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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MANOEL ROBERTO FERREIRA CHAGAS

O SAGRADO ECOLÓGICO:
RELAÇÃO ENTRE O HOMEM E A NATUREZA NO CANDOMBLÉ JEJE SAVALÚ EM
BELÉM DO PARÁ

BELÉM
2014
2

Dados internacionais de Catalogação na publicação


Biblioteca do Curso do Centro de Ciências Sociais e Educação – UEPA – Belém – Pá
__________________________________________________________________________________________

C426s Chagas, Manoel Roberto Ferreira

O sagrado ecológico: relação entre o homem e a natureza no candomblé jeje savalú em Belém do
Pará / Manoel Roberto Ferreira Chagas; Orientadora: Daniela Cordovil Correa dos Santos, Belém, 2014.

126 f.: Il.; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade do Estado do Pará, 2014.

1.Religião 2. Identidade ecológica 3. Candomblé Jeje Savalú I. Santos, Daniela Cordovil


Corrêa dos Santos (Orient.) II. Título.

CDD: 21 ed. 200

___________________________________________________________________________
3

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MANOEL ROBERTO FERREIRA CHAGAS

O SAGRADO ECOLÓGICO:
RELAÇÃO ENTRE O HOMEM E A NATUREZA NO CANDOMBLÉ JEJE SAVALÚ EM
BELÉM DO PARÁ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Ciências da Religião da Universidade do Estado do
Pará, como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre.

Orientadora: Profª. Drª. Daniela Cordovil Corrêa dos


Santos.

BELÉM
2014
4

MANOEL ROBERTO FERREIRA CHAGAS

O SAGRADO ECOLÓGICO:
RELAÇÃO ENTRE O HOMEM E A NATUREZA NO CANDOMBLÉ JEJE SAVALÚ EM
BELÉM DO PARÁ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Ciências da Religião da Universidade do Estado do
Pará, como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre.

Orientadora: Profª. Dra. Daniela Cordovil Corrêa dos


Santos.

Banca Examinadora:

____________________________________________________
Profa. Dra. Daniela Cordovil Corrêa dos Santos (UEPA/PPGCR)

_______________________________________________________
Profa. Dra. Taissa Tavernard de Luca (UEPA/PPGCR)

____________________________________________________
Profa. Dra. Maria Roseli Sousa Santos (UEPA/PPGCR)

BELÉM
2014
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a DEUS pela sua infinita bondade e misericórdia e por ter permitido a conclusão deste
trabalho.

À toda Comunidade savaluna que me acolheu com carinho no Templo Afrorreligioso Funderê Oyá Jokolosy e
possibilitou a realização deste estudo. Minha profunda gratidão à Sacerdotisa Gàniyakú Jokolosy, a Mèhùnàn
Hínòhòdèsi, ao Kpèdjígàn Hunsijé e ao Kpèdjigàn Gankonã.

A todos os meus familiares, amigos e irmãos na fé em Cristo, em especial a meus pais, meus sobrinhos e irmãos
Mariene, Mirian, Mariza, Chagas, Mauro, Hélio, Marília, Marcello, Gilson e Jorge pelo apoio constante.

À Lucia Helena Ruiz Oliveira (in memorian) e minhas filhas queridas Heloisa e Izabella pelo amor incondicional
e apoio sempre.

Aos amigos fraternos Dr. Jorge Almeida, Dr. Gilson Chagas, Prof. Msc.Marcos Dutra (Família Dutra), Daniel
Lucas, Samuel Campos, Rosinda Miranda, Sandra Andrade, Simone Araujo, Ana Patrícia pelas conversas de fé e
socialização de conhecimentos e a todos que participaram deste trabalho.

À minha Orientadora Profa Daniela Cordovil Corrêa dos Santos pelo apoio, amizade, compreensão,
direcionamento da pesquisa e excelente orientação.

À Profa. Taissa Tavernard de Luca por ter participado da banca de qualificação, pelas importantes
considerações, críticas e sugestões para o engrandecimento do trabalho e pelo apoio a mim dispensado nos
momentos de dificuldades.

Ao Prof. Manoel Ribeiro de Moraes Junior por ter participado da banca de qualificação, pelo apoio e por todas as
contribuições necessárias para a construção do trabalho.

À Profª Maria Roseli Sousa Santos por ter aceitado o convite para participar da banca de defesa do Mestrado.

Ao Prof. José Carlos Aguiar de Souza da PUC-BH pelas importantes contribuições e pelas conversas via e-mail.

A todos os professores (as) e Secretários (as) do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião (PPGCR)
da UEPA pelo brilhante trabalho que vem sendo realizado com muito esmero e dedicação ao curso.

A todos os colegas da segunda turma do PPGCR pelos momentos inesquecíveis e agradável companhia.

E, finalmente, agradeço à todas as energias da natureza que me conduziram nessa longa trajetória.
6

¨Só haverá paz no mundo,


Quando houver paz entre
as religiões¨.

Papa João Paulo II


7

RESUMO

Este estudo visa compreender a relação entre o homem e a natureza no Candomblé Jeje
Savalú, e o papel da religião nessa relação, sem, no entanto, focalizar o protocolo litúrgico
presente na casa. Em todos os recantos da cidade de Belém do Pará, é possível encontrar
terreiros ou templos religiosos de matriz africana divididos em diferentes nações (Angola,
Jeje, Keto e Mina) denominados pelo termo candomblé. Muitos terreiros estão localizados em
bairros centrais da cidade que já não dispõem de áreas verdes, como era no passado em que
eles se serviam dos recursos naturais com facilidade para as suas práticas religiosas. Nesse
sentido, o discurso ecológico se faz presente no mundo moderno e tem despertado interesse
não apenas das questões ambientais, mas em diferentes áreas do conhecimento como a
filosofia, política e religião. No templo savaluno, em razão de seus ritos, não é diferente, o
afrorreligioso tem se apropriado do termo “ecologia” como forma de construir uma identidade
vinculada à tradição africana em que o homem está devidamente integrado com a natureza.
Essa concepção reflete a importância dos elementos naturais para as suas práticas religiosas,
sinalizadas pela necessidade que as religiões de integração têm desses elementos como parte
essencial de seu universo, reproduzindo um sentimento de respeito, harmonia, louvor,
reverência e reciprocidade. A proposta deste ensaio é apresentar o Candomblé Jeje Savalú e
sua relação com a natureza, na perspectiva de construção de uma identidade ecológica que
possa garantir a sustentabilidade tanto humana quanto natural.

Palavras-chave: Religião. Identidade ecológica. Natureza. Integração.


8

ABSTRACT

This study aims to understand the relationship between man and nature in Candomblé Jeje
Savalú and the role of religion in this relationship, without, however, to focus on the liturgical
protocol present in the house. In all corners of the city of Belém-PA, you can find yards or
religious temples of African origins divided into different nations (Angola, Jeje, Ketu, Mina)
denominated by the term Candomblé. Many yards are located in central districts of the city
that no longer has green areas, as it was in the past when they had easily the natural resources
to their religious practices. In this sense, the ecological discourse is present in the modern
world and has attracted interest not only environmental issues, but in different areas of
knowledge such as philosophy, politics and religion. In the religions of African origins, is not
different, African religiosity has appropriated the term “ecology” as a way to build an identity
linked to the African tradition in which the man is property integrated with nature. This view
reflects the importance of natural elements for their religious practices, signaled by the need
that integration religions have of nature as an essential part of their universe, reproducing a
sense of respect, harmony, praise, reverence and reciprocity. The purpose of this essay is to
present the Candomblé Jeje Savalú and their relationship with nature, in the perspective of
building an ecological identity that can ensure sustainability both human and natural.

Keywords: Religion. Ecological identity. Nature. Integration.


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LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Fachada da Associação e Templo Religioso ....................................... 24


Figura 2- Hènnú Savalunnú ................................................................................. 25
Figura 3- Gàniyakú Jokolosy, Ekedji Rendrka de Onitá e Kpèdjigàn de Dan. 25
Figura 4- Kpèdjigàn Alan, Osikpèdjigàn Renan, Kpèdjigàn Aldryn, Mèhunàn
Nalva e Mehùntó Tólégédèjá .............................................................................. 26
Figura 5- Adja de Oyá (Abesàn em Jeje) de três bocas ...................................... 28
Figura 6- Adja Xeron de Sógbò .......................................................................... 29
Figura 7- Mèhunàn Hinòhòdèsí e Gàniyakú Jokolosy ........................................ 31
Figura 8- Gàniyakú Jokolosy abrindo o Candomblé .......................................... 32
Figura 9- Kpèdjigàn Hunsijé Aldryn ................................................................ 34
Figura 10- Hùnjévi, a jóia sagrada dos Jejes ........................................................ 50
Figura 11- Hùjékwé, colar sagrado de Dan .......................................................... 51
Figura 12- Lakidigbá, colar sagrado de Ayíhòsú .................................................. 51
Figura 13- Vodun Gú Avahùn ............................................................................... 55
Figura 14- Vodun Agué ........................................................................................ 57
Figura 15- Vodun Gú Húntojí ............................................................................... 58
Figura 16- Vodun Agbé da Mèhunàn da Hwê ................................................. 61
Figura 17- Mèhunàn da Hwê em ato simbólico ............................................... 62
Figura 18- Vodun Gú da Donnè Ilozogun ............................................................ 63
Figura 19- Vodun Abésàn da Gàniyakú Jokolosy ................................................ 65
Figura 20- Folha da Costa .................................................................................... 71
Figura 21- Folha de Malvarisco ........................................................................... 71
Figura 22- Vasos com plantas sagradas no interior do terreiro ........................... 75
Figura 23- Árvore de Aroeira na parte externa da casa ....................................... 75
Figura 24- Fava de Aridan .................................................................................... 78
Figura 25- Obi (Goro na língua fon) .................................................................... 78
Figura 26- Gàniyakú e Kpèdjigàn ........................................................................ 99
Figura 27- Sacerdotisa Gàniyakú Jokolosy .......................................................... 103
Figura 28- Kpèdjigàn Hunsijé e Gàniyakú Jokolosy ............................................ 103
Figura 29- Copo e prato .................................................................................. 104
Figura 30- Pai Alfredo da nação Mina ................................................................. 108
Figura 31- Pai Alfredo falando sobre a importância das folhas ............................ 109
10

LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Cargos existentes em uma roça Jeje Savalú ................................ 33


Quadro 2- Grupo de divindades .................................................................. 41
Quadro 3- Correspondência entre Vodun(s) e folha(s) .......................... 72
Quadro 4- Voduns: quente e frio ........................................................... 80
Quadro 5- Sangue dos três reinos ................................................................ 81
11

SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................... 11

Capítulo 1- As religiões africanas e o Candomblé Jeje em Belém ........................ 18


1.1- O campo afrorreligioso na capital paraense ........................................................ 18
1.2- O Funderê Oyá Jokolosy e a Associação ARFUOJY ........................................... 23
1.3- Gàniyakú Jokolosy e seus filhos: sua trajetória e sucessivas iniciações e
práticas de diferentes matrizes afrorreligiosas ........................................................... 26

Capítulo 2- As divindades savalunas e a natureza: os mitos e os xwénuxos


..................................................................................................................................... 38
2.1- Mitos da criação .................................................................................................. 38
2.2- As divindades e seus domínios: ......................................................................... 47
2.3- O culto as divindades como culto a natureza: uma relação indissolúvel ............ 60

Capítulo 3- As folhas e o sacrifício ........................................................................... 70


3.1- A magia das folhas e a importância das plantas .................................................. 70
3.2- O sangue dos três reinos ..................................................................................... 79
3.3- O sacrifício e a renovação da vida ...................................................................... 82

Capítulo 4- A sacralização da natureza pelas religiões de matriz africana e suas


adaptações para o discurso ecológico ..................................................................... 88
4.1- A concepção da natureza na cosmovisão africana ............................................. 88
4.2- O conceito de ecologia e o movimento ambientalista ....................................... 93
4.3- A apropriação do discurso ecológico nos terreiros ............................................ 101
4.4- A luta por políticas públicas para terreiros a partir da mobilização de
argumentos ecológicos .............................................................................................. 106

Considerações finais ................................................................................................ 115

Referências ............................................................................................................... 120

Glossário ................................................................................................................... 124

Anexos ....................................................................................................................... 127


12

INTRODUÇÃO

A vontade de desenvolver um estudo sobre religião de matriz africana na Amazônia


surgiu em 2009, quando ingressei na especialização em “Cultura Afro-brasileira e Africana”,
oferecida pela FIBRA - Faculdade Integrada Brasil Amazônia em Belém do Pará sob o
amparo da Lei 10.639/2003 que torna obrigatório o estudo da cultura afro-brasileira e africana
no ensino fundamental e médio. A disciplina que mais despertou o meu interesse foi
“Religião e religiosidade de matriz africana” ministrada pela Professora Anaiza Vergolino,
mais tarde, tive a honra de reencontrá-la no mestrado, junto ao grupo de pesquisa GERMAA –
Grupo de Estudo de Religião de Matriz Africana na Amazônia, do Programa de Pós-
graduação em Ciências da Religião da UEPA - Universidade do Estado do Pará. O Grupo de
estudo é um projeto de extensão que tem como principal objetivo, proporcionar um debate
que envolva as religiões de matriz africana na Amazônia.
A primeira obra que tive contato sobre a temática das religiões de matriz africana foi
“Bantos, malês e identidade negra”, (2008) de Nei Lopes, na qual o autor apresenta a
importante contribuição do povo banto e malês na formação cultural e identitária da sociedade
brasileira. A segunda obra, que por sua vez, serviu de inspiração para a escolha do título do
projeto de pesquisa foi “O sagrado selvagem e outros ensaios” (2006) do sociólogo e
antropólogo francês Roger Bastide. Para ele, “o sagrado selvagem” ultrapassa os limites das
instituições religiosas e pode ser encontrado na ação contemplativa e mística da natureza.
“Contudo, esse sagrado que vemos novamente surgindo na cultura e na sociedade de hoje
quer-se um sagrado selvagem [...]. Não decerto, para copiá-los, já que por definição um
sagrado selvagem é criação pura, não repetição” (BASTIDE, 2006, p. 251). Assim sendo, o
sagrado nasce selvagem e é domesticado pelas sociedades tradicionais, diferentemente das
sociedades modernas que tratam de anular o lado domesticado do sagrado para evidenciar o
lado selvagem com toda a sua fúria.
O primeiro contato com os afrorreligiosos ocorreu no dia 18/03/2012 quando
participei da “Terceira caminhada contra a intolerância religiosa – Fé e Resistência”. A
concentração saiu do espaço público denominado “Ver-o-rio” em direção ao centro de Belém,
na Praça da República. Durante o cortejo, observei a presença de diferentes comunidades de
terreiros, cada qual com seus trajes representativos de sua identidade, que se empenharam em
dar visibilidade às singularidades de cada grupo.
No primeiro momento, o grande destaque ficou por conta da indumentária dos
sacerdotes e sacerdotisas das populações tradicionais de matriz africana, chamando a atenção
13

para a exuberância dos contrastes de cores dos colares e guias, dos turbantes tipicamente
africanos, dos ritmos e aromas que certamente desviaram os olhares do público presente, não
apenas para a plasticidade e estética do evento, mas principalmente para a organização ordeira
da mobilização política em defesa das garantias constitucionais do direito a liberdade
religiosa. No segundo momento, percebi que em cima do carro som, havia a presença de
diferentes lideranças religiosas ao lado de políticos conhecidos do público paraense,
desfilando lado a lado como se estivessem tecendo uma relação representativa do poder
mítico “entrelaçado” com o poder político, aparentemente observado.
Durante a concentração, na saída da caminhada, notei que algumas comunidades
saíram na frente, se distanciando dos outros grupos, desarticulando o principal objetivo que
deveria ser de unidade pela luta contra a intolerância religiosa e não, apenas, pela visibilidade
individual de cada comunidade em busca de espaços e afirmação política.
O segundo contato se deu em decorrência do Dia Mundial do Meio Ambiente, quando
participei, como ouvinte, do evento público denominado “Axé e Natureza”, realizado no dia
05/06/2012 no Auditório da SEFA (Secretária Estadual da Fazenda), localizado na Av.
Visconde de Souza Franco em Belém do Pará, promovido pela ARFUOJY (Associação
Afrorreligiosa e Cultural Funderê Oya Jokolosy).
A abertura do evento ficou sob a responsabilidade do Kpèdjigàn Gankónã (Alan) e da
Sacerdotisa Gàniyakú Jokolosy (Nação Jeje Savalú), que discursaram sobre a importância da
natureza para o povo de santo.
O evento contou com a participação de vários convidados e dentre eles estava o
representante do MOPS PARÁ (Movimento Popular da Saúde), que apresentou o MOPS
como movimento mobilizador, organizador de luta, de busca, de construção e defesa da saúde
integral para todos, segundo a concepção ampliada, objetivando assegurar as contribuições
dos usuários na construção de políticas públicas, na participação de gestão pública e no
aprofundamento do controle social segundo os princípios da educação popular em saúde.
Antes do início do evento foi distribuído aos participantes um texto sobre A Carta da
Terra, que contém alguns princípios fundamentais de como respeitar e cuidar da comunidade
e da vida, reconhecendo que todos os seres vivos são interligados e cada forma de vida tem o
seu devido valor, independentemente de sua utilidade para os seres humanos.
Na abertura do evento foi enfatizada a relação do Candomblé com a natureza, no que
se refere ao mote ecológico como elemento aglutinador da tradição. Dessa forma, é possível
compreender o processo de “purificação” do Candomblé, quando este descarta os elementos
considerados negativos e estigmatizados por força da intolerância religiosa e de preconceito.
14

Em contrapartida, procura agregar e legitimar um novo conceito que venha gerar o


reconhecimento do Candomblé como religião “ecológica” na luta para se afirmar e
desmistificar os rótulos de “poluidores da natureza”, por conta das práticas religiosa que
inclui as oferendas que são depositadas nos espaços públicos, e pelo sacrifício de animais.
Quanto à pesquisa de campo, minha grande preocupação estava relacionada com a
maneira de como poderia ser inserido em uma casa afrorreligiosa, como pesquisador, pelo
fato de não conhecer nenhum terreiro e não saber como iria ser recebido. Para a minha
surpresa, a sacerdotisa do primeiro terreiro que conheci, iniciou a sua fala afirmando que a sua
casa é um espaço de acolhimento e que todos serão sempre bem vindos, como se estivesse
traçando o meu perfil religioso, olhando-me dos pés a cabeça, explicando sem perguntar ou
indagar sobre a minha religião, como se já soubesse. Pois, sou de raiz adventista, e minha
presença em alguns terreiros, incluindo esse, causou estranheza.
Em outras casas que visitei, busquei, inicialmente, uma aproximação revestida de
muita prudência e cautela, pelo fato de não ter intimidade com o espaço afrorreligioso,
evitando qualquer comentário que pudesse ser considerado inapropriado para o momento,
priorizando, a “observação participante” como fator primordial de coleta de dados mais
pertinentes para a temática pesquisada (GEERTZ, 1989).
No início da pesquisa de campo, o lócus para a realização do trabalho, ainda estava
sendo definido, diante da dificuldade de escolha do Candomblé no que se refere à nação a ser
pesquisada, pois no afã de iniciar a pesquisa, me aventurei em diferentes terreiros, porém sem
possibilidade de avançar na desenvoltura do trabalho. A partir de Julho de 2013, fui
apresentado à comunidade savaluna, liderada pela Sacerdotiza Gàniyakú Jokolosy e me senti
completamente à vontade para iniciar a entrevista, pois, em nenhum momento fui questionado
sobre a minha origem religiosa. No Templo Afrorreligioso Funderê Oyá Jokolosy, percebi a
existência de uma energia favorável que possibilitou o bom andamento do estudo. Até então,
pensava que o campo de pesquisa, seria apenas uma escolha do pesquisador, no meu caso, fui
informado pela sacerdotisa que já havia sido escolhido pela família savaluna e pelas
divindades, a partir desse momento tive a sensação de estar em casa. Assim, observei que
acima da relação profissional que envolve pesquisador e pesquisado, está a relação de
confiança, respeito e amizade, que foi sendo construída ao longo dos contatos com os adeptos
da comunidade.
Entretanto, a presença de um pesquisador de raiz adventista num terreiro de
Candomblé, é no mínimo incomum. De forma geral, o que chama a atenção é justamente a
visão paradoxal existente entre religiões consideradas antagônicas e distantes uma das outras
15

por razões “etnocêntricas” e diferenças doutrinárias, que geralmente desemboca num mar de
intolerância e incompreensão religiosa que navegam entre dois pólos: o sagrado e o profano; o
cristão e o pagão. Isso nos remete ao questionamento clássico sobre o que é do bem e o que é
do mal, “se são deuses ou demônios” (MACEDO, 2006). A resposta para esses eternos
dilemas está inserida na subjetividade e nos valores de quem precisa responder, e depende,
sobre tudo, do olhar de cada um, ou seja, os demônios de uns podem ser os deuses de outros e
vice e versa. Obviamente que essa questão está longe de ser resolvida ou respondida de forma
direta, clara e objetiva. Afinal, o essencial e o mistério são invisíveis aos olhos, mas a
essência religiosa pode ser sentida de diferentes maneiras, a relação com “Deus” ou com os
“Deuses”, depende do ethos de cada um. Para (BASTIDE, 2006) “o homem é uma fábrica de
criar deuses” e junto com a criação de cada divindade está presente no mesmo pacote,
diferentes sentidos e significados.
No campo de pesquisa, percebi a importância da “neutralidade axiológica”, no sentido
de evitar um discurso apologético sobre valores doutrinários distintos da religião em questão.
Assim, é necessário abraçar a pesquisa e tudo o que ela envolve, e isso implica determinação
e profissionalismo do pesquisador para a condução do trabalho. Acima de qualquer
proselitismo religioso está à relação harmoniosa entre aqueles que se respeitam e se querem
bem, o que vale é a intenção de acolher e valorizar o outro, respeitando a idiossincrasia de
cada indivíduo. Essa preocupação com o bem estar do ser humano, está presente no
Candomblé Jeje Savalú. O cuidado e atenção a mim dispensados, referentes a problemas de
saúde e do campo espiritual foi relevante durante o período decorrente da pesquisa, a sensação
de ser acolhido pela comunidade recrudesceu no decorrer da pesquisa, num único objetivo, o
de proporcionar harmonia e equilíbrio ao ser humano.
Contudo, o fato de não conhecer e nem ter intimidade com os terreiros, tornou-se um
grande obstáculo acompanhado de desconfianças e de dificuldades encontradas em algumas
casas, mas felizmente, com o passar do tempo e com a intervenção de pessoas conhecidas,
esse impasse inicial foi contornado a partir do momento que os adeptos perceberam que se
tratava de uma pesquisa, e que eu estava desempenhando um estudo como pesquisador, cujo
objeto de análise enfatizava o papel da religião de matriz africana na relação entre o homem e
a natureza, com a intenção de proporcionar um grande debate em torno dessa temática.
Outra questão a ser destacada, fica por conta dos “melindres” que podem ocorrer antes
ou no decorrer da pesquisa, podendo se tornar um problema para o pesquisador. Nesse caso, é
necessário priorizar todas as precauções que viabilizem a relação com os sujeitos inquiridos
na pesquisa, tomando o cuidado para que todos os acordos sejam cumpridos, caso contrário, a
16

relação poderá ser estremecida. Como exemplo, destaco uma situação de “melindre”, com
uma sacerdotisa que nem sequer, tive a oportunidade de conhecer. Após várias tentativas para
um contato inicial, a mesma não quis me receber, alegando que eu já havia visitado outros
terreiros antes de conhecer a sua casa. Não obstante, é necessário compreender que existe
uma constante comunicação entre os terreiros, e que a presença do pesquisador em um
determinado espaço religioso, pode ser levada ao conhecimento de outro terreiro inserido na
pesquisa, que por sua vez, poderá compreender a ausência da visita como “descaso”, e que
possivelmente esse entendimento resultará numa “porta fechada”.
A primeira entrevista com a Sacerdotisa Gàniyakú Jokolosy e a comunidade da
Associação Funderê Oyá Jokolosy ocorreu no dia 29/07/13 as 17:00 horas, conforme
combinado por telefone, inicialmente fui recebido pelo Kpèdjigàn Alan e por outros membros
da comunidade, que se mostraram bem receptivos, fiquei numa área próxima a entrada
principal da casa conversando e aguardando a chegada da Gàniyakú Jokolosy, que apesar da
grande intensidade de trabalhos litúrgicos, a sacerdotisa me recebeu com alegria e demonstrou
grande disposição em colaborar com a pesquisa. Em seguida fui convidado para entrar em
uma sala mais reservada para iniciarmos a conversa sobre a temática do projeto de pesquisa.
A minha intenção era apenas de falar sobre o projeto e me apresentar à comunidade Jeje
Savalú, para que num segundo momento pudesse iniciar a entrevista sobre a relação da
comunidade com a natureza. Mas, o ambiente estava tão propício e harmonioso que o trabalho
começou a fluir a partir desse primeiro encontro.
Em Agosto de 2013, retornei ao Templo Religioso Savalú para dar continuidade à
pesquisa. No primeiro momento fui recebido pela Mãe Jokolosy, que no decorrer do trabalho
chamou o Kpèdjigàn Hunsijé (Aldryn), seu neto, para participar da entrevista, que contribuiu
com informações precisas sobre a Nação Jeje Savalú. A coleta dos dados concernentes a
temática pesquisada foi contemplada devido à grande quantidade de informações que facilitou
o desenvolvimento da pesquisa. O espaço destinado às entrevistas é bem aconchegante, e a
comunidade esteve sempre disposta a colaborar e facilitar com o bom andamento do estudo.
O tema “Sagrado-Ecológico: relação entre o homem e a natureza no Candomblé Jeje
Savalú em Belém do Pará”, vem contrapor o “desencantamento do mundo” (WEBER, 1982,
p. 32). “O mundo se desencanta – como escreveu Weber – e passa a ser governado por leis
naturais, racionais e impessoais que podem ser conhecidas por nossa razão e que permitirão
aos homens o domínio técnico sobre a natureza (CHAUI, 1992, p. 350)”. O “sagrado-
ecológico” é um termo metafórico, constituído para se opor a fragmentação imposta pelo
mundo moderno, na busca de novos conceitos, atitudes e olhares que possam permitir uma
17

nova postura do ser humano em relação à natureza, pautada no respeito e no espírito de


reciprocidade.
No terreiro de Candomblé, existe uma interação muito forte com os elementos
naturais, os afrorreligiosos ainda guardam um sentimento de louvor e reverência pela
natureza, que por sua vez é revestida de uma força sagrada. A sacralidade tem um peso
substancial, fundamentado no conhecimento tradicional que está acima do discurso ecológico,
o povo de santo vem lutando para legitimar esse discurso, ainda em construção, para a sua
auto-afirmação na sociedade moderna.
Nas religiões de matriz africana é evidente a importância dos elementos da natureza
na liturgia e no cotidiano da vida religiosa. Diante dessa constatação foi estabelecido o
seguinte problema: como a natureza se apresenta aos olhos dos afrorreligiosos, e como o
sagrado ecológico se constitui nessa relação?
Para fins de análise da problemática em torno do objeto de pesquisa, foram levantadas
as seguintes hipóteses. A reverência aos elementos da natureza, corporificados nos deuses do
Candomblé, constitui de fato, o núcleo da experiência religiosa e do contexto ecológico. Os
savalunos reconhecem a importância da natureza para a sua prática litúrgica e para a
construção de uma identidade ecológica.
Por essa forma, o objetivo geral deste trabalho é analisar a relação entre o homem e a
natureza na sociedade ocidental e na “religião de integração” (PIAZZA, 2005); e os objetivos
específicos são: observar a maneira como o povo de santo lida cotidianamente com os
elementos da natureza, refletir sobre possíveis releituras das tensões que as oferendas exercem
no meio urbano e perceber o engajamento dos afrorreligiosos no debate ecológico e na busca
de políticas públicas.
Os princípios metodológicos estão vinculados à pesquisa bibliográfica e de campo, a
partir do estabelecimento de uma postura dialógica que integra: revisão bibliográfica, leitura
critica sobre o material teórico relacionado à temática proposta e pesquisa de campo
desenvolvida durante o período de Julho/2013 e Janeiro/2014, abarcando o método
etnográfico, no sentido de compreender a relação dos adeptos do Candomblé Jeje Savalú com
a natureza na capital paraense.
Na pesquisa de campo, foram elencadas as técnicas de observação direta e
participante, que permite a coleta de dados sobre os espaços e os sujeitos inquiridos na
pesquisa; assim como foi utilizada a técnica de entrevistas semi-estruturadas, no intuito de
esboçar uma visão mais ampla do quadro concreto e detalhado sobre os relatos e história de
vida dos savalunos.
18

A presente dissertação está estruturada da seguinte forma: introdução, contendo


informações prévias sobre a gênese da pesquisa, as principais motivações, as hipóteses, os
objetivos, os princípios metodológicos; os quatro capítulos e as considerações finais.
No capítulo1- As religiões africanas e o Candomblé Jeje em Belém, apresento o
campo afrorreligioso na capital paraense; o Funderê Oyá Jokolosy e a Associação ARFUOJY;
e a trajetória da Sacerdotisa Gàniyakú Jokolosy, suas sucessivas iniciações e práticas de
diferentes matrizes afrorreligiosas e a trajetória dos demais informantes.
No capítulo 2- As divindades savalunas e a natureza: os mitos e os xwénuxos,
enfatizo os mitos da criação; as divindades e seus domínios; e o culto as divindades como
culto à natureza: uma relação indissolúvel.
No capítulo 3- As folhas e o sacrifício, apresento a magia das folhas e a importância
das plantas; o sangue dos três reinos; e o sacrifício e a renovação da vida.
No capítulo 4- A sacralização da natureza pelas religiões de matriz africana e suas
adaptações para o discurso ecológico, abordo a concepção de natureza na cosmovisão
africana; o conceito de ecologia e o movimento ambientalista; a apropriação do discurso
ecológico nos terreiros; e a luta por políticas públicas para os terreiros a partir da mobilização
de argumentos ecológicos.
As Considerações finais serão o ponto de convergência de vários caminhos e de
escolhas, que se abrem as perspectivas e que se integram em diferentes possibilidades de
compreensão e de resultados conclusivos, porém não definitivos.
19

CAPÍTULO 1: AS RELIGIÕES AFRICANAS E O CANDOMBLÉ JEJE EM BELÉM

1.1 O campo afrorreligioso na capital paraense

Neste capítulo, busco descrever de forma sucinta o campo afrorreligioso na cidade de


Belém, dando ênfase ao Candomblé Jeje Savalú, a trajetória da sacerdotisa Gàniyakú
Jokolosy, dos sujeitos participantes da pesquisa, da associação ARFUOJY e do Templo
Afrorreligioso. Os relatos e depoimentos coletados durante as entrevistas constituem o
principal material de análise, associado às observações realizadas no campo afrorreligioso,
juntamente com a revisão bobliográfica. Os relatos estão presentes em todos os capítulos
deste trabalho e se sobrepõem a minha interpretação e intervenção acadêmica, desenvolvida
com muita sutileza, deixando fluir a fala dos sujeitos que participaram das entrevistas
realizadas em 2013 e 2014 no Templo Savaluno.
Até o século XVIII, no território brasileiro, as religiões de matriz africana eram
denominadas de calundu¹ e Candomblé colonial, por se tratar de uma forma relativamente
organizada que antecedeu as casas de Candomblé do século XIX e os terreiros atuais (SILVA,
2005).
Entretanto, a organização das religiões de matriz africana no território brasileiro é
recente, data do final do século XIX, quando um grande contingente de negros traficados,
eram assentados nos centros urbanos. A aproximação entre os negros e a movimentação nas
cidades favoreceu a sobrevivência de suas práticas culturais, incluindo as religiosas e assim
começava a surgir às primeiras formas organizadas de culto religioso.
As religiões de matriz africana na Amazônia apresentam-se de forma bem diferente do
quadro apresentado em outras regiões e são conhecidas como Candomblé, Umbanda, Tambor
de Mina, Batuque, dentre outros segmentos religiosos como a pajelança. Este último termo,
também recebe outras denominações como xamanismo e encantaria. Para Galvão (1955), o
termo caracteriza-se por um conjunto de crenças e prática de cura e feitiçaria, cujo foco está
direcionado para a figura do pajé que utiliza dos elementos da natureza para as práticas de
cura.

