Aula 03 – O abandono de Deus por causa da idolatria
Introdução
Como vimos no domingo passado, no sermão da noite, ao invés de se
deixarem levar pelo conhecimento de Deus, as pessoas viraram as costas para o Criador e tornaram-se fúteis e os seus corações insensatos se obscureceram (v. 22). Essa futilidade, escuridão e ignorância se manifestaram em sua idolatria e na "troca" absurda que a idolatria deles gerou: trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis (v. 23). Nesta aula vamos ver que a punição de Deus para a idolatria do povo foi entregar cada um à impureza sexual, segundo os desejos pecaminosos dos seus próprios corações. A tendência da idolatria é acabar em imoralidade. Uma falsa imagem de Deus leva a um falso conceito quanto ao sexo. Esta imoralidade envolvia a degradação dos seus corpos entre si (v. 24). O sexo ilícito leva à degradação das pessoas como seres humanos.
a. Versículos 25-27
Aqui se menciona outra "troca", não a troca da glória de Deus por
imagens (23), mas a troca da verdade de Deus pela mentira — ou melhor, "a" mentira, a maior de todas as mentiras. Pois é isso que a falsidade da idolatria é, já que implica em transferir nosso louvor para a criatura em lugar do Criador, o qual Paulo, explodindo numa súbita doxologia, declara merecedor de adoração eterna: que é bendito para sempre (25).
Dessa vez Deus os entregou a paixões vergonhosas, o que Paulo especifica
como sendo práticas de lesbianismo (26) e relações de homossexualismo masculino (27). Nos dois casos ele descreve as pessoas envolvidas como culpadas de uma terceira "troca": Até suas mulheres trocaram suas relações sexuais naturais por outras contrárias à natureza (26), enquanto os homens também abandonaram as relações naturais com as mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros (27a). Duas vezes ele usa o adjetivophysikos ("natural") e uma vez a expressão para physin ("contrário à natureza" ou "não natural"). Começaram a cometer atos indecentes, homens com homens, e receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão (27b). Paulo não especifica qual é essa punição, mas só que eles a receberam "em si mesmos".
Os versículos 26-27 são um texto crucial no debate contemporâneo sobre
a homossexualidade. A interpretação tradicional, de que eles descrevem e condenam todo comportamento homossexual, vem sendo contestada pelos movimentos gays. São três os argumentos levantados. Primeiro, dizem que a passagem é irrelevante, considerando-se que o seu propósito não é, nem ensinar ética sexual, nem denunciar o vício, mas sim retratar a maneira como se manifesta a ira de Deus. Isso é verdade. Mas se uma certa conduta sexual é vista como conseqüência da ira de Deus, então é porque ela é desagradável a ele. Em segundo lugar, "tudo indica que Paulo estaria pensando somente na pederastia" já que "não havia outra forma de manifestação homossexual masculina no mundo greco-romano", e que ele estaria se opondo a ela por causa da humilhação e exploração vivenciadas pelos jovens envolvidos.31 Tudo que se pode dizer em resposta a essa proposta é que o texto não contém a mínima indicação que a comprove.
Em terceiro lugar, questiona-se o que Paulo quis dizer por "natureza".
Muitos homossexuais alegam que as suas relações não podem ser descritas como "contrárias à natureza", já que elas lhes são perfeitamente naturais. John Boswell, por exemplo, escreve que "as pessoas que Paulo condena são declaradamente não-homossexuais: o que ele condena são atos homossexuais cometidos por pessoas aparentemente heterossexuais"; daí a afirmação de que eles "abandonaram" as relações naturais e as "trocaram" por outras contrárias à natureza (26-27).32 Essa interpretação, no entanto, é refutada por Richard Hays em uma exegese completa de Romanos 1. Ele apresenta amplas provas contemporâneas de que a oposição de "natural" (kata physin) a "contrário à natureza" (paraphysin) era "usada com muita freqüência ... como uma maneira de estabelecer distinção entre comportamento heterossexual e homossexual".33 Além do mais, a diferenciação entre orientação sexual e prática sexual é um conceito moderno; "insinuar que a intenção de Paulo seja condenar atos homossexuais somente quando cometidos por pessoas que são, por natureza, heterossexuais é introduzir uma distinção completamente estranha ao mundo de idéias de Paulo",34 — ou seja, um verdadeiro anacronismo.
