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ConstituCionalismo
C ontemporâneo
E SUAS FORMAS
CONTEMPORÂNEAS
Alcione de Almeida Giovana Krüger
Alex Silva Gonçalves Janaína Machado Sturza
Alexandre Brandão Rodrigues Jonas Faviero Trindade
Aline Michele Pedron Leves Julia Gonçalves Quintana
Ana Helena Scalco Corazza Leopoldo Ayres de V. Neto
Betieli da Rosa Sauzem Machado Liane Tabarelli
Carla Luana da Silva Natalia Berna
Carlos Eduardo Araujo Faiad Paula Cunha
Carolina Andrade Barriquello Paulo Henrique Schneider
Caroline Müller Bitencourt Roberta de Moura Ertel
Charlise P. Colet Gimenez Robson Alves de Almeida Diniz
Cíntia Jotz Vargas Rodrigo Freitas Palma
Claudine Rodembusch Rocha Rogério Gesta Leal
Cláudio Ricardo Pereira Selma Pereira de Santana
Cristina Klose Parise de Souza Suzéte da Silva Reis
Daniélle Dornelles Tatiane de Fátima da Silva Pessôa
Ester de Lacerda Lucas Vinícius Oliveira Braz Deprá
Fernando Oliveira Piedade
ISBN 978-85-8443-165-6
Constitucionalismo
Contemporâneo
e suas formas contemporâneas
Multideia Editora Ltda.
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Marli Marlene M. da Costa (Unisc) Luiz Otávio Pimentel (UFSC)
André Viana Custódio (Unisc) Orides Mezzaroba (UFSC)
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Salete Oro Boff (Unisc/IESA/IMED) Nuria Bellosso Martín (Burgos/Espanha)
Carlos Lunelli (UCS) Denise Fincato (PUC/RS)
Liton Lanes Pilau (Univalli) Wilson Engelmann (Unisinos)
Danielle Annoni (UFPR) Neuro José Zambam (IMED)
370p.; 22,5cm
ISBN 978-85-8443-165-6
Autorizamos a reprodução dos conceitos aqui emitidos, desde que citada a fonte.
Respeite os direitos autorais – Lei 9.610/98.
Clovis Gorczevski
Mônia Clarissa Hennig Leal
Organizadores
Constitucionalismo
C ontemporâneo
e suas formas contemporâneas
Autores
Alcione de Almeida Giovana Krüger
Alex Silva Gonçalves Janaína Machado Sturza
Alexandre Brandão Rodrigues Jonas Faviero Trindade
Aline Michele Pedron Leves Julia Gonçalves Quintana
Ana Helena Scalco Corazza Leopoldo Ayres de Vasconcelos Neto
Betieli da Rosa Sauzem Machado Liane Tabarelli
Carla Luana da Silva Natalia Berna
Carlos Eduardo Araujo Faiad Paula Cunha
Carolina Andrade Barriquello Paulo Henrique Schneider
Caroline Müller Bitencourt Roberta de Moura Ertel
Charlise P. Colet Gimenez Robson Alves de Almeida Diniz
Cíntia Jotz Vargas Rodrigo Freitas Palma
Claudine Rodembusch Rocha Rogério Gesta Leal
Cláudio Ricardo Pereira Selma Pereira de Santana
Cristina Klose Parise de Souza Suzéte da Silva Reis
Daniélle Dornelles Tatiane de Fátima da Silva Pessôa
Ester de Lacerda Lucas Vinícius Oliveira Braz Deprá
Fernando Oliveira Piedade
Curitiba
2017
Prefácio
A linha de pesquisa é, nos dizeres de Niklas Luhmann, uma fórmula
da unidade. Com base em um núcleo de ideias centrais, uma determinada
estrutura de um sistema (no caso o educacional) é capaz de se ligar a di-
versas outras, formatando uma certa unidade. Significa dizer que em torno
do conteúdo de constitucionalismo contemporâneo é possível que orbitem
diversas temáticas – todas elas, contudo, unificadas em torno da linha.
E em que consiste este núcleo do Constitucionalismo Contempo-
râneo? Muito embora ainda hoje exista discussão doutrinária, trata-se
da noção de Constituição principiológica, ética, dirigente, aberta à co-
munidade e aos tratados de direitos humanos, dirigente e voltada à rea-
lização dos direitos fundamentais.
Tendo em vista este núcleo de ideias centrais, percebe-se facil-
mente o enlace com os trabalhos aqui presentes.
De fato, o texto O controle de constitucionalidade exercido
pelo Tribunal de Contas e a possível usurpação de competência do
Supremo Tribunal Federal, de Caroline Müller Bitencourt e Betieli da
Rosa Sauzem Machado, lida com a competência de dois órgãos funda-
mentais do sistema de controle da constitucionalidade e moralidade no
sistema constitucional brasileiro.
O importante valor da liberdade de expressão encontra polêmi-
ca ante as normas de disciplina partidária emitidas pelo TSE. Tal polê-
mica é trabalhada no artigo A Resolução 23.475/2015 emitida pelo
Tribunal Superior Eleitoral em face da liberdade de expressão, de
Alcione de Almeida.
A noção de garantia de direitos é fundamental no constituciona-
lismo contemporâneo. Mas o que significa garantir a democracia? É este
o objeto do texto A democracia na perspectiva do constitucionalis-
mo garantista, de Alexandre Brandão Rodrigues e Daniélle Dornelles.
A complexa teoria de Amartya Sen pode se ligar com a mediação,
sendo que este feito foi atingido por Charlise P. Colet Gimenez e Giovana
Krüger no trabalho A mediação sob a ótica da análise econômica do
direito em Amartya Sen.
A aplicabilidade do princípio constitucional da função social
da propriedade frente à desapropriação urbana é a contribuição de
Cíntia Jotz Vargas e Claudine Rodembusch Rocha, uma vez que o bem-es-
tar no meio ambiente urbano é um dos elementos do constitucionalis-
mo contemporâneo.
As relações entre tributação e cidade são analisadas no texto Ci-
dadania tributária frente aos princípios republicanos e da morali-
dade tributária, de Alex Silva Gonçalves.
Aline Michele Pedron Leves, Carolina Andrade Barriquello e Janaí-
na Machado Sturza se voltam ao problema na saúde, com o título Do
constitucionalismo à emersão da sociedade de risco globalizada: a
necessária proteção ao direito à saúde.
Jonas Faviero Trindade preocupa-se com as consequências do di-
reito extimidade nas relações previdenciárias públicas, no trabalho a
Sociedade da informação e regimes próprios de previdência social:
fiscalização no Facebook de segurados que obtiveram concessões
dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
Julia Gonçalves Quintana e Leopoldo Ayres de Vasconcelos Neto se-
guem, coerentemente, a sua linha pesquisa, explorando O ativismo ju-
dicial e a problemática da efetivação dos direitos sociais no Brasil.
As soluções do constitucionalismo contemporâneo acabam sendo
postas à prova quando são colocadas diante de novos desenvolvimentos
sociais, sendo tal preocupação refletida no texto de Natalia Berna e Paulo
Henrique Schneider intitulado Teletrabalho transnacional em foco:
análise dos critérios de solução de conflitos em face da efetividade
dos direitos humanos laborais.
Uma das características do constitucionalismo contemporâneo é
Janriê Rodrigues Reck – Prefácio
Constitucionalismo Contemporâneo
Lucas e Carlos Eduardo Araujo Faiad, em O combate à segregação racial
nos Estados Unidos da América em perspectiva jurídico-constitucio-
nalista: da vigência dos Black Codes no sul à edição das leis Jim Crow.
Os laços entre corrupção e sociedade da informação são explora-
dos no trabalho Sociedade da informação: movimentos sociais em
rede no combate à corrupção e preservação dos direitos funda-
mentais, de Rogério Gesta Leal e Carla Luana da Silva.
É evidente que uma Constituição-garantia se preocupa com as
crianças. Esta é a razão pela qual Suzéte da Silva Reis e Paula Cunha lan-
çam ideias em O trabalho infantil no meio artístico e a violação da
proteção constitucional.
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O CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE EXERCIDO
PELO TRIBUNAL DE CONTAS
E A POSSÍVEL USURPAÇÃO
DE COMPETÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Introdução
O instituto do controle de constitucionalidade surgiu com a ideia
de assegurar a supremacia da Constituição, dando, desta forma, maior
estabilidade nas relações e efetividade no ordenamento. Dito isso, o
controle é realizado pelo Poder Judiciário em um ordenamento que se
encontre escalonado, devendo ter uma Constituição Federal em posição
hierarquicamente superior às demais legislações, a qual serve de baliza
para a leitura da validade das demais normas, devendo estas estarem de
acordo com a norma no topo do ordenamento jurídico. Assim, tal com-
petência de guardião da Constituição foi atribuída ao Supremo Tribunal
Federal, em conformidade com o texto constitucional.
No que se refere à Constituição de 1988, observa-se que o consti-
tuinte adotou um modelo misto, isto é, o controle difuso (inspirado no
modelo norte-americano) e o controle concentrado (inspirado no mo-
delo austríaco), visando assim garantir estabilidade nas relações, segu-
rança jurídica e preservação do Estado Democrático de Direito.