_______________________
¹ Termo de origem banto que ao lado de outros termos como batuque e batucajé que designava dança coletiva,
cantos e músicas acompanhado de instrumentos percussivos com a finalidade de invocar espíritos, possessão e
magia.
20

O campo religioso afro-paraense possui uma realidade muito particular e ao mesmo


tempo apresenta um mosaico multifacetado, incluindo a construção ecológica que abarca
diferentes tipos de conhecimentos. “Adentrar no universo afro-paraense é deparar-se, sem
dúvida, com uma realidade religiosa muito própria, cheia de encantadoras peculiaridades”
(LUCA, 2008, p.273).
Assim como o Candomblé, a Pajelança também apresenta uma “nova face”
denominada de “Pajelança ecológica” segundo Maués e Villacorta (2004).
As religiões de matriz africana na cidade de Belém, com seus cultos e ritos
organizados, também data do final do século XIX e início do século XX. As pesquisas
realizadas sobre essa temática não informam com precisão quem chegou primeiro, dai a
necessidade de estabelecer um marco fundador de herança maranhense, o “Mina-Nagô”
(LEACOCK E LEACOCK, 1972; VERGOLINO, 2000).
Na cidade de Belém existem várias modalidades de religiões, incluindo os cultos afro-
brasileiros de acordo com a análise de Furuya (1986, p. 17-18).

Antes de descrever e analisar a situação atual, parece-nos ser necessário rever a


formação histórica dessas religiões em Belém. Segundo informação de nossos
informantes e os estudos dos outros pesquisadores que realizaram suas pesquisas em
Belém, o culto Mina-Nagô, uma das modalidades de culto afro-brasileiro, foi
introduzido na cidade de Belém por mãe de santo maranhense no final do século
XIX ou no início deste século (XX). Mesmo que seja possível que outras pessoas em
Belém tivessem praticado o culto Mina-Nagô antes de aquela mãe de santo, Mãe
Doca. Dizem que ela era filha de santo ter aberto seu terreiro, os atuais adeptos desse
culto atribuem a introdução àquela mãe de santo da Casa de Nagô de São Luis do
Maranhão.

No que se refere ao tambor de mina, este foi introduzido em Belém de forma mais
sincrética do que as casas do Maranhão que tem conservado de certa forma a tradição
africana.
Por isso, em Belém acredita-se que o Mina-Nagô “legítimo” e “autêntico” existe no
Maranhão. Assim São Luis se tornou uma fonte de “pureza” para os praticantes de Mina-
Nagô belenense (FURUYA, 1986).
No entanto, a Umbanda tem sua formação a partir da década de 1920 na cidade do Rio
de Janeiro e essa formação segue as mudanças sociais ocorridas naquele período, isso trouxe
uma grande representatividade para os umbandistas, “o desenvolvimento de larvar a religião”.
(ORTIZ, 1991, p. 32).
21

O nascimento da religião umbandista deve ser apreendido neste movimento de


transformação global da sociedade e está associado ao processo de branqueamento² das
tradições afro-brasileiras, conforme o projeto de nação instituído.

Em fins do Império e nas primeiras décadas da República o „problema‟ da


religiosidade africana, das „macumbas‟ e „feitiçarias‟ era lido no interior de uma
questão muito mais ampla: como integrar essas populações, consideradas
racialmente inferiores, num projeto de nação que se queria idealmente branco e
moderno (CORDOVIL, 2006).

Vale ressaltar que primeira Constituição Republicana não fez nenhuma referência à
“raça” e alguns anos antes de sua promulgação, Rui Barbosa (1849-1923, Jurista, político e
escritor) mandou destruir documentos alfandegários referentes à compra e venda de escravos
africanos, numa tentativa de apagar a memória da escravidão e do legado cultural presente na
formação do povo brasileiro, abrindo espaço para a política de branqueamento.
Entretanto, o Candomblé foi inserido no Estado do Pará nas décadas de 1960 e 1970
aproximadamente, e está vinculado à memória do pai Astianax (CAMPELO, 2008), a partir
dessa data vem conquistando espaço e agregando adeptos de outras denominações, por esse
fato vem sendo estudado com maior freqüência pela academia, exceto o Candomblé Jeje, que
ainda não foi devidamente estudado e raramente é citado por pesquisadores locais.
Apesar de ter recebido escravos de diferentes nações, provenientes do tráfico atlântico
e do tráfico interno, é inexistente no Pará a presença de terreiro de raiz, fundado diretamente
por africanos, como aconteceu na Bahia e no Maranhão que teve dois terreiros constituídos
em solos maranhenses, a Casa das Minas (Jeje) e a Casa de Nagô.

Assim, falar da história do Candomblé paraense é falar, em primeiro lugar, da


história de vida do Pai Astianax e das duas ramificações que se seguiram em Belém
após a década de 1970: “Ketu” e “Angola”. Negro, magro e muito alto para o padrão
físico local, Pai Astianax sobressai-se na multidão (CAMPELO, p.261, 2008).

_____________________________
² O branqueamento nasce da elite branca do final do século XIX e início do século XX, com o objetivo de
extinguir de forma progressiva o segmento negro brasileiro. O desejo de “europeização” expresso por essa elite
evidencia que não só os negros se sentem desconfortáveis com sua condição racial, mas o próprio branco
desejava e deseja ainda hoje, perder-se no outro, o europeu. Ver (BENTO, 1995, p. 50).
22

A figura do Pai Astianax, paraense e provavelmente o primeiro a iniciar-se no


Candomblé, está relacionada diretamente com a história do Candomblé no Pará. Pai Astianax,
mais conhecido como Prego e segundo Campelo (2008, p. 261), “foi o pioneiro, porém nunca
chegou a ter um terreiro efetivamente instalado na capital paraense”, fato esse que em
momento algum, desmereceu o respeito dos candomblecistas da capital paraense, ao
contrário, está presente na memória do povo de santo como marco originário do Candomblé
na cidade das mangueiras.
Contudo, é importante frisar que a partir da década de 1970, houve os fluxos
migratórios entre Belém/Salvador/Belém envolvendo mineiros e outros adeptos do
Candomblé, em busca de ritos de diferentes nações como Angola e Keto, trazidos para Belém
e acompanhados de seus respectivos sacerdotes.
Segundo Kpédjigàn Hunsijé (Aldryn), o Candomblé mais recente no Pará é
denominado de Jeje Savalú. Os savalunos chegaram ao Brasil em meados do século XVIII
juntamente com outras etnias. O barracão de Anjunsun foi fundado mais tarde pela africana
Gàniyakú Satu, em Salvador, Bahia que passou a ser conhecido posteriormente por Corcunda
de Yayá. Savalú é uma cidade da República do Benin, localizada no departamento de
Collines a uns 70 quilometros da cidade de Dassa-Zoumé, onde existe o templo de mesmo
nome dedicado a Nanã Buruku. O termo Savalú vem de “Savé” ou “Savi” que era o lugar
onde se cultuava Nanã, Sakpatá, Bafonnú Deká, entre outras divindades. Além de Savé, temos
a existência de vários reinos com suas diferentes culturas de acordo com (Carvalho, 2006,
p.18).

Os Jejes, que chegaram ao Brasil através do tráfico negreiro em certa quantidade,


por volta de meados do século XVIII, e em grande número após 1790, tinham como
pátria o antigo reino de Daomé (Danxomè), fundado pelos fons, uma tribo de ewe.
No Daomé existiram, desde o século XV e XVI, vários reinos com sua própria
cultura, cujos principais eram Savi, Allada, Adjatché (Porto Novo) e Abomé
(Agbomè).

A manutenção da tradição Jeje Savalú e o repasse de segredos iníciou a partir de Mãe


Satú africana e seus sucessores (Cartografia social dos afrorreliogiosos em Belém do Pará,
2012, p. 147).
A nação Jeje Savalú manteve a sua tradição com Mãe Satu africana (Axé
KPOINGIN), Mãe Tança, Pai Hamilton (Aira Dean) que foi iniciado por Mãe
Mariazinha, Ilda Tolú (in memorian), que recebeu sua transmissão de segredo com
Mãe Tança e Pai Carlos Botta, que herdou a casa de Mãe Pureza.
23

Gàniyaku Jokolosy informa que Maria Satuniana da Conceição (Satú de Azònsú)


exerceu o cargo de Gàniyakú no Hùnkpámè Gbè Gbè Kàn Kú á, localizado numa região
denominada de alto do cabrito. Satú foi responsável pela iniciação de Sifrônio para o Vodun
Azònsú, e para ele, fundou o Templo de Azònsú – Sakpatá denominado de Hùnkpámè Acé
Kpòegí (Kpoingin). Para esse Templo, Satú iniciou Jerônima de Gbèsén que recebeu o cargo
de Mèhùnàn. Após a morte de Sifrônio, Gàniyakú Satú retornou para o Acé Kpòegí, e junto
com Jerônima iniciaram Constançia da Rocha Pires para o Vodun Nanã (Ajáosí) para o Acé
de Jítòlú, na sequência iniciou Mariazinha que iniciou Hamilton de Sógbò que é o Doté da
Hùnkpámì Vodun Zó Xwè Savalú. Em seguida, o Acé foi repassado para a Mãe Pureza que
abriu a roça denominada de Ilê Acé Omi Karêlê Ewé, que foi herdado por Carlos de Oliveira
Bottas (Pai Carlinhos D‟osun).
Após o falecimento de Satú o Hùnkpámè Gbè Gbè Kàn Kú ó ficou aos cuidados do
Kpédjígàn Pereira e depois fechou. O Acé Kpòejí, após o falecimento de Mãe Tança ficou aos
cuidados do Kpédjígàn Pedrinho e também fechou.
Gàniyakú Satu trouxe para o Brasil os savalunos e seus costumes. Em sua trajetória da
África para a Bahia, Satu encontrou vários africanos de Benin e nesse encontro houve um
intercambio de informações sobre os fundamentos religiosos. Quem era originário de Mahin,
aprendeu o culto savalúnnus e vice e versa.
Satu fundou na Bahia o templo Corcunda de Yayá, (Acé Kpò Egí) que era o nome
anterior. A partir dai passou a cultuar os Voduns de Savalú e com a chegada do povo de
Benin, ela passou a conhecer os costumes e os Voduns de Benin.
Hunsijé Aldryn informa que na porta de entrada do Acé Kpò Egí tinha um frondoso
cajueiro com o caule envergado (corcunda) que originou o nome de Corcunda de Yayá, ou
seja, Corcunda vem do cajueiro que era consagrado à deidade Sakpatá, e Yayá refere-se ao
apelido de Mãe Tança.
Para os adeptos do Candomblé Jeje Savalú a matriz savaluna está na Bahia e apesar do
fechamento da casa, todos os Voduns ainda permanecem guardados por uma Ekedy chamada
Edna Rita. Contudo, seus fundamentos, foram preservados como a língua fonbé, a iniciação,
as rezas, os cânticos e o protocolo litúrgico.
A comunidade savaluna belenense e sua ramificação, vém do Pai Carlinhos que é
bisneto de Mãe Tança. A Mãe de Pai Carlinhos era de Keto e depois migrou para o Jeje,
abrindo uma roça. Após o seu falecimento, deixou a roça de herança para o Pai Carlinhos em
Salvador. Foi o ele que iniciou e deu a obrigação para um adepto da comunidade aqui de
24

Belém. Mas, já existia uma casa savaluna, sob o comando de Pai Cícero, que trouxe essa
nação para Belém, mas não se identificou, deixando esse encargo para o Pai Carlinhos.

1.2- O Funderê Oyá Jokolosy e a Associação ARFUOJY

ARFUOJY é o nome de associação afrorreligiosa e cultural, fundada em 05/02/2007,


com sede na cidade de Belém, Estado do Pará, situado na Avenida Conselheiro Furtado nº
5203, no Bairro do Guamá, CEP nº 66.073-160. O Templo religioso Funderê Oyá Jokolosy,
funciona no mesmo local como organização religiosa de caráter civil, no âmbito do distrito
privado, sob a tutela da lei federal nº 10.40402, alterações imanentes do artigo 44, inciso IV,
parágrafo 1º e parágrafo único do artigo 2 e 3, dispostas na forma da lei federal nº
10.825/2003. Constitui-se uma associação de caráter religioso e cultural, de cunho
filantrópico, sem fins lucrativos, sem distinção de raça, cor, condição social, filiação política e
partidária e/ou orientação sexual. Possui duração de tempo indeterminado.
Gàniyakú Jokolosy informa que ARFUOJY é uma organização não governamental
que foi idealizada em 2002 e foi legitimada em 2007, a partir da necessidade percebida por
ela, para tratar de assuntos que envolvem a população menos assistida do Estado do Pará em
seus mais diversos aspectos: sociais, políticos, econômicos, culturais, dentre outros, dando
ênfase maior nas questões de afrorreligiosidade, promoção de saúde, desenvolvimento de
estudo e pesquisa sobre as raízes da população brasileira. Neste sentido a ARFUOJY se
configura como uma das principais articuladoras da RENAFRO, assim como, vem somando
esforços com parceiros, ONGs, órgãos e instituições, empresas e terreiros nesta empreitada
social. A associação possui um corpo técnico que elabora projeto de cunho social
principalmente na área de saúde, por acreditar que por meio da promoção de saúde, do
alimento e da qualidade de vida do nosso povo, conseguiremos ultrapassar todas as barreiras
impostas socialmente.
O Templo Afrorreligioso e a Associação estão sob a administração da própria
Gàniyakú Jokolosy que conta com 158 filhos distribuídos entre cargos da casa e filiais que
comungam das práticas de tradições religiosas de matriz africana, afro-brasileira e afro-
amazônica que englobam os aspectos religioso, tradicionalista, filosófico e científico, cujo
principal objetivo é de difundir as manifestações culturais das comunidades tradicionais de
terreiros; exercer atividades de natureza assistencial e de promover o lado humano em
consonância com os princípios da tradição afro-brasileira.
25

Figura 1

Fachada da Associação e Templo Religioso Fonte: R. Chagas

Segundo Jokolosy, o Templo foi fundado em 27 de Setembro de 1988 e terá duração


com prazo indeterminado. Trata-se de um espaço sagrado, e contém na entrada principal, um
assentamento de um Vodun no pé da árvore de aroeira, localizada na frente da casa, no lado
direito de quem chega.
Na parte interna da casa, logo na entrada, encontra-se o Xuê de Elegbá (casa de
Elegbá) no primeiro compartimento, em seguida temos o Fáxuê (casa de Fá ou casa do
oráculo) no segundo compartimento, o Sabají no terceiro compartimento e o Hundemi (Hun:
Vodun; De: interior; Me: local) que significa o quarto secreto do Vodun localizado no quarto
compartimento, sempre a direita da casa. Em seguida temos a cozinha, o Roncó ou Húnkó³
(quarto de recolhimento para iniciação) e por último o Agbassá (Barracão que abriga o
Bahunnú, Xòtají e os Dáhuns (Hun, Hunpi e Hunlé).

____________________
³ No interior do Hunkó, o quarto de santo, onde se desenvolve o processo iniciático, pode ocorrer uma diferença
hierárquica entre os iniciantes e seus barcos, marcando dessa forma quem seria o primeiro, o segundo e assim
sucessivamente.
26

O barracão é um local de socialização, é utilizado para as festas, eventos e outros fins


que permite o acesso de toda comunidade.
O Templo possui uma tradição ancestral e está devidamente vinculado com o
compromisso social, é reconhecido por toda comunidade como casa de acolhimento e está de
portas abertas para acolher todos que se destinam a esse espaço religioso.

Figura 2

Hènnú Savalunnú (Família Savalú) de Belém do Pará. Filhos e netos da Funderê Jokolosy.
Fonte: Arquivo savaluno

Figura 3

Gànyiakú Jokolosy, Ekedji Rendrika de Onitá e Kpèdjigàn de Dân.


Fonte: Arquivo savaluno.
27

1.3- Gàniyakú Jokolosy e seus filhos: sua trajetória e sucessivas iniciações e práticas de
diferentes matrizes afrorreligiosas

Neste tópico, apresento os informantes da casa que participaram da pesquisa de forma


efetiva com seus relatos e história de vida, a começar pela liderança, que possui o cargo de
Sacerdotisa Gàniyakú Jokolosy, acompanhada da Mèhùnàn Hínòhòdèsi (Nalva) e dos
Kpedjígàns (Hunsijé Aldryn e Gankonã Alan).
A sacerdotisa Gàniyakú Jokolosy, tem 36 anos de experiência de culto afrorreligioso e
vem desenvolvendo importante trabalho a frente da comunidade Jeje Savalú, é uma senhora
muito respeitada pelo seu dinamismo religioso, inteligência, seriedade, pela sua fé inabalável
e por sua militância política, alcançando um lugar de destaque devido a sua simplicidade,
humildade e respeito pela religião, pelos Voduns e por todas as pessoas. Gàniyakú desenvolve
a prática litúrgica da casa juntamente com os adeptos da comunidade savaluna e não se exime
dos serviços como a preparação dos materiais que são utilizados nas oferendas e no processo
litúrgico.

Figura 4

Kpèdjigàn Alan, Osikpèdjígàn Renan, Kpèdjigàn Aldryn, Mèhùnàn Nalva,


Gàniyakú Jokolosy e Mehùntó Tólégédèjá. Fonte: Arquivo savaluno.
28

Antes de iniciar no Candomblé Jeje Savalú, Gàniyakú Jokolosy passou pelo culto de
Pena e Maracá, quando tinha apenas oito anos de idade na cidade de Soure na Ilha do Marajó,
em seguida passou pela Umbanda ainda com dezesseis anos de idade e com trinta e um anos,
passou pelo Candomblé Keto, foi iniciada nessa nação por Jideui (Aroldo Ferreira) na família
de três unidos em 11/07/1978. Após receber o Deká no Jeje, a sacerdotisa explicou que para
afirmar todos os fundamentos do Candomblé Jeje, ficaria com a responsabilidade de assentar
o Vodun Lokô que mora na floresta, estabelecendo assim, a relação com a natureza pelo fato
de morar numa árvore que simboliza a proteção das florestas, dos animais e de toda a mata.
O assentamento do Vodun Lokô na casa savaluna, impossibilitaria a sacerdotisa de
receber os caboclos de Pena e Maracá, oriundos da região amazônica. Assim, para não perder
essa linha já cultuada anteriormente, houve a necessidade de assentar Kitembo que é uma
adaptação da Umbanda com o Candomblé de Angola, ou seja, é necessário fazer oferendas no
Candomblé de Angola e aos caboclos da Umbanda que são doutrinados em outros ritmos e
costumes que tem como adoração, no caso de Kitembo, toda uma simbologia de acordo com a
nação específica. No Jeje savalú foi assentado Kitembo que é um I‟nkisse de Angola, cujo
objetivo é de permitir o culto aos caboclos já conhecidos. Tanto o Keto como o Jeje e Angola
apropriam-se do Candomblé de caboclo que seria um pouco da Umbanda amazônica.
Durante as entrevistas no campo religioso savaluno, nota-se com freqüência as
informações referentes à divindade Oyá da nação Yorubá, relatadas por Gàniyakú Jokolosy.
Isso se explica pelo fato da sacerdotisa ter sido iniciada na nação Keto no Orixá Oyá
(Abesàn/Avesàn – nação Jeje), na casa Três Unidos, casa existente no bairro de Paripe em
Salvador – Bahia.
Dentre as principais responsabilidades do cargo de sacerdotisa, Gàniyakú Jokolosy
informa as suas principais atribuições nos dias da semana que envolve a relação com as
divindades e com os elementos da natureza.
Na segunda feira pela manhã, a sacerdotisa faz uma salva a casa de Legbara e Sabají
onde mora Abesàn, em seguida salva o Vodun Gú da porta, o bahunnù que é o meio do
barracão e salva os atabaques, depois prepara o lebalilé (farofa de dendê, mel, cachaça, azeite
de oliva e água), após o preparo do lebalilé, diríje-se a entrada principal para despachar a
porta, no sentido de que tudo de ruim que esteja na porta possa ir embora, deixando-a livre de
todo o mal, pois todas as energias negativas trazidas por pessoas que freqüentam a casa ficam
na porta e precisam ser despachadas.
29

No decorrer da manhã ela faz uma pausa para se alimentar e em seguida rezar nos
trabalhos dos clientes, acendendo velas e utilizando o adjá4. Na terça feira, o ritual se repete
exceto o preparo do lebalilé para o despacho da porta, a reza e a queima de velas nos trabalhos
dos clientes se repete cotidianamente.
Nos intervalos de folga ela trabalha com costuras de roupas, faz tabaquinha que é um
tipo de roupa feita na mão, faz camisú de crioula (tipo de blusa) com corte no tecido da manga
de acordo com a tradição, pois todas as roupas dos iniciados são feitas na casa.

Figura 5

Adja de Oyá (Abesàn em Jeje) de três bocas (feminino)


Fonte: R. Chagas.

____________________________

4
Sineta utilizada na casa para atrair as energias do Vodun.
30

Figura 6

Adja Xeron de Sógbò - Fonte: R. Chagas

Mãe Jokolosy atende a clientela da casa jogando búzios e dando passe de acordo com
a necessidade, com dia e hora marcada. Na quarta feira idem, cuida da família e acompanha o
neto, de segunda a sexta, até a parada de ônibus com destino a escola.
Diariamente, ela coordena as obrigações internas que são feitas na casa, assim como
as obrigações destinadas a clientes que inclui as oferendas. Na quinta feira ela faz as
obrigações para arriar aos pés dos Voduns. Quando tem gente recolhida, as obrigações
iniciam às quatro horas da manhã e percorre durante o dia todo, no caso de iniciantes, são
dezesseis dias de recolhimento e o trabalho diário envolve o banho, acompanhado de cantos, e
o preparo de chás que faz parte da alimentação. Dependendo da necessidade ela também faz o
serviço da cozinha e atende não apenas os filhos de santo, assim como todos aqueles que
batem em sua porta necessitando de ajuda.
Na comunidade Jeje Savalú, o respeito aos mais velhos é um ensinamento que vem
sendo repassado cotidianamente para os filhos de santo, preservando-se a hierarquia da casa.
Nesse sentido, priorizá-se o tempo em que cada adepto é confirmado ou iniciado, a idade
cronológica fica em segundo plano. Um adepto de quarenta anos de idade cronológica e cinco
anos feito no santo, deve pedir a benção a um adepto de vinte anos de idade cronológica e
com sete anos de iniciado. Nesse sentido, a prioridade hierárquica é seguida à risca pelos
adeptos e refere-se à idade de formação no processo iniciático ou de confirmação.
No templo savaluno os adeptos aprendem desde cedo como se comportar junto à
comunidade, principalmente no que se refere ao respeito hierárquico, reconhecendo a
importância das autoridades da casa.
31

Segundo Gàniyakú Jokolosy esse conhecimento relatado é específico da casa, é um


conhecimento tradicional repassado com riqueza de detalhes ao seu neto Hunsijé (Aldryn) que
vem se apropriando desse arcabouço de informações, no sentido de que possa aprender e
apreender esse farto conteúdo por via de transmissão oral sobre o Candomblé Jeje Savalú na
sua concepção amazônica, constituído de maneira que envolve diferentes tradições de Angola,
Candomblé de caboclo, Pena e Maracá e Jeje que é a prioridade da casa.
A adequação dos caboclos da Umbanda, repassando para as divindades de Angola,
como foi o caso do assentamento de Kitembo que os aceitou como integrantes da nação
passaram a ser chamados de caboclos angoleiros e identificados como caboclos da nação
Angola.
Dessa forma, todos que já recebiam caboclos na Mina e na Umbanda e que
posteriormente se iniciaram no Candomblé, depois de um período de um ano, são
denominados de caboclos de nação dando passagem para seus antigos caboclos, mantendo a
tradição já existente na região amazônica.
Os caboclos angoleiros possuem muito “chamego” e aproximação com a mata, são
denominados de “índios” segundo Jokolosy, porque vivem na floresta, seus cânticos fazem
referência às flores, as cachoeiras, aos rios e a mata. Nas regiões brasileiras como o semi-
árido e o sertão são conhecidas como região de boiadeiros que demonstram um imenso amor a
pátria, afirmando em seus cânticos que são brasileiros.
Jokolosy informa que os primeiros que aqui chegaram foram os angoleiros,
posteriormente vieram os Jejes, nesse sentido explica-se a importância do acolhimento de
Angola. Quando a casa é de tradição Jeje, a abertura aos caboclos só é possível por meio da
tradição Angola.
A segunda pessoa do funderê savaluno é a Mãe pequena Mèhùnàn Rìnòhòdeci
(Nalva). O cargo de Mèhùnàn é muito respeitado pelos adeptos da casa.
Sua trajetória na casa teve início, por meio de sua mãe biológica, quando se dirigiu ao
Templo Religioso Funderê Oyá Jokolosy para uma consulta espiritual com a Gàniyiakú
Jokolosy e foi informada por meio do jogo de búzios (IFÁ), que havia entre seus filhos, dois
que necessitavam de tratamento espiritual, em especial a própria Nalva.
Em seguida, sua mãe resolveu levá-la para uma consulta espiritual, quando lhe foi
revelado o nome de seu Vodun e que ele pedia obrigações que deveriam ser feitas.
32

Então começaram os preparativos para essas obrigações. Mas nessa mesma época,
eu estava prestando vestibular para Engenharia Elétrica na Universidade Federal do
Pará, na qual fui aprovada, e então tive que antecipar a minha iniciação no Templo
Religioso. Entrei no dia 29 de abril de 1991 para iniciar na Nação Savalú e saí dia 25
de maio. Passando a ser uma Vodunsi, após cumprir os meus preceitos por 3 meses,
inclusive ir a faculdade, toda de branco; pano na cabeça; sehuló (quelê); xaorô e
todas as indumentárias necessárias (Entrevista realizada em Novembro de 2013).

Para Mèhùnàn (Nalva), esse foi um período de muitas provações, pois existem pessoas
com bloqueios de informações, no que se refere ao uso de indumentárias litúrgicas no espaço
urbano. Por onde passava, ela ouvia críticas e ofensas: na faculdade, nas ruas, nos ônibus,
entre outros. Mas isso só serviu para o seu fortalecimento espiritual e após três anos, foi
escolhida pelo Vodun do Templo Religioso para ser a Mãe Pequena e receber o cargo de
Mèhùnàn.

Figura 7

Mèhùnan Hinòhòdèsi e Gàniyakú Jokolosy, Fonte: Arq. Savaluno


33

Figura 8

Gàniyakú Jokolosy abrindo o Candomblé, entrando no Agbassá com a


Mèhùnàn Hínòhòdèsi e o Mèhùntó Tólègèdèjá.
Fonte: Arquivo savaluno.

Atualmente, Méhùnàn continua sua trajetória no Templo, cumprindo com suas


obrigações, inclusive na ausência da Gàniyakú, ela se faz presente para resolver os problemas
que porventura possam surgir, assim como, cumpri algumas atividades internas da Associação
Afro-Religiosa e Cultural Funderê Oyá Jokolosy.
34

Quadro 1- CARGOS EXISTENTES EM UMA ROÇA JEJE SAVALÚ

GÀNIYAKÚ Maior cargo do terreiro, de responsabilidade da senhora


mais velha no que se refere ao culto de santo na casa.

