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mediadores de leitura
APRENDIZADO DA
Leitura na
Infância
Fernanda Coutinho
Gra
tui
to!
5
FASCÍCULO
AVENTURA DE LER,
AVENTURA DE VIVER
A infância, como uma das idades da vida, Outros símbolos, como o do tapete voador,
traz em si a noção de descoberta, de apren- por exemplo, reforçam a necessidade de
dizado, e é reconhecida, cada vez mais, vagar fora de si, como uma característica
como uma etapa fundamental da existên- do ser humano, e, como todos sabemos, os
cia humana. Não é fácil desvendar o mun- passeios mágicos não costumam se fazer
do. Contudo, esse é o desafio lançado à esperar, acontecendo desde a mais tenra
criança, ainda mais hoje que os pequenos meninice. Por isso mesmo, já fomos chama-
se movimentam com mais desenvoltura na dos – nós, espécie humana –, de “espécie
sociedade, o que nem sempre ocorreu. fabuladora”. É Nancy Huston quem defende
Uma das possibilidades de busca de a ideia de que: “Enxertada em suas ficções, e
entendimento de uma experiência tão com- por elas constituída, a consciência humana
plexa, como é o existir, é a leitura. O folhear é uma máquina fabulosa...e intrinsecamente
de páginas dos livros representa, assim, um fabuladora.” A autora nos enxerga a todos,
gesto simbólico de ultrapassagem, como com um potencial de fantasia tão exacerba-
se a criança estivesse, a cada página, avan- do, que chega mesmo a criar um (aparen-
çando no alcance das inúmeras coisas a te) paradoxo, quando formula a pergunta:
compreender. Não é à-toa que as metáforas “Onde reside o real humano?” e oferece
da aventura e da viagem são costumeiras como resposta a afirmação: “Nas ficções
quando se trata de leitura. Um exemplo que o constituem.” (HUSTON, 2012, p.13-14)
disso é a afirmação de Vincent Jouve: “Ler, Tanto isso é verdade que, na perspecti-
pois, é uma viagem, uma entrada insólita va dos mundos paralelos, a criança inventa
em outra dimensão que, na maioria das estórias mirabolantes ou cria seus próprios
vezes, enriquece a experiência: o leitor personagens prediletos, os amigos imagi-
que, num primeiro tempo, deixa a realida- nários, quer seja uma pessoa, um animal,
de, para o universo da ficção, num segun- ou qualquer outro ser por ela idealizado,
do tempo, volta ao real, nutrido da ficção.” com quem estabelece longas conversações.
(Jouve, 2002, p. 108). E assim, viajando nas aventuras dos tex-
Já Carlos Drummond de Andrade faz do tos infantis, iniciamos esse fascículo sobre o
espaço do poema um lugar de recordação aprendizado da leitura na infância.
de suas leituras infantis, como acontece em Você se interessou em saber mais? Já
“Biblioteca verde”. Nele, o “eu” lírico se re- trabalha com leitura para crianças? Tem fi-
fere a elas, por meio de uma imagem ciné- lhos, alunos ou pratica a leitura com usuá-
tica: a da carruagem de fugir de si e de tra- rios de bibliotecas? Muito bem, sinta-se em
zê-lo “de volta à casa/a qualquer hora num casa e boa leitura. E se quiser se inscrever
fechar de páginas” (Andrade, 1987, p.171). em nosso curso, ainda dá tempo. Acesse:
ava.fdr.org.br
CURIOSIDADE
O poeta português, Fernando
Pessoa (1888-1935) foi um dos que,
aos 6 anos de idade, criou o que
alguns consideram o seu primeiro
heterônimo, o Chevalier de Pas,
seu amigo imaginário, com quem
conversava, inclusive por escrito,
através de cartas.
