite constitui uma necessidade para a indústria, considerando que os métodos
disponíveis não fornecem informações, em tempo hábil, sobre a qualidade micro-
biológica do leite cru antes de seu processamento.
Palavras-chave: Laticínio. Leite refrigerado. Microbiota psicrotrófica. Bactéria. Qualidade
microbiológica. Contaminação. Deterioração.

INTRODUÇÃO o desenvolvimento de vários sabores e na forma de biofilmes em superfícies de


A estocagem do leite cru na fonte de odores indesejáveis, a redução do rendi- contato com os alimentos pode levar a con-
produção, sob refrigeração, possui, como mento na produção de queijos e a ocorrên- taminações antes e após o processamento
vantagens, a redução simultânea dos cus- cia de textura anormal em alguns tipos de e causar problemas de saúde pública e de
tos operacionais de produção e a redução queijos. Portanto, se o leite cru é subme- ordem econômica. Bactérias relacionadas
da perda do leite cru, por atividade acidi- tido a períodos de estocagem prolongados com a formação de biofilmes incluem as
ficante das bactérias mesofílicas. Entre- sob refrigeração, o controle de psicrotró- deterioradoras, a exemplo de Pseudomonas,
tanto, a conservação da matéria-prima sob ficos na matéria-prima pode ser mais impor- Burkholderia, Aeromonas, Hafnia, Serratia,
refrigeração, por períodos prolongados, po- tante do que o controle realizado após o Micrococcus, Enterococcus, e as patogêni-
de resultar em perda de qualidade dos pro- processamento. cas, como Listeria monocytogenes, Yersinia
dutos lácteos associados ao crescimento Os procedimentos inadequados de hi- enterocolitica, Salmonella Typhimurium,
e à atividade enzimática de bactérias psi- giene na cadeia produtiva do leite e a mi- estirpes enteropatogênicas de Escherichia
crotróficas. crobiota contaminante do ambiente são coli e Staphylococcus aureus.
As proteases produzidas por bactérias considerados as principais causas de con- As temperaturas de refrigeração reco-
psicrotróficas tornam o leite instável ao ca- taminação dos produtos por microrganis- mendadas para o armazenamento do leite
lor, o que provoca a coagulação durante a mos psicrotróficos deterioradores e/ou pa- na fonte de produção permitem o cresci-
pasteurização, a gelificação do leite UHT, togênicos. A presença de microrganismos mento de bactérias psicrotróficas, a produ-

1
Farmacêutica-bioquímica, D.Sc., Pesq. EPAMIG-CTZM, Caixa Postal 216, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: clucia@epamig.ufv.br
2
Tecnólogo/Bacharel em Ciência e Tecnologia de Laticínios, D.Sc. em Microbiologia Agrícola, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico:
m_lopesm@yahoo.com.br
3
Enga Alimentos, D.Sc., Prof a Tit. UFV-Depto Microbiologia, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: mvanetti@ufv.br

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ção e a atividade de suas enzimas. Ainda 24 horas. Posteriormente, o leite refrigerado Dentre as bactérias psicrotróficas con-
não existe, no Brasil, uma regulamentação é recolhido e transportado em caminhões taminantes, Pseudomonas é isolada com
específica sobre a qualidade microbiológica providos de tanques isotérmicos até a indús- maior freqüência a partir do leite e deriva-
da matéria-prima destinada à fabricação de tria. Alguns aspectos do processo de gra- dos refrigerados (PINTO, 2004), embora não
produtos lácteos específicos. Entretanto, nelização são considerados críticos, como representem mais do que 10% da micro-
conhecendo-se a qualidade do leite cru, a utilização de tanques de refrigeração co- biota do leite recém-ordenhado. O gênero
pode-se predizer a qualidade de produtos letivos, o tempo de refrigeração, a higieni- Pseudomonas inclui espécies que se carac-
lácteos subseqüentemente manufaturados. zação dos equipamentos e utensílios e a terizam por apresentar um curto tempo de
temperatura máxima do leite na proprieda- geração, entre 0ºC e 7ºC, e uma tempera-
SISTEMA DE de rural. tura mínima de crescimento de até -10ºC,
GRANELIZAÇÃO DO LEITE CRU além de secretarem proteases extracelula-
REFRIGERADO NA BACTÉRIAS PSICROTRÓFICAS res resistentes aos tratamentos de pasteu-
FONTE DE PRODUÇÃO CONTAMINANTES DO LEITE rização e UHT (SØRHAUG; STEPANIAK,
E A LEGISLAÇÃO VIGENTE E MECANISMOS DE 1997). A contaminação dos produtos lác-
De acordo com a Instrução Normativa ADAPTAÇÃO AO FRIO
teos por este microrganismo origina-se do
o
n 51 (BRASIL, 2002), no sistema de coleta Bactérias psicrotróficas são capazes de suprimento de água de qualidade inadequa-
a granel, os tanques de refrigeração por multiplicar a 7ºC ou menos independente da, deficiências de procedimentos de higie-
expansão direta devem ser dimensionados de sua temperatura ótima de crescimento. ne na fonte de produção e/ou na indústria
de forma tal que permitam a refrigeração do A microbiota psicrotrófica de importância de laticínios.
leite à temperatura igual ou inferior a 4ºC, na indústria de laticínios inclui espécies Isolados de Pseudomonas spp., prove-
no período máximo de três horas após o de bactérias Gram-negativas dos gêneros nientes de leite e submetidos à caracteri-
término da ordenha, independente de sua Pseudomonas, Achromobacter, Serratia, zação molecular e fenotípica, foram dividi-
capacidade. Os tanques de refrigeração por Aeromonas, Alcaligenes, Burkholderia, dos em cinco grupos sendo que aqueles
imersão devem ser dimensionados de mo- Chromobacterium e Flavobacterium e incluídos nos grupos B (P. fluorescens) e
do que permitam a refrigeração do leite à bactérias Gram-positivas dos gêneros E (P. fluorescens ou possivelmente P. fragi)
temperatura igual ou inferior a 7ºC, também Bacillus, Clostridium, Corynebacterium, continham alta freqüência de isolados com
no período máximo de três horas, após o Streptococcus, Lactococcus, Leuconostoc, atividades de protease, de lipase e de leciti-
término da ordenha, independente de sua Lactobacillus e Microbacterium spp.. nase (WIEDMANN et al., 2000). De acordo
capacidade. O uso coletivo de tanques de Dentre os microrganismos que sobrevi- com os autores, as estirpes incluídas nes-
refrigeração a granel, denominados tan- vem à pasteurização, espécies do gênero tes grupos constituem organismos repre-
ques comunitários, é admitido, desde que Bacillus são predominantes, especialmen- sentantes da microbiota deterioradora, de
se baseie no princípio de operação por te Bacillus licheniformis e Bacillus cereus. particular preocupação para a indústria de
expansão direta. A temperatura máxima de Muitos desses psicrotróficos produzem laticínios e de alimentos, especialmente P.
conservação do leite é de 7ºC na proprie- enzimas termorresistentes que reduzem a fluorescens. Os autores constataram ainda
dade rural, em tanques comunitários, e qualidade e a vida de prateleira do leite ter- que somente dois, de 22 isolados perten-
de 10ºC no estabelecimento processador. micamente tratado e de produtos lácteos centes aos grupos A e D (P. putida), exibi-
A localização do equipamento deve ser fabricados com leite contaminado; por essa ram atividade proteolítica e/ou lipolítica.
estratégica, para facilitar a entrega do leite razão, são considerados organismos dete- As bactérias psicrotróficas possuem
de cada ordenha, no local onde este estiver rioradores significativos (PINTO, 2004). mecanismos de adaptação a baixas tempe-
instalado. Não é permitido acumular, na Espécies do gênero Bacillus causam raturas dependente de modificações dos
propriedade rural, a produção de mais de problemas sensoriais no leite UHT, o que lipídeos e das proteínas. A concentração
uma ordenha para enviá-la, de uma só vez interfere em sua qualidade durante o arma- de lipídeos, na maioria das bactérias, está
ao dia, ao tanque comunitário. zenamento à temperatura ambiente, princi- entre 2% e 5%, e a maior parte do seu con-
A Instrução Normativa no 51 (BRASIL, palmente pelo desenvolvimento de rancifi- teúdo está na membrana celular. Uma grande
2002) estabelece ainda que o tempo trans- cação e por secretarem proteases, lipases parte dos microrganismos psicrotróficos
corrido entre a ordenha e o recebimento do e fosfolipases extracelulares de termorresis- sintetiza lipídeos neutros e fosfolipídeos
leite no estabelecimento industrial, que irá tência comparável à resistência térmica das com maior proporção de ácidos graxos
beneficiá-lo, deve ser de, no máximo, 48 ho- enzimas produzidas por espécies do gênero insaturados, quando crescem em tempera-
ras, independente de seu tipo. Recomenda- Pseudomonas (SØRHAUG; STEPANIAK, turas baixas. As modificações do conteúdo
se, como ideal, um período não superior a 1997). de ácidos graxos na membrana da célula
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Agroindústria: leite e derivados 31

microbiana, induzidas por baixas tempera- cimento das interações intramoleculares e, responsáveis pela rancificação em queijos.
turas, sugerem que essas alterações este- em alguns casos, no aumento da interação Mesmo em concentrações baixas, as pro-
jam associadas a mecanismos fisiológicos com o solvente, o que leva a uma estrutura teases degradam as proteínas e as lipases
da célula. O aumento do grau de insatura- molecular mais flexível, capaz de realizar a degradam os lipídeos e causam defeitos em
ção dos ácidos graxos leva a um decrésci- catálise com baixo gasto de energia. A com- produtos de vida de prateleira longa, como
mo no ponto de fusão do lipídeo. Portanto, pensação térmica das enzimas adaptadas o leite UHT e o leite em pó, onde as enzimas
o aumento da síntese de ácidos graxos ao frio é alcançada por meio do aumento são preservadas e podem ser reativadas
insaturados a baixas temperaturas tem da eficiência catalítica. A otimização dos após a reconstituição.
como função manter o lipídeo em estado fatores catalíticos pode originar uma estru- A proteólise do leite bovino também
líquido, o que permite que a membrana con- tura altamente flexível que apresenta modi- pode ser atribuída à atividade de proteases
tinue a exercer sua função. Este conceito é ficações conformacionais durante a catálise. naturais termoestáveis, principalmente
conhecido como teoria da solidificação de Além das modificações celulares para plasmina, uma serino protease e seu pre-
lipídeos. Essa modificação não é observada a manutenção da fluidez da membrana e da cursor inativo, o plasminogênio. A plasmi-
em espécies do gênero Pseudomonas, pelo atividade enzimática, outros mecanismos na é parcialmente resistente à pasteuriza-
fato de que espécies psicrotróficas desse são reconhecidos como importantes para ção e ao tratamento UHT. Plasmina, plas-
gênero já contêm entre 59% e 72% de lipí- o crescimento de bactérias a baixas tempe- minogênio e ativadores de plasminogênio
deos insaturados em sua membrana, o que raturas. A síntese de solutos compatíveis encontram-se associados às micelas de
lhes confere maior versatilidade em tempe- e a manutenção da integridade estrutural caseína e às membranas dos glóbulos de
raturas de refrigeração, em relação à maio- de macromoléculas, incluindo os ribosso- gordura e concentrações mais altas destas
ria dos microrganismos (JAY, 1996). mos e outros componentes que afetam a substâncias são encontradas na fração ca-
A preservação de fluxo metabólico a expressão gênica, são exemplos de estraté- seínica do leite comparadas às concen-
baixas temperaturas está associada à estru- gias para adaptação a temperaturas baixas. trações existentes no soro e na gordura.
tura química das enzimas, para que elas A resposta específica ao frio, que é comum A plasmina hidrolisa principalmente a
possam manter sua capacidade catalítica a bactérias relacionadas com alimentos, é β-caseína e αS2-caseína e, em menor exten-
eficiente. As enzimas adaptadas ao frio são, representada pela indução da síntese de são, αS1-caseína, enquanto a κ-caseína é
em geral, caracterizadas por apresentar alta proteínas, denominadas Proteínas do Cho- resistente à hidrólise por esta enzima.
atividade específica a baixas temperaturas que Frio (CSPs), que são proteínas peque- As concentrações de plasmina presen-
(GERDAY et al., 2000). Os estudos da estru- nas, com massa molecular de, aproximada- tes no leite são muito baixas e variam de
tura tridimensional de enzimas extracelu- mente, 7kDa, envolvidas na estrutura do 14 µg a 75 µg/100 mL. A relação entre plas-
lares e intracelulares de bactérias psicro- mRNA, na síntese de proteínas e/ou pro- mina e plasminogênio é, na maioria dos
tróficas e psicrofílicas demonstram que a teção ao congelamento (JAY, 1996). casos, de 1:5. No leite estão presentes tam-
maioria das alterações, que ocorre a baixas bém substâncias termolábeis inibidoras
temperaturas, consiste em um decréscimo DETERIORAÇÃO DO LEITE de plasmina. Como conseqüência, o poten-
na força de ligação entre os grupamentos E DERIVADOS POR cial de degradação do sistema plasmina-
hidrofóbicos e do número de ligações iôni- ATIVIDADE ENZIMÁTICA plasminogênio no leite depende do balanço
cas. Outras variáveis que podem estar for- A deterioração do leite cru refrigerado entre enzima ativa e seus precursores e ini-
temente envolvidas na adaptação de pro- ocorre principalmente em função da ati- bidores. Em função da baixa concentração
teínas ao frio são específicas de algumas vidade de proteases e lipases. As enzimas de plasmina no leite, problemas tecnoló-
enzimas, a exemplo do decréscimo de resí- proteolíticas de natureza bacteriana agem, gicos não se manifestam em produtos de
duos de prolina e de arginina, um aumento em sua maioria, sobre a κ-caseína, o que vida de prateleira curta. Entretanto, em con-
nos resíduos de glicina ou nas interações resulta na desestabilização das micelas de centrações moderadas, a atividade desta
com o solvente, além de uma melhor aces- caseína e na coagulação do leite, de forma enzima pode ser deletéria para produtos de
sibilidade do sítio catalítico da enzima ao análoga à quimosina. A lipólise resulta da vida de prateleira longa.
substrato. ação de lipases naturais e/ou microbianas. A gelificação do leite UHT pode ocor-
Os resultados de pesquisas onde são Estas enzimas têm a propriedade de hidro- rer em baixa concentração de plasmina
comparadas a estrutura tridimensional das lisar triglicérides, constituintes da gordura, (0,15 mg/L), durante o período de estoca-
enzimas α-amilase, β-lactamase, lipase e em ácidos graxos de cadeia curta, incluin- gem à temperatura ambiente. A gelificação
subtilisina com a de seus similares indi- do os ácidos butírico, capróico, caprílico e é acompanhada de um aumento da visco-
cam que a adaptação molecular a baixas cáprico, principais responsáveis por odo- sidade e a plasmina age, preferencialmente,
temperaturas está associada ao enfraque- res desagradáveis no leite e que podem ser sobre α e β-caseína.
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32 Agroindústria: leite e derivados

O sistema plasmina-plasminogênio do alta população de psicrotróficos com base As lipases, produzidas por psicrotró-
leite pode ser afetado pelo rompimento da em decréscimo de 10% a 20% na concen- ficos, são consideradas mais importantes
micela de caseína por atividade de pro- tração de κ-caseína, após dois dias de esto- que as proteases no desenvolvimento de
teases de Pseudomonas. Estas proteases cagem a 5ºC, na presença de 105 UFC/mL defeitos no sabor e aroma em queijos. Isto
promovem a liberação de plasmina ligada à de Pseudomonas spp. porque as proteases são solúveis em água
caseína para o soro e pode comprometer Na indústria de queijos, os produtores e perdidas no soro, enquanto as lipases
de forma negativa o processo de fabrica- possuem problemas de perdas de rendimen- são adsorvidas pelos glóbulos de gordura,
ção de queijos, considerando que a plas- to em decorrência da atividade de proteases ficando retidas na massa do queijo.
mina é importante no desenvolvimento de bacterianas sobre a caseína. Cousin (1982) As taxas de fermentação das bactérias
características sensoriais no produto, co- constatou um aumento considerável do ni- do ácido láctico, durante a produção de
mo sabor, odor e textura (FAJARDO-LIRA; trogênio total em soros de leites inoculados queijos e de iogurte, também podem ser
NIELSEN, 1998). Portanto, neste caso, as com psicrotróficos, o que sugere que a ati- afetadas pelo crescimento de psicrotrófi-
proteases bacterianas atuam de forma indi- vidade metabólica dessas bactérias pode cos. Em alguns casos, a ação das proteases
reta sobre a qualidade do leite e derivados. afetar o rendimento de queijos. Esse autor produzidas por bactérias psicrotróficas
O controle da microbiota psicrotrófica descreveu que o rendimento de queijos resulta em aumento dos teores de peptí-
no leite constitui um fator importante para ácidos, fabricados com leite inoculado com deos e de aminoácidos livres que estimu-
assegurar a qualidade de alguns produtos psicrotróficos, foi reduzido com o aumento lam o crescimento das bactérias do ácido
lácteos. Entretanto, a contaminação do da concentração inicial de células, resulta- láctico. Por outro lado, a lipólise resultan-
leite cru por bactérias psicrotróficas pro- do este associado à degradação de proteí- te da ação de lipases, também produzidas
teolíticas é freqüente e de difícil controle. nas e de lipídeos. As técnicas de manuseio por psicrotróficos, aumenta a concentra-
Bactérias psicrotróficas produtoras de de leite cru podem resultar em contagens ção de ácidos graxos livres, que podem
proteases resistentes ao tratamento térmi- altas de psicrotróficos antes da fabrica- inibir as bactérias do ácido láctico. Portan-
co de 149ºC, por 10 segundos, são isoladas ção de queijos que, por meio de suas ativi- to, se amostras de leite cru são submeti-
com alta freqüência de leite cru refrigerado. dades proteolíticas e lipolíticas, produ- das a períodos prolongados de estocagem,
Essas proteases são ativas na concentra- zem substâncias indesejáveis ao produto sob refrigeração, o controle de psicrotró-
ção de caseína e no pH característico do (SØRHAUG; STEPANIAK, 1997). Se- ficos na matéria-prima pode ser mais impor-
leite, a 25ºC e 45ºC. O aumento da susce- gundo descrição desses autores, a adição tante do que o realizado após o processa-
tibilidade do leite esterilizado à ação de de protease de P. fluorescens, na concen- mento.
proteases, durante o período de estocagem, tração de 5ng/mL, ao leite usado para fabri- Alguns problemas tecnológicos são
também é descrito na literatura científica. cação de queijo Quark reduziu a qualida- apresentados no Quadro 1, associados à
Resultados de pesquisas indicam que um de do produto quanto ao sabor e aroma, contaminação do leite cru por bactérias psi-
grau de proteólise detectável não requer uma após três semanas de estocagem a 7ºC. crotróficas.

QUADRO 1 - Efeitos do crescimento de bactérias psicrotróficas em leite cru antes do tratamento térmico sobre a qualidade de produtos lácteos
(continua)

Psicrotróficos
Produto em leite cru Efeito sobre a qualidade
(Log UFC/mL)

Leite UHT 5,9 Gelificação após 20 semanas.


6,9-7,2 Gelificação após 2 a 10 semanas; desenvolvimento gradual de falta de frescor; sabor de
amargo, sujo, ranço.

Leite em pó, leite em pó congelado 6,3-7,0 Estabilidade térmica reduzida, aumento da capacidade espumante do leite reconstituído.

Leite pasteurizado 5,5 Sabor inferior, quando comparado ao leite pasteurizado produzido com leite fresco.

Queijos duros 6,5-7,5 Rancidez.

Queijos duros 7,5- 8,3 Diferentes defeitos de sabor, especialmente rancidez e gosto de sabão; redução do rendimento
do queijo.

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(conclusão)

Psicrotróficos
Produto em leite cru Efeito sobre a qualidade
(Log UFC/mL)
Queijo Cottage 5-7,8 Correlação significativa entre a contagem de psicrotróficos no leite cru e gosto amargo no
produto final.

Manteiga ND Desenvolvimento rápido de rancidez na manteiga fabricada com creme proveniente de leite
cru estocado a frio comparado à manteiga fabricada com creme proveniente de leite fresco.

Iogurte 7,6-7,8 Gosto amargo, de sujo ou sabor de fruta, em função de microbiota específica.

FONTE: Sørhaug e Stepaniak (1997).


NOTA: ND - Não determinado; Log UFC/mL - Logaritmo de Unidades Formadoras de Colônias por mililitro.

FATORES QUE INFLUENCIAM


A QUALIDADE DO LEITE UHT
O leite UHT é definido como o leite ho-
mogeneizado, submetido a temperaturas
que variam de 130ºC a 150ºC, por 2 a 4 se-
gundos, mediante processo térmico de flu-
xo contínuo, resfriado imediatamente a uma
temperatura inferior a 32ºC e envasado, sob
condições assépticas, em embalagens pre-
viamente esterilizadas e hermeticamente fe-

Renata Aparecida Mendes


chadas. Dessa forma, o produto, do ponto
de vista bacteriológico, é estável à tempe-
ratura ambiente por vários meses.
Os programas para assegurar a qua-
lidade de produtos UHT diferem daqueles
para produtos pasteurizados, pois a maioria
Figura 1 - Ocorrência de gelificação em leite UHT durante o período de estocagem do
dos defeitos que limitam a aceitabilidade produto
de produtos UHT, após longo tempo de
estocagem, resulta de alterações físicas,
químicas e enzimáticas. A gelificação do da por interações entre a proteína do soro quando uma concentração crítica do com-
leite UHT, durante a estocagem, constitui β-lactoglobulina e a κ-caseína da micela plexo β-κ é alcançada. Os fatores signifi-
o fator mais limitante de sua vida de pra- de caseína, durante o tratamento térmico cativos que influenciam o início da gelifi-
teleira. Os fatores de produção do leite que a altas temperaturas. Estas interações re- cação incluem: o tipo e/ou a severidade do
influenciam a qualidade do leite cru e pos- sultam na formação de um complexo entre tratamento térmico, a proteólise durante a
suem efeito sobre a gelificação do leite UHT a β-lactoglobulina e a κ-caseína. O meca- estocagem, o estádio de lactação, a con-
incluem a idade do animal, o estádio de nismo aceitável para explicar a gelificação tagem de células somáticas, a qualidade
lactação, mastite, qualidade microbiológica baseia-se em um processo constituído de microbiológica do leite cru, a sazonalidade,
da matéria-prima, temperatura de estoca- etapas (Fig. 2). O complexo β-κ dissocia- a temperatura de estocagem, o uso de
gem, uso de aditivos e conteúdo de gor- se da micela de caseína, devido à degrada- aditivos e o conteúdo de gordura do leite
dura. ção pelas proteases bacterianas de múl- (DATTA; DEETH, 2001).
A gelificação é caracterizada pela for- tiplos sítios âncoras sobre a κ-caseína e, O crescimento de bactérias psicrotró-
mação de um gel durante o período de esto- posteriormente, os complexos dissociados ficas no leite cru predispõe as proteínas a
cagem do produto (Fig. 1), constituído por agregam-se dentro de uma matriz tridimen- efeitos deletérios, quando o leite é subme-
uma matriz protéica tridimensional inicia- sional. Um gel, na forma de creme, é formado tido a tratamentos térmicos em tempera-
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34 Agroindústria: leite e derivados

dade, e são ativas sobre a caseína, especial-


mente sobre a κ-caseína. De acordo com
Mitchell et al. (1986), a termorresistência
pode ser relacionada com a seqüência de
aminoácidos da proteína e com a força de
estabilização das interações entre o Ca2+ e
a proteína, que confere proteção parcial
contra a desnaturação da enzima. A função
do Ca2+ presente nas proteases bacterianas
é a de estabilizar a conformação nativa da
molécula que pode ser afetada pela adição
de EDTA ou tratamento em resina troca-
dora de cátion. Os íons Ca2+ e Zn2+ são
requeridos para a atividade ótima da pro-
tease de Pseudomonas MC60 a 45ºC, mas
somente o Ca2+ é capaz de restaurar o efeito
de inativação a altas temperaturas. Os fato-
res que estabilizam as enzimas termorresis-
tentes de bactérias psicrotróficas, descritos
Figura 2 - Modelo proposto para explicar o processo de gelificação do leite UHT por Sørhaug e Stepaniak (1997), incluem
pontes salinas, pontes de hidrogênio, sí-
FONTE: Dados básicos: Datta e Deeth (2001).
tios de ligações ao Ca2+ e a presença de um
NOTA: A - Deposição de β-lactoglobulina sobre κ-caseína durante o aquecimento UHT
centro hidrofóbico expandido.
e formação do complexo βκ; B - Dissociação do complexo β-lactoglobulina-
Bactérias psicrotróficas isoladas de
κ-caseína das micelas durante a estocagem do leite UHT; C - Gelificação do
produtos de laticínios produziram protea-
leite pela formação de ligações cruzadas entre o complexo β-lactoglobulina-
ses e lipases resistentes aos tratamentos
κ-caseína.
térmicos de 77ºC por 17 segundos e de
140ºC por 5 segundos. A inativação de 90%
turas ultra-altas. A atividade de enzimas estáveis a altas temperaturas e resistem à da atividade de proteases extracelulares
termorresistentes de bactérias psicrotrófi- pasteurização e ao tratamento UHT, mas produzidas por Pseudomonas pode ser
cas pode reduzir a qualidade e a vida útil não são ativas acima de 50ºC a 60ºC. Essas alcançada a 72ºC, por 4 a 5 horas ou a 120ºC,
do leite UHT. A qualidade microbiológica enzimas possuem atividade ótima entre por 7 minutos. Entretanto, estes tratamen-
do leite cru pode influenciar no grau de 30ºC e 45ºC, uma baixa energia de ativação tos são considerados altamente prejudi-
proteólise do produto acabado, sendo que e, portanto, são mais ativas entre 4ºC e 7ºC ciais às características do leite.
maiores valores são observados, quando do que as enzimas de microrganismos me- Espécies do gênero Bacillus secretam
a matéria-prima apresenta contagens entre sofílicos (SØRHAUG; STEPANIAK, 1997). proteases, lipases e fosfolipases extra-
105 UFC/mL e 106 UFC/mL. Estudos de- Atividade proteolítica de bactérias celulares de termorresistência comparável
monstram que a adição de proteases pu- dos gêneros Pseudomonas, Aeromonas e à resistência térmica das enzimas produzi-
rificadas de estirpes de P. fluorescens ao Alcaligenes foi detectada em leite desna- das por espécies do gênero Pseudomonas,
leite UHT leva ao desenvolvimento gradual tado, mesmo a 5ºC (TERADA et al., 1982). as quais são associadas a defeitos sen-
de sabores indesejáveis. O controle da atividade enzimática de bac- soriais no leite UHT durante o armazena-
térias psicrotróficas no leite cru é impor- mento (SØRHAUG; STEPANIAK, 1997).
ESTABILIDADE E tante, especialmente em produtos esterili-
RESISTÊNCIA TÉRMICA ADESÃO E FORMAÇÃO
zados de vida de prateleira longa.
DAS ENZIMAS PRODUZIDAS DE BIOFILMES POR
As proteases termorresistentes produ-
POR BACTÉRIAS PSICROTRÓFICAS BACTÉRIAS PSICROTRÓFICAS
zidas por bactérias psicrotróficas do gênero
As proteases, lipases e fosfolipases Pseudomonas são metaloproteases alca- O estudo das interações entre bactérias
produzidas por bactérias psicrotróficas, linas que requerem os cátions divalentes e as superfícies em ambientes específicos
principalmente por Pseudomonas, são Ca+2 e Zn+2, para sua estabilidade e ativi- de produção e processamento de alimentos