Porém, verificar-se-ão, no presente trabalho, as possibilidades
de o Tribunal de Contas, que é um órgão não jurisdicional, que integra
o Poder Legislativo, fazer o juízo de apreciação da constitucionalidade
de leis e atos normativos, a quem foi deferida tal atribuição por meio
do artigo 71, inciso X, da CF, e da Súmula nº 347 do Supremo Tribunal
Federal.
Desta forma, o problema da presente pesquisa centra-se na se-
guinte questão: quando o Tribunal de Contas exerce a competência que
lhe é atribuída pela Súmula nº 347, estaria ele usurpando da competên-
cia atribuída ao Supremo Tribunal Federal no controle de constitucio-
nalidade em tese? Em decorrência de tal indagação, questiona-se: qual
a extensão do conteúdo interpretativo atribuído pelo próprio Supremo
Tribunal Federal à Súmula Vinculante nº 47?
O presente trabalho, municiado dos métodos histórico e hipotéti-
co-dedutivo, tem como objetivo, num primeiro momento, analisar o pa-
Rosa Sauzem Machado
Constitucionalismo Contemporâneo
economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será
exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo
sistema de controle interno de cada Poder. Com a inserção do parágrafo
único no artigo 70 da CF/88, pela Emenda Constitucional nº 19/1998,
ampliou-se a atuação do Tribunal de Contas, eis que ele passou a ter
competência para fiscalizar não só as contas da administração pública
direta e indireta, mas também as de qualquer pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, que utilizem dinheiro, bens e valores públicos ou
pelos quais a União responda (BRASIL, 1988).
Para Bulos (2012), conforme está previsto no artigo 130 da CF/88,
atua junto à Corte de Contas um Ministério Público Especial, também
conhecido como Ministério Público de Contas, que é especializado nas
1
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante pa-
recer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e va-
lores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades ins-
tituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a
perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; III - apre-
ciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer títu-
lo, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem
como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melho-
rias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; IV - realizar, por
iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou
de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, ope-
racional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; V - fiscalizar as contas nacionais das
empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indi-
reta, nos termos do tratado constitutivo; VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos
repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congê-
neres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; VII - prestar as informações solicitadas
pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas
Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimo-
nial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; VIII - aplicar aos responsáveis,
em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em
lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao
O Regimento Interno do Tribunal de Contas, nos seus artigos 1º,
2º, e 3º, expõe um mister de atribuições e competências maior do que
o elencado no artigo 71 da CF/88. Desta forma, percebe-se que o artigo
1º do Regimento Interno, no seu caput, diz que, “Ao Tribunal de Contas
da União, órgão de controle externo, compete [...]”, trazendo um rol, nos
seus incisos elencados, mais extensivo das competências já estabeleci-
das na Constituição, no artigo 71, e com algumas inovações.
Nesse sentido, vale ressaltar, de forma meramente exempli-
ficativa, alguns pontos do artigo 1º, comparando-se com o artigo
71. A exemplo do inciso IV, que acrescenta ser o TCU legítimo para
a emissão de pronunciamento conclusivo sobre matéria submeti-
da à apreciação da Corte de Contas; inciso V, que traz a possibilida-
de de auditar projetos e programas autorizados na lei orçamentária
anual; inciso XIII, que preconiza a possibilidade de que o órgão fe-
deral fiscalize o cumprimento da Lei Complementar nº 101, de 2000
(Lei de Responsabilidade Fiscal); o inciso XVII explana que compete
Rosa Sauzem Machado
erário; IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias
ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X - sustar, se não atendido, a exe-
cução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado
Federal; XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.
§ 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso
Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis. § 2º Se o
Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as me-
didas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito. § 3º As decisões do
Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.
§ 4º O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de
suas atividades. (BRASIL, 1988)
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Já os incisos XXX, XXXI, XXXIII, XXXIV do artigo 1º do Regimento
Constitucionalismo Contemporâneo
Interno do Tribunal de Contas abordam um rol de competências dife-
renciadas quanto às matérias organizacionais da Corte de Contas, como
se pode verificar nos incisos abaixo:
Art. 1º [...]
XXX – alterar este Regimento;
XXXI – eleger seu Presidente e seu Vice-Presidente, e dar-lhes
posse;
XXXII – conceder licença, férias e outros afastamentos aos mi-
nistros, ministros-substitutos e membros do Ministério Público
junto ao Tribunal, dependendo de inspeção por junta médica a li-
cença para tratamento de saúde por prazo superior a seis meses;
Constitucionalismo Contemporâneo
do interesse público. Assim, o doutrinador leciona que, quando o princí-
pio da proporcionalidade apresentar caráter normativo, é possível afir-
mar que ele, enquanto norma, proibirá a produção de atos administrati-
vos e a edição de leis desproporcionais, tornando-os inconstitucionais.
Ou seja, este princípio, como uma norma, veda as ações do Estado que
sejam desproporcionais, eis que pode integrar a própria norma quando
for considerado com feição da matéria, passando, assim, a ditar regras
de conduta aos administradores públicos.
Associando o princípio da proporcionalidade com o artigo 71 da
CF/88, que traz um rol de competências constitucionais ao Tribunal de
Contas, conferindo legitimidade para que a Corte de Contas, que é um
órgão de controle, aplique este princípio, nota-se que tal princípio visa
Constitucionalismo Contemporâneo
uma faculdade, por meio do exercício de suas atribuições e na sua atua-
ção, deixar de aplicar atos normativos e leis do Poder Público, quan-
do estiver diante de interpretação e análise destes, que sejam eivadas
de inconstitucionalidade, sempre na forma incidental, diante do caso
concreto, no que tange às suas competências, no exercício do controle
externo, as quais a Constituição lhe confere.
Para melhor entendimento, conforme lecionam Mendes e
Branco (2012), o modelo de controle de constitucionalidade difuso
foi incorporado na Constituição brasileira de 1891, assim permitindo
ao Judiciário verificar a legitimidade das leis em face da Constituição.
As demais Constituições mantiveram este modelo de controle de
constitucionalidade.
trinária, pois não quero ficar vinculado a uma tese que tenho
constantemente repelido. Entendeu o julgado que o Tribunal
de Contas não poderia declarar a inconstitucionalidade da lei.
Na realidade, esta declaração escapa à competência específica
dos Tribunais de Contas. Mas há que distinguir entre declara-
ção de inconstitucionalidade e não aplicação de leis inconstitu-
cionais, pois esta é a obrigação de qualquer tribunal ou órgão
de qualquer dos poderes do Estado. Feita essa ressalva, nego
provimento ao recurso. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, MS
da
Constitucionalismo Contemporâneo
aplicar leis inconstitucionais.
No que tange aos pontos da tese supracitada, estes resumem o
que se ressaltava na época, de que qualquer tribunal ou órgão devia
afastar (negar-se) de aplicar uma lei que fosse considerada inconstitu-
cional por ele, no entanto, estes colidem frontalmente com teses moder-
nas, que já foram consolidadas na doutrina e na jurisprudência atual.
Cabe ressaltar que, após a edição da Súmula nº 347 do STF, se-
gundo lecionam Mendes e Branco (2012), apenas em 1965 se inseriu no
ordenamento jurídico brasileiro o modelo de controle de constitucio-
nalidade concentrado, por meio da Emenda Constitucional nº 16, onde
era admitido anteriormente como legítima a recusa de um órgão não
jurisdicional em aplicar uma lei que fosse considerada inconstitucio-
Constitucionalismo Contemporâneo
metida ao princípio da legalidade e deve cumprir o artigo 67 da Lei
nº 9.478/1997 e o Decreto nº 2.745/1998, que estão vigentes, e serão
precedidos de procedimento licitatório simplificado, afastando a aplica-
ção da Lei nº 8.666/1993.
E ainda, que, por força do § 1º do artigo 40 da LC nº 73/1993,
a Petrobras é obrigada a cumprir o Parecer AC-15, da AGU, onde con-
clui-se que a inaplicação do Decreto nº 2.745/98, por alegada incons-
titucionalidade do regime simplificado, a todo o Grupo Petrobras, es-
barra no princípio da presunção de constitucionalidade das leis e da
legalidade dos atos da administração até que sobrevenha decisão ju-
dicial em contrário, sendo insuficiente a opinião do TCU, a quem cabe
tão só julgar a regularidade das contas. Bem como alegou que, após a
Constitucionalismo Contemporâneo
Gilmar Mendes, julgado em 22/03/2006, grifos originais)
Constitucionalismo Contemporâneo
que for manifestamente inconstitucional, contudo não configura esta
determinação como controle repressivo de constitucionalidade de lei,
pois tal competência é exclusiva do Poder Judiciário.
Ademais, as decisões supracitadas ainda não transitaram em jul-
gado e também não se têm notícias de decisões mais recentes proferidas
pelo Supremo Tribunal Federal, em que seja reconhecida a competência
do Tribunal de Contas da União para declarar a inconstitucionalidade.
Considerações finais
Portanto, como visto no decorrer do presente trabalho, entende-
se que o Tribunal de Contas União é um órgão autônomo e integrante
lidade pelo Tribunal de Contas, contanto que este órgão de contas siga
fielmente os ditames elencados nos limites de sua competência, vale di-
zer, que afaste a aplicação de uma norma considerada ilegal, em cada
caso concreto.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
da
Constitucionalismo Contemporâneo
ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas> Acesso em: 25 abr. 2017.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 7. ed., rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2012.
