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Alterações Comportamentais
na Infância
Educadora: Ana Cláudia Ferreira
Novembro 2007
Desenvolvimento Infantil & Alterações Comportamentais da Infância 2
ÍNDICE
Psicologia do Desenvolvimento ................................................................................ 3
“Desenvolvimento” e as suas Concepções ........................................................... 3
Piaget e o Desenvolvimento Cognitivo ................................................................. 5
Freud e o desenvolvimento ................................................................................ 10
Erikson e o desenvolvimento psicossocial .......................................................... 15
A relação Mãe ‐ Filho .......................................................................................... 19
Alterações Comportamentais da Infância .............................................................. 22
Depressão Infantil ............................................................................................... 22
Depressão em Função da Idade ...................................................................... 23
Perturbações de Ansiedade ................................................................................ 27
Perturbação de Ansiedade de Separação ....................................................... 28
Aversão a falar – Mutismo Selectivo .............................................................. 29
Fobias Específicas ............................................................................................ 29
Perturbação de Hiperactividade e de Défice de Atenção ................................... 31
Perturbações da Eliminação ............................................................................... 33
Enurese ........................................................................................................... 33
Encoprese ........................................................................................................ 35
Perturbações do Sono ......................................................................................... 37
Dificuldades de Aprendizagem ........................................................................... 40
Perturbação Obsessivo‐compulsivo Infantil ....................................................... 44
Agressividade e Desobediência .......................................................................... 47
Perturbação do Comportamento.................................................................... 48
Efeito de vivências traumáticas na infância e Adolescência ............................... 50
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Bibliografia .............................................................................................................. 53
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
“DESENVOLVIMENTO” E AS SUAS CONCEPÇÕES
Compreender as mudanças contínuas do ser humano operadas ao longo da vida e
descobrir as razões dessas mudanças tem constituído um desafio para a Psicologia,
nomeadamente para os psicólogos do desenvolvimento.
Por desenvolvimento entende‐se o conjunto de mudanças contínuas no ser
humano ao longo da sua existência.
O conceito de desenvolvimento pressupõe assim uma sequência de alterações
graduais que levam a uma maior complexidade no interior de um sistema ou
organismo. Na evolução de cada indivíduo desenham‐se estádios que seguem uma
ordem praticamente imutável, mas o tempo de permanência em cada um deles varia
conforme o indivíduo.
A psicologia do desenvolvimento é uma área especializada da Psicologia que só
amadureceu no século XIX. Até à contemporaneidade, era impossível o aparecimento
desta área de investigação, devido aos estereótipos que se mantinham acerca do
conceito de criança e da pouca importância que lhe era concedida.
Uns tinham uma visão negativa da infância, encarando a criança como uma
espécie de selvagem quase sem humanidade, incluindo‐a na mesma categoria em que
mantinham os primitivos e os deficientes mentais. Outros consideravam que as
crianças tinham uma mente como a dos adultos, sendo a única diferença entre ambos
o crescimento e não o desenvolvimento; constituindo a criança como um adulto em
miniatura.
Desta forma, o estatuto próprio da criança não era reconhecido, o que tinha
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reflexos negativos na educação familiar e escolar que lhe exigiam condutas muito
próximas das do adulto, sem que ela pudesse comportar‐se da forma pretendida.
As grandes mudanças quanto ao modo de encarar a criança deve‐se à teoria
evolucionista de Darwin, estilhaçadora da fronteira intransponível entre animal e ser
humano, abre caminho a uma nova perspectiva em psicologia genericamente
apelidada de organicismo por oposição ao maturacionismo.
Maturacionismo: Gesell encabeça a defesa do modelo maturacionista,
acreditando que o desenvolvimento se deve fundamentalmente a processos internos
de maturação do organismo. Segundo o maturacionismo, as diferenças observadas ao
longo do desenvolvimento ocorreriam numa sequência geneticamente determinada,
devendo muito pouco às influências ambientais externas.
Mecanicismo: Os psicólogos behavioristas (comportamentais) são adeptos de um
modelo mecanicista, segundo o qual o organismo humano reage passivamente às
imposições do meio externo, que determinam as suas progressivas modificações.
Resumidamente, podemos dizer que psicólogos como Watson e Skinner negligenciam
qualquer interferência de factores internos associados ao organismo. Reduzindo o
organismo ao binómio Sujeito=Estímulo‐Resposta, acreditam que as diferenças
detectadas na evolução do indivíduo se devem exclusivamente às situações do meio.
Organicismo: Os psicólogos que defendem o modelo organicista assumem uma
perspectiva interaccionista, em que consideram que o desenvolvimento é um processo
dinâmico em que factores maturacionais, genéticos e da experiência externa se
combinam no decorrer dos diferentes estádios do indivíduo ao longo da vida. O
modelo organicista realça o carácter adaptativo do processo de desenvolvimento, uma
vez que considera que ao progredir na sequência dos estádios, o organismo dispõe de
mecanismos psicológicos diferentes e qualitativamente superiores de intervenção no
meio. Essas intervenções, por sua vez, contribuem para reorganizar os mecanismos
psicológicos, fazendo com que o indivíduo fique melhor apetrechado para ajustar
adequadamente os comportamentos às exigências do meio. Novembro de 2007
PIAGET E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
Jean Piaget elaborou uma teoria do desenvolvimento a partir do estudo da
inteligência da criança e do adolescente. A sua teoria permitiu que se acabasse com a
concepção de que a adolescência da criança era semelhante à do adulto, existindo
entre elas mera diferença quantitativa.
Segundo Piaget, a inteligência precede o pensamento, desenvolvendo‐se por
etapas progressivas que exigem processos de adaptação ao meio. Deste modo, o
desenvolvimento pressupõe a maturação do organismo, bem como a influência do
meio físico e social.
Para compreendermos a teoria de Piaget, é necessário ter em conta alguns
conceitos:
9 Esquema: em cada etapa de desenvolvimento estão presentes esquemas
mentais, que formam uma estrutura quando coordenados entre si.
9 Adaptação: a inteligência é uma adaptação ao meio ambiente, feita
através da assimilação e da acomodação.
9 Assimilação: é o processo de integração dos dados da experiência nas
estruturas do sujeito.
9 Acomodação: é a modificação constante das estruturas do sujeito para se
adaptar aos novos elementos provenientes do meio. Entre a assimilação e
a acomodação desenrola‐se a coordenação que permite que ocorra o
desenvolvimento intelectual progressivo.
9 Organização: o pensamento actua de forma organizada e de acordo com o
meio, isto é, a adaptação ao meio conduz à organização do pensamento e
o pensamento organizado estrutura melhor os objectos do meio.
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9 Estádios: são fases ou etapas qualitativamente diferentes por que passa o
desenvolvimento intelectual. O desenvolvimento intelectual ocorre por
etapas sucessivas, em que as estruturas intelectuais se desenvolvem
progressivamente. Cada novo estádio representa uma forma de equilíbrio
cada vez maior, que permite uma adaptação mais adequada às
circunstâncias.
Em todos os estádios existe uma interacção entre o sujeito e o mundo, feita
através da assimilação e da acomodação. Estes dois mecanismos possibilitam a
construção das novas estruturas ou esquemas. Inicialmente são esquemas de acção
que quando interiorizados se transformam em esquemas operatórios.
O desenvolvimento pode explicar‐se através de diferentes factores, como a
hereditariedade, a maturação interna, que não actua sozinha e por isso é um factor
insignificante. O segundo factor é a experiência física, a acção dos objectos. A lógica da
criança advém das acções exercidas sobre os objectos. O terceiro factor prende‐se com
a educação, que por si só é insuficiente, sendo necessária a assimilação por parte da
criança. O quarto factor é a equilibração, ou seja, o equilíbrio entre os três factores
anteriores.
O desenvolvimento da inteligência faz‐se pelo interacção constante entre a
criança e o meio. Piaget distingue quatro estádios de desenvolvimento:
1. Estádio da inteligência sensório‐motora: desde o nascimento até aos 2
anos. Neste estádio a criança não se distingue dos objectos que a rodeiam, nem
compreende as relações entre os objectos independentemente dela. Em vez de
palavras e conceitos, a criança serve‐se de percepções e movimentos organizados em
esquemas de acção. Na presença de um objecto novo, a criança procura compreendê‐
lo pelo uso, sacudindo‐o por exemplo. Durante estes 2 anos, ao nível da
acção, a criança constrói noções fundamentais para o
desenvolvimento ulterior, como a noção de objecto permanente e a
de causalidade. Se taparmos com um lenço um objecto do interesse do
bebé, este não afasta o obstáculo para lhe chegar, pois ao desaparecer do seu campo
perceptivo, o objecto deixou de existir para ele. No fim deste período, já compreende
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a permanência do objecto, mesmo quando é escondido em sítios diferentes. Aos 18
meses, o bebé já é capaz de chegar aos objectos que quer, isto é, já é capaz de fazer
relações objectivas de causalidade, na medida em que se serve de meios apropriados
para alcançar os seus fins. Trata‐se de uma causalidade egocêntrica, ligada à acção
própria, caracterizada pela ausência de relações objectivas entre o meio e o fim a
atingir.
2. Estádio das representações pré‐operatórias: dos 2 aos 7 anos. A
entrada neste estádio é marcada pelo aparecimento da função semiótica ou simbólica,
que assinala o início do pensamento. A função simbólica é a capacidade de criar
símbolos para substituir ou representar os objectos e de lidar mentalmente com eles.
A linguagem, a imagem mental e o jogo simbólico são manifestações da função
simbólica. A linguagem permite à criança comunicar com os outros. Neste período a
criança é muito egocêntrica, pelo que o diálogo é inexistente, mesmo
quando brinca com outras crianças, pois fala para si sem se interessar
pelas respostas dos outros. Neste sentido, devemos falar de monólogo
colectivo, em vez de diálogo. O jogo simbólico também é marcado pelo
egocentrismo, pois a criança torna o real no real dos seus desejos, transformando os
objectos naquilo que quer. A esta capacidade da criança chamamos realismo. A
emissão de palavras significa que a criança já possui imagens mentais. Piaget fala a
este respeito de pré‐conceitos, na medida em que a criança, não dispondo ainda de
esquemas de generalização, é incapaz de distinguir com nitidez “todos” de “alguns”.
Neste período, os esquemas de acção são substituídos por esquemas de
representação, assinalando o início da inteligência representativa ou pensamento. A
criança manifesta curiosidade por aquilo que a rodeia, mas interpreta as coisas sempre
em função de si, o que torna o pensamento incipiente e altamente egocêntrico. O
pensamento que começa neste período apresenta as seguintes características: o
antropomorfismo, que se refere à visão animista ou antropomórfica da criança,
característica deste período, a criança concebe as coisas como vivas e dotadas de
intenção e sentimentos, à semelhança do que se possa com os seres humanos. O
antropomorfismo deste pensamento também se manifesta na noção de causalidade
da criança. Em face dos acontecimentos, a criança pergunta: “o que é?”; “porquê?”.
