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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES
MESTRADO EM HISTÓRIA – MAHIS

FREDERICO DE ANDRADE PONTES

DO C.E.U. AO INFERNO: O Movimento Estudantil


Universitário no Ceará (1956 – 1964)

FORTALEZA
2014
FREDERICO DE ANDRADE PONTES

DO CEU AO INFERNO: o movimento estudantil universitário no Ceará (1956 – 1964)

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Acadêmico


em História, do Centro de Humanidades da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção de
grau de mestre em História.

Área de Concentração: História e Culturas.

Orientador: Prof. Dr. Altemar da Costa Muniz

FORTALEZA – CE
2014
Dedico este trabalho à memória dos meus avós Suzete e
Raimundo Pontes (paternos) e Beatriz e Moises Julião
(maternos)
CARTA AOS MORTOS

Amigos, nada mudou


em essência.
os salários mal dão para os gastos,
as guerras não terminaram
e a vírus novos e terríveis,
embora o avanço da medicina.
volta e meia um vizinho
tomba morto por questão de amor.
Há filmes interessantes, é verdade,
E como sempre, mulheres portentosas
Nos seduzem com suas bocas e pernas,
Mas em matéria de amor
Não inventamos nenhuma posição nova.

Alguns cosmonautas ficam no espaço


Seis meses ou mais, testando a engrenagem e a solidão
Em cada olimpíada há recordes previstos
E nos países, avanços e recuos sociais.
Mas nenhum pássaro mudou seu canto com a modernidade.
Reencenamos as mesmas tragédias gregas,
Relemos o Quixote, e a primavera
Chega pontualmente cada ano

Alguns hábitos, rios e florestas


Se perderam.
Ninguém mais coloca cadeiras na calçada
Ou toma a fresca da tarde,
Mas temos máquinas velocíssimas
Que nos dispensar de pensar

Sobre o desaparecimento dos dinosauros


E a formação das galáxias
Não avançamos nada.
Roupas vão e voltam com as modas
Governos fortes caem, outros se levantam,
Países se dividem
E as formigas e abelhas continuam
Fiéis ao seu trabalho

Nada mudou em essência.

Cantamos parabéns nas festas,


Discutimos futebol na esquina
Morremos em estúpidos desastres
E volta e meia
Um de nós olha o céu quando estrelado
Com o mesmo pasmo das cavernas,
E cada geração, insolente,
Continua a achar
Que vive no ápice da história.
Affonso Romano Sant´anna
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, força superior que trouxe energia vital todos os dias da
minha vida. Sem esta energia, não estaria aqui. Agradeço a Jesus e Maria,
espíritos iluminados que me protegem e iluminam meu caminho nesta vida. A fé
em vocês alimenta meu espírito, sem ela nada faz sentido.
Agradeço aos meus pais. Beatriz, mãe que todas as pessoas gostariam de
ter. Carinhosa, sincera, guerreira e amiga. Obrigado por ter me ensinado a viver
dignamente, respeitando o próximo e lutando pelos meus sonhos. Fernando, pai
que sempre incentivou a busca do conhecimento, da simplicidade e da
honestidade. Sem vocês, não teria chegado aqui. Dos meus pais, aprendi o
essencial para viver: ser leve de espírito, fazer o bem sempre e nunca desistir de
lutar pelos seus sonhos e ideais.
Agradeço a minha esposa Fernanda, você me deu o melhor de mim. Você
me deu minha filha e agora carrega dentro de si mais um presente de Deus. Este
sentimento, sempre levarei nas minhas lembranças e no meu coração. Obrigado
por estar do meu lado em todos os momentos e por sonhar comigo os mesmos
sonhos. Sei que não foi fácil suportar meus momentos de mau humor e de
distanciamento durante a feitura da pesquisa. Sair de casa com a Maria Sofia, em
muitos domingos, para que eu pudesse ter mais tempo para escrever. Agradeço
muito seu apoio.
Agradeço especialmente ao ser que trouxe uma nova perspectiva de vida
para mim, que me mostrou a dimensão mais mágica e bela da vida. Minha filha
Maria Sofia, com você tudo faz sentido, você é a minha principal motivação,
minha esperança de que ainda vale a pena lutar por um mundo melhor. Você me
trouxe de volta o encantamento pela vida. Mesmo nos momentos em que estava
estudando e você queria minha atenção de qualquer jeito, você de alguma forma
me estimulava, e eu voltava para os estudos mais leve e motivado.
Agradeço aos meus irmãos Fernando Filho, Fabio e Fernanda, pela força
e o apoio em todos os momentos. Agradeço especialmente ao Fabio, pois me
ajudou bastante em Brasília, quando fui realizar a entrevista com Djacir Martins.
Sem você, irmão, não teria acontecido.
Agradeço ao meu orientador prof. Altemar Muniz, pela confiança, apoio
e orientação. Com certeza a sua ajuda foi essencial para realização desta
pesquisa. Desde o começo, você foi quem mais acreditou no meu potencial
como pesquisador e no meu projeto. Sou muito grato por você ter me dado a
segurança e a confiança necessária para a realização desta pesquisa.
Agradeço aos entrevistados que cederam um pouco de seu tempo, de suas
memórias, de suas vidas para realização desta pesquisa. Sem vocês isto não teria
acontecido. Obrigado Djacir Martins, Valton Miranda, Helio Leite, Manlio
Silvestre, Agamenon Tavares, Leorne Belem e José de Freitas.
Agradeço ao amigo Prof. Pedro Eymar, diretor do Museu de Arte da
UFC/MAUC e sua equipe pelo apoio e a cessão das fotografias do Acervo da
UFC, dos Boletins da UC. Sem este apoio, esta pesquisa não existiria.
Agradeço ao Dr. Aritomar (Ari), Secretário do Conselho Universitário da
UFC/CONSUNI, pelo apoio e cessão das Atas do Conselho Universitário da
UFC. Sem esta ajuda, não seria possível concretizar a pesquisa.
Agradeço a toda equipe do setor de periódicos da Biblioteca Estadual
Menezes Pimentel pelo apoio e atenção prestada durante minhas pesquisas ao
acervo dos jornais.
Agradeço aos professores do MAHIS, pelo conhecimento compartilhado
e o apoio na realização desta pesquisa. Obrigado aos professores Eric, Billy,
Gisafran, Zilda, Silvia, Gerson, Rameres e Padua.
Agradeço a minha turma de mestrado pela amizade e apoio. Obrigado a
Cecilia, Erilene, Cicero, Rochester, Gabriela, Eudesia, Roksonia, Tiago e Cyntia.
Cada um de vocês, de alguma forma, ajudou na realização deste sonho. Com
certeza cresci muito com nossa convivência, tanto como pessoa quanto
historiador.
Agradeço aos professores Edmilson Maia (guru), Frederico de Castro
Neves e Regianne Medeiros pelas boas sugestões que contribuíram para
construção desta pesquisa. Em especial ao Prof. Edmilson, meu orientador na
graduação, que se transformou em um bom amigo e aconselhador.
Agradeço também aos professores Gisafran Jucá e Frederico de Castro
Neves pelas sugestões e críticas feitas na qualificação desta dissertação e o
aceite para participar da banca de defesa desta dissertação.
Agradeço especialmente ao Prof. João Arruda pelo carinho, apoio,
confiança e amizade. Sem sombra de dúvida, um dos principais responsáveis
pela realização deste sonho. Certamente uma das melhores pessoas que eu
conheci na vida. Agradeço a você e a sua companheira Profa. Lena, que sempre
deram forças para a realização deste mestrado.
Agradeço à Profa. Maria de Jesus (Diretora da CCV/UFC) por ter me
ajudado em momentos cruciais do meu caminho como historiador. Sem você
não seria possível chegar neste momento.
Agradeço ao Prof. Henry Holanda (vice-reitor da UFC) pelo apoio e pela
confiança, desde os tempos de Pró-Reitoria de Extensão e agora na Casa de José
de Alencar. Sem este apoio, seria mais difícil e complicada a tarefa de conciliar
minhas atividades profissionais com as atividades de pesquisador.
Agradeço aos companheiros de trabalho da Casa de José de
Alencar/UFC. Em especial a Elsanira Máximo (secretaria da Casa de José de
Alencar) que assumiu o papel de diretor, nos momentos que me ausentei para
pesquisar. Agradeço também aos amigos Francisco Miranda
(SECULTART/UFC) e Fernando Leão (PRADM/UFC) pela amizade e a força
para a realização desta dissertação.
Por fim, agradeço a todos que passaram por mim nesta estrada e me
ajudaram de alguma forma nesta difícil caminhada. Somente conseguimos
realizar nossos sonhos quando existem outras pessoas que também acreditam
neles. Muito obrigado.
RESUMO

O trabalho aqui apresentado analisa as experiências do movimento estudantil


universitário cearense que se organizou a partir da criação do Diretório Central do
Estudantes/DCE da Universidade do Ceará em 1956. Buscamos identificar e
compreender o processo de formação e transformação do Movimento Estudantil
Universitário (MEU), percebendo como o movimento interagiu com a realidade social,
política e cultural da cidade de Fortaleza e como ele se relacionava com o espaço
universitário e a Administração Superior da Universidade. Investigamos diversas fontes
históricas: periódicos, memórias, fotos e documentos oficiais. A interpretação destes
vestígios serviu para esclarecermos as atividades culturais, assistenciais e políticas
desenvolvidas pelo DCE, e percebermos no cotidiano dos estudantes na Universidade a
transformação da cultura política estudantil. Para chegarmos neste entendimento,
analisamos as experiências e vivências do MEU, tendo por base uma compreensão mais
ampla do conceito de política. Ao revelar as especificidades do movimento estudantil
cearense, ampliamos as possibilidades de compreensão histórica do movimento no seu
processo de formação e transformação, enquanto um movimento social historicamente
situado.

PALAVRAS-CHAVE: Movimento Estudantil Universitário, Universidade do Ceará,


Cultura Política e Movimento Social.
ABSTRACT

The work presented here examines the experiences of Ceará university student
movement that organized the creation of the Students of the Central Directory/DCE
from the University of Ceará in 1956. Nicer identify and understand the process of
formation and transformation of the university student movement/MEU, noting how the
movement interacted with social, political and cultural reality of Fortaleza and how he
related to the university area and the Senior Management of the University. We
investigate various historical sources: journals, memories, photos and official
documents. The interpretation of these traces served to clarify the cultural, social and
political activities of the DCE and realize the daily lives of students at the University,
the transformation of student political culture. To reach this understanding, we analyze
the lived experiences of MEU, based on a broader understanding of the concept of
politics. By revealing the specifics of Ceará student movement expanded the
possibilities of historical understanding of the movement as a process of formation and
transformation as a social movement historically situated.

KEYWORDS: University Student Movement, University of Ceará, Political Culture


and Social Movement
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Primeira sede do CEU, na rua General Sampaio com Meton de


Alencar.
Figura 2 - Os prédios do Curso de Engenharia e do CEU vistos da Reitoria.

Figura 3 – Foto de capa do jornal Tribuna do Ceará, passeata da legalidade, em


1961.
Figura 4 – Fachada da entrada da Universidade do Ceará, durante a greve do 1/3.
Figura 5 – Comício dos estudantes na Praça do Ferreira, durante a greve do 1/3.
Figura 6 – Cartaz fazendo várias críticas, destacando-se a crítica aos “irmãos
maristas”.
Figura 7 – Cartaz fazendo críticas às rubricas do orçamento universitário
aprovado pelo Consuni.
Figura 8 – Cartaz criticando o reitor Martins Filho.
Figura 9 – Cartaz crítica a atitude de alguns professores que forçaram a entrada
na Faculdade de Agronomia, durante a greve do 1/3.
Figura 10 – Faixa colocada em rua paralela à Praça do Ferreira.
Figura 11 – Desfile de abertura dos 2º. Jogos Universitários em 1958.
Figura 12 – Desfile de abertura dos 2º. Jogos Universitários em 1958.
Figura 13- Reitor Martins Filho discursando na abertura dos primeiros jogos
universitários, em 1957, no ginásio do Fénix Caixeral.
Figura 14 - Maquete dos prédios universitários do Campus Benfica, podemos
observar a Reitoria (1) no quarteirão central e os prédios do CEU e assistência estudantil
(2) do lado esquerdo, no lado da Av. da Universidade.
Figura 15 – Homenagem dos estudantes ao reitor Martins Filho, no CEU, em
1959.
Figura 16 – Missa de Páscoa dos universitários, em 1959.
Figura 17 – Debate dos alunos com a Associação Comercial de Fortaleza, em
1961.
LISTA DE SIGLAS

ACB – Ação Católica Brasileira


AP – Ação popular
CEC – Centro Estudantal Cearense
CEU – Clube do Estudante Universitário
CONSUNI – Conselho Universitário
CA – Centro Acadêmico
DA – Diretório Acadêmico
DCE – Diretório Central dos Estudantes
JEC – Juventude Estudantil Católica
JUC – Juventude Universitária Católica
ME – Movimento Estudantil
MEU – Movimento Estudantil Universitário
PC – Partido Comunista
PSD – Partido Social Democrático
PSP – Partido Social Progressista
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
RU – Restaurante Universitário
UC – Universidade do Ceará
UDN- União Democrática Nacional
UEE – União Estadual dos Estudantes
UJC – União da Juventude Comunista
UNE – União Nacional dos Estudantes
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................15

CAPÍTULO I.................................................................................................................30

1. O MOVIMENTO ESTUDANTIL E A UNIVERSIDADE DO CEARÁ: UMA NOVA


ABORDAGEM HISTÓRICA.......................................................................................30

1.1 Vanguardeiros dos Movimentos Democráticos em Fortaleza: União Estadual dos


Estudantes/UEE e traços de uma cultura política estudantil cearense nas décadas de
1940 e 50........................................................................................................................35
1.2 Uma Universidade para o Ceará: A Universidade e a formação de um novo
movimento estudantil.....................................................................................................44
1.3 Novas Juventudes... : Novas forças e experiências políticas no Movimento
Estudantil Universitário no início da década de 1960...................................................58

CAPÍTULO II................................................................................................................86

2 COMENTA-SE QUE...: OUTRAS HISTÓRIAS DO MOVIMENTO ESTUDANTIL


UNIVERSITÁRIO NAS COLUNAS DOS PERIÓDICOS FORTALEZENSES........86

2.1 Será eleita miss CEU...: o lazer e a recreação na atuação do movimento estudantil
cearense......................................................................................................................... 90
2.2 Restaurante Universitário: escolha de comensais...: a ação de assistência no
movimento estudantil...................................................................................................100
2.3 Diretórios e publicações...: comunicando o movimento estudantil.......................111
2.4 Páscoa dos universitários...: a religião na atuação do movimento estudantil
universitário...................................................................................................................114

CAPÍTULO III..............................................................................................................118

3 MEMÓRIAS DAS LIDERANÇAS DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NA


UNIVERSIDADE DO CEARÁ: O MILITANTE, O MOVIMENTO, O
ENTREVISTADOR E O ENTREVISTADO...............................................................118

3.1 Memórias de conciliação: Nada mais se parece com a Igreja do que o partido
comunista...................................................................................................................125
3.2 Memórias de reconhecimento: ...eu lutei pela criação do restaurante universitário eu
criei os primeiros jogos universitários.......................................................................131
3.3 Memórias de disputas e práticas políticas: para você ter uma ideia, nós sempre
ganhávamos, a gente era mais atuante e era maior....................................................141
3.4 Memórias de res(sentimentos): ...com o Martins Filho era uma relação conflituosa,
porque era um sujeito autoritário...um manipulador nato.........................................155

CONCLUSÃO..........................................................................................................161
FONTES................................................................................................................... 165
REFERÊNCIAS........................................................................................................167
15

INTRODUÇÃO

O passado é, por definição, um dado que nada mais modificará. Mas o


conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se
transforma e aperfeiçoa.(BLOCH, 2001, p. 75)

O Movimento Estudantil é uma temática de estudo histórico bastante


explorada. Em diversas perspectivas ela foi abordada. De longe, a perspectiva do
Político foi e ainda é a dimensão mais observada deste objeto de pesquisa. A
delimitação temporal mais escolhida é a década de 1960, especificamente o
intervalo de 1964 a 1968. O espaço observado, na maioria das vezes, é o eixo
Rio-São Paulo.
Estas características, que são observadas na grande maioria dos trabalhos
acadêmicos que analisam a história do movimento estudantil, contribuem para
fortalecer uma naturalização acerca do objeto e uma espécie de necessidade
metodológica que induz os pesquisadores para uma abordagem padronizada
acerca do tema, seguindo o padrão de análise do movimento estudantil do
período de 1964-68. Os movimentos estudantis que não se adequaram a este
padrão foram menosprezados pela Historiografia.

Tais movimentos não costumam ser levados em consideração porque são


incompatíveis com um regime de verdades que permanentemente atualiza o
movimento estudantil de 1968 como um modelo ideal para as expressões
políticas da juventude, condição que estabelece como importantes, apenas
aquelas manifestações articuladas, politicamente, à esquerda e que pensam a
transformação da sociedade a partir da noção de luta de classes e de uma
efetiva mobilização das “massas” estudantis nas ruas, ou seja, reflexos
daquilo que foram as manifestações de 1968. (VASCONCELOS, 1998, p.
124)

No entanto, como Bloch (2001) falou “... o conhecimento do passado é


uma coisa em progresso...”. Nesse sentido, a História ampliou, por diversos
motivos, sua capacidade de explicar as experiências passadas. Atualmente, há
alguns estudos que permitem uma visão menos naturalizante deste objeto de
estudo. Pesquisas que analisam experiências regionais e locais do movimento
estudantil e em temporalidades diferentes.
16

Além dos diferentes espaços e tempos, as abordagens também foram


renovadas. Resultado de uma maior interação com outras áreas de conhecimento
e da ampliação dos tipos de fontes históricas, possibilitando assim a utilização de
novas abordagens e teorias para explicar o movimento estudantil.
É neste cenário em transformação que nossa pesquisa se insere.
Pretendemos investigar o movimento estudantil forjado na primeira
Universidade do Ceará. Para nortear esta investigação, abordaremos o
movimento de uma maneira diferente da usual. Buscaremos perceber a atuação
do MEU cearense através das suas relações com o ambiente no qual ele estava
inserido.
Procuraremos percebê-lo como um movimento que interagiu com a
realidade social, política e cultural da cidade de Fortaleza e que se relacionou
intimamente com o espaço universitário e a Administração Superior da
Universidade. Entendemos que essas relações foram permeadas pelo fio
condutor do processo histórico do próprio movimento.
Nessa perspectiva, analisaremos o processo de formação e construção do
movimento estudantil no âmbito da Universidade do Ceará, desde a criação do
DCE, em 1956 até o golpe civil-militar de 1964. Um período histórico em que
identificamos um processo de transformação na cultura política do MEU
cearense. Para compreendermos melhor este processo, investigamos fontes
históricas, até então desprezadas, e aspectos do movimento que foram
silenciados pela historiografia.
Posto isto, traçamos alguns objetivos: elucidar as atividades culturais,
assistenciais e políticas desenvolvidas pelo DCE; analisar a relação entre o MEU
cearense e a Administração Superior da Universidade do Ceará; identificar as
ideologias políticas presentes nas disputas pela liderança do MEU; perceber no
cotidiano dos estudantes como se construía a identidade do movimento
estudantil universitário cearense e, principalmente, identificar e interpretar
historicamente aspectos da cultura política do MEU.
Nesta abordagem, a ideia de cultura política é fundamental para
compreensão do processo histórico do movimento, haja vista a importância das
tradições, dos ritos e das representações que influenciavam a atuação do
movimento em seus diversos aspectos. Perceberemos também que, apesar das
transformações que ocorriam, certas características do movimento estudantil dos
17

anos 1930 e 40 ainda permaneceram incorporadas na cultura política estudantil


universitária cearense na década de 1950 e no início dos 1960.
Não obstante, para compreendermos como esta pesquisa se constrói e
quais as motivações e as influências teóricas, metodológicas e emotivas
permeiam a confecção deste trabalho, faremos uma analogia entre as trilhas que
foram percorridas na pesquisa e os papéis que geralmente o historiador assume
durante esta caminhada. Os papéis de crítico, investigador, cientista e artesão.

O CRÍTICO

O historiador só chegará ao problema de sua pesquisa se possuir o


espírito crítico em relação à realidade social e seus fenômenos. A criticidade é
uma característica marcante e permanente do ofício de historiador. Nesse
sentido, o olhar crítico sobre a realidade é o primeiro instrumento utilizado para
o desenvolvimento da pesquisa histórica. É ele que vai transformar uma simples
inquietação em uma possível temática de estudo e investigação cientifica.
Nossa inquietação surge no ano de 2010, ao finalizarmos uma pesquisa
monográfica que versou sobre a influência da Juventude Universitária Católica-
JUC no movimento estudantil universitário cearense. Ao dialogarmos com as
diversas fontes consultadas na pesquisa, tais como: jornais, fotos, atas do
CONSUNI/UC e depoimentos orais, foram gerados alguns questionamentos.
Primeiro, do ponto de vista temporal, percebemos a existência de um
“buraco negro” nos estudos sobre o Movimento Estudantil cearense. Boa parte
das obras existentes, ou optavam por pesquisar o período varguista ou escolhiam
o período de 1964 a 1968. Não entendíamos porque o período da experiência
democrática de 1945 a 1964, tão marcante1 para o movimento, não foi alvo de
pesquisas.
Em segundo lugar, notamos, em grande parte da produção histórica sobre
o movimento, um modelo de abordagem que percebe e valoriza apenas o aspecto
político tradicional. Nesse sentido, prevalece certa naturalização na forma como

1
Foi durante esse período que a União Estadual dos Estudantes/UEE do Ceará teve forte influência no
movimento universitário. Sendo também a fase onde foi criada a Universidade do Ceará e o DCE.
18

se percebe o movimento estudantil, que no caso, deveria possuir as mesmas


características dos movimentos estudantis de 1968.
Percebemos que se construiu de forma implícita uma separação que
efetivamente reforça uma tendência de rememorações/comemorações
relacionadas ao movimento estudantil pós-1964. Em uma das poucas obras que
faz referência ao movimento estudantil universitário fora do período pós 1964, o
pesquisador Bráulio Ramalho parece reforçar esta tendência, chegando a afirmar
que,

em termos de atuação política, de sua fundação até o golpe de 1964, o DCE é


ofuscado pela UEE. Nesse período, o DCE se direciona para oferecer
serviços e propiciar atividades que desenvolvam o espírito grupal e a
fraternidade entre os universitários. A entidade notabiliza-se pela realização
das concorridas festas dançantes (tertúlias) no Clube dos Estudantes
Universitários (RAMALHO, 2002, p. 98).

Não obstante, ao dialogarmos com as fontes referentes ao movimento


estudantil universitário no período que vai da criação do DCE ao golpe de 1964,
em especial memórias dos militantes e colunas jornalísticas, notamos a notória
atuação do DCE na realização de festas, serviços de assistência, jogos
esportivos, entre outras ações de integração dos discentes das diversas
faculdades que foram sendo agregadas à recém-criada Universidade do Ceará.
No entanto, não concordamos que a atuação política do movimento
estudantil vinculado ao DCE foi ofuscada pela UEE, pois consideramos que
todas as atividades acima citadas possuem um valor simbólico que fortalece as
disputas pelo poder ou servem para legitimar este poder. Entendemos que a fase
histórica do movimento anterior ao golpe de 1964 é de certa forma silenciada
tanto pela histografia cearense quanto nacional, porque boa parte do material
produzido sobre o assunto foi escrito por militantes do período pós-golpe de
1964 ou porque o período do pós-golpe nos remete com mais intensidade ao
imaginário da resistência, do heroísmo e da luta contra a ditadura.
Nesse sentido, fortalecendo uma identidade histórica valiosa para o
movimento, por conseguinte favorecendo a legitimação de um mito que
geralmente provoca uma visão histórica restrita e distorcida sobre o processo
histórico do movimento estudantil. Na História não existe espaço para mito, no
entanto, existe espaço para sua desconstrução.
19

Posto isto, o crítico ou o historiador começa a transformar estas


inquietações em questionamentos. Afinal, como se deu a formação e a
transformação do movimento estudantil universitário cearense, do período de
sua criação até o golpe de 1964? Podemos realmente falar de um MEU cearense
com identidade e cultura política própria que se transforma ao longo de sua
história? Ou simplesmente como um passe de mágica, o movimento se radicaliza
após o golpe de 1964 e passa a partir daí refletir a visão “mitológica” do
movimento, que nas palavras de José Roberto Martins, se resume em “os
estudantes sempre estiveram ao lado do povo brasileiro em todas as suas
lutas”(MARTINS FILHO, 2007, p. 183).

O INVESTIGADOR

... a fonte histórica passou a ser a construção do historiador e suas perguntas,


sem deixar de lado a crítica documental, pois questionar o documento não era
apenas construir interpretações sobre eles, mas também conhecer sua origem,
sua ligação com a sociedade que a produziu(SILVA, 2006, p. 159)

A palavra historie em grego jônico significava “investigação” ou


investigação concentrada mais na busca do que na descoberta...(BOORSTIN,
2003, p. 169). O historiador, principalmente em seu trabalho de campo, assume
muitas vezes o papel de investigador. A busca incessante de pistas e vestígios de
algo que já não existe, que ocorreu no passado, algo que morreu. Buscando nas
entrelinhas de textos desconexos, nas sombras de testemunhos improváveis, o
investigador se alimenta da voraz curiosidade e da necessidade de preencher as
lacunas de uma história que ainda não foi contada. Ele busca alimentar de sua
pesquisa com informações que poderão ou não ser transformadas em fontes
históricas.
Em toda investigação, existe um norte, um caminho inicial. Em nosso
caso é a questão, a hipótese, o problema que buscamos resolver. É a partir desta
questão irradiadora que se inicia a busca dos vestígios do passado. O primeiro
passo desta investigação foi identificar os principais atores envolvidos nesse
problema. No caso: o Diretório Central dos Estudantes/DCE e a Universidade do
Ceará/UE.
20

Criado em 1956, o DCE nasce vinculado à Universidade do Ceará. O


DCE será o órgão de representação política dos universitários e o espaço
unificador dos diversos Diretórios Acadêmicos/DA que já existiam nas
faculdades agregadas à nova instituição de ensino superior. Nesse sentido, o
consideramos como o principal alvo desta investigação.
Não obstante, a investigação sobre Universidade do Ceará possui
relevância à medida que a consideramos o principal ambiente de atuação política
do DCE. Criada em 1954, a sexagenária academia é investigada a partir das
relações que sua estrutura física, simbólica e sua administração superior
estabelecem com o movimento estudantil.
Para investigar o DCE, foi preciso recorrer a diversas pistas que, de
forma indireta, traziam informações acerca de sua atuação enquanto entidade
representativa dos universitários. Na realidade, considerando o seu processo
histórico conturbado, sendo inclusive alvo de repressão e censura nos anos de
chumbo, não esperávamos encontrar vestígios produzidos diretamente pelo
DCE. Suspeita que se confirmou. No entanto, encontramos inúmeros outros
indícios da forma de atuação desta entidade, que não foram produzidos
diretamente pelo DCE. Os indícios foram encontrados em jornais, fotos, atas,
boletins e entrevistas de ex-militantes.
Chegar nestes vestígios não foi uma tarefa fácil. Foi necessário cruzar
diversas informações e ir a diversos locais (inclusive fora do Ceará) para
encontrarmos essas pistas. Um dos locais que mais visitamos foi a seção de
periódicos da biblioteca estadual Menezes Pimentel. Lá encontramos todos os
Jornais de grande circulação, que carregavam indícios da atuação do movimento
estudantil e da vida universitária cearense.
A “TC universitária” e a “Informes Universitários”, respectivamente
colunas do Tribuna do Ceará e do Correio do Ceará. Elas trouxeram, por três
anos consecutivos (1961-1963), notícias que diziam respeito à vida do
movimento estudantil em seus diversos aspectos: culturais, recreativos,
assistenciais e políticos. Nestas fontes, podemos perceber o cotidiano do
movimento a partir da percepção dos colunistas dos jornais Tribuna do Ceará e
Correio do Ceará, que eram responsáveis por alimentar estas colunas com
notícias que consideravam relevantes. Estas fontes trazem importantes
21

impressões da dinâmica do movimento, revelando a forma como o movimento


atuava naquele contexto histórico.
Além destas colunas, utilizamos o Jornal O Povo para melhor
compreender a atuação do movimento na Campanha da Legalidade (1961) e na
Greve do terço (1962), já que este jornal cobriu quase diariamente estes
importantes momentos da atuação política do movimento.
A Universidade Federal do Ceará foi também um lugar bastante visitado.
No arquivo do Conselho Universitário, investigamos as atas das reuniões
ordinárias e extraordinárias do Conselho Universitário (1956-1963). As atas são
importantes para análise dos discursos do movimento, pois nelas encontramos
registros das falas dos representantes dos estudantes, geralmente em discussões
com os outros segmentos universitários. Nelas podemos perceber as nuances da
relação entre o movimento estudantil, a Administração Superior e os professores
da UC, assim como as demandas do movimento, o posicionamento político e as
formas de atuação política no âmbito da Universidade.
Identificamos as posições políticas assumidas pelo Movimento na busca
da satisfação de suas demandas. Analisamos os discursos dos representantes dos
estudantes no período abordado nas pesquisas. As reuniões ordinárias do
Conselho Universitário ocorriam mensalmente, porém, dependendo da
necessidade da Administração Superior eram realizadas reuniões extraordinárias,
como no caso do período em que ocorreu a greve do 1/3.
O Museu de Arte da UFC/MAUC é um espaço que guarda boa parte da
história institucional da UFC. Lá encontramos vestígios através de imagens do
acervo fotográfico da UFC, além de notícias publicadas nos boletins da UC. O
acervo fotográfico da UFC foi criado e conservado com o intuito de preservar a
memória dos “principais” acontecimentos da história da Universidade do Ceará.
Possui fotos do período de 1961 a 1983. Nesta pesquisa, utilizamos as fotos
relativas à Greve do 1/3, a ação política mais importante do MEU no período
analisado. São imagens que trazem visões das manifestações, cartazes, faixas,
entre outras ações e experiências do movimento.
Investigamos a intencionalidade destas fotografias, interpretando o
momento histórico em que este documento produzido se insere, bem como dos
elementos presentes na fotografia. Analisando criticamente os caminhos
percorridos por essa fotografia, bem como as suas possíveis (re) significações.
22

O boletim informativo da UC foi lançado no final de 1956, sendo


considerado o instrumento oficial de comunicação da Universidade. O boletim
era um periódico em formato de revista que publicava notícias da vida
universitária, inclusive relacionadas aos estudantes e ao movimento, transcrições
das Atas do Consuni, além de informes e documentos oficiais do Departamento
de Pessoal da UC. Vale destacar, que estes vestígios estão pela primeira vez
sendo utilizados em uma pesquisa sobre o MEU, apesar de possuírem um valor
formidável para análise da história institucional da Universidade Federal do
Ceará.
As entrevistas com as lideranças resultaram na produção de memórias
sobre atuação do movimento em diversas dimensões. Entrevistamos 07(sete) ex-
militantes2, Utilizamos como critério para escolha dos entrevistados, a efetiva
participação política, levando em consideração os cargos que ocuparam na
estrutura política das entidades. Notamos que as lideranças, sejam do DCE, DA
ou dos grupos predominantes (JUC, PCB, UDN), possuíam uma trajetória que
lhes permitiam perceber com maior amplitude a atuação política do próprio
movimento estudantil.
Vale salientar que o investigador, além de coletar os vestígios do
passado, deve cruzar as pistas a fim de perceber as possíveis contradições e
fortalecer certas percepções que levem a uma melhor análise deste passado. Não
obstante, a análise que segue deve situar-se em certos parâmetros teóricos e
conceituais a fim de possibilitar o diálogo histórico cientifico com o objeto
pesquisado.

O CIENTISTA

Um pragmático volta as costas resolutamente, e de uma vez por todas, a um


monte de hábitos inveterados, caros aos filósofos profissionais. Ele se afasta
da abstração e da insuficiência, das soluções verbais, das más razões a priori,
dos princípios arraigados, dos sistemas fechados e fingidas origens e
verdades absolutas. Ele se volta para o concreto e adequado para os fatos,
para a ação e o poder.(WILLIAM, James in BOORSTIN, 2003, p. 169)

2
04 ex-presidentes de DCE, 01 ex-vice-presidente do CA do curso de Economia, 01 liderança da
Juventude Universitária Católica e secretário da UEE, 01 ex-presidente do DA de Direito e vice-
presidente do DCE.
23

O cientista é a faceta essencial que o historiador deve assumir na prática


de seu ofício. Nesta perspectiva, inicialmente, é preciso esclarecer qual a relação
entre o pesquisador e a Ciência. Não buscamos fazer uma história pragmática,
mas assumimos uma postura pragmática, no sentido em que se estabelece uma
prioridade da experiência vivenciada dos atores, dos acontecimentos e fatos, das
práticas, em relação às construções teóricas e conceituais. Acreditamos que os
conceitos devem se adequar as especificidades do fenômeno pesquisado e não o
contrário.
Outra questão é a compreensão que se tem sobre História. Ao refletir
sobre a historiografia e os métodos científicos da História3, percebemos que as
diversas transformações pelas quais a Clio passou, se relacionam diretamente às
diversas formas como esta ciência ou arte foi percebida ao longo do tempo pelos
próprios historiadores que eram influenciados pelas outras áreas da Ciência.
Atualmente, a História, bastante influenciada pela Antropologia e a Linguística,
está inserida no relativismo cultural, que tem como base filosófica a ideia de que
a realidade é social e culturalmente constituída.
Essa nova concepção de História trouxe diversos desafios e dificuldades
(indefinição de conceitos, fragmentação da História, entre outras), haja vista os
historiadores começarem a penetrar em áreas que não possuíam quase nenhuma
intimidade. Apesar das dificuldades, esta nova História ampliou as
possibilidades da pesquisa histórica. Novas abordagens, novas fontes, novos
métodos, novos problemas foram e são observados na pesquisa histórica atual.
Nesse sentido, acreditamos que nossa pesquisa e a maneira como
encaramos o nosso ofício se inserem na perspectiva da nova História (BURKE,
1992). Dessa forma, compreendemos a necessidade de abordar antigos
problemas de formas diferentes, incorporando elementos teóricos de outras áreas
do conhecimento, como a sociologia, a antropologia e a ciência política.
Considerando os tipos de fontes históricas analisadas na pesquisa,
utilizamos duas técnicas de pesquisa qualitativa: Observação documental e
pesquisa oral. A observação documental relacionada às publicações oficiais (atas
do Consuni e Boletins da UC) e periódicos (jornais). A pesquisa oral relacionada
às entrevistas com as lideranças do MEU.

3
Ver Dosse(2003), Farge(2011), Aróstegui(2003), Burke(1992) e Certeau(2007).
24

A partir do diálogo estabelecido com as fontes e a problemática da


pesquisa, notamos a necessidade de aprofundar nossas reflexões em torno de
alguns conceitos. Considerando o MEU como um ator coletivo, o conceito de
movimento social será importante para compreendermos como aquele
movimento se forma e se constrói na Universidade do Ceará. Nesse sentido,
dialogamos com o sociólogo americano Charles Tilly (2010) e o sociólogo
italiano Alberto Melucci (2001), pois acreditamos que seus parâmetros
conceituais são adequados para explicar a natureza da atuação do MEU enquanto
movimento social.
Por outro lado, percebemos também que o processo histórico que envolve
permanências e mudanças na natureza da atuação política do MEU pode ser
compreendido quando analisamos o processo de transformação de sua cultura
política. Com base nas fontes, acreditamos que o MEU, formado na
Universidade do Ceará, incorporou comportamentos políticos herdados de uma
cultura política constituída em outras entidades estudantis, como o CEC e a
UEE. Nesse sentido, notamos que a cultura política dos estudantes possui
especificidades relacionadas as suas próprias experiências, sem deixar de possuir
forte influência de uma cultura política mais ampla. Dessa forma, entendemos
que existem diversas culturas políticas que podem interagir em um mesmo
tempo e espaço histórico. Para discutir o conceito de cultura política,
dialogaremos com os seguintes autores: Berstein (2009), Dutra (2002) e Motta
(1996).
O conceito de cultura política carrega em si uma diversidade de outros
conceitos que são geralmente abordados na história cultural: tradição, rito, mito,
imaginário, mentalidade, etc... Esta variedade de conceitos surge de uma nova
compreensão em relação ao estudo do Político. Assim sendo, dialogamos com
Remond (2003), desde já, considerando uma maior amplitude do conceito de
Político, que acreditamos está relacionado à luta pelo poder, sua conquista e
legitimação em diversos espaços sociais.
Com o intuito de aprofundar a discussão acerca da cultura política do
MEU, realizamos entrevistas com algumas lideranças do movimento. Na análise
destas memórias, foi necessário dialogarmos com diversos autores que utilizam a
metodologia da História oral e analisam a questão da memória em diversas
perspectivas. Os autores foram Candau (2011), Ricouer (2007), Alberti (1989 ),
25

Jucá (2003), Ansart (2004), Fentress & Wikcham (1992), Pollac (1992), entre
outros.
Não obstante, reiteramos a importância de se valorizar a experiências e
práticas dos atores na construção de sua própria cultura. Ao criticar os
mecanismos teóricos de Althusser, Thompson demonstrou a importância dos
aspectos culturais da sociedade: os costumes, tradições, simbologias e valores
que são incorporados na experiência humana. Nesse sentido, o movimento
estudantil universitário cearense, através das suas consciências e ações, interagiu
com as condicionantes históricas determinadas no seu contexto histórico,
construindo uma cultura própria, e nessa perspectiva cultural, “(...) trata-se, antes
de tudo, de pensar a cultura como um conjunto de significados partilhados e
construídos pelos homens para explicar o mundo (...).”(PESAVENTO, 2005, p.
15)

O ARTESÃO

...cada vez mais historiadores estão começando a perceber que seu trabalho
não reproduz “o que realmente aconteceu”, tanto quanto o representa de um
ponto de vista particular. Para comunicar essa consciência aos leitores de
história, as formas tradicionais de narrativa são inadequadas. Os narradores
históricos necessitam encontrar um modo de se tornarem visíveis em sua
narrativa, não de auto-indulgência, mas advertindo o leitor de que eles não
são oniscientes ou imparciais e que outras interpretações, além das suas, são
possíveis.(BURKE, 1992, p. 337)

Acreditamos que todos os papéis, anteriormente citados, assumidos pelo


historiador, durante o processo de pesquisa, estão em constante interação. Esta
interação fica mais evidente quando ele assume o papel de artesão e quando
realizamos o trabalho manual da escrita, da construção da narrativa histórica, da
reflexão teórica, da montagem da argumentação e das explicações. Neste
momento, o historiador tece, a partir das suas próprias escolhas teóricas,
metodológicas e emocionais, uma história que tem marcada a subjetividade e a
intencionalidade do próprio pesquisador.
Este processo inicia-se com a escolha do título da pesquisa.
Consideramos que a mensagem transmitida no título reflete de forma
emblemática a abordagem histórica que será empregada. “Do CEU ao inferno: O
26

Movimento Estudantil da Universidade do Ceará (1956-1964)”. Ao fazermos


referência à sigla do Clube dos Estudantes Universitário, desejamos destacar a
ideia do espaço como elemento influenciador importante na formação daquele
Movimento. Vale ressaltar, que naquele período a maioria das atividades do
MEU eram realizadas no CEU ou no seu entorno.
A dicotomia CEU/inferno se refere ao recorte e à influência do contexto
histórico. É evidente o crescimento e a maior importância do Movimento
Estudantil no contexto democrático, em que havia certa liberdade e abertura em
relação à participação política dos movimentos e atores sociais. Isso, atrelado à
nova dinâmica da política estudantil estabelecida com a implantação da
Universidade, fez com que observássemos um cenário bastante positivo para
atuação do MEU.
Por outro lado, apesar de não adentrarmos na questão da implantação da
Ditadura e os impactos dela no Movimento, percebemos na historiografia
produzida sobre este momento, um cenário difícil para atuação do MEU.
Perseguições, limitações legais, prisões, torturas, repressão policial, enfim, um
cenário que não fez calar o Movimento, porém dificultou em muitos aspectos a
sua atuação e participação política.
A escrita dos capítulos buscou integrar harmonicamente a narração dos
acontecimentos ao processo de argumentação e explicação histórica.
Entendemos que não escrevemos apenas para nossos pares. Nesse sentido, nos
preocupamos em construir uma narrativa histórica fluida e, ao mesmo tempo,
adequada às exigências das normas acadêmicas que norteiam a pesquisa e a
escrita histórica. Dessa forma, as discussões teóricas, contextuais, análises e
narrativa dos acontecimentos estarão mescladas em cada capítulo, conduzidas
por um mesmo fio condutor, a cultura política do MEU cearense.
Optamos por realizar uma curta introdução em cada capítulo a fim de
expor resumidamente a argumentação, os conceitos e as principais fontes
históricas que foram trabalhados no capítulo. Estas apresentações são
necessárias para situar de uma melhor forma os métodos empregados na
pesquisa e esclarecer os porquês das escolhas feitas pelo pesquisador.
Dividimos o trabalho em três capítulos. No primeiro fizemos referência à
historiografia brasileira relacionada ao Movimento Estudantil. A partir daí
expomos nossa abordagem histórica, ressaltando a importância de refletirmos
27

sobre momentos e experiências históricas do MEU cearense que estavam até


então silenciadas. Criticamos as abordagens tradicionais, que tendem a perceber
o movimento apenas em sua atuação política restrita às passeatas e
manifestações de rua. Destacamos a necessidade de abordar o movimento
estudantil levando em consideração sua historicidade, ampliando o território do
Político e identificando os diversos aspectos que se relacionam à natureza de sua
atuação política, como os aspectos assistenciais, recreativos e religiosos.
Organizamos o primeiro capítulo em três seções. Inicialmente
apresentamos algumas características do MEU antes da instalação da
Universidade. Nesse sentido, começamos discutindo o conceito de cultura
política, identificando algumas especificidades do comportamento político
estudantil do Centro Estudantal Cearense e da União Estadual dos Estudantes
nos anos 1930 e 40. Na segunda seção, refletimos sobre a instalação da
Universidade do Ceará, na década de 1950, e sua importância na constituição de
um novo movimento estudantil. O Diretório Central dos Estudantes, criado em
1956, dois anos após a instalação da UC. Na oportunidade, discutimos o
conceito de movimento social. Acreditamos que o advento da UC, em conjunto
com uma série de influências conjunturais, contribuiu para caracterizar o MEU
como um movimento social.
Para finalizar o primeiro capítulo - encerrando esta reflexão sobre o
processo histórico do MEU cearense - analisamos algumas mudanças que
ocorriam no movimento no final da década de 1950 e início da de 60. Nesse
período, percebemos, através da análise de dois acontecimentos marcantes (a
greve do 1/3 e a campanha da legalidade), o andamento de um processo de
transformação da cultura política do MEU.
O segundo capítulo trará, a partir das fontes jornalísticas, uma análise
sobre as atividades assistenciais, recreativas e religiosas que ocorriam
rotineiramente no espaço universitário e que eram desenvolvidas pelo
movimento. Estas atividades também refletem elementos da historicidade
daquele MEU e aspectos de sua cultura política. Nelas, percebemos a dinâmica
do MEU em relação à Administração Superior da UC, identificando estratégias
de resignificação dos espaços universitários e a importância dessas atividades
para legitimação da representatividade estudantil pelo DCE. Inicialmente,
apresentamos as fontes históricas trabalhadas: os jornais e o Boletim da UC,
28

periódico oficial da Universidade. Contextualizando-as naquela conjuntura


histórica e expondo os objetivos dessa análise.
Na primeira seção do capítulo, focamos o aspecto do lazer e da
recreação. Ressaltamos principalmente as atividades de lazer realizadas no CEU,
como as tertúlias e eleições de Miss. Também destacamos a realização dos jogos
universitários. Analisamos estas atividades sobre o prisma da história cultural e
política, identificando assim, as relações entre as ações recreativas e a ação
política do MEU. Em seguida, destacamos o aspecto assistencialista do MEU.
Ele refletirá claramente as relações entre o movimento e a Administração
Superior da UC. Percebemos os usos políticos dessas atividades tanto pela
Administração Superior quanto pelo MEU. Ações assistenciais relacionadas aos
serviços de alimentação, de assistência médica e de moradia que eram
financiados pela Universidade e de certa forma gerenciadas pelo MEU.
Nas duas últimas seções do capítulo, identificamos dois aspectos que
também marcaram a atuação do MEU naquele período. O comunicacional e o
religioso. Considerando as diminutas fontes históricas relacionadas ao aspecto
comunicacional, demos a ele um caráter mais ilustrativo. No caso do aspecto
religioso, constatamos a importância da religião católica no meio estudantil ao
identificar a atuação da Juventude Universitária Católica nessas ações.
Por fim, analisamos no terceiro capítulo as memórias das lideranças
entrevistadas. Apresentamos, inicialmente, uma discussão teórica acerca das
fontes orais e de suas possibilidades de uso na pesquisa. Destacamos a forma
dialógica como esta fonte é construída e ressaltamos a necessidade de ir além da
simples análise das narrativas dos entrevistados. É necessário também analisar
os aspectos relacionados à constituição das memórias. Nesse sentido, da relação
entre a memória coletiva e a individual nascem dimensões memoriais.
Dimensões que revelam aspectos semelhantes relacionados à memória do grupo
de militantes. Identificamos quatro dimensões memoriais: conciliação,
reconhecimento, disputas e práticas políticas e ressentimento.
Cada seção versou sobre uma dimensão memorial. Na primeira,
analisamos memórias que trouxeram à tona uma percepção de conciliação entre
os grupos que disputavam a liderança do movimento e entre o MEU e a
Administração Superior da UC. Na segunda seção, reinterpretamos as memórias
que fizeram referências à questão do reconhecimento relativo à importância do
29

movimento e da atuação dos militantes. Entendemos que o reconhecimento tem


relação com a ideia de identidade ou construção de uma determinada identidade
individual e grupal. Na terceira, analisamos a dimensão que faz referência às
disputas e práticas políticas. Percebemos que a memória de alguns militantes
ainda é um campo vivo de disputas. Essas memórias trouxeram mais claramente
elementos para a análise da cultura política do MEU. Na quarta e última seção,
exploramos a dimensão dos ressentimentos. A construção afetiva das memórias.
Estas memórias nos fizeram perceber a importância das emoções relacionadas à
constituição da própria memória. Considerando a insipiente produção
historiográfica acerca desse assunto, aprofundamos esta discussão teórica.
30