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Agroindústria: leite e derivados 35

constitui a medida mais efetiva, para pre- compostos sanificantes oxidantes e não- minimizar a atividade proteolítica, seja ela
venir a formação de biofilmes e para a sua oxidantes (MITTELMAN, 1998). Além dis- de origem bacteriana ou de plasmina; pode
remoção. A prevenção do desenvolvimento so, de acordo com os dados de Andrade et impedir a dissociação do complexo β-κ da
de biofilmes constitui a chave para o seu al. (1998), a resistência das bactérias em micela de caseína e, finalmente, pode inibir
controle e a combinação de técnicas ade- biofilmes pode variar em função do tipo de interações que, subseqüentemente resul-
quadas de limpeza, o emprego de tratamen- microrganismo. Estes autores observaram tem na formação da rede de proteínas res-
tos com associação de agentes oxidantes uma maior resistência de esporos de Bacillus ponsável pela gelificação do leite UHT.
e compostos tensoativos e o monitora- sporothermodurans, aderidos à superfície
mento freqüente das superfícies são impor- de aço inoxidável, em relação às células de MÉTODOS DE DETECÇÃO DA
tantes para um programa efetivo de ma- Enterococcus faecium aderidas, nas mes- MICROBIOTA PSICROTRÓFICA
nutenção. mas condições, à ação de solução de ácido EM LEITE CRU REFRIGERADO
Vários fatores contribuem para a adesão peracético, na concentração de 60 mg/L,
de uma bactéria à determinada superfície e Os testes de predição da vida útil de
por 2 minutos. O valor D para esporos de
dependem não só da fisiologia do micror- produtos lácteos baseiam-se na detecção
B. sporothermodurans foi de 2,3 minutos e
ganismo, mas também da natureza do subs- de psicrotróficos Gram-negativos, especial-
para E. faecium, de 7 segundos.
trato e do tempo de contato. Hood e Zottola mente de Pseudomonas, porque essas bac-
(1995) observaram que o número de célu- térias causam a vasta maioria dos pro-
CONTROLE DA
las aderentes de S. Typhimurium, E. coli blemas de conservação desses produtos.
CONTAMINAÇÃO DO LEITE
O:157:H7, P. fragi e P. fluorescens aumen- Entretanto, os métodos disponíveis reco-
POR MICRORGANISMOS
tou com o tempo em superfície de aço inoxi- mendam incubação por 7 a 10 dias, a 7ºC.
dável, porém o meio de cultura em que os A qualidade dos produtos lácteos é Os métodos convencionais de cultivo e
autores observaram maior aderência foi influenciada pela qualidade bacteriológica quantificação da contaminação microbiana
diferente para cada microrganismo. Em re- da matéria-prima na fonte de produção, pela são considerados demorados e não compa-
sultados constatados por Suarez et al. contaminação dos tanques de refrigeração, tíveis com os requerimentos para atender
(1992), observou-se maior capacidade de pelo aumento da temperatura durante o a um controle de qualidade eficiente na
adesão de bactérias psicrotróficas Gram- transporte, pelo tempo de transporte, pela indústria de laticínios. Uma variação da
negativas em relação às bactérias Gram- contaminação na indústria e pelo tratamen- técnica convencional de contagem de psi-
positivas isoladas de leite cru a diferentes to do leite após o processamento. Todos crotróficos foi estabelecida pela Federação
tipos de materiais usados para a construção esses fatores estão inter-relacionados, sen- Internacional de Laticínios e preconiza a
de equipamentos de laticínios, incluindo o do de máxima importância utilizar como incubação por 25 horas, a 21ºC. Esses mé-
aço inoxidável, a borracha e o vidro. matéria-prima, leite de alta qualidade bac- todos que utilizam incubação preliminar
Além das células vegetativas, os espo- teriológica. das amostras de leite antes do plaqueamen-
ros bacterianos também são envolvidos em Técnicas comuns estudadas para ina- to e incubação geralmente são finalizados
processos de adesão. Martins (2001) cons- tivar parte da microbiota do leite incluem a após 24 horas. As desvantagens dessas
tatou que esporos de isolados de leite UHT termização (60ºC a 66ºC por 5 a 20 segun- metodologias, convencional e estimativa,
foram capazes de aderir à superfície de aço dos), a pasteurização (72ºC por 15 segun- são a inviabilidade do direcionamento do
inoxidável, sendo que a adesão aumentou dos), a microfiltração, a centrifugação e leite, em tempo hábil, para o processamen-
com o tempo. Este autor sugeriu que a pre- também o tratamento UHT. Outros méto- to e a ausência de relação entre as popu-
sença de fissuras e ranhuras na microto- dos incluem a sanificação, a refrigeração, a lações de microrganismos psicrotróficos e
pografia da superfície do aço inoxidável injeção de CO2 e a adição de peróxido de a atividade proteolítica. Por isso, esses pro-
poderia proteger os esporos, quando ade- hidrogênio, o uso de sorbato e a inoculação cedimentos de plaqueamento, precedidos
ridos em números baixos. de bactérias do ácido láctico. ou não de incubação preliminar, têm baixa
Uma das características a ser consi- O controle prático da qualidade da correlação com a vida útil real dos pro-
derada, quando as células bacterianas matéria-prima para a produção do leite UHT dutos lácteos. Os resultados obtidos por
encontram-se aderidas à superfície, é a sua é limitado ao uso da termização e resfria- Duyvesteyn et al. (2001) permitiram concluir
maior resistência à ação de sanificantes. mento. Além desses procedimentos, a mani- que a contagem padrão em placas não é
Nessa condição, substâncias poliméricas pulação das condições de processamento uma opção válida para a determinação da
extracelulares representam uma barreira de e estocagem, concomitante ou não com o qualidade sensorial do leite pasteurizado.
proteção que compromete a atividade de uso de aditivos, também pode controlar ou Esses autores constataram uma correlação

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36 Agroindústria: leite e derivados

muito baixa entre a contagem de psicro- com o objetivo de aumentar a sensibilidade 18 de setembro de 2002. Aprova os Regulamen-
tróficos aeróbios e avaliação sensorial do da técnica de PCR e reduzir os custos dos tos Técnicos de Produção, Identidade e Quali-
produto. Portanto, as desvantagens asso- reagentes ainda são requeridos para a dade do Leite tipo A, do Leite tipo B, do Leite
ciadas à técnica de contagem padrão em implementação rotineira desta técnica pe- tipo C, do Leite Pasteurizado e do Leite Cru
placas comprometem uma característica las indústrias de laticínios (MARTINS et Refrigerado e o Regulamento Técnico da Coleta
desejável para a garantia de qualidade na al., 2005). de Leite Cru Refrigerado e seu Transporte a
indústria de laticínios, que é a capacidade Dentre as desvantagens da PCR incluem Granel. Diário Oficial [da] República Federa-
de predizer rapidamente a vida de prateleira a impossibilidade de distinguir células vi- tiva do Brasil, Brasília, 20 set. 2002. Seção 1,
dos seus produtos finais. vas e mortas, a presença de inibidores de p.13-22.
A presença das enzimas proteolíticas polimerase nas amostras de alimentos, o
COUSIN, M.A. Presence and activity of psy-
no leite pode ser avaliada por métodos imu- que leva a resultados falsos negativos e o chrotrophic microrganisms in milk and dairy
nológicos, a exemplo da técnica de ELISA, acesso ao microrganismo- alvo. O desenvol- products: a review. Journal of Food Protection,
mas que detecta a presença de protease vimento de métodos mais rápidos, precisos v.45, n.2, p.172-207, 1982.
somente quando o número de células de e seguros, a fim de detectar a microbiota
Pseudomonas é superior a 106 UFC/mL. psicrotrófica presente no leite constitui uma DATTA, N.; DEETH, H. C. Age gelation of UHT
Além disso, algumas espécies de bacté- área de estudo, uma vez que as metodolo- milk: Food and Bioproducts Processing, v.79,
rias produzem proteases imunologicamente gias hoje disponíveis não fornecem infor- n.C4, p.197-210, Dec. 2001.
não relacionadas e pode ocorrer da taxa de mação sobre a qualidade microbiológica do DUYVESTEYN, W.S.; SHIMONI, E.; LABUZA,
atividade antigênica ser diferente da ativi- produto antes do seu processamento. T.P. Determination of the end of shelf-life for
dade proteolítica residual. milk using weibull hazard meted. Lebensm-
Uma alternativa estudada por Martins CONSIDERAÇÕES FINAIS Wiss und Technology, v.34, p.143-148, 2001.
et al. (2005), para a detecção de bactérias
Considerando que as enzimas produ-
proteolíticas presentes no leite, foi a utili- FAJARDO-LIRA, C.E.; NIELSEN, S.S. Effect of
zidas por bactérias psicrotróficas são res-
zação da técnica de amplificação de uma psychrotrophic microorganisms on the plasmin
ponsáveis pelos defeitos de qualidade do
seqüência específica do DNA, conhecida system in milk. Journal of Dairy Science, v.81,
leite e seus derivados, a atividade desses n.4, p.901-908, 1998.
como Reação de Polimerização em Cadeia
organismos no leite precisa ser controlada,
(PCR). Esta técnica é usada para a detecção GERDAY, C.; AITTALEB, M.; BENTAHIR, M.;
para assegurar a qualidade dos produtos
e identificação de muitos microrganismos CHESSA, J. P.; CLAVERIE, P.; COLLINS, T.;
lácteos. Como a temperatura de refrigeração
em amostras de alimentos, solo, material clí- adotada no armazenamento do leite não D’AMICO, S.; DUMONT, J.; GARSOUX, G.;
nico, entre outros. A facilidade, rapidez, ver- inibe o crescimento de psicrotróficos nem GEORLETT, D.; HOYOUX, A.; LONHIENNE,
satilidade e sensibilidade da PCR tornaram- a produção e atividade de enzimas deterio- T.; MEUWIS, M.A.; FELLER, G. Cold-adapted
na uma ferramenta poderosa para estudos radoras, é imprescindível que se assegure enzymes: from fundamentals to biotechnology.
genéticos e em função de suas vantagens é a adoção das boas práticas de produção Trends in Biotechnology, v.18, n.3, p.103-107,
utilizada para a detecção de várias espécies para limitar a contaminação. Uma alterna- 2000.
bacterianas patogências como Salmonella tiva para minimizar os danos causados por HOOD, S.K.; ZOTTOLA, E.A. Biofilms in food
spp., Escherichia coli, Vibrio cholerae, essa microbiota é o controle do tempo de processing. Food Control, v.6, n.1, p.9-18, 1995.
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isoladas do leite, a exemplo de P. fluorescens,
and impedance methods. Journal of Food de Viçosa, Viçosa, MG, 2001.
reduziria o tempo de detecção dessa micro-
Protection, v.61, n.7, p.833-838, 1998.
biota no leite cru, o que permitiria o dire- MARTINS, M. L.; ARAÚJO, E. F. de;
cionamento do leite para a fabricação dos BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e MANTOVANI, H.C.; MORAES, C.A.; VANETTI,
diferentes derivados. Entretanto, estudos Abastecimento. Instrução Normativa n 51, de o
M.C.D. Detection of the apr gene in proteolytic

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38 Agroindústria: leite e derivados

Bactérias patogênicas em leite e produtos lácteos


Maria Cristina Dantas Vanetti 1

Resumo - Enfermidades causadas pela ingestão de alimentos contaminados constituem


um problema mundial e o leite e os produtos lácteos têm participação importan-
te, considerando a presença desses alimentos na dieta humana. Com a adoção da
pasteurização do leite, no final do século 19, associada a medidas como proibição da
comercialização de leite cru em muitos países, a segurança do leite e seus derivados foi
aumentada. Surtos de doenças associadas ao leite e produtos lácteos continuam a ocorrer.
Bactérias como Salmonella, Listeria monocytogenes e Escherichia coli estão entre os agentes
de infecção mais comuns. Staphylococcus aureus é o causador de intoxicação associado
com maior freqüência aos surtos que envolvem esses alimentos. A prevenção das doenças
causadas por ingestão de leite e produtos lácteos contaminados, independentes de sua
etiologia, baseia-se essencialmente na prevenção da contaminação e na eliminação de
potenciais agentes patogênicos. A adoção de práticas higiênicas e adequadas em toda a
cadeia produtiva é fundamental, o que contribui para a redução da contaminação do
leite, e garante a qualidade da matéria-prima, a segurança alimentar, assegurando
novos mercados consumidores.
Palavras-chave: Laticínio. Qualidade microbiológica. Doença. Contaminação. Segurança
alimentar. Controle preventivo.

INTRODUÇÃO causadas pela ingestão de alimentos con- tação da rotina da pasteurização foi efeti-
A interdependência social, política e taminados é uma preocupação crescente va para garantir a segurança dos produtos
econômica crescente do mundo globali- em todo o mundo e uma causa importante lácteos que, atualmente, são identificados
zado aumenta os riscos de transmissão de de morbidade e mortalidade. Dados da como veículos de patógenos em freqüência
patógenos infecciosos e exige das auto- ocorrência das doenças de origem alimen- baixa. Nos EUA, intoxicações ou infecções
ridades governamentais, políticas de coo- tar são subestimados, mesmo em países alimentares, atribuídas ao consumo de lei-
peração internacional para a adoção de me- com sistemas de vigilância epidemiológi- te e derivados, variaram entre 1,1% e 1,7%
didas de prevenção e de controle dessas ca efetivos, como nos Estados Unidos da dos casos registrados, no período de 1998
doenças. Por ser o principal item comercia- América (EUA), onde as estatísticas indi- a 2002 (LYNCHY et al., 2006), enquanto em
lizado no mundo, os alimentos são partes cam a ocorrência de cerca de 76 milhões países da Europa, essa taxa variou de 1% a
importantes no cenário das doenças infec- de casos de intoxicações ou infecções ali- 5% entre os anos de 1980 e 2001 (BUYSER
ciosas e contribuem na disseminação de mentares a cada ano, com uma demanda de et al., 2001). Na América Latina, a estimati-
microrganismos patogênicos. A indústria 325 mil internações hospitalares, resultan- va do envolvimento de produtos lácteos
de alimentos procura disponibilizar para o do em cerca de 5.200 mortes (CENTER FOR em surtos de intoxicações ou infecções ali-
consumidor, alimentos nutritivos, seguros, DISEASE CONTROL AND PREVENTION, mentares é de cerca de 8% dos casos diag-
com qualidade e dispõe para isso de recur- 2005). nosticados, enquanto no Brasil este valor
sos, como a implementação de programas O leite é um alimento de alto valor nu- é de 7,7% (SIRVETA, 2003).
de Análise de Perigos e Pontos Críticos de tritivo e, portanto, um substrato ideal para Estudos epidemiológicos em sete paí-
Controle (APPCC), para alcançar esse obje- o crescimento de muitos microrganismos ses da Europa, que confirmaram ou colo-
tivo. Entretanto, a ocorrência de doenças deterioradores e patogênicos. A implemen- caram o leite ou produtos lácteos como

1
Enga Alimentos, D.Sc., Prof a Tit. UFV-Depto Microbiologia, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: mvanetti@ufv.br

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Agroindústria: leite e derivados 39

suspeitos de veicularem patógenos incri- no mínimo, 21 enfermidades causadas pelo Diseases (Sirveta), de 1993 a 2002 foram
minaram queijos em 53,1%, leite em 39,1% consumo de leite e produtos lácteos (BEAN registrados apenas 31 surtos de intoxica-
e outros produtos em 7,8% dos casos ou et al., 1996). Décadas atrás, antes que a pas- ções ou infecções causadas pela ingestão
surtos (BUYSER et al., 2001). Mesmo sendo teurização fosse exigida pelas agências go- de leite e derivados no Brasil e a intoxica-
escassos, os dados disponíveis sobre a vernamentais, as doenças relacionadas com ção estafilocócica é a síndrome de ocor-
ocorrência das doenças de origem alimentar consumo de leite eram, principalmente, rência mais comum (Gráfico 1).
no Brasil também indicam o maior envolvi- febre tifóide, difteria, febre escarlate, di- Nesses surtos o queijo é o principal pro-
mento dos queijos, como veículos de pató- senteria, febre Q, entre outras. A adoção duto lácteo envolvido (Gráfico 2).
genos ou de suas toxinas (SIRVETA, 2003). da pasteurização do leite, inicialmente Os dados do Centers for Disease Control
Embora o leite e derivados constituam estabelecida para matar Mycobacterium and Prevention (CDC), nos EUA, apresen-
um veículo não muito freqüente na epide- tuberculosis, causador da tuberculose, e tados por Olsen et al. (2004), identificam
miologia das intoxicações e infecções ali- considerado o patógeno mais termorre- outro perfil de patógenos associados a sur-
mentares, a importância desses produtos sistente encontrado em leite, reduziu dras- tos que ocorreram em razão do consumo
na dieta humana requer sistemas que pos- ticamente a prevalência dessas doenças. de leite pasteurizado (Gráfico 3).
sam garantir sua inocuidade. Há, portanto, Nos anos 60, a temperatura de pasteuri- Salmonella é uma das causas mais co-
a necessidade de enfatizar a vigilância con- zação do leite foi aumentada para garantir muns de infecções alimentares em todo o
tinuada em cada etapa da produção, pro- a inativação de Coxiella burnetii, agente mundo. Casos de salmonelose em razão da
cessamento, pasteurização e distribuição causador da febre Q. Nos últimos anos, o ingestão de leite cru, leite pasteurizado e
do leite e derivados. reconhecimento de novos agentes pato- produtos lácteos são bem documentados.
Os problemas associados com o con- gênicos e a reemergência de patógenos Como a pasteurização é efetiva para inativar
trole sanitário de leite e derivados tornaram- conhecidos resultaram na mudança da Salmonella, os surtos que envolvem pro-
se extremamente complexos em razão da epidemiologia das doenças causadas pelo dutos pasteurizados são atribuídos a tra-
variedade e das inovações de produtos, consumo de leite e produtos lácteos. Atual- tamento térmico inadequado ou contami-
processos, químicos, materiais e padrões mente, os surtos de doenças que envolvem nação pós-pasteurização. A dose mínima
de comercialização. Esta situação atual leite e produtos da indústria laticinista são infecciosa de Salmonella para o homem
requer avaliações prévias em termos de atribuídos a patógenos como Salmonella, varia de dez células a milhões de células e
segurança alimentar que nem sempre são Campylobacter, Listeria monocytogenes, está relacionada com fatores inerentes ao
realizadas antes da entrada do produto no Escherichia coli O157:H7, Staphylococcus indivíduo, ao sorotipo de Salmonella e ao
mercado. aureus, Yersinia enterocolitica, entre tipo de alimento contaminado. Salmonella
outros. Segundo o Regional Information pode multiplicar-se em muitos alimentos e,
PRINCIPAIS PATÓGENOS System for Surveillance of Foodborne por isso, muitos países exigem ausência
ENVOLVIDOS EM DOENÇAS
CAUSADAS PELA INGESTÃO DE
LEITE OU PRODUTOS LÁCTEOS
As doenças atribuídas ao consumo de
leite ou produtos lácteos são conhecidas
desde o início da indústria laticinista. Entre
as principais, estão as causadas pela pre-
sença de microrganismos patogênicos,
micotoxinas, alergênicos naturais do leite,
resíduos químicos, resíduos de antibióti-
cos e hormônios. Embora a grande preocu-
pação do consumidor pareça ser a presença
de resíduos químicos, particularmente pes-
ticidas, as investigações comprovam que Gráfico 1 - Principais patógenos relacionados com surtos de intoxicação ou infecção
mais de 90% das doenças relacionadas com alimentar, registrados pelo Sirveta, atribuídos ao consumo de leite ou pro-
ingestão de leite e derivados continuam a dutos lácteos, que ocorreram no Brasil no período 1993-2002
ser de origem bacteriana. São conhecidas, NOTA: Sirveta – Regional Information System for Surveillance of Foodborne Diseases.

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40 Agroindústria: leite e derivados

é feita para queijos frescos, que são consi-


derados como produtos de risco relativa-
mente alto. Esse patógeno é ubiquitário
e resistente a várias condições adversas
que podem ser encontradas durante o pro-
cessamento de alimentos, mas não sobre-
vive à pasteurização. Entretanto, é psicro-
trófico, isto é, apresenta capacidade de
crescer em temperaturas de refrigeração. L.
monocytogenes é identificada como causa
de mastite em animais com sintomas clí-
nicos e subclínicos e é isolada de leite cru
Gráfico 2 - Principais produtos lácteos envolvidos em surtos de intoxicação ou infecção
e do ambiente de processamento de leite e
alimentar, registrados pelo Sirveta, que ocorreram no Brasil no período 1993-
2002 derivados com freqüência. Essa conta-
NOTA: Sirveta – Regional Information System for Surveillance of Foodborne Diseases. minação ambiental e de equipamentos tem
uma participação importante na presença
de L. monocytogenes em alimentos. Estima-
se que a dose infecciosa seja de, aproxima-
damente, 103 células e a doença ocorre em
indivíduos de grupos de riscos específicos,
como pessoas idosas, imunodeprimidas,
recém-nascidos e grávidas. A Resolução
no 12 de 2 de janeiro de 2001 (ANVISA, 2001)
estabelece a ausência de L. monocytogenes
em 25 g de leite e produtos lácteos. A tole-
rância zero também é estabelecida pelo
governo americano para alimentos prontos
para consumo, incluindo produtos lácteos.
Nos EUA, 13 dos 18 recall de produtos
lácteos que ocorreram no período de 1994
a 1995 foram em razão da contaminação por
Gráfico 3 - Principais patógenos associados a surtos de intoxicação e infecção, ocorri- L. monocytogenes.
dos nos EUA, causados pelo consumo de leite pasteurizado no período E. coli O157:H7 foi identificada como
1966-2000 agente de infecção alimentar em 1983 e
associada com a colite hemorrágica e a sín-
desse patógeno em porções mínimas de Causada por L. monocytogenes, a lis- drome urêmica hemolítica, uma doença gra-
25 g do alimento. teriose é uma doença relativamente rara, ve que causa falha renal aguda. Inicialmen-
Campylobacter foi reconhecido como mas clinicamente grave, com taxas de mor- te, a veiculação de E. coli O157:H7 estava
causa de infecção em humanos na década talidade entre 20% e 30% em uma popula- relacionada com carne bovina, mas há a
de 70 e, atualmente, é considerado um dos ção de risco. Produtos lácteos estão asso- constatação de ocorrência de surtos envol-
principais agentes bacterianos de infecção ciados com os cinco maiores surtos de vendo outros alimentos, inclusive leite,
alimentar. As espécies C. jejuni e C. coli listeriose registrados no mundo, em razão como veículo desse patógeno (MENG;
freqüentemente são as mais associadas da ingestão de leite cru ou queijos fabri- DOYLE, 1998). A presença de E. coli
com diarréia e clinicamente indistinguí- cados com leite cru. Leite fluido pasteu- O157:H7 em leite pode estar associada à
veis. A infecção por C. jejuni é relacionada rizado, queijos maturados ou processados, contaminação fecal, e o consumo de leite
com o consumo de carnes, leite ou água e sorvetes e produtos congelados são classi- cru é a principal causa dos casos documen-
a dose infecciosa é relativamente baixa ficados como produtos de risco baixo a tados da infecção. Surtos da síndrome
(SCHMID et al., 1997). moderado de causarem listeriose. Exceção urêmica hemolítica envolvendo queijo