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Estas questões não exigem apenas resposta causal, mas também final, na medida em
que ela entende que tudo é orientado para um fim. O raciocínio da criança procede
por vaga analogia associativa. Isto significa que criança vai recorrer a uma
generalização ainda imprecisa e sem controlo. Por exemplo, se a criança vir um tigre
na televisão vai dizer que se trata de um gato, dadas as suas características serem
idênticas às de um gato. Piaget designa este tipo de raciocínio de raciocínio
transductivo. O raciocínio dedutivo é também próprio desta fase da vida da criança.
Se, nesta fase, colocarmos em fila oito fichas brancas, separadas por pequenos
intervalos e pedirmos a uma criança que, com fichas pretas, construa uma fila igual,
veremos que fará uma fila do mesmo comprimento da branca, mas sem se preocupar
com a correspondência termo a termo. Conclui‐se assim, que a criança avalia a
quantidade pela percepção do espaço ocupado, ou seja, pela configuração global, sem
se deter na análise das relações entre os objectos.
3. Estádio das operações concretas: dos 7 aos 11 anos. Nesta fase, as
estruturas intuitivas transformam‐se num sistema de relações de tipo operatório, o
que significa que as acções interiorizadas ou acções mentais que já se manifestam no
período precedente tornam‐se agora reversíveis e designam‐se por operações. Piaget
realizou várias experiências para estudar a reversibilidade de pensamento, presente
nas operações que as crianças são capazes de efectuar neste estádio:
9 Conservação: se deitarmos em 2 copos iguais a mesma quantidade de
água e se fizermos notar a uma criança de 4 ou 5 anos que o líquido se encontra
ao mesmo nível nos 2 copos, ela admiti‐lo‐á imediatamente. Porém, se, em
seguida, deitarmos o líquido de um dos copos para um recipiente mais estreito e
mais alto e lhe perguntarmos qual é o que contém mais água, ela apontará para
o recipiente alto e estreito. Isto significa que a criança no estádio anteriormente
referido ainda não atingiu o nível operatório, uma vez que não é capaz de
regressar mentalmente ao ponto inicial. As suas “operações” não possuem ainda
a reversibilidade. Quando uma criança atinge o pensamento operatório, afirmará
sem reservas que a quantidade de líquido não se alterou pelo facto de ter sido
mudado de um vaso para o outro. Poderá mesmo servir‐se de argumentos para
justificar a sua resposta. São três os tipos de argumentos a que pode recorrer: o
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da identidade, o da reversibilidade e o da compensação. Identidade→ é a mesma
água porque não se pôs nem se tirou nenhuma. Reversibilidade→
é a mesma água porque, se voltasse a deitar no copo pequeno,
ficava como dantes. Compensação→ é a mesma água porque
este copo é mais alto mas também é mais estreito. Quando
uma criança justifica de uma destas formas, significa que já
está de posse do esquema da conservação da quantidade. Ainda neste período,
adquirirá a conservação de peso, de volume, etc.
9 Classificação: se colocarmos uma criança, ainda em estádio pré‐
operatório perante brinquedos ou figuras de animais, em que haja oito cães
“caniche”, dois cães “terrier” e três gatos e lhe pedirmos para fazer colecções de
animais, ela fará três grupos simples, um de “terriers”, outro de cães “caniches”
e outro de gatos. A criança já tem assim a noção de inclusão em classes. A
confusão entre “todos” e “alguns”, característica dos períodos anteriores, tende,
portanto, a desaparecer nesta fase. Contudo, as estruturações lógicas
apresentam ainda algumas limitações. As operações são concretas, recaindo
directamente sobre os objectos e situações actuais, não sendo ainda capaz de
raciocinar sobre situações hipotéticas.
4. Estádio das operações formais: dos 11 aos 15 anos. Ao contrário do
anterior estádio, durante a adolescência desenvolve‐se a inteligência formal, que
significa a entrada num domínio novo que é o do pensamento puro. Assim, nesta fase,
o adolescente é capaz de raciocinar sobre hipóteses abstractas, ou seja, proposições
enunciadas verbalmente, ou através de outros símbolos, a partir dos quais se efectuam
os encadeamentos típicos da lógica formal.
Desta forma, o adolescente já é capaz de raciocinar
dedutivamente a partir de hipóteses, mas também é capaz de
formular hipóteses para resolver um problema, as quais compara
de forma sistemática na experiência, até encontrar a solução
explicativa mais adequada. Ao mesmo tempo, surge também a
possibilidade de compreender princípios abstractos,
demonstrando uma grande abertura a conceitos científicos e
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filosóficos, que não demonstrava qualquer interesse em fases anteriores.
Esta nova capacidade para pensar abstractamente leva o adolescente a fazer da
sua própria reflexão um objecto sobre o qual pode reflectir. Esta atitude reflexiva é
imbuída de um novo egocentrismo intelectual que se manifesta na convicção de que o
seu pensamento está apto a resolver todos os problemas e de que se as suas ideias são
indubitavelmente as melhores. O jovem actua como se os outros e o mundo tivessem
que se organizar em função dos seus pontos de vista, que apresenta e defende por via
lógico‐argumentativa. Nesta fase, o adolescente é capaz de se colocar na perspectiva
do outro, atingindo um novo equilíbrio eu‐mundo.
FREUD E O DESENVOLVIMENTO
Assim como Piaget na perspectiva cognitiva, também Freud considera que a
compreensão do comportamento exige uma análise dos fenómenos psíquicos.
Contudo, se a perspectiva cognitiva encara as pessoas como processadoras racionais
de informação, a perspectiva psicodinâmica procura evidenciar aspectos em que a
racionalidade humana falha: enfatiza as motivações inconscientes e o papel
desempenhado pelas vivências emocionais infantis na estruturação da personalidade
do adulto. Segundo Freud, o nosso aparelho psíquico ou estrutura da personalidade, é
formado por 3 componentes ou sistemas motivacionais, também designados por
instâncias do eu ou instâncias de personalidade, são elas o id, o ego e o superego.
O id, é constituído por todos os impulsos biológicos, como a fome, a sede e o
sexo, que exigem satisfação imediata. É o fundamento da
sobrevivência individual e da espécie.
O superego, é formado pelo conjunto de regras e proibições
impostas primeiramente pelos pais e depois pela sociedade em geral
e que foram interiorizados pelo indivíduo. É o fundamento da moral.
O ego, é o elemento decisor dos conflitos travados entre o id e o superego, é
portanto, o fundamento racional da personalidade humana.
Segundo Freud, estas 3 instâncias estabelecem entre si uma relação dinâmica,
muitas vezes conflitual, de que resulta a conduta das pessoas. Assim, o
comportamento de umas pessoas compreende‐se pela supremacia do id e o
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comportamento de outras compreende‐se pela supremacia do superego.
A nível genético, o id é o primeiro elemento. Nasce com a criança, sendo a única
motivação do bebé nos primeiros meses de vida, o que significa que a energia psíquica
deriva apenas de tendências instintivas de natureza biológica, cujo único objectivo é a
satisfação imediata na busca exclusiva do prazer.
O ego, de acordo com a teoria psicanalítica, surge relativamente cedo, à medida
que a criança vai experienciando e se vai apercebendo de privações e recusas no
mundo exterior. O ego tem por função orientar as pulsões de acordo com as exigências
da realidade, tornando possível a adaptação do indivíduo ao mundo externo, de forma
a ficar apto a enfrentar situações geradoras de ansiedade. Sendo o “árbitro” na luta
entre as pulsões inatas e o meio, o ego desenvolve um conjunto de mecanismos de
defesa que exercem um controlo inconsciente sobre as pulsões que ameaçam o
equilíbrio psíquico do indivíduo, canalizando‐as para formas indirectas e substitutivas
da obtenção do prazer.
O superego constitui a moral do indivíduo e tem a sua origem na relação da
criança com os pais, que lhe fazem exigências, interdições e ameaças que pesam sobre
a criança. Este controlo imposto a partir do exterior tende a ser interiorizado, pelo que
por volta dos 7 anos, o superego é já uma instância interna que actua de modo
automático e espontâneo. O superego é formado então por princípios morais e
representa um conjunto de valores nucleares como a honestidade, o sentido de dever
e de responsabilidade, as obrigações, entre outros.
Contudo, o superego não elimina a actuação do id, que se mantém activo ao
longo da vida. Toda a teoria de Freud desenvolve‐se à roda do conceito de energia
psicossexual ou líbido, cuja proveniência são as pulsões biológicas e instintivas do id.
Freud defende que o desejo ou busca do prazer psicossexual surge no indivíduo antes
da puberdade, logo a partir do nascimento.
O termo prazer psicossexual é usado por Freud num sentido muito amplo, que
inclui as sensações agradáveis resultantes da estimulação de diversas áreas do corpo e
considera que a energia psicossexual ou líbido deriva de processos metabólicos. Os
órgãos envolvidos na digestão e procriação, fundamentais para a sobrevivência do
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indivíduo e da espécie, são zonas erógenas, ou seja, fontes instintivas de prazer sexual.
Desde modo, a criança atravessa uma série de estádios, cada um dos quais se
associa a sensações de prazer ligadas a uma zona erógena específica. O controlo destas
sensações origina conflitos cuja resolução influencia a formação da personalidade
adulta, pelo que para alcançar a maturidade psicológica, o indivíduo deve resolver
positivamente os conflitos próprios de cada etapa. Assim, as pessoas que experienciam
um excesso de frustração ou de satisfação dos sentimentos sexuais de cada período
poderão permanecer psicologicamente presas a esse estádio, fenómeno designado por
fixação, segundo Freud.
O Estádio oral decorre desde o nascimento até aos 12/18 meses. Durante este
período a boca é a principal fonte de prazer, tornando‐se numa zona erógena, dado
que não se presta apenas à satisfação das necessidades alimentares do bebé, como
também se constitui como fonte de prazer sensual, pelo que nesta fase, seja ou não
alimento, tudo o que a criança agarra é levado à boca. O seio materno é
então fonte de grande satisfação que lhe permite estabelecer uma
relação afectiva de proximidade com a mãe, cuja natureza marca o modo
como futuramente se relacionará com o mundo. No início deste estádio, a
criança vive um estado de indiferenciação eu‐mundo com o qual contacta
fundamentalmente através da boca e é por isso que durante alguns meses se limita a
mamar no seio, na chupeta ou no biberão passivamente. Posteriormente, ela própria
procura agarrar qualquer objecto, chegando a mordê‐lo, de acordo com o
desenvolvimento de uma oralidade mais agressiva, para a qual contribui o
aparecimento de dentição.