PARA ALÉM
receu uma carta de cidadania às crianças pequenas, o que inclui
os chamados livros-objeto, artefatos de caráter lúdico, de cores
DO TEXTO
chamativas, em várias texturas, como tecido ou plástico, às vezes,
sonoros, apelando, como tal, para a intensa percepção da criança
pequena do mundo que a rodeia. Em “A emancipação dos bebês
leitores”, María Emília López lembra que eles “são os seres mais abs-
tratos da criação, cheios de impulsos, de produções de todo tipo: Você quer entender melhor ainda o
sonoras, corporais, práticas, imaginárias; eles investem quase todo desafio do trabalho de leitura com os
o seu tempo de vigília na transformação do mundo que os rodeia; bebês? Você pode acessar na íntegra
para os adultos, porém, eles são tão enigmáticos quanto abstratos.” a entrevista com Yolanda Reyes.
(LOPÉZ, 2018, p. 27-28) Yolanda Reyes, outra estudiosa que se dedi- disponível em: https://eraoutravez.
ca aos estudos sobre leitura para os pequeninos, entende que, mais blogfolha.uol.com.br/2018/04/16/por-
importante do que cercar a criança de livros, é a interação mãe-filho que-ler-para-bebes-leia-entrevista-
no processo da iniciação ao mundo da literatura. Segundo ela: com-a-colombiana-yolanda-
Tudo começa pela audição. Depois vão surgindo outras maneiras reyes/?loggedpaywall.
de ler e de interagir com as palavras. (...) Em seguida, esse bebê já
pode sentar e olhar algo além do rosto dos adultos. A página do
livro nasce diante de seus olhos. Ele, então, interage com a mancha
de texto, com as ilustrações, com o papel. É quando surge o que
chamo de triângulo amoroso. A criança está sentada no colo de al-
guém que ama, posicionada entre o livro e o corpo desse adulto. O
bebê enxerga o livro, mas a leitura é guiada pela voz do outro. Pelo
mesmo som que ele já conhece. É um outro momento. Pouco a
pouco, surgem mais palavras, mais imagens e a narrativa caminha
cada vez para mais longe.
PUXANDO
aos animais em extinção, Lalau e a ilustradora Laurabeatriz
optam pela apresentação de treze filhotes de nossa fauna.
O livro compõe-se de um poema e uma ilustração para cada
animal, além de um texto informativo sobre suas particulari-
dades de nascimento, características no princípio da vida ou
PROSA
reprodução. É significativo verificar o ponto de vista adotado
em relevante número dos textos infantis contemporâneos,
Mesmo sendo esses livros
que colocam, em princípio, o animal como personagem de si
considerados célebres, vale a
mesmo, assinalando, porém, suas semelhanças com o animal
pena lembrarmos seus autores
humano. Essas semelhanças nascem, em muitos casos, no
e a época em que apareceram
território dos afetos – amamentação, hora de dormir, brinca-
(contextualização). Que tal
deiras do cotidiano – e não mais no estrato comportamen-
descobrirmos essas informações
tal, como era comum acontecer nas fábulas clássicas. Como
junto com as crianças? E você, que
consequência, tem-se a ressignificação da própria Literatura
livros infantis lhe causaram essa
Infantil, que se afasta de uma de suas premissas fundadoras:
sensação de maravilhamento?
a intenção moralizante.
PARA ALÉM
DO TEXTO
Sobre os contos de fadas, ver: “Contos
de fadas e infâncias”, In: https://seer.
ufrgs.br/educacaoerealidade/article/
viewFile/22976/13260.
PARA ALÉM
DO TEXTO
Andersen, ele mesmo, é um
personagem fascinante e, por isso,
possui várias biografias mundo
afora. Aqui, no Brasil, podemos
ler sobre sua vida na distante
Dinamarca em: MACHADO, Ana
Maria, Palmas para João Cristiano:
de Ana Maria Machado para Hans
Christian Andersen. Ilustrações
Maria Inês Martins. São Paulo:
Mercuryo Jovem, 2004.