FAJARDO, Cláudio Marcelo Spalla. Súmula STF 347: uma nova abordagem sobre a compe-
tência do TCU para apreciar a constitucionalidade de leis e de atos normativos do Poder
Público. Brasília: Revista do Tribunal de Contas da União, 2008.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013.
Rosa Sauzem Machado
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Saraiva, 2012.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed., rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2015.
MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional. 7. ed., rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2012.
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A RESOLUÇÃO 23.475/2015 EMITIDA
PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
EM FACE DA LIBERDADE
DE EXPRESSÃO
Alcione de Almeida
Graduado em Direito pelo Centro Universitário Franciscano
– UNIFRA, Especialista em Controle da Gestão Pública pela
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Mestrando
em Direito pela Universidade de Santa Cruz – UNISC.
Procurador Jurídico do Município de São Martinho da Serra –
RS. Advogado. (almeida_advogado@hotmail.com)
Considerações iniciais
A liberdade de expressão é um direito constitucionalmente pre-
visto no título que aborda os direitos e garantias fundamentais, contu-
do, tal direito não é tido como absoluto devendo respeitar, dentre outros
direitos e garantias fundamentais protegidos, a imagem e a intimidade
das pessoas, pois, segundo Cruz (2010, p. 118), sofre limitações de na-
tureza ética e de caráter jurídico.
No que tange ao período eleitoral, a liberdade de expressão sofre
uma limitação, pois não é possível ao cidadão exteriorizar tudo o que
pensa sobre candidatos, uma vez que a legislação eleitoral estabelece
preceitos severos para os meios de comunicação, inclusive para redes
sociais quando extrapolam os limites do tolerável.
A liberdade de expressão é importante para a efetivação da de-
mocracia, onde há divergência de ideias e de ideais, assim, o direito de
expressar opiniões não pode ser restringido para que a verdadeira de-
mocracia seja concretizada. Portanto, a liberdade de expressão, em uma
democracia, deve ser concebida como regra e não exceção.
Diante desse contexto, o intuito com a presente pesquisa é ana-
lisar eventuais limites à liberdade de expressão notadamente no pe-
ríodo eleitoral. Assim sendo, questiona-se: As resoluções do Tribunal
Superior Eleitoral podem restringir o direito fundamental à liberdade
de expressão e quais os desafios que devem ser enfrentados para a efe-
tivação de tal direito neste período?
Para a construção do estudo, no primeiro capítulo, analisar-se-á
o instituto da liberdade de expressão como direito fundamental, e no
segundo capítulo dissertar-se-á sobre a Resolução 23.475/15 emitida
pelo Tribunal Superior Eleitoral para as eleições municipais do ano de
2016 e a sua interferência na efetivação da liberdade de expressão no
Brasil, durante o período eleitoral.
Diante da relevância do instituto da liberdade de expressão para
efetivação da democracia, busca-se com o presente trabalho verificar as
consequências da mitigação de tal direito no período eleitoral.
Como caminho a ser percorrido à correta construção do estu-
do, utilizar-se-á, como método de abordagem, o hipotético-dedutivo, o
qual, partindo de um problema, buscará vislumbrar possibilidades de
solução por meio de um vasto referencial bibliográfico interdisciplinar.
No que se refere ao método de procedimento, utilizar-se-á o his-
tórico e o monográfico, sendo o primeiro pela necessidade de compre-
ender a importância da liberdade de expressão, e o segundo para na
compreensão de todas as perspectivas que circundam a mitigação à li-
berdade de expressão no período eleitoral. Dessa forma, empregar-se-á
a pesquisa bibliográfica para sistematizar e encontrar possíveis respos-
tas ao problema proposto.
Constitucionalismo Contemporâneo
nifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (inc. IV), que
“ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política” (inc. VIII), que “é livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, indepen-
dentemente de censura ou licença” (inc. IX) e que “é assegurado a todos
o acesso à informação” (inc. XIV).
Os direitos fundamentais surgiram como produto da fusão de vá-
rias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a
conjugação dos pensamentos filosóficos jurídicos, das ideias surgidas
com o cristianismo e com o direito natural (MORAES, 1999).
Os direitos fundamentais podem ser conceituados como a catego-
A liberdade de expressão
na sociedade da informação
Em um Estado democrático de direito, como é caso do Brasil, a
participação social se mostra indispensável, contudo, essa participação
só é possível se a população tem conhecimento dos acontecimentos
para que possa formar opinião sobre os fatos.
Nesse cenário, a evolução tecnológica, sobretudo a internet, tem
Almeida
Constitucionalismo Contemporâneo
coletividade em uma sociedade baseada em tecnologia para a utilização
do conhecimento em decorrência da globalização.
Deste modo, a sociedade é quem instrumentaliza a tecnologia
não só conforme a sua necessidade, mas também em razão dos valores
e interesses daqueles que se utilizam da tecnologia. Ademais, de igual
modo, as tecnologias e as informações se moldam ao uso dado pela so-
ciedade (CASTELLS, 2015).
Portanto, a sociedade é quem comanda o uso da tecnologia valen-
do-se dela conforme seu interesse e necessidade, e fazendo com que a
informação seja difundida.
Segundo Abraão (2005, p. 86), “o campo da informação é aquele
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A liberdade de expressão no período eleitoral
Constitucionalismo Contemporâneo
Diante do contexto exposto no tópico anterior, no qual se expôs
que a liberdade de expressão e o direito à informação ganham especial
destaque no fortalecimento da democracia, algumas normas sugerem
a mitigação da liberdade de expressão, o que golpeia um direito funda-
mental previsto na Constituição Federal.
Para o presente estudo, tomar-se-á como base a Resolução nº
23.457/2015 editada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as
eleições municipais do ano de 2016, que estabelece as regras que pre-
cisam ser respeitadas para a realização de propaganda na internet e
nas redes sociais.
O capítulo IV da referida resolução trata da propaganda eleitoral
1
Art. 24. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a cam-
panha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores – Internet, assegurado o
direito de resposta, nos termos dos arts. 58, § 3º, inciso IV, alíneas a, b e c, e 58-A da Lei
nº 9.504/1997, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem
eletrônica. [...] § 2º Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável,
a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publi-
cações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da Internet, inclu-
sive redes sociais. (BRASIL, 2015)
Contudo, justamente por ser um período em que os ânimos ficam
acirrados não só entre os candidatos como também entre os militantes, a
internet, seja por blogs, sites ou até mesmo nas redes sociais, transforma-
se num local de embate entre candidatos e seus defensores, surgindo a
necessidade da regulamentação da campanha nesses sítios virtuais.
Diante disso, não raras vezes, as cortes eleitorais brasileiras emi-
tem resoluções impondo medidas coercitivas para garantir a igualdade
entre os candidatos, tais como a retirada de conteúdos supostamente
lesivos de sites ou redes sociais (ClE, 2014).
Assim, é necessário atentar para que tais normas não interfiram
no direito fundamental à liberdade de expressão, pois, como já referido,
tal direito é fundamental em uma democracia, sobretudo, no período
eleitoral, e não compete ao Estado censurar a livre opinião e manifesta-
ção das pessoas, sob pena de eventual norma se tornar inconstitucional
(MAGALHÃES, 2016).
Contudo, é necessário que se tenha limites, pois a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu artigo quarto, disci-
plina que “a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não pre-
judique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem
não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da
sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser
determinados pela Lei”.
O período eleitoral, notadamente, é o momento em que as críticas
aos candidatos proliferam na internet, seja por sátira, ironia ou até mes-
mo com deboche, expressões, que, por vezes, assumem um tom agressi-
vo, podendo resultar que os ofendidos peçam para que tais comentários
sejam retirados da rede.
Diante desse cenário, torna-se relevante verificar se a Resolução
23.475/2015, do Superior de Tribunal Eleitoral, no que tange ao pará-
grafo segundo do artigo vinte e quatro, fere o direito fundamental da
liberdade de expressão.
Almeida
Constitucionalismo Contemporâneo
citação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões
ou ataques a candidatos em sítios da Internet, inclusive redes sociais”.
No que tange a este parágrafo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
tentou estabelecer um limite à liberdade de expressão dos usuários, de-
terminando que, no caso de agressão ou ataques a candidatos, o con-
teúdo seja retirado da rede mundial de computadores.
Em que pese nenhum direito fundamental seja ilimitado, sendo
possível que tenha restrições à liberdade de expressão em razão da pro-
ximidade das eleições, distancia-se da proporcionalidade, pois este é o
momento em que se atinge o auge da democracia (ÁVILA, 2010).
Nesse sentido, a possibilidade de determinadas publicações se-
Considerações finais
É inegável que a sociedade evoluiu muito, sobretudo com o ad-
vento da internet, que propiciou uma aproximação dos mais distantes
tipos de pessoas por meio não só do compartilhamento de informa-
ções, como também a comunicação pessoal, o que caracteriza a socie-
dade da informação nos dias de hoje. Em outras palavras, a sociedade
de informação é a sociedade atenta a tudo que ocorre no mundo de
forma quase instantânea.
