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CAPÍTULO 1 - QUAL É A
CONTRIBUIÇÃO DA METODOLOGIA
CIENTÍFICA PARA A CRIAÇÃO DO
CONHECIMENTO?
Antonio Marcos Feliciano/Ana Celeste da Cruz David
INICIAR
Introdução
Houve um período da história humana em que o conhecimento religioso era
utilizado para explicar tudo o que acontecia na sociedade. Assim, aqueles que
apresentavam conhecimentos novos, contestando os religiosos, sofriam severas
punições, incluindo a pena de morte. Por isso, por um bom tempo, a sociedade
acreditou que a Terra não era redonda e que o horizonte era um grande abismo.
Hoje em dia, as crianças aprendem nos primeiros anos escolares que a Terra é, de
fato, redonda, que gira em torno do sol e que precisa ser preservada, pois é o
ambiente de vida da espécie humana e de tantos outros seres vivos. Isso se deu
graças aos esforços de inúmeros estudiosos, em que, aos poucos, os
conhecimentos de senso comum, fortemente fundamentados pelos
conhecimentos religiosos, foram desmistificados. Dessa forma, a ciência tomou as
rédeas do processo de criação do conhecimento, tendo como sua principal fonte a
Terra em todos os seus eventos, sejam sociais, naturais, biológicos e econômicos,
que foram gradativamente sistematizados e amparados por modelos
metodológicos.
Contudo, há conhecimento fora da ciência?
Essa pergunta possui uma resposta afirmativa, sendo que a própria ciência
reconhece outros tipos de conhecimentos. No entanto, não devemos pensar esse
reconhecimento como sinônimo de conhecimento científico. Afinal, o
conhecimento científico, no sentido moderno do termo, surge no século XIX, e
como bem afirma Burke (2016, p. 17), “[...] aplicar o termo a atividade de busca do
conhecimento em períodos anteriores a esse propicia o que há de mais odioso
para um historiador, o anacronismo”, ou seja, é inadequado a aplicação do termo
em um período histórico antecedente à sua formulação.
O conhecimento, então, é científico quando sua criação ocorre por meio da
aplicação de métodos científicos. Mas quais são os diferentes tipos de
conhecimento? De que forma se organiza o método científico?
Essas e outras perguntas serão respondidas ao longo deste primeiro capítulo, em
que veremos que há diferenças entre o conhecimento popular e o conhecimento
científico, assim como também entenderemos que existem tipos de
conhecimentos diferentes. Ainda observaremos que o conhecimento científico é
criado a partir da existência de um problema, cabendo à metodologia científica e
seu cabedal de instrumentos sistematizar dados e informações, tornando-o, de
fato, um conhecimento científico, provável e apresentado sob uma lógica do que o
torna compreensível pelas pessoas.
Vamos em frente!
Assim, vimos até aqui o que é considerado conhecimento e o quanto isso pode
variar com relação à local, época e grupo social a ser estudado. Por exemplo, em
sociedades ocidentais modernas, o conhecimento das parteiras, antes valorizado
em suas práticas sociais tradicionais, passou por um período obscuro, fato que
vem sendo revisado e retomado em suas origens e valorização. Dessa forma,
entendemos que o conhecimento científico em movimento dinâmico vai
continuamente estabelecendo rupturas na forma de conhecer, construir
tecnologias, elaborar métodos e se relacionar com outros tipos de conhecimento.
Dessa forma, definir a ciência consiste em uma tarefa complexa, pois, já que a
sociedade é mutável, muitos de seus conceitos são efêmeros ou imprecisos. Demo
(1995) reconhece que na ciência nada é mais controverso do que sua definição.
Diante disso, o autor estabelece critérios possíveis para a condição definidora do
que se pode chamar de ciência: a coerência entre argumentação, o corpo
sistemático bem conduzido até suas conclusões congruentes entre si e entre as
premissas iniciais, a consistência argumentativa e sua atualidade, a originalidade
criativa e a objetivação como busca incessante da realidade (ainda que parcial e
provisória). Esses fatores, individualmente, mostram a complexidade de definição
do tema, e, quando se reúnem em um mesmo estudo, possuem o poder de
comprometer completamente qualquer pesquisa.
Apesar de apresentar os fatores limitantes à definição de ciência, é possível
encontrar entre pesquisadores e estudiosos um esforço autêntico no sentido de
encontrar parâmetros capazes de definirem esse termo. Assim, para Gil (2011, p.
02), a ciência pode ser considerada “[...] uma forma de conhecimento que tem por
objetivo formular, mediante linguagem rigorosa e apropriada — se possível, com
auxílio da linguagem matemática —, leis que regem os fenômenos”.