1º CAPÍTULO

1 O Movimento Estudantil e a Universidade do Ceará: uma nova abordagem histórica

Quando nos debruçamos mais intensamente sobre a bibliografia


relacionada à história da participação política dos estudantes, geralmente,
percebemos que prevalecem pesquisas que enfocam o movimento nas ruas, nos
confrontos, nas manifestações e nas passeatas. Raro encontrar estudos que
abordem o movimento estudantil atuando internamente nas instituições
universitárias, disputando e construindo espaços políticos com outros atores
sociais.
Mais raro ainda é a discussão acerca da formação desses movimentos
dentro das Universidades. Ao analisar as já tradicionais abordagens da
historiografia do movimento, incluindo as mais recentes obras, notamos que
ainda persistem algumas escolhas metodológicas e conceituais que provocam
limitações no sentido de se analisar o movimento estudantil com novas
abordagens, novas fontes ou métodos apesar de reconhecermos que alguns
estudos contribuíram e ainda contribuem para ampliarmos nossa percepção sobre
o tema.
Há alguns autores que fazem parte da lista bibliográfica básica para
qualquer discussão que aborda o movimento estudantil brasileiro, entre eles
podemos destacar três que representam inovações explicativas na análise do
movimento estudantil. Vale salientar que apesar de trazerem elementos
inovadores para a análise do movimento estudantil, eles não deixaram de
alimentar uma espécie de “padrão” explicativo que fortalece uma cultura
historiográfica fomentadora de percepções generalizantes acerca do tema,
corroborando o mito do movimento estudantil4.
Martins Filho (1987) é um dos principais autores, pois foi um dos
primeiros que contestou a idealização do estudante brasileiro nas explicações
históricas que levavam em consideração as contradições de classe (POENER,

4
Para Martins Filho(2007) o mito do movimento estudantil pode ser resumido numa frase: “Os estudantes
sempre estiveram ao lado do povo brasileiro em todas as suas lutas”. Na realidade boa parte da
historiografia sobre o movimento, de alguma forma idealiza a figura do jovem estudante em sua “luta
pelos direitos do povo” e pelos “ideais de liberdade e de justiça”.
31

1979), a condição de vanguarda (CHASIN, 1961) ou a condição de Jovem


(IANI, 1978) dos estudantes para explicar a atuação política estudantil.
Para Martins, estas explicações não davam conta da complexidade do
objeto, pois o estudante não poderia ser considerado como classe social, e sim
uma categoria social5. Sem aprofundar a discussão em relação à diferença de
conceitos, vale salientar que a condição de categoria social assimila elementos
da classe social, porém, também assimila características que estão situadas em
seu específico ambiente social e psicológico, como por exemplo: sua relação de
dependência com a família, sua expectativa em relação à Universidade, etc...
Foracchi (1977) forneceu uma das bases conceituais que Martins Filho
empregou em sua análise. A autora inovou ao perceber as condições sociais e
psicológicas específicas que permeavam o ambiente social do estudante
universitário. Ela considerou, além da relação do estudante com sua família, a
sua percepção acerca do projeto de carreira profissional.
Sem deixar de lado a influência que a classe social tem sobre o sujeito
que nela se encontra inserido, a autora chama atenção para o ambiente
universitário no qual o estudante está mergulhado, considerando sua influência
no que tange à reformulação de valores, redefinição de interesses e
equacionamento de experiências.
Para completar a tríade, Albuquerque (1977), ao pesquisar sobre a
atuação política do movimento, reconhece a influência da experiência
universitária no sentido de impor exigências, normas de ação e valores que
definem novas situações e fazem com que estes jovens construam uma relação
com o movimento estudantil sem deixar de lado um projeto pessoal específico.
Nessa perspectiva, o autor reforça o sentido dado pelo ator social a sua
participação no movimento estudantil.
Evidentemente que a clássica ou tradicional literatura historiográfica6 e
sociológica sobre o tema possui uma gama maior de autores, porém

5
Martins Filho fundamentou sua interpretação com base no conceito de categoria social elaborado por
Nicos Poulantzas: “as categorias sociais têm elas mesmas uma adscrição de classe: estas categorias não
são grupos “à margem” ou “fora” das classes, como tampouco são, como tal, classes sociais”.
6
Como o termo historiografia tradicional ou clássica em relação ao estudo do movimento será algumas
vezes repetidos durante o texto, faz-se necessário dizer ao que esse termo se refere: a maioria das análises
sobre o movimento de alguma forma reforçou a idealização política dos estudantes e ressaltou sua
“potencialidade revolucionária”, além de valorizar generalizações acerca das condicionantes de suas
ações contestadoras, que seriam ou a sua condição de jovem ou sua condição de classe social. Apesar das
contribuições significativas dessas pesquisas, podemos citar como estudos tradicionais: Movimento
32

consideramos estes três inovadores no sentido de contestar as outras análises


clássicas que geralmente tentam explicar a participação política dos estudantes
universitários a partir de uma idealização de características que estavam
intrinsecamente relacionadas à condição de jovem ou estudante, como as
características de contestador, rebelde ou revolucionário.
Como expressamos anteriormente, apesar das inovações, estes autores
continuaram a reforçar certos estigmas que povoam as análises acerca do
movimento. Mesmo o movimento estudantil sendo um objeto histórico
complexo, estas análises tentam construir matrizes explicativas gerais
considerando períodos e espaços específicos, no caso, o movimento estudantil
do sudeste (principalmente Rio de Janeiro) e o período de 1964 a 1968. Não
levando em conta que as diferentes condições de espaço (tradições, valores,
comportamentos do local, por exemplo) e do tempo (conjuntura sócio-histórica
do período abordado, por exemplo) são influências fundamentais para a
compreensão do fenômeno.
Nas duas últimas décadas, foram realizadas diversas pesquisas
acadêmicas sobre a atuação dos movimentos estudantis, em diversos estados
brasileiros. Estes estudos corroboraram a utilização de novos métodos, fontes e
abordagens históricas que trouxeram valiosas contribuições para a construção de
uma renovada historiográfica do movimento estudantil, revelando momentos e
experiências históricas até então submersas no oceano mitológico alimentado
pela tradicional historiografia.
Entre as recentes contribuições, podemos destacar os trabalhos sobre o
movimento no Piauí, abordando entre outros aspectos, a desconstrução do
movimento estudantil enquanto categoria histórica (CAVALCANTE JÚNIOR,
2007) e a construção da cultura e memória política do movimento (VALE
JUNIOR, 2010), considerando especificidades locais. Também de grande valia,
o trabalho acerca do movimento estudantil baiano, que discute a relação entre a
Instituição Universitária e a participação política do movimento (BRITO, 2008).
Além destes, fazemos referência aos trabalhos sobre o movimento potiguar
(SILVA, 1989) e amazonense (FRAGA, 1996) que trazem em comum com os

Estudantil no Brasil(ALMEIDA JR., 1981), 1968: O movimento estudantil e a passagem para a luta
armada(CARDOSO), A UNE na resistência ao golpe de 64(SANFELICE, 1987), UNE: instrumento de
subversão(SEGANFREDO, 1963); O poder jovem(POERNER, 1968), entre outros.
33

outros a revisão historiográfica acerca das análises generalizantes do movimento


estudantil brasileiro.
No Ceará, Braulio Ramalho (2002) realizou ampla pesquisa sobre a
história do movimento estudantil tanto secundarista quanto universitário. Apesar
de sua problematização se situar no período já “padronizado” de 1964-68, época
em que atuou como militante, o autor traz uma enorme quantidade de nomes e
fatos acerca do movimento desde 1928 até 1968. Apesar de fortalecer em certos
aspectos a ideia do mito, sua obra é referência fundamental para qualquer
pesquisa acerca do movimento cearense.
Os recentes trabalhos de Moreira (2006), Muniz (1997), Maia (2008) e
Portugal (2008) trazem elementos inovadores para a compreensão do movimento
estudantil cearense. Altemar Muniz e Afonsina Moreira lançam luzes sobre o
movimento estudantil durante o período varguista, trazendo elementos de uma
cultura política estudantil que divergem do ideal generalizante do estudante
contestador e revolucionário. Edmilson Maia aborda o período logo anterior ao
ano de 1968 e Portugal, o logo posterior. Apesar de não saírem da
“padronização” temporal da análise tradicional, os autores conseguiram revelar a
importância das especificidades do movimento cearense, pois abordam as
expressões culturais e lúdicas presentes nas formas de resistência à ditadura, seja
na ênfase dada às passeatas dos bichos (calouros) ou mesmo na construção de
novas formatações institucionais de representatividade política dos estudantes,
dentro da universidade.
Vale destacar também, na área da História da Educação, a tese de
doutoramento de Araújo(2006), a autora aborda a participação política do
movimento estudantil na Universidade Estadual do Ceará, considerando as
especificidades das relações entre o movimento, a universidade e as políticas de
Educação superior.
Por tudo que foi acima apresentado acerca da historiografia do
movimento, acreditamos que é necessário adotar uma nova abordagem histórica
para o movimento estudantil. Esta abordagem tem haver com uma questão
extremamente atual no campo da história, “refere-se hoje aos estudos das
diferentes realidades sociais que compõem o conjunto do país – cada qual com
seus problemas e determinações que não podem ser vistos do centro sem perder
seu significado amplo”. (IOKOI in SOUZA, 2000, p. 07)
34

Não conseguimos ver a floresta quando focamos nosso olhar apenas nas
árvores. A Universidade era o lócus privilegiado da atuação do movimento
estudantil. Nesse sentido é fundamental compreender sua relação com a atuação
do movimento. Compreendemos que a história do movimento estudantil na
Universidade do Ceará revela um microcosmo singular de disputa e conflito
político, de lazer e assistência, de solidariedade e cumplicidade. Indicando que a
formação desse novo movimento social7 se relaciona fortemente com seu
ambiente mais “íntimo”, no caso, a Universidade.
Este ambiente será reconstruído e interpretado por fontes diversas, como
as atas do Conselho Universitário, que nos permitirão demonstrar que, no
processo de construção do movimento, a Administração Superior da
Universidade passará da condição de apoiador e “amigo” do movimento, para
condição de principal rival no processo da luta política estudantil.
Por outro lado, compreendemos também que o movimento estudantil que
se forma a partir da criação da Universidade do Ceará, logo se torna um
importante movimento social na cidade de Fortaleza. O espaço físico e
simbólico da universidade é transformado a partir da interação com os
estudantes, que naquele momento, começam a ser denominados, mais
constantemente, como universitários e não mais acadêmicos.
O DCE e a UEE são os espaços privilegiados da institucionalização da
representatividade política dos estudantes universitários. Vale salientar que
qualquer proposta política para ter audiência mais ampla e efetiva com o corpo
discente da Universidade do Ceará teria obrigatoriamente que passar pelo crivo
do DCE.
Perceberemos que tanto o contexto histórico do período como a realidade
vivenciada por estes estudantes nesse novo espaço serão influências
fundamentais para a formação desse novo movimento social. Nessa perspectiva,
utilizando uma nova abordagem, acreditamos que interpretar o processo
histórico do MEU, relacionando-o ao espaço da Universidade e da cidade de

7
Compreendemos o movimento social como uma ação coletiva que possui características especificas que
o singularizam. Nesse sentido, as contribuições teóricas dos cientistas sociais Alberto Melucci e Charles
Tilly serão fundamentais para avançarmos na reflexão sobre o conceito e o processo de formação de um
movimento social. Estes autores representam duas das principais renovações sobre o estudo dos
movimentos sociais. Na segunda seção deste capítulo ampliaremos o debate em torno do conceito de
movimento social e o movimento estudantil cearense.
35

Fortaleza traz novas percepções e elementos que possibilitam novas


interpretações acerca do movimento estudantil.
. A realização de festas, missas, jogos esportivos, passeatas, greves são
momentos que fazem parte de uma história iniciada em 1956, com a criação do
DCE da Universidade do Ceará. Organização unificadora dos diversos diretórios
acadêmicos dos cursos superiores, sua história se confunde com a própria
história da Universidade, em que os diversos cursos que existiam em Fortaleza
foram integrados.
Nesse período, constitui-se uma nova dinâmica do movimento estudantil
cearense. Uma dinâmica que envolve novas formas de atuação política, cultural
e assistencial. Estabelecimento de outros modos de se relacionar com os atores
sociais. A proeminência de novos grupos políticos que disputavam a liderança
do movimento e traziam novas ideias e práticas específicas de suas experiências.
Outra relação com a Administração Superior da Universidade. Enfim, outras
formas do movimento estudantil viver no mundo que o rodeia, de senti-lo, de
expressá-lo e de contra ele, se revoltar.

1.1 Vanguardeiros dos Movimentos Democráticos em Fortaleza: União


Estadual dos Estudantes/UEE e traços de uma cultura política estudantil cearense nas
décadas de 1940 e 50

“VANGUARDEIROS DOS MOVIMENTOS DEMOCRÁTICOS EM


FORTALEZA”
O presidente da “União Estadual dos Estudantes” concede uma entrevista ao
O povo – A “semana universitária” e a visita do cel. Magalhães Barata
(...) a palavra do Presidente da U.E.E
Falando a reportagem deste vespertino, pela manhã de hoje, o presidente da
UEE, acadêmico Gilson Leite Gondim, declarou o seguinte:
- “ocupando a sua verdadeira posição de vanguardeira dos movimentos
democráticos do povo cearense, a União Estudantil integrada na orientação
da UNE e em apoio à política exterior do presidente Getúlio Vargas, vem
realizando notáveis campanhas, em nosso meio social A “semana
universitária”, por exemplo, não consistirá apenas numa série de
comemorações estudantis. A grande sessão pública contra o fascismo, que
assinalará a abertura da semana evidencia, claramente, o sentido elevado da
nossa atitude. A UEE está disposta, ainda, a cimentar, cada vez mais, a
unidade acadêmica, e levará ao bom termo nesse objetivo.”(O Povo,
11/02/1943:1)
36

Ao abordarmos a cultura política8 estudantil dentro de pressupostos


culturalistas9, entendemos que as tradições e valores têm importância decisiva
para o funcionamento das organizações políticas. Nesta perspectiva, a relação de
causalidade entre as atitudes frente ao sistema político e social e o próprio
funcionamento de organizações leva-nos a esperar que elas possuam níveis mais
altos de adesão afetiva e aumentem as chances de sobrevivência de um
determinado sistema político e social.
As organizações da política estudantil cearense, como CEC10 e a UEE
parecem refletir essa condição contraditória ao assumir um discurso defensor da
democracia e ao mesmo tempo demonstrar uma adesão afetiva em relação ao
sistema político autoritário vigente. Consideramos que a cultura política
estudantil cearense é fruto das conexões entre as dimensões micro e macro
políticas. Nesse sentido é revelador observar as expressões políticas que nascem
da relação entre valores, motivações e atitudes dos estudantes frente ao poder
político local.
Apesar da criação da União Estadual dos Estudantes estar inserida em um
contexto de luta pela redemocratização política no Brasil e da luta contra o
fascismo a nível mundial, em que os estudantes eram considerados os
“vanguardeiros”, ela continuava a representar e a reproduzir uma cultura que
possuía traços de elitismo11 e conservadorismo12. Acreditamos que esta cultura

8
No âmbito desta pesquisa, quando nos referimos a cultura política, estamos fazendo referência “ao
conjunto de atitudes, crenças e sentimentos que dão ordem e significado a um processo político, pondo
em evidência as regras e pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores.”(KUSCHNIR,
Karina e CARNEIRO, Leandro Piquet, 1999, p. 227).
9
Nessa perspectiva cultura política refere-se a uma variedade de atitudes, crenças e valores políticos,
como orgulho nacional, participação e interesse por política, que influencia o envolvimento das pessoas
com a política. Geralmente, essas orientações têm longa duração no tempo, Mas isso não quer dizer que
transformações e mudanças de orientação não possam ocorrer, por conta da pressão de efeitos de
transformações geracionais ou de processos de modernização econômica e social sobre os valores
políticos. (MOISÉS, 2008)
10
É importante ressaltar que até a criação da UEE em 1942, “cabia ao Centro Estudantal Cearense a
representação dos discentes do ensino colegial, ginasial e também dos universitários. Contudo, mesmo
com a atuação da entidade estudantil universitária UEE, registra-se em variados momentos a participação
de estudantes de cursos superiores no cotidiano do Centro Estudantal. Inclusive compondo a estrutura e
direção do mesmo” (MOREIRA, 2006, p.21)
11
O termo elitismo aqui empregado foge um pouco ao conceito proveniente da teoria das elites, apesar
de incorporar a ideia de prevalência de uma minoria que detém certo status e poder. Nesse sentido, nossa
interpretação indica que os estudantes se viam ainda como uma minoria (de fato era) de pessoas que
representavam a legitimação do poder intelectual e científico frente a falta de saber da grande maioria da
população.
12
O termo conservadorismo é empregado, a partir da nossa interpretação, no sentido de que o movimento
estudantil estava fortemente integrado aos valores da sociedade fortalezense e de suas tradições, ou seja,
ainda não percebemos no movimento um efetivo caráter contestador ou progressista.
37

começou a se transformar por conta do novo contexto sócio-político brasileiro e


das novas experiências vivenciadas pelos estudantes da primeira Universidade
cearense, no final da década de 1950 e início dos 60.
O processo de esquerdização13 do movimento estudantil, já apontado por
vários autores, aconteceu no movimento cearense, só que de maneira lenta e
gradual. Ele trouxe uma reviravolta política interna promovendo mudanças
comportamentais e políticas. Algumas dessas mudanças vão além do aspecto
político, inserindo-se também nos habitus de consumo de uma cultura jovem
relacionada às novas linguagens, novos costumes e padrões estéticos.
Em Fortaleza, também observamos um número significativo de
mudanças, mesmo percebendo a persistência de variadas expressões de
convivência “harmoniosa” entre as diferentes gerações nos anos finais dos 1950
e no início da década de 1960. Nessa perspectiva, ao analisarmos fontes
históricas acerca da relação entre o DCE e a Administração Superior da
Universidade, percebemos uma harmonia e até mesmo certa subserviência por
parte do DCE.
Vários estudos indicam que os limites de liberdade dos jovens foram se
ampliando à medida que ocorreu uma maior divisão social do trabalho, uma
maior complexificação das estruturas sociais. Evidentemente, isso não ocorreu
na mesma velocidade em todo o território brasileiro, que é notadamente eivado
de desigualdades regionais.
A realidade social cearense na década de 1940 e 50, apesar de já
apresentar traços da “modernidade”, formando e solidificando suas paisagens de
consumo14, era marcada por uma presença de estruturas e costumes rurais, em
que as tradições representadas pelas gerações mais velhas ainda eram
consideradas o modelo a ser adotado.
Em parte, o perfil político do movimento estudantil e de suas
organizações representativas no Ceará, seja secundarista ou universitária, foi
marcado por um processo de incorporação de representações, imaginários,
tradições e costumes que foram herdados de gerações estudantis mais velhas.
Esta condição, atrelada ao sistema político autoritário vigente, fomentou a

13
O processo de esquerdização diz respeito à crescente politização do movimento estudantil que cada vez
mais assumia compromissos com as ações e reformas progressistas, no início da década de 1960.
14
Segundo Silva Filho (2002) percebe-se em Fortaleza do pós-guerra, uma já precária modernidade,
especialmente nos apelos ao consumo, mudanças de hábito e de comportamento.
38

valorização e permanência de uma identidade15 baseada na tradição16. Podemos


perceber esta realidade, por exemplo, em uma nota publicada por uma chapa que
disputava a eleição para presidência do CEC, órgão mais importante do
movimento cearense nas décadas de 1930 e 40.

(...) Atravessamos uma época de deslealdade; o que se tem mencionado até


aqui não é o que se tem posto em execução. PRATICA-SE O QUE SE
PENSA E NÃO O QUE SE DIZ.
A “realidade centrista” tão exaltada pelos atuais “defensores” do Centro
Estudantal Cearense, reduz-se a censuráveis privilégios pessoais e
monopolização dos direitos da classe.
O “comitê pró-renascimento centrista”, seguindo as diretrizes traçadas pelo
iminente presidente Getúlio Vargas, executa suas ordens, quando diz: “O
ESTADO NOVO NÃO RECONHECE DIREITOS CONTRA A
COLETIVIDADE. OS INDIVÍDUOS NÃO TÊM DIREITOS, TÊM
DEVERES, OS DIREITOS PERTENCEM A COLETIVIDADE.”
Estamos cultivando o ideal democrático. Cerramos fileiras em torno do
Governo Nacional e combatemos sem tréguas os inimigos internos e
externos de Deus, da Democracia, da Pátria e da Liberdade.
(...) Lutamos apoiados nos vanguardeiros da mocidade cearense,
representados na figura eminente de S. Exa, o interventor Menezes Pimentel,
no pensamento sábio de concórdia do Sr. Capitão Góis Ferreira, Secretário
de Segurança Pública e no apoio moral e material da quase totalidade dos
Srs. Diretores e professores dos colégios(...)(O povo, 15/10/1942:1)

A nota acima transcrita representa a opinião de grupo político


oposicionista que disputava uma eleição. É até natural a parte das críticas e
acusações. No entanto, o que nos chama a atenção é a louvação às “autoridades
constituídas” e também a defesa do ideário estado novista de Vargas. Segundo
Muniz, contestando a mitificação do ME, “a colaboração destacada de uma
entidade estudantil numa política governamental autoritária, despolitizadora dos
movimentos reivindicatórios e que torna-os instrumento de preservação desta,
segundo esta mística, seria algo inverossímil.”(MUNIZ, 1997, p. 2)
Mesmo que a historiografia tradicional deixe transparecer um caráter
contestador e progressista, as UEE´s, organizações criadas para representar e
unificar politicamente os estudantes nos moldes da União Nacional dos
Estudantes/UNE; em muitos Estados, assim como no caso do Ceará guardavam
o ranço do elitismo e conservadorismo, traços característicos da cultura política

15
Para efeito desta pesquisa, consideramos “identidade” do Movimento Estudantil Universitário como a
forma pela qual ele se posicionará em relação às instituições e maneira como ele se comportará nas
diversas situações sociais impostas pelo ambiente político, cultural e social no qual ele se encontra.
16
Nesta pesquisa, entendemos “tradição” como produto do passado que continua a ser aceito e
influenciador do presente. Nesse sentido, será o conjunto de práticas e valores fundamentados nos
costumes do Movimento Estudantil Universitário cearense.
39

estudantil universitária que já era cultivada em Fortaleza, principalmente nas


faculdades de Direito e Medicina.
É fácil percebermos nas fontes jornalísticas essa condição. Na maioria
das atividades desenvolvidas pela UEE, que ganhavam destaque na Imprensa
local, existem momentos de homenagem às figuras políticas importantes do
Ceará, que representavam posições conservadoras e de sustentação do status
quo, em sua maioria, personagens que futuramente iriam defender e louvar a
“revolução” de 1964.

União Estadual dos Estudantes

A comissão abaixo tem a honra de convidar V.Exmo e Exma. família a


comparecerem à sessão da instalação oficial da União Estadual dos
Estudantes e de posse de sua primeira Diretoria. Essa sessão que será
presidida pelo Sr. Cap. José Góis de Campos Barros, Secretário de Polícia e
Segurança Pública, realizar-se-á no Salão Nobre da Faculdade de Direito às
16 horas de domingo próximo. (Gazeta de Notícias, 12/12/1942:5)

O fato do evento de instalação e de posse da primeira diretoria da UEE


ter como presidente da mesa o chefe da polícia e segurança pública parece ser
bastante contraditório em relação ao imaginário contestador que foi criado por
boa parte da historiografia brasileira em relação à atuação política dos
estudantes. No entanto, ao situarmos o movimento em seu contexto histórico,
percebemos que a participação do chefe de polícia no evento caracteriza uma
especificidade da cultura política dos acadêmicos cearenses naquele período.
Acreditamos que essa característica diz respeito a uma visão de
sociedade e do lugar que ocupa o acadêmico e da própria natureza dos conflitos
e disputas pelo poder, que acaba sendo partilhada pelos integrantes da UEE. São
representações e valores ligados a uma auto percepção de futuro grupo dirigente
e elite intelectual, responsáveis diretos pelo desenvolvimento do Estado. E nessa
perspectiva, os estudantes devem estar ao lado dos sujeitos que fazem parte do
então poder político dominante. Em alguns momentos até podendo contestá-los,
porém sempre mantendo certo respeito, certa obediência e até certa reverência.

COMO FOI COMEMORADO O ANIVERSÁRIO DO PRESIDENTE


GETÚLIO VARGAS
O Chefe do Governo Nacional recebe expressivas manifestações de todo
povo cearense, entre elas, (...) o “Salão de Abril”, à Rua Major Facundo, no
prédio onde funcionou a antiga livraria comercial, foi inaugurada, as 13
horas, a exposição pictórica promovida pela União Estadual dos Estudantes
40

e a que foi dado o expressivo nome “Salão de Abril”...(Gazeta de Notícias,


21/04/1943:3)

Ao buscar identificar nos jornais os acontecimentos relevantes e tentar


reconstruir capítulos da história da atuação da UEE nas décadas de 1940 e 50,
temos consciência que as fontes, apesar de serem válidas em parte, nunca dão
conta inteiramente das percepções cuja existência constatam. Nesse sentido,
observamos que, ao homenagear figuras políticas de relevância nacional, no caso
o presidente Vargas, a UEE expressa também especificidades de um ambiente
político “controlado”, em que valores como disciplina e respeito à hierarquia
eram considerados normais para o ideal de estudante.
Entendemos que esses comportamentos políticos por parte da UEE fazem
parte de uma cultura política que foi construída ao longo da existência das
escolas superiores cearenses. Já na década de 1920, há notícias que dão conta da
proximidade e aparente boa relação dos centros acadêmicos com as forças
políticas dominantes.

A festa estudantal de amanhã ao presidente do Estado


A homenagem que amanhã as classes estudantis do Ceará, lideradas pelo
Centro Acadêmico Farias Brito, vão prestar ao Presidente Dr. Matos Peixoto
será uma das mais expressivas, já pelos elementos que a promovem, já pelo
vulto que a mesma tomará... (Diário do Ceará, 13/07/1928:4)

Ao trazermos elementos de uma cultura política estudantil cearense que


contradiz o senso comum das idealizações comumente observadas na tradicional
historiografia do movimento estudantil, não queremos defender a inexistência de
outras práticas e discursos que possibilitem a percepção de outras tendências
dentro do movimento estudantil ligado à UEE.
Braulio (2002) e Muniz (1997) destacam a participação da UEE em ações
que indicam certa atitude contestatória. Acreditamos que estas características do
movimento também se encontram ligadas a uma visão utilitarista das relações
com os poderes públicos constituídos. Nesse sentido, seria importante adotar
posturas que possibilitem atingir os objetivos específicos da classe estudantil,
como por exemplo: a construção da Casa do Estudante Pobre, meia-passagem
nos bondes, etc...
Não obstante, parece que as ações coletivas realizadas no âmbito do CEC
e da UEE, órgãos que representavam tanto secundaristas quanto universitários,
41

refletem especificidades de uma cultura política própria, que é constituída a


partir de variados traços comportamentais contraditórios. Estes traços apontam
para um objeto de estudo complexo, onde pode se comprovar que as explicações
generalizantes não possibilitam perceber de forma efetiva a natureza destas
experiências políticas.
Através das fontes, podemos constatar outro traço importante da cultura
política estudantil: a autoimagem de vanguarda cultural, uma espécie de elite
cultural.
As próprias denominações dos Diretórios Acadêmicos do período
refletem esta realidade. Na Faculdade de Direito, o DA Clóvis Beviláqua, nome
de um “imortal”, historiador e jurista, um dos principais representantes da
intelectualidade cearense, de sua época. Na Faculdade de Agronomia, o DA Dias
da Rocha, faz referência ao professor catedrático, naturalista e escritor que além
de criar um Museu de História Natural, pertencia ao Instituto Histórico do Ceará.
Na Faculdade de Filosofia, o DA São Tomás de Aquino, nome de um dos
principais expoentes da cultura e pensamento relacionado à filosofia cristã.
Assim acontecia na maioria dos diretórios acadêmicos da cidade naquele
período.
Não é de se estranhar que uma das grandes bandeiras levantadas pela
UEE nesse período diz respeito à instalação da Escola de Belas Artes, em
Fortaleza. Dentro dessa auto percepção de vanguarda cultural, os estudantes
acreditavam que esta Escola seria o grande centro aglutinador das variadas e
importantes expressões artísticas e culturais que já vinham sendo desenvolvidas
pela classe estudantil nas diversas escolas superiores e organizações
representativas dos estudantes, como o CEC e a UEE.

Tudo pela Escola de Belas Artes do Ceará!


A frente desse movimento a União Estadual dos Estudantes
A idéia de fundação de uma escola de belas artes em Fortaleza tem sido uma
das maiores preocupações dos gestores da União Estadual dos Estudantes. A
iniciativa foi discutida em sucessivos congressos da UEE, encontrando, em
todas as oportunidades uma receptividade indicadora de uma possível
concretização. Sobretudo, animava os seus idealizadores a circunstância de
Fortaleza já possuir um ambiente artístico desenvolvido, capaz portanto de
comportar uma escola de belas artes para atender às exigências do nosso
movimento artístico cultural e abrigar as mais promissoras vocações do
nosso meio...(OPovo, 04/01/1952:1)
42

Supomos que essa percepção de vanguarda cultural persiste desde os


antigos grêmios literários existentes em escolas e centros acadêmicos que tinham
finalidades meramente literárias e artísticas. Mesmo em um momento de relativa
liberdade política, aonde poderia ser desenvolvido atividades de maior
engajamento político e social, os acadêmicos optaram por levantar outras
bandeiras.
Não obstante, é preciso observar que naquele momento, ainda não era
possível considerar o movimento estudantil cearense como um verdadeiro
movimento social, nem na perspectiva da clássica conceituação de enfoque
marxista, nem na perspectiva das novas teorias sobre movimentos sociais17.
Avaliamos que aquele movimento era uma ação coletiva18, porém, como
observaremos posteriormente, nem toda ação coletiva pode ser considerada um
movimento social.
Entendemos que as condições objetivas fomentadoras da formação de um
movimento estudantil universitário cearense, como um movimento social em
sentido estrito, serão encontradas a partir da criação da Universidade do Ceará.
Oportuno ressaltar, que no período anterior à instalação da Universidade,
existem indicativos que a UEE não conseguia mais ter grande representatividade
junto aos diretórios acadêmicos das escolas superiores do Ceará, situação que
sugere certa instabilidade e descontinuidade, características presentes em
organizações que realizam ações coletivas, mas não como movimento social em
sentido estrito.

O Congresso dos estudantes e a UEE


(...) Nesta hora em que o Ceará recebe a sua Universidade, apanágio de um
progresso intelectual avançado, falta-nos um órgão que congregue os

17
Maria G. Gohn, uma das principais referências nos estudos dos movimentos sociais brasileiros,
diferencia quatro grandes paradigmas de movimentos sociais, a saber: o marxista, o norte-americano, o
dos novos movimentos sociais e o latino-americano. Concisamente, a autora explica que no modelo
marxista e clássico, o conceito de movimento social tem haver com a mobilização de massas humanas
ávidas por mudança social. Geralmente, estas massas mobilizavam-se nos períodos em que as condições
objetivas (materiais) fossem propícias, ou seja, em períodos de crises econômicas. Nas construções
teóricas recentes, principalmente de estudiosos europeus, passaram a ser produzidas novas abordagens
que remetiam, fundamentalmente, a novas dimensões da mobilização dos atores sociais. Passou-se a
observar elementos culturais, a solidariedade, as lutas sociais cotidianas, os processos de construção de
identidades, etc.. (GOHN, 2000).
18
Segundo Melucci, a ação coletiva deve ser considerada como uma interação de objetivos e obstáculos,
como uma orientação intencional que é estabelecida dentro de um sistema de oportunidade e coerções. Os
movimentos são sistemas de ação que operam num campo sistêmico de possibilidade e limites. É nesse
sentido que a organização se torna um campo crítico de observação, um nível analítico que não pode ser
ignorada. (Melucci, 2001, p. 52)
43

universitários para incentivo e criação do espírito universitário, pois sem


esse desaparece uma das principais finalidades de uma Universidade.
A UEE encontra-se nesse estado atual pela simples razão de haver faltado a
seus presidentes essa norma de ação: Realizar. Mas realizar algo de
concreto. Algo de aproveitável e perene. Mas nada fizeram. Tiveram apenas
a preocupação de sugarem, mesmo pela inércia e omissão, o pouco que tinha
a nossa sociedade. E ainda, em virtude do desconhecimento de suas
finalidades por parte dos últimos dirigentes, dando provas de que eles
desconhecem a responsabilidade que tomaram e o descrédito que tinham nos
que neles confiavam.
O congresso de 1955, o primeiro sobre a égide da Universidade, deverá
ocupar-se antes de tudo com a UEE, pois não se admite uma família
universitária desprovida de um órgão que enfeixe suas aspirações e procure
solucionar seus problemas. (Gazeta de Notícias 17/04/1955:4)

A nota escrita por um acadêmico do Curso de Agronomia pode refletir


apenas uma posição contrária ao grupo da situação dentro da UEE, haja vista a
proximidade das disputas eleitorais que aconteceriam no congresso estadual. No
entanto, após declarações tão fortes, é de se estranhar não ter ocorrido uma nota
de resposta da direção da UEE nas edições posteriores dos periódicos. Além
disso, existem outras notas publicadas no mesmo período informando sobre a
grave situação política e financeira que vivia a UEE.
Apesar do objetivo principal deste trabalho não ser a atuação política da
UEE no movimento estudantil nas décadas de 1940 e 50, destacamos que assim
como o CEC, a UEE foi uma importante organização representativa dos
estudantes cearenses. As fontes não escondem isto. Porém, através delas
também, podemos perceber que sua influência política no ME ainda não havia
levado à criação de um movimento social em sentido estrito.
O movimento estudantil universitário cearense, nas décadas de 1940 e
50, parece refletir uma diversidade de objetivos, necessidades, valores, tradições
e imaginários que possibilitam interpretações históricas que fogem ao padrão das
explicações generalizantes da tradicional historiografia do movimento estudantil.
Reconhecendo essa diversidade, compreendemos que pode existir uma
multiplicidade de movimentos estudantis, com características diferenciadas
dentro de contextos históricos diferentes.
Nesse sentido, o movimento estudantil que vem se transformando será
bastante influenciado pela criação da Universidade do Ceará, apesar de herdar
traços de uma cultura política estudantil já estabelecida anteriormente.
Compreendemos que esse novo movimento nasce a partir das relações
estabelecidas entre o DCE, a Administração Superior da Universidade do Ceará,
44

a UEE, os D.As e outros atores sociais que não faziam parte do campo
específico da política estudantil, e que ocorrem dentro de uma determinada
realidade social, cultural, econômica e política.

1.2 Uma Universidade para o Ceará: A Universidade e a formação de um novo


movimento estudantil

Uma das poucas narrativas históricas acerca do processo de implantação


da Universidade do Ceará foi produzida pelo reitor fundador Antônio Martins
Filho. Em seu livro “Uma Universidade para o Ceará”, ele descreve as ações
executadas e as dificuldades enfrentadas no sentido de implantar a primeira
Universidade cearense.
Apesar de trazer referências importantes para a pesquisa sobre a história
institucional da Universidade, trata-se da tentativa de construção de um
monumento19, pois cristaliza uma memória em torno de um ideal de heroísmo,
de resistência e de sacrifício em prol de uma causa, de um desafio quase
instransponível, no caso a implantação da Universidade. Nesse processo de
construção do passado quase mitológico, destaca-se uma personagem, o próprio
reitor Martins Filho.
Não queremos desmerecer ou não reconhecer o papel da liderança e a
importância do reitor Martins Filho nesse processo. No entanto, o processo de
implantação da Universidade do Ceará está inserido em um contexto mais
amplo, ele vem no bojo de importantes transformações nas políticas públicas de
Educação Superior no Brasil, que dizem respeito também à mudança nas
relações institucionais com os órgãos representativos dos estudantes, no caso, o
Diretório Central dos Estudantes/DCE e os Diretórios Acadêmicos de cada
curso.

Assim, por força da deteriorização dos orçamentos, das reivindicações


estudantis pelo ensino gratuito e das demandas de professores e funcionários
pelos privilégios do funcionalismo público federal, surgiu a Lei no. 1.254,
de dezembro de 1950, “federalizando” estabelecimentos de ensino superior

19
Seguno Le Goff (1984), “Os materiais da memória podem apresentar-se sob duas formas principais: os
monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do historiador”. Nessa perspectiva, as
memórias escritas de Martins Filho tratam-se antes de tudo,de uma montagem consciente da história da
Universidade do Ceará, da época. Um esforço para impor ao futuro, determinada imagem de si próprio.
45

mantidos pelos estados, pelos municípios e por particulares. (CUNHA,


1980, p. 91)

Na realidade, desde a década de 1940, havia demandas para formação de


uma Universidade no Ceará, que ganhavam mais força à medida que se
federalizavam as escolas superiores cearenses. As faculdades de Direito,
Agronomia, Farmácia e Odontologia e Medicina foram federalizadas, sendo as
primeiras a serem integradas à nova Universidade.
Apesar da reconhecida luta e do valoroso trabalho realizado pelas
comissões que faziam parte do movimento pró-universidade, das peculiaridades
locais relativas às disputas político-partidárias e das próprias relações de poder
entre as escolas superiores cearenses, não se pode obscurecer a influência da
macro política de Educação Superior, vigente na chamada democracia
“populista”.

Nos últimos anos da república populista (1954/1964), o ensino superior


estava organizado de forma predominantemente universitária: 65% era a
participação das Universidades no total das matrículas. As numerosas
“federalizações” ocorridas em 1950 e depois fizeram com que houvesse nas
capitais de certos Estados um número tal de escolas isoladas mantidas pela
União que propiciava sua aglutinação em universidades. O mesmo ocorreu
com as faculdades católicas, as quais foram progressivamente se integrando
em universidades. (CUNHA, 1983, p.94)

O movimento estudantil cearense participou de forma ativa na luta pela


implantação da Universidade. As fontes jornalísticas comprovam essa realidade,
divulgando ações de apoio tanto de secundaristas quanto universitários. A
comissão permanente pró-universidade foi criada em 1953 após a realização do
XI Congresso Estadual dos Estudantes. Nesse sentido, a luta pela implantação,
no meio estudantil, significou uma boa oportunidade para a UEE aglutinar
efetivamente os diretórios em prol de uma luta em comum.

A comissão era ainda composta por um representante de cada faculdade com


sede em Fortaleza.
(...) Nesse período, a Comissão Estudantil Pró-Fundação da Universidade do
Ceará esteve permanentemente ativa, reunindo-se semanalmente na sede da
União Estadual dos Estudantes. (...)(PINTO in MARTINS FILHO, 2004,
p.14)

Apesar dos traços apontados anteriormente de conservadorismo e de


elitismo ainda presentes na cultura política estudantil, a luta pela implantação da
46

Universidade é uma das expressões de mudança que ocorria no movimento


estudantil e na sua cultura política.
Ao iniciarem uma discussão mais aprofundada em relação às políticas
públicas da Educação Superior, os estudantes começaram a perceber as
contradições existentes entre o discurso que defendia a criação de uma
instituição que simbolizava, segundo Martins Filho, “uma fábrica de
homens(...)de homens aptos a resolver a crítica circunstância da convivência do
homem com o próprio homem” (MARTINS FILHO, 2004, p. 52) e a realidade
de uma estrutura altamente hierarquizada e conservadora existente nas escolas
superiores cearenses.
O estatuto da nova Universidade, no que diz respeito à participação
política interna dos estudantes, praticamente repetiu o caráter conservador dos
estatutos das escolas superiores anteriormente existentes. No Conselho
Universitário, o presidente do DCE participaria como membro, mas apenas
deliberando sobre assuntos exclusivamente relacionados à classe estudantil.

(...) Posse do novo conselheiro: - Antes de dar início a parte reservada ao


expediente, o Magnífico Reitor convidou o universitário Djacir Oliveira
Martins a tomar posse na função de membro do Conselho Universitário, em
cumprimento ao que dispunha o parágrafo 3º., letra e, do artigo 10 do
vigente Estatuto da Universidade. Pelo que estabelece esse dispositivo
estatutário, em combinação com o art. 91, parágrafo único, inciso 1º. e 5º.,
do mesmo diploma legal, devia ficar esclarecido que o novo Conselheiro,
representante dos estudantes naquele Conselho, somente participará de
deliberações em matéria de competência do seu órgão de classe...(Ata da 18ª
Sessão Ordinária do Conselho Universitário, de 12 de setembro de 1957, pp
1-2)

(...) A lista tríplice destinada à escolha pelo presidente da República, dos


diretores das unidades universitárias será organizada com a indicação de um
nome pelo Conselho Universitário e dos outros dois pela Congregação da
Faculdade respectiva; 2 – O processo eleitoral será por votação secreta e em
escrutínios distintos, exigindo-se maioria comum de votos dos professores
catedráticos efetivos, componentes do respectivo órgão, a não ser quando se
trate de reeleição, hipótese em que se exigirá uma maioria de dois terços dos
mesmos titulares: 3 – só poderão participar da votação para constituição da
lista tríplice os professores catedráticos efetivos, respeitada a exceção
prevista pelo art.109 do Estatuto da Universidade; 4 – A Congregação,
reunida com antecedência máxima de sessenta e mínima de trinta dias do
término do mandato do Diretor, elegerá os dois nomes que lhe competem,
aos quais será acrescido o terceiro nome, escolhido pelo Conselho
Universitário, ficando assim organizada a mencionada lista tríplice...(Ata da
25ª Sessão Ordinária do Conselho Universitário, de 23 de novembro de
1957, pp 4-5.)
47

Vale ressaltar que já existiam legislações do Ministério da Educação,


herdadas do Estado varguista, que obrigavam as Universidades a seguirem
prévios modelos de estatuto, inclusive ditando as regras de como deveria ser
organizado os Diretórios Acadêmicos e o próprio DCE20. Nesse contexto, a
postura política inicial do DCE frente à Administração Superior da Universidade
parece ser de subordinação, haja vista, no primeiro momento, a dependência
institucional e financeira da organização em relação à reitoria.
Esta situação também pode explicar a inicial instabilidade política da
organização, com rápida alternância de presidentes. Na realidade, essa fase
inicial do DCE parece demonstrar certo desconhecimento do papel de
representação estudantil que seria exercido e de sua relação com a
Administração superior. Os dois primeiros presidentes eleitos do DCE não
chegaram nem a participar das reuniões do Consuni.

(...) a relação era muito boa, não havia movimento contra, eu levei o reitor
varias vezes à sede do DCE e disse para ele que enquanto eu estiver aqui,
nós vamos brigar por tudo que nós temos direito, mas vamos falar antes,
vamos procurar antes o entendimento(...) eu fui o primeiro presidente do
DCE que participou do Consuni, eu também não abria mão, eu abri o livro
do Ministério da Educação, fiz um ofício dizendo que a partir daquela data,
de acordo com o artigo tal, tal do estatuto do Ministério da Educação, eu
gostaria de ser convocado para as reuniões do Consuni, você sentava mas
não tinha direito à voto, só fala, e eu não deixei de ir um, e fui o
primeiro...(Djacir Martins, 2012)

O relato acima parece querer representar a autonomia do DCE frente à


Reitoria, apesar de também expressar uma ideia conciliatória. No entanto, ao
confrontar outras fontes, percebe-se que nesse momento, o DCE parece ter uma
ligação de dependência em relação à Reitoria, por conta tanto das normas
burocráticas existentes quanto pela dependência dos recursos financeiros.
Nesse período, os estudantes poderiam ser representados no Consuni,
porém seu representante só poderia deliberar em casos de competência
específica do DCE. Percebemos assim, o caráter autoritário e centralizador da
Administração Universitária nesse período, em que não havia espaços para a
20
Segundo Cunha, “a participação dos estudantes no poder da Universidade era mencionada de uma
maneira mais vaga do que as disposições do Estatuto de 1931. Já não mais se fala dos diretórios dos
estudantes(...) mencionava-se tão somente, a necessidade de a universidade observar, dentre outra
normas, a de dar “apoio às atividades estudantis que estimulem o estudo e cultivem as virtudes cívicas e
sociais”. Assim, ao mesmo tempo em que os liberais, aliados aos sobreviventes do Estado Novo,
tentavam abolir as formas anacrônicas de controle político-ideológico, procuravam, também, impedir a
livre expressão das forças políticas.(CUNHA, 1983, p. 116)
48

participação política dos estudantes, de certa forma reforçando a percepção de


que política não era assunto para estudante.
Para a Administração Superior, as necessidades dos estudantes estavam
somente relacionadas às condições estruturais e de assistência. Nesse sentido,
foram construídos espaços que possibilitassem a realização de atividades
assistências e de socialização, entre eles, o CEU foi o mais significativo. “Surgiu
então e passou a funcionar o Clube dos Estudantes Universitários, que iria se
tornar conhecido pela sigla CEU. A sua finalidade consistia em aglutinar todas
as atividades assistenciais, culturais e desportivas patrocinadas diretamente pela
Reitoria(...)”.(MARTINS FILHO, 1983, p. 135)

Figura 1 - Primeira sede do CEU, na rua General Sampaio com Meton de Alencar, próximo a Faculdade
de Direito.(Revista A Universidade do Ceará, p. 15, 1959)

Inicialmente, através de eventos culturais e de lazer, que ocorriam no


CEU, o Diretório Central dos Estudantes-DCE, com apoio do reitor Martins
Filho, procurou desenvolver a união dos discentes e criar uma unidade e
identidade para o movimento. Nesse clube foram desenvolvidas as principais
atividades do Movimento, tanto no ponto de vista recreativo e assistencial
quanto político.
No início da década de 1960, quando o Movimento encontra-se em um
processo de crescente politização, o CEU seria caracterizado como um ambiente
de intensa socialização e ação política. É nesse momento que, para o reitor
Martins Filho, “o Clube dos Estudantes Universitários passou a ser dominado
49

pelos líderes da União Estadual dos Estudantes – UEE, que sintonizavam


perfeitamente com sectarismo ideológico da União Nacional dos Estudantes –
UNE(...)”.(MARTINS FILHO, 1983, p. 135)
Acreditamos que esta narrativa, ao destacar o elemento “externo”, no
caso a UEE e a UNE, como foco da ebulição e contestação política dos
estudantes universitários, busca obscurecer a atuação do movimento social
formado pelos estudantes e que tinha, naquele momento, como principal
bandeira: a luta pela reforma universitária e tendo como principal opositor a
cúpula da Universidade. Vale ressaltar que os dirigentes da UEE eram
estudantes da Universidade e tinham fortes ligações políticas com o DCE, sendo
normais os compromissos e conchavos entre os grupos políticos em torno das
eleições, tanto para a presidência do DCE quanto da UEE.