Segundo Freud, a fixação neste estádio conduz à tendência exagerada para
comportamentos de gratificação oral, como por exemplo, comer, beber, beijar e
fumar.
Neste período, começa‐se a estruturar a personalidade, desenvolvendo‐se
algumas características com dimensões bipolares, de acordo com o excesso de
satisfação ou de desprazer.
Posteriormente, Freud coloca a criança no Estádio anal, que decorre dos 12/18
meses aos 3 anos. Neste período, mais especificamente aos 2 anos, a criança começa a
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ou a expulsá‐las nos momentos mais inoportunos.
Segundo Freud, a educação do asseio demasiado restritiva ou tolerante pode
determinar 2 tipos de personalidade adulta:
9 Retentivo‐anal, onde se observam características como avareza,
obstinação, meticulosidade, ordem compulsiva.
9 Expulsivo‐anal, onde se observa a tolerância, a submissão, a generosidade
excessiva e desordem.
Dos 3 aos 5/6 anos, a criança encontra‐se no Estádio fálico, cujo objecto da líbido
são os órgãos genitais. Isto porque é nesta fase que a criança descobre que o corpo
dos rapazes e das raparigas e diferente, pelo que a criança obtém prazer ao tocar nos
órgãos genitais. Se os pais ensinam aos filhos que isso é vergonhosos, os rapazes
podem contrair o medo da castração e as raparigas a “inveja do pénis”. Rapazes ou
raparigas podem apresentar, futuramente, dificuldades de relacionamento sexual.
Nesta fase, as crianças vivem a primeira experiência de amor
heterossexual. O rapaz nutre uma atracção especial pela mãe, ao
mesmo tempo que desenvolve uma agressão competitiva em relação
ao pai; contudo, procura imitá‐lo para conquistar a mãe,
desenvolvendo assim o conceito de masculinidade. Freud
designou esta vivência “complexo de Édipo”. No caso da rapariga, esta sente‐se atraída
pelo pai, vendo a mãe como um obstáculo à realização dos seus desejos, embora
procure parecer‐se com ela, de forma a seduzir o pai, construindo o conceito de
feminilidade; esta vivência é designada “complexo de Electra”.
Quando estes complexos não são bem resolvidos, quer porque as fantasias
sexuais infantis são satisfeitas por defeito ou por excesso, pode ocorrer uma fixação
nesta fase, da qual resultam dimensões bipolares de personalidade: orgulho‐
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humildade; sedução‐retraimento; promiscuidade‐castidade.
Dos 5/6 anos aos 12/13 anos, a criança encontra‐se no Estádio de latência. Nesta
fase, os desejos sexuais estão praticamente ausentes. Esta situação de apaziguamento
das pulsões sexuais deve‐se à amnésia infantil, processo pelo qual a criança reprime no
inconsciente as experiências fortes do estádio fálico. A criança canaliza a energia
psíquica para actividades de outro tipo. A curiosidade sexual cede lugar à curiosidade
intelectual que a entrada na escola ajuda a desenvolver, também na medida em que
afasta a criança do mundo familiar carregado de afectividade e portanto a
exploração, a descoberta, a procura e a invenção ocupam a criança
num número de actividades de acordo com os seus gostos ou metas a
atingir. Durante este período de acalmia sexual, a criança procura
tornar‐se numa espécie de “criança‐modelo” bem comportada e apreciada pelos pais,
professores e amigos.
O aparelho psíquico constituído pelas 3 instâncias ‐ id, ego, superego ‐ está
completamente organizado nesta fase, pelo que a estrutura da personalidade se
encontra praticamente formada. No estádio seguinte, o desenvolvimento psicossexual
está terminado.
Após o estádio de latência, Freud considera o Estádio Genital, desencadeado
depois da puberdade. Nesta fase, a sexualidade desperta de novo e com grande
intensidade, facto explicável pela maturação orgânica e aos impulsos desencadeados
pela consequente produção de hormonas sexuais. Este estádio torna‐se assim uma
repetição dos períodos precedentes, pelo que se reactivam os conflitos vividos na
infância. O complexo de Édipo é revivido pelo adolescente de uma forma muito
especial, o amor vivido no período fálico em relação ao progenitor do sexo oposto é
agora canalizado para uma atracção heterossexual por pessoas alheias ao universo
familiar. A satisfação dos impulsos da líbido é procurada pela prática de actividades
sexuais de natureza genital. Os jovens que atingem este estádio após terem resolvido
os conflitos inerentes às fases anteriores, estão preparados para o exercício de actos
ligados à reprodução, bem como para assumir as responsabilidades da idade adulta.
Não há fixação neste período, visto ser a última etapa desenvolvimento psicossexual.
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ERIKSON E O DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL
A perspectiva de Erikson caracteriza‐se pela sua ênfase nos aspectos psicossociais.
Erikson apresenta uma teoria de desenvolvimento, cujos pressupostos são os
seguintes:
9 A energia que orienta o desenvolvimento é essencialmente de natureza
psicossocial, havendo portanto uma valorização da interacção entre a personalidade
em transformação e o meio social;
9 O desenvolvimento é um processo contínuo que se inicia com o
nascimento e se prolonga até ao final da vida;
9 A personalidade constrói‐se à medida que a pessoa progride por
estádios psicossociais que, no seu conjunto, constituem o ciclo da vida;
9 Em cada estádio manifesta‐se uma crise que é vivida em função de
aspectos biológicos, individuais e sociais. A crise consiste num conflito ou dilema que
deve ser resolvido, sendo que existe uma solução positiva e negativa para cada um
deles;
9 Os conflitos estão, desde o nascimento, latentes no indivíduo, só se
tornando patentes e predominantes em fases específicas da vida;
9 Quando as crises são resolvidas de forma positiva, resultam em
equilíbrio e saúde mental, já as soluções negativas das crises conduzem ao
desajustamento e ao sentimento de fracasso;
9 Ajustamento ou desajustamento não são situações ou estados
definitivos. Em fases subsequentes, o indivíduo pode passar por experiências positivas
e negativas que contrariem as vivências tidas em estados anteriores.
Desta forma, o conceito de crise, segundo Erikson, é fundamental para a
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construção da personalidade que se desenvolve em função da resolução de crises
sucessivas. De acordo com a forma como a crise for resolvida, a pessoa situar‐se‐á
mais ou menos adequadamente no contexto social.
As crises psicológicas que permitem ao indivíduo adquirir sentimentos, como
confiança em si próprio, autonomia, iniciativa, ou pelo contrário, falta de confiança,
sentimentos de inferioridade e culpabilidade, surgem ao longo da vida, distribuídas por
8 idades, em cada uma das quais aparecem virtudes específicas.
Erikson emprega o termo virtude com o significado de uma aquisição positiva que
ocorre quando a resolução da crise é favorável. Esta aquisição constitui um ganho
psicológico, emocional e social que se pode traduzir por um valor, por uma
característica de personalidade, por uma competência, por uma qualidade pessoal ou
por um sentimento.
1. Bebé: vai desde o nascimento até aos 18 meses. O conflito típico desta
idade é: Confiança versus Desconfiança.
Durante este período, o relacionamento com a
mãe é da maior importância. Se a mãe alimenta
bem o filho, se o aconchega e acarinha, brinca e fala
ternamente com ele, o bebé desenvolve o sentimento de que o ambiente
é agradável e seguro, criando uma atitude básica de confiança e face ao
mundo. Contudo, se pelo contrário, o comportamento da mãe não satisfaz
o bebé, este desenvolve medos e suspeitas que contribuem para a
formação de uma atitude negativa de desconfiança. A virtude
desenvolvida durante este período é a esperança. Esta fase corresponde
ao estádio oral da teoria de Freud.
2. Criança de tenra idade: situa‐se desde os 18 meses até aos 3 anos. O
conflito típico desta idade é a Autonomia vs. Vergonha e dúvida. Nesta
fase, as crianças sentem ainda necessidade de protecção, mas
simultaneamente, gostam de experimentar. Por isso, sentem‐se bem
sempre que podem exercitar as suas capacidades motoras:
correr, puxar, empurrar, segurar, largar são actividades que
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treinam e procuram desenvolver. Se os pais encorajarem
a criança a exercitar estas habilidades, ela desenvolve o
controlo dos seus músculos, o que contribui para o
domínio do seu próprio corpo e do ambiente que a
rodeia. Desta forma, a criança ganha autonomia. No entanto,
se a criança for impedida de usar as suas capacidades ou se
lhe é exigido que use essas capacidades precocemente, a criança
desenvolve sentimentos negativos, como a vergonha e a dúvida. A boa
resolução entre aquilo que a criança quer e o que os outros exigem dela,
resulta na sua força de vontade, virtude própria desta idade. Este período
aproxima‐se do estádio anal da teoria de Freud.
3. Criança em idade pré‐escolar: dos 3 aos 6 anos. O conflito próprio
desta fase é Iniciativa vs. Sentimento de culpa. O desejo de experimentar
mantém‐se e amplia‐se com a aquisição de novas
capacidades intelectuais, como o pensamento e a
linguagem, que usa como outras formas de
explorar a realidade. Com elas toma iniciativas,
idealiza façanhas, realiza tarefas e exibe‐se. Se os pais compreendem e
aceitam o jogo activo das crianças, estas sentem que o seu sentido de
iniciativa é valorizado. Porém, se os pais se impacientam e consideram
disparatadas as suas perguntas, brincadeiras e actividades, as crianças
sentem‐se culpadas e inseguras, evitando agir de acordo com os seus
próprios desejos. A virtude própria deste período é a tenacidade,
desenvolvida quando o conflito é resolvido de forma positiva. Este período
aproxima‐se do estádio fálico da teoria de Freud.
4. Criança em idade escolar: dos 6 aos 12 anos. O conflito próprio desta
idade é Diligência vs. Sentimento de inferioridade. A criança descobre o
universo da escola, onde se espera que faça grandes
aprendizagens, a nível académico e social. Sonha com
o sucesso, desenvolvendo esquemas cognitivos
para se tornar excelente nas tarefas
Novembro de 2007
competência ou perícia. Este período aproxima‐se do estádio de latência
da teoria de Freud.
5. Adolescente: dos 12 aos 20 anos. O conflito próprio desta idade é
Identidade vs. Confusão. Nesta idade, o adolescente
apercebe‐se da sua singularidade como pessoa,
adquirindo a noção de que é um ser único, com
identidade própria, mas inserido num meio social
onde tem vários papéis a desempenhar. O adolescente
vai ter de integrar diversas auto‐imagens: jovem, amigo, estudante,
seguidor, líder, trabalhador, homem ou mulher numa única imagem, é a
partir delas que escolhe uma carreira profissional e um estilo de vida. Se
nos períodos anteriores conseguiram obter confiança básica, autonomia,
iniciativa e diligência, os adolescentes constroem mais facilmente a sua
identidade. Se pelo contrário, manifestam dificuldades em saber o que
são, o que querem, que opções seguir e que papel desempenhar, vivem
situações difíceis de confusão e indecisão. A virtude desenvolvida nesta
fase é a lealdade (consigo próprio) ou fidelidade. Este período aproxima‐se
ao estádio genital da teoria de Freud.