A definição supracitada indica claramente que a realidade não é ampla, profunda
e integralmente explicada em uma pesquisa, mas, sim, na sucessão de pesquisas,
pois são os diferentes e descontínuos enfoques que oferecem uma visão mais
ampla de compreensão da sociedade, sendo amparados por métodos que
robustecem a ciência.
Ainda sob o prisma conceitual, a história do conhecimento científico reconhece o
pensamento científico em suas diferentes e descontínuas formas, não como uma
evolução linear e um progresso sucessivo, mas “[...] como resultado de diferentes
maneiras de conhecer e construir os objetos científicos, de elaborar métodos e
inventar tecnologias” (CHAUI, 2010, p. 223).
Figura 2 - O
desenvolvimento científico e o tecnológico transformam a sociedade e a vida no planeta. Fonte:
Wichy, Shutterstock, 2018.
O fato é que podemos reiterar que a ciência evolui tal e qual a sociedade por não
haver sentido no afastamento da segunda em relação à primeira, uma vez que a
ciência influencia e é simultaneamente influenciada pela economia, pela política,
pela moral e por tudo que acontece na sociedade. Assim, a ciência busca
elementos para a construção do conhecimento, o que ocorre em todas as áreas,
fazendo com que ele seja algo amplo e complexo, mas fundamental para o
desenvolvimento da espécie humana.
O quadro a seguir apresenta alguns exemplos de tipos de conhecimentos e suas
aplicações.
Quadro 1 - Tipos de conhecimentos e suas aplicações. Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em
Feliciano, 2013, p. 44.
VOCÊ SABIA?
O método é uma ordem que você deve dispor para que tenha seu curso natural.
Destaca-se que quando o pesquisador tem segurança de que os objetivos
específicos atendem o objetivo geral, respondendo à pergunta ou ao problema de
pesquisa, há condições de se iniciar a pesquisa. Dessa forma, uma pesquisa bem
elaborada pode contribuir e revolucionar a ciência (são raras). Contudo, uma
pesquisa em que os elementos metodológicos não mantêm interação, tende a
marcar a vida do pesquisador como seu grande fracasso.
VOCÊ O CONHECE?
Gareth Morgan possui uma biografia interessante, cujas contribuições para as reflexões sobre métodos
de pesquisa são amplamente reconhecidas na academia. Em sua obra “Imagens da Organização”, de
2002, o professor faz uma abordagem pragmática da aplicação de diferentes escolas do método
científico, como o materialismo histórico, o positivismo e a fenomenologia. Vale a pena conferir!
Com pouca experiência e sem grandes estímulos institucionais, isso acaba por
limitar a visão de mundo do estudante, sendo aspectos determinantes para
equívocos na definição do tema e problema de pesquisa. A compreensão mais
ampla e profunda do método científico requer tempo de maturação, esforço e
dedicação aos estudos, condições facilitadoras à árdua tarefa da pesquisa. Esses
aspectos agem, por outro lado, como facilitadores para o robustecimento da visão
de mundo, que consiste em um importante fator nas decisões a serem tomadas.
Jovens estudantes podem até implicitamente saber o querem pesquisar, mas,
para terem certeza, sobretudo da viabilidade da pesquisa, no amplo sentido do
termo, Magalhães (2005, p. 33) sugere que pensem em quatro perguntas: “O que
vai ser observado? Que técnicas serão usadas na observação? Como será
registrada a observação? Como evitar erros gerados pela observação e
interpretação da observação?”. Dessa forma, no dizer de Tunes, Melo e Menezes
(2000, p. 98), é “[...] necessário que o pesquisador saiba escolher o problema de
pesquisa, aja com iniciativa e independência do orientador, tenha imaginação
criativa e outras qualidades semelhantes”.
Essas perguntas nos permitem afirmar que a boa escolha do método tende a
respondê-las com certa facilidade, mas, antes do método, é fundamental o
conhecimento amplo e aprofundado sobre o tema da pesquisa, pois é dessa forma
que se define com clareza o problema.
A seguir, vejamos o relato de experiência do professor Macêdo (2004) sobre os
estudos apresentados em sua tese de doutorado no Departamento de Ciências da
Educação da Universidade de Paris VIII.
CASO
O objetivo principal da tese de Macêdo foi a análise de dois programas de
educação infantil públicos, em instituições localizadas em bairros
periféricos de Salvador, na Bahia, sendo um de concepção compensatória
e outro de concepção comunitária.
Com isso, podemos entender que o problema precisa ser bem definido e
delimitado, necessitando de objetividade para ser estruturado
metodologicamente. O conhecimento profundo do tema permite ao pesquisador
navegar em águas calmas. Contudo, um problema definido sem critérios tende a
gerar confusões conceituais e equívocos teóricos, limitações de ordem para a
pesquisa, levando, comumente, o pesquisador a desistir do trabalho.
