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A HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA RELATIVA À COLONIZAÇÃO: UMA


NOVA TENDÊNCIA

Claudinei Magno Magre Mendes (UNESP/Assis)

INTRODUÇÃO

Para compreendermos a nova tendência da historiografia brasileira


relativa ao período colonial precisamos recuar um pouco e examinar o
modo como se fazia História nas décadas anteriores a 1990. Isto porque
esta nova tendência foi formulada, basicamente, em oposição ao modo
como então se concebia a história e, por conseguinte, se interpretava a
época colonial. Caio Prado Júnior (1907-1990) e Fernando Novais (1933)
encontram-se no centro deste debate. Somente a partir deste confronto e
do modo como se concebia a história do Brasil desde, mais ou menos, a
década de 40 até, grosso modo, a de 80, é que poderemos compreender
esta nova maneira de se interpretar a época colonial que teve início entre
historiadores do Rio de Janeiro, motivo pelo qual, na falta de outro nome,
denominamos de Escola do Rio. É verdade que suas bases já estavam
sendo formuladas desde a década de 70, mas, efetivamente, foi somente
nos anos 90 que ela tomou corpo.
Desde as primeiras décadas do século XX e até, pelo menos, a
década de 60, de um modo geral, os estudos sobre a época colonial
tinham entre suas características não limitar a análise a este período
histórico. Antes, sua principal característica era serem estudos que
buscavam compreender a história do Brasil em seu conjunto. Mais do que
isto, eram interpretações cujo objetivo maior era explicar o Brasil da época
dos seus autores. Em suma, entendiam que o presente era explicado pelo
passado.
Por conseguinte, de acordo com estes autores, era preciso fazer a
análise da época colonial para se compreender o Brasil da sua época.
Alguns consideravam mesmo que era necessário ir além, abarcando a
própria história de Portugal. Para estes autores, era o modo como
havíamos nos constituído enquanto colônia que explicava nosso presente,
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principalmente os seus problemas. É verdade que cada um deles tinha um


entendimento particular de colônia e colonização, interpretando o período
colonial de uma determinada maneira. Mas, para todos eles, encontrava-se
neste período a chave para explicar as vicissitudes do Brasil
contemporâneo. Não é casual que seus livros tenham, geralmente, no
título, algo que indicasse isto, como Formação, Raízes, etc. É o caso de
Formação do Brasil contemporâneo (1942), de Caio Prado Júnior,
Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), e
Formação econômica do Brasil (1959), de Celso Furtado (1920-2004).
Antes dessas obras, em 1911, Oliveira Lima (1867-1928) já havia
publicado Formação histórica da nacionalidade brasileira. Nelson
Werneck Sodré (1911-1999), por sua vez, publicou, em 1944, Formação
da sociedade brasileira e, em 1962, Formação histórica do Brasil.
Quando estes vocábulos não aparecem no título, encontram-se, ao
menos, no subtítulo. Assim, temos obras como: Casa-grande & senzala.
Formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal (1933),
de Gilberto Freyre (1907-1987) e Os donos do poder. Formação do
patronato político brasileiro (1958), de Raymundo Faoro (1925-2003).
Por fim, mesmo quando não estão no título ou subtítulo do livro,
estes vocábulos aparecem nos títulos dos capítulos. Como exemplo,
podemos citar Populações Meridionais do Brasil (1920), de Oliveira
Vianna (1883-1951). Mas, mesmo quando estes não aparecem em
nenhum destes lugares, o pressuposto é que no passado colonial se
encontra a explicação para o Brasil no presente. Dentre essas obras,
podemos citar História econômica do Brasil (1937), de Roberto
Simonsen (1889-1948).
Além dessa característica, havia outra que, de um modo geral,
singularizava estes livros: menos do que histórias, eram ensaios, que
pretendiam assinalar as características peculiares da história do Brasil e
suas tendências com relação ao futuro.
Existem diferenças marcantes entre a história e o ensaio histórico,
embora ambos tratem do processo histórico de determinado país. Mas, o
fato é que o tratam de maneiras distintas.
A história pretende narrar ou descrever um determinado processo
histórico verificado no passado baseando-se em documentos e textos.
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Pretende, em última instância, nos dizer como foi este passado. O ensaio,
por seu turno, está organizado em torno de uma tese que o autor pretende
demonstrar. Embora também se apóie em textos e documentos, não
precisa citá-los ou fazer afirmações que somente possam ser
comprovadas empiricamente. Ele é mais livre, comportando uma
interpretação mais geral dos fatos, isto é, não se detém nas
particularidades e nos episódios singulares. Assim, enquanto a história, de
maneira geral, constitui uma interpretação do passado que se funda nos
fatos e acontecimentos, o ensaio busca descrever as tendências gerais da
história. Como assinalam muitos dos autores de um ensaio busca-se nele
a linha mestra ou o fio condutor do processo histórico.
Desse modo, enquanto a história se preocupa mais com o passado,
o ensaio, ainda que se ocupe do passado, tem os olhos postos no
presente e no futuro. Na verdade, faz um enlace entre passado, presente e
futuro. Este enlace constitui, na verdade, a principal característica da
historiografia que abrange o período do século XX até, mais ou menos, a
década de 60, ou seja, são textos que abarcavam o conjunto da história do
Brasil, oferecendo uma interpretação geral dela.
Em seu livro Formação da sociedade brasileira, Sodré deixa
patente o que pretendia ao escrever um ensaio:

Escrevendo esta Formação da Sociedade Brasileira não tive


outra intenção que a de oferecer ao leitor comum, dentro das
possibilidades de um levantamento tão sumário, uma visão de
conjunto de como viveu nosso povo, até os dias que
precederam a crise de 1929 (SODRÉ, 1944, p. 5).

Ainda que Sodré tenha se detido em 1929, não formulando uma


interpretação da história do Brasil até a época da publicação do livro, nem
apontando as tarefas políticas a serem realizadas para superar os
problemas herdados do passado, uma e outras estão implícitas em sua
obra.
O ensaio, nos moldes dos relativos à história do Brasil, divide-se,
geralmente, em três partes. A primeira parte compreende o estudo da
colonização do Brasil, isto é, momento em que são lançados os
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fundamentos da história do Brasil. A maneira de caracterizar a colonização


constitui a base sobre a qual se ergue a interpretação da história do Brasil
em seu conjunto. Em outras palavras, é sua pedra de toque.
A segunda parte trata do presente, da época do autor, explicado,
fundamentalmente, pelo passado colonial. Os problemas do presente e
que deveriam ser solucionados são considerados heranças do passado,
isto é, apesar das mudanças verificadas, os problemas criados no passado
ainda persistem.
Por fim, a terceira parte trata do futuro, que se desenha a partir da
solução dos problemas do presente. É verdade que, muitas vezes, ela se
encontra subentendida. É o caso de Formação do Brasil
contemporâneo, de Caio Prado. Pelo título, percebe-se que seu objetivo
era expor como o Brasil contemporâneo, ou seja, da época em que o livro
foi publicado (1942), havia se constituído. Em função disso, estudou a
colonização e o que ela produziu ao longo de três séculos. Assinalou que,
depois, ao longo do período compreendido entre a Independência e a data
da publicação do livro, o Brasil havia se modificado. Em virtude disso,
definiu o Brasil contemporâneo dessa maneira: “O Brasil contemporâneo
se define assim: o passado colonial que se balanceia e encerra com o
século XVIII, mais as transformações que se sucederam no decorrer do
centênio anterior a este e no atual” (PRADO JR., 1981, p. 10).
Para Caio Prado, a colonização se caracterizava por ser uma
produção voltada para o mercado externo. Segundo ele, esta característica
ainda predominava em sua época, estando na base dos problemas que os
brasileiros então enfrentavam. Esses problemas eram, portanto, aqueles
que derivavam da maneira como a colonização do Brasil havia se
processado, cujos caracteres ainda estavam presentes na economia
brasileira do século XX. De seu ponto de vista, a grande questão era
superar o caráter colonial da economia brasileira por meio do
estabelecimento de uma economia nacional, processo que estaria em
andamento.
Por economia nacional, Caio Prado entende uma produção voltada
para o mercado interno. O estabelecimento da economia nacional
constituía, dessa maneira, uma tendência que vinha se desenvolvendo
desde o início do século XIX, mas que somente em meados do XX se
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colocara como uma questão passível de solução. Estávamos, em sua


