Sunteți pe pagina 1din 42

proletariedade do trabalhador uberizado no serviço de transportes individuais no

Brasil.
4. Utilizando a metodologia do Projeto CineTrabalho
(www.projetocinetrabalho.org) e e da utilização do vídeo como projeto de pesquisa-
ação de tipo etnográfico (ALVES, 2014) iremos produzir um vídeo-documentário da
pesquisa intitulando-o a Arca de Noé, salientando origens e destinos profissionais
diversos e heteróclitos da nova informalidade no Brasil.

3. Problemática
É importante situar o contexto sócio-histórico em que ocorre a expansão do
trabalho uberizado no setor de transporte individual urbano. Delimitamos o período
de 2020 a 2024 por acreditarmos que nesse período teremos o maior desenvolvimento
de tendências que se afirmaram no decorrer da década de 2010. É o período da
reorganização e crise do capitalismo brasileiro e a afluência da nova ofensiva neoliberal
(ALVES, 2000). O cenário de desenvolvimento da economia política no País pode nos
dar o contexto estrutural deste processo. É o que faremos, nessa abertura de
problematização do objeto.

3. 1 Crise do neodesenvolvimentismo e nova ofensiva neoliberal no Brasil


(2013-2018)

Podemos distinguir nos últimos trinta anos de desenvolvimento capitalista no


Brasil (1990-2020), três importantes etapas da economia brasileira no cenário histórico
de desenvolvimento do capitalismo global. Tal longo movimento de conjuntura das
últimas décadas quase meio século de história - expressa os impasses (e crises) de
afirmação de um modelo de desenvolvimento alternativo capaz de ocupar o lugar do
modelo nacional-desenvolvimentista que se esgotou com a crise do capitalismo tardio
em meados da década de 1970. Num primeiro momento histórico, tivemos o
neoliberalismo na década de 1990. Depois, o neodesenvolvimentismo; e por fim, a
partir de 2015, a nova ofensiva neoliberal no Brasil que aprofundou o desmonte dos
pilares do modelo desenvolvimentista construído no passado. Consideramos importante,
num primeiro momento, situar o processo de reestruturação produtiva do capital no
Brasil no interior do desenvolvimento recente da economia brasileira dos últimos trinta
anos (o Brasil integrado no movimento do capitalismo global).

8
O alvorecer do neoliberalismo no Brasil
Na década de 1990, os ajustes neoliberais contribuíram efetivamente para inserir
o Brasil na nova ordem capitalista global, cuja temporalidade histórica é caracterizada
pela constituição do novo (e precário) mundo do trabalho. A inserção subalterna do
Brasil na mundialização do capital por meio de políticas macroeconômicas neoliberais
que acentuaram a lógica destrutiva do capital no País. O modelo neoliberal adotado na
década de 1990 significou baixo crescimento da economia e aumento do desemprego
aberto nas metrópoles brasileiras.
As políticas neoliberais e o novo complexo de reestruturação produtiva do
capital promoveram alterações significativas de amplo espectro na objetividade e
subjetividade do mundo do trabalho organizado no Brasil. Na verdade, a reestruturação
produtiva com precarização do trabalho ocorrida na década neoliberal significou a
passagem para um novo padrão de exploração da força de trabalho baseado no trabalho
flexível, o que se verificaria com vigor na década de 2000 (ALVES, 2011).
A crise do modelo neoliberal de desenvolvimento capitalista da década de 1990
conduziu à vitória eleitoral de L PT) nas eleições
presidenciais de 2002 e a adoção a partir de 2003 de um novo modelo de
desenvolvimento baseado na ação do Estado como financiador e investidor e na
transferência de renda.

9
Fonte: IBGE

O momento histórico do neodesenvolvimentismo


Na década de 2000, com o neodesenvolvimentismo
no Brasil, delineou-
sala ção da força de trabalho que emergem nas
empresas reestruturadas e no mercado de trabalho como um todo sob a vigência do
trabalho flexível. A flexibilização dos empregos e do trabalho foi impulsionada pelas
reformas neoliberais da década de 1990 que criaram os pilares do novo capitalismo
brasileiro que se expandiu com o neodesenvolvimentismo. Apesar do novo modelo
neodesenvolvimentista, no decorrer da década de 2000, o ethos da acumulação flexível
disseminou-se por meio das formas de contratação e organização do trabalho de
empresas privadas e empresas públicas; e também com as novas formas de trabalho
flexíveis no mercado de trabalho brasileiro.
O novo modelo de desenvolvimento significou o aumento do investimento do
setor público em relação ao PIB (2,5 em 2003 para 4,5 em 2012).
(2003-2013), o crescimento anual médio do Brasil se manteve

neolib levemente superior ao d


dia anual de crescimento do PIB foi de 3% (nos últimos
10 anos, economias emergentes como China e Índia cresceram a taxas anuais de 8% e

10
6%, respect 90-2002), o Brasil apresentou
taxas medíocres de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) (POCHMANN, 2001).
Apesar da manutenção dos pilares da macroeconomia neoliberal, a nova política
neodesenvolvimentista impulsionou o crescimento da economia brasileira. Na verdade,
o neode
termos relativos, a desigualdade social no País, uma das maiores desigualdades sociais
do mundo capitalista (a herança neoliberal aprofundou o traço histórico da desigualdade
social no Brasil: segundo dados do IBGE, na década de 1990, cresceram a distância
salarial entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres. Em 1992 a diferença entre o pico
e a base da pirâmide nacional de rendimentos era de cerca de treze salários mínimos.
Em 1999, chegou a aproximadamente dezessete. A ofensiva do capital na década
neoliberal significou a corrosão paulatina dos rendimentos médios do trabalho).
Com a retomada do crescimento da economia brasileira em 2003, por conta do
boom das commodities e a decolagem da economia da China na economia global,
tivemos indicadores positivos no mercado de trabalho como, por exemplo, o
crescimento da taxa de formalização do emprego (foi significativo, por exemplo, o
aumento de estoque do emprego formal, que passou de 28,7 milhões em 2002, para 47,6
milhões em 2012); o aumento da massa salarial e o crescimento da remuneração média
real do trabalho no Brasil, conforme Gráfico 1. Portanto, no plano da macroeconomia
do trabalho tivemos positividades decor
propiciou a expansão do mercado e dos negócios no País na década de 2000.
No período do neodesenvolvimentismo (2003-2014) ocorreram importantes
mudanças na estrutura de emprego que vinha se desenvolvendo pelo menos desde a
década de 1980, com a redução do emprego industrial e o aumento do setor de serviços.
A perda de emprego na indústria deveu-se em parte ao aumento da produtividade do
trabalho e a política cambial. Entretanto, apesar do processo de desindustrialização, com
o crescimento da economia reativou-se o crescimento do emprego industrial em alguns
setores (por exemplo, o setor metalúrgico do ABC, pólo industrial importante bastante
penalizado na década de 2000).
Ao mesmo tempo, ao lado de mudança significativas nas empresas e no mercado
de trabalho, tivemos a diminuição da pobreza por meio de programas sociais de
transferência de renda como o Programa Bolsa-Família, o aumento do salário-mínimo e
a formalização do mercado de trabalho que atingiu o subproletariado e significou a
inclusão de largos contingentes do mundo do trabalho no Brasil na condição salarial

11
trabalhadora, o
proletariado urbano de baixa remuneração salarial, principalmente do setor de serviços
que cresceu nas metrópoles brasileiras (POCHMANN, 2012).

Gráfico 1
Evolução do Emprego Formal, Massa Salarial e Remuneração Média Real
Brasil, 2002 a 2011

Fonte: MTE, RAIS

Na medida em que o padrão neodesenvolvimentista num ciclo global de


expansão capitalista na década de 2000 liberou novas sinergias para a valorização do
capital, ocorreu, no núcleo formal do mercado do trabalho, importantes mudanças na
morfologia tecnológico-organizacional das empresas capitalistas no Brasil, alterando,
por conseguinte, o metabolismo social do trabalho com impactos na subjetividade da
força de trabalho. O crescimento da economia e a perspectiva de novos investimentos
significou a preservação e ampliação de emprego na indústria e nos serviços
capitalistas, apesar da alta rotatividade da força de trabalho no país.
Tivemos o aumento do poder de barganha sindical, no caso das categorias mais
organizadas. Nos pólos mais dinâmicos da economia capitalista (indústria, agronegócio
e serviços financeiros), ocorreu no decorrer da década de 2000, aumento da
produtividade do trabalho com redução relativa da força de trabalho e a adoção de
novos métodos de racionalização da produção capitalista
.
Tanto no setor privado, quanto no setor público, adotou-se nas organizações
capitalistas mais dinâmicas indústria, comércio e serviços - e inclusive nas repartições

12
públicas, métodos de gestão de cariz toyotista (trabalho em equipe, programas de
qualidade total, just-in-time/kaizen) e seus corolários: intensificação do trabalho e
pressão por cumprimento de metas e resultados.
No plano dos indicadores sociais do mercado de trabalho, tivemos, de forma
positiva, o aumento da formalização do emprego e crescimento da remuneração média
real da força de trabalho no Brasil, demonstrando, deste modo, a inflexão da
precarização salarial no Brasil em comparação com o desmonte do trabalho ocorrida na
década de 1990. Por outro lado, o novo complexo de reestruturação produtiva sob o
espírito do toyotismo e o modo de vida just-in- aram, no decorrer da década
de 2000, a dinâmica da sociabilidade do trabalho no Brasil, degradando-a no plano
sociometabólico, com impactos negativos na qualidade de vida, saúde mental e
consciência de classe contingente e necessária. A nova precariedade salarial se
manifestou pelo aumento, em termos absolutos e relativos, da presença de
seridos em relações de trabalho precárias por conta do
avanço da terceirização nas empresas.
Com a política do neodesenvolvimentismo da década de 2000, ocorreram
importantes mudanças na condição salarial do subproletariado pobre alçado à condição
de cidadãos inseridos no mercado de consumo de massa por meio do aumento da taxa
de formalidade do mercado de trabalho, aumento do salário-mínimo, expansão do
crédito e bancarização e last but not the least, o Programa Bolsa-Família. O
subproletariado pobre tornou-
nças orgânicas no interior do próprio mundo
do trabalho no Brasil da década de 2000 (POCHMANN, 2011)

A nova ofensiva neoliberal


Na última metade da década de 2010, a crise do neodesenvolvimentismo levou à
nova ofensiva neoliberal com o desmonte das políticas de proteção social (com o teto
dos gastos públicos (2016), a reforma trabalhista (2017) e a reforma de previdência
(2019). A profunda crise do capitalismo brasileiro (2015-2016) significou o
desenvolvimento de tendências contidas na era do neodesenvolvimentismo e a
reordenação do modo de desenvolvimento de acordo com os parâmetros do regime de
acumulação flexível e a política neoliberal e a desestruturação disruptiva do mercado de
trabalho por conta do aumento do desemprego e informalidade nas metrópoles
brasileiras (o que tinha se reduzido na década do neodesenvolvimentismo).