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Agroindústria: leite e derivados 41

foram relacionados com a contaminação Califórnia-EUA, e o surto no Japão, em A origem dos principais patógenos
pós-pasteurização. 2000, quando mais de 14 mil pessoas adoe- encontrados no leite geralmente é de excre-
Y. enterocolitica é outro patógeno psi- ceram ao consumir leite contaminado com ções do úbere de animais infectados ou
crotrófico e de característica ubiquitária, toxina produzida por S. aureus ou Bacillus de contato com material fecal presente
associado à infecção causada pela inges- cereus. no ambiente. Muitos patógenos, como
tão de água e alimentos. Crianças na faixa O controle e a prevenção das doenças Salmonella, Campylobacter e E. coli
etária de 5 a 15 anos estão envolvidas em causadas pela ingestão de leite e produtos O157:H7, são habitantes do trato intesti-
mais de 75% dos casos de yersiniose. lácteos contaminados com microrganis- nal de ruminantes, que os adquirem pela
A intoxicação por S. aureus é uma das mos e/ou suas toxinas são complexos e as ingestão de água e ração contaminadas com
doenças mais freqüentes associadas ao soluções disponíveis não eliminam com- fezes. A presença de patógenos em tanques
consumo de queijos fabricados com leite pletamente a contaminação dos produ- de armazenamento de leite e em outros equi-
cru. Esse patógeno é um dos agentes cau- tos com os microrganismos patogênicos. pamentos está diretamente relacionada com
sadores de mastite e sua presença em leite No mundo industrializado, com a contínua a contaminação fecal. S. aureus entero-
é freqüente. O crescimento em alimentos globalização da produção e distribuição toxigênico e L. monocytogenes podem ser
deve ser evitado, pois números acima de de alimentos, pode-se esperar o reconheci- agentes causadores de mastite e são dire-
106 unidades formadoras de colônias/g mento de novos agentes patogênicos em tamente excretados no leite de animais
ou mL resultam em quantidades suficien- novos alimentos como veículos. O aumento infectados.
tes de toxina para provocar a intoxicação. da taxa de infecções causadas por bacté- A contaminação de superfícies e de
Um problema adicional é que a toxina esta- rias resistentes a antibióticos, que tornam equipamentos com bactérias patogênicas
filocócica é termorresistente e, embora a o controle clínico da doença mais difícil, capazes de formar biofilmes representa
pasteurização elimine células de S. aureus, mostra que os problemas futuros podem um risco importante de contaminação pós-
não inativa a toxina pré-formada. ser maiores do que o esperado. Além disso, pasteurização do produto lácteo.
Mycobacterium paratuberculosis não o aumento da idade da população e as con- A contaminação do leite e de seus de-
é, comprovadamente, um patógeno para dições e tratamentos que tornam os indi- rivados com microrganismos patogênicos
humanos, mas muitas espécies de Myco- víduos imunodeprimidos aumentam a está, em geral, associada ao uso de leite
bacterium, inclusive M. paratuberculosis população de grupo de risco. Esforços con- cru, a erros no processo de pasteurização
têm sido isoladas de biópsias do intestino centrados e colaboração internacional se- ou à adição de ingredientes não pasteuri-
de pacientes com a doença de Crohn, uma rão críticos para encontrar soluções que zados aos produtos lácteos. As principais
inflamação do intestino, similar a síndrome garantam a segurança alimentar e anteci- fontes de contaminação do leite por pató-
clínica da doença de Johne, que ocorre em pem os novos riscos microbiológicos em genos são os próprios animais, manipula-
ruminantes. M. paratuberculosis também alimentos. dores e equipamentos, em razão de práti-
tem sido isolado de amostras de leite e de cas higiênicas insatisfatórias durante a
FONTES DE CONTAMINAÇÕES DO ordenha, a estocagem, o transporte e o
colostro obtidos de animais com sinais
LEITE E PRODUTOS LÁCTEOS processamento do produto. Para assegurar
clínicos e subclínicos da doença.
Surtos ocasionais de doenças resul- Os microrganismos patogênicos po- a inocuidade do leite e de seus derivados
tantes do consumo de leite e derivados dem contaminar o leite em qualquer uma sistemas de barreiras múltiplas são usa-
contaminados passam despercebidos, mas das etapas de produção, beneficiamento, dos para reduzir o risco para o consumidor.
aqueles que ocorrem em grande escala e distribuição e consumo. Práticas inadequa- O manejo adequado do rebanho animal, a
que alcançam grandes proporções geram das de manejo na ordenha, no armazena- erradicação de certas doenças animais, a
conseqüências econômicas, médicas e mento e na conservação, higienização defi- adoção das boas práticas de produção e
emocionais devastadoras. Exemplos des- ciente de equipamentos de beneficiamento práticas higiênicas na ordenha contribuem
ses surtos com leite e produtos lácteos são e em sala de ordenha, dentre outros fatores, para minimizar a contaminação do produto,
os que envolveram mais de 23 mil casos tornam o leite suscetível à contaminação pois muitos dos patógenos que afetam o
confirmados de salmonelose em razão do por patógenos. Falhas no controle da sani- gado leiteiro são eliminados nas fezes, e
consumo de leite integral, em Chicago- dade do rebanho, as quais envolvem vaci- cuidados precisam ser tomados para redu-
EUA, em 1985; a ocorrência de 145 casos, nações periódicas, controle de parasitas zir a possibilidade de contaminação fecal
dentre eles 46 mortes em razão do consu- e doenças e alimentação, também contri- do leite.
mo do queijo tipo mexicano, contamina- buem para aumentar o risco na segurança A refrigeração do leite é um procedi-
do com L. monocytogenes, em 1985, na microbiológica do leite. mento que não elimina os patógenos, mas
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42 Agroindústria: leite e derivados

é efetiva para limitar a multiplicação da mente de implantação de sistemas de quali- disease outbreaks-United States, 1988-1992.
maioria deles. Prevenir o crescimento bacte- dade e rastreamento de alimentos. Segu- Morbidity and Mortality Weekly Report,
riano é importante, mesmo que o leite seja rança alimentar é um tema de importância v.45, n.SS-5, p.1-66, Oct. 1996.
posteriormente pasteurizado antes de ser mundial e os órgãos governamentais, além
BUYSER, M.L. de; DUFOUR, B.; MAIRE, M.;
comercializado ou transformado em outros de assegurarem disponibilidade de alimen-
LAFARGE, V. Implication of milk and milk
produtos. Entretanto, patógenos psicro- tos para a população, devem garantir que
products in food-borne diseases in France and
tróficos como L. monocytogenes e Y. estes sejam de qualidade e não causem da-
in different industrialized countries. Inter-
enterocolitica são capazes de multiplicar nos à saúde. Entretanto, a responsabilidade national Journal of Food Microbiology, v.67,
a temperaturas de 7ºC ou menos e, nesses da garantia de qualidade de leite e produ- n.1, p. 1-17, July 2001.
casos, evitar a contaminação pela adoção tos lácteos não é atribuição exclusiva do
de procedimentos adequados de higieni- governo ou da indústria. Há a necessidade CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND
zação é o mais apropriado. de um engajamento de toda uma nação, PREVENTION. How many cases of foodbor-
A pasteurização ineficiente, a con- com a participação de todos os sistemas ne disease are there in the United States.

servação e o transporte do produto final agroindustriais e com a adoção de pro- Atlanta, 2005. Disponível em: <http://www.

em condições inadequadas permitem a gramas de qualidade em todos os elos da cdc.gov/incidod/dbmd/diseaseinfo/foodborne

sobrevivência de patógenos, uma vez cadeia produtiva. O consumidor deve ser infections_g. htm>. Acesso em: 26 fev. 2007.

contaminantes do leite. O binômio tempo estimulado a participar e ter à disposição LYNCH, M.; PAINTER, J.; WOODRUFF, R.;
temperatura de pasteurização foi estabe- programas de educação efetivos que infor- BRADEN, C. Surveillance for foodborne-disease
lecido com o propósito de inativar todos mem sobre as práticas seguras de conser- outbreaks – United States, 1998-2002. Morbi-
os patógenos prováveis de serem veicula- vação e preparo dos alimentos, além de dity and Mortality Weekly Report, v.55,
dos pelo leite. A recontaminação do pro- esclarecimentos sobre os microrganismos n.SS5, p.1-34, Nov. 2006.
duto, após este tratamento térmico, deve patogênicos e hábitos simples de higiene
MENG, J.; DOYLE, M.P. Emerging and evolving
ser evitada como forma de assegurar sua e manipulação dos alimentos que podem
microbial foodborne pathogens Bulletin de
inocuidade. ser benéficos à saúde.
l’Institute Pasteur, v.96, n.3, p.151-164, 1998.
A investigação de surtos de intoxicação
MEDIDAS PREVENTIVAS e infecção pode indicar as condições de OLSEN, S.J.; YING, M.; DAVIS, M.F.; DEASY,
E DE CONTROLE contaminação, o que leva à adoção de me- M.; HOLLAND, B.; IAMPIETRO, L.; BAY-
didas preventivas e de controle pela indús- SINGER, C.M.; SASSANO, F.; POLK, L.D.;
A prevenção das doenças causadas GORMLEY, B.; HUNG, M.J.; PILOT, K.; ORSINI,
tria de alimentos. A identificação de pontos
por leite e produtos lácteos, independen- M.; DUYNE, S. Van; RANKIN, S.; GENESE,
críticos de controle ao longo da produção,
tes de sua etiologia, baseia-se essencial- C.; BRESNITZ, E.A.; SMUCKER, J.; MOLL, M.;
processamento, comercialização e consu-
mente na prevenção da contaminação e SOBEL, J. Multidrug-resistant Salmonella
mo do alimento permite o monitoramento
na eliminação de potenciais agentes pa- typhimurium infection from milk contaminated
de todo o processo e, conseqüentemente,
togênicos. As condições, nas quais o lei- after pasteurization. Emerging Infectious
a redução do risco de contaminação e de
te é obtido, garantem um ambiente ideal Diseases, v.10, n.5, p.932-935, May 2004.
crescimento microbiano.
para a multiplicação de microrganismos
e qualquer patógeno presente no leite cru SCHMID, G.P.; SCHAEFER, R. E.; PLIKAYTIS,
REFERÊNCIAS B. D.; SCHAEFER, J. R.; BRYNER, J.H.; WIN-
pode, potencialmente, contaminar o
ANVISA. Resolução RDC no 12, de 2 de janeiro TERMEYER, L.A.; KAUFMANN, A.F. A oneyear
ambiente da linha de produção e proces-
de 2001. Aprova o Regulamento Técnico sobre study of endemic campylobacteriosis in a mid-
samento de leite e derivados. A adoção de
padrões microbiológicos para alimentos. Diário westerrn city:association with consumption
práticas higiênicas e adequadas na fonte
Oficial [da] República Federativa do Brasil, of raw milk. The Journal of Infectious Disea-
de produção é fundamental para reduzir
Poder Executivo, Brasília, 10 jan. 2001. Dispo- ses, v.156, n.1, p.218-222, 1997.
a contaminação do leite e garantir a qua-
nível em: <http://e-legis.anvisa.gov.br/leisref/
lidade da matéria-prima e a segurança ali- SIRVETA. Regional Information System for
public/showAct.php?id=144&word=>. Aces-
mentar. Surveillance of Foodborne Diseases. 2003. Dis-
so em: 23 jan. 2007.
A exigência do consumidor moderno ponível em: <http://www.panalimentos.org/
pela garantia da qualidade dos alimentos BEAN, N.H.; GOULDING, J.S.; LAO, C.; sirveta/e/report_eta01.asp.>. Acesso em: 23
consumidos leva a uma necessidade pre- ANGULO, F.J. Surveillance for foodborne- jan. 2007.

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44 Agroindústria: leite e derivados

Mastite bovina e seus reflexos na cadeia do leite


Heloiza Maria de Souza 1
Cláudia Lúcia de Oliveira Pinto 2
Clarice Bechara Meurer 3
Bethânia Maria Rodrigues Alves 4
Adauto de Matos Lemos 5
Claudia Galvão Reis 6

Resumo - A mastite bovina ainda é a causa de prejuízos econômicos consideráveis no


setor lácteo por comprometer a qualidade do leite e seus derivados, além de representar
um risco à saúde pública. A forma de apresentação da doença varia de subclínica a clínica,
em função de fatores relacionados com o animal e o agente invasor da glândula mamária.
Na mastite subclínica as manifestações não são perceptíveis, enquanto que na mastite
clínica o animal apresenta manifestações perceptíveis. A forma subclínica é mais onerosa
e prevalente com um comprometimento mundial de 40% do rebanho leiteiro e perdas
econômicas entre 5% e 25% da produção leiteira. A diversidade de fatores envolvidos e
o fato de a forma subclínica ser a mais freqüente dificultam o controle e a erradicação da
doença. A busca do Brasil para sua inserção no mercado internacional é uma preocupação
atual. Assim, a obtenção de leite cru e de seus derivados de alto valor agregado constitui
o principal foco dos produtores de leite e das indústrias. Neste contexto, o controle da
mastite bovina é um ponto crítico na cadeia produtiva do leite, bem como as implicações
que essa doença causa para o setor produtivo e industrial e suas formas de controle.
Palavras-chave: Leite. Laticínio. Contaminação. Prevenção.

INTRODUÇÃO mo mastite é derivado das palavras gregas A mastite é também um problema grave
O leite constitui um meio excelente pa- matos, que significa “mama ou seio” e itis, de saúde pública, ao considerar que o leite
ra a multiplicação de microrganismos pato- que significa “inflamação”. Os maiores pre- proveniente de animais portadores da do-
gênicos ao homem, os quais podem ser juízos incluem a redução significativa na ença apresenta alto grau de contaminação,
originados de contaminações pós-ordenha produção de leite, com perdas de até 50%, pode conter enterotoxinas e, principalmen-
e/ou de infecções do próprio animal. A mas- perda nutricional, custos associados ao tra- te, resíduos de antibióticos. Portanto, esta
tite bovina é uma das principais doenças tamento da doença, atendimento veterinário doença representa um entrave econômico
que acometem os rebanhos leiteiros no e laboratorial, necessidade de reposição de e sanitário da exploração leiteira e um fator
mundo e levam a perdas econômicas signi- animais, descarte do leite impróprio, dentre limitante para a obtenção de leite e produ-
ficativas para o setor agropecuário. O ter- outros (BRAMLEY et al., 1996). tos lácteos de qualidade satisfatória.

1
Médica-veterinária, Pesq. EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: heloiza.souza@gmail.com
2
Farmacêutica-bioquímica, D.Sc., Pesq. EPAMIG-CTZM, Caixa Postal 216, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: clucia@epamig.ufv.br
3
Médica-veterinária, Mestranda em Zootecnia UFV, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: claricebechara@yahoo.com.br
4
Graduanda em Engenharia de Alimentos UFV, Bolsista FAPEMIG/EPAMIG-CTZM, Caixa Postal 216, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio
eletrônico: bethania02@yahoo.com.br
5
Médico-veterinário, M.Sc., Pesq. EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: adautolemos@epamig.br
6
Graduanda em Medicina Veterinária UNIPAC, CEP 36048-000 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: claudiagalvao@net.gmail.com

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Agroindústria: leite e derivados 45

O Brasil ocupa hoje o sétimo lugar na cas (CPP), detecção de antibióticos, entre crorganismos, alimentação e manejo, sendo
produção mundial de leite. O crescimento outros (Quadro 1), os quais auxiliam no este último um dos mais importantes para a
da competitividade do mercado nacional, controle da mastite (BRASIL, 2002). prevenção.
aliado ao interesse de o País inserir-se no A forma de apresentação varia de sub-
mercado internacional de lácteos, tem esti- CARACTERÍSTICAS DA DOENÇA clínica a clínica em função de fatores relacio-
mulado as indústrias a buscarem novas nados com o animal e o agente invasor da
A mastite é um processo inflamatório
tecnologias para melhorar a qualidade de glândula mamária. Na mastite subclínica as
seus produtos, a redução dos custos e um total ou parcial da glândula mamária e, de manifestações da doença não são percep-
maior rendimento industrial, o que implica acordo com a origem, pode ser classifica- tíveis, embora ocorram alterações na com-
na obtenção e uso de matéria-prima de alto da como infecciosa, traumática ou tóxica posição do leite. Na mastite clínica, aguda
padrão de qualidade. (INTERNATIONAL DAIRY FEDERATION, ou crônica, o animal apresenta manifes-
A implementação do Programa Nacional 1987). Em conseqüência da doença, ocor- tações visíveis como hiperemia, dor, calor
de Melhoria da Qualidade do Leite (PNMQL) rem alterações no tecido glandular e distúr- e endurecimento da glândula mamária,
representou um grande avanço para o setor bios funcionais. Em função do aumento da rubor, tumefação, febre, perda de apetite e
lácteo. Dentre os avanços está a moder- permeabilidade vascular, os produtos da apatia (RADOSTITS, 2002). Ocorrem tam-
nização da legislação nacional. No âmbito inflamação são repassados ao leite e alte- bém alterações no leite como presença de
do PNMQL, a mudança de maior impacto ram sua composição e aparência. O epitélio grumos e/ou sangue (ZAFALON et al.,
foi a introdução da prática de refrigeração alveolar danificado pela inflamação ou pela 2005).
do leite na fonte de produção e o seu trans- pressão da inflamação adjacente passa a A forma subclínica é a mais onerosa e
porte a granel regulamentado pela Ins- secretar menor quantidade de leite. prevalente com um comprometimento mun-
trução Normativa 51 (BRASIL, 2002). Esta É considerada a doença infecciosa pre- dial de 40% do rebanho leiteiro e perdas
legislação contempla novos padrões de dominante em bovinos no Brasil e associada econômicas entre 5% e 25% da produção
qualidade para a contagem de células so- a vários fatores, dentre eles pré-disposição leiteira. A diversidade de fatores envol-
máticas (CCS), contagem padrão em pla- do animal, higiene, homem, ambiente, mi- vidos e o fato de a forma subclínica ser

QUADRO 1 - Requisitos microbiológicos para leite cru refrigerado a serem atingidos em diferentes regiões do Brasil
Contagem padrão em placas (CPP) Contagem de células somáticas (CCS)
Índice medido expressa em UFC/mL expressa em CS/mL
(por propriedade rural (mínimo de uma análise mensal, com média (mínimo de uma análise mensal, com média
ou por tanque comunitário) geométrica sobre período de 3 meses) geométrica sobre período de 3 meses)
Método FIL 100 B: 1991 Método FIL 148 A: 1995
Até 01/07/2005 Máximo 1,0 x 106 para estabelecimentos que Máximo de 1,0 x 106 para estabelecimentos que
Regiões: Sul/Sudeste/Centro-Oeste se habilitarem antecipadamente aos termos do se habilitarem antecipadamente ao presente
Até 01/07/2007 presente RTIQ RTIQ
Regiões: Norte/Nordeste

De 01/07/2005 até 01/07/2008 Máximo 1,0 x 106 para todos os estabelecimen- Máximo de 1,0 x 106 para todos os estabeleci-
Regiões: Sul/Sudeste/Centro-Oeste tos, nos termos do presente RTIQ mentos nos termos deste RTIQ
De 01/07/2007 até 01/07/2010
Regiões: Norte/Nordeste

A partir de 01/07/2008 até 01/07/2011 Máximo de 7,5 x 105 Máximo de 7,5 x 105
Regiões: Sul/Sudeste/Centro-Oeste
A partir de 01/07/2010 até 01/07/2012
Regiões: Norte/Nordeste

A partir de 01/07/2011 Máximo de 1,0x 105 (individual) Máximo de 4,0 x 105


Regiões: Sul/Sudeste/Centro-Oeste Máximo 3,0 x 105 (leite de conjunto)
A partir de 01/07/2012
Regiões: Norte/Nordeste
FONTE: (BRASIL, 2002).
NOTA: RTIQ – Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade; UFC/mL – Unidades Formadoras de Colônias por mililitro.

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46 Agroindústria: leite e derivados

a mais freqüente dificultam o controle e re principalmente durante a ordenha de ani- nha, associados à observação dos sintomas
a erradicação da doença (MAGALHÃES mal para animal, que possui como reserva- clínicos. Os testes mais simples são os da
et al., 2006). tório o próprio animal e sua localização é caneca telada e fundo escuro que permitem
intramamária. Os patógenos predomi- evidenciar grumos de pus ou de caseína
FATORES PREDISPONENTES nantes nas infecções são Staphylococcus no leite e alterações de cor.
Os principais fatores que predispõem aureus, Streptococcus agalactiae, seguidos A mastite subclínica é diagnosticada
o animal à mastite são: por Corynebacterium bovis, Streptococcus por meio da realização de exames micro-
dysgalactie e Micoplasma sp. A mastite biológicos, métodos químicos indiretos e
a) traumas externos: cortes e feri-
ambiental é caracterizada pelo fato de o pató- CCS do leite dos quartos mamários indivi-
mentos;
geno estar localizado no ambiente incluindo duais, dos animais ou do rebanho.
b) presença de leite residual: leite re- água, ar, cama e fezes e é causada, na maio- O California Mastitis Test (CMT) foi de-
tido no úbere, em conseqüência da ria dos casos, por bactérias Gram-negativas senvolvido por Schalm e Noorlander (1957).
ordenha incompleta, e que por ser a exemplo de Escherichia coli, Klebsiella É um método indireto e por meio dele é de-
um excelente meio de cultura que pro- sp., Enterobacter sp., Pseudomonas sp. e terminado o número de células somáticas
picia a multiplicação de microrganis- Proteus sp. Outras espécies nessa categoria do leite. Baseia-se na atuação de um deter-
mos;
incluem outros estreptococos, Actinomyces gente aniônico sobre a membrana celular,
c) fatores anatômicos: tamanho e diâ- pyogenes, Pseudomonas sp., fungos, em o que causa a sua ruptura e a formação de
metro do canal do teto, conformação especial leveduras e algas clorofiladas um gel em função da interação dos ácidos
do úbere. Estes fatores são determi- do gênero Prototheca sp. Em 2006, foi re- nucléicos das células somáticas com o de-
nados pela herança genética; latado o primeiro caso de mastite necrótica tergente (ROSENBERGER, 1983). A con-
d) idade do animal: animais mais ido- bovina no Brasil causada por Clostridium sistência do gel é proporcional ao número
sos possuem maior predisposição perfringens tipo A, associado a condi- de células somáticas. É usado mundial-
para desenvolver a doença; ções higiênicas inadequadas do piquete- mente e possui a vantagem de poder ser
e) doenças infecciosas: varíola bovi- maternidade (GONÇALVES et al., 2006). realizado no momento da ordenha. A inter-
na, febre aftosa, brucelose, tubercu- As bactérias envolvidas na etiologia pretação do teste baseia-se na observa-
lose, entre outras, provocam queda da mastite são classificadas em patógenos ção visual após a mistura do reagente com
na resistência orgânica dos animais; maiores e menores. Na primeira catego- o leite. O resultado é anotado como ne-
ria estão incluídas as bactérias capazes de gativo (–), suspeito (+), fracamente po-
f) manejo inadequado: higienização
ocasionar CCS superiores, além de altera- sitivo (++) e fortemente positivo (+++).
incorreta das instalações e dos tetos
ções consideráveis na composição do leite, Os escores do CMT apresentam relações
antes e após a ordenha.
portanto, maiores prejuízos econômicos. variadas com a CCS. Entretanto, existem
CAUSAS E CLASSIFICAÇÃO Incluem: S. aureus, Streptococcus agalactie, alguns questionamentos sobre a sua inter-
EPIDEMIOLÓGICA coliformes, estreptococos, enterococos, pretação por ser um teste subjetivo e assim
Pseudomonas sp., Actinomyces pyogenes pode levar a resultados falso-positivos e
A mastite bovina tem como principal
e Serratia sp. falso-negativos (BRITO et al., 1997; SILVA
causa agentes biológicos como: vírus, fun-
Estafilococos coagulase negativos e et al., 2001).
gos, micoplasmas e bactérias. Entre esses,
Corynebacterium bovis são considerados A Prova de Whiteside (WS) é um teste
as bactérias são associadas a 90% dos ca-
patógenos menores e causam inflamação de laboratório que se baseia na reação do
sos. A via de transmissão mais comum da
moderada e CCS de no máximo duas a três leite com uma solução de hidróxido de sódio
infecção é o canal do teto, via ascendente,
embora possa ocorrer a contaminação do vezes superior a dos quartos mamários a 4%. O resultado do teste associado à pro-
animal por via hematógena e percutânea sadios. va de CMT fornece informações que per-
descendente. Portanto, atentar para as con- mitem avaliar a evolução da doença.
DIAGNÓSTICO
dições higiênicas e sanitárias gerais do A CCS no leite inclui a contagem de
rebanho, das instalações e do equipamento O diagnóstico tem o objetivo de identi- células de leucócitos ou glóbulos brancos
de ordenha constitui um ponto crítico na ficar rebanhos doentes e animais infectados do sangue e células epiteliais da glândula
prevenção e controle da mastite. nos rebanhos. Os principais testes empre- mamária. O número de células somáticas
Epidemiologicamente, a mastite bovi- gados no diagnóstico da mastite clínica varia em função da idade do animal, fase
na é dividida em contagiosa e ambiental. incluem os de campo, os quais devem ser de lactação, estresse, época do ano e nu-
Na mastite contagiosa a transmissão ocor- realizados diariamente no momento da orde- trição e principalmente mastite. Portanto,