HÙNGBÓNNU Status maior masculino


Cargo feminino e o masculino da segunda pessoa mais
MÈHÙNÀN - MEHUNTÓ velha(o) da casa. Mãe / Pai pequeno.
EKEDJÉ Cargo feminino, porta voz do Vodun. Ela é quem auxilia
os Voduns.
DERÉ Cargo feminino que auxilia a Gàniyakú e a Donné em
diversos rituais.
KPÉDJÍGÀN Cargo masculino de extrema importância na casa, por se
tratar de um cargo de confiança. É ele que zela pelo Peji
dos Voduns.
HUNTÓGÃ Pai do Hún e chefe dos tocadores dos atabaques.
GÀNTÓ Pai do Gan (Agogô).
AGBAJÍGÀN Cantador e zelador do barracão.
HUNTÓ SENÉVI Tocador do atabaque hùnpi.
HUNTÓ HÙNSÉVI Tocador do atabaque hùnlé.
HUNDÉVÁ Ogan, braço direito da autoridade maior da casa.
HÙNSESÍ Anagàn, braço esquerdo da autoridade maior da casa.
GÀNKÚTÓ Zelador dos ritos de Ayizan.
SENMATO ou AHUN SÉMÃ Cargo de quem detém o conhecimento das ervas.
VODUNSÍ Pessoa que entra em transe e cultua Vodun.
VODUNS Qualquer pessoa que cultua Vodun.
MÈJITÓ Usado para designar carinhosamente a Mãe de santo em
algumas casas.
OGAN Homem que não vira no santo, podendo receber cargo de
Kpedjígàn, senhor que zela pelo Kpèdjí.
GÀNIYNPÈ Auxiliar de Kpedjígàn.
LANHÚNTÓ Responsável pela Nahùnnú.
ANAGÀN Mulher que não incorpora.
HUNSÓ Responsável por alguns ritos sagrados e pela dança.
EKEDJÍ Responsável pelas roupas dos Voduns.
GÒNZÉGAN Responsável pelas quartinhas.
MLANGÀN Tem a responsabilidade de rezar com os vodùnsís.
HUNTÓHWÈ Zelador da comunidade, responsável por averiguar tudo
na casa, é o olho do Doté ou Donnè.
DAGÀN Senhora que zela por Elegbá.
DUNÚGÀN Senhora responsável pelas comidas sagradas.
AMÀNÓN Responsável pela colheita das folhas.
TÓHWÉTIN Pai das tinturas.
ANANHWÉTIN Mãe das pinturas.
Fonte: Gàniyakú Jokolosy e Kpedjígàn Hunsijé.
35

No quadro acima, percebe-se a divisão de cargos e funções estabelecidos


hierarquicamente no terreiro. Como já vimos o cargo mais elevado na casa savaluna pertence
à Gàniyakú (cargo feminino) ou Hùngbónno (cargo maculino). A segunda pessoa da casa
savaluna que responde pelo cargo de Mèhùnàn é Rìnòhòdeci (Nalva) que é esposa do
primeiro Huntógã de Oyá da casa (Rodolfo Silva Cabral) que tem vinte e quatro anos de
feitura, realizada em 30/03/1990, em seu barco, foi confirmado o primeiro Kpèdjígàn de Oyá.
Sua principal responsabilidade e de tocar os atabaques para a chegada da divindade Oyá
(Abesàn/Avesàn em Jeje) que ocorre uma vez por ano, no segundo sábado de Dezembro.
O Kpèdjígàn Hunsijé Aldryn, neto da Gàniyakú Jokolosy, tem dezessete anos de idade
e foi criado dentro do terreiro, logo após o seu nascimento no hospital, veio direto para a casa
que além de morada é também templo religioso, então ele nasceu e cresceu na casa de
Candomblé Jeje, ou seja, uma casa de Candomblé savaluno. Quando tinha sete meses de
idade, sua avó confirmou que ele era filho de Gbessen, esse Vodun não era originário de
Savalú e sim de Mahin, cidade na qual ele reinou, e com a migração de culto, passou a ser o
rei de Savalú, substituindo Sakpatá. Aldryn possui um cargo de confiança na casa e auxilia a
Gàniyakú no desenvolvimento litúrgico, assim como o Kpèdjigàn Alan, que também possui
cargo de confiança e atualmente exerce a função de vice-presidente da Associação
Afrorreligiosa e Cultural Funderê Oyá Jokolosy (ARFUOJY).

Figura 9

Kpèdjígàn Hunsijé - Fonte: Arq. Savaluno.


36

Hunsijé (Aldryn) fala do amor que sente pela religião e pelos ancestrais, sejam eles:
Nagôs, Bantos ou Jejes, porém afirma que nasceu para ser um savaluno. Ele ama seu pai Dãn
Gbèsén, Vodun para qual foi confirmado, declara seu amor pela Senhora Abesàn, Vodun para
qual desempenha a Função de Kpèdjigàn.
Apesar de ter nascido em casa de Candomblé, na companhia de sua avó que exerce o
cargo de Gàniyakú, sua mãe que é uma Vodùnã da casa e seu pai que assim como ele também
é Kpèdjigàn, teve o livre arbítrio para a escolha da religião que deveria seguir. Mesmo
morando em um templo religioso, seu único contato diretamente com o contexto litúrgico,
estava relacionado com as festividades públicas.
Aldryn relata o primeiro contato com a divindade da casa para confirmar o seu
recolhimento.

Certo dia teve um tabuleiro de Azouany na casa, numa segunda-feira, em que


estavam reunidos alguns dos Vodunsís da casa e alguns cargos como a Mèhùnàn e o
Sènmàtó, onde estava eu e meu primo, sentados ao lado da Gàniyakú quando então
tocou uma han (cantiga na língua fon) para Abesàn e sua avó se levantou para bater
cabeça, então ela começou a dançar para Abesànn quando o seu vodùn lhe toma,
juntamente com as outras autoridades que nasceram pela mão da Gàniyakú. Os
Vodùnsís da casa também são tomados pelos seus vodùns, os Hùntós estavam
cantando e tocando e os Vodunsís e vodùnòs estavam em transe então chamei meu
pai que ajeitou tudo e quando eu olhei vejo Abesàn segurando no braço de meu
primo e vindo em minha direção, na hora fiquei até um pouco assustado (risos), mas
ela me segurou nos braços, e então meu pai disse: - Cante para Suspender! Então o
Hùntó começou a cantar e toca para suspender. Lembro que Abesàn nos Levou até a
Frente da XwèAbesàn e depois nos apresentou como Kpèdjigàn e em seguida os
Voduns da casa foram suspenso ao som da han, (Entrevista realizada em Fevereiro
de 2014).

No dia seguinte, os cargos da casa já comentavam sobre a suspensão e confirmação


dele, a Gàniyakù lhe chamou para conversar, e disse que ele havia sido escolhido junto com
seu primo para serem cargos de Abesàn (Kpèdjigàn e Osikpèdjigàn), perguntando se eles
queriam mesmo se confirmar, pois todos já sabiam de sua decisão, então já que ele tinha
completado 15 anos de idade, poderia dizer sim ou não, e sua resposta foi sim.
Gàniyakú fez um Legbákinkàn e disse novamente o que já havia dito quando Aldryn
tinha apenas sete meses de idade, que ele era de Vodùn Dãn Gbèsén com Vodùn Tòkpádùn. E
tudo ficou certo, já estava programado o seu recolhimento para o mês de julho, durante o
período de férias escolares, e começaram a comprar o material necessário para o seu
recolhimento, então em menos de uma semana, ele e seu primo que é de Lisà com Tòkpádùn,
foram recolhidos para serem confirmados como cargos da casa.
37

Após um curto período de tempo, sua irmã que é Anagàn, foi escolhida para entrar
junto com eles e antes de serem recolhidos, mais um Huntó, também foi escolhido para ser
confirmado.
O recolhimento se deu no dia 14 do mês de Julho do ano de 2012, com Adriano de
Agé, Aldryn de Vodun Dãn, sua Irmã Rendryka de Onitá que é Ekedjí e seu primo de Lisà
que é Osíkpèdjigàn. E assim ele foi confirmado como Kpèdjigàn de Vodùn Abesàn, sendo
cargo de confiança do Funderê Oya Jokolosy.
Aldryn reforça seu amor e identificação pela nação savaluna. “Savalú é minha nação e
se tivesse que iniciar em outra nação não seria a mesma coisa, não seria o mesmo amor que
tenho pelos Voduns e em especial pelo Vodun Gbessen”. O fato de saber desde pequeno que
ele era de Gbessen resultou no seu recolhimento para ser confirmado. Para ele, um dos
momentos mais bonitos dos savalunos é quando se canta uma han (cantiga na língua fon):

Jeje Savalú crioula lá, crioula lá hundê ...

Aldryn mostra outra han feita para homenagear o Vodun Gbessén

Adahún dose
Dan Kó bada dwè
Dan Kó bada dwè
Dan Kómèhùntó è

Primeira tradução

O toque do Adahùn
É o próprio espírito
A cobra da terra é a representante do rei e irá dançar
A cobra irá dançar
A cobra é o pai da terra e irá dançar.
38

Segunda tradução

O espírito sagrado
Da serpente dança
Na terra a noite
A serpente dança
A noite sobre a terra
No ritmo da cólera

Kpèdjigàn Gankonã (Alan), também exerce um cargo de confiança no Templo


savaluno conforme relatado na Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará, 2012,
p. 153.
Bem como eu já havia dito, meu nome é Alan, sou Kpèdjigàn da casa, sou iniciado
há pouco mais de um ano. Ogã e ekedji correspondem às pessoas que não recebem
em seus corpos, não passam pela experiência do transe mediúnico, a gente não diz
iniciado, a gente fala confirmar. São pessoas que já nascem exercendo uma função
propriamente dita, um cargo. Quem tem a experiência do transe mediúnico, que são
no caso os Vodunsis, eles são iniciados e esperam um tempo energético para poder
receber seu cargo e exercer a função dentro da casa.

O cargo de Kpèdjigàn exige uma gama de responsabilidades, por ser um cargo


importante dentro da casa savaluna, não se trata de uma função simples, esse cargo exige
esmero, dedicação e um profundo conhecimento dos fundamentos religiosos. Gankonã foi
entrevistado apenas uma vez em Julho de 2013 e sua participação focalizou a parte política no
que se refere a questões ecológicas, que estão inseridas no quarto capítulo.
39

CAPÍTULO 2– AS DIVINDADES SAVALUNAS E A NATUREZA: OS MITOS E OS


XWÉNUXOS

2.1 – Mitos da criação

Neste capítulo busco descrever como o culto às divindades está relacionado ao culto à
natureza, evidenciado e mantido por meio dos mitos e das histórias que são repassadas de
geração a geração, dos mais velhos para os mais novos, preservando-se dessa forma toda uma
gama de conhecimentos importantes para a manutenção do ciclo religioso e mitológico na
casa savaluna. O mito da criação do mundo na base fon está relacionado à Nanã que é
divindade mais velha que compõe o grupo de divindades5 do Candomblé Jeje. Para a nação
savaluna, Nanã criou o mundo e essa concepção fundamenta-se no seguinte Xwénuxo (história
na língua fon), conhecido também como itan (na língua yorubá) conforme relato de Gàniyakú
Jokolosy e Kpèdjigàn Hunsijé (aldryn).
Mawu é um Deus andrógino na mitologia africana, essa divindade se sentia muito só e
por esse motivo criou Lissá, porém não resolveu o problema da solidão. Como ele já havia
criado quase tudo que existe no mundo, resolveu criar os humanos, ensinando-os a cultuar os
Voduns e cada um dos elementos da natureza. Assim, Mawu chamou os outros Voduns para
participarem da criação dos seres humanos, ensinando-os como agradá-los. Para cada um de
seus filhos, Mawu concedeu um lugar para que esses pudessem habitar.
Elegbá é o filho caçula de Mawu, dotado de grande astúcia que o levou a ocupar o
primeiro posto de adoração. É o dono do tempo, “é comum ouvir que Elegbá atira uma pedra
hoje e mata um passarinho ontem”, por ser universal e detentor do controle sobre o tempo.
Tem as encruzilhadas como sua morada, é o dono de todas as ruas.

______________________
5
Sem negar a possível intervenção desses fatores, cabe notar que havia entre os grupos africanos que chegaram
na Bahia alguns com claros antecedentes religiosos nesse âmbito particular. Efetivamente, uma das
características da religião Vodun é a conceitualização do mundo espiritual em constelações ou grupos de
divindades, e um dos seus elementos estruturais é a organização de congregações religiosas dedicadas ao culto
coletivo de um número variável de Voduns, com rituais públicos que utilizam formas de performance seriada.
Paralelamente, a análise histórica e etnográfica do culto de Voduns mostra com clareza a natureza
essencialmente dinâmica desses grupos de divindades, existindo uma tendência recorrente a incluir, assimilar ou
agregar novas divindades aos “panteões” existentes. O que poderíamos chamar de “princípio de agregação”
seria, portanto, uma terceira propriedade do sistema religioso Vodun (PARÉS, 2007, p. 272).
40

Hunsijé (Aldryn) explica a identificação de Elegbá nas outras nações.

Nas outras nações Elegbá é conhecido como Exú e Aluvaiá e é associado por
algumas pessoas com o mal, que não procede. É um Vodun extremamente
brincalhão, por vezes usa um gorro dividido nas cores vermelho e preto que de
acordo com o xuenuxó (história) Exú viu dois amigos felizes conversando e resolveu
passar no meio dos dois amigos, sendo que um viu apenas um lado do gorro na cor
vermelha e o outro só viu a cor preta. Os dois amigos começaram a discutir sobre a
verdadeira cor do gorro, um afirmava que era preto e o outro insistia que era
vermelho, causando uma polêmica entre eles, que para Elegbá isso não passava de
uma grande diversão (Entrevista realizada em Setembro/2013).

Segundo Gàniyakú Jokolosy, Elegbá é universal porque fala todas as línguas, portanto
ele é o senhor da comunicação que leva as mensagens aos outros Voduns, ele é representado
pelo espiral sem fim e sem começo que gira de forma contínua e permanente. Elegbá é o
princípio de tudo, a força criadora, aquele que gera o infinito, infinitas vezes.
Os Voduns considerados mais humildes são os que moram na terra, as suas roupas são
feitas de palha e murin também conhecido como madrasta, eles gostam de roupas mais
simples, rústicas e sem exageros.
O I‟nkisse Kitembo, por exemplo, tem sua morada nos cupinzeiros, as oferendas a ele
destinadas são arriadas nos cupinzeiros. O Vodun Parará que é da família de Sakpatá é o dono
do formigueiro e o seu animal preferido é a formiga e a saúva.
Conta um Xwenuxó que Nanã criava uma grande cobra (arcoiris) que lhe servia de
transporte para o seu deslocamento. Um dia Nanã pegou uma grande cabaça que lhe serviu de
instrumento para a criação do mundo, começando a sua longa viagem sob o seu transporte,
por onde a cobra passava, Nanã aproveitava para construir cada elemento que compõe esse
imenso mundo, como os mares, os oceanos, os rios e a terra. Depois de ter criado o mundo,
Nanã criou o sol e a lua, constituindo a partir desse momento a morada de Mawu, que passou
a morar na lua, e Lissá que passou a morar no sol. O surgimento do fenômeno eclipse
representa a relação amorosa de Mawu e Lissá, gerando dessa forma, as outras divindades
Voduns. A partir desse momento, o povo fon passou a ver Nanã como uma grande senhora,
em reconhecimento pelo seu grande feito na criação do mundo. Porém, o povo fon considera
Mawu como o seu Deus supremo, que é uma divindade feminina.
Na grande cabaça, Nanã foi modelando o mundo, incluindo o sol e a lua, constituindo-
se como morada de Mawu e Lissá que aproveitaram a chegada do eclipse para iniciar a
procriação dos Voduns. Após a chegada dos Voduns, Mawu e Lissá perceberam que ainda
estava faltando alguma coisa para que tudo ficasse perfeito, e resolveram criar os seres
humanos para que esses pudessem servi-los e adorá-los. Essa decisão foi tomada por Mawu,
41

que conversou com as outras divindades para que contribuíssem com alguma coisa na criação
dos humanos. Dentre as principais atribuições dos Voduns, chama-se a atenção para uma
função específica referente à criação das cabeças, que de acordo com a mitologia, seria a
última parte a ser criada.
Kpèdjigàn Hunsijé (Aldryn) informa que a partir do uso da lama e do barro que foi
cedido por Nanã, o Vodun Unitá passou a modelar os corpos dos humanos. Mawu e Lissá se
encarregaram de dar o sopro da vida, o ato da respiração ficou por conta de Vodunjó.
A divindade Nanã (respeitável senhora) habita nas águas salobres e nos pântanos, sua
morada preferida é no barro (kó na língua fon). As oferendas destinadas a essa divindade não
devem ser “arriadas” em pratos de vidro ou esmalte, para Nanã a comida é oferecida somente
em prato de barro, assim como para Elegbá e outras deidades da Terra. Na mitologia da
criação, Mawu pediu para Nanã o barro para criar os humanos, nesse contexto percebe-se a
importância desse elemento da natureza. Da argila é feito o prato de barro (Agban na língua
Fon). Hunkó é o nome de um quarto feito de barro que é a preferência dos Voduns que tem
ligação com esse elemento da natureza, sendo que no espaço urbano o hunkó foi adaptado
para a construção de tijolo e cerâmica.
Existe um Xwénuxo específico sobre a criação das cabeças dos humanos e não
humanos conforme o relato de Hunsijé (Aldryn).

Elegbá, o grande mensageiro, contava muitas histórias para o seu melhor amigo que
era o caranguejo, que por sua vez, gostava de adquirir essas informações. Elegbá
orientava o caranguejo, para que não se esquecer de chegar cedo á fila do céu para
garantir a sua cabeça, pois até esse momento, os animais ainda não possuíam cabeça.
Entretanto, o caranguejo estava mais preocupado em obter as informações, pois ele
sabia o valor do conhecimento que passou a vendê-las, esquecendo completamente
que essa informação também era importante para ele adquirir a sua própria cabeça.
Quando teve certeza que tinha vendido as informações a todos os animais, para
entrarem na fila do céu no intuito de adquirir uma cabeça, o caranguejo se deu conta
que ele também deveria estar na fila, então começou a correr, e só conseguiu o
ultimo lugar, e como conseqüência de seu desleixo, acabou ficando sem cabeça
(Entrevista realizada em Setembro/2013).

Tudo que se passava no céu, Elegbá contava para seu amigo caranguejo, que resolveu
tirar proveito dessas informações para ganhar dinheiro. Voduntá era quem modelava as
cabeças. Mas o caranguejo, mesmo avisado por Elegbá para chegar cedo à fila, no intuito de
conseguir uma das melhores cabeças, mas preferiu dar mais importância ao dinheiro com a
venda das informações e acabou ficando sem cabeça.
42

Nas nações Jejes, tudo é atribuído aos Voduns e a natureza, podendo ser explicado
através do mito de origem. Para qualquer problema referente a doenças, a primeira coisa a ser
consultada é o Vodun, se o problema é de origem espiritual, pode ser tratado pela intervenção
das divindades, mas se não for de ordem espiritual, será indicada outra direção.
Para melhor compreensão da relação das divindades é necessário primeiramente
apresentar o grupo de divindades que compõem as religiões de matriz africana.

Quadro 2- GRUPO DE DIVINDADES


Candomblé Mina Candomblé Candomblé
KETO-NAGÔ JEJE-FON JEJE-SAVALÚ ANGOLA-CONGO
(ORIXÁ) (VODUN) (VODUN) (I’NKISSE)
Olorum ou Mavu Lissa Mawú Zambi ou Zania Pombo
Olodumaré
Oxalá Olissa Oulissá Lembá ou Lembarenganga

Ogun Gú Gú Sumbo Mucumbe


Oxossi - Agué Mutalambô ou Tauamim

Omulú Sapatá Azowany ou Burumgunçô ou Cuquete


Azonssú
Sakpatá
Xangô Badé Heviossô ou Cambaranguaje ou Zaze
Sogbô
Yansã Oyá Onitá ou Abesàn Bamburucema ou Matamba
Oxum Naê Azirí ou Dandalunda
Tòkpádùn
Yemanjá Abé Agbê ou Aziri Caiala
Tobossi
Oxumaré Dã ou Dangbê Gbessen, Dan ou Angorô

Ossaim Agué Sanyn Ibô ou Catendé
Aguémàn
Exú Eleguá Elegbá Mauambo
Nanã-Burukê Nanambiocô Vodun Nã Zumbarandá
Irokô OdãLokô Lokô Kitembo
LogunEdé Inyarrô Vodun Ederê Gongobila

Ewá - Yewá Angorô Meia

Yobá - Vodun Cobá -


- - Bafamo Deká -
Fonte: Kpedjígàn Hunsijé (Aldryn).
43

No Candomblé Jeje Savalú o termo sincretismo é substituído pelo termo similar. O


grupo de divindades savalunas é tão extenso que é subdividido por grupos de famílias como
Ayisàn; Elegbá Tó, Elegbá Agbannukwé; Gú Hùntojí, Adjaká, Asúwé, Avahùn, Avagàn;
Agé, Agé Gbénò, Agémà; Igbó; Zaká; Izáiyn; Odé; Ontolú; Ederé; Akó Gbessen; Vodun Dãn,
Dangbé, Dãnjí, Dãnjíkú, Bafonnú Deká, Dãndááxó, Dãn Azli; Frekwen; Yewa; Atindãnlokô,
Lokô Atisu, Lokô, Lokô hokô, Lokô kpasé; Agású; Sogbó; Adeen; Heviossó; Akalombé;
Naèté; Avleketé; Abésàn; Onitá; Tòkpádún; Azoonsú; Sakpatá; Ohòlu; Avìmádjí; Palálígbú;
Afómán; Sákpèkó (Gbókú); Azié; Aziri Tògbòssi; Nãn Gaji, Nãn Hòsùn, Nãn Kpáhàn; Nanã
Bulúkú, Nanã Sèwí, Nanã Niyngbáiyn; Hòho; Segbó Lissá (Vodun Gbò-Gbò); Lissá Gwé
Gwé (Jàngúnàn), Lissá Lúmèji, Lissá Gànòn e Mawú.
Hunsijé (Aldryn) informa que são chamados de JiVoduns a família dos Voduns que
moram no céu; de TóVoduns a família dos Voduns que habitam nas águas e AyiVoduns, a
família dos Voduns que habitam na terra.
As principais doutrinas religiosas derivam-se diretamente das adorações a natureza,
além de ter uma grande quantidade de mitos e cerimônias místicas de acordo com Carpenter
(2008, p. 14).

Nessas adorações à natureza podem ser distinguidos três ramos diferentes de


entusiasmo religioso ou quase religioso: o primeiro, que conectava com os
fenômenos do céu, os movimentos do sol, do planeta e das estrelas, e a adoração e
maravilha que eles causavam; o segundo, que conectava com as estações e a questão
muito importante do crescimento da vegetação e da comida na terra; e o terceiro, que
conectava aos mistérios do sexo e da reprodução. É claro que esses três ramos se
misturavam bastante entre si; mas, enquanto estavam separados, o primeiro tinha a
tendência de criar os heróis solares e os mitos do sol; o segundo, os deuses da
vegetação e as personificações da natureza e da vida terrena; enquanto que o terceiro
jogava se glamour sobre os outros dois e contribuía para a projeção das divindades
[...].

Gàniyakú Jokolosy explica que na Igreja católica as rezas são faladas, mas na
comunidade savaluna, os mlangans (rezas na língua6 fon) são cantados de acordo com a
tradição, isso facilita a memorização das rezas.

______________________
6
Embora seja difícil falar de uma “lÍngua” propriamente dita, há também “lÍngua” Jeje na terminologia
hierárquica e litúrgica e em certas fórmulas orais como as bênçãos, saudações ou outras expressões para
conversar com os Voduns, para chamar a gaiaku; rezar, pedir licença ao entrar no terreiro, ou na casa (ago nu
kwevi ou ago no kwé vê). Outras fórmulas são utilizadas pela gaiaku para saber se uma Vodunsí está doente, e
assim por diante (PARÉS, 2007, p. 316).
44

O conhecimento tradicional do Candomblé Jeje, se mantém vivo na memória dos


savalunos por conta de uma estratégia de memorização. As hans dos Candomblés são os
próprios Xwénuxos ritmados (histórias e mitos). Cada han remete a uma história que os
Voduns passaram, ou seja, é uma forma que os afrorreligiosos encontraram para a
manutenção de sua tradição, que envolve a história dos Voduns e suas energias.
Para Hunsijé (Aldryn), as nações que mais possuem mitos são as yorubanas. O Jeje
Savalú não tem muitos mitos, pelo fato de ser a própria natureza, ou seja, o trovão existe,
porém não tem uma história específica sobre o trovão, geralmente o elemento da natureza
vem associado a uma divindade, dessa forma, cria-se um Xwénuxo. No caso de Xangô, a
história ganhou uma proporção mais complexa porque Xangô foi um rei que viveu na terra e
acumulou grandes histórias e grandes feitos.
Outro Xwénuxo foi relatado por Gàniyakú Jokolosy para explicar porque nos
fundamentos de Yewa não pode ser utilizado galinhas.

Yewa pertence à família dos Voduns, é uma moça muito bonita e repleta de muita
formosura sem igual e de extrema pureza virginal, pois estava impedida de ter
relações sexuais. Todas as tardes, Yewa ia ver o por do sol, trajando um lindo
vestido que foi construído especialmente para aquela ocasião, sempre protegida e
escoltada por dois gansos pretos. Um dia, os gansos se distraíram com a presença de
algumas galinhas que estavam ciscando, e nessa distração uma galinha sujou o lindo
vestido de Yewa. Os gansos correram para proteger Yewa com suas asas abertas que
lhe serviam de escudo contra o ataque das galinhas, garantindo o seu retorno. Yewa
ficou muito triste ao ver o vestido que usava para contemplar o por do sol, estava
todo sujo por causa do ataque da galinha. Por esse motivo, Yewa não aceita galinhas
nos seus fundamentos (Entrevista realizada em Setembro/2013).

No entanto, Iewa no Keto inicia-se em mulheres que já perderam a virgindade, da


mesma forma como ocorre no Jeje Savalú, porque “no templo Vodun se faz Orixá”, que
também inicia Jíkùn, somente em pessoas de pureza virginal.
Segundo Hunsijé (Aldryn), a família de Dan muda muito de nome de casa pra casa,
mas para os savalunos é Gbáfònnú Deká, primeira Dan para os povos Ewés, e para os fons
seria Akòtòkèn, tendo como chefe da família Vodun Dan à serpente sagrada que após ser
divinizada passou a ser chamado Dàngbè e teve como filhos Dan Jíkùn a serpente da morte,
Dan Gbèsèn a serpente da vida, Dan aziri a serpente que habita os rios e seria uma princesa,
Dan Wèdò a serpente arco-iris. Dan Jíkùn que nasceu de Dàngbè com Kpálalá e foi vendida
ao rei da cidade de Ifé e sofreu algumas transformações em seu culto, deixando de ser Vodun
Jíkùn (iniciada em mulheres virgens que ainda não tenham menstruado), para ser Orixá Iyewa
que pode ser iniciada em mulheres não virgens.
45

A cidade de Ifé pertence à Keto, dessa forma, é necessário compreender a trajetória


anterior do Vodun em uma nação, para entender a trajetória posterior em outra nação, que por
vezes se equivalem.
Na família de Dan, ainda existem outros Voduns como Dàndaaxò que seria a serpente
real e Dàngbádaa que seria o culto da divindade Daballah. Gbèsén teve como filhos Tòkwèn e
Flékwèn. Existe ainda na família de Dan a Vodun Dan Kó ou Ikó.
Assim como Yewa tem restrições com galinhas, Nanã não aceita nada de ferro em
seus fundamentos. Segundo Hunsijé (Aldryn), isso se dá devido à desavença ocorrida com Gú
que queria passar por cima da lama de Nanã, que mesmo sem a devida permissão, acabou
passando por cima da lama. Essa atitude acabou gerando o descontentamento de Nanã que
não aceita nenhum elemento que faça parte dos fundamentos de Gú.
Nanã não permitiu a passagem de Gú por cima da lama, por esse fato, Ogum disse que
Nanã não podia usar o ferro em seus fundamentos e assim foi feito. Nanã não usa e nem aceita
nada que contenha ferro (elemento que faz parte dos fundamentos de Gú). Esse Xwénuxo
explica a ausência desse elemento nos fundamentos de Nanã.
A primeira iniciada em Nanã na casa savaluna ocorreu há vinte e um anos e a segunda,
há três anos. Por se tratar de um Vodun raro, a iniciação nessa divindade, só ocorre
esporadicamente e o tempo mínimo permitido para a iniciação nessa divindade é de oito em
oito anos. A outra divindade que não aparece com freqüência é Yobá que segundo Gàniyakú
Jokolosy, somente agora, depois de todos esses anos que uma senhora de 54 anos, foi iniciada
em Yobá, concretizando esse feito inédito na casa, que também só iniciou uma pessoa em
Yewa.
Jokolosy explica que no templo savaluno deveria ter uma casa para cada Vodun,
chamada de Xuê. A casa de Sogbô seria chamada de Sogbôxuê e a casa de Dan seria
Dangbêxuê, ou seja, cada Vodun teria que ter sua própria casa, mas por falta de espaço físico,
se faz necessário abrigar mais de um Vodun na mesma casa como Sogbô e Heviossô, Onitá e
Obá, como são da mesma família, são abrigados na mesma casa. Assim sendo, a casa recebe o
nome que identifica a família e a origem dos Voduns como Kóxuê que significa casa da terra,
devido ser originários da terra.
Para os savalunos, alguns orixás são considerados Voduns, como no caso de Gú que é
o Orixá Ogun no culto Jeje. Na África, Ogun, quando foi guerrear no Benin, ganhou um
huntojí (bairro) como presente para sua honra e passou a ser chamado de Gú, assim, em vez
de guerrear, ele fez o contrário e criou novos devotos que o chamaram de Gú, reconhecido
como Vodun.
46

O Orixá costuma se adapta a nação que ele está sendo cultuado. Quando Oyá (Keto)
chega a cada Jeje, passa a ser chamada de Vodun Abesàn ou Avesàn, que também é apelidada
de Vidijá, porém mantém a mesma essência.
Nesse caso, ou é feito um quarto para Abesàn ou ela passa a morar no quarto de Sogbô
porque os dois são Voduns originários do céu e podem ser acomodados7 no mesmo quarto.
Quando chega Oxossi, ele passa a ser acomodado no quarto de Agué porque possuem
uma particularidade em comum, são caçadores. Oxun quando chega numa casa Jeje, pode
ficar no quarto de Aziri Tobossi, porque são divindades das águas e essas particularidades os
aproximam.
Os Voduns Anagonos são Voduns de origem Yorubá (Nagô) que migraram para a
nação Jeje e passaram por um processo de acomodação em outra nação. Na casa savaluna esse
processo raramente acontece ou custa acontecer devido a casa não ter o costume de receber
pessoas iniciadas em outra casa com frequência. Geralmente, os adeptos iniciam na própria
casa, e são agregados a comunidade. Mas quando isso ocorre, o fato poderá ser explicado por
um dito popular que diz: “em casa Orixá não se faz Vodun, mas em casa Vodun se faz Orixá”.
Nesse caso, quando um Orixá vem para a nação Jeje, passa a ser tratado de forma diferente
devido à mudança de fundamentos que envolvem algumas regras, que vão desde a predileção
de alimentos até as cantigas.
Segundo Hunsijé (Aldryn), quando chega uma pessoa na casa Jeje, que ainda não foi
iniciada, ela poderá ser iníciada em Vodun, porque o Vodun é prioridade na casa savaluna.
Quando chega uma pessoa feita em Orixá, como por exemplo, no Orixá Airá que será
chamado de Sogbô Airá e será tratado da mesma forma como era tratado em sua nação de
origem, porém com algumas diferenças como as que se refere as hans e outros fundamentos,
pois cada nação mantém suas hans e suas especificidades.
Abesàn (fon) equivale a Oyá (Yorubá), sendo que a divindade é a mesma, mas em
caminhos diferentes. Sakpatá é um Vodun Jeje e é equivalente a Xapanã no Keto, ou seja, é a
mesma divindade, mas em diferentes nações com fundamentos distintos.

