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ESTUDOS ESTRATÉGICOS – EPISTEMOLOGIA, CRÍTICA

E NOVAS ABORDAGENS

William de Sousa Moreira*


Núcleo de Estudos Estratégicos UFF – EGN

1. Introdução

As transformações políticas ocorridas na América do Sul nos últimos anos colocaram


novos desafios para a compreensão do sistema interamericano, suas fundamentações, desafios e
tendências de reestruturação. O surgimento da União de Nações Sul-Americanas, UNASUL, as
mudanças na política externa da maior potência do continente, a emergência político-econômica
do Brasil, a ascensão ao poder de lideranças populares com novos perfis de conduta e de
reivindicações, eis alguns dos fatores que vêm despertando a atenção dos que se preocupam com
a estabilidade e a paz no subcontinente.
Observa-se o crescimento da importância dos temas segurança e defesa, que haviam sido
obliterados nos anos 1990 pela maioria dos governos sul-americanos, mas que voltam a ser
iluminados por novas incertezas que parecem brotar no entorno geoestratégico. No caso
brasileiro, a publicação da Estratégia Nacional de Defesa, em dezembro de 2008, marcou o
intento de inserir as discussões sobre defesa na agenda dos grandes temas da sociedade civil.
Nos países desenvolvidos e democráticos, esses debates tendem a ser amplos e
transparentes, requerendo mentes civis e militares qualificadas, estudos interdisciplinares e
pesquisas continuadas, não podendo, portanto, prescindir da efetiva participação da academia.
Na atualidade, os estudos sistemáticos desses temas se apresentam, dependendo do local
de origem, sob várias denominações distintas. No mundo anglo-saxão e europeu vemos farta
literatura sobre os “strategic studies” ou simplesmente “strategy”, mas também “security
studies”. No Brasil, Estudos Estratégicos, Estratégia, Estudos de Segurança, Estudos de Defesa e
até Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança são usados, mas seus entendimentos às vezes
soam ambíguos, superpostos, redundantes, genéricos, abrangentes ou pouco claros. De todos
eles, Estudos Estratégicos parece ser a expressão mais forte, pois é adotada por um sem-número
de centros e núcleos de estudos.
Afinal o que são os Estudos Estratégicos? Qual seu objeto? São uma área ou campo do
conhecimento, uma disciplina? É possível uma abordagem epistemológica dos Estudos
Estratégicos? Há relações entre as diversas denominações? Quais críticas lhes são dirigidas?
O presente trabalho busca contribuir para a construção das respostas a esses
questionamentos, clarificando conceitos e inter-relações entre essas denominações. Serve de
* Pesquisador Associado do NEST-UFF e Professor da Escola de Guerra Naval. Trabalho apresentado para discussão do IV Encontro Nacional
da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ENABED-IV - Brasília, JUL 2010).
1
motivação adicional o fato de que novos programas de pós-graduação, áreas de concentração ou
linhas de pesquisa têm sido criados com o foco em Estudos Estratégicos.