Não obstante a isso, o advento da internet também trouxe inú-
meras outras vantagens para os mais diversos segmentos da socieda-
de, inclusive para a classe da política que começou a se utilizar da rede
mundial de computadores para divulgar suas ideias visando alcançar o
maior número de possíveis eleitores ou simpatizantes para atingir o seu
objetivo, qual seja, ser eleito.
Ocorre que não só os políticos se valem da internet para difundir
suas ideias, mas também a sociedade se utiliza da rede para buscar in-
formações sobre os mais variados assuntos, inclusive sobre o histórico
de vida de políticos que almejam cargos públicos.
De posse dessas informações, muitas críticas são publicadas
na internet, seja em redes sociais, blogs ou sites e, em razão disso, o
Almeida
Constitucionalismo Contemporâneo
sofrer restrição, sob pena de quebra do Estado Democrático de Direito,
pois o embate de ideias somente fortalece a soberania popular e, por-
tanto, não pode ser tolhida a liberdade de expressão de quem quer que
seja, ainda mais sem o devido processo legal e a observância da ampla
defesa e do contraditório.
Assim, não se demonstra razoável que referida Resolução deter-
mine que, por mera solicitação do ofendido, sejam retiradas publica-
ções que, supostamente, contenham ataque ou agressões a candidatos,
uma vez que a crítica faz parte do processo democrático.
Desse modo, a liberdade de expressão deveria ser limitada no caso
de comprovadamente haver excessos, uma vez que nenhum direito fun-
damental é absoluto, o que somente seria possível com uma análise apro-
Referências
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TAMMARO, Anna Maria; SALARELLI, Alberto. A Biblioteca Digital. Brasília: Briquet de Lemos,
2008.
44
A DEMOCRACIA NA PERSPECTIVA DO
CONSTITUCIONALISMO GARANTISTA
Daniélle Dornelles
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito –
Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul
– UNISC. Pós-graduada lato sensu (especialização) em Direito
Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial pela Universidade
de Santa Cruz do Sul – UNISC (2017). Pós-graduada lato
sensu (especialização) em Direito Notarial e Registral pela
Universidade Anhanguera – UNIDERP (2012). Pós-graduada
lato sensu (especialização) em Direito e Processo do Trabalho
pela Universidade Anhanguera – UNIDERP (2011). Graduada
em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC
(2007). Integrante do grupo de pesquisas “Intersecções
Jurídicas entre o Público e o Privado” do Programa de Pós-
-Graduação em Direito - Mestrado e Doutorado da Univer-
sidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, coordenado pelo profes-
sor Pós-Doutor Jorge Renato dos Reis. Registradora Substituta.
(d.dornelles@hotmail.com)
Introdução
Atualmente, no âmbito da teoria da democracia, existem duas
concepções de democracia: a procedimentalista e a constitucionalista.
O procedimentalismo trata-se de uma concepção de democracia que
tem por foco o procedimento democrático, ou seja, o que importa para
esta concepção é a forma de garantir que a vontade da maioria preva-
leça. Já, o constitucionalismo trata-se de uma perspectiva que não se
atenta somente na forma, mas, também, visa garantir a efetividade dos
direitos fundamentais.
Isto porque, após a Segunda Guerra Mundial, valores como a dig-
nidade da pessoa humana e os direitos fundamentais foram positivados
nas Constituições dos Estados na forma de princípios. Por isso, também
no âmbito da teoria da democracia surgem várias correntes teóricas
que entendem que o aspecto substancial (material) não pode ser sepa-
rado do seu aspecto formal.
Uma destas correntes trata-se do Constitucionalismo Garantista ou
Garantismo Jurídico, de Luigi Ferrajoli, certamente um dos mais influen-
tes jusfilósofos dos séculos XX/XXI. Detentor de uma vasta obra, na qual
se destacam “Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal” e “Principia
Iuris”. Na primeira obra, Ferrajoli apresenta uma teoria do Estado consti-
tucional de direito que, grosso modo, estabelece uma visão normativa, teó-
rico-jurídica e jusfilosófica da relação do poder (público ou privado) com
Alexandre Brandão Rodrigues & Daniélle Dornelles
Constitucionalismo Contemporâneo
Estado Democrático de Direito.
Constitucionalismo Contemporâneo
2010; BITENCOURT; CALATAYUD; RECK, 2014).
Ressalta Hart (1994) que em um sistema jurídico complexo,
onde existe uma variedade de fontes, a regra de reconhecimento é mais
complexa, e pode envolver uma Constituição escrita, leis, precedentes
judiciais, entre outras normas. Tais critérios são ordenados de forma
hierárquica de subordinação e primazia relativas, em que se estabelece
uma noção de derivação. Esta complexa regra de reconhecimento, base-
ada em uma estrutura hierárquica de vários critérios, possibilita que se
identifiquem as regras válidas do sistema.
Dentro dessa perspectiva juspositivista, para Bobbio (1998, p. 18
e 19), a democracia trata-se de “um conjunto de regras (primárias ou
fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as de-
Constitucionalismo Contemporâneo
efeito a nulidade dos atos inválidos, que são os contrários à garantia dos
direitos fundamentais.
Para Ferrajoli (2006), o antigo conflito entre direito positivo e
direito natural ou entre juspositivismo e jusnaturalismo, perdeu seu
significado filosófico-político, pois o direito natural foi colocado como
fundamento do moderno Estado de direito. Assim os seus princípios
políticos (ou externos) passaram a ser também jurídicos ou internos.
Uma norma jurídica pode ser analisada no que tange à sua validade em
relação às normas de categorias superiores e à sua eficácia em relação
às normas de categoria inferior.
Fiel à tradição juspositivista, Ferrajoli (2006) entende que a
teoria da separação entre o direito e a moral não perdeu a sua im-
Constitucionalismo Contemporâneo
modelo normativo garantista parte da concepção de direito de Hebert
Hart (1994) de normas primárias e normas secundárias, mas entende
Ferrajoli (2006) que as normas secundárias são as normas de direito
público que disciplinam a atividade do Estado e todas as demais são
normas primárias.
Entre as normas primárias estão as garantias próprias da tradi-
ção liberal, garantias liberais ou negativas, pois consistem em deveres
públicos negativos de não fazer. Ao lado destes tradicionais direitos de
liberdade (negativos), as Constituições têm reconhecido outros direitos
fundamentais, como o direito à subsistência, à alimentação, ao trabalho,
à saúde, à instrução, à habitação, à informação, entre outros. São direi-
tos “sociais” ou “materiais”, que correspondem a obrigações (ou deve-
2
Nesse ponto, é importante trazer, de forma sucinta, os ensinamentos de Sarlet e Sarmento
quanto aos direitos fundamentais de primeira e segunda dimensão. Para esses autores,
os direitos fundamentais de primeira dimensão são os próprios da tradição liberal, de
inspiração jusnaturalista, que podem ser chamados também de negativos, pois exigem
que o Estado não intervenha na esfera de liberdade do cidadão. Visam tutelar a liberdade
e a igualdade formal (perante a lei) (SARLET, 2003; SARMENTO, 2004). São chamadas de
garantias liberais ou negativas, pois consistem nos deveres públicos negativos de não fa-
zer. Já os direitos fundamentais de segunda dimensão surgem com o Estado de Bem-Estar
Social, fruto de pressões do proletariado (a classe social operária) e da sua luta contra a
opressão e exploração burguesa (SARMENTO, 2004). Caracterizam-se por serem positivos,
ou seja, por exigirem uma ação ativa do Estado para sua implementação, visam garantir
uma igualdade material. Como exemplo têm-se os direitos econômicos, sociais e culturais
(SARLET, 2003; SARMENTO, 2004).
compatibilizar uma sociedade liberal com a visão de uma solidariedade
republicana, com ênfase ao multiculturalismo, com fim de acomodar a
diversidade sociocultural.
Assim, alarga-se o próprio conceito de democracia em um Estado
constitucional de direito, ao incluir-se o sentido substancial e social a este
conceito: mais do que a vontade da maioria, é essencial garantir “o inte-
resse e necessidades vitais de todos” (FERRAJOLI, 2006, p. 797). A demo-
cracia formal ou política, baseada no princípio da maioria, deve estar em
consonância com a democracia substancial, que são as efetivas garantias,
sejam liberais ou sociais. Desta forma, Ferrajoli (2006, p. 798) entende
como democracia substancial ou social como o Estado de direito com efe-
tivas garantias, tanto liberais como sociais; e como democracia formal ou
política a que se dá por meio de um Estado representativo, e esse princí-
pio representativo (da maioria) é a fonte da legalidade. Isso porque
Constitucionalismo Contemporâneo
são formal composta por instituições de governo (funções próprias do
Legislativo e do Executivo) que visam aos direitos gerais e se legitimam
na representação política (SEGUÍ, 2012).