______________________
7
Essa acomodação de mais de uma divindade da mesma origem, se dá pelo motivo da falta de espaço suficiente
para acomodar um Vodun em cada quarto separadamente.
47

Segundo Jokolosy, quando chega um Orixá para o templo Vodun, que possui um
fundamento muito forte, é jogado o gorô para verificar a aceitação das obrigações na casa
Jeje. Xapanã (divindade Keto), quando conquistou o território de Mahin, foi denominado de
Sakpatá, isto é, trata-se da mesma divindade, mas em caminhos diferentes. Em Keto, ele é
tratado como Orixá e em Jeje ele é Vodun.
Nesse contexto, algumas prioridades mudam e as coisas que ele era acostumado a
receber em uma nação, em outra ele recebe de outra forma. Logo, Orixá e Vodun não são
cultuados de maneira semelhante, alguns fundamentos passam por mudanças.
Toda casa de Keto oferece quiabo pra Xangô, mas os savalunos sabem que Xangô não
come quiabo, que é comida de Sogbô, porque na região de Keto não existe plantações de
quiabo. Esse legume é facilmente encontrado em Daomé (Atual Benin), terra de Sogbô. O
quiabo é considerado uma iguaria de reis, devido o alto preço em algumas regiões africanas e
por esse motivo foi oferecido a Xangô (Heviossô em Jeje Savalú), por se tratar de um grande
rei.
Para Aldryn, no Candomblé Jeje, é cantado uma han para Xangô (Orixá cultuado
como Vodun) tanto que se fala que Dahomé é a cidade dos Voduns.

Kawô, Kawô Xangô Dahomé


Kawô, Kabiessí Obá Sogbô Dahomé

Salve, salve o rei Xangô em Dahomé


Salve, salve o rei do trovão em Dahomé.

Han de homenagem a Gbessen

Fiadè hùntó Mahi


Fiadè hùntó Mahi
Fiadè mèhùntó, Fiadè mèhùntó Fiadè mèhùntó Mahi

A han homenageia a terra de origem do Vodun Gbessen


48

2.2 – As divindades e seus domínios

Hunsijé (Aldryn) informa que de acordo com os Xwénuxos, após a criação dos
humanos e de todos os animais, Voduntá foi chamado para modelar as cabeças de acordo com
cada espécie. Mawu incubiu cada um de seus filhos da responsabilidade do domínio de cada
elemento da natureza, os Voduns que moram no céu como Vodunjó, ficaram responsáveis
pelos elementos como trovão, raios, chuva, relacionados ao céu. Alguns Voduns vieram para
a terra com Gbessen, Sakpatá e Nanã que são os Voduns responsáveis pelas doenças e pelas
coisas que brotam da terra. Outros Voduns foram morar nas águas como Aziri Tobossi que é
responsável pelos animais marinhos e pelos fenômenos das águas como a pororoca. Essas
responsabilidades que foram atribuídas a cada divindade, estão relacionadas diretamente com
o bem estar da própria humanidade.
O Vodun Lokô e Azaká são responsáveis pelos preceitos religiosos do Candomblé que
devem ser cumpridos na íntegra da liturgia. Vodun Lokô tem como área de domínio as
florestas, a flora e a fauna. Vodun Agué é responsável pelas matas e detém o conhecimento
sobre as follhas e ervas. Aziri Tobossi é responsável pelos grandes mares e pelas águas
profundas e salgadas, sendo que Aziri Kaia é responsável pelas águas doces. Vodun Gu é
responsável pela tecnologia e criatividade, Sogboadan é o grande e corajoso raio. Heviossô
(equivalente a Xangô) tem como domínio o trovão e sua morada é o céu, Vodun Kpossú é o
homem pantera, conta os xwénuxos que esse Vodun tem a capacidade de se transformar em
pantera, tem como domínio o chão seco e o deserto. Aisàn é conhecida como à senhora dos
mercados e a grande mãe da terra, o culto a essa divindade é feito em um montículo de terra.
Vodun Frekwen (cobra albina) é a mulher de Vodundã (Úbessen cobra piton), como
dizem os antigos de acordo com os xwénuxos, cobra nunca anda só, aonde Vodundã vai
Frekwen vai atrás, o reflexo do arcoiris é de Frekwen. Dandô-Herrô é o grande rei serpente e
tem como domínio as águas salobres.
Assim, percebe-se uma tendência na mitologia africana pela adoração a grande cobra
sagrada como Gbessen, Frekwen e Dandô-Herrô. Para Carpenter (2008, p. 58), essa tendência
é ainda maior no caso da serpente do que da árvore

A fascinação da cobra – a fascinação de seu movimento misteriosamente deslizante,


de sua grande energia, de seus olhos brilhantes, de sua intensidade combinada com
seu ataque fatal – é algo sentido muito mais pelas mulheres do que pelos homens – e
por um motivo (pelo qual já dissemos) não muito difícil de se ver. Foi uma mulher
que na história da maçã foi a primeira a ouvir suas sugestões. Não surpreende que,
como o professor Murray diz, os gregos adoravam uma serpente gigante
(Melichios), o senhor da morte e da vida com cerimônia de satisfação e sacrifícios,
muito antes de chegarem à adoração a Zeus e dos deuses olímpicos.
49

E assim também com a natureza, o entendimento da relação que compreende a


percepção subconsciente que fez o homem religioso perceber a sua integração com todos os
elementos naturais e óbvia afinidade com a fauna que está ao seu redor, isso certamente os
deixou tão próximo da natureza, das árvores, da chuva, dos relâmpagos, do sol, da lua, do
vento, dos animais e do tempo.
Bafonnú Deká é a divindade conhecida por suas vestes de cor branca. Oranfi é a
divindade que mora na base do universo e é responsável pelos primeiros Voduns que vieram
ao mundo a mando de Nanã. Avimaje tem como função levar as almas desencarnadas até o
céu, sua morada é a terra e pertence à família de Sakpatá.
Xwénuxo de Sakpatá relatada por Gàniyakú Jokolosy durante a entrevista do dia
27/10/13
Sakpatá é uma divindade considerada Vodun e orixá. É originário da cidade de Tápa
que corresponde a uma região em que o povo Yorubá afirma que se trata de um
território Jeje, por outro lado os Jejes afirmam que se trata de um território Yorubá,
ou seja, para os Jejes, Sakpatá é uma divindade de origem yorubana (orixá) e para os
yorubás, trata-se de uma divindade Jeje (Vodun). É certo afirmar que o culto a
Sakpatá é a priore ao culto dos Voduns e dos orixás, ou seja, ele já existia antes
dessas divindades e por isso é considerado um Enyê que significa nômade.

Os xwénuxos de Sakpatá existem tanto nos cultos Jejes quanto nos cultos yorubanos,
apesar de já existir antes das nações fon e yorubá conforme o relato de Jokolosy.
Nanã queria engravidar de Lissá e resolveu pedir conselhos ao Bokonnono (adivinhos
da época) que ensinou uma receita para que Nanã engravidasse. Depois de alguns meses, ela
deu a luz a Sakpatá que nasceu muito feio e cheio de chagas por todo o corpo, por esse
motivo, Nanã abandonou seu filho na beira do rio, no qual foi encontrado por Aziri Tobossi
que levou a criança para morar dentro do rio.
Toda vez que Sakpatá entrava no rio, as chagas desapareciam de seu corpo e quando
ele saia das águas, as chagas reapareciam. A partir dessa observação Aziri Tobossi preparou
uma roupa de palha para ele usar quando estivesse fora d‟água. Sakpatá se revoltou contra
Nanã pelo fato de ter sido abandonado por ela e quando ficou adulto passou a se incomodar
com a sua aparência e com as suas feridas que o levou a procurar o Bokonnono para pedir
conselhos no sentido de resolver o seu problema. Bokonnono o aconselhou para não se
preocupar com essas coisas porque Mawú sabia muito bem o que havia feito, Sakpatá seria
um grande guerreiro e seria chamado de Azouany (aquele que cheira doença), a partir dessa
informação ele transformou todo o ódio que sentia por sua mãe num grande motivo para se
50

tornar um grande guerreiro e lutar em favor de seu povo, a partir dai passou a usar uma lança
chamada piá e se tornou Azouany.
Dessa forma, é possível perceber a criação de mais um caminho de Sakpatá, caminho
esse chamado pelos Jejes de qualidade que envolve duas denominações Sakpatá e Azouany,
sendo que os dois são apenas um, porém em caminhos e qualidades diferentes da seguinte
maneira: Sakpatá é um Vodun idoso e cansado, Azouany é um Vodun jovem e guerreiro com
sede de vingança que gosta de guerrear e conquistar territórios. Assim, todos aqueles que
zombavam de Sakpatá, devido a sua aparência, passaram a admirá-lo em sua nova versão
como guerreiro jovem, destemido e grande conquistador de territórios, dentre eles destaca-se
Savalú, território no qual Sakpatá se tornou rei.
Sakpatá é chamado pelo povo fon por diferentes nomes como Azouany, Aynon que
significa o senhor da terra e Jéholú (o rei das jóias). Húnjévi é uma das jóias de Sakpatá, jé
significa jóia na língua fon. Húnjévi8 é um colar que começa com a cor azul e termina com
vermelho, é o colar da vida e da morte porque acompanha o afrorreligioso na vida e na morte,
de forma que quando a pessoa morre, ela é enterrada junto com seu húnjévi, ou seja, esse
colar nasce com o adepto do Candomblé e morre com ele quando segue viagem para o outro
mundo.
Jokolosy fala sobre a importância do hunjevi como segredo dos fons.

O hunjevi é o fio de contas sagradas do povo fon, ele representa o elo entre Mawu e
a terra, é o fio de contas da vida e da morte, símbolo do próprio céu e do mundo
espiritual que é invisível, transcendente e cósmico. Particularmente em sua relação
com a terra, algumas casas Jejes entregam o hunjevi no início da iniciação, sendo
que outras casas Jejes só o entregam quando o iniciado recebe o deká. Na nossa
linhagem, recebemos na obrigação de sete anos. Quanto à preparação do hunjevi é
igual ou maior do que alguns segredos da nação savaluna, o poder do hunjevi
ultapassa a mente humana, nos avisa dos perigos, não deve ser tocado por outra
pessoa e não pode ser usado trançado no pescoço. Quando arrebenta, tem que ser
passado pelos rituais para ser reenfiado, pois toda a sua força é sagrada. Para enfiar
um hunjevi, é necessário ter uma quantidade suficiente de miçangas entre os corais,
seu fechamento é um só e não se deve fechar com contas de outros Voduns. O coral
é uma árvore das águas que faz parte do eixo dos símbolos das águas profundas,
origem da vida no mundo. Sua cor avermelhada (terra cota) está relacionada com o
hun (em fon). Possui uma particularidade que é a conciliação com a natureza
envolvendo os três reinos (animal, vegetal e mineral), é o símbolo universal do
princípio da vida com a terra, tem o brilho da cor do sangue, do mistério da vida e da
morte. A cor azul, encoraja, provoca e incita a vigilância, é a mais profunda das
cores que permite o mergulho do olhar livre de qualquer obstáculo.

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8
No entanto, esse colar só é utilizado por pessoas gabaritadas, competentes e que exercem cargos importantes no
Candomblé, também representa um diploma que garante e promulga o exercício de um cargo no Candomblé
como Gàniyakú, Kpedjígàn, Huntó (nação Jeje) e Babalorixá, Ogan (nação Yorubá).
51

O fundamento húnjévi que era inicialmente usado na África exclusivamente pelos


Jejes, hoje é utilizado no Brasil também pelas nações Keto e Angola da mesma maneira como
os Jejes adaptaram em seus fundamentos o Kitembo e o camisú de crioula oriundos da nação
Angola. O hunjevi não deve ser visto como um simples colar, ele tem toda uma história na
sua confecção que pode ser compreendido a partir das cores azul e vermelho das miçangas e
com um leque de significados que compõem cada elemento do colar.
Hunsijé (Aldryn) informa que no Candomblé Jeje, as divindades Sogbô, Gbessen e
Sakpatá são conhecidas como Jeholus que significa reis das jóias e o húnjévi é uma das jóias
utilizadas por essas divindades. Porém, o primeiro a utilizar o húnjévi foi Heviossô que mora
no céu.
Como Gbessen é representado pelo arcoiris, isso facilitou a ligação permanente entre o
céu e a terra e o seu deslocamento tanto lá em cima quanto aqui em baixo. Quando Heviossô
deixou o húnjévi cair, ele pediu a Gbessen que fosse buscar o colar que caiu nas águas, diante
desse pedido Heviossô cantou a seguinte han para Gbessen.

A húnjévi a mé vu

Odã bé a nado

Figura 10

Hùnjévi, a jóia sagrada dos Jejes, é o colar dos Jéhòlús.


Fonte: Arquivo savaluno.
52

Figura 11

Hùnjékwé, colar sagrado de Dãn - Fonte: Arquivo savaluno

Figura 12

Lakidigbá, colar sagrado de Ayihòsú, o Rei da terra Sakpatá.


Fonte: Arquivo savaluno.
53

Foi quando Gbessen desceu e trouxe o húnjévi preso na boca após ouvir a han que foi
cantada por Heviossô. Mas Gbessen não tinha a intenção de entregá-lo pelo fato de que ele
também queria ser um dos donos do colar, pois até esse momento só quem possuía o húnjévi
era Heviossô, foi quando Gbessen resolveu engolir o colar. Diante do ocorrido, Heviossô não
teve alternativa, a não ser destruir Gbessen para pegar o húnjévi de volta. Mas diante dessa
atitude ele foi castigado por Mawu que o incumbiu de reconstruir Gbessen surgindo assim
outra han.

Sogbô húndê
Sogbô húndê
Bôbô Sogbô Sogbô húndê.

Esse xwénuxo explica como Gbessen se tornou um Jeholú.

O monjolo larva de vulcão é um colar exclusivo de Oyá, a utilização é de


exclusividade dos cargos, são feitos de cabos e bolas. Os Iaôs usam os delunguns que são
colares feitos de miçangão confeccionado com 8 ou 16 pernas de fios soltos e sem o uso de
cabos.
O sehuló é conhecido como a aliança do Candomblé (Ileké ou Kelê). O Lakidigbá é o
colar de Sakpatá, o Hùnjékwé que é o Colar de Gbesèn conhecido como Brajá ou Barajá. Os
adeptos costumam utilizar os colares correspondentes nas cores de seus Voduns.
Hunsijé (Aldryn) informa que quando Sakpatá se tornou rei de Savalú, ele trouxe toda
a sua família para o culto Vodun que já existiam antes do culto Keto e Jeje como Nanã, Yewa,
Gbessen, Sogbô, Lokô que já existiam antes de se tornarem Voduns.
Com Agué, Sakpatá aprendeu o segredo das folhas e a partir dai conheceu o segredo
da cura e das doenças e, ao invocar doenças a terceiros, também mostrava que detinha o poder
da cura, ao mesmo tempo, que se depara com a doença tem em suas mãos a solução de cura,
no sentido que abarca os dois pólos como saúde-doença; fortuna-infortúnio; ventura-
desventura9.
_______________________
9
Num desenvolvimento dessa linha interpretativa, pesquisadores da África central propuseram, nos anos de
1960-1970, o modelo teórico conhecido como “complexo fortuna-infortúnio” ou “ventura-desventura”, segundo
o qual a atividade religiosa tem por objetivo não só “a prevenção do infortúnio”, mas também “a maximização
da boa sorte”. Perante os conflitos e os “tempos de experiência difícil” (i.e., doença, esterelidade, fracasso,
destruição, morte, etc.), almeja-se propiciar “saúde, fecundidade, segurança psíquica, harmonia, poder, status e
riqueza” (PARÉS, 2007, p.103).
54

E com esses atributos, passou a ser chamado de médico dos pobres Oholú – (Omolú
em Yorubá) e Sakpatá, (Avimaje e azouany).
Sakpatá tem preferência pelas cores, preto e branco, enquanto que Azouany tem
preferência pelas cores preto e vermelho que simboliza as guerras, um representa a
experiência e a calma; e o outro representa a juventude e a força. Sakpatá trás dentro de uma
cabaça que ganhou de Agué o segredo das folhas.

Han de Sakpatá apresentada por Hunsijé (Aldryn)

Sakpatá azon nhã nhã ou Sakpatá azòn niyan niyan


Azon nhã nhã
Azon nhã nhã

Sakpatá pega as doenças ou Sakpatá caça as doenças


Pega as doenças
Pega as doenças

A han retrata o ato em que Sakpatá retira as doenças e as deposita na cabaça.

Hunsijé informa que quando Mawu criou o mundo, distribuiu diferentes funções a
seus filhos. Sakpatá que vivia no céu passou a ser o rei de Savalú, passando a ser um Vodun
da terra. Devido às desavenças que Sakpatá tinha com seu irmão Sogbô, decidiu morar com
seu povo em Savalú. Com a autorização de Mawu, ele desceu do céu, trazendo consigo todos
os seus pertences de maior utilidade.
Entretanto, alguns dias se passaram e a chuva parou de cair em Savalú por um longo
período. O povo savaluno, percebendo a dificuldade encontrada, devido à ausência de chuva,
resolveu procurar Sakpatá.
Nesse momento passava pela cidade dois Bokonnonos que pediram para falar com
Sakpatá a fim de revelar o motivo pelo qual a chuva não estava caindo em Savalú. A ausência
de chuva estava relacionada à desavença entre os dois irmãos.
Sakpatá pediu para verificar os verdadeiros motivos por meio do jogo, que por sua
vez, foi revelado. Sakpatá perguntou o que poderia ser feito para reparar o ocorrido, sendo
informado sobre a necessidade de enviar oferendas ao céu.
55

Gberê é o pássaro de Sakpatá que foi incumbido de levar as oferendas até o céu, e
quando chegou ao céu, foi atacado por um raio atirado por Sogbô. O pássaro usou a sua
agilidade para desviar do raio, deixando assim a oferenda no seu destino, retornando em
seguida para Savalú. Os búzios foram consultados novamente para confirmar o resultado, foi
quando ficaram sabendo que o céu tinha aceitado as oferendas.
Quem respondia pelo céu era Sogbô que mandou avisar Sakpatá que o amava apesar
das desavenças, e como ele era responsável pela chuva, sabia do perigo que Sakpatá
representava, por isso que resolveu castigá-lo com a falta de chuva. Como forma de
agradecimento pelo retorno da chuva, Sakpatá preparou um grande banquete e convidou
Sogbô para comparecer a terra, pois esse vodum vive tanto no céu quanto na terra. Durante o
banquete Sakpatá e Sogbô se entenderam e desse encontro surgiu uma han que Sogbô cantou
para Sakpatá, colocando aos seus pés uma cabaça com água, como forma de compartilhar a
água com seu irmão.
Portanto, o mito de Sakpatá explica como ele se tornou o rei mais cultuado da cidade
de Savalú (Benin) e como ele adquiriu o poder da cura.

Hunsijé mostra a han dedicada a Sakpatá cantada por Sogbô

Tó tò tò ezin minadò
Ezin arazon á
Sógbô hùndê minadò

Cada divindade tem suas particularidades. O Gú é um epitético do Orixá Ogun, por se


tratar da mesma divindade que é cultuada de maneira diferente em outra nação. No keto,
Oxossi não come mel, mas no Jeje utiliza-se mel para essa divindade por se tratar de outra
nação.
Quando Ogun participou de uma das batalhas no antigo Daomé, passou a ser
conhecido como Gú que é uma divindade fon, cultuado de forma distinta, passando a ser
chamado de Vodun Gú que significa ferreiro que está associado à cidade de Huntoji. Ele
ganhou a cidade de Gú que significa a cidade dos ferreiros.
56

Figura 13

Vodun Gú Avahùn do Mèhùntó (Pai pequeno, terceira pessoa na ordem hierárquica da casa)
Fonte: Arquivo savaluno

Da gú da gú ta
Gú corta a cabeça para nos proteger

Otolu no Brasil é conhecido como senhor da caça, o chefe dos caçadores, porque os
outros Voduns também eram caçadores. No culto Vodun, Otolu é uma divindade de extrema
importância por ter liderado muitos grupos em Savalú, sendo que Lú vem de Savalú e Oto
significa caçador.
Hunsijé explica como Agué se tornou os olhos e os ouvidos da floresta, e o dono da
flora e da fauna baseado no seguinte Xwénuxo.
57

No passado o rei das selvas era a hiena, que por ser um animal carnívoro, tinha
dificuldade para se alimentar, nenhum animal se aproximava dela porque sabia que iria ser
morto. Diante dessa dificuldade, a hiena montou uma estratégia, auxiliada pelo esquilo, que se
incumbiu de avisar todos os animais, que a hiena estava muito doente e iria morrer por falta
de alimento. Após avisar todos os animais da selva, o esquilo retornou e encontrou a hiena
fingindo que estava morrendo. Porém o esquilo ficou aguardando para ver o que acontecia
com a suposta agonia da hiena. Foi então que resolveu chamar o coelho, por se tratar de um
animal de grande esperteza, ele ficou observando a hiena e percebeu que ela não estava morta
e adotou uma nova estratégia que consistia em ajuntar uma grande quantidade de frutas em
estado de decomposição para jogar em cima do corpo da hiena e com isso atrair mosquitos
para incomodá-la, e como os mosquitos estavam em cima da hiena, ela ficava se mexendo,
deixando parecer que não estava morta e que tudo não passava de uma farsa.
Hunsijé informa que a partir desse momento o coelho começou a cantar uma han para
espantar a morte, e todos os animais perceberam que a hiena não estava morta

Aniamãn Agué ô
Aniaman Agué (Bis)
Agué e suas folhas de “levante” (aniamã)

Agué que era apenas um caçador, estava passando pelo local e ouviu o cântico do
coelho e percebeu o que estava ocorrendo, resolvendo logo em seguida matar a hiena para
livrar os animais de tamanha astúcia. Diante do ocorrido, o esquilo e o coelho instituíram
Agué como os olhos e ouvidos da floresta, porque ele conseguiu ver e entender o que se
passava com os animais nas mãos da hiena, livrando-os da morte.
Por meio dos xwénuxos é possível compreender os detalhes que circundam o contexto
do Candomblé.
58

Figura 14

Vodun Agué do Sénmàtó da Xuè (cargo que colhe as folhas para obrigação)
Fonte: Arquivo savaluno

Outro xwénuxo relatado por Gàniyakú sobre a morte (Iku) que queria matar Vodunfá
(Vodun da adivinhação e protetor dos Bokonnonos). Vodunfá entrou na mata e começou a
fugir de Iku, nesse percurso de fuga ele encontrou Iewa que estava à beira de um rio
admirando o por do sol, foi quando ele pediu a ela que o escondesse em baixo de sua saia.
Após algum tempo, Iku chegou próximo do rio e perguntou a Iewa se ele tinha visto
Vodunfá e ela respondeu que não viu nada e Iku teve que ir embora.
Para recompensar o grande favor que recebeu, Vodunfá deu de presente a Iewa o dom
da adivinhação.
59

Figura 15

Vodun Gú Húntojí da Gàniyakú


Fonte: Arquivo savaluno

O xwénuxo que explica porque o jogo de búzios deve ser cobrado foi explicado por
Hunsijé (Aldryn)
Conta o xwénuxo que um homem muito problemático procurou o Bokonnono para
abrir o jogo de búzios, relatando que estava passando por muitas dificuldades, inclusive
financeira. O Bokonnono ficou com dó desse homem e percebeu que ele não tinha dinheiro
para pagar a abertura do jogo de búzios, mesmo assim, resolveu abrir o jogo sem cobrar nada.
60

Bokonnono verificou nos búzios a solução para acabar com aquela situação de
penúria, fazendo com que ele mudasse de vida. A partir desse momento, esse homem ficou
rico e desapareceu no mundo. Diante do ocorrido, Bokonnono começou a passar dificuldades,
perdendo tudo que tinha conquistado inclusive o dom de adivinhação, não conseguindo abrir
o jogo para mais ninguém.
Diante do ocorrido, Bokonnono resolveu procurar Elegbá que é o senhor da
comunicação, perguntando-lhe o que estava acontecendo com ele. Elegbá respondeu que ele
teve pena de pessoas que o procuraram, se baseando apenas pelo que elas disseram, sem
procurar saber se era verdade ou não, e se ele estava nessa situação desconfortável, deveria
pedir ajuda a essas pessoas que ele abriu o jogo de graça.
Bokonnono procurou o homem que enriqueceu, porém não o encontrou e decidiu
procurou novamente Elegbá, que pediu a ele que procurasse por Mawu para resolver seu
problema. Esse xwénuxo reforça o entendimento que o jogo de búzios não deve ser feito de
foma gratuita, e para aqueles que não podem pagar, deve ser depositado nem que seja um
valor mínimo para não cegar os búzios e para que não percam o poder de adivinhação.
Hunsijé relatou outro xwénuxo sobre o homem que produzia enxada.

Essa é a história de um homem fabricava enxada para vender e sustentar a sua


família. Certo dia esse homem foi na mata e se deparou com a árvore de Lokô,
sentindo uma vontade de derrubá-la. Lokô disse ao homem que aquela árvore era
muito importante, pois tráta-se de sua morada e pediu ao homem que não a cortasse
fazendo a seguinte proposta: se eu te fizer rico você não corta essa árvore, e se eu te
fizer muito rico você me cultua. O homem respondeu que sim, e ganhou do Vodun
Lokô sete cabaças que proporcionaram a riqueza. Vodun Lokô se passou por um
homem pobre e malvestido e foi ao encontro desse homem pedindo para falar com
ele, mas não foi recebido por ele e foi totalmente ignorado. Diante desse fato Vodun
Lokô disse ao homem que tudo que ele tinha foi dado por ele a partir das sete
cabaças que era a fonte da riqueza e que devido a sua atitude de ignorá-lo ele iria
ficar sete vezes mais pobre. Depois de perder tudo, o homem voltou a procurar por
Vodun Lokô, mas dessa vez não foi recebido (Entrevista realizada em Outubro de
2013).