Erikson ainda refere as fases de jovem adulto (20 aos 35 anos), onde o conflito
típico é Intimidade vs. Isolamento; a de adulto (35 anos aos 65 anos), em que o
conflito é Generatividade vs. Estagnação; e, a de idoso (65 anos em diante), em que o
conflito típico deste período é a Integridade vs. Desespero. Novembro de 2007
A RELAÇÃO MÃE ‐ FILHO
Piaget, Freud e Erikson, cada um na sua perspectiva, considerava uma “nova”
infância, em que a criança, desde o nascimento, vai‐se desenvolvendo a nível
intelectual, afectivo e social, respectivamente.
Todos estes psicólogos evidenciam que o desenvolvimento é dinâmico e que
necessita de uma relação com outrem. A mãe é então o primeiro agente através do
qual a criança se relaciona com o meio, desenvolvendo com ela as primeiras relações
afectivas e iniciando o seu processo de relacionamento com o mundo físico e social.
Estas concepções contemporâneas acerca do que é a criança nos primeiros
tempos, mudaram o modo como a mãe assume os cuidados maternais, pelo que a
criança apresenta necessidades que não são exclusivamente comer, dormir, estar
limpa e agasalhada.
Às necessidades fisiológicas juntam‐se outras que se não forem satisfeitas,
comprometerão o desenvolvimento harmonioso da personalidade individual.
Muitos psicólogos se têm dedicado ao estudo da privação do afecto materno. A
este respeito, a psicanalista Ana Freud efectuou observações em infantários fundados
no tempo da guerra para acolher os filhos das mães trabalhadoras cujos maridos se
tinham alistado em combate. Estas crianças eram bem cuidadas em termos de
alimentação e higiene, no entanto, quase todas apresentavam perturbações
emocionais e atraso no desenvolvimento, cujas causas foram atribuídas à ausência de
afecto materno.
Também o psicanalista americano Spitz efectuou
estudos semelhantes, observando crianças abandonadas
que passaram a viver, desde os primeiros meses de vida, em
Novembro de 2007
orfanatos e outras instituições similares. Spitz concluiu que a
privação dos cuidados e aconchego maternos levavam à
morte precoce, dificuldades no relacionamento interpessoal manifestados por
condutas que passam pela insensibilidade a outrem e pela tendência para, a todo o
custo, cobrar o afecto e a atenção dos outros.
As observações de Bowlby são mais recentes e foram feitas em crianças de tenra
idade. Bowlby concluiu que quando as crianças são afastadas da família por períodos
de tempo superiores a 3 meses, vêm a sofrer de perturbações que se desenvolvem em
3 fases: inicialmente, mostram desespero; em seguida, irritação e cólera, mesmo em
relação à família; por último caem num estado de indiferença e apatia.
O vínculo afectivo que se estabelece entre o filho e a mãe e que se traduz pelo
desejo da presença desta e do seu contacto tem uma origem de cariz emocional, cuja
satisfação reside em experiências gratificantes como: estar ao colo, ser embalado,
abraçado e beijado, receber afagos, festas e carícias.
Harlow realizou experiências notáveis em que macacos eram criados por duas
mães artificiais, sendo que uma era feita de arame, tinha uma espécie de biberão onde
eles se alimentavam; outra, revestida de material felpudo, proporcionava aos
macaquinhos um contacto macio e agradável. Harlow verificou que os animaizinhos
estabeleceram um vínculo afectivo com a mãe de veludo, permanecendo a maior
parte do tempo abraçados a ela na procura do conforto que a “mãe de arame” não
lhes podia dar. Mesmo quando sentiam fome ou queriam explorar objectos nas
imediações, procuravam uma posição que lhes permitisse não perderem o contacto
com a mãe mais confortável. Mal se apercebiam da presença de objectos estranhos,
corriam para ela e agarravam‐se‐lhe com todas as forças. Pouco depois, acalmavam‐se
ao seu colo e observavam os objectos. Pareciam estar a viver um conflito entre o medo
que o “estranho” lhes provocava e a curiosidade que sentiam pela “novidade”.
Progressivamente, iam explorando os objectos, usando a mãe como base de apoio:
corriam a tocar num objecto e regressavam rapidamente; voltavam aos objectos mais
calmamente e, alguns, transportavam os objectos para junto dela.
Harlow concluiu assim, que após estabelecido o vínculo afectivo, a “mãe de
Novembro de 2007
apresentavam comportamentos compulsivos, movendo‐se em círculos ou baloiçando o
corpo para trás e para diante; não revelavam qualquer interesse por outros macacos
ou pessoas; eram sexualmente desajustados, não se relacionando normalmente com
macacos do sexo oposto; quando algumas macacas ficaram grávidas mostravam‐se
incapazes de cuidar dos filhos e rejeitavam‐nos agressivamente. Alguns dos
macaquinhos recém‐nascidos morreram mesmo.
A razão destas perturbações foi atribuída à privação ou défice de estimulação
sensorial, perceptiva e social que os macacos sofreram na situação de isolamento.
Apesar de se ligarem afectivamente à mãe substituta, esta não interagia com eles, não
havendo um intercâmbio de sinais, pelo que as mães substitutas não lhes ensinaram a
“comportar‐se em sociedade”. Das observações de Harlow podemos concluir que o
bebé precisa de criar laços afectivos com alguém, mas também de viver num meio
social estimulante onde possa interagir com os outros e aprender a comportar‐se em
sociedade.
Novembro de 2007
ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS DA INFÂNCIA
Estudar os problemas do comportamento na infância implica considerar duas
questões centrais: compreender o comportamento no contexto do desenvolvimento
infantil (normas de comportamento próprias para cada intervalo de idade) e
compreender o percurso do desenvolvimento dos problemas de comportamento.
As variáveis relacionadas com a idade afectam também a consideração de um
comportamento como problemático: é importante que se conheça que
comportamentos são adequados e em que idade.
DEPRESSÃO INFANTIL
A Depressivo Infantil (DI) é uma perturbação do humor capaz de comprometer o
desenvolvimento da criança ou do adolescente e interferir com seu processo de
maturidade psicológica e social. São diferentes as manifestações da depressão infantil
e dos adultos, possivelmente devido ao processo de desenvolvimento que existem na
infância e adolescência. Estima‐se que 3% da população infantil seja afectada pela DI.
Podem ser diferentes as etiologias que podem contribuir para a existência de um
quadro de DI:
1. Perda do Objecto (Spitz) – Este autor é o primeiro que fala de Depressão
Infantil. Segundo autor a sintomatologia é fruto da perda de atenção materna
(ou do prestador de cuidados), quanto maior for esse período mais sintomas
apresentará a criança.
2. Inadaptação dos reforços – Quando a criança
tem uma necessidade, manifesta atenção e a
resposta não se adequa ao seu pedido.
Novembro de 2007
3. Não existe contingências entre os
comportamentos – Estímulo ‐Resposta não têm
uma relação constante e não se correspondem, a criança sente‐se
desorientada.
4. Atribuições inadequadas (Beck) – valores e crenças que são destruídos por
mudança de ambiente, se for muito frequente podem conduzir a
sintomatologia depressiva.
5. Outros aspectos familiares – problemas conjugais, problemas financeiros,
expectativas exageradas por parte dos pais, falta de contacto, morte de um
familiar (directo ou indirecto), maus tratos, filho indesejado, alcoolismo, entre
outros.
6. Causas biológicas.
DEPRESSÃO EM FUNÇÃO DA IDADE
Depressão do bebé e criança muito pequena (2‐3 anos)
9 Choramingos, retraimento, indiferença, olhar apagado, isolada.
9 Depressão anaclítica: prostração, abatida, indiferente ao meio, retirada.
Segundo Bowlby as consequências da separação podem ser:
9 Fases de protesto, de desespero e de desligamento;
9 Carência familiar grave e caos educativo;
9 Ausência de manifestações de alerta;
9 Ausência na participação de jogos próprios para a idade;
9 Ausência de gorjeios e balbucia;
9 Ausência de curiosidade exploratória;
9 Ausência de auto‐estimulações: balanceio, lamúrias e condutas auto‐
agressivas;
9 Atraso do desenvolvimento psicomotor;
9 Atraso da linguagem;
9 Atraso global do desenvolvimento.
Novembro de 2007
Depressão da criança pequena (3 aos 5/6 anos)
9 Aquisições sociais perturbadas: nada de jogos, nenhuma autonomização
nas condutas da vida quotidiana.
9 Perturbações somáticas: dificuldades do sono, pesadelos, sonolência
diurna, anorexia ou bulimia, enurese, encoprese.
Depressão da criança maior (5/6 anos aos 12/13 anos)
Reacção de Dor e Aflição Prolongadas:
Este estado pode manifestar‐se por qualquer etapa da sequência: protesto,
desespero e desinteresse.
1. A criança chora, chama e busca o progenitor ausente, recusando quaisquer
tentativas de consolo por outras pessoas.
2. Retraimento emocional que se manifesta por letargia, expressão facial de
tristeza e falta de interesse nas actividades apropriadas para a idade.
3. Desorganização dos horários de comer e dormir.
Novembro de 2007
4. Regressão ou perda de hábitos já adquiridos, como por exemplo, fazer xixi e/ou
coco na roupa (ou cama), falar como se fosse mais novo.
5. Desinteresse paradoxal, que se manifesta por indiferença às recordações da
figura cuidadora (fotografia ou menção do nome), ou mesmo uma espécie de
"ouvido selectivo", que parece não reconhecer essas pessoas.
6. Como comportamento alternativo, a criança pode mostrar‐se exactamente ao
contrário das características acima; torna‐se extremamente sensível a qualquer
recordação do(a) cuidador(a), apresentando mal‐estar agudo diante de
qualquer estímulo que lembre a pessoa.
Luto da Criança
Para entender o impacto que causa na criança a perda por morte de uma figura de
forte vínculo afectivo (mãe, pai, irmãos), é preciso entender a teoria da vinculação,
inicialmente pesquisada por Bowlby.
Existem 3 fases do luto, assim caracterizadas:
Busca ou protesto ‐ o intenso desejo de recuperação da pessoa amada e
perdida, que leva a comportamentos de busca inócua, produz uma forte reacção de
protesto pela impossibilidade de se alcançar o objectivo desejado.