2. Marcos conceituais

A epistemologia é um ramo da filosofia dedicado aos problemas do conhecimento,


também conhecido como filosofia do conhecimento, que estuda a estrutura, os métodos e a
validade do conhecimento. Uma vertente proposta por Hilton F. Japiassu (1992), a epistemologia
específica, foca uma “disciplina intelectualmente constituída em unidade definida do saber” e
busca revelar sua organização, funcionamento e possíveis relações com outras disciplinas. Esse
último entendimento, de epistemologia específica, norteará a abordagem deste trabalho.
Falar de Estudos Estratégicos é falar de segurança, defesa, poder e, naturalmente,
estratégia, entre outros constructos incrustados em palavras que admitem diferentes opções
interpretativas e, também, o sentido lato.1
A segurança e a defesa requerem que o Estado tenha poder, entendido no sentido
aroniano como a capacidade que tem uma unidade política de impor sua vontade às demais
unidades.2 Para pensar e planejar a formação e o uso do poder, em suas variadas expressões, em
função de propósitos políticos, faz-se necessária uma estratégia.
A maior dificuldade de conceituação vem justamente da palavra estratégia, que teve e
tem significados variados.3 A seguir, são apresentadas algumas das definições que têm
influenciado o pensamento da área nos últimos tempos.
 O uso dos engajamentos para alcançar os objetivos da guerra (Carl Von Clausewitz).
 A arte de distribuição e aplicação dos meios militares para alcançar os objetivos da política (Liddell
Hart).
 A arte da dialética da força, ou mais precisamente, a arte da dialética de duas vontades opostas usando a
força para resolver suas disputas (André Beaufre).
 Plano geral para utilizar a capacidade de coerção armada - em combinação com instrumentos
econômicos, diplomáticos, psicológicos, para efetivamente apoiar a política externa, por meios
ostensivos, ocultos e tácitos (Robert Osgood).
 O uso que é feito da força ou de sua ameaça de emprego para os fins da política (Collin S. Gray).

1
É conveniente ancorar o sentido dessas palavras, sem o que as discussões podem se tornar estéreis. Neste trabalho,
a segurança é entendida como a condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial,
a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos
cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais. A defesa nacional é o conjunto de medidas e ações do
Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra
ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas (Política de Defesa Nacional - Decreto Nº 5.484, 30
jun. 2005).
2
Segundo Raymond Aron, o poder se expressa pela probabilidade de realizar sua própria vontade, independente de
qualquer outra, sendo sempre relacional entre nações.
3
Pode-se ter boa noção da diacronia do pensamento estratégico na obra de referência editada por Peter Paret (1986),
sobre os “Construtores da Estratégia Moderna”.

2
 Arte de preparar e aplicar o poder para conquistar e preservar objetivos, superando óbices de toda
ordem. (BRASIL. Glossário das Forças Armadas - MD35-G-01 - 2007).
Em conjunto, essas definições revelam elementos estruturantes de certa forma comuns
entre elas: meios disponíveis (poder, força) e fins (política).
Na objetividade da definição de Clausewitz (1984, p. 177), Collin Gray reconhece os
fundamentos de várias outras que se seguiram, inclusive a dele próprio. O autor prussiano foca,
por um lado, o emprego dos combates para objetivo da guerra, mas, por outro, deixa espaço para
interpretações mais amplas do que sejam engajamentos e objetivos. Nesse sentido, estratégia é,
também, o uso de ameaças tácitas ou explícitas, bem como batalhas ou campanhas reais, para
alcançar objetivos políticos. Não se trata, pois, de estratégia unicamente militar, mas da grande
estratégia que usa os “engajamentos”, entendidos como todos os recursos de poder, tanto em
ameaça como em ação, para os objetivos do Estado (GRAY, 1999, p. 17). A fixação do
"propósito da guerra" como uma questão fundamentalmente política marca o continuum entre
política e guerra. O autor de “Da Guerra” assinala, ainda, a ligação entre estratégia e tática, que
se desvela em combate por uma relação de interdependência. Tática é o "uso das forças armadas
no combate" e estratégia o "uso dos combates para o propósito da guerra". Como observa
Hughes (2000, p. 7), os “estrategistas planejam e os táticos fazem”.
Dignas de registro, também, são as definições que incluem a estratégia como arte, pois
nos lembram do espaço de criação existente nas contendas, onde o gênio humano pode
manifestar-se. Sendo a guerra a “província do acaso, sujeita às fricções que tornam as coisas
mais simples difíceis”, a teoria da guerra atribui especial atenção às características do gênio
militar, que emergem nos momentos cruciais de decisão, em que podem estar em jogo vidas de
concidadãos e a honra nacional (CLAUSEWITZ, 1984, p. 100-112). A definição de Robert
Osggod supracitada, por sua vez, ressalta a dimensão intrínseca do planejamento, ou seja da
estratégia como formuladora de um “plano geral para empregar a capacidade de coerção”.
Pode-se depreender, do exposto, que a estratégia lida com a relação entre meios
disponíveis (poder) e fins (política), uma relação que orienta e perpassa os variados níveis e
ângulos de análise sobre segurança e defesa do Estado.