Esse xwénuxo demonstra a relação de sentimentos humanos que estão presentes tanto
nos homens quanto nas divindades do Candomblé conforme relatado.
61

2.3- O culto às divindades como culto à natureza: uma relação indissolúvel

A casa savaluna cultua uma variedade de divindades que abarca tanto os Voduns
quanto as divindades de outras nações como Kitembo que é um I‟nkisse da nação Angola.
Contudo, o grupo de divindades Voduns assume um papel de destaque na comunidade e cabe
destacar as famílias de Voduns que mantém as características dessa nação que formam os três
grandes grupos de divindades.
Segundo Parés (2007, p.278). “Esses três grupos ou “famílias” são liderados pelos
chamados “reis da nação Jeje”: 1) o Vodun serpente Gbessén (a família de Dan); 2) o Vodun
do trovão Sogbo (a família de Heviossô ou Kavionô) e 3) o Vodun da varíola Azonsu (a
família de Sakpatá)”, que estão devidamente relacionados à natureza.
Nanã, respeitável senhora, mãe d‟água considerada a mais velha; Loko, cuja morada é
à gameleira branca; as Aziris, Lissá, Agué e Elegbá que compõem o grupo de divindades mais
conhecidos. Neste tópico serão analisados os Voduns que estão relacionados com os
elementos da natureza, incluindo o mar e o trovão, pertencentes à família de Heviossô e
outros elementos naturais que estão indissoluvelmente associados às divindades savalunas.
Jokolosy explica que Vodun Gú é o próprio ferro. Para invocar a energia dessa
divindade é costume bater ferro com ferro para atrair a energia dessa divindade.
Otolu e Azaka são conhecidos como os maiores caçadores e conhecedores das matas
fechadas de Danvi (Vodun Dan).
Agué é o detentor da cura por meio das ervas, ele é a própria essência das folhas, das
matas e do cheiro da flora.
Kpossú (Homem leopardo), conhecido dessa forma porque sua mãe era uma princesa
que se transformava numa pantera.
Iewa é um Vodun que também se transforma em cobra, é filha do Vodun Parará da
família de Sakpatá. Vodun Parará aprecia as formigas e Iewa aprecia o por do sol, é uma
grande caçadora, mora nas matas escuras e beira de rios.
O Vodun Sakpatá também conhecido como Xapanã e Aynon (senhor da terra, do pó
da terra), diferente do Vodun Aysan que é o senhor da terra, de todo o planeta.
Vodun Jó é conhecido como a energia do vento e como o próprio vento.
Vodun Lokô, grande caçador e dono da fauna, mora dentro de uma árvore que no
Brasil é representada pela gameleira branca.
Atidanlokô, conhecido como Vodun Lokô serpente (feminino) que também tem como
sua morada uma grande árvore.
62

Figura 16

Vodun Agbé da Mèhùnàn da Xuè - Fonte: Arquivo savaluno


63

Vodun Nanã está relacionada com o barro, mora na lama, argila e dentro dos pântanos.
É uma divindade muito respeitada na comunidade Savalú.
Vodun Aziri é conhecida como a grande senhora das águas doces, temo como sua
morada o rio Togbô na África. É uma princesa que quando encosta o pé na água também se
transforma numa serpente.

Figura 17

Mèhùnàn da Xwè em ato simbólico de tocar a cabeça no chão


como saudação aos Voduns - Fonte: Arquivo savaluno

Aziri Tobossi é a esposa das águas, mora nas profundezas das águas tanto doce quanto
salgada.
Lissá é um JíVodun que mora no céu e é representada pelo sol. Olissá é um TóVodun
que mora nas águas e tem o poder de se transformar em camaleão.
64

Hunsijé explica o culto às divindades como culto à natureza a partir do rio Togbô na
África que significa grande rio, onde mora a energia de Aziri. Acredita-se que foi nesse rio
que Aziri foi divinizada. Todos os anos na África são realizados o “festival das águas” no rio
Togbô e nesse local são depositadas as oferendas como presentes destinados a essa divindade.
No Brasil, as oferendas destinadas as Yabás também são feitas anualmente, é
oferecido a essa divindade uma pata que é solta no mar ou no rio. Isso explica o motivo pelo
qual os filhos de Aziri Tobossi não comerem pato.
A morada dos Vodungus (ferro) é no vulcão, isso reforça a relação dos Voduns com os
elementos da natureza, essa relação proporciona alegria e satisfação quando os adeptos
contemplam o vento (Vodunjó), as folhas (Agué), o por do sol, o arco Iris, o tempo e a mata.

Figura 18

Vodun Gú da Donné Ilozogun - Fonte: Aquivo savaluno


65

Hunsijé apresenta as hans para saudar os Jejes.

Jeje Savalú crioulalahundê


Crioulalahundê ê
Crioulalahundê Jeje

Valo avalú(Render Homenagem)


Valu(homenagem) nu (dentro) Kuelo (casa)
Valu nu Kwe maó
Valu nu Kwe maó

Opanha Valuê
Opanha Valu vessô
Opanha Valuê
Opanha Valu vessô

Saudações na língua fon traduzidas por Hunsijé (Aldryn)

Lissá é na ce nu wê
Lissá nos dê boa sorte

Mawú aceé dé é
Deus nos abençoe

A sen kó
A sen ahosú aiynon

Vamos adorar a terra


Vamos servir o rei da terra
66

Gàniyakú Jokolosy informa sobre a divindade Abesàn

Figura 19

Vodun Abésàn de Gàniyakú Jokolosy


Fonte: Arquivo savaluno
67

Abesàn/Avesàn, deusa da espada de fogo, dona das paixões, rainha dos raios, dos
ciclones, dos tufões e vendavais. Ela em si é o próprio fogo, o incêndio e a devastação, é
guerreira e poderosa. Ela carrega as almas das criancinhas nos braços, guia os espíritos
desencarnados e os leva para os seus respectivos lugares. Abesàn está presente no vento e na
brisa que alivia o calor. É também o calor e o abafamento, o tremular dos panos ao vento, das
árvores e dos cabelos. Ela é a larva vulcânica destruidora. Abesàn é o raio, é a própria beleza
desse fenômeno, o seu poder é comparado à eletricidade, com energia suficiente para acender
uma lâmpada, uma vela, capaz de produzir um choque elétrico. É uma energia que gera
energia para funcionar os rádios e outros aparelhos eletrônicos. Ela é pulsante e vibrante,
quando está com o vento forte, está junto de Gbessén no deslocamento dos objetos e coisas da
vida. É a provação do ciúme, a sua paixão é violenta que até cria sentimentos de loucura. Ela
rege o amor forte e violento. Abesàn, senhora dos mortos, dos espíritos, dos Kututus. Guia os
espíritos ao lado de Sakpatá, é a divindade que indica o caminho certo a ser percorrido. Na
fala da Gàniyakú, percebe-se a presença da força da natureza concatenada com a força da
divindade Abesàn (Jeje) e Oyá (Keto).
Abaixo, encontra-se a primeira referência ao culto do “Deus Vodun”, indicando uma
possível origem Jeje da congregação religiosa.

No ano de 1929, Antônio Gomes de Abreu Guimarães, juiz de paz da freguesia de


Brotas e seguidor da política repressiva do conde da Ponte, a quem reverenciava
explicitamente, ordenou o assalto de um Candomblé localizado na sua freguesia, no
local chamado accú, provavelmente o atual acupe. Esse interessante episódio está
documentado do próprio Guimarães. Achada mais uma vez por Reis e comentada no
seu artigo “Nas malhas do poder escravista: a invasão do Candomblé do Accú na
Bahia, 1829”. No contexto do presente trabalho, esse Candomblé é digno de atenção
porque existe uma referência ao culto do “Deus Vodum”, o que poderia indicar uma
origem Jeje da congregação religiosa. Além de se tratar da primeira referência
escrita ao vocábulo “vodum” na Bahia, encontramos nesse Candomblé evidência de
uma congregação religiosa com uma capacidade organizacional complexa [...],
(PARÉS, 2007, p. 129-130).

“Nos terreiros Jejes do Brasil, pelo menos na Bahia e no Maranhão, o grupo já


integrado de Voduns do trovão e do mar, conhecidos como Kaviosso ou Heviossô, virou um
“panteão” inclusivo, agregando uma série de divindades que na área Gbé eram alheias a esse
grupo (PARÉS, 2007, p.279)”.
O culto do mar já existia na África, mas precisamente em diferentes localidades que
compõem o Golfo de Benin (antigo Dahomé). A finalidade das oferendas que eram
depositadas ao mar era para acalmar a fúria do mar e facilitar o embarque de mercadorias de
68

todos os tipos. Percebe-se que esse culto estava atrelado, pelos menos aparentemente, ao
comércio estabelecido com estrangeiros.
Entretanto, os Voduns do mar também são conhecidos como Hulahun, atualmente os
hulas reclamam o direito de propriedade desse culto. Os hulas também são conhecidos como
popos, plas, fulaos, flas ou aflas, eram notáveis pescadores e produtores de sal.
O culto do trovão está relacionado à Costa do Ouro na África que implica a associação
entre o trovão e uma divindade que mora no céu. Para os africanos “a força do trovão está
contida em uma pedra”, portanto, sobrenatural.
A primeira referência a esse culto aponta para o reino de Uidá, numa crença que o
trovão matava os ladrões com suas “pedras”. Essa compreensão está relacionada com a ideia
de uma divindade que pratica a justiça.
A nação Jeje apresenta Heviossô como o deus do trovão, porém existe uma variedade
de cultos do trovão (Sô = trovão), mas Heviossô é aceito como culto do trovão mais
conhecido e de maior popularidade.

Verger coletou as listas de Voduns cultuados em Hevie e várias localidades orientais


dos Hulas. Em Heviê, ele não achou nenhuma menção das divindades do mar
(exceto Ahuangan, identificado ora como Vodun do mar ora como do trovão),
enquanto em cidades hulas como Ketonou, Godomey e Aulekete, o Vodun Heviossô
é desconhecido ou figura ou figura apenas de forma periférica, aparentemente como
uma apropriação tardia associada a de outros Voduns (PARÉS, 2007, p. 281).

Hunsijé informa que Sogbô é conhecido como o grande raio e o rei dos Vodunsôs,
essa divindade é representada pelo leão. Heviossô é um Vodun pertencente à família de Sogbô
e é conhecido como o raio da cidade de Heviê.
Contudo, com o passar do tempo, os cultos referentes ao mar e ao trovão foram sendo
acolhidos por outras nações como fons, ewes, huedas, transformados como cultos interétnicos
ou públicos e passaram a integrar um único grupo “panteão”.
Em Uidá (África), Heviossô é cultuado em algumas famílias huedas, porém é na
concessão de Hunon Dagbo (o grande sacerdote dos Voduns do mar) que se encontra o seu
templo de maior importância.
O Vodun Dan Uedo é conhecido como o arco Iris (a grande serpente colorida), é ele
que leva as águas para o céu para que Sogbô providencie a chuva.
Dangbê é conhecido como Vodun serpente da vida ou “espírito cobra” que é
conhecido no Brasil como Gbessén.
69

Jokolosy relata o xwénuxo que explica como Dangbê se tornou um vodun. Uma cobra
estava se deslocando pelas terras de Mahi quando um homem descuidado pisou em cima da
cobra e a matou. Por esse motivo esse homem foi castigado por Mawu, mas não compreendeu
o motivo pelo qual estava sendo castigado. Então, resolveu consultar um Bokonnono para
compreender o motivo do castigo e o que poderia ser feito para amenizar esse problema. Após
receber a informação do adivinho, retornou para as terras de Mahi para resgatar o corpo da
cobra e fazer o sepultamento do animal, construindo um altar (Dangbê = adorar –
Dangbessen) para que o espírito da cobra (Dangbê) fosse cultuado.

Frases e ditos populares relatados e traduzidos por Hunsijé (Aldryn).

Jé Agué lú
Aman, aman nya gbé á

As jóias de Agué são as folhas


As folhas são minha vida

Azirí si to bewá bewá to Vodun

Iniciados de Azirí a vida, vem da água


A vida vem da água

Han de Sakpatá relatada por Hunsijé

Eô eô eô Dahomey
Um jê kó pó si
Vodun si Dahomey

O leopardo trás para a terra do Dahomey a jóia, o iniciado do Vodun


70

Han de passeio de transmissão de cargo quando o iniciado vai receber um Deká,


relatado por Hunsijé.

É Vodunsí nabewá Ewa Ewa aê


É Vodunsí nabewá Ewa Ewa aê

Os que iniciam no Vodun


Nascem de novo, nascem de novo.

Han para Dã Gbessén – Cântico de entrada relatado por Hunsijé

Savalú savahundê
Ako Bessen
Aho boboi

Saúdem o grande rei das cobras


O chefe Bessen chegou em Savalú.
71

CAPÍTULO 3- AS FOLHAS E O SACRIFÍCIO


Sanman, san Vodun
Sem folha, sem Vodun

3.1- A magia das folhas e a importância das plantas

A conexão entre a natureza, adepto e divindades na comunidade savaluna é intensa, e


pode ser percebida a partir do vestuário que é feito exclusivamente de tecido de algodão,
dispensando o uso de tecido sintético, isso demonstra a forte relação com os elementos
naturais, com os produtos oriundos da terra e principalmente com as folhas e ervas que
corresponde a predileção de cada Vodun.
No terreiro savaluno a folha da palmeira é utilizada para defender a casa e para
renovar as energias positivas e neutralizar as energias negativas. As folhas da palmeira real
(azan na língua fon) são utilizadas na confecção da roupa do Vodun Gú. As folhas em geral,
são utilizadas para diferentes finalidades no cotidiano e na liturgia do terreiro.
Para equilibrar a energia da casa e dos convidados, espalha-se milho branco por todos
os compartimentos, aumentando a energia positiva, assim como as folhas de dendê que
também são espalhadas por todo o barracão.
Para harmonizar a casa são utilizadas as folhas de akokô, samambaia e palmeira real.
As folhas também servem como enfeites e são colocadas nas paredes da casa de acordo com
o gosto das divindades como folha de algodão, baronesa e lagrima de Nossa Senhora,
utilizadas para a festa de Lissá. O uso da língua fon é recorrente na casa em algumas
expressões referentes a elementos litúrgicos, com o objetivo de aproximar a energia das
divindades de acordo com a tradição Jeje.
Mèhùnàn Rinòhòdecì explica que a folha da costa (aridun na língua fon) é uma das
mais importantes e mais usadas no Candomblé Jeje Savalú pelo fato de serem atribuídas a
determinados fundamentos de grande importância, dentre eles, podemos destacar o
fundamento que compõem o bejeressun, no sentido de proteger os animais que são destinados
ao sacrifício para que eles não percebam ou visualizem o momento derradeiro dessa prática.
72

Figura 20

Folha da costa - Fonte: R. Chagas

Figura 21

Folha de Malvarisco - Fonte: R. Chagas


73

Quadro 3- CORRESPONDÊNCIA ENTRE VODUN(S) E FOLHA(S)

VODUN(S) FOLHA(S)
Vodun Gú Folha fina de mangueira
Nanã Japana roxa, Orisa , Sanguelavô e Cajueiro
Iewa, Aziri Tobossi, Lissá e Tòkpádùn Japana branca
AziriTobossi Gávia
Gbessen Jiboia, Melão São Caetano e Coqueiro
Abesàn Capianga ou Lacre vermelho
Lissá Capianga ou Lacre branco, Alecrin, Bete
branco e Sanguelavô
Sakpatá Velame, Paiva e Muruci
Obá, Aziri Tobossi e Azirí Kaya Jarrinha
Heviossô Seringueira e Para-raio claro
Abesàn Folha de fogo e Cuia de Oyá
Agué Todas as folhas
Otolú Samambaia, Cajueiro, Muruci e Mescla
Ederê Verbena e Maravilha
Oguiã Malvarisco e Manjericão
Azirí Loucura, Bergamota e Pampôla de todas as
cores
Heviossô Sanguelavô
Abesàn Capianga
Folha de fogo
Onitá
Lokô Gameleira branca, Paiva e Jaqueira
Ayizan Cactos
Fonte: Gàniyakú Jokolosy e Mèhùnàn Hinòhòdesì.

A folha da costa é também utilizada no Tasèn e no gólònèsín – (na língua fon significa
cerimônia interna de culto a cabeça), usado para esfriar a cabeça que significa “adorar a
74

Cabeça”, utilizada nos animais sagrados, além de ser uma folha utilizada por todas as nações,
isso por si só já é suficiente para confirmar a sua importância.
Para o preparo do banho de ervas, as folhas são devidamente maceradas, utilíza-se
defumação10 junto com um canto de adoração a Agué, acompanhado de uma seqüência de
palmas ritmadas (paó) que significa saudação e evocação ao Vodun como sinal de respeito.
Tudo que é usado no Candomblé Jeje, tem que passar pelo ritual de consagração.
Um detalhe fundamental no uso das folhas está relacionado à forma de como e quando
ela é colhida. A folha que é retirada de manhã tem uma finalidade e se for colhida à tarde, a
finalidade muda, ou seja, dependendo do horário da colheita a folha pode servir para
diferentes finalidades. Outro detalhe a ser destacado é a questão de gênero referente à flora,
ou seja, se a folha é “macho” serve para uma finalidade, e se é “fêmea” serve para outros fins.
Na casa savaluna a relação dos Voduns com os elementos da natureza é indissolúvel11,
isso explica a necessidade que o povo de santo tem em manter o vínculo com esses elementos
para desenvolver a prática litúrgica, apesar da constatação da diminuição de áreas verdes no
meio urbano. Diante da necessidade dessas áreas que são encontradas de forma cada vez mais
minguantes, a construção da identidade ecológica, por parte dos adeptos do Candomblé, é de
extrema importância, não apenas para a manutenção do meio ambiente, mas para anular a
imagem negativa criada para rotular os afrorreligiosos como poluidores da natureza.
Para Jokolosy a nação Jeje é a que mais cultua a natureza e os terreiros geralmente
ficam próximos ou no entorno de áreas verdes. No entanto, no meio urbano, essas casas
tiveram que passar por algumas adaptações ou adequações para manter seu ciclo litúrgico,
devido à ausência da mata. Diante desse quadro, as plantas consideradas mais sagradas são
cultivadas em pequenos vasos, de acordo com a disponibilidade do espaço e do ambiente. A
relação do Candomblé com a natureza representa o vínculo entre o céu e a terra; humanos e
divindades e acima de tudo representa a razão de ser do sagrado.

_______________________________

10
A defumação faz parte da liturgia da casa, cujos ingredientes são extraídos das plantas e das ervas como mirra,
incenso, bejuin, breu branco, miri, favas raladas de aridan. As folhas de algodão branco, de preferência do
Vodun Lissa, são muito utilizadas no Candomblé Jeje Savalú.
11
No Candomblé Jeje Savalú a relação com a natureza tem um significado mais amplo que vai além da simples
relação, isso significa para os adeptos, que o Candomblé é a própria natureza, dai a ideia de relação indissolúvel.
75

Figura 22

Vasos com plantas sagradas no interior do terreiro


Fonte: R. Chagas

Jokolosy informa que quando um adepto vai ser iniciado em agué é construída uma
casa forrada toda de folhas, desde o chão até as paredes para que o iniciado seja recolhido
nesse ambiente em busca de energia da divindade. A casa Jeje Savalú, até o presente
momento, já iniciou quatro pessoas no Vodun Agué.
Uma das árvores consideradas mais sagradas no Candomblé Jeje Savalú é a aroeira
(Amàví na língua Fon), a sua folha é utilizada para diversas finalidades, incluindo o banho
dos adeptos.
76

Figura 23

Árvore de Aroeira localizada na parte externa da casa - Fonte: R. Chagas

O aridan é uma fava muito utilizada no Candomblé Jeje Savalú, sendo que cada
divindade possui a sua fava de preferência. O aridan é de Vodun Gú, porém é utilizado por
todos os Voduns que gostam de guerrear.

Figura 24

Fava de Aridan Fonte: R. Chagas

As religiões de matriz africana postulam uma cosmologia própria no sentido de


sacralidade da natureza e de suas divindades, possuem uma ética específica e contribuem na
construção de uma relação “ecológica” de respeito à diversidade natural e humana.
Certamente que essa reflexão ainda é incipiente, no sentido de que a consciência ecológica
ainda está sendo historicamente construída.
77

Apesar da querela estabelecida entre aqueles que se afirmam como ambientalistas e


ecologicamente corretos e os adeptos das religiões de matriz africana, sobre o aspecto
maléfico ou não das oferendas e obrigações religiosas que são depositadas no meio ambiente,
cabe destacar que preocupação do povo de santo está relacionada com a manutenção e
preservação das espécies consideradas sagradas, incluindo plantas e ervas imprescindíveis
para a realização dos rituais mágico-religiosos.
Runsijé (Aldryn) informa que o Vodun Agué é o grande protetor da flora, os Voduns
são de fato da natureza e os seus assentamentos devem ser feitos com algum elemento da
natureza, dentre esses elementos, o mais utilizado é o ita (pedra) que representa o Vodun que
de acordo com a divindade, a pedra escolhida pode vir do mar, do rio ou da cachoeira. O ita
quando é sacramentado e passado pelos ritos de consagração, passa a ser chamado de otá
(pedra consagrada).
Vodun Lokô é o grande protetor da fauna e tem a floresta como sua morada, ele
protege os animais e só permite a caça para a subsistência humana. A permissão para caçar é
concebida por meio de um ritual que envolve uma sequência de palmas (paó na língua fon),
feita no pé de uma árvore, significando uma atitude de reverência na intenção de evocar a
energia do guardião das florestas. A caça de caráter esportivo não agrada essa divindade, e o
caçador poderá sofrer as conseqüências de sua atitude meramente utilitária.
Todos os Voduns têm a sua fruta de predileção. A fruta preferida de Gbessen e do
Vodun Lokô é a jaca, de Sakpatá é o abacaxi. A aproximação entre adepto e divindade se dá
por meio do agrado, oferecendo as coisas do gosto das divindades. Em alguns rituais do
Candomblé é costume preparar comidas de acordo com a preferência de cada Vodun, um dos
pratos que não pode faltar nas festas de Candomblé é o carurú, cujo principal ingrediente
dessa comida típica do norte e nordeste brasileiro é o camarão que é o fruto do mar mais
aceito pelos Voduns. As casas Jejes têm afeto com a natureza e com os animais, na tradição
Jeje o animal que afasta a morte é o cachorro, este animal está sempre presente nos terreiros
de Candomblé.
Contudo, para além da relação com as folhas e ervas, existe também uma ligação de
alguns Voduns com os Animais que lhe representam, Como:
Gú – Cavalo, Ontolú – Bufalo, Agué – Macaco, Gbessen e Azirí e outros Voduns a
Cobra, Tòkpádùn – peixe, Fá – Rato do Mato, Borboleta – Abesàn, Lisá – Camaleão.
O acarajé, comida nagô (atá em fon) que também contém camarão tem muita aceitação
no Candomblé Jeje Savalú.
78

Cântico de evocação da energia do Vodun Agué na língua fon apresentado por Hunsijé
(Aldryn)

Amásí Vodun ô
Amásí Vodum ô

Ononamáhundê Vodun
Ononamáhundê Vodun

Amásí é Vodun ô

O ancestral esposo das folhas


O ancestral esposo das folhas

O ancestral senhor das folhas chegou


O ancestral senhor das folhas chegou

O ancestral esposo das folhas

A relação dos savalunos com os animais domesticados como os pássaros, exige que
estes sejam criados soltos. Os filhos de Agué não podem manter pássaros presos em gaiola,
sendo proibida na casa, a presença de pássaros engaiolados.
Aldryn informa que o goro (noz de cola na língua fon) e obi (noz de cola na língua
yorubá) é uma fruta africana e essa fruta é como se fosse um Vodun que se entrega a outro
Vodun da seguinte maneira, a gente abre um gorô (obi) pra saber o que ele quer nos dizer,
esse ritual é acompanhado de cânticos específicos referente ao sacrifício do gorô no sentido
que ele responda por outro vodum. Dessa mesma forma é feito com as folhas quando elas
passam pelo fundamento cantamos as cantigas de Agué para reverenciá-las, que só podem ser
retiradas com a devida permissão e no momento certo. Quando as folhas são maceradas
significa que elas estão morrendo ao dar o sumo pra gente, ou seja, elas estão nos entregando
o próprio sangue. Portanto, devem ser reverenciadas e colhidas no momento certo, a escolha
79

das folhas depende da preferência de cada divindade. Lissá geralmente costuma utilizar as
folhas de Azirí.

Figura 25

Obi (Gorô na língua fon) - Fonte: Arquivo savaluno

Segundo Jokolosy o primeiro Vodun a ser cultuado é Elegbá, tudo que se pretende
fazer tem que consultar Elegbá, mas para cultuar essa divindade é imprescindível o uso do
gorô, por esse motivo essa fruta é considerada sagrada, sua função é de informar se a
obrigação foi aceita ou não. Tem casa que usa o goro ou o ahowê (obi e orogobô na língua
fon) depois. Na casa Savaluna utiliza-se antes para se obter a resposta que se deseja saber,
dessa forma, o gorô simboliza a voz do Vodun. Do modo como ele cai, significa aquilo que o
80

Vodun quer dizer, quando ele tula (língua fon) e alafia (língua yorubá), significa que o
trabalho pode ser feito e que a obrigação foi aceita pela divindade.
Em todas as obrigações, de preferência, o adepto deve fazê-las descalço. Depois da
iniciação é costume andar descalço para manter o contato com a terra para estabelecer a troca
de energia, durante os preceitos é comum abster-se do uso de calçados.

3.2- O sangue dos três reinos

Falar sobre o sangue dos três reinos (animal, vegetal e mineral), seja no Candomblé ou
em outra religião que utiliza esses elementos em seus ritos, é necessário compreender que se
trata de um tema complexo, que está ligado à simbologia e dinamismo que é típico da religião
em si e dos aspectos provenientes do fenômeno religioso. Essa concepção exige conhecimento
profundo e substancial sobre práticas litúrgicas que simbolizam, ritualizam e necessitam de
cuidados, pois transitam entre dois pólos, o positivo e o negativo.
Jokolosy explica que no Candomblé Jeje, ohun (sangue na língua fon) está relacionado
diretamente ao ritual sagrado da feitura e das oferendas, feitura significa a força vital dos
Voduns.
Durante o ritual de corte (bejeressun ou nahunnú na língua fon) do animal destinado
ao sacrifício, somente os órgãos vitais são oferecidos as divindades, a carne do animal é
devidamente preparada, cozida e oferecida a toda a comunidade. A pele dos bichos de quatro
pés é utilizada na confecção dos atabaques.
Jokolosy explica que o sangue vermelho está relacionado diretamente as coisas
quentes e ao movimento do fogo. Para atender as necessidades dos Voduns, o ohun (animal,
vegetal e mineral) deve ser oferecido na medida certa, podendo aumentar ou diminuir para
atingir a quantidade desejada de acordo com a energia, temperatura e intensidade.
Durante o assentamento de três Voduns quentes como Abesàn Vodun Gú e Heviossô,
é assentado Lissá que é um Vodun frio, para esfriar e equilibrar a energia dos Voduns
quentes. Aldryn explica que Gàniyakú não gosta de atribuir muito dendê (sangue vegetal
vermelho) aos Voduns quentes, mesmo que o Vodun peça dendê, esse elemento vegetal é
oferecido de forma dosada para que a casa não fique muito quente.
O uso do sangue dos três reinos deve ser feito com conhecimento e moderação a fim
de manter o equilíbrio energético.
81

Quadro 4 - VODUNS QUENTE E FRIO


Vodun Quente Onitá, Abesàn, Sogbô, Gú, Heviossô,
Sakpatá e Elegbá.
Vodun Frio Lissá, Aziri Tobossi,Tòkpádùn.
Vodun Quente e Frio Todos os outros.

Para Jokolosy “não se derrama sangue do animal por crueldade e nem para fazer o mal
a quem quer que seja. O sacrifício deve ser compreendido como condição única e
insubstituível para que a vida continue”.
O sangue preto pode ser encontrado nas cinzas de galhos e folhas de árvores
sacrificadas, sendo a cor verde a variação da cor preta e azul que é compatível com o sumo
das folhas. O pó azul chamado de wají que é extraído das árvores é exemplo de sangue preto
do reino vegetal.
A cor vermelha é associada ao fogo, o preto a terra e o branco à água e o ar. São
muitos os elementos portadores de axé que vem reforçar, ampliar e restabelecer a relação
entre o homem e a natureza. O axé12 é uma força vital acumulada que provém da natureza e
fortalece o poder dos Voduns, fazendo com que o povo da comunidade fique sempre em
sintonia com as divindades.
O axé está contido numa infinidade de elementos que representam os reinos animal,
vegetal e mineral que podem ser encontrados em diferentes lugares da natureza como na água
doce ou salgada (oceano, mar, rios, igarapés); na terra, na floresta, mato, capoeira, ou espaço
urbano.

________________________________

12
O axé (acè) é a força vital, é o conteúdo mais importante do “terreiro”. É a força que assegura a existência
dinâmica, que permite o acontecer e o devir. Sem axé, a existência estaria paralisada, desprovida de toda a
possibilidade de realização. É o princípio que torna possível o processo vital. Como toda força, o axé é
transmissível; é conduzido por meios materiais e simbólicos e acumulável. É uma força que só pode ser
adquirida por introjeção ou por contato [...]. Mas esta força não aparece espontaneamente: deve ser transmitida.
Todo objeto, ser ou lugar consagrado só o é através da aquisição do axé. Compreende-se assim que o “terreiro”,
todos os seus conteúdos materiais e seus iniciados, devem receber axé, acumulá-lo, mantê-lo e desenvolvê-lo.
Para que o “terreiro” possa ser e preencher suas funções, deve receber axé. O axé é “plantado” e em seguida
transmitido a todos os elementos que integram o “terreiro” (SANTOS, 2012, p.41).
82

Quadro 5- SANGUE DOS TRÊS REINOS

SANGUE VERMELHO SANGUE BRANCO SANGUE PRETO


REINO Corrimento menstrual, Semen, saliva, hálito, Cinzas de animais
ANIMAL sangue humano ou animal. secreções, plasma (de
caracol).

REINO Azeite de dendê, pó A seiva, o sumo, o O sumo escuro de


VEGETAL vermelho de urucum, mel álcool e as bebidas certos vegetais.
(sangue das flores). brancas.