Desespero e desorganização ‐ o conflito permanente entre o desejo e sua
frustração, leva ao desespero, pois não se abdica do vínculo estabelecido com
facilidade e sem sofrimento. O pensamento, constantemente concentrado nessa
tarefa, deixa pouca possibilidade para se dedicar a outras actividades, revelando o
quanto é importante o trabalho de busca de uma resolução para o conflito; o mundo
parece estar fora de contexto, tanto quanto este parece estar fora de contexto para o
mundo.
Recuperação e restituição ‐ o conflito pode ser solucionado a partir de uma
nova construção do vínculo com o falecido, o que preserva a relação noutro patamar;
o sofrimento diminui gradualmente, permitindo um retorno da atenção para o mundo
e trazendo a possibilidade do estabelecimento de novas relações.
Stroebe, Stroebe e Hansson (1993) apresentam um levantamento das respostas
emocionais esperadas no processo normal de luto. Acrescentam que, em casos de luto
Novembro de 2007
3. Senso de perda devido ao reconhecimento da ausência e da impossibilidade de
recuperação;
4. Raiva é comum e pode voltar‐se contra a pessoa falecida, familiares, médicos,
amigos e mesmo contra o próprio ego;
5. Culpa e arrependimento, que aparecem sob as formas: culpa por sobreviver,
pela responsabilidade da morte ou pelo sofrimento que ela trouxe e, ainda,
pela deslealdade do falecido;
6. Ansiedade e receios que aparecem sob a forma de insegurança, medos ou
crises de angústia;
7. Imagens repetitivas da pessoa falecida próxima da morte, da doença, com
carácter intrusivo e fora de controlo;
8. Desorganização mental apresentando graus variados de distracção, confusão,
esquecimento ou falta de coerência;
9. Sobrecarga de tarefas e dificuldades para sua realização, que trazem a sensação
de estar a perder o controlo, de desamparo e sentir‐se incapaz de enfrentar a
realidade;
10. Alívio, especialmente após doença longa e sofrida, pelo término do
sofrimento;
11. Solidão, que se expressa como sentir‐se só mesmo quando em grupo e com
picos de sentimentos intensos de isolamento.
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PERTURBAÇÕES DE ANSIEDADE
A ansiedade é uma resposta normal que surge quando a pessoa se sente
ameaçada ou em perigo. A ansiedade torna‐se um problema quando aparece em
situações em que não existe perigo real ou quando se mantém depois de ter
desaparecido a fonte de stress.
As perturbações de ansiedade mais frequentes na clínica
infantil são: as fobias específicas (fobia aos animais, à escuridão,
aos ruídos intensos e a fobia escolar), a ansiedade de
separação e o retraimento social com aversão a falar e
mutismo selectivo.
As crianças experimentam diversos medos ao longo do seu desenvolvimento,
muitos deles são transitórios, de intensidade leve e específicos de uma determinada
idade. Muitos autores consideram estes medos evolutivos e parte integrante do
desenvolvimento normal e necessário ao desenvolvimento da criança. Os medos
proporcionam ferramentas para fazer face e ultrapassar situações adversas,
desagradáveis ou perigosas. Devemos pois distinguir entre medos evolutivos e outros
medos mais intensos ou fobias.
Entre os medos mais comuns na infância encontram‐se os seguintes:
Criança até aos 2 anos
9 Perda súbita da base de sustentação, estimulação visual ou auditiva muito intensa,
estranhos, separação das figuras de vinculação, feridas, do escuro e animais.
Criança dos 3 aos 5 anos
9 Estimulação visual ou auditiva intensa, separação, dano físico, pessoas com roupas
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estranhas, do escuro e animais.
Criança dos 6 aos 8 anos
9 Separação das figuras de vinculação, dano físico, do escuro, animais, seres
imaginários, solidão, pesadelos e escola.
Criança dos 9 aos 12 anos
PERTURBAÇÃO DE ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO
Os transtornos ansiosos podem ser debilitantes para crianças e adolescentes e
stressantes para as famílias, podem comprometer significativamente o
Novembro de 2007
desenvolvimento e o equilíbrio emocional. Por isso, o tratamento rápido e
apropriado pode ser efectivo em aliviar os sintomas e ajudar a criança a retornar à
função normal.
AVERSÃO A FALAR – MUTISMO SELECTIVO
Dependendo da gravidade da perturbação podemos falar de mutismo selectivo ou
de aversão generalizada a falar.
O mutismo selectivo consiste num padrão de fala em que a
criança, apesar de ter capacidade para falar, saber falar e
compreender a linguagem falada, recusa‐se a fazer,
seleccionando determinadas situações ou pessoas com quem
falar.
Na aversão generalizada a falar, a criança tem dificuldade
para o fazer em determinadas situações mas, consegue fazê‐lo com um volume baixo,
utilizando frases curtas ou monossílabos. Nestes casos os adultos descreveriam como
uma criança tímida que lhe custa falar, mas que o faz quando lhe é exigido.
FOBIAS ESPECÍFICAS
Dentro das fobias específicas vamos falar daquelas que são mais específicas da
infância: a fobia escolar e a fobia social.
Fobia Escolar
Apesar do medo da escola ser muito frequente na infância, a Fobia escolar é uma
perturbação pouco frequente, no entanto é a fobia mais frequente na clínica infantil
devido às implicações que apresenta em termos de aprendizagem escolar e social da
criança. Em termos dos três sistemas de resposta, os comportamentos que estas
crianças apresentam são:
1. Nível Motor: A criança evita ir à escola ou foge da mesma. Expressa
verbalmente a sua recusa a ir à escola. Queixa‐se de doenças ou de dores.
Mostra um comportamento negativista: não se veste, não toma o
Novembro de 2007
pequeno‐almoço, não encontra ou suja a roupa. Se os pais a obrigam a ir à
escola chora, grita, treme, agarra‐se a eles, pede para voltar para casa. Se
devido à pressão dos pais e professores permanece na escola, apresenta
comportamentos desajustados, faz fitas, ou é muito passiva, não fala e não
brinca.
2. Nível Fisiológico: A criança experimenta um
importante aumento na sua actividade
fisiológica. Aparecem respostas como
transpiração, tensão muscular elevada, ritmo
cardíaco acelerado, desmaios, disfunções do
estômago, vómitos, diarreias, urgência para urinar. Com frequência podem
apresentar dores de cabeça ou alterações na alimentação e no sono.
3. Sistema Cognitivo: A criança tem pensamentos ou imagens negativas
sobre situações escolares. Antecipa consequências desfavoráveis: os
colegas vão gozar com ela, o professor vai ralhar, é pior; avalia
negativamente as suas próprias capacidades e/ou a situação; preocupa‐se
pelas suas próprias reacções somáticas; pensa ou representa em imagens
respostas de fuga/evitação da aula ou da escola.
Fobia Social
Esta perturbação caracteriza‐se pela excessiva evitação do contacto com pessoas
desconhecidas, crianças e adultos. A timidez interfere nas relações sociais com os
colegas, reagindo com medo ou ansiedade perante situações em que têm de interagir
com outras pessoas. As crianças com fobia social podem chorar, gaguejar, ficarem
paralisadas, abraçarem familiares próximos, e até recusar‐se a falar.
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PERTURBAÇÃO DE HIPERACTIVIDADE E DE DÉFICE DE ATENÇÃO
Na Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA) as crianças
costumam ser descritas mais ou menos como sendo inquietas desde pequenas. “Em
casa corre daqui para lá o dia todo, sem que nada o detenha, nem sequer o perigo.
Tira os brinquedos do lugar, atira todos pelo chão e, quase sem usá‐los, agarra outros
e outros, sem deter‐se em nenhum. Interrompe permanentemente os adultos e as
outras crianças, respondendo impulsivamente e de forma exagerada. Na escola é
evitado, mesmo assim ele chama os colegas para pedir ajuda com os trabalhos sem, no
entanto, os copiar a tempo”. A criança pode ser portadora PHDA. É uma das
perturbações mentais mais frequentes nas crianças em idade escolar, atingindo 3 a 5%
delas, na faixa etária dos 6 anos.
Na realidade, determinar qual o nível de actividade normal de uma criança é um
assunto polémico. A maioria dos pais tem uma certa expectativa em relação ao
comportamento dos filhos e, normalmente, esta expectativa inclui um certo grau de
agitação, desarrumação e desobediência, características que são aceitas como
indicativos de saúde e vivacidade infantil.
Porém, algumas vezes podemos estar perante de um quadro de Hiperactividade
Infantil, que foge da simples questão de comportamento.
As crianças portadoras de PHDA ultrapassam a festiva barreira das partidas
engraçadinhas, deixam de ser adoráveis diabinhos e transformam‐se num verdadeiro
transtorno na vida dos pais, professores e todos que estiverem à sua volta. Elas
parecem ignorar as regras de convívio social e, devido aos problemas que provocam,
acabam por ser consideradas de má índole ou carácter, mal‐educadas pelos pais.
A Perturbação de Défice de Atenção é caracterizado primariamente por:
1. Dificuldade de atenção e concentração, característica que pode estar
Novembro de 2007
presente desde os primeiros anos de vida;
2. A criança tende a mostrar‐se "desligada", tem dificuldade em organizar‐se
e, muitas vezes, faz erros em tarefas devido à desatenção. Estas
características tendem a ser mais notadas por pessoas com quem convive;
3. Constantemente esquecem informações, compromissos, datas ou tarefas;
4. Costumam perder ou não se lembram onde colocam as coisas;
5. Têm dificuldades em seguir regras, normas e instruções que lhe são dadas.
6. Têm aversão a tarefas que requerem muita concentração e atenção, como
trabalhos de casa.
Em cerca de metade dos casos pode ainda apresentar hiperactividade, como
movimento incessante de mãos e pés, dificuldade de permanecer sentado ou dentro
da sala de aula, fala muito, mexe‐se muito e tem dificuldade em realizar qualquer
tarefa estando quieta.
Em alguns casos, pode acontecer também a impulsividade caracterizada pela
incapacidade de esperar a sua vez, interrompendo as pessoas durante uma conversa e
também pelo impulso de falar as respostas antes que as perguntas sejam terminadas.
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PERTURBAÇÕES DA ELIMINAÇÃO
ENURESE
A enurese pode ser definida como a micção involuntária e frequente (pelo menos
uma vez por mês) numa idade na qual o controlo da bexiga já devia existir.
Normalmente a partir dos 5 a 6 anos de idade é que passamos a considerar relevante
este problema, já que até esta idade muitas crianças normais ainda estão a adquirir o
controlo completo sobre a micção.
A enurese denomina‐se nocturna quando a micção involuntária ocorrer durante a
noite (ou durante o sono) e diurna se ocorrer durante o dia. A enurese diz‐se primária
se a criança nunca adquiriu o controlo de urina e secundária se surge após um período
de controlo normal superior a 6 meses.
