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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E

TECNOLOGIA DO PARANÁ – IFPR – CAMPUS PALMAS


CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS HÍBRIDAS E EDUCAÇÃO

MICHELLE SMOKOVITZ COMARELLA

CUIDE DE VOCÊ: HIBRIDISMO E EMANCIPAÇÃO INTELECTUAL A


PARTIR DA OBRA DE SOPHIE CALLE

PALMAS
2019
MICHELLE SMOKOVITZ COMARELLA

CUIDE DE VOCÊ: HIBRIDISMO E EMANCIPAÇÃO INTELECTUAL A


PARTIR DA OBRA DE SOPHIE CALLE

Artigo apresentado ao Curso de Pós-


Graduação em Linguagens Híbridas e
Educação do Instituto Federal do Paraná,
como requisito parcial para obtenção do título
de especialista em Linguagens Híbridas e
Educação.

Orientador: Prof. Ms. Douglas Colombelli


Parra Sanches

PALMAS
2019
CUIDE DE VOCÊ: HIBRIDISMO E EMANCIPAÇÃO INTELECTUAL A
PARTIR DA OBRA DE SOPHIE CALLE
Autor: Michelle Smokovitz Comarella
Instituto Federal do Paraná
Orientador: Prof. M.e Douglas Colombelli Parra Sanches

RESUMO
O presente artigo aborda como obras que se constroem por meio de ações interlinguagens podem
também ter, em sua própria construção, uma proposta emancipatória por pressupor a igualdade
em sua práxis. Para tanto, parte-se da leitura da proposta artística da artista francesa Sophie Calle
(1953) intitulada Cuide de Você (2007), cuja abordagem consiste em mensurar como seria
possível uma obra de arte híbrida também pode oferecer experiências emancipatórias. Cuide de
Você é uma obra que surge da história pessoal da artista, um rompimento amoroso realizado via
e-mail e no retorno de 107 mulheres que a artista convidou para ajudá-la a entender, interpretar
ou mesmo responder a carta em seu lugar. As respostas enviadas para a Calle vêm das mais
diversas criações artísticas trazendo definitivamente o hibridismo em âmbitos semelhantes. À
vista disso, é possível verificar a existência da consideração das respostas em múltiplos suportes
e linguagens, conforme a concepção de cada sujeito envolvido. Atestando que a relevância da
obra de Calle é se originar a partir do pressuposto de igualdade em sua construção, há a
oportunidade de leitura a partir dos pressupostos teóricos oferecidos por Jacques Rancière que,
por sua vez, relaciona à igualdade total a possibilidade da emancipação. Por fim, este estudo parte
de um levantamento bibliográfico para identificar aspectos chave relacionados ao hibridismo e
emancipação intelectual com base na obra de arte da artista francesa.
PALAVRAS-CHAVE: Cuide de você. Emancipação intelectual. Hibridismo. Igualdade.

ABSTRACT
This article discusses how works that are built through interlanguage actions can also have, in
their own construction, an emancipatory proposal for presupposing equality in their praxis. To do
so, it starts from the reading of the artistic proposal of the French artist Sophie Calle (1953)
entitled Take Care of You (2007), whose approach consists in measuring how a hybrid work of
art would be possible can also offer emancipatory experiences. Take Care of You is a work that
emerges from the artist's personal story, a loving breakthrough made via e-mail and the return of
107 women the artist invited to help her understand, interpret or even respond to the letter instead.
The answers sent to Calle come from the most diverse artistic creations bringing definitely the
hybridism in similar areas. In view of this, it is possible to verify the existence of the consideration
of the answers in multiple supports and languages, according to the conception of each subject
involved. Attesting that the relevance of Calle's work is originated from the assumption of
equality in its construction, there is the opportunity to read from the theoretical assumptions
offered by Jacques Rancière, which in turn relates to the possibility of emancipation to total
equality. Finally, this study starts from a bibliographic survey to identify key aspects related to
hybridism and intellectual emancipation based on the French artist's artwork.
KEYWORDS: Take care of you. Intellectual Emancipation. Hybridity. Equality.

3
1. Introdução

A arte, sendo um procedimento de criação e elaboração representativa, muitas vezes


pensada como uma prática limitada à suportes historicamente destinados para seu fim,
acaba tornando-se um cosmo indefinido acerca das produções contemporâneas. Segundo
a pesquisadora Cristina Freire (2006, p. 07), “transformar esse tipo de competência
artística e substituí-la por outra é sem dúvida um processo longo e difícil”. Apesar disso,
vale ressaltar que as manifestações contemporâneas da arte surgem a partir de fenômenos
culturais ao apresentarem experimentações subjetivas e utilização de suportes pouco
convencionais que possibilitam um trabalho diferente na atualidade, ou seja, as artes
contemporâneas são realizadas das mais variadas formas e métodos, além de ser uma
constante negociação entre vida e arte, arte e vida.
Isto posto, vale destacar que o referente artigo se mostra possível pela necessidade
de apontar exemplos das poéticas colaborativas contemporâneas como objeto do ensino
em arte, possibilitando a vivência particular da práxis artística como uma experiência
emancipatória. Na esteira desta proposta, busca-se abordar a proposta artística da artista
Sophie Calle (Paris, 1953), intitulada Cuide de Você (2007), como exemplo e
materialidade de uma obra produzida sobre um processo colaborativo. Nesta perspectiva,
Ronaldo Entler1, em artigo disponível na Icônica2 (2010, p.1), intitulado O triste fim de
Sophie Calle, afirma que:

Ao contrário de muitas exposições de arte contemporânea, a de Sophie Calle


teve público e foi capaz de reunir nos mesmos espaços figuras muito
heterogêneas, de acadêmicos a leitores de revistas femininas. E não importa o
que as tenha levado à exposição, chegando lá, viram uma obra importante e
tiveram a oportunidade de refletir sobre os limites da arte, com um belo
trabalho feito pela equipe de educadores (ENTLER, 2010, p.1).

Todavia a obra foi desenvolvida a partir de um e-mail de rompimento, que a artista


recebeu de seu amante, e não soube respondê-la, a carta terminada com a frase Cuide de

1
Nascido em (1968), é jornalista, pesquisador, professor e doutor em Artes pela Universidade de São Paulo
(ECA-USP), professor e coordenador de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Fundação
Armando Alvares Penteado (Facom-FAAP). Informações disponíveis em:
http://www.iconica.com.br/site/author/rentler/ Acesso em: 03 de junho de 2019;
2
Icônica é uma publicação independente dedicada à crítica de fotografia, arte e cultura. Informações
disponíveis em: http://www.iconica.com.br/site/o-triste-fim-de-sophie-calle/ Acesso em: 03 de junho de
2019;

4
Você, Calle decide seguir o conselho e convida 107 mulheres de diferentes profissões
para ajudá-la a entender, interpretar ou mesmo responder a carta em seu lugar, e assim
ela ganharia tempo antes de romper o relacionamento, como uma forma de cuidar dela,
já que este foi o conselho dado por seu ex. As respostas vêm das mais diversas criações,
e traz no seu radical o hibridismo em uma conjuntura relacional. Tal proposta, apresentada
como objeto no estudo da arte possibilita abordagens de amplo espectro, onde, no recorte
proposto, vem-se ao encontro com os argumentos de Jacques Rancière3, relacionados às
possibilidades de emancipação intelectual. Segundo Rancière:

O que pode, essencialmente, um emancipado é ser emancipador: fornecer, não


a chave do saber, mas a consciência daquilo que pode uma inteligência, quando
ela se considera como igual a qualquer outra e considera qualquer outra como
igual a sua (RANCIÈRE, 2002, p.50).