3. Os Estudos Estratégicos

Entre os autores estrangeiros que se empenharam em desenvolver os Estudos Estratégicos


está Bernard Brodie, um cientista político que publicou em 1949 o artigo intitulado “Strategy as
a Science”, no qual manifestava sua preocupação sobre o fato de que a estratégia não estaria
recebendo o tratamento apropriado, na área militar e fora dela. Com o surgimento e

3
disseminação da arma nuclear, o tema do uso da força alcançara patamar inédito de
preocupações, particularmente nas sociedades desenvolvidas, detentoras de poder militar
expressivo. O estudo e a prática da estratégia, até então muito ligada ao estamento militar,
passou a merecer atenção crescente de outros estudiosos e acadêmicos de origens diversas.
Desde então, as preocupações com a estratégia vieram oscilando em função dos perigos
característicos de cada momento histórico, e os estudos e pesquisas realizados foram se
aglutinando e conformando o que convencionou chamar de Estudos Estratégicos (EE).
No Brasil, alguns pesquisadores têm se dedicado à discussão dos Estudos Estratégicos
(EE) como área de ensino e pesquisa. Para Domício Proença Jr. (2003, p. 2), por exemplo, os EE
são uma forma de estudo científico do uso da força e do fenômeno bélico. Em suas
especificidades, os EE têm por objeto central a segurança e a defesa do Estado e, em termos
gerais, se dedicam ao estudo do preparo e do emprego dos meios de força do Estado,4 para
alcançar propósitos politicamente determinados (BRASIL, 2007;5 PROENÇA JR., DINIZ e
RAZA, 1999; PROENÇA JR., 2003), tendo características de uma disciplina intelectualmente
construída.
No plano institucional do ensino e pesquisa acadêmica, Eurico de Lima Figueiredo
6
(2009) vem defendendo a constituição dos Estudos Estratégicos como área de conhecimento
científico,7 no sentido estabelecido pela tabela de áreas do conhecimento (TAC) gerada na
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e no Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq. Cabe mencionar que, por ocasião
dos estudos para a revisão da TAC em 2005, realizados no âmbito do CNPq, Manuel Domingos
Neto (2006, p. 149) defendera a criação da área do conhecimento intitulada Defesa e Segurança.
Como área do conhecimento ou disciplina acadêmica, os EE buscam analisar e explicar
os conflitos, suas causas, motivações, instrumentos e meios. Para tal, buscam “sistematizar os
conhecimentos específicos por meio de proposições, conceitos ou constructos com validade e

4
Desde as Forças Armadas até as polícias.
5
Um trabalho em parceira entre a Escola de Guerra Naval e o Grupo de Estudos Estratégicos da Coordenação dos
Programas de Pós-Graduação em Engenharia (GEE-COPPE/UFRJ) produziu a primeira versão do “Guia de Estudos
de Estratégia” (1998), adotado naquela Escola de altos estudos militares para fins didáticos. O trabalho daria origem
ao livro “Guia de Estudos Estratégicos” (1999), dos mesmos autores Domício Proença Jr., Eugenio Diniz e Salvador
Guelfi Raza (EGN). Ambas as publicações servem de inspiração ao presente trabalho.
6
Eurico de L. Figueiredo foi o primeiro Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da
Defesa e da Segurança (PPGES), na Universidade Federal Fluminense (UFF). É o atual Coordenador Executivo do
Núcleo de Estudos Estratégicos (NEST) da UFF.
7
Área de conhecimento é entendida como o conjunto de conhecimentos inter-relacionados, coletivamente
construído, reunindo segundo a natureza do objeto de investigação com finalidades de ensino, pesquisa e aplicações
práticas.