opinião, em meados do século XX, atravessando a última etapa da
transição da economia colonial para a economia nacional, processo que
exigia uma intervenção política para se completar. Desse modo, a
economia nacional seria o futuro do Brasil.
Devemos, antes de tudo, atentar para um fato importante. Podemos
supor que a forma como a colonização era compreendida determinava
uma explicação do presente. Entretanto, ainda que nestes ensaios a
questão apareça desta maneira, de fato, é o oposto que ocorre. Não é a
interpretação do passado que condiciona o modo de conceber o presente.
Antes, é o posicionamento político dos autores diante das questões da sua
época, portanto, do presente, que os leva a conceber o passado, em nosso
caso, a colonização, de determinada maneira. Com efeito, é a “solução”
que os historiadores davam às questões do presente que os levava a
considerar o passado de determinada maneira. Como bem observou o
historiador francês François Guizot (2008, p. 56), o passado muda com o
presente. Pretendia com isso afirmar que, de acordo com as questões do
presente, o passado é encarado de determinada maneira. É o historiador,
homem do seu tempo, com suas opções políticas, com sua visão de
mundo, que, munido de questões colocadas por sua época, se volta para o
passado e o analisa.
Duas constatações devem ser feitas. Primeiro: alterando-se as
questões do presente, surgindo outras, o modo de compreender o passado
também se altera. Segundo: cada autor, colocando-se diante das questões
do seu tempo de uma maneira determinada, considera, necessariamente,
o passado de um modo próprio, em consonância com seu posicionamento
político. Daí deriva o fato de, em uma mesma época, se verificar várias
concepções distintas do passado colonial. É que cada um dos
historiadores tem uma compreensão distinta dos problemas do presente.
Os autores do século XX até os anos 60, mais ou menos, com
ênfase nos da primeira metade dessa centúria, que elaboraram
verdadeiros ensaios, tinham em comum enfrentar uma questão
fundamental da sua época: o socialismo como uma alternativa ao
capitalismo e o marxismo como doutrina política. De forma explícita ou
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implícita, de maneira direta ou indireta, contra ou a favor, esses autores


tiveram que lhe dar uma resposta.
O ensaio, sob este aspecto, é uma forma bastante adequada para
se fazer isto. Com efeito, diante da formulação que apontava o socialismo
como o futuro da sociedade, isto é, como a forma de superação do
capitalismo, os autores, contrários a ela, precisavam defender a tese de
que a história do Brasil não caminhava em direção ao socialismo. Os
autores fizeram isso de diferentes maneiras. Mas, qualquer que ela fosse,
eles tinham que elaborar uma apreciação geral da história do Brasil,
abarcando seu passado, presente e futuro, justamente com o objetivo de
negar a tendência para o socialismo. Ou, ao menos, protelá-lo para um
futuro distante, insistindo na necessidade de se atravessar algumas etapas
intermediárias.
O principal argumento desses autores eram as particularidades da
história brasileira. Dito de outra maneira, eles afirmavam que as
formulações que serviam para a Europa não eram adequadas ao Brasil
justamente pelo fato deste possuir uma história que se diferenciava
completamente da européia. O argumento é perfeitamente válido. No
entanto, ele apenas servia para justificar uma interpretação da história que,
sob o pretexto de fundar-se nas particularidades do país, introduzir uma
visão reformista ou etapista da história. Afirmava-se, com isto, que o
socialismo era algo a que se chegaria no futuro. Mas, antes,e era preciso
percorrer algumas etapas ou proceder algumas reformas na sociedade.
Consideremos alguns exemplos.
Caio Prado Jr. já foi examinado neste livro como um autor que
elaborou um ensaio justamente com o objetivo de oferecer uma
interpretação da história brasileira que se contrapusesse à formulação de
que o socialismo constituiria o futuro do país, ao menos o futuro imediato.
Daí produzir uma interpretação da história do Brasil que postulava que o
traço distintivo do processo histórico brasileiro era a constituição de uma
economia nacional e não o estabelecimento de uma sociedade socialista.
Economia colonial/produção voltada para o mercado externo e economia
nacional/produção voltada para o mercado interno eram os dois pólos
entre os quais se moveria a história do Brasil. Como ele destacou, a
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transformação da economia colonial em economia nacional era o fio


condutor ou a linha mestra da história do Brasil.
Outro exemplo é Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre. São
muitos os estudos sobre este autor e este capítulo não é o lugar para
discuti-los. Assinalaremos apenas que Freyre defendia a ideia de que as
relações entre senhores e escravos, que por suas características gerais
eram extremamente duras, haviam sido atenuadas ou abrandadas no
Brasil em função da família patriarcal e da experiência dos portugueses no
trato com populações não-brancas desde as épocas da reconquista e
expulsão dos mouros e da expansão marítima. A miscigenação teria sido
uma conseqüência disso.
Muitos autores criticaram Freyre, acusando-o de traçar um quadro
idílico da escravidão brasileira. No entanto, não perceberam que seu intuito
era bastante claro: pretendia, comparando a escravidão no Brasil e nos
EUA e mostrando que no primeiro ela era mais branda do que no segundo,
defender a tese que, entre nós, as lutas entre as raças e as classes
constituíam um elemento exótico. Assim, enquanto nos EUA, pela forma
como se verificara a escravidão, os conflitos sociais e raciais se
justificavam, no Brasil não. Dito de outro modo, com a família patriarcal, a
escravidão no Brasil não teria oposto as raças e as classes, mas, ao
contrário, aproximara-as.
Um dos autores de ensaio mais importante é Sérgio Buarque de
Holanda com seu livro Raízes do Brasil. Nele, Holanda defende a idéia de
que, com a colonização, instituições de Portugal se estabeleceram no
Brasil. O processo de urbanização do país seria, a seu ver, a revolução
que o Brasil estava atravessando no século XX e que, por conseguinte,
superaria as instituições de origem ibérica que se encontravam
estabelecidas no campo e obstaculizavam a modernização do país. A
revolução não tinha, pois, caráter socialista.
Por fim, fechando a parte relativa aos ensaios acerca da história do
Brasil, temos Celso Furtado e sua Formação Econômica do Brasil
(1982), publicada, pela primeira vez, em 1959. Como os autores anteriores
foram tratados em outros capítulos, nos deteremos com mais vagar em
Furtado, analisando sua obra, principalmente o modo como concebeu a
colonização.
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CELSO FURTADO, A INTERPRETAÇÃO DA HISTÓRIA DO BRASIL E A