Diante disso, a fim de sistematizar a relação entre arte e emancipação, o pensamento


de Rancière se mostra como um ponto de partida propício à abordagem da práxis artística
de Calle, bem como nas reflexões particulares que sua proposta evoca. Desta forma, os
objetivos se relacionam a apresentar a obra Cuide de Você dentro das concepções do
hibridismo, poéticas colaborativas e relacionais, associando-as à possibilidade de uma
fruição que promove a emancipação em sua práxis em diálogos com os argumentos
do filósofo francês.
Para tanto, fez-se necessário o estudo ser fragmentado em seções, na primeira delas,
dispomos de um recorte sobre a vida da artista Sophie Calle, e consequentemente
detalhes, motivos/razões e objetivos pelos quais levaram à elaboração de suas obras
artísticas, para tanto partimos das referências disponíveis em sites relacionados às artes,
que tratam exclusivamente sobre a trajetória da artista, sendo possível encontrar nos
mesmos, manifestações e argumentos da própria Sophie Calle em relação a sua postura
particular e profissional.
No segundo momento, damos enfoque ao trabalho essencial deste estudo,
retratamos de forma minuciosa desde a criação até a exposição da obra de arte Cuide de
você (2007). Aqui nos embasamos no site oficial da exposição Cuide de você, realizada

3
Nascido em 1940, filósofo e professor emérito do Departamento de Filosofia da Universidade de Paris
VIII. A sua escrita tem-se manifestado principalmente nas áreas da história, da filosofia, da estética e da
política. Informações disponíveis em: https://www.wook.pt/autor/jacques-ranciere/40742 Acesso em: 30
de abr, 2019.

5
no Brasil em 2009, (Associação Cultural VideoBrasil4), em reflexões de Ronaldo Entler,
nas próprias argumentações da artista apresentadas por Lindevania Martins5, além de
minúcias sobre a entrevista realizada no Teatro do Sesc Pompéia, divulgada por Paula
Dume6, assim torna-se possível descrever e apontar aspectos relevantes da obra da artista.
No terceiro momento, relacionamos os possíveis vínculos híbridos e
emancipatórios entre a obra Cuide de você, da artista Sophie Calle com as reflexões de
Jacques Rancière sobre processos e mecanismos de emancipação intelectual, alicerçados
à meios e posturas de igualdade, assim sendo, determinamos pontos chave de conexões
entre ambos aspectos.
Por fim, apresentamos as considerações finais, que se desenvolvem em meio a
obtenção de resultados a partir do presente estudo.

2. Sophie Calle

Artista plástica e fotógrafa francesa, nascida em Paris em 1953, considerada artista


conceitual e conhecida no mundo da arte e, além disso, por dispor em suas obras enlaces
de suas experiências pessoais, exibindo regularmente a fragilidade dos seres humanos em
poéticas colaborativas e relacionais. Logo, se constroem narrativas que desconsideram
os limites entre individual e coletivo, obras artísticas e vida particular, pondo em tensão
as extensões entre ilusão e realidade. A artista confunde sua vida com sua arte, na busca
por encontrar sentidos irrepresentáveis da sua existência e da existência de outrem,
provocando concepções híbridas em ambas situações. Segundo informações contidas no
site da Associação Cultural VideoBrasil (2009), afirmam “seus trabalhos nascem ora do
exercício destemido de uma curiosidade sobre o outro que beira o voyeurístico (e por
vezes o abusivo), ora da vontade de transformar dores reais em uma sofisticada
modalidade de catarse”. Em outras palavras, perante um sentido conotativo todos os seus
trabalhos abarcam discursos literários em sua natureza, mesmo que se utilize de meios

4
Criada em 1991 para fomentar e difundir a arte contemporânea do circuito Sul do mundo, A Associação
Cultural VideoBrasil realiza uma série de ações curatoriais sistemáticas, como festivais e mostras, além de
encontros, publicações e documentários sempre em parceria com o SESC São Paulo. Maiores informações
disponível em: https://videobrasil.org.br/sophiecalle/ Acesso em: 23, maio, 2019;
5
Escritora, nascida em (1980). Informações disponíveis em:
https://catalogodeindisciplinas.wordpress.com/author/lindevania/ Acesso em: 04, jul, 2019;
6
Editora e repórter, nascida em (1982). Informações disponíveis em: https://br.linkedin.com/in/padume
Acesso em: 11, jul,2019;

6
heterogêneos e diferentes proporções. Além, de proporcionar a emancipação e a
igualdade, ela é capaz de ter inspirações e dar importância, encanto e beleza no tangente
de acontecimentos corriqueiros e fatos insignificantes, como por exemplo o fim de um
relacionamento amoroso.
Conforme publicação realizada no ano de 2016, por Desirée Ferreira7, no sítio
Nítida – Fotografia e Feminismo8, a escritora destaca que “Calle decidiu seguir carreira
artística por influência de seu pai, um ávido colecionador de arte”. Porém, somente na
década de 60 teve seu primeiro contato com a fotografia. Posteriormente, em 1970 decide
dedicar-se a uma arte inusitada, começa a caminhar pela cidade, seguir e fotografar
pessoas estranhas na rua. De acordo com dados existentes no sítio da Associação Cultural
VideoBrasil Sophie Calle - Cuide de você (2009), apresenta um trecho da fala da própria
artista, justificando sua ação ao relatar que, “Como acordava de manhã, e não conseguia
decidir nada, pensei em deixar que elas decidissem por mim”, explica.
Em consequência desses interesses iniciais de perseguir indivíduos surgem suas
primeiras produções, nos quais já é possível identificar particularidades de seu trabalho.
Ou seja, é devido esta busca incessante por participar da vida de estranhos, que a
artista acaba se entregando de corpo e alma. Deveras são eles que decidem, guiam e
comandam todas as ações práticas dela. E assim, originando as poéticas colaborativas e
relacionais. Ou seja, de acordo com Manel Clot9 (1996, p.17 apud Goulart, 2005, p. 05),
Calle se infiltra “nas entranhas do mundo para além das aparências e das formas, de
encontrar o espaço que nelas nos corresponde”.
Calle transforma sua vida em uma série de ações, como se fosse um espetáculo
com várias atrações se desenvolvendo conforme normas e critérios estabelecidos.
Segundo informações disponíveis no site da Associação Cultural VideoBrasil - Sophie
Calle Cuide de você (2009), revelam que:

7
Fotógrafa, editora de imagens e jornalista. Contadora de histórias, produtora de conteúdo, criadora de
narrativas visuais e artista. Membro do grupo Nítida – fotografia e feminismo. Informações disponíveis em:
https://nitidafotografia.wordpress.com/?s=desirée+ferreira&submit=Ir Acesso em: 28, jul, 2019.
8
Nítida é um grupo de fotógrafas dispostas a refletir sobre a presença da mulher na fotografia. A ideia
surgiu a partir de uma inquietação coletiva sobre a relevância da produção feminina no campo das artes.
Informações disponíveis em: https://nitidafotografia.wordpress.com/sobre/ Acesso em: 28, jul, 2019.
9
Curador e crítico de arte: informações disponíveis em:
https://elpais.com/ccaa/2016/03/02/catalunya/1456950869_034058.html Acesso em: 11, jul, 2019.

7
Esse traço evoca uma referência literária: O OuLipo, movimento francês dos
anos de 1960, em que escritores como Raymond Queneau10, François Le
Lionnais11 e Italo Calvino12 se propõe a criar a partir de regras restritivas
(ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL – SOPHIE CALLE CUIDE
DE, 2009, p.1).