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a CCS constitui uma análise relevante para tal e as CCSs inferiores a 200 mil/mL, me- A realização periódica de análises mi-
o diagnóstico da mastite subclínica, para nos de 2% de episódios clínicos ao mês e crobiológicas do leite tem como objetivo
estimar perdas quantitativas e qualitativas 85% das vacas livres de mastite subclí- auxiliar no diagnóstico de infecções não
de produção de leite e derivados, para indi- nica. As principais medidas para alcançar detectadas por meio dos testes de campo.
car a qualidade do leite cru e para estabe- estas metas incluem o monitoramento dos Uma medida complementar no controle da
lecer medidas de prevenção e controle da índices de mastite, o manejo adequado do mastite é a prática da vacinação. Existem
mastite. Entretanto, o valor da CCS como rebanho de forma que evite que os animais no mercado vacinas para mastites ambien-
teste confirmatório da doença ainda é dis- permaneçam em pastos sujos, o que pode tais causadas por bactérias do grupo coli-
cutível no meio científico. Alguns pesqui- causar lesões aos tetos, conforto ambien- formes que, quando realizadas no período
sadores indicam o tratamento da doença a tal, tratamento de todas as vacas no período seco e ao parto, levam à redução da incidên-
partir de um determinado número de células seco, tratamento dos casos clínicos e um cia e da gravidade dos sintomas na lactação
somáticas e outros apontam para o fato de bom funcionamento do sistema de orde- subseqüente. Vacinas para mastite causa-
que o aumento na CCS pode ser associado nha. As instalações devem possuir con- da por S. aureus já foram desenvolvidas e
a outras causas. trole higiênico-sanitário criterioso. Para a apresentaram uma redução considerável
Algumas indústrias empregam o sis- produção de leite dentro dos padrões de da prevalência e gravidade da doença, com
tema de bônus e penalidades para estimu- qualidade e em quantidade, a boa saúde conseqüente melhoria da qualidade do
lar a produção de leite com baixa CCS em do úbere deve ser considerada e, para isso, leite e redução dos prejuízos econômicos
que o produtor recebe até 6% no preço pa- a realização do prédipping e pósdipping (ALBERTON et al., 2001).
go ao leite que apresente CCS abaixo de é indispensável, considerando que esta A conscientização de produtores e téc-
200 mil cel/mL e penalização de 6% pelo prática reduz os casos de mastite subclínica nicos quanto aos prejuízos causados pela
leite com CCS acima de 750 mil cel/mL. em até 85% a 90% (PEDRINI; MARGATHO, mastite e a adoção criteriosa das medidas
A realização da cultura e do antibiogra- 2003). preventivas e de controle são essenciais
ma tem como objetivos isolar, identificar o O ordenhador deve gozar de boa saúde, para o sucesso do programa e obtenção de
agente etiológico e selecionar o antibiótico trabalhar com mãos e roupas limpas, usar leite com melhor qualidade para a indús-
adequado para o tratamento da doença. boné e bota e manter as unhas aparadas. tria e para o consumidor (MÜLLER et al.,
Além de limitar-se somente à ordenha, deve 2002).
ser capacitado a realizar os testes mais
PREVENÇÃO E CONTROLE
simples como o da caneca telada e do fundo INFLUÊNCIA DA MASTITE
A manutenção dos registros como preto e ser capaz de identificar e descartar SOBRE A QUALIDADE DO LEITE
escore de células somáticas, teste da cane- o leite mastítico ou o animal infectado. E PRODUTOS LÁCTEOS
ca, CMT, índices de mastite clínica e sub- Os animais infectados ou suspeitos de-
clínica, perfil microbiológico e de resistên- vem ser ordenhados em último lugar e, se Alterações na composição
cia a antimicrobianos, além do número de necessário, deve ser realizado o descarte do leite
lactações, fase da lactação e produção são daqueles reincidentes para evitar a perda A qualidade do leite é influenciada por
dados importantes para realizar uma aná- de todo o leite. Após a ordenha, os animais diversas variáveis, em especial por fatores
lise do rebanho. Com base nesses dados é devem ser mantidos por um certo período zootécnicos associados ao manejo, alimen-
possível estabelecer prioridades para o em pé, para evitar a entrada de microrganis- tação, potencial genético dos rebanhos
controle da mastite contagiosa ou ambi- mos pelo esfíncter ainda aberto. Uma das e fatores relacionados com a obtenção e
ental. formas é fornecer alimentação logo após a armazenamento do leite e mastite bovina.
Os programas de prevenção e contro- ordenha. Nas propriedades onde a ordenha A mastite bovina resulta em uma série
le da mastite bovina são essenciais para é mecânica, as teteiras devem ser higieni- de eventos que ocasionam alterações na
limitar a prevalência da doença e a redução zadas antes e após a ordenha. A troca da composição do leite com redução do ren-
dos impactos econômicos na atividade solução desinfetante deve ser realizada com dimento industrial e qualidade do produto
leiteira. As principais metas de um pro- freqüência e a imersão das teteiras nesta final.
grama de prevenção e controle incluem solução deve ser feita por três a cinco mi- Inicialmente, o número do agente infec-
erradicar casos de mastites contagiosa por nutos. Além disso, deve-se fazer a regula- cioso aumenta, seguido do aumento do
Streptococcus agalactiae, controlar aque- gem da pressão de sucção das teteiras, para número de células somáticas. Associada
las causadas por Staphylococcus aureus, evitar a ocorrência de microtraumas nos a esta resposta imunológica do animal,
manter baixos os casos de mastite ambien- tetos. ocorre uma série de efeitos. A produção

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48 Agroindústria: leite e derivados

total de leite é reduzida em conseqüência somáticas, leucocitárias e epiteliais e do to da proteólise também pode ser atribuído
do comprometimento do tecido secretor. número de células microbianas, redução ao aumento da concentração de plasmi-
Ocorrem ainda alterações nas concentra- nos teores de gordura, proteína e lactose, na. Assim, a caseína, por estar em maior
ções de macro e microconstituintes do leite aumento de frações do soro sangüíneo no concentração no leite, constitui o principal
como reflexo das lesões às células secre- leite, desequilíbrio salino, aumento do pH substrato e apresenta maior suscetibilida-
toras e ao complexo de capilares sangüí- e redução da estabilidade das proteínas na- de à proteólise.
neos da glândula. Alterações na composi- tivas do leite (Quadro 2). O uso indiscriminado dos antibióticos
ção do leite são conseqüentes da alteração O leite mastítico apresenta alterações no tratamento da doença ocasiona o apare-
da permeabilidade dos capilares sangüí- nas características físicas, químicas e micro- cimento de resíduos no leite e nos seus de-
neos, o que leva a um aumento de íons e biológicas. As principais modificações na rivados, o que representa um risco à saúde
proteínas sangüíneas no leite. Outra alte- composição química incluem o aumento do pública e implicações tecnológicas para a
ração é a redução da síntese das células percentual de água, cloretos e pH e uma indústria de laticínios.
secretoras exemplificada pela redução do redução nos teores de lactose, cinzas, só-
teor de lactose. A concentração de sólidos lidos totais não gordurosos, gordura e Implicações tecnológicas
totais tem uma tendência de redução com caseína. Além da redução dos teores de Os principais problemas tecnológicos
o aumento da CCS e atinge valores de 3% a gordura, ocorrem também alterações físicas observados na indústria de laticínios asso-
12% de queda com o aumento da contagem. dos glóbulos, o que favorece a atividade ciados ao uso de leite mastítico incluem:
As células somáticas presentes no leite das enzimas lipolíticas. Pode ocorrer alte- redução da qualidade e do rendimento na
são principalmente as de defesa do orga- ração da coloração em função do tipo de fabricação de queijos, aumento do tempo
nismo que, associadas às células do pató- bactéria causadora da doença. de coagulação, redução da consistência
geno, migram para o interior da glândula O aumento dos valores da atividade de do coágulo, defeitos de textura e alterações
mamária como mecanismo de defesa. enzimas proteolíticas e lipolíticas no leite sensoriais (Quadro 3).
O aumento da permeabilidade dos va- mastítico ocorre em função do aumento das Na produção de queijos, a maioria dos
sos sanguíneos e da rota paracelular de células somáticas, as quais possuem enzi- componentes do leite, principalmente a ca-
secreção de constituintes do sangue para mas lipolíticas e proteolíticas. Além disso, seína e a gordura, constituintes que influen-
o leite é uma outra alteração e leva a mo- o dano causado às membranas dos gló- ciam diretamente no rendimento final do
dificações na composição centesimal do bulos de gordura expõe os triglicerídios, o produto, é retida no coágulo (SANTOS,
leite como: aumento do número de células que favorece a ação das lipases. O aumen- 2002).

QUADRO 2 - Alterações na composição do leite bovino associadas com altas contagens de células somáticas

CCS x 103 células/mL


Componente do leite Alteração e motivo
< 100 < 250 500 - 1.000 >1.000

Lactose 4,90 4,74 4,60 4,21 Redução (g/100 mL)

Caseína (total) 2,81 2,79 2,65 2,25 Redução (g/100 mL)

Gordura 3,74 3,69 3,51 3,13 Redução da síntese

Proteínas séricas (total) 0,81 0,82 1,10 1,31 Aumento, passagem a partir do sangue
Soroalbuminas 0,02 0,15 0,23 0,35 Aumento, passagem a partir do sangue
Imunoglobulinas 0,12 0,14 0,26 0,51 Aumento, passagem a partir do sangue
Cloro 0,091 0,096 0,121 0,147 Aumento, passagem a partir do sangue
Sódio 0,057 0,062 0,091 0,105 Aumento, passagem a partir do sangue
Potássio 0,173 0,180 0,135 0,157 Aumento, passagem a partir do sangue
pH 6,6 6,6 6,8 6,9 Aumento, passagem a partir do sangue
FONTE: Schaellibaum (2000 apud MÜLLER, 2002).
NOTA: CCS – Contagem de células somáticas.

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Agroindústria: leite e derivados 49

QUADRO 3 - Problemas tecnológicos associados à fabricação de produtos lácteos com leite com alta contagem de células somáticas

Produto Problema tecnológico

Leite condensado e leite evaporado Redução da estabilidade térmica

Leite em pó Desenvolvimento de sabor de queimado e outros sabores estranhos

Queijos Aumento do tempo de coagulação do leite


Redução da firmeza do coágulo e rendimento na fabricação de queijos

Leite fluido Defeitos sensoriais

Leite UHT Gelificação e defeitos sensoriais

Produtos fermentados Inibição do crescimento de bactérias lácticas


Redução do rendimento

Manteiga Defeitos sensoriais incluindo rancificação

FONTE: Furtado (1991) e Silva (1999).

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50 Agroindústria: leite e derivados

CONSIDERAÇÕES FINAIS 18 de setembro de 2002. Aprova os Regula- bilidade de microrganismos patogênicos isola-
mentos Técnicos de Produção, Identidade e dos de casos de mastite clínica em bovinos fren-
A alta incidência da mastite no rebanho
Qualidade do Leite tipo A, do Leite tipo B, do te a diferentes tipos de desinfetantes. Arquivos
leiteiro no Brasil demonstra a necessida-
Leite tipo C, do Leite Pasteurizado e do Leite do Instituto Biológico, São Paulo, v.70, n.4,
de de conscientização freqüente dos pro-
Cru Refrigerado e o Regulamento Técnico da p.391-395, out./dez. 2003.
dutores de leite quanto aos benefícios da
Coleta de Leite Cru Refrigerado e seu Transporte
manutenção do rebanho sadio. Os bene- RADOSTITS, O.M.; GAY, C.C.; BLOOD, D.
a Granel. Diário Oficial [da] República Fe-
fícios de investimentos no controle da C.; HINCHCLIFF, K.W. Clínica veterinária.
derativa do Brasil, Brasília, 20 set. 2002. Se-
mastite refletem diretamente na obtenção 9.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.
ção 1, p.13-22.
de matéria-prima e produtos lácteos de 1737p.
melhor qualidade, proteção à saúde públi- BRITO, J.R.F.; CALDEIRA, G.A.V.; VERNEQUE,
ROSENBERGER, G. Exame clínico dos bo-
ca e redução dos prejuízos econômicos na R.S.; BRITO, M.A.V.P. Sensibilidade e especi-
vinos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1983.
cadeia do leite. ficidade do “California Mastitis Test” como
p. 329-341.
Embora as perdas sejam aparentemente recurso diagnóstico da mastite subclínica em
maiores no caso de mastite clínica, a preven- relação à contagem de células somáticas. SANTOS, M.V. Efeito da mastite sobre a qua-
ção e o controle da mastite subclínica me- Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Ja- lidade do leite e derivados lácteos. In: CON-
recem atenção especial por parte dos pro- neiro, v.17, n.2, p.49-53, abr./jun. 1997. GRESSO PANAMERICANO DE QUALIDADE
dutores de leite, pois, por sua ocorrência DO LEITE E CONTROLE DA MASTITE, 2.,
FURTADO, M.M. A arte e a ciência do queijo.
não ser tão evidente e resultar em preva- 2002, Ribeirão Preto. Anais... São Paulo: Ins-
São Paulo: Globo, 1991. 297p.
lências mais altas, acarreta grandes prejuí- tituto Fernando Costa, 2002. p.179-188.
zos ao sistema de produção. GONÇALVES, L.A.; FREITAS, T.D. de; ASSIS,
SCHALM, O.W.; NOORLANDER, D.O. Expe-
A profilaxia constitui o melhor meio de R.A. de; FACURY FILHO, E.J.; LOBATO, F.C.F.
riments and observations leading to develop-
prevenção da mastite, muito mais impor- Primeiro relato no Brasil de mastite necrótica
ment of the California Mastitis Test. Journal
tante que os tratamentos, considerando bovina por Clostridium perfringens tipo A. Ciên-
of the American Veterinary Medical Asso-
que é por meio da prevenção que os da- cia Rural, Santa Maria, v.36, n.4, p.1331-1333,
ciation, v.30, n.5, p.199-207, 1957.
nos causados pelas infecções mamárias são 2006.
minimizados e é alcançada uma melhor SILVA, E.R. da; ARAÚJO, A.M. de; ALVES,
INTERNATIONAL DAIRY FEDERATION.
produtividade leiteira. F.S.F.; PINHEIRO, R.R.; SAUKAS, T.N. Rela-
Bovine mastitis: definition and guidelines
tionship between California Mastitis Test and
for diagnosis. Brussels, Bélgica, 1987. (IDF.
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Vacinação com bacterina de Staphylococcus P.F. Influência de fatores de ambiente sobre 2001.
aureus no controle de mastite em vacas em a contagem de células somáticas e sua relação
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1999. 118p.
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BRAMLEY, A.J.; CULLOR, J.S.; ERSKINE, R.
ZAFALON, L.F.; NADER FILHO, A.; AMARAL,
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Agroindústria: leite e derivados 51

Resíduos de antibióticos e seus impactos


na produção e consumo do leite
Daniel Arantes Pereira 1

Resumo - O uso indiscriminado de antibióticos, a falta de instruções para o uso de dosa-


gens apropriadas e o desrespeito aos prazos de carência são as principais causas da
presença de resíduos químicos no leite, o que representa um grande risco à saúde
pública e à qualidade da produção de derivados fermentados e sustentabilidade da
indústria no mercado. Um dos principais prejuízos econômicos causados à indústria de
processamento de leite é a inibição das bactérias láticas que compõem os fermentos
láticos. Apesar da normatização do monitoramento dos resíduos no leite por meio do
Plano Nacional de Controle de Resíduos (PNCR) e do avanço no desenvolvimento de
metodologias de detecção, os aspectos logísticos efetivos do monitoramento e a melhor
forma de descarte do leite contaminado ainda necessitam ser melhorados.
Palavras-chave: Laticínio. Qualidade. Resíduo antimicrobiano.

INTRODUÇÃO antigos modelos voltados para o pagamen- lactação, sem observação do período de
O leite constitui um alimento de alto to por volume de leite. Atualmente, a quali- carência, sem orientação técnica adequada,
valor nutritivo essencial na dieta de adul- dade da matéria-prima é um dos maiores com negligência, e adicionado de forma
tos e é considerado um dos principais ali- entraves ao desenvolvimento tecnológico fraudulenta para mascarar a qualidade
mentos da dieta das crianças. Seu valor nu- e à consolidação da indústria de laticínios microbiológica do leite, por parte do produ-
tritivo deve-se, principalmente, ao seu alto no Brasil. tor, ocasiona a presença de resíduos no
conteúdo de proteínas, vitaminas e sais No âmbito do Sistema de Análise de Pe- leite. Estes resíduos representam um risco
minerais. rigo e Pontos Críticos de Controle (APPCC), potencial para a saúde pública em função
A cadeia produtiva do leite é uma das na produção de alimentos, os resíduos de das possíveis ações tóxicas, das reações
mais importantes do País no setor agro- antibióticos representam um grande risco alérgicas e da seleção de microrganismos
pecuário. Alterações estruturais durante a químico para o consumo de leite. De acordo resistentes. Para a indústria de laticínios
última década, como aumento da produção, com o Codex Alimentarius, resíduo é a fra- os resíduos antimicrobianos no leite levam
redução do número de produtores, queda ção da droga representada por seus meta- a prejuízos decorrentes da inibição dos fer-
no preço pago ao produtor, aumento da bólitos, por produtos de conversão ou por mentos láticos na produção, em especial,
preocupação com a segurança alimentar impurezas que permanecem no alimento de de iogurtes, queijos e manteiga.
diante da expansão dos mercados interno origem animal, provenientes do tratamen- No Brasil, os principais resíduos quími-
e externo e recente normatização da pro- to com drogas veterinárias (FAO; WHO, cos encontrados no leite são os antibióticos
dução de leite no País, estão levando as 1993). usados na terapia e prevenção da mastite,
indústrias de laticínios a um maior rigor na Diversas são as substâncias quími- doenças do trato reprodutivo e afecções
seleção da matéria-prima, assim como à cas usadas no tratamento e prevenção de podais. Não há no País uma política de lon-
implantação de programas de pagamento doenças. Porém, o uso de antimicrobianos go prazo para organizar e, principalmente,
de leite por qualidade, em detrimento aos no tratamento de infecções de vacas em para manter a estrutura adequada para o

1
Zootecnista, Prof./Pesq. EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: daniel.arantes@epamig.br

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52 Agroindústria: leite e derivados

controle do uso de medicamentos veteri- do rebanho leiteiro. Um tratamento inade- se diária de um agente químico presente
nários. Um maior rigor na estipulação do quado pode ocasionar a contaminação pelo no alimento que pode ser ingerido por meio
prazo de carência no caso de agentes micro- antibiótico empregado (ALBURQUERQUE da dieta durante toda a vida do indivíduo
bianos usados em animais pode reduzir a et al., 1996). sem provocar risco de intoxicações. O inter-
ocorrência de resíduos no leite. O tratamento da mastite e de outras valo de tempo, para que os resíduos nos
doenças que acometem o gado leiteiro é produtos de origem animal atinjam os
RESÍDUOS DE ANTIBIÓTICOS realizado com o emprego de antibióticos, níveis de tolerância permitidos, também é
que podem ser administrados por diferen- determinado e é denominado período de
Os resíduos de antibióticos podem ser
tes vias e com períodos de eliminação va- carência (BRITO, 2000).
definidos como compostos bioativos que
riáveis. A presença do antibiótico no leite, O regulamento para o controle sanitário
aparecem na forma de vestígios nos pro-
mesmo em pequenas concentrações, pode do leite estabelece que o leite e seus deriva-
dutos de origem animal, em função do seu
inibir as bactérias láticas usadas na pro- dos destinados ao consumo humano de-
uso terapêutico na prevenção e no trata-
dução de derivados fermentados e, além vem estar livres de antibióticos (BRASIL,
mento de doenças, e podem causar ações
disso, pode não afetar a maioria das bacté- 2002). Os limites máximos permitidos de
biológicas nos seres humanos consumido-
rias indesejáveis, como colibacilos, o que resíduos de alguns antimicrobianos variam
res destes produtos (FAGUNDES, 2003).
dificulta seu pleno aproveitamento indus- de acordo com a legislação de cada país
Os antibióticos mais comuns usados
trial (BRITO, 2000). (Quadro 1).
em animais de produção podem ser divi-
O limite máximo residual é definido como
didos em cinco classes: os β-lactâmicos IMPACTOS NA SAÚDE PÚBLICA
a concentração máxima da droga, expressa
(penicilinas e cefalosporinas), as tetracicli-
em mg/kg ou µg/kg, legalmente permitida Os principais problemas associados à
nas (oxitetraciclina, tetraciclina, clortetra-
ou reconhecida como aceitável no alimen- presença de resíduos antimicrobianos no
ciclina), os aminoglicosídios (estreptomici-
to. Esse limite baseia-se no tipo e na con- leite e que colocam em risco a saúde dos
nas, neomicina e gentamicina), os macro-
centração do resíduo, considerando o peri- consumidores são a hipersensibilidade, os
lídeos (eritromicina) e as sulfonamidas
go toxicológico para a saúde humana, com efeitos tóxicos e o aumento da resistência
(sulfometazina) (MITCHELL et al., 1998).
base na Dose Diária Aceitável (IDA) ou dos patogénos às drogas. Diversas reações
No leite, os resíduos de antibióticos
temporária, que utiliza um fator de segu- alérgicas são relatadas em indivíduos sen-
ocorrem, especialmente, em função da te-
rança adicional (BRITO, 2003). IDA é a do- síveis a antimicrobianos, sobretudo rea-
rapêutica antiinfecciosa na glândula ma-
mária e órgãos reprodutivos, entretanto,
sua presença pode estar associada também QUADRO 1 - Limites máximos de resíduos de alguns antimicrobianos no leite, em diferentes
à administração voluntária do antibiótico países
pelo produtor, com o objetivo de mascarar
Limite Máximo Residual
a qualidade microbiológica do produto
(µg/kg )
(FAGUNDES; MOLIN, 1988). A presença e Droga
União
a concentração desses resíduos no leite EUA Canadá Brasil
Européia
dependem de fatores como concentração
da droga, estádio de lactação do animal, Penicilina 5 6 5 4
volume de leite produzido, intensidade da Estreptomicina 125 125 125 200
infecção, dose administrada, excipiente e via Tetraciclina 150 30 100 100
de aplicação e da farmacocinética da droga.
Eritromicina 50 – 40 40
A mastite é considerada uma das prin-
Neomicina 150 – 500 500
cipais doenças infecciosas, causadora de
prejuízos econômicos para a cadeia agro- Oxitetraciclina 30 – 100 100
industrial do leite. Na manifestação da Clortetraciclina 30 – 100 100
doença, geralmente associada a infecções Ampicilina 10 – 4 4
microbianas, estão envolvidos diversos fa- Amoxicilina 10 – 4 4
tores, dentre os quais citam-se: o manejo, a
Ceftiofur 50 – 100 100
alimentação e o tipo de ordenha. A mastite
Sulfas 10 10 100 100
encontra-se disseminada em todas as bacias
leiteiras do País e atinge parte considerável FONTE: Brito (2000) e Sbampato (2003).

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Agroindústria: leite e derivados 53

ções cutâneas que incluem urticárias e der- lidade e, conseqüentemente, o custo por láticas que compõem o fermento para a fa-
matites, reações respiratórias como rinites esta qualidade. bricação de iogurte apresentam alta sensibi-
e asma brônquica e reações digestivas. Os antibióticos podem interferir em lidade à ação dos antimicrobianos, a triagem
Embora as concentrações aceitáveis de alguns testes de controle de qualidade. do leite a ser usado no seu processamento
resíduos de antimicrobianos no leite sejam Fagundes e Molin (1988) relataram que deve ser a mais rigorosa possível, para evi-
inferiores ao limite mínimo necessário para certos antibióticos podem modificar os tar prejuízos para a indústria e a saúde dos
produzir reações alérgicas agudas, não é resultados do teste de fosfatase alcalina consumidores.
ainda conhecido, se a exposição freqüente no leite, o que interfere na interpretação da As bactérias do grupo coliforme são
a baixas concentrações destes medicamen- eficiência da pasteurização por induzir a sete vezes mais resistentes aos antibióticos,
tos é passível de causar efeitos nocivos ao um resultado falso negativo para presença se comparadas às bactérias do fermento
consumidor (BRITO, 2000). Casos de rea- de fosfatase. A presença de resíduos de lático mesofílico. Assim, a cultura lática po-
ções de hipersensibilidade após o consu- antibióticos no leite interfere no resultado derá ser inibida parcialmente ou totalmente,
mo de leite foram relatados por Lederer do teste de redutase por aumentar o tempo enquanto os coliformes continuarão ativos,
(1991) em pessoas que apresentaram testes de redução do azul de metileno e, assim, o podendo causar estufamento em queijos
cutâneos positivos para a penicilina e teste indicará a qualidade microbiológica (FURTADO, 1990). Albuquerque et al. (1996)
negativos no leite. Esse autor enfatiza que, do leite cru superior à qualidade real. observaram a ocorrência de putrefação em
para provocar essas reações, não é relevan- Entretanto, a principal interferência dos queijos em função do desenvolvimento de
te a concentração destas drogas em alimen- resíduos antimicrobianos na indústria de bactérias do grupo coliforme resistentes a
tos, ou seja, pequenas doses são suficien- laticínios refere-se a sua ação inibidora so- antibióticos, com modificações nas carac-
tes para desencadear o processo. bre as culturas láticas durante os proces- terísticas do produto final.
Os principais efeitos tóxicos dos resí- sos fermentativos na produção de quei- As bactérias láticas são mais sensí-
duos de alguns antibióticos são associa- jo, manteiga, leite fermentado e iogurte veis aos antibióticos, o que impede que
dos à ação que possuem, ou seja, carcino- (FURTADO, 1994). a fermentação ocorra satisfatoriamente
gênica, mutagênica e teratogênica (BRITO, Sbampato (2000) destaca que, na pro- (NASCIMENTO, 2001).
2000). Estes efeitos assumem grande impor- dução de queijos, os principais problemas A penicilina promove uma inibição pre-
tância ao considerar que o leite é um ali-
com resíduos de antimicrobianos abrangem coce de S. thermophilus no fermento de
mento consumido por indivíduos de todas
a má dessoragem da coalhada, fermenta- iogurte e, como conseqüência, Lactobacillus
as faixas etárias, incluindo crianças, idosos
ções indesejáveis, com produção de gás e bulgaricus, que apresenta maior capaci-
e gestantes, com risco do efeito teratogêni-
uma maturação irregular. Este mesmo autor dade proteolítica e maior resistência à pe-
co no desenvolvimento fetal.
afirma que, considerando que as bactérias nicilina, predomina no meio (Quadro 2) e
Em função do uso indiscriminado de
antibióticos, em concentrações inadequa-
das, há um aumento gradativo das doses
QUADRO 2 - Sensibilidade das culturas láticas do iogurte a antibióticos
de antibióticos usadas na terapia de ani-
mais, o que promove a seleção de bacté- Concentrações inibitórias

rias resistentes no ambiente (BRITO, 2000). (mL)


Antibiótico
A implicação negativa do aumento da resis- L.delbrueckii Cultura mista
S.thermophilus
tência dos patógenos é o comprometimento subsp. bulgaricus (UI)
da eficácia da antibioticoterapia em hu-
Penicilina 0,004-0,001UI 0,02-0,1 UI 0,01
manos. Em alguns países, por exemplo, na
Estreptomicina 0,38UI 0,38 UI 1,0
França, é sugerido que antibióticos de indi-
cação médico-humana sejam proibidos no Tetraciclina 0,13-0,5 µg 0,3-2,0 µg 1,0
tratamento de doenças em animais. Cloratretraciclina 0,06-1,0 µg 0,3-2,0 µg 0,1
Oxitetraciclina 0,4 UI 0,7 UI 0,4
IMPORTÂNCIA PARA
A INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS Bacitracin 0,04-0,12 UI 0,04-0,1 UI 0,04
Eritromicina 0,3-1,3 0,7-1,3mg 0,1
A presença de resíduos de antibióticos
no leite é, talvez, o maior problema para Clorafenicol 0,8-13mg 0,8-13,0mg 0,5
a indústria de laticínios, pelo fato de com- FONTE: Tamime e Deeth (1980).
prometer o rendimento industrial, a qua- NOTA: UI - Unidades internacionais.