4
aceitação contextualizadas, que refletem a interação entre os conflitos e as sociedades nas quais
têm lugar”. No compromisso com segurança e defesa do Estado, os EE se interessam pelo
projeto e gestão dos grandes sistemas de recursos, humanos e materiais, direcionados ao preparo
e emprego dos meios de força como instrumentos políticos, em âmbito interno ou externo. Nesse
sentido, necessitam de métodos e processos que racionalizem a concepção e a configuração dos
arranjos de força que instrumentam o poder, de modo a dar resposta aos problemas estratégicos a
custos sociopoliticamente viáveis. (BRASIL, 2007; PROENÇA JR., DINIZ e RAZA, Loc. cit.).
Pela natureza do seu objeto, os EE conformam um campo ou área8 tipicamente
interdisciplinar, recorrendo e recebendo contribuições das diversas ciências sociais e exatas e
outras áreas do conhecimento. Com o propósito de melhor compreender essa natureza, faço uma
analogia com o estudo efetuado por Duverger (1962) para a delimitação do campo da Ciência
Política. Baseando-se nas relações com as outras ciências, como a Sociologia, a Antropologia, a
Psicologia e a História, o sociólogo francês estabeleceu três “categorias” em que se poderia
pensar a constituição do campo. Aplicando-as aos EE, poderíamos pensá-los como sendo uma
disciplina residual, na medida em que se dedica a temas específicos, tratados en passant ou
deixados de lado por outras ciências ou disciplinas que também trabalham, em algum momento,
com poder e uso da força. Poderiam, também, ser uma disciplina encruzilhada, por receber a
contribuição de variadas vertentes científicas que se cruzam quando o tema é relações de poder e
uso da força por parte do Estado, cada qual com sua própria direção. Seria, por fim, uma
disciplina síntese, na medida em que é capaz de captar, decantar e resumir contribuições de
outras áreas do conhecimento, no que tange a poder e uso da força, e aplicá-las no seu objeto de
estudo: o preparo e emprego dos meios de força do Estado para fins politicamente estabelecidos.
Frequentemente os EE perpassam as divisas das ciências sociais e das ciências exatas,
cujos limites são, por si só, polêmicos e questionáveis, como apontado por Anthony Giddens
(1971): “Muitas das linhas que dividem os cientistas sociais contemporâneos são, na realidade,
mitos, impondo-se, assim, o repensar de suas fundações”. Essa perspectiva explica, em boa
medida, porque estudiosos de diferentes áreas convergem para os EE, se beneficiando da
característica de disciplina encruzilhada, anteriormente citada. Desse modo, como aponta
Proença Jr., trabalhos podem se originar ou transitar pelos EE em harmonia com seus campos de
origem, como ocorre particularmente com pesquisas de historiadores.

8
Neste trabalho, “campo” ou “área” são usados com o mesmo sentido.

5
Entretanto, a tão citada interdisciplinaridade não é um conceito trivial e nem sempre se
revela de forma natural ou harmônica, como alerta Olga Pombo:

A interdisciplinaridade se deixa pensar, não apenas na sua faceta cognitiva - sensibilidade à complexidade,
capacidade para procurar mecanismos comuns, atenção a estruturas profundas que possam articular o que
aparentemente não é articulável - mas também em termos de atitude - curiosidade, abertura de espírito,
gosto pela colaboração, pela cooperação, pelo trabalho em comum. Sem interesse real por aquilo que o
outro tem para dizer não se faz interdisciplinaridade. Só há interdisciplinaridade se somos capazes de
partilhar o nosso pequeno domínio do saber, se temos a coragem necessária para abandonar o conforto da
nossa linguagem técnica para nos aventurarmos num domínio que é de todos e de que ninguém é
9
proprietário exclusivo... (POMBO, 2005).

Por fim, cabe enfatizar que a interdisciplinaridade não faz dos Estudos Estratégicos
“estudos de tudo”. Sua força e sua clivagem conceitual vêm de seu foco, uma vez que outros
campos conduzem estudos similares, mas para propósitos mais diversos e dispersos. Essa será
uma característica fundamental que os diferenciará dos Estudos de Segurança, como será visto a
seguir.
O acima exposto marca o caráter interdisciplinar dos EE e o seu objeto, mas não revela
propriamente as relações com outras denominações adotados em estudos similares, como é o
caso dos Estudos de Segurança e os Estudos de Defesa.