1.2.1 Os estudantes universitários e a formação de um novo movimento


social

Para fundamentar nossa percepção de que nesse período se forma um


novo movimento social que tinha como principais atores os estudantes
universitários, se faz necessário apresentarmos algumas explicações teóricas e
conceituais que sustentam esta interpretação acerca da história do movimento
estudantil universitário cearense. Nesse sentido, nossas principais referências
serão Melucci (2001) e Tilly (2010).
Movimentos sociais como campo de investigação e categoria analítica
têm sido uma temática bastante discutida e desenvolvida nas Ciências Sociais.
No Brasil, existe uma revitalização dos estudos, com novas abordagens que
englobam novos atores sociais. Na Ciência Política e na História, se aprofundam
os estudos sobre os movimentos sociais e populares, com base em novas
percepções sobre o conceito e a teoria dos movimentos sociais.
Por outro lado, à medida que ocorreu uma maior amplitude das análises e
a diversificação dos elementos teóricos que envolvem o tema, mais difícil ficou
conceituá-lo ou teorizá-lo. Não obstante, as tradicionais abordagens que trazem
explicações generalistas acerca do comportamento dos atores coletivos, tendem
a naturalizar e homogeneizar as observações acerca dessa categoria analítica.
50

Melucci (2001) ressalta que o conceito de movimento social tem estado


tradicionalmente fundamentado em uma concepção historicista, linear e
objetivista da ação coletiva. Para ele, existe uma percepção extremamente
difundida e naturalizada dos movimentos sociais como sujeitos portadores de
uma ação coletiva emancipadora. Para Laraña (1999), o movimento social não é
um dado empírico unificado, porém antes, uma diversidade de grupos que
intercambiam, negociam e decidem internamente, construindo a partir daí uma
identidade coletiva21.
Para Melucci, o movimento social, em sentido estrito, é uma “ação
coletiva cuja orientação comporta solidariedade, manifestando um conflito e
implicando a ruptura dos limites de compatibilidade do sistema ao qual a ação se
refere”. Nesse sentido, acreditamos que o movimento estudantil universitário
cearense forma um novo movimento social quando as condições internas,
organizativas e estruturais permitem a construção de uma identidade coletiva, de
uma maior troca de experiências dos grupos políticos e de uma maior integração
e sentido de solidariedade.
Essas condições começam a ser percebidas a partir da criação da
Universidade do Ceará, do DCE e da própria “revitalização” da UEE, em um
novo cenário político e cultural brasileiro. Essa nova realidade permitirá iniciar
um processo de mudança da cultura política estudantil que contribuirá, entre
outros aspectos, para a sustentabilidade e continuidade desse novo movimento
social posteriormente ao golpe de 1964.
Para o cientista político Martins Filho(1987), “as mobilizações estudantis
só começam a perder seu caráter de elite no começo dos anos 1960, e a própria
expressão “movimento estudantil” não parece adequada antes dessa data”.
Apesar de certo exagero em relação à inadequação do emprego do termo
“movimento estudantil”, concordamos com o autor em relação à periodicidade
que faz referência à maior e rápida politização do movimento.
Martins vai destacar a abertura da Universidade para os setores médios e
a influência cada vez mais efetiva da Juventude Universitária Católica no seio do

21
Conforme Melucci, “identidade coletiva é, portanto, uma definição construída e negociada pela
ativação das relações sociais entre os atores. Implica na presença de quadros cognitivos, de tensas
interações e também das dimensões afetivas e emocionais. Aquilo que une os indivíduos em um “nós”
nunca é inteiramente traduzível na lógica do cálculo meios-fins ou na forma da racionalidade política,
mas comporta sempre margens da não negociabilidade das razões e dos modos de viver.
51

Movimento Estudantil. Estes aspectos realmente fazem parte desse novo cenário,
porém existe uma gama bem maior de elementos dessa nova realidade nacional e
local que influenciou a formação desse novo movimento social em Fortaleza.
Nos primeiros anos da década de 1960, a conjuntura política e social
brasileira caracterizou-se por constantes crises político-institucionais, uma forte
crise econômica e financeira, intensa mobilização política das classes populares,
revitalização do movimento de trabalhadores urbanos e rurais e uma crescente
polarização ideológica. Um fenômeno político, específico desse período, é a
formação das “frentes”.

No contexto que antecedeu a queda de Goulart, a vinculação de alguns


parlamentares a seus partidos de origem também tornou-se menos sólida.
Surgiram nesse processo as frentes parlamentares, que reuniam em seus
quadros políticos de diferentes agremiações em uma clara demonstração de
que o pluripartidarismo instituído em 1945 já não representava, com eficácia
necessária, os interesses da sociedade civil brasileira. A partir do final da
década de 1950, através de um movimento único e aparentemente
contraditório esses interesses passaram a se fragmentar e a se polarizar.
De diferentes maneiras a sociedade civil se fez presente no cenário de
democracia política. Simultaneamente à proliferação de heterogêneas
organizações que atuaram com muita determinação na defesa de seus
projetos, ocorreu uma polarização nítida dos grupos sociais e políticos que
entraram em conflito entre si. Defendendo projetos diferentes para a nação
brasileira, esta polarização se fez presente nos cenários nacional, estadual e
municipal, dicotomia igualmente marcante em instituições como o poder
legislativo e os partidos políticos. (FERREIRA & DELGADO, 2003, pp
146-147)

O movimento estudantil universitário cearense interage e participa da


dinâmica desse novo cenário sócio-político. O Movimento, a partir do final de
década de 1950, assim como outros movimentos sociais, inicia um processo de
ebulição política. Ele vai exercer um papel de apoiador das lutas sociais de
trabalhadores urbanos e camponeses e assumirá uma postura radical em relação
à reforma universitária. Evidenciaremos, nas palavras de Manlio Silvestre22, o
novo papel do Movimento Estudantil nesse contexto. Em declaração proferida
ao Conselho Universitário, ele faz referência à visita de representantes da
direção da UNE, entre eles, o cearense Roberto Átila do Amaral, que solicitava a
participação dos estudantes cearenses na “Frente Única”,

(...) é fato inconteste que a revolução estava em marcha. Os estudantes


brasileiros haviam decidido integrar-se ao movimento, e na medida do

22
Presidente do DCE/UC, gestão 1961/62.
52

possível, tomar-lhe a frente, pois a classe não desejaria que a revolução a


encontrasse no meio do caminho e queria estar em condições, se fosse o caso,
de chegar no poder, para que não viesse este a cair nas mãos exclusivas de
um grupo extremado, que se considera a locomotiva puxando os vagões. A
Frente Única, ligada ao movimento análogo dos operários e dos camponeses,
contava com estudantes de ideologias políticas diversas, todos movidos pelo
interesse superior de contribuírem para a revolução se torna realidade a bem
do Brasil. Comunicava, outrossim, aos membros do conselho universitário,
que os estudantes cearenses, inclusive os dirigentes do Diretório Central dos
Estudantes, tinham aderido integralmente....(Ata da 68ª Sessão Ordinária do
Conselho Universitário, de 11 de setembro de 1961, pp 5-6.)

O movimento também interagia com a realidade social e política local.


As grandes secas que acometeram o Ceará sempre foram influências importantes
nas novas configurações urbanas de Fortaleza. A cidade absorvia as migrações
que chegavam dos mais variados pontos do interior, uma grande quantidade de
pessoas que se alojava na periferia da capital.

Fortaleza experimentou um intenso crescimento populacional no intervalo de


1940 a 1950 (49,9%) e quase dobrou no período de 1950 a 1960, atingindo
90,5%. Este crescimento desordenado, resultado de sucessivas migrações
campo-cidade provocadas pelos seguidos anos de seca durante a década,
gerou grandes distorções, tanto do ponto de vista de distribuição espacial,
como das funções desempenhadas pelos poderes públicos e do nível de vida
da população, e colocando em cheque os equipamentos urbanos postos a sua
disposição. A expansão desordenada da cidade deu início a formação de uma
periferia constituída de vários núcleos populares, na sua grande maioria em
péssimas condições de habitação.(SOUZA, 1995, p.73)

Com a seca de 1958 não foi diferente e os problemas sociais já existentes


em Fortaleza se agravaram, entre eles as péssimas condições de vida e moradia
em alguns bairros fortalezenses. Uma situação que expressava uma grande
contradição em relação ao processo de modernização da cidade com a
implantação de novos serviços de infraestrutura pari passo ao crescimento do
número de favelas. O movimento estudantil parece perceber estas questões e
com elas também interage.

UEE REUNE-SE NO PIRAMBU


A União Estadual dos Estudantes reúne-se hoje às 16 horas no bairro
Pirambú para o primeiro contato da nova diretoria da entidade com o Pe.
Hélio Campos. Embora possa parecer ocioso é mesmo assim oportuno
salientar para vocês o interesse crescente que a UEE vem demonstrando pelo
Pirambú e seu empenho decisivo em colaborar com os que ali trabalham
para minorar os padecimentos de toda sorte impostos aos seus habitantes,
Willis Guerra trouxe o problema à liça Aguiar de Arruda começa a lhe
dispensar a devida atenção. Seria, no entanto, pueril pretender que os
estudantes resolvam o caso. Mas nada mais louvável do que a colaboração
espontânea que ora emprestam às autoridades reclamando suas providências
53

para aquele setor como tantos outros-preterido em suas metas. No encontro


oficial de hoje, a UEE dará posse ao seu ex-presidente Willis Guerra na
presidência da comissão Pró-recuperação do Pirambú. (Correio do Ceará,
10/06/1961:9)

Considerando os aspectos referentes ao cenário dinâmico no qual o


movimento estudantil está interagindo nesse momento histórico, observamos que
dentro da conceituação de movimento social proposta por sociólogo Charles
Tilly, pode-se identificar essa nova postura do movimento como um dos
elementos necessários para identificar o movimento estudantil universitário
como um movimento social. A interação com questões políticas e sociais que
ultrapassam o universo da política universitária pode ser entendida como um
conjunto de empreendimentos reivindicativos, incluindo associações com
finalidades específicas.

(...) uma maneira característica de fazer política começou a tomar forma nos
países do Ocidente no final do século XVIII, adquiriu amplo reconhecimento
na Europa Ocidental e na América do Norte no início do século XIX,
consolidou-se em um conjunto durável de elementos por volta da metade
desse mesmo século, alterou-se mais vagarosa e incrementalmente depois
desse ponto, difundiu-se amplamente pelo mundo ocidental, e veio a ser
chamada de movimento social. Esse complexo político combinou três
elementos: 1) campanhas de reivindicações coletivas dirigidas a autoridades-
alvo; 2) um conjunto de empreendimentos reivindicativos, incluindo
associações com finalidades específicas, reuniões públicas, declarações à
imprensa e demonstrações; 3) representações públicas de valor, unidade,
números e comprometimento referentes à causa. A esse complexo
historicamente específico denomino movimento social. (TILLY, 2010, p. 8-
9)

Na realidade existe uma grande quantidade e diversidade de elementos


que compõe a gênese de um movimento social. Apesar de não fazer referência a
todos, vale ressaltar que tanto a conceituação de Tilly quanto a conceituação de
Melucci identifica o movimento social como um fenômeno que nasce como
expressão de um conflito e não como resposta a uma crise. Nesse sentido, apesar
dessa dinâmica de interação com um novo cenário social, cultural e político, o
movimento estudantil é construído no seu campo de atuação, o conflito no
interior da própria “Universidade”.
54

Expressão maior desse conflito é a luta pela Reforma Universitária23. A


inexistência de um modelo universitário que admitisse as novas demandas da
sociedade e dos estudantes estimulou a discussão sobre a Reforma, a partir de
uma ótica discente. Sendo a abolição do sistema de cátedras, a mudança dos
currículos defasados, a superação dos métodos de ensino arcaicos e a efetiva
participação dos estudantes nas decisões universitárias, algumas das principais
reivindicações.
A Universidade do Ceará ainda carregava e vivenciava a herança de uma
estrutura hierarquizada, autoritária e distante das classes populares. Os
estudantes queriam implantar uma nova concepção de Universidade que levasse
em conta as reais demandas da sociedade, principalmente dos segmentos sociais
mais excluídos. Nesse contexto, o movimento universitário cearense se
reorganiza e começa a fomentar e ampliar essa discussão, primeiramente no
meio estudantil, depois em toda a sociedade.

CONGRESSO DA UEE
Será instalado hoje, às 20 horas, no auditório da Faculdade de Direito, o
XVIII Congresso Estadual dos Estudantes, sob os auspícios da União
Estadual dos Estudantes (...) será o seguinte, o temário do Congresso
Estadual dos Estudantes: I – O Universitário, a Universidade e seus
problemas; II – Projetos de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional...(Tribuna do Ceará, 22/07/1960:6)

Começava a ficar muito presente no dia a dia dos estudantes as


discussões referentes à situação da Universidade. Percebia-se que a vida
institucional fazia parte também da vida dos estudantes, possibilitava-se assim, a
incorporação cada vez maior de uma identidade estudantil coletiva.
Vislumbramos, segundo Melucci, mais uma característica fundamental para a
formação de um movimento social: a solidariedade entre os atores, ou seja, a
capacidade dos estudantes de se reconhecerem e serem reconhecidos como parte
da mesma unidade social.
A cultura política estudantil, aos poucos, se transformava e nesse
momento já não eram tão visíveis os traços de elitismo ou conservadorismo.

23
A discussão sobre a Política Educacional seria “o primeiro passo para que o estudante ligasse sua
condição e suas lutas às contradições da sociedade brasileira. O debate que se travou à margem das
discussões no Congresso sobre o Projeto de Diretrizes e Bases da Educação Nacional demonstrou que a
batalha por melhores condições de ensino estava associada a lutas e interesses no âmbito da sociedade
global (UNE, 1963:13-4)”(FÁVERO, 2004, p.25)
55

Percebemos uma crescente inquietação do movimento relacionado à resolução


ou minoração das graves desigualdades sociais, em especial relacionadas à
Educação.

MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO POPULAR


A exemplo do que vem sendo realizado com animadores sucessos na cidade
do Recife, o Centro Acadêmico Clóvis Beviláqua, da Faculdade de Direito
da UC inclui como tópico importante na agenda de sua próxima reunião
coletiva do dia 27 o debate que precederá a instauração do movimento de
educação popular, campanha tendente a receber os melhores aplausos da
nossa gente e auferir bons resultados se executada com o acerto que requer,
por parte seus promotores. O movimento de largo âmbito, se iniciará em
Fortaleza com cursos de alfabetização nos bairros pobres da capital, postos
de assistência jurídica em defesa dos trabalhadores e outras demarches no
sentido de melhor educar nossa gente. É uma ideia louvável. Imaginem
leitores os milhares que uma campanha deste jaez obrará, se efetuada em
mais Estados do país de 73% de analfabetos. (Correio do Ceará,
24/06/1961:9)

Além da articulação do problema da Educação Popular, outras bandeiras


foram levantadas, como a questão de reforma agrária. Para atingir seus intentos e
se fazer reconhecido na política universitária, o movimento modificou suas
estratégias de atuação. Já em 1960 se iniciará na UC a prática da greve pelos
estudantes. Esse tipo de ação era considerada uma afronta, em um ambiente que
valorizava a hierarquia e a autoridade. De certa forma, como indica Melucci, o
movimento social possui a característica de utilizar estratégias de ação que
extrapolam “os limites de compatibilidade do sistema ao qual a ação se refere”.

GREVE DA ENGENHARIA: ASSINOU O TERMO DE MATRÍCULA O


ALUNO JOSÉ EVANDRO GASPAR
Em meio à revolta geral dos alunos da Escola de Engenharia (“queremos
sangue, queremos sangue”, gritavam a porta), assinou ontem o têrmo de
matrícula, que já tornou juridicamente normal a sua situação, o aluno José
Evandro Gaspar Brigido, que foi transferido do 2º. Ano da Escola de
Engenharia de Campina Grande para Fortaleza, provocando protestos de
todos os acadêmicos daquela unidade universitária. Os alunos como é
sabido, alegavam que uma primeira vez o sr. José Evandro Gaspar Brigido
já havia sido reprovado na Escola, apelando para Campina Grande, foi
aprovado. No entanto, a verdade é que o rapaz foi aprovado e reconhecido
ontem sua qualidade de acadêmico, nada podem fazer seus colegas e é
realmente estranhável que encetem movimento tão violento. Se o transferido
é incapaz, as provas do final do ano o demonstrarão e ele naturalmente será
alijado. Não se pode compreender é um movimento francamente hostil e
contra nossos foros de gente civilizada(...)
JUSTIFICAR A “PAREDE”
Ontem à tarde esteve em nossa redação uma comissão composta de
acadêmicos Vicente de Paula Vieira, presidente do Diretório Walter Bezerra
Sá, Jorge Cals Coelho, Aluízio Viana Oriá e Antônio Bunorandi, todos da
56

Escola de Engenharia do Ceará que vieram até nós com a finalidade de


justificar o movimento “paredista” que estão realizando e que será levado
até o fim, embora venham a perder o ano. Afirmar, igualmente, que o
movimento grevista tem como finalidade zelar pelo bom nome da Escola,
não permitindo que sejam desvirtuadas suas finalidades.
Justificando o comportamento que estão tendo, esclareceram que a Escola de
Engenharia, de Campina Grande permite certas liberdades, sendo o fato de
que ali se encontra matriculado e já freqüentando o 4º. Ano um aluno que
ainda está na dependência do exame vestibular. (Tribuna do Ceará,
05/04/1960:2)

Abril, 1960, os estudantes da recém-criada Faculdade de Engenharia da


UC cruzam os braços, decidem não assistir às aulas. Iniciam uma prática até
então inédita na forma do movimento atuar politicamente. Ao paralisar por
completo as aulas, o movimento dos universitários da Engenharia demonstra,
além de uma grande capacidade de mobilização, que os estudantes já se sentiam
confiantes para extrapolar os “limites de compatibilidade do sistema”.
O movimento questionava a transferência de um aluno que anteriormente
havia sido reprovado no vestibular da UC e fez novamente a prova para
Engenharia na Faculdade da cidade de Campina Grande. Lá ele passou e logo
depois pediu transferência para a UC. Apesar do jornalista destacar o caráter
legal do ato de transferência, os alunos mantinham-se reticentes em relação à
permissão dada pelo Consuni.
A greve durou mais de 30 dias, e, no decorrer desse período, foram
publicadas mais notícias sobre o acontecimento, inclusive em manchetes de
primeira página. As críticas foram ficando cada vez mais duras em relação ao
comportamento dos estudantes. O Jornal Tribuna do Ceará apresentou o
transferido como vítima de perseguições injustas por parte dos estudantes da
Engenharia. Vale salientar que o aluno transferido era irmão de um jornalista.
Fato que pode também explicar as ferozes críticas do Tribuna. No entanto,
acreditamos que a natureza da ação grevista está inserida em um contexto de
formação do movimento social, em que se iniciava um processo crescente de
conflitos com a Administração Superior da UC.

O QUE HÁ NA FACULDADE DE ENGENHARIA


Fala-se que os estudantes da Faculdade de Engenharia pleteiam, junto ao
Conselho Técnico daquela Faculdade, uma reivindicação interessante: para
evitar casos como o que hora esta havendo, donde proveio a greve, em que
todos estão metidos, o Conselho Técnico consultaria o Diretório, antes de
realizar qualquer transferência de qualquer aluno e outra escola. Acredita-se
que, concedida essa reivindicação, os alunos retornariam às aulas, findando-
57

se, portanto, o movimento grevista, que, aliás, está sendo um grande


“espinho de garganta”. (Tribuna do Ceará, 19/04/1960:2)

Em outra perspectiva, a greve traz à tona as divergências dentro do


movimento estudantil. Mesmo com a atuação do DCE no sentido de unificar a
luta estudantil, os diretórios assumiam posturas que refletiam a heterogeneidade
do movimento social dos estudantes. Apesar das mudanças que ocorriam na
cultura política estudantil, os diretórios de alguns cursos ainda recebiam
influência da polarização política estabelecida pelos Diretórios da Medicina e do
Direito. No caso da greve da Engenharia, os estudantes de Farmácia expressaram
claramente sua posição divergente.

Os alunos da Faculdade de Farmácia enviaram aos colegas da Engenharia,


(que hora se empenham num movimento grevista), um abaixo-assinado,
conclamando os futuros engenheiros do Ceará, no sentido de que estes se
mantenham de ânimos calmos e reconsiderem o ato de transferência,
praticado por um aluno da Faculdade de Engenharia de Campina Grande.
Espera-se que as demais Escolas da Universidade do Ceará imitem o gesto da
Faculdade de Farmácia. (Tribuna do Ceará, 12/04/1960:6)

Apesar dos indicativos de polarização, percebia-se também outras


mudanças no ambiente político estudantil. Dentre as mudanças que se
processam, pode-se destacar uma maior distribuição do poder e de influência
política dos cursos. Desde sua fundação, a UEE teve como presidentes, ou um
aluno da Faculdade de Direito ou um da Faculdade de Medicina. É notório, nas
fontes pesquisadas, o destaque dado às ações desenvolvidas pelo movimento
dessas faculdades. Nas lembranças de Djacir24, esse fato estava relacionado à
tradição política dessas escolas e o status dado pela própria sociedade cearense a
estas categorias profissionais.
Apesar de continuar a ter importante influência, principalmente nas
primeiras eleições do DCE, e ter aparente domínio da UEE, estes cursos
dividiram o bolo do poder com outras forças presentes nas disputas eleitorais dos
órgãos de representação. Um desses cursos, o recém criado curso de Engenharia
ganhará um status social do mesmo nível de Medicina e Direito.
Esta realidade se refletiu na eleição do acadêmico de Engenharia Eudoro
Santana para a presidência do DCE, em 1960, o mesmo acadêmico também

24
Djacir de Oliveira Martins. estudante do curso de Medicina nos anos de 1956 a 1961. Presidente do
DCE em 1957. Entrevista realizada em Brasília, 12/12/2012
58

chegou a assumir a vice-presidência da UEE. Esta maior pulverização do poder


político entre outros cursos também é reflexo da atuação mais efetiva de outros
grupos na política estudantil.
Repartindo o bolo com as juventudes da UDN e do PSD, ampliou-se a
participação política da Juventude Universitária Católica e da União de
Juventude Comunista. No início da década de 1960, estes grupos disputariam a
liderança do movimento.

1.3 Novas Juventudes... : Novas forças e experiências políticas do Movimento


Estudantil Universitário no início da década de 1960

REPRESENTAÇÃO ESTUDANTIL
Sempre houve uma acentuada tendência, nos diferentes círculos de opinião
pública, para encarar com certa benevolência, os movimentos estudantis,
senão justificando os seus excessos, pelo menos procurando compreender que
eles são feitos da irreflexão dos jovens.
Esse apreço pelos estudantes origina-se do fato de muitos que hoje estão na
idade madura já terem também ocupado os bancos escolares, participando
então de inúmeras e vibrantes campanhas (...).
(...) Se o memorial do DCE invoca a Lei de Diretrizes e Bases para
conquistar a representação de um terço, não é licito desconhecer o mesmo
diploma, quando diz respeito a prerrogativas a outros, concedidas.
Incoerência dessa natureza não fica bem a uma classe que se propõe a
“preencher um vácuo criado pela criminosa omissão das elites ou pseudo
elites regionais”. Muito menos, uma greve geral e a ocupação das Escolas,
iniciativa sem qualquer amparo legal ou fundamento moral.
O que se espera dos universitários cearenses é que não se afastem dos
caminhos da Lei. Nesta como em outras emergências, conservem a
moderação e procedam sem precipitações. Não queiram, por um passo dado
em falso, alienar simpatias naturais e comprometer o prestigio de que
desfrutam.
J.C. Alencar Araripe (O povo, 21/05/1962:1)

Na primeira página do Jornal O Povo, no mesmo dia que o movimento


decidiu pela deflagração da greve do terço, é publicado o editorial em destaque,
assinado pelo editor e jornalista José Caminha Alencar Araripe. Além de
59

jornalista e escritor, possuía experiência também na área política, sendo eleito


vereador em Fortaleza na década de 1950 e chegando a assumir interinamente a
prefeitura de Fortaleza em 1952, fazia parte da União Democrática
Brasileira/UDN, mesmo partido do dono do O Povo, Paulo Sarasate.
Considerando quem produziu e o próprio discurso, percebe-se uma
transparente e forte crítica em relação à postura que o movimento estudantil
universitário estava assumindo. No primeiro momento, o editorial nos remete ao
passado de ações do movimento, com seus “excessos”, porém podendo ser
“compreendidos” pelos arroubos próprios da “Juventude”.
Compreensão que foi exposta talvez pelo próprio reconhecimento de que
muitos formadores de opinião, como o próprio Alencar Araripe, também já
haviam passado pelas escolas superiores e também tiveram seus momentos de
luta em prol de campanhas. Realmente, antes deste período os estudantes já
haviam participado de campanhas, principalmente em relação às necessidades de
assistência estudantil, como por exemplo: luta pela construção da Casa do
Estudante, Luta pela manutenção da meia passagem, entre outras.
Bandeiras, geralmente, levantadas de forma ordeira pelos estudantes
universitários, que apesar de sentirem a necessidade de lutar por seus interesses,
também tinham a necessidade de manter uma imagem de potencial elite
intelectual. Lutando por suas demandas e, às vezes, também se envolvendo em
lutas mais amplas, como o caso do “Petróleo é nosso”, em que se levantava a
bandeira do nacionalismo desenvolvimentista, ao lado do Governo getulista.
Mas no final dos anos 1950 e início da década de 1960, a realidade
política em que o movimento estudantil estava inserido era outra. Uma realidade
profundamente marcada pela efervescência dos movimentos sociais
progressistas, alimentados por ideologias nacionalistas e desenvolvimentistas.
Esta é a nova conjuntura que se insere o movimento, definindo assim seus novos
objetivos e seus novos adversários.
É nessa nova conjuntura política que o movimento vai se transformando,
sendo essa transformação percebida de diversas maneiras. Para Alencar Araripe,
existia um fundo de ilegalidade, de ilicitude, de imoralidade no comportamento
político dos estudantes que apoiavam a greve.
Na realidade, havia também inserida nessas críticas uma disputa
simbólica, em que tentava-se impor um certo ideal de jovem, de juventude, de
60

universitário e de movimento estudantil. A “prestigiada classe universitária”


deveria ter um determinado comportamento, um comportamento identificado
com certos valores, como por exemplo: ordem, moderação, disciplina e o
respeito à hierarquia.
Alguns editoriais publicados nesse período ajudam-nos a compreender
como era travada a batalha do movimento estudantil no território do simbólico.
Nesse sentido, vale atentar para as ações de cerceamento do movimento
estudantil, observando nos discursos as definições de juventude25 neles
utilizadas, sinais simbólicos que buscavam uma eficácia na repressão das ações
políticas estudantis consideradas ilegais ou amorais.
Apesar de determinados setores da intelectualidade cearense e da própria
Administração Superior da UC buscarem fortalecer e impor um certo ideal de
juventude universitária que deveria ser seguido pela classe universitária,
percebe-se que a maior parte do movimento estudantil universitário, no início da
década de 1960, possuía práticas e defendia ideias que divergiam desse ideal de
juventude.
Esse ideal percebia a importância das entidades estudantis, desde que
limitadas a uma atuação assistencialista e recreativa, sem presença na política
universitária. O movimento, em 1960, continuará atuando fortemente, como
veremos no capítulo posterior, na área assistencialista e recreativa, no entanto, a
nova conjuntura, as novas ideias e as “novas juventudes” impuseram uma ação
mais efetiva na política universitária da UC.
Nesse sentido, a renovada Juventude Universitária Católica e a União da
Juventude Comunista tiveram papel importante nesse processo de mudança e
atuação política. Sendo as duas principais forças26 políticas do movimento, nos
anos iniciais da década de 1960, logo incorporaram como nenhuma outra força

25
A juventude, para os historiadores, poderia ser entendida como um tema que precisa ser investigado
continua e minuciosamente. Consideramos que a juventude como uma categoria não naturalizada. Não
pode-se perceber a “juventude” como uma categoria generalizadora e uniforme, acreditamos que em um
mesmo período ou circunstancia histórica, os jovens não devem ser tomados como algo homogêneo ou
uno, ou como formando um único e indivisível grupo; mas de uma forma plural, diversa e, em alguns
casos, antagônica e adversária.
26
Compreendemos que existia uma grande motivação dos integrantes tanto da JUC quanto da UJC para
fazer do movimento estudantil universitário cearense uma força política atuante e capaz de carregar mais
firmemente as bandeiras da luta política estudantil, considerando que naquele contexto histórico, isto era
uma necessidade do próprio meio universitário. Não podemos esquecer que um dos principais princípios
da JUC e da UJC era o de atuar efetivamente no seu meio, influindo na política universitária, de forma
organizada, coesa e centralizada.
61

estudantil, os ideais do nacionalismo desenvolvimentista27 e do reformismo


social.
O fortalecimento desses grupos no movimento estudantil universitário
cearense, bastante influenciados pelo próprio ambiente que se formava na nova
Universidade, possibilitou a adoção de novas práticas, ideias e comportamentos
políticos no meio estudantil.
A atuação dessas “novas juventudes” simboliza também as mudanças que
ocorriam nos movimentos sociais brasileiros em uma conjuntura de grande
polarização ideológica e de radicalização das práticas políticas nos seus
ambientes de atuação, seja no campo (ligas camponesas), seja no espaço urbano
(movimento trabalhista, movimento estudantil). Vale salientar que as
universidades públicas brasileiras incorporavam cada vez mais estudantes
advindos das classes médias baixas, alunos que vivenciavam na pele as
contradições do injusto e excludente sistema socioeconômico brasileiro.
Para perceber com maior nitidez essas transformações no movimento
estudantil universitário cearense, analisaremos a participação dele em dois
acontecimentos de grande simbologia e relevância social e política. A Campanha
da Legalidade (1961) e a Greve do 1/3 (1962). Vale salientar que em nossa
visão, o acontecimento28 é algo além de um mero desfecho de processos. Nesse
sentido, eles devem ser questionados sobre seus atores e as relações que
estabelecem em um processo histórico mais amplo.

1.3.1 O Movimento Estudantil na Campanha da Legalidade

27
Já no período do Governo JK (1956-1960), o problema das desigualdades econômicas no sistema
internacional ganhou ênfase, levando a maior identificação com o mundo subdesenvolvido. Configurou-
se um projeto de crescimento interno e de projeção externa atrelada a uma posição diplomática
internacional independente dos blocos polarizadores, conhecido como o nacional-desenvolvimentismo.
28
Consideramos importante tecer algumas considerações acerca das percepções teóricas sobre este
conceito e sua relação com o processo histórico. Nesse sentido, acreditamos ser valiosa a discussão
proposta por Peter Burke(1992) em relação à história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa.
Nela o autor analisa a escrita da história, primeiramente confrontando a importância dada à narrativa dos
acontecimentos históricos com a importância dada à explicação estrutural. Não obstante, Burke faz
referência às criticas impostas a estas duas formas de escrita, seja aquela relacionada à percepção
equivocada da narrativa a partir da superfície dos acontecimentos, seja aquela que acusa a escrita
estruturalista de reducionista e determinista. Depois o historiador inglês argumenta no sentido de
encontrar uma forma de escrita que seja uma espécie de nova narrativa que seja “densa o bastante, para
lidar não apenas com as sequências dos acontecimentos, mas também com as estruturas - instituições,
modos de pensar etc. – e se elas atuam como um freio ou um acelerador para os acontecimentos”. Essa
pretensão é referenciada por uma série de exemplos apresentados pelo autor, que revelam a possibilidade
do historiador conseguir relacionar os acontecimentos às estruturas, apresentando pontos de vista
múltiplos.
62

NOTÍCIAS DIVULGADAS HOJE PELA CADEIA DA LEGALIDADE


Está sendo captada em Fortaleza uma cadeia de emissoras de rádio, que se
intitula de “cadeia da legalidade”, formada principalmente por emissoras
gaúchas. A referida cadeia, aos sons de marchas militares lançam
conclamações ao País, no sentido de defender a legalidade democrática com a
posse do Sr. João Goulart...(O Povo, 28/08/1961: 1)

Umas das primeiras notícias relativas à campanha da legalidade no Ceará


foram publicadas no Jornal O Povo e faziam referência à formação de uma rede
da legalidade, formada, principalmente, por emissoras de rádio gaúchas.
Na realidade, seria o começo de uma série de notícias, quase diárias,
relativas à campanha da legalidade, só que com uma diferença: a grande maioria
das notícias teria como personagens principais os estudantes universitários
cearenses.

OS ESTUDANTES HOJE EM ASSEMBÉIA GERAL


A PARTIR DAS 19H30M PARA DEBATE DOS PLANOS A SEREM
EXECUTADOS – QG DO CEU – COMUNICAÇÃO DE GREVE – NÃO
HOUVE AULAS NOS GINÁSIOS
A partir das 19:30, no ginásio universitário(Casa da Resistência
Democrática), haverá assembleia geral dos estudantes cearenses,
oportunidade em que numerosa classe debatera os planos a serem executados
visando a preservação das instituições democráticas, planos esses que estão
sendo elaborados por várias comissões. No clube dos estudantes
universitários, no Benfica, mais de 100 estudantes se encontrão em sessão
permanente, pelas várias salas do Edifício, e um serviço de autofalantes se
acha colocado no topo da “Casa da Resistência Democrática”, mandando ao
ar as mensagens em favor da legalidade.(...)
FAIXAS
Desde ontem, às 15 horas, encontra-se afixada em frente ao CEU, uma faixa
de cinco metros, contento os seguintes dizeres: “Território Livre do Ceará –
Casa de Resistência Democrática”. No frontíspicio do Diretório Acadêmico
da Escola de Engenharia, há duas faixas. A primeira delas diz:”Lutaremos em
Defesa da Legalidade” enquanto a outra afirma que “nosso presidente é
Jânio” (O Povo 29/08/1961:2)

Os trechos acima transcritos fazem parte de uma notícia que praticamente


ocupou meia página do Jornal O Povo, fazendo clara referência à participação
dos estudantes universitários na campanha da legalidade. O Clube dos
Estudantes Universitários seria o “quartel general” do movimento, simbolizando
o caráter de liderança e comando da campanha incorporada pelo movimento
estudantil.
63

Figura 2 - Os prédios do Curso de Engenharia e do CEU vistos da Reitoria. (Boletim Informativo UFC,
no. 58, janeiro-fevereiro de 1966, p.506)

A primeira estratégia adotada pelos estudantes cearenses foi a greve, a


partir daquele momento, foram paralisadas as aulas da Universidade do Ceará,
no sentido de sensibilizar a população e mobilizar a opinião publica em favor da
assunção do vice-presidente Jango.
Posteriormente, nos jornais, observamos também que esse caráter de
liderança do movimento também chamaria a atenção da máquina repressiva do
Estado, que atuaria de forma intimidadora e repressora em relação ao
movimento estudantil.

(...) Pelas 19 horas era intenso o movimento na Av. Visconde de Cauipe


(atual Av. da Universidade), a tensão entre os universitários aumentou
quando, naquela hora, as forças do Exército de um lado, e do outros as da
Aeronáutica ocuparam o quarteirão do CEU, fechando a Visconde de Cauipe
por todos os lados. À descida das tropas houve um estranhamento entre os
estudantes que já se preparavam para sair em passeata. (O Povo
02/09/1961:2)

No dia 02 de setembro de 1961, as forças militares da aeronáutica e do


exercito cercaram o CEU, a fim de impedir a saída de uma passeada de
estudantes que fariam protestos pela permanência da legalidade e a posse de
Jango. A forte dimensão informativa da notícia não aprofunda a análise dessa
64

experiência política dos estudantes, que os colocou em situação de confronto


direto com as forças armadas.
Uma característica importante dessa experiência política é o caráter
aglutinador em relação à participação de outros movimentos sociais, como no
caso do movimento operário. Lideranças operárias também participavam de
atividades da campanha da legalidade junto com os estudantes.
Nesse sentido, percebe-se que o movimento estudantil universitário
cearense constituía reivindicações de posição, em que afirmava seus laços e
similaridades com outros atores políticos, no caso os operários, que também
vivenciavam um momento de grande politização.

O CEU CONTINUA QUARTEL-GENERAL


O Clube dos Estudantes Universitários continua seu aspecto, da mesma
forma que iniciou a campanha em favor da legalidade. Ainda lá estão os
cartazes orientadores do movimento, como também um serviço de alto-
falantes permanentemente funcionando, indica aos transeuntes a posição da
classe universitária do Ceará, com referência à crise nacional. Lá se
encontram líderes estudantis e representantes do operariado, para a direção da
campanha, que não está tão próximo o seu fim como alguns pensavam.
(Tribuna do Ceará, 06/09/1961:2)

O processo de construção da campanha da legalidade no Ceará fez


repercutir a nova atuação política estudantil que se formava na Universidade do
Ceará. A proeminência dos estudantes neste importante acontecimento político
revela um ânimo de ação política, que era cada vez mais amplo, dando ao
movimento uma posição mais destacada no jogo político nacional e local.
Observamos a complexidade e a dinâmica de uma experiência política
que nasceu de um acontecimento inesperado, que provocou uma série de ações
que foram capazes de promover rupturas ou cristalizações no tecido político do
movimento estudantil. Nesse sentido vale refletir sobre a análise de Remond
sobre a importância de um acontecimento.

O acontecimento é a derrota de uma certa racionalidade, mas nem por isso é a


confusão da inteligência. O acontecimento, e com mais razão ainda a crise,
que é um paroxismo do acontecimento, tem também a característica de ser
irreversível; eles modificam irremediavelmente o curso das coisas (...) Daí os
acontecimentos políticos serem fundadores das mentalidades: o
acontecimento solda uma geração, e sua lembrança continuará sendo até o
último suspiro uma referência carregada de afetividade, positiva ou negativa,
até que, com o desaparecimento desta, ele mergulha na inconsciência da
memória coletiva, onde continuará no entanto a exercer alguma influência
insuspeitada.(REMOND, 1996, p. 449)
65

A crise política no Brasil instaurada pelos setores militares mais


conservadores fez instigar um movimento que se encontrava em processo de
transformação, nesse sentido, cada vez menos colaboracionista e mais
contestador e progressista, características que os grupos golpistas consideravam
como elementos de subversão à ordem. Logo o Estado utilizou uma das
principais ferramentas para a manutenção do status quo, que seria largamente
usada após o golpe de 1964. A repressão frente à ação política estudantil, através
das forças armadas ou da polícia.

NOVA REUNIÃO ESTUDANTIL A PARTIR DAS 16 HORAS DE HOJE


TERA GABARITO DE COMÍCIO A CONCENTRAÇÃO NO CEU –
MAIOR FORÇA NA ALIANÇA COM OS OPERÁRIOS – VISITA DE
DEPUTADORES E SENADORES
Cercada a “Casa”
Era mais ou menos 22h30m quando patrulhas do Exército armadas de
metralhadoras, fizeram o cerco total da “Casa da Resistência Democrática”.
Os estudantes se conservaram tranqüilos como estavam e o Reitor Martins
Filho que se encontrava naquele local aquela hora, foi ter com os oficiais
dirigentes da manobra, no contacto que manteve com um dos oficiais o
magnífico reitor soube que haviam telefonado para 10ª região militar
informando que os estudantes haviam iniciado uma passeata com
depredações e pediam que providências fossem tomadas.
O reitor Martins Filho solicitou que voltassem para seus quartéis que ele iria
estar com os estudantes e expor-lhes o ocorrido e depois se dirigiria ao QG a
fim de falar com o Comandante da Região. (O Povo, 31/08/1961:2)

A história do cerco ao CEU provocou forte repercussão social e política


em Fortaleza. Vários políticos estiveram no Clube para prestar apoio à causa e
aos estudantes que estavam de certa forma sitiados durante o cerco.
Na realidade, a tentativa de golpe tinha quase nenhuma simpatia da
sociedade brasileira. Apesar de serem considerados conservadores e defensores
intransigentes do anticomunismo, os partidos políticos tradicionais brasileiros
consideravam que existia um certo radicalismo dos setores militares golpistas.
Foi natural o movimento cearense ter recebido apoio de diversas categorias,
inclusive políticos ligados a estes partidos.
Fatos inusitados também contribuíram para se criar um imaginário de
resistência ao cerco militar, como um acontecimento publicado na coluna Dom
Camilo do jornal Tribuna do Ceará, descrito abaixo.
66

(...)E por falar no deputado Aquiles Perez Mota... ele entendeu de ir, ontem à
noite visitar o CEU – Território Livre do Ceará e reduto da legalidade. Em lá
chegando, o Aquiles encontrou a “praça” sitiada por forças armadas.
Escudado nas imunidades, o deputado condenou a atitude dos
militares...aquilo não podia ser!... Era uma violência! Era um atentado à livre
manifestação do povo! E gritava: “Não pode! Não pode! Não pode. Um
soldado, que não entende nada de imunidades, marchou pra cima do
“paisano” exaltado, colocou a boca da metralhadora na barriga do Aquiles...e
perguntou:”por que é que não pode?” O Peres Mota esqueceu-se das
imunidades, fingiu que sorriu e retrucou: “Quem foi que disse que não pode?
Pode sim!...
Resultado: No CEU os militares não fazem questão de entrar, que é preciso
“confissão” e “estado de graça”... Mas fora dali eles fazem o “inferno”! Nem
enxofre queimado dá jeito!... (Tribuna do Ceará, 02/09/1961:2)

Apesar da leveza do texto jornalístico bem humorado, outra questão que


vem a mente é a constante repressão feita, com quase exclusividade, pelas forças
armadas. Não podemos esquecer que, na cidade de Fortaleza, existia uma força
policial, porém raramente utilizada naquele período, quando o assunto se tratava
dos estudantes universitários.
Um aspecto relevante da campanha da legalidade e mais especificamente
da criação da rede da legalidade, bastante citada tanto nas entrevistas quanto nos
Jornais, diz respeito à utilização do Rádio como elemento informador e
comunicador, que naquele momento foi imprescindível para o sucesso da
campanha.
Na sociedade cearense, em que boa parte da população não sabia ler e
que a televisão ainda era um artigo de altíssimo luxo, o Rádio possuía uma
ampla recepção e influência. Segundo Jeanneney, “(...) o Rádio extrai toda sua
força, somente em ondas curtas, do fato de não ligar para as fronteiras. Quando o
totalitarismo se abate sobre um país, o rádio é uma fonte de liberdade
íntima.”(JEANNENEY in REMOND, 1996, pp. 216-217)
Em fases de forte atuação política, como no caso da campanha da
legalidade, as festas eram importantes momentos de comemoração e também de
reafirmação da unidade dos estudantes universitários. Na coluna TC
universitária são encontradas diversas referências em relação às festas que
aconteciam no CEU,

FESTA NO CEU
Na quinta-feira, a partir das 21 horas, terá início uma animada festa dançante,
com que se comemorará também a assunção do Sr. João Goulart a
Presidência da República. Não sabemos ainda qual conjunto animará as
danças. Da festa em apreço participaram lideres sindicais que ao lado dos
67

estudantes procuraram lutar com todo afinco, para a preservação dos


princípios de nossa carta magna de 1946. (Tribuna do Ceará 13/09/1961:4)

Além da festa de comemoração pela conquista da legalidade, os


estudantes também organizaram uma passeada para celebrar a vitória e, ao
mesmo tempo, denunciar o imperialismo americano e os políticos suspeitos de
apoiar esse imperialismo, como o governador do Estado da Guanabara, Carlos
Lacerda.
Na manifestação, além de apresentar cartazes com dizeres anti-
imperialistas, como por exemplo: “USA e ABUSA”, os estudantes também
realizaram o enterro simbólico do governador Lacerda, fato que demonstra o
caráter festivo e humorístico de algumas manifestações políticas promovidas
pelos universitários.

PASSEATA DA LEGALIDADE
Flagrante da “passeata da legalidade”, realizada ontem a tarde pelos
estudantes cearenses. Note-se “urna mortuária” significando enterro da
ditadura além de uma gaiola contento um urubu, símbolo do entreguismo
rechaçado em todos os momentos pela mocidade, muito embora alguns
cartazes empunhados pelos estudantes contivessem criticas fortíssimas a
diversas figuras nacionais, a manifestação operário-estudantil decorreu
pacifica, sem ser necessária, em momento algum, a intervenção da polícia
que vigiou de perto o movimento de regozijo pela posse do Sr. João Goulart.
(Tribuna do Ceará 14/09/1961:1)
68

Figura 03 – Foto de capa do Tribuna do Ceará, passeata da legalidade(Tribuna do Ceará,


14/09/1961:1)

A manchete de primeira página com foto, intitulada passeata da


legalidade encerra de maneira festiva a campanha no Ceará. Na oportunidade, os
estudantes fizeram protesto contra o imperialismo americano e o entreguismo,
deixando claro um dos ideais políticos do movimento, ou seja, o anti-
imperialismo. Ideia que encontra-se relacionada à tendência de polarização
ideológica e à presença marcante do sentimento de nacionalismo nas forças
políticas brasileiras de esquerda29.
Notamos que uma característica importante da ação política do
movimento estudantil universitário é a interação entre atividades lúdicas e as
práticas políticas. Nesse sentido, as festas possuíam uma simbologia também
política, sendo um elemento importante na construção do imaginário político do
movimento estudantil universitário cearense.
Passado dez dias de intensa atuação política do movimento estudantil
universitário, a campanha da legalidade chegava ao fim. Percebemos que o
movimento conquistou um saldo político positivo, não só porque sediou a rádio
e formou o comitê estadual da Legalidade, mas também, pelas constantes ações
políticas, que foram muito repercutidas nos jornais da época. Sendo um
acontecimento que refletiu a crescente politização do movimento e sua cada vez
maior inserção progressista e reivindicatória na sociedade cearense.