13
Desindustrialização e a terciarização da economia prosseguiram alterando o perfil das
ocupações no mercado de trabalho. A crise do emprego no cenário da gig economy
significou a disseminação da nova precariedade salarial sob a forma do trabalho flexível
nas ocupações de auto empreendimento (por exemplo, a uberização do trabalho nos
serviços sob demanda). Cresceu o proletariado de serviços e reduziram empregos no
seio das empresas reestruturadas de forma defensiva diante da profunda recessão da
década de 2010.
A nova ofensiva neoliberal no governo Temer (2016-2018) a partir da profunda
recessão de 2015-2016, com a política de contenção do gasto público e gestão neoliberal
da economia, reforma trabalhista e nova lei da terceirização, contribuíram para
aprofundar a nova precariedade salarial - tanto internamente às empresas no sentido da
utilização de novas formas de contratação precária, como externamente no sentido de
degradar as condições de exploração da força de trabalho e a corrosão do mercado de
trabalho por conta da estagnação da economia brasileira.
Como mostram dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (Pnad Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), no primeiro trimestre de 2019, dois anos depois do Brasil sair da profunda
recessão, a taxa de desemprego do país ficou em 12,7%, percentual próximo daquele de
2017 (a taxa ficou 1,1 ponto percentual acima da registrada no quarto trimestre de 2018,
quando o desemprego estava em 11,6% da força de trabalho). De acordo com o IBGE, a
população desempregada pessoas de 14 anos ou mais que buscaram emprego sem
encontrar somou 13,387 milhões no primeiro trimestre de 2019. Isso significa um
aumento de 10,2% frente ao fim do ano passado, ou 1,235 milhão a mais de
desempregados.
A corrosão profunda do mercado de trabalho no Brasil diz respeito à
subutilização da força de trabalho. Diz o IBGE que o país tinha 28,324 milhões de
trabalhadores subutilizados entre janeiro e março, 5,6% acima do quarto trimestre de
2018. Isso corresponde a 1,496 milhão de pessoas a mais nessa condição. A
subutilização frequentemente chamada de força de trabalho "desperdiçada" do país
inclui três grupos de trabalhadores: os desempregados; os subocupados (pessoas
empregadas, mas que gostariam e poderiam trabalhar mais); e a força de trabalho
potencial (pessoas que não buscam emprego, mas estão disponíveis para trabalhar). A
taxa de subutilização estava em 25% da força de trabalho ampliada - que soma a força
de trabalho com a força de trabalho potencial - no primeiro trimestre, recorde na série

14
histórica da pesquisa do IBGE. Já o desalento medida que integra o conjunto de
subutilizados chegou a 4,843 milhões de pessoas no primeiro trimestre, 180 mil
pessoas a mais na comparação ao trimestre móvel anterior. Quando comparado ao
mesmo período de 2018, o desalento cresceu 5,6%.4 Portanto, o quadro de degradação
do mercado de trabalho com desempregados, subutilizados e desalentados - representa
a nova face da nova precariedade salarial que encontra seu lugar (topos) na gig economy
m gig economy encontra outras
determinações estruturais que ocorrem pelo menos desde a década de 1980, como a
desindustrialização e a expansão da economia de serviços.
Desde modo delineou-se em fins da década de 2010, um quadro de degradação
da laboralidade no Brasil numa dimensão inédita no que diz respeito ao mercado de
trabalho, tendo em vista a mais lenta recuperação econômica da história brasileira5.
Enquanto a ofensiva neoliberal da década de 1990 ocorreu num cenário histórico de
ascensão do capitalismo global e reestruturação produtiva nos locais de trabalho das
empresas, a nova ofensiva neoliberal que ocorre no Brasil ocorre na conjuntura de crise
estrutural do capitalismo global e profunda recessão da economia brasileira (2015-2016)
com adoção de políticas de austeridade fiscal (2017-2018) que levaram a estagnação da
economia brasileira, aumento drástico do desemprego aberto e informalidade laboral
nas metrópoles. A deterioração profunda do mercado de trabalho num cenário de
afirmação plena da nova precariedade salarial cria as condições favoráveis para a
decolagem da economia de bicos no Brasil (
no Brasil).

30.04.2019. https://www.valor.com.br/brasil/6232765/brasil-tem-134-milhoes-de-desempregados-no-1-
trimestre-indica-ibge. Acesso em 23/07/2019.
5
Econômico, de 01/03/2019.
https://www.valor.com.br/brasil/6143495/retomada-e-mais-lenta-da-historia. Acesso em 23/07/2019.

15
Taxa de desemprego no Brasil
(2014-2018)

Fonte: IBGE

Desemprego e informalidade abundante nas metrópoles brasileiras num cenário


histórico de desindustrialização e expansão da economia de serviços, criaram uma
superpopulação urbana a disposição dos novos empreendimentos
indústria do trabalho com aplicativos.
Na década de 2010, ampliou-se o contingente da população estagnada do
como sinal de precarização estrutural do trabalho, com
um perfil de escolaridade mais elevada e qualificações ocupacionais e profissionais
proletarizadas no sentido da remuneração salarial. Temos a constituição do novo
proletariado que trabalha com aplicativos imersos em relações de trabalho que ocultam
o vinculo empregatício. Eles se colocam como uma nova face da precariedade salarial
no Brasil da primeira metade do século XXI. nova informalidade da gig economy
compõe um outro aspecto da nova precariedade salarial.
Portanto, o dilúvio neoliberal ampliou os lugares da nova precariedade salarial
como representação da proletariedade extrema (ALVES, 2008). Com a crise do
emprego nas organizações capitalistas reestruturadas e a degradação do mercado de
trabalho no Brasil, ampliou-se de forma expressiva, a multidão de trabalhadores urbanos
desvinculados do contrato salarial formal e inseridos no espaço topológico da gig
economy como estratégia de sobrevivência. O trabalho com aplicativos tornou-se o

16
topos proeminente daquilo que denominamos nova precariedade salarial , sendo a
síntese pura da profunda degradação da laboralidade formal no Brasil.
Na verdade, a nova precariedade salarial no Brasil possui duas importantes
dimensões. Por um lado, (1) o surgimento dos novos ambientes laborais nas empresas
privadas e públicas. Desde a década de 1990, a reestruturação produtiva nas empresas
mais dinâmicas da economia brasileira significou a precarização do trabalho
reestruturado e a constituição lenta e persistente da nova precariedade salarial , que fez
emergir novos ambientes de trabalho reestruturados, provocando alterações
significativas na experiência vivida do emprego assalariado e nas condições (e relações)
de trabalho.
Por outro lado, (2) o surgimento da gig economy ou A
precarização (e crise) do emprego e das relações de trabalho com vínculo empregatício
num cenário histórico de desindustrialização, ampliação da terciarização do mercado de
trabalho e afirmação de políticas neoliberais, fez proliferar novas formas de trabalho
como opção ao desemprego. Desde a década de 1990, o setor de serviços e comércio
cresceu no Brasil. Mesmo na década de 2000, com o neodesenvolvimentismo ele
continuou a ampliar-se imbuído pela ideologia do autoempreendedorismo. Foi criado a
figura do MEI (Microempreendedor individual) capaz de formalizar as novas formas de
labor. Com a crise de meados da década de 2010, a explosão do desemprego e a crise
estrutural do mercado de trabalho, o mundo dos serviços incorporou, como opção ao
desemprego, o crowndwork (o trabalho com aplicativos sob demanda utilizando
plataformas virtuais), o que muitos autores denominam de uberização. Instalou-se no
Brasil, a gig economy, , uma

3. 2 A nova precariedade salarial e a morfologia social do trabalho no Brasil

A nova precariedade salarial que salientamos acima, surgiu como resultado


histórico do capitalismo global (ALVES, 2018) e do novo espírito do capitalismo
(BOLTANSKI E CHIAPELLO, 2009) nas condições históricas da Quarta Revolução
Industrial6, um complexo de mudanças tecnológicas que de forma lenta e progressiva a

6
Quarta Revolução Industrial (ou Indústria 4.0) é um termo que engloba algumas tecnologias para
automação e troca de dados, utilizando conceitos de Sistemas ciber-físicos, Internet das Coisas e
Computação em Nuvem. A Indústria 4.0 facilita a visão e execução de "Fábricas Inteligentes" com as

17
partir da década de 1990 alteraram a produção e a reprodução da vida social
(SCHWAB, 2016)
No cenário de ascensão e crise do capitalismo global ampliaram numa escala
mundial, o oferecimento de bens e serviços lastreados na tecnologia informacional em
rede de computadores e aplicativos em smartphones conectados à Internet veloz. Em
pouco menos de vinte anos, disseminaram-se as tecnologias disruptivas , isto é,
inovações tecnológicas de bens ou serviços que utilizam uma estratégia disruptiva ao
invés de evolutiva ou incremental, promovendo mudanças drásticas nos paradigmas de
organização social, classificação profissional e regulação jurídico-política. Na verdade,
o capitalismo flexível lastreado na tecnologia informacional em rede provocou
mudanças disruptivas na morfologia social e sociometabolismo da exploração da força
de trabalho e reprodução social do trabalho vivo no século XXI. Deste modo,
desenvolveu-se o que denominamos de recariedade salarial
Na era do capitalismo global, iniciada em 1980, ocorreram pelo menos duas
importantes revoluções tecnológicas capazes de alterar, de modo significativo, a
organização do trabalho e a produção social, com impactos disruptivos na cultura,
ideologia, lazer, psicologia social, consumo e política. São elas: a revolução informática
(a computação microeletrônica e personal computer); e a revolução informacional (a
Internet e o ciberespaço). Tanto a revolução informática, quanto a revolução
inform
do capitalismo do século XXI.

que surgiu na década de 2000, temos a Uber Technologies Inc, fundada nos Estados
Unidos em 2009, tendo lançado em 2010 seu aplicativo e-healing para smartphones
conectados à Internet, ferramenta essencial através da qual a empresa opera7. Primeiro,

suas estruturas modulares, os sistemas ciber-físicos monitoram os processos físicos, criam uma cópia
virtual do mundo físico e tomam decisões descentralizadas. Com a internet das coisas, os sistemas ciber-
físicos comunicam e cooperam entre si e com os humanos em tempo real, e através da computação em
nuvem, ambos os serviços internos e intra-organizacionais são oferecidos e utilizados pelos participantes
da cadeia de valor. Embora muitos analistas só observem as mudanças drásticas na indústria propriamente
dita, consideramos que a Quarta Revolução Industrial diz respeito a mutações tecnológicas na própria
organização material do trabalho vivo no comércio e serviços incluindo administração pública.
smartphones conectados à Internet e platafor
a prestação de serviços e o comércio dito eletrônico (e-commerce). A nova tecnológica informacional
digital e virtual impulsiona aquilo que os autores deno
7
E-hailing é o ato de se requisitar um táxi através de um dispositivo eletrônico, geralmente um celular ou
smartphone. Ele substitui, por exemplo, métodos tradicionais para se chamar táxis, como ligações
telefônicas ou simplesmente esperar ou ir à busca de um táxi na rua. As vantagens do aplicativo e-hailing

18
a Uber surgiu como serviço de transporte privado, disseminando-se a seguir para outros
campos de aplicaçã
dissemina na indústria dos serviços on-line de transporte privado, existindo hoje outras
plataformas similares. Em quase 10 anos de operação da Uber começam a surgir no
Brasil estudos e reflexões sobre os efeitos sociais e jurídicos das plataformas de
aplicativos e-healing, com destaque para a Uber, no mundo do trabalho e nos negócios
de serviços.
Desde meados da década de 1970, com o desenvolvimento das novas
tecnologias informáticas e o desenvolvimento das tecnologias informacionais e a
expansão da Internet na década de década de 1990 alterou-se a base tecnológica de
desenvolvimento do capitalismo global e mudou-se de forma radical, (1) os locais de
trabalho reestruturado das empresas e (2) a morfologia do trabalho e das relações de
trabalho no setor de serviços em expansão. Na medida em que a Internet de alta
velocidade expandiu o ciberespaço e sua interface nas telas de smartphones e tablets,
disseminou-se novos modelos de negócios e formas de trabalho virtual. Temos o
surgimento da sharing economy (economia de compartilhamento) ou a economia das
plataformas, com a disseminação de novas modalidades de exploração da força de
trabalho utilizando plataformas virtuais de intermediação laboral. Entre as novas
modalidades de exploração do trabalho o trabalho da economia on-demand utilizando
aplicativos e-healing para smartphones conectados à Internet por exemplo, o trabalho
uberizados tornou-se modelo da nova forma de exploração do trabalho no capitalismo
global o que explica a utilização do termo trabalho .
se disseminou na indústria dos serviços on-line de transporte privado, existindo hoje
outras plataformas similares (ALVES, 2018).

em relação às maneiras tradicionais de pedir por táxis são: (1) facilidade no pagamento: armazena-se
informações de cartão de crédito no aplicativo, não necessitando de máquinas leitoras sem fio no táxi (2)
rapidez: enquanto empresas de táxi tradicionais não possuem informações precisas e em tempo real da
localização de seus funcionários, o uso de aplicativos de e-hailing pelo taxista ou motorista permite que o
aplicativo tenha informações de GPS em tempo real. Assim, chama-se automaticamente o táxi mais
próximo, reduzindo o tempo de espera; (3) custo: os custos de se manter um aplicativo de e-hailing são
muito menores que os de se manter uma empresa tradicional de táxi, possibilitando grande redução nos
preços cobrados.
O e-hailing, produto da revolução informacional em rede provocada pelo capitalismo flexível na
organização do trabalho da indústria de taxi e da prestação de serviços de transporte privado, não apenas
propicia as vantagens acima salientadas (facilidade, rapidez e custo), mas também amplia o círculo de
consumo dos serviços de transporte privado nas metrópoles e cidades médias, acirrando, ao mesmo
tempo, a concorrência entre os trabalhadores da indústria do transporte privado (por exemplo, taxistas
versus motoristas do Uber).