REINO Cobre e bronze Sais, giz, prata e Carvão ferro e


MINERAL chumbo. outros.
Fonte: Hunsijé Aldryn

Segundo Aldryn. “Durante o sacrifício é oferecido também às divindades os inxés que


são os orgãos vitais do animal como fígado, coração e outros órgãos de igual importância que
servem para materializar e dar vida aos Voduns”.
Para Santos (2012, p. 43). “Por extensão, existem lugares, objetos ou partes do corpo,
impregnados de axé como: o coração, o fígado, os pulmões, os órgãos genitais, as raízes, as
folhas, o leito dos rios, pedras; e outros que correspondem de uma maneira bem definida, a
alguma das três cores mencionadas: os dentes, os ossos, o marfim etc.”, elementos utilizados
no rito nagô. Da mesma forma como foi citado por Aldryn, no que se referiu aos inxés que são
os órgãos vitais do animal, utilizados nos ritos savalunos.
Na casa savaluna existe todo um preparo para a prática do sacrifício. O local deve ser
forrado para que o ohun seja coletado num recipiente apropriado para não respingar e cair no
chão, evitando assim uma possível “invasão” de energia negativa, quando isso ocorre, o ohun
não pode ficar exposto, deve ser encoberto com panos apropriados. Entretanto, a casa que está
preparada, não abre espaço para energias contrarias que devem ser despachadas.
Jokolosy adverte que o bejeressun não deve ser relacionado com ato de crueldade, o
animal destinado a esse fim chega alguns dias antes para a prática ritual e é entregue aos
Kpedjígàns da casa para que seja preparado e destinado a esse fim. Durante o período de
preparação, o animal deve ser devidamente sacramentado, reverenciado e respeitado numa
relação que envolve cuidados típicos da liturgia de matriz africana.
83

O ohun está distribuído em três categorias representadas pela cor vermelha, preta e
branca. Os elementos que detém axé são encontrados nos reinos animal, mineral e vegetal.
Para Jokolosy a parte invisível está na combinação desses elementos portadores de
muito axé que renovam, ampliam, distribuem e restabelecem a força vital numa relação
estreita entre os homens e os Voduns. Todo sacrifício, assim como toda a oferenda presente
na iniciação e consagração, implica na transmissão de energias.
O sangue vermelho está diretamente ligado com a vida em todas as fases da existência
tanto do animal quanto humana; o vegetal é representado pelo azeite, óleo e seiva, assim
como pelo atim que é composto de pó sagrado, o mineral é representado pelos metais como o
cobre, bronze e chumbo.
O sangue preto é representado pelas cinzas dos animais sacrificados e o sangue branco
é representado pelo plasma do caracol que é o animal de predileção de Mawu. Quando
oferecido a esta divindade proporciona a paz a todos da casa como sinal de amor e união,
nessa ocasião todos ficam de preceito por 16 ou 21 dias (16 dias para os confirmados e 21
dias para os iniciados).

3.3- O sacrifício e a renovação da vida

A proposta deste tópico é focalizar á relação dos afrorreligiosos do Candomblé Jeje


com a natureza. No entanto, percebi ao longo das entrevistas realizadas no campo religioso
savaluno a importância de mencionar o “sacrifício de animais” ou “bejeressun”, termo
utilizado pela comunidade e de preferência da Gàniyakú Jokolosy por estar inserido no
contexto Jeje de tradição africana e livre de estigmas que geralmente apontam para a
crueldade de animais.
O sacrifício é um termo que pode ser considerado polissêmico, discutido em muitas
línguas com diferentes significados, dependendo do ponto de vista de cada indivíduo, grupo
ou sociedade. Etimologicamente provém do latim sacrificium, no qual faz referência ao ato de
“tornar sagrado”, assinalando a passagem do sacrificado a outra dimensão pertencente à
compreensão religiosa. “Em numerosos rituais, o sacrifício apresenta-se de duas maneiras
opostas: ou como „algo muito sagrado‟, do qual não seria possível abster-se sem negligência
grave, ou, ao contrário, como uma espécie de crime [...]” (GIRARD, 1990, p. 11). Por outro
lado, na visão ocidental, o sacrifício está relacionado à matança. Dessa forma, é possível
compreender a existência de duas teorias sobre o sacrifício que foram criadas em meados do
84

século XIX. Para compreender esse duplo aspecto do sacrifício ritual, é preciso primeiramente
compreender o caráter sagrado do ato com relação à “vítima”, o que a torna sagrada, pois sem
o sacrifício, o animal sacrificado não se tornaria sagrado, portanto, não há crime algum nesse
ato. A palavra sacrifício segundo (HUBERT e MAUSS, 2013, p. 17) “sugere imediatamente a
ideia de consagração, ou seja, em todo sacrifício um objeto passa do domínio comum ao
domínio religioso”.
Na casa savaluna o poder do sangue (ohun) envolve o campo dos segredos que
apontam diretamente para a prática litúrgica da casa, ou seja, falar do bejeressun significa
adentrar numa linha tênue que representa a fronteira entre os fundamentos que compõem o
campo dos segredos referente ao sagrado e aquilo que é permitido informar. Por outro lado,
transitar por esse campo que deixa emergir o protocolo litúrgico exige muito cuidado e
sutileza, tanto por parte do pesquisador quanto dos informantes.
No entanto, numa tentativa de desconstruir a mácula gerada por grupos
fundamentalistas referentes ao povo de santo, é necessário explicar a relação do afrorreligioso
com o sacrifício.
Gàniyakú Jokolosy explica sobre essa relação

Eu penso que todos os Voduns têm que ter ohun. Para o assentamento de Lissá é
utilizado uma grande quantidade pó sagrado para cobrir o assentamento. É
impossível efetuar um assentamento sem ohun, porém o conhecimento tradicional é
importante para evitar os excessos no uso do sangue vermelho, branco ou preto que
compõem o sangue dos três reinos: animal, vegetal e mineral. Obviamente que a
retirada de um desses elementos da prática ritual do Candomblé significa a perda
com maior ou menor grau da tradição que necessariamente se sustenta na afirmação
desses três elementos, sendo que nenhum pode substituir o outro, cada qual atende e
desenvolve a especificidade de cada caso, de cada divindade e em diferentes
situações (Entrevista realizada em 27/10/2013).

É importante ressaltar que a retirada de um dos elementos acaba por enfraquecer a


tradição africana, pois não se pode abrir mão de um elemento em detrimento de outro. O
Candomblé brasileiro difere do Candomblé africano, mas mantém a essência dessa tradição
para o culto das divindades de acordo com cada nação. A perda da essência implica na perda
da tradição, ou seja, sem a essência corre-se o risco de cultuar algo inexistente.
Mèhùnàn Hínòhòdèsi (Nalva) relata que o sacrifício, tanto animal quanto vegetal e
mineral é sempre feito em favor da vida e da harmonia entre os humanos, numa relação de
troca, o respeito pela natureza começa pelo silêncio, quando ela entra na mata primeiramente
pede licença, a entrada deve ser feita sem barulho e sem algazarra.
85

Nesse sentido de dádiva, a religião se apropria da legitimidade de troca, de


reciprocidade, de dons e de funções sociais, sendo que a base da unidade está fundamentada
na divisão do trabalho relacionado com a função religiosa de cada adepto.
Se o vínculo de ligação entre as divindades africanas e os clãs foi dissolvido, temos
agora o elo entre os Voduns e os elementos da natureza. Para Mauss (1950) existe diferença
entre dádivas relacionadas a presentes, bens e símbolos, de troca utilitarista.
O mana representa o valor da reciprocidade, e nele se encontra a obrigatoriedade de
retribuição, ou seja, de reciprocidade positiva.
A classificação que era antes atribuída ao campo sociológico, foi substituída pelo
caráter religioso que rege a classificação das coisas do mundo. Cada divindade do Candomblé
Jeje Savalú está ligada com determinadas plantas, cores, animais, espaço no mar, rios e
florestas, dias da semana e outros itens que compreende uma gama de fundamentos religiosos,
de segredos, de símbolos e ritos que compõem o sagrado “ecológico” no complexo mundo do
Candomblé.
As oferendas, nesse contexto, estão relacionadas à dinâmica da reciprocidade, no
sentido de retribuição à natureza, como se fosse uma “contra dádiva” como resposta a
dádiva13 inicial, ofertada pela natureza.
A reciprocidade pode ser compreendida como uma relação social, de forma que os
interlocutores ou parceiros sejam inseridos em uma circulação contínua ou recursiva de
dádivas. Esse vínculo está presente no espaço afrorreligioso, uma vez que a oferenda pode ser
compreendida como elemento de mediação entre adepto e divindade.
A relação dos savalunos com a natureza é tão intensa, que estabelece de imediato, uma
relação que se faz presente na ação de reverência aos elementos da natureza que se constitui
como morada do sagrado seja no corpo do adepto, nas pedras, nas folhas, no vento, no tempo
e em toda criação divina.

__________________________
13
Mauss evidencia que a dádiva é o oposto de troca mercantil, portanto, procura na dádiva a origem da troca,
evidenciada pela essência da reciprocidade numa tríplice obrigação de dar, receber e retribuir.
86

A dádiva de Mauss pode ser interpretada como intercâmbio, não no sentido utilitarista,
em que o doador deveria recuperar o bem doado, mas, sobretudo porque o doador deseja
resguardar seu mana14, seu prestígio, ou seja, a sua integridade espiritual.
A utilização dos recursos da natureza deve vir acompanhada do sentimento de
preservação desses elementos conforme explica Rìnòhòdecí (Nalva)

Quando iniciei no Candomblé, minha mãe me levou na mata e disse que tínhamos
que entrar em silêncio, que ninguém deveria achar graça e fazer barulho. Isso foi o
primeiro ensinamento que ela me repassou, ao entrar na mata, a gente bate paó que é
uma maneira da gente se comunicar com os Voduns, o paó(s) são palmas que
indicam alguma coisa que queremos dizer aos Voduns, ou seja, é um tipo de
comunicação entre os humanos e as divindades.

Rinòhòdecí (Nalva) informa que para manter a energia dos Voduns ela forra o chão
com as folhas que também são utilizadas nas obrigações. No bejeressun, as folhas (amans na
língua Fon) também são usadas para forrar o chão, evitando o contato do animal com o solo,
ou seja, entre os Ká (Cabaças sagradas) e a terra ficam as amans. Assim, compreende-se a
relação indivisivel entre os Voduns e as folhas, pois elas estão vinculadas diretamente com os
Voduns, usa-se folha para cada divindade de acordo com a sua preferência.

Minha mãe me ensinou que cada Vodun utiliza folhas diferentes em seus
fundamentos, a folha da baronesa é utilizada para Togbossí, assim como a folha fina
da mangueira que é específica de Gú, já a folha mais grossa não está relacionada a
essa divindade. Para cada Vodun existe uma variedade de folhas, além da mistura
desses elementos para diferentes finalidades, sendo utilizadas tanto as folhas quentes
quanto as folhas frias. As folhas que tem espinhos nem sempre pertencem a
Elegbara (Entrevista realizada em 27/10/13).

Fica evidente na fala de Rinòhòdesì que a transmissão de conhecimentos é algo


recorrente na casa savaluna, esses fundamentos são vivenciados não apenas na teoria, mas
principalmente na prática cotidiana que envolve a relação entre a experiência dos mais velhos
que são repassadas para os mais novos.

____________________
14
O mana é o valor da reciprocidade, um terceiro entre os homens, que não está ainda aqui, mas para nascer, um
fruto, um filho, o verbo que circula, que da a cada um seu nome de ser humano e a sua razão ao universo
(MAUSS, 1950).
87

Contudo, quando se fala de “sacrifício”, “holocausto” e “imolação de animais”, é


comum, no mundo moderno, encontrar críticas de grupos que sustentam uma postura radical a
esse respeito, ancorado numa suposta prerrogativa de defesa dos animais que são destinados a
esse fim, essas pessoas se posicionam de maneira contundente contra todo e qualquer tipo de
derramamento de sangue.
A relação do sangue dos três reinos com os Voduns seja ele animal, vegetal ou mineral
é de suma importância. Para Gàniyakú, o sangue é a força vital para os Voduns e está
relacionado à fertilidade, ao nascimento e em todas as etapas da vida. Os savalunos acreditam
que sem o sangue não tem axé, ninguém nasce sem o sangue e a ausência desse elemento,
certamente representaria o fim do Candomblé.
Para Jokolosy, a prática do “sacrifício” é vista por muitos, como barbárie, porém a
diferença está na atribuição de significados, ou seja, sobre aquilo que se compra para servir de
alimento e que já vem morto, ou sobre aquilo que se mata para oferecer as divindades num
sistema de troca em favor da vida, mas que também servirá para alimentar a comunidade.
Quando se compra um frango abatido, isso não exime da “responsabilidade” sobre a morte do
animal, pelo fato de que servirá apenas de alimento e não de oferenda como sistema de troca,
dessa forma a morte também teve seu objetivo que era de saciar a fome.
Mas a morte do animal também pode estar relacionada com um sentido religioso, que
vai além do ato de matar, oferecer e alimentar, isso envolve uma complexa relação de troca
que é típica das religiões consideradas tradicionais e que envolve, sobretudo, uma relação de
respeito.
Sobre a relação entre as folhas e os Voduns no Candomblé Jeje Savalú e como essas
divindades apresentam-se personificadas nos elementos da natureza, é necessário
compreender o significado do “sagrado imanente” no Candomblé em que tudo é sagrado, é
aquilo que habita no aqui e agora como a pedra, a árvore, os atabaques que passam pelos
fundamentos e tornam-se sagrados. Nesta compreensão, é possível perceber a transformação
do imanente no transcendente, do objeto que habita o campo profano e que passa a ser
reconhecido como sagrado depois de ser sacralizado.
No cotidiano dos terreiros de Candomblé, ou seja, tudo ou quase tudo pode ser
transformado em sagrado como a folha, a pedra, a árvore e outros elementos que estão
presentes no ambiente religioso. Por outro lado a transformação do objeto simples em objeto
sacralizado, só é possível pela força do fundamento.
88

Vergolino (2008, p. 144) analisa o ponto de vista do sagrado, a pedra do rei Sabá,
observada no seu platô. “Estava situada em meio a uma natureza selvagem, repleta de
elementos de grande densidade significativa – pedras que se elevam como uma grande
pedreira, pedras que formavam, no seu recôndito, pequenos lagos que vez por outra deviam
aprisionar os peixes”. Observa-se nesse contexto a potencialização da natureza elevando-se a
percepção sensível do sagrado, ou seja, a manifestação do transcendente sobre o elemento
imanente, evidenciando assim a presença do sagrado.
89

CAPÍTULO 4- A SACRALIZAÇÃO DA NATUREZA PELAS RELIGIÕES DE


MATRIZ AFRICANA E SUAS ADAPTAÇÕES PARA O DISCURSO ECOLÓGICO

4.1 A concepção de natureza na cosmovisão africana

A sacralização da natureza é um fator preponderante nas religiões de matriz africana, e


esse fundamento está presente nos diferentes ritos religiosos da nação Jeje, de Angola e dos
Yorubás conhecidos também como Nagôs, que ultimamente vem sendo mais pesquisados e
estudados nos ambientes acadêmicos. A divulgação das divindades yorubanas é recorrente
nos estudos publicados atualmente, sendo reconhecido como um processo denominado de
“Yorubanização” ou “nagôcentrismo”. É necessário, portanto, que os estudos possam
focalizar outras dimensões, sem deixar de utilizar os trabalhos já publicados, que servem de
base para pesquisadores que estejam dispostos a resgatar e compreender as regras presentes
em outras nações, incluindo o Candomblé Jeje.
Como já vimos, os fenômenos que englobam as plantas, as pedras e os demais
elementos da natureza são considerados sagrados e cada elemento é revestido de uma função
importante no processo litúrgico dos cultos referentes às “religiões de integração”, a começar
pelo banho de ervas para limpeza e purificação do corpo.
Piazza (2005, p.7) sobre religiões de integração afirma que:

O homem nestas culturas, limíta-se a viver dos produtos da natureza, como os


animais, e, por isso, sente-se também como um “produto” do ambiente natural em
que vive. Dai a sua tendência para “integrar-se” nos ritmos da natureza, como meio
de assegurar a sua sobrevivência.

O Candomblé é reconhecido como religião de integração, nesse sentido, a conexão


entre adepto, divindade e natureza perpassa por um objetivo comum que inclui os quatro
elementos da natureza (água, fogo, terra e ar). Dentre eles, a água ocupa um lugar de destaque
como elemento imprescindível para a manutenção da biodiversidade.
Nos rituais do Candomblé, as folhas merecem uma atenção especial devido as suas
múltiplas utilidades, tanto para a limpeza do corpo, como para sacralizar objetos, com a
intenção de purificar e curar doenças do corpo e da alma por meio da intervenção do
afrorreligioso.
Na África, a qualidade das relações entre um indivíduo e o seu orixá diferenciáva-se
consideravelmente das relações que orientam o Candomblé da Bahia. Para Verger (1981, p.
90

34) “Podemos chamar essas tendências de arquétipos da personalidade escondida das


pessoas”. O vinculo entre o adepto e o seu orixá de cabeça, que na África, a orientação dava-
se por ancestralidade e por pertença, na qual ligava cada orixá a cada pessoa, cidade ou país.
No novo mundo, essa orientação foi modificada.
Na estreita comunicação e contato entre o ayê (mundo dos vivos) e o orun (mundo
dos orixás, dos antepassados e de olorum) está à compreensão entre o mundo material e o
espiritual conforme citação abaixo.

O espaço entre o mundo material (Aiyê) e o mundo espiritual (orun) é ocupado pelos
múltiplos orixás. O processo que configurou a personalidade e o culto dos orixás, da
África ao Candomblé brasileiro pode ser entendido em três movimentos ou vieses. O
primeiro viés é anímico: atribuir vida espiritual aos elementos e manifestações
naturais. Assim, a argila, as pedras e as colinas; o ar ou o vento impetuoso; o céu
estrelado, o sol e os trovões; a mata, a palmeira e as folhas curativas; os vários rios,
fontes e lagos: cada qual possui um animus (espírito) que lhe dá movimento e
humor. O segundo viés é zoético: associar esses elementos às habilidades e ofícios
necessários à vida, no sentido de sobrevivência e bem estar da tribo. Temos o
plantio, o cultivo e a colheita (ligados a terra, à água e ao sol); a olaria (ligada à
terra, à água e ao fogo); o conhecimento de raízes e ervas medicinais (referente à
mata, à palmeira e às folhas); a fabricação de artefatos de metal [...], e também a
caça de animais (referente à mata). O terceiro viés é memorial, quando o culto dos
orixás fundiu-se com o culto dos antepassados (MAÇANEIRO, 2011, p. 45-46).

A natureza, na cosmovisão africana, está devidamente conectada a ancestralidade que


compõe a herança transmitida às novas gerações, envolvendo conhecimento e atitude de
louvor e reverência à natureza. O elo entre religião e natureza, torna-se visível nos detalhes
dos rituais, cada divindade necessita de espaços pré-determinados e atribuições que marcam
seu lugar no cosmo sagrado. Nesse contexto, o Candomblé desenvolveu uma liturgia própria
referente a práticas alimentares, terapêuticas, simbólica e criativa.
Bastide, em sua obra O Candomblé da Bahia: rito nagô (2001, p.150) afirma que: “O
papel dos orixás é, pois, estabelecer uma classificação das plantas no caos da natureza
selvagem”. Muito mais que classificar, a missão é estabelecer uma relação de
complementaridade, de respeito e de compreensão do mundo. A esse respeito, leia-se a
seguinte passagem:

Na África, os orixás são deuses de clãs; são considerados como antepassados que
outrora viveram na terra e que foram divinizados depois da morte. Mas ao mesmo
tempo constituem forças da natureza, fazem chover, reinam sobre a água doce, ou
representam uma atividade sociológica bem determinada, a caça, a metalurgia; não
são pois, adorados apenas pelos descendentes membros do clã, mais ainda por todos
que necessitam do seu apoio (BASTIDE, 2001, p. 153).
91

É importante perceber que cada clã possui a sua especificidade tanto no aspecto ritual
como funcional, porém as atribuições de cada clã são destinadas para atender os interesses da
coletividade, do bem comum e não a este ou aquele clã de forma individualizada. Cada clã
detinha o poder místico para estabilizar a força da natureza, devidamente amparado na ação
de reciprocidade, isso explica a relação dos orixás com os elementos que representam a
natureza, sua força e mistério.
A representação e formas religiosas contidas no Candomblé tornaram-se referências
para o conjunto de religiões de origem africana de forma geral, incluindo o Candomblé Jeje.
De acordo com o pensamento de Risério (2004, p. 283-4), sobre os aspectos religiosos
básicos que são eminentemente e genericamente partilhados, destaca-se a ligação entre
religião e natureza.

O vínculo religião-natureza é claro. Os nagôs trouxeram para cá os seus


procedimentos de sacralização ambiental. Para eles, a natureza não era vazia. Seus
objetos e fenômenos estavam (e estão) carregados de significância religiosa. De
vibrações e poderes especiais. Uma colina, uma árvore, uma cachoeira ou uma fonte
poderiam ser lugares de manifestação do sagrado. E essa forma religiosa, conduzida
a bordo dos navios negreiros, apresentava uma alta capacidade para a absorção de
práticas e de ideias, na medida mesma que não se achava formalizada num conjunto
sistemático de dogmas.

Se o vínculo de ligação entre os orixás e os clãs foi dissolvido, temos agora o elo entre
os orixás e os elementos da natureza. A classificação que antes era atribuída ao campo
sociológico, foi ressignificada pelo caráter religioso que rege a classificação das coisas do
mundo. Cada orixá está ligado com determinadas plantas, cores, animais, espaço no mar, rios
e florestas, dias da semana e outros itens que compreende uma gama de fundamentos
religiosos, de segredos, de símbolos e ritos que compõem o complexo mundo do Candomblé
que envolve diferentes nações.
A tradição yorubá sustenta uma importante matriz necessária para a realização dos
ritos e práticas de contato com a natureza, que por sua vez, demandavam espaços apropriados
nos moldes da flora africana, que de certa forma foram re-significados no outro lado do
atlântico, tanto na vida material quanto na vida religiosa e simbólica. No entanto, se o
material e o espiritual se misturam reciprocamente, compreende-se que a coisa dada leva algo
do ser do doador.
Mauss (1950, p. 263) afirma que: “se coisas são dadas e retribuídas é porque se dão e
se retribuem „respeitos‟ – podem dizer igualmente, „cortesias‟. Mas é também porque as
pessoas se dão ao dar, e, se as pessoas se dão, é porque se devem”.
92

A religião se apropria da legitimidade de troca, de dons e de funções sociais, sendo


que a base da unidade étnica está fundamentada na divisão do trabalho relacionado com a
função religiosa. Na percepção de Mauss está a matriz da relação entre almas, do mana, está
basicamente na obrigação de reciprocidade, de retribuição positiva de dádivas.
Nesse sentido, o mana expressa o verdadeiro sentido dado ao homem ou criado
significativamente pelo próprio homem que mergulha numa relação eminentemente recíproca.
No entanto, a acepção ecológica do Candomblé está relacionada diretamente aos
elementos da natureza e no trato desses elementos no processo litúrgico, de uso e de retorno
desse material, seja ele animal, vegetal e mineral no sentido de que esses organismos possam
ser absorvidos pela natureza. Essa compreensão assinala a ideia de circulação de energia,
marcado pelo sentido de devolução de cada material para o seu respectivo lugar de origem.
A intencionalidade de devolução e de retribuição a natureza aquilo que lhe é ofertado,
marcado pela ideia de presente ou oferenda que corresponde à dinâmica de reciprocidade, da
“dádiva” e “contra-dádiva”, que por sua vez representa a “dádiva” que foi inicialmente
ofertada pela mãe natureza (MAUSS, 1950).
Contudo, é inegável a ligação entre os adeptos do Candomblé com os orixás, I‟nkisses,
Voduns e com os fenômenos da natureza, como os quatro elementos (terra, ar, fogo e água),
as plantas, as florestas, os rios, assim como os dias da semana, as cores, os alimentos, entre
outros. No Candomblé, é notório o vínculo de determinados objetos com os indivíduos, por
meio de ritos de comunhão com os orixás, como por exemplo, as cordas sagradas (colares).
Para Tavares (2002, p. 99 e 101) “uma pequena porção individualizada da energia do
orixá assentado assim como a pessoa o é nessa compreensão, seria como se “a energia da
cabeça da pessoa fosse transferida qualitativamente, e numa intensidade renovável para a
pedra, para o otá que está constituído de energia correlata”. As pedras que são utilizadas para
esse fim, denominados de “assentamento” dos orixás. Da mesma forma, como é utilizada para
as divindades de outras nações.
A pedra que constitui o ritual da divindade que será “assentada” será criteriosamente
preparada, seguindo a risca todas as concepções e preceitos da tradição, apropriando-se a
partir da singularidade de cada ritual para obtenção de uma gama simbólica que representa o
vínculo particular do adepto com a sua divindade.
Contudo, é possível perceber que a intensa relação com a natureza impõe ao
Candomblé uma grande responsabilidade em relação às religiões cristãs, que não apresenta
explicitamente essa ligação e interdependência.
93

No Candomblé, o uso cotidiano das plantas segue alguns critérios e regras, capaz de
distinguir a esfera terapêutica e religiosa. A relação das plantas com determinados orixás,
pode interferir na escolha das mesmas tanto para a utilização nos rituais e no campo
medicinal.
É possível compreender que a religião de matriz africana exerce um importante papel
para equilibrar a cisão entre homem e natureza, sem ela, seria mais difícil equilibrar o mundo
no caos estabelecido por meio de uma classificação hierárquica, que mantém a humanidade
distante do verdadeiro significado que contempla o sentido de unidade em oposição ao
antropocentrismo, no qual, carrega em si o germe da dissolução e dominação; do espírito de
superioridade e controle da natureza.
A sociedade contemporânea utiliza uma classificação própria, cuja função é restrita as
particularidades em detrimento de uma visão que contempla a totalidade e a concepção
holística do mundo.
No meio urbano brasileiro, ainda é possível encontrar a “África em miniatura”
(BASTIDE, 2001, p. 76), mas sem a presença dos antigos clãs africanos, a linhagem
tradicional de famílias e reinos ficou para trás, a sociedade tribal desapareceu no âmago do
regime escravocrata, foi impiedosamente dilacerada e ao mesmo tempo transformada em
outro modelo que se apropriou da religião como forma de organização social, cuja função é de
reconstruir o que foi perdido, mesmo que seja uma reconstrução simbólica, mas rica em
significados. Assim, os orixás mantém sua identidade, seus ritos e mitos, abarcando os
ancestrais divinizados e atuantes nos espaços sagrados.
A mudança de domínio entre o espaço dos homens e dos deuses, da África para o novo
mundo, configurou-se em um novo modelo de classificação da realidade. Por esse motivo o
afro-religioso ao adentrar no espaço místico, deverá tomar algumas precauções como cumprir
os rituais característicos, marcados por oferendas e sacrifícios para aventurar-se no espaço
sagrado e obter permissão para utilizar os recursos da natureza. Diante desse ritual é possível
estabelecer uma relação isenta de conflitos, mediada por regras, respeito e reverência aos
deuses e a natureza.
Portanto, as religiões de matriz africana, no mundo moderno, não prima por mudanças
radicais, no que se refere às práticas religiosas e visão de mundo. Porém, diante desse novo
contexto, optou-se pela adaptação dessa nova realidade. Os afrorreligiosos procuram dividir
seu tempo entre as obrigações religiosas, a contemplação da natureza e sua vida social como
trabalho, estudo e a busca por oportunidades no mundo globalizado.
94

4.2 O conceito de ecologia e o movimento ambientalista

Como já foi informado, em todos os recantos da cidade de Belém do Pará é possível


encontrar terreiros ou centros religiosos de matriz africana divididos em diferentes nações
(Angola, Jeje, Keto e Mina) denominados pelo termo Candomblé. Muitos terreiros estão
localizados em bairros centrais da cidade que já não dispõem de áreas verdes como era no
passado, que se serviam dos recursos naturais com maior facilidade e hoje enfrentam
dificuldades impostas por uma sociedade que degrada a natureza de forma selvagem. Nesse
sentido, o discurso ecológico se faz presente no mundo moderno e está relacionado não
apenas as questões ambientais, mas em diferentes áreas do conhecimento como a filosofia,
política e religião.

O termo ecologia, como conceito científico, deve o seu nascimento ao biólogo


alemão Ernst Häckel (1834-1919), que oferece uma definição do referido termo em
1866, quando fala da relações entre organismos. Ou seja, trata-se de um estudo das
relações entre os sistemas vivos entre si e com o seu meio ambiente. Não se trata
portanto, apenas de um estudo dos seres vivos em si, mas das relações existentes
entre eles. Contudo a ecologia hoje é de domínio multidisciplinar que desperta
interesse não apenas às ciências da natureza, mas também à filosofia, à teologia, à
ética. Algumas teorias estabelecem uma ligação entre esses variados saberes e a
ecologia (COSTA JUNIOR, 2011, p.25).