1.3.2 A GREVE DO 1/3: A LUTA PELA REFORMA UNIVERSITÁRIA NA


UNIVERSIDADE DO CEARÁ

Dia 21 de maio de 1962, os registros da ata da sessão extraordinária do


Conselho Universitário expressam o clima tenso existente nos corredores da

29
Para Lipset (1967), “A análise política e sociológica da sociedade moderna em termos de esquerda,
centro e direita reporta-se aos tempos da Primeira República francesa, quando os delegados se sentavam,
de acordo com a respectiva cor política, num hemiciclo contínuo desde os mais radicais e igualitários, à
esquerda, até os mais moderados e aristocráticos, à direita. A identificação da esquerda com a advocacia
da reforma social e do igualitarismo e da direita com a aristocracia e o conservadorismo aprofundou-se à
medida que a política passou a ser definida como choque entre classes (LIPSET, 1967, pp. 136 e 137).
Para efeito desta obra, esquerda representará grupos políticos que lutam pela reforma, transformação e
igualdade social”.
69

Universidade do Ceará, naquele período que marcava uma intensa atividade


política do movimento estudantil Universitário.
Nesse dia, quando sol já dava lugar ao céu estrelado que iluminaria o
palácio do Benfica (sede oficial da Reitoria), o Consuni discutia a legalidade ou
não do Conselho decidir sobre a demanda estudantil em relação à participação
de uma quantidade mínima de 1/3(um terço) de estudantes nos órgãos colegiados
da Universidade.
Esta demanda era uma das bandeiras de luta do movimento estudantil
nacional na busca pela Reforma Universitária. Essa luta vinha da
conscientização dos estudantes acerca da necessidade de mudanças estruturais na
sociedade brasileira e na própria Universidade. Os seminários nacionais
realizados em Salvador (1961) e Curitiba (1962) pela União Nacional dos
Estudantes (UNE) apontaram a importância da responsabilidade do movimento
estudantil nas transformações e reformas sociais. Começando pela reforma
universitária, que estava inserida em uma reforma mais ampla do sistema
educacional brasileiro e tinha como diretrizes gerais:

“Lutar pela reforma e democratização do ensino, dando a todos, condições de


acesso à Educação em todos os graus; abrir a Universidade ao povo,
mediante a criação de cursos acessíveis a todos; colocar a universidade a
serviço das classes menos favorecidas, com a criação de escritórios de
assistência jurídica, médica, odontológica etc..”.(FÁVERO, 1994, p.38)

Para além das diretrizes, existiam os objetivos específicos da luta pela


Reforma, entre eles, a participação estudantil na gestão das universidades. Os
órgãos colegiados deveriam ter na sua constituição 1/3 de estudantes. Para
atingir os objetivos, varias ações foram programadas e planejadas no Seminário
de Curitiba. Lá a UNE definiu o esquema tático de luta pela Reforma
Universitária. Dentre as ações que foram implementadas, a greve do 1/3 foi a
mais impactante.
Avaliamos que a greve do 1/3 incorpora-se em nossa narrativa como elo
da ação histórica dos estudantes universitários cearenses e da explicação
histórica acerca de sua atuação política como elemento fundamental para a
compreensão de um processo mais amplo de mudança, que ocorria na cultura
política do movimento estudantil universitário cearense.
70

Nas páginas que seguem, discutiremos as especificidades deste


acontecimento no Ceará e qual relação podemos estabelecer com o contexto
sócio, político e cultural em que o movimento estudantil cearense estava
inserido. No jogo de representações das narrativas jornalísticas e oficiais (atas do
Consuni), perceberemos as nuances de uma experiência política marcante para o
Movimento.
Ao que tudo indica, a Administração Superior da Universidade do Ceará
não estava disposta a atender a demanda pela maior participação dos estudantes
na gestão universitária. Percebemos na descrição da ata da reunião do Consuni,
que os representantes docentes assim como o próprio Reitor buscavam encontrar
argumentos para retirar a responsabilidade do colegiado na decisão de aprovar
esta mudança estatutária. Abaixo transcrevemos alguns trechos da reunião
registrados em ata.

“MEMORIAIS APRESENTADOS PELO DIRETÓRIO CENTRAL DOS


ESTUDANTES” – O magnífico reitor referiu-se a seguir aos dois (2)
memoriais encaminhados à reitoria pelo Diretório Central dos Estudantes, o
primeiro já apresentado ao Conselho em seção de 12 de maio( a qual o
Conselheiro Manlio Fernandes, presidente do Diretório Central dos
Estudantes, deixara de comparecer por estar ausente de Fortaleza) e o
segundo recebido pelo Vice-reitor, datado de dezesseis(16) de maio.
Declarou o Magnífico Reitor que desejava esclarecer aos senhores membros
do Conselho e muito especialmente ao conselheiro Manlio Silvestre
Fernandes, representante da classe estudantil, que a matéria constante desses
memoriais se prendiam diretamente à reforma do estatuto da Universidade,
não sendo assunto de que o Conselho Universitário pudesse tomar
conhecimento e deliberar imediatamente. Uma vez proposto por este
Conselho a reforma estatutária, só entraria a mesma em vigor depois de
aprovada pelo Governo Federal, mediante a aprovação do Conselho Federal
de Educação. É a própria Lei de Diretrizes e Bases que determina esse
procedimento(...) A esse respeito desejava o Reitor prestar um outro
esclarecimento: muita gente, inclusive pessoas ligadas à Universidade,
manifesta sua estranheza pelo fato da Reitoria somente agora ter ocorrido
tomar providências no sentido de reformar o estatuto da Universidade. Tais
comentários carecem de fundamento, de vez que a Reitoria, em data de
dezesseis (16) de janeiro, pela portaria número três (3), designara uma
comissão(...) com o objetivo de elaborar, dentro do prazo de 45(quarenta e
cinco) dias, o ante-projeto contento linhas gerais da reforma. Essa comissão
por motivos vários, não conseguira ultimar a tarefa de que foram
incubidos(...). O magnífico Reitor declarou em seguida que, estando esgotado
o prazo fixado na portaria que instituirá a comissão referida e, estando alguns
membros da mesma comissão no momento impossibilitados de tomar parte
nos trabalhos da reforma, proponho se constituir uma nova comissão para
elaborar o ante-projeto(...). O conselheiro Manlio Silvestre Fernandes,
apartando o Reitor, fez sentir que confiava no trabalho da comissão que,
estava certo, elaboraria um ante-projeto de reforma estatutária satisfatória.
Não confiava, porém, em que o Conselho Universitário, com a constituição
atual, fosse capaz de adotar as idéias que viessem a ser consubstanciadas no
ante-projeto. Por esse motivo, insistia em que se deliberasse, antes de
71

encetado o trabalho da reforma, sobre o assunto em que se ocupa o memorial


dos estudantes, que trate da participação destes, à base mínima de um terço,
nos órgãos colegiados da Universidade, inclusive no Conselho Universitário.
O conselheiro Luiz Cruz de Vasconcelos esclareceu que, legalmente, existem
na Universidade órgãos reconhecidos e aprovados pela própria Lei de
Diretrizes e Bases, que terá de prevalecer, até que se concretize a reforma do
estatuto, com a aprovação e publicação no Diário Oficial (...). O conselheiro
Manlio Fernandes esclareceu que, em seu entender, havia duas reformas
distintas a fazer: uma, global, e outra apenas parcial, para atender as
exigências imediatas. Não achava possível proceder, dentro do prazo de
quinze (15) dias, a reforma global na estrutura da Universidade; os estudantes
queriam estar participando com um terço, de todos os órgãos colegiados,
quando fossem proceder as reformas exigidas pela lei de diretrizes e bases.
Encerrada a discussão, o magnífico reitor pôs em votação o critério que
propusera a constituição especial que se incumbiria de elaborar o ante-projeto
de reforma do estatuto da universidade. A proposta foi aprovada por maioria
de votos, discordando o conselheiro Manlio Silvestre. (Ata da Sessão
Extraordinária do Conselho Universitário, de 21 de maio de 1962, pp 5-6.)

As cartas estavam postas na mesa. Ao discordar da votação, o Presidente


do DCE Manlio Silvestre representava o espírito de insatisfação do movimento
frente à negativa dos outros conselheiros. É preciso salientar que segundo a Lei
de Diretrizes e Base (LDB), promulgada em 20 de dezembro de 1961, em seu
artigo 78 previa-se a representação dos estudantes, com direito a voto, nos
órgãos colegiados das universidades e escolas superiores. Porém, não estabelecia
qual a percentagem dessa participação, que deveria ser determinada nos estatutos
das universidades.
Esta situação jurídica em conjunto com o teor do documento
anteriormente transcrito, vem demonstrar que existia resistência dos docentes da
universidade cearense em relação à demanda dos estudantes. Fato que se
cristaliza na falta de empenho da primeira comissão formada por Martins Filho,
instituída para a elaboração da referida reforma, assim como nas prerrogativas
alegadas em relação aos longos prazos e burocráticos procedimentos a serem
adotados para efetivação dos representantes estudantis nos órgãos colegiados.
Naquela mesma noite, o conselho dirigente do Diretório Central dos
Estudantes se reuniu e, ao avaliar a situação, decidiu pela deflagração imediata
da greve. Decisão que não se explica somente pelo o ocorrido na sessão do
Consuni. É necessário aprofundar a complexidade desta radical decisão política,
relacionando-a com aspectos mais amplos da conjuntura nacional e também
mais específicos da realidade do movimento cearense.
Na conjuntura nacional observar-se um crescente processo de politização
em diversos setores sociais e no movimento estudantil não era diferente. Um
72

exemplo marcante desta realidade é a criação do Centro de Cultura Popular-


CPC. Este projeto desenvolvido pela UNE visava fazer e promover arte popular
engajada politicamente nas diversas expressões artísticas, como: teatro, cinema,
literatura, música e artes plásticas.
Uma arte engajada politicamente que deixaria transparecer de uma
forma lúdica e crítica os graves problemas sociais brasileiros. Para o CPC
ampliar seus horizontes de atuação foi criado a UNE Volante, projeto em que
uma comitiva de lideranças da UNE e um grupo do CPC percorria as
universidades brasileiras no sentido de sensibilizar e mobilizar a classe
estudantil em relação às reformas de base e aos graves problemas sociais
brasileiros.
No primeiro semestre de 1962, a UNE Volante foi também utilizada
como uma estratégia de incentivo à mobilização política dos estudantes face à
luta pela reforma universitária. Em 19 de abril de 1962, chegou ao Ceará a UNE
volante e permaneceu até o dia 24. Nestes dias foram realizadas diversas
atividades artísticas, entre elas, a encenação, no auditório da Faculdade de
Direito, do “auto dos 99%”.
A peça, de 1962, critica com bom humor o sistema de ensino desigual e
perverso do Brasil. Na época, de cada 100 jovens em idade escolar, apenas um
conseguia chegar à universidade, daí o título da obra. Essa apresentação possuía
enorme impacto no meio universitário, haja vista seu forte caráter denunciador
acerca da realidade educacional brasileira, o que servia efetivamente para
sensibilizar os estudantes em prol da Reforma Universitária.
Outra atividade artística do CPC no Ceará, recordada pelo estudante
cearense Agamenon Tavares, foi a apresentação musical feita na Rádio
Assunção. Nesta ocasião eles cantaram a “canção do subdesenvolvido”, do
compositor pertencente ao CPC, Carlos Lyra. Vejamos um pequeno trecho,

País de pouca terra, só nos fez um bem


Um grande bem, um 'big' bem, bom, bem, bom
Nos deu luz, ah! Tirou ouro, oh!
Nos deu trem, ahhh! Mas levou o nosso tesouro
ooooh! Subdesenvolvido, subdesenvolvido... etc. (refrão)
Houve um tempo em que se acabaram
Os tempos duros e sofridos
Pois um dia aqui chegaram os capitais dos.Estados Unidos
País amigo desenvolvido
País amigo, país amigo, Amigo do subdesenvolvido
73

País amigo, país amigo


E nossos amigos americanos
Com muita fé, com muita fé
Nos deram dinheiro e nós plantamos
Nada mais que café
E uma terra em que plantando tudo dá
Mas eles resolveram que a gente ia plantar
Nada mais que café (Carlos Lyra)

A ação do CPC representou essa intensa politização do Movimento a


nível nacional, assim como, representou para o movimento cearense um enorme
incentivo para a mobilização política dos estudantes que, dois meses depois,
iniciaram precocemente a greve do terço no Estado do Ceará. De forma precoce,
porque a UNE havia decidido que todas as Universidades deflagrariam a greve
na mesma data, dia primeiro de junho de 1962. No entanto, os estudantes
cearenses anteciparam em 10 dias a deflagração, fato que não é citado pela
historiografia do movimento estudantil “nacional”.

GREVE PARALISA TODA A VIDA DA UNIVERSIDADE (O Povo,


22/05/1962:1)

Em vários dias daqueles meses grevistas, a greve dos universitários


cearenses estampou manchetes nos jornais fortalezenses, como a manchete do
jornal O Povo citada acima, publicada um dia após o início da greve. Percebe-se
que era grande a importância política do movimento estudantil universitário
naquele contexto. Suas ações ganhavam destaque nos grandes meios de
comunicação. Porém, em outra perspectiva, percebemos que a manchete não faz
menção ao fato fundamental de que a greve estava sendo feita pelos próprios
estudantes.
A produção do acontecimento através do meio de comunicação deve ser
analisada de forma mais cautelosa, pois o caráter imediatista e fragmentário,
próprio deste tipo de fonte, pode nos levar a percepções simplistas. Por outro
lado, podemos identificar nos periódicos representações interessantes acerca do
movimento estudantil universitário no sentido de se perceber as transformações
pelas quais ele passava, tanto do ponto de vista da transformação de sua cultura
política, quanto pelas novas visões que eram construídas acerca de sua atuação.
74

UNIVERSITÁRIOS OCUPARAM ESCOLAS: DEFLAGRADA GREVE


DA PARTICIPAÇÃO
Com correntes, simulando cordões de isolamento todas as escolas superiores
da Universidade do Ceará foram ocupadas pelos estudantes universitários
cearenses que, em número de 4 mil, estão em greve desde às 20 horas e 15
minutos de ontem, após agitada reunião no Clube dos Estudantes
Universitários, entre o presidente da União Estadual dos Estudantes,
presidente do Diretório Central dos Estudantes e todos os presidentes dos
Diretórios Acadêmicos.
A greve foi deflagrada tendo em vista a negativa do Conselho Universitário
de apreciar memorial dos universitários, em sua reunião da tarde de ontem,
solicitando a participação da classe naquele órgão, com um terço de
representantes.
Nem alunos, nem muito menos professores ou funcionários poderam
ingressar hoje nas escolas de ensino superior, dando-se autêntica ocupação
dos prédios pelos universitários cearenses, através de piquetes formados
pelos comandos grevistas.
A greve dos universitários cearenses tem seu prazo indeterminado, só
finalizando-se com o atendimento por parte do Conselho Universitário das
reivindicações da classe. Por outro lado, os universitários cearenses poderão
arrastar para a parede todas as faculdades dos pais, assumindo o movimento
de caráter nacional. Uma vez que as reivindicações dos cearenses são de
todos os universitários brasileiros.
O Conselho Universitário, tendo em vista a gravidade do fato, poderá
apreciar ainda hoje o memorial dos universitários reivindicando participação
no Conselho Universitário (Tribuna do Ceará, 22/05/1962: 1, 2).

As notícias, como a acima transcrita, foram a tônica das manchetes nos


principais periódicos fortalezenses. Manchetes que representavam certo espanto
e surpresa pelo fato dos universitários conseguirem fechar a Universidade,
impedido o acesso às suas dependências e colocando sobre pressão a
Administração Superior.
Na perspectiva da conceituação de movimento social do sociólogo
americano Charles Tilly, podemos identificar a greve do terço como um dos
elementos necessários para identificar o movimento estudantil universitário na
UC, como um movimento social. A greve pode ser entendida como uma
campanha de reivindicação coletiva dirigida à autoridade-alvo. No caso, as
autoridades alvo eram o Reitor e o Conselho Universitário.
Várias foram às táticas utilizadas na greve: piquetes, cartazes, pichações,
faixas, apresentações musicais, comícios, notas de resposta na Imprensa,
sabotagem de equipamentos e paradas de trânsito. Algumas dessas
manifestações foram registradas em fotografias que hoje fazem parte Memorial
fotográfico da UFC30, criado e conservado com o intuito de preservar a memória

30
As fotos pertencem ao acervo iconográfico da UFC, milhares de fotos tiradas a mando do fundador da
UFC para se preservar a história da instituição. Segundo Pedro Eymar, diretor do MAUC, com sua visão
mais aguçada o reitor resolveu montar o acervo com fatos marcantes da história da universidade. Na
75

dos “principais” acontecimentos da vida universitária na Universidade do Ceará.


Possui fotos do período de 1961 a 1983.
Uma característica geral das fotos é o conteúdo político focado nas
imagens da greve. Nas faixas, nos cartazes, pichações e comícios fotografados
fica fácil perceber a intenção de privilegiar a ação política. Para a estruturação
da análise dessas imagens, nos baseamos principalmente naquilo que as fotos
dizem por si mesmas, observando posicionamentos, hierarquias, presença de
símbolos, entre outras características.
Não obstante, é preciso compreender as razões da preservação de certas
fotos como representações de uma determinada realidade. Para não sermos
enganados por fotografias, necessitamos, assim como no caso dos textos, prestar
atenção à mensagem e ao remetente, perguntando quem está tentando nos dizer o
quê e por que motivos.
A imagem, logo abaixo, simboliza um momento importante do
movimento estudantil cearense, um momento de confiança em si e de força de
mobilização. A Universidade do Ceará com seu ornamental portão fechado,
herança da opulência da família Gentil, antiga proprietária do casarão que abriga
ainda hoje a Reitoria, tem uma pichação na parede como marca de um processo
de afirmação política do movimento estudantil universitário cearense.
Simbolizava também novos comportamentos da juventude universitária,
a pichação ao lado da entrada da Universidade trazia o significado da
apropriação daquele espaço pelos estudantes. Os espaços estudantis não seriam
mais somente as estruturas assistenciais e recreativas ou as salas de aula, seriam
também os espaços da decisão política universitária. O local onde somente os
catedráticos poderiam decidir a vida universitária, decidir a vida dos próprios
estudantes.

folheada que dei nos negativos do NUDOC, vi a realização de festas estudantis, das casas de cultura,
visitas de embaixadores e autoridades, jogos universitários, a greve está registrada. Enfim, são centenas
de acontecimentos referentes a importância da instituição na sociedade. As fotos a seguir não foram,
reveladas dos negativos. São revelações feitas na época e que se encontram no acervo de fotos do MAUC.
76

Figura 04 – Fachada da entrada da Universidade do Ceará, durante a greve do 1/3. Na esquina


da av. 13 de maio com av. da Universidade.

Na próxima foto vemos vários estudantes em um comício na praça do


Ferreira. O estudante e liderança jucista Agamenon Tavares aparece, cercado de
outros estudantes, discursando no palanque armado na praça durante a greve do
1/3. Naquele momento, o relógio da “coluna da hora” parou no instantâneo da
foto que analisamos como representação do passado.
O fato de se estar realizando comícios na Praça do Ferreira, revela a
intenção do movimento de apresentar para o maior público possível, e não
somente estudantes, as razões pelas quais eles estavam realizando a greve. A
opinião pública em favor da greve era importante para o fortalecimento da
mobilização, já que, como vamos ver posteriormente, a greve será duramente
atacada pelos periódicos fortalezenses.
Vale ressaltar que o centro da cidade fazia parte também da vida
universitária, o espaço que os estudantes universitários desfilavam de maneira
ordeira e festiva nos desfiles do Jogos Universitários ou no desfile dos bichos.
Agora também se tornava o lugar da luta estudantil, do fazer político do
movimento estudantil universitário cearense.

Figura 05 - Comício dos estudantes na praça do Ferreira, durante a greve do 1/3.


77

Outras fotos que também indicam as novas formas de protestar e de fazer


política do movimento são as dos cartazes feitos durante a greve. Neles
encontramos diversos posicionamentos políticos, formas de criticar as ações do
Reitor e a própria Universidade. As palavras que fazem parte desses cartazes
constituem um novo discurso político dos estudantes.
São mensagens que representam novas formas de ação política no
movimento estudantil. Nelas percebemos claramente as divergências e conflitos
existentes entre os estudantes e a direção administrativa de algumas faculdades e
da própria Administração Superior da UC. Estas divergências geralmente eram
encobertas pela eficiente política de assistência estudantil promovida pela
Administração Superior em conjunto com o DCE. Nesse sentido, compreende-se
que as novas necessidades dos estudantes iam além das demandas assistências.
Eles queriam se envolver efetivamente na política universitária. Queriam poder
de decisão.
78

Figura 06 – Cartaz fazendo varias críticas, destacando-se a critica aos “irmãos maristas”.

Nesta foto, a lente focou um cartaz que não possui um grande atrativo
estético. Produzido a mão, de forma improvisada, porém com bastante conteúdo
textual. Fato que caracteriza a intenção de denunciar com detalhes determinada
situação. A maior parte do texto do cartaz refere-se à atitude dos irmãos
maristas, fazendo referência ao grupo de professores ligados a esta irmandade
que dirigia a Faculdade de Filosofia, e a partir daí, vai ampliando a crítica aos
outros professores e alunos “fura greve”. No final do texto é possível perceber
quais eram os valores e comportamentos combatidos pelo movimento.

(...) Os irmãos maristas, em nome do sentimento religioso e da falsa


advocação de sua faculdade, exortavam os alunos, por telefone, à traição a
UEE e o pronunciamento subalterno. Curiosos professores que ensinam a
menosprezar a honra e a deprimir a personalidade, professores estes, para
escravos e vencidos.
Os fura greve são caçadores de diplomas, homens que defendem um anel e
não uma cultura, homens que a sombra de pistolões já arranjaram seus altos
empregos. A eles temos que dar o castigo que merecem.

Não podemos deixar de lembrar que a greve do 1/3 insere-se em uma luta
mais ampla pela Reforma Universitária brasileira. Uma das grandes demandas
do movimento era a extinção das cátedras universitárias. Para o movimento esse
dispositivo da estrutura da carreira docente universitária privilegiaria os
79

professores “incompetentes” que se mantinham vitaliciamente nas disciplinas


que ministravam. Além disso, a reforma universitária pregava a importância da
atuação da Universidade e dos universitários no processo de transformação da
realidade social. A responsabilidade que a Instituição e os estudantes deveriam
ter em relação à diminuição das desigualdades sociais e regionais brasileiras.

Figura 07 – Cartaz fazendo criticas as rubricas do orçamento universitário


aprovado pelo CONSUNI.

Expor informações sobre o orçamento universitário em um cartaz é um


indicativo de que o movimento buscava o apoio da opinião pública em favor da
greve, não só expondo, mas também criticando, de forma bem humorada,
algumas consignações que eram consideradas no mínimo inusitadas. Dessa
forma, tentava-se demonstrar como as decisões eram tomadas no âmbito da
administração universitária e quais os resultados negativos eram provocados pela
falta de participação dos estudantes nas tomadas de decisão. Abaixo,
transcrevemos alguns trechos desse cartaz.

A arapuca da Universidade
Algumas distribuições de verbas
Consignação 1.1.01 - Para vencimentos – Cr$ 355.448.712,00
Consignação 1.1.12 - Para o salário de família – Cr$ 39.474.400,00
80

De onde se deduz que quase todos os funcionários são solteiros, mocinhas


burguesas e filhos de papai ricos.
Consignação 1.3.08 – Artigos para fumantes: Cr$ 1.350.000,00
Isto sim é que é fumar!... vale acrescentar que esta consignação tem mérito –
gênero alimentícios, não compreendemos porque, já que esta incluindo na
consignação que iremos citar:
Consignação 1.6.17 – 01(a) – 02 – 06 – despesas com alimentícios: Cr$
13.100,00
Consignação 1.6. 17 – 01(c) – Clube dos Profs. Universitários: Cr$
900.000,00 – e existe este clube?
Consignação 1.4.07 – Material de acampamento, campanha e paraquedismo:
Cr$ 170.000,00 – Paraquedismo na Universidade, quem foi que já viu?
Acampamento, campanha? Isto nunca existiu.
Consignação 16.03, 1.6.04 – Condecorações, festividades e coisas relatas:
Cr$ 2.450.000 – A Universidade só gasta com besteira.
Isto acontece porque a estrutura permite. Com 1/3 de alunos nos órgãos
colegiados da Universidade, teremos democracia e não veremos mais
escândalos como estes.

O discussão acerca da estrutura de poder na Universidade possuía


diversas vertentes, como por exemplo as decisões orçamentárias. Evidentemente
esse assunto tem importância fundamental, já que a alocação de recursos para
toda a Universidade é feita nesse momento. Apesar dos investimentos feitos nas
áreas de assistência e recreação dos universitários, que serão expostos no
próximo capítulo, o movimento estudantil não aceitava ficar ausente das
decisões que faziam referência diretamente à classe estudantil, como a alocação
das verbas para outras demandas dos estudantes universitários. Nesse sentido, a
greve do 1/3 tinha grande legitimidade para o movimento, já que a participação
dos estudantes na definição das políticas universitárias era praticamente
inexistente, considerando a estrutura de poder vivenciada nas Instituições de
Ensino Superior brasileiras.
81

Figura 08 – Cartaz criticando o Reitor Martins Filho

No seu livro de memórias, Martins Filho define a greve como um punhal


encravado em suas costas. Apesar da carga dramática, o reitor entendia que
depois de tantos esforços feitos para dar uma boa condição estrutural e
assistencial para os estudantes, não merecia aquela “ingratidão”. Acontece que a
política é bem mais complexa, e as demandas dos estudantes estavam além das
estruturas físicas (CEU, restaurante, etc...). Eles queriam participar da tomada de
decisão, eles queriam poder político.

DESMACARANDO-SE UM CRETINO
Encoberto por um véu de máscara, um magnífico, com personalidade de
cretino, MENTE diante da imprensa querendo desfazer de seus alunos. Isto é
covardia, não tem coragem de dizer em praça pública como nós dizemos(...)

Ao criticar de forma agressiva a figura do reitor com os dizeres


“Desmascarando-se um cretino”, os estudantes não quiseram só demonstrar sua
revolta contra as declarações de Martins Filho em relação os estudantes e ao
movimento grevista, quiseram também se posicionar frente o outro lado, ou seja,
a Administração Superior da Universidade do Ceará. No jogo político sempre
existem no mínimo dois lados, nesse caso, a Administração Superior era o outro
lado, o adversário a ser combatido.
82

Na verdade, a greve foi uma estratégia de ação planejada pelo


movimento estudantil no sentido de forçar a Administração Superior da
Universidade a repartir o bolo do poder. Trata-se antes de tudo, da luta pelo
poder, pela capacidade de influenciar e tomar decisões em relação ao destino da
Universidade. Nessa perspectiva, percebemos que o movimento estudantil
assume traços de uma cultura política nova, uma cultura onde não havia mais
tanto espaço para comportamentos políticos colaboracionistas ou elitistas.

Figura 09 – Critica a atitude de alguns professores da Faculdade de Agronomia que


forçaram a entrada na Escola de Agronomia durante o período de greve.

Percebe-se nestes três cartazes a mesma crítica, a “invasão” da Escola de


Agronomia pelos professores. Fato que foi bastante divulgado pela imprensa e
que apresenta diferentes versões. No entanto, para o movimento, o ato se
configurou como traição e contribuiu ainda mais para chamar a atenção da
opinião pública para a situação vivenciada na Universidade, naquele momento.
O cartaz traz de uma maneira destacada as ações realizadas pelos professores
“traidores”: ARROMBARAM, INVADIRAM E SAQUEARAM. Dando um
especial destaque ao prof. Ventura, como líder dessa ação.
Muitos professores da Universidade não admitiam que um movimento
realizado por estudantes pudesse fechar a UC. Na Faculdade de Agronomia,
83

relembrada por alguns de seus estudantes, como uma faculdade que possuía uma
direção muito conservadora e reacionária, os professores foram para o
enfrentamento. Evidentemente essa não era a diretriz da Administração Superior,
porém, nesse período, as Faculdades agregadas ainda possuíam uma mentalidade
de independência e autonomia frente à Reitoria.

Figura 10 – Faixa colocada em rua paralela a Praça do Ferreira.

Citada por alguns entrevistados, a Praça do Ferreira aparece nas


memórias como local onde as diversas tendências e ideias políticas circulavam
livremente, um local de intercâmbio e aprendizado cultural, social e político.
Não são poucos os historiadores que reconhecem a Praça do Ferreira como local
tradicional de manifestações, comícios e lutas políticas, além de ser um local
privilegiado de lazer e cultura, com cinemas, bares, clubes, etc...
Um local de grande circulação de pessoas. Local adequado para se
colocar uma faixa de protesto. Os estudantes queriam expor sua luta para a
grande opinião pública e assim trazê-la para o seu lado. Podemos considerar, a
partir da compreensão de Tilly, que esta ação política foi uma demonstração de
VUNC, pois estas também podem “assumir a forma de declarações, slogans ou
rótulos que implicam valor, unidade, números e comprometimento: Cidadãos
84

Unidos pela Justiça, Signatários do Compromisso, Defensores da Constituição”


(TILLY, 2010, p. 05). No caso do movimento estudantil: “Pela democratização
da Universidade com 1/3”.
Apesar de ter demonstrado uma forte capacidade de mobilização e de
inicialmente contar com apoio de outros movimentos sociais, o grande período
de paralisação já começava a desgastar o movimento grevista. Além das próprias
ações implementadas pela Reitoria, como a publicação de notas em diversos
periódicos da cidade, com o intuito de desautorizar o movimento. Percebe-se
também que em certo momento da paralisação estudantil, os periódicos
fortalezenses iniciaram um processo de desqualificação da greve.

“ESTUDANTES DENUNCIAM: A GREVE DA UNE É PROMOVIDA


POR COMUNISTAS” (Tribuna do Ceará 19/06/1962:1)

“NA ÂNSIA DE REFORMAS, ESTUDANTES TOMARAM UM


CAMINHO ERRADO: ESTÃO A SERVIÇO DOS COMUNISTAS”(OPovo
21/07/1962:1)

As informações trazidas por jornais da época sobre a participação de


comunistas nas ações grevistas são também uma forma de denegrir a imagem do
movimento grevista, em um contexto em que o discurso anticomunista era
bastante difundido e aceito na sociedade fortalezense. Considerando os
interesses que influenciaram a construção dessas notícias, nos parece que elas
representam uma tentativa de usar a greve como pretexto para denegrir a
imagem dos comunistas e vice-versa.
Outra questão que tomou vulto nos periódicos, no sentido de
desqualificar o movimento grevista, foi a ação relacionada à paralisação da
Imprensa Universitária. Amplamente divulgada nos jornais da época, inclusive
sendo tratado como caso de polícia.

“DANIFICADAS AS INSTALAÇÕES DA IMPRENSA


UNIVERSITÁRIA” (O Povo 16/07/1962:1.)

“VISTORIA POLICIAL NA IMPRENSA UNIVERSITÁRIA”. (O Povo


17/07/1962:1.)
85

No jornal O Nordeste, os estudantes tiveram direito de resposta, após o


jornal ter publicado que estudantes universitários realizaram atos de vandalismo
na Imprensa Universitária O comando de greve responde:

(...)Quinta-feira, última, dia 12, uma comissão de estudantes, autorizada pelo


comitê geral de greve, dirigiu-se a varias instituições que ainda se
encontravam funcionando, pedindo pacificamente aos respectivos diretores a
sua paralisação, os quais prontamente aquiesceram.
Sexta-feira, dia 13, como ainda continuava funcionando a Imprensa
Universitária do Ceará, nova comissão dirigiu-se àquele órgão, pedindo ao
seu diretor, Sr. Paulo Elpídio, que fechasse o mesmo. A resposta do Sr. Paulo
Elpídio foi negativa, alegando só obedecer as ordens do reitor Martins Filho,
e responsabilizando-se pela consequência do seu ato. Na noite do mesmo dia,
devidamente credenciada pelo Comando Central de Greve, uma outra
comissão de estudantes dirigiu-se à Imprensa Universitária e com toda ordem
e assistência técnica, retirou algumas peças do motor diesel(dínamo, filtro de
óleo), que foram cuidadosamente guardadas num local protegido, onde ainda
se encontram... (O Nordeste 19/06/1962:2.)

É evidente que nos meses de maio, junho, até a primeira quinzena de


julho, o movimento permanecia unido e forte, apesar dos conflitos internos,
principalmente em relação às discordâncias sobre a utilização da estratégia de
ocupação. Somente a partir da segunda quinzena de julho, o movimento grevista
começa a demonstrar desgaste por conta do longo período de greve e também
pelo descrédito frente à opinião pública, bastante induzida pelos meios de
comunicação. No começo de agosto, os estudantes iniciam o retorno às aulas,
após a intervenção do Exército Brasileiro para desocupação das faculdades, a
pedido do Reitor Martins Filho.
Ao fim da greve, notamos uma frustração por parte do movimento,
mesmo tendo sido uma ação que trouxe maior consciência política. Na realidade,
suas reivindicações não foram aceitas naquele momento. Logo, na posterior
eleição do DCE, é eleito o estudante Hélio Leite, fato que comprovava o início
da ascensão da Ação Popular-AP, organização da qual fazia parte.
Na sua primeira declaração ao Conselho Universitário-CONSUNI, Hélio
parece querer apaziguar os ânimos dos professores que se sentiram atingidos
pelas declarações dos estudantes em notas publicadas durante o período de
greve. Agora era um momento de uma nova estratégia por parte do movimento.
Uma estratégia de conciliação, que mudaria novamente após golpe de 1964.
Outras lutas, outro contexto, outras forças políticas que fazem parte de outras
histórias.
86

(...) O universitário Raimundo Hélio Leite esclareceu que no momento os


estudantes preferiam não se reportar diretamente aos acontecimentos da
época em que fora publicada aquela nota, reconhecendo que a greve havia
tomado rumos que se não desejava e que as opiniões se haviam radicalizado.
O propósito atual era o de uma nova fase, de ampla cooperação entre
estudantes e professores...(Ata da 80ª Sessão Ordinária do Conselho
Universitário, de 01 de outubro de 1962.)

São variados os fatores, alguns acima citados, que levaram a constituição


de um movimento social por parte dos estudantes. Ao analisar anteriormente
algumas ações e acontecimentos políticos protagonizados pelo movimento,
reconhecemos que nesse momento estava ocorrendo um processo de mudança na
cultura política estudantil e na sua forma de atuar e de se relacionar com outras
organizações e atores sociais, apesar de, como perceberemos mais adiante, o
mesmo movimento apresentar práticas relacionadas a uma cultura política mais
ampla, caracterizada pelo conservadorismo e relações de cooptação.
Compreendemos que analisar estes fatores apenas pela ótica das
manifestações e disputas políticas seria, além de perpetuar um padrão tradicional
de abordagem historiográfica sobre o movimento, limitar a compreensão da
natureza da atuação e da cultura política do movimento estudantil universitário
cearense.
Nessa perspectiva, para melhor compreender as contradições existentes
neste processo de mudança na cultural política estudantil, além de analisar suas
ações políticas, como manifestações e mobilizações, é preciso perceber aquilo
que é latente, informal e invisível na dinâmica política do movimento. No caso,
denominamos de invisível os aspectos deixados de lado pela maior parte da
historiografia produzida sobre o movimento estudantil: o recreativo (festas,
esportes, etc..), o cultural, o religioso e o assistencial.
Apesar da quantidade diminuta de fontes (produzidas diretamente pelo
Movimento) existentes sobre esse período do movimento, algumas colunas
jornalísticas fortalezenses são espaços onde podemos perceber pistas do seu
cotidiano. São elementos que singularizam o movimento estudantil universitário
cearense em relação aos outros movimentos espalhados pelo Brasil,
demonstrando sua interação com a realidade sociocultural fortalezense naquele
período histórico.
87

CAPÍTULO II

2. COMENTA-SE QUE...: Outras histórias do movimento estudantil universitário nas


colunas dos periódicos fortalezenses

“Comenta-se que...”. Assim era o título da última sessão da coluna do


Jornal Tribuna do Ceará31, “TC universitária”. Por três anos consecutivos
(1961-1963), essa coluna vinculou notícias que diziam respeito à vida da
Universidade do Ceará, entre elas, incluíam-se também as do movimento
estudantil, em seus diversos aspectos, sejam eles culturais, recreativos,
assistenciais ou políticos.
Nela podemos perceber acontecimentos que fazem referência à atuação
cotidiana e acontecimentos do movimento a partir da percepção do colunista
Orlando Leite32, que era responsável por alimentar esta coluna com notícias da
vida universitária. Vejamos o que escreve Orlando, no seu primeiro dia,
apresentando a nova coluna do Tribuna, que inicialmente e por pouco tempo foi
intitulada “tribuna universitária”, logo posteriormente firmando-se com o nome
de “TC universitária”.

APRESENTANDO:
“Tribuna do Ceará”, vespertino local que sempre tem procurado honrar os
seus objetivos, esforçando-se por fornecer ao público ledor um noticiário
cada vez mais vasto, abrangendo todas as facetas da vida social fortalezense,
achou por bem criar a secção “tribuna universitária”; esta, focalizando a vida
universitária do Ceará, também compromete, por meu intermédio a
contribuir para que se patenteiem ao público as lutas e reivindicações
acadêmicas, como também as metas conquistadas ou a conquistar, não só
por parte do Corpo Administrativo da Universidade do Ceará, mas ainda por
parte de toda a classe universitária do Estado. (Tribuna do Ceará,
12/04/60:6)

31
O jornal Tribuna do Ceará estava ligado aos interesses patronais e empresariais cearenses, foi fundado
em 1957 pelo empresário José Afonso Sancho. O Jornal já trazia elementos gráficos e editoriais
diferenciados, consonantes com as transformações pelas quais os grandes jornais passavam na década de
1950. Possuía, entre seus principais jornalistas, Pedro Mallmann, católico conservador, que escrevia a
coluna Dom Camilo e representava bem um caráter moralista e conservador da linha editorial do Tribuna.
32
Professor de música, maestro e animador cultural Orlando Leite escrevia sobre o cotidiano da vida
universitária. Divulgava desde jogos universitários a eleições do DCE e DAs, passando por festas e
manifestações promovidas pelo Movimento Estudantil.
88

Outra coluna que nesse período regularmente informava sobre a vida


universitária era a “Informes Acadêmicos” do jornal Correio do Ceará33. Escrita
por Pedro Henrique Saraiva Leão34 entre 1961 e 62, e por João Soares Neto35 de
novembro de 62 a outubro de 1963. Apesar de ter menos espaço que sua análoga
do Tribuna, também possuía variadas informações acerca da comunidade
universitária.
No cotidiano do movimento estampado nas colunas TC universitária e
Informes Acadêmicos, temos a política como mais um aspecto da realidade
estudantil. Encontramos além das disputas e conflitos políticos, o lazer, a
assistência e outros aspectos que revelam a relação dinâmica do movimento com
o contexto sociocultural de Fortaleza no início da década de 1960.
Vale ressaltar que estes aspectos são quase totalmente negligenciados
pela historiografia tradicional do movimento estudantil do período analisado.
Evidentemente existem exceções, como os estudos sobre a arte engajada do
Centro de Cultura Popular/CPC da UNE. No caso do CPC vale ressaltar sua
clara e direta relação entre a Arte, a Cultura e a Política.
Em outros aspectos que aparentemente parecem não ter relação direta
com a Política em um enfoque tradicional, como no caso da recreação, religião,
lazer ou assistência, a negligência dos estudos históricos é perceptível.
Acreditamos que estas formas de manifestação e as representações nelas
contidas podem estar associadas ao aspecto Político, já que também viabilizam o
controle do poder, possibilitam a construção da liderança e se constituem como
elementos do próprio poder.
As razões para tal negligência podem ser relacionadas a uma percepção
restrita acerca das questões que fariam parte do domínio do Político, trazendo
para análise do objeto um enfoque tradicional da política36. Acreditamos que as

33
O jornal Correio do Ceará pertencia ao grupo de comunicação Diários Associados, do empresário
carioca Assis Chauteaubriand. O Jornal possuía modernos elementos gráficos e editoriais. Possuía
também um quadro de jornalistas bastante ligados a intelectualidade cearense, como o seu diretor,
Eduardo Campos e o seu editor Murilo Mota, os dois pertencentes à Academia Cearense de Letras/ACL.
Do ponto de vista político, aparentava ter certa independência em relação aos grupos políticos locais.
34
Redator do Jornal Correio do Ceará.
35
Acadêmico da Escola de Administração da UC.
36
Segundo Motta (1996) há diferenças importantes entre o enfoque tradicional da política e o enfoque da
nova história política “... o enfoque tradicional de política é voltado para o estudo dos mecanismos de
funcionamento de poder, as intenções e interesses dos agentes políticos e as ações empreendidas para a
conquista e a conservação do poder. Os novos objetos de pesquisa em questão se encontram em torno dos
conceitos de imaginário, simbologia e cultura. A ênfase proposta é trabalhar a política não no nível da
89

fronteiras do que é Político são flexíveis e podem ser ampliadas ou diminuídas


dependendo das realidades históricas vigentes. Nas palavras de Remond,

Já que não se pode definir o político por uma coleção de objetos ou um


espaço, somos levados a definições mais abstratas. A mais constante é pela
referência ao poder: assim a política é a atividade que se relaciona com a
conquista, o exercício, a prática do poder, assim os partidos são políticos
porque têm como finalidade, e seus membros como motivação, chegar ao
poder. (REMOND, 1996, PP. 43-44)

Nesse sentido, atividades recreativas, assistenciais e até religiosas podem


assumir feições com fortes conotações políticas ou não. Sendo, às vezes,
percebidas meramente como atividades desprovidas do caráter político, outras
vezes percebidas claramente como atividades que possuem objetivos políticos
relacionados à construção de uma identidade ou no fortalecimento de laços de
integração entre indivíduos de um determinado grupo social.

Manhã Universitária domingo


Na Casa da juventude, começando às 7 horas – convite a todos os acadêmicos
cearenses.
Segundo as deliberações do último Congresso Estadual de Estudantes, os
acadêmicos das nossas faculdades estão desenvolvendo esforços no sentido
de dar a classe um maior sentido de espírito universitário (...) são festas,
assim, que os dirigentes universitários estão promovendo, visando a maior
unificação da classe, imprescindível para a formação do espírito
universitário! Chega de tanta desunião! Podemos construir cousa em comum.
(Tribuna do Ceará, 08.05.1952:4)

Antes mesmo da criação do CEU em 1957, as festas realizadas pela UEE


cearense já eram famosas na cidade. Como transparece na noticia, este momento
de lazer tinha como objetivo a união da classe estudantil. Como veremos na
sequência desse capítulo, as festas serão momentos importantes do cotidiano
estudantil, principalmente as tertúlias realizadas no Clube dos Estudantes
Universitários.
Além da dimensão festiva, recreativa e do lazer, comporão o quadro de
características do movimento estudantil na Universidade do Ceará as dimensões
da religião, da comunicação e da assistência. A assistência, em particular, será
um aspecto fundamental para ampliarmos a discussão acerca da cultura política
estudantil do período e sua relação com a cultura política mais ampla.

consciência e da ação informado por projetos e interesses claros e racionais, mas no nível do inconsciente,
das representações, do comportamento e dos valores” (MOTTA, 1996, p. 93)
90

Nesse sentido, as relações estabelecidas com a Administração Superior


da UC serão analisadas também a partir da ótica das atividades assistenciais.
Para subsidiar essa reflexão, dialogaremos com outras fontes, além das colunas
jornalísticas.
Dialogaremos com os boletins informativos da Universidade do Ceará. O
boletim era um periódico em formato de revista. Ele foi lançado no final de
1956, sendo considerado o instrumento oficial de comunicação da Universidade.
Neles encontramos notícias da vida universitária, inclusive relacionadas aos
estudantes e ao movimento, transcrições das Atas do Consuni, além de informes
e documentos oficiais do Departamento de Pessoal da UC.

...boletim mensal, que será um registro dos principais acontecimentos da vida


universitária. Terá esta publicação uma dupla finalidade: como órgão
informativo, veicular notícias da Universidade, relativas às principais
ocorrências nas Escolas e a atividades extra-curriculares; como órgão oficial,
divulgar as principais deliberações do egrégio Conselho Universitário e os
atos administrativos de maior relevância, destacando-se o Boletim do Pessoal
e não sujeito à publicação no Diário Oficial da União.
Será grande a utilidade do Boletim e importante seu papel na vida
universitária. Tenho a convicção de que se editará cada vez melhor, na razão
direta do entusiasmo e dedicação dos que hão de trabalhar na sua elaboração.
Oferecendo este primeiro número à apreciação benevolente de quantos o
tiverem em mão, espero que valiosas críticas e sugestões venham contribuir
para o seu aperfeiçoamento, com o que se estará servindo a causa da
Universidade e do desenvolvimento cultural do Ceará. (Boletim Informativo
UFC, no. 04, Janeiro-fevereiro de 1957, apresentação)

Apesar da riqueza de informações trazidas sobre a vida institucional da


Universidade, os boletins serão utilizados principalmente para fortalecer a
analise das relações existentes entre a Reitoria e o movimento, do ponto de vista
político e assistencial. Ressaltamos que em alguns momentos o boletim será
utilizado para defender claramente os interesses da Administração Superior
frente ao Movimento Estudantil.
91

2.1 SERÁ ELEITA MISS CEU...: o lazer e a recreação na atuação do movimento


estudantil cearense

Acreditamos que ressaltar ou apenas revelar os aspectos estritamente


políticos do movimento está inserido dentro de um padrão de análise histórica
que percebe um Movimento Estudantil que se caracteriza apenas na ação política
de manifestações públicas, de passeatas ou de contestação.
Nessa perspectiva, acabamos por deixar de lado outros aspectos que
certamente contribuem para singularizar estas experiências em seus diversos
espaços e momentos históricos. Nesse sentido é importante aprofundar a análise
desses outros aspectos, pois consideramos que estas diferentes dinâmicas de
tempo e espaço interagem com as diversas práticas e ações do movimento
estudantil, como por exemplo, a realização de concursos de miss.