A enurese nocturna é um problema muito comum. Calcula‐se que afecte 15% das
crianças aos 5 anos, 7% aos 10 anos, 3% aos 12 anos e 1% aos 20 anos. Embora
frequente, muitas crianças com enurese nocturna não são levadas ao médico por esse
motivo. A enurese nocturna não tratada cura espontaneamente ao ritmo de 10‐20%
dos casos por ano. No entanto, 10% das crianças enurécticas vão manter a enurese na
idade adulta se não forem tratadas.
Raramente, a enurese nocturna pode ser um sintoma de doenças variadas como
infecções urinárias, doenças renais ou distúrbios hormonais. No entanto, na grande
maioria dos casos não se encontra associada a nenhuma doença em particular. Nestas
crianças parece haver um atraso do desenvolvimento do controle da bexiga. Algumas
crianças têm bexigas de menor capacidade (bexigas pequenas) ou não conseguem
reduzir a produção de urina durante o sono fazendo com que não consigam
"aguentar". Outra causa possível é o sono profundo, acredita‐se que algumas crianças
Novembro de 2007
que têm o sono mais pesado não acordam quando a bexiga fica cheia, a certa altura o
músculo da bexiga tem uma contracção reflexa e leva à perda de urina.
A enurese nocturna tem uma elevada incidência familiar, isto é, passa muitas
vezes de pais para filhos. Quase metade das crianças cujo pai ou a mãe tiveram
enurese poderá também ter este problema. Se ambos os progenitores tiveram
enurese essa probabilidade sobe para mais de 50%.
A enurese representa um pesado fardo para a criança e para a família, não só por
afectar a auto‐estima numa idade em que ela é extremamente importante para o
desenvolvimento da personalidade, mas também por que acarreta custos económicos
e sociais consideráveis, que vão aumentando com o crescimento da criança. Além
disso, a enurese pode limitar uma série de actividades comuns e importantes na
infância, como dormir na casa de amigos, excursões escolares, campos de férias,
campeonatos desportivos, visitas a familiares, entre outros. Uma criança com enurese
evita todas estas actividades com medo que o seu “segredo” seja revelado.
Tratamento Comportamental
Compreende medidas que visam motivar a criança ou alterar hábitos que possam
predispor à enurese:
9 Comportamento positivo dos pais (educadores), incentivando a criança quando
consegue passar uma noite ou várias noites sem fazer xixi. Deve‐se recompensar o
esforço mais do que o sucesso.
9 Manter a criança envolvida no tratamento: uso do "diário miccional".
9 Não castigar a criança, visto que não ‘molha’ a cama para chamar a atenção ou
porque é preguiçosa, não tem nenhum controlo sobre o problema. Castigá‐la só vai
fazê‐la sentir‐se pior.
9 Se a criança tiver obstipação esse problema deve ser resolvido.
9 Evitar excesso de líquidos à noite.
9 Fazer xixi antes de se deitar.
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ENCOPRESE
enquanto a criança está activa, e muito raramente de noite, durante o sono.
A encoprese não é considerada uma alteração do comportamento normal da
criança. Devido à encoprese, a criança pode passar a manifestar alterações
comportamentais, nomeadamente baixa de auto‐estima, mau rendimento escolar e
até conflitos com os pais. Frequentemente, estas situações tendem a arrastar‐se por a
criança, com vergonha, negar e não aceitar que tem este problema.
Nesta situação é necessário retirar as fezes duras que estão no recto. Esta fase
pode demorar alguns dias e em geral só é possível com a ajuda de clisteres. Depois de
esvaziado o recto e toda a parte terminal do intestino é necessário evitar que a
situação se repita, assegurando a ida diária à casa de banho. Normalmente é
necessário medicar com laxantes orais, que tornarão as fezes moles e evitarão que a
defecção seja dolorosa. Esta terapêutica deve durar meses até que se tenha
estabelecido uma rotina diária.
Quanto à dieta, recomenda‐se que seja rica em fibras, ou seja, sopa de legumes
todos os dias e saladas. Também é importante que beba muita água para que as fezes
sejam mais moles.
Novembro de 2007
PERTURBAÇÕES DO SONO
Uma boa noite de sono…
Um sono tranquilo, repousante, que cumpra as funções de recuperação de
energia e permita o bem‐estar físico e mental para enfrentar as actividades do
quotidiano é uma necessidade e o desejo de muitas crianças, adolescentes e pais.
As necessidades de sono são variáveis e diminuem com a idade; enquanto os
bebés precisam de 16 a 18 horas de sono, para a maioria dos adultos 7 a 8 horas é
suficiente para um bom desempenho das tarefas diárias. Os adolescentes, ao contrário
do que muitas vezes afirmam, funcionarão melhor com 9 a 10 horas de sono por dia.
Quando o sono não cumpre a sua função…
As perturbações do sono afectam‐nos de forma significativa tanto ao nível físico
como ao nível psicológico, intelectual (no aproveitamento das capacidades cognitivas),
nas manifestações comportamentais e na estabilidade emocional. E se isto é
preocupante no adulto, mais o é em crianças e adolescentes. Curiosamente, as suas
consequências nem sempre são atribuídas à patologia do sono mas a outros
problemas, o que leva a que muitas vezes estas complicações não sejam
diagnosticadas nem tratadas, prolongando‐se no tempo sem que as pessoas tenham
consciência da sua real causa.
As dificuldades relativas ao sono podem estar associadas a outras perturbações
do desenvolvimento infantil, como por exemplo a hiperactividade e dificuldade em
focar e manter a atenção, perturbações no comportamento, fraco rendimento escolar,
perturbações do espectro do autismo, entre outras.
Que perturbações do sono existem?
Novembro de 2007
Há um grande número de perturbações associadas ao sono mas, de acordo com a
Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono, podemos subdividi‐las em quatro
grupos gerais:
• Dissónias: resultam em insónia ou sonolência excessiva e estão associadas a
perturbações do sono nocturno ou da vigília (ex: insónia psicofisiológica, narcolepsia,
síndrome da apneia obstrutiva do sono, higiene do sono pouco adequada…)
• Parassónias: fenómenos indesejáveis que ocorrem sobretudo durante o sono
(pesadelos, terrores nocturnos, sonambulismo, sonilóquio, enurese nocturna,
síndrome de morte súbita infantil…)
• Perturbações associadas a doenças médicas, neurológicas ou psiquiátricas
(epilepsia, cefaleias e asma nocturnas, distúrbios devidos a ansiedade ou pânico, entre
tantas outras).
• Prováveis perturbações do sono (situações clínicas por categorizar).
A criança dorme mesmo bem?
Para além dos fenómenos que acontecem ao longo da noite e que são mais ou
menos percebidos, poderão haver outros factores que estejam a impedir que a criança
beneficie das horas de sono necessárias para a sua idade.
A menos que estejam habituadas desde tenra idade, as crianças fazem
frequentemente birras para atrasar o ir para a cama. Os motivos são os mais variados:
querem ver televisão, brincar ou não querem dormir sozinhas por medo do escuro, dos
ladrões ou dos monstros dos seus pesadelos. Certo é que, entre gritos e discussões
que desgastam e que acabam por se constituir em fontes diárias de confronto, as
crianças acabam por deitar‐se cada vez mais tarde. Isto é igualmente verdade para os
adolescentes que, entre a televisão, a playstation e a internet atrasam cada vez mais a
sua hora de adormecer, mesmo com a consciência dos horários matutinos. Assim
sendo acabam por não beneficiar de um sono eficaz, quer em quantidade, quer em
qualidade. Não obstante, haverá mais cedo ou mais tarde um momento em que todos
se deitam e a casa entra no silêncio desejado, mas isto não significa que todos estejam
a dormir. É mesmo natural que o adolescente tenha dificuldades em adormecer devido
a ansiedades próprias da sua etapa desenvolvimentista ou a problemas que sente no
quotidiano. Quando os acordares nocturnos envolvem o choro dos filhos, por
pesadelos ou terrores nocturnos, ou o deambular pela casa nos casos de
sonambulismo, todos entram em estado de alerta e o sono de toda a família fica
comprometido. Desta forma, as perturbações do sono acabam por desregular os
padrões de sono‐vigília de todo o agregado familiar, com consequências significativas
nos ambientes escolares e laborais e com prejuízo das relações interpessoais e
familiares.
O que fazer?
Após avaliar todos os factores predisponentes e de manutenção do problema,
bem como o impacto deste no desenvolvimento e na qualidade de vida da
criança/adolescente e agregado familiar. Esta intervenção pode incidir em vários
domínios, nomeadamente: esclarecimentos sobre a perturbação propriamente dita;
estruturação de rotinas relacionadas com a vigília e, em maior detalhe, com o
momento do deitar; estruturação de hábitos alimentares; elaboração de
problemáticas emocionais subjacentes; desenvolver formas adequadas para lidar com
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o problema (estilos de coping, relaxamento); e ajudar os professores a lidar com
crianças que apresentem alguns dos sinais acima mencionados na sala de aula.
Através de um acompanhamento cuidado e multidisciplinar, espera‐se não só a
resolução possível do problema, como a diminuição da frequência e intensidade da
sintomatologia associada e, principalmente, a coesão e reestruturação individual e
familiar subjacente a noites de sono tranquilo.
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
São alunos que apresentam discrepância entre o seu potencial estimado de
aprendizagem e as suas realizações, têm uma inteligência normal, mas fracassam na
vida académica. São crianças que se revelam distraídas, muito activas, esquecidas e
tagarelas.
Estas crianças também podem apresentar diferentes tipos de problemas ao nível
da leitura, da escrita e da matemática.
Não devemos tratar as Dificuldades de Aprendizagem (DA) como se fossem
problemas insolúveis mas, antes disso, como desafios que fazem parte do próprio
processo da Aprendizagem, a qual pode ser normal ou não‐normal. Também parece
ser consensual a necessidade imperiosa de se identificar e prevenir precocemente as
DA, de preferência ainda na pré‐escola.
É muito importante a avaliação global da criança ou adolescente, considerando as
diversas possibilidades de alterações que resultam das DA, para que o tratamento seja
o mais específico e objectivo possível.
Também existem diferentes problemáticas que podem estar associadas:
9 Dislexia – Não têm dificuldade em compreender e utilizar a linguagem. O
seu problema centra‐se na codificação fonológica (fonética verbal) que os
faz fracassar na soletração, leitura e/ou escrita ‐ isto é quando têm de
transformar letras ou palavras num código verbal.
9 Disgrafia ‐ disfuncionalidade da escrita: irregularidade no tamanho, forma,
inclinação, traçado, espaçamento e ligações entre letras.
9 Disortografia – perturbação específica da escrita que altera a transmissão
do código linguístico ao nível dos fonemas, dos grafemas, da associação
correcta entre estes e regras de ortografia.
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9 Discalculia – dificuldades na simbolização dos números e na habilidade de
calcular. Vão desde a incapacidade de reconhecer um número, dificuldade
para efectuar operações aritméticas, dificuldades em compreender o
mecanismo da numeração, reter vocabulário matemático, realizar cálculos
mentais, realizar as operações básicas e ordenar e sequencializar números.