Conforme menção acima, conferimos que a exposição de fatos e ações que Calle
elabora em volta de suas habilidades se desenvolve realmente num arranjo literário, a fim
de introduzir diferentes materiais, vídeos, imagens, entre tantos outros indícios de sua
autenticidade, numa perspectiva híbrida em suas produções. Como se sua própria vida
estivesse sendo regrada por uma proposta estética.
Ainda assim, em suas poéticas, o outro, a originalidade, as associações e a partilha
de experiências práticas se tornam conceitos chave. Juntamente a importância harmoniosa
da estética e suas experiências, representam ativamente dois pontos cruciais retratados
intrinsicamente em suas obras, o da vida e da arte. Conforme as palavras da artista
apresentadas no sítio da Associação Cultural VideoBrasil - Sophie Calle Cuide de você
(2009), ela elucida:

O que diferencia muitos dos meus trabalhos é o fato de que eles são, também,
minha vida. Eles acontecem. Isso me distingue e faz com as pessoas gostem
ou desgostem intensamente do que faço. É por isso, também, que tenho um
público além do mundo da arte (ASSOCIAÇÃO CULTURAL
VIDEOBRASIL SOPHIE CALLE CUIDE DE VOCÊ, 2009, p.1).

Respectivamente, para a artista vida é arte e arte é vida. Simplesmente, ela sente a
arte na vida e a vida na arte, ocasionando dessa forma, dinâmicas entre elas, uma vez que
a obra de arte Cuide de você retrata sua vida e relativamente sua vida está retratada na
arte.
Ainda, referências existentes no site da Associação Cultural VideoBrasil - Sophie
Calle Cuide de você (2009), esclarecem que a artista era “movida pela necessidade de
reconhecer e esgotar sua própria experiência afetiva, sua arte avança por campo e

10
Raymond Queneau (1903-1976) um dos mais renomados autores franceses da história por ter produzido
algumas das mais importantes prosa e poesia de meados do século XX. Informações disponíveis em:
https://www.biografias.info/queneau-raymond/ Acesso em: 04, ago, 2019;
11
François Le Lionnais (1901-1984) foi engenheiro químico com formação, gostava de se apresentar como
matemático, além de ser um especialista internacional em xadrez. Informações
https://www.universalis.fr/encyclopedie/francois-le-lionnais/ Acesso em: 08, jul, 2019;
12
Italo Calvino (1923-1985) foi um grande escritor italiano autor dos livros "O Cavaleiro Inexistente" e "O
Visconde Partido ao Meio", obras que o consagraram como um dos maiores escritores italianos do século
XX. Informações disponíveis em: https://www.ebiografia.com/italo_calvino/ Acesso em: 04, ago, 2019;

8
gêneros”, ou seja, compreendemos que devido esta busca incessante da artista por aceitar
e estafar suas práticas sentimentais, sua arte já se desenvolve num arranjo híbrido, pois
prossegue tomando diferentes áreas e categorias como performance, instalação, cinema,
intervenção, sequências de textos para um jornal diário, além de livros, no qual o primeiro
livro da artista a ser publicado no Brasil é intitulado Histórias Reais (2009), onde relata
experiências autobiográficas.
Segundo Yve-Alain Bois13, em perfil na Artefórum14, revista mensal internacional
especializada em arte contemporânea “Calle sempre se sentiu mais segura fora do gueto
dos museus e galerias. Desde os primeiros projetos, se esquiva dos quadrantes rarefeitos
do mundo da arte em benefício das mídias de massa”. Provavelmente, Calle se sentia mais
à vontade e livre nestas condições ao invés de se prender as paredes de museus. Nesta
mesma perspectiva, Entler destaca em seu artigo (2010):

Ser lembrada por todos, indiscriminadamente, é uma conquista. O problema é


o que sobra quando o assunto sai de pauta e começamos a esquecê-la. A
imprensa funciona por impulso, cria debates importantes, mas não é capaz de
sustentá-los por muito tempo. E muito rapidamente Calle passa de um
fenômeno artístico à ilustração de um teste de personalidade (ENTLER, 2010,
p.1).

Ainda, no site da Associação Cultural VideoBrasil – Sophie Calle Cuide de você


(2009), encontra-se uma manifestação de Ralph Rugoff15, que escreve: “seja ao fazer a
crônica das memórias de uma infância erotizada ou de uma vida sexual adulta na qual
fatos e ficções se misturam, Calle revela mais sobre as maquinações do desejo do que
qualquer artista da sua geração”. Ademais, ao estabelecer estas relações entre vida
particular e arte, Calle aparenta de certa forma, estar rejubilando suas próprias fantasias.
E, como resultado disso, surgem seus trabalhos a partir de experiências
cotidianas. O catálogo da exposição da obra Cuide de você disponível no site da
Associação Cultural Vídeo Brasil, (2009, p. 9), apresenta algumas obras de Sophie
Calle. Como seu primeiro projeto, Suite vénitienne (Suíte Veneziana), 1979.

13
Nascido em (1952), crítico, historiador e filósofo de arte: informações disponíveis em:
https://www.ias.edu/scholars/bois Informações disponíveis em:
https://www.artforum.com/search?search=arte+Yve-Alain+Bois+ Acesso em: 29, jul, 2019;
14
Informações disponíveis em: https://www.artforum.com/ 20, jul, 2019;
15
Nascido em (1957), crítico e curador de arte americano: informações disponíveis em:
https://www.labiennale.org/en/art/2019/introduction-ralph-rugoff Acesso em: 03, jul, 2019;

9
Depois de seguir um desconhecido pelas ruas de Paris, Sophie Calle é
casualmente apresentada a ele em uma vernissage. Ao descobrir seus
planos de ir a Veneza, na Itália, decide segui-lo até lá e espionar sua
trajetória. Registra todo o processo em fotografias e anotações
(ASSOCIAÇAO CULTURAL VÍDEO BRASIL, 2009, p. 9).

Sua curiosidade aguçada fez com que surgisse seu primeiro trabalho, como um
detetive Calle o observa secretamente durante duas semanas. E admite nem mesmo
ela sabia ao certo porque estava fazendo aquilo, porém depois de tomar nota de tudo,
resolveu escrever um livro.
Originando a obra Les Dormeurs (Os Dormentes), 1979. Calle parte de uma
poética colaborativa e relacional além de emancipatória. Segundo a Associação
Cultural Vídeo Brasil:
A artista escolhe ao acaso 28 pessoas para dormir turnos consecutivos de
oito horas em sua cama, por uma semana. Enquanto seus convidados
dormem, ela os assiste e fotografa. “Queria que a minha cama estivesse
ocupada 24 horas por dia, como essas fábricas que nunca param”
(ASSOCIAÇAO CULTURAL VÍDEO BRASIL, 2009, p. 9).

Esta portanto, foi a maneira que Calle encontrou para bisbilhotar a vida
alheia, porém, com o consentimento e permissão dos participantes, já que, ela os
observa, questiona e registra todo o episódio, numa perspectiva colaborativa.
Em 1981, Calle produz a obra de arte La Filature (A perseguição), 1981,
invertendo a situação de seu primeiro projeto Suite vénitienne (Suíte Veneziana),
1979. Ou seja, dados disponíveis no site Associação Cultural Vídeo Brasil, nos
informam que:

Calle pede à mãe que contrate um detetive particular para segui-la por
um dia, sem avisá-la sobre quando o faria. O trabalho final agrega as
fotografias feitas pelo detetive e pela artista, e os relatórios e anotações de
ambos. Em 2001, repete a experiência a pedido de uma galeria
(ASSOCIAÇAO CULTURAL VÍDEO BRASIL, 2009, p. 9).