QUESTÃO DA COLONIZAÇÃO

Na introdução da obra Formação Econômica do Brasil, Furtado


observa que pretendeu apenas fazer um esboço do processo histórico de
formação da economia brasileira com vistas a destacar os problemas
econômicos contemporâneos do Brasil (FURTADO, 1982, p. 1). Como se
pode verificar, o autor pretendia, por meio de um exame da história do
Brasil, equacionar os problemas contemporâneos e lhes oferecer uma
solução. Assinala, assim, que sua obra era um ensaio, alertando que se
tratava somente de uma análise dos processos econômicos e não uma
reconstituição dos eventos históricos que estariam por trás desses
processos (FURTADO, 1982, p. 2), ou seja, não era, propriamente, um
livro de história do Brasil.
Furtado expõe o processo de ocupação e povoamento do Brasil,
por meio da organização de uma empresa agrícola, seguindo bem de perto
as formulações de Caio Prado. É verdade que, ao longo do trabalho, sem
mencioná-las, ele critica algumas das teses deste autor. Furtado inicia com
a observação de que a ocupação econômica das terras Américas
constituiu um episódio da expansão comercial da Europa (FURTADO,
1982, p. 5). Prossegue afirmando que o início da ocupação econômica do
território brasileiro tinha sido em boa medida uma conseqüência da
pressão política exercida sobre Portugal e Espanha pelas demais nações
européias (FURTADO, 1982, p. 6). Mas, na região que coube a Portugal
com o Tratado de Tordesilhas não se havia encontrado metais preciosos e
nem possuía qualquer produto que pudesse ser comerciado. Diante destas
circunstâncias, Portugal teve que encontrar outra forma de utilização
econômica das terras americanas que não a extração de metais preciosos.
Somente assim seria possível, segundo o autor, cobrir os gastos de defesa
dessas terras (FURTADO, 1982, p. 8).
Ainda de acordo com Furtado, das medidas políticas que então
foram tomadas resultou o início da exploração agrícola das terras
brasileiras. Assim, como ele destacou, de simples empresa espoliativa e
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extrativa, a América passou a ser “(...) parte integrante da economia


reprodutiva européia, cuja técnica e capitais nela se aplicam para criar de
forma permanente um fluxo de bens destinados ao mercado europeu”
(FURTADO, 1982, p. 8). Apesar do uso de uma linguagem econômica, não
é difícil perceber que Furtado, seguindo Caio Prado, caracteriza a
produção colonial como produção para o mercado externo.
Não vamos seguir de maneira pormenorizada a análise que Furtado
faz da economia colonial. Importa aqui, para os fins que temos em vista,
destacar que ele fez uma apreciação da economia escravista indicando
que seus lucros se davam, basicamente, na diferença entre o que
exportava e o que importava. Como a renda se concentrava nas mãos dos
empresários do açúcar, ou seja, dos senhores de engenho, fica a questão
do destino da maior parte do lucro, já que, caso permanecesse nas mãos
dos proprietários de terras e escravos, estes poderiam reaplicá-lo na
produção, expandindo-a, o que não aconteceu. Para Furtado, a resposta
estaria no fato de grande parte da renda criada na colônia ter se
transferido para a metrópole.
Furtado dedica boa parte do seu estudo relativo ao período colonial
à análise da economia açucareira após a invasão e expulsão dos
holandeses do Nordeste brasileiro. Estes, de posse de conhecimentos de
todos os aspectos técnicos e organizacionais da indústria açucareira,
implantaram e desenvolveram na região do Caribe, aliados aos ingleses e
franceses, uma indústria açucareira de grande escala concorrente da
brasileira. Os produtores brasileiros perderam sua condição de quase
monopólio no fornecimento de açúcar no mercado internacional. Os preços
reduziram-se à metade e persistiram neste patamar relativamente baixo
durante todo o século XVIII (FURTADO, 1982, p. 17).
Apesar da redução dos preços do açúcar, os empresários
brasileiros fizeram o possível para manter um nível de produção
relativamente elevado. A empresa açucareira, todavia, veria sua
rentabilidade diminuir ainda mais com o surgimento da economia mineira,
que fez os preços dos escravos e demais produtos se elevar. O sistema
açucareiro entrou, então, em uma letargia secular. Todavia, ainda assim,
sua estrutura foi preservada, mantendo-se intacta. Quando novas
condições favoráveis surgiram, no começo do século XIX, a economia
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açucareira voltaria a funcionar com plena atividade (FURTADO, 1982, p.


53).
Para Furtado, o Brasil somente começa a ingressar numa nova era
com a economia cafeeira. Sua acumulação e demanda por manufaturados
teria dado início à industrialização do Brasil. A abolição da escravatura e a
utilização de mão-de-obra livre teriam contribuído para a formação de um
mercado interno, até aquele momento de pouca expressão. As
necessidades de consumo das fazendas eram, então, atendidas pelas
atividades de subsistência localizadas nelas e pela importação. Com a
mão de obra livre verifica-se uma monetarização das atividades
econômicas, dando início ao mercado interno que, aos poucos, foi sendo
atendido pela industrialização. Não vamos acompanhar sua análise desse
processo. Cabe apenas indicar que, do seu ponto de vista, a condição
primeira para se promover o desenvolvimento econômico do país seria a
intervenção do Estado. Era necessário um Estado que orientasse,
regulasse e, sobretudo, planejasse a economia.
Bielschowsky, em obra relativa ao pensamento econômico
brasileiro, assinalou algumas das linhas gerais que norteavam o
pensamento de Furtado. Entre outras coisas, destacou que seu
pensamento se pautava pela

(...) defesa da liderança do Estado na promoção do


desenvolvimento, através de investimentos em setores
estratégicos e, sobretudo, do planejamento econômico.
Furtado, assim como os demais economistas de sua linha de
pensamento, não dispensava a contribuição do capital
estrangeiro, desde que limitada a setores não estratégicos e
submetida a controles. Sua conceituação da questão tem
origem na idéia de que só através da coordenação estatal seria
possível internalizar os centros de decisão sobre os destinos da
economia brasileira e romper com as relações de submissão ao
comando tradicional dos países desenvolvidos; ou seja, só
através de decidida ação estatal seria possível a emancipação
econômica nacional (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 134).
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A origem colonial da economia brasileira, o fato de o Brasil


industrializar-se em meio a uma situação em que as grandes potências já
se encontravam em um estágio avançado do capitalismo, fez com que
Furtado afirmasse ser necessária uma teoria para promover o seu
desenvolvimento, objeto das suas reflexões e obras. Para colocá-la em
prática, havia a necessidade da intervenção do Estado. Sob certos
aspectos, esta é a tese que defende ao longo dos seus textos.