PARA ALÉM
(Ramos, 2006, p. 232)
No tempo de Clarice Lispector (1920-1977), porém, já se evidencia um outro momento de nosso
DO TEXTO
mapa literário infantil, e o ponto mais destacado dele é a presença de Monteiro Lobato (1882-1948)
e de seu livro de maior repercussão: Reinações de Narizinho (1931). Quem pode se esquecer da ânsia
da criança devoradora de livros em “Felicidade Clandestina”, um dos contos autobiográficos de Cla-
rice? Em “O primeiro livro de cada uma de minhas vidas”, crônica de A descoberta do mundo (1984),
a autora cria uma ciranda de histórias, aludindo novamente a Reinações de Narizinho, obra capital O gaúcho Érico Veríssimo (1905-
de sua segunda vida: “Acho que foi o livro que me deu mais alegria naquela vida.” As leituras mais 1975), autor de vários textos infantis
antigas, as da primeira vida, tinham sido O patinho feio e Aladim e a lâmpada maravilhosa. “Eu lia como O urso que tinha música na
e relia as duas histórias, criança não tem disso de só ler uma vez; criança quase aprende de cor e, barriga (1938), e o mineiro Pedro
mesmo quase sabendo de cor, relê com muito da excitação da primeira vez.” (Lispector, 2018, p. 546) Nava têm suas recordações de
E Ana Maria Machado (1941-), vencedora do prêmio Hans Christian Andersen de 2000, o que teria leitura examinadas em uma tese de
a dizer sobre suas leituras de formação? Em Como e por que ler os clássicos universais desde cedo, doutorado, no endereço: https://
ela recorda sua descoberta do Dom Quixote, primeiro, escutando encantada a leitura feita por seu docplayer.com.br/23961019-
pai e, posteriormente, lendo, “por conta própria, em outra edição – o Dom Quixote das crianças, na Infancia-e-leitura-na-memoria-de-
adaptação de Monteiro Lobato”. (Machado, 2002, p.9) escritores.html 7926
PUXANDO
elas ou simplesmente sentar numa praça no A cartela de títulos da Literatura Infan-
meio da tarde e observá-las para se lembrar: til é enorme, tendo hoje uma dimensão de
PROSA
como era mesmo aquela imensa curiosidade sete léguas. Por outro lado, o fato de esse
sobre todas as coisas? Escrever para crianças é mercado editorial ser tão vigoroso cria
falar com elas, ler todos os livros que as fasci- muitas questões relativas ao aprendizado
nam, reler os livros que marcaram a nossa pró- da leitura na infância. Diante do expressivo
pria infância, mergulhar no cânone com La Fon- número de títulos e da valorização dessas Precisamos ser uma sociedade
taine, Jonathan Swift, Charles Perrault, Irmãos leituras inaugurais, torna-se possível per- de cidadãos leitores e de leitores
Grimm, Collodi, Carroll, Roald Dahl, Rodari, Lo- guntar: em que condições se dá o acesso cidadãos. “Ora, se ninguém pode
bato, e passar horas nas livrarias entre Bartolo- das crianças a essas histórias? passar vinte e quatro horas sem
meu Campos de Queirós, Sylvia Orthof, Maurice Antonio Candido defende a fruição da mergulhar no universo da ficção e
Sendak, Tatiana Belinky, Wolf Erlbruch, Angela Literatura como um dos direitos huma- da poesia, a literatura concebida no
Lago, Lygia Bojunga, Marina Colasanti, Roger nos, e, embora ele não se reporte especi- sentido amplo a que me referi parece
Mello e dezenas de autores geniais. Também é ficamente aos textos infantis, eles estão corresponder a uma necessidade
fundamental estudar com Peter Hunt, Nelly No- necessariamente incluídos, na construção universal, que precisa ser satisfeita
vaes Coelho, Ana Garralón, entre tantos especia- da cidadania. Então, o primeiro aspecto e cuja satisfação constitui um
listas que se dedicam à literatura infantil. do problema se refere à inclusão de todas direito.” (CÂNDIDO, 2011, p. 177).
as crianças na cena literária, como uma exi- E como você acha que podemos
E, você, o que pensa a respeito? Até gência basilar dessa mesma cidadania. No colocar em prática a proposta
que ponto concorda com as afirmativas de Brasil, essa questão se vincula fortemente de Cândido?
Silvana Tavano? ao drama do analfabetismo.
ALTERIDADE
natureza ou condição do que é outro,
do que é distinto.
Este fascículo é parte integrante do Programa Fortaleza Criativa, em decorrência do Termo de Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria Municipal da Cultura
de Fortaleza, sob o nº 05/2018.
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