Portanto, não temos o direito de interpretar o substantivo "natureza"
como "minha" natureza, ou o adjetivo "natural" como "o que me parece natural". Pelo contrário, physis ("natural") significa a ordem criada de Deus. Agir "contra a natureza" significa violar a ordem que Deus estabeleceu, enquanto agir "de acordo com a natureza" significa comportar-se "de acordo com a intenção do Criador.35 Além do mais, "a intenção do Criador" significa sua intenção original. Gênesis deixa claro qual era essa intenção, e Jesus o confirma: "... no princípio, o Criador 'os fez homem e mulher' e disse: 'Por esta razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne'. Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne." Então Jesus acrescentou o seu endosso, bem como a sua dedução pessoal: "Portanto, o que Deus uniu, ninguém o separe."36. Em outras palavras, ao criar a humanidade, Deus criou macho e fêmea; Deus instituiu o casamento como uma união heterossexual; e o que Deus uniu, nós não temos o direito de separar. Essa ação tríplice de Deus estabelece que o único contexto no qual ele espera que haja a experiência de "uma só carne" é na monogamia heterossexual; e que uma parceria homossexual (não importa quão amorosa e comprometida se alegue que ela seja) é "contrária à natureza" e nunca pode ser vista como uma alternativa legítima ao casamento.
b. Versículos 28-32
A afirmação de Paulo no início do verso 28 inclui, agora, um jogo de
palavras entre ouk edokimasan ("eles acharam que não valia a pena") eadokimon noun ("uma mente depravada"). Isso não é fácil de traduzir do grego. Poder- se-ia dizer que "já que eles achavam que não valia a pena permanecer com a sabedoria de Deus, ele os entregou a uma disposição mental reprovável".
E, dessa vez, a sua mente depravada os conduziu, não à imoralidade, mas
a. praticarem o que não deviam (28), evidenciado em uma inúmera variedade de práticas anti-sociais, as quais, juntas, descrevem a derrocada da comunidade humana, na medida em que os padrões desaparecem e a sociedade se desintegra. Paulo apresenta uma relação de vinte e um vícios. Listas assim não eram incomuns naqueles dias, na literatura estóica, judaica e cristã primitiva. Todos os comentaristas parecem concordar que é uma lista que resiste a qualquer classificação mais esmerada. Ela começa com quatro pecados generalizados dos quais essas pessoas tornaram-se cheias, a saber, toda sorte de injustiça, maldade, ganância e depravação. Depois vêm outros cinco pecados dos quais eles estão cheios e que retratam, todos eles, relacionamentos humanos rompidos: inveja, homicídio, rivalidades, engano e malícia (29). A seguir vem um par isolado, que parece referir-se a calúnia e difamação — bisbilhoteiros, caluniadores (que a BLH traduz como "difamam e falam mal uns dos outros" e o NTV, "amargura e mexericos"). Seguem-se outros quatro que parecem retratar formas de orgulho diferentes e extremas: inimigos de Deus, insolentes, arrogantes e presunçosos. Agora vem outro par independente de palavras que denotam pessoas que são "criativas" em relação ao mal e rebeldes em relação aos pais: inventam maneiras de praticar o mal; desobedecem a seus pais (30). E a lista termina com quatro negativas: insensatos, desleais, sem amor pela família, implacáveis (ou, como diz a BLH, "são imorais, não cumprem a palavra, não têm amor por ninguém e não têm pena dos outros", 31). O versículo 32 é um resumo conclusivo a respeito da perversidade humana que Paulo vem descrevendo. Primeiro se diz que eles conhecem. Mais uma vez ele começa falando do conhecimento que têm aqueles que ele está retratando. O que eles conhecem, agora, não é a verdade de Deus, mas o justo decreto de Deus, de que as pessoas que praticam tais coisas merecem a morte. Conforme o apóstolo escreverá adiante, "o salário do pecado é a morte" (6.23). E eles sabem disso. A sua consciência os condena.
Em segundo lugar, eles, apesar de tudo, descartam esse conhecimento.
Eles não somente continuam a praticar (tais coisas, que eles sabem que resultam em morte), mas (o que é pior) também aprovam aqueles que as praticam, fazendo aquilo que Deus expressamente desaprovou. Chegamos, assim, ao final do retrato pintado por Paulo sobre a depravação dessa sociedade gentílica. A sua essência está na antítese entre aquilo que as pessoas sabem e o que elas fazem. A ira de Deus volta-se especialmente contra aqueles que deliberadamente suprimem a verdade por amor à maldade. "Por mais deprimente que seja o quadro aqui descrito", escreve Charles Hodge, "ainda não é tão deprimente quanto o apresentado pelos mais distintos autores gregos e latinos, com referência aos seus próprios compatriotas."37 Paulo não estava exagerando.