19
Os novos ambientes de trabalho nas empresas reestruturadas e as novas
ocupações de trabalho flexível com aplicativos e-healing utilizam sistema de máquinas
flexíveis (Inteligência Artificial e algoritmos) ligados à Internet veloz. As tecnologias
informacionais complexas em rede exigem dos novos operadores, novas habilidades
técnico-comportamentais e, portanto, uma força de trabalho compatível com as
exigências operacionais do novo maquinário flexível informacional. A tela dos
computadores ou a tela dos smartphones e tablets, tornaram-se a nova interface do
trabalho humano, exigindo dos operadores novas habilidades técnico-comportamentais
adequadas às tecnologias da informação. Tornou-se visível alterações no perfil
educacional dos novos empregados das grandes empresas da indústria, comércio ou
serviços e dos novos auto-empreendedores do trabalho com aplicativos (nesta pesquisa
iremos salientar o cibertariado dos aplicativos on-demand) (HUWS, 2003).
Por isso o discurso da competência permeia o labor da nova precariedade salarial
que implica novas capacidades operativas advindas das novas rotinas do trabalho
flexível. Máquinas flexíveis computadores ou smartphones (com seus aplicativos on-
demand) - exigem homens e mulheres flexíveis com capacidade de intervenção criativa
na produção e venda de mercadorias ou serviços. Na verdade, as novas laboralidades
estão impregnadas do espírito do toyotismo (ALVES, 2011) por exemplo, a
valorização da capacidade de intervenção dos operadores na produção e venda de
mercadorias e serviços representa a afirmação do princípio toyotista da
, significando que trabalhadores devem ser capazes de intervir, de
modo criativo (e inteligente) no processo de produção/venda de mercadorias e serviços,
visando resolver problemas ou dar palpites para otimizá-los.
Na medida em que o Brasil se integrou ao capitalismo global a partir da década
de 1990, a nova precariedade salarial afirmou-se como resultado do processo de
precarização do trabalho e do emprego ocorrido, sob o impacto dos ajustes neoliberais e
do processo de reestruturação produtiva e da flexibilização do mercado de trabalho. No
caso do Brasil, podemos destacar importantes determinações histórico-estruturais da
nova precariedade salarial cadas pelo menos desde meados da
década de 1970 com a crise do capitalismo tardio, e o debacle do modelo nacional-
desenvolvimentista no Brasil:
(1) A predominância do setor de serviços que acompanhou a tendência histórica
de terciarização do mercado de trabalho nas economias capitalistas desenvolvidas e em
desenvolvimento.

20
(2) O processo de desindustrialização da economia brasileira, com o Brasil
tendo hoje a terceira maior desindustrialização entre 30 países desde 1970 (o IEDI
mostrou que a participação do setor industrial no PIB no Brasil caiu de 21,4 para 12,6%
em quase 50 anos.8 (desde 2012 o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial e estudos de pesquisadores vem mostrando a desindustrialização prematura do
Brasil9).
(3) A partir da década de 1990 e a integração do Brasil no capitalismo global em
ascensão, tivemos a ofensiva das políticas neoliberais, que põem como traço estrutural
do sistema mundial do capital, a precarização estrutural do trabalho (MÉSZÁROS,
2009). Nos países capitalistas centrais (Europa, EUA e Japão), uma série de autores tem
salientado a ampliação da precariedade salarial nas condições do capitalismo global
(BOYER, 1986; BECK, 2000; BIHR, 1998; KALLEBERG, 2010).
(4) Finalmente, the last but not the least, torna-se importante salientar no seio da
ofensiva neoliberal, a efusão da ideologia do auto-empreendendorismo como resposta à
crise do emprego nas sociedades capitalistas. Ela tornou-se a base ideológica dos novos
pequenos auto-empreendimentos flexíveis com aplicativos on-demand que proliferam
com a gig economy. A nova filosofia do trabalho flexível está permeada pela idéia de
empregabilidade, representando a (o que denominamos de
maquinofatura, a terceira forma de produção do capital (ALVES, 2013).
Nas empresas, sob o espírito do toyotismo, o discurso da organização do
trabalho incorporou um novo léxico: trabalhadores assalariados (operários ou
empregados) tornam- Diante da crise estrutural do mercado de

8
O Brasil teve a terceira maior retração entre 30 países, desde 1970, ficando atrás apenas de Austrália e
Reino Unido. Os dados levam em conta o resultado da produção industrial até 2017. No ano seguinte,
houve avanço de 1,1% no Brasil, mas o setor voltou a ter desempenho negativo em 2019. O Estudo do
IEDI, feita pelos economistas Paulo Morceiro e Milene Tessarin, da Fipe/USP, sinaliza que a recuperação
ainda e Em maio [de 2019], a indústria recuou 0,2% . Com isso, acumula queda de 0,7% nos
do impressiona, não apenas pela queda, mas
também pelo fato de que esse declínio é considerado premat tem terceira maior
O Globo, https://oglobo.globo.com/economia/brasil-tem-
terceira-maior-desindustrializacao-entre-30-paises-desde-1970-recuperacao-esta-distante-23779863.
Acesso em 23/07/2019). Vide MORCEIRO, Paulo César, e GUILHOTO, Joaquim José Martins.
alização setorial no Bras onde se analisa o retrocesso da indústria de
transformação no PIB brasileiro (o estudo encontra-se disponível na seção de estudos do IEDI em
https://iedi.org.br/artigos/top/estudos_industria/20190418_desindustrializacao.html. Acesso em
23.07.2019).
9
Carta IEDI, Edição 765.
https://iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_765.html. Acesso em 23/07/2019. Para uma discussão sobre o tema,
ver OREIRO, José Luiz e FEIJÓ, Carmen A. (2010). lização: conceituação, causas, efeitos e
Revista de Economia Política, vol. 30, nº 2 (118), pp. 219-232, abril-junho/2010.
Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rep/v30n2/03.pdf.

21
trabalho, surgiu a ideologia do u a A vida é business (GORZ, 2005) Na
verdade, a nova geração da força de trabalho cresceu num ambiente ideológico cujo
universo locucional foi esvaziado do discurso do conflito ou luta de classes e da própria
idéia de coletivismo. A crise estrutural do mercado de trabalho e a disseminação da
nova informalidade ocorreu pari pasu à expansão dos valores do individualismo
possessivo, representando a crise ideológica dos coletivos, sindicatos e partidos de
classe, locis da constituição histórica da experiencia da classe e da consciência de
classe).
Vivemos uma cisão geracional muita mais intensa do que noutras épocas de
mudanças históricas. Nos novos ambientes de trabalho das empresas reestruturadas e
nas novos microempreendimentos individuais de trabalho flexível exige-se dos
-empreende , atitudes pró-ativas e propositivas capazes
de torná-los no caso das empresas - membros da equipe de trabalho; e no caso dos
novos modelos de negócios de serviços, empreendedores individuais que visam cumprir
metas. Existe uma importante clivagem geracional e não apenas educacional - que
expõe a nova organização do labor humano na era do ciberespaço: exige-se novos
colaboradores e empreendedores individuais não necessariamente no sentido
etário da palavra, mas no plano do perfil cultural, exp
subjetividade, o recurso-mor do espirito do toyotismo (o capitalismo global operou uma
intensa e ampla revolução cultural nas últimas décadas que identificamos como
inovação sócio- subjetividade do trabalho pelos
valores empresariais). A força de trabalho das empresas e a força de trabalho dos
negócios do microempreendedorismo da gig economy está permeada por valores,
sonhos e aspirações de realização pessoal ao lado, é claro, das ações estratégicas de
sobrevivência diante da crise estrutural do mercado de trabalho. O novo espírito do
labor capitalista busca homens e mulheres idealistas no sentido mediano da palavra com
a plasticidade mental adequada às novas habilidades emocionais (e comportamentais)
do novo (e precário) mundo do trabalho. Na verdade, o cenário de degradação
persistente do mercado de trabalho e o medo do desemprego contribuíram para a
recepção da nova cultura do capitalismo flexível (ALVES, 2011; LIPOVETSKY, 2004;
SENNET, 2006).
No caso das empresas, a práticas do
downsizing ou liofilização organizacional do trabalhador coletivo do capital, renovando
as capacidades subjetivas (mente e corpo) do trabalhador coletivo do capital. O processo

22
de reestruturação produtiva das empresas significou não apenas um processo de
inovação tecnológico-organizacional, mas também, processo de reestruturação
geracional dos coletivos (ou equipes) de trabalho das empresas (o que explica a função
d - Programas de Demissões Voluntárias). Ao mesmo tempo, o lugar de
trabalho não apenas se renovou, mas se diversificou internamente devido às novas
implicações contratuais flexíveis No Brasil, as organizações privadas (e públicas) têm à
disposição um leque de opções de modalidade de contratações salariais atípicas. As
medidas de flexibilização das relações de trabalho na década de 1990 levaram a criação
do contrato de trabalho por tempo determinado10, contrato de trabalho por tempo
parcial11, além da lei da terceirização, colocando um menu de opções flexíveis para a
exploração da força de trabalho. Embora empresas de qualquer tamanho utilizem
algumas formas dessas modalidades de contrato, é na grande empresa que ocorrem em
maiores proporções a utilização dos contratos flexíveis. Constata-se também que são as
empresas do setor de serviço as que utilizam mais as modalidades especiais de contrato
de trabalho flexível (72%), seguida pelas empresas do setor industrial (70%).
(CHAHAD e CACCIAMALI, 2003).
No mercado de trabalho flexibilizado, cresceu o contingente de trabalhadores de
empresas terceirizadas e trabalhadores por conta própria, autônomos ou PJ´s (Pessoas
Jurídicas) que prestam serviço às organizações privadas ou públicas. A racionalização
empresarial (downsing) ao lado da crise da economia brasileira na década de 2010
aprofundaram a crise estrutural do mercado de trabalho, criando as condições propicias
para a oferta abundante de força de trabalho desempregada para os novos negócios da

10
Contrato de trabalho por prazo determinado é forma de contratação realizada mediante acordo ou
convenção coletiva de trabalho, através da qual as partes firmam antecipadamente a data de início e
término do pacto laboral. Tem como fundamento legal a Lei nº 9.601, de 21 de janeiro de 1998,
regulamentada pelo Decreto nº 2.490, de 04 de fevereiro de 1998. O contrato pode ser prorrogado
inúmeras vezes, desde que a soma de todos os prazos não ultrapasse a dois anos, sem que ele se torne por
prazo indeterminado. A adoção do contrato de trabalho por tempo/prazo determinado tem algumas
condicionalidades, como o número de trabalhadores assim contratados deve ser inferior a 50% da média
mensal dos que foram admitidos no estabelecimento por tempo indeterminado, nos últimos seis meses
anteriores à publicação da lei (22.01.98) e a lei deverá gerar, obrigatoriamente, aumento de postos de
trabalho.
11
Contrato de trabalho em regime de tempo parcial - -time job
inte e cinco horas
semanais. Tem como fundamento legal a Medida Provisória 2.164-41 de 24/08/2001-DOU 27/08/2001,
que acrescentou o artigo 58-A na CLT. No caso dos contratos novos, basta simplesmente contratar, com
salário proporcional à sua jornada, em relação aos empregados que cumprem, na mesma função, tempo
integral. No caso dos contratos já existentes, para os atuais empregados, a adoção do regime de tempo
parcial será feita mediante opção manifestada perante a empresa, na forma prevista em instrumento
decorrente de negociação coletiva.