Primeiramente devemos questionar se, de facto, a criança apresenta DA ou se o
seu rendimento não satisfaz as expectativas do professor (da escola). Um
desenvolvimento incomum nem sempre denuncia alguma patologia (a gravidez de
gémeos é anormal estatisticamente e normal medicamente), podendo reflectir
dificuldades pessoais eminentemente circunstanciais.
Na realidade, temos visto que a família só é mobilizada
a procurar ajuda especializada para suas crianças quando
fica evidente ou ameaçado o rendimento escolar e a
aprendizagem. Infelizmente, na maioria das vezes esta
ajuda é procurada incorrectamente na medida em que a
família se sente ameaçada por algum estigma cultural.
As dificuldades escolares podem ocorrer em 4 situações:
1. Quando há severo prejuízo do interesse da criança;
2. Quando a performance global da criança está prejudicada;
3. Quando há prejuízo da atenção;
4. Quando há prejuízo na cognição, que se subdivide em:
a. ‐ Prejuízo na apreensão de informações;
b. ‐ Prejuízo no processamento das informações
1 ‐ Quando há severo prejuízo do interesse
sintomas mais expressivo pode ser o desinteresse. Para entendê‐lo, o primeiro passo é
estudar os sintomas básicos da depressão.
2 ‐ Quando a performance global da criança está prejudicada
Esses casos de DA são decorrentes de factores que comprometem o rendimento
mental como um todo. Aqui não está em destaque o interesse do aluno na escola mas,
sobretudo, uma incapacidade de trabalhar mentalmente as informações. Neste ponto,
embora em menor intensidade, também a Depressão Infantil pode ocasionar sintomas
de baixo rendimento psíquico global, entretanto, são as Deficiências Mentais as
patologias que mais ocasionam prejuízo do rendimento mental de maneira mais
contundente.
Na Depressão Infantil ou do Adolescente, o sintoma básico responsável pelo
prejuízo do interesse chama‐se Inibição (Psíquica) Global. Trata‐se de uma espécie de
lentificação dos processos psíquicos na sua globalidade, como se fosse uma dormência
generalizada de toda a actividade mental. Em graus variáveis, esta inibição geral torna
o indivíduo apático, desinteressado, lento, desmotivado, com dificuldade em suportar
tarefas elementares do quotidiano e com grande perda da capacidade de raciocínio e
de tomar iniciativas.
Em relação à Deficiência Mental, segundo a classificação da OMS ‐ (Organização
Mundial da Saúde), a gravidade do quadro seria classificada em 4 níveis: profundo,
grave, moderado e leve.
Não são os três níveis mais graves de Deficiência Mental a preocupar o
diagnóstico causal das DA. Esses pacientes mostram claramente o grau de
comprometimento intelectual que apresentam. O problema está na Deficiência Mental
Leve, às vezes limítrofe entre o normal e o sub‐normal. Nestes casos o aluno
desenvolve‐se sofregamente durante um certo tempo, mas, a partir de um
determinado nível de exigência mental começam a apresentar dificuldades.
3 ‐ Quando há prejuízo da atenção
Evidentemente a Perturbação de Hiperactividade e de Défice de Atenção (PHDA) é
a principal situação psiconeurológica que compromete a atenção da criança ou
adolescente. Os portadores de PHDA são frequentemente rotulados de
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"problemáticos", "desmotivados", "malcriados", "indisciplinados", "irresponsáveis" ou,
até mesmo e, erradamente, "pouco inteligentes".
Pode haver frequentes mudanças de uma tarefa para outra, elas podem iniciar
uma tarefa, passar para outra, depois voltar a atenção para outra antes de
completarem qualquer uma de suas incumbências. Estas crianças frequentemente não
respondem a solicitações ou instruções e não conseguem completar os trabalhos
escolares, tarefas domésticas ou outros deveres.
A Ansiedade Patológica na Infância e Adolescência também
interfere negativamente na atenção das crianças (Fobia Escolar,
Ansiedade de Separação). Estas crianças podem apresentar
grande relutância ou recusa a irem à escola e, uma vez lá, ficam
tão ansiosas que não conseguem prestar a atenção necessária.
4 ‐ Quando há prejuízo na cognição
4.1 ‐ Na apreensão da informação
Qualquer alteração neuropsiquiátrica, funcional ou orgânica, suficiente para
comprometer o sistema sensorial, seja a nível periférico, como por exemplo, a surdez e
a cegueira, seja a nível central, como as lesões cerebrais, interfere sobremaneira na
apreensão dos estímulos. Evidentemente, se a pessoa não consegue ouvir ou ver, a sua
aprendizagem estará seriamente comprometida.
4.2 ‐ No processamento da informação
A síntese das sensações que vêm do exterior sob a forma de estímulos, de forma a
constituir percepções conscientes do que acontece fora da pessoa, dá‐se nas zonas
corticais do Sistema Nervoso Central (SNC). A anestesia, surdez ou cegueira podem
resultar da lesão de um órgão sensorial periférico, do nervo que leva estas
informações até o cérebro (nervos aferentes) ou de uma zona cortical do SNC, onde se
projectam essas sensações. Em qualquer das circunstâncias está seriamente
prejudicada a apreensão da informação.
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PERTURBAÇÃO OBSESSIVO‐COMPULSIVO INFANTIL
As “manias”, alguns tiques e pensamentos que não saem da cabeça podem fazer
parte do quadro de Perturbação Obsessivo Compulsivo (POC) e, embora este quadro
tenha geralmente início na adolescência ou começo na idade adulta, ele pode aparecer
na infância de forma tão comum como nos adultos. A idade de início costuma ser um
pouco mais precoce nos homens mas, de qualquer forma, cerca de 33 a 50% dos
pacientes com POC referem que o início do transtorno foi na infância ou adolescência.
As características principais do POC são obsessões ou compulsões recorrentes e
suficientemente graves para consumirem tempo ou causar sofrimento acentuado à
pessoa.
Com frequência o início da perturbação é gradual, mas em alguns casos pode ser
agudo e a média de idade para o seu aparecimento é dos 6 aos 11 anos. A maioria dos
indivíduos tem um curso crónico de vaivém dos sintomas, com exacerbações
possivelmente relacionadas com a ansiedade, depressão e stress.
O conteúdo das obsessões é muito variado, independente da
cultura, as ideias podem aparecer sob formas de pensamentos,
frases, imagens ou impulsos. A criança, em geral, tenta resistir e
livrar‐se da ideia obsessiva e quando tem sucesso, obtém alívio
apenas temporariamente. Mas, de modo geral, a ideia obsessiva é
sempre um pensamento ou ideia permanente na cabeça, mesmo contra a vontade do
indivíduo e o grande esforço mental despendido ao tentar controlar os pensamentos
pode ser exaustivo, e normalmente não é notado pelas outras pessoas.
Pode haver um medo patológico de perder o controlo e realizar algum acto
inadequado socialmente; envergonhar pessoas, engasgar‐se, entornar comida, etc.
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Estes medos acabam por fazer a criança retrair‐se socialmente.
As ideias obsessivas de sujidade e contaminação, normalmente andam à volta de
pó, suor, urina, pêlos, sangue, germes, doenças, toxinas, etc. A criança pode ter ideias
obsessivas quanto à sua própria auto‐estima, achando‐se suja, prostituta (rapariga),
homossexual (rapazes), pecadora entre outros. Podem existir temas impessoais como,
por exemplo, fazer contas, problemas matemáticos, figuras geométricas, solução de
quebra‐cabeças e enigmas, cadeados, fechaduras, joguinhos e outros dispositivos de
segurança, ordenação dos mais variados objectos, determinadas palavras e números.
De modo geral, é bom ter em mente que estas ideias são as mais variadas possíveis,
chegando ao limite do bizarro.
A compulsão é um comportamento sistemático, repetitivo e intencional
executado numa ordem pré‐estabelecida. A acção em geral não tem um fim próprio e
procura prevenir a ocorrência de um determinado evento ou situação com conotação
ameaçadora para o sujeito. Por exemplo: “se eu não bater na madeira 3 vezes, alguém
de minha família terá cancro”... “se eu não tocar no objecto que vou levantar 2 vezes
antes de pagar, ele pode cair no chão e partir‐se”... “se eu não rezar 2 vezes esta
oração, o diabo leva‐me”.
As atitudes compulsivas das crianças podem ser mal compreendidas pelos pais, os
quais tentam corrigir com advertências, castigos ou agressões. É difícil também,
algumas vezes, distinguir um tique de um comportamento compulsivo, será
aconselhado sempre fazer o despiste de POC. O acto compulsivo é precedido por uma
sensação de urgência, seguida de alívio temporário da ansiedade após a realização do
mesmo. A pessoa tem consciência que tais actos são irracionais e não confere prazer
na sua execução, apesar do ritual diminuir sua ansiedade.
Nas crianças é comum a dificuldade em relatar e descrever os sintomas,
principalmente solicitar ajuda, o que dificulta o diagnóstico e o
início do tratamento.
As mais comuns são as compulsões de limpeza e
descontaminação, como por exemplo, lavar repetidamente
as mãos, roupas, objectos pessoais, limpar, lavar ou esterilizar objectos (roupas,
sapatos, cadeiras, toalhas) que tenham sido “contaminados” de alguma forma. Isso dá‐
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se através de lavagem das mãos, esterilização com álcool, banhos prolongados, rituais
de limpeza determinados, uso abundante desinfectantes. A compulsão de verificação
diz respeito à necessidade imperiosa e involuntária de conferir ou examinar
repetidamente, para estar seguro, determinados actos ou circunstâncias. Por exemplo,
voltar inúmeras vezes para verificar se a porta está fechada, o gás desligado, a luz
apagada, a janela fechada, a gaveta fechada, etc. Os rituais de verificação são
preventivos, procurando assegurar que nenhuma catástrofe irá acontecer. A
compulsão de repetir ou tocar, é muito comum também, uma vez que a própria
característica das compulsões é a repetição. Acender e apagar a luz muitas vezes para
aliviar a ansiedade da dúvida de ter deixado acesa, beijar inúmeras vezes uma imagem
ou objecto sagrado para aliviar a ansiedade de que pode acontecer alguma coisa de
mal, etc. Com frequência, a repetição implica um número definido de vezes. Assim
uma pessoa pode lavar as mãos 13 vezes, ou repetir uma oração 18 vezes. Os rituais
compulsivos implicam repetir de maneira precisa, seguindo regras arbitrárias e
mágicas, praticamente litúrgicas. Compulsão de simetria e ordem “obriga” o individuo
a colocar objectos numa ordem e simetria pré‐determinadas, como por exemplo,
arrumar as camisas pela cor, simetricamente ou uma gaveta obsessivamente
organizada, ou os objectos sobre a mesa de modo pré‐estabelecido.