Daí originou-se então, um trabalho performático e híbrido ao misturar


fotografias e anotações tanto dela como do detetive.
Em 1983, Calle consegue um emprego em um hotel com a função de camareira,
sendo responsável pela limpeza e organização de doze quartos.
Calle se emprega como camareira em um hotel de luxo em Veneza. Por
três semanas, fotografa os quartos, os pertences dos hóspedes, as marcas

10
que deixam e o lixo que produzem. Expõe fotos sobrepostas com textos nos
quais tenta imaginar quem são aquelas pessoas (ASSOCIAÇAO
CULTURAL VÍDEO BRASIL, 2009, p. 9).

Seu objetivo logo é conhecer os hóspedes analisando seus objetos particulares,


e a partir disso, recompõe seus hábitos e personalidades, faz uma espécie de
comparação entre imagens de antes da chegada dessas pessoas e depois, dispõem de
apenas regra, evitar de se encontrar com eles. Assim surge a obra Hôtels (O Hotel),
1983.
Daí em diante, várias são as experiências subjetivas que Calle desenvolve. Para
ela, estas situações casuais são formas de sentir as diferentes sensações da vida.
Enfim, entre tantos trabalhos desenvolvidos por Sophie Calle, neste artigo,
daremos destaque para um em especial, sendo este um dos trabalhos mais
conhecidos da artista, intitulado Prenez soin de Vous (Cuide de Você), 2007. Na qual,
a escolha da obra se dá por retratar um acontecimento de sua vida numa conjuntura
poética colaborativa e relacional, a fim de verificar a possibilidade da mesma se
fundar em condições híbridas e propiciar experiências emancipatórias.

3. Sobre a obra Prenez soin de Vous (Cuide de Você, 2007)

Calle retoma a carta recebida de seu então namorado, o escritor francês Gregoire
Bouillier (1960). Na carta, destinada a artista através de um e-mail em abril de 2004,
Gregoire Bouillier recorda duas regras impostas por Calle no início do relacionamento, a
primeira é que ele deveria deixar de ver três outras mulheres, pois ela não queria ser a
quarta namorada; a segunda diz que no dia que deixassem de ser amantes, eles não
deveriam mais se ver. Gregoire Bouillier desconsidera a primeira regra, ao assumir que
voltou a ver as três outras mulheres. Posteriormente, afirma saber bem o que isso
significa, sendo com tristeza que satisfaz o desejo dela de que não se vejam mais. Em
nenhum momento diz propriamente que é o fim da relação, apenas termina a carta, com
um conselho: “Queria que as coisas tivessem sido diferentes. Cuide de você”.
Vejamos a carta na íntegra:

Há muito tempo venho tentando lhe responder seu último e-mail. Ao


mesmo tempo me parecia melhor conversar com você e dizer o que
tenho a dizer em viva voz.

11
Mas pelo menos será escrito.
Como você pode ver, não tenho estado bem ultimamente. É como se
não me reconhecesse na minha própria existência. Uma espécie de
angústia terrível, contra qual não posso fazer grande coisa, senão seguir
adiante e tentar superá-la, como sempre fiz. Quando nos conhecemos,
você impôs uma condição: não ser a "quarta".
Eu mantive o meu compromisso; há meses deixei de ver as "outras",
não achando obviamente um jeito de vê-las, sem fazer de você uma
delas.
Achei que isso bastasse; achei que amar você e o seu amor seriam
suficientes para que a angústia que me faz sempre querer buscar outros
horizontes e me impede de ser tranquilo e, sem dúvida, de ser
simplesmente feliz e generoso, se aquietasse com o seu contato e na
certeza de que o amor que você tem por mim foi o mais benéfico para
mim, o mais benéfico que jamais tive, você sabe disso. Achei que a
escrita seria um remédio, que meu desassossego se dissolveria nela para
encontrar você. Mas não. Estou, esta semana, comecei a procurar as
outras. E sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo
estou entrando.
Jamais menti para você e não é agora que eu vou começar.
Houve outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia
em que deixássemos de ser amantes seria inconcebível para você me
ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa,
injusta (já que você ainda vê B.., R...) e compreensível obviamente; com
isso jamais poderia me tornar seu amigo.
Mas hoje, você pode avaliar a importância de minha decisão, uma vez
que estou disposto a me curvar diante da sua vontade, pois deixar de ver
você e de falar com você, de aprender o seu olhar sobre as coisas e os
seres e a doçura com a qual você me trata são coisas das quais sentirei
uma saudade infinita.
Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você da
maneira que sempre amei desde que nos conhecemos, e esse amor se
estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá.
Mas hoje seria a pior das farsas manter uma situação que você sabe tão
bem quanto eu possa ser tornado irremediável, mesmo com todo o amor
que sentimos um pelo outro. E é justamente esse amor que me obriga a
ser honesto com você mais uma vez, como última prova do que houve
entre nós e que permanecerá único.
Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente.
Cuide de você.
X.

A proporção da carta inesperada que fora recebida por Calle, de seu ex-namorado,
acabou por deixá-la surpresa além de desconsertada. Pois, naquele mesmo dia Gregoire
Bouillier publicaria um livro relacionado ao vínculo afetivo de ambos, além de ser
dedicado a ela. Devido a isso, teve dificuldades para compreender o recebimento da carta,
bem como, se aquilo ali redigido era realmente um rompimento definitivo.

12
Conforme matéria publicada no Catálogo das Indisciplinas - Intromissões16 (2017,
p.1), Sophie Calle e a vunerabilidade de existir, feito por Lindevania Martins, ressalta
que Sophie Calle:

Não compreendia se aquilo era um rompimento definitivo; não sabia como


responder o e-mail e o que dizer caso encontrasse Bouillier. Enviou a carta
para um amiga em busca de ajuda. Quando a amiga começou a descrever a
carta com suas próprias palavras, Sophie teve a ideia de mandá-la a outras
mulheres. Já pensando na exposição (...) (MARTINS, 2017, p.1).

Dadas as circunstâncias citadas acima, a artista então sai à procura de auxílio e após
receber a descrição da carta conforme a ótica da amiga, já tem o propósito de realizar uma
exposição. Escolheu mais de cem mulheres, de diferentes profissões, como: adolescente,
atiradora, antropóloga, juíza, psicanalista, vidente, juíza, jogadora de xadrez, historiadora,
mágica, diplomata, etc..., além de duas marionetes e uma papagaia como participantes de
seu trabalho pedindo a cada uma delas que interpretasse a mensagem de acordo com sua
profissão, neste momento, já nos permite identificar concepções de poéticas colaborativas
e relacionais, além de propiciar a emancipação intelectual para estes indivíduos.
Conforme descrição exposta na primeira página do site Associação Cultural
VideoBrasil Sophie Calle - Cuide de você (2009), contemplamos a justificava da artista
perante seu comportamento ao dizer:

Recebi uma carta de rompimento. E não soube respondê-la. Era como se ela
não me fosse destinada. Ela terminava com as seguintes palavras: “Cuide de
você”. Levei essa recomendação ao pé da letra. Convidei 107 mulheres,
escolhidas de acordo com a profissão, para interpretar a carta. Analisá-la,
comentá-la, dançá-la, cantá-la. Esgotá-la. Entendê-la em meu lugar. Responder
por mim. Era uma maneira de ganhar tempo antes de romper. Uma maneira de
cuidar de mim.” Sophie Calle (ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL
– SOPHIE CALLE CUIDE DE VOCÊ, 2009, p.1).