23
gig economy. Na verdade, não foi a gig economy que produziu a nova precariedade
salarial, mas sim o contrário: a crise do emprego provocada pelas profundas alterações
no mercado de trabalho por conta da nova empresa capitalista criaram as condições
propicias para o desenvolvimento (e ampliação) da gig economy e a proliferação do
trabalho com aplicativos on-demand à título de autoempreendedorismo.
Com o dilúvio neoliberal, o crowdwork representou uma Arca de Noé para o
novo (e precário) mundo do trabalho, representando o novo topos da laboralidade
complexa onde se misturam as mais diversas gerações da laboralidade excluída do
mercado de trabalho capitalista. A nova (e complexa) topologia da precariedade
salarial que se representa nos serviços, além de acolher ações estratégicas de
sobrevivência da massa marginal de trabalhadores e desempregados ocultados pelo
desalento ou pelo trabalho eventual e precário (parte dela imbuída da ideologia do
autoempreendedorismo), o contingente h
5) homens e mulheres, jovens e adultos mais velhos inclui
profissionais liberais, empregados públicos ou
privados, ativos ou mesmo aposentados precarizados nos seus rendimentos. O topos da
nova precariedade salarial
polivalência da força de trabalho. Enquanto na empresa, a nova base tecnológica e os
novos métodos de gestão toyotista contribuíram para a adoção da plurifuncionalidade ou
multitarefas, aumentando a intensificação do trabalho; com a a
flexibilidade do trabalho virtual e a superexploração do trabalho, obrigando (ou
permitindo que) possam ter mais de um vínculo laboral,
significando a redução do tempo de vida a tempo de trabalho (o que denominamos de

na gig economy, tal como àquela da nova empresa capitalista flexível, significa a
precarização da vida (LINHART, 2014) (o trabalho com aplicativo serve como um
complemento de renda). Na verdade, a plasticidade ou flexibilidade da força de trabalho
é um traço historicamente marcante da formação social brasileira, sendo característica
no século XXI se repõem naquilo que iremos denominar

De modo impressionista, o sociólogo Ricardo Antunes caracterizou a totalidade


viva do trabalho nas condições históricas do capitalismo global quando afirmou::
-se, fragmentou-se e heterogeneizou-se ainda mais a classe-que-vive-
do-trabalho. Pode-se constatar, portanto, de um lado, um efetivo processo de

24
intelectualização do trabalho manual. De outro, e em sentido radicalmente inverso, uma
desqualificação e mesmo subproletarização intensificadas, presentes no trabalho
precário, informal, temporário, parcial, subcontratado etc. Se é possível dizer que a
primeira tendência a intelectualização do trabalho manual é, em tese, mais
coerente e compatível com o enorme avanço tecnológico, a segunda a
desqualificação mostra-se também plenamente sintonizada com o modo de produção
capitalista, em sua lógica destrutiva e com sua taxa de uso decrescente de bens e
ES, 1997)

Portanto, entendemos a nova precariedade salarial como sendo composta, por


um lado, pelas mudanças tecnológico-organizacional nos locais de trabalho das
organizações privadas (e públicas) reestruturadas, com a adoção de formas de
contratação flexível, novos métodos de gestão e organização da força de trabalho sob o
espírito do toyotismo e a incorporação nas empresas da nova base técnica informacional
(com impactos na qualificação socioprofissional). Por outro lado, com a crise estrutural
do a nova precariedade salarial
representou a ampliação de novas formas de trabalho de natureza informacional no setor
de serviços em expansão, sob a denominação de crowdsourcing baseada no modelo de

25
negócio da on-demand economy. A crise do emprego impulsionou o surgimento de
novos tipos de trabalhos vinculados aos modelos de negócio da on-demand economy
que utiliza aplicativos de plataformas virtuais. Nesta pesquisa iremos salientar os
trabalhadores com aplicativos on-demand (ou aplicativos de plataformas virtuais) na
forma de auto-empreendimentos de prestação de serviços.
Para descrever os mesmos fenômenos, há referências, por exemplo, à economia
colaborativa ou economia de compartilhamento (sharing economy), economia sob
demanda (on-demand) ou ainda como temos utilizado - a economia de bico (gig
economy). Entretanto, existe uma confusão terminológica que precisa ser esclarecida.
A economia colaborativa ou economia de compartilhamento diz SLEE (2018),
é uma onda de novos negócios que usam a internet para conectar consumidores com
provedores de serviço para trocas no mundo físico, como aluguéis imobiliários de curta
duração, viagens de carro ou tarefas domésticas . No livro Whats yours is mine: Against
the Sharing Economy, Tom Slee tratou como exemplos da sharing economy, da Uber e
do Airbnb, empresas de plataformas virtuais12 cujo crescimento vertiginoso sustenta a
alegação de que estão desbancando as indústrias tradicionais de transporte e hotelaria
embora a Uber, menos do que a Airbnb, possa ser considerada representante típica da
sharing economy. De acordo com Slee, tais empresas são seguidas por um batalhão de
outras companhias, que competem para se juntar a elas no topo do mundo da Economia
do Compartilhamento. Existem controvérsias sobre o significado da sharing economy
ela seria um movimento social ou um novo modelo de negócio? interroga-se Tom
Slee. A ideologia do movimento social da sharing economy logo se desvanece com o
exemplo bem-sucedido de startups que diante do sucesso do modelo de negócio
tornaram investimentos privilegiados do venture capital funding13 ou fundos de capital

12
Alguns autores tem utilizado o termo d
capitalismo global. A economia das plataformas é uma das formas mais visíveis da revolução digital. O
movimento das starting up, a enorme diversidade de plataformas e aplicações, a variedade de novos
modelos de negócio digital e engenharia financeira, as incubadoras e os espaços de coworking, a
smartificação dos territórios, a grande diversidade e vulnerabilidade do trabalho digital, as novas formas
de risco digital, a iliteracia digital, são alguns dos temas principais da economia da transformação
tecnológica e digital. Inclusive, faz-se referencia à economia do Estado-plataforma uma
variante fundamental desta transformação impulsionada pelo capitalismo global (SRNICEK, 2018) Ver
também SUNDARARAJAN (2016).
13
Venture capital, capital de risco, capital empreendedor ou capital de investimento é uma modalidade de
investimentos de capital utilizada para apoiar negócios por meio da compra de uma participação
acionária, geralmente minoritária, com objetivo de ter as ações valorizadas para posterior saída da
operação. Chama- vestimento, mesmo a
aplicação tradicional, em qualquer banco tem um risco, mas pela aposta em empresas (startups) cujo
potencial de valorização é elevado e o retorno esperado é idêntico ao risco que os investidores querem
correr. Este modelo de investimento é feito através de sociedades especializadas neste tipo de negócio

26
de risco (como aconteceu com a Uber)14. O que demonstra os vínculos de afinidade
eletiva entre a nova economia das plataformas e o movimento das finanças globais que
caracteriza a mundialização do capital (SLEE, 2018).
Como observou SIGNES (2017), o que se vem descrevendo até o momento
como sendo "on-demand economy" ou economia sob demanda diz respeito a um
modelo de negócio em que as novas tecnologias na Internet permitem que as
plataformas virtuais disponham de grandes grupos de prestadores de serviços, os quais
ficam à espera de uma solicitação de serviço de um consumidor.
A economia sob demanda se define precisamente em contraposição à concepção
tradicional de trabalhador permanente, comprometido com uma empresa individual.
Entretanto, uma primeira crítica que se pode realizar provém da inadequação, de acordo
com ele, da nomenclatura escolhida. Anteriormente à aparição das plataformas virtuais,
a economia de serviços já era "sob demanda". Nenhum serviço era prestado sem que um
consumidor/cliente o tivesse solicitado primeiro. Assim, o termo "economia sob
demanda" não é válido para diferenciar os negócios da gig economy daqueles do
passado. O autor sugere a utilização do termo economia baseada na prestação de
serviços através de plataformas virtuais.
Finalmente, o termo popularizado nos EUA - a gig economy (traduzido
) é nce
, sendo o ambiente ou o mercado de trabalho que compreende, de um lado,
trabalhadores temporários e sem vínculo empregatício (freelancers, autônomos ); e, de
outro, empresas que contratam estes trabalhadores independentes, para serviços
pontuais, e ficam isentas da regulação trabalhista. No começo da década de 2010, logo
após a profunda crise financeira de 2008 nos EUA, a idéia da gig economy adquiriu
relevância. Ela significa um mercado de plataformas on-line especificamente projetadas

denominadas Sociedades de Capital de Risco (SCR). Estas sociedades além do contributo em capital,
ajudam na gestão e aconselhamento. Este financiamento está associado a negócios que estão a iniciar, em
fase de expansão ou em mudança de gestão. Qualquer destas situações tem um risco muito elevado
associado à incerteza do projeto em que a empresa se encontra, não se pode considerar como a solução
mas sim uma possível solução (MEIRELLES, PIMENTA JÚNIOR e REBELATTO, 2008).
14
Um fundo de investimento japonês (o SoftBank Group Corp) tornou-se o maior investidor do Uber em
dezembro de 2018, quando comprou uma participação de 15% na empresa para uma rodada de
financiamento de US $ 7 bilhões. O venture capital funding investiu US $ 1,25 bilhão em uma avaliação
de U$ 70 bilhões para a Uber e arrematou ações de investidores anteriores com uma avaliação de US $ 48
bilhões. Os investimentos da Softbank interromperam efetivamente um processo aberto pela Benchmark
Capital, o segundo maior investidor da Uber, contra o co-fundador e CEO da empresa, Travis Kalanick. O
fundo de investimento japonês também investiu em várias outras empresas de aplicativos de transporte
individual em todo o mundo, como a indiana Ola Cabs e a chinesa Didi Chuxing The Biggest Winners
In An Uber IPO Investopedia, 25/06/2019. https://www.investopedia.com/news/biggest-winners-uber-
ipo/. Acesso em 28/07/2019).

27
para reunir freelancers e clientes. Como observou entusiasmado um articulista da
revista on-line Wired, s plataformas tornam-se o lar da marca pessoal e da identidade
profissional de um indivíduo - um lugar para apresentar o talento mais experiente,
profissional e criativo. É aqui que eles realizam negócios, onde o senso de comunidade
reforça a cultura e os valores da Economia do Gig (bico), e onde o sucesso é
15
recompensado com boas críticas que estimulam mais negócios .

3. 3 Economia on-demand: crowdsourcing e crowdwork 16

A economia de serviços virtuais é um termo abrangente que inclui um conjunto


de negócios muito diferentes entre si mesmo que todos compartilhem a ideia de
utilização de uma plataforma virtual onde oferta e demanda se encontram. Adrián
SIGRES utilizou o termo crowdsourcing (também chamado de crowdwork) que
consiste em tomar uma prestação de um serviço, tradicionalmente realizada por um
trabalhador, e descentralizá-lo indefinidamente e normalmente, envolvendo grande
número de pessoas em forma de chamada ou convocatória (SIGRES, 2017). O modelo
de negócio do crowdsourcing conta com três elementos: i) os "solicitantes", que são
empresas ou indivíduos que solicitam a prestação de um serviço; ii) os trabalhadores
que prestam os serviços; iii) e as plataformas virtuais que utilizam as tecnologias de
informação para unir oferta e demanda, e que recebem uma porcentagem por serviço
realizado. Este modelo de negócio pode ser utilizado para praticamente qualquer tipo de
serviço, especializado ou não.

15
KAU The Gig Economy: The Force That Could Save the American Worker? Wired,
25/10/2013. https://www.wired.com/insights/2013/09/the-gig-economy-the-force-that-could-save-the-
american-worker/. Acesso em 28/07/2019.
16
Apresentamos de modo sintético (e extenso) nesta seção do projeto, a importante contribuição de
Adrián Todolí Signes que no artigo O Mercado de Trabalho no século XXI: on-demand economy,
crowdsourcing e outras formas de descentralização produtiva que atomizam o mercado de trabalho fez o
mapeamento daquilo que denominamos de nova informalidade do trabalho no século XXI (o artigo foi
publicado no livro de LEME, RODRIGUES e CHAVES JÚNIOR, 2017). Ao fazer referencia à
descenytralização e atomização, Signes reconhece que a crise do mercado de trabalho representa a
afirmação da nova precariedade salarial e do recurso do capital para a constituição de novas formas de
exploração do trabalho humano.

28
Solicitantes Plataformas virtuais Trabalhadores
(indivíduos ou empresas) (tecnologias de informação) (prestação de serviços)
oferta - demanda)

Alguns exemplos de serviços que podem ser prestados a partir do crowdsourcing


são: os serviços de transportes (táxi); entrega em domicilio; lavanderia; personal
trainers; montagem de móveis; desenho gráfico; fotografia; treinamento; guias
turísticos; tradução; cozinha etc. Como se vê, praticamente qualquer emprego atual
pode ser transformado . Foi a capacidade de flexibilizar (e transformar
no plano contratual) qualquer emprego, que fez com que o trabalho virtual
impulsionado pelas tecnologias diruptivas da revolução informacional adquirisse
proeminência ao provocar mudanças estruturais no mercado de trabalho no capitalismo
global.
Contudo, é importante perceber que nem todos os serviços enumerados possuem
as mesmas características ou enfrentam os mesmos riscos. Nesse sentido, SIGRES
diferencia dois grandes grupos. (1) De um lado estão aquelas atividades que podem ser
realizadas de forma completamente virtual; e, (2) do outro lado, aquelas que dependem
de um trabalho físico para serem realizadas. Essa distinção é significativa tendo em
vista que as atividades que são virtuais contam, normalmente, com um menor risco e
com menores custos para a realização da atividade. Por exemplo, o desenho gráfico de
um cartaz ou rótulo pode ser realizado simplesmente utilizando-se um computador, em
qualquer parte do mundo, por um trabalhador que tenha os conhecimentos necessários.
Por outro lado, a fotografia requer o deslocamento físico da pessoa até o local que
deseja fotografar. Este deslocamento físico pode atrair custos e riscos - de acidentes,
multas de trânsito etc. -, que não são existentes nas atividades virtuais (SIGNES, 2017).
Por outro lado, outra diferenciação importante dentro dos tipos de crowdwork
consiste na distinção entre as (1) atividades que podem ser ofertadas de forma global; e
(2) aquelas que requerem uma execução local. No caso da oferta global, ou seja, a
prestação do serviço não tem um lugar concreto para ser realizada, os trabalhadores de
todas as partes do mundo podem prestar o serviço. Nesses casos, as leis trabalhistas de
todos os países do mundo estariam compelindo umas com as outras, já que os
trabalhadores de países mais protetores estariam, automaticamente, fora do leilão para