No Candomblé, não é diferente, o afrorreligioso tem se apropriado do termo


“ecologia” como forma de construir uma identidade vinculada à tradição africana em que o
homem está devidamente integrado com a natureza.
Essa concepção reflete a importância da natureza para as suas práticas religiosas,
sinalizadas pela necessidade que essas religiões têm da natureza como parte essencial de seu
universo, que produz um sentimento de respeito, de harmonia, de louvor, reverência e
reciprocidade.
As religiões de matriz africana chegaram ao Brasil numa época em que a relação com
a natureza era bem diferente da forma como encontramos hoje. Para o afrorreligioso, as
plantas e as ervas são sagradas e fundamentais para a sua prática litúrgica, pelo fato de que
eles possuem o conhecimento necessário para o uso desses elementos, tanto para uso
medicinal, como para os ritos de cura e de iniciação. Sem natureza não tem religião, sem folha
não tem divindade e o culto torna-se inoperante. Na feitura de santo, é depositada uma grande
quantidade de folhas abaixo de uma esteira, devidamente preparada para esse ritual. O
iniciado é orientado para deitar sobre as folhas, que são escolhidas de acordo com a
especificidade de cada divindade.
95

A descrição dos dados coletados está relacionada à fala da sacerdotisa Gàniyakú


Jokolosy e de outros afrorreligiosos da nação Jeje15 Savalú, além de contar com a participação
de sacerdotes de diferentes nações do Candomblé, cujos dados foram coletados no Cine
Africanidade16 e relatados no último tópico deste capítulo. Os relatos são fontes para
interpretação e análise de conteúdo, além da observação participante e entrevistas realizadas
no campo em 2012 e 2013.
A relação entre o homem e a natureza é um aspecto fundante nas religiões de matriz
africana. As plantas, assim como outros objetos e fenômenos da natureza são consideradas
sagradas e possuem um papel de destaque no cerne da liturgia que envolve os banhos de ervas
no processo inciático, no batismo de tambores, na oferenda de alimentos, na lavagem de
contas e nos banhos de purificação e de cura prescritos pelos sacerdotes. Entretanto, existe
uma lógica intrínseca que associa os elementos da natureza as divindades, articulando uma
dupla função: mágico-religiosa e farmacológica.
A primeira tem relação com a função simbólica propiciatória e a segunda está
relacionada com a função curativa. Dessa forma a prática religiosa será vinculada a função
terapêutica. Nessa relação às folhas contém axé e são portadoras de mistérios e segredos.

_________________
15
Porém sabemos que um ano antes, em 1807, nas terras da fazenda Boa Vista, pertencentes ao engenho de
Herminigildo Netto, no distrito Madre de Deus (perto de Santo Amaro), existiu uma congregação ritual
aparentemente mais estável, liderada por Antônio, um jovem escravo angola. Antônio foi preso e identificado
nos documentos como “presidente do terreiro dos candombleis”. Trata-se do primeiro registro da palavra
“Candomblé”, um termo provavelmente de origem banto. Nessa expressão “Candombléis” parece utilizado
como sinônimo de batuque, podendo referir-se a prática de curas e/ou adivinhação, mas o título de “presidente”
sugere uma incipiente organização hierárquica de uma coletividade religiosa. Como comenta Rachel Harding, a
palavra “Candomblé” surge no momento em que o termo “calundu” deixa de ser utilizado (PARÉS, 2007, p.
126).
16
Projeto de extensão desenvolvido no âmbito da UEPA, pelo grupo de pesquisa GERMAA, com o objetivo de
estabelecer um diáologo horizontal entre afrorreligiosos e a academia. Nos eventos promovidos pelo projeto
afrorreligiosos são chamados a palestrar em torno de um tema referente as religiões de matriz africanas, após a
exibição de um filme sobre o mesmo assunto.
96

No entanto, o valor religioso da natureza é intrínseco de sua criação, e nesse sentido,


compreende-se que a exclusividade natural está concatenada a esse valor atribuído pelo
homem religioso (ELIADE, 1992). Nas sociedades tradicionais, assim como a natureza, o
homem também é considerado parte integrante do ecossistema, repleto de sacralidade e de
simbologia.
Ao contemplar o mundo, esse mesmo homem, se depara com os múltiplos vieses do
sagrado e da própria existência do mundo com toda a sua estrutura, revelado como criação
divina que não se exime de desvendar a face do divino diante de sua transparência
transcendente. Essa revelação se dá de forma natural porque o cosmo é um organismo vivo e
sagrado, evidenciando as diferentes maneiras do ser e da sacralidade.
Quando o homem religioso se vê diante do sobrenatural, é possível compreender que
essa manifestação se dá por meio dos aspectos naturais do mundo. Na pré-história, o machado
de pedra antes de ser ferramenta já era símbolo; no Candomblé o atabaque, antes de ser
instrumento musical, já era símbolo sagrado, é a sacralidade que atribui o valor e a essência
do objeto.
As revelações e manifestações do sagrado que são visivelmente relacionadas à forma
de línguagem religiosa, são denominadas de sinais, cuja função, desde a época mais remota é
de aflorar o sentimento divino no ser humano.
A transcendência é revelada pela grandeza do objeto por meio da consciência do
homem sobre a grandeza dimensional do infinito. As diferentes modalidades do sagrado
podem se manifestar na estrutura do mundo.
Diante do contexto que envolve a sacralização da natureza e a visão do homem
religioso, Eliade (1992, p. 100) afirma que

É preciso não esquecer que, para o homem religioso, o “sobrenatural”, está


indissoluvelmente ligado ao “natural”; que a natureza sempre exprime algo que
transcende. Como já dissemos uma pedra sagrada é venerada porque é sagrada e não
porque é pedra, é a sacralidade manifestada pelo modo de ser da pedra que revela
sua verdadeira essência.

Vale ressaltar, que as religiões consideradas “tradicionais”, vém conquistando espaço


na cidade moderna e dentre elas destaca-se as religiões de matriz africana, com seus ritos de
reverência, respeito e louvor à natureza e a todos os elementos naturais que compõe o cosmo
sagrado, formando uma teia de conexões simbólicas.
97

No entanto, é importante perceber que o mundo moderno não se isenta de simbolismo


e de magia, essas práticas fazem parte do cotidiano da cidade moderna, o homem é o único ser
simbólico do planeta, responde pela atribuição de sentidos e pela multiplicidade de
significados, atribuído a obra criada e recriada de acordo com a sua necessidade e vontade. O
homem exerce práticas mágicas, por vezes, sem se dar conta que está praticando; lança mão
de instrumentos simbólicos para resolver problemas recorrentes, cuja resolução nem sempre
está atrelada a esses recursos. Em busca de solução, o homem apela para o sobrenatural, na
certeza de encontrar a resposta pretendida. Nesse sentido, compreende-se a relevância da
religião para reaproximar o homem da natureza no contexto ecológico.
A ecologia hoje se transformou num modismo, que certamente, exprime uma frustação
ou descontentamento em relação à modernidade, ao ocidente, ao capitalismo e a técnica.
O estabelecimento da modernidade fundamenta-se na fragmentação pretendida e de
certa forma alcançada entre razão e emoção; religião e ciência; homem e natureza.
Aprendemos com a revolução iluminista que o pensamento humano é regido apenas pela
razão, mas o homem não é apenas racional, pois na sua constituição como um ser pensante,
agrega um leque de características imprescindíveis para a sua permanência no mundo, que
inclui o ser biológico, psíquico, religioso, desmedido, inteligente, individual e múltiplo na sua
essência tipicamente humana e religiosa.
Entretanto, é inegável que a sociedade moderna vive um novo contexto, em que a
religião se faz presente com toda força e intensidade, mesmo diante do eco pragmático da
secularização que insiste em manter o objetivo fragmentário, sob a tutela do advento
iluminista e da modernidade, cuja tendência está direcionada para a produção de um dualismo
(homem-natureza) e consequentemente, do empobrecimento do mundo ocidental.
Destarte, a compreensão humana está relacionada com a sua própria existência, no
plano natural e depois, estende-se para o transcendente, na forma de continuidade e mistério.
Em algumas culturas o cosmo é representado por uma grande árvore, denominada de
árvore sagrada que representa a grande capacidade de “regeneração” da vida, simbolicamente
expressa à própria vida do vegetal e inclui sua grandeza, exuberância e representatividade que
transcende e personifica a própria morada do sagrado, superando-se como objeto natural e
sobrenatural, no qual, explico mais a frente.
Obviamente, a visão religiosa da plenitude da vida permite múltiplos significados que
se apropriam de compreensões simbólicas que ultrapasse a fronteira da mortalidade, abrindo
espaço para o imortal, o transcendente e principalmente para a vida e seus diferentes sentidos,
que confere ao homem o elo perfeito e harmonioso com a natureza tanto no aspecto profano
98

quanto no sagrado, e por vezes na transformação de um em outro, como se estivessem


depositado em um crisol, para a transformação do amálgama que se consagra e transcende.
Para Bourdieu (1989, p. 9). “O poder simbólico é um poder de construção da realidade
que tende a estabelecer uma ordem gnosiológica: o sentido imediato do mundo (e, em
particular, do mundo social)”.
Por outro lado, a transformação está diretamente relacionada ao valor da experiência
religiosa, substanciada ao valor simbólico atribuído. O culto à árvore da vida independe do
pensamento secular “naturista”, ligado às estações do ano, do nascer e cair das folhas, e da
renovação da flora. Mas, está ligada diretamente a experiência religiosa da criação e
recriação, do renovar do mundo, que antecede a visão “naturista” e contempla o período de
sazonalidade da flora, abrindo caminho para o renascimento da vida e da natureza com a
chegada de uma nova estação, diante desse movimento cíclico, é possível perceber a
renovação do mundo.
Na visão do mundo afrorreligioso, está o princípio da árvore da vida, da fecundidade e
proteção. O que caracteriza a relação entre o homem e a natureza são os traços vivos da
ligação concreta e não utilitária. Essa relação alcançou outras fronteiras, incluindo a
Amazônia nos primeiros estudos antropológicos desenvolvidos por Vergolino (1967, p. 115-
116)
Visgueiro (parkia pêndula Benth) – Morada de Oxossi da Mata. Em uma cavidade
aberta em seu tronco, uma imagem de são Sebastião. A ele são oferecidas velas em
um pequeno castiçal pregado ao tronco [...]. “Assim, como vimos nos casos
estudados, há um elemento comum ao culto: os “santos” moram nas árvores e a ele
são feitos ofertórios, entretanto a função exercida pelas árvores é diferente em cada
caso” as informações sobre esses cultos em Belém, encontram-se diluídas no tempo.

Nessa apreensão simbólica e sincrética, que compreende a relação do homem com a


natureza, há uma interdependência recíproca em que uma força vital associa o afro-religioso
ao espaço natural como fonte de valores e significados.
Na visão moderna, a natureza é analisada por parâmetros mecanicistas, nos quais são
submetidos ao status da racionalização, que representa a pior face da razão, instituída por
cálculos matemáticos e pelo pensamento estanque.
O pensamento ocidental atribuído por Francis Bacon com relação à natureza, afirma
que a ciência deveria escravizar e dominar a natureza, a fim de descobrir seus segredos, para
que assuma o papel exclusivo de submissão ao homem. A dessacralização da natureza é
atribuída ao homem moderno e à racionalidade científica. Para o afrorreligioso, a natureza
99

jamais será somente natural. Nesse entendimento vale ressaltar a compreensão sobre as
religiões da natureza de acordo com a afirmação de Carvalho (2005, p. 18).

São as religiões da natureza, as religiões xamânicas, as religiões de origem indígena


e africana com seus cultos aos ancestrais e às manifestações naturais, as que podem
educar as gerações futuras de seres humanos para co-habitar com outros seres vivos
na terra sem destruir a própria terra.

As religiões de matriz africana, mantem vínculo estreito com o mundo e seus


elementos naturais e sobrenaturais. Diante da realidade que contempla a visão de
desequilíbrio e de fragmentação, temos o valor dimensional do sagrado com o poder de
limitar a dinâmica da relação predatória pautada na relação de consumo utilitarista.
No entanto, é importante perceber o esforço dos afrorreligiosos em afirmar os
elementos positivos que inclui a relação com a natureza por força da tradição, que possa
contribuir para elevar o nome da comunidade religiosa diante dos estigmas atribuídos pela
sociedade moderna ao longo do tempo.
A Sacerdotisa Gàniyakú Jokolosy informa que no Candomblé as ervas são utilizadas
para a limpeza da alma, o banho serve não apenas para limpar o corpo e, sobretudo, para
renovar a energia e equilibrar o espírito de acordo com os problemas apresentados, sob a
supervisão e indicação das divindades para o uso correto das folhas e ervas indicadas para
cada caso específico.
Nesse contexto, percebe-se a importância da intervenção da sacerdotisa, quando utiliza
o conhecimento tradicional em prol da comunidade, e assume uma postura de psicóloga
espiritual. Pois a vida em si, se traduz como um ritual que pode ser visto nas diferentes
atividades humanas, como o agradecimento, o louvor, a oração e o respeito às divindades.
Para o Kpèdjigàn Gankónã (Alan) “O Candomblé é de fato uma religião ecológica,
não porque essa religião está apenas, em constante relação com a natureza, mas porque o
Candomblé é considerado a própria natureza”. Nesse discurso fica evidente a apropriação do
termo ecológico que vai além da relação entre religião e natureza, não basta falar apenas do
vínculo estabelecido, e sim demonstrar que o termo “ecologia” foi incorporado à tradição
africana. Na tradição yorubana o Iroko é representado no Brasil por uma árvore de grande
porte representada no Brasil pela gameleira branca, porém o Loko na tradição (Jeje/Mina)
representa a floresta inteira e não apenas uma árvore.
100

Figura nº 26

Gàniyakú Jokolosy e o Kpèdjigàn Gankónã - Fonte: Roberto Chagas.

Gankónã chama a atenção para o foco do discurso ecológico distorcido, quando


utilizado de forma preconceituosa e racista para atingir um alvo previamente estabelecido,
caracterizado como racismo ecológico.

Atualmente, se fala muito de racismo ecológico que é justamente a tentativa de


determinados grupos fundamentalistas de outras religiões que se utilizam do
argumento ecológico para tentar instituir leis que venham proibir nossas práticas.
Felizmente ainda podemos contar com a Constituição Federal de 05 de Outubro de
1988, que vem garantir uma liberdade de culto religioso (Entrevista realizada em
Julho de 2013).

„Ecologia ou barbarie‟: o século XXI corre de fato o risco de consagrar tal slogan. É
preciso, pois, destacar o falso debate que ameaça e a verdadeira questão que ainda nos guarda
(FERRY, 2009, p. 26). Entretanto, quando se fala de religiões de matriz africana o racismo
entra em cena. As religiões tradicionais utilizam o conceito da sustentabilidade que está
diretamente relacionado com a preservação do meio ambiente e inclui todo o ecossistema.
101

Para Gankónã, o foco do racismo ecológico17 está direcionado para as religiões de


matriz africana, dificilmente alguém direciona o olhar para a procedência da carne bovina e
suína, e para a forma como esses animais são tratados nos “matadouros brasileiros”, que
passam por cima das convenções e tratados internacionais que não são atendidos no quesito
de como devem proceder e tratar os animais durante o abate.
A relação do afrorreligioso com a natureza proporciona a proximidade com o sagrado
de forma intensa. Somente quem vivenciou esse encontro, é capaz de descrevê-lo com alegria
e emoção conforme relatado por Gàniyakú Jokolosy em Junho/2013.

Em minha trajetória como sacerdotisa da religião de matriz africana, passei por uma
experiência inesquecível, onde fui transportada numa viagem inusitada de percurso
vertical e ascendente, cujo ponto de partida estava representado simbolicamente pela
base de uma árvore frondosa de grande porte, rodeada por muitas árvores, que
conectava o solo sagrado da floresta à longevidade celeste. O início da viagem foi
marcado por uma sensação de leveza flutuante, meu corpo deslocava-se suavemente
por toda a extensão vertical da floresta exuberante com seus contrastes de cores
verdejante, sentindo um suave cheiro da mata que me levava em direção ao topo,
que estava revestido de intensa folhagem e encobria parcialmenteo reflexo luminoso
do cosmo sagrado. Quando meu corpo ultrapassou o topo da grande árvore, percebi
que estava diante de um feixe de luz recrudescente que refletia muita paz e
harmonia, possibilitando o meu encontro com a divindade, foi como despertar de um
lindo sonho, repleto de magia e mistério, ocorrido há 27 anos após o assentamento
das divindades Gbessen e Agué, protetores das matas e das florestas (Entrevista
realizada em Julho/2013).

Gàniyakú Jokolosy afirma que falar da relação do afrorreligioso com a natureza, não
se trata uma tarefa simples, isso requer muita força e determinação para enfrentar os
obstáculos que cercam essa relação.
A experiência religiosa é traduzida na vivência e na determinação diária, necessária
para conduzir uma casa de tradição africana.

_________________
17
”Racismo ecológico ou ambiental”, se refere a qualquer política ou diretiva que afete ou prejudique, de formas
diferentes, voluntaria ou involuntariamente, a pessoas, grupos ou comunidades por motivo de raça ou cor. Esta
ideia se associa com políticas públicas [...]. Robert Bulart – Sociólogo e Diretor do Environmental Justice
Resource Center. Fonte: Revista ECO 21, ano xv, nº 98, Janeiro/2005.
102

4.3 A apropriação do discurso ecológico nos terreiros

O sacrifício18 de animais nas práticas rituais das religiões de matriz africana, ainda é
visto, no mundo contemporâneo, como uma questão polêmica. Em alguns Estados brasileiros
existem Propostas de Lei no sentido de proibir o sacrifício de animais em rituais, por conta de
uma suposta preocupação referente à “crueldade” com animais que são submetidos à
imolação. Seria de fato uma preocupação voltada à defesa dos animais, ou uma atitude de
discriminação vinculada ao “racismo ecológico” dirigido as religiões de matriz africana?
Essas Propostas de Lei tem gerado manifestações de repúdio e de inconstitucionalidade.
O Art. 5º da Constituição Federal de 05 de Outubro de 1988 estabelece que: “é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.
Para Gàniyakú Jokolosy o animal que vai ser sacrificado passa por um processo que
envolve rezas, cantos e outros ritos de preparação de acordo com a tradição africana. O
respeito pelo animal é fundamental, não sendo permitido nenhum excesso que possa
ultrapassar o nível critico da imolação. Antes de ser levado para o sacrifício, o animal para
por um período de no mínimo de três dias de preparação.
Levando-se em conta que o verdadeiro significado da palavra “sacrifício” está
relacionado ao “sacro ofício” e “santo ofício” que aponta para a ação de realizar algo
considerado sagrado, ou seja, o vocábulo em questão, não está inserido no campo de outros
vocábulos que tratam ou representam uma ação de barbárie ou crueldade, conforme o
entendimento equivocado de algumas pessoas fundamentalistas ou não.
Gankónã informa que a visão distorcida sobre o sacrifício de animais, vai além da falta
de conhecimento sobre a necessidade dos cultos das religiões de matriz africana. Na verdade
trata-se de uma atitude racista e preconceituosa, que por vezes se sustenta no discurso
ecológico com a desculpa de proteger os animais de atos de crueldade. Nem todos os rituais e
oferendas exigem a imolação de animais.

_____________________
18
Para Mauss e Hubert (2013, p. 27-28), “o sacrifício é um ato religioso que só pode ser efetuar num meio
religioso e por intermédio de agentes essencialmente religiosos”. Nesse sentido, palavra sacrifício sugere
imediatamente a ideia de consagração.
103

Em algumas oferendas, o afrorreligioso leva algum tipo de animal (pombo, preá) para
que este seja solto na mata, em agradecimento a divindade, mas esse ritual, mesmo que não
envolva o sacrifício e sim a soltura do animal na mata nativa, ainda encontra barreira que
impede tal prática, com a desculpa de que o animal não deve ser solto na mata porque não é
nativo da região e se for solto poderá causar um desequilíbrio populacional de uma espécie
que não é autóctone, mas que pertence ao grupo restrito a oferendas.
Gankónã adverte que o problema não está relacionado com o tipo de sacrifício ou
oferenda que se pretende realizar, mas está direcionado, sobretudo, a uma atitude de
discriminação e intolerância religiosa, e como alvo dessa atitude discriminatória temos as
religiões de matriz africana, identificadas e estigmatizadas como detentora de práticas
religiosas que poluem o espaço urbano.
Nesse sentido, percebe-se a necessidade que o povo de santo tem de vincular ao
conhecimento tradicional já existente no contexto religioso, com o discurso ecológico, na
intenção de construir uma identidade que possa facilitar a prática religiosa, sendo que o único
instrumento legal que a comunidade afrorreligiosa possui é o dispositivo constitucional.
No entanto, é preciso chamar atenção para o fato de que o termo “ecológico” pode ser
utilizado de forma dualista, ou seja, ao mesmo tempo pode ser incorporado como atitude que
possibilite a afirmação de um grupo no campo político, por outro lado, pode ser usado por
grupos fundamentalistas para formalizar propostas de leis para que sejam instituídas em favor
dos animais e contra os supostos atos de crueldade.
Para Girard (1990, p. 55). “Não há nada no sacrifício que não se encontre rigidamente
fixado pelos costumes. A incapacidade de adaptação e a novas condições e características dos
fenômenos religiosos em geral”.
Vale ressaltar que é importante focalizar o que realmente está por trás dessa aparente
defesa dos animais, quando se olha atentamente para o pano de fundo do enredo
preservacionista, encontra-se um mosaico que compõe as práticas discriminatórias, cujo
principal objetivo é desqualificar e anular as práticas das religiões de matriz africana.
Kpedjigãn Gankónã explica que as oferendas que são depositadas no meio urbano,
geralmente são identificadas pela população como lixo, que é deixado nas encruzilhadas pelo
povo de santo e que por sua vez, não relaciona lixo com oferendas. As oferendas são
identificadas como axé, e no que se refere aos resíduos que são depositados nas ruas e são
identificados como lixo, é de responsabilidade do município e do poder público, de fazer o
recolhimento e apontar um destino final para esse material.
104

Figura 27

Sacerdotisa Gàniyakú Jokolosy - Fonte: R. Chagas

Figura 28

Kpedjígàn Hunsijé (Aldryn) e Gàniyakú Jokolosy (Neto e Avó).


Entrevista realizada em Agôsto de 2013 – Fonte R. Chagas.
105

Kpèdjigàn Hunsijé (Aldryn) informa que existe uma preocupação constante da


comunidade com o meio ambiente. Os materiais utilizados nas oferendas são biodegradáveis,
isso reflete a lógica do Candomblé Jeje, no sentido de que o culto a natureza implica
diretamente a uma atitude de preservação. No culto à Aziri Tobossi, que tem sua morada no
mar, as oferendas destinadas a essa divindade como vidros de perfume, só é despejado no mar
o conteúdo líquido, o vidro é recolhido para ser reaproveitado e não poluir o ambiente. A
lógica consiste em agradar a divindade, se Iemanjá (Aziri) mora no mar, não tem lógica a
ação de degradar ou poluir à morada da divindade.
No terreiro, os savalunos têm seus próprios utensílios para comer e beber, isso evita o
desperdício de material e evita o uso de materiais descartáveis. Os adeptos que estão
recolhidos na casa para o processo de iniciação, utilizam somente copos e pratos esmaltados,
de acordo com a tradição.

Figura 29

Copo e prato (agbàn e bákoxé na língua fon) - Fonte: Roberto Chagas.

Gàniyakú Jokolosy informa que infelizmente, ainda não foi possível alcançar todos os
objetivos que contemplam a atitude ecológica, devido à postura de alguns adeptos que ainda
estão desinformados sobre essas práticas de sustentabilidade ambiental.
No que se refere à prática de sacrifício, o animal escolhido para essa finalidade, passa
por vários momentos que envolvem diferentes rituais, conforme a afirmação do Kpèdjigàn
Hunsijé.
106

O animal é devidamente lavado e defumado, passando por orôs (segredos) relativos


ao preparo do animal, que não tem qualquer relação com atos de crueldade referente
a essa prática. Após o ritual do sacrifício, o animal serve de fonte de alimento e por
esse motivo, as religiões de matriz africana são reconhecidas como local de
acolhimento, onde facilmente se encontra comida com fartura, para saciar a fome de
quem procura por esse espaço religioso. (Entrevista realizada em Agôsto de 2013.

As oferendas e os sacrifícios praticados pelos afrorreligiosos servem não apenas para


agradar as divindades, como também para outros fins como a manutenção do axé.
O animal sacrificado pode servir de alimento para a comunidade religiosa e para os
visitantes, o restante que não pode ser aproveitado é depositado diretamente na terra par ser
consumido por ela. O sacrifício é considerado um elemento que ocupa o centro do culto das
religiões africanas, porém não existe apenas um tipo de sacrifício, essa distinção está
relacionada o com desejo do adepto e geralmente aquilo que se deseja alcançar está vinculado
à experiência de fraternidade e de contato com o sagrado, que por sua vez remete a
ancestralidade.
A religião é o instrumento que aproxima o ser humano do sagrado e pode ser
compreendida como uma forma de organização social que tem a capacidade de reconstruir um
mundo perdido, um elo que ficou pra trás, mesmo que seja de forma simbólica. Para o povo
de santo existe uma relação entre o plano material e o plano divino, e essa relação é
evidenciada por meio do sacrifício e das oferendas, tudo aquilo que é ofertado às divindades,
é compartilhado por toda a comunidade.
Hunsijé (Aldryn) adverte que o povo de santo dispõe de conhecimento sobre a
anatomia dos animais que serão sacrificados, e sabem exatamente como proceder durante a
imolação, para que estes não venham sofrer quando manipulados de forma incorreta, quando
recebem incisões e perfurações desnecessárias, o conhecimento anatômico facilita a ação com
incisões nos pontos vitais, evita o sofrimento sem excesso.
O animal destinado ao sacrifício, não é escolhido de forma aleatória, mas é orientado
pela força vital contida em todas as coisas. Portanto, o sacrifício possui uma lógica própria
que corresponde à tradição africana que postula uma filosofia própria de concepção do
universo e do homem, e não deve ser compreendido como um ato bárbaro. A morte do animal
certamente terá um propósito comum, a vida será oferecida em favor de outras vidas, para
refazer o campo harmonioso que rege a manutenção da espécie humana.
107

4.4-A luta por políticas públicas para os terreiros a partir da mobilização de argumentos
ecológicos

Os sacerdotes e sacerdotisas aqui apresentados, possuem larga experiência nos cultos


de religiões de matriz africana e estão engajados num objetivo comum que trata da luta por
políticas públicas que possam instituir leis, no sentido de viabilizar as práticas religiosas do
povo de santo. Apesar de pertencerem a diferentes nações, esses sacerdotes congregam de um
mesmo pensamento em busca de representatividade para a construção de uma identidade
ecológica. Os relatos aqui descritos foram colhidos no Cine Africanidade (GERMAA-UEPA),
realizado em Maio de 2013 com a exibição do filme “O jardim das folhas sagradas”. O
encontro contou com a participação dos palestrantes Lodunsine Tayandô, Dansotogiy, Yá
Omi Ni Sàáa, a Yalorixá Emília de Oyá, entre outros que participaram desse evento de caráter
público.
As folhas são elementos de vital importância para as religiões de matriz africana, sem
folha não tem religião, é impossível fazer oferenda, feitoria ou qualquer ritual correspondente
aos fundamentos da religião africana sem as folhas. Esse entendimento reflete o pensamento
do povo de santo e da tradição africana de diferentes nações. Como explica Mãe Nalva da
Nação Keto:
Sem folha não tem orixá, sem o egé não tem religião, seja para um banho, para um
ebó, chá, remédio. A folha é um elemento imprescindível para os ritos de nossa
religião. Quando um sacerdote recolhe alguém para o processo de iniciação, é de
fundamental importância o preparo de banhos de determinadas folhas que são
colhidas em diferentes espaços, e de chás que serão servidosao iniciadocom intenção
de acalmar o orixá.

Segundo Mãe Nalva, as folhas podem ser colhidas tanto no “mato” como no meio
urbano, pois não existe dicotomia entre esses espaços, sendo que um complementa o outro. O
mundo moderno apresenta-se cada vez mais urbano, de áreas verdes minguantes, essa
realidade está presente nas sociedades que tem como característica a eliminação drástica dos
espaços verdes. Diante dessa situação o povo de santo vem buscando como recurso de
superação dessas dificuldades, a utilização dos elementos naturais por meio de uma
reinterpretação da noção do sagrado no trato com as plantas e ervas.
O Pai Tayandô da nação Mina explica que a pretensão ecológica já faz parte das
religiões de matriz africana desde a década de 1980 conforme relato abaixo:
108

A relação das religiões de matriz africana com a ecologia não é novidade, isso não é
de agora, essa pretensão ecológica surgiu na década de 1980 no Rio de Janeiro. O
fato das pessoas afirmarem que se pode cultivar uma divindade só com o sangue
vegetal, já vem de algum tempo. Eu até concordo, mas existem outros ingredientes
de fundamental importância, temos que ver os tipos de sangue que vão se juntar para
formar o axé. Essa novidade de ecologia vem ajudar as pessoas que estão
combatendo a imolação de animais.Muitas coisas que ocorreram na África, por
conta da tradição, foram supridas ou passaram por adequações nas terras brasileiras,
porém permaneceram as mais importantes como o sangue dos três reinos (mineral;
animal e vegetal). Sem o egé, não tem orixá, um desses três elementos tem que está
presente. Tem pessoa que não pode utilizar o sangue de animal porque é muito
quente, por isso numa feitoria, é necessário utilizar outro tipo de sangue para aquele
ritual. A feitoria é um processo sagrado e muito perigoso, a pessoa tem que está
devidamente preparada para acalmar o orixá. Nessa tradição a presença do egé é
insubstituível.