A obra foi apresentada pela primeira vez na 52ª Bienal de Veneza (2007). Trazida
ao Brasil em 2009 pela Associação Cultural VideoBrasil e o SESC São Paulo, dentro da
programação do Ano da França no Brasil.
Segundo informações contidas no site Associação Cultural VideoBrasil -Sophie
Calle Cuide de você (2009), enfatiza que a referida obra de arte se tornou mundialmente

16
Informações disponíveis em: https://catalogodeindisciplinas.wordpress.com/2017/09/10/sophie-calle-e-
a-vulnerabilidade-de-existir/ Acesso em: 04, jul, 2019;

13
famosa, foi vista por mais de 50 mil pessoas no SESC Pompeia (julho a setembro) e no
Museu de Arte Moderna da Bahia (setembro a novembro), além de agregar um programa
intensivo de Curadoria Educativa, concebido para aproximar o público da obra e convidá-
lo a produzir respostas poéticas a ela.
No âmago da exposição, é possível se deparar com paráfrases transcritas que soam
como uma explicação da mensagem, partindo da compreensão e o ponto de vista de
sessenta das mulheres participantes que analisam as palavras do escritor de forma crítica
e minuciosa, priorizando a sua interpretação reflexiva, enquanto outras produzem escritos
elaborados em torno da mensagem, e outras ainda produzem ações, dança, partituras
musicais, e até personagens, além de várias linguagens gráficas, traduções da carta em
código Morse, código de barras, braile, estenografia, além de quarenta retratos de atrizes
e cantoras atuando, filmes curtos, filmes longos que exibem as interpretações da carta a
partir de performances. Ou seja, no momento em que as interpretações ganham vida,
contemplamos simultaneamente a hibridização e a emancipação intelectual, que
anteriormente fora proporcionado por Calle.
Segundo Entler em seu artigo (2010), O triste fim de Sophie Calle, relata que:

Estranha mesmo foi a participação da artista na Flip (Feira Literária


Internacional de Paraty), pouco antes da exposição, dividindo a mesa
exatamente com Bouillier que havia escrito um livro (O convidado surpresa)
sobre a relação entre eles (ENTLER, 2010, p.1).

Simplificando, Sophie Calle e o ex-namorado, Gregoire Bouillier, se encontraram


no Brasil em julho de 2009, na Flip (Feira), um pouco antes de acontecer a exposição,
eles dividem a mesa na qual discutiram questões relacionadas à essa mistura entre fazer
artístico e experiências pessoais, um encontro tanto quanto curioso depois da exposição
da obra de arte Cuide de você. Posteriormente, numa palestra realizada no dia 11 de julho
de 2009, no Teatro do Sesc Pompéia, Entler e seus alunos participam como ouvintes, pois
segundo a publicação de Paula Dume, informa no site Livraria da Folha17, que o mesmo
está presente:

O professor das faculdades de Artes Plásticas e Comunicação e Marketing da


FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) Ronaldo Entler, que

17
Informações disponíveis em:
https://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult10082u594029.shtml Acesso em: 03, jun, 2019;

14
acompanha a produção da artista desde a década de 90. Entler formulou uma
série de perguntas com seus alunos e a nomeou como "Dez perguntas sinceras
para não se fazer a Sophie Calle (DUME, 2009, p.1).

Segundo informações contidas no site Livraria da Folha, a entrevista durou mais


de duas horas, entre várias perguntas realizadas, enfatizamos aqui uma que ganha
destaque, quando a artista foi questionada se a obra Cuide de você teria afetado o escritor
francês, ela cita o encontro na Flip, no qual assegura que sua ação não causou confronto
ou desavença entre ambos. Esta explanação de certa forma pode ter resolvido o
estranhamento que Entler teve ao vê-los juntos. Conforme Dume (2009), Calle ainda
discorre:

Eu acho que não voltarei com ele para um palco. O projeto terminou em
Paraty, não há mais razão de ser do ponto de vista psicológico ou artístico. É
um encontro espiritual. Era uma carta de um homem que queria partir (DUME,
2009, p.01).

E, prossegue explicando sobre sua dificuldade ao dar uma resposta imediata acerca
da carta, bem como o ato de seguir o conselho do ex-namorado, cuidar de si, assegura
portanto:

São as mulheres, que dão corpo ao trabalho, a ajudaram a compreender e a


interpretar a carta de rompimento. Minha resposta foram as 107 mulheres. Eu
fiz o que ele [Gregoire] me pediu. Eu cuidei de mim, é culpa dele. Não posso
fazer nada", brincou Calle. Ela ainda ressaltou que é artista e não simplesmente
uma mulher que sofre (DUME, 2009, p.1).

A partir de argumentos da própria artista, nesta entrevista fica claro que sua intenção
jamais foi de constranger ou humilhar o escritor, dado que não sente culpa pela sua ação
visto que segundo sua concepção apenas cumpriu a um pedido. Elucida não ser alguém
que sofre, apenas transforma e da vida aos fatos frequentes do cotidiano.
Diante da afirmação da artista, Entler (2010), em seu artigo O triste fim de Sophie
Calle, enfatiza seu ponto de vista:

Sophie Calle deixa um mal-estar que é o valor mesmo de sua obra: impossível
dizer se o que vemos é um relato sobre sua vida pessoal ou uma ficção
construída para o trabalho. Na verdade, essas duas situações se sobrepõem na
medida em que ela transforma em jogos suas experiências afetivas, assim como
vive intensamente os rituais que elabora como projeto artístico (ENTLER,
2010, p.1).

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Visto, que sem o esclarecimento da artista realmente seria impossível explicar se o
que está presente na obra é unicamente uma narrativa sobre sua vida pessoal ou uma
ficção desenvolvida somente em virtude de seu trabalho. Como já citado anteriormente,
essas duas situações se aplicam à proporção em que ela converte suas vivências afetivas
em diversões manipuladas, isto é, alicerçadas independentemente do acontecimento
sucedido ela executa experiências profundas e inusitadas em suas práticas artísticas.
Segundo o conteúdo oferecido sobre a artista no site Catálogo das Indisciplinas –
Intromissões, Martins (2017), transcreve as considerações que Calle faz ao explanar sobre
sua particularidade e suas produções artísticas.

Meu trabalho não tem nada a ver com intimidade. Quando uso minha vida, não
é minha vida, é um trabalho pendurado na parede. Algumas coisas que me
acontecem eu uso como um motor para esse ou aquele projeto, mas isso não
significa para mim encenar intimidade, mas a poesia que vem de coisas banais,
do que acontece com todos. Eu tento lutar com uma parede e fazer exposições.
Não estou interessada em quanta intimidade, ou ausência, está no meu
trabalho. Esse é o trabalho do crítico. Essa é a sua língua, não a minha
(MARTINS, 2017, p.1).

Ou seja, a artista certifica que seu trabalho não é sinônimo de sua intimidade. No
momento em que usa elementos pessoais é exclusivamente para dar ênfase aos seus
trabalhos, é manifestar episódios e fatos frequentes que acontecem em toda humanidade.
A final, conforme exposto no site Associação Cultural VideoBrasil Sophie Calle - Cuide
de você (2009), apresenta a seguinte reflexão, “nascida de uma situação comum a todos,
quem nunca sofreu uma desilusão amorosa? Cuide de você serve de introdução ideal a
poética de uma importante artista”, a propósito em Cuide de você, além de oportunizar a
emancipação intelectual e igualdade, Calle converte sua decepção e rejeição numa
incrível exposição de arte a partir de concepções de poéticas colaborativas e relacionais.