4. Relações entre Estudos Estratégicos, Estudos de Segurança e Estudos de Defesa

São complexas as relações entre Estudos Estratégicos e Relações Internacionais, com seu
subcampo Estudos de Segurança. Um modo de pensá-las é na chave do recorrente debate
ontológico desenvolvido na teoria das relações internacionais desde seus primórdios. Esse debate
traz em suas raízes mais profundas as visões antropológicas de Hobbes e Locke, quanto à
natureza do homem ser menos ou mais cooperativa. A palavra “segurança” inspira uma
perspectiva mais pacifista, consequentemente, mais afastada do intrínseco viés realista da palavra
“estratégia”, essa mais associada às disputas e uso do poder.
O ocaso “sem guerra” da Guerra Fria animou os idealistas nos anos 90. Sob os influxos
da desradicalização do conflito Leste-Oeste, o mundo acadêmico passou a buscar novos
referenciais teóricos, no intuito de liberar o pensamento estratégico das correntes do realismo
positivista que o haviam aprisionado nas décadas de maior perigo nuclear. Na busca por
conceitos mais amplos e permeáveis às ideias de paz e cooperação no sistema internacional
globalizado, ganharam força no âmbito das Relações Internacionais os chamados Estudos de

9
Para aprofundar a discussão sobre “interdisciplinaridade” e seus termos correlatos (multidisciplinaridade e
transdisciplinaridade), ver: POMBO, Olga. Interdisciplinaridade e integração dos saberes. Liinc em Revista, v.1, n.1,
mar. 2005, p. 13. Disponível em http://revista.ibict.br/liinc/index.php/liinc/issue/view/23. Acesso em 14 jun. 2010.

6
Segurança. Sem entrar em considerações sobre conveniências burocrático-setoriais que essas
denominações podem proporcionar na disputa por poder e espaço em instituições de ensino
superior e de pesquisa, tratava-se, evidentemente, de um reflexo do recorrente debate na teoria
das relações internacionais entre idealistas e liberais contra a perspectiva realista (e neo-realista).
Animados pelas perspectivas pacifistas que brotavam daquele momento histórico, bem
refletidas na obra “O Fim da História“, de Francis Fukuyama, os autores de inspiração utopista
postularam que a “segurança” seria um conceito mais apropriado do que “estratégia”, no mundo
onde grandes guerras estavam diminuindo, ao passo que cresciam outras ameaças aos interesses
políticos, econômicos, sociais e ambientais. Sendo o conceito de segurança mais amplo, melhor
serviria como base para organizar uma matriz analítica capaz de entender a complexidade de
uma nova fase para as relações internacionais (BAYLIS, WIRTZ, GRAY, 2010, p. 13).
Não obstante, como bem argumentou Richard Betts (1997), qualquer formulação de
política de segurança (que inclui defesa) requer atenção sobre os temas “guerra” e “estratégia”,
ou seja, poder militar permanece uma parte crucial da segurança e aqueles que ignoram a guerra
para se concentrar em ameaças não militares o fazem contra a base empírica da história. Nesse
diapasão, o cientista político Norberto Bobbio foi categórico:

Que a historiografia, a começar por Tucídides, tenha sido um relato de guerras não é apenas um capricho
dos historiadores. Uma história sem relatos de guerra, como aquela que os educadores para a paz gostariam
que fosse ensinada nas escolas, não seria a história da humanidade. Por mais que a guerra, em todas suas
formas, suscite geralmente horror, não podemos apagá-la da história, porque as mudanças históricas, a
passagem de uma fase para outra do desenvolvimento histórico, são, em grande parte, o produto das
guerras, das várias formas de guerra...” (BOBBIO, 2000, p. 51)