O Pai Tayandô relata que em situações que exigem extremo conhecimento da tradição
como a feitoria de iaô, necessita de água natural, retirada diretamente nas fontes. Mas, na falta
desse recurso natural, é possível utilizar água tratada para outras práticas litúrgicas, pelo fato
de que o Candomblé necessita desses elementos presentes na natureza, para a construção do
axé.
A tradição africana determina que as plantas e ervas devem ser colhidas de forma
especial, diretamente na natureza e não devem ser cultivadas de qualquer forma. Quando um
terreiro está localizado nos centros urbanos, distantes de áreas verdes, existe a necessidade do
cultivo de plantas e ervas em pequenos vasos, cuja intenção é de manter a relação com a
natureza, superando a impossibilidade da representação física dessa relação. O cultivo das
plantas ao redor dos terreiros adquire o mesmo poder mágico religioso das plantas
encontradas em outros espaços naturais.
A relação das religiões de matriz africana com a ecologia na Amazônia fica por conta
do ineditismo, pelo fato de que essa relação já ocorria em outras regiões. No Rio de Janeiro,
na década de 1980, já se falava de Umbanda ecológica, divulgada amplamente por
antropólogos como Renato Ortiz (1991). Na Bahia, no final da década de 1990, já se falava do
Candomblé como religião essencialmente ecológica, informação divulgada nos trabalhos
publicados pelo antropólogo Julio Braga (2000). Essa relação já estava inserida no debate
ecológico desse período, que era possível realizar um culto, uma obrigação sem o sangue
animal. Nesse contexto, vale ressaltar que por opção, algumas comunidades religiosas,
desestruturam toda uma tradição em busca de um novo modelo que exige um conhecimento
que contemple essa opção.
O conhecimento tradicional é repassado de forma oral entre os afrorreligiosos. No
espaço urbano o que prevalece hoje é o conhecimento acadêmico que difere do conhecimento
109

repassado no cotidiano dos terreiros, dos centros religiosos de matriz africana. É muito difícil
manter uma casa, uma comunidade, essa tarefa exige muito conhecimento e dedicação
principalmente quando o sacerdote adota uma postura ecológica, deixando de lado o sacrifício
de animais, isso certamente traduz um choque muito grande entre aquilo que a comunidade é
na tradição e aquilo que ela pretende ser na mudança de conhecimento ou no reducionismo da
tradição. Quanto á imolação de animais, alguns sacerdotes se manifestam contra os excessos,
é importante perceber a necessidade de cada santo e suas preferências pelo tipo de egé, tem
santo que é frio e têm outros que são quentes e necessitam de egé quente.
O sacrifício de animais exige um cuidado especial, o animal é devidamente preparado
para esse ritual. O sacerdote deve mostrar a Olorun que o sacrifício é uma exigência do ritual,
e não é apenas por simples vontade de quem o executa. A vontade do santo é sublime e está
relacionada à tradição para a manutenção dos fundamentos religiosos.
Entretanto, a folha faz parte do axé principal e está inserida no contexto dos três
reinos, porém o sacrifício de animais não está relacionado somente à tradição africana, outras
religiões fundamentam seus cultos com o poder do sangue.

Figura 30

Pai Alfredo da Nação Mina no Cine africanidade - Fonte: Roberto Chagas.


110

Figura 31

Pai Alfredo falando sobre a importância das folhas – Fonte: R. Chagas.

Pai Alfredo explica que as folhas pertencem aos orixás e possuem qualidades mágicas
de extrema importância no contexto religioso.

As folhas são realmente sagradas, as folhas curam, as folhas fazem. Todas as folhas
têm uma determinação para o ser humano que é fazer o bem. Existe folha do ar, da
água, da terra. Para a feitoria de cabeça, são utilizadas as folhas especiais para a
condução do processo iniciático. As folhas são misturadas e combinadas para
diferentes finalidades, às sementes possuem funções específicas para a cura,
dependendo do problema de saúde, existe mato para todos os fins, para se sentir bem
basta tomar chás e banho de cabeça com ervas, raízes, sementes e casca de árvores.
A Nação Cabinda tem como tradição a mistura das folhas de diferentes espécies.

Segundo Pai Alfredo, a maneira como os afrorreligiosos se relacionam com a


natureza, não é a mesma forma como a sociedade ocidental urbana se relaciona. Na tradição
africana não há hierarquia entre o homem e a natureza, na qual o homem se vê acima da
natureza, mas existe uma integração, uma complementaridade.
Para a nação yorubana, colher uma folha antes da hora é a mesma coisa que matar.
Nesse sentido, a relação com as folhas requer um profundo conhecimento da tradição para
satisfazer os rituais. No meio urbano existe a dificuldade de se obter os elementos da natureza
colhidos no mato, que geralmente ficavam próximos aos terreiros.
111

Atualmente, as religiões de matriz africana dispõem de algumas facilidades para


encontrar as ervas e folhas sagradas para a construção do axé. A cidade oferece locais
especializados nesse material para a prática religiosa e que podem ser facilmente encontrados.
Para a utilização mágico-religiosa, a pessoa responsável pela coleta das folhas, precisa
conhecer a hora apropriada, observando a forma para colher de acordo com a determinação de
cada divindade, que pode mudar, dependendo da forma como foi colhida. Outras folhas,
exigem uma maneira especial para serem retiradas da natureza para manter o poder mágico,
essas espécies não são encontradas nas barracas ou pontos especializados.
No entanto, quando se fala da relação do povo de santo com o contexto ecológico, é
comum surgir alguns questionamentos sobre uma ambivalência que envolve o sacrifício de
animais e a importância do sangue para as religiões de matriz africana.
Alguns antropólogos que trabalham com a Umbanda, falam da possibilidade de
substituir o sacrifício de animais, afirmando que essa religião tem superado a tradição porque
passou por um processo de branqueamento que vislumbrou uma saída para a retirada desse
ritual.
Mãe Kátia fala da dificuldade de se manter uma tradição por conta da falta de
conhecimento, do racismo e da intolerância religiosa.

A perseguição sobre o sacrifício de animais está relacionada com o racismo e com a


intolerância religiosa, tudo que vem do negro é discriminado. Mas a religião de
matriz africana não vive sem esses elementos, sendo que um complementa o outro.
O sacrifício é um pedido dos orixás, é uma troca, quando fazemos referência aos
animais de quatro patas, estamos falando dos bichos que se entregam para o
sacrifício, é como uma reciprocidade, o egé precisa ser derramado em favor da
própria vida, porém sem excesso, o excesso significa a falta de conhecimento. A
tradição deve ser mantida para acalmar os orixás, isso mostra a importância do egé
para a nossa religião. Quebrar a tradição é a mesma coisa que retirar a hóstia do
culto católico ou a bíblia do culto evangélico. A tradição africana tem mais de
10.000 anos e as práticas litúrgicas mais importantes que representam a sustentação
do culto devem ser mantidas. O afrorreligioso que tem a função de sacrificar o
animal é devidamente preparado para que o animal não sofra, o animal tem o seu
tempo de descanso e tem como recusar o sacrifício, isso só pode ser percebido por
quem detém o conhecimento específico.

Pai Tayandô informa que a Umbanda carioca, considerada ecológica, pratica o ritual
sem o sacrifício de animais, mas é preciso saber se as pessoas que se intitulam como
sacerdotes, possuem o conhecimento necessário do axé para fazer o ritual de acordo com a
tradição. Tem gente que faz obrigação num copo de plástico descartável só para agradar a
112

mídia. As mudanças acontecem para conter a tradição e a África permanece somente no


mundo das representações.
No Candomblé Angola, o afrorreligioso reza para as folhas, louva e deita sobre elas, a
relação com as divindades se dá por meio do preparo das folhas. No Candomblé existe uma
preparação para o sacrifício, em que tudo é aproveitado, aquilo que porventura não seja
utilizado é imediatamente oferecido para a “boca da terra”.
Mãe Kátia explica que as religiões de matriz africana possuem uma relação direta com
a ancestralidade de origem tribal, os ancestrais viviam da caça e da pesca, eram considerados
pagãos no sentido de morar distante dos centros, viviam em áreas isoladas no meio do mato.
O êxito na caça era reconhecido em forma de agradecimento aos deuses por meio do sacrifício
que era oferecido uma parte da caça aqueles que possibilitaram o sucesso do caçador no
sentido de renovação do ciclo da vida da comunidade tribal. Não há tradição sem a prática do
sacrifício, apesar das transformações ocorridas no novo mundo que exigiu adaptações e
adequações no trato dos fundamentos religiosos.
Nas religiões de matriz africana a natureza é cultuada e percebida de diferentes
maneiras. A dimensão religiosa relacionada à prática ecológica tem apresentado a Umbanda e
o Candomblé como “religiões ecológicas”. Essa compreensão fundamenta-se no importante
papel da natureza, tanto no pensamento quanto nos cultos do povo de santo, marcado pela
dependência que essas religiões tem da natureza.
É inegável a existência de uma sólida interação entre os adeptos e os objetos que
povoam o cerne das religiões de matriz africana, essa concepção de um mundo habitado por
pessoas que estabelecem relações com a natureza, constitui características que a qualificam
como religião de integração, do sagrado imanente. O sagrado nessa tradição está presente em
tudo, o divino está inserido no mundo físico e não apenas num plano distante.
Para Boaes e Oliveira (2011, p. 109), as religiões de matriz africana também
encontram problemas para efetivar uma contribuição reflexiva no campo ecológico conforme
destacado abaixo.

Em primeiro lugar, chamamos a atenção para a presença de uma perspectiva


mágico-utilitária na sua relação com a natureza. Nessa perspectiva a necessidade de
preservar aparece como estando diretamente vinculada ao papel crucial que a
manipulação dos elementos naturais desempenha nos rituais religiosos, realizados
em benefício dos adeptos e/ou comunidade. Nesta ótica a natureza é encarada como
uma fonte de energia que pode (e deve) ser utilizada pelo homem em seu proveito.
113

A forma utilitária pode ser compreendida através do mito de origem (mito de


ossaim)19 que deixa claro que a preocupação em não destruir a natureza está atrelada à
serventia que ela dispõe aos humanos.
Esta atitude também está presente na preocupação que os afrorreligiosos apresentam
com a preservação do ambiente natural, principalmente no que se refere às espécies
consideradas mais sagradas e que constitui maior abrangência nos rituais.
Entretanto, não se trata, apenas, de uma preocupação inerente ao valor intrínseco das
espécies vegetais na sua totalidade, e sim de uma preocupação mais direcionada as árvores, as
folhas, e as ervas de maior valor para os rituais.
O mito de ossaim refere-se à utilidade das ervas como elemento de cura para as
enfermidades humanas tanto físicas quanto espirituais, motivo pelo qual levou Ossaim a
impedir a sua destruição. O poder mágico das plantas, folhas e ervas não leva em conta a
propriedade fitoterápica do princípio ativo do vegetal, mas necessita inevitavelmente da
relação com as divindades por meio da ação humana para ser potencializado.
O poder relacionado ao sentido presente em cada elemento natural, não é suficiente. É
necessário, portanto, a intervenção humana para atribuir um novo sentido simbólico, essa
intervenção exige preparo e conhecimento dos elementos naturais e sua relação com cada
divindade, das fórmulas mágicas e manipulação correta das ervas dentre outras habilidades e
segredos repassados pela tradição oral, capaz de extrair a força mágica na medida certa para
responder e alcançar os objetivos pretendidos.
Para Verger (2001). “Existem várias plantas, cuja presença, à primeira vista, parece ter
somente um caráter simbólico, mas que, na realidade têm valor terapêutico. Este é o caso de
duas plantas aquáticas, ojú oró (alface d‟água) e òsíbàtà (lótus) que em seus ofó (encantações
transmitidas oralmente) evocam a ideia de superioridade e dominação nas frases que
seguem”:

_______________
19
É de todos conhecido que o Orixá Ossaim é o Orixá das ervas, das plantas sagradas e medicinais, mágicas,
litúrgicas. Todos os mitos relativos a Ossaim falam de seus poderes mágicos de curar e do domínio das plantas.
Ossaim, conta uma das lendas, guardava as folhas sagradas numa cabaça que foi quebrada por Iansã, que
provocou uma ventania espalhando-as por todos os cantos. Cada Orixá se apropriou de uma quantidade delas.
Ossaim só conseguiu esconder as mais secretas, mas continuou dono do poder mágico, e, por isso, todos tem de
lhe pedir licença para usar as folhas. BRAGA, Julio. Oritameji: o antropólogo na encruzilhada. Feira de Santana:
UEFS, 2000, p. 181.
114

Ojú oró ni í çlékè omi.


Ojú oró está sobre a água.
Osíbàtà ni í lékè odó.
Osíbàtà está sobre o rio.

Seguidas da prazerosa menção:

Flá ni í lékè ori.


O boné está sobre a cabeça.

E ainda mais lisonjeira:

Ti oba ni í lékè ori.


O rei está acima de todos.

A riqueza do povo de santo está relacionada à preservação de sua tradição que envolve
a plena harmonia entre os homens e a natureza. Cada ser humano deve acreditar no seu
potencial, mesmo sem conhecer a divindade que reina em cada um de nós. A riqueza não está
relacionada a dinheiro e bens materiais, más está diretamente ligada com forma de como nos
relacionamos com a natureza e com as divindades, quem tem uma divindade presente em sua
vida e detém o conhecimento dos fundamentos religiosos, tem muito mais do que bens
materiais.
O vínculo entre religião e natureza perpassa por uma gama de questões que inclui não
apenas o conhecimento tradicional, mas está relacionado à apropriação de um discurso
ocidental referente a práticas ecológicas e sustentáveis, cuja principal intenção é de construir
uma identidade ecológica que seja capaz de minimizar a intolerância e a discriminação contra
as práticas e rituais das religiões de matriz africana.
Logo, vale ressaltar a importância do vínculo do Candomblé com a natureza, com suas
divindades, incluindo a cosmologia, os mitos de origem e o discurso ecológico, que vem
sendo construído no espaço urbano amazônico. Os afrorreligiosos se reconhecem como parte
integrante da natureza e priorizam o sentimento de louvor e reverência preservado nos ritos e
no cotidiano da vida religiosa, percebendo o mundo com olhares distintos dos ensinamentos
115

que nos foram repassados pela ciência moderna. Nessa relação, à ecologia e a dimensão
religiosa estão sempre presentes em todos os elementos que integram a natureza e o universo.
Para os savalunos, as divindades e os elementos da natureza são indivisíveis, pois é
impossível reverenciar o tempo, o vento, as folhas, a terra e tudo que compõe esse imenso
cosmo sagrado sem se reportar aos Voduns correspodentes a cada elemento da natureza.
116

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo sobre a relação entre o homem e a natureza no Candomblé Jeje Savalú,


ocorreu no segundo semestre de 2013 e no início de 2014. Apesar de existir diferentes
trabalhos sobre as religiões de matriz africana na Amazônia, o Candomblé Jeje, ainda é pouco
estudado, poucas pesquisas foram desenvolvidas referentes a esse campo afrorreligioso,
geralmente as pesquisas realizadas contemplam outras nações como Keto, Angola e Mina,
sendo que o destaque está direcionado para o campo Nagô, por ser o mais pesquisado e por
permitir maior visibilidade, principalmente no meio acadêmico. Entretanto, o estudo sobre o
Candomblé Jeje Savalú vem revelar a grandiosidade dessa nação, demonstrando a
complexidade de seus ritos, de suas regras, da relação com a natureza e com o extenso grupo
de divindades, divididos em diferentes famílias que compõem um mosaico de relações.
Contudo, o foco do trabalho, é mostrar que, para além do campo yorubano
amplamente divulgado por conta do processo chamado de “nagôcentrismo”, existe um vasto e
exuberante campo afrorreligioso na capital paraense e dentre eles, destaca-se o Candomblé
Jeje Savalú, que às vezes se confunde e se entrelaça com os fundamentos yorubanos,
visivelmente percebidos no âmago de seus ritos, de práticas e saberes de diferentes nações.
Mas, ao mesmo tempo, busca evidenciar a sua verdadeira identidade savaluna que apesar da
aproximação com a tradição Mahin, possui uma raiz identitária muito particular demonstrada
em seus ritos, na relação com as divindades, com a natureza, na preservação dos fundamentos,
das cantigas, da língua fon que se faz presente no cotidiano litúrgico da casa.
Entretanto, a busca para legitimizar a identidade ecológica no mundo moderno exige a
ampliação de estratégias que possibilitem a auto-afirmação dos adeptos no meio urbano. A
postura ecológica é uma dessas estratégias, ainda em construção, porém desenvolvida sobre
uma base sólida que se sustenta na tradição africana de respeito e do sentimento de docilidade
para com a natureza.
A Ecologia como uma nova ciência, surgiu no século XIX, quando os biólogos
iniciaram os estudos sobre as comunidades de organismos que englobam os reinos animal e
vegetal. “A partir dai, o pensamento ecológico subseqüente passou a fazer a abordagem
sistêmica da ecologia introduzindo novas concepções sobre o tema” (MONTEIRO, 2004, p.
20). Outras concepções ecológicas surgiram como ecologia superficial que não deve ser
confundida com admiração platônica, porém vê o ser humano acima da natureza, enfatizando
apenas o olhar contemplativo. A ecologia profunda compreende o papel do ser humano frente
a frente com a natureza, valorizando a esseência e não apenas a ação contemplativa.
117

Na comunidade savaluna, a concepção ecológica está interligada com a cosmovisão


tradicional africana de louvor e reverência aos elementos naturais. A luta por políticas
públicas é constante nesse segmento religioso, ainda que o caminho a ser percorrido, possa ser
longo, árduo e cheio de obstáculos, mas que certamente será superado.
Sobre o argumento ecológico, considero algumas questões que tem em comum a
necessidade de ampliar tal debate que se sustenta no âmbito do conhecimento tradicional com
o intuito de superar o dualismo homem-natureza e de alargar as responsabilidades frente à
atitude ecológica.
Todavia, é necessário destacar as dificuldades encontradas para assumir uma possível
postura ecológica no mundo moderno. Diante de concepções que apresentam a natureza e
outras formas de vida não humanas que delas fazem parte, são dignas de respeito moral pela
sua própria realidade intrínseca, independentemente das relações que instauram com a espécie
humana (MELLA; BELLONI; DAVICO, 2001, p. 50).
O estudo foi direcionado para a relação entre o homem e a natureza no Candomblé
Jeje Savalú na cidade de Belém, a partir dos relatos dos adeptos do referido templo religioso,
a começar pela brilhante colaboração da Sacerdotisa Gànyiakú Jokolosy, que esteve à frente
de todas as entrevistas, orientando os relatos de seu neto Aldryn e da Mãe pequena Méhunàn
Nalva que participaram de forma mais efetiva da pesquisa.
No primeiro capítulo que compõem a dissertação, percebi a presença de um espaço
religioso muito bem administrado e organizado hierarquicamente, pois os savalunos levam a
risca a hierarquia da casa que agrega no mesmo espaço a associação afrorreligiosa e cultural e
o templo religioso conforme destacado no primeiro capítulo, que tem como foco principal o
Candomblé Jeje Savalú, sem, no entanto, deixar de mostrar que o campo afrorreligioso
paraense é bem diversificado e possui as suas especificidades. No que se refere ao Funderê
Oyá Jokolosy, apresentei a trajetória da Sacerdotisa Gàniyakú Jokolosy, a sua passagem por
sucessivas iniciações e a trajetória de seus filhos, incluindo os kpèdjigàns da casa (Alan e
Aldryn) e a Mãe pequena (Mèhunàn Nalva).
No segundo capítulo apresentei as divindades savalunas e seus mitos, incluindo os
mitos da criação; as divindades e seus domínios; e o culto as divindades como culto a
natureza, que contou com a participação dos informantes da casa já mencionados. Nesses
relatos, é possível encontrar muitos elementos que permitem compreender a relação das
divindades com a natureza, evidenciada no cotidiano da casa e na liturgia que obedece a uma
lógica própria na comunidade savaluna. Assim, é possível compreender que se o rio, o mar e
os igarapés pertencem a determinadas divindades, e são reconhecidos como suas moradas,
118

certamente a lógica compreendida é de não degradar e não poluir a natureza, por se tratar de
um espaço sagrado.
No terceiro capítulo destaquei as folhas como elemento primordial para a prática
litúrgica, sua magia e importância, assim como o sacrifício que foi apresentado como
elemento importante para a renovação da vida, envolvendo o sangue dos três reinos: o
vegetal, animal e mineral. O cerne da pesquisa é a relação do afrorreligioso com a natureza,
sem, no entanto adentrar no protocolo litúrgico da casa que envolve os segredos, os oros de
quarto de santo. Entretanto, quando se falou de sacrifício ou bejeressun como os adeptos
costumam dizer, percebi que estava na linha de fronteira que divide aquilo que pode e que não
pode ser repassado. O sacrifício está situado nessa linha tênue e escorregadia que envolve as
particularidades dos principais fundamentos do terreiro.
O contato com o templo religioso savaluno foi de completa harmonia desde o primeiro
encontro e a cada entrevista, realizada sempre aos domingos no final da tarde, percebi que os
relatos dos informantes se desdobravam e apontavam para novas possibilidades de coleta de
dados que ultrapassou a técnica de entrevista e observação participante. Esses relatos estão
presentes em todos os capítulos da dissertação, fruto da troca de informações entre os
interlocutores da pesquisa. Contudo, o campo afrorreligioso savaluno oferece inúmeras
possibilidades para o avanço da pesquisa, que vai além da temática pesquisada e que por sua
vez, vem representar um ponto de partida para quem pretende desvendar esse imenso e rico
campo de informações que se sustentam na tradição milenar africana.
No quarto capítulo, falei sobre a sacralização da natureza pelas religiões de matriz
africana e suas adaptações para o discurso ecológico; enfatizei a concepção da natureza na
cosmovisão africana; o conceito de ecologia e o movimento ambientalista; a apropriação do
discurso ecológico nos terreiros e a luta por políticas públicas para terreiros a partir da
mobilização e argumentos ecológicos.
O Sagrado ecológico é um termo representativo da relação harmoniosa entre o homem
e a natureza fundamentado numa “postura” ou “atitude ecológica” que vem sendo construída
pelos afrorreligiosos. Contudo, acima dessa atitude “ecologicamente correta”, está a relação
de respeito, de louvor e de reverência, alicerçada nos moldes da tradição africana em que o
homem, apesar de estar inserido na sociedade moderna, ainda guarda o sentimento de
docilidade para com a natureza. O meio urbano já não oferece os espaços de mata verde como
era no passado, nesse contexto a adaptação se faz necessária para que a prática litúrgica da
religião de matriz africana permaneça atuante e alcance seus propósitos. A sociedade moderna
valoriza a atitude utilitária e a prática de consumo predatório, e nesse sentido, é importante
119

perceber que colocar em prática uma atitude ecológica numa sociedade engessada pelo
pensamento moderno, que fragmenta e divide qualquer possibilidade de interação entre o
homem e a natureza, não se trata de uma tarefa simples. Entretanto, é possível pensar na
possibilidade de interação entre esses dois pólos, a principio, contraditórios aos olhos do
mundo moderno, mas que se mostra possível quando se volta para o conhecimento
tradicional, de grupos religiosos que mantém um arcabouço de conhecimentos tradicionais e
que valoriza o vínculo com todos os elementos da natureza.
É óbvio que vínculo entre religião e natureza perpassa por uma gama de questões que
inclui não apenas o conhecimento tradicional, mas está relacionado à apropriação de um
discurso ocidental referentes a práticas ecológicas e sustentáveis, cuja principal intenção é de
construir uma identidade ecológica que seja capaz de minimizar a intolerância e a
discriminação contra as práticas e rituais das religiões de matriz africana.
No centro do debate encontra-se à dimensão do sagrado que constitui uma condição
importante para a mudança do aspecto predatório para o campo de uma possível relação,
devidamente amparada na ética sustentável. As oferendas, nesse contexto, estão relacionadas
à dinâmica da reciprocidade, uma “contra-dádiva” em resposta a “dádiva inicial”, ofertada
pela natureza. Mauss (1950) interpreta a dádiva no sentido de intercâmbio, de reciprocidade
positiva e não no sentido utilitarista, de recuperação de bem e sim no resguardo de seu
prestígio, seu mana e sua integridade espiritual.
Com relação à prática do sacrifício, é comum perceber uma ambivalência atrelada ao
discurso ecológico, instituída pela sociedade moderna e atribuída as práticas religiosas de
matriz africana, que se apropriam desse discurso, mas ao mesmo tempo demonstram a
necessidade de manter o enredo sacrificial para acalmar as divindades e receber em
contrapartida um equilíbrio entre os seres humanos e o cosmos sagrado, impedindo dessa
forma a geração de conflitos.
Segundo Piazza (2005, p. 7). “Para o africano, moral e religião são a mesma coisa,
pois tudo depende da atuação dos espíritos”. Por esse motivo, o afrorreligioso ao adentrar no
espaço místico, procura tomar algumas precauções, como fazer rituais característicos,
marcados pelas oferendas para aventurar-se no espaço sagrado e obter permissão para utilizar
os recursos naturais, da mesma forma que se vê na obrigação de respeitar o próximo, a
natureza e a própria vida.
Portanto, é importante compreender que a relação do Candomblé Jeje Savalú com a
natureza, com suas divindades, incluindo a cosmologia, está associada ao discurso ecológico,
que vem sendo construído no espaço urbano amazônico. Os savalunos se reconhecem como
120

parte integrante da natureza e priorizam o sentimento de louvor e reverência preservado nos


ritos e no cotidiano da vida religiosa, percebendo o mundo com olhares distintos dos
ensinamentos que nos foram repassados pela ciência moderna. Nessa relação, à ecologia e a
prática religiosa estão sempre presentes em todos os elementos que integram a natureza e o
universo como um todo.
121

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125

GLOSSÁRIO

Agbassá – Barracão, Patio, Sala.

Arriar oferenda – Ato de Oferecer uma Oferenda aos Voduns.

Assentar – Ato de Instala uma divindade em um determinado lugar.

Àtin – árvore.

Ayi – terra (Kó)

Bahunnú – Assento Sagrado.

Barco – Conjunto de iniciados recolhidos no roncó (Ahama)

Bokonono – o Consultor de Ifá (advinho).

Borí – Ritual de oferenda a cabeça, uma forma de “alimentar” a cabeça da pessoa.

Bejeressun – uma cerimônia de imolação.

Bicho de quatro pés – Bichos oferecidos as divindades, aqueles que possuem quatro
patas como bode, carneiro, preá, dentre outros.

Cabaça - Sèkere (Ká)

Candomblé Angola – Culto afro-brasileiro com grande influência dos negros de Angola,
que tiveram seus deuses assimilados pelos nagôs.

Candomblé Jeje – Culto afro-brasileiro implantado por negros do atual Benim, antigo
Daomé, cuja crença foi absorvida em grande medida pelos nagôs.

Candomblé Ketu – Candomblé de nação nagô trazido por escravos oriundos da cidade de
Ketu, fundada por povos Yorubás. É a nação que mais conserva as tradições africanas,
embora seus cultos não permaneçam iguais aos cultos da África.

Dáhuns – Conjuntos de Atabaque (Hún, Húnpí, Húnlé).

Deká – a Cabaça que Contém os segredos entregues na cerimônia do Acéká. Ritual de


obrigação de sete anos e a partir dessa obrigação, a pessoa poderá, caso deseje, abrir sua
própria casa.
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Ebó – Sacrifício ritual, geralmente para limpeza ou descarrego, em que se transfere para os
alimentos ou animais as mazelas do corpo ou espírito da pessoa.

Egé - Sangue (na língua yorubá).

Feitura – Processo de iniciação, ou seja, se refazer para a sua divindade por meio de ritos
como dar de comer a cabeça, entre outros ritos relativos a esse processo.

Lakidigbá – Colar Sagrado de Vodùn Sakpatá

Legbákinkàn – É um tipo de sistema adivinhatório feito por meio do Akwé (Buzios)

Obi – Fruto Sagrado (Noz de Cola) na língua yorubá.

Ohun – Sangue em dialeto Fongbè.

Orixá – Divindades dos Nagòs.

Goro – Fruto Sagrado (Noz de cola) na língua Fon.

Hãn – Cânticos.

Hunjevi – Colar sagrado do Candomblé Jeje.

Mãe pequena – Segunda pessoa na hierarquia do terreiro (Méhùnnàn)

Nação – Denominação de origem tribal atribuída aos grupos de negros africanos trazidos
para o Brasil sob a condição de escravos.

Nanã – Vodun do Daomé da nação Jeje que foi assimilado pelo candomblé Ketu e Angola.
É considerada a mais velha e respeitável senhora, tem como domínio o barro, a terra e a
lama.
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Orixás – Divindades do panteão nagô, que seriam ancestrais divinizados que


desenvolveram certas habilidades como a caça, o manejo dos metais, o conhecimento das
propriedades das plantas ou estabelecem em vida o controle sobre as forças da natureza.

Odu – termo utilizado pelos Yorubás para definir a palavra destino (Fádú em fon).

Kpejí – Local onde fica hospedado as Divindades maiores da casa e objetos sagrados dos
Voduns.

Roça – nome popular de uma casa de Vodun/Orisá/N’inkisse.

Roncó/Húnkó - Espaço reservado para os ritos iniciáticos (Hùnxó)

Sacerdote/a – Chefe religioso.

Sehuló – Aliança entre o iniciado e o Vodun (Sèhùnló ou Kònkré)

Tabuleiro – denominação popular de um dolozàn (oferenda) em homenagem a Sakpatá.

Tambor de mina – Culto afro-brasileiro implantado por escravos oriundos da Costa do ouro,
atual Gana, que ganhou maior expressividade no Maranhão.

Terreiros – De modo geral, é uma denominação atribuída as casas de culto afro-brasileiro.

Umbanda – Religião considerada genuinamente brasileira, que se formou a partir do


sincretismo entre o candomblé, o catolicismo e o espiritismo, com grande expressividade no
sul e sudeste do país.

Voduns – Divindades Jeje equivalente aos Orixás.

Xòtaji – Assento Sagrado.

Xuê – Casa, quarto.

Xwénuxo – História em fon.


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ANEXOS
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Anexo 2- Declaração de Consentimento Livre e esclarecido

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