16
Figura 1- Sophie Calle

Fonte: https://www.ufrgs.br/arteversa/?p=26

(Figura – 1), a carta que foi recebida por Calle refletindo na sua própria imagem.
Se usarmos assimilações e observarmos com riquezas de detalhes, é possível considerar
a partir do semblante da artista e das combinações de cores que algo precisava ser
resolvido, ser respondido. Ela estava impossibilitada de tal tarefa, necessitando de ajuda.

Figura 2 – Exposição Cuide de você


Fonte: http://site.videobrasil.org.br/exposicoes/calle

Nesta imagem (Figura – 2), temos, portanto, a confirmação de que a artista estava
cuidando dela, enquanto outras pessoas resolviam seu contratempo. Sua vida retratada
em arte. A resposta que Calle tanto precisava está produzida.

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4. Análise da obra Prenez soin de Vous (Cuide de você)

No momento em que nos referimos ao hibridismo relacionado a proposta artística


da artista francesa Sophie Calle (1953) intitulada Cuide de Você (2007), faz-se necessário
considerar os argumentos do filósofo francês Jacques Rancière, sendo indispensável
destacar as 107 interpretações recebidas por Calle, no qual é possível perceber o preceito
de componentes híbridos contidos na esfera da composição e organização da obra de arte.
Rancière, afirma que:

A máquina desmistificadora começa a funcionar sozinha. Ela pode instaurar


seu jogo entre um elemento qualquer e qualquer outro elemento, mas, a partir
daí, não há mais nada em jogo nesse jogo. O sentido do dispositivo se torna
indecidível. Torna-se uma maneira de capitalizar a indecidibilidade de um
dispositivo, sua oscilação entre várias significações (RANCIÈRE, 2005, p.09).

A proposta de Calle, portanto, revela este mecanismo de balanço nas várias


concepções de realidade que cada sujeito envolvido expressa ao expor sua reação diante
da proposta sugerida pela artista. Possibilitando identificar aspectos relacionados ao
hibridismo, além da irrefutável emancipação intelectual. Segundo Moran (2015, p. 27),
“híbrido significa misturado, mesclado, blended. [...] podemos ensinar e aprender de
inúmeras formas, em todos os momentos em múltiplos espaços”. Ou seja, esta é a intenção
da artista, expor ao espectador a mistura de análises e compreensões que cada sujeito
envolvido revela, inicialmente, de forma individual e, por fim, gera uma mescla coletiva,
no qual obtém-se então práticas artísticas híbridas em decorrência da vasta gama de
“misturas” relacionadas as diferentes abordagens artísticas desempenhadas nas respostas.
À vista disso, constatamos que a relevância da obra de Calle é se originar a partir
do pressuposto de igualdade em sua construção, visto que na perspectiva artística da
referente obra, é a partir de um coletivo que ela se constrói, trazendo a proposta
emancipatória por pressupor a igualdade em processos de tradução, a partir do retorno
recebido das mulheres envolvidas. Segundo Rancière (2002, p. 49), “O mandamento
emancipador não conhece negociações. Ele comanda absolutamente um sujeito que
supõe capaz de comandar-se a si mesmo”. Em virtude de que a emancipação é o
conhecimento da igualdade. Isso torna-se visível em Cuide de Você, ao permitir que
outras pessoas sejam capazes de desenvolver o trabalho artístico conforme a proposta da

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artista. Dessa forma, vale ressaltar que não é a falta de sabedoria ou conhecimento que
bestifica a sociedade é a forma como os sujeitos são julgados ou classificados em relação
a quem tem mais e quem tem menos inteligência e capacidade intelectual, dado que há
uma igualdade de capacidade e diferença de condições. Conforme o filósofo, só
confirma sua inteligência quem apresenta ao outro, capaz de perceber a igualdade das
duas inteligências (RANCIÈRE, 2002).
Logo, constatamos que Sophie Calle é um sujeito emancipado no instante que
fornece meios emancipatórios a outros indivíduos, sem impor regras de conclusão, sua
interferência somente é praticada no processo final, ao organizar os documentos e
estabelecer o que será assistido ou não assistido pelo público. Ao ponto de não
sabermos o que é realidade ou ficção. Dessa forma, compreendemos portanto, que a
artista dispõe da concepção de que todos nós possuímos a mesma inteligência e
capacidade de domínio racional. Além do mais, Rancière (2002) afirma que:

Quem ensina sem emancipar, embrutece. E quem emancipa não tem que se
preocupar com aquilo que o emancipado deve aprender. Ele aprenderá o que
quiser, nada, talvez”. Ele saberá que pode aprender porque a mesma
inteligência está em ação em todas as produções humanas, que um homem
sempre pode compreender a palavra de um outro homem (RANCIÈRE, 2002,
p.30).

Nesta perspectiva, envolta de uma emancipação intelectual, é fundamental


recordarmos a justificativa de Calle perante sua ação, ao argumentar que o e-mail parecia
não ser destinado a ela e dessa forma busca respostas conforme a interpretação de outros
sujeitos. Ela estabeleceu uma única exigência, que as respostas deveriam partir “de um
ponto de vista profissional”, cada qual do seu jeito e dentro da linguagem que
caracterizava suas habilidades, acreditando na eficiência de cada um, desprezando,
porém, o embrutecimento, em questões de comparação, visto que segundo Rancière
(2002, p. 113), “O embrutecimento não é uma superstição inveterada, mas tenor frente à
liberdade; a rotina não é ignorância, mas covardia e orgulho das pessoas que renunciam a sua
própria potência, pelo simples prazer de constatar a impotência do vizinho. Basta emancipar”.

Calle ao incluir neste jogo, adolescentes, sua mãe e uma ave, acaba de algum modo,
fugindo da regra anteriormente imposta, mas, não deixa de oferecer uma perspectiva
emancipatória aos membros participantes. Nesse sentido, Calle pode ser considerada
como um mestre que instiga a produção e não julga a capacidade ou eficiência do
grupo, ela os considera com iguais capacidades.

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Mestre é aquele que encerra uma inteligência em um círculo arbitrário do qual
não poderá sair se não se tornar útil a si mesma. Para emancipar um ignorante,
é preciso e suficiente que sejamos, nós mesmos, emancipados; isso é
conscientes do verdadeiro poder do espírito humano. O ignorante aprenderá
sozinho o que o mestre ignora, se o mestre acredita que ele o pode, e o obriga
a atualizar sua capacidade (RANCIÈRE, 2002, p.27).

Nessa perspectiva, o embrutecimento é eliminado do jogo, segundo Rancière


(2002, p. 25) “Há embrutecimento quando uma inteligência é subordinada a outra
inteligência. (...) Mas a sujeição é puramente de vontade a vontade. Ela se torna
embrutecedora quando liga uma inteligência a uma outra inteligência”. Ou seja,
para que ocorra o embrutecimento nos indivíduos é necessário o julgamento de
inteligências e neste preceito Calle não questiona a sabedoria de um conforme a
sabedoria do outro e muito menos conforme a sua sabedoria, ela apenas emancipa estes
indivíduos a partir das particularidades e capacidades que cada um deles possui.

A lição emancipadora do artista, oposta termo a termo à lição embrutecedora


do professor, é a de que cada um de nós é artista, na medida em que adota dois
procedimentos: não se contentar em ser homem de um ofício, mas pretender
fazer de todo trabalho um meio de expressão; não se contentar em sentir, mas
buscar partilhá-lo. O artista tem necessidade de igualdade, tanto quanto o
explicador tem necessidade de desigualdade (RANCIÈRE, 2002, p.79).