29
executar o serviço. Com estas plataformas, os trabalhadores de todas as partes do
mundo podem concorrer para realizar os trabalhos virtuais, em uma espécie de leilão,
em que somente os trabalhadores que estão dispostos a realizar um trabalho a menor
preço terão emprego. Desta forma, os direitos locais (nacionais) dos trabalhadores
passam, diretamente, a ser um impedimento para que estes possam entrar no mercado de
trabalho mundial17. No caso em que os trabalhadores devem, necessariamente, executar
o serviço em um lugar determinado, a concorrência será menor. Os trabalhadores
competirão em igualdade de condições - mesmos direitos trabalhistas - que os outros
possíveis prestadores de serviços.
Por último, do ponto de vista das empresas que sustentam (ou que mantêm) a
plataforma virtual, onde se cruzam a oferta e a demanda, devem-se distinguir dois tipos.
De um lado, (1) têm-se as plataformas genéricas e, do outro, (2) as plataformas
específicas. Do primeiro tipo, encontramos, por exemplo, Amazon Turk, Microtask,
Clickwork. Task Rabbit, Fild Agent, em que os "solicitantes" podem requerer qualquer
tipo de trabalho. Do segundo, encontramos as plataformas específicas de um setor de
atividade como Uber - para transporte de passageiros; Sandeman - para guias turísticos;
Fly Cleaners - lavanderia pessoal; Myfixpert - reparação de aparatos eletrônicos; Chefly
- cozinheiro a domicilio; Helpling - limpeza de casa; Sharingacademy - professores
particulares (SIGNES, 2017).
Tipologia do Crowdwork
Com respeito à Natureza do Trabalho: Virtual ou Trabalho Físico
Com respeito à Oferta do Trabalho: Global ou Local
Com respeito à Natureza da Atividade Laboral: Genéricas ou Específicas

Busca-se analisar, na presente pesquisa, o crowdsourcing on-line específico dos


trabalhadores com aplicativos de plataformas virtuais na forma de auto-
empreendimentos de prestação de serviços de transporte individual.
A diferença entre crowdsourcing genérico e especifico, como observa SIGRES,
é importante visto que as plataformas que aderem a uma atividade concreta, na maioria
dos casos, exercem um controle muito maior sobre seus trabalhadores. Ou seja, como se
fosse uma empresa tradicional, uma companhia que se dedica ao transporte de

17
Isso deve mudar o foco das demandas sociais no sentido de uma luta global, visto que enquanto houver
um país com menor proteção - como o salário mínimo interprofissional -, este vai empurrar para baixo os
direitos de todos os outros países.

30
passageiros deseja manter sua marca em alta consideração, para isso, deve fornecer um
bom serviço e assegurar que seus trabalhadores/microempresários assim o façam. Pelo
contrário, as plataformas virtuais genéricas funcionam mais como um quadro de
anúncios, onde qualquer atividade pode ser divulgada e onde a reputação da empresa
não depende de como é realizada essa atividade (já que a empresa não está vinculada a
nenhuma atividade em concreto). Isso faz com que as plataformas virtuais exerçam um
menor controle sobre como os prestadores de serviços realizam suas atividades - menor
subordinação. Nesse sentido, conclui-se que as plataformas genéricas atuam como uma
agência de recolocação que fornece força de trabalho a terceiros.

Crowdwork online
O Crowdwork on-line se baseia na existência de uma plataforma virtual, a qual
permite que empresas se conectem a um enorme número de trabalhadores e distribuam
suas tarefas entre um conjunto de indivíduos sentados à frente de seu computador.
Como se pode perceber, a principal característica consiste na possibilidade de
realização de todo o trabalho de forma virtual, sem a necessidade de um trabalho físico
por parte do provedor de serviços. Isto gera a consequência de não haver um lugar de
trabalho físico, já que é realizado e retribuído completamente no ciberespaço, muitas
vezes de forma anónima e administrado, principalmente, por acordos privados impostos
pela plataforma. Na verdade, as plataformas obrigam a todos os participantes - tanto
trabalhadores como solicitantes - a aceitar as suas condições de uso que, na maioria dos
casos, incluem a isenção de responsabilidade da empresa que dirige a plataforma virtual.
A forma de pagamento típica é a empreitada; ou seja, paga-se por tarefa
realizada, independentemente do tempo utilizado. Diferentemente do emprego
tradicional, que se baseia em uma relação entre um empresário e muitos trabalhadores,
no crowdsourcing, o trabalho se caracteriza por uma relação entre muitos empregadores
e muitos trabalhadores, cujos trabalhos podem durar um ou dois minutos. Com as novas
plataformas virtuais, não se está diante de uma multiplicidade de sujeitos que agem
como empresários de uma única relação de trabalho, mas, no melhor dos casos, diante
de uma multiplicidade de contratos de trabalho, de duração irrisória, com uma multidão
de empresários (SIGNES, 2017).

31
No entanto, nem sempre o trabalho é remunerado. Como observou SIGRES, está
aumentando também o Crowdsourcing voluntário - ou seja, não remunerado18. Por
outro lado, também existe o Crowdwork baseado em concursos. Nesse caso, o
solicitante oferece retribuição apenas ao primeiro que completar a tarefa. Até o
momento, essa forma de Crowdwork é utilizada para resolver complexas equações
matemáticas e algorítmicas. As empresas, em vez de contratar uma equipe de
especialistas para resolver uma questão, decidem por colocá-la em uma plataforma
virtual em forma de chamada, permitindo que todos aqueles interessados trabalhem na
questão, obtendo o prémio apenas o primeiro que conseguir resolver o problema.
Anteriormente às plataformas virtuais, essas formas de trabalho eram inviáveis,
tendo em vista que era impossível atingir um número tão grande de pessoas interessadas
no anúncio - além de que o custo de transmissão desse anúncio era extremamente alto.
Entretanto, com as novas plataformas virtuais, podem-se alcançar facilmente todos os
especialistas do mundo, conseguindo, dessa maneira, um número suficiente de
interessados em resolver a questão em troca de um prémio.
A nova forma de produção do crowdwork on-line pode ser aplicada a qualquer
setor. Na verdade, as tarefas complexas podem ser divididas, utilizando a tecnologia,
para que o trabalhador finalmente se encontre com uma tarefa simples, repetitiva e de
curta duração. Com o uso da tecnologia, os processos estão sendo simplificados para
que qualquer trabalhador sem formação possa realizar tarefas que, habitualmente,
requeriam trabalhadores bem formados19. Estar-se-ia enfrentando uma espécie de
neotaylorismo do século XXI20. Com a nova tecnologia, a subdivisão do trabalho leva a
uma espécie de linha de montagem virtual, onde as tarefas são divididas para serem
simplificadas, ficando o trabalhador formado como supervisor. Ademais, no
neotaylorismo a duração do trabalho é irrelevante, já que se paga por tarefa executada e

18
A criação da enciclopédia online Wikipédia tem revolucionado o mundo editorial das enciclopédias
sem que, detrás do projeto, exista um só trabalhador assalariado. A confecção de artigos enciclopédicos
para a Wikipédia é realizada por voluntários que contribuem para a sua criação sem perceber retribuição
alguma.
19
Um exemplo disso é a empresa SpunWrite (spunwrite.com). Essa empresa cria cópias de artigos
existentes, incluindo científicos. Para isso, fraciona-se o artigo em frases, oferecendo aos trabalhadores
das plataformas virtuais para que modifiquem essa frase para, posteriormente, voltar a montar o artigo
com uma nova forma. Modificar todo um texto sem mudar o sentido e trabalho de um especialista
formado em letras, contratado especialmente para isso, mas, modificar uma única frase é uma tarefa
muito mais simples, que qualquer pessoa pode realizar. Nesse caso, um especialista na matéria serviria, se
muito, como um supervisor do trabalho realizado
20
A "organização científica do trabalho", de Frederick Taylor (1911), se baseia precisamente em dividir a
produção em pequenas tarefas designadas a cada um dos assalariados. Por sua vez, os supervisores
deveriam controlar todo o processo, assegurando a qualidade do serviço e o cumprimento dos prazos.

32
não por tempo. Da mesma maneira, ao pagar por tarefa e não por tempo, a forma em
que se executa o trabalho não merece atenção, já que em vez de controlar o processo
produtivo - quer dizer, como se realiza a tarefa - se realiza um controle ex-post, podendo
rejeitar o trabalho se não possui qualidade suficiente, e um controle ex-ante, não
contratando os trabalhadores que não tem boas avaliações no sistema de avaliação
online21 (SIGNES, 2017).
O teleoperador trabalha da sua própria casa e cobra por chamada efetuada ou
recebida - não por tempo de trabalho. Deste modo, o teleoperador é livre para escolher
quantos chamados atenderá e em qual horário.
Dado o grande número de oferta de trabalhadores por meio da plataforma, as
empresas não temem ficar sem teleoperadores, tendo em vista que não têm a
necessidade de contratar por período completo, nem necessitam garantias de que os
teleoperadores vão trabalhar um mínimo de horas cada um. Ademais, os teleoperadores
podem se ativar em chamadas para várias empresas ao mesmo tempo, conforme
escolham em cada momento, sem que, em princípio, exista uma relação duradoura com
nenhuma das empresas - exceto com a plataforma virtual, que sempre tem o papel de
intermediadora.
Por sua vez, as empresas podem aumentar a oferta de trabalho ou diminuí-la de
acordo com a necessidade - em tempo real - da empresa. Não requer planejamento na
contratação, nem pagamento de horas improdutivas dos trabalhadores, nem dispensar
por redução de demanda, nem mesmo pagar trabalhadores para que eles fiquem "à
disposição". Enfim, a flexibilidade se eleva a seu máximo expoente22.

21
Assim, empresas como Elance (elance.com) oferecem todo tipo de serviços profissionais, incluindo
suporte administrativo para empresas, design, engenharia, redação de textos e design weh. Uma vez mais,
essa empresa não conta com trabalhadores próprios que realizam o trabalho, e sim dispõe de uma longa
lista de profissionais - autónomos - inscritos, dispostos a realizar o trabalho. Por sua vez, a empresa Live
Ops (liveops.com) oferece serviços de atendimento ao consumidor e marketing telefónico sem contratar
teleoperadores próprios. Pelo contrário, seu negócio consiste em colocar em contato empresas que
requerem teleoperadores com trabalhadores desse tipo (SIGNES, 2017)
22
A referência clássica do Crowdsourcing online - e genérico - é a plataforma Amazon Mechanical Turk.
Turk foi fundada em 2005. O objetivo da plataforma consistia em obter mão de obra "virtual" para
realizar tarefas fáceis para um ser humano, mas os computadores, no entanto, não eram capazes de
realizar". Atualmente, existe mais de meio milhão de "turkers" (como são chamados os empregados na
MTurk) em todo o mundo. Funciona da seguinte maneira: os solicitantes, por meio da plataforma MTurk,
oferecem uma tarefa e estabelecem uma retribuição. Eles podem fixar condições de aceitação, de modo
que os trabalhadores que não atendam a essas condições possam realizar o trabalho. O preço oferecido
pela tarefa não é negociável. Ademais, a Amazon - o proprietário da plataforma - permite ao solicitante
rejeitar a tarefa, sem obrigação alguma de pagar o trabalhador e nem de devolver a tarefa executada. E,
ainda, sem ter que justificar o motivo da rejeição. Os solicitantes podem avaliar os trabalhadores, sendo
esta informação pública para os demais solicitantes. Por outro lado, a plataforma não permite que os
trabalhadores avaliem os solicitantes. Por fim, a Amazon tem a possibilidade de fechar a conta de um
trabalhador impedindo que ele retorne a trabalhar por meio da plataforma. Todas essas condições,

33
Crowdwork Offline
O crowdwork, que requer uma execução local e física por parte do trabalhador,
compartilha muitas das características anteriores. Ambos se baseiam na existência de
uma plataforma virtual que permite que seus clientes se conectem com um grande
número de trabalhadores. No entanto, considerando que o crowdsourcing offline requer
execução física do trabalho, é necessário que a pessoa esteja em um lugar específico e
no momento oportuno. Isto, de um lado, tende a reduzir a concorrência entre os
trabalhadores - empurrando os salários para cima - e, de outro, permite a incidência de
normas trabalhistas. O Direito do Trabalho do local de prestação do serviço não poderá
ser omitido, tendo em vista que todos os trabalhadores desse território estarão
submetidos à mesma legislação. Não obstante, a execução física do trabalho implica em
custos para o trabalhador (gastos de deslocamento) e alguns riscos (acidentes etc.), o
que não ocorre nos casos de crowdsourcing online (SIGNES, 2017)