SERÁ ELEITA MISS CEU


No próximo dia 26 será eleita no clube dos estudantes universitários, a Miss
CEU, que, com as demais senhoritas apontadas pelos demais clubes,
concorrerá ao título de Miss Ceará. Acredita-se que o certame desperte o
mais vivo interesse entre os diretórios acadêmicos e que o CEU brilhe desta
vez com sua candidata ao título de a mais bela cearense. Claro está que em
nossas Faculdades, notadamente as de Direito, Filosofia e Serviço Social há
muitas senhoritas realmente capacitadas a enfrentar o Júri. (Tribuna do
Ceará, 23/05/61:5)

Se considerarmos as formas de atuação do movimento nos dias atuais, a


eleição de miss parece ser um fato inusitado. No entanto, naquele período era
bastante comum em Fortaleza esse tipo de concurso. A eleição da Miss Ceará37
mobilizava boa parte da imprensa cearense e todos os clubes da cidade
participavam efetivamente da disputa. O movimento estudantil se insere nessa
realidade através do CEU, que era o promotor do concurso no âmbito da
Universidade do Ceará. Vale destacar, que anos 1930 e 40, os estudantes

37
Ver pesquisa desenvolvida por Lídia Noêmia Santos (2011) sobre juventude e gênero na imprensa
fortalezense na década de 1950.
92

secundaristas do Liceu e do Fénix Caxeral realizavam concorridos concursos de


rainha do colégio.
Ressaltamos que o imaginário construído em torno desses concursos é
revelador de aspectos sociais relacionados aos novos valores e práticas impostos
pela modernidade. Nesse caso, por trás da disputa encontra-se a valorização de
um novo ideal de mulher burguesa, com novos padrões estéticos, de elegância e
também de consumo.
Não podemos esquecer que as estudantes da UC faziam parte dessa
realidade e tinham interesse na disputa, haja vista se ter naquele momento um
verdadeiro culto em relação à imagem da miss, que era geralmente qualificada
como uma mulher culta, discreta, sensata, educada e refinada.
Para o movimento, seria uma forma de aglutinar os estudantes em prol do
incentivo à representante do CEU e legitimar sua representatividade no seio da
classe universitária. Para o clube, seria uma ótima oportunidade para se
promover. Vale ressaltar que o CEU tinha a natureza de um clube social,
semelhante aos vários outros clubes sociais que havia na cidade. Como os
outros, possuía associados que pagavam anuidades, possuía uma sede, realizava
eventos de toda a natureza e principalmente, as famosas tertúlias.
Realizadas, geralmente, às sextas-feiras à noite, as tertúlias eram
momentos de lazer para a estudantada universitária. Festa de estudantes, onde
eles dançavam, escutavam música, namoravam e bebiam. Momentos
importantes de lazer e divertimento que traziam uma ideia de identidade e
unidade aos estudantes.

No divertimento em grupo, do mesmo modo que na religião, o indivíduo


"desaparece" no grupo e passa a ser dominado pelo coletivo. Nesses
momentos, apesar ou por causa das transgressões, são reafirmadas as crenças
grupais e as regras que tomam possível a vida em sociedade. Ou seja, o grupo
revigora periodicamente o sentimento que tem de si mesmo e de sua unidade.
Ao mesmo tempo, os indivíduos são reafirmados na sua natureza de seres
sociais. (AMARAL, 1998, p. 14)

As tertúlias faziam parte do cotidiano dos estudantes. Ao quebrar a rotina


dos estudos, estas festas, organizadas pelo estudantes que administravam o CEU,
eram momentos de lazer e recreação que criavam nos universitários um
sentimento de pertença em relação ao movimento estudantil. “A festa é sempre
93

ruptura com a rotina e com semelhança, ela é a ordem da simulação, da


invenção, do sonho e do delírio.” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 148)

TERTÚLIA NO CEU
Hoje haverá mais uma tertúlia dançante, no clube dos estudantes
universitários. Acreditamos que houve uma impossibilidade na tertúlia de
sexta-feira passada, no sentido de sua continuação. Realmente muitos pares
ainda dançavam quando, não se sabe porque, cessou a música. As tertúlias
do CEU, sempre animadas, precisam desenrolar-se normalmente e nesse
sentido apelamos para dinâmica Direção daquele distinto clube. (Tribuna do
Ceará, 29/04/1960:6)

Vale salientar que as festas não se realizavam apenas no CEU, em outros


espaços universitários também eram realizadas tertúlias, que poderiam acontecer
para festejar diversas situações como vitórias políticas, datas comemorativas ou
comemoração de conclusão de curso. Como podemos constatar na coluna
universitária do Tribuna.

Tertúlia
Às 20 horas de hoje começará na Faculdade de Farmácia, uma animada
tertúlia dançante, uma promoção dos concludentes de 1961. Será animada ao
som de radiola e um bar estará em funcionamento na Faculdade. A entrada
será franqueada a todos os universitários, que estão convidados a se fazerem
presentes. Não resta dúvida de que será movimentada. (Tribuna do Ceará,
16.09.1961:4)

O CEU era o local privilegiado para as atividades festivas dos estudantes.


Percebemos que o Clube do Estudante Universitário38 foi um espaço muito
importante para o Movimento. Como disse Oswald Barroso39: “o coração do
movimento estudantil na cidade durante os anos 1960” (MAIA JÚNIOR, 2008,
p.21).

38
A primeira sede do CEU foi o mesmo prédio alugado que serviu de sede para a Reitoria, nas
proximidades da Faculdade de Direito onde passou a funcionar, em 1957, com o restaurante universitário
instalado no térreo e o DCE no pavimento superior. Em 1959, com a construção da sede da Divisão de
Assistência ao Estudante na Av. Visconde de Cauípe, vizinho à Escola de Engenharia, foi transferido para
as proximidades da Reitoria(...) O Edifício projetado, de vãos completamente livres, abrigava no
pavimento térreo o Restaurante Universitário concebido, no trecho que corresponde ao refeitório, como
inteiramente aberto, funcionando com que um pórtico emoldurando a visão da quadra esportiva
construída imediatamente atrás. O segundo pavimento era destinado ao funcionamento do Clube dos
Estudantes Universitários (CEU) e ao Diretório Central dos Estudantes (DCE). O terceiro pavimento, por
sua vez, foi destinado para a residência de estudantes. (OLIVEIRA, 2005, pp. 89 – 90)
39
Militante da Ação Popular (AP), em Fortaleza, na década de 1960.
94

Na Fortaleza dos anos 1950 e 60, um dos principais espaços de


socialização e lazer era o Clube40, uma das razões para explicar essa realidade
era o fato de que em um espaço urbano onde a pobreza estava estampada por
todos os lados, a noção de lazer pode ser caracterizada apenas pelas atividades
desfrutadas pelas classes dominantes.
Os clubes se destacaram como uma maneira de demonstração de
distinção social e poder. Locais onde só poderiam acessar quem fizesse parte dos
seus quadros de associados, onde se devia manter certo decoro e
comportamentos socialmente determinados e controlados.
Nessa perspectiva, os clubes, entre eles o CEU, representavam um tipo
de lazer condizente com o progresso, com a modernidade. E se por um lado, o
CEU atuava como espaço aglutinador dos estudantes e fomentador de uma
unidade e de uma identidade, também possuía a função de diferenciar, delimitar
e demarcar o espaço de um grupo social. Se as portas abrissem para outros, logo
o conservadorismo se expressaria em alguns segmentos estudantis,

ENGENHARIA PROMOVE CAMPANHA DE MORALIZAÇÃO


Em várias ocasiões tivemos oportunidade de nos reportar aqui sobre
irregularidades que vêm se repetindo no clube dos estudantes universitários.
O CEU, organização originalmente universitária deixou há muito de ser uma
entidade privativa do corpo discente da UC para se tornar um clube de
acesso fácil a quaisquer indivíduos estranhos a classe acadêmica do Ceará.
Essas facilidades anti-estatutárias e arbitrárias vêm sendo mantidas pela
camaradagem ou “comment-dirais-je” pelo companherismo excessivo e até
certo ponto abusivo por parte dos membros diretores da associação. Seria
ocioso citar pormenores pois os leitores freqüentadores do CEU(e é irrisório
o número de universitários sócios daquela entidade) conhecem de perto as
falhas que discorrem com freqüência mercêr da distribuição indevida e
indiscriminada de convites e da ausência total de vigilância por parte dos
diretores da agremiação. Os leitores não ignoram igualmente os agravantes
acarretados por esse relaxamento administrativo. E para por um freio “em
tudo que ali está” o D.A. Walter Bezerra de Sá, (Jorge Cals Coelho), da
Escola de Engenharia, vai dar início a uma campanha de moralização do
CEU. A iniciativa merece o apoio da nova diretoria da entidade (Hercílio
Matos Moreira), do presidente (Régis Juca) DCE, e naturalmente das demais
faculdades da UC interessadas em preservar o bom nome de seu clube
perante si mesmas e a sociedade local. (Correio do Ceará, 18/04/1961:6)

A nota encaminhada pelo Diretório da Engenharia reflete um CEU bem


diferente do imaginário relacionado ao movimento estudantil das manifestações,
passeatas e greves. Na realidade, o Clube dos Estudantes Universitários, apesar

40
Ver pesquisa desenvolvida por Mirtes Pontes (2005) sobre os clubes fortalezenses nas décadas de 1950-
70.
95

de ser um espaço que está diretamente relacionado à luta política estudantil,


como no período da campanha da legalidade, também era um espaço que se
inseria no contexto da cidade, como um clube que reforçava comportamentos
sociais excludentes.
Outro aspecto relacionado ao lazer e recreação, era o Esporte, em
especial os jogos universitários. O esporte universitário surgiu antes da criação
da Universidade Federal do Ceará. A FUCE41, Federação Universitária Cearense
de Esportes, na década de 1940, já organizava jogos e torneios em Fortaleza,
além de congregar associações desportivas de vários cursos.
Estas associações eram presididas por estudantes, criadas através de
assembleias gerais e regidas por estatutos. Elas respondiam a FUCE, que
respondia à CBDU, que por sua vez respondia ao Ministério da Educação. Todas
as filiadas tinham de ter seus estatutos e suas contas aprovados pela entidade
superior, e qualquer falta sofria a punição prevista na legislação competente.
(PORTUGAL, 2010)
Os primeiros Jogos Universitários ocorreram em 1957. Na gestão de
Djacir Martins, o DCE realizava pela primeira vez os jogos esportivos da UC,
em que participariam todas as escolas superiores, incorporando elementos
simbólicos como desfile das escolas, condução da tocha olímpica, cerimônia de
abertura, escolha da rainha e festa encerramento, os jogos tornaram-se
importantes rituais42 de sociabilidade entre estudantes, cursos e a sociedade
fortalezense.

PRIMEIROS JOGOS UNIVERSITÁRIOS


O Diretório Central dos Estudantes e a Federação Acadêmica de Desportos
promoveram, de 14 a 21 de setembro, sob os auspícios da reitoria da
Universidade do Ceará, os primeiros jogos universitários, deles participando
todas as unidades de ensino superior. O certame teve início com o desfile dos
atletas pelas ruas da cidade, tendo um acadêmico conduzido o fogo olímpico
até a reitoria, onde o presidente do D.C.E. O universitário Djacir de Oliveira

41
Segundo Portugal (2010) a Federação Universitária Cearense de Esportes, FUCE, estava vinculada à
CBDU, Confederação Brasileira de Desporto Universitário. Enquanto a FUCE organizava torneios e os
Jogos Universitários Cearenses, seu evento maior, a CBDU organizava os Jogos Universitários
Brasileiros, congregando estudantes de todos os estados do Brasil através de suas entidades locais.
42
Como nos lembra Motta(1996) “...os rituais cumprem uma função integradora, pois disseminam as
normas e valores sustentadores da vivência coletiva. Além disso reforçam o sentimento de identidade do
grupo, através da repetição ritualizada de cerimônias coletivas. Virtualmente invariável, o ritual,
exatamente por sua feição repetitiva, afiança a força e a perenidade da mensagem e do próprio grupo,
encontrando segurança e fé no porvir” (MOTTA, 1996, p. 97)
96

Martins, pronunciou uma saudação ao magnífico reitor, prof. Antônio


Martins Filho. Em seguida no ginasium Fênix Caixeral, encontraram-se todos
os atletas, perante numerosa assistência, usando a palavra, na ocasião, o
acadêmico Agérson Tabosa Pinto e o magnífico reitor Martins Filho. As
competições foram realizadas no Ginasium Fênix Caixeral e no estádio
Presidente Vargas, compreendendo futebol, volibol masculino e feminino,
basquetebol e futebol de salão. Para que todos os acadêmicos pudessem estar
presentes aos jogos, o egrégio Conselho Universitário deliberou a concessão
de feriados durante a realização dos mesmos. Encerrando a semana olímpica
houve, no clube dos Estudantes Universitários, animada festa, que contou
com a presença do magnífico reitor, diretores de faculdades, professores e
estudantes. Na oportunidade, foram entregues taças aos campeões olímpicos
realizando-se ainda a escolha da “Rainha dos Jogos Universitários”, certame
a que concorreram varias candidatas, sagrando-se vitoriosa a senhorita Sônia
Fecury Rodrigues, aluna da Faculdade de Filosofia. (Boletim Informativo
UFC, no. 08, setembro-outubro de 1957, p.13)

A partir da criação da Universidade do Ceará, os jogos universitários


ganharam fama e se tornaram grandes eventos que movimentavam toda a cidade.
A partir da 2ª. edição dos jogos universitários, a quadra do CEU se firmaria
também como o espaço dos concorridos certames esportivos, badaladas
cerimônias de abertura, encerramento e festas de comemoração, onde se faziam
presentes não só os estudantes, mas a sociedade como um todo.
Vale a pena ressaltar que os Jogos Universitários e a ritualística que neles
se inserem fazem parte de uma construção simbólica que representa o advento e
a importância tanto do movimento estudantil representando pelo DCE quanto da
própria Universidade do Ceará. Duas entidades recentemente nascidas e que
necessitavam construir suas tradições43, seus símbolos, seus rituais, suas próprias
identidades.

43
Segundo Eric Hobsbawm (1984) as tradições podem ser classificadas em três categorias de tradições
inventadas : “a) aquelas que estabelecem ou simbolizam a coesão social ou as condições de admissão de
um grupo ou de comunidades reais ou artificiais; b) aquelas que estabelecem ou legitimam instituições,
status ou relações de autoridade, e c) aquelas cujo propósito principal é a socialização, a inculcação de
ideias, sistemas de valores e padrões de comportamento.” (Hobsbawnt, 1984, p.18). Acreditamos que os
jogos tenham a função, numa perspectiva de tradição inventada, incorpora características destas
categorias citadas por Hobsbawn, já que simbolizam uma coesão social em relação universidade e
estudante, legitimas estas instituições e possuem a socialização de determinados valores e padrões de
comportamento socialmente desejados.
97

Figura 11 – Desfile de abertura dos 2º. Jogos Universitários em 1959. (Boletim Informativo
UFC, no. 20, setembro-outubro de 1959, p.397)

Figura 12 – Desfile de abertura dos 2º. Jogos Universitários em 1958. (Boletim Informativo
UFC, no. 14, setembro-outubro de 1958, p.09)
98

Percebemos nas imagens acima a grande magnitude do evento. Passando


pelas principais ruas do centro da capital, o desfile de abertura dos jogos
universitários atraia os olhares de boa parte da população que frequentava a área
central de Fortaleza. Com carros alegóricos, lambretas, estandartes, cartazes e
uniformes, os estudantes atletas desfilavam e interagiam com a dinâmica urbana
de Fortaleza e sua população. Apesar do caráter integrador, festivo e unificador
dos jogos estudantis, as disputas, em cada esporte, fomentavam um sentimento
de rivalidade entre os estudantes das diversas faculdades que aos poucos
começavam a se integrar na nova Universidade.

Figura 13 - Reitor Martins Filho discursando na abertura dos primeiros jogos universitários, em
1957, no ginásio do Fénix Caixeral. (Boletim Informativo UFC, no. 08, setembro-outubro de 1957, p.14)

Diferentemente das passeatas ou desfile dos bichos44 no pós-1964,


analisadas por Edmilson Maia45, os desfiles dos jogos universitários eram mais

44
A passeata era um “desfile” pelo centro da cidade dos recém-aprovados no vestibular da Universidade
do Ceará e das unidades de ensino superior existentes em Fortaleza. Realizava-se logo no início do ano
letivo, acontecendo em um sábado, com milhares de pessoas assistindo nas calçadas e praças do coração
da cidade na época. Era, pois, um evento de grande repercussão e movimentação cuja qualificação é de
um evento “tradicional” dos estudantes universitários. Uma definição constante durante todo o restante
da década, que revela o caráter ritualístico que o evento possuía, no tocante a representação da juventude
universitária e sua importância para a cidade. (Maia Junnior, 2002, p.)
45
Apoiado principalmente em antropólogos, o historiador Edmilson Maia (2002) analisou as passeatas e
desfiles dos bichos da Universidade do Ceará, nos anos posteriores ao golpe de 1964. Apesar de objetivos
e momentos diferentes, acreditamos que tanto a passeata dos bichos quanto os desfiles dos jogos
99

formais e conservadores. Possuindo poucas brechas para momentos de


reivindicação, denúncia e crítica políticas. Pelo contrário, o ritual incluía um
momento de agradecimento e homenagem ao Reitor Martins Filho, como
demonstração das relações amistosas dos estudantes com a Administração
Superior da Universidade.

SEGUNDOS JOGOS UNIVERSITÁRIOS


Sob o patrocínio do Diretório Central dos Estudantes e da Federação
Acadêmica de Desporto do Ceará, tiveram início, no ida 18 de outubro, os II
Jogos Universitários, com a participação de nove unidades universitárias,
partindo o cortejo da praça da bandeira pelas ruas principais da cidade até
alcançar o estádio General Eudoro Corrêia, da Escola Preparatória de
Fortaleza. Encerrando o cortejo, desfilou em carro alegórico a rainha dos Io.s
Jogos Universitários, Sra. Sônia Fecury.
As competições, que se efetuaram dia 18 a 27 daquele mês, atingiram
elevado índice técnico, tendo a Escola de Agronomia levantado a taça
“Eficiência”, conquistando o título de campeã dos jogos nas seguintes
modalidades: basquetebol, futebol de salão e atletismo. Enquanto isso, a
faculdade de medicina adquiriu para si os troféus de xadrez e tênis de mesa: a
Faculdade de Ciências Econômicas, os de volibol e tênis: a Faculdade de
Filosofia os de futebol “association” e volibol (feminino), ficando com a
Escola de Engenharia a primazia da natação. Por outro lado, a Faculdade de
Direito sagrou-se campeã do desfile, ficando com a Faculdade de Farmácia e
Odontologia a taça “disciplina” e com a escola de Enfermagem a de
“pontualidade”(...)(Boletim Informativo UFC, no. 14 set-out de 1958, p.14.)

Um dos trechos que chama a atenção nesta notícia publicada no boletim


informativo é relativa às modalidades em que cada faculdade foi vitoriosa. Entre
os diversos esportes e o próprio desfile, alguns valores também são considerados
modalidades sujeitas à premiação. Compreendemos que a prática da premiação
dos valores da disciplina e da pontualidade procura representar para a sociedade
comportamentos que devem ser incultados na juventude universitária.
Na realidade, os jogos e festas promovidas, que geralmente contavam
com o apoio da Administração Superior, também eram formas de fortalecer uma
visão de lazer e recreação, entendida pela Reitoria como a mais adequada aos
jovens universitários. Festas ocorreriam no espaço universitário, ou seja, espaços
de alguma forma controlados pela Administração Superior, em locais pré-
definidos para esse tipo de lazer e recreação.

universitários possuem elementos de representação de um evento como festa, que ocupa lugar de destaque
no imaginário social da cidade, que pára para contemplar e assistir o que os jovens têm a lhe dizer. No
caso dos jogos, a importância do esporte para o desenvolvimento saudável da juventude e do país, já que
os jovens eram considerados o seu futuro. Nesse sentido, temos o entrelaçamento do jovem com a
instituição universitária na visualização do papel da universidade como agente desenvolvimentista em
Fortaleza e para o Estado do Ceará.
100

No caso dos jogos universitários, seria também uma forma de lazer


“sadio” e recreação realizada em espaços universitários construídos para receber
estas atividades sobe jurisdição da Reitoria. Não é à toa que a nova sede do
CEU, a quadra do CEU e toda estrutura de lazer e assistência foi construída
numa área bem próxima à Reitoria (ver foto maquete abaixo).

Figura 14 - Foto da maquete dos prédios universitários do Campus Benfica, podemos observar a Reitoria
(1) no quarteirão central e os prédios do CEU e assistência estudantil (2) do lado esquerdo, no lado da Av.
da Universidade. (Boletim Informativo UFC, no. 59, março-abril de 1966, p.80)

Para a Administração Superior, essas formas de lazer e recreação seriam


formas adequadas de preencher o tempo de folga dos estudantes, evitando que os
mesmos dedicassem seu tempo em outras atividades que não fossem condizentes
com o ideal de jovem universitário, como por exemplo, atividades políticas. Na
próxima sessão, perceberemos que o movimento se apropria dessas estruturas e
ações de lazer e assistência e as transforma também em ação política.

2.2 RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO: ESCOLHA DE COMENSAIS...: a ação de


assistência no movimento estudantil

RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO: ESCOLHA DE COMENSAIS


O clube dos estudantes universitários, atualmente já funcionando com seu
restaurante na nova sede do Benfica, está selecionando os comensais para
este ano de acordo com a indicação dos diretórios e centros acadêmicos da
EU. Em virtude da grande demanda que se vem registrando o D.A XXII de
maio, da Faculdade de Medicina promoverá hoje uma reunião do Conselho
101

de Representantes da turma para selecionar os alunos que integrarão este ano


o quadro de comensais do RU. (Correio do Ceará, 05/05/1960:6)

A partir de 1958, o CEU começava a funcionar no mesmo prédio onde


estava localizado o DCE, lá também existiam dormitórios, sala de assistência
odontológica e o restaurante. Vale destacar que essa estrutura foi financiada pela
Reitoria, porém a parte da administração desses equipamentos de assistência era
feita pelos próprios estudantes.
Os gestores do CEU ou do restaurante eram indicados pela liderança do
movimento, e os alunos que podiam utilizar o restaurante eram escolhidos pelas
lideranças de cada Diretório Acadêmico, fato que sugere uma maior
proximidade das lideranças com as bases estudantis. Em reuniões que
aconteciam nos diretórios de cada curso, as lideranças do movimento, em
conjunto com as lideranças de cada turma, definiam quem seriam os estudantes
incluídos no quadro de comensais. Cada curso possuía um número determinado
de vagas.
Apesar da gerência dos estudantes, estes deveriam seguir as normas
estipuladas pela Administração Superior. Muitas delas, criadas para o
gerenciamento da estrutura de assistência na Universidade, foram elaboradas
pelo Consuni sem quase nenhuma participação dos estudantes46. Realidade que
transparece o enfraquecimento político do DCE em termos de representatividade
na política estudantil universitária, mesmo sendo bastante positivo no sentido de
legitimar a entidade perante a classe universitária.

RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO
Poucos colegas querem ter a grande responsabilidade da direção do
restaurante universitário. É um cargo espinhoso, onde surgem vários
problemas: a organização do serviço, a fim de que não falte alimentação
diária para quase 370 comensais: desprendimento e disposição, para dedicar

46
As fontes indicam que só a partir de 1959 é que começa a existir efetivamente a participação das
entidades estudantis na definição das normas de gerências de alguns equipamentos assistenciais. É o que
indica a transcrição da Ata da 36ª. Sessão ordinária do Conselho Universitário realizada no dia 12 de
março de 1959. “...Restaurante Universitário: - Tinha o reitor a comunicar que depois de entendimentos
entre a reitoria, os diretores das unidades incorporadas e os presidentes do Diretório Central dos
Estudantes e da União Estadual dos Estudantes, foram acertadas as normas para funcionamento, no
corrente ano, do restaurante universitário. De conformidade com que ficara estabelecido, a direção do
restaurante deveria continuar a cargo de uma co-gerência de estudantes, integrada pelos presidentes do
DCE e da UEE, tendo sido instituída uma comissão supervisora do restaurante universitário, sob a
presidência do reitor e constituída dos Diretores das Escolas federais e dos presidentes do DCE e da
UEE...”(Boletim Informativo UFC, no. 17, Mar-Abril de 1959. P.19)
102

várias horas a essa incumbência. Merece, portanto, elogios de nossa parte o


ex-diretor do RU, colega Carlos Alberto (Agronomia), que tão bem
desempenhou seu cargo, em sua gestão houve um serviço mais ou menos
bem realizado. Se melhor não foi é porque nada se faz, principalmente no
Ceará, com uma perfeição absoluta. (Tribuna do Ceará, 07/08/1961:5)

A administração dos equipamentos assistenciais tornou-se estratégica


para o movimento estudantil na Universidade, apesar de ser uma tarefa
complicada para os estudantes que tinham que administrar e ao mesmo tempo
dar conta dos estudos. O reconhecimento do trabalho, exposto na coluna TC
universitária, revela o alto grau de responsabilidade e de comprometimento que
estes estudantes tinham com o movimento estudantil.
Ao analisarmos a atuação do movimento em seu caráter assistencial,
aparentemente podemos acreditar que estamos tratando de um assunto banal e
corriqueiro, sem tanta importância ou influência na cultura política estudantil.
No entanto, este aspecto se reveste de importância fundamental para
compreensão da política estudantil, já que fatores relacionados à conjuntura
política mais ampla são expostos nas relações construídas entre a Reitoria e o
movimento estudantil.
O Centro Estudantal Cearense, entidade máxima do movimento
estudantil na década de 1930, já tinha como importante base de legitimação sua
atuação assistencialista, inclusive recebendo apoio financeiro do Governo para
realizar estas atividades, como na campanha da construção da Casa do
Estudante. Evidentemente que o apoio governamental não acontece sem
interesse. Em certos momentos, se fazia sentir a intervenção ou a influência do
poder público nas entidades e movimentos sociais no sentido de garantir a
manutenção do status quo.
As fontes que foram analisadas demonstram vestígios desse tipo de
relação política entre a Administração Superior da Universidade e o movimento
estudantil, principalmente quando analisamos o aspecto assistencial. Pois é aí
que a Reitoria procura mais intensamente, através de recursos estruturais,
financeiros e simbólicos, de alguma forma influenciar, interferir ou controlar a
representatividade do movimento estudantil. Em uma perspectiva nacional, essa
realidade também transparecia na União Nacional dos Estudantes, mas já com
reservas e preocupações em relação à autonomia e independência da entidade.
103

Apresentação da Gestão UNE 1956-1957


2 – Verbas para UNE
A futura administração da UNE contará com apreciável acréscimo em sua
receita, desde que se encontra incluída no projeto de orçamento enviado à
Câmara dos Deputados pelo ministro de Educação e Cultura, emenda
assistida pelo próprio diretor da divisão de orçamento do MEC – visando a
acrescentar CR$ 700,000,00(setecentos mil cruzeiros) a partir do próximo
ano orçamentário.
4 – Fundação do Estudante
Consubstanciando o arrojado plano de criação da rede nacional de
restaurantes e casa de estudante, pretende o Governo federal enviar ao
Parlamento projeto que institui a Fundação do Estudante Brasileiro, entidade
capaz de suprir as necessidades existenciais do estudante brasileiro. Pensa o
Governo em solucionar o problema. Até agora, porém, não teve a UNE,
conhecimento dos estatutos da futura instituição. Sem pretender criticar
o que parece vir em boa hora, queremos ressaltar a importância de
cuidado com a análise jurídica da organização idealizada, a fim de que
não se comprometa a autonomia das entidades estudantis. A
independência da classe universitária acha-se intimamente ligada à
independência econômica da entidade que a representa, eis uma norma
da qual não nos podemos afastar. (MOTA, 2009, pp. 71-72) grifo nosso

Em dois trechos da prestação de contas da gestão UNE 1956-57, o


estudante cearense Aroldo Mota, na época tesoureiro da UNE, traz informações
sobre o financiamento governamental da entidade e faz referência sobre a
possível criação de uma fundação de assistência aos estudantes. Percebemos a
preocupação da entidade com a possível ingerência do Governo na UNE e a falta
de discussão com a entidade em relação à criação da fundação.
Não acreditamos que a prática de financiamento estatal de entidades de
representação possa retirar a autonomia política dessas organizações. Porém
essas relações refletem características de uma cultura política, que apesar de ter
herdado variados elementos dos valores, práticas e tradições estadonovistas,
possuía peculiaridades daquela nova, rica, complexa, curta e insipiente
experiência democrática, que muitos historiadores classificaram
equivocadamente como democracia populista47. Não podemos esquecer que esta
fase da história brasileira foi bastante efervescente do ponto de vista da
participação política de variados atores sociais. Para Gomes(2009),

47
Segundo Jorge Ferreira (2003), “A pouca dedicação dos historiadores e as imagens fortemente
introjetadas no imaginário acadêmico que desqualificam o período reforçaram a caracterização do regime
político como populista. Durante muitos anos, a experiência democrática que se abriu em 1945 com o fim
do Estado Novo e se encerrou com o golpe civil-militar de 1964 ficou conhecida por categorias
pejorativas como período populista, república populista ou democracia populista. O sindicalismo,
igualmente populista, ainda recebeu a qualificação de “velho”. As expressões podem ser encontradas
tanto em livros didáticos quanto em textos produzidos nas universidades. Nada há de ingênuo nessas
maneiras de nomear aquele período da história do país. O objetivo é desqualificar o regime de 1946-1964
como uma experiência de democracia representativa.”(FERREIRA, 2003, p.17)
104

...esse foi um período de grandes e importantes movimentos sociais na


história republicana: a campanha do “petróleo é nosso”; greves sindicais;
formação de associações de trabalhadores rurais, etc... quer dizer, esse foi um
tempo em que se expandiu a representação e também a participação política
da população das cidades e do campo, guardadas suas especificidades.
Durante essas duas décadas aconteceram quatro eleições presidenciais e seis
para o Congresso, além de muitas eleições estaduais e municipais...(GOMES
in SOIET, 2009, p. 13)

Nesse cenário, existiam relações tanto harmoniosas quanto conflituosas


entre o Movimento e a Administração Superior da UC. Acreditamos que o
movimento estudantil universitário cearense, inserido em uma cultura política
mais ampla, tinha uma interlocução com a Administração Superior da
Universidade, sendo esta interlocução, muitas vezes, pautada em práticas
políticas que poderiam ser classificadas como uma política de cooptação48 ou
melhor, de tentativa de cooptação por parte da Administração.
Estratégias eram montadas de ambos lados para se atingir objetivos. O
fato de se tentar influenciar, controlar ou cooptar não significa que se foi
efetivamente controlado, cooptado ou influenciado. Os fatos demonstraram, na
perspectiva nacional, que mesmo recebendo apoio financeiro estatal, o
movimento estudantil, assim como outros movimentos sociais da época, assumiu
diversas vezes bandeiras que não interessavam ao Estado, assim como muitas
vezes o Estado não ficou do lado do movimento.

48
Ao analisar o sistema político brasileiro no período de abertura democrática (1945-1964), Simon
Schwartzman (1975) traz um enfoque teórico que acentua a autonomia relativa do Político, ressaltando a
análise do Estado como uma estrutura específica cujas características não podem ser simplesmente
deduzidas da estrutura de classes, como um dos principais fatores determinantes da natureza do sistema
político de uma sociedade. Para Simon existem dois padrões de sistema político que caracterizam uma
determinada cultura política. O padrão de representação refere-se à participação política baseada na
organização autônoma dos grupos e classes sociais em função da articulação e defesa de seus interesses
específicos na esfera pública. Em termos de atuação partidária, este padrão é exemplificado pela
experiência das democracias europeias ocidentais. O padrão de cooptação corresponde, ao inverso, uma
situação na qual a implementação dos interesses setoriais se dá diretamente através do controle das
agências burocráticas, situando o núcleo do conflito político na disputa por cargos e na imposição de
políticas governamentais. Nesse sentido, as pressões por participação por parte dos grupos, movimentos e
lideranças previamente fora do esquema de poder tendem a ser absorvidas através da concessão de
posições na administração pública, dessa forma se efetivando um tipo de participação política dependente
e controlando de cima para baixo. Entendida, fundamentalmente como uma política de controle e
manipulação das formas emergentes de participação. Para o autor, a preponderância do padrão cooptativo
na evolução do processo político brasileiro resultou na constituição, em 1945, de um sistema partidário
centrado na luta pela obtenção de cargos no aparelho governamental, cujo o controle era condição de
força eleitoral. No sistema de cooptação, quanto mais íntima a participação do líder na burocracia
governamental, maior sua força política, já que terá acesso a mais recursos para manter o controle de sua
base política. No caso dos partidos políticos, apoiados no controle de recursos burocráticos os partidos
estabeleceram com suas bases um padrão de relacionamento baseado antes na manipulação de tais
recursos para a distribuição de favores do que em vínculos ideológicos.
105

Os vestígios históricos indicam que, nos anos iniciais do DCE, existia


certa desinformação acerca da autonomia da nova entidade em relação à
Administração Superior, da participação estudantil na política universitária e de
como seria esta participação. O próprio estatuto do DCE devia passar pelo crivo
do Consuni, como podemos observar na citação abaixo. É preciso esclarecer que
nesse período ainda não havia representação efetiva da classe universitária no
conselho.

ESTATUTO DO DIRETÓRIO CENTRAL DOS ESTUDANTES


O magnífico reitor esclareceu que o anteprojeto de estatuto do Diretório
Central dos Estudantes trazia longo e bem fundamentado parecer do
consultor jurídico da Universidade. No entanto, como deveria ser
previamente apreciado pela comissão de Ensino e Legislação, sugeria que
naquela comissão fosse distribuído o processo, devendo o mesmo voltar à
apreciação do conselho na próxima sessão. A sugestão foi aprovada. (Boletim
Informativo UFC, no. 03, outubro-novembro-dezembro de 1956, p. 26)

Nos primeiros anos de existência da Universidade, existia uma forte


relação de interdependência e colaboracionismo do DCE em relação à Reitoria,
não somente em termos financeiros, mas também simbólicos. Era comum nos
variados festejos e comemorações, existirem momentos quase ritualizados de
agradecimento e homenagem ao reitor Martins Filho. Evidenciamos nessas
situações uma representação de respeito, colaboração, unidade e harmonia entre
esses atores. Evidentemente que em algum momento o reitor pode ser
homenageado pelo movimento, mas a recorrência, a ritualização indicam outros
aspectos que se relacionam às características da cultura política estudantil do
período.
106

Figura 15 – Homenagem dos estudantes ao reitor Martins Filho, no CEU, em 1959. (Boletim Informativo
UFC, no. 19, julho-agosto de 1959, p.323)

O reitor Martins Filho, ao investir em ações e estrutura de assistência


para os estudantes e permitir que integrantes do movimento gerenciassem alguns
setores de assistência, esperava ter o apoio político do movimento ou pelo menos
possuir certa influência na representação estudantil.
Acreditamos que as estratégias de cooptação tinham, como uma de suas
bases ideológicas, a percepção de que “estudante deveria estudar e não se
envolver em política”. Nessa perspectiva, apesar dessa política assistencial
fortalecer o movimento estudantil junto a suas bases, era um sistema que
procurava controlar e manipular o modelo de representação estudantil na política
universitária.
Por outro lado, o movimento também tinha suas estratégias49 e uma delas
se expressou na ampliação simbólica desses espaços de assistência, dando-lhes
forte conotação política. A hora do almoço, no restaurante universitário, virou

49
Segundo Certeau (1994) estratégia é “o calculo das relações de forças que se tornam possível a partir
do momento em que um sujeito de querer e poder é isolável de um ‘ambiente’”. CERTEAU, Michel de. A
invenção do cotidiano: 1.artes de fazer / Michel de Certeau; tradução de Ephraim Ferreira Alves. –
Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p.46.
107

hora de comício estudantil. O clube das famosas tertúlias virou também


concentração de passeatas políticas. A quadra do CEU virou “quartel-general”
da resistência durante a campanha da legalidade.
Em certos momentos, a Administração Superior demonstra claramente
sua intenção de “cobrar” da classe universitária por suas benesses assistenciais.
Fato que pode ser observado no esforço feito pelo reitor no sentido de evitar a
realização da greve do 1/3.
A Administração utilizou o boletim informativo da instituição, na edição
do mês de abril, mês anterior à deflagração da greve, para ressaltar as ações
assistenciais estudantis financiadas pela Universidade, assim como, a anuência
da Administração Superior no sentido de permitir as lideranças do movimento
gerirem alguns equipamentos da estrutura de assistência estudantil.

ATIVIDADES RECREATIVAS EM PROL DO ESTUDANTE


Benfazeja, sob todos os aspectos, tem sido a contribuição da Universidade do
Ceará no sentido de que as horas de lazer da mocidade estudantil sejam
preenchidas com entretenimentos sadios. Com essa finalidade, apresenta-se o
Clube do Estudante Universitário (CEU), sendo-lhe dotada apreciável
subvenção anual capaz de lhe permitir um funcionamento regular e promover
reuniões diversionais frequentadas por alunos das diversas escolas e
faculdades. As atividades recreativas do CEU, além do seu caráter festivo
apresentam como objetivo o estreitamento das relações humanas e o
fortalecimento do espírito universitário. O apoio da Universidade se tem feito
sentir em outras manifestações da vida acadêmica cearense, especialmente
em congressos, conferências, debates e seminários de estudos, sejam essas
promoções pra tratar de problemas de classe, sejam para debater ou discutir
assuntos de interesse público. Também nas competições esportivas a sua
ajuda sempre foi das mais substanciosas, decorrendo daí o brilhantismo dos
jogos olímpicos que se vêm realizando anualmente. De modo geral, todas as
pretensões dos universitários têm encontrado, quando justas, a pronta solução
por parte daqueles que dirigem a Universidade do Ceará, e a prova disso está
na segurança e no bem estar que todos usufruem, indistintamente.

A primeira notícia diz respeito às diversas ações de assistência estudantil


promovidas pela Universidade. Começando pela manutenção financeira do
Clube dos Estudantes Universitários. É fácil perceber que cada ação de
assistência possui relação com a presença de um determinado imaginário sobre a
juventude.
A preocupação de propiciar aos universitários “entretenimentos sadios”
50
que poderiam ser festas ou disputas esportivas, mas que fossem fortalecedoras

50
Além de afastar os estudantes da atividade política, também existia a tradicional preocupação de afastar
os estudantes das Casas de Jogos e Cabarés que existiam em Fortaleza. (ver MUNIZ, 1997)
108

de certo “espírito universitário”. Um espírito evocado e projetado de acordo com


os valores sociais ressaltados pela Administração Superior da Universidade.
Na realidade, a Administração Superior, ao indicar quais seriam os
“entretenimentos” que os universitários deveriam usufruir nas suas horas de
lazer, procurava controlar o que acontecia fora da sala de aula, tentando evitar
que os estudantes se envolvessem em práticas não condizentes com o perfil
desejado de jovem universitário pensado pela Reitoria.

A DIVISÃO DE ASSISTÊNCIA AOS ESTUDANTES


Há pouco mais de um ano, foi inaugurado na Av. Visconde de Cauípe, no
bairro Benfica, um majestoso bloco de cimento armado destinado à Divisão
de Assistência aos Estudantes. Nesse edifício passaram a funcionar todos os
serviços desta divisão, além de algumas organizações acadêmicas, entre os
quais o Diretório Central dos Estudantes, o Clube do Estudante Universitário
(CEU), Federação Universitária Cearense de Desportos (FUCE) e o
restaurante universitário. Esses órgãos se distribuem nos dois primeiros
pavimentos, sendo o terceiro reservado ao alojamento de estudantes,
perfazendo um total de 64 vagas.
A divisão de assistência aos estudantes é o órgão que supervisiona, coordena,
orienta e disciplina os serviços assistenciais destinados aos universitários.
Dentro de programa previamente elaborado e de acordo com a sistemática
geral da Universidade do Ceará, vem essa unidade estudantil atendendo aos
justos reclamos e as reais necessidades da classe, tendo em vista que ao
estudante devem ser proporcionadas condições amplas de tranquilidade e
bem-estar, afastando-lhe as inquietações referentes aos problemas primários,
como saúde e alimentação.
POSIÇÃO DO DIRETÓRIO CENTRAL
As atividades da Divisão de Assistência aos Estudantes são exercidas em
perfeita sintonia com o Diretório Central dos Estudantes, entidade que, desde
algum tempo, vem expressando as aspirações dos universitários cearenses
junto à Reitoria e ao egrégio Conselho, através de um representante, no caso
seu presidente. A orientação adotada pelo Diretório Central teve sempre
como finalidade manter estreitas relações com todo o corpo discente da
Universidade, cabendo-lhe inclusive poderes para indicar os comensais do
restaurante universitário, sem a mínima interferência da Reitoria na escolha
dos beneficiários ou na fixação dos critérios de distribuição. Daí porque vem
o DCE prestando inestimável soma de benefícios à classe estudantil,
recebendo para isso o beneplácito e o apoio integral do magnífico reitor
Antônio Martins Filho. (Boletim Informativo UFC, no. 35, Março-abril de
1962)

Talvez a Administração Superior imaginasse que com as entidades


estudantis funcionando no mesmo espaço da estrutura de assistência, seria mais
fácil controlar suas ações. O fato é que esta estrutura física que conglomerava
setor assistencial da Universidade e as entidades fortaleceu a atuação política do
movimento e sua capacidade de mobilizar a massa. O maior exemplo dessa
grande capacidade de mobilização foi a greve do 1/3.
109

Geralmente a historiografia tradicional do movimento explica esta grande


capacidade de mobilização durante a greve somente ao fato de que a maioria dos
estudantes estarem mais politizados nesse momento histórico. Acreditamos que
há outras razões para explicar esta realidade, entre elas, no caso cearense, a força
da assistência estudantil desempenhada pelo movimento estudantil. A força
dessa assistência deve-se muito a forma de atuação da Administração Superior
em relação à política de assistência estudantil. Na notícia, percebemos
claramente qual o papel que, segundo a Reitoria, o DCE deveria assumir, ou
seja, “manter relações estreitas com todo o corpo discente da Universidade”,
principalmente ou exclusivamente no âmbito assistencial.

Dispondo de três médicos, um dentista e uma enfermeira, encontra-se a


Divisão de Assistência aos Estudantes, no setor ligado à saúde em condições
de prestar os melhores e mais úteis serviços à classe, o que tem sido feito
com eficiência, segundo elementos fornecidos pelo próprio diretor desse
órgão, tanto assim que, no departamento médico, foram efetuados em 1961,
1.361 atendimentos, sendo 1.097 na sede da DAE e 264 em residências.
Quanto ao gabinete dentário, consta que este atendeu a 1.003 clientes,
enquanto o serviço de enfermagem prestou assistência a 632 estudantes.
No setor de alimentação, essa assistência se reveste de especial relevância,
isso porque as refeições fornecidas pelo Restaurante Universitário constituem
uma das mais substanciais ajudas ao estudante cearense. Esse serviço
crescerá de proporções, se compararmos a inexpressiva taxa paga pelo
estudante com os preços de qualquer restaurante de Fortaleza. Para se ter uma
ideia da significação desse auxílio, basta dizer-se que foram distribuídas, em
1961, nada menos de 121.571 refeições dieteticamente preparadas,
esperando-se que em 1962 seja superado o número do ano findo, de vez que
mais de 400 jovens vêm se utilizando dos serviços do restaurante
universitário, nas épocas letivas.
OUTRAS BOAS REALIZAÇÕES
Não se limitando apenas a oferecer o ensino gratuito aos jovens estudantes
que frequentam as nossas escolas e faculdades, a Universidade do Ceará não
tem poupado sacrifícios para dotá-las da melhor assistência possível, dentro,
naturalmente das suas possibilidades orçamentárias. Assim é que no setor do
bem-estar social se podem destacar providências como a instalação de uma
residência rapazes, outra para moças(em conclusão), o funcionamento de
barbearia e engraxateria, instalação de uma sala de recreio com televisor,
pingue-pongue e outros jogos de salão, sem falar na construção do lar do
universitário, que se reergue atrás da reitoria.
Boletim Informativo UFC, no. 35, Março-abril de 1962, pp. 121-124

Ainda no debulhar do rosário, a Administração informa as estatísticas de


fornecimento de refeições, auxílio saúde e odontológico. A intencionalidade
dessas notícias reside na tentativa de sensibilizar a classe universitária da
desnecessidade da realização da greve, considerando que todas as demandas dos
estudantes eram sempre atendidas pela Administração.
110

Na realidade todas estas ações assistenciais eram importantes para os


estudantes, no entanto essas práticas tinham como pano de fundo uma questão
fundamental para o movimento. A autonomia e a legitimidade do DCE para
representar a classe universitária. Nesse sentido, vale ressaltar que o movimento
não tinha participação na formulação dessa política assistencial, ou seja, para a
Administração, o movimento deveria usufruir dessa assistência e não se envolver
em sua política.
O caráter assistencial do movimento não se desenvolve apenas no espaço
da Universidade. No final dos 50 e início dos anos 1960, muitas notícias são
publicadas fazendo referência às campanhas desenvolvidas por diversos
diretórios. Geralmente as ações estavam relacionadas com atividade fim do
curso, como por exemplo, a assistência jurídica às pessoas ou a comunidades
pobres por conta do DA do Direito. Também poderiam ser campanhas em
benefício de instituições, promovidas pelo DA da Faculdade de Medicina.