Ferrajoli, tanto no “Direito e Razão” (2006), como no “Principia
Iuris” (2011a, 2011b, 2011c), defende uma “esfera de indecidibilidade”
como categoria estrutural do sistema constitucional: no sentido negativo
(sobre o que a maioria não pode decidir) e no sentido positivo (o que é
obrigatório decidir e resolver), que afeta os poderes públicos, privados e o
mercado (ATIENZA, 2013). Como assevera Gómez (2012), a complexida-
de estrutural que o garantismo propõe ao Estado constitucional determi-
na não só quem e como se manda, mas também o que pode se mandar, isto
visto a incorporação nas Constituições rígidas de normas substanciais (di-
3
No ordenamento jurídico brasileiro têm-se tais funções administrativas de garantias no
Ministério Público (art. 129 da CF) e na Defensoria Pública (art. 134 da CF).
prestações que têm custo econômico4. E essa violação “dá lugar a lacunas,
isto é, à falta de normas: e, se uma lacuna pode ser apenas colmatada por
meio de uma atividade normativa nem sempre facilmente coercitível ou
sub-rogável” (FERRAJOLI, 2006, p. 797). Nesse ponto, a Constituição da
República do Brasil prevê ambas as garantias (liberais e sociais) e tantas
outras mais. A dificuldade fica na questão da efetividade destas garantias,
como aponta José Afonso da Silva (1997, p. 8):
4
Como exemplo dessa problemática tem-se da PEC 241/55 (números da Câmara dos
deputados e do Senado Federal, respectivamente) que limitará, substancialmente, o
aporte de recursos públicos para áreas sociais como as de saúde e educação. O que,
certamente, terá como reflexo que direitos sociais fundamentais de milhões de pessoas
não serão efetivados pelo Estado.
56
57
em relação à maioria integralizada, as razões de baixo relativa-
Constitucionalismo Contemporâneo
mente às razões do alto.
5
Niklas Luhmam, com a sua teoria dos sistemas, adotou a perspectiva autopoiética do
Direito (BARRETTO, 2009, p. 550). O termo “autopoiético” baseia-se nas definições dos
biológicos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para designar a capacidade
dos seres vivos de produzirem a si próprios (FERRAJOLI, 2006).
58
59
neste sentido, ‘democracia representativa’ e ‘democracia direta’
Constitucionalismo Contemporâneo
não constituem dois modelos alternativos de democracia, mas são,
ao invés, uma o sustento da outra. (FERRAJOLI, 2006, p. 872)
Considerações finais
Partindo de uma perspectiva puramente democrático-procedi-
mentalista, tem-se o regime democrático como aquele que pretende
possibilitar, de forma igualitária e representativa, a participação popu-
Referências
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Constitucionalismo Contemporâneo
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Alexandre Brandão Rodrigues & Daniélle Dornelles
1997.
62
A MEDIAÇÃO SOB A ÓTICA DA
ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO EM
AMARTYA SEN
Giovana Krüger
Acadêmica do 3º semestre do Curso de Graduação em Direito
da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões, campus Santo Ângelo. Bolsista PIIC/URI do Projeto
de Pesquisa “Gritos pela alteridade e sensibilidade do Direito:
o estudo da mediação como resposta ecológica ao conflito a
partir de Luis Alberto Warat”.
(giovanapkruger@hotmail.com)
Considerações iniciais
A correlação entre Direito e Economia forma a chamada análise
econômica do Direito, a qual tem o objetivo de tornar os mercados
mais eficientes e melhorar a qualidade de vida da população. Dentro
do objeto de estudo da análise econômica do Direito está o paradigma
das necessidades ilimitadas versus recursos escassos. Este pode ser
ilustrado pela Crise do Judiciário, no qual as demandas processuais
são maiores do que a oferta de serviços judiciais, o que afasta o cida-
dão do alcance à justiça.
Em conformidade com Amartya Sen, o desenvolvimento econô-
mico está condicionado às liberdades dos indivíduos à justiça e ao bem-
-estar social. Entretanto, existem limitações a estas liberdades, como
a anteriormente citada Crise do Poder Judiciário. Dentre as limitações
existentes também é válido discorrer sobre a dogmática jurídica e a rea-
lidade social, uma vez que a primeira não é capaz de tutelar todas as
situações existentes, e muitas vezes não consegue sequer alcançá-las, o
que gera uma situação de marginalidade e exclusão, privando aqueles
que não são amparados pelas instituições e normas estatais de verem a
realização de suas liberdades.
Diante deste cenário, é necessária a busca por métodos que com-
plementem a prestação jurisdicional e garantam os fatores primordiais ao
desenvolvimento econômico, na visão de Amartya Sen, como a mediação.
Desse modo, o presente estudo tem como objetivo, a partir do
método de abordagem hipotético-dedutivo e método de procedimento
bibliográfico, apresentar a relação existente entre a análise econômi-
ca do Direito feita por Amartya Sen e a mediação, a qual se caracteriza
como resposta cidadã à crise do Poder Judiciário e como potencial me-
canismo de desenvolvimento econômico.
64
65
Direito e Economia diferem, em sua essência, eis que a preocu-
Constitucionalismo Contemporâneo
pação do Direito reside na conformidade das questões com a lei, en-
quanto que a Economia as analisa, ambicionando a eficiência e a eficá-
cia das normas. Por essa razão, Salama (2008, p. 49) sustenta que “na
sua essência o Direito é verbal, hermenêutico, almeja a justiça e analisa
questões sob o enfoque da legalidade. A Economia, por sua vez, embora
também verbal, é primordialmente matemática, almeja ser científica e
examina questões tendo em vista o custo”.
Mesmo havendo uma clara distinção no seu objeto, é inegável que
o Direito e a Economia trabalham juntos e coincidem em sua essência.
O Direito tem o papel de organizar a ordem social por meio das normas
jurídicas, regulando as relações humanas que existem na sociedade.
Dentro da ordem social está inserida a Economia, uma vez que
66
67
O mito da dogmática jurídica e
Constitucionalismo Contemporâneo
a realidade social de pasárgada:
uma comunidade à margem do direito
Percebe-se que a crise do Poder Judiciário consiste em uma li-
mitação constituída pelo paradigma das necessidades ilimitadas versus
recursos escassos, uma vez que este resulta em morosidade e pouca efe-
tividade no acesso à justiça.
Pasárgada, como se confirmará a seguir, se vê ainda mais dis-
tante da efetivação de seus direitos básicos, pois sequer possui aces-
so aos meios de ordenação e controle social. Warat traz em sua obra
“A Rua Grita Dionísio! Direitos Humanos da Alteridade, Surrealismo e
Cartografia”, uma metáfora acerca da dogmática jurídica, descrevendo-
Constitucionalismo Contemporâneo
faz diante da realidade jurídica e social de Pasárgada, a qual o direito
inesgotável de Babel não é capaz de coordenar.
Constitucionalismo Contemporâneo
das pessoas a sensação de alienação social operada pelos poderes do
Estado e, em especial, por seus representantes. Nessa ótica, verifica-se
que a revolução democrática da justiça deve superar primeiramente o
distanciamento da justiça das pessoas, estabelecendo um elo sólido e
permanente, atendendo à sua função social de garantir e concretizar
a cidadania de forma que cada um seja mais consciente de seu papel
na sociedade, bem como participe direta e efetivamente do desenvol-
vimento social, político, econômico e cultural do seu espaço, pois sem
direitos de cidadania efetivos, a democracia traduz-se em uma ditadura
mal disfarçada. O exercício concreto da cidadania requer o empodera-
mento das pessoas, para que sejam capazes de lidar com o seu próprio
conflito e de gerir sua própria vida, razão pela qual o estudo dos meios
72
73
[...] a mediação deve ser compreendida como ética da alteridade,
Constitucionalismo Contemporâneo
a qual reivindica a recuperação do respeito e o reconhecimento
da integridade e da totalidade de todos os espaços de privacidade
do outro, ou seja, um respeito absoluto pelo espaço do outro, e
uma ética que rechaça o mínimo de movimento invasor em rela-
ção ao outro. (COLET; SPENGLER, 2016, p. 122)
Considerações finais
Charlise P. Colet Gimenez & Giovana Krüger
Constitucionalismo Contemporâneo
co, segundo Sen, está ligado a estes pressupostos, sendo que a mediação
atua a fim de garantir um direito efetivo na resolução das contendas, e é
capaz de efetivar os fatores primordiais ao desenvolvimento econômico
na visão de Amartya Sen. Por sua vez, Pasárgada é uma comunidade ile-
gal, totalmente privada de sua liberdade de acesso à justiça, na medida
que não possui acesso ao Poder Judiciário, à Polícia ou a outros métodos
estatais de ordenação e pacificação social.
A mediação na comunidade de Pasárgada pode surgir como um
mecanismo independente dos órgãos estatais, com o objetivo de prote-
ger os direitos dos cidadãos da comunidade, aplicando uma justiça com
base no diálogo, alteridade e responsabilização das partes, que pode ser
mediada e aplicada pelos próprios moradores.
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76
A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA FUNÇÃO
SOCIAL DA PROPRIEDADE FRENTE
À DESAPROPRIAÇÃO URBANA
Introdução
O presente trabalho está vinculado tanto ao direito administrati-
vo como ao direito constitucional. Está delimitado à desapropriação da
propriedade urbana frente ao cumprimento da função social. Os pro-
blemas de pesquisa baseiam-se no conceito de desapropriação, nas suas
características e na forma como se concretizam.