A INTERPRETAÇÃO DA COLONIZAÇÃO DE FERNANDO A. NOVAIS

Fernando A Novais (1933), autor de Portugal e Brasil na crise do


Antigo Sistema Colonial (1777-1808) (1989), tese defendida em 1973 e
publicada pela primeira vez em 1987, apresenta-se como uma espécie de
discípulo de Caio Prado que teria aprofundado sua interpretação. É
verdade que ele se vale, também, na construção de sua interpretação da
colonização, de formulações de Celso Furtado. Mas, Caio Prado seria o
autor de quem ele descenderia diretamente.
Em diversas oportunidades, Novais (1933) tratou de sua relação
com Caio Prado. Segundo ele, os limites da análise da colonização do
Brasil deste autor estariam dados pelo fato de havê-la inserido na
expansão comercial européia, considerando-a um capítulo da história do
comércio europeu (PRADO JR., 1981, p. 22). Isto o teria levado a definir a
colonização como a organização de uma produção destinada ao
abastecimento do mercado europeu. Para Novais, este seria, no entanto,
apenas o aspecto externo deste processo. De acordo com ele, a
colonização somente poderia ser apreendida em toda a sua profundidade
caso a inseríssemos em um contexto mais amplo do que a revolução
comercial por que a Europa estava passando desde, ao menos, o século
XIV. Este contexto seria a transição do feudalismo para o capitalismo. Em
texto sobre Caio Prado (2005), publicado em 2000, Novais resume sua
relação com a interpretação da colonização deste autor:

E aqui vamos nos aproximando das possíveis limitações, que


mesmo as obras mais penetrantes acabam por revelar. Se
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buscamos uma integração crítica das contribuições de Caio


Prado Jr. que assimile suas análises procurando ao mesmo
tempo avançar no conhecimento de nossa história, temos que
nos debruçar sobre esse núcleo de seu estudo, questioná-lo, e
tentar ir além. Nesse sentido, talvez se possa argüir que, no
movimento de inserção no conjunto, isto é, no esforço por
apreender a categoria básica, sua análise se deteve ao meio
do caminho. Trata-se de definir com precisão o que deve ser
inserido, e em quê; e talvez o Brasil na expansão marítima
européia seja um recorte que apanhe apenas algumas
dimensões da realidade, não levando o olhar até a linha do
horizonte; “Brasil”, é claro, não existia, senão como colônia, e é
da colônia portuguesa que trata Caio Prado Jr.: a questão é
saber se não seria preciso a consideração do conjunto do
mundo colonial. Expansão comercial européia é, na realidade,
a face mercantil de um processo mais profundo, a formação do
capitalismo moderno; a questão é saber se não seria preciso
procurar as articulações da exploração colonial com esse
processo de transição feudal-capitalista. Desse modo, a
análise, embora centrada numa região, seria sempre a análise
do movimento em seu conjunto, buscando permanentemente
articular o geral e o particular. A colonização não apareceria
apenas na sua feição comercial, mas como um canal de
acumulação primitiva de capital mercantil no centro do sistema.
(...) Assim se reformularia e aprofundaria a visão de conjunto.
Contudo, insistimos, esta é uma crítica que parte da análise de
Caio Prado e a incorpora (NOVAIS, 2005, p, 288-289).

Novais expôs em diversas oportunidades sua concepção de


colonização da era moderna. Uma das primeiras exposições foi em artigo
intitulado “O Brasil nos quadros do Antigo Sistema Colonial” (NOVAIS,
1969), publicado pela primeira vez em 1968. A exposição mais
desenvolvida encontra-se em Portugal e Brasil na crise do Antigo
Sistema Colonial (NOVAIS, 1989).
De acordo com Novais, as colônias não tinham por objetivo
simplesmente produzir para abastecer o mercado europeu. Este seria o
aspecto aparente do processo colonial, o único captado por Caio Prado.
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Em virtude de compreender a colonização no interior de um processo mais


amplo, o da transição do feudalismo para o capitalismo, Novais afirmou
que as colônias tiveram um papel fundamental na constituição do
capitalismo.
Para Novais, para levar adiante a transição do feudalismo ao
capitalismo foram necessários apoios externos, no caso, as colônias, que
teriam funcionado como retaguardas econômicas destinadas a promover a
acumulação primitiva do capital nas metrópoles. Assim, durante o Antigo
Regime, fase intermediária entre a desagregação do feudalismo e a
constituição do capitalismo, a burguesia comercial encontrava obstáculos
de toda ordem para manter o ritmo de expansão das atividades. Derivaria
disto, no plano econômico, a necessidade de apoios externos, as
economias coloniais, para fomentar a acumulação de capital (NOVAIS,
1989, p. 66-67). Assim, a ultrapassagem do último e decisivo passo na
instauração da ordem capitalista pressupunha uma ampla acumulação de
capital nas mãos da camada empresária e uma expansão crescente do
mercado consumidor de produtos manufaturados. Uma e outra foram
obtidas por meio do sistema colonial. Desse modo, o sentido profundo da
colonização não seria apenas, como pretendia Caio Prado, produzir para
atender as necessidades do mercado europeu. Antes, tratava-se de
elemento constitutivo no processo de formação do capitalismo moderno
(NOVAIS, 1989, p. 70).
Para promover a acumulação primitiva de capital nas metrópoles
estas contavam com o exclusivo metropolitano, ou seja, as colônias
somente poderiam comerciar com suas metrópoles. Estas possuíam o
monopólio para fazer o comércio com suas colônias, o exclusivo de
comércio. O monopólio colonial constituía-se, por conseguinte, no
mecanismo por excelência do sistema colonial, por meio do qual se
operava a transferência da riqueza produzida na colônia para a metrópole.
Assim, na medida em que as metrópoles detinham a exclusividade da
compra dos produtos coloniais, os mercadores da mãe-pátria procuravam
rebaixar o preço destes produtos ao ponto mais baixo possível, até o nível
abaixo do qual seria impossível a continuação do processo produtivo. Por
outro lado, quando se tratava da venda de produtos para as colônias, os
mercadores tendiam a vendê-los o mais caro possível (NOVAIS, 1989, p.
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91). Dessa maneira, este era o principal mecanismo por meio do qual os
mercadores das metrópoles apropriavam-se dos lucros excedentes
gerados nas economias coloniais. Verificava-se, assim, nas metrópoles,
um acúmulo de riqueza, que era uma pré-condição para constituição do
capitalismo. (NOVAIS, 1989, p. 92).
No exame do modo como Novais concebe a colonização e,
principalmente, na análise da sua relação com Caio Prado, precisamos
fazer algumas considerações. A relação entre estes dois autores, em que
Novais aparece como um discípulo que teria aprofundado a análise de
Caio Prado, inserindo a colonização em um contexto mais amplo, constitui
o modo como o primeiro se coloca nesta relação. Em outras palavras,
trata-se de uma interpretação de Novais, comumente aceita, é verdade,
pelos historiadores, mas se trata da maneira como Novais apresenta sua
relação com Caio Prado.
Resta saber se podemos considerar Caio Prado um autor que ficou
no meio do caminho na análise da colonização, apreendendo apenas seus
aspectos superficiais. Como foi visto, a interpretação da história do Brasil
de Caio Prado abarca-a em sua totalidade. A maneira como concebe a
colonização não pode ser desvinculada e, portanto, compreendida, sem
levar em conta esta totalidade. Novais separou o modo como Caio Prado
concebia a colonização da sua concepção global da história do Brasil. Em
suma, transformou Caio Prado ensaísta em Caio Prado historiador da
colonização.
A formulação de Novais não apenas prejudica a compreensão de
Caio Prado como um autor que tinha uma interpretação que abarcava o
conjunto da história do Brasil como, ao defender a idéia de que este teria
ficado a meio caminho na análise do fenômeno colonial, coloca a
necessidade de se aprofundar sua interpretação da colonização.
É preciso, portanto, distinguir as duas interpretações, tratando-as
como formulações independentes e com vida própria. Somente desta
maneira poderemos apreender a concepção de colonização de cada um
deles.