Ademais, definições ampliadas de segurança tendem a incluir tudo o que se refere às


relações internacionais, política externa e eventuais conflitos, misturando campos e subcampos.
Ao incorporar tudo que possa afetar negativamente as atividades humanas, os Estudos de
Segurança criam o risco de se tornarem genéricos demais para terem utilidade prática (BETTS,
1997, p. 27; AYSON, 2008, p. 571; BUZAN, HANSEN, 2009, p. 258; BAYLIS, WIRTZ,
GRAY, 2010, Loc. cit.). De fato, os Estudos de Segurança ofereceram mais espaço para fatores
não militares, como os ecomômicas, sociais e ligados ao meio ambiente.
Autores como John Baylis reconhecem a importância dos Estudos de Segurança, mas, ao
mesmo tempo, partilham preocupações sobre a coerência desse campo. Nessa visão, a Estratégia
permanece uma área distinta e valiosa de estudo acadêmico, e poderia ser considerado parte do
campo de Estudos de Segurança, assim como esses últimos são parte das Relações
Internacionais, que, por sua vez, se inserem no âmbito da Ciência Política. A figura 1 dá ideia do
tipo de enquadramento proposto por aquele autor.

7
Entretanto, essa visão anglo-saxã não parece atender a todos os Ciência Política

condicionantes do caso brasileiro, pois nem todos os temas de Estudos Relações Internacionais
Estudos de Segurança
Estratégicos estariam contidos no âmbito das Relações Internacionais.
Estudos Estratégicos
Pode-se citar como exemplo a segurança pública (interna). Nesse caso,
melhor seria, para começar, não marcar com linha limites de Figura 1 - Proposta de
Baylis (Ed. 2007 e 2010)
subordinação entre esses campos.
Poder-se-ia, ainda, acrescentar outra denominação utilizada no Brasil, os “Estudos de
Defesa”, como uma subdivisão dos Estudos Estratégicos. Com efeito, Estudos de Defesa
transmitem a ideia de foco no uso da força contra ameaças preponderantemente externas. Isso
deixaria fora de importância, por exemplo, a segurança pública, que permaneceria no campo
mais amplo dos Estudos Estratégicos, afinal, também requer o uso de instrumentos de força do
Estado para fins políticos, no caso, a ordem pública.
A figura 2 mostra uma forma alternativa de pensar
as relações entre Estudos Estratégicos e Estudos de Defesa.
A diferença da proposta de Baylis reside no fato de os
Estudos Estratégicos poderem eventualmente extrapolar os
demais campos de conhecimento e, também, conterem
como subcampo os Estudos de Defesa. Isso se justifica, a
meu juízo, pela natureza essencialmente interdisciplinar
dos EE, já abordada anteriormente, associada à dificuldade
Figura 2 - Proposta alternativa
de delimitação dos campos das demais ciências e áreas de
conhecimento, conforme observado por Giddens. Assim, a natureza interdisciplinar dos EE
assegura acesso às contribuições de várias outras ciências e áreas do conhecimento, não
necessitando ficar adstrito aos Estudos de Segurança.
Vale, ainda, mencionar a contribuição dada por Robert Ayson,10 ao afirmar que os EE
merecem estar ao lado das Relações Internacionais como um subcampo da Ciência Política. Ele
argumenta que os estudiosos de estratégia se focam nas respostas a serem dadas pelos estados ou
outros atores do sistema internacional às demandas do ambiente de segurança: “se a segurança é
a condição, os EE são a reação”. Por sua vez, prossegue o autor, a ação estratégica afeta as
condições de segurança percebidas “pelo outro lado” e o pensamento sobre uso da força se

10
Diretor no Centro de Estudos Estratégicos e de Defesa da Universidade Nacional da Austrália. Ampliando a
polêmica em torno do tema, seu artigo “Strategic Studies” foi incluído no “The Oxford Handbook of International
Relations” (REUS-SMIT; SNIDAL, 2008).