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54 Agroindústria: leite e derivados

ocasiona um desequilíbrio entre as ações, Uma vez presentes no leite, os antibió- rentes métodos para a detecção de resíduos
o que resulta em maior proteólise e pro- ticos são de difícil eliminação, o que repre- no leite com sensibilidade muito variável
duz gosto de peptona, além de exsudação senta um grave problema pelo fato de a (Quadro 4). O emprego de determinado tes-
excessiva de soro (SPAMPATO, 2003). maioria deles ser termorresistente (Qua- te depende do interesse industrial, da rapi-
Pequenas concentrações de penicilina, dro 3). dez do resultado e da relação custo bene-
estreptomicina, tetraciclina e amoxicilina fício em função do caso.
TESTES DE DETECÇÃO Os testes de detecção podem ser quali-
afetam a acidificação, levam à exsudação
do soro e, em alguns casos, podem impedir, O monitoramento dos resíduos quími- tativos, quantitativos ou semiquantita-
completamente, a fermentação pela inibição cos e seus derivados no leite deve ser feito tivos. Os métodos qualitativos baseiam-se
das culturas láticas (BUSWELL, 1989). com base nos limites estabelecidos pelas em um valor de corte para classificar as
Além dos transtornos tecnológicos, em agências internacionais (BOECKMAN; amostras como positivas ou negativas.
função dos resíduos de antimicrobianos CARLSON, 1997). Existem no mercado dife- Nos métodos quantitativos a concentra-
com danos à qualidade do leite e seus de-
rivados, existem os prejuízos à indústria
QUADRO 3 - Estabilidade térmica dos antibióticos
quanto à sustentabilidade no mercado,
em conseqüência da descredibilidade da Destruição
marca. Antibiótico (%)
O grau de sensibilidade de cada micror- 72°C / 15 s 90°C / 30 min 100°C / 30 min
ganismo da cultura lática, usado para a pro-
Penicilina 8% 20% 50%
dução de iogurte, varia em função do tipo
de antibiótico. O desenvolvimento das Estreptomicina – – 66%
características que determinam a qualida- Tetraciclina – – 90%
de do iogurte depende basicamente da FONTE: Furtado (1994).
interação simbiótica entre Streptococcus
thermophilus e Lactobacillus bulgaricus.
Os resíduos de antibióticos no leite, mesmo QUADRO 4 - Limites de sensibilidade de alguns kits comerciais para detecção de antibióticos
em concentrações inferiores às inibitórias (µg/kg)
da cultura lática, comprometem o cresci- Bacillus
mento simbiótico entre os microrganismos stearothermophilus Streptococcus
da cultura lática do iogurte e a qualidade Antimicrobiano var. calidolactis Delvotest® SP thermophilus
do produto final. (método de difusão (Valiotest T101)
De acordo com Tamime e Robinson em tubo)
(1999), o efeito inibidor dos resíduos nes- Benzilpenicilina 3 3 5
ses microrganismos é influenciado pelo Ampicilina 6 6 25
modo de ação dos antibióticos e, em vista Amoxicilina 6 6 40
do vasto número de drogas antimicrobia-
Cloxacilina 25 25 200
nas usado em medicina veterinária, existe
Ceftiofur 40 50 20
um grande empenho para classificar aqueles
mais empregados. O mecanismo de ação anti- Oxitetraciclina 750 1 000 400

microbiana dessas drogas sobre as bacté- Tylosina 20 50 20


rias que compõem a cultura lática do iogurte Eritromicina 10 200 75
varia em função do antibiótico. Os princi- Espectotinomicina 750 3 000 1 500
pais mecanismos incluem ação sobre: estru-
Dihidorestreptomicina 250 1 500 400
tura da membrana celular; metabolismo
Gentamicina 50 200 1 500
celular de carboidratos, proteínas e lipídios,
Sulfadimidina 500 150 >5 000
rendimento energético das transformações
celulares, inibição de enzimas e sistemas Dapsona 2 2 >2 000
de fosforilação e bloqueio da síntese de Clorafenicol 5 000 7 500 1 500
DNA e RNA, durante a divisão celular. FONTE: Fagundes (2003).

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Agroindústria: leite e derivados 55

ção da droga é determinada pelo emprego Testes para detecção de resíduos de anti- taminado, para a produção de derivados
de uma curva padrão construída com uma bióticos no leite disponíveis no mercado e que dispensam processos fermentativos,
ampla faixa de concentração do antimicro- os seus princípios são apresentados no ainda são freqüentes.
biano. Esses testes exigem instrumentação Quadro 5. Entretanto, a indústria de laticínios
precisa. Os testes semiquantitativos são A indústria deve estar ciente da neces- diante da normatização da qualidade do
semelhantes aos quantitativos, exceto pelo sidade do controle da presença de antibió- leite e para se precaver dos prejuízos advin-
fato de que os resultados da amostra-teste ticos e da realização dos testes de triagem, dos da presença desses resíduos, está ado-
são comparados com intervalos de concen- nos programas de pagamento por quali- tando, de forma gradual, metodologias para
tração de controles previamente prepara- dade. o monitoramento freqüente de resíduos de
dos com as amostras (CARRARO; VEIGA, medicamentos e seus derivados metabó-
2000). CONSIDERAÇÕES FINAIS licos no leite. Dessa forma, pode penalizar
Os métodos para detecção de resíduos O monitoramento dos resíduos pre- economicamente os produtores no âmbito
de antimicrobianos em alimentos baseiam- vistos na legislação ainda é incipiente e do programa de pagamento por qualidade.
se em três princípios básicos: efeito dire- apresenta problemas logísticos como difi- O setor produtivo sob a orientação dos
to sobre um microrganismo-teste, reação culdades na aplicação da freqüência de órgãos de Assistência Técnica e Extensão
antígeno-anticorpo e características físico- amostragem e na escolha de métodos de Rural deve garantir um manejo preventivo
químicas dos antimicrobianos, que funda- detecção rápidos, baratos e de amplo espec- do rebanho leiteiro e, assim, reduzir a ne-
mentam as técnicas cromatográficas e/ou tro. Assim, práticas como diluição de leites cessidade de tratamento com substâncias
espectrométricas (PETZ, 1996). contaminados ou destinação do leite con- químicas. Isto pode ser alcançado com o
monitoramento e controle da mastite, ado-
ção de práticas adequadas de ordenha e
QUADRO 5 - Princípio de detecção de resíduos de antibióticos no leite de alguns testes disponíveis
implementação de programa estratégico
no mercado
para controle de ectoparasitos. Diante da
Princípio do teste Teste necessidade do tratamento de vacas em lac-
Inibição do crescimento microbiano Disco - difusão
tação com substâncias químicas, os prazos
de carência dos medicamentos devem ser
BR – Test
respeitados e cuidado especial deve ser
BR – Test “Blue Star”
tomado para evitar a contaminação do leite
BR – Test AS
proveniente de animais sadios com a iden-
Charm Farm Test tificação e o manejo adequado dos animais
Charm Inhibition Assay tratados e separação da ordenha.
Delvotest P

REFERÊNCIAS
Receptores específicos Charm cowside test
Charm I test ALBUQUERQUE, L. M. B.; MELO, V. M. M.;

Charm II test MARTINS, S.C.S. Investigações sobre a presen-


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Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay (ELISA) CITE sulfa trio
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Lac tek (β-lactâmicos, gentamicina,
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e
sulfametazina)
Abastecimento. Instrução Normativa no 51, de
Enzima Penzyme 18 de setembro de 2002. Aprova os Regula-
IDEXX snap test mentos Técnicos de Produção, Identidade e
Qualidade do Leite tipo A, do Leite tipo B, do
Aglutinação em látex – reação antígeno - anticorpo SPOT test Leite tipo C, do Leite Pasteurizado e do Leite
FONTE: Fagundes (2003). Cru Refrigerado e o Regulamento Técnico da

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56 Agroindústria: leite e derivados

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Agroindústria: leite e derivados 57

Queijo de coalho:
características e tecnologia
Denise Sobral 1
Junio César Jacinto de Paula 2
Paulo Henrique Fonseca da Silva 3

Resumo - O queijo de coalho possui mercado promissor em função do aumento de seu


consumo, em especial na região Sudeste do País. Na maioria das vezes é consumido
assado em espetos ou frito na manteiga de garrafa. As tecnologias de fabricação deste
queijo são variadas, dentre as quais destaca-se a forma artesanal. A EPAMIG, por meio
do Centro Tecnológico/Instituto de Laticínios Cândido Tostes (CT/ILCT) e de um pro-
jeto financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), desenvolveu uma
tecnologia de fabricação específica do queijo de coalho, com leite pasteurizado, a fim de
obter um produto com baixa capacidade de derretimento e boas características sensoriais.
O derretimento é influenciado pelo grau de acidificação e proteólise durante a estocagem
e maturação do queijo, características que podem ser controladas durante o processo de
fabricação. O uso de leite pasteurizado garante um queijo com sabor e aroma padro-
nizados comparado ao queijo fabricado de maneira artesanal, além de proporcionar
maior segurança microbiológica ao consumidor.
Palavras-chave: Processo de fabricação. Laticínio. Leite pasteurizado. Tecnologia de
alimento.

INTRODUÇÃO A origem do nome deste queijo deve- e 60% (BRASIL, 2001). No Quadro 1 estão
O queijo de coalho é típico da Região se ao uso da enzima retirada de estôma- apresentadas as principais características
Norte e Nordeste do País, sendo responsá- gos de ruminantes, o coalho, para coagu- funcionais do queijo de coalho e suas pro-
vel por parte da economia local (BORGES lar o leite. Segundo a legislação brasileira váveis causas.
et al., 2003). As tecnologias de fabricação (BRASIL, 2001), o queijo de coalho é aque- O queijo de coalho pode ser consumido
diferem entre as queijarias, dentre as quais le obtido por coagulação do leite por meio fresco, assado, frito ou como ingrediente
a maioria é de pequeno e médio porte, po- de coalho ou enzimas coagulantes apro- em pratos típicos da Região Nordeste. Entre
dendo acrescentar-se, também, a fabricação priadas, complementadas ou não por bacté- as diversas formas de consumo, o queijo
de forma artesanal (PEREZ, 2005). A pro- rias láticas selecionadas e comercializado assado é o favorito, principalmente nas
dução de queijos de forma artesanal empre- normalmente com até dez dias de fabrica- praias do Brasil, aumentando cada vez mais
ga tecnologias tradicionais atendendo aos ção. O queijo de coalho é de média a alta o número de consumidores na Região Su-
consumidores de menor renda e grupos umidade, de massa semi-cozida ou cozida deste. Uma das características mais pro-
influenciados pela identidade cultural. e gordura no extrato seco (GES) entre 35% curadas pelos consumidores de queijo de

1
Enga Alimentos, M.Sc., Pesq./Prof a EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: denisesobral@epamig.br
2
Bacharel em Ciência e Tecnologia de Laticínios, M.Sc., Pesq./Prof. EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico:
junio@epamig.br
3
Farmacêutico-Bioquímico, D.Sc., Pesq./Prof. EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: paulo.henrique@epamig.br

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58 Agroindústria: leite e derivados

QUADRO 1 - Principais características funcionais desejáveis no queijo de coalho As etapas de fabricação estão descri-
tas com detalhes na Figura 2.
Característica funcional Causa

Não derretimento Menor acidez e menor proteólise, por isso não se deve utilizar TECNOLOGIA DE FABRICAÇÃO
alta dosagem de fermento
Leite
Ranger nos dentes Menor teor de umidade e menor teor de gordura
Pasteurizado a 65ºC por 30 minutos ou
Escurecimento Maior teor de lactose 72ºC por 15 segundos, com acidez entre
15ºD e 18ºD e gordura padronizada para
3%. O queijo fabricado com leite integral
coalho é a resistência ao derretimento quan- de validade do queijo de coalho também torna-se mais macio e pode derreter, quan-
do aquecido (Fig. 1). Esse é um fator que não possui um padrão, e pode variar de 3 a do submetido ao assamento ou fritura.
define a compra do produto, sendo mais 4 meses.
importante que o atributo sabor. A capaci- Algumas queijarias preferem não usar Cloreto de cálcio
dade de derretimento pode ser controlada o fermento na fabricação do queijo de coa- Usa-se 40 mL de solução 50% para ca-
de acordo com variações nas técnicas de lho, para que não derreta quando subme- da 100 L de leite ou 20 g para cada 100 L.
fabricação, regulando a acidificação e a tido ao calor. No entanto, o fermento lático O cloreto de cálcio é utilizado para repor o
proteólise durante a estocagem e matura- usado, além de proporcionar sabor e aroma cálcio insolubilizado durante a pasteuriza-
ção do queijo. Os principais responsáveis muito próximos do produto tradicional, ção e, assim, aumentar a firmeza da coalha-
para a maturação do queijo são o coalho, produzido com leite cru, ainda controla o da e reduzir o tempo de coagulação.
proteases e peptidases do fermento lático desenvolvimento de microrganismos con-
e/ou microbiota secundária e enzimas na- taminantes, o que evita possíveis proble- Fermento lático (opcional)
turais do leite. Durante a proteólise ocorre mas de contaminação (FURTADO, 1990). O fermento lático confere o sabor e o
uma fragilização da rede protéica do queijo, A EPAMIG, por meio do Centro Tec- aroma do queijo e contribui também no
o que aumenta a sua capacidade de derreti- nológico/Instituto de Laticínios Cândido desenvolvimento da acidez. Todavia a aci-
mento. Apesar de o queijo de coalho não Tostes (CT/ILCT) e de um projeto finan- dez contribuirá na desmineralização da
possuir período de maturação, suas condi- ciado pela Financiadora de Estudos e Pro- coalhada, o que aumenta a capacidade de
ções de estocagem e de comercialização jetos (Finep), desenvolveu uma tecnolo- derretimento do queijo. Alguns laticínios
podem favorecer a ocorrência de proteóli- gia de fabricação de queijo de coalho, com optam por não usar o fermento na fabri-
se durante a vida de prateleira, e modifi- a obtenção de um produto de excelentes cação do queijo de coalho. Várias pesqui-
car suas propriedades funcionais. O prazo características funcionais e sensoriais. sas foram realizadas no intuito de estabe-

Fotos: Arquivo EPAMIG-CT/ILCT

A B
Figura 1 - Queijo de coalho frito
NOTA: A - Características normais; B - Produto descaracterizado, com pH <5,8, produção excessiva de acidez.

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Agroindústria: leite e derivados 59

lecer uma dose de fermento adequada que


Leite pasteurizado HTST (72°C/15s) ou LTLT (65°C/30 min)
contribua para o sabor e aroma dos queijos
Padronizado para 3,0% de gordura
sem deixar que derretam, quando subme-

tidos ao calor. No caso do uso de fermento,
Adição de cloreto de cálcio (40 mL/100 L)
o pH final do queijo não deve ser menor

que 5,8. As doses de fermento que mais
Adição opcional de fermento mesofílico (tipo “O”)
mantiveram as características do queijo
ou mesofílico aromático (LD)
de coalho no estudo foram de 1/8 a dose
(1/4 a 1/8 da dose normal)
normal da cultura tipo “LD” (Lactococcus

lactis subsp. lactis, Lactococcus lactis
Aquecimento a 32°C - 34ºC
subsp. cremoris, Lactococcus lactis

subsp. lactis biovar. diacetylactis,
Adição de coalho ou coagulante (dose normal)
Leuconostoc mesenteroides subsp.

cremoris) ou 1/4 da dose da cultura tipo
Coagulação em 30min – 40 min
“O” (Lactococcus lactis subsp. lactis,

Lactococcus lactis subsp. cremoris).
Corte em grãos número 04
↓ Coagulação
I mexedura lenta por 20 min
A temperatura de coagulação situa-se

entre 32ºC e 35ºC e utiliza-se a dose normal
II mexedura com aquecimento (1ºC/2-3 min) até 42°C - 45ºC
de coagulante ou coalho para formação da

coalhada. O tempo normal de coagulação
Obtenção do ponto em 60 min a 80 min após o corte da coalhada
varia de 30 a 40 minutos. Na Figura 3 é apre-

sentado um teste prático para a visualização
Dessoragem parcial, 80% de soro ou até aparecer
do ponto de corte da coalhada.
a massa no fundo do tanque

Corte
Salga
1,5% a 2,0% de sal sob o volume de leite utilizado O corte deverá ser lento e realizado com
e mexedura por 1min a 5 min auxílio das liras horizontal e vertical. Os grãos
↓ devem possuir um tamanho pouco menor
Dessoragem total e que os grãos obtidos na fabricação do
pré-prensagem por 20 min com duas vezes o peso da massa queijo Prato, com 1/2 cm de aresta. Quanto
↓ menor o grão, mais fácil será a expulsão de
Enformagem soro, o que permite a formação de massa
em fôrmas retangulares de 2 kg ou 3 kg menos úmida. Quanto menor a umidade do
↓ queijo, menor será a proteólise, menor se-
Prensagens rá a acidificação, e menor a capacidade de
com 10 vezes o peso do queijo ou 30 Libras/pol2 derretimento. O tamanho ideal do grão de
1a : 30 minutos coalhada, após o corte, para o queijo de
2a : 10 a 18 horas coalho é apresentado na Figura 4.
a
3 : 30 minutos sem dessorador
Mexedura

Secagem A mexedura é feita com um garfo pró-
8 - 10°C por 20 - 24h a 70 - 75% URA prio. A agitação deve ser lenta, com repou-
↓ sos regulares caso haja quebra excessiva
Embalagem dos grãos. Após 20 minutos do início da
mexedura, pode-se iniciar um aquecimento
Tecnologia EPAMIG - 2006
lento a 1ºC por 2 a 3 minutos até 42ºC a
Figura 2 - Fluxograma de fabricação do queijo de coalho com leite pasteurizado 45ºC, sob contínua agitação.

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60 Agroindústria: leite e derivados

Fotos: Arquivo EPAMIG-CT/ILCT


Figura 3 - Ponto de corte do queijo de coalho

Ponto Dessoragem parcial mecânicas, parecendo-se mais com o queijo


Em condições normais, o ponto do Retira-se 80% do total de soro ou até o de coalho fabricado com leite cru. O queijo
queijo deverá ocorrer a, aproximadamente, aparecimento da massa no tanque para que de coalho apresenta um percentual de sal
80 minutos após o corte da coalhada. Nesse seja feita a salga. mais alto, que além de contribuir para um
momento, os grãos devem estar secos e sabor mais pronunciado confere maior con-
firmes. Quando o ponto é dado precoce- Salga trole da fermentação e mantém o pH mais
mente, corre-se o risco de reter mais umida- Usa-se 1,5% a 2,0% de sal em relação alto, o que é muito importante para manter
de no queijo, o que aumenta sua capaci- ao volume inicial de leite. O sal deve ser de uma boa característica de assamento e fritu-
dade de derretimento quando assado ou boa qualidade e adicionado à massa e ao ra. O processo de salga na massa do queijo
frito. A umidade do queijo gira em torno de restante de soro, mexendo com o garfo por de coalho é apresentado na Figura 6.
47%. Na Figura 5 é apresentado um teste mais 5 minutos. Nesse momento, retira-se
prático para observação do ponto final de o restante de soro. Este tipo de salga pro- Pré-prensagem
mexedura, pela observação da textura dos porciona um queijo de textura mais aberta, Depois da salga na massa, deve-se
grãos. ou seja, com um maior número de olhaduras empurrá-la para uma extremidade do tan-
Arquivo EPAMIG-CT/ILCT

Arquivo EPAMIG-CT/ILCT

Figura 4 - Observação do aspecto dos grãos após o corte da Figura 5 - Observação do ponto final de mexedura no tanque
coalhada do queijo de coalho de fabricação do queijo de coalho

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Agroindústria: leite e derivados 61

queijos que ficaram na parte superior para Secagem e salga a seco


a inferior, e prensa-se novamente por mais complementar (opcional)
90 minutos com 30 lb/pol2. Caso seja manual, No dia seguinte, passar sal sobre os
prensa-se por cerca de 10 h a 18 h com dez queijos e mantê-los em câmara fria a 10ºC a
vezes o peso do queijo (20 kg). Ao final da 12ºC (70% a 75% umidade relativa do ar)
prensagem, os queijos devem ser retirados por mais dois dias. Em seguida retirar o sal
da prensa e prensados novamente, porém por meio da lavagem dos queijos, deixar
sem dessorador ou pano, durante cerca secar de um dia para o outro e embalar em
de 30 minutos com 30 lb/pol2 ou 20 vezes o película plástica termoencolhível. A esta-
seu peso, para que tenham um acabamen- bilização do queijo deve prosseguir por
to melhor. Na Figura 7 está apresentada a mais 3 a 5 dias em câmara a 10ºC a 12ºC
prensagem coletiva manual do queijo de (85% de umidade relativa do ar) para desen-
coalho. volvimento de sabor. Após este período,
Arquivo EPAMIG-CT/ILCT

Figura 6 - Processo de salga realizado na


massa do queijo de coalho

que ou colocá-la na drenoprensa. Caso o


objetivo seja obter queijos com textura mais
fechada, deve-se fazer a pré-prensagem
imediatamente. No entanto, para obtenção
de uma massa com textura mais aberta,
pode-se proceder a trituração da massa a
fim de quebrá-la e resfriá-la para, em segui-
da, fazer a pré-prensagem usando o dobro
de peso em relação à quantidade de massa
(ou 40-50 lb/pol2 em drenoprensa) duran-
te 15 a 20 minutos. A pré-prensagem facilita
a enformagem dos queijos e contribui na
saída de soro que permanece entre os grãos
que formarão a massa de queijo.

Enformagem
Terminada a pré-prensagem, corta-se o
bloco de massa e coloca-se, aproximada-
mente, de 2 kg de massa em fôrmas retan-
gulares com dessoradores ou panos para
posterior prensagem.
Arquivo EPAMIG-CT/ILCT

Prensagem
Os queijos são prensados primeiramen-
te por 30 minutos, com 20 lb/pol2 ou com o
equivalente a 10 vezes o peso do queijo
(20 kg). Em seguida, eles são virados na
fôrma e na própria prensa, transferindo os Figura 7 - Prensagem coletiva manual do queijo de coalho

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62 Agroindústria: leite e derivados

os queijos podem ser comercializados ou de validade muito estendido, torna-se alvo higiênico-sanitários em queijo de coalho produ-
estocados entre 2ºC e 4ºC. de diversos problemas microbiológicos zido e comercializado no estado de Pernambuco.
como o estufamento, por isso o uso do ni- Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo,
CONSIDERAÇÕES FINAIS trato de sódio é indicado. v.72, n.3, p.297-302, jul./set. 2005.

Em muitas indústrias, o queijo de coa- Fermentações na casca do queijo podem FURTADO, M.M. A arte e a ciência do queijo.
lho é fabricado a partir de leite cru, o que ocorrer, o que provoca o estufamento da 2.ed. São Paulo: Globo, 1990. 295p.
torna o consumo deste produto um risco embalagem e formação de odor semelhante
LIMA, A.F.; FIGUEIREDO, E.A.T. de; GON-
à saúde pública. Vários estudos (BORGES a frutas fermentadas, portanto, cuidados
ÇALVES, M.C.; BORGES, M.de F. Incidência
et al., 2003; DUARTE et al., 2005; LIMA et com a higiene devem ser objetos de grande
de Staphylococcus sp. e Staphylococcus coa-
al., 2005; NASCIMENTO et al., 2005), de- preocupação.
gulase positiva em queijos de coalho artesanal
monstram que o queijo apresenta-se com e indsutrial comercializados em Fortaleza, Ceará.
alta contagem de microrganismos patóge- REFERÊNCIAS
Revista do Instituto de Laticínios “Cândido
nos e/ou com toxinas provenientes destes BORGES, M. de F.; FEITOSA, T.; NASSU, R. Tostes”, Juiz de Fora, v.60, n.345, p.195-198,
microrganismos. Testes são realizados com T.; MUNIZ, C. R.; AZEVEDO, E. H. F. de; jul./ago. 2005. Anais do XXII Congresso Na-
o objetivo de obter um produto com as mes- FIGUEIREDO, E.A.T. de. Microrganismos cional de Laticínios.
mas características do queijo tradicional, patogênicos e indicadores em queijo de coalho
NASCIMENTO, I.R. do; SANTOS SOBRINHO,
entretanto fabricado a partir de leite pas- produzido no estado do Ceará, Brasil. Boletim
D.C. dos; OLIVEIRA, E.C. de; FREITAS, M.S.;
teurizado. O rendimento da fabricação va- do Centro de Pesquisa de Processamento de
ARAGÃO, C.N. Qualidade microbiológica do
ria entre 8 L/kg e 9 L/kg. Alimentos, v.21, n.1, p.31-40, jan./jun. 2003.
queijo de coalho submetido a tratamento tér-
A validade do queijo de coalho varia
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e mico comercializado em Aracaju/SE. Revista
em função dos cuidados em todas as eta-
Abastecimento. Instrução Normativa no 30, de do Instituto de Laticínios “Cândido Tostes”,
pas de fabricação, sendo estabelecido pela
26 de junho de 2001. Aprova os Regulamentos Juiz de Fora, v.60, n.345, p.253-255, jul./ago.
maioria das empresas entre 3 meses e 4 me-
Técnicos de Identidade e Qualidade de Mantei- 2005. Anais do XXII Congresso Nacional de
ses. Alguns cuidados especiais devem ser
ga da Terra ou Manteiga de Garrafa; Queijo de Laticínios.
tomados quanto à seleção do leite, presen-
coalho e Queijo de Manteiga. Diário Oficial
ça de esporulados e contaminações com PEREZ, R.M. Perfil sensorial, físico-químico
[da] República Federativa do Brasil, Brasília,
coliformes. O uso de leite pasteurizado é e funcional de queijo de coalho comerciali-
16 de jul. de 2001. Seção 1, p.13.
fundamental para obtenção de um produ- zado no município de Campinas, SP. 2005.
to seguro do ponto de vista microbiológico DUARTE, D.A.M.; SHUCH, D.M.T.; SANTOS, 122f. Dissertação (Mestrado em Alimentos e
e com um padrão fixo de composição du- S.B.; RIBEIRO, A.R.; VASCONCELOS, A.M.M.; Nutrição) – Faculdade de Engenharia de Ali-
rante todo o ano. O queijo de coalho por SILVA, J.V.D.; MOTA, R.A. Pesquisa de Listeria mentos, Universidade Estadual de Campinas,
ser um produto lácteo com pH alto e prazo monocytogenes e microrganismos indicadores Campinas, 2005.

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64 Agroindústria: leite e derivados

Queijo Minas artesanal:


acompanhamento de características físico-químicas
do queijo produzido na região do Serro
Danielle Braga Chelini Pereira 1
Gisela de Magalhães Machado 2
Márcia Aparecida Crivellari Porto 3
Alcy Laender de Brito 4

Resumo - Caracterização físico-química do queijo Minas artesanal da região do Serro, MG,


quanto às variáveis: teor de proteínas, gordura, cloreto de sódio, acidez e umidade. Os re-
sultados demonstram a singularidade do produto, com base nos coeficientes de variação
determinados para as variáveis estudadas. Dessa forma, buscou-se contribuir na definição
da identidade deste produto, com vistas à sua preservação, como os estudos microbio-
lógicos promoveram a segurança alimentar.
Palavras-chave: Laticínio. Parâmetro físico-químico. Legislação.