3.4 Gig Economy: a nova face da precariedade salarial flexível?

No Brasil, com a crise do mercado de trabalho em meados da década de 2010,


disseminou-se efusivamente o proletariado de serviços sob demanda que utilizam o

incluindo a de que os trabalhadores se autodeclarem autónomos (microempreendedores), e não


empregados da Amazon ou de nenhuma outra empresa, devem ser aceitas pelos trabalhadores
previamente à inscrição na plataforma virtual. A Amazon mediante essas condições gerais de
cumprimento obrigatório, também impede que o trabalhador realize sua tarefa utilizando "robôs, scripts
ou outros métodos automáticos". Também proíbe que as partes contratantes acertem acordos por fora da
plataforma da Amazon, limitando, assim, sua liberdade contratual. O preço mínimo que a Amazon paga
por tarefa é de um centavo. No entanto, também é possível que o solicitante pague em dinheiro, o qual só
pode ser gasto na própria Amazon, incluindo restrições no uso desse dinheiro, por exemplo, limitando à
compra de videogames. A Amazon cobra 10% do transferido a título de comissão e se exime de mediar
qualquer disputa entre as partes. Como se pode observar, as plataformas, inclusive no crowdsourcing
online e genérico, exercem algum tipo de controle sobre os trabalhadores. No referido caso. a Amazon
não fornece um serviço concreto - ex. transporte de passageiros -, mas apenas serviços em geral. Ainda
assim, existem certas instruções dadas pela Amazon ao trabalhador. No presente caso, quem controla a
especificação do serviço é o solicitante, é ele quem pode esclarecer requisitos de aceitação, comprovar as
avaliações de cada trabalhador, ditar instruções sobre o trabalho a ser realizado e, finalmente controlar o
trabalho a ser executado, podendo inclusive não pagar pelo serviço e ainda sem ter que justificar a causa.
Aparenta ser uma espécie de agência de inserção temporária no mercado e sem nenhuma regulamentação,
o que permite transferir os ónus do negócio para a parte frágil da relação. De fato, o próprio modo de
funcionamento da plataforma traduz um profundo desequilíbrio entre o solicitante e o trabalhador. Por
óbvio, a plataforma deseja atrair "solicitantes" de trabalho, que são aqueles que possuem o capital. Por
essa razão e, sem legislação que o impeça, o funcionamento é projetado inteiramente para atrair esse
último. O caso mais evidente decorre da existência da "satisfaction clause", pela qual nenhum solicitante
está obrigado a pagar por um serviço se não o considerar satisfatório, nem ter que justificar as razoes para
tal - nem tampouco é obrigado a devolver o trabalho qualificado como não satisfatório. Enfim, esse
desequilíbrio, somado ao fato de não parecer existir regulação alguma aplicável, faz com que os ganhos
de um trabalhador da MTurk sejam de US $1,25 por hora de trabalho efetivo (SIGNES, 2017).

34
trabalho com aplicativos, criando uma multidão (crowd) de trabalhadores por conta
própria , autônomos ou freelancers (partes deles assumiram-se como
microempreendedores individuais MEI´s).
É difícil de mensurar a economia de bico (gig economy). Por
exemplo, em 2016, a consultoria PriceWaterhouseCoopers (PWC) estimou que,
(turismo, transporte,
serviços pessoais, finanças e transmissão de áudio e vídeo), há potencial para aumentar
o faturamento global de US$ 15 bilhões, verificado nos dias de hoje, para US$ 335
bilhões em 202523.
muito.
Existem desde gigantes, como a Uber (transportes) e o Airbnb (hospedagem), cujo valor
estimado é de US$ 50 bilhões e US$ 25 bilhões, respectivamente, até iniciativas
menores que sequer se aproximam do tamanho dessas empresas.24
O número de trabalhadores ativos na economia do bico não é desprezível.
Segundo levantamento feito por Rebecca Smith e Sarah Leberstein, existem 8 milhões
de trabalhadores vinculados ao Crowdsource; 6,6 milhões ao Care.com; 5 milhões ao
Crowdflower; 700 mil ao Clickworker; 500 mil ao Amazon Mechanical Turk; e 160 mil
à Uber. Todas as plataformas e aplicativos mencionados operam internacionalmente25.
Segundo o Índice Online Labour, vinculado à Universidade de Oxford, na Inglaterra, de
maio a setembro de 2016, o número de trabalhadores desempenhando atividades na
26
aumentou 14% no Reino Unido, 7,5% na Europa e 6% nos
Estados Unidos.27 No Brasil, de acordo com seus próprios números, a principal empresa
a Uber - possuía mais de 500

23
PWC, The sharing economy. Disponível em:
<https://www.pwc.com/us/en/technology/publications/assets/pwc-consumer-intelligence-series-the-
sharing- economy.pdf>. Acesso em 12/06/2019.
24
FLEUBI, Patricia; HORLACHER, Jonathan. e added of the sharing economy? 05/11/
2015. Disponível em: <https://www.credit-suisse.com/articles/news-and-expertise/2015/11/en/whats-the-
value-added-of-the-sharing-economy.html>. Acesso em: 12/06/2019.
25
MASELLI, Ilaria; LENAERTS, Karolien; BEBLAVY, Miroslav. Five things we need to know about
the on- demand economy. 10/06/2019. Disponível em:
<https://www.ceps.eu/system/files/CEPS%20Essay%20No%2021%20On%20
Demand%20Economy.pdf>. Acesso em: 12/06/ 2019.
26
SMITH, Rebecca; LEBERSTEIN, Sarah. Rights on demand: Ensuring workplace and worker security
in the on-demand economy. 23/09/2015. Disponível em: http://www.nelp.org/content/uploads/Rights-On-
Demand-Report.pdf>. Acesso em: 12/06/2019.
27
LEHDONVIRTA, Vili. Is the online gig economy growing? The ilabour Project. 20/09/2016.
Disponível em: <http://ilabour.oii.ox.ac.uk/is-the-online--gig-economy-growing/>. Acesso em
26/06/2019.

35
mil motoristas que trabalham com o aplicativo em outubro de 2017. A Cabify, por sua
vez, tinha mais de 200 mil motoristas na mesma época.
Mas não foi a gig economy que criou a nova precariedade salarial, mas foi o
movimento da nova precariedade salarial, pelo menos desde a década de 1990 no Brasil,
que levou à crise estrutural do mercado de trabalho tornando propicia a
e a ampliação da economia de bicos (a nova informalidade do trabalho).
A desindustrialização, o aumento do desemprego aberto e crescimento das
ocupações no comércio e serviços na década de 1990 no Brasil, ao lado da expansão da
informalidade do trabalho, indicaram um primeiro momento da crise do mercado de
trabalho (POCHMANN, 2001). Mesmo na década de 2000, com o crescimento da
economia, queda do desemprego aberto e o aumento da formalização do mercado de
trabalho, a ocupação no setor de comércio e serviços no caso os
microempreendimentos individuais - não parou de crescer. Foi com a crise da economia
na década de 2010 e a irrupção das novas tecnologias informacionais em rede
que surgiram oportunidades para os novos
modelos de negócios que começaram a proliferar no cenário internacional, voltados para
explorar a abundante força de trabalho desempregada e subempregada. Foi deste modo
que se alavancou no Brasil a gig economy ( free lancers
28
economy ).
No caso os EUA, a degradação do mercado do trabalho no sentido da escassez
de good jobs, como identificou KALENBERG (2011), , significou a ampliação da nova
precariedade salarial representada pela nova empresa flexível, resultado da
reestruturação produtiva e downsizing organizacional verificada desde meados da
década de 1970. Por conta da versatilidade da economia norte-americana, o mercado de
trabalho não deixou de produzir vagas de emprego. Entretanto, caiu a qualidade do
emprego. Portanto, apesar do baixo índice de desemprego abertos nos EUA, em
comparação por exemplo com o Brasil (o que não se explica apenas pela flexibilidade
do mercado de trabalho), degradou-se a qualidade de empregos gerados (bad jobs). Na
década de 2010, com a crise do mercado de trabalho e a nova economia virtual baseada
nas novas tecnologias de informação e comunicação, surgiu a gig economy, fazendo
proliferar o crowdwork literalmente o trabalho da multidão de forças de trabalho
precarizadas (como descrevemos acima). Mesmo com a recuperação relativa do

28
Ludmila Costhek Abílio Uberização do trabalho: subsunção real da viração
19/02/2017. https://passapalavra.info/2017/02/110685/. Acesso em 28/07/2019.

36
emprego na década de 2010 nos EUA, a gig economy não deixou de se expandir, o que
significa que trata-se de uma característica estrutural do mundo do trabalho no século
XXI.
Mas, como salientamos acima, não foi a Uber que criou a nova precariedade
salarial, mas sim o contrário. Como observou Sarah KESSLER (2018), em 2009, o ano
de lançamento da Uber, cerca de 13% da população dos EUA eram constituídas pela
força de trabalho de free lancers ou trabalhavam autônomos . Pelo menos desde a
década de 1990, outras formas de contratação flexível de trabalhadores estavam em
ascensão. Por exemplo, cerca de 45% dos contabilistas, 50% dos trabalhadores de
tecnologia de informação, e 70% dos motoristas de caminhão estavam trabalhando
como prestadores de se e não como empregados (logo após a
recessão de 2009 e a recuperação da economia em 2010, o número de trabalhadores
temporários nos Estados Unidos teve uma alta histórica). Na verdade, o aumento da
nova precariedade salarial tornou-se um fenômeno do capitalismo global: em 2016,
cerca de 20% a 30% da População em Idade Ativa (PIA) nos Estados Unidos (e na
União Européia) eram trabalhadores freelance (BOLOGNA e BANFI, 2011). Caso
adicionemos a eles, os trabalhadores part-time, o percentual da força de trabalho dos
EUA que não tem um emprego em tempo integral chega a cerca de 40% KESSLER,
2018). Com a gig economy, a nova precariedade salarial apenas adaptou-se a era do
smartphone. O crowdsourcing ou o modelo de negócio ilustrado pelo sucesso da Uber
-se bem-sucedido
para capitalistas de risco (venture capital funding) e, ao mesmo tempo, objeto de atração
para clientes sedentos de facilidades e preços baixos. Para a multidão da força de
trabalho precária, o crowdwork tornou-se mais uma opção estratégica de sobrevivência
e um exercício fascinante pela ilusão do autoempreendedorismo tendo em vista a crise
do mercado de trabalho. Num cenário histórico de crise do emprego, precariedade
salarial e proliferação da ideologia do auto-empreendendorismo, a new economy
propiciou a base tecnológica para a gig economy com efeitos significativos no mundo
do trabalho, alterando a forma pela qual diversas pessoas desempenham suas atividades
laborais.
Os EUA, que nos legaram o termo fordismo para caracterizar um modo de
regulação do trabalho formal nas condições históricas de ascensçao do capital, ele nos
fornece hoje, diante da crise do capitalismo global, o termo gig economy (e uberização
do trabalho). No caso do Brasil, trata-se da afirmação da nova informalidade laboral

37
(como iremos expor adiante). A presença de novas tecnologias informacionais em rede,
caracterizou a reposição das implicações da subalternidade laboral sob a nova
precariedade salarial. Embora os trabalhadores uberizados não possam ser considerados
empregados assalariados no sentido literal do termo, tal como por exemplo, os
trabalhadores assalariados contratados por uma empresa, eles estão inseridos numa
relação salarial ou relação de subalternidade salarial (embora a categoria salário tenha
sido implodida, ela se repõe de outra forma pois a relação de subalternidade estrutural
persiste - o que abre o litigio trabalhista onde juristas admitem que existe sim, vínculo
empregatício oculto nas relações de trabalho uberizadas).

