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ARTES CÊNICAS
Resumo: Esse trabalho analisa o percurso criativo da arte do ator na encenação de O Asno
de Apuleio e a criação da personagem Lúcio. Evidencia-se um caminho de busca de pontos
de apoio para a sacralização do gesto corporal no trabalho do ator e sua relação com o es-
pectador, assim como as etapas de experiência do ator e o uso de suas afetividades na cena
e no mundo que o cerca.
Antonin Artaud
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Projeto de Pesquisa Ritos da metamorfose corporal: entre a dança, a dramaturgia do corpo e a psicofísica do ator - Departamento de Artes Cênicas -
CEART - UDESC.
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Orientador e Docente do Departamento de Artes Cênicas - CEART - UDESC.
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Bolsista de iniciação científica, acadêmico do Curso de Artes Cênicas - Centro de Artes - UDESC
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Anais do XIX Seminário de Iniciação Científica
O Asno de Apuleio: Pontos de Apoio...
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O Asno de Apuleio circulou nas cidades catarinenses de Joinvile, Lages e Florianópolis (SC). Foi apresentado no Teatro Atahualpa de Cioppo
da Universidade Nacional da Costa Rica.
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Companhia criada em 2004 na qual fizeram parte Asdrúbal Martins, Bárbara Biscaro, Clara de Andrade, Juarez Nunes, Milton de Andrade,
Melissa Ferreira, Monica Siedler, Samuel Romão e, mais recentemente, Diogo Vaz Franco e Oto Henrique Bezerra.
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Vide Programa do Espetáculo, Andras Cia de Dança-teatro, 2008.
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V Jornada de Iniciação Científica
Milton de Andrade & Samuel Romão
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corporal, além de virtualidades narcísicas: refazer a cadeia mágica (ARTAUD,
1987: 171).
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Anais do XIX Seminário de Iniciação Científica
O Asno de Apuleio: Pontos de Apoio...
se esconde por detrás das coisas e seres; movi- que tenha realizado plenamente sua
mentar-se num terreno sagrado: tarefa - é um transe verdadeiro; um
dar-se público, real, com todo o back-
ground da intimidade. E, portanto,
[...] A fim de indicarmos o ato da torna-se o ato do cume psíquico. Já
manifestação do sagrado, propusemos o próprio desvelar-se, privado das
o termo hierofania. Este termo é cô- mordaças requeridas pela assim
modo, pois não implica nenhuma chamada boa educação age na imagi-
precisão suplementar: exprime ap- nação como uma indelicadeza. E tem
enas o que implica no seu conteúdo afinidade com o excesso ao qual é
etimológico, a saber, que algo de sa- levado nos momentos culminantes.
grado nos revela [...] A partir da mais É como se o ator, abertamente, diante
elementar hierofania - por exemplo, dos olhos do público, se desnudasse,
a manifestação do sagrado num ob- vomitasse, se acasalasse, matasse, vi-
jeto qualquer, numa pedra ou numa olentasse [...] (FLASZEN, 2007: 87)
árvore. Encontramo-nos diante do
mesmo ato misterioso: a manifesta- A autorrevelação: o mergulhar em si, ir às
ção de algo “de ordem diferente” - em profundezas e encontrar os sonhos e os pes-
objetos que fazem parte integrante do adelos. O ator se “desfaz” em cena e é isso que,
nosso mundo “natural”, “profano”. paradoxalmente, faz sua presença. Comunga
(ELIADE, 1992: 17). a revelação de seu gesto interior, filtrado pela
sacralização de seu gesto, pela depuração da-
O mundo profano impulsiona o sagrado a quilo que será oferecido no momento da co-
manifestar-se. O sagrado necessita do profano munhão com o espectador. Para revelar, o ator
para que não se torne conservadorismo, não necessita de tempo e de dedicação ao longo de
se abrindo a mudanças supérfluas que a todo níveis de aprendizados que se seguem ou se
instante batem em nossas portas. “Sempre ex- misturam. Saber separar essas etapas na busca
istiram objetos e seres sagrados junto a objetos da sacralização do gesto pode ser um caminho
e seres profanos” (ELIADE in MORERA, 1983: para um primeiro entendimento das afetivi-
15). Entre o profano e o sagrado trava-se um dades e sentimentos impregnados em nossa
embate que após a sua elaboração simbólica se memória corporal. Memória esta constituída
pacifica. de outras várias memórias, um encadeamen-
to de histórias concretas e subjetivas, no qual
nosso corpo carrega em cada canto da sua con-
Essa complementaridade também se en-
stituição.
contra no uso dos objetos em cena e no trab-
alho do ator. A relação do sagrado e as coisas
não vistas e sentidas figura-se como ponto de No fluxo e no influxo do movimento é
equilíbrio na relação das coisas do mundo, na criada uma transicionalidade em forma de tem-
vida. E quando se trata de teatrovida; o ator po, espaço e energia. Pegar o espaço, prender
pode caminhar por esses trilhos ao iluminar- um sopro; dar um grito que não se ouve. Toda
se de sacralidade, equilibrando a “balança da a parte orgânica do trabalho do ator, física e
vida”, tomando suas raízes primitivas de sac- transcendente, é colocada a serviço da drama-
erdote, de ser que liga “o céu e a terra”. O “sa- turgia do movimento na criação de sentidos.
grado” pode também ser entendido como cui- Além da experiência por meios subjetivos, os
dado e preparo com a vida, com vidas dentro gestos, as ações e os movimentos expressivos
de vidas, com uma multiplicidade de ligações trazem uma cadeia de materiais dramatúrgi-
que se estabelecem em várias camadas. O ator cos na edificação do texto corporal, juntamente
se faz destas potencialidades de corpos num só com outros elementos da cena (objetos, cená-
corpo, e vive em sua carne as vidas humanas e rios, músicas, figurinos etc.), que revelam a
suas metamorfoses: busca de outra dimensão compositiva do cor-
po do ator e do corpo da cena.
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Texto do projeto de montagem do espetáculo O Asno de Apuleio (2008), opúsculo Andras Cia de Dança-teatro.
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V Jornada de Iniciação Científica
Milton de Andrade & Samuel Romão
ARTES CÊNICAS
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