INTRODUÇÃO o queijo é curado por alguns dias. Inter- ordenhado, e que utiliza em sua fabricação
O queijo Minas, originário do estado namente, a massa é branca, consistente e somente a quimosina pura de bezerro e,
de Minas Gerais, é produzido no Brasil apresenta pequenas olhaduras mecânicas. no ato da prensagem, apenas o processo
desde o período colonial, implementando O sabor é acentuadamente mais ácido que manual. O produto final apresenta consis-
procedimentos artesanais desenvolvidos, o queijo Minas industrial. tência firme, cor e sabor próprios, massa
principalmente na cidade do Serro e na re- A técnica de fabricação do queijo Mi- uniforme e isenção de corantes e conser-
gião da Serra da Canastra. Hoje, a produção nas artesanal foi registrada no Livro dos vantes, com ou sem olhaduras mecânicas,
do queijo Minas artesanal é uma atividade Saberes, em agosto de 2002, como primeiro conforme a tradição histórica e cultural da
tradicional de vários municípios mineiros patrimônio imaterial de Minas Gerais, pelo região do Estado onde for produzido.
e reveste-se de grande importância para a Instituto Estadual do Patrimônio Histórico O projeto queijo Minas artesanal foi
economia e identidade sociocultural do Esta- e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG), idealizado pela Secretaria de Estado de
do, além de ser a principal atividade gera- instituído pelo Decreto 42.505, de 15/04/2002 Agricultura, Pecuária e Abastecimento de
dora de renda de famílias destas regiões. (MINAS GERAIS, 2002a). Minas Gerais, que regionalizou a produção
De acordo com Furtado (1980), o queijo A Lei 14.185, de 31 de janeiro de 2002 artesanal com áreas delimitadas pela Lei
Minas artesanal do Serro possui forma- (MINAS GERAIS, 2002b), estabelece que 14.185 (MINAS GERAIS, 2002b). Atual-
to cilíndrico com, aproximadamente, 14 cm o queijo Minas artesanal é aquele elabo- mente, quatro regiões são contempladas
de diâmetro e altura entre 4 cm e 6 cm. Pos- rado na propriedade de origem do leite, a pelo Programa: Canastra, Serro, Alto Para-
sui uma crosta fina e amarelada, quando partir de leite cru, hígido, integral e recém- naíba e Araxá. No restante do Estado, o

1
Farmacêutica-Bioquímica, M.Sc., Prof a/Pesq. EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: danielle@epamig.br
2
Enga Alimentos, Prof a/Pesq. EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: giselamachado@yahoo.com.br
3
Téc. Laticínios, Analista Laboratório Pesquisa EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: marciaporto@epamig.br
4
Téc. Química, Analista Laboratório Pesquisa EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: alcylaender@yahoo.com.br

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Agroindústria: leite e derivados 65

queijo Minas produzido é classificado co- amostras de queijos artesanais de sete pro- O teor de sal observado por Machado
mo padrão. Segundo descrição de Borelli dutores, coletadas durante quatro meses et al. (2004) foi superior, o que é condizen-
(2006), calcula-se que a participação mi- consecutivos. te com a menor média de acidez. Os teores
neira seja equivalente a 42% do total de As análises estatísticas foram realiza- de gordura e GES observados no presente
produção de queijos sob inspeção federal das no programa estatístico – Statistical estudo foram inferiores aos constatados
no Brasil, embora a produção informal seja Analysis System (SAS) – versão 8.2. por Machado et al. (2004) e Pinto (2004).
presumidamente superior. A produção total Entretanto, o teor de umidade foi semelhan-
de queijo Minas artesanal, ainda segundo RESULTADOS E DISCUSSÃO te (Quadro 1).
Borelli (2006), foi estimada em 42,2 mil to- De acordo com a Lei no 14.185, de 31 Em função do valor médio do GES, o
neladas por ano, o que representa um terço janeiro de 2002 (MINAS GERAIS, 2002b), produto pode ser classificado como quei-
do total produzido no Estado. aprovada pelo Decreto 42.645, de 05 de jo gordo, segundo o Regulamento Técni-
A Portaria do Instituto Mineiro de Agro- junho de 2002 (MINAS GERAIS, 2002a), co de Identidade e Qualidade de Queijos
pecuária (IMA) no 546, de 29 de outubro de os parâmetros físico-químicos para queijo (BRASIL, 1996). Das amostras, 26,67%
2002 (IMA, 2002), identifica a microrregião Minas artesanal incluem: umidade, expressa seriam enquadrados como semigordas.
do Serro como produtora de queijo Minas Machado et al. (2004) e Pinto (2004) enqua-
em base seca, de até 54,9%, negativo para
artesanal. draram os queijos que avaliaram na mesma
teste de amido e positivo para atividade de
O queijo Minas artesanal é produzido classe (Quadro 1).
fosfatase alcalina.
desde o século 18 nas regiões da Canastra, Quanto à umidade, o queijo pode ser
Das 122 queijarias localizadas na região,
Alto Paranaíba, Serro e Araxá. No Estado, classificado como de alta umidade. Entretan-
que produzem 54,6 toneladas de queijo por
existem cerca de 27 mil produtores de queijo
mês (BORELLI, 2006), 25 produtores tive- to, 4% das amostras apresentaram umida-
artesanal, com uma produção aproximada
ram seus produtos analisados em coletas de acima do limite máximo desta classe, qual
de 70 mil toneladas por ano. Somente nas
mensais entre os meses de maio a agosto, seja 54,9%, estabelecido também como limi-
regiões da Canastra, Serro, Alto Paranaíba e
o que representou um total de quatro cole- te máximo pela Lei no 14.185, de 31 de janeiro
Araxá, são 10,7 mil produtores. Das queijarias
tas. Entretanto, sete produtores participa- de 2002 (MINAS GERAIS, 2002b). Por outro
dessas quatro regiões saem, anualmente,
ram da totalidade de coletas. lado, 6,67% apresentaram-se abaixo do limi-
33,5 mil toneladas de queijo (RECURSOS...,
Os altos coeficientes de variação encon- te mínimo de 46%, segundo a classificação
2005).
trados coincidem com outros trabalhos e ca- do Ministério da Agricultura, Pecuária e
O objetivo deste estudo foi fazer a ca-
racterizam a singularidade do produto (Qua- Abastecimento (BRASIL, 1996), sendo consi-
racterização físico-química do queijo Minas
dro 1). A variabilidade pode ser explicada, derados como queijos de média umidade.
artesanal da região do Serro, MG.
segundo descrição de Machado et al. (2004) Foi realizado o acompanhamento dos
para queijos artesanais, pela técnica empre- queijos de sete produtores por quatro me-
MATERIAL E MÉTODO
gada na fabricação e por fatores ambientais, ses consecutivos (Quadro 2). Os teores de
Foram coletadas amostras de queijos em especial umidade e temperatura. cloreto de sódio, GES, gordura e umidade
artesanais, aleatoriamente, no município mi-
neiro do Serro, de 25 produtores, durante
quatro meses seguidos, de maio a agosto QUADRO 1 - Valores médios e coeficientes de variação (CV) das variáveis estudadas para o queijo
de 2006. As amostras foram submetidas às Minas artesanal do Serro
determinações de proteína, acidez, cloreto
(1) Machado et al. (2004) Pinto (2004)
de sódio, gordura, Gordura no Extrato Se- Variável
co (GES) e umidade, segundo os métodos Média CV Média CV Média CV
descritos por Pereira et al. (2001). As análi-
Proteína 17,90 10,78 17,06 15,29 22,40 6,19
ses foram realizadas na EPAMIG, no Labo-
Acidez 0,88 44,56 0,28 28,18 0,97 12,94
ratório de Pesquisa do Centro Tecnológi-
co Instituto de Laticínios Cândido Tostes Sal 1,81 19,78 4,39 37,14 1,62 10,68

(CT/ILCT), em Juiz de Fora, MG. Os resul- GES 47,69 8,92 59,44 – 54,48 –

tados foram comparados com os valores Gordura 24,03 10,56 29,22 11,89 28,21 7,13
médios de dois estudos previamente de- Umidade 49,61 5,24 50,84 5,96 48,22 6,36
senvolvidos. NOTA: GES- Gordura no extrato seco.
Foi realizada, ainda, uma análise com- (1)Queijos de 25 produtores analisados em até quatro coletas entre os meses de maio a agosto de
parativa da qualidade físico-química de 2006, no Laboratório de Análises Físico-químicas e Microbiológicas da EPAMIG-CT/ILCT.

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66 Agroindústria: leite e derivados

QUADRO 2 - Valores médios das variáveis estudadas em queijos de sete produtores em quatro <http://www.scielo.br/pdf/cta/v24n4/a06
meses consecutivos v24n4.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2007.
Valores
Proteína Acidez Sal GES Gordura Umidade MINAS GERAIS. Decreto no 42.645, de 5 de
(%)
junho de 2002. Aprova o regulamento da Lei
Maio 2006 15,30 0,47 1,76 49,25 25,50 48,07
no 14.185, de 31 de janeiro de 2002, que dispõe
Junho 2006 18,67 0,59 1,86 49,03 24,07 50,82 sobre o processo de produção de queijo Minas
Julho 2006 17,59 1,11 1,75 48,95 24,29 50,36 artesanal. Minas Gerais, Diário do Executivo,
Belo Horizonte, 6 jun. 2002a. p.18., c.1. Dis-
Agosto 2006 19,44 1,10 1,50 46,81 24,16 48,50
ponível em: <http://hera.almg.gov.br/cgi-bin/
NOTA: GES - Gordura no extrato seco.
nph-brs?d=NJMG&p=1&u=http://www.
almg.gov.br/njmg/chama_pesquisa.asp&l
=20&r=1&f=G&SECT1=IMAGE &SECT
não apresentaram diferença significativa REFERÊNCIAS
3=PLUROFF&SECT6=HITIMG&SECT7
a 5% ao longo dos meses de análise pelo
BORELLI, B. M. Dossiê técnico: melhoria da =LINKON&SECT8=DIRINJMG&SECT9=
teste Tukey. Proteína e acidez apresenta-
qualidade do queijo Minas artesanal. Belo Hori- TODODOC&co1=E&co2=E&co3=E&s1=
ram uma diferença significativa a 5%. Para
zonte: CETEC, 2006. Disponível em: <http:// Decreto&s2=42645&s3=2002&s4=>. Acesso
proteína, observou-se que o queijo coleta-
sbrt.ibict.br/upload/dossies/sbrt-dossie33. em: 22 fev. 2007.
do em agosto apresentou um valor signifi-
pdf?PHPSESSID=fbc34ee09ff18f37ac3e
cantemente superior ao coletado no mês _______. Lei no 14.185, de 31 de janeiro de
4991be9a413c>. Acesso em: 22 fev. 2007.
de maio. A acidez aumentou praticamente 2002. Dispõe sobre o processo de produção do
duas vezes, ao comparar os meses de maio BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e queijo Minas artesanal e dá outras providências.
e junho com os meses de julho e agosto. Abastecimento. Portaria no146, de 7 de março Minas Gerais, Diário do Executivo, Belo Ho-
de 1996. Aprova os Regulamentos Técnicos de rizonte, 1 fev. 2002b. p.3, c.2. Disponível em:
CONCLUSÃO Identidade e Qualidade dos Produtos Lácteos. <http://hera.almg.gov.br/cgi-bin/nph-brs?
O queijo Minas artesanal do Serro é o Diário Oficial [da] República Federativa do d=NJMG&p=1&u=http://www.almg.gov. br/
resultado da integração de diversos fato- Brasil, Brasília, 11 mar. 1996. Seção 1, p.3977. njmg/chama_pesquisa.asp&l=20&r=18f=
res ambientais, socioculturais e econômi- Disponível em: <http://extranet.agricultura. G&SECT6=HITIMG&SECT7=LINKON
cos. Dessa forma, já eram esperados valo- gov.br/sislegis-consulta/consultarLegislacao. &SECT8=DIRINJMG&SECT9=TODO
res diferentes para as diversas variáveis do?operacao=vizualizar&id=1218>. Acesso DOC&co1=E&co2=E&co3=E&s1=Lei&s2=
físico-químicas dos queijos, embora não em: 24 fev. 2007. 14185 &s3=2002&s4=>. Acesso em: 22 fev.
seja ideal que as faixas de variação sejam 2007.
FURTADO, M.M. Queijo do Serro: tradição na
muito amplas, por motivos de mercado e
história do povo mineiro. Revista do Instituto PEREIRA, D.B.C.; SILVA, P.H.F. de; COSTA
de preservação da identidade do produto.
de Laticínios “Cândido Tostes”, Juiz de Fora, JÚNIOR, L.C.G.; OLIVEIRA, L.L. de. Físico-
Verificou-se, por meio desta pesquisa, a ne-
v.35, n.210, p.33-36, jul./ago. 1980. química do leite e derivados: métodos
cessidade da realização de trabalhos junto
aos produtores com o objetivo de buscar a analíticos. 2.ed. Juiz de Fora: Templo, 2001.
IMA. Portaria no 546, de 29 de outubro de 2002.
padronização dos queijos artesanais. 234p.
Identifica a micro região do Serro. Minas Ge-
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Agroindústria: leite e derivados 67

Tecnologia para a fabricação de doce de leite


Ítalo Tuler Perrone 1

Resumo - O doce de leite é um dos principais produtos lácteos, concentrados por ação do
calor, produzido em indústrias de laticínios. Pode ser fabricado sob quatro tecnologias
fundamentais: artesanal, em tachos por batelada, em tachos de forma contínua, em
evaporadores a vácuo e tacho. Os principais pontos em comum a todos esses processos
são as modificações físico-químicas geradas pelo aquecimento e que acarretam nas
características sensoriais, de textura e de cor desejadas no produto final. O principal
problema associado à tecnologia de fabricação é a cristalização da lactose, a qual limita
a validade do produto e sua aplicação.

Palavras-chave: Laticínio. Processo. Evaporação. Cristalização.

INTRODUÇÃO dronização da tecnologia, associada prin- se como o principal produtor brasileiro.


Dentre os principais produtos lácteos cipalmente a problemas que ocorrem duran- Apesar de existir um mercado potencial
concentrados, o doce de leite é um deriva- te o armazenamento, e a falta de variedade para o consumo de doce de leite, alguns
do que apresenta um grande consumo no dessa sobremesa. A grande dificuldade fatores são limitantes como necessidade
Brasil e em alguns países sul-americanos para a conservação do doce de leite reside da existência de centros urbanos de mé-
como Argentina, Chile e Uruguai. Assim na manutenção da textura fina, caracterís- dio e grande porte, pequena capacidade
como o leite condensado, leite evaporado, tica de um bom produto, sem a presença de de produção das indústrias, concorrência
leite em pó e soro em pó, o doce de leite arenosidade, causada por grandes cristais acirrada, não-padronização do produto e
também sofre o processo de evaporação, o de lactose que se formam lentamente du- variação do preço de atacado.
qual consiste na retirada de água do leite, à rante o armazenamento. As soluções apon-
pressão atmosférica ou reduzida, por meio tadas são, muitas vezes, de difícil aplicação TECNOLOGIA DE FABRICAÇÃO
da troca de calor com vapor indireto. Esse ou inviáveis à maioria das indústrias. O doce de leite pode ser produzido por
processo é utilizado com a finalidade de meio de quatro técnicas de fabricação:
CONSUMO NO BRASIL
melhorar a conservação e a palatabilida-
a) artesanal;
de do produto, o que reduz custos com Dados sobre a produção de doce de lei-
transporte, armazenamento e estocagem, te no Brasil são escassos, o que impossibi- b) em tachos por batelada;
tornando-o mais atraente para o consumi- lita determinar a quantidade total produzi- c) em tachos de forma contínua;
dor. da e consumida. Estima-se que a produção
d) em evaporadores a vácuo e tacho.
O doce de leite é o principal produto de doce de leite represente, aproximada-
lácteo concentrado por ação do calor, pro- mente, 0,6% da quantidade total de pro- Serão descritos os três últimos proces-
duzido por pequenas e médias indústrias dutos em um laticínio. sos de fabricação do doce produzido no
de laticínios. O potencial de exportação O estado de Minas Gerais, responsável País.
desse produto é muito grande, pois os Esta- por um terço da produção nacional de leite, A tecnologia de fabricação do doce de
dos Unidos e a Europa não o produzem. possui o maior parque industrial de laticí- leite consiste na evaporação da água por
Os inconvenientes da exportação são a nios do País com 34,4% do total das empre- aplicação indireta de calor em equipamen-
resistência dos mercados externos a sobre- sas. Detém, aproximadamente, 50% da pro- tos denominados evaporadores ou, mais
mesas lácteas muito doces, a falta de pa- dução brasileira de doce de leite e destaca- comumente, tacho (Fig. 1).

1
Químico, M.Sc., Pesq. EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: italo.perrone@epamig.br

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68 Agroindústria: leite e derivados

lor e concentração irão caracterizar o doce


de leite e podem ser a causa de muitos
defeitos. A redução do pH, a aproximação
das micelas de caseína, a redução da for-
ça iônica do meio e a alta temperatura irão
desestabilizar as proteínas e podem acar-
retar a precipitação do produto. São usa-
das substâncias redutoras de acidez e/ou
estabilizantes, para evitar ou minimizar a
ocorrência de precipitação no doce e, des-
sa forma, obter um doce liso. O redutor de
acidez mais usado é o bicarbonato de só-
dio, e o estabilizante é o citrato de sódio.
A quantidade de redutor de acidez a ser
usada depende da estabilidade térmica
do leite, da temperatura, do tempo de con-
centração e da coloração final desejada,
Figura 1- Esquema do processo de fabricação do doce de leite pois em valores de pH alcalino a forma-
ção de polímeros escuros é mais intensa.
Calcula-se a quantidade de bicarbonato de
A mistura do leite com sacarose e de- to de fabricação, de um exaustor para reti- sódio, com 100% de pureza, por meio da
mais ingredientes e aditivos é denominada rada do evaporado. fórmula:
calda. Esta é submetida à evaporação Durante a evaporação ocorre a cons-
contínua da água por meio da troca indi- tante agitação da calda por meio de agi-
reta de calor, com vapor oriundo de caldei- tadores mecânicos a uma velocidade de volume de leite
x
ras, com pressão entre 800 kPa e 900 kPa. 72 rpm a 80 rpm, o que é fundamental pa- Massa de
O vapor empregado no processo é trans- ra minimizar a formação de depósitos na
= graus Dornic a reduzir
bicarbonato x
formado em condensado de vapor, água a parede do equipamento trocador de calor. 0,09333
85ºC a 90ºC, e a quantificação deste deter- O tempo de processo pode variar de 30
mina a massa total de vapor empregada na minutos a 4 horas, de acordo com a relação
fabricação. entre a área de troca de calor e o volume de Na Figura 2, são apresentadas as dife-
A água do leite que é retirada no esta- leite e da pressão de vapor utilizada. renças de composição do doce de leite em
do gasoso recebe o nome de evaporado, O aquecimento prolongado do leite e a pasta e em barra.
sendo necessária sua remoção rápida do concentração dos sólidos induzem a uma O doce de leite pode ser obtido na for-
equipamento, a fim de evitar sua incorpo- série de modificações físico-químicas (Qua- ma de pasta ou em barra. Os processos de
ração à calda por meio da condensação. dro 1). obtenção diferem na quantidade de sacaro-
Dessa forma, necessita-se, no equipamen- As modificações produzidas pelo ca- se usada e na determinação do ponto final.

QUADRO 1 - Principais modificações do leite em função do aquecimento e da concentração de sólidos

Modificação do leite Conseqüência

Redução da atividade de água Maior conservação do produto

Mudança no equilíbrio salino Redução do pH, alteração na força iônica

Degradação da molécula de lactose e formação de ácidos orgânicos Redução do pH


Desnaturação de proteínas e associação entre suas frações Aumento da estabilidade térmica, aumento da viscosidade

Saturação da lactose e da sacarose na solução Cristalização

Reação de Maillard Escurecimento e formação de compostos antioxidantes

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Agroindústria: leite e derivados 69

Quanto maior o extrato seco do leite e a


quantidade de açúcar empregada, maior a
quantidade de produto final. Esse raciocí-
nio é limitado pela quantidade máxima de
sacarose permitida pela legislação, que é
de 30% sobre o volume de leite.
Na produção do doce de leite é permi-
tido o uso de vários aditivos e ingredien-
tes. Entre estes a glicose, o amido e a lacta-
se. O emprego de glicose justifica-se para
a obtenção de um doce de leite com mais
brilho, sabor mais suave e viscosidade ligei-
ramente superior. Estas três características
são definidas como paladar fino. O amido é
usado como espessante e pode acarretar
um aumento no rendimento, redução da
formação de cristais perceptíveis ao paladar
e ainda ser usado como agente de corpo,
para facilitar a evaporação. Quando usado
de forma incorreta pode reduzir o tempo de
fabricação e ocasionar defeitos tecnoló-
gicos no produto final.
O trocador de calor mais empregado na
fabricação do doce de leite é o tacho, carac-
terizado por possuir uma camisa interna
em aço inox e uma camisa externa para a
Figura 2 - Diferença de composição dos doces de leite em pasta e em barra entrada do vapor. A capacidade de trabalho
NOTA: EST - Extrato seco total; ST - Sólidos totais. de um tacho varia de 25 L a 1.000 L de leite.
Na Figura 3, estão ilustrados o desenho e
as principais partes desse equipamento.
O tempo de fabricação é determinante talização é necessária, para que o doce em Em muitos casos a evaporação ocorre
para as características do produto final, barra tenha as características desejadas com a adição de toda a quantidade de leite
considerando que a cor, o sabor e, em espe- de textura e corte. Para isso, é submetido e açúcar no início da fabricação. Porém, em
cial, a viscosidade do doce de leite estão ao processo de cristalização controlada ou algumas fábricas, parte do leite e do açú-
diretamente ligados ao tempo de proces- bateção. Nesse processo, o doce é subme- car é adicionada no início do processo e o
samento. Doces produzidos em um tempo tido a uma intensa agitação, ao mesmo restante é colocado aos poucos durante o
muito curto apresentam coloração clara, tempo em que é resfriado lentamente, o que desenvolvimento deste. Esse método conhe-
sabor menos acentuado e baixa viscosi- o induz à formação de inúmeros cristais de
cido como fabricação em tacho de forma
dade. lactose e sacarose, promovendo a textura
contínua permite processar uma quanti-
Os teores de sacarose e lactose na so- do produto.
dade de leite superior à capacidade nominal
lução do doce de leite em barra são mais A quantidade de doce de leite obtida em
do tacho, como ilustrado na Figura 4.
altos do que no doce em pasta, sendo aque- um processo é determinada empregando-
O doce de leite pode ser obtido pelo
le mais suscetível à cristalização. Esta cris- se a seguinte fórmula:
emprego de evaporadores a vácuo e tacho
(Fig. 5). O evaporador a vácuo reduz de
forma considerável o consumo de vapor
(massa de sólidos láticos + massa de açúcar) na indústria, além de aumentar notavelmen-
Massa de doce = te a capacidade de produção. Enquanto
(teor de sólidos totais no doce de leite)
um tacho aberto consome, aproximadamen-
te, 1,1 kg a 1,3 kg de vapor, para evaporar

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1,0 kg de água do leite, um evaporador po- leite, já que não possibilita as modificações por mais 20 a 40 minutos, de forma que pos-
de gastar apenas 0,1 kg a 0,3 kg, para eva- físico-químicas necessárias no leite. Desta sa adquirir as características de viscosi-
porar a mesma quantidade de água. A des- forma, o leite associado com o açúcar é con- dade e de cor desejadas no doce de leite.
vantagem do evaporador a vácuo é que centrado a vácuo para uma concentração
este não pode ser empregado como único de sólidos de 62ºBrix a 66ºBrix. Essa calda DEFEITOS DO DOCE DE LEITE
equipamento para a produção do doce de é, posteriormente, concentrada no tacho E PREVENÇÃO
Durante a concentração, várias mudan-
ças físicas e químicas ocorrem. Dentre
estas, algumas podem conferir ao doce ca-
racterísticas indesejáveis, o que implica em
descaracterização do produto final. A prin-
cipal característica indesejável no doce de
leite é a arenosidade, resultante da presen-
ça de cristais grandes de lactose formados
durante o período de estocagem e comer-
cialização do produto. O aparecimento
desses cristais deve-se à concentração da
lactose presente no produto e sua conse-
Legenda: qüente saturação.
1 - Manômetro Diversos recursos podem ser empre-
2 - Purgador
gados para que esse defeito possa ser con-
3 - Agitador
trolado ou até mesmo evitado durante o
4 - Camisa de vapor
armazenamento do produto, dentre os
5 - Válvula de segurança
quais o emprego de lactase, glicose, casei-
6 - Exaustor
natos, amidos e o processo de microcris-
Figura 3 - Esquema de um tacho de fabricação de doce de leite talização.