3. 5 A gig economy como a no Brasil

O Brasil é um país de capitalismo dependente cujo mercado de trabalho


caracterizou-se historicamente pela dualidade salarial embora não haja uma razão
dualista por trás da (OLIVEIRA, 2013). A nova informalidade que
se amplia no Brasil trata-se apenas do modo de exposição do novo capitalismo flexível
que repõe, num patamar superior, o que tem caracterizado historicamente o capitalismo
dependente brasileiro (De te fabula narratur diria Marx). O trabalho precário de baixa
qualificação e a informalidade social na indústria, serviços e comércio caracterizaram
historicamente o mercado de trabalho no Brasil com seu amplo contingente de
subproletariado, a massa de trabalhadores urbanos e rurais pobres sem proteção social.
Com o capitalismo global, principalmente em meados da década de 2000, com a

gig economy inserido em ocupações


precárias sem direitos trabalhistas e previdenciários. Alguns autores consideram como
sendo a superexploração do trabalho vivo como característica do capitalismo global
(VALENCIA, 2018).
A nova informalidade que se amplia no capitalismo brasileiro no século XXI
deve aprofundar a flexibilidade estrutural do mercado de trabalho brasileiro, diminuindo
a cobertura de regulação trabalhista e aumentando o contingente de proletariedade
extrema (trabalhadores sem direitos trabalhistas e previdenciários). Nas suas reflexões
seminais (de 2003), Francisco de OLIVEIRA (2013) expôs teoricamente as
metamorfoses das categorias do trabalho assalariado, implodidas pela nova
informalidade . Disse ele: Avassalada pela Terceira Revolução Industrial, ou

38
molecular-digital, em combinação com o movimento da mundialização do capital, a
produtividade do trabalho dá um salto mortal em direção à plenitude do trabalho
abstrato . Portanto, a exacerbação do trabalho abstrato para além de seu topos originário
(o local do trabalho com vínculos empregatícios). Com o trabalho abstrato virtual ,
termo utilizado por Francisco de Oliveira, o emprego (e as categorias clássicas de
capital variável, jornada de trabalho e salário) dissolveram-se, dando lugar a novas
formas de exploração do trabalho humano que ocultam a subalternidade estrutural da
força de trabalho diante do capital. Ao escrever seu ensaio
de Oliveira ainda não tinha diante de si a formas que elevou o
novo (e precário) mundo do trabalho à
de Manuel Castells). Mas ele vislumbrava a dirupção categorial que a revolução
informacional provocaria nas formas de exploração da força de trabalho objetiva e
subjetivamente: Os serviços são o lugar da divisão social do trabalho onde essa ruptura
já aparece com clareza. Cria-se uma espécie de
onde o trabalho aparece como
diversão, entretenimento, comunidade entre trabalhadores e consumidores: nos
shopping centers. Mas é na informação que reside o trabalho abstrato virtual
(OLIVEIRA, 2013).
A proliferação de s ou trabalhadores travestidos de
micro-empresários individuais representa a nova informalidade que caracteriza o
novo topos da laboralidade salarial. Deste modo, encontramos no trabalho virtual dos
serviços informacionalizados, o topos privilegiado da nova precariedade salarial no
capitalismo global. No topos da nova precariedade salarial encontramos o acervo
heteroclito do trabalho vivo precarizado (o que denominamos de Arca de Noé recurso
de analogia mitológica que expressa a dimensão da tragédia salarial os condenados
pelo dilúvio neoliberal e a dimensão da esperança de realização (ou sobrevivência)
salarial pelo mito do empreendedorismo).
Portanto, amplia-se o topos da nova precariedade salarial no Brasil. No plano da
empresa temos as novas (e diruptivas) mudanças na legislação trabalhista que desde a
década de 1990, aumentam as opções de contratação precária pelas empresas. Em
contraste com o núcleo organizado do mercado de trabalho no setor privado e setor
público em torno do qual se constituiu a regulação salarial com direitos trabalhistas e
previdenciários, constituiu-se um novo (e precário) mundo do trabalho, uma borda
periférica do mercado de trabalho desorganizado, uma larga periferia de marginalidade

39
social nas atividades de comércio e serviços de baixa qualificação nas cidades,
incluindo um setor arcaico (a velha informalidade) e outro setor pós-moderno (a nova
informalidade ou gig economy). O novo (e o arcaico) mundo da informalidade laboral
passado e presente da miséria do trabalho no Brasil - contrasta-se, por exemplo, com o
contingente de operários e empregados assalariados urbanos inseridos no
mercado de trabalho formal nas organizações privadas e púbicas com vínculo
empregatício por tempo indeterminado e cobertos pela legislação trabalhista (SINGER,
1981; KOWARICK, 1982).
Um traço fundamental (e fundante) da nova informaidade é a ocultação dos
vinculos de subalternidade estrutural entre capital-trabalho e portanto, o vinculo
empregaticio e relação de exploração do trabalho humano. Trata-se daquilo que Ruy
Fausto vislumbrou como sendo a negação do capitalismo no interior do próprio
capitalismo. Deste modo, não temos a forma-emprego padrão tal como nós a
conhecemos e a partir do qual se constituia a exploração do trabalho humano. Apesar da
mudança das categorias fundamentaos da forma de exploração do trabalho humano,
persiste de modo insidioso, a relação-capital. A nova precariedade salarial torna-se a
matéria social privilegaida para ocultar o salariato pela ideologia da liberdade e do
.
No passado os parâmetros de salário, jornada de trabalho e local de trabalho
definiam o que era ter um emprego. Entretanto, com a nova precariedade salarial,
disseminou-se a nova informalidade onde os parâmetros laborais foram redefinidos
objetiva e subjetivamente. A nova materialidade social mediada pelos novas tecnologias
informacionais tornou propicio a eficácia da ideologia da liberdade do empreendedor
digital ou do A ascensão da ideologia do
empreendedorismo opera a ocultação ideológica da exploração da força de trabalho pelo
capital, pois o fato dos novos trabalhadores exercerem uma atividade laboral com maior
componente imaterial (conhecimento) e terem uma suposta autonomia no processo de
trabalho, contribui para a ilusão de serem patrões de si mesmo . Portanto, a
inf do trabalho que se desenvolvve com o crowdwork caracteriza-se pela
implosão do coletivo de trabalho (o coletivo foi privatizado no espaço doméstico),
tornando trabalhadores travestidos de micro- (ou
nanoempreendedores) adversos às práticas associativas ou sindicais. A materialidade da
nova precariedade salarial oculta objetivo e subjetivamente a exploração da força de
trabalho, pois os sujeitos do trabalho não acreditam que vendem a força de trabalho,

40
mas sim o produto digno de sua atividade - tal como os velhos artesãos e seu orgulho
profissional (o que significa que a nova precariedade salarial significa, de certo modo,
no plano ideológico, a reposição do arcaico nas condições da acumulação flexivel).
Deste modo, a ideia de direito do trabalho reduziu-se, perdeu-se efetivamente até
desaparecer pois, com o privilegiamento perverso da negociação individual, corroeu-se
a base da da negociação coletiva, enfraquecendo-se historicamente o poder de barganha
sindical.
Sob a ideologia do individualismo possessivo, transferencia para o individuo a
responsablidade moral pelo usufruto de férias, 13º salário., licença-saúde, limite a
jornada de trabalho, aposentadoria ou pensão por invalidez permanente, outrora direitos
coletivos regulados por Lei. Isto é, caso queira ter direito a todos os benefícios a pessoa
precisa, por exemplo, poupar para ter um plano de saúde, seguro de vida ou plano de
aposentadoria privada. Portanto, o que antes era responsabilidade ou dever moral e
político do Estado mediado (como direito) pelo coletivo de classe tornou-se obrigação
do sujeito individual que trabalha. Caso o individuo fique desamparado, a culpa é dele.
Deste modo, o fardo do capital é percebido como culpabilização da vítima , uma
operação ideológica da cultura neoliberal.
A construção do novo arcabouço laboral do trabalho lexivel é uma operação de
mudança antropológica. A frase de Margareth Thatcher, ex-primeira-ministra do
Governo neoliberal na Inglaterra da década de 1980, tornou-se lapidar da
do trabalho: economia é o método, o objetivo é mudar a O
efeito humano da nova precariedade salarial sobre a alma humana significa longas (e
intermitentes) jornadas de trabalho, com o tempo de vida pessoal reduzido a tempo de
trabalho diga-se de passagem, trabalho mental intenso e extenso, inclusive em fins de
semana, agravando, deste modo, situações de insonia, ansiedade e depressão, ou ainda
transtornos psicológicos. Esta é a precarização da vida (LINHART, 2014; ALVES,
2011).
A cultura do novo capitalismo (SENNET, 2003) é uma fábrica de ilusões de
autonomia. Mas é também uma fábrica de solidão pois a nova informalidade aprisiona o
trabalhador flexível na sua rigidez individualizada diante do mercado oligopolizado
todo-poderoso. A sociedade neoliberal é o reino de ilusões e solidões em rede. A luta
social do século XXI deve ser a luta pelo nova lei do trabalho que proteja a parte
hipossuficiente - o trabalho. O mal-estar não está nas novas tecnologias informacionais
que permitem por exemplo exercer o home-office ou convocar o trabalhador

41
intermitente pelo whats app, mas sim no modo de regulamentar tais atividades laborais,
deixando que as pessoas que trabalham fiquem à mercê dos empregadores, reduzindo
suas vidas à agenciamentos do novo produtivismo capitalista. Como observou Sá,
trabalho precário se caracteriza pela instabilidade (impossibilidade de programar o
futuro situação dos jovens que ficam até mais tarde em casa dos pais); à incapacidade
econômica (impossibilidade de fazer face aos so e de assegurar as despesas
econômicas do cotidiano o surgimento dos e à alteração dos ritmos
de vida (alteração nos horários de trabalho e da relação entre
(SÁ, 2010).
Em 2018, a informalidade bateu recorde no Brasil e já atinge 43% dos
trabalhadores, diz o IBGE29. O pequeno crescimento do emprego ocorrido em 2018, foi
puxado pela informalidade que sempre caracterizou a dos
alienados à margem da regulamentação trabalhista (o trabalhador assalariado, por conta
própria, doméstido ou do setor púbico sem carteira de trabalho). Entretanto, os efeitos
da Reforma Trabalhista e da Lei da Tercerização devem ampliar, ao lado da velha
informalidade, a nova informalidadade caracterizada pelo trabalho flexivel
regulamentado e com carteira e pela nova informalidade da gig economy (ou a
crowdeconomy) no setor de serviços com os crowdworkers.
A representa a reposição da superexploração do trabalho
nos moldes pós-modernos. Em sua fase de crise estrutural, o capitalismo dependente
brasileiro (o na metafora utilizada por Oliveira, considerado popr ele,
das sociedades capitalistas mais desigualitárias necessita articular cada vez
mais, numa dimensão ampla, a e informalida como modos de
superexploração do trabalho no século XXI. Tanto o trabalho intermitente, quanto o
trabalho do home office ou telebrabalho, e ainda o trabalho do crowdworker da gig
economy, travestido de micro-empreendedor individual, são variantes da modalidade do
trabalho flexivel que caracteriza a nova precariedade salarial. Como salientamos, ele
implode os parâmetros estruturais da relação de emprego tal como nos a conhecemos.
Essa nova informalidade laboral se utiliza da nova tecnologia informacional para
reduzir custos da força de trabalho, criando novas formas de exploração e espoliação
do trabalho vivo para o capital.

29
Informalidade bate recorde no país e já atinge 43% dos trabalhadores Folha de São Paulo.
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/11/informalidade-bate-recorde-no-pais-e-ja-atinge-43-dos-
trabalhadores.shtml. Acesso em 03/11/2018

42
3.6 A Topologia da Nova Precariedade Salarial

A nova precariedade salarial no Brasil caracteriza-se pela presença, nos locais de


trabalho reestruturados das novas empresas flexíveis, tanto de trabalhadores assalariados
e trabalhadores (terceirizados, PJ´s ou prestadores de
serviço, etc). Ao mesmo tempo, ao lado da velha informalidade historicamente marcante
da marginalidade social no Brasil com atividades do comércio e serviços de baixo valor
agregado, ampliou-se no espaço urbano brasileiro, uma nova informalidade constituída
pelo trabalho de autoempreendedores da gig economy ou crowdsourcing economy tal
como descrito acima. No conjunto, presenciamos no começo do século XXI no Brasil,
um complexo vivo do trabalho subalterno híbrido (e heteróclito) que compartilha entre
si, a condição de proletariedade do cibertariado de serviços da era do capitalismo
informacional.
A condição de proletariedade do novo (e velho) salariato no Brasil preservam
historicamente os mesmos traços de conformação existencial: a redundância e a
intermitência. Estas são características da nova precariedade salarial que reforçam as
características de flexibilização estrutural da força de trabalho no Brasil. Elas se cruzam
e se desdobram nas formas de ser da nova precariedade salarial. Por um lado, a
intermitência dos trabalhadores precários, tanto na empresa quanto no mercado de
trabalho em geral; e de outro lado, a ameaça da redundância historicamente presente
desde sempre na sociedade do trabalho no Brasil que inquieta os estáveis . Por
exemplo, o crescimento da ameaça de redundância no núcleo mais dinâmica da
economia, onde estão os estáveis, é perceptível pelo aumento da concorrência entre os
trabalhadores assalariados de maior escolaridade. A maior oferta de trabalhadores
assalariados com mais de 12 anos de estudos nos últimos 20 anos (1999-2019), tendo
em vista a elevação da fatia dos brasileiros com ensino médio e superior em andamento
ou concluído, reduziu o ganho salarial dos assalariados com mais escolaridade, expondo
a precarização do trabalho que atinge camadas médias do proletariado urbano. A
intermitência e a redundância que caracterizam a nova precariedade salarial no mercado
de trabalho brasileiro, encontra um lugar (espaço) representativo na laboralidade do
setor de serviços representado pelos trabalhadores do autoempreendedorismo (free
lancers, microempreendedores individuais, etc) que permeiam a crowdeconomy (no