Quando se desconfia de POC os pais (educadores) devem tentar identificar nas
crianças a existência de lesões cutâneas devido à lavagem excessiva das mãos, gasto
excessivo de sabão e papel, trejeitos e tiques, tempo excessivo para a realização das
tarefas (de casa e da escola), buracos nos cadernos ocasionados por apagar
seguidamente, solicitação para familiares responderem à mesma pergunta, medo
persistente e absurdo de doenças, aumento excessivo na quantidade de roupas para
lavar, tempo excessivo para fazer a cama, medo persistente e absurdo de que algo
terrível aconteça a alguém.
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AGRESSIVIDADE E DESOBEDIÊNCIA
A desobediência e o comportamento agressivo na infância, são duas das principais
queixas dos pais e educadores, aparecem com frequência juntos na clínica infantil.
Entende‐se por desobediência quando a criança se recusa a realizar aquilo que se
pede, aquilo que se diz para não fazer ou deixar de fazer algo transgredindo uma regra
estabelecida.
Trata‐se de um problema com grande prevalência na infância, no entanto é
necessário ter em conta que são comportamentos que tendem a desaparecer com a
idade, pelo que são importantes aspectos como a frequência, duração e intensidade,
assim como o grau de deterioração familiar e social para estabelecer a difícil linha
entre o normal e o patológico. Quando o comportamento de desobediência é
extremamente grave recebe o nome de Perturbação de Oposição, quando essa
gravidade é comportamental recebe o nome de Perturbação de Comportamento
(Conduta/Deliquência).
O comportamento agressivo caracteriza‐se por comportamentos específicos tais
como um comportamento destrutivo,
combativo, crueldade, irritabilidade, desafio
à autoridade, irresponsabilidade,
necessidade de chamar à atenção, baixos
níveis de sentimento de culpa. Este
comportamento é frequente na infância e
começa a diminuir por volta dos 4 ou 5 anos, embora em algumas crianças possa
manter‐se durante mais tempo. Alguns autores afirmam que um comportamento
demasiado agressivo na infância pode ser um claro sinal de um intenso
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comportamento agressivo na idade adulta.
PERTURBAÇÃO DO COMPORTAMENTO
Dentro da psiquiatria da infância e da adolescência, um dos quadros mais
problemáticos tem sido o chamado Perturbação de Comportamento (PC), o qual se
caracteriza por um padrão repetitivo e persistente de conduta anti‐social, agressiva ou
desafiadora, por um período mínimo de seis meses.
Para ser considerado uma PC, este tipo de comportamento problemático deve
alcançar violações importantes, além das expectativas apropriadas à idade da pessoa
e, portanto, de natureza mais grave que as partidas ou a rebeldia normal de um
adolescente. Este tipo comportamento delinquente parece preocupar muito mais os
outros do que a própria criança ou adolescente que sofre da perturbação.
O indivíduo não tem em consideração os sentimentos, direitos e bem‐estar dos
outros, faltando um sentimento apropriado de culpa e remorso que caracteriza as
"boas pessoas". Normalmente há uma demonstração de comportamento insensível,
podendo acusar os colegas e tentar culpar qualquer outra pessoa ou circunstâncias por
eventuais más acções. A baixa tolerância a frustrações das pessoas com PC favorece as
crises de irritabilidade, explosões temperamentais e agressividade exagerada.
Entende‐se por "baixa tolerância a frustrações" uma incapacidade em tolerar
dificuldades existenciais comuns a todas as pessoas que vivem em sociedade, uma
falta de capacidade em lidar com os problemas do quotidiano ou com as situações
onde as coisas não acontecem do modo esperado.
Estas crianças ou adolescentes costumam apresentar precocemente um
comportamento violento, reagindo agressivamente a tudo e a todos, supervalorizando
o seu exclusivo prazer, ainda que em detrimento do bem‐estar alheio.
Elas podem também exibir um comportamento de provocação, ameaça ou
intimidação, podem iniciar lutas corporais frequentemente, inclusive com eventual uso
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de armas ou objectos capazes de provocar dano físico, como por exemplo, tacos e
bastões, tijolos, garrafas, facas ou arma de fogo.
Outra característica é a crueldade com outras pessoas e/ou com animais.
As perturbações do comportamento acabam por causar graves prejuízos no
funcionamento social, escolar ou ocupacional, favorecendo uma espécie de círculo
vicioso: perturbação de conduta, prejuízo sócio‐ocupacional, repressões sociais,
rebeldia, mais perturbação de conduta. O PC é um diagnóstico especialmente infantil
ou da adolescência pois, depois dos 18 anos, persistindo os sintomas básicos
(contravenção), o diagnóstico deve ser alterado para Perturbação da Personalidade
Anti‐Social.
Não se sabe ainda uma causa única para o PC. Uma multiplicidade de diferentes
tipos de stressores sociais e a vulnerabilidade de personalidade parece associado com
estes comportamentos anti‐sociais. Durante muitos anos, as teorias sobre
comportamentos eram de natureza sociológica. Certamente influencia no
desenvolvimento de uma PC as atitudes e comportamentos familiares, assim como a
exclusão sócio‐económica, a inversão dos valores, a desestrutura familiar e um
número de ocorrências sociais, políticas e económicas referidas por investigadores das
mais variadas áreas.
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EFEITO DE VIVÊNCIAS TRAUMÁTICAS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
Tem havido solicitação crescente aos profissionais da saúde mental o estudo,
conduta e intervenção nas necessidades de crianças e adolescentes expostos a eventos
traumáticos individualmente ou em grupo. Alguns estudos revelam que crianças e
adolescentes têm alto risco de desenvolver diferentes problemas comportamentais,
psicológicos e neurobiológicos como consequência de vivências traumáticas ou
experiências de vida stressantes.
Cada vez mais se analisam as variedades de eventos traumáticos precoces ou em
tenra idade e sua verdadeira importância no desenvolvimento de quadros conhecidos
como Perturbação de Stress Pós‐Traumático, Perturbação de Ansiedade, Depressivos
ou mesmo nos sintomas de luto traumático das crianças. Apesar da dedicação de
muitos investigadores, ainda faltam estudos bem desenhados e cientificamente
expressivos para análise dos sintomas, quadro clínico, consequência e tratamento da
Perturbação de Stress Pós‐Traumático em crianças e adolescentes.
O que se observa na clínica diária, é que algumas crianças e adolescentes vítimas
de traumas adaptam‐se e recuperam de maneira surpreendente, apesar da
experiência pela qual passaram ou que testemunharam. Portanto, constata‐se através
da revisão de pesquisas sobre o tema, existir uma grande variedade de respostas aos
eventos traumáticos em crianças e adolescentes e, assim, fica cada vez mais difícil
atribuir as consequências e emoções posteriores a uma
causalidade vivencial precoce.
A pergunta que se faz é se existiriam, e quais
seriam, os factores protectores individuais, fazendo
com que algumas pessoas pareçam menos vulneráveis
que outras em relação às vivencias traumáticas.
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Discute‐se se existe uma personalidade mais imune às vivências traumáticas ou,
por outro lado, se o apoio social e familiar seria o factor decisivo para estas crianças
recuperarem, impedindo assim uma consequência mais patológica do trauma.
Num estudo com 109 adolescentes que sofreram abuso sexual, incluindo toques
sexuais, beijos, carícias nas mamas ou nos genitais, tentativas de penetração e
penetração por alguém da família ou de fora dela, 50% tiveram diagnóstico de
Perturbação de Stress Pós‐Traumático, aproximadamente 33% foram assintomáticas e
o restante teve outros problemas não significativos do ponto de vista sintomático (Bal,
2004). Ora, ao contrário do que poderíamos pensar, não é a expressiva e maciça
maioria das crianças submetidas a traumas que desenvolve transtornos emocionais
significativos.
Isto leva‐nos a crer que existem outros factores e variáveis que influenciam nas
respostas emocionais aos traumas, como por exemplo, características da
personalidade, sensibilidade afectiva e emocional individual, a estrutura de apoio
familiar e social e, obviamente, a própria natureza do trauma.
O maior volume de pesquisas sobre o impacto psicológico dos traumas em
crianças e adolescentes, entretanto, concentra‐se nos abusos, maus‐tratos e violência
doméstica em geral. Com diferentes graus de adaptação e recuperação, crianças que
sofreram abuso e maus‐tratos correm maior risco de desenvolverem os seguintes
quadros: Perturbação de Stress Pós‐Traumático, Alexitimia, Perturbação de humor,
Abuso de drogas, Problemas de Comportamento Sexual, Dissociação Psicológica e
Somatizações.
É grande o número de pesquisas sobre efeitos de experiências traumáticas em
crianças e adolescentes, porém, da mesma forma que algumas pesquisas apontam o
desenvolvimento de transtornos emocionais depois dessas experiências outras
pesquisas falam em não consequências ou até em consequências positivas, como é o
caso do chamado “crescimento pós‐traumático”.
De qualquer forma, um facto relevante é que nem todas as crianças e
adolescentes submetidos a experiências traumáticas desenvolvem graves
consequências.
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Também têm sido feitas pesquisas no que concerne a alterações orgânicas
provocadas pelas experiências traumáticas. Além destas eventuais alterações
endócrinas, também se tem relacionado as experiências traumáticas e stress a
alterações funcionais e/ou anatómicas do Sistema Nervoso Central.
De maior relevância são as variáveis pessoais e culturais que influenciam nas
respostas às experiências traumáticas. As variáveis pessoais dizem respeito à
constituição da própria personalidade e a ocorrência de transtornos emocionais
prévios e predisposições para os mesmos. Esta hipótese acaba por atribuir à pessoa
uma importância maior que à vivência, pelo menos na maioria dos casos. Não se
consegue provar que indivíduos são sociopatas devido a experiências traumáticas
sofridas precocemente, por exemplo. Nem que as crianças são hiperactivas por
carência afectiva. Tudo isto parece mais relacionado com o DNA do que com o destino.
Existem experiências fortemente traumáticas capazes de mobilizar grande
número de pessoas, como é o caso de catástrofes naturais e situações produzidas pelo
ser humano, como as guerras, terrorismo e violência de grandes proporções. Estas
experiências, sem dúvida, podem produzir mazelas emocionais significativas em
grande número de crianças, adolescentes e adultos. Mesmo assim, estas
consequências não aparecerão em 100%.
Já as consequências das experiências traumáticas particularmente vividas, como
perdas pessoais ou separações conjugais deverão ser melhor investigadas, uma vez
que as variáveis são muitas, assim como são muitas as maneiras das pessoas reagirem
a elas. Inclusive, parece que em determinadas circunstâncias as crianças reagem
melhor que os adultos.
Novembro de 2007
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Novembro de 2007