Figura 4 - Fabricação de doce de leite em tacho de forma contínua

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Figura 5 - Processo de produção em evaporador e tacho

Lactose implica na diminuição da concentração des- não apresente cristais de lactose perceptí-
O uso da enzima lactase ou β-D- se açúcar no meio, pode-se controlar ou veis ao paladar do consumidor.
galactosidase apresenta um importante até mesmo evitar o surgimento de cristais O leite hidrolisado deve ser submetido
papel tecnológico, uma vez que sua ação perceptíveis de lactose durante seu arma- a um tratamento térmico, para que a enzima
sobre seu substrato principal, a lactose, zenamento prolongado. adicionada possa ser inativada e, assim,
promove a ruptura da ligação glicosídica e Para a fabricação do doce de leite com cessar o processo de hidrólise.
a conseqüente liberação de dois monossa- o uso de lactase é necessária sua adição O uso da β-D-galactosidase apresen-
carídeos com características muito distintas ao leite pasteurizado e refrigerado e um ta grandes vantagens para a produção de
daquelas do açúcar de origem, isto é, maior controle constante da variação do índice doce de leite, mas atenção especial deve
solubilidade em água, maior poder edul- crioscópico do leite, analisando-se, indire- ser dada a algumas modificações que serão
corante, além de serem diretamente fermen- tamente, o percentual de hidrólise da lac- evidenciadas em decorrência da hidrólise,
tados e imediatamente absorvidos no intes- tose. da intensificação da Reação de Maillard,
tino. Essas características podem implicar O controle rigoroso da concentração do aumento ligeiro da viscosidade e do sa-
em algumas mudanças desejáveis duran- de lactose adicionada, do índice crioscó- bor adocicado do produto. Estas são as
te o processo de fabricação do doce de pico e do percentual de hidrólise é indis- principais mudanças observadas e que de-
leite. pensável, uma vez que essas variáveis são vem ser levadas em consideração durante
Por meio da obtenção de açúcares mais proporcionais ao prazo de validade dese- a fabricação do doce de leite.
solúveis com a hidrólise da lactose, o que jado, ou seja, ao tempo para que o produto Porém, quando todas as variáveis são

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72 Agroindústria: leite e derivados

analisadas, o uso de pequenas doses da lução no final da fabricação e pre- a realizar ligações de hidrogênio com a água
enzima com percentuais adequados de hi- venir o escurecimento excessivo do presente no produto e, dessa forma, apri-
drólise implica na obtenção de um produto produto. siona a água e aumenta de volume. Com o
padronizado e com um longo período de resfriamento posterior do produto as cadeias
Além disso, o doce de leite adquire ca-
vida útil. de amilose tendem a se juntar novamente
racterísticas sensoriais e físicas mais agra-
e, assim, ocorre a expulsão de grande parte
Glicose dáveis ao paladar do consumidor, denomi-
da água anteriormente aprisionada. Esse
nado por alguns de paladar fino, o que é
A glicose é um monossacarídeo de me- processo de ruptura das ligações de hidro-
caracterizado por três fatores:
nor poder edulcorante, comparado à saca- gênio e da reorganização da estrutura do
rose. É um açúcar redutor e apresenta gran- a) sabor mais suave; amido é denominada retrogradação, que
de facilidade de hidratação, ou seja, alta se apresenta como maior conseqüência à
b) brilho intenso;
solubilidade. Esse monossacarídeo pode expulsão de água ou sinérese, e causa a
ser usado na fabricação de doce de leite c) produto aveludado com maior vis- aversão do produto pelos consumidores.
como um agente que irá interferir direta- cosidade e sem percepção de cris- Estes problemas tornam-se menos inten-
mente na formação dos cristais, de seu de- tais. sos, quando o amido apresenta um maior
senvolvimento e crescimento. número de cadeias de amilopectina. Após
A glicose, ao ser adicionada no final da Amido o resfriamento essas cadeias tenderão tam-
fabricação, possui a capacidade de formar O amido é um polissacarídeo não re- bém a ligarem-se umas às outras, o que des-
um complexo de proteína – dextrose, o qual dutor composto basicamente de moléculas faz as ligações de hidrogênio, porém, como
é altamente hidratado. Esta alta hidratação de glicose em ligações α 1-4, principal- há ramificações presentes, haverá um impe-
implica em aumento da viscosidade do pro- mente. dimento espacial de junção destas, o que
duto e interfere de forma negativa na forma- O amido pode apresentar duas cadeias implicará em menor ou quase nenhuma
ção de cristais perceptíveis ao paladar. expulsão de água (sinérese).
distintas de glicose: amilose e amilopecti-
Com o aumento da viscosidade há maior Portanto, para obter um produto de boa
na. A amilose é caracterizada por apresen-
dificuldade de um encontro entre molécu-
tar somente ligações α 1-4, e a amilopecti- qualidade durante todo o prazo de validade
las de lactose liberadas da fase solúvel, pa-
na é caracterizada por apresentar ligações o amido a ser empregado deve conter uma
ra realizar ligações soluto-soluto e é este
α 1-4 e α 1-6 entre as moléculas de glico- maior proporção de amilopectina, compa-
encontro das moléculas que proporciona
se, portanto, há ramificações nessa cadeia. rado à amilose, o que previne problemas
o crescimento dos cristais que os torna per-
Esses dois tipos de cadeia caracteri- posteriores durante o armazenamento e a
ceptíveis.
zam a qualidade do amido a ser empregado comercialização do produto.
A glicose então é usada na fabricação
na fabricação, pois são elas que irão indi- O amido pode ser empregado na fabri-
de doce de leite com o intuito de aumentar
car se haverá uma boa absorção de água cação de doce de leite, pois, ao absorver
a viscosidade do meio e, com isso, evitar o
do produto sem que ocorram problemas água do meio, tende a aumentar a viscosi-
crescimento dos cristais em função da difi-
posteriores. As cadeias de amilose e de ami- dade deste, o que dificulta a cinética dos
culdade de movimentação das moléculas
lopectina tendem a interligar-se e a formar cristais e o seu conseqüente crescimento.
de lactose.
a estrutura do amido. Porém, a amilose, por Entretanto, o uso inadequado do amido
Porém, ao se utilizar a glicose como uma
não apresentar ramificações, tende a unir- pode gerar alterações físicas e sensoriais
ferramenta de processo deve-se estar aten-
se com maior intensidade umas com as do produto e, assim, descaracterizá-lo.
to a algumas variantes que deverão ser le-
outras. Além do aumento da viscosidade do
vadas em consideração:
A amilopectina também apresenta liga- produto em função da sua capacidade de
a) usar proporções menores de bicar- ções entre suas cadeias, porém, por apresen- hidratação, o amido também auxilia no
bonato de sódio, uma vez que a gli- tar ramificações, estas cadeias apresentam- aumento do rendimento e oferece uma tex-
cose oferece grande capacidade de se mais afastadas umas das outras. Essa tura mais consistente, quando utilizado em
realizar a Reação de Maillard, por ser presença ou não de ramificações indica se proporções legais.
um monossacarídeo, o que pode tor- ocorrerá com maior ou menor intensidade
nar o produto mais escuro e, assim, retrogradação do amido e a conseqüente Caseinatos
descaracterizá-lo; sinérese. Os caseinatos são substâncias origina-
b) adicionar a glicose em solução com Durante a adição do amido ao produ- das a partir da concentração do leite e pos-
água morna para facilitar sua disso- to, que deve ser a quente, sua cadeia tende terior extração da fração caseínica, principal-

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Agroindústria: leite e derivados 73

mente. O caseinato comercial apresenta-se Microcristalização a) saturação da solução: para que a


na forma de sólido, possui características A microcristalização ou cristalização cristalização forçada ou microcris-
tensoativas, é muito solúvel em água e forçada é um processo utilizado nas indús- talização ocorra é necessário que a
apresenta alta capacidade de absorção e trias de concentrados e desidratados de solução de lactose esteja no seu pon-
retenção de água e pode atingir uma pro- produtos lácteos, a fim de minimizar os to de saturação. Somente assim ocor-
porção de 3:1 água:caseinato. problemas adquiridos por meio da concen- rerá a formação de ligações soluto-
Em geral, o caseinato mais usado é o de tração do leite, os quais implicam em uma soluto altamente estáveis, as quais
sódio, amplamente empregado na indústria grande tendência do açúcar presente, a lac- darão origem a formas mais organi-
láctea como estabilizante de processo. tose, em cristalizar-se, por apresentar baixa zadas, os cristais. Esse ponto de sa-
Além de uma alta solubilidade em água solubilidade. turação é atingido ao submeter o lei-
e grande capacidade de retenção de água, A microcristalização é mais comum em te a um processo de concentração,
os caseinatos apresentam um pH alcalino, quando o solvente da lactose, a água,
lácteos concentrados de baixa viscosida-
em geral entre 7,1 e 7,3. Portanto, sua apli- torna-se incapaz de manter-se em
de como o leite condensado, porém pode
cação na fabricação de doce de leite dis- solução, forçando sua saturação;
ocorrer também em doce de leite, com um
pensa a neutralização da acidez do leite espaço de tempo maior. b) resfriamento do produto: a redução
com bicarbonato de sódio, se isto ocorrer Durante o armazenamento e comerciali- da temperatura do produto é essen-
irá intensificar a Reação de Maillard e des- zação do produto, o processo de cristali- cial, uma vez que irá facilitar a satura-
caracterizar o produto. zação é progressivo, porém sem qualquer ção da solução. Porém, deve-se fixar
Durante a fabricação, a solução de ca- controle, o que implica na obtenção de uma temperatura ideal de microcris-
seinato de sódio e água é adicionada ao poucos cristais de tamanhos variados e, em talização, a qual não deverá propor-
leite antes de sua concentração. geral, perceptíveis ao paladar, tornando-se, cionar um ganho significativo de
Os caseinatos têm como princípio de portanto, um defeito no produto. viscosidade, o que poderá dificultar
ação a capacidade de reter grande quan- O processo de microcristalização tem o processo;
tidade de água em função de diversos fa- como base submeter o produto a uma cris- c) presença de núcleos de cristaliza-
tores, um deles é a formação do complexo talização do açúcar presente, a lactose. Esta ção/semeadura: faz-se necessária
proteína-dextrose, o qual é altamente hidra- cristalização, porém, diferencia-se da que a adição de núcleos, de cristalização
tado. Essa capacidade de absorção e re- ocorre durante toda a vida útil do produto, os quais servirão de base para a for-
tenção de água implica em um aumento da pois é adquirida ainda dentro da indústria mação dos cristais. Quanto maior o
viscosidade do produto, fato que irá impe- por meio de rigorosos controles, que irão número de núcleos maior será o nú-
dir a difusão da lactose no meio e diminuir, proporcionar a obtenção de inúmeros cris- mero de cristais formado e, em con-
portanto, as chances de formação de cristais tais de pequeno tamanho, imperceptíveis seqüência, menor será o tamanho
grandes e perceptíveis. Além do aumento ao paladar do consumidor. destes. O procedimento de semea-
da viscosidade, a retenção de água no pro- Esse processo é utilizado principal- dura consiste em distribuir os nú-
duto implica na diminuição da concentra- mente na tecnologia de leite condensado, cleos de cristalização, em geral lac-
ção de lactose no meio, o que impede ou por ser um produto de viscosidade relati- tose em pó no meio, o que oferece o
dificulta sua supersaturação e conseqüen- vamente baixa e necessita, portanto, de um suporte necessário para o surgimen-
te cristalização. processo que interfira na formação e cres- to de cristais desejáveis;
Além disso, por se tratar de uma subs- cimento dos cristais, o que possibilita sua d) agitação: é uma etapa importante e
tância rica em proteína apresenta grande comercialização por um longo tempo. deve ocorrer durante todo o proces-
capacidade de associar-se à lactose pre- A cristalização em doce de leite é inevi- so de microcristalização, pois im-
sente, o que facilita e otimiza a Reação de tável e este defeito é o principal fator que plicará em uma melhor distribuição
Maillard. determina a vida útil do produto. Com ba- dos núcleos de cristalização e em um
Quanto mais alto o pH e mais longo o se nesse conhecimento muitas empresas encontro mais homogêneo das molé-
tempo de exposição, mais escuro será o do- utilizam o processo de microcristalização, culas de lactose com esses núcleos,
ce, em função da intensificação da Reação o que minimiza o defeito e oferece um maior o que possibilita a formação de mui-
de Maillard, o que implica em menor ten- prazo de validade ao produto. tos cristais, porém pequenos e imper-
dência à cristalização, pois haverá um maior Alguns fatores devem ser respeitados ceptíveis ao paladar;
número de moléculas de lactose que parti- para que o processo seja alcançado com e) viscosidade: a viscosidade do pro-
cipam da reação. sucesso: duto, como foi citada, não deverá ser

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74 Agroindústria: leite e derivados

muito alta, pois dificultará o encontro REFERÊNCIA seeding with lactose. Journal of Dairy Science,
das moléculas de lactose do produ- Champaign, v.73, n.3, p.612-616, Mar. 1990.
MERCOSUL. Grupo Mercado Comum. Reso-
to com os núcleos de cristalização, lução no 137, de 13 de dezembro de 1996. MORRISSEY, P.A. Lactose: chemical and physi-
o que, em conseqüência, dificulta a Aprovar o Regulamento Técnico MERCOSUL cochemical properties. In: FOX, P.F. Develop-
formação de inúmeros cristais de ta- de Identidade e Qualidade de Doce de Leite, que ments in dairy chemistry: lactose and minor
manho pequeno. figura em Anexo e forma parte da presente constituents. London: Applied Science, 1985.
Resolução. Disponível em: <http://www.ins. v.3, p.1-34.
Em leite condensado esse processo ocor-
gov.py/bvsleg/alimentos/legislacion/mercosur/
re a, aproximadamente, 30°C, temperatura MUIR, D. D. Lactose. Journal of the Society
96137.doc>. Acesso em: 4 fev.2007.
Dairy Technology, Huntingdon Cambs, v.43,
que permite uma boa viscosidade e satura-
n.2, p.33-34, May 1990.
ção da solução. Porém, no doce de leite não BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
há a possibilidade de atingir uma tempe- NICKERSON, T.A. Lactose. In: WEBB, B.H.;
BOLANOWSKI, J. P. Controlled crystallization: JOHNSON, A.H.; ALFORD, J.A. Fundamentals
ratura tão baixa, uma vez que o produto irá
key to product quality. Food Engineering, of dairy chemistry. Westport: AVI, 1974. v.1,
apresentar alta viscosidade além de pro-
Philadelphia, v.37, n.12, p.56-60, Dec. 1965. p.273-324.
blemas de contaminação durante o envase.
Assim, uma temperatura ideal para que ocor- HAASE, G.; NICKERSON, T.A. Kinetic reac- _______. Lactose crystallization in ice cream:
ra microcristalização em doce de leite é de, tions of alpha and beta lactose: crystallization. controle of cystal size by seeding. Journal of
aproximadamente, 38°C, segundo literatu- Journal of Dairy Science, Champaign, v.49, Dairy Science, Champaign, v.37, n.4, p.1099-
n.4, p.757-761, Apr. 1966. 1105, Apr. 1954.
ras recentes.
Um agravante em realizar a microcrista- HARTEL, R.W. Controlling sugar crystallization _______; MOORE, E.E. Solubility interrela-
lização em doce de leite é que, na maioria in food products. Food Technology, Chicago, tions of lactose and sucrose. Journal of Food
das indústrias, os equipamentos são mui- v.47, n.11, p.99-107, Nov. 1993. Science, Chicago, v.37, n.1, p.60-61, Jan. /Feb.
to ultrapassados e não há como controlar _______; LIANG, B. Formation and growth 1972.
variáveis como temperatura e agitação, na phenomena of lactose nuclei under contact PEREIRA, D.B.C.; SILVA, P.H.F. da; COSTA
fabricação de leite condensado ou doce de nucleation conditions. Journal of Dairy Science, JÚNIOR, L.C.G.; OLIVEIRA, L.L. de. Físico-
leite por processo contínuo. Champaign, v.72, n.11, p.2906-2915, Nov. química do leite e derivados: métodos
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Os padrões de identidade e qualidade ced dairy chemistry: lactose, water, salts and doce de leite: instruções técnicas. Juiz de Fora:
do doce de leite são integrantes do Regu- vitamins. 2.ed. London: Chapman & Hall, 1997. EPAMIG-ILCT, 2000. 78p.
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A tecnologia de fabricação do doce de HOUGH, G.; MARTINEZ, E.; CONTARINI, A. mas xantana e locusta na cinética de inibição
leite varia muito de acordo com a capaci- Sensory and objective measurement of san- de cristalização de açúcares em doce de leite.
dade de produção de cada indústria, que diness in dulce de leche, a typical argentine 1998. 80p. Dissertação (Mestrado em Ciência
pode ser de poucos litros a 30 mil litros por dairy product. Journal of Dairy Science, de Alimentos) - Universidade Federal de Lavras,
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dia. É um produto tradicionalmente produzi-
do na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai. MARGAS, M.M.; COELHO, D.T.; CHAVES, TWIEG, W.C.; NICKERSON, T.A. Kinetics of
Apresenta no Brasil grande variação, não J.B.P.; MARTYN, M.E. Influência da gordura, lactose crystallization. Journal of Dairy
só quanto à composição físico-química, da glicose e do amido na cristalização do doce Science, Champaign, v.51, n.11, p.1720-1724,
mas também quanto a cor, textura, validade de leite. Revista do Instituto de Laticínios Nov. 1968.
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Agroindústria: leite e derivados 75

Efeito do tratamento térmico do leite


sobre as características físico-químicas, microbiológicas
e sensoriais de iogurte e bebida láctea fermentada
Maximiliano Soares Pinto 1
Vanessa Aglaê Martins Teodoro 2

Resumo - Tratamentos térmicos aplicados ao leite para a produção de iogurte e os seus


efeitos sobre os constituintes do leite e sobre a cultura lática termofílica. As tecnologias
de processamento de bebidas lácteas fermentadas e de iogurte são muito semelhan-
tes. É abordada a necessidade de estudos sobre o comportamento das bactérias láticas
em meios com baixo teor de extrato seco total, altas concentrações de açúcar e de
hidrocolóides que é uma característica da composição de bebidas lácteas.
Palavras-chave: Laticínio. Produto fermentado. Processamento térmico.

INTRODUÇÃO tratamentos térmicos aplicados ao leite, res de estímulo à cultura starter e promo-
para a produção de iogurte e seus efeitos ver alterações desejáveis nas propriedades
Binômios de tempo e temperatura apli-
sobre os constituintes do leite e a cultura físico-químicas dos constituintes do leite
cados ao leite para a produção de iogurte
termofílica. É enfatizada também a neces- que, por sua vez, são relevantes para o pro-
influenciam nas características do produto
sidade de estudos sobre o comportamento cesso de fabricação de iogurte. No entanto,
final. O crescimento da cultura, viscosida-
das bactérias láticas em meios com baixo torna-se impossível favorecer a produção
de, textura e estabilidade do gel são carac-
teor de extrato seco total, altas concentra- de fatores de estímulos sem que ocorram
terísticas que variam em função do trata- concomitantemente outros que podem ini-
ções de açúcar e de hidrocolóides, carac-
mento térmico ao qual o leite é submetido. bir o crescimento da cultura starter com-
terísticas da composição de bebidas lác-
O tratamento térmico ideal do leite para a posta de Lactobacillus delbrueckii subsp.
teas.
produção de iogurte é de 83°C a 85°C, por bulgaricus e Streptococcus thermophilus
15 a 30min até 90°C a 95°C, por 0 a 10min. FATORES DE ESTÍMULOS adicionada ou não à outra cultura (Qua-
Durante o tratamento térmico do leite ocorre E INIBITÓRIOS PRODUZIDOS dro 1).
a produção de fatores de estímulo e/ou inibi- PELO TRATAMENTO TÉRMICO As explicações para estes ciclos de esti-
tórios para a cultura termofílica empregada DO LEITE
mulação/inibição/estimulação são descri-
para a fabricação do iogurte. No entanto, Embora a aplicação de calor ao leite seja, tas por Greene e Jezeski (1957abc). O estí-
quando se refere a bebidas lácteas fermen- em muitos países da Europa, utilizada como mulo inicial pode ser atribuído a múltiplos
tadas, as quais possuem características de uma etapa da manufatura para aumentar a fatores (Quadro 2). A formação de cisteí-
composição muito diferentes da composi- concentração de sólidos do leite, no Brasil na, glutationa e tioglicolato e a expulsão
ção do iogurte, estes fatores são ainda des- o objetivo é inativar microrganismos pato- de oxigênio resultam em efeito estimula-
conhecidos. Neste trabalho são descritos gênicos e deterioradores, produzir fato- tório.

1
Bacharel em Ciência e Tecnologia de Laticínios, M.Sc., Prof./Pesq. EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico:
max@epamig.br
2
Médica-Veterinária, M.Sc., Prof a/Pesq. EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: vanessa.teodoro@epamig.br

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QUADRO 1 - Produção de fatores de estímulo ou de inibição da cultura termofílica em função do b) interações entre β-Lg e κ-caseína
tratamento térmico aplicado ao leite para a produção de iogurte como resultado do tratamento tér-
Efeito sobre o crescimento mico do leite envolvem interações
Tratamento térmico hidrofóbicas de grupos SH expostos;
da cultura starter
62ºC/30min e 72ºC/40min Estímulo c) durante o aquecimento do leite a
72ºC/40min e 82ºC/10 a 120min ou 90ºC/1 a 45min Inibição temperaturas inferiores a 90ºC, as
interações entre β-Lg e α-La com
90ºC por 60 a 180min e autoclavagem a 120ºC/15 a 30min Estímulo
as micelas de caseína têm cinéticas
Autoclavagem por 120ºC por mais de 30min Inibição similares. No entanto, quando o leite
FONTE: Greene e Jezeski (1957abc). recebe tratamento UHT a α-La rea-
ge mais lentamente do que a β-Lg,
em virtude da taxa de transferência
A inibição dá-se por meio do excesso riana, como nas propriedades funcionais de calor;
da concentração de cisteína no leite acom- (Quadro 2) dos produtos derivados do d) adesão de κ-caseína na superfície
panhado do aumento de compostos tóxicos leite, como exemplo a estabilidade térmi- da membrana do glóbulo de gordura
voláteis. O segundo ciclo de estimulação ca do leite UHT, leite evaporado e leite em resulta na perda de triacilgliceróis e
dá-se pela redução dos valores de sulfure- pó. em mudanças no teor de lipídeos ao
tos tóxicos como resultado do tratamento Pode-se considerar a caseína como uma submeter o leite a um tratamento
térmico posterior ou talvez pela formação proteína termoestável, quando comparada térmico de 80ºC por 20 minutos.
de ácido fórmico. às proteínas do soro. Durante o tratamen-
to térmico do leite destinado à fabrica- Na prática, o tratamento térmico do lei-
EFEITO DO ção de iogurte, β-Lactoglobulina (β-Lg) e te é a principal operação unitária utilizada
TRATAMENTO TÉRMICO na manufatura de uma grande variedade
α-Lactoalbumina (α-La) são desnaturadas
SOBRE AS CARACTERÍSTICAS de produtos lácteos. O binômio tempo/tem-
FÍSICO-QUÍMICAS e enquanto β-Lg reage com outros com-
peratura aplicado varia de temperaturas
E MICROBIOLÓGICAS DO LEITE ponentes do leite, α-La induz interações
inferiores a 60ºC por alguns segundos
somente após tratamento térmico severo.
O tratamento térmico do leite é inten- (termização) a 150ºC por poucos segun-
Algumas das possíveis interações são:
sivamente estudado tanto nas alterações dos (UHT). O leite a ser usado para a ma-
provocadas nos constituintes do leite, nas a) associação de pequenos agregados nufatura do iogurte pode ser submetido a
propriedades nutricionais, inativação de de moléculas de β-Lg, para formar diferentes binômios de tempo/temperatura
enzimas endógenas e/ou de origem bacte- grandes agregados; (Quadro 3).

QUADRO 2 - Algumas alterações físico-químicas no leite submetido ao tratamento térmico e conseqüências para a manufatura de iogurte
(continua)

Constituinte Alteração induzida pelo Relevância para a manufatura


Conseqüência para o iogurte
do leite tratamento térmico do iogurte

Proteínas do soro Desnaturação e agregação; inativa- Quase completa Inativação das lacteninas, redução da cremo-
ção de imunoglobulinas sidade

Ativação da produção de grupos SH Máximo a 90oC/10 min Aroma de cozido, redução do Eh, formação de
propriedades antioxidantes

Interação entre α-lactoalbumina e Ocorre antes ou concomitan- Contribui para a estabilidade do gel
β-lactoglobulina temente com a κ-caseína

Interação entre β-lactoglobulina e Muito significante Minimiza a sinérese, aumenta o tamanho da mi-
κ-caseína cela e estabiliza o gel

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Agroindústria: leite e derivados 77

(conclusão)

Constituinte Alteração induzida pelo Relevância para a manufatura


Conseqüência para o iogurte
do leite tratamento térmico do iogurte

Caseína Hidrólise parcial, liberação de glico- Significância limitada Ligeiro aumento de aminoácidos livres e peptídeos
peptídeos de κ-caseína

Desfosforilação Muito pequena Pequena redistribuição de fósforo

Agregação e desagregação entre as Ocorre especialmente entre mi- Aumenta o tamanho da micela e a rede da matriz
cadeias peptídicas por meio de liga- celas pequenas protéica
ções isopeptídicas

Enzimas Inativação Inativação de lipases e protei- Minimiza a rancidez e o sabor amargo


nases do leite e bactérias

Outros Decomposição de aminoácidos em Efeito significante Contribui para o flavour


componentes aromáticos

Reação de Maillard, formação da Perda de 0,3% de lisina Significante quando o iogurte é fortificado com
base de Schiffs, redução da lisina leite em pó ou concentrados protéicos submeti-
disponível dos a altos tratamentos térmicos

Lactose Decomposição formando ácidos Ocorre em pequena escala Reduz o pH e Eh, produz ácido fórmico e afeta o
orgânicos furfural e hidroximetil- crescimento da cultura starter, contribui para o
furfural flavour do iogurte

Gordura Formação de lactonas, metilcetonas Ocorre em pequena escala Contribui para o flavour
e outras cetonas voláteis

Hidrólise Insignificante Insignificante

Vitaminas Inativação de algumas vitaminas C, B1, B6, B12 e ácido fólico são Redução do valor nutritivo
hidrossolúveis reduzidos

Minerais Redistribuição do Ca, P e Mg entre Efeito significativo. Modifica a Reduz o pH, afeta partículas da massa e diminui o
as formas solúvel e coloidal estrutura da superfície da mice- tempo de coagulação
la de caseína

Gases Redução das concentrações de Produção de microaerofilia para Segurança alimentar e minimiza defeitos tecno-
oxigênio, nitrogênio e dióxido de cultura starter lógicos
carbono dissolvidos

FONTE: Tamime e Robinson (1999).


NOTA: Eh - Potencial de oxirredução.

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78 Agroindústria: leite e derivados

QUADRO 3 - Efeito de diferentes tratamentos térmicos sobre a composição físico-química e microbiológica do leite

Temperatura
Tempo Processo Comentários
(oC)

Poucos ≤ 65 Termização Inativação de psicrotróficos; não causa outras mudanças irrever-


síveis

30min 65 a 72 Pasteurização em batelada Inativação de patógenos presentes no leite, mas não de todas as cé-
15s 72 Pasteurização lulas vegetativas. Inativação de algumas enzimas; sabor e proteínas
do soro permanecem inalterados

4s a 20s 85 Ultrapasteurização Inativação de todas as células vegetativas e a maioria das enzimas.