Bonin (2010, p. 06) considera que, no processo de construção da problemática,
[...] é preciso trabalhar o olhar para operar com sensibilidade e abertura para o
concreto investigado. O olhar atento, aberto e reflexivo capacita a perceber que os
objetos concretos podem oferecer resistências, “restos” que não se deixam
enquadrar nas proposições explicativas com as quais vamos operando.
Figura 4 - Etapas do processo de desenvolvimento do método científico. Fonte: Andrea Danti,
Shutterstock, 2018.
VOCÊ SABIA?
Os métodos de verificação do conhecimento possuem uma história ao longo do
tempo. Além disso, os instrumentos de validação do conhecimento sofreram e
sofrem mudanças em cada época. A posição ocupada pela tradição oral na
validação e na confiabilidade do conhecimento foi substituída pela escrita,
contudo, essa transição foi lenta e gradual. Burke (2016, p. 101) apresenta como
exemplo uma disputa entre o rei Henrique I e o arcebispo Canterbury, no século XII,
em que os defensores do rei se referem a uma carta enviada pelo papa em apoio ao
arcebispo como “[...] nada mais do que um pergaminho de pele de ovelha marcado
com tinta preta”, indigno de comparação com as falas de três bispos. Atualmente,
escrita e tradição oral ocupam espaço como instrumentos de validação e
confiabilidade do conhecimento.
Figura 5 -
Características dos tipos de objetivos geral e específicos aplicados em pesquisa científica. Fonte:
MINAYO, DESLANDES e GOMES, 1994, p. 42.
Ademais, vale dizer que o exercício de elaboração dos objetivos é complexo, por
isso, o pesquisador deve ter sempre em mente o problema de pesquisa, caso
contrário, tende a cometer outro erro comum: dividir o objetivo geral entre os
objetivos específicos, enquanto que, conforme caracterizado, os objetivos
específicos são etapas para se alcançar o objetivo geral. Aliás, não pense que esse
tipo de erro é cometido apenas por pesquisadores inexperientes, uma vez que
ocorre com estudantes de graduação, especialização, mestrado e doutorado.
Objetivos realistas não são definidos de forma displicente ou apenas escritos para
satisfazer uma etapa do projeto de pesquisa, por isso, também é importante
dimensionar a contribuição do trabalho de pesquisa para a ciência. Isso significa
que, de forma geral, todas as pesquisas oferecem contribuições, mas
pouquíssimas revolucionam a ciência, pois esse não é o objetivo máximo da
pesquisa, mas, sim, o primeiro, que é robustecer a ciência e criar conhecimento
novo.
VOCÊ QUER LER?
Você pode aprender um pouco mais sobre a complexidade, os requisitos e a importância do processo
de elaboração de objetivos para uma pesquisa com a leitura do texto “Como Elaborar Objetivos de
Pesquisa”, de Sandra Mattos. Ele está disponível em:
<http://unesav.com.br/ckfinder/userfiles/files/Como%20elaborar%20Objetivos%20de%20Pesquisa.pdf
(http://unesav.com.br/ckfinder/userfiles/files/Como%20elaborar%20Objetivos%20de%20Pesquisa.pdf
)>.
Quadro 2 - Classificação geral das categorias de objetivos de pesquisa. Fonte: Elaborado pelo autor,
baseado em LAROCCA, ROSSO e SOUZA, 2005.
O objetivo de um projeto de pesquisa enfatiza a verdadeira expressão do
significado da pesquisa, contudo, ele não é determinante para o êxito, mas, de
forma isolada, pode fragilizar significativamente uma pesquisa.
Sendo assim, a metodologia científica, desde sua criação histórica e social, tem
contribuído de forma significativa para a criação do conhecimento de maneira
sistemática, rigorosa e racional, desenvolvendo e aplicando métodos e
tecnologias capazes de proporem soluções a problemas e questões emergentes e
contemporâneos.
Síntese
Você concluiu os estudos sobre a contribuição da metodologia científica para a
criação do conhecimento. Com essa discussão, esperamos que você se sinta
competente para definir um projeto de pesquisa, distinguir os diferentes tipos de
conhecimento, refletir sobre as etapas da pesquisa e compreender a relação
estabelecida entre tema, problema e objetivos na pesquisa científica.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
entender os princípios da ciência e do conhecimento científico;
analisar as relações do conhecimento científico com a sociedade;
entender a metodologia científica como um processo de pesquisa;
compreender o que são tema e problema de pesquisa;
compreender o que são os objetivos de uma pesquisa;
identificar temas, problema e objetivos de pesquisa.
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