CIRO CARDOSO E A CRÍTICA À HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA


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Ciro Flamarion Santana Cardoso (1942) é um dos mais expressivos


críticos de Caio Prado e Fernando Novais. Em seus textos, critica ambos,
especialmente o primeiro, afirmando que este teria dado um peso
excessivo às relações entre metrópole e colônia, ao comércio exterior, em
detrimento da análise das estruturas internas da colônia. De acordo com
Cardoso, o fato de as colônias serem encaradas como se produzissem em
função da economia européia, a qual lhes conferia sentido, prejudicava
visivelmente a análise das estruturas internas. Em resposta à concepção
de Caio Prado, que qualificou de obcecada pela plantation monocultora e
exportadora, Cardoso ressalta a consistência interna e a relativa
autonomia estrutural das sociedades coloniais.
Antes de prosseguirmos, é preciso observar que existe um grande
problema nas críticas que são feitas a Caio Prado e Fernando Novais,
provenientes da aceitação da maneira como o segundo se colocou diante
do primeiro. Com efeito, costuma-se tratá-los como se possuíssem a
mesma formulação, o que, evidentemente, conduz a um equívoco. Como
adiantamos, é preciso separar os dois autores e fazer, a cada um deles, a
crítica apropriada. Caso contrário, comete-se o equívoco de se atribuir aos
dois autores o que pertence, de fato, a um deles apenas. É comum, por
exemplo, atribuir-se a Caio Prado a afirmação de que as colônias eram
instrumento de acumulação primitiva de capital nas metrópoles, o que é
específico de Novais. Ainda que não tenha feito afirmação desta natureza,
Cardoso é um exemplo bastante expressivo da crítica que os trata de
maneira conjunta.
Entretanto, por mais incisivas que tenham sido as críticas de
Cardoso, o fato é que, em última instância, elas não constituem uma
completa negação da interpretação de colônia de Caio Prado. Ao contrário,
ele se baseou nela em suas linhas gerais. Matizou-a, é verdade, mas não
a desconsiderou nem a negou, ou seja, não formulou uma nova
interpretação do sistema colonial que se contrapusesse à de Caio Prado.
Para comprovar-se isso, basta verificar duas de suas obras, O trabalho na
América Latina Colonial (1985) e Escravo ou camponês (1987). Na
primeira, após ter tratado da colonização na América como um processo
que ocorreu no bojo das expansões marítima e comercial européias,
16

inclusive citando Caio Prado, Cardoso define as economias coloniais


fundamentalmente como zonas periféricas e dependentes, voltadas para o
mercado mundial (1985, p. 19, 22 e 52). Na segunda, caracteriza as
colônias como “(...) bem integradas ao mercado mundial como
exportadoras de produtos primários” (1987, p. 59). Nessa maneira de ver
está mantido o fundamento da interpretação de Caio Prado, isto é, a
caracterização de colônia como produção voltada para o mercado externo.
Entretanto, ainda que não tenha feito uma crítica radical a Caio
Prado, nem formulado uma nova interpretação da colonização, rompendo
este autor, Cardoso abriu caminho para novos estudos históricos que
possibilitaram uma maneira distinta de encarar a história do Brasil. Na
verdade, sua crítica estimulou estudos que, partindo de uma perspectiva
distinta do quadro geral estabelecido por Caio Prado ou por Fernando
Novais, baseando-se em uma farta documentação, buscaram descrever o
quadro econômico e social da colônia, enfatizando as estruturas internas.
Assim, dispostos a ir além da visão de Caio Prado, que afirmava
que a sociedade brasileira era composta, essencialmente, pelos grandes
proprietários e pelos escravos e que o restante da população formava uma
massa amorfa e marginal, esta historiografia revelou que a economia
brasileira era constituída por uma gama bastante variada de produtores.
Desde os grandes aos pequenos proprietários, desde os grandes
produtores vinculados ao mercado europeu até os pequenos produtores
ligados ao mercado interno, desde os grandes proprietários de escravos
aos médios, pequenos e até mesmo aos produtores que trabalhavam eles
próprios, pois, não possuíam escravos, enfim, a existência destes revela
uma enorme rede de produção e comércio em muitas partes do Brasil.
Revelam, assim, uma sociedade e uma economia que, até então, pouco se
suspeitava da sua existência.
As críticas de Ciro Cardoso deram, portanto, ensejo a novos
autores que, partindo delas, fizeram estudos sobre o Brasil colonial,
principalmente, sobre o Rio de Janeiro de fins do século XVIII e início do
XIX. Para seus autores, em virtude das suas conclusões, determinadas
teses defendidas por Novais foram colocadas por terra. Em virtude do
espaço disponível, trataremos apenas alguns autores.
17

OS DESDOBRAMENTOS DA CRÍTICA DE CIRO CARDOSO: UMA NOVA


TENDÊNCIA HISTORIOGRÁFICA

A nova tendência historiográfica da época colonial, que partiu,


fundamentalmente, das críticas de Ciro Cardoso, pode ser dividida em dois
momentos. O primeiro se caracteriza pelo surgimento de obras que tinham
como objetivo primeiro contestar as formulações de Caio Prado e
Fernando Novais. Dentre as obras deste primeiro momento destacam-se
Homens de grossa aventura, de João Luis Fragoso, tese defendida em
1990 e publicada, em sua primeira versão, em 1991. Posteriormente, este
autor publicou uma segunda edição, revista, em 1998; Em costas negras,
de Manolo Florentino, tese defendida também em 1991 e publicada, em
sua primeira versão, em 1995. Sua edição definitiva é de 1997. Ambos
foram orientados por Ciro Cardoso. Além delas, temos o interessante
estudo de B. J. Barickman, historiador americano, Um contraponto
baiano, publicado em 2003, baseado em sua tese de doutorado defendida
em 1990.
Dentre as características marcantes deste momento da nova
tendência historiográfica temos, em primeiro lugar, o exame do que se
passava no interior da colônia, ou seja, a análise das estruturas internas da
colônia, como havia proposto Ciro Cardoso. Estes exames chegaram a
algumas conclusões, quais sejam:

1. Havia uma acumulação interna de capital, contrariando a tese de


Fernando Novais, que afirmava que, por meio do exclusivo, a maior parte
da riqueza produzida pela colônia era transferida para a metrópole.
2. A partir de determinado momento, o controle do tráfico de escravos
passou a ser feito a partir da colônia, também contrariando tese de
Fernando Novais, que afirmava que o tráfico era controlado a partir da
metrópole. Aqui cabe ressaltar que o estudo abarcava a África, o Atlântico
Sul, mas o foco era chamar a atenção para o grupo de comerciantes do
Rio de Janeiro que, em finais do século XVIII e início do XIX, controlavam
o tráfico de escravos a partir desta capitania, conseguindo, por
18

conseguinte acumular capitais que eram empregados em outras


atividades.
3. Havia um mercado interno de grande dimensão e uma rede de comércio
bastante intensa, que alcançava o sertão, o sul do Brasil e mesmo a região
do rio da Prata. O estudo de Barickman mostra que, no Recôncavo baiano,
existia um grande número de produtores que abasteciam Salvador e os
engenhos, promovendo um intenso comércio.