8
molda às condicionantes de segurança percebidas pelos atores envolvidos, podendo dar origem
ao conhecido dilema de segurança. A “velocidade” dos Estudos Estratégicos, dinâmicos e
pragmáticos, é naturalmente maior que a dos Estudos de Segurança. Há, pois, uma relação de
interação entre eles e não propriamente de subordinação. Ademais, as grandes decisões
estratégicas se dão em contexto essencialmente político. Conclui o professor da Universidade
Nacional da Austrália, que os EE não cabem dentro da área das Relações Internacionais e as
partes que ficam para fora devem ter relações mais diretas com a Ciência Política, sem que as
Relações Interacionais as intermedeiem (In: REUS-SMIT; SNIDAL, 2008, p. 571-572).
Nessa discussão, Figueiredo acrescenta que, no Brasil, a expressão Estudos Estratégicos
tem sido utilizada em dois sentidos: um estrito, ligado ao conjunto de procedimentos que
informa as operações militares, nos estudos desenvolvidos principalmente nas escolas de altos
estudos militares (mais próximo a estudos de estratégia militar); e outro sentido amplo,
associado ao papel do poder militar na política internacional e suas relações com meios
econômicos, diplomáticos e outros, tendo como elemento aglutinador os objetivos do Estado.
Aponta o pesquisador que os Estudos Estratégicos referem-se a uma área do conhecimento que
contém subcampos, como “estudos de defesa” ou “estudos de segurança internacional”, não
aderindo, dessa forma, à lógica etnocêntrica de Baylis e outros. Por fim, afirma que, embora os
EE sejam um campo multidisciplinar, seu lócus por excelência é o Estado e, desse modo, a “sua
essência epistemológica é de natureza política” (Figueiredo, 2009, p. 26), sugerindo, a meu juízo,
que a Ciência Política confere à área coerência e consistência teórica.
Como se pode observar, um lento e contínuo debate parece se desenvolver por meio de
espaçados artigos em periódicos e livros, no exterior há muito tempo, e no Brasil mais
recentemente. O debate terminológico “segurança – defesa” traz subjacente, como já dito, a
ainda não superada questão ontológica quanto à natureza do comportamento do ser e, por
extensão, das comunidades políticas e do sistema internacional.
O editor Jonh Baylis tem compilado e apresentado esse debate crítico na obra “Strategy
in the the Contemporary World”, periodicamente atualizada. Talvez a crítica mais recorrente seja
a vinculação dos EE à abordagem realista, com “obsessão por guerra e uso da força”. Em geral,
os estrategistas admitem usar lentes realistas, focadas no papel do poder militar e da guerra, mas
rejeitam que tenham visão distorcida do mundo e que apenas focam a atenção no papel do
Estado relativo ao uso da força. Afirmam que ignorar a guerra não a fará desaparecer, como
lembra a máxima de Leon Trotsky: “Você pode não estar interessado na guerra, mas ela está
interessada em você” (BAYLIS, WIRTZ, GRAY, 2010, p. 10).

9
Essa crítica, prossegue Baylis, se apoia na suposição de que a crença na “guerra como
instrumento da política” gera um modelo mental que privilegia o uso da força. Nesse paradigma
teriam se desenvolvido as "perigosas" teorias da deterrência nuclear, de manobra de crises etc.,
durante a Guerra Fria. A contínua preparação para a guerra é geradora de corridas armamentistas
e o pessimismo com relação à natureza humana não valoriza opções cooperativas e
estimuladoras da paz. A defesa argumenta que as ideias dos estrategistas refletem a realidade do
mundo, mas não a criam.
Embora tenha havido transformações positivas ocorridas no cenário mundial nos anos 90,
parece razoável dizer que “a História não acabou” e que não se pode delir o legado político-
estratégico deixado pelo grave séc. XX. Com efeito, prosseguem as pugnas entre forças
agregadoras, como as da economia e comunicações, e forças desagregadoras, como a etnia, a
religião, o nacionalismo, as ideologias, a desigualdade e a pobreza, entre outras. Diversas formas
de guerra prosseguiram, ameaças surgiram, algumas novas apenas em magnitude. Até na
“pacífica” América do Sul, foram registradas tensões, por exemplo, nas declarações do
Presidente da Venezuela, em meados de 2009, de que estariam “soprando os ventos da guerra”, 11
numa alusão ao acordo entre Colômbia e Estados Unidos para a instalação de bases militares em
território colombiano.
Naturalmente, pessoas que têm sob sua responsabilidade executiva a segurança e a defesa
da nação tendem a ver o mundo pelas lentes realistas. Essa perspectiva, partilhada por muitos
dirigentes políticos, é socialmente construída pelas percepções das ameaças do mundo real e não
pelos estrategistas. Hedley Bull escreveu, em 1972: “as fontes do otimismo fácil e do moralismo
estreito nunca secam, e as lições dos realistas devem ser reaprendidas a cada nova geração”
(GRAY, 1999, p. 10).
Não obstante, com o passar do tempo e com os aportes críticos, os estudiosos de
estratégia estão sendo estimulados a conhecer e considerar novas abordagens e novas temáticas
que emergiram no âmbito das ciências humanas, na medida em que podem contribuir para as
análises que dizem respeito ao objeto e ao foco dos Estudos Estratégicos. Assim, temas e
questões relativos ao meio ambiente, direitos humanos, segurança humana, governança global e
“novas ameaças” não devem ser negligenciados, pois refletem tendências e preocupações