CEM PROMOVE S.JOÃO DOS ALIENADOS


O clube dos estudantes de Medicina (CEM) no intuito louvável de
proporcionar alguns momentos de conforto aos doentes internados no
Hospital da Parangaba e chamar a atenção das autoridades responsáveis pela
penúria e pelo abandono injustificáveis em que se encontram, promoverá
naquele nosocômio um almoço para alienados no dia consagrado a São
João(...) O fato de incontestável significado social e humano mostra o
interesse crescente dos universitários do Ceará na solução dos problemas
crônicos desta terra...(Correio do Ceará, 20/04/1961:6)

Os problemas sociais se agravaram bastante nas décadas de 1950 e 60.


Nesse período, o número de habitantes de Fortaleza cresceu 90,5%, e o espaço
urbano crescia desordenadamente. Sem possuir estruturas e serviços públicos
que dessem conta das demandas crescentes de uma população, que na maioria
tinha sido expulsa de sua terra pela seca, a cidade expressava cada vez mais as
contradições da modernidade.
Os estudantes universitários cearenses começavam a se envolver mais
com essa grave realidade social, reconhecendo nela a necessidade de uma
transformação política mais profunda. Apesar da ação claramente assistencial,
ela envolvia também a denúncia das mazelas sociais na área da Saúde pública.
Entre os vários problemas sociais e estruturais que afligiam os
fortalezenses, alguns atingiam mais diretamente os estudantes. Os problemas
111

relacionados aos deficientes serviços de transporte coletivo51 e de fornecimento


de energia elétrica faziam com que os estudantes universitários se envolvessem
em protestos exigindo melhorias.

PASSEATA DOS MIL CÍRIOS


A operação vela, que preferimos chamar “Passeata dos Mil Círios” (...) é
sim uma manifestação que se impõe, e plenamente justificável como
movimento estudantil, por serem os estudantes os mais diretamente
sacrificados com mais este “pisca-pisca”, em má hora decretado pelo
Serviluz. (Correio do Ceará, 06/11/1959:4)

No caso da “passeata dos mil círios” realizada no final de 1959, os


estudantes protestavam contra os constantes apagões e racionamentos. Vale
salientar que, segundo o mesmo cronista que narra esse evento, a maioria dos
estudantes universitários cearenses tinha que aliar o trabalho ao estudo, sendo a
noite um período importante que os estudantes tinham para estudar.

AULAS PRÁTICAS DE DIREITO


No fórum Clóvis Beviláqua realizam-se aulas práticas de Direito Judiciário,
a que tem comparecido um número regular de alunos. Entretanto, como o
estudante e principalmente o cearense é sempre ocupado com outros
afazeres, máxime com o trabalho que tem a desempenhar, para viver, muita
gente não pode assistir às aulas em apreço...(Tribuna do Ceará, 14/10/61:4)

No processo de formação de um movimento social, existem dois aspectos


fundamentais: de um lado, a complexidade interna da entidade coletiva, com
seus conflitos, suas pluralidade de orientações e posicionamentos que o definem;
de outro, a sua relação com o ambiente (outras entidades, contexto político
social, ameaças, oportunidades). É na conjugação desses aspectos que o
movimento estudantil identificará quais os custos e benefícios que suas
contínuas ações proporcionaram.
Nessa perspectiva, o movimento, ao apoiar certas entidades ou promover
ações assistenciais fora da Universidade, procurava também estabelecer uma
imagem positiva perante os outros atores coletivos e, ao mesmo tempo,
fortalecer uma ideia de que os estudantes tinham a responsabilidade de lutar pela
transformação da realidade social de Fortaleza. A questão da imagem também
tem relação com a demanda do movimento por condições para melhor se
comunicar com as bases estudantis e mesmo com a sociedade em geral.

51
Ver pesquisa realizada por Patricia Menezes (2009) sobre a construção do serviço de transporte
coletivo de passageiros entre 1945 e 1960, em Fortaleza.
112

2.3 DIRETÓRIOS E PUBLICAÇÕES...: comunicando o movimento estudantil

Apesar de intensa repercussão social em torno da chegada da TV52, no


final dos anos 50, e da já grande audiência do Rádio, Fortaleza ainda era
prioritariamente uma cidade que tinha, nos jornais, seu principal meio de
informação. A palavra impressa que tem valor fundamental na sociedade
escrituraria, é ainda mais relevante em um espaço social como a Universidade.
Apesar de não encontrarmos exemplares dos jornais estudantis desse período,
percebemos nas notícias publicadas nas colunas jornalísticas e nos boletins da
UC vestígios da importância dada aos jornais estudantis.
Na década de 1950 inicia-se um processo de modernização nas redações
dos jornais cearenses53. Apesar da tiragem ser pequena em Fortaleza, os jornais
começavam a se modernizar. Atrelada às mudanças de equipamentos e
materiais, ocorreram mudanças também de conteúdos e layout dos periódicos.
Os Jornais começavam a enfatizar mais fatos relacionados à política, ao
esporte e a ação policial. Nesse cenário, o jornalismo de opinião ou defensor de
determinadas ideias e grupos políticos vai perdendo espaço. É nesse contexto,
com o apoio da Imprensa Universitária, que proliferam os jornais estudantis que
tinham como objetivo principal manter os discentes informados sobre as
atividades realizadas em cada Faculdade pelo Movimento.

DIRETÓRIOS E PUBLICAÇÕES
Do ano vindouro em diante todos os diretórios acadêmicos terão direito a
uma publicação anual pela Imprensa Universitária. Foi essa a decisão
tomada há pouco tempo, pelo Magnífico Reitor Martins Filho, tendo em
vistas as constantes reclamações da classe universitária, nesse sentido. A
medida foi acertada, uma vez que todo diretório precisava, realmente,
promover a tiragem de uma revista ou algo semelhante, pelo menos
anualmente.
BOLETINS DO DCE
O Diretório Central dos Estudantes também está de cima, com referência a
publicações, terá um boletim mensal, o que também há muito tempo era
necessário. Aliás um dos objetivos do atual presidente, acadêmico Manlio
Silvestre, é manter uma publicação periódica, para divulgar as atividades da
entidade que dirige.

52
Ver pesquisa realizada por Ana Leopoldina Quezado (2007) sobre Fortaleza nos primeiros tempos da
TV (1958 – 1965)
53
Ver dissertação de Roberta Kelly Maia (2013), “A cidade do jornalista: da Fortaleza representada nos
jornais à administração da capital por Luiz Queiroz Campos (1954-964).”
113

UEE TAMBÉM
Quanto à União Estadual dos Estudantes terá uma revista bimestral,
publicada pela IUC. A entidade máxima dos universitários cearenses não
poderia deixar de ter suas atividades conhecidas apenas de boca em boca.
Claro que as palavras desaparecem, e as escritas ficam. O povo terá,
portanto, um melhor conhecimento do que vai pelo meio estudantil, onde
tem havido movimento de toda espécie, mas convergidos todos para o
interesse geral. (Tribuna do Ceará, 15/12/61:5)

Na década de 1930, a entidade representativa dos estudantes possuía


entre seus departamentos, um específico para divulgação de suas realizações e
ideias. A Folha Estudantal foi por algum tempo o principal veículo de
comunicação estudantil. Ele era vinculado ao CEC.
Na década de 1950 o Diretório Acadêmico São Tomaz de Aquino, da
Faculdade de Filosofia, foi além, possuía coluna mensal no Jornal Gazeta de
Notícias. Na coluna Página Universitária54, na época escrita por Ruth Cavalcante
e Adizia Sá, eram vinculadas notícias sobre a vida universitária naquela
Faculdade.
Em relação ao movimento estudantil na Universidade do Ceará não era
diferente. Muitos diretórios tinham, mesmo que de forma incipiente, seus
próprios periódicos. São exemplos disso, o “caveira” e o “furfural” do diretório
da Faculdade de Medicina, “coruja”, na Faculdade de Filosofia e o “concreto” da
Faculdade de Engenharia.
FURFURAL
Este nome, um tanto fora do comum, é entretanto o título de um jornal dos
acadêmicos de Medicina que teve grande receptividade dentro e fora daquela
Escola. É órgão da Frente Universitária Renovada, entidade nova, que tem
por objetivo trabalhar para a solução dos problemas que afetam os ideais dos
alunos da FMUC. “Furfural” traz em seu primeiro número a demonstração de
seus interesses, que são totalmente desprovidos de cor política e religiosa.
(Tribuna do Ceará, 06/09/1961:04)

JORNAL ESCOLAR
Circulou o primeiro número do jornal da Escola de Engenharia, “o concreto”,
redigido pelos acadêmicos, com interessante colaboração intelectual sobre

54
O Jornal Gazeta de Notícias vinculava caderno de suplemento aos domingos com diferentes conteúdos,
sendo que uma das páginas era da Página Universitária e seu conteúdo sob a responsabilidade do Centro
Acadêmico São Tomaz de Aquino, da Faculdade Católica de Filosofia. Era escrita por Ruth Cavalcante e
a futura jornalista Adísia Sá, contando com a contribuição do jucista Tarcísio Sisnando. Interessante
observar a importância do movimento estudantil universitário, a ponto de possuir uma coluna própria (em
outros jornais da cidade também), em um jornal de grande circulação para tratar de seus assuntos e
também observar a preocupação do Jornal em eximir-se de qualquer responsabilidade do conteúdo
divulgado. No início da página era colocado o seguinte texto em caixa alta: AS MATÉRIAS DESTA
PÁGINA NÃO RECEBEM QUALQUER REVISÃO OU CENSURA POR PARTE DA DIREÇÃO
DESTE JORNAL, SÃO, POIS, DE AUTORIA E INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS
UNIVERSITÁRIOS QUE A ORGANIZAM.
114

assuntos ligados às mais diversas disciplinas que se lecionam naquele


estabelecimento.
Boletim Informativo UFC, no. 07, julho-agosto de 1957, p. 20
.
Segundo Tilly (2010), uma característica importante dos movimentos sociais é a
capacidade de comunicar e divulgar suas ações e seus objetivos ao grande público. A
nova realidade do movimento estudantil universitário cearense demandava mais
instrumentos de comunicação, no sentido não só de eternizar feitos, mas principalmente,
de fortalecer a imagem do movimento perante a sociedade fortalezense.

2.4 PÁSCOA DOS UNIVERSITÁRIOS... a religião na atuação do movimento


estudantil universitário

BÊNÇÃO DO RESTAURANTE
Realizou-se, no dia 11 de maio, a bênção do prédio do restaurante
universitário, situado na praça da Bandeira, por S.Exa. Revma. Dom
Expedito Eduardo de Oliveira, bispo auxiliar de Fortaleza. Na oportunidade,
usaram a palavra, o acadêmico Manuel Gonçalves, presidente do Diretório
Central dos Estudantes, o vice-reitor, professor Manuel Antônio de Andrade
Furtado, e S.Exa. Dom Expedito Eduardo de Oliveira. Ao ato religioso
compareceu grande número de professores e alunos das faculdades e escolas
da Universidade. (Boletim Informativo UFC, no. 06, maio-junho de 1957, p.
11)

Outra atuação do movimento que foge à perspectiva estritamente política


era a religiosa. É incontestável a influência do catolicismo em Fortaleza. Para se
ter ideia, o jornal com maior número de assinantes nesse período é o Nordeste,
um jornal “exclusivamente” católico. Isso sem contar sua tradicional força e
peso político em Fortaleza. Basta se observar o sucesso político da LEC nos
anos 30. Segundo LIMA(2013),

A Igreja Católica sempre foi uma instituição presente na sociedade brasileira


e suas atividades muitas vezes extrapolaram o viés religioso, neste sentido
podemos perceber ao longo da história do Brasil a relação da Igreja Católica
com os poderes políticos e os desdobramentos que ocorreram dessas relações
e como elas influenciaram a história do país e do estado do Ceará. (LIMA,
2013, p. 22)

No ambiente universitário, notamos que o próprio Reitor era bastante


ligado à cúpula católica fortalezense, além de outros professores pertencentes ao
115

Consuni, como por exemplo, prof. Amadeu Furtado55, Vice-Reitor da UC. Em


vários momentos da vida universitária, a religião encontra-se presente, até
mesmo a inauguração de um restaurante universitário poderia se transformar em
um importante acontecimento religioso.
As colunas jornalísticas, assim como nos boletins informativos da UC,
geralmente destacavam notícias relativas à páscoa dos universitários, o natal dos
universitários, entre outras ações de cunho católico, que eram organizadas pela
Juventude Universitária Católica/JUC. Normalmente esses eventos ocorriam na
Concha Acústica ou no Restaurante Universitário.

PASCOA DOS UNIVERSITÁRIOS


Como acontece todos os anos, a Juventude Universitária
Católica promoverá dia 30 do corrente a páscoa geral dos
acadêmicos da Universidade do Ceará, durante a missa a ser
celebrada na Concha Acústica e Auditório Martins Filho da
Reitoria. As pregações em horários que serão posteriormente
marcados. (Tribuna do Ceará, 13/04/61:11)

A Juventude Universitária Católica e o Diretório Central dos


Estudantes realizaram, no dia 25 de dezembro, nos jardins da
reitoria da Universidade do Ceará, o natal dos universitários,
com a execução de variado programa comemorativo. A missa,
celebrada nos salões do Edifício da reitoria, seguiu-se um
coquetel, com farta distribuição de brindes aos presentes
universitários, professores e funcionários da reitoria,
acompanhadas de suas famílias.
Boletim Informativo UFC, no. 15, Nov-dez de 1958, p.11

No movimento estudantil universitário cearense, o aspecto religioso vai


está muito vinculado à ação de um grupo que disputava a liderança política do
movimento. A Juventude Universitária Católica. A JUC cearense iniciou suas
atividades principalmente em duas faculdades do Ceará: Escola de Serviço
Social, do Instituto Social de Fortaleza e a Faculdade Católica de Filosofia,
dirigida pelos irmãos maristas, ambas incorporadas à Universidade do Ceará, em
1956.
A JUC, braço da Ação Católica Brasileira no meio universitário, foi um
dos grupos mais fortes na disputa política pela liderança do movimento

55
Segundo Lima (2013), Prof. Amadeu Furtado foi uma figura proeminente da intelectualidade católica
fortalezense, um defensor incondicional dos costumes católicos que também indicava qual a imagem e
postura ideal de jovem e do estudante dentro dos preceitos católicos de respeito aos mais velhos e de
manutenção da ordem. Foi um dos fundadores da LEC cearense e redator chefe do Jornal católico O
Nordeste. Prof. Amadeu Furtado foi Diretor da Faculdade de Direito e Vice-Reitor da Universidade do
Ceará.
116

estudantil universitário cearense no período. Ela participou ativamente do


processo de construção desse novo movimento social, incorporando nele
elementos específicos da sua realidade. Mesmo nos momentos de maior
efervescência política, a JUC não deixou de lado a atuação religiosa,
promovendo diversos eventos na Universidade.

Foto 16 – Missa da Páscoa dos Universitários em 1959. (Boletim Informativo UFC, no. 18,
maio-junho de 1959, p.252)

Apesar de sua imagem estar vinculada a uma atuação política mais


progressista, a JUC, até 1956, tinha uma ação mais conservadora e com pouco
envolvimento na política estudantil. Com a entrada de novos integrantes que
faziam parte da recém-fundada Universidade do Ceará, amplia-se o número de
jucistas e com eles o número de novas influências e ideias.
Junto a um panorama político e social efervescente, teremos o estopim
para o maior envolvimento dos jucistas cearenses em questões políticas no meio
estudantil universitário. Esse novo contexto será responsável até pela mudança
do local de reuniões e conversas, que a partir do fim da década de 1950 será
localizada na Igreja do Rosário. No cenário nacional, a JUC será uma das
principais forças políticas do movimento estudantil, segundo Fávero,
117

(...) A Juventude Universitária Católica (JUC) é uma das veias por onde
correrá o sangue da mobilização política estudantil dos anos 60, defendendo
amplas reformas sociais (dentre elas, a universitária). De sua ala esquerda
sairá a Ação Popular (AP), um dos grupos detentores da liderança do
movimento dos estudantes por quase toda a década. (...) Torna-se interessante
observar como esse movimento (o da Juventude Universitária Católica) traça
sua trajetória desde um reacionarismo extremo, engajado na cristianização
pretensamente apolítica, ao envolvimento com questões sociais...
a força do setor cristão da UNE – a ala da JUC, mais tarde AP -, mesmo
contra a orientação da hierarquia católica, veio ganhar espaços cada vez
maiores no seio da organização, por força de um exercício político, cujas as
raízes estão nos anos 50. No entanto, a categoria estudantil, em sua vertente
católica, ganha realmente em expressão, à medida que a bandeira da reforma
universitária é por ela empunhada e conduzida. (FÁVERO, 1994, PP. 31-34)

Notamos a atuação religiosa em duas perspectivas, para a JUC as ações


de cunho religioso tinham haver com a tentativa de construir uma influência
católica com um caráter mais progressista, no meio universitário. Apesar de
fortalecer um vínculo entre os universitários e a religião católica, assim como a
Administração Superior também demonstrava fazer, a diferença estava
justamente na natureza deste vínculo. No caso da Administração Superior, os
momentos religiosos serviam também para fortalecer os ideais e preceitos
católicos em uma perspectiva política conservadora.
No caso jucista, tinha uma ligação relacionada a ideia de ação política
que buscava a transformação social brasileira, ideias progressistas que boa parte
do escalão superior da Igreja abominava. Situação que gerou conflito dentro da
própria Universidade, entre jucistas e os professores ligados à hierarquia da
Igreja, alguns que, inclusive, eram padres. Experiências recordadas pelas
lideranças jucistas do período. Momentos que não foram gravados em nenhuma
fonte, a não ser nas memórias dos estudantes que os vivenciaram. O próximo
capítulo versará sobre estas e outras experiências do movimento reinterpretadas
pelas memórias das lideranças estudantis.
118

3º. Capítulo

3. Memórias das lideranças do movimento estudantil: o militante56, o movimento, o


entrevistador e o entrevistado...

A pessoa que entrevistamos é ao mesmo tempo produto e produtora de toda


uma rede em torno dela, e mesmo que nosso objetivo de pesquisa seja apenas
investigar um aspecto, toda essa rede de tensões e representações da realidade
está presente, e vai atuar na dinâmica da entrevista. Além disso, cada um de
nós vive constantemente negociando a autoimagem, com os outros e em
função dos outros, em função daquilo que estão esperando, que estão
precisando. A entrevista não ocorre fora, mas dentro dessa situação. Toma
lugar entre os processos de negociação e renegociação da própria imagem.
Oferece uma oportunidade para dar forma à memória pessoal. O entrevistado
acreditava que pensava determinada coisa e, de repente, vai se descobrir
dizendo algo novo, e isso obviamente vai modificar a maneira como ele se vê
e até mesmo o seu comportamento. (AUGRAS in SIMSON, 1997, p. 30)

Este capítulo analisa as entrevistas realizadas com algumas lideranças do


movimento estudantil da Universidade do Ceará do período de 1956 à 1964.
Geralmente estes militantes passavam por várias experiências políticas dentro do
movimento ocupando cargos de liderança nos Diretórios Acadêmicos até chegar
à presidência do Diretório Central dos Estudantes, entidade máxima da
representação estudantil no âmbito da Universidade. Nessa perspectiva, suas
memórias sobre a realidade política daquele movimento podem trazer maior
número de elementos para a reflexão acerca dessas representações do passado.
Ao investigarmos estas narrativas sobre o passado do movimento
estudantil, a própria memória dos entrevistados apareceu como objeto de
investigação histórica. Nesse sentido, procuramos tanto refletir sobre a

56
Segundo Souza (1999), “uma análise prévia e rápida sobre os significados e a origem da palavra
“militante” nos revela alguns sentidos interessantes e possibilita estabelecer relações que não devem ser
desprezadas. O militante pode ser definido como aquele que defende ativamente uma causa e entra em
combate para ver vitoriosas as ideias do grupo a que pertence. Na sua origem o termo militante deriva do
latim militare, verbo que começa a ser empregado na linguagem teológica a partir da Idade Média. Neste
momento o adjetivo “militante” qualifica a igreja. É interessante sublinhar este uso inicialmente religioso
da palavra militante. Lá nesse sentido primitivo o termo vincula-se à ideia de combate contra os inimigos
pelo triunfo de uma causa única, pela conquista da salvação final num (outro) mundo totalmente novo.
Essa salvação exige a entrega total da pessoa à longa caminhada que submete e dá sentido a todas as
demais esferas da vida. Só por volta do século XIX é que a palavra “militante” ultrapassa o sentido
propriamente religioso e emerge no vocabulário político passando a ser utilizada para nomear aquele que
milita numa organização partidária ou sindical, aquele que abraça as tarefas políticas (materiais e
intelectuais) necessárias para a conquista do Estado e/ou para a transformação total da sociedade. Parece
pertinente perguntar, desde já, se neste seu sentido moderno o termo “militante” indicaria uma ruptura
radical com a experiência religiosa e militar ou, em grande medida, representaria um reaproveitamento de
certas técnicas e saberes religiosos e militares.” (SOUZA, 1999, p. 132-133)
119

metodologia e a teoria relacionadas à História Oral, quanto refletir sobre as


narrativas dos depoentes, percebendo entre variados aspectos, as disputas e
descontinuidades da memória, os mitos relacionados ao Movimento Estudantil,
os sentimentos, o cotidiano do movimento e da Universidade, as relações entre
os grupos políticos, as relações com a Administração Superior, as práticas
políticas e a cultura política estudantil.
Vale salientar que muitos trabalhos sobre o ME utilizam entrevistas, no
entanto, não possuem discussão teórico-metodológica sobre história oral. Fato
que nos leva à refletir sobre a forma como estas fontes foram utilizadas na
construção da narrativa histórica destas pesquisas. Acreditamos que as fontes
orais não podem figurar em uma pesquisa histórica como simples conteúdo
informativo ou pior, como testemunho ou relato da “verdade” dos fatos. É
preciso reconhecer também as contradições e dificuldades inerentes ao uso das
fontes orais. Como nos lembra Verena Alberti,

Reconhecer os paradigmas que estão na base da História oral não implica


renunciar a sua capacidade de ampliar o conhecimento sobre o passado. Ao
contrário, saber em que lugar nos situamos ao trabalhar com determinada
metodologia ajuda a melhor aproveitar seu potencial. Uma das principais
vantagens da História oral deriva justamente do fascínio da experiência
vivida pelo entrevistado, que torna o passado mais concreto e faz da
entrevista um veículo bastante atraente de divulgação de informações sobre o
que aconteceu. Esse mérito reforça a responsabilidade e o rigor de quem
colhe, interpreta e divulga entrevistas, pois é preciso ter claro que a entrevista
não é um “retrato” do passado. (ALBERTI, 2005, p. 170)

Uma questão teórica importante é o jogo entre as diversas temporalidades


trazidas pelas memórias. Necessitamos compreender e levar em consideração a
distância temporal entre o ato de relembrar e narrar determinada experiência e a
própria experiência vivida pelo entrevistado no passado. Neste dialogo entre
temporalidades emerge um labirinto de representações que podem levar a
diversos caminhos para reinterpretação do passado. E são nesses caminhos que
podemos encontrar a riqueza das fontes orais para pesquisa histórica. Para Bosi,
“lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias
de hoje, as experiências do passado” (BOSI, 1983, p.23)
Perguntado sobre as festas e as ações assistenciais do movimento
estudantil, Manlio Silvestre traz memórias de vivências que não foram
encontradas em qualquer outro tipo de fonte histórica. Por exemplo, quando
120

pesquisamos sobre o Clube dos Estudantes Universitários, em fontes como


jornais, fotografias ou atas do Consuni, percebemos o CEU somente como
espaço de festa e de atuação política e assistencial estudantil, porém, quando
analisamos algumas memórias sobre o mesmo tema, o CEU também é percebido
como um espaço de autoafirmação do jovem universitário e de transgressão das
convenções sociais, através, por exemplo, do uso excessivo da bebida alcoólica.

O DCE inclusive tinha muita força por causa disso. A gente tinha um espaço
enorme no CEU. O restaurante, inclusive o DCE tinha alguém na diretoria do
restaurante. Tinha alojamento em cima que a gente ocupava. Mas a grande
função do CEU mesmo era dar festa, a gente tinha festas com bebedeiras
homéricas, esse foi um período que se bebia muito (risos)... Nessa época as
destilarias de rum foram expulsas de Cuba, tiveram uma passagem pela
Florida e algumas se instalaram no Brasil. Nessa época, a Bacardi teve uma
entrada muito forte no Brasil, fazia promoções muito grandes. Tinha uma
história dessas expressões que existiam no Ceará, tinha a “meiota” né, a
“meiota” era metade rum e a outra metade de coca-cola e bebia-se demais. Os
estudantes de Agronomia e Medicina, particularmente, bebiam muito. Uma
coisa que me lembro – hoje deixaria todo mundo arrepiado – nós íamos pra
estas festas e tinha sempre alguém que levava uma seringa hipotérmica e
várias ampolas, capsulas de glicose. Porque alguém entraria em coma
alcoólico, ai era só quebrar a ampola e aplicar, o sujeito se recuperava
(risos)...(Manlio Silvestre, 2012)

A “meiota”, expressão tipicamente cearense para se referir à forma como


era preparada a bebida alcoólica misturada com refrigerante, se constrói nas
reminiscências de Manlio como um momento cotidiano das famosas tertúlias do
CEU. Nos capítulos anteriores, percebemos que muitas atividades desenvolvidas
pelo CEU eram financiadas pela Reitoria. Esse financiamento fazia parte da
política de assistência estudantil universitária que pretendia controlar e ocupar o
tempo de folga dos estudantes com atividades ditas “sadias”. As tertúlias faziam
parte dessas atividades.
Como notamos nessas experiências, que hoje são percebidas com muito
bom humor57 nas memórias de Manlio, os estudantes se apropriavam das
estratégias de controle da política assistencial universitária de formas diversas,
sendo o excessivo consumo de bebida alcoólica uma dessas formas, que de certa
maneira, transgredia o controle da Administração Superior, que desejava impor

57
O bom humor também era um traço importante da forma de agir politicamente no meio estudantil
naquele período. O bom humor pode ser explicitamente observado na forma como eram elaborados os
cartazes de manifestação e reivindicação política dos estudantes, como por exemplo, os cartazes
produzidos durante a greve do 1/3 apresentados no primeiro capítulo desse trabalho.
121

um modelo de lazer e recreação que fosse adequado para os estudantes da


Universidade.
Por outro lado, são reminiscências que também trazem elementos de um
contexto mais amplo. A Indústria norte-americana do rum é expulsa da ilha de
Cuba, após a revolução de 195958. O preço da bebida ficou barato, já que parte
da Indústria veio se instalar no Brasil, dessa forma favorecendo o maior
consumo dessa bebida pelos estudantes. Nesse sentido os depoimentos coletados
vão ampliar o campo de percepção acerca do tema pesquisado, pois existe neles
uma diversidade de informações que não se limita à compreensão do tema de
pesquisa.
Para potencializar a capacidade que as memórias, como as de Manlio,
possuem de abrir novas possibilidades de compreensão de uma determinada
realidade social passada, é necessário refletir sobre vários fatores. Entre eles:
como se dá na prática a experiência vivenciada pelo pesquisador na construção
compartilhada desta fonte e de como esta experiência pode influir nessa
construção.
Não podemos esquecer que essa construção nasce de um encontro. Para
Portelli, “a narração oral da história só toma forma em um encontro pessoal
causado pela pesquisa de campo. Os conteúdos da memória são evocados e
organizados verbalmente no dialógico interativo entre fonte e historiador,
entrevistado e entrevistador.” (PORTELLI, 2010, p. 19)
Os locais, os momentos, as expressões, as circunstâncias, o
envolvimento, enfim, são vários os elementos que influenciam um encontro, que
geralmente guarda muitas surpresas e incertezas. As entrevistas das lideranças
do movimento estudantil foram realizadas em três cidades: Fortaleza, Brasília e
Rio de Janeiro. Em espaços diversos: salas de aula, consultório psiquiátrico,
gabinete de professor, gabinete de autoridade pública, residência, sala de
hospital e até em uma capela.
Acreditamos que as arenas onde se confrontam pesquisador e narrador
não são apenas espaços físicos, são também símbolos revelando representações
que de alguma forma fazem parte e influem na postura dos dois olhares. “A

58
Segundo Gott (2006), a nacionalização das empresas americanas começou a acontecer em 1960, em
resposta às medidas econômicas americanas adotadas para diminuir a compra do açúcar cubano. “Como
prometido, Castro reagiu contra os Estados Unidos, no dia 06 de agosto. Ele anunciou a nacionalização de
todas as propriedades norte-americanas importantes na ilha...” (GOTT, 2006, p. 211)
122

“entre/vista”, afinal, é uma troca de olhares. E bem mais do que outras formas de
arte verbal, a história oral é um gênero multivocal, resultado do trabalho comum
de uma pluralidade de autores em diálogo.”(PORTELLI, 2010, p. 20)
No momento da entrevista, depois de superadas as dificuldades iniciais
de investigação, como por exemplo, busca de contato e até dificuldade de
mobilidade e distância, nos encontramos frente a frente com o entrevistado.
Inicialmente, uma mistura de emoções e expectativas, porém tentamos seguir o
que nos diz os “manuais” de História Oral sobre as “condições” para as
entrevistas (MEIHY, 2007, p. 51): conquiste a confiança do entrevistado,
demonstre segurança nos questionamentos e no conhecimento daquele período
histórico, entre outras orientações metodológicas.
Apesar de estudarmos com afinco a temática do projeto e prepararmos
criteriosamente um roteiro de perguntas dirigidas para nosso tema de estudo,
logo percebemos que a entrevista percorrerá caminhos não previstos e que para a
memória não existe barreira entre o eu e o nós, o individual e coletivo. Nesse
sentido, a militância no movimento estudantil não é uma fase estanque da vida
do entrevistado, é necessário levar em consideração o passado e o futuro daquela
vivência, esse jogo de temporalidades norteará a forma como as memórias
representarão aquelas experiências passadas.
Então, nas memórias, a militância está inserida na história de vida do
entrevistado, narrada sem preocupações relacionadas à cronologia do tempo ou
mesmo à coerência de pensamento. Vejamos o que nos fala a liderança jucista
Agamenon Tavares, sobre a razão que o fez a priori desconfiar da ação da JUC e
ao mesmo tempo o motivou a se interessar em participar desse movimento.

... eu já tinha um ranço muito grande com a Igreja tradicional, eu não


aceitava. Inclusive, minha experiência com os jesuítas não foi muito boa. Ao
ver a ligação que o superior da Igreja tinha com a gente. Ele só tratava bem
os filhos dos ricos. São pequenas coisas assim que marcam a gente. A gente
jogava futebol lá, dia de sábado à tarde, o campo ficava ao lado da casa dos
padres. Quando você sem querer chutava a bola e batia na janela do padre,
ele saia, esculhambava. Dizia: - seu moleque, vou proibir o jogo!!! Um dia, a
gente estava jogando, tinha um filho de um grande comerciante daqui que
jogava com a gente. O menino chutou e bateu na janela. O padre saiu
gritando: seu moleque!!! Aí o menino apareceu e disse: - ô padre Monteiro
sou eu, me desculpe, e ele (o padre) disse: - ô meu filho, foi você!? Tenha
cuidado meu filho (...).”(Agamenon Tavares, 2010)
123

Ao fundamentar sua resposta em memórias de uma experiência que


aconteceu na sua infância, Agamenon representa sua justificativa para atuar no
movimento com elementos simbólicos que até hoje são usados como razões para
ingressar na militância estudantil: a indignação frente às injustiças sociais, a
percepção dos privilégios que certas classes econômicas possuem, etc...
Percebe-se a capacidade das fontes orais de ampliar o campo de análise
de determinada realidade. No caso dos jucistas, à primeira vista podemos intuir
que os jovens que entravam nesse movimento, já vinham de outras experiências
de ação católica e vinham com uma visão bastante positiva da Igreja. No
entanto, as memórias de Agamenon contradizem essa percepção, pois sua
entrada na JUC não possui essa vinculação. Pelo contrário, o elo se constrói pela
visão crítica em relação ao posicionamento elitista e conservador da Igreja,
sendo a JUC naquele momento uma expressão progressista do catolicismo que
possuía alguns setores que confrontavam a hierarquia conservadora católica.
Essa forma da memória se expressar torna mais perceptível a
complexidade da vida humana no momento de construção de uma imagem de si
mesmo. Interessante perceber que a “interação entre a experiência pessoal e o fio
histórico dos acontecimentos possibilita ao pesquisador rever os dados e
interpretações já estabelecidas” (GOMES, 1988, p. 08)
Não obstante, percebemos nessas representações do passado, que quando
se trata de memória, não existem fronteiras claras entre temporalidades ou entre
reminiscências do individual ou do coletivo59. Para Ricoeur, existe entre os dois
pólos, da memória individual e da memória coletiva, um plano de referência no
qual se operam concretamente as trocas entre memória viva das pessoas
individuais e a memória pública dos grupos os quais pertencemos. (RICOEUR,
2007, p. 141)

59
Vale ressaltar que a escolha dos entrevistados é baseada na compreensão de que as memórias
individuais e coletivas são entrelaçadas e mediadas por experiências sociais. Isto posto, ao escolhermos
entrevistados que foram lideranças do movimento, considerando suas experiências de socialização
política, esperamos aprofundar questões relacionadas à cultura política do movimento, principalmente na
perspectiva da memória coletiva do movimento estudantil. Dessa forma, mesmo considerando a
influência das vivências individuais reinterpretadas nas memórias de cada entrevistado, percebemos
alguns fios que conduzem à memória coletiva do movimento. Esses fios, denominaremos de dimensões
memoriais. Para efeito da pesquisa, dimensões memoriais serão consideradas as temáticas (conciliação,
ressentimentos, disputas e ação políticas e de reconhecimento) que emergiram das memórias dos
militantes. Estas dimensões memoriais revelam a complexidade, subjetividade e descontinuidade das
memórias analisadas.
124

Nas memórias analisadas, será corriqueiro perceber representações que se


encontram nesse plano. Memórias que a priori carregam forte referência à
experiência vivenciada em comum pelo grupo, porém, também expressando
particularidades de uma história de vida única e singular.
Nas páginas que seguem, iremos analisar algumas questões que surgiram
a partir das narrativas das lideranças estudantis entrevistadas. Destacaremos
principalmente os aspectos que emergiram da interseção entre a memória
individual e coletiva e que nos fazem refletir sobre as identidades e as
representações do movimento estudantil que atuou na Universidade do Ceará,
entre os anos de 1956 a 1964.
Estes aspectos serão divididos em quatro dimensões memoriais acerca
das experiências vivenciadas pelo movimento e os estudantes, são elas:
memórias de conciliação, memórias de reconhecimento, memórias de disputas e
ação política, memórias de res(sentimentos).
Não pretendemos com estas divisões enquadrar as memórias dos
entrevistados em espaços homogêneos de percepção do passado vivenciado por
algumas lideranças do Movimento. Pretendemos sim, realizar uma análise de
memórias que se intercruzam em um passado vivenciado coletivamente e que
nos trazem elementos que ajudam a perceber novos ângulos da realidade passada
acerca do movimento estudantil universitário cearense.
125

3.1 Memórias de conciliação: Nada mais se parece com a Igreja que o partido
comunista...

Ao rememorar as relações entre jucistas e comunistas, José de Freitas,


importante liderança da JUC, traz em suas reminiscências uma representação
conciliadora em relação aos principais grupos que disputavam a liderança do
movimento, no início da década de 1960, PCB e JUC60.

Nada mais se parece com a Igreja que o partido comunista, são duas
instituições extremamente parecidas, em tudo, tudo mesmo (...) A autoridade
dá a ordem em cima e a turma obedece embaixo(...) A relação entre os
estudantes universitários comunistas e os estudantes católicos foi da melhor
qualidade. Foi uma das coisas mais saudáveis do Brasil. (José de Freitas,
2008)

Na realidade, quando se disputa a liderança política de um movimento


social, os conflitos são inerentes ao processo. Com cada lado defendendo uma
forma de atuação política e de priorização de objetivos. É possível ocorrerem
momentos de integração entre grupos opostos em certos espaços, em certos
períodos61. No entanto, a constante conciliação ou harmonização dos grupos que
disputam entre si o poder não nos parece uma realidade viável.
Acontece que quando tratamos de reinterpretar memórias, devemos levar
em consideração que as fontes orais podem ser reinterpretadas como fatos e
representações. Nesse sentido, tanto uma percepção como a outra se alimentam
de subjetividades que são permeadas pela experiência cultural e social do
entrevistado. Segundo Portelli,

Representações e fatos não existem em esferas e isoladas. As representações


se utilizam dos fatos e alegam que são fatos; os fatos são reconhecidos e
organizados de acordo com as representações; tanto fatos quanto

60
Nos anos iniciais da década de 1960, as principais forças políticas de esquerda do movimento estudantil
universitário cearense eram a JUC Ligada à ACB, e a Juventude Comunista ligada ao PCB. Essa
realidade é indicada em fontes orais, fontes jornalísticas e na pesquisa de Braulio Ramalho sobre o
Movimento Estudantil Cearense nesse período. No entanto, vale salientar que existiam outros grupos
disputando a liderança do movimento nesse período, como por exemplo, a Juventude Udenista ligada à
UDN.
61
Vários autores que analisaram a atuação da JUC (SOUZA, 1984; LOWY, 2000; LIMA, 1979)
identificaram em certos momentos a interação entre jucistas e comunistas. Por exemplo, sobre a atuação
da JUC na UNE, Ridenti (2002) afirma “dada sua crescente organização, as lideranças da JUC passaram a
encabeçar a frente de esquerda que dirigia a UNE. Assim, em 1961, o jucista Aldo Arantes foi eleito
presidente da entidade, aliado ao Partido Comunista (PCB) e a outras forças progressistas que
compunham a chapa vencedora...”(RIDENTI, 2002, p.246)
126

representações convergem na subjetividade dos seres humanos e são envoltos


em sua linguagem...(PORTELLI, 2001, 111)

Compreendemos que José de Freitas, ao representar as relações entre a


JUC e a UJC de forma conciliatória, recebe influência de sua formação cultural e
social. Não obstante, o cenário em que essas relações se estabeleceram também
reforçam essa percepção de harmonia. Apesar do anticomunismo ser bastante
difundido na sociedade fortalezense, não podemos esquecer que o ambiente do
movimento estudantil propiciava o intercâmbio de experiências entre diversos
grupos que possuíam ideias divergentes.62
Para interpretar as representações que emergem da memória, é necessário
reconhecer alguns elementos que podem influenciar estas subjetividades. José de
Freitas foi seminarista, participou por vários anos da JUC, sendo seu secretário
geral, uma espécie de organizador do movimento. Depois do golpe de 1964, foi
morar na Bélgica e lá continuou seus estudos convivendo com diversos exilados
políticos.
A entrevista foi realizada no seu gabinete, quando José de Freitas ainda
era Secretário de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de Fortaleza na
gestão da prefeita Luizianne Lins. O local da entrevista já demonstrava certa
necessidade de formalidade e de domínio por parte do entrevistado. Percebeu-se
uma forte preocupação em definir bem os papéis, sendo o entrevistado o detentor
do passado e o entrevistador aquela pessoa divulgadora desse passado. Ao ligar o
gravador, a primeira preocupação de José de Freitas foi com o correto registro do
seu nome.
A representação conciliatória das relações entre grupos políticos
adversários pode ter diversas explicações. Pode, por exemplo, ser uma forma de
homogeneizar a percepção de um passado em que, independente das ideologias

62
Alguns estudos fazem referência à proximidade das ideias comunistas e cristãs. Existem pensadores
que radicalizam essa proximidade, como Souza (2003), para ele a maioria das ideias socialistas tem em
suas matrizes o ideário cristão, como por exemplo: as ideias de igualdade humana, supremacia da
dignidade humana, universalidade dos bens, entre outros. No entanto, existem pensadores mais
comedidos. Para Lowy (2000), existia certa proximidade de algumas ideias, porém existiam diferenças
abissais, como a filosofia materialista e a ideologia ateísta que fundamentam o ideário comunista e
socialista. Acreditamos que o cenário político (que o movimento estava inserido) polarizado, a luta anti-
imperialista e as ideias de transformação e reformismo social provocaram uma maior aproximação dessas
ideias. Nesse sentido, os estudantes procuraram ressaltar as poucas convergências que existiam nas linhas
de pensamento, porém eles não esqueciam as profundas diferenças nas finalidades de cada ideologia.
127

ou das formas de atuar politicamente, o movimento sempre estava unido em prol


das lutas sociais ou das lutas internas da política universitária.
Para Candau, existe uma íntima relação entre a construção da identidade
de um grupo com as formas de construir e reconstruir a sua própria memória.
Esta relação é geralmente permeada por uma percepção de integração, de
unidade.

(...) No quadro da combinação complexa entre história memorizada,


reencontrada e inventada, é uma memória supostamente compartilhada que é
selecionada, evocada, invocada e proposta à celebração em um projeto
integrador que busca forjar uma unidade: aquela imaginada do acontecimento
comemorado e do grupo que o comemora. (CANDAU, 2011, p. 149)

Por outro lado, apesar do grande envolvimento do entrevistado com a


política do movimento estudantil no DCE, inclusive sendo também secretário da
União Estadual Estudantil, órgão máximo do movimento no Ceará, ele deixa
claro na sua narrativa uma forte influência religiosa que poderíamos identificar
como um dos elementos influenciadores para uma visão de sociedade
caracterizada pela harmonia entre classes econômicas e sociais.
Não obstante, ao reinterpretar outras memórias que também possuem
certo caráter conciliatório em relação aos grupos adversários no movimento,
percebemos que é possível ampliar essa discussão para uma análise do contexto,
em que se insere a cultura política do movimento.
O próprio fato de um movimento ligado à Igreja Católica se relacionar
com um ligado ao partidão e em alguns momentos se unirem em prol de
determinados interesses, significa uma postura mais progressista no
comportamento político do movimento estudantil universitário. De certa forma
essa relação transgredia padrões de relações políticas que prevaleciam desde o
governo varguista, baseadas no colaboracionismo e no elitismo da classe
estudantil.
Em outra perspectiva, essa dimensão memorial de conciliação pode
representar características de um processo de interlocução entre diferentes atores
políticos no âmbito da Universidade. Que estabelecem relações, às vezes
amistosas, às vezes conflituosas. Nesse sentido, notamos que algumas atividades
de assistência estudantil colocaram do mesmo lado, o movimento e a Reitoria. Já
128

quando os estudantes quiseram participar das decisões políticas da Universidade,


eles foram pra lados radicalmente opostos.
Não obstante, podemos ampliar também as possíveis motivações que
existem na espreita dessas representações. Na narrativa de Leorne Bélem,
acadêmico de Direito ligado à UDN, a reminiscência de um fato político
importante traz à tona uma representação de conciliação não só entre grupos,
também com a Administração da Faculdade. Em uma Faculdade
tradicionalmente marcada por acirradas disputas políticas pela liderança do
movimento, este relato contradiz essa realidade e nos faz refletir sobre como
esses grupos se comportavam e atuavam politicamente.

Em uma certa ocasião, eu me lembro bem, o Luis Carlos Prestes estava em


Fortaleza e o Tarcisio Leitão e outros de esquerda queriam trazê-lo para uma
palestra na Faculdade de Direito. O Dr. Andrade Furtado me chamou, eu era
presidente do D.A. Ele que era um homem muito sensato e profundamente
religioso, me falou que era inadmissível a presença de Luis Carlos Prestes na
Faculdade de Direito e não gostaria que o DA promovesse essa palestra. Mas
já estávamos envolvidos, eu o tinha convidado. Mas procurei outra
alternativa. Falamos com o presidente da Assembléia, na época o deputado
Pontes Neto e levamos a palestra para a Assembleia, conseguimos a cessão
do plenário da Assembleia Legislativa, para o DA Clóvis Beviláqua realizar a
palestra. Havia esse entendimento, o Diretor da Faculdade tinha suas razões,
que eram mais de natureza religiosa e pra ele não havia razão e sentido em
trazer Luis Carlos Prestes, que era um comunista. Levamos a palestra para a
Assembleia Legislativa e demos uma dimensão maior ao evento. Nós nos
entendíamos muito bem, não havia escaramuças entre nós e o pessoal de
esquerda. Nós dialogávamos muito bem, com o pessoal de direita
também...(Leorne Bélem, 2013)

A narrativa de Leorne também deixa transparecer certas representações


sobre características de uma cultura política em que a hierarquia e a reverência
às autoridades, no caso as universitárias, eram preservadas. Por ocasião da visita
de Luis Carlos Prestes à Faculdade de Direito, se faz uma negociação em torno
da possibilidade ou não de ser realizada sua palestra no auditório da Faculdade.
Em respeito ao Diretor da Faculdade e como havia uma “harmonia” entre os
grupos, a palestra foi realizada na Assembleia Legislativa do Ceará.
Vale salientar que várias fontes documentais indicam que a palestra foi
realizada mesmo no auditório da Faculdade. Apesar dessa dúvida, o mais
interessante é perceber a representação de uma postura conciliatória na ação
política estudantil, não só entre grupos, também com a Administração Superior.
Notamos que a dimensão memorial de conciliação aparece nas memórias
de entrevistados que vivenciaram suas experiências no movimento, nos
129

primeiros anos de vida do DCE. Uma época em que as outras fontes analisadas
indicam certa instabilidade política da entidade em conjunto com uma forte
interdependência em relação à Administração Superior. Nas reminiscências de
Djacir Martins a relação com a Administração Superior “era muito boa, não
havia movimento contra e eu levei várias vezes o Reitor à sede do DCE”.
Quando Leorne rememora as razões religiosas que influenciavam a
postura anticomunista do Diretor da Faculdade, outra questão interessante
transparece. A força e influência da religião católica em Fortaleza e na própria
Universidade. Como ressaltamos no capítulo anterior, tanto o Prof. Andrade
Furtado, como o próprio reitor Martins Filho eram figuras públicas
extremamente ligadas à Igreja Católica. Essa realidade será percebida na
importância dada as datas comemorativas católicas que eram celebradas com
grande pompa na Universidade: Páscoa dos Universitários, Natal dos
Universitários, além das várias missas realizadas na concha acústica.
Também percebemos representações de uma forma de atuar
politicamente. Nesse sentido, tenta se demostrar que as ações e os objetivos
políticos sobreporão os posicionamentos ideológicos, transparecendo uma
imagem de homogeneidade do movimento. Vejamos o que José de Freitas narra
sobre as relações políticas entre jucistas e comunistas, onde mais uma vez a
representação da conciliação é reforçada.