Consequentemente, é a partir da proposta artística, que Calle leva os sujeitos


participantes e também os expectadores a despertarem e expressarem questões pessoais,
além de excitar na sociedade o prazer de transmitir formas de reações desiguais,
desempenhando posturas divergentes conforme a percepção e particularidade de cada um
e não a partir de regras impostas pela sociedade. Esta, que se limita ao julgamento em
apontar cidadãos melhores ou piores, inteligentes ou incompetentes. Infelizmente
fazemos parte de uma sociedade ajustada a se desenvolver constantemente num processo
relativo a determinação de seres submissos e subordinados.
Porém, Rancière (2002, p.80), ressalta que seria possível termos uma sociedade
diferente desta em que vivemos, seria portanto, uma sociedade de emancipados, uma
sociedade de artistas, “tal sociedade repudiaria a divisão entre aqueles que sabem e
aqueles que não sabem, entre os que possuem e os que não possuem a propriedade da
inteligência”, dessa forma, não haveria mais divisão entre a população ou classificação
entre indivíduos que compreendem e indivíduos que não compreendem ou entre quem

20
dispõe de intelectualidades e quem não dispõe. Seria então, uma sociedade que inteirar-
se-ia de inteligências dinâmicas, uma humanidade que cria, se expressa e se modifica ao
criar. Uma humanidade característica à identidade e postura de Sophie Calle, capaz de
enxergar que um indivíduo não possui mais inteligência que o outro.
Desta forma, o filósofo afirma que:

Em suma, eles saberiam que a perfeição alcançada por um ou outro em sua


arte não é mais do que a aplicação particular do poder comum a todo ser
razoável, que qualquer um pode experimentar quando se retira para esse espaço
íntimo da consciência em que a mentira já não faz mais sentido. Eles saberiam
que a dignidade do homem é independente de sua posição, que "o homem não
nasceu para tal ou tal posição particular mas para ser feliz em si mesmo,
independentemente da sorte (RANCIÈRE, 2002, p.80).

A partir desta concepção, fornecida por Rancière, ao sonhar com uma sociedade
emancipada, ou seja, uma sociedade de artistas, temos então a ideia que não haveria nada
mais sensato do que se todos agissem como Calle, ao considerar que possuem
inteligências equivalentes, isso seria nada mais nada menos que o ponto chave para a
unificação da espécie humana. Além disso, verificamos que estas possíveis novas formas
de ações, similarmente estão presentes na proposta que a artista manifestou ao portar
questões de igualdade numa conjuntura coletiva. Posto que Rancière afirma,

A emancipação é a consciência dessa igualdade, dessa reciprocidade que,


somente ela, permite que a inteligência se atualize pela verificação. O que
embrutece o povo não é a falta de instrução, mas a crença na inferioridade
de sua inteligência. E o que embrutece os "inferiores" embrutece, ao
mesmo tempo, os "superiores". Pois só verifica sua inteligência aquele que
fala a um semelhante, capaz de verificar a igualdade das duas inteligências
(RANCIÈRE, 2002, p. 50).

A partir dessa nova configuração da então sonhada sociedade, seria possível


oferecer aos seres humanos a capacidade de se perceber e se posicionar conforme se
apresenta o outro, assim, como a atitude de Calle ao propiciar a igualdade de inteligência
para 107 mulheres.

Isto posto, ressalta-se que devido a existência de tais faculdades intelectuais não
haveria sequer a necessidade em haver leis ou regras para esses indivíduos, como
efetivado na obra de arte Cuide de você. A capacidade de compreensão inicia quando
acaba as manifestações estruturadas com finalidade de possuir capacidade de
compreensão, e onde se admite a igualdade. Uma igualdade que não precisa ser

21
determinada por ordens ou imposições, muito menos adquirida por meio de desinteresse,
porém, uma igualdade realizada conforme as atitudes desenvolvidas de uns para com os
outros, além de diferentes condutas e novos comportamentos entre esses indivíduos
(RANCIÈRE, 2002).
Conforme os argumentos acima empregados por Rancière, ao se tratar de igualdade
simultaneamente com as possíveis formas de ações em uma sociedade imaginável, nos
permite verificar, portanto, que esta mesma reflexão segue presente na sugestão que a
artista manifestou, justamente ao portar em sua própria construção, a existência da
consideração das respostas em múltiplos suportes e linguagens, conforme a concepção de
cada sujeito envolvido. Ou seja, ela não permanece presa na restrição das desigualdades
existentes hoje em prol de uma igualdade futura.
Visto que a sabedoria/conhecimento não é efeito ou capacidade de compreensão,
ela é antes, a capacidade de se fazer compreender, passando pelo reconhecimento do
outro. Rancière (2002, p. 81) enfatiza que “somente o igual compreende o igual.
Igualdade e inteligência são termos sinônimos, assim como razão e vontade”. Isto é, esse
sentido semelhante em relacionar as coisas citadas acima é criar a competência racional
na pessoa, inclusive a oportunidade de transformar um corpo social. Esta uniformidade
de conhecimentos e intelectualidade, no qual Calle oferece em sua proposta é o elo da
espécie humana, a premissa essencial para que haja esta sociedade. Se todos os cidadãos
se julgassem como iguais, conforme a artista julga as demais pessoas, a organização já
estaria estabelecida, já estaria feita.
A partir disso, Rancière 2002 afirma:

É verdade que nós não sabemos que os homens são iguais. Nós dizemos que
eles talvez sejam. Essa é a nossa opinião e nós buscamos, com aqueles que
acreditam nisso como nós, verificá-la. Mas nós sabemos que esse talvez é
exatamente o que torna uma sociedade de homens possível (RANCIÈRE,
2002, p. 81/82).

Portanto, temos a artista Sophie Calle como alguém que acredita em uma nova
sociedade, em virtude da consideração da igualdade de inteligências e proposta de
emancipação intelectual oferecida em Cuide de você, que logo comprova as convicções
de Rancière.
Ou seja, através das diversas respostas recebidas, nota-se que os indivíduos
envolvidos tiveram que mergulhar no “objeto” proposto, desfrutando da

22
possibilidade de independência e liberdade. Para tanto, verificamos que a
emancipação realmente aconteceu ao observar a peculiaridade de resultados
apresentados na exposição Cuide de você através de vídeos, fotografias e trabalhos
executados em cima do texto descritivo de Gregoire Bouillier ou ainda conforme
suportes representativos das profissões como palavras cruzadas, tabuleiro de
xadrez, carta codificada, manchete de jornal entre outras. Conferimos portanto, a
igualdade de capacidade na diferença de 107 mulheres. A artista cria dessa forma,
uma rede de emancipação, dado que Rancière (2002), afirma:

A potência da inteligência, que está presente em toda manifestação


humana. A mesma inteligência faz os nomes e os signos matemáticos. A
mesma inteligência faz os signos e os raciocínios. Não há dois tipos de
espíritos. Há desigualdade nas manifestações da inteligência, segundo a
energia mais ou menos grande que a vontade comunica à inteligência para
descobrir e combinar relações novas, mas não há hierarquia de capacidade
intelectual. É a tomada de consciência dessa igualdade de natureza que se
chama emancipação, e que abre o caminho para toda aventura no país do
saber. Pois se trata de ousar se aventurar, e não de aprender mais ou
menos bem, ou mais ou menos rápido (RANCIÈRE, 2002, p. 36).