11
"Cumpro com minha obrigação moral de alertar: ventos de guerra começam a soprar", afirmou o Presidente da
Venezuela, Hugo Chávez, na cúpula da União de Nações Sul-americanas (Unasul), em agosto de 2009.

10
legítimas de setores da sociedade e contribuem para desfazer certa imagem estereotipada do
estrategista insensível da era nuclear fazendo cálculos de “megamortes”. 12
Como afirma Colin Gray, estudos da paz e da guerra são de profunda importância e
interesse para a sociedade, pois podem contribuir para o seu bem-estar, devendo, portanto, ser
objeto de estudos acadêmicos nas Universidades. Afinal, conflitos podem ser mitigados por meio
de uso efetivo da Estratégia, mas é improvável que possam ser extintos. Nesse contexto, não há
como prescindir dos Estudos Estratégicos. (BAYLIS, WIRTZ, GRAY, 2010, p. 11).

5. Considerações finais

As reflexões conduzidas permitem umas poucas considerações finais, voltadas às


questões inicialmente formuladas. Os Estudos Estratégicos são uma forma especializada,
sistemática e pragmática de estudo científico do uso da força e do fenômeno bélico. Uma
abordagem epistemológica específica é possível na medida em que seja considere uma disciplina
intelectualmente constituída e se busque perscrutar sua estrutura e relações com outras
disciplinas e áreas do conhecimento.
O objeto central dos EE é a segurança e a defesa do Estado, o que requer atenção ao
preparo e gestão dos sistemas integrados de recursos, humanos e materiais, voltados ao preparo e
emprego dos meios de força como instrumentos políticos. Por sua natureza interdisciplinar, os
Estudos Estratégicos necessariamente perpassam os limites dos Estudos de Segurança para
interagir com outras áreas do conhecimento. Já os Estudos de Defesa podem ser vistos como a
subárea dos Estudos Estratégicos voltados prioritariamente para as questões de defesa externa do
Estado, dado que, a questão da segurança pública e outras questões ligadas a segurança interna
também se enquadram no âmbito dos EE.
Entretanto, cabe destacar que as linhas divisórias entre campos de conhecimento são
ficcionais e as disputas terminológicas parecem pouco relevantes frente ao desafio que
representa o estudo científico voltado para o preparo e emprego do poder e da força do Estado,
para propósitos politicamente estabelecidos.
Por fim, não é demais lembrar que a segurança e a capacidade de defesa são bens
públicos e, como tal, os orçamentos a elas destinados devem ter boas e consistentes justificativas
estratégicas.

12
“Megadeath” foi o termo cunhado em 1953 por Herman Khan, estrategista da RAND Corporation (EUA) para
representar um milhão de mortos nas análises de cenários relativos uma eventual guerra nuclear.

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Referências Bibliográficas

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