O segundo momento da nova tendência historiográfica caracteriza-


se pelo alargamento do campo de estudo da época colonial. As pesquisas
não se voltaram apenas para o interior da colônia, como até então fora
feito, mas procuraram compreender a economia brasileira em um contexto
mais amplo. Para tanto, dois novos conceitos foram incorporados à análise
histórica: Império português e Antigo Regime.
Com a adoção do conceito de Império português, o universo da
análise foi ampliado, compreendendo o Reino, a África, o Brasil e a Ásia.
Várias obras, coletivas, expressam este novo momento, como Nas rotas
do Império (2006), Conquistadores e negociantes (2007) e Nas tramas
da rede (2010). Mas, o livro que melhor traduz este novo momento é O
Antigo Regime nos trópicos, publicado em 2001, razão pela qual nos
deteremos nele.
Na Introdução, os organizadores deste livro explicam em que
consiste a nova perspectiva historiográfica:

Mais especificamente, seus autores discutem e analisam o


“Brasil-Colônia” enquanto parte constitutiva do império
ultramarino português. Propõem-se, ainda, a compreender a
sociedade colonial e escravista na América enquanto uma
sociedade marcada por regras econômicas, políticas e
simbólicas de Antigo Regime (FRAGOSO, BICALHO E
GOUVÊA, 2001, p. 21).

Assim, o campo de estudo não é mais nem a relação entre


Metrópole e Colônia, nem apenas o interior da Colônia, suas estruturas
internas, mas o Império português, no qual aquela relação se acha
19

compreendida. Ainda acerca do conceito de Império português, os


organizadores do livro Nas rotas do Império assim comentam seu uso:

A utilização sistemática do conceito de império, em substituição


a uma visão centrada unicamente na relação metrópole-
colônia, pode ser considerada uma das principais
transformações da historiografia brasileira nos últimos anos.
Não se trata, é claro, do simples reconhecimento da existência
de um império português, mas sim de sua incorporação efetiva
como um dos mecanismos explicativos da realidade colonial
(FRAGOSO, FLORENTINO, JUCÁ e CAMPOS,
2006, p. 9).

O conceito Antigo Regime, utilizado pela nova tendência


historiográfica, tem o intuito, entre outras coisas, de chamar a atenção para
o fato de que as relações que se verificavam no Império português não
constituírem simplesmente relações de natureza puramente econômica. Ao
contrário, estavam “atravessadas” pela política. O elemento político era
determinante nessa relação e a economia era subordinada a ele. Do ponto
de vista de seus autores, isto caracterizava, fundamentalmente, uma
sociedade do Antigo Regime. Na Introdução de Conquistadores e
Negociantes, intitulada “Cenas do Antigo Regime nos trópicos”, escrita
pelos seus organizadores, lemos:

Nosso interesse será analisar, inicialmente, a nobreza principal


da terra e os negociantes de grosso trato. O primeiro segmento
é entendido como o punhado de famílias que comandaram a
conquista da América para a monarquia portuguesa e, entre
outros agentes, foram os responsáveis pela organização da
base produtiva (cana-de-açúcar, pecuária, lavras de ouro etc.)
e do governo econômico da res publica. O segundo grupo
compreende especialmente os empresários da mercancia
estabelecidos na América, que combinavam a ascendência
sobre rotas que podiam se estender do Mato Grosso ao Estado
da Índia, com pretensões de hegemonia política sobre a
sociedade. Esses sujeitos estavam envolvidos em ações que
resultaram na geração de estratificações sociais e em
20

acumulações de riqueza. Mais ainda, estavam envolvidos em


um mercado que, por ser pré-industrial, não era regulado
apenas pela oferta e procura, mas que se via continuamente
influenciado por relações como as de parentesco e de matiz
político. Assim, as trajetórias dos fidalgos da terra e dos
negociantes são apenas o ponto de partida para o estudo de
outros personagens atuantes na economia da chamada
sociedade colonial (FRAGOSO, FLORENTINO, JUCÁ e
CAMPOS, 2007, p. 19-20. Grifos nossos).

Para os autores da nova tendência historiográfica, o fato de se


tratar de uma sociedade de Antigo Regime significa que a economia
encontra-se a serviço da política. Em seu modo de ver, isto significa que o
papel da economia é reiterar a hierarquia social. Ainda na Introdução de O
Antigo Regime nos trópicos, seus organizadores assim explicam como
vêem a relação entre política e economia numa sociedade de Antigo
Regime:

Cabe sublinhar que tais múltiplas ligações entre as diferentes


partes submetidas à Coroa portuguesa não se esgotavam no
comércio. Na verdade, a existência de um mercado imperial foi
fundamental para a manutenção de estruturas sociais e
econômicas tão distantes – e distintas -, como a ordem
estamental e aristocrática no reino, o escravismo-colonial na
América e as sociedades africanas fundadas no tráfico de
cativos. Em suma, o Império não era tão-somente uma colcha
de retalhos comerciais; ele dava vida, em graus distintos, às
diversas sociedades que o constituíam.
Essas conexões comerciais eram, sem dúvida, atravessadas
pela política. Os negócios e mercados imperiais eram
submetidos às regras do Antigo Regime; leia-se, entre outras
coisas, ao complexo sistema de doações e de mercês régias. A
expansão e a conquista de novos territórios permitiram à coroa
portuguesa atribuir ofícios e cargos civis e militares, conceder
privilégios comerciais a indivíduos e grupos, dispor de novos
rendimentos com base nos quais se distribuíam pensões. Tais
concessões eram o desdobramento de uma cadeia de poder e
21

de redes de hierarquia que se estendiam desde o reino,


propiciando a expansão dos interesses metropolitanos,
estabelecendo vínculos estratégicos com os colonos
(FRAGOSO, BICALHO e GOUVÊA, 2001, p. 23).

Iniciamos o capítulo chamando a atenção para o fato de que, em


sua grande maioria, os trabalhos da primeira metade do século XX sobre a
história do Brasil possuíam a forma de ensaio. Igualmente destacamos que
este formato não era gratuito, mas decorria do debate político que então se
travava e cujo centro era a questão do socialismo. Disto derivava que não
se poderia, simplesmente, procurar descrever nosso passado,
principalmente o colonial. Era preciso, igualmente, indicar que o processo
histórico brasileiro, pelas suas peculiaridades, não caminhava em direção
ao socialismo, mas para outro ponto, variando-se este em função de cada
autor.
Com o fim do socialismo e, principalmente, deixando este de se
constituir uma alternativa histórica, tornou-se desnecessário que as obras
de história tivessem o caráter de ensaio. É verdade que muitos estudiosos
lamentam que a historiografia brasileira tenha perdido esta compreensão
mais geral e abrangente da história. A historiografia, no entanto, apenas
expressa o que se passa na história. A partir de então, a historiografia
deixou de se preocupar com as questões relacionadas com o socialismo e
com o marxismo e passou a ser feita a partir de novas questões.
Evidentemente, antes mesmo da derrocada do socialismo, a historiografia
já tomava novos rumos. Isto ocorre porque, antes mesmo de 1990, o
socialismo já dava sinais de exaustão, com a perestroika, a glasnost e o
fim da Guerra Fria, apenas para citar alguns momentos decisivos.
A historiografia sofreu, a partir de então, uma mudança significativa.
Com o fim da necessidade de estudos abrangentes, compreensivos, que
abarcassem o conjunto da história; pelo fato de não existir mais a
preocupação em responder à questão do caminho que a história estava
tomando, os historiadores passaram a tratar de novas questões que, a
partir de então, se colocavam. A historiografia passou, então, a repercutir
essas novas questões e os problemas do presente.
22