A desapropriação também é conhecida como expropriação e
ocorre quando o Poder Público, baseado em uma necessidade pública,
utilidade pública ou interesse social, desapossa alguém de um bem e
o transfere para si, ou seja, existe um interesse social superior ao in-
dividual. Uma das principais características da desapropriação é que
ela é forma originária de adquirir a propriedade, sendo realizada por
um procedimento administrativo, existindo primeiramente a etapa de-
claratória, na qual expõe-se todos os motivos: fatos para que ocorra a
expropriação – sendo necessário englobar todas as características in-
dispensáveis para se perpetuar a parte executória, sendo o expropriado
indenizado e transferido o bem ao ente público.
As desapropriações seguem as normas da Constituição Federal
e do Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941. Este Decreto dispõe
sobre as expropriações nos casos de utilidade pública, sendo esta le-
gislação utilizada em todo o território nacional. Conforme positivado
no artigo 182, §§ 3º e 4º da Constituição Federal, a expropriação será
realizada com pagamento de justa e prévia indenização, em dinheiro
ou mediante títulos da dívida pública, pois trata-se de uma recompensa
pela perda do bem. Existem apenas as exceções previstas no artigo 243
da Constituição Federal, em que não é paga indenização, ou seja, quan-
do existem plantações psicotrópicas no terreno, ou quando há compro-
vação de trabalho escravo realizado na propriedade.
O artigo 5º, XXII, da Constituição Federal, trata da garantia do direi-
to de propriedade, porém, logo no inciso XXIII, dispõe que a propriedade
deve atender à função social, e ambas as situações ressaltam que é preci-
so observar tanto os direitos quanto os deveres de cada cidadão, a respei-
to da propriedade, não podendo o proprietário do bem prejudicar a cole-
tividade em seu favor. Dessa forma, o princípio da função social tem por
Cíntia Jotz Vargas & Claudine Rodembusch Rocha
Constitucionalismo Contemporâneo
ções por utilidade pública. Mesmo tratando-se de um decreto antigo,
ele continua sendo completo e atual para os dias de hoje. Entre os
artigos 1º e 10, constam disposições preliminares, como quais os bens
que podem ser desapropriados e quem pode desapropriá-los. Ressalta
a importância da declaração de utilidade pública e descreve que esta
deve ser realizada via decreto pela autoridade responsável, além de
elencar quais são os casos admitidos para ocorrer a desapropriação
por utilidade pública. Também relata o prazo permitido pela lei, ou
seja, inicia tão logo seja expedido o decreto que disponha sobre a ex-
propriação (HARADA, 2014).
Ao longo dos artigos 11 a 30 do Decreto nº 3.365/1941, há referên-
cia à forma como irá ocorrer o processo judicial, ou seja, como serão reali-
O artigo 170, III, da atual Constituição, dispõe que, para ter uma
vida digna, conforme prevê a justiça social, deve-se observar o princípio
Cíntia Jotz Vargas & Claudine Rodembusch Rocha
Constitucionalismo Contemporâneo
Descreve o que é considerado interesse social, aborda sobre o aprovei-
tamento de todo o bem e a possibilidade de realizar-se a construção
de loteamentos populares, para que a propriedade venha a realizar o
interesse social (ARAÚJO, 2010).
O Decreto-lei nº 1.075, de 22 de janeiro de 1970, regula a imissão
de posse, initio litis, em que a indenização deve ser em valor corres-
pondente, para que o expropriado possa comprar nova propriedade,
imissão esta que ocorre em imóveis residenciais urbanos. Tem em seu
diploma oito artigos, dispondo sobre a necessidade de urgência, bem
como sobre o prazo fixado para a oferta ao proprietário e para entrega
do laudo do perito. Este Decreto será aplicado somente nos casos de de-
sapropriação de prédio residencial urbano, habitado (HARADA, 2014).
Constitucionalismo Contemporâneo
prindo sua função social, ou estiver em desacordo com o previsto no
Plano Diretor do Município, então a indenização pela desapropriação
é realizada em títulos da dívida pública, positivado no artigo 182, § 4º,
III, da Constituição Federal.
José Cretella Júnior (1976, p. 558), em sua obra, traz a ideia que:
“A justa indenização devida pelo Estado ao proprietário do bem expro-
priado tanto está presente na desapropriação por necessidade e utilida-
de pública quanto na desapropriação por interesse social.”.
As duas exceções previstas na Constituição que isentam o Estado
do pagamento de indenização encontram-se positivadas no artigo 243.
Uma, é quando há desapropriação por cultivo de plantas psicotrópicas
consideradas ilegais. A outra, ocorre quando é descoberto que a pro-
84
85
Antigamente tratava-se apenas a propriedade de forma absoluta,
Constitucionalismo Contemporâneo
mas hoje leva-se em consideração também a questão da função social
da propriedade, proposta pelo renomado jurista francês, Léon Duguit,
no século XIX, que afirmava que o proprietário do bem, por possuí-lo,
deveria observar a função social, se não o fizesse, ou se o fizesse não da
forma que se esperava, o Estado deveria intervir. A partir deste enten-
dimento, a Constituição alemã do mesmo século, escrita por Weimar,
também trouxe a ideia de que o proprietário do bem teria obrigações
perante a sociedade, para se alcançar o desenvolvimento social por
meio do uso correto da propriedade (HUMBERT, 2009).
Segundo León Duguit, o proprietário é que deve cumprir a função
social da propriedade, pois é ele quem tem o subsídio para fazê-lo, ou
seja, tem a riqueza, sendo que hoje a proteção dos interesses da coletivi-
Constitucionalismo Contemporâneo
des sociais preenchíveis pela espécie tipológica do bem (ou pelo
menos não poderá ser utilizada de modo a contraditar estes inte-
resses), cumprindo, destarte, às completas, sua vocação natural,
de molde a canalizar as potencialidades residentes no bem em
proveito da coletividade (ou pelo menos não pode ser utilizada
de modo a adversá-las).
Constitucionalismo Contemporâneo
por objetivo a ordem econômica, na qual está especificamente em dis-
cussão a questão do desenvolvimento, sendo que este quer oportunizar
justiça e avanço sociais. Dessa forma, também faz relação com a distri-
buição mais paritária das riquezas.
Sabe-se que a propriedade urbana provém de algo construído pela
força do trabalho do homem. Por este motivo, a propriedade deve aten-
der à função social urbanística, que tem por objetivo a moradia, o lazer,
o trabalho e o livre movimento das pessoas. “A autonomia da vontade na
utilização da coisa é substituída pela sua função” (SUNFELD, 1987, p. 7).
Sendo assim, o princípio constitucional da função social da propriedade
nada mais é que uma tentativa de equiparar os interesses públicos aos
privados, porém, não raras vezes, estão em situações conflitantes.
Constitucionalismo Contemporâneo
reconhecido na Constituição de 1967, em relação à ordem econômica,
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1967, p. 267) traz em sua obra:
Considerações finais
Verificou-se que a desapropriação ocorre quando o Poder Público,
baseado em uma necessidade pública, utilidade pública ou interesse so-
cial, despossa alguém de seu bem, transferindo este mesmo bem para si
e todos os direitos pertinentes a esta propriedade. Uma das principais
características da expropriação é que é forma originária de o Estado
adquirir o bem. Para que ocorra a desapropriação, deve haver uma
declaração, na qual deverá constar se o motivo é necessidade, utilida-
de pública ou interesse social, dispondo nela todas as características
pertinentes para que esta se perpetue, bem como o motivo, citação do
proprietário. Após este estar ciente da situação, a expropriação pode
ocorrer de forma amigável ou judicial, sendo que em ambos os casos
deve ser pago ao proprietário uma indenização.
De acordo com o artigo 182, parágrafo terceiro, da Constituição
Federal, a desapropriação de imóveis urbanos será realizada de forma
prévia e em dinheiro, em regra, tendo ainda, como opção, o ente públi-
co realizar o pagamento mediante títulos da dívida pública, situação
disposta no inciso terceiro do parágrafo quarto do mesmo artigo. A
indenização será sempre realizada de forma justa, com o valor cor-
respondente do imóvel no mercado. Existem, porém, duas exceções
em que não haverá pagamento de indenização pela desapropriação,
as quais estão elencadas no artigo 243 da Constituição, que se refe-
rem a propriedades em que forem encontradas plantações de ervas
psicotrópicas ou que nelas seja utilizado trabalho escravo, pois estas
propriedades serão confiscadas pelo Estado, para lhes seja dada fun-
ção social adequada.
Constatou-se, que, além da Constituição Federal, também o
Decreto-lei nº 3.365/41 trata da desapropriação, tendo elencado em
seu artigo 5º todos os casos de expropriação por utilidade pública.
Apesar de antigo, este Decreto continua em vigor. Ao longo do seu texto,
positiva as questões pertinentes à expropriação por utilidade pública,
desde a declaração e a indenização, até os trâmites do processo judicial.
Conclui-se que cada indivíduo tem uma função na vida em socie-
dade, e todos devem fazer o seu melhor, contribuindo dessa forma para
a construção de uma sociedade cuja convivência seja pacífica e harmo-
niosa. Sendo assim, há uma busca constante de esforços para que se
alcance o bem-estar social, ou seja, em prol da coletividade, sendo esta
uma das formas que colabora para se alcançar tal fim, utilizando a pro-
priedade de maneira que cumpra com sua função social.