30mim 85 Esporos, proteinases ou lipases bacterianas não são inativados.
5mim 90 a 95 Desnaturação das proteínas do soro

40min a 20min 110 a 120 Autoclave ou contêiner de esterilização Inativação de todos os microrganismos, esporos, alguns tratamentos
2s a 20s 135 a 150 UHT UHT não inativam todas as enzimas. Alterações químicas, a cor e o
sabor do leite são afetados
FONTE: Tamime e Robinson (1999).

EFEITO DO TRATAMENTO biológica do leite cru e de outros ingredi- tivamente a estabilidade do gel o que com-
TÉRMICO DO LEITE entes é de fundamental importância para promete a qualidade do iogurte.
SOBRE CARACTERÍSTICAS elaboração de iogurte com qualidade satis- Os tratamentos térmicos com altos va-
TECNOLÓGICAS, fatória. lores de tempo (85º/30 min; 90ºC/30 min e
MICROBIOLÓGICAS As mudanças nas propriedades das pro- 95ºC/30 min) ocasionam em baixa acidez e
DE IOGURTE E teínas do leite provocadas pelo tratamento alto pH na formação do coágulo (Quadro 4).
BEBIDA LÁCTEA FERMENTADA
térmico afetam na formação do gel e no de- Estudos devem ser feitos para que se tenha
Durante a manufatura do iogurte, o leite senvolvimento da acidez. O ótimo das pro- conhecimento dos valores de pH e acidez
é submetido a temperaturas acima de 70ºC priedades hidrofílicas das proteínas é obti- no momento da formação do coágulo no
e as alterações físicas e químicas que ocor- do quando o leite é submetido ao trata- leite submetido a pasteurização lenta, uma
rem no leite são complexas e multifuncio- mento térmico de 83ºC/30 minutos (TAMIME; vez que este tratamento constitui prática
nais. Os impactos relevantes do proces- ROBINSON, 1999). No entanto, a acidez comum de pequenas indústrias e/ou pro-
samento térmico sobre as propriedades observada no momento da coagulação é dutores.
funcionais do iogurte são a inativação de inferior, se comparada ao tratamento de Segundo Tamime e Robinson (1999), o
microrganismos patogênicos, e as mudan- 90ºC por 5 minutos e 85ºC. tratamento térmico do leite para produção
ças nas propriedades físicas do gel, além O tratamento a 80ºC por 30 minutos de iogurte deve ser realizado entre 85ºC e
da produção de efeitos inibitórios/estimula- possibilita melhores condições para a for- 95ºC. No entanto, na prática, numerosas
tórios e mudanças das propriedades físico- mação do gel. Esse fato pode ser atribuí- variações podem ser observadas.
químicas do leite. do a interações entre β-lactoglobulina e a Inúmeras são as características do leite
O tratamento térmico do leite destinado caseína, uma vez que este tratamento des- influenciadas pelo tratamento térmico e
à fabricação de iogurte com temperatura natura mais de 90% de β-Lg e somente estas alterações afetam de forma conside-
entre 85ºC e 95ºC é suficiente para inativar 60% da α-lactoalbumina. De acordo com rável a qualidade do produto final, nesse
a maioria ou todas as células vegetativas Grigorov (1966 apud TAMIME; ROBINSON, caso específico, o iogurte. Ainda hoje, vá-
de microrganismos associados ao leite cru. 1999), a máxima hidratação da proteína rias indústrias pequenas produzem iogur-
No entanto, esporos e algumas enzimas ter- ocorre quando o leite é aquecido a 85ºC e te sem qualquer controle de fermentação.
moestáveis não são inativados. A redução decresce gradualmente à medida que a tem- Salji et al. (1984) verificaram a quantida-
da competição propicia condições ótimas peratura assume valores mais altos. Um de- de de bactérias láticas e mofos e leveduras
para o crescimento da cultura starter do créscimo nas propriedades hidrofílicas do em iogurtes fabricados a partir de leites sub-
iogurte. Invariavelmente, a qualidade micro- complexo caseína/ β-Lg pode afetar nega- metidos a diferentes tratamentos térmicos

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Agroindústria: leite e derivados 79

QUADRO 4 - Influência do tratamento térmico do leite sobre pH, acidez e coagulação do leite para a fabricação de iogurte

Tratamento térmico do leite


Item
85ºC 85ºC/30 min 90ºC 90ºC/30 min 95ºC 95ºC/30 min

Tempo de coagulação 2,43 2,01 2,34 2,04 2,29 2,04

Acidez na formação do coágulo 0,63 0,49 0,63 0,50 0,63 0,50

pH na formação do coágulo 4,70 5,16 4,78 5,12 4,80 5,08

FONTE: Tamime e Robinson (1999).

e estocados a 4ºC e 7ºC. Nesse estudo, foi rização, sua fermentação pela cultura com- para o consumidor, uma vez que pequenas
verificado decréscimo significativo do nú- posta de Streptococcus thermophillus e quantidades de ácido não serão suficientes
mero de bactérias láticas em iogurtes esto- Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus para baixar o pH a valores considerados
cados a 4ºC e 7ºC, quando o leite foi sub- produz quantidades de ácido suficientes seguros. Essa baixa acidez é provocada
metido a tratamento UHT. O mesmo não para baixar o pH do leite a valores menores certamente pelo escasso crescimento da
ocorreu para mofos e leveduras. Neste mes- do que 4.6 e inibir o crescimento de micror- cultura lática que, por sua vez, pode ser
mo trabalho foi observado que não houve ganismos patogênicos presentes. ocasionado por uma série de fatores como:
diferença na pós-acidificação do produ- Com relação à bebida láctea fermentada, presença de hidrocolóides, conservantes,
to após uma semana de estocagem a 4ºC e não se pode dizer o mesmo. Não existem grande concentração de açúcar além de
7ºC, uma vez que a temperatura mínima de estudos com informações precisas sobre a possíveis compostos inibitórios formados
crescimento das bactérias que compõem a segurança e a melhor tecnologia de proces- durante o tratamento térmico, ao qual o leite
cultura é de 10ºC. samento para bebida láctea fermentada. é submetido.
Estudos devem ser feitos para obtenção
EFEITO DO de informações precisas sobre a influência
REFERÊNCIAS
TRATAMENTO TÉRMICO DO do tratamento térmico sobre a qualidade
do produto final. Há de se considerar a GREENE, V.W.; JEZESKI, J.J. Studies on starter
LEITE SOBRE CARACTERÍSTICAS
importância desses estudos, uma vez que, metabolism - I: the relationship between starter
SENSORIAIS DE IOGURTE
além do leite e do soro, há presença de esta- activity and the predrying heat history of
E BEBIDA LÁCTEA FERMENTADA
bilizantes, emulsificantes e espessantes e reconstituted nonfat dry milk solids. Journal
Salji et al. (1984) constataram que o of Dairy Science, v.40, n.9, p.1047-1052, 1957a.
também o uso de conservantes. O que se
iogurte feito a partir de leite submetido
tem observado é que a indústria simples- _______; _______. Studies on starter metabo-
a tratamento térmico de 83ºC/30min pos-
mente processa a bebida láctea fermenta- lism - II: the influence of heating milk on the
sui maior aceitação sensorial, se compara-
da de modo idêntico ao método empregado subsequent response of starter culture. Journal
do aos iogurtes feitos com leites subme-
para o processamento de iogurte. of Dairy Science, v.40, n.9, p.1053-1061,
tidos a tratamento térmico de 95ºC/5min
Além disso, tornam-se necessários estu- 1957b.
e 145ºC/5s. Nesse estudo, os tratamentos
dos sobre o comportamento da cultura ter-
foram submetidos a avaliação sensorial _______; _______. Studies on starter metabo-
mofílica em bebidas lácteas fermentadas.
durante quatro semanas. Além de ter obti- lism - III: studies on cysteine-induced stimu-
Não se sabe, por exemplo, se o mesmo tra-
do maior pontuação na escala hedônica, lation and inhibition of starter culture in milk.
tamento térmico que ocasiona estímulo da
o iogurte feito a partir do leite tratado a Journal of Dairy Science, v.40, n.9, p.1062-
cultura, durante a fermentação do iogurte, 1071, 1957c.
83ºC/30min foi o que apresentou maior
irá propiciar fatores de estímulo para o cres-
vida de prateleira. SALJI, J. P.; SAWAYA, W. N.; SAADI, S.R.; SAFI,
cimento da cultura inoculada num ambien-
te onde os sólidos totais e a acidez inicial W.M. The effect of heat treatment on quality
CONSIDERAÇÕES FINAIS and shelf life of plain liquid yoghurt. Cultured
são menores, além da presença dos aditi-
Dairy Products, v.19, n.3, p.10-14, 1984.
O iogurte é considerado um alimento vos citados anteriormente.
seguro, porque, além de o leite utilizado Observam-se hoje, no mercado, bebidas TAMIME, A.Y.; ROBINSON, R.K. Yoghurt:
para a sua fabricação ser submetido a um lácteas fermentadas cada vez menos ácidas science and technology. 2nd ed. Woodhead: CRC
tratamento térmico superior ao da pasteu- (50ºD a 55ºD). Esse fator corrobora o risco Press, 1999. 640p.

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80 Agroindústria: leite e derivados

Projeto Via Láctea Miniusina de leite:


uma inovação da EPAMIG-CT/ILCT
para transferência e difusão de tecnologia
Nelson Luiz Tenchini de Macedo 1
Luiza Carvalhaes de Albuquerque 2

Resumo - Em função da alta demanda e das limitações do setor lácteo por transferência
de tecnologia foi desenvolvido pela EPAMIG – Centro Tecnológico/Instituto de
Laticínios Cândido Tostes (CT/ILCT), por meio da Coordenação de Transferência e
Difusão de Tecnologia e Coordenação de Negócios Tecnológicos, um projeto itinerante
denominado Via Láctea. Este Projeto difunde as tecnologias geradas ou adaptadas pela
Empresa e seu emprego por produtores, o que permite o aumento do poder competitivo
em mercados cada vez mais exigentes. Descreve-se a criação da Via Láctea como estra-
tégia de Transferência e Difusão de Tecnologia da EPAMIG-CT/ILCT, seu mecanismo
de atuação e resultados alcançados.
Palavras-chave: Laticínio. Leite. Setor lácteo. Ensino. Treinamento. Brainstorming. Pro-
jeto itinerante.

INTRODUÇÃO cessos industriais estão sendo redefini- O público-alvo do Projeto inclui empresas,
A evolução tecnológica ocorrida no das. Em conseqüência, é crescente a de- profissionais e a sociedade, pelo fato de a
século 20 transformou consideravelmente manda por soluções tecnológicas por parte inovação tecnológica no setor laticinista
a sociedade, as organizações e a forma de de empresas e técnicos do setor lácteo, que constituir um instrumento facilitador do
comunicação destas com seus clientes e buscam adaptar as mudanças por meio da desenvolvimento econômico regional e
usuários. Essas mudanças, associadas a obtenção de processos mais eficientes e nacional.
outras ocorridas na forma de gestão, na competitivos. O Projeto é apresentado em simpósios,
evolução da ciência e tecnologia mundial, Considerando a demanda e as limita- seminários, congressos e em eventos de
provocaram grandes alterações em relação ções encontradas para a transferência de divulgação técnico-científica, para técni-
aos modelos de geração, difusão e trans- tecnologia no setor lácteo, a EPAMIG por cos e pesquisadores de Ciências Agrárias,
ferência de tecnologias, em particular, os meio do Centro Tecnológico/Instituto de e em exposições, feiras, dias de campo, vi-
desenvolvidos pelos Institutos de Pesqui- Laticínios Cândido Tostes (CT/ILCT) de- trines, treinamentos, cursos, palestras para
sa com foco no desenvolvimento tecno- senvolveu um projeto itinerante, denomi- produtores e sociedade.
lógico voltado para a indústria. nado Via Láctea Miniusina, com o objeti- Essa é uma iniciativa da área de Difusão
O setor de lácteos no Brasil vem pas- vo de difundir as tecnologias geradas ou e Transferência de Tecnologia da EPAMIG-
sando por transformações que refletem adaptadas pela Empresa com maiores pos- CT/ILCT, que faz o elo entre a área de Pes-
mudanças estruturais percebidas em todo sibilidades de utilização, com custo acessí- quisa e Desenvolvimento da Empresa e
o mundo. As práticas de produção e pro- vel, e métodos de fácil aplicação e adoção. possibilita maior poder competitivo por

1
Adm. Empresas, Téc. Leite e Derivados, Prof. EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: tenchini@epamig.br
2
Téc. Leite e Derivados, Especialista Marketing e Gerência pela Qualidade Total EPAMIG-CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio
eletrônico: luiza.albuquerque@epamig.br

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Agroindústria: leite e derivados 81

parte dos produtores em mercados cada PRINCIPAIS TÉCNICAS em quantidade suficiente para man-
vez mais exigentes. DE CAPACITAÇÃO EMPREGADAS ter o local bem iluminado;
Uma característica peculiar do Projeto f) a área principal deverá ser provida
As principais técnicas utilizadas para
é a de oferecer aos usuários a oportuni- de teto e ar condicionado;
transferência e difusão de tecnologia no
dade de conhecer e acessar um modelo de
âmbito do Projeto Via Láctea Miniusina g) o fornecimento de água deverá ser
miniusina em funcionamento, o que permi-
são aulas expositivas, brainstorming e si- abundante, para a limpeza do local e
te a demonstração dos processos de pro-
mulação. equipamentos, com duas entradas de
dução de leite e derivados, bem como a A aula expositiva é a técnica mais empre- água na parte principal;
apresentação das inovações tecnológicas gada. Nesta, o instrutor repassa os conhe-
de produtos, serviços, instalações, máqui- h) ralos de captação da deságua com
cimentos, de forma expositiva, a um grupo
nas e equipamentos relacionados com o caimento direcionado para estes;
de participantes. A técnica brainstorming
setor lácteo. é empregada principalmente para provocar i) colocação de um quadro branco – pa-
A Via Láctea Miniusina possui capa- a criatividade e a rapidez de raciocínio dos ra escrita com pincel – na sala de cur-
cidade de processamento de 500 litros de participantes. Na simulação são utilizados sos, com tamanho mínimo de 1,20 m
leite por dia e é montada com fórmica e vidro equipamentos para o treinamento de ope- x 1,0 m.
de forma que permite o acompanhamento rações técnicas.
de todo o processo pelo visitante. Assim, EXPOSIÇÃO PASSO A PASSO
durante a exposição, o beneficiamento de CUIDADOS ESPECIAIS Os técnicos da EPAMIG-CT/ILCT são
leite é demonstrado desde a sua recepção, PARA A MONTAGEM DA responsáveis pela instalação dos equi-
incluindo os processos de pasteurização, VIA LÁCTEA MINIUSINA pamentos, beneficiamento do leite e produ-
fabricação de queijo frescal, mussarela, ção dos seus derivados, no próprio local.
iogurte, bebida láctea, até a realização de Por tratar-se de uma apresentação real
Além disso, conferem palestras, distribuem
análises laboratoriais para o controle da para processamento de leite e derivados,
folders e atendem o público.
qualidade dos produtos. Além disso, são alguns cuidados especiais na montagem
Inicialmente, o leite ordenhado nos
oferecidos cursos práticos de fabricação são considerados:
concursos leiteiros é encaminhado para a
de queijos, iogurte e outros. O acompa- a) o tamanho mínimo da área para a rea- Via Láctea Miniusina, onde é resfriado e
nhamento dos processos dá uma idéia do lização dos trabalhos é de 36 m2, 12 m armazenado em tanques de expansão. Em
funcionamento de uma indústria e de seus de comprimento e 3 m de largura, na seguida, o leite é submetido à pasteurização
equipamentos. A possibilidade de fabri- área principal, ou seja, área de pro- e envasado em embalagens do tipo barriga
cação de produtos lácteos em pequena cessamento; mole (saquinhos plásticos). Uma parte do
escala, dentro dos padrões de qualidade, é b) são necessárias áreas de tamanho leite pasteurizado é usada para a fabricação
um outro aspecto importante repassado ao apropriado destinadas ao depósito de derivados como iogurte e queijo Minas
público-alvo. de embalagens, insumos e vestiário, Frescal. Os produtos são colocados à dis-
Ao término da produção, os operadores que deverão ser anexas à área prin- posição dos visitantes para degustação.
da Via Láctea Miniusina prestam infor- cipal;
mações aos visitantes sobre produção, for- PARTICIPAÇÃO DA VIA LÁCTEA
c) disponibilidade de tomadas de ener- MINIUSINA EM EVENTOS
necedores de equipamentos, higieniza-
gia com voltagem apropriada aos
ção, qualidade e outras dúvidas relativas Desde a sua criação, o Projeto Via Lác-
equipamentos a serem instalados;
ao processo. Os produtos ficam à dispo- tea Miniusina foi apresentado em diversas
sição, após o processo de fabricação, para d) a área principal da Miniusina deve-
exposições agropecuárias e de negócios,
degustação, o que possibilita aos visitan- rá ser revestida com piso antider-
com destaque (Quadro 1). Tem despertado
tes observar as características de qualidade rapante, de borracha, de cores em grande interesse do público, incluindo
do produto final. escala, de preferência branco, bege técnicos, empresários, crianças e estudan-
Um aspecto interessante para o pú- ou cinza, levando-se em conta que o tes. Outro aspecto atrativo é que milhares
blico é o caráter educativo do Projeto. Por local será lavado constantemente de pessoas têm a oportunidade de conhe-
meio deste, o consumidor é orientado pa- com produtos químicos alcalinos e cer e degustar produtos lácteos, conside-
ra a importância de adquirir produtos de ácidos; rando que são eventos de grande porte e
qualidade, fabricados por empresas idô- e) a iluminação deverá ser feita com realizados em capitais e em grandes cida-
neas. lâmpadas fluorescentes, colocadas des (Fig. 1 a 3).

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QUADRO 1 - Apresentação do Projeto Via Láctea Miniusina em eventos


Data Local Evento

Abril 2004 Goiânia-GO, Centro de Convenções II Feira Técnica Internacional de Produtos para Indústria de Leite e Derivados,
Congresso Internacional de Produtos Lácteos, III Encontro de Reciclagem
Técnica de Laticínios

Junho 2005 Belo Horizonte-MG, Parque da Gameleira Superagro 2005

Abril 2005 São Paulo-SP, Expo Center Norte III Feira Internacional de Produtos para a Indústria de Leite e Derivados –
Tecnoláctea

Março 2006 Belo Horizonte-MG I Feira de Agricultura Familiar de Minas Gerais - Agriminas

Abril/Maio 2006 Uberaba-MG Expozebu

Maio/Junho 2006 Belo Horizonte-MG, Expominas Superagro

Agosto 2006 Juiz de Fora-MG 55a Expo Feira Agropecuária de Juiz de Fora

Maio/Junho 2007 Belo Horizonte-MG, Expominas Superagro

Erasmo Pereira

Figura 1 - Espaço da Via Láctea Miniusina – Superagro 2006, Belo Horizonte-MG

AVALIAÇÃO JUNTO AO objetivos do Projeto foram alcançados nos d) demonstração da possibilidade de


PÚBLICO DOS IMPACTOS
seguintes aspectos: produção em pequena escala com
CAUSADOS PELOS CURSOS
E PELA VIA LÁCTEA qualidade;
a) inovação e aprimoramento do pro-
MINIUSINA duto; e) via de acesso de capacitação gratui-
Durante os eventos e após os cursos tamente;
b) contato do público com profissio-
foram realizadas avaliações junto aos
nais da área; f) ampla abrangência do público;
técnicos, empresários da área e leigos. Com
base nos resultados constatou-se que os c) metodologia e didática; g) resolução de dúvidas no local;

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Agroindústria: leite e derivados 83

Erasmo Pereira
Figura 2 - Vista parcial do espaço interno da Via Láctea Miniusina à direita e visitação do público infantil

h) aplicação prática no dia-a-dia;


i) popularização do conhecimento pa-
ra atingir a população carente e estu-
dantes de escolas públicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em face dos resultados positivos obser-
vados na implementação do Projeto Via
Láctea Miniusina, pode-se recomendá-lo
como alternativa eficiente de transferência
e difusão de tecnologia.
O caráter demonstrativo e, portanto,
inovador torna o Projeto um elemento atra-
tivo em eventos de grande porte, os quais
envolvem um grande público, incluindo
técnicos, pesquisadores, produtores e a so-
ciedade. O fato de ser itinerante permite
Erasmo Pereira

que o Projeto Via Láctea Miniusina seja


apresentado em vários eventos ligados à
cadeia produtiva do leite, desde que haja
Figura 3 - Degustação de produtos lácteos fabricados na Via Láctea Miniusina infra-estrutura adequada para instalação.

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84 Agroindústria: leite e derivados

INSTRUÇÕES AOS AUTORES


INTRODUÇÃO PRAZOS E ENTREGA DOS ARTIGOS
O Informe Agropecuário é uma publicação seriada, periódica, Os colaboradores técnicos da revista Informe Agropecuário devem
bimestral, de caráter técnico-científico e tem como objetivo principal observar os prazos estipulados formalmente para a entrega dos trabalhos,
difundir tecnologias geradas ou adaptadas pela EPAMIG, seus parceiros bem como priorizar o atendimento às dúvidas surgidas ao longo da
e outras instituições para o desenvolvimento do agronegócio de Minas produção da revista, levantadas pelo coordenador técnico, pela Revisão
Gerais. Trata-se de um importante veículo de orientação e informação e pela Normalização. A não-observância a essas normas trará as seguintes
para todos os segmentos do agronegócio, bem como de todas as instituições implicações:
de pesquisa agropecuária, universidades, escolas federais e/ou estaduais a) os colaboradores convidados pela Empresa terão seus trabalhos
de ensino agropecuário, produtores rurais, empresários e demais excluídos da edição;
interessados. É peça importante para difusão de tecnologia, devendo, b) os colaboradores da Empresa poderão ter seus trabalhos excluídos
portanto, ser organizada para atender às necessidades de informação de ou substituídos, a critério do respectivo coordenador técnico.
seu público, respeitando sua linha editorial e a prioridade de divulgação O coordenador técnico deverá entregar à Divisão de Publicações
de temas resultantes de projetos e programas de pesquisa realizados (DVPU) da EPAMIG os originais dos artigos em CD-ROM ou pela Internet,
pela EPAMIG e seus parceiros. já revisados tecnicamente, 120 dias antes da data prevista para circular
A produção do Informe Agropecuário segue uma pauta e um a revista. Não serão aceitos artigos entregues fora desse prazo ou após o
cronograma previamente estabelecidos pelo Conselho de Difusão de início da revisão lingüística e normalização da revista.
Tecnologia e Publicações da EPAMIG, conforme demanda do setor O prazo para divulgação de errata expira seis meses após a data de
agropecuário e em atendimento às diretrizes do Governo. Cada edição publicação da edição.
versa sobre um tema específico de importância econômica para Minas
Gerais. ESTRUTURAÇÃO DOS ARTIGOS
Do ponto de vista de execução, cada edição do Informe Agropecuário Os artigos devem obedecer a seguinte seqüência:
terá um coordenador técnico, responsável pelo conteúdo da publicação, a) título: deve ser claro, conciso e indicar a idéia central, podendo
pela seleção dos autores dos artigos e pela preparação da pauta. ser acrescido de subtítulo. Devem-se evitar abreviaturas, parên-
teses e fórmulas que dificultem a sua compreensão;
APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS ORIGINAIS b) nome do(s) autor(es): deve constar por extenso, com nume-
Os artigos devem ser enviados em CD-ROM ou pela Internet, no ração sobrescrita para indicar, no rodapé, sua formação e títulos
acadêmicos, profissão, instituição a que pertence e endereço.
programa Word, fonte Arial, corpo 12, espaço 1,5 linha, parágrafo
automático, justificado, em páginas formato A4 (21,0 x 29,7cm). Exemplo: Engo Agro, D.Sc., Pesq. EPAMIG-CTSM, Caixa Pos-
Os quadros devem ser feitos também em Word, utilizando apenas o tal 176, CEP 37200-000 Lavras-MG. Correio eletrônico:
epamig@ufla.br;
recurso de tabulação. Não se deve utilizar a tecla Enter para formatar o
quadro, bem como valer-se de “toques” para alinhar elementos gráficos c) resumo: deve constituir-se em um texto conciso (de 100 a 250
de um quadro. palavras), com dados relevantes sobre a metodologia, resulta-
dos principais e conclusões;
Os gráficos devem ser feitos em Excel e ter, no máximo, 15,5 cm de
largura (em página A4). Para tanto, pode-se usar, no mínimo, corpo 5 d) palavras-chave: devem constar logo após o resumo. Não devem
para composição dos dados, títulos e legendas. ser utilizadas palavras já contidas no título;

As fotografias a serem aplicadas nas publicações devem ser recentes, e) texto: deve ser dividido basicamente em: Introdução, Desenvol-
de boa qualidade e conter autoria. Podem ser enviadas em papel vimento e Considerações finais. A Introdução deve ser breve e
fotográfico (9 x 12 cm ou maior), cromo (slide) ou digitalizadas. As foto- enfocar o objetivo do artigo;

grafias digitalizadas devem ter resolução mínima de 300 DPIs no formato f) agradecimento: elemento opcional;
mínimo de 15 x 10 cm e ser enviadas em CD-ROM ou ZIP disk, prefe- g) referências: devem ser padronizadas de acordo com o “Manual
rencialmente em arquivos de extensão TIFF ou JPG. para Publicação de Artigos, Resumos Expandidos e Circulares
Não serão aceitas fotografias já escaneadas, incluídas no texto, em Técnicas” da EPAMIG, que apresenta adaptação das normas da
Word. Enviar os arquivos digitalizados, separadamente, nas extensões já ABNT.
mencionadas (TIFF ou JPG, com resolução de 300DPIs). Com relação às citações de autores e ilustrações dentro do texto,
Os desenhos devem ser feitos em nanquim, em papel vegetal, ou em também deve ser consultado o Manual para Publicações da EPAMIG.
computador no Corel Draw. Neste último caso, enviar em CD-ROM ou NOTA: Estas instruções, na íntegra, encontram-se no “Manual para
pela Internet. Os arquivos devem ter as seguintes extensões: TIFF, EPS, Publicação de Artigos , Resumos Expandidos e Circulares Téc-
CDR ou JPG. Os desenhos não devem ser copiados ou tirados de Home nicas” da EPAMIG. Para consultá-lo, acessar: www.epamig.br,
Page, pois a resolução para impressão é baixa. entrando em Publicações ou Downloads.

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