O objetivo em interpretar a carta é considerado na conclusão das distintas


respostas. Diante disso, cabe exibir algumas que compõem a coleção da exposição.

Figura 3: Delegada de polícia, F. G.


Fonte: https://entretenimento.uol.com.br/album/sophie_calle_cuide-de-voce_album.htm

23
Acima (figura 3), temos o retrato da delegada de polícia identificada como F.
G., que deu uma interpretação criminal para a carta de rompimento recebida por
Sophie Calle de seu ex-namorado, e ainda como oficio de sua profissão julgou
necessário anexar um dossiê sobre sua observação conforme sua profissão.
F.G, aparenta estar tranquila enquanto analisa a carta, característica esta
que nos faz pensar que está acostumada com situações desta natureza, nas quais
todas são de fato verdadeiras e sabe que a partir de suas considerações que
determinam os resultado ou solução para a ocorrência. Porém neste caso, por mais
real que o acontecimento seja F.G., tem a liberdade de julgar a infração cometida,
porém, não determinará o desfecho do acontecido.

Figura 4: escritora de palavras cruzadas, Catherine Carone.


Fonte: http://artobserved.com/2009/04/go-see-sophie-calle-take-care-of-yourself-us-debut-
at-paula-cooper-gallery-april-9-may-22-2009/ Acesso em: 04 de setembro de 2019.
Se para Sophie Calle arte e vida se misturam, para Catherine Carone as
palavras se cruzam. Em sua interpretaçao (figura 4), que compõe a coleção de obras
de Sophie calle, Carone usa sua habilidade profissional e a liberdade que fora
proposta por Calle como forma de emancipação ao desenvolver um jogo de palavras
cruzadas.
Neste jogo, certamente depois da leitura do e-mail, vê-se que as traduções
elaboradas por Carone são palavras-chave em análise ao texto disposto na carta.

24
Figura 5: Vidente Maud Kristen.
Fonte: http://www.cafetarot.com.br/2009/08/sophie-calle-carta-para-voce.html Acesso em: 04 de
setembro de 2019.
O que nos chama a atenção na imagem da vidente Maud Kristen. São as
cartas de baralho, estas que ilustram sua coluna na obra de Sophie Calle.
Como forma de emancipação Kristen usou a intuição, suas artes divinatórias
e mediunidade no processo de uma decisão pessoal que logo se tornou coletiva. Ao
interpretar o e-mail destinado à Calle, Kristen. Observamos na (figura 5) que cinco
cartas falam sobre a vida amorosa de Calle, mais especificadamente sobre o que seu
ex escreveu. Conforme as imagens das cartas de tarô as respostas são reveladas e
não parecem ser algo muito bom, ou seja, o que as imagens de tarô nos apresentam
parece ser bem pior do que o texto descritivo da carta.

25
Figura 6: Jogadora de xadrez.
Fonte: file:///C:/Users/michy/Downloads/352464521-Catalogo-Sophie-Calle-Cuide-de-voce-pdf.pdf.
Acesso em :04 de setembro de 2019.
Se a vida de Calle se desenvolve numa espécie de jogo, como não
incluir nesta obra a interpretação de Nathalie Franc? Conforme, a ilustração da
(figura 5), Franc, teve sua emancipação estabelecida no momento que teve a
liberdade de transformar um tabuleiro de xadrez em um cenário e as peças em
personagens descritos na carta, apanhando as regras de Calle misturadas às regras
do xadrez.
Vejamos, esta composição criada por Franc, (figura 6), nos apresenta o fim
do jogo, porém não sabemos como foram desempenhados os movimentos até chegar
aqui. Observamos nesta composição que X é o rei preto que esta deitado e mal
protegido por seus peões e muito próximas a ele estão as outras três (três torres), em
frente ao rei preto está Calle representada pelo rei branco, distinto e equivalente,
este avançou no tabuleiro e está protegido por seus peões. Ou seja, cada lado fez suas
escolhas e se o rei preto não está em pé, entende-se que esta condição aponta o fim
do jogo.
Perante, os diferentes exemplos exibidos acima, vê-se que a emancipação é
uma condição de forçar a capacidade que se ignora ou não se reconhece e a
desenvolver as consequências deste reconhecimento.

26
5. Considerações finais

O presente conteúdo apresentou-se, inicialmente enfatizando a obra de arte Cuide


de você, da artista Sophie Calle, levando em considerações as objeções existentes acerca
das artes contemporâneas evidenciando o quanto ela vem se transformado e
consequentemente transformando seu entorno e os modos de pensar e agir dos indivíduos
ao misturar arte e vida. Conforme Rancière, (2005, p.09) “A mistura é consubstancial ao
regime estético da arte. O que está em questão hoje em dia é a natureza dessa mistura”.
Em termos, para a artista contemporânea arte e vida possuem o mesmo valor, não
existe desigualdade entre ambas, estão extremamente associadas. Este hibridismo é cerne
das produções artísticas de Sophie Calle, precisamente em Cuide de você.
Neste sentido Entler enfatiza:

Temos lutado muito para ampliar o alcance da arte contemporânea. Mas o


artista, ao atingir o grande público, torna-se alvo da voracidade que marca toda
experiência de consumo de massa: ele se transforma em objeto de culto com a
mesma velocidade com que desaparece de cena. Aqui, um desafio para os
educadores: há um trabalho a ser feito para garantir a compreensão das
exposições, isoladamente. Há outro trabalho a ser feito para formar
efetivamente um público para a arte contemporânea. Este último é muito mais
difícil e, para ele, não se pode contar tanto com a imprensa. É preciso formá-
la também (Entler, 2010, p.1).

Cuide de você produziu novos formatos da experiência costumeira que está presente
em toda comunidade contemporânea. Portanto, presenciamos a liberdade da artista
Sophie Calle ao criar esta obra de arte, adotando meios criativos, híbridos e éticos para
sua elaboração, abandonando portanto, os antigos suportes tradicionais. Segundo
Rancière:

Essas histórias de fronteiras por transpor e da distribuição dos papéis por


subverter confluem para a atualidade da arte contemporânea, na qual todas as
competências artísticas específicas tendem a sair de seu domínio próprio e a
trocar seus lugares e poderes (...) A ideia de hibridação dos meios da arte,
própria à realidade pós-moderna de troca incessante de papéis e identidades,
de real e virtual, do orgânico e das próteses mecânicas e informáticas
(RANCIÈRE, 2012, P.24).

Adiante ao abordar minuciosamente a forma de elaboração da obra de arte Cuide


de você e relacioná-la à prática emancipatória e igualitária aos moldes dos argumentos de
Jacques Rancière, atendemos o objetivo principal desse estudo. Visto que, inúmeras

27
linguagens e técnicas passam a ter relevância na construção da obra a partir da
interpretação de cada indivíduo. Segundo as DCEs de Arte (2008, p. 23), “A obra de arte
é constituída pela razão, pelos sentidos e pela transcendência da própria condição
humana”.
Ao finalizar este estudo, considera-se que a obra de arte Cuide de você se constitui
efetivamente nos termos de hibridismo e igualdade, se desenvolveu por meio de
concepções poéticas colaborativas e relacionais, e se findou trazendo em seu radical a
emancipação intelectual aos protótipos do filósofo Jaques Rancière. Logo, é possível
gerar novos formatos de experiências sendo o modo pelo qual fez-se possível realizar
meios de subjetivação artística.
Por fim, é importante destacar que esta é uma pesquisa em andamento que não
apresenta dados concretos e finalizados, podendo posteriormente ser desenvolvidos novos
estudos.

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28
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Figura 02: Exposição Cuide de Você
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