Cíntia Jotz Vargas & Claudine Rodembusch Rocha
Referências
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Constitucionalismo Contemporâneo
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 31. ed. São Paulo:
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Lúcia Valle (Coords.). Temas de direito urbano - 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.
CIDADANIA TRIBUTÁRIA FRENTE AOS
PRINCÍPIOS REPUBLICANOS E DA
MORALIDADE TRIBUTÁRIA
Introdução
Há grande complexidade em debater o tema da cidadania tribu-
tária, vez que, para o seu exercício, pressupõem-se uma análise ante-
rior baseada em princípios, em especial os republicanos, e na morali-
dade tributária.
Este trabalho tem como objetivo analisar como os cidadãos po-
dem ter maior participação social, repartindo direitos e obrigações, car-
gas e reivindicações, agindo em busca do exercício da cidadania tribu-
tária. Assim, será traçado um paralelo entre os princípios republicano
e federativo, analisando, por conseguinte, os aspectos da moralidade
tributária da administração no que concerne ao gerenciamento da res
publica, com o intuito de se tentar minimizar os efeitos das crises en-
frentadas pela sociedade.
Detalhando mais ainda o objetivo do estudo em questão, po-
derá ser notado que o presente trabalho fará análise de três pontos
importantes, quais sejam: a dos princípios republicano, federativo e
constitucionais limitativos; a moralidade tributária; e o conceito de
cidadania tributária.
O princípio republicano será abordado sob a ótica da liberdade
e não como forma de antagonismo ao regime monárquico, explorando
as características que integram o seu conceito, de forma que os valores
intrínsecos ao republicanismo sejam absorvidos pela sociedade. Em re-
lação ao princípio federativo, verificar-se-á que não existe um único mo-
delo a ser aplicado em todos os países que se intitulam federação, contu-
do, a abordagem remete à análise de características comuns, focando no
federalismo cooperativo do Brasil. Em seguida, será feita uma abordagem
acerca dos princípios constitucionais decorrentes e limitativos, como le-
galidade, isonomia, capacidade contributiva e solidariedade social.
O segundo ponto a ser analisado neste estudo é a moralidade tri-
butária, buscando identificar o que é moralidade tributária e como ela
se desenvolve sob a ótica do Estado, desde a elaboração de normas até o
cuidado com a res publica, bem como a moralidade do contribuinte, que
muitas vezes se furta ao cumprimento da legislação tributária baseado
em vários pontos de vista.
Por fim, será identificado o conceito de cidadania tributária, e dis-
cutido sobre o dever que o contribuinte tem de pagar os tributos, mas
não ser simplesmente um sujeito passivo nesse processo, e sim, exercer
uma cidadania ativa para que o Estado tenha uma contraprestação so-
cial e responsável em relação aos recursos administrados visando sem-
pre o bem comum.
Princípios
Os princípios republicanos e a moralidade tributária devem ser
analisados sob a ótica valorativa em contradição ao pluralismo das so-
ciedades pós-modernas, direcionando proteção à res publica, com o in-
tuito de valorizar a participação social no exercício da cidadania.
Neste sentido, Agra (2005, p. 12) dispõe que “os princípio e valo-
res pertinentes ao republicanismo, atualizados por uma releitura que
Alex Silva Gonçalves
Constitucionalismo Contemporâneo
obrigações, cargas e reivindicações devem ser repartidos entre membros
de uma comunidade. Repartição sem princípios é repartição arbitrária.
Isso é pacífico tanto na filosofia moral como na filosofia do direito.
Os princípios republicanos contribuem para o incremento do
nível de legitimidade porque torna a população partícipe atuante
na feitura das políticas públicas e, assim, as normas produzidas têm
sólido consentimento em razão da maior participação dos cidadãos
(AGRA, 2005, p. 112).
Por outro lado, a tributação é norteada por princípios com justi-
ça. Carga tributária é necessidade e não imposição. Assim, não se ob-
jetivando esgotar o assunto, mas proporcionando o debate para uma
maior participação ativa dos cidadãos, o estudo adiante busca analisar
Republicanismo
O republicanismo pode ser enxergado sob duas vertentes: teoria
de liberdade e teoria de forma de governo. Assim, Agra (2005, p. 12)
denota que
Constitucionalismo Contemporâneo
dadão toda liberdade possível de forma que busque alcançar excelência
quanto à satisfação de suas necessidades, com observância de todo um
emaranhado legislativo e respeito aos direitos de outrem, considerando
sempre o bem-estar coletivo em detrimento do particular.
Nessa linha, Agra (2005, p. 19) é enfático ao afirmar que “os ideais
republicanos são frontalmente contrários a qualquer tipo de tirania em
que haja a sujeição de um cidadão à vontade arbitrária de outro”.
A teoria republicana tem vários defensores, contudo, destaca-
-se Maquiavel (1977, p. 11), o qual afirma que “todos os Estados, os
domínios todos que existiram e existem sobre os homens, foram e
são repúblicas ou principados”, e tentava quebrar o paradigma de que
todos os resultados favoráveis ou desfavoráveis dentro da sociedade
Se, por outro lado, se perguntar ao povo se ele deseja estar dis-
tante do governo, impossibilitado de controlá-lo e fiscalizá-lo;
se apreciaria fosse-lhe negado o acesso a qualquer tipo de in-
formação sobre as funções de governo; se quer governantes que
não conhece e não escolheu e, ainda, ficar impossibilitado de
confirmá-los ou renová-los nas funções, evidentemente, a res-
posta seria negativa.
Constitucionalismo Contemporâneo
dadão tem liberdade para escolher seu destino, mas essa assertiva, para
se tornar realidade, exige que a sociedade garanta condições básicas de
saúde, educação, emprego, cultura, e que ele possa efetivamente guiar
sua conduta na consecução de seus objetivos”.
Ao falar de igualdade formal das pessoas, Carrazza (2013, p. 67)
norteia o entendimento com um apanhado mais específico ao relatar que,
Por outro lado, o Estado deve atuar por meio de medidas de in-
tervenção social, política e econômica, de forma a buscar reduzir ou, no
mínimo, evitar que se alastre o nível de desigualdades existente entre
os cidadãos.
É inegável que toda sociedade tem seus problemas estruturais,
razão pela qual os republicanos buscam encontrar parâmetros que
deem solução a eles. Conforme assinala Agra (2005, p. 13-14), “através
do estímulo das virtudes cívicas e participação ativa da população nas
decisões políticas, do respeito à res publica e da percepção do cidadão
enquanto membro da coletividade, intrinsecamente atrelado a ela, rela-
cionando o conceito de individualismo”.
Os valores intrínsecos ao republicanismo devem ser absorvidos
pela sociedade, sob pena de desvirtuamento dos interesses da polis em
favor do individual ou de grupos específicos.
Federalismo
É certo que existem diversos tipos de federalismo no mundo, o
que demonstra não haver unicidade nessa seara. Igualmente, não há fe-
deralismo ideal, mas verifica-se que há algumas características gerais
que se assemelham.
Passa-se a analisar o federalismo no Brasil, não se objetivando
no presente estudo fazer uma abordagem histórica, mas observá-lo a
partir da Constituição de 1988, a qual estabelece, em seu artigo 1º, que
a forma do Estado brasileiro é o Estado Federal, sendo “A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados,
Municípios e Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:”.
O dispositivo constitucional foi inovador no que concerne à inclu-
são dos municípios como participantes da federação, os quais, a partir
de então, têm uma “Constituição” própria, intitulada pela Carta Magna
como Lei Orgânica do Município.
O Brasil apresenta característica de um federalismo cooperativo.
“A expressão federalismo cooperativo foi utilizada originalmente pelos
Estados Unidos da América, para qualificar o modelo de federalismo
contraposto ao existente na ordem federal daquele país (dual federa-
lism)” (REVERBEL, 2012, p. 115).
Debruçando-se um pouco mais sobre o normativo constitucional,
pode-se identificar que o artigo 23 estabelece o federalismo coopera-
tivo “É competência comum da União, Estados, Distrito Federal e dos
Municípios”, devidamente corroborados pelo parágrafo único do mes-
mo dispositivo, quando determina que “Leis complementares fixarão
normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do
bem-estar em âmbito nacional”.
Ocorre que tais leis complementares jamais foram elaboradas,
certamente porque não houve interesse da União em fixar tais normas,
talvez pela ameaça da perda ou limitação de competências.
Adiante será estudado o princípio limitativo da solidariedade,
contudo, para que o federalismo tenha funcionabilidade, é imprescin-
dível que a União transfira não somente competência, mas também
recursos para que os estados e municípios implementem as políticas
Alex Silva Gonçalves
necessárias.
Bercovici (2004, p. 58) explica que “A virtude da cooperação é a
de buscar resultados unitários e uniformizadores sem esvaziar os pode-
res e competências dos entes federados em relação à União, mas ressal-
tando a sua complementaridade”. Objetiva-se, assim, trazer equilíbrio e
harmonia em relação à descentralização federal.