Os historiadores da nova corrente historiográfica que examinamos


têm consciência de que houve uma ruptura com o caráter ensaístico. Em
um livro paradidático, intitulado A economia colonial brasileira (1998),
seus autores observam que os estudos mais contemporâneos tenderiam
“(...) a romper com a tradição ensaística da historiografia nacional”
(FRAGOSO, FLORENTINO e FARIA, 1998, p. 2). É verdade que explicam
esta nova tendência pela disseminação dos cursos de pós-graduação,
iniciada na década de 70, que teria gerado inúmeras pesquisas de base.
Todavia, a nosso ver, a explicação maior para a tendência ao
estudo do passado sem enlaçá-lo ao presente encontra-se no fato de se
tomar a sociedade vigente como o horizonte dessas pesquisas. Não existe
nem uma proposta para a sua transformação, nem uma reação a esta
proposta. Com o desaparecimento da questão da transformação da
sociedade, a forma ensaística perde sua razão de ser. A historiografia
perde o fio condutor que, até então, era o que lhe dava direção. Na
verdade, são variadas as tendências da historiografia contemporânea, mas
abordamos apenas a que interessa mais de perto os estudos coloniais,
justamente a que se propõe uma nova interpretação da época colonial.

CONCLUSÃO

Como conclusão, vamos elencar as principais características da


nova tendência historiográfica brasileira no que diz respeito aos estudos
sobre a colonização. Evidentemente, como se trata de um processo que se
encontra em curso, todo cuidado é pouco. Tendências que julgamos
marcantes podem não se manterem, ficando a meio caminho. Outras, que
ainda não são suficientemente claras, e que não percebemos, podem se
tornar vigorosas a partir de dado momento. Enfim, ao se tratar de
tendências corre-se o risco de errar. Por isso, esta é apenas uma tentativa
de captar um processo que se desdobra diante de nossos olhos.

1. Talvez a principal característica das tendências da historiografia seja o


abandono da visão de conjunto da história, em que passado, presente e
futuro estejam interligados e a adoção de uma história que busca traçar um
23

quadro de nosso passado. Aliás, seus autores insistem que sua história
superou o caráter ensaístico que marcou a historiografia brasileira durante
décadas.

2. A segunda característica é a preferência por os estudos localizados,


regionais ou setorizados, abandonando-se a prática de se tratar do Brasil
como um todo. Os estudos são circunscritos no espaço e no tempo, ainda
que afirmem tratar do Império português.

3. Aliada a esta tendência, temos o fato de que esta historiografia alia o


estudo de caso, a biografia, a situação particular, com formulações de
cunho geral. Alguns textos iniciam com uma questão particular, uma
biografia, para, em seguida, alçar para uma formulação de caráter mais
geral.

4. A quarta característica é o deslocamento da produção para o comércio.


Com efeito, nessa tendência há, visivelmente, o abandono da análise da
produção pelo comércio; da escravidão para o tráfico de escravos.
Privilegia-se a circulação dos homens e das mercadorias. Não é casual
que, nos títulos dos trabalhos encontremos, com muita freqüência, termos
como rotas, redes e tramas, por exemplo. Além destes conceitos, outros
que aparecem são circuitos e eixos mercantis, dinâmica imperial, política e
negócios, elites, acumulação [mercantil] e hierarquia.

5. A quinta característica é que se trata de análises que são feitas rentes


aos documentos, assumindo, por isso mesmo, um caráter bastante
descritivo. Há, mesmo, uma valorização dos documentos e da pesquisa
em arquivos. Trata-se de uma história baseada em farta documentação
com o intuito de contrapor-se aos ensaios, acusados de generalistas e de
serem realizados, muitas vezes, sem base em uma documentação
suficientemente ampla para fundamentar as formulações feitas.

6. Por fim, a sexta característica, uma decorrência da primeira, é a maneira


de se criticar e explicar a historiografia vigente. De um modo geral, a crítica
é antes de natureza quantitativa do que qualitativa. Assim, a análise da
24

historiografia vigente seria “insuficiente”, a nova tendência utilizaria


procedimentos metodológicos “mais eficazes” e assim por diante.

REFERÊNCIAS

BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro. 4ª


edição. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.

BARICKMAN, B.J. Um contraponto baiano. Açúcar, fumo, mandioca e


escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.

CARDOSO, Ciro. Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas


Américas. São Paulo: Brasiliense, 1987.

_______ O trabalho na América Latina. São Paulo: Ática, 1985.

FLORENTINO, Manolo. Em costas negras. Uma história do tráfico de


escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). São
Paulo: Companhia das Letras, 1997.

FRAGOSO, João Luís. Homens de grossa aventura. Acumulação e


hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). 2ª edição
revista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo & FARIA, Sheila de Castro. A


economia colonial brasileira (séculos XVI-XIX). 3ª edição. São Paulo:
Atual, 1998.

FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda e GOUVÊA, Maria de Fátima


(orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa
(séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo; JUCÁ, Antônio Carlos;


CAMPOS, Adriana (orgs.). Nas rotas do Império: Eixos mercantis, tráfico
e relações sociais no mundo português. Vitória: Edufes; Lisboa: IICT, 2006.

FRAGOSO, João Luís Ribeiro; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de e


SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de (orgs.). Conquistadores e
Negociantes. História de elites no Antigo Regime nos trópicos. América
lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

FRAGOSO, João e GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Na trama das


redes. Política e negócios no Império português, séculos XVI-XVIII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
25

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 18ª edição. São


Paulo: Nacional, 1982.

GUIZOT, François. A história das origens do governo representativo


na Europa. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008.

NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema


Colonial (1777-1808). 5ª edição. São Paulo: Hucitec, 1989.

_______ O Brasil nos quadros do Antigo Sistema Colonial. In: MOTA,


Carlos Guilherme (org.). Brasil em perspectiva. 2ª edição. São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1969.

_______ Sobre Caio Prado. In: Aproximações: ensaios de história e


historiografia. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. Colônia. 17ª


edição. São Paulo: Brasiliense, 1981.

SODRÉ, Nelson Werneck. Formação da sociedade brasileira. Rio de


Janeiro: José Olympio, 1944.

FONTES E REFERENCIAIS PARA APROFUNDAMENTO TEMÁTICO

EXTRATO DE DOCUMENTOS PARA LEITURA

Tratando do livro O Antigo Regime nos trópicos, seus


organizadores fazem, na verdade, um resumo da nova tendência
historiográfica sobre a época colonial:

Ele [o livro O Antigo Regime nos trópicos] é fruto de uma


perspectiva historiográfica inovadora que vem surgindo e se
impondo em teses de doutorado e em dissertações de mestrado, e
sendo cada vez mais discutida em seminários acadêmicos e na
própria sala de aula dos institutos e departamentos de história de
nossas universidades. Dito de outra forma, os diferentes capítulos
do nosso livro buscam apresentar uma nova abordagem de antigos
26

temas de história portuguesa e colonial. Mais especificamente,


seus autores discutem e analisam o “Brasil-Colônia” enquanto parte
constitutiva do império ultramarino português. Propõem-se, ainda, a
compreender a sociedade colonial e escravista na América
enquanto uma sociedade marcada por regras econômicas, políticas
e simbólicas de Antigo Regime.
Em realidade, trata-se de propor uma nova leitura historiográfica
que não se limite a interpretar o “Brasil-Colônia” por meio de suas
relações econômicas com a Europa do mercantilismo, seja
sublinhando sua posição periférica – e com isto privilegiando os
antagonismos colonos versus metrópole – seja enfatizando o
caráter único, singular e irredutível da sociedade colonial-
escravista. Evidentemente que não trata de negar a importância
fundamental dessas abordagens para o entendimento da história
do Brasil.
O que este livro propõe de diferente é uma rediscussão – a partir
de novos parâmetros conceituais e de novas perspectivas teóricas
– de algumas teses acerca das relações econômicas e das práticas
políticas, religiosas e administrativas imperiais. Ele busca
responder a algumas questões que vêm sendo colocadas pelas
pesquisas e pela experiência docente de seus autores: como
desfazer uma interpretação fundada na irredutível dualidade
econômica entre a metrópole e a colônia? Como esquecer que, ao
lado dos – e, às vezes, simultaneamente aos – conflitos entre
colonos e Coroa, inúmeras foram as negociações que
estabeleceram e ajudaram a dar vida e estabilidade ao Império?
Como tecer um novo ponto de vista, ou um novo arcabouço teórico
e conceitual que, ao dar conta da lógica do poder no Antigo
Regime, possa explicitar práticas e instituições presentes na
sociedade colonial?
(...)
Este livro foi, portanto, concebido a partir de renovadas – porque
algumas andava esquecidas – experiências de pesquisa, e do
investimento em novas perspectivas teórico-metodológicas. Aos
poucos, a partir de nossos próprios trabalhos, começamos a sentir
27

a materialidade econômica, política e geográfica deste Império.


Descobrimos que, além de escravos da Guiné e de Benguela,
chegaram ao Brasil antigos soldados do Estado da Índia e ex-
negociantes de Angola, fixando-se na terra, tornando-se colonos.
Reconstituindo a trajetória de alguns desses homens percebemos,
de forma cada vez mais nítida, que o comércio de panos indianos
foi, por muito tempo, peça fundamental no tráfico atlântico de
escravos e no desenvolvimento das manufaturas no Reino.
Constatamos, enfim, que os negócios de tecidos provenientes de
Goa foram vitais para a produção material das relações sociais do
Brasil escravista, assim como da economia de Portugal
setecentista. Negócios que ligavam a América portuguesa, Angola
e os vários espaços geográficos que formavam o Estado da Índia.
Cabe sublinhar que tais múltiplas ligações entre as diferentes
partes submetidas à Coroa portuguesa não se esgotavam no
comércio. Na verdade, a existência de um mercado imperial foi
fundamental para a manutenção de estruturas sociais e
econômicas tão distantes – e distintas -, como a ordem estamental
e aristocrática no reino, o escravismo-colonial na América e as
sociedades africanas fundadas no tráfico de cativos. Em suma, o
Império não era tão-somente uma colcha de retalhos comerciais;
ele dava vida, em graus distintos, às diversas sociedades que o
constituíam.
Essas conexões comerciais eram, sem dúvida, atravessadas pela
política. Os negócios e mercados imperiais eram submetidos às
regras do Antigo Regime; leia-se, entre outras coisas, ao complexo
sistema de doações e de mercês régias. A expansão e a conquista
de novos territórios permitiram à coroa portuguesa atribuir ofícios e
cargos civis e militares, conceder privilégios comerciais a indivíduos
e grupos, dispor de novos rendimentos com base nos quais se
distribuíam pensões. Tais concessões eram o desdobramento de
uma cadeia de poder e de redes de hierarquia que se estendiam
desde o reino, propiciando a expansão dos interesses
metropolitanos, estabelecendo vínculos estratégicos com os
colonos.
28

Apesar de todas as diferenças políticas, econômicas, sociais,


religiosas e culturais entre Malaca, Goa, Macau, Luanda e Rio de
Janeiro, as práticas e instituições disseminadas a partir do reino – e
descritas acima – acabaram resultando na formação de sociedades
reguladas pela economia e pela cultura política do Antigo Regime
português. Isto nos leva à constatação da existência de alguns
mecanismos de enriquecimento e de mobilidade social presentes
nos diferentes quadrantes do Império.
Os indivíduos que foram para o ultramar levaram consigo uma
cultura e uma experiência de vida baseadas na percepção de que o
mundo, a “ordem natural das coisas” era hierarquizado; de que as
pessoas, por suas “qualidade” naturais e sociais, ocupavam
posições distintas e desiguais na sociedade. Na América, assim
como em outras partes do Império, esta visão seria reforçada pela
idéia de conquista, pelas lutas contra o gentio e pela escravidão.
Conquistas e lutas que, feitas em nome del Rey, deveriam ser
recompensadas com mercês – títulos, ofícios e terras.
Nada mais sonhado pelos “conquistadores” – em sua maioria
homens provenientes de uma pequena fidalguia ou mesmo da
“ralé” – co que a possibilidade de alargamento de seu cabedal
material, social, político e simbólico. Mais uma vez o Novo Mundo –
assim como vários outros territórios e domínios ultramarinos de
Portugal – representava para aqueles homens a possibilidade de
mudar de “qualidade”, de ingressar na nobreza da terra e, por
conseguinte, de “mandar” em outros homens – e mulheres. Neste
quadro herdado do Velho Mundo, a escravidão africana só iria
reforçar uma hierarquia social transplantada para o ultramar;
multiplicando-a, dando-lhes novas cores e novos matizes
(FRAGOSO, BICALHO e GOUVÊA, 2001, p. 21-24).

TRECHOS DE LEITURA PARA EXERCÍCIOS

Considerando o que foi apresentado da nova tendência


historiográfica acerca da época colonial, comente o seguinte trecho contido
29

no livro Nas rotas do Império: Eixos mercantis, tráfico e relações sociais


no mundo português:

A utilização sistemática do conceito de império, em substituição a


uma visão centrada unicamente na relação metrópole-colônia, pode
ser considerada uma das principais transformações da
historiografia brasileira nos últimos anos. Não se trata, é claro, do
simples reconhecimento da existência de um império português,
mas sim de sua incorporação efetiva como um dos mecanismos
explicativos da realidade colonial.
O próprio conceito, porém, transformou-se. Longe de ser visto
como um todo homogêneo comandado por uma poderosa
metrópole, o Império português é hoje percebido como um conjunto
heterogêneo de possessões ultramarinas, cuja relação com a
metrópole variava não só conforme as conjunturas, mas também de
acordo com os variados processos históricos que constituíram
essas mesmas possessões.
Tais transformações obrigam o pesquisador a uma apreensão mais
complexa do que foi esse “mundo português”.
Em primeiro lugar, obriga-o a rever a antiga “metrópole”, cuja
imagem tradicional de uma monarquia centralizada e absolutista
está sendo substituída pela de variadas relações entre o poder
central e os diversos poderes locais – em favor de uma percepção
do caráter corporativo do poder numa sociedade de Antigo Regime.
Em segundo lugar, o conceito de império obriga-nos a voltar nossa
atenção para as demais possessões ultramarinas que o
constituíam, sem as quais sabemos hoje não ser possível conhecer
de fato a sociedade colonial brasileira. Entram em cena aqui as
Ilhas Atlânticas, o Estado da Índia e, sobretudo, a África –
fundamental para uma sociedade escravocrata como a brasileira.
Sabe-se que quase dez milhões de africanos desembarcaram nas
Américas (FRAGOSO, FLORENTINO, JUCÁ e CAMPOS, 2006, p.
9-10).

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