GLOBALIZAÇÃO, NEOLIBERALISMO E PENSAMENTO ECONÔMICO CONTEMPORÂNEO
Prof. Dr. Tulio Sene
“O caminho da servidão” (1944), de Friedrich Hayek, é geralmente considerado o texto
de origem do neoliberalismo e a Sociedade de Monte Pelerin sua organização central. O objetivo principal do livro e da organização era combater o keynesianismo e estabelecer as bases para um novo tipo de capitalismo livre. Hayek afirmava que a Inglaterra estaria renegando suas próprias origens liberais e se aproximando demasiadamente do caminho que havia, poucos anos antes, conduzido a Alemanha ao nazismo. No entanto, as idéias de Hayek e dos membros da Sociedade de Mont Pelerin ficariam ofuscadas pelo keynesianismo do pós- guerra e somente começariam a ganhar espaço à medida que a recuperação das economias européias evidenciava os limites à expansão da economia americana sob o sistema de regulação econômica internacional. Sua grande oportunidade surgiria a partir do rompimento unilateral do Acordo de Breton Woods por parte dos Estados Unidos. Sob o argumento principal de combater a assustadora inflação da década de 1970, os governos de Ronald Reagan e Margareth Thatcher representariam as primeiras tentativas de se por em prática um governo de fato baseado em um programa neoliberal. Contenção de gastos, maior controle sobre a emissão monetária, maiores juros, liberalização financeira e privatizações foram algumas das medidas características desses novos governos neoliberais. Embora essas medidas tenham conseguido acalmar a inflação nos países desenvolvidos criando uma sensação de realinhamento do capitalismo mundial, elas acabaram gerando um efeito negativo sobre a taxa de crescimento dessas economias. Durante os anos 80 houve uma verdadeira explosão nas transações financeiras que acabou deprimindo o comércio internacional de mercadorias reais. O crescimento produtivo estancou em conseqüência da crescente liberalização financeira que criou um mercado unificado de dinheiro e ativos financeiros em escala global sob o comando do sistema financeiro americano, que inaugurava um novo padrão monetário baseado apenas sobre o dólar. Esse mercado de crédito e capitais em escala global cumpria o objetivo de apropriação de riqueza sem necessariamente ter que passar pela ampliação da produção e por isso atraía grande parte dos investimentos.
Os defensores do neoliberalismo acreditavam que as economias mais bem sucedidas
eram aquelas que tendiam à maior abertura financeira e comercial com o menor grau de interferência possível do estado. Desta forma, o conceito de globalização passou a ser difundido por todo o mundo como um caminho comum que conduziria ao sucesso todas as nações que estivessem unidas em prol da queda de barreiras nacionais. O fim da Guerra Fria e a vitória do capitalismo americano soariam como a confirmação desses preceitos. Todavia, a globalização se mostrou um movimento contraditório por natureza, pois quanto mais ele se desenvolvia mais ele necessitava da intervenção do estado para amenizar os efeitos destrutivos do capital sobre os menos favorecidos, ou “perdedores” do sistema capitalista. Um dos grandes dilemas enfrentado pela globalização é justamente a ausência de instituições com poderes efetivos em nível global, que gera uma verdadeira tensão entre a natureza internacional da maioria dos mercados e a natureza nacional das instituições que os sustentam. Fazendo uma análise retrospectiva do período, algo importante de se observar são os efeitos díspares gerados pela adoção do modelo neoliberal em países fora da região da OCDE, especialmente em uma comparação entre os países asiáticos e latino-americanos. Neste contexto, os países da América Latina que seguiram à risca a cartilha neoliberal e os conselhos do Consenso de Washington acabaram experimentando taxas significativamente menores de crescimento do que países asiáticos que optaram por uma adoção seletiva de tais orientações. Países como Brasil, Argentina e México, por exemplo, fizeram mais liberalizações, desregulações e privatizações no curso de alguns poucos anos do que alguns países asiáticos fizeram nas últimas quatro décadas. Talvez este seja um dos principais motivos da crise do neoliberalismo a partir da virada para o século 21. Se os países latino-americanos, que adotaram quase que cegamente as receitas neoliberais, estivessem hoje no auge, e China e Índia estivessem com suas economias estagnadas, o pensamento econômico neoliberal estaria se comprovando a partir de experiências práticas. A principal divisão que existe no pensamento econômico contemporâneo pode ser ilustrada através de um ponto específico que trata da origem das transformações estruturais. Sob este perspectiva, considerando o papel e as implicações da estrutura produtiva para o crescimento, podemos afirmar que existem, grosso modo, duas orientações teóricas principais sob as quais se dividem as principais teorias econômicas. A visão mais convencional (ortodoxa) tende a acreditar que a mudança estrutural nos padrões de produção, expressa numericamente em termos das variações nas contribuições dos setores para o PIB, é apenas um efeito paralelo do crescimento. Ou seja, à medida que a economia se expande e os mercados se ampliam, novas demandas exigem novos processos produtivos que acabam atraindo mais capital e trabalho. A mudança estrutural seria apenas um ajuste da economia a essas demandas e, portanto, mais liberdade para os mercados geraria maior evolução para as estruturas econômicas. Em geral essas teorias, pautadas sobre o princípio das vantagens comparativas, não acreditam que um setor específico da economia (o industrial, por exemplo) precise ser mais estimulado do que outro em países em desenvolvimento. A visão alternativa (heterodoxa) acredita que estes padrões de mudança estrutural não são simples produtos do crescimento, mas sim seus motores iniciais, especialmente nas economias em desenvolvimento. Esse pensamento acredita na necessidade de intervenção política sobre a estrutura econômica, pois a escolha consciente das políticas que conduzem a transformação do sistema é essencial para uma expansão da economia no longo prazo. Os economistas da tradição estruturalista, largamente difundida na América Latina, compartilham dessa visão, que em geral é ignorada por grande parte das teorias econômicas contemporâneas. Sob esta perspectiva, a atuação do estado seria essencial. Hoje, muito embora poucos analistas defendam o retorno a antigas práticas de intervencionismo do estado, mesmo admitindo sua parcela de sucesso no passado, um número crescente deles tem deixado de acreditar que liberalização, desregulação e privatização por si só sejam as chaves para o crescimento. Após o fracasso das políticas neoliberais na tentativa de induzir o rápido crescimento nos países em desenvolvimento, uma nova espécie de consenso tem se desenvolvido em torno de se reconhecer cada vez mais a importância do papel do estado. Os efeitos adversos das políticas macroeconômicas pró- cíclicas têm sido reconhecidos ao mesmo tempo em que o termo “contra-cíclico” tem ganhado força, apesar de ser praticamente ignorado na literatura dominante. A obsessão pelos direitos de propriedade tem feito a análise dominante se tornar unidimensional e incapaz de entender o vínculo positivo entre intervenção estatal e sucesso de mercado.