(...) quando eu era estudante na universidade, Augusto Pontes também era,


ele era o encarregado das ligações entre o PC e a JUC, e eu encarregado dos
assuntos da JUC. Nunca houve a menor dificuldade de acertar as coisas. A
gente acertava e discutia a questão da eleição dos diretórios. havia alguns
lugares que nós votávamos em candidatos dos comunistas, em outras os
comunistas votavam nos nossos candidatos(...) Quando eu ia conversar com o
Augusto, ele não vinha me convencer de nada, ele era comunista e eu era
católico, não tinha nada haver uma coisa com a outra, era perfeitamente
possível um católico defender algumas ideias comunistas. Às vezes muito
parecidas com as nossas. E nenhum comunista tentava destruir a religião ou
criticar, cada um tinha seu modo de ver as coisas. Nós íamos discutir era a
ação política prática, porque tínhamos que colocar tal fulano lá? Por isso e
por aquilo, essa que era a questão. (José de Freitas, 2008)

Ora, como já constatamos nos capítulos anteriores, o movimento


estudantil é um movimento social complexo, eivado de contradições, conflitos e
disputas internas. No entanto, as representações que surgem dessas memórias
contradizem essa realidade. José de Freitas reforça a conciliação dos grupos,
130

também no campo das ideias. Talvez como uma forma de fortalecer uma
percepção de forte unidade, grande coesão e identidade comum entre os
estudantes que militaram naquele momento histórico. Ou talvez uma conciliação
com o seu próprio passado. Segundo Voldman, o depoimento de ex-militante
possui algumas especificidades.

Esse tipo de testemunha seleciona as lembranças de modo a minimizar os


choques, as tensões e os conflitos que possam ter ocorrido no interior da
organização, diminuindo a importância dos oponentes e tentando apresentar
um movimento unânime e coeso(...)” (VOLDMAN, 2006, P. 258)

José de Freitas foi, por muitos anos, uma espécie de guardião da memória
de seu grupo, a JUC. Tentou de alguma forma juntar os pedaços de uma
experiência marcante em sua juventude. Ele fez um levantamento com nomes,
endereços e telefones de ex-integrantes da Juventude Universitária Católica no
Ceará e mantinha contato constante com alguns deles.
Essas informações serviam como elo entre o presente e o passado, mas
também serviam como pistas de uma história que para Jose de Freitas deveria ser
resgatada, divulgada e celebrada. Na realidade, o fato de se preservar
determinada memória pode ter diversos significados e motivações. Apesar de
analisar questões bem diferentes, Pollak63 sugere, em relação às motivações para
preservar certas memórias, que,

a memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações


do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas
mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de
pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades...”(POLLAK, 1989,
p.9)

Não obstante, a memória é feita também de pessoas e personagens que


buscam preservar um sentimento de pertença em relação ao grupo, um
sentimento que pode ser representado, por exemplo, como uma narrativa que
reforça uma percepção de unidade e de continuidade na constituição de

63
Para Pollak, ao analisar a existência de memórias oficiais e memórias subterrâneas, é preciso levar em
contar as intencionalidades da manutenção, divulgação e preservação de certas memórias que buscam
construir um passado homogêneo, livre de conflitos e de contradições. Nessa perspectiva, as memórias
relacionadas à conciliação dos grupos e atores envolvidos nas disputas políticas podem ter intenções de se
preservar um passado do movimento, em que ele representava um corpo único e unido em prol dos
estudantes e das causas sociais.
131

identidade de determinados grupos. Segundo Pollak (1992, p. 10) “podemos


dizer que a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade,
tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator
extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma
pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si”. Nesse processo de
reconstrução, se destacam as memórias de reconhecimento de si e do grupo.

3.2. Memórias de reconhecimento: ...eu lutei pela criação do restaurante


universitário, foi no meu tempo... eu criei os primeiros jogos universitários

Ao referenciar sua participação no movimento estudantil, as memórias de


Djacir Martins, um dos primeiros presidentes da história do DCE, revelam
representações do reconhecimento de sua atuação. Uma atuação marcada pelas
realizações no campo da assistência estudantil. Em 1958, foi inaugurado o
Restaurante Universitário, e em 1957 se realizavam os primeiros Jogos
Universitários da Universidade do Ceará.
Encontrei com Djacir Martins, presidente do DCE em 1957, em sua sala,
no Hospital Santa Helena, na Asa Norte de Brasília. Já estava mantendo contato
há alguns meses e marcamos a entrevista para dezembro quando eu estaria na
capital federal para um evento familiar.
Apesar de já aposentando, Djacir continua na ativa, desenvolvendo
pesquisas na área médica. Foi no seu local de trabalho, mas em clima de
informalidade e descontração, que realizei a entrevista. Tinha uma grande
expectativa em relação à entrevista, pois praticamente todos os primeiros
presidentes do DCE, infelizmente, já haviam falecido. Considerando também o
pequeno número de fontes acerca desse período, as memórias sobre os anos
iniciais do DCE seriam extremamente importantes para a pesquisa.
Pelo clima descontraído de Djacir, suspeitei que teríamos uma conversa
aberta e proveitosa acerca de sua participação no movimento. Mas como já
comentamos, nem sempre os encontros atendem as expectativas da pesquisa. Na
realidade, Djacir já não tinha muitas lembranças desse período e também não
possuía as características de um narrador, como nos fala poeticamente Walter
132

Benjamim.

... o narrador figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar conselhos: não
para alguns casos, como o provérbio, mas para muitos casos, como o
sábio...seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é contá-la inteira. O
narrador é o homem que poderia deixar a luz tênue de sua narração consumir
completamente a mecha de sua vida...(BENJAMIM, 1994, p. 221)

Apesar de Djacir não ter aprimorado o “dom” da narração, algumas


questões nasceram das poucas memórias do presidente do DCE. Entre elas, a
questão do reconhecimento. Do reconhecimento de si como liderança estudantil
e também do reconhecimento da importância daquele movimento na atuação
política estudantil e na conquista de melhorias para os estudantes, como no caso
da construção do restaurante universitário e da realização dos jogos
universitários, que começaram durante sua gestão, em 1957.
Acreditamos que quando cria uma imagem de pertencimento ao
movimento e de identidade com ele, Djacir traz em sua memória elementos que
conectam sua ação passada com o reconhecimento e valorização dessa
participação. Nesse sentido, um elemento importante é a lembrança da sua ação
política e das lutas e conquistas do movimento.
Nas reminiscências de Leorne Bélem, vice-presidente do DCE, na gestão
de 1958/59, a importância do movimento estudantil se relaciona também com as
características da atuação política estudantil daquele período. O reconhecimento
de seu papel como liderança no movimento, em relação às lutas e conquistas dos
estudantes, se confunde com a própria importância do movimento, que
participava efetivamente na gestão da assistência estudantil dentro da
Universidade do Ceará.

Na faculdade de Direito nos engajamos na luta pelo ensino noturno e tivemos


êxito. A Universidade tinha um programa de bolsas de estudos, ela distribuía
através dos Diretórios Acadêmicos, o que fortalecia muito o Diretório
Acadêmico. Quem selecionava os bolsistas da Universidade era o Diretório
Acadêmico. A ampliação do Restaurante Universitário foi também nossa
demanda. Antes o Restaurante Universitário e o clube dos estudantes
universitários ficavam próximos à praça da bandeira. Depois das demandas
dos estudantes, o Dr. Martins Filho sensível as reivindicações dos estudantes,
construiu no Benfica, o CEU, o ginásio e o restaurante...(Leorne Bélem,
2013)

Nos anos finais da década de 1950, o movimento estudantil da


Universidade do Ceará obteve várias conquistas nas áreas de assistência
133

estudantil e de ampliação da oferta de vagas. Com a criação de novos cursos,


como o de Engenharia e a abertura de turnos noturnos em cursos já existentes,
como na Faculdade de Direito. Essas conquistas também indicam um momento
de transformação no perfil dos estudantes de ensino superior.
Apesar da Universidade ser ainda um espaço bastante restrito para as
classes populares, as classes médias urbanas começavam a ter uma maior
entrada nas vagas dos cursos universitários. Apesar de não termos estatísticas
precisas acerca dessa realidade, podemos supor, através do perfil sócio
econômico das pessoas entrevistadas nessa e em outras pesquisas64, que já
existia um número significativo de estudantes advindos da classe média urbana.
O depoimento de Leorne Bélem traz à tona estas conquistas e também
uma especificidade importante do movimento estudantil desse período. Os
estudantes faziam parte da engrenagem administrativa da máquina de assistência
estudantil da Universidade. A direção do restaurante, a direção do CEU, a
escolha dos comensais, a escolha dos bolsistas, tudo isso era co-administrado por
estudantes, principalmente, as lideranças do movimento.
Essa característica assume uma importância no processo de
transformação da cultura política estudantil, pois se percebe uma forte
aproximação das bases estudantis com a liderança do movimento. Nesse sentido,
percebe-se uma maior abertura e amplitude do movimento, pois a vivência
política se aproxima cada vez mais do cotidiano da massa estudantil. Situação
que difere da década de 1930 e 40, quando as vivências políticas geralmente se
restringiam às sedes do CEC ou da UEE.
Na Universidade, a vivência política estava no CEU, no restaurante, na
sala de aula, em praticamente todos os lugares. Dessa forma a capacidade de
mobilização do movimento cresceu muito. Não foi por acaso que a greve do 1/3,
no estado do Ceará, foi uma das mais impactantes do Brasil e com imensa
mobilização dos estudantes.
Entrevistamos Leorne Bélem na Capela da Santa Casa de Misericórdia de
Fortaleza. Atualmente aposentado, o ex-deputado estadual e federal é um
benemérito da Santa Casa e dá expediente alguns dias da semana. Com uma
oratória privilegiada e uma boa memória sobre o período, a narrativa de Leorne

64
Ver trabalhos de Ramalho (2002) e Maia (2008) sobre o movimento estudantil cearense com entrevistas
de militantes do período.
134

trouxe diversas representações sobre o movimento estudantil do período


posterior à implantação da Universidade do Ceará.
Uma questão interessante que se apresentou foi a relação entre projeto
pessoal65 e a participação política do estudante. Para o ex-presidente do DA
Clóvis Beviláqua da faculdade de Direito, foi natural sua entrada no movimento,
já que desde a infância tinha certa vocação para a política e no momento de sua
atuação política estudantil, já tinha ambições de assumir cargos eletivos.
A narrativa de Leorne trouxe variados elementos relacionados à sua
experiência no movimento. Narrando de forma detalhada seus momentos de
liderança estudantil, desde o grêmio do colégio Pedro II do Rio de Janeiro,
Leorne, que depois da faculdade, foi eleito deputado estadual e federal em duas
legislaturas, apresentou um lado do movimento que poucos historiadores se
preocuparam em pesquisar.
O lado dos grupos políticos estudantis que não eram de “esquerda”.
Grupos que tiveram forte atuação dentro de diretórios importantes, como o
próprio Clóvis Beviláqua. Forte participação em órgãos de ampla representação
da política estudantil, como a UEE. Eles também participaram da política
partidária cearense66.
A Juventude Udenista do Departamento Estudantil da UDN e a União da
Mocidade Pessedista eram ligados a agremiações políticas de caráter
conservador e elitista. Grupos que fogem ao senso comum acerca do perfil
político-ideológico dos grupos que atuavam no movimento estudantil da década
de 1960.

Os partidos políticos, os dois partidos políticos, a União Democrática


Nacional-UDN e o Partido Social Democrático-PSD já tinham seus
movimentos estudantis. Eu, por exemplo, quando voltei do Rio para cá,
terminei o secundário e vim fazer vestibular, eu ingressei no departamento
estudantil da UDN. Nós nos reuníamos todos os sábados, no prédio onde hoje
é o edifício General Tibúrcio, perto da antiga Assembleia Legislativa. No
prédio General Tibúrcio era a sede da UDN, lá tinha uma sala para o

65
No estudo de Albuquerque (1977), o autor questiona se as condutas dos estudantes no movimento
estudantil dependem primordialmente do sentido dado por eles à sua participação, nesse sentido, se
relacionam o projeto pessoal com o projeto societal dentro do movimento. Nessa perspectiva, percebe-se
a complexidades que existem entre os objetivos formais da Organização e os objetivos percebidos pelos
membros. Acreditamos que para Leorne Belém o projeto pessoal de carreira política se relacionava
diretamente com a forma como ele percebia os objetivos políticos do movimento.
66
Vejamos o que falar o então prefeito de Fortaleza Paulo Cabral, eleito em 1950, “Na verdade eu não
escolhi a UDN para se candidatar a prefeito de Fortaleza, pois a indicação cabia ao PTB. Fui convencido
a aceitar a candidatura a prefeito, indicado, formalmente, pelo PTB, pelos jovens integrantes do
Departamento Estudantil da UDN...(MOTA, 1997, pp 43-44)
135

departamento estudantil. Faziam parte, Luciano Magalhães, que depois foi


deputado, Ernani Uchôa Lima, um grande criminalista, Roberto Atila do
Amaral Vieira, eu, Zé Maria Barros Pinho e outros tantos. Nós éramos do
Departamento Estudantil da UDN. O Regis Jucá ainda fez parte. O PSD
também tinha suas lideranças na mocidade pessedista ... Os líderes do nosso
grupo eram Wills Santiago Guerra, foi procurador da Universidade, Dionizio
Tomé Filho e o Antônio Mota Carneiro, irmão do famoso jornalista Luciano
Carneiro. Já no primeiro ano fui vice-presidente do Diretório Acadêmico. No
segundo ano também fui vice, por que já tinha outro aguardando sua vez de
ser presidente. No terceiro ano eu fui presidente por que havia chegado a
minha vez. Esse grupo liderou a política dentro da Faculdade de Direito por
muito tempo. Meu sucessor foi João Augusto Machado Vasconcelos, depois
um amigo do Piauí, Joaquim Alencar...(Leorne Bélem, 2013)

Interessante perceber a qualificação de alguns nomes citados, de certa


forma sugerindo o reconhecimento da importância dos membros em um paralelo
com a importância do próprio grupo. Vale ressaltar que a importância desses
grupos nas disputas políticas do movimento também pode ser considerada
reflexo de uma cultura política mais ampla na qual o movimento estudantil
estava interagindo. Em alguns momentos e em certos espaços, com maior
aceitação ou não.
No Ceará, esses grupos estudantis estavam ligados aos partidos de maior
importância política. Segundo o memorialista Aroldo Mota, no início da década
de 1950, os estudantes já se envolviam efetivamente nas campanhas eleitorais,
organizados em comitê e participando dos partidos que disputavam o poder
executivo estadual.

Os estudantes udenistas do Ceará, como se intitulavam, realizaram


convenção no salão nobre do Palácio do Comércio, presidida pelo deputado
Filemon Teles e participação de militantes estudantis: Alberto Leal, Luciano
Magalhães, Aquiles Mota, Paulo Roberto, Ernando Uchôa Lima, Luís Edgar
Cartaxo de Arruda..., dentre outros.
Os pessedistas também organizaram a sua juventude partidária. Assim a
União da Mocidade Pessedista do Ceará esteve reunida e elegeu sua diretoria:
Presidente – Armanda Ribeiro Parente; Vice-Presidente – Francisco
Gladstone Olinto Lobo...(MOTA, 1997, p. 137-140)

Vale destacar que o mesmo memorialista afirma que embora a política


adotada pela UNE ser de natureza ideológica, com uma clara divisão entre o
grupo de direita (conservador) e o de esquerda (socialistas), as suas filiadas
(UEE´s) no Norte e Nordeste do Brasil sempre se ligavam à política partidária.
No Ceará, por exemplo, no início da década de 1950, o presidente da UEE era o
vereador pela UDN, Luciano Magalhães. Percebemos aí, um traço peculiar da
136

cultura política estudantil cearense nesse período histórico.


Outra forma de reconhecimento da importância do movimento nas
memórias dos entrevistados, surge da representação acerca da relação do
movimento com seus “adversários” ou “inimigos”. Nos primeiros anos da
década de 1960, em plena ebulição dos movimentos sociais brasileiros, cada vez
mais o movimento estudantil universitário se polarizava para a esquerda.
Ganhava força o discurso anti-imperialista67 e denunciador das injustiças e
desigualdades sociais. Nesse contexto, tanto os Estados Unidos da América,
quanto a classe burguesa poderiam ser considerados um inimigo em potencial.
Nas memórias de Agamenon Tavares, um fato marcante vem à tona para
representar essa força. Ele rememora o ano de 1962, quando por ocasião de um
convênio de intercâmbio feito entre o MEC e o Departamento de Estado dos
Estados Unidos, foram escolhidos dois representantes do movimento estudantil
universitário de cada Estado brasileiro. Agamenon passou dois meses lá e visitou
diversas universidades americanas, onde participava de palestras, reuniões e
encontros que tinham por finalidade de exaltar a cultura e o modo de vida norte-
americano.

... Fomos pra Washington, daí se dá outro momento em que se demonstrava a


importância do movimento estudantil brasileiro para o Governo Americano,
nós tivemos uma audiência com o secretário de estado Bob Kennedy,
passamos 2 horas falando sobre política e América Latina, passamos duas
horas com o secretário de Estado dos Estados Unidos em plena crise dos
mísseis em Cuba, depois nós fomos dar uma entrevista no programa a Voz da
América...(Agamenon Tavares, 2010)

A historiografia brasileira sobre o período indica uma forte participação


política dos estudantes. Percebe-se uma efervescência dos movimentos sociais
urbanos e rurais que tentavam participar efetivamente do jogo político nacional
reivindicando reformas de base, como a reforma agrária e a reforma
universitária. As lembranças de Valton reforçam esta percepção do movimento
daquele período histórico. “Nesse momento a representatividade do Movimento
Estudantil era muito grande, nós éramos consultados pelas várias instâncias do
poder, tanto local quanto nacional...” (Valton Miranda, 2010)

67
A produção historiográfica sobre o período revela uma forte influência do ideário nacionalista nos
discursos da esquerda brasileira e dos movimentos sociais, ver, por exemplo, a obra Nacionalismo e
reformismo radical (1945-1964)(FERREIRA & REIS, 2007). Percebemos através das fontes jornalistas e
fotográficas já apresentadas nesta pesquisa a forte crítica ao imperialismo americano por parte do
movimento estudantil cearense.
137

Destacamos que a construção da memória dessas representações parece


ser bastante influenciada pelos fatos que obtiveram forte repercussão na mídia da
época e destaque na produção historiográfica sobre o período. Percebemos um
processo de composição das reminiscências, como nos fala Alistair Thomson:
“Composição é um termo adequadamente ambíguo para descrever o processo de
construção de reminiscências. De certa forma, nós as compomos ou construímos
utilizando as linguagens e os significados conhecidos de nossa
cultura”.(THOMSON, 1997, pp 56-57)
Ainda fazendo referência às memórias de reconhecimento acerca da ação
e da importância política do movimento estudantil daquele período, destacamos
um trecho da narrativa de Agamenon Tavares sobre a relação do movimento com
o Governo Goulart.

... de certa maneira o João Goulart montou para o Movimento Estudantil o


mesmo esquema que Vargas montou para os sindicatos, ele tentou atrelar. É
tanto que a UNE recebia subsídios do Governo. No orçamento da União tinha
dinheiro paras as atividades dos estudantes A UEE daqui tinha até Kombi, e
foi também com dinheiro dos subsídios. Por exemplo, nós fizemos
congressos, nós participávamos de todos os congressos da UNE, grandes
congressos, a gente fazia com o dinheiro que a UNE dava, através de
subsídios conseguidos no Governo...(Agamenon Tavares, 2010)

Agamenon traz em suas memórias representações sobre as relações do


movimento estudantil com o Governo Federal, expressando o grau de
importância do movimento naquele período histórico68. Na realidade, a
importância do movimento no momento em que se lutava pelas reformas de base
é destacada de forma unânime pela produção histriográfica, contudo as
representações construídas por Agamenon não atingem todas as nuances dessa
realidade.
Percebe-se que as representações de reconhecimento reconstruídas pelas
memórias das lideranças trazem elementos de um contexto político mais amplo
que se relaciona com o local. Nesse sentido, a luta pela reforma universitária
aparece nas memórias como bandeira levantada pelo movimento estudantil

68
Para Maranhão (2007), o movimento estudantil do início da década de 1960, através da UNE, foi o
maior agitador das propostas nacionalistas e de reforma. Isso foi um dos fatores para os nacionalistas de
esquerda, que ocupavam cargos de poder no Executivo Federal, liberarem verbas para as ações de
propaganda da UNE. Verbas que eram usadas também para outras finalidades, como por exemplo, a
formação do Centro de Cultura Popular/CPC da UNE.
138

articulada com percepções de reconhecimento da importância da ação política


estudantil cearense e nacional.
O acadêmico Manlio Silvestre narra algumas demandas do movimento
em relação à reforma universitária, trazendo percepções sobre o reconhecimento
da forma diferenciada como atuavam os estudantes da sua época. Na sua
percepção, estes militantes seriam mais politizados e conscientes da realidade
brasileira.

Nós tínhamos algumas aspirações básicas, uma delas, por exemplo, acabar
com as cátedras, acabar com os catedráticos... outra era a participação dos
estudantes no Conselho Universitário, pois o que tinha era uma participação
mínima, quase simbólica... Que acho marcante nessa época, era que, se não
uma participação, havia uma consciência muito grande da situação política
do país, uma interação muito grande com que se passava na política nacional.
Qualquer coisa que acontecia na política nacional repercutia dentro da
Universidade e o corpo estudantil reagia rápido e bem, não sei se uma
impressão minha porque na distancia a gente acha que as coisas eram tão
mais diferentes, acho que havia um pouco mais de informação e formação
das lideranças estudantis. Acho que lia-se um pouco mais...(Manlio Silvestre,
2012)

Além de uma clara representação sobre o reconhecimento de um


movimento estudantil que era mais politizado que o movimento estudantil atual,
percebemos nas memórias de Manlio diversas representações sobre as bandeiras
estudantis levantadas durante a luta pela implantação da reforma universitária.
Ao pesquisarmos outras fontes, percebemos que a luta para acabar com a
cátedra vitalícia repercutiu amplamente naquele período, como um assunto
polêmico que colocava o movimento contra uma boa parte da Administração
Superior da Universidade69.

VITALICIEDADE DE CÁTEDRA
Outro assunto que foi amplamente debatido foi a questão da vitaliciedade de
cátedra. Argumentam uns que no Brasil para que o professor possa exercer
tranquilamente as funções do seu cargo, é preciso que esteja garantido pela
vitaliciedade. Para outros é justamente o contrário, a vitaliciedade acoberta
uma grande parte de professores incompetentes, fazendo com que um
professor ocupe por muitos anos uma cadeira, sem acompanhar a evolução da
ciência que ministra. Debates acalorados houve sobre a vitaliciedade de

69
Vale ressaltar que a Universidade do Ceará surge da agregação de varias faculdades já existentes. As
faculdades eram compostas de cátedras, cada qual correspondendo a certa área do saber. A reunião de
certas cátedras compunha a série e a sequência destas, o curso. A cátedra tinha no professor catedrático o
titular vitalício, somente substituído por morte, afastamento ou jubilação (aposentadoria)...Cada faculdade
era dirigida pela congregação, formada pelos professores catedráticos e pelo representante dos livre-
docentes, por ele eleito...(CUNHA, 1983, p. 15-16)
139

cátedra, que é combatida pela reforma universitária. (Tribuna do Ceará,


06/10/1961:4)

Por outro lado, este reconhecimento também pode ser expresso quando
os entrevistados comparam a atuação do movimento estudantil daquele período
com o atual. Ao criticar a ação política do movimento atual ou destacar
qualidades daquele, as memórias transparecem o reconhecimento do valor e da
importância do movimento estudantil do qual os entrevistados eram lideranças.
Vejamos a narrativa de Djacir sobre sua percepção acerca da atuação do
movimento estudantil universitário nos dias atuais.

Porque eles são subvencionados pelo Lula, no meu tempo, nos pequenos
movimentos que eu participei, a luta era difícil. A gente ia no gabinete do
ministro da Educação, eu ia pra UEE, você marcava audiência e etc. Havia
aquele movimento espontâneo de protesto e tudo. Hoje você não vê isso.
Você acha que se tivesse todas essas denúncias de corrupção, tantos os
estudantes quanto os secundaristas estariam calados, não fariam passeatas?
Hoje eu considero péssimo. Porque ele é controlado pelo PC do B, recebendo
certinho uma verba todo mês, coisa que nós não tínhamos. Pra você fazer um
congresso tinha que pedir ao Presidente da República ou alguma autoridade
para custear aquele congresso, era assim. Então o pessoal que é
subvencionado não vai protestar contra quem lhe paga, é um tipo de
partidarismo. Naquela época nós éramos independentes ...(Djacir Martins,
2012)

Para Djacir, apesar de receber apoio de autoridades públicas ou entidades


governamentais, o movimento de suas memórias era independente pois não era
ligado aos partidos políticos. Esse caráter de independência diferencia e, ao
mesmo tempo, traz um reconhecimento à atuação do movimento. Na realidade,
ao cruzarmos outras fontes, percebemos que aquele movimento estudantil tinha
apoio de autoridades e entidades, principalmente da UC. E esse apoio tinha
algum interesse, como por exemplo, afastar a representatividade política dos
estudantes das decisões relacionadas à Política universitária.
Ainda em relação ao reconhecimento da importância do movimento,
Manlio rememora uma experiência inusitada, porém reforçando a memória
coletiva acerca do reconhecimento do movimento como ator político importante
naquele contexto.

... eu tenho algumas fotografias de varias reuniões nossas, inclusive um


debate que aconteceu na Concha Acústica de Fortaleza, com a associação
comercial de Fortaleza. Eles tentaram se aproximar bastante, o movimento
estudantil estava ficando muito forte e muito à esquerda. Alguém deve ter
140

colocado na cabeça deles – não sei se era um movimento nacional – que


deviam tentar influenciar ou se introsar com o movimento estudantil. Uma
coisa muito curiosa, eles realmente se aproximaram...(Manlio Silvestre,
2012)

Figura 17 – Debate dos alunos com a associação comercial de Fortaleza, acontecido na Cocha
Acústica.(acervo pessoal de Manlio Silvestre)

Candau (2011) faz um estudo sobre a relação entre memória individual e


coletiva e identidade. Para ele, existem relações sociais entre a memória e
identidade, nelas surgem formas diferentes de se construir a identidade de
grupos a partir da preservação e transmissão de determinadas memórias. No
quadro da relação com o passado, que é sempre eletivo, um grupo pode fundar
sua identidade sobre uma memória histórica alimentada de lembranças de um
passado prestigioso...(CANDAU, 2011, p. 151).
Nesse sentido, apesar da memória de Manlio trazer uma experiência
política do movimento, que pode revelar um jogo de relações com um grupo
social que de certa forma expressava interesses totalmente divergentes ou
antagônicos aos do movimento estudantil, ela pode ser interpretada como um
elemento de reconhecimento da força política e do prestígio do movimento,
mesmo por grupos sociais que divergiam totalmente dos ideais e objetivos do
movimento nos primeiros anos da década de 1960.
141

Na realidade, no período entre o final dos anos 1950 até o golpe de 64, o
movimento estudantil universitário parece estar passando por transformações em
sua cultura política. Com práticas políticas mais radicais, com disputas mais
intensas pela liderança do movimento e com uma postura e um discurso político
cada vez mais a esquerda. Essas transformações são rememoradas pelas
lideranças em representações de disputas que foram trazidas para o presente.

3.3. Memórias de disputas e práticas políticas: para você ter uma ideia, nós sempre
ganhávamos, a gente era mais atuante e era maior...

Então, a gente trabalhava, como eu disse, o braço político, lado a lado com as
ideias cristãs. Nosso objetivo era compor uma frente em que nossa força se
fizesse presente nas ações políticas dentro da universidade. Assim, a
estratégia política era a seguinte: ter poder político e dominar a maior parte
das instituições políticas dos estudantes. Talvez por esse tipo de organização
do trabalho o grupo cristão sempre teve dirigentes na maioria dos diretórios.
(Hélio Leite, 2009)

Hélio Leite foi liderança no movimento secundarista do Liceu do Ceará e


liderança no movimento universitário, no DCE da UFC. Realmente, a percepção
de hegemonia parece prevalecer naturalmente na memória de Hélio. No entanto,
a verdade é que havia diversos grupos que disputavam a liderança do
movimento, e esses também conseguiam posições de destaque.
Nos encontramos no corredor da Faculdade de Educação da UFC. Prof.
Hélio Leite, foi presidente do DCE na gestão1962/63 e ex-reitor da Universidade
Federal do Ceará. Havia escolhido uma sala de aula para realizarmos a
entrevista. Logo me preocupei com aquele espaço, já que o condicionador de ar
era extremamente barulhento, fato que prejudicaria o áudio da entrevista.
Percebi que o professor queria acelerar o processo da entrevista, talvez
tivesse outros compromissos para depois. Porém, logo que começou a falar sobre
a experiência no movimento, seu ânimo mudou. Se mostrou bastante motivado
em falar daquelas experiências da sua juventude, sem se preocupar com a
duração da entrevista.
Sempre ressaltando o aspecto político de sua experiência, Hélio, se auto
definiu como “braço político” da JUC, ele não era muito de “ir à Igreja”. Nesse
142

sentido, suas reminiscências trouxeram com mais clareza algumas questões


relacionadas às disputas internas do movimento estudantil, que já existiam em
sua época de secundarista no Colégio Liceu do Ceará.

...Quando eu ingressei na universidade, em 1962, a equipe estadual da JEC


passou o meu histórico para a equipe da JUC. Então, no dia da minha posse
como presidente do diretório da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
UFC, recentemente criada, um membro da JUC me procurou. Conversamos e
ele me perguntou se eu queria continuar o trabalho que vinha fazendo no
Liceu. O interesse da JUC era explicável porque no Liceu eu tinha sido
presidente do CREC, Centro de Educação e Cultura e desenvolvi atividade
política muito grande, especialmente, na renúncia do Jango. Com efeito, a
JUC ganhava um diretório acadêmico órgão importante para o trabalho nas
faculdades. Tudo começou por ai. Minha atuação na JUC foi diferente.
Trabalhava com eles, mas não tinha militância religiosa, mas participava das
reuniões de planejamento, pois o esquema era o mesmo adotado pela JEC.
Enfim, eu era um braço político da JUC...(Hélio Leite, 2009)

Nos primeiros anos da década de 1960, percebemos uma crescente


atuação política da JUC no movimento. Vários jucistas ocupavam funções de
liderança em diretórios acadêmicos de diversos cursos. O processo de mudança
da atuação da JUC cearense parece estar fortemente relacionado à criação da
Universidade do Ceará e ao nascimento do Diretório Central do Estudantes-
DCE70.(PONTES, 2010)
Principalmente porque a partir desse momento, a JUC começa a
relacionar-se efetivamente com outros grupos estudantis, iniciando uma atuação
mais forte no campo político do movimento estudantil. Nesse período, ela vai
disputar com a juventude comunista a liderança política do movimento.
Na narrativa de Agamenon Tavares, o movimento secundarista também é
rememorado. Ele, como Hélio, estudou no Liceu, só que num período anterior.
Suas palavras nos fazem refletir sobre a cultura política estudantil da sua época
de secundarista, no início da década de 1950. Os conflitos e disputas entre
entidades, a relação com as autoridades públicas e as práticas estudantis são
elementos que transparecem nas reminiscências de Agamenon.

...tinha um movimento secundarista que criou um pouquinho de conotação


política. Que era o Centro Estudantal Cearense. Ai houve uma briga com o
pessoal do Liceu, e os estudantes do Liceu criaram o Centro Liceal de
Educação e Cultura. Pra você ver como era o Movimento Estudantil da

70
O Diretório Central dos Estudantes/DCE foi criado em 10 de maio de 1956 com a denominação de
Diretório Universitário dos Estudantes. Em 14 de dezembro de 1956 é eleita a primeira diretoria com a
utilização do nome DCE.
143

minha época secundarista e como era o relacionamento que se tinha com as


autoridades. A Polícia aceita criar uma Polícia estudantil. Era o seguinte,
dezoito do CEC iam ser policiais e na sede da polícia, era ali na praça dos
voluntários. Tinha uma sala. Se você fosse preso, o estudante ia pra polícia
estudantil. Ai tinha um estudante que dava plantão e saia em blitz com a
polícia. Se tinham estudantes, eles iam tomar contar dos estudantes, era
engraçadíssimo isso... Ai o Liceu quando brigou com o CEC, o CLEC criou a
milícia liceal, e esse pessoal dava serviço ajudando o juizado de menores na
entrada de cinemas, de bares, nos clubes. Então era o seguinte, os estudantes
chegavam no cinema, o filme tinha censura naquela época, ai tinha que
mostra a identidade, ai normalmente na entrada ficava uma pessoa do
juizado, um comissário voluntário e um estudante lá, pra fazer também o
controle da entrada...(Agamenon Tavares, 2010)

Ao relembrar a formação da polícia estudantal71, Agamenon deixa


transparecer um paralelo entre esta experiência secundarista e sua experiência no
movimento universitário. O período de secundarista, marcado por uma cultura
política que prevalecia o assistencialismo e o colaboracionismo com as
autoridades públicas.
A existência de estudantes policiais era algo no mínimo inusitado quando
se pensa na perspectiva da atuação política estudantil contestatória e radicalizada
exercida pelo movimento no início da década de 1960. A atuação que gerou, por
exemplo, a greve estudantil mais duradoura da história universitária cearense. A
greve do 1/3.
A narrativa de Valton Miranda cria imagens importantes acerca das
disputas pela liderança política do MEU. Ao considerar a inexistência de jucistas
nas ações mais radicais da greve do 1/3, sua memória traz uma representação de
prevalência e importância do grupo de estudantes ligados ao PCB, do qual ele
fazia parte.

... na greve de 1/3 teve uma série de ações que nós executamos, ações
inclusive de boicote da universidade. Aquelas ações que resultaram em corte
de energia da faculdade de Agronomia, que era, naquele momento, a mais
reacionária (...) Nós cortamos, quebramos o fornecimento de energia para a
faculdade de Agronomia, como fizemos também uma outra ação que impediu
o funcionamento de Imprensa Universitária, tirando algumas peças
fundamentais dos motores... A JUC não participou, até onde eu saiba, dessas
ações. Essas ações eram muito mais orientadas e praticadas pelos comunistas,
eu sinceramente não me lembro, eu não quero ser injusto e faltar com a
verdade, mas eu não me lembro que alguma pessoa da JUC tenha participado

71
Segundo Muniz, a polícia estudantal estava relacionada com a cultura política do Estado Novista, para
ele “criava-se um imaginário de uma efetiva participação do jovem nesta nova ordem, numa condição de
autoridade disciplinadora respaldada pela polícia civil; visto que sua ação de regular comportamentos em
espaços de lazer dava-se não só sobre estudantes, como também sobre jovens de outra condição social e
mesmo público em geral, extrapolando o movimento estudantil.”(MUNIZ, 1997, p.14)
144

disso(...)(Valton Miranda, 2010)

Valton Miranda expressa através de suas reminiscências, representações


sobre um acontecimento que é algo convergente nas memórias das demais
lideranças entrevistadas. Para Candau, “cada memória é um museu de
acontecimentos singulares aos quais está associado certo “nível de
evocabilidade” ou de memorabilidade”(CANDAU, 2011, p. 98). Nessa
perspectiva, a greve do 1/3 parece ser representada como marco da trajetória do
militante e do movimento, que encontra sua lógica e sua coerência nessa
demarcação.
Nessa demarcação a greve possui contornos que permanecem nas
memórias das lideranças, como o contorno do conflito e da disputa que envolve
entre outros aspectos, os grupos políticos estudantis que atuaram na greve e o
papel das entidades representativas durante esse processo grevista. Ou seja,
quem foi mais importante na greve do 1/3? A JUC ou o PCB? O DCE ou a UEE?
Mesmo sem descartar diretamente a atuação dos estudantes comunistas,
as memórias do jucista Agamenon Tavares também não fazem menção ao papel
desempenhado pelos outros grupos nas ações grevistas.

...nós participamos ativamente da vida política de toda universidade. Em


1962, nós tivemos a greve do 1/3, que foi um movimento nacional puxado
pela UNE, que brigava por uma participação de 1/3 nos colegiados. Aqui a
gente participou ativamente, toda a JUC participou ativamente, foram 84 dias
de greve de ocupação. Foi uma estratégia muito bem bolada, nós fizemos
uma assembleia à noite, ali onde é hoje a cantina das Ciências Sociais,
História. Lá funcionava o restaurante universitário, em cima funcionava o
DCE, um consultório médico para atendimento de estudante, um barbeiro,
um salão de jogos para os estudantes e no segundo andar, onde é o hoje o
CAEN, era residência de estudantes. De forma que fizemos essa assembleia e
dividimos as equipes. Aí todo mundo foi para os seus locais, os cursos, as
faculdades (...), tinha o campus do Benfica e o Pici. Naquela época não tinha
serviço terceirizado, era tudo funcionário (...) foi uma greve que acabou por
que o João Goulart mandou o exército ocupar a Universidade...(Agamenon
Tavares, 2010)

Nas representações de Agamenon, variados aspectos se mesclam quando


narra a história da greve. Aspectos relacionados aos espaços de lazer e
assistência que também eram utilizados como espaços de debate político, local
das decisões políticas. Estes espaços foram sendo transformados pelos
militantes, como uma forma de se integrar ao espaço universitário que era
controlado pela Administração Superior, contudo, ao longo dos anos, foram
sendo apropriados de diversas maneiras pelo Movimento.
145

Daí notamos a importância do novo espaço físico e simbólico da


Universidade no processo de transformação da cultura política estudantil.
Diferente da realidade do movimento que tinha pouca interação entre os
diretórios de faculdades que ainda não possuíam vínculo entre si, o movimento
que se formava na Universidade possuía uma maior capacidade de agregação,
mobilização e legitimação em relação aos estudantes.
Além disso, a proximidade geográfica dos grupos políticos estudantis que
agora possuíam diversos espaços em comum(CEU, restaurante, DCE, etc...)
serviu para fomentar o intercâmbio de ideias e práticas que cada grupo trazia de
suas próprias experiências. A JUC trazia elementos de suas práticas
organizacionais de Ação Católica, a UJC trazia a experiência da forte disciplina
militante e dos ideais marxistas, a Juventude da UDN e a Mocidade do PSD
traziam suas experiências políticas de organização e interlocução de importantes
partidos políticos tradicionais.
Não obstante, as narrativas que fazem referência à greve do 1/3 seguem
uma coerência, uma lógica que permeia as memórias de todas as lideranças
entrevistadas. Um ponto em especial é sempre destacado: a estratégia de ação
política grevista. Os objetivos, as dificuldades, os ganhos da greve são ofuscados
pela representação da prática política. Acreditamos que existem fatores que
fortalecem certa especificidade na forma como um ex-militante do movimento
estudantil narra suas memórias. Nesse sentido, nos parece apropriado refletir
sobre o texto de Voldman.

... Para os militantes, sejam eles sindicalistas, políticos ou feministas,


testemunhar, dar uma versão e uma visão do passado, formar para a história
um ponto de vista sobre os fatos e permitir estabelecer a sua veracidade
também é controlar a posteridade, ter domínio sobre a imagem que será
legada à eternidade: em suma, deter ou acreditar deter a legitimidade de todo
o movimento...(VOLDMAN, 2006, P. 258)

Segundo Voldman é necessário questionar o documento oral não apenas


como fonte, mas, também como construção do historiador e da testemunha. Do
que ela denominará de “invenção” da fonte. Nessa perspectiva, há diversos
aspectos que devem ser levados em consideração quando da reinterpretação das
memórias, como por exemplo: a definição do depoimento, o tipo de testemunha
e a como se dá a construção do testemunho.
Em nossa pesquisa, o aspecto relacionado ao tipo de testemunho revela-
146

se fundamental para compreendermos algumas narrativas de nossos


entrevistados. Ao construir suas reminiscências sobre a participação no
movimento estudantil, o militante, seja de qual grupo político for, reelabora uma
narrativa pragmática, cadenciada e objetiva sobre sua ação política, que é
reconhecida como sua própria memória. “Isso dá ao seu testemunho uma
coerência e uma estruturação rígida...”(VOLDMAN, 2006, p. 257)
Percebemos isto, por exemplo, quando o depoente relata quais eram os
objetivos do grupo no qual estava integrado. “Quando se tratava de definir
objetivos, era dentro do comitê central do partido, o objetivo era ter a liderança
dentro do contexto...”(Valton Miranda, 2010)
Nesse momento, o “eu” e o “nós” são personagens que se integram na
narrativa de uma testemunha que “seleciona as lembranças de modo a minimizar
os choques, as tensões e os conflitos que possam ter ocorrido no interior da
organização, diminuindo a importância dos oponentes e tentando apresentar um
movimento unânime e coeso” (VOLDMAN, 2006, p. 258)
Quando questionamos diretamente os entrevistados acerca das ações
políticas estudantis daquele período, percebemos a força de certos
acontecimentos que ficaram cristalizados na memória dos militantes.
Considerando as entrevistas realizadas, as narrativas mais detalhadas e
organizadas dentro de uma sequência linear de ações, são as relacionadas as
ações estudantis durante a greve do 1/3. Todos os entrevistados, mesmo os
militantes que não vivenciaram esse momento, possuem algo a dizer sobre a
greve. Uma narrativa bastante detalhada é a de Manlio Silvestre.
Quando viajei ao Rio de Janeiro para entrevistá-lo, já havia feito alguns
contatos telefônicos. Inclusive ele já havia repassado de forma escrita algumas
de suas memórias sobre o período. Dessa forma percebi um grande potencial de
pesquisa em relação ao depoimento do presidente do DCE, em 1962.
A entrevista foi realizada em Seropédica, cidade distante 70 quilômetros
do centro do Rio. Em seu gabinete na Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro, onde é professor e já foi reitor. Sempre bem humorado, demonstrou
vivaz interesse em conversar sobre suas experiências no movimento estudantil.
Com uma riqueza impressionante de detalhes e um dom natural para narrar,
Manlio relembrou com bom humor as experiências políticas que vivenciou no
movimento.
147

... foi uma greve muito bem bolada. Ai vem outra coisa que eu aprendi nos
movimentos de massas. Não confiar nos valentões. Nós fizemos um
planejamento da seguinte maneira: nós vamos fechar a Universidade... foi
uma greve de ocupação da Universidade, nós vamos fechar toda a
Universidade e ocupar algumas partes dela. Uma parte importante dessa
ocupação era o setor financeiro da Universidade. A gente sabia que nessa
época, a Universidade, localizada em Fortaleza uma cidade ainda pequena,
num Ceará subdesenvolvido, era um dos grandes pagadores da sociedade
cearense. O orçamento era uma coisa. Martins Filho era uma das figuras mais
importantes, ele e o governador eram as figuras mais importantes do Estado,
porque o comércio vivia em torno da Universidade, era o grande pagador.
Nosso cálculo era o seguinte: se a gente fecha o setor financeiro, no mínimo
eles mandariam o exército abrir em uma semana e a gente tem uma greve de
uma semana (risos). O cálculo era esse, a gente ia fazer isso. Então nós
dividimos isso em comandos. Fulano ia pra escola de agronomia e fechava a
escola, ia fechando tudo. Para esse setor estratégico, nós mandamos o sujeito
que era presidente do diretório da Faculdade de Economia, porque era o cara
mais valentão, pelo menos nos comícios, na assembleia. Ele era um cara
exaltado... aliás, isso era uma característica dessa época, da radicalização,
cada um querendo ser mais à esquerda, mais ativo do que o outro. Mas esse
cara foi encarregado com um grupo de chegar e fechar o setor financeiro e de
compras da Universidade. Só que quando ele chegou lá, tinha um funcionário
qualquer, de terceiro nível. O funcionário disse: - Não! Vocês não vão fechar
não! Podem ir embora. Eles viraram e foram embora. A capacidade de
pagamento da universidade continuou funcionando e a greve se estendeu por
muito tempo, teve um desgaste muito grande, inclusive eu me desgastei
bastante... Nessa época a coisa ficou bem dividida, tinha o pessoal ligado à
Igreja católica bem forte e a juventude comunista do outro lado, eram as duas
forças principais. Esse pessoal ligado aos partidos tradicionais tinham
perdido qualquer influência no movimento estudantil...(Manlio Silvestre,
2012)

Manlio narra diversos momentos da greve do 1/3, explicando


detalhadamente a estratégia da greve. Segundo ele, o contexto socioeconômico
cearense e a importância da Universidade nessa conjuntura foram fatores
primordiais para a escolha da forma de como a greve seria executada. Outras
representações dão conta das características da cultura política estudantil, que
vinha se transformando. Naquele momento, menos colaboracionista, mais
contestatória e mais à esquerda. Para Manlio, já não havia mais espaço no
movimento para os grupos ligados às forças políticas tradicionais. De certa
forma a conjuntura política e social polarizada, com a radicalização crescente de
ambos lados, também influenciou a maior aproximação e aceitação das ideias
progressistas e reformistas72 no âmbito do movimento.