43
caso da proposta de pesquisa em apreço, os trabalhadores com aplicativos de
transporte).
Tanto os assalariados precários das novas empresas flexíveis, quanto o
cibertariado de serviços do capitalismo das plataformas pertencem a um novo território
de poder do capital. A partir da década de 1980 com a reestruturação produtiva do
capital tivemos um movimento de mudanças diruptivas do topos do trabalho
assalariado. O capital reestruturou por meio da revolução informacional em rede, os
espaços do local de trabalho, constituindo uma nova topologia da precariedade salarial.
O redimensionamento (ou reorganização) do topos da precariedade salarial com as
novas tecnologias informacionais em rede completou o processo de ofensiva do capital
iniciado com a automação e robotização. A virtualização constituiu uma nova
topologia do salariato pós-moderno.
A topos da precariedade salarial que caracteriza as relações sociais de produção
capitalista, são permeadas por vetores de poder ou vetores que expressam relações de
poder, constituindo, deste modo, o coletivo (ou o território do trabalhador coletivo capaz
de representação da consciência de classe). Automação e robotização preservam o
topos do labor salarial, embora liofilizado na sua conformação interna. É a idéia da
fábrica enxuta que apesar da lean production ainda continua sendo fábrica, mesmo
ampliada (e fragmentada) como cadeia de subcontratação. Esta é uma das topologias da
nova precariedade salarial representada pela nova empresa flexível, tal como
representada no Quadro 1.
O recurso da topologia torna-se útil para representar o movimento dos vetores da
precariedade dos vínculos de subalternidade que se constituem efusivamente em torno
da grande empresa (o locus do capital) a partir do qual se organiza a geratriz da
produção do capital. O recurso topológico torna dá visibilidade à nova forma da
organização capitalista em torno da empresa como loci fundamental da produção do
capital. Existe um movimento de claro-escuro da big corporation que, ao mesmo tempo
que dá visibilidade à marca como representação virtual do (poder) do capital,
invisibiliza a subalternidade estrutural do lugar do trabalho vivo por meio da tessitura
ideológica do auto-empreendedorismo. No caso do Quadro 2 (os
microempreendimentos da gig economy ou crowdsourcing economy), a operação de
ocultamento das relações de poder da big corporation são mais eficazes, embora ela
ocorra também com vigor na topologia representada no Quadro 1 (a nova empresa
flexível e a cadeia de subcontratações).

44
A exposição das topologias da nova precariedade salarial é o mapeamento do
território virtual onde os sujeitos que trabalham elaboram suas forças (e experiencias) de
identidade (e não-identidade) no plano laboral. Vários autores ressaltaram a importância
do reordenamento espacial do capital como recurso de destruição do poder da classe
organizada (Harvey e Silver por exemplo). O regime de acumulação flexível significou
desterritorializar a produção do capital por meio de novas tecnologias informáticas ou
informacionais. Na verdade, os novos modelos de negócio que surgiram a partir da
revolução informacional que encontrou na Internet sua expressão fundamental, realizam
a contento a idéia contraditória do trabalho abstrato concentrado enquanto cadeia de
produção de mais-valor e ao mesmo tempo, desconcentrado/desterritorializado
virtualmente. A força da ideologia liberal do self-made man encontra sua materialidade
nas novas tecnologias informacionais que permitem por meio da rede, substancia do
intelecto coletivo a quebra da classe-que-trabalha.
Por exemplo, o Quadro 1 apresenta a topologia da nova precariedade nas novas
empresas flexíveis. Deste modo, torna-se claro a reorganização da empresa e sua cadeia
de exploração em três níveis de implicação salarial: empregados estáveis, empregados
precários internos à empresa com seus respectivos vínculos contratuais; e trabalhadores
externos à empresa (prestadores de serviço sem vínculos de emprego com a empresa).
As relações de subalternidades são demarcadas por traços e linhas que demonstram a
força motriz do lugar da empresa como organizadora da cadeia de valor.

Quadro 1
Topologia da Nova Precariedade Salarial
(Empresas)

45
No Quadro 2 temos a topologia da nova precariedade nos
microempreendimentos individuais da gig economy. A empresa tece por meio da rede
(a plataforma virtual, a reprrsentação material do intelecto coletivo do trabalho vivo)
sua cadeia complexa de exploração virtual, operando deste modo a intermediação
entre o cliente e a multidão (crowd) de trabalhadores do microempreendimento. A
exploração da força de trabalho adquire uma nova conformação adequada àquilo que
Francisco de Oliveira denominpou de trabalho abstrato virtual. Os traços
descontínuos/contínuos representam em si, os matizes do vinculo de subalternidade
salarial travestidos de auto-empreendedorismo. É nos meandros da topologia da nova
precariedade salarial flexível que pretendemos devassar o movimento da experiencia
contingente da classe e seu sociometabolismo.

Quadro 2
Topologia da Nova Precariedade Salarial
(Autoempreendedorismo)

3.7 O sociometabolismo da nova precariedade salarial

A nova precariedade salarial implicou o surgimento de um sociometabolismo


laboral que começou a ser delineado pelo menos desde a década de 1980 por vários
autores. É possível vislumbrar elementos da nova sociabilidade neoliberal em autores
como Jean Baudrillard, Christopher Lasch, Ulrich Beck ou ainda Robert Castel e
Zygmunt Bauman. No livro do caráter - as consequências pessoais do

46
Richard Sennet mapeou aspectos do novo metabolismo social que
surgiu com a natureza flexível do novo capitalismo. Ele se detêm, num primeiro
momento, nos impactos do capitalismo flexível no caráter pessoal dos indivíduos. Ele
tratou dos empregados das novas empresas flexíveis. Para ele, o trabalho flexível aliena
as pessoas do sentido da experiência vivida por meio de narrativas pessoais lineares,
como ocorria, por exemplo, sob o capitalismo fordista, (que ele identifica com o
trabalho burocratizado e rotinizado) (SENNET, 1999; ver também SENNET, 2006).
Para Richard Sennet, a nova condição salarial alterou o metabolismo social, isto é, o
sentido da experiência humana para as novas gerações de empregados assalariados que
ria cumulativa baseada no uso
disciplinado do tempo com expectativas a longo p
Esta é uma experiencia da nova precariedade
salarial. Richard Sennet salientou mudanças significativas no plano dos laços de
afinidade com outros (amigos e a própria família) e no plano da auto-referencia pessoal
e a construção de uma narrativa pessoal de vida e trabalho.
Ao utilizar o recurso metodológico de história de vida/história do trabalho,
Richard Sennet salientou as clivagens geracionais provocadas pelo capitalismo flexível.
Por exemplo, Enrico, trabalhador fordista, apesar de ter o seu trabalho burocratizado e
rotinizado, conseguiu construir uma história cumulativa baseada no uso disciplinado do
tempo com expectativas a longo prazo. Ao contrário, para Rico filho de Enrico
trabalhador flexível, as relações de trabalho e os laços de afinidade com os outros não se
processam no longo prazo, em decorrência de uma dinâmica de incertezas e de
mudanças constantes de emprego e de moradia que impossibilitam os indivíduos de
conhecer os vizinhos, fazer amigos e manter laços com a própria família. Diante das
mudanças no mundo do trabalho, Como se pode buscar
objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter
relações durávei (SENNET, 1999).
Portanto, a condição salarial de cariz flexível ou a nova precariedade salarial tal
como se apresenta na nova empresa flexivel, provocou mudanças significativas no
sentido da experiência humana no mercado de trabalho. No plano da sociedade salarial,
tivemos alterações das relações sociais humanas, que se tornam voláteis e liquidas,
como diria Zy u da operação
sociometabolica provocada pela nova precariedade salarial de cariz flexível nas
empresas capitalistas (BAUMAN, 2001).

47
Um detalhe: as reflexões de Richard Sennet e Zygmunt Bauman tratam da
corrosão do emprego estável que ocorre nos países capitalistas centrais, onde o aumento
da precariedade laboral significou a redução dos contratos de trabalho padrão
disseminados logo após a Segunda Guerra Mundial no bojo da ascensão histórica do
capitalismo fordista-keynesiano.
Na década de 2000 no Brasil, dados da estatística social do mercado de trabalho
indicaram que se ampliaram os contratos por tempo indeterminado. Entretanto, o
crescimento da formalização do mercado de trabalho e o predomínio dos contratos de
trabalho por tempo indeterminado ocorreu pari pasu ao crescimento relativo das
contratações atípicas e dos trabalhos precários que disfarçam as relações com vinculo
empregatício (por exemplo, PJ´s) e o aumento dos MEI´s (microempresários
individuais). Portanto, o espectro da incerteza e da mudança de emprego com a
permanência da rotatividade da força de trabalho - e a ampliação do trabalho na
prestação de serviços a título de microempreendimentos individuais é um traço
estrutural da crise do mercado de trabalho. A precarização do mercado de trabalho é um
fenômeno global no começo do século XXI, verificando-se por exemplo na União
Europeia e nos EUA com a ampliação dos ditos precários (KALLEBERG, 2011). Por
trás da corrosão persistente das relações salariais no mercado do trabalho nos países
capitalistas centrais e no Brasil por exemplo existe a constituição de um novo
sociometabolismo que, como observou Richard Sennet, caracteriza-se pela corrosão do
caráter.
O local de trabalho no mundo capitalista está mudando a um ritmo vertiginoso.
A corrosão do caráter que ocorreu com o capitalismo flexível não deriva apenas dos
vínculos de emprego flexíveis. Existe, por exemplo, outra deriva salarial inscrita no
mercado de trabalho que decorre da dinâmica da jornada de trabalho e modo de
remuneração salarial. Deste modo, com o capitalismo flexível, operou-se no seio dos
trabalhadores estáveis, a redução do tempo de vida a tempo de trabalho. É o que

2011). O tempo é o campo do desenvolvimento do sujeito humano e, portanto, da


subjetividade humano-genérica. Na medida em que o tempo de vida se reduz a tempo de
trabalho estranhado, tende a operar-se o processo de despersonalização/alienação (ou a
desefetivação humano-genérica do sujeito humano). Eis um dos aspectos da
precarização existencial não detectados pelos indicadores da macroeconomia do
trabalho. Em estudo feito por pesquisadores britânicos, observou-se que trabalhar

48
demais não aumenta só o cansaço, mas também o risco de desenvolver depressão. Nas
últimas décadas, o mais-trabalho ou o trabalhar demais disseminou-se com o
capitalismo flexível (DEL ROSSO, 2008). Na medida em que os novos métodos de
gestão do trabalho flexível provocam o envolvimento estimulado de operários e
empregados em longas jornadas de trabalho (overtime worked) em sua maioria,
trabalho estranhado, opera- dade do trabalho
vivo pelo capital e constitui-
com implicações sociometabólicas (crise da vida pessoal, crise da sociabilidade e crise
de autoreferência pessoal) (ALVES, VIZZACCARO-AMARAL e MOTA, 2011).
Na verdade, desde o começo do século XX, Richard Sennet contrastou o
trabalho fordista, burocrático, rotinizado e com uso disciplinado do tempo, com o
trabalho flexível, incerto e inconstante com relação aos laços de emprego e moradia. O
a medida em que o trabalho
capitalista incorporou a incerteza e inconstância do trabalho flexível. Ao invés de abolir
a rotina do trabalho, o trabalho flexível constituiu a nova rotinização laboral (ALVES,
2000) que repõem, sob o patamar da experiência salarial desterritorializada, as clivagens
sociais do trabalho capitalista de cariz estranhado, isto é, (1) trabalho insatisfatório,
esvaziado de conteúdo; (2) remuneração salarial insuficiente com respeito às
expectativas de satisfação dos carecimentos sociais; e (3) despotismo laboral de cariz
auto-reflexivo (ao invés da chefia autocrática da linha de montagem acoplada a esteira
mecânica do trabalho fordista-taylorista, temos o despotismo auto-reflexivo nos locais
de trabalho, com o trabalho toyotista instaurando equipes de trabalho onde o operário ou
empregado torna- Portanto, com a nova
precariedade salarial não apenas a nova empresa flexível, mas com a nova
informalidade do trabalho na gig economy, o trabalho flexível capitalista alterou o
sentido da experiência salarial na medida em que transtornou (1) a dimensão
territorial dos vínculos trabalho-vida e (2) a dimensão dos laços afetivos com o outro e
os (3) laços de auto-referencia pessoal (o território intangível do self) (ALVES, 2013).

3.8 O conceito de experiência

Utilizaremos a categoria de experiência, de E.P. Thompson, para tratar da


experiência de jovens-adultos lesionados do novo (e precário) mundo do trabalho no

49

S-ar putea să vă placă și