72
Segundo Ferreira (2007), o programa de Governo de Jango chamava-se Reformas de base, tratava-se de
um conjunto de medidas que visava alterar as estruturas econômicas e sociais do país, permitindo o
desenvolvimento econômico autônomo e o estabelecimento da justiça social. Nesse sentido, a maior parte
dos movimentos sociais acreditava e apoiava essas reformas, no caso dos estudantes, principalmente a
reforma universitária.
148

Na realidade, a greve tem um significado simbólico importante para as


lideranças entrevistadas. Acreditamos que a greve é mais facilmente recordada
por se adequar a forma como é construída a narrativa dos militantes, em que se
dá importância a certas experiências que de alguma forma podem legitimar uma
identidade desejada. Nesse sentido, o contexto narrativo apresenta pistas de
como se estruturou e se fixou determinadas memórias.
Além da greve do 1/3, outro acontecimento é bem estruturado na
memória dos entrevistados: a campanha da legalidade. Campanha na qual houve
participação destacada dos estudantes universitários cearenses. Ela foi liderada
pelos universitários que já demonstravam aspectos de uma nova cultura política
estudantil, apesar do forte caráter assistencialista ainda presente. O movimento
estudantil já não adotava mais uma postura colaboracionista com as autoridades
públicas.
Manlio Silvestre traz em suas memórias diversas representações acerca
de um fato bastante noticiado nos jornais da época. O cerco ao CEU e o quase
confronto com as forças militares. Importante destacar que nesse período, as
passeatas são práticas políticas adotadas com mais frequência, inclusive em
manifestações com objetivos políticos mais amplos, como no caso da campanha
da legalidade.

Foi nessa época que o movimento saiu do restaurante universitário lá no


Benfica e foi cercado pelo Exército de um lado e a aeronáutica do outro... Foi
uma coisa muito interessante porque nós conhecíamos a aeronáutica e o
exército, mais a aeronáutica do que o exército. Porque nessa época, Fortaleza
era cheia de boates, boate Guarani, lá no centro da cidade, tinha música ao
vivo, hoje não tem mais música ao vivo. Mas uma coisa que eu me lembro
dessa época, era quando a patrulha militar entrava nessas boates, procurando
soldado extraviado e tal. Parava a orquestra, as pessoas paravam até de
respirar (risos). Entrava o sargento procurando soldado, a gente sabia que o
pessoal da infantaria da aeronáutica era muito truculento. Quando nós saímos
do restaurante universitário, era do lado direito o exército, do lado esquerdo a
aeronáutica, fomos pro lado do exército (risos). Eu fui negociar, eu fui o
negociador, fui conversar com tenente coronel que era do Ceará, apesar de ter
fama de durão – não me lembro bem o nome dele, mas lembro da fama de
durão – foi um cara sensato, conversou com a gente e fez o seguinte acordo.
(O Tenente disse)Nós não podemos deixar passar, porque a ordem é não
deixar passar. (Manlio) E nós não podemos recuar porque nós já saímos do
restaurante. Então qual era o acordo, vamos fazer uma retirada simultânea, eu
dou a ordem (o tenente) e ao mesmo tempo o exército sai e vocês recuam pra
dentro, foi isso que foi feito. Ai aconteceu uma coisa muito engraçada,
algumas pessoas nessas horas ficam histéricas. Tinha um sujeito do Piaui,
cujo o nome eu não me lembro, me lembro que ele era branquelinho e
pequeno, esse cara ficou histérico e disse: eu não saio(risos), eu vou
enfrentar. Foi preciso juntar quatro caras fortes, pegamos pelos braços e pelas
149

pernas e levamos carregado pra dentro. O cara esperniava desesperado...


então essas coisas acontecem nessas horas...(Manlio Silvestre, 2012)

Apesar de passeata estudantil ser uma prática política utilizada em


períodos anteriores, geralmente ela possuía objetivos mais restritos, com
demandas exclusivamente estudantis, como por exemplo: campanhas para
garantia da meia passagem ou para construção da Casa do Estudante. A ação dos
estudantes na Campanha da Legalidade indica uma ampliação do escopo de
atuação política estudantil, inclusive participando de atividades conjuntas com
outros movimentos sociais.
A campanha da legalidade nasce de uma grave crise militar. Os ministros
militares, por diversas razões, não aceitavam a assunção de Jango à presidência
da República. No entanto, com o apoio de vários movimentos sociais e
lideranças políticas que resistiram e levantaram a bandeira da legalidade, foi
possível a assunção de Jango, mesmo que no arranjo parlamentarista. Durante a
campanha, foram reprimidas diversas manifestações em todo o Brasil. Aqui no
Ceará, o Exército e a Aeronáutica assumiram a função repressora do Estado.
O ex-presidente do DCE tem vivas em suas memórias várias ações
políticas realizadas pelos estudantes durante a campanha da legalidade. São
representações que fazem referência ao clima de repressão instalado no período
da crise sucessória e a atuação conjunta de estudantes e trabalhadores.

Eu me lembro de uma situação que ficou na memória, por causa do stress que
ela causou, Nós arrumamos um jipe, colocamos no jipe um amplificador.
Saímos pelos bairros operários Nesse tempo em Fortaleza, existiam umas
fábricas de tecido, nós saímos por estes bairros. Inclusive eu me lembro que a
gente participava das greves dos sindicatos, quando os sindicatos faziam
greves, nós íamos lá prestar solidariedade, discursávamos e tal... mas nesse
período da campanha da legalidade nós estávamos com este jipe fazendo
campanha para a posse, a favor da posse do Jango. Quando nos encontramos
numa rua atrás de uma daquelas fábricas, era uma ruazinha estreita que
começava num canto da fábrica e terminava no outro canto da Fábrica.
Quando nós entramos nessa ruazinha que só cabe um carro, se fosse dois, um
precisava encostar do lado, de lá vinha um jipe com a polícia militar. Nós
ficamos calados, na hora ninguém disse nada, nós passamos por eles
morrendo de medo(risos) e eles passaram pela gente e se quer olharam, não
deram nada pra gente e foram embora... depois nós descobrimos que havia
uma intervenção do Comando Militar da 10ª. Região na polícia militar. Eles
em sinal de protesto, simplesmente deixaram de prestar atenção ou de
intervir, mas a coisa era muito violenta...(Manlio Silvestre, 2012)

Percebe-se como a oralidade faz transparecer o caráter subjetivo da


experiência vivida e o quanto a militância política foi experimentada também
150

como sentimento. Apesar de citar o medo e tensão provocada pela situação,


quando Manlio rememora as ações políticas estudantis, geralmente faz emergir
situações de confronto, construindo uma imagem do Movimento estudantil
contestatório, que será o padrão do imaginário social sobre o movimento pós-
1964. Acreditamos que estas construções memoriais podem ser influenciadas
pela forma como um grupo social tem de narrar suas recordações acerca de
determinados acontecimentos.

...Vimos que há memória social porque há significado para o grupo que


recorda. Mas a maneira como esse significado se articula não é simples.
Demos a nossa atenção ao contexto narrativo como orientação para a
estruturação, e, portanto, para fixação, das formas de memória. Mas saber
que tipo de coisas são recordadas prioritariamente e porque é uma questão
igualmente importante. Os acontecimentos podem ser mais facilmente
recordados se couberem nas formas de narrativa que o grupo social tem já ao
seu dispor(...). Mas tendem a recorda-se, em primeiro lugar, pelo seu poder
de legitimar o presente, tendo tendência a ser interpretadas de maneiras que
seguem de perto(muitas vezes defrontam) as presentes concepções do
mundo...(FENTRESS e WICKHAM, 1992, p. 112)

Nas memórias sobre a atuação política dos entrevistados, além das


disputas e confrontos, também são reveladas estratégias da ação política dos
grupos. Uma dessas estratégias faz referência aos acordos de bastidores ou
conchavos. A percepção acerca do conchavo aparece às vezes de forma positiva,
às vezes negativa. Revelando certo caráter de disputa de memórias.

... Era assim, era tudo discutido com as lideranças, como o partido tinha
pouca gente, ele chamava a gente sempre pra conversa. Eles tinham o setor
estudantil e o setor universitário, que era pouca gente, tinha o Chico que era
aqui da Economia, o Farias, o Amaral. Tinha o pessoal da Medicina, então
eles tinham. Quando chegava por exemplo as grandes campanhas, a gente
fazia uma reunião, nosso grupo e eles vinham. Ai a gente acertava as coisas:
olha como é a proposta, que coisa a gente vai fazer, greve, enfim fazia uma
roda de negociações. Agora o partido era muito acostumado a acertar as
coisas e furar. Porque às vezes eles recebiam uma ordem do comitê estadual
para fazer outra coisa, ai mudava a estratégia e às vezes não combinava com
a gente. Por exemplo: a gente acertava que a eleição lá na Economia seria
nossa, ai de uma hora pra outra eles queriam furar e queriam ganhar. Ai
queria dizer que o candidato era do grupo deles. A mecânica era assim, a
gente discutia e acertava, por exemplo: teve uma eleição na UECE, nós
tínhamos um candidato, nós tínhamos 28 votos e eles tinham 2, ai queriam
ganhar, quer dizer, queriam convencer a gente, que a gente deveria abrir
mão....(Hélio Leite, 2009)

A “mecânica” seria exatamente os acordos de bastidores, conchavos que


definiam quais votos seriam alocados para cada chapa nas eleições dos diretórios
151

acadêmicos e do diretório central. Na reinterpretação de Hélio Leite era uma


estratégia usada para possibilitar a entrada de integrantes da juventude
comunista nas chapas vitoriosas, que eram dominadas pela JUC.
Percebemos que as disputas continuam presentes em algumas memórias,
como nota-se nas memórias de Agamenon Tavares, ao ressaltar a falta de
autonomia dos estudantes comunistas perante a cúpula do partidão. Dando a
entender que apesar da atuação política dos estudantes da Juventude Comunista
acontecer efetivamente na Universidade do Ceará, seus objetivos estavam mais
ligados aos interesses mais gerais do Partido e não do movimento.

... Na hora do trabalho eleitoral não tínhamos essa visão grupista, nós
respeitávamos todas as lideranças estudantis, independente de quais grupos
representavam(...) a JUC nos conchavos funcionava como qualquer outra
força política, ela ia lá e trocava votos, depois fazíamos reunião, só que quem
participava éramos nós mesmos. No PC quem participava era o chefe do
partido...(Agamenon Tavares, 2010)

Já para Valton Miranda, os conchavos aconteciam regularmente e


naturalmente nas eleições. Momento onde todos os grupos participavam, porém
o PC levava vantagem sobre os outros, já que possuía grande experiência nessa
prática política. Na realidade, a ideia relacionada à prática do conchavo é a
mesma em todas as narrativas expostas, porém possuindo sentidos e
intencionalidades diferentes73.

Havia em todas essas situações uma luta de bastidores, nós tínhamos nossos
conchavos, a eleição, por exemplo, para presidente da UNE. Tinha o
conchavão, que era uma grande reunião onde todas as tendências
participavam e em função da maioria, representada pelo número de
delegados, se tirava um encaminhamento. O número de delegados do PC e
dos seus aliados era muito grande. O PC já tinha muita experiência nos
conchavos...(Valton Miranda, 2010)

Ao cruzarmos outras fontes, evidenciamos a realização da prática de


acordos e conchavos políticos dos grupos para a formação de chapas eleitorais
para as disputas de diretórios acadêmicos na Universidade do Ceará, como no

73
Para Montenegro, em situações que as pessoas vivenciaram em comum, cada um irá relatar uma
história semelhante e ao mesmo tempo distinta em relação à situação. Distinta porque o que a pessoa
elabora a partir do dado exterior (que é idêntico para cada grupo) está relacionado às suas referências
pessoais, à sua história de vida, às suas marcas e caminhos de memória; semelhante porque está narrando
algo que sem dúvida é também indissociável de algo que foi compartilhado socialmente(
MONTENEGRO in SAECULUM, 2008, p. 11)
152

Direito e na Agronomia. Nomes como de Jacy Aurelia e de Raimundo Holanda,


integrantes da JUC, aparecem formando chapa com integrantes da Juventude
Udenista, como João Augusto Vasconcelos, Joaquim Alencar e outros.

Chapa da Legalidade
A chapa da legalidade enfrentou a chapa Machado Lopes (oposição) e ficou
assim, portanto, a nova diretoria do CACB: presidência: João Augusto
Vasconcelos; vice: Joaquim de Alencar Bezerra; 2º vice: Evandro Onofre
Silva; secr. Geral: Wagner Barreira Filho; 1º. Secr.: Alberto Callou; 2º. Secr.:
Rita de Miranda; tesoureiro geral: Maurilio Otoni Burlamarqui; 1º. Tes.:
Paulo Cabral; 2º tes.: Alfredo Wilson N. Sá; orador: Vicente Navarro
Gondim; bibliotecário: Holanda de Assis Rêgo. DCE: Manzolilio, Luiz
Dalcher e Jacy Aurélia. (Tribuna do Ceará 06/10/1961:4)

Nova Diretoria
Eis a composição da nova diretoria do centro acadêmico Dias da Rocha:
presidente: José Guedes Filho; vice: José Telmo de Castro Cunha; 1º.
Secretário: Pedro Jorge Ferreira Lima; 2º. Secretário: Raimundo Holanda
Farias; 1º. Tesoureiro: Otavio Pessoa Aragão; 2º. Tesoureiro: Claudio Regis
de Lima Quixadá; 1º. Orador: Vicente Alves Teixeira; 2º. Orador: Boris
Tupinambá Marinho de Souza; Bibliotecário: Paulo de Tarso Sabóia Ramos
(Id. Ibidem.19/09/1961:4)

Em outra dimensão de disputas de memória, podemos situar a relação


entre os dois órgãos de representação estudantil universitária, a UEE e o DCE.
Uma questão que traz representações acerca das disputas políticas que existiam
entre os grupos que dominavam cada diretório acadêmico. Nas memórias de
Manlio, percebemos alguns traços dessas disputas, quando se refere à
deflagração da greve do 1/3.

A greve do terço era uma greve articulada no país todo, acabou começando
em Fortaleza por acidente... Quê que aconteceu, nós começamos a pregar o
movimento de greve. Essa foi bem organizada, nós íamos com o pessoal do
DCE, de faculdade em faculdade, em cada faculdade, as vezes em varias
salas, fazendo a pregação da greve, explicando o porquê e mobilizando o
pessoal. Foi um movimento de mobilização muito bem feito e muito forte.
Quê que aconteceu, o núcleo de resistência de direita estava na faculdade de
direito, era o pessoal mais conservador. Eu não lembro porque razão eles
resolveram deflagrar uma greve antes. E nós acabamos antecipando a nossa
greve para não deixar o Direito entrar na greve, sozinho, e liderando o
movimento. Por isso a greve estouro em Fortaleza alguns dias antes de
estourar no resto do país...(Mãnlio Silvestre, 2012)

Quando se trata da antecipação da deflagração, ao analisar algumas


memórias sobre este acontecimento, percebemos uma tensão, uma disputa
velada entre entidades representativas dos universitários cearenses. De um lado a
UEE, do outro o DCE. Para Manuel Aguiar de Arruda, então presidente da UEE,
153

O companheiro Manlio, por estímulo de alguns grupos políticos


universitários (eu acredito que dentro de um processo indevido de
liderança, de tomar a liderança, de empolgar a liderança do movimento
universitário), reuniu o Conselho do DCE e resolveu deflagrar a greve sem
a participação da UEE. Nós achávamos que um movimento desses teria que
seguir todas as etapas, contatos com o reitor, com o Conselho Universitário.
Então eles foram na frente, e de uma hora para outra, fecharam as
faculdades, botaram cadeado. Um ato muito violento, sem preparo devido
dos próprios estudantes universitários. E nós, da UEE, tivemos que ir atrás,
porque na hora do quebra não cabia ficar dizendo que aquilo tinha sido
errado. Tivemos, embora contrariados, que assumir a solidariedade e
participar. ( BRAULIO, 2002, p.123)

Vale salientar que nesse período a UEE tinha forte influência na


Faculdade de Direito. Nesse sentido, podemos supor que nessa narrativa, ao
contrário do que foi rememorado por Manuel Arruda, a entidade que queria
tomar a frente do processo era a própria UEE, e não o DCE. Não obstante,
compreendemos que a memória é um local de disputa, por isto é importante
problematizá-la no sentido de torná-la mais compreensível no processo de
construção da narrativa histórica.
Nessa perspectiva, é necessário ter em mente que a greve já vinha sendo
planejada há algum tempo, inclusive, na sua estratégia de ação, ou seja,
ocupação. Os estudantes já vinham sendo mobilizados tanto pelo DCE como
pela UEE. A UEE possuía interesse que a greve começasse no dia 01 de junho,
já que era o órgão oficialmente associado a UNE.
Identificamos a existência de grupos que não aprovavam a greve,
principalmente na Faculdade de Direito. O fato de se deflagrar um movimento só
nesta Faculdade, pode ser interpretado como uma estratégia de desestabilização
da greve em toda à Universidade. Uma questão que nasce dessas reflexões é a
relação ou disputa entre as entidades estudantis. Na narrativa de Manlio
Silvestre, percebe-se algumas representações acerca dessas relações entre as
entidades.

Cada instituição tinha autonomia e as vezes tinha até um certo antagonismo,


uma certa ciumeira... havia um certo antagonismo, porque na verdade nós só
tínhamos em Fortaleza a Universidade do Ceará, era a única instituição
grande que existia no Ceará...... então nós tínhamos o DCE e a UEE atuando
na mesma área. Isso de vez em quando provocava um certo atrito, como nós
éramos muito mais ativos do que a UEE na época da greve, por exemplo,
como nós éramos muito mais ativos do que a UEE na época da greve, a greve
foi comandada pelo DCE e não pela UEE. Também não havia espaços para
estas duas instituições, uma vez que só existia a Universidade do Ceará...Na
hora que as Faculdades se juntam na Universidade e se cria o DCE, o DCE é
154

mais orgânico, tem mais vínculo direto com os diretórios. A capacidade de


convocar e articular os diretórios era maior do que a da UEE, a UEE podia ter
uma atuação política mais ampla, mais contatos, mas dentro da Universidade,
o DCE era bem mais articulado, bem mais forte..(Manlio Silvestre, 2012).

Apesar dos indícios e suposições que podem ser levantadas, o certo é que
a greve foi antecipada no Ceará por causa das peculiaridades do nosso
movimento estudantil universitário. Onde o campo de disputas pela legitimação
de uma determinada verdade histórica encontra-se aberto.
Essa disputa “velada” por legitimação de uma determinada história nos
faz refletir sobre a concepção teórica de Portelli acerca das memórias
relacionadas ao massacre de Civitella Val di Chiana, em que o historiador
italiano produz uma interessante discussão sobre as percepções e construções
simbólicas diferenciadas, com referência a um mesmo acontecimento.
Nele os habitantes de Civitella vivenciaram um crime de guerra praticado
por alemães, que em represália a uma ação da resistência italiana (que havia
matado três soldados alemães), assassinaram nada menos que 115 homens
moradores de Civitella.
Portelli analisa, através das memórias dos habitantes, a construção de
uma memória que traz à tona diversas percepções acerca daquele acontecimento.
Segundo o historiador italiano, tais percepções são construídas a partir de uma
memória profundamente marcante e traumática do acontecimento em si, como
também por um processo modelado no tempo histórico.
Esse processo, independente que se trate de uma memória dividida (entre
uma “espontânea” e outra “oficial”), deve estar sempre em constante
investigação, pois é nele que o historiador pode iniciar o seu trabalho de crítica e
desconstrução da memória que é sempre mediada de alguma forma. Portelli
afirma que

(...) na verdade quando falamos de uma memória dividida, não se deve pensar
apenas num conflito entre a memória comunitária pura e espontânea e aquela
“oficial” e “ideológica”, de forma que uma vez desmontada esta última, se
possa implicitamente assumir a autenticidade não-mediada da primeira. Na
verdade, estamos lidando com uma multiplicidade de memórias fragmentadas
e internamente divididas, todas, de uma forma ou de outra, ideológica e
culturalmente mediadas. (PORTELLI in AMADO & FERREIRA,
2006, p.106)
155

Memórias diferentes sobre um mesmo acontecimento têm conotações


políticas obvias e explicitas. Elas constroem narrativas mais coerentes,
pragmáticas e coesas em relação às práticas, lutas e disputas políticas, no
entanto, também embasam narrativas que fogem à lógica de uma narrativa
contínua e coerente. Nessa perspectiva, a memória carrega dentro de si,
sentimentos e ressentimentos que perpassam a trajetória dos militantes
estudantis.

3.4 Memórias de res(sentimentos): ...com o Martins Filho era uma relação conflituosa,
porque era um sujeito autoritário...um manipulador nato...

A memória é, portanto, algo que “atravessa”, que “vence obstáculos”, que


emerge, que irrompe: os sentimentos associados a este percurso são
ambíguos, mas estão sempre presentes. Não há memória involuntária que não
venha carregada de afetividade e, ainda que a integralidade do passado esteja
irremediavelmente perdida, aquilo que retorna vem inteiro, íntegro porque
com suas tonalidades emocionais e “charme” afetivo. (SEIXAS in
BRESCIANI, 2004; 47).

Dar vazão aos aspectos emocionais percebidos nas memórias dos


entrevistados parece ser uma condição bastante desafiadora no processo de
interpretação das ressignificações do passado.
Para Seixas (2004), a memória voluntária possui, entre suas
características, a capacidade de obscurecer os sentimentos, eclipsando as faces
contraditórias e descontinuas da memória emotiva.
Por outro lado, a memória involuntária deixa claramente transparecer sua
instabilidade e descontinuidade nas lacunas de um passado que se reconstrói
continuamente. É nesse processo que surgem os sentimentos ou ressentimentos.
Como veremos posteriormente, estes ressentimentos podem ser
percebidos e expressados de formas diferenciadas nas memórias dos militantes.
Um fato normal, já que o processo de ressignificação do passado é ligado
diretamente às experiências e vivências individuais.
Quando questionamos Manlio Silvestre sobre a relação do Movimento
com a Administração Superior da Universidade, as memórias trouxeram
sentimentos que fazem transparecer ressentimentos em relação ao reitor Martins
156

Filho. Representação que pode estar relacionada com a percepção já apontada no


primeiro capítulo, quando refletimos sobre os novos adversários do movimento,
que naquele contexto estariam dentro da própria Universidade.

Com o Martins Filho era uma relação conflituosa, porque era um sujeito
autoritário, muito competente em termos administrativos, absolutamente
desligado do mundo acadêmico em termos intelectuais, ele não queria saber
nada disso, ele era um administrador mesmo, muito competente para
administrar, mas muito autoritário e um manipulador nato, ele manipulava,
tentava manipular inclusive o Movimento Estudantil. Eu me lembro uma
reunião dessas que precederam a greve, lá na reitoria. Discutíamos já tarde do
dia, no começo da noite, com todos os presidentes de diretório. De repente
Martins Filho com o secretário chega e diz assim:- Atenção, nós temos
programado com a(não sei se com a embaixada americana ou USAID) uma
viagem das lideranças estudantis para os Estados Unidos e era preciso
preencher alguns formulários. Aí saiu todo mundo. Foi preciso eu dar uma
bronca enorme. Eu disse: - Não vai ninguém, vamos voltar. Mas ele era um
tremendo manipulador, então as coisas evoluíam de forma meio conflituosa
com ele, ele controlava o resto do CONSUNI, dos diretores, ele tinha um
comando enorme sobre aquilo, inclusive quando ele saiu da Universidade, ele
fez uma manobra que tirou o Prisco Bezerra, que era o candidato natural e
colocou outro. Ele era um tremendo manipulador. Ele tomou esse movimento
grevista como um ataque pessoal a ele. Ele considerava a Universidade uma
propriedade privada, ele tinha fundado, ele era o primeiro reitor, ele tinha
feito tudo na luta para criar a Universidade e de repente uns caras tão fazendo
essa baderna. Ele considerava aquilo um assunto pessoal. No livro de
memórias dele, que ele escreveu, ele me relaciona, ele faz uma menção muito
curiosa. Ele não sabia de que lado as coisas vinham, então ele dizia assim:
que o presidente do DCE, Manlio era um agente de Moscou pago pelo ouro
de Cuba, ele inverteu(risos), o que o pessoal conservador dizia na época, era
“agente de Cuba, pago com ouro de Moscou”, ele inverteu(risos)... mas era
osso duro de roer o Martins Filho.(Manlio Silvestre, 2012)

As representações que irrompem da memória de Manlio Silvestre estão


também relacionadas com a situação em que se encontravam as relações entre o
Movimento Estudantil e o reitor Martins Filho. Ao pesquisarmos outras fontes,
percebemos indicativos de uma relação desgastada, principalmente no período
em que se discutia a reforma universitária.
Na realidade, os estudantes queriam mais participação na administração
da Universidade, ou seja, mais poder de decisão; por outro lado, a Administração
Superior não queria abrir mão desse poder. Quando cruzamos outras fontes
relacionadas ao período em que se aprofundava as discussões sobre a reforma
universitária no meio estudantil, notamos certa indisposição do Reitor com os
estudantes.

PERGUNTA SEM RESPOSTA


157

No primeiro dia da Semana da Reforma Universitária, um estudante


perguntou ao magnífico reitor Martins Filho a razão de que a Imprensa
Universitária do Ceará ter dificuldade em publicar livros ou trabalhos de
alunos ou mesmo publicações de entidades estudantis. Sua magnificência não
gostou da pergunta e nem respondeu o mesmo, ficando o interpelador
totalmente sem ter conhecimento do assunto, como também os que estavam
presentes na ocasião. Acreditamos que a indagação não teve outro objetivo
senão a de dar a conhecer mais um problema da U.C. Resposta deve haver,
mas não nos foi dado o direito de ouvi-la. (Tribuna do Ceará, 19/10/1961:4)

Ao analisarmos as memórias escritas do reitor Martins Filho, percebemos


também a permanência de ressentimentos em relação ao movimento estudantil,
principalmente quando faz menção à greve do 1/3, justamente quando Manlio
era presidente do DCE.

...Se houve erro, foi da parte dos estudantes que, influenciados pelo
radicalismo dos agentes de Cuba e de Moscou, procuraram tumultuar a
Universidade, destruindo em grande parte aquilo que me parecia essencial, ou
seja, o otimismo e o entusiasmo no meu trabalho, em favor da educação
superior do Ceará.(...)Na realidade, durante mais de dois meses em que a
Universidade esteve ocupada pelos estudantes, envelheci mais de dez anos e
fiquei convencido de que a ingratidão é, efetivamente, aquela “pantera” de
que nos fala Augusto dos Anjos. (MARTINS FILHO, 1983, p. 241)

David Konstan(2004), ao analisar o conceito de ressentimento através da


história, busca reconhecer em elementos do vocabulário moral ou emocional do
grego e latim clássicos a noção moderna de ressentimento. Essa pesquisa o levou
a perceber três conotações para o termo, que ele denominou de psicológica,
social e existencial.
O sentido psicológico evidencia a condição da raiva, sendo reconhecido
como um sentimento duradouro que é cultivado. No sentido social, o
ressentimento faz referência à injúria, à injustiça, à hierarquia de status. Na
perspectiva do social, Konstan aprofunda a análise percebendo relações desse
sentimento com fenômenos sociais relacionados à luta pelo poder, à luta pelo
reconhecimento e igualdade.
O ressentimento existencial faz referência ao particular da percepção
emocional de cada um. O ressentimento não como inveja de outro que possui
algo que não possuímos, e sim como a dor por outro que possui aquilo que você
também possui. Ao concluir, Konstan considera que existia nos autores antigos
algo semelhante ao ressentimento no sentido psicológico da palavra.
158

Pierre Ansart(2004)74 realizou um estudo sobre a história e memória do


ressentimento, ampliando a compreensão deste sentimento em determinados
contextos históricos. Ele indica que se trata, antes de mais nada, de um
sentimento complexo e de difícil conceituação, pois para ele existem variadas
formas de ressentimento. Fundamentado seus argumentos em textos de diversos
e renomados pensadores do século XX, o autor abre espaço para análise dos
conceitos de ressentimento ligados à indivíduos e grupos.

... se somos vítimas de indivíduos que nos prejudicam e ferem nossas


liberdades, experimentamos e estimamos que estes indivíduos sejam
malévolos, enquanto nós seríamos os bons. As forças que me são hostis são
nefastas e perversas, enquanto eu próprio sou justo e inocente do mal que me
é feito...(ANSART in BRESCIANI, 2004; 21)

Por outro lado, as ações de retalhamento provocadas pelo ressentimento


podem trazer um alto grau de satisfação para o grupo, aumentando ainda mais a
solidariedade afetiva, superando até rivalidades internas, possibilitando assim a
coesão e uma maior identificação de cada um com seu grupo.
Outra questão abordada pelo autor é a relação entre ressentimento e o
sistema político democrático, considerando que um dos resultados esperados
advindos da democracia seria substituir as violências pela tolerância, o
enfretamento fruto do ódio pelo confronto de opiniões. Na realidade, a questão
torna-se ainda mais complexa na medida em que a própria história do
ressentimento caminha próxima da história dos conflitos políticos.

A dificuldade é redobrada quando se trata não somente da analisar os ódios,


mas de compreender e explicar aquilo que precisamente não é dito, não é
proclamado; aquilo que é negado e que se constitui, entretanto, como um
móbil das atitudes, concepções e percepções sociais (...) é preciso formular a
hipótese do papel do inconsciente na política, hipótese audaciosa em seu
princípio e em suas realizações. (ANSART in BRESCIANI, 2004; 29)

74
Ansart (2004) salienta que é necessário atentar para pelo menos cinco perspectivas na construção de um
conceito de ressentimento: a diversidade das formas de ressentimento; a intensidade dos ressentimentos;
os aspectos além do sentimento, como por exemplo: as representações, os imaginários, as ideologias e as
crenças; o papel específico desempenhado por certos indivíduos e grupos limitados no interior dos
movimentos sociais; e as consequências e manifestações de ressentimento.
Nessa perspectiva, o ressentimento possui um forte viés “moral”, em que reside uma ampla gama de
influência em variados comportamentos, valores e tradições individuais e grupais. Nesse sentido, a
solidariedade e a cumplicidade de indivíduos no interior de um determinado grupo podem estar
relacionado à dicotomia do bem e o mal, que se expressa no ressentimento a outros indivíduos e grupos.
159

Por fim, o autor analisa a memória dos ressentimentos. Para ele, podemos
diferenciar pelo menos quatro comportamentos possíveis que cruzam ao mesmo
tempo memórias individuais e coletivas: a tentação do esquecimento, a tentação
da repetição, a tentação da revisão e a tentação da exasperação da memória dos
ressentimentos.
O esquecimento se relaciona ao fato de não querermos sentir o peso das
psicologias agressivas cujas violências físicas ou simbólicas sofremos. A
repetição expressa à necessidade de não esquecer, de reforçar continuamente a
lembrança das ações que provocaram os ressentimentos.
Estes ressentimentos trazem também representações de fatos que
extrapolam o movimento estudantil. Percebe-se nas memórias de José de Freitas
um forte sentimento que transparece em seu saudosismo das experiências em
relação ao seu profundo envolvimento emocional na JUC e no movimento
estudantil, assim como em seus ressentimentos que irrompem como fantasmas
das suas reminiscências.
Essas memórias advindas do ressentimento exposto por José de Freitas
reforçam significados acerca da atuação política dos jucistas no Movimento
Estudantil cearense. É necessário compreender como e porque esses
ressentimentos evocavam, no caso, ações contra determinados atores sociais por
parte da alta hierarquia da Igreja brasileira.

A ideia da Ação Católica e a da JUC era que o cristão visse como era o
mundo e como poderia agir nesse mundo, as questões que eram discutidas era
se esta sociedade esta bem estruturada? Os bens que são produzidos são
justamente distribuídos?... Eram questões que não possuíam nenhum
significado para a maioria dos católicos, mas que para a Ação católica e a
JUC tinham significado... Era uma visão diferente, que deveria existir ainda
hoje, infelizmente esta visão foi destruída, basicamente por uma pessoa que
ainda estar viva, Dom Eugênio Sales. Foi ele o grande responsável pelo
destroçamento da Ação Católica no Brasil. No caso da JUC foi um
verdadeiro massacre, ele fez questão porque na JUC era um pessoal
universitário, que tinha poder de fogo, era gente jovem com capacidade de
pensar, ele não suportava isso...(José de Freitas, 2009)

Esta memória em particular reflete bem as questões conceituais


comentadas anteriormente. Questões que reforçam nossa percepção que é
preciso cada vez mais compreender e dar significado aos sentimentos que
também fazem parte da construção do passado. Sentimentos que revelam
detalhes de uma visão do passado que nasce de uma forma quase involuntária.
160

A memória de José de Freitas expressa de forma exasperada sua


percepção do que foi e do que poderia ter sido a Juventude Universitária
Católica, nessas reminiscências o ressentimento ganha importância. O devir que
não aconteceu e o sonho “destroçado”. Um culpado, um inimigo que aqui é
representado pela alta hierarquia.
A Igreja progressista em confronto com a Igreja conservadora ou poderia
ser o MEU contra a Ditadura. Quem venceu? Quem perdeu? Poderia ser
diferente? Poderíamos ter resistido? Talvez estas respostas não tenham
importância para a maioria das pessoas, mas para ele tem e talvez sempre tenha.
Estas representações relacionadas ao ressentimento também chamam
atenção para a questão da descontinuidade entre os militantes da JUC e também
do movimento estudantil. Após o golpe de 1964 e a repressão desencadeada
contra os movimentos sociais, muitas lideranças estudantis foram presas, outras
foram atuar em espaços diferentes. Independente da trajetória de cada um, a
maioria parou de atuar no movimento ou passou a atuar discretamente nele.
Além, evidentemente, da descontinuidade natural por conta da saída da
universidade após a conclusão do curso universitário.
Vale salientar que a imagem do militante e do movimento estudantil foi
modificada após o golpe. Antes de 1964, o movimento tinha certo
reconhecimento perante à sociedade civil organizada e a opinião pública, como
uma força política respeitada e atuante. Depois do golpe, as organizações do
movimento passaram a ser vistas como ilegais e subversivas. Esses, entre outros
fatores, provocaram o distanciamento de muitas lideranças estudantis.
Acreditamos que, apesar da descontinuidade da atuação de certas
lideranças no movimento, houve a continuidade de ideais, sonhos, aspirações e
principalmente de uma cultura política estudantil que influenciou a atuação do
movimento pós-1964.
161

CONCLUSÃO

Esta é a história. Um jogo da vida e da morte prossegue no calmo


desdobramento de um relato, ressurgência e denegação da origem,
desvelamento de um passado morto e resultado de uma prática presente. Ela
reitera, um regime diferente, os mitos que se constroem sobre um assassinato
ou uma morte originária, e que fazem da linguagem o vestígio sempre
remanescente de um começo tão impossível de reencontrar quanto de
esquecer. (CERTEAU, 2007, p. 57)

Chegando ao final dessa caminhada, relembro alguns momentos iniciais


da pesquisa. Lembro, por exemplo, de uma pergunta feita durante um processo
de seleção de mestrado. A professora pergunta: Então você pretende acabar com
o mito do movimento estudantil? Respondi que não tinha essa pretensão. Neste
momento, de certa forma estava me contradizendo, já que em meu projeto
afirmava claramente a necessidade de desconstruir o mito, que tem forte relação
com a própria produção historiográfica sobre o tema.
Talvez por nervosismo ou mesmo por não acreditar que uma pesquisa
histórica possa desconstruir um mito tão legitimado e cristalizado na
historiografia brasileira. Na realidade, mesmo que a intenção das pesquisas
históricas não seja a de desconstruir mitos, o trabalho realizado pelo historiador
geralmente nos faz refletir sobre a legitimidade ou validade deles.
Outra lembrança que surgiu, foi quando das primeiras abordagens à
potenciais entrevistados. Ao conversar com dois professores da UFC, que
estudaram na Universidade na década de 1960 e 70, expliquei que pesquisava o
movimento no período anterior ao golpe de 1964. Para meu espanto, eles,
surpresos com minha fala, me questionaram da seguinte forma: “e existia
movimento estudantil antes de 1964?”. Nesse sentido, nos parece apropriada a
reflexão de Certeau (2007), o mito que é fortalecido pela própria produção
historiográfica faz com que o “começo” impossível de se encontrar também seja
difícil de esquecer. O Movimento Estudantil não foi iniciado em 1964, mas as
pessoas não esquecem que ele começou em 1964.
Em nossa pesquisa, considerando a forma que abordamos o tema,
ressaltamos a importância do processo histórico, da historicidade dos diversos
movimentos estudantis. Nessa perspectiva, torna-se clara a crítica em relação ao
mito que identifica todos os movimentos estudantis com características do
162

movimento estudantil de 1968. Ou seja, antecipando a percepção acerca de suas


formas de atuar e de se comportar politicamente: um movimento de passeatas,
manifestações e adotando um comportamento transgressor e questionador do
status quo.
Acreditamos que nesta pesquisa foi possível demonstrar um movimento
estudantil envolvido em sua historicidade. Nessa perspectiva, percebemos
algumas relações do MEU com seus espaços de atuação(cidade de Fortaleza,
Universidade do Ceará) na metade da década de 1950 e início dos anos 1960.
Sendo a própria Universidade o principal espaço influenciador da atuação e da
formação do movimento em torno do DCE, compreendemos que estas relações
singularizaram o objeto de nossa pesquisa.
O momento inicial de harmonia entre DCE e Gestão Superior representa
a permanência de determinados valores e tradições da cultura política estudantil
que se constituiu nos anos 1930/40. Ao mesmo tempo representa uma cultura
política em transformação, que também era influenciada por outros diversos
fatores conjunturais. Para chegarmos neste entendimento, analisamos as
experiências e vivências do MEU, tendo por base uma compreensão mais ampla
do conceito de política.
Ao analisar atividades assistenciais, recreativas e religiosas do
movimento, concluímos que a sua ação política do movimento se expressava de
formas diferenciadas e que estas retratavam com clareza a cultura política
estudantil daquele período. Relações que poderiam ser harmoniosas, conflituosas
ou contraditórias, dependendo dos objetivos e da intencionalidade de cada ator
envolvido neste processo.
Considerando os objetivos desta pesquisa, compreendemos que era mais
importante perceber o ator coletivo, mesmo sem descartar a importância das
vivências individuais dos militantes. Nessa perspectiva, acreditamos que a fontes
históricas utilizadas preencheram as lacunas deste processo histórico, mesmo
com suas limitações. De certa forma, a falta de documentos diretamente
produzidos pelo DCE prejudicou algumas analises, que acabaram sendo
construídas, algumas vezes, através de indícios.
Durante o processo de investigação dos vestígios históricos, encontramos
fontes até então não utilizadas na pesquisa histórica sobre o MEU, como os
Boletins da UC. Acreditamos que estes boletins podem abrir diversas
163

possibilidades de pesquisa histórica, principalmente no ramo da história


institucional da UC. As memórias de alguns ex-presidentes do DCE, que
também não haviam sido entrevistados em outros trabalhos, abriram novas
possibilidades de compreensão do processo histórico do MEU.
Entendemos que esta pesquisa revela uma parte da história universitária
cearense e da história do movimento estudantil na UC. Apesar das limitações
naturais que envolvem a realização deste tipo de pesquisa, tivemos acesso à
diversas fontes que indiretamente e diretamente faziam referência à história
tanto do DCE quanto da UC. No caso do DCE, esta contribuição se torna mais
importante à medida que não foram encontrados, na sede da entidade, vestígios
históricos deste período histórico.
Ao lado das pesquisas de Portugal (2008) e Maia (2006), esperamos ter
fortalecido as ações de preservação e divulgação da história do MEU no âmbito
da Universidade Federal do Ceará, certamente um dos principais movimentos
sociais cearenses. Movimento que formou e ainda forma diversas lideranças
políticas e classistas cearenses. Exemplo disso, é a ex-prefeita de Fortaleza
Luizianne Lins. Interessante perceber que a própria ex-prefeita Maria Luiza
Fontenele, que foi a primeira prefeita de uma capital brasileira, vivenciou e
participou do movimento estudantil que nós pesquisamos.
Não obstante, ressaltamos que o trabalho por nós desenvolvido não
esgotou as possibilidades de pesquisa sobre o MEU deste período. Pelo
contrário, as deficiências e a potencialidade das fontes históricas utilizadas
demonstraram que existem diversos temas que podem ser problematizados
historicamente.
Podemos, por exemplo, analisar a questão de gênero no MEU. Notamos
o pequeno número de mulheres envolvidas no MEU, nas décadas de 1940/50,
porém já no início dos anos 1960 essa realidade começava a ser modificada. Por
outro lado, elas não conseguiam assumir posições de liderança no DCE e na
maioria dos DAs. Por exemplo, da criação da UEE, em 1942, até o seu
desaparecimento em 1964, nenhuma mulher chegou a sua presidência. No DCE,
no período analisado, também não.
Em outra perspectiva, alguns acontecimentos políticos protagonizados
pelo DCE merecem uma análise mais aprofundada. A greve do 1/3 é um desses
acontecimentos. Apesar de ser uma ação organizada nacionalmente pela UNE, a
164

forma como ocorreu no Ceará traz especificidades que servem para compreender
o espaço universitário de uma maneira mais complexa.
Em relação a outros objetos de pesquisa, percebemos que existe ainda um
forte potencial de pesquisa relativa a história institucional da primeira
Universidade cearense. As únicas obras que fazem referência direta a esta
história, são as memórias escritas do reitor Martins Filho. Desconhecemos obras
com abordagem histórica cientifica sobre o tema.
Por fim, acreditamos ter atingindo os objetivos propostos pela pesquisa.
Descrevemos características do MEU e de sua cultura política, ampliando a
reflexão sobre o processo histórico que envolve o movimento, percebendo
permanências e transformações no comportamento político do movimento
estudantil universitário cearense naquele contexto histórico. Analisamos as
atividades assistenciais, recreativas e religiosas desenvolvidas pelo MEU, dessa
forma, compreendemos a natureza da atuação política dos estudantes e as
relações que eram estabelecidas com a cidade de Fortaleza e os espaços
universitários. Reinterpretamos memórias de algumas importantes lideranças
estudantis universitárias. Percebemos traços da cultura política estudantil e das
experiências vivenciadas pelos estudantes naquela conjuntura histórica.
Nesse sentido, entendemos que existem diversos movimentos estudantis
e diversas culturas políticas estudantis, que, apesar de estarem ligados por um
mesmo processo histórico, intercambiando temporalmente características em
comum, possuem especificidades que os tornam um objeto de pesquisa
singularizado por sua própria historicidade, ou seja, a perspectiva temporal e
espacial das suas ações. Não obstante, o trabalho do historiador torna-se
relevante à medida que deixa transparecer as relações estabelecidas entre o
objeto histórico analisado e a sua historicidade, buscando tornar inteligível a
natureza dessas relações.
165

Fontes utilizadas:

Periódicos

O Povo (1942-43 e 52)


Tribuna do Ceará (1959-63)
Correio do Ceará (1960-63)
Gazeta de Notícias (1942, 43 e 55)

Fontes Orais - Entrevista

Agamenon Tavares de Almeida - Estudante de Economia, foi presidente do CA do


curso de Economia da Universidade do Ceará/Atualmente professor universitário
aposentado, ensinou na Faculdade de Economia da UFC – Período que cursou – 1961-
1964. Entrevista realizada em sua residência, no dia 25/05/2010, em Fortaleza-Ce.

Djacir de Oliveira Martins - Estudante do curso de Medicina da Universidade do


Ceará, foi Presidente do DCE em 1957/Atualmente médico ginecologista aposentado de
hospitais do Distrito Federal. Período que cursou - 1956 a 1961. Entrevista realizada em
uma sala do Hospital Santa Helena, no dia 12/12/2012 em Brasília-DF.

Leorne Menescal Bélem – Estudante do curso de Direito da Universidade do Ceará, foi


presidente do DA Clóvis Beviláqua e vice-presidente do DCE na gestão
1959/60/Atualmente aposentado, foi deputado estadual cearense em três legislaturas.
Período que cursou – 1958 a 1962. Entrevista realizada na capela do Hospital Santa
Casa de Misericórdia, no dia 22/01/2013, em Fortaleza-CE.

José de Freitas Uchoa - Estudante de Filosofia da Faculdade Católica de Filosofia e da


Universidade do Ceará, foi secretario da União Estadual dos Estudantes e líder da
Juventude Universitária Católica/ atualmente aposentado, foi Secretario de
Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de Fortaleza na gestão de Luizianne Lins –
Período que cursou – 1961 -1964. Entrevista realizada no gabinete do Secretário de
Desenvolvimento Econômico de Fortaleza, no dia 16/06/2008, em Fortaleza-Ce.

Manlio Silvestre Fernandes - Estudante de Agronomia da Universidade do Ceará, foi


Presidente do DCE na gestão 1961/62/Atualmente professor da Universidade Rural
Federal do Rio de Janeiro, onde também foi reitor – Período que cursou – 1960 -1964.
Entrevista realizada em seu gabinete de Professor na URFRJ, no dia 11/06/2012, em
Seropédica-RJ.

Raimundo Hélio Leite - Estudante de Matemática da Universidade do Ceará, foi


Presidente do DCE na gestão 1962/63/Atualmente Professor aposentado da Faculdade
Educação da Universidade Federal do Ceará, onde também ocupou o cargo de reitor –
166

Período que cursou – 1961 – 1964. Entrevista realizada em uma sala de aula da
Faculdade de Educação da UFC, no dia 13/01/2009, em Fortaleza-CE.

Valton de Miranda Leitão - Estudante de Medicina da Universidade do Ceará, foi


Presidente do DCE na gestão 1963/64/ Atualmente é Psicanalista na cidade de
Fortaleza, foi um dos fundadores do PSB cearense. Período que cursou – 1960 -1965.
Entrevista realizada em seu consultório médico, no dia 12/01/2010, em Fortaleza-CE.

Atas do Conselho Universitário(Consuni) da Universidade do Ceará

Atas dos anos de 1957 a 1963

Boletim da Universidade do Ceará

Boletins dos anos de 1956 a 1963


167

REFERÊNCIAS

ALBERTI, Verena. História oral: a experiência do Cpdoc. Rio de janeiro: CPDOC,


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