102
103
A cooperação pode ocorrer entre os diversos entes federados,
Constitucionalismo Contemporâneo
União, Estados, Distrito Federal e Municípios, quando buscam imple-
mentar políticas públicas comuns em relação aos serviços públicos no
âmbito do território da federação. Todavia, Bercovici (2004, p. 63) afir-
ma que “É a falta de uma política nacional coordenada, e não a reparti-
ção de competências concorrentes e comuns, que faz com que determi-
nados programas e políticas públicas sejam realizados por mais de uma
esfera governamental e outros por nenhuma”.
Este é o mesmo entendimento de Reverbel (2012, p. 117), ao
assinalar que “A cooperação é um mecanismo existente no Estado
Federal que favorece o desenvolvimento das relações intergoverna-
mentais, abrangendo as formas e os meios de aproximação dos gover-
nos (central e locais).
104
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pense em não privilegiar macro e microrregiões para cristas comuns de
Constitucionalismo Contemporâneo
desenvolvimento com incentivos fiscais direcionados a cada uma delas.
Para isso, precisa que haja harmonização tributária, a fim de evi-
tar a guerra fiscal entre os estados que produzem e os que adquirem a
produção, bem como propiciar um sistema que possa favorecer ao ple-
no emprego, melhoria da qualidade de vida, aumento do consumo e da
produção, que, por conseguinte, gera mais empregos e mais consumo
dentro da lógica do mercado.
Legalidade tributária
A legalidade tributária se fundamenta constitucionalmente no ar-
tigo 5º, II, ao estabelecer que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
O Estado deve atuar dentro dos limites legais estabelecidos pela lei.
A competência para tributar é delineada pela Constituição Federal e deve
ser exercida em favor do povo. Carrazza (2013, p. 93) afirma que “seria
um contrassenso aceitar-se, de um lado, que o povo outorgou competên-
cia tributária às pessoas políticas e, de outro, que elas podem exercitá-la
em qualquer sentido, até mesmo em desfavor desse mesmo povo”.
Isonomia tributária
A Constituição Federal proíbe a concessão de vantagens tribu-
tárias fundadas em privilégios destinados a determinadas pessoas ou
categorias. É o princípio da isonomia tributária previsto no artigo 150,
II, in verbis:
Capacidade contributiva
O princípio da capacidade contributiva busca equidade na parti-
cipação tributária dos contribuintes, e está expresso no § 1º do artigo
145 da CF: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”.
Não se intenta discutir nesse sentido o equívoco do legislado no
que concerne a englobar em um mesmo dispositivo institutos diferen-
tes, como o imposto e capacidade contributiva, mas apenas firmar algu-
mas considerações sobre este último.
Alex Silva Gonçalves
Constitucionalismo Contemporâneo
que aufira mais rendimentos em decorrência de sua atividade remune-
rada também contribua mais com o sistema financeiro. Em outras pala-
vras, quem ganha mais deve verter maiores contribuições.
Contudo, deve-se ainda observar o aspecto da proporcionalidade
quanto ao fato gerador das contribuições.
Tratando da capacidade contributiva, Carrazza (2013, p. 98) en-
fatiza que “é ela que concretiza, no âmbito dos impostos, a igualdade
tributária e a Justiça Fiscal”. Justiça fiscal é princípio da capacidade con-
tributiva. A justiça do Estado Social de Direito apoia-se em três funda-
mentos: princípio da igualdade, princípio do Estado social e princípio
da liberdade.
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109
A progressividade, que não se confunde com a proporcionalidade,
Constitucionalismo Contemporâneo
é instrumento de política pública para eficácia de um sistema solidário
quando os impostos em maior ou menor grau de incidência são reverti-
dos de igual forma para toda a sociedade.
Pelo princípio da solidariedade também se observa que determi-
nados grupos ou categorias específicas devem arcar com seus próprios
custos e responsabilidades. Assim, Yamashita (2005, p. 64) diz que “não
seria justo cobrir as despesas com a garantia dos direitos sociais de
certos grupos através da arrecadação de impostos gerais. Cada grupo
social deve assumir a responsabilidade de prover as despesas com a
proteção estatal de que carece”.
Já Ávila (2005, p. 71) diz que “a tributação com base na solidarie-
dade social contraria, entre outras normas, as regras de competência e
Moralidade tributária
Conceito de Moralidade
O comportamento humano é influenciado por vários aspectos da
vida, como trabalho, família, religião, educação, tradição e o próprio co-
tidiano, o que repercute de forma positiva ou negativa na conduta das
pessoas, formando sua personalidade moral. Assim, surge o termo mo-
ral, que vem do latim “mores”, que significa costume.
É extremamente complexo tentar definir o termo moral, tendo em
vista que uma mesma conduta pode ser considerada moral ou imoral,
dependendo do lugar ou da época que tenha ocorrido. Envolve-se, nesse
caso, todo o aspecto social, político, ético e religioso. Entretanto, há de-
terminados tipos de comportamentos que são inaceitáveis em qualquer
lugar, e, portanto, imoral, como o caso da corrupção e dilapidação do
patrimônio público arrecadado.
A moral sempre existiu, posto que a consciência do homem dis-
tingue o bem e o mal dentro da realidade em que vive, motivo pelo qual
as condutas individuais são pautadas dentro da razão.
O Estado é a abstração dos representantes do povo, e, portanto,
suas ações devem estar nos limites da moralidade, já que suas condutas
e decisões repercutem na seara econômica dos contribuintes.
Não se propõe nesta abordagem discutir a ética tributária, toda-
via, já que apresenta relação direta com a moralidade, há necessidade
de que os princípios tributários sejam justos e alcancem os fins sociais
a que se destinam.
Moralidade do Estado
Existe uma ideia de pelo menos criação de condições para que
todos concorram em igualdade, e as leis tributárias devem ser orienta-
das nesse sentido. Quando o Estado não aplica uniformemente as leis
tributárias, age de forma imoral.
O legislador que observa a teoria do direito justo demonstra mo-
ral. O legislador que observa a teoria do direito tributário justo demons-
tra moral tributária ou age moralmente em matéria tributária.
Muitos doutrinadores compreendem que nossa legislação infra-
constitucional é distorcida e incompatível com a Constituição. E não é
por demais encontrar a origem desse problema, posto que, apesar de
Alex Silva Gonçalves
que a Constituição não confira todo poder aos elaboradores das nor-
mas, estes se acabam por elaborar uma legislação tributária arbitrária
a “toque de caixa”.
Os políticos, da base do governo e oposição, adotam um discurso
vazio e irracional, com a finalidade precípua de manipular a opinião do
contribuinte, utilizando-se de palavras “de efeito” com objetivo de al-
cançar sucesso no próximo pleito eleitoral.
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Sobre a legislação tributária, Tipke (2012, p. 79) afirma que
Constitucionalismo Contemporâneo
A moral tributária não exige que as leis tributárias tenham uma
tradição, mas que elas se harmonizem com a Constituição atual
e com a Ética corporificada em seus direitos fundamentais. Se o
legislador aprova dolosa ou levianamente leis que são inconsti-
tucionais ou se ele não revoga ou modifica as leis que pela maio-
ria são consideradas por boas razões inconstitucionais, então ele
atua tributariamente de modo imoral.
Constitucionalismo Contemporâneo
reconhece nenhum dever moral de conduta. Ele cultiva um in-
dividualismo racional-egoístico. Para ele, Direito é tudo o que o
beneficia. O valor do dinheiro é para ele o único parâmetro para
a qualidade de vida. Ele calcula, entretanto, o risco de ser desco-
berto, por que as penalidades também são prejudiciais do ponto
de vista econômico.
Cidadania tributária
Cidadania
A cidadania tributária pode ser compreendida pela ótica do
exercício dos direitos e liberdades individuais, aliada às ações estatais.
Assim, é imprescindível que haja harmonia entre o poder público e o
cidadão na consecução do bem comum.
Constitucionalismo Contemporâneo
coletivas.
[...] o dever de pagar tributo, com esses exatos termos, porém, tal-
vez tenha trazido prejuízos não ao Estado, ante o desprezo a esse
dever, mas ao cidadão-contribuinte, porque, na prática, a grande
massa de contribuintes cumpre com seu dever de qualquer for-
ma, seja por receio de sanção, seja pela efetiva aplicação desta,
através da coação.
Constitucionalismo Contemporâneo
dever de contribuir.
Considerações finais
O presente texto procurou analisar a cidadania tributária, toman-
do como ponto de partida os princípios republicanos e os princípios
constitucionais decorrentes e limitativos em contraponto à moralidade
tributária do Estado como forma de inserir o contribuinte em um con-
texto de maior participação social de cidadania ativa.
Atualmente, o contribuinte se resume a mero espectador das
ações estatais. Assim, diante dessa conduta, assina uma procuração em
branco para que o Estado possa agir a seu bel-prazer, pois, sem cobran-
ça por parte da sociedade, age livremente desde o processo de elabora-
ção das leis, gerenciamento do aparelho estatal e aplicação dos recursos
Alex Silva Gonçalves
Constitucionalismo Contemporâneo
como solução possível e viável ao enfrentamento dos percalços sociais.
À medida que o cidadão-contribuinte se torna consciente de que
necessita ter participação mais ativa junto ao Estado, contribuindo voli-
tiva e conscientemente, torna-se titular de direitos e obrigações, fiscali-
zando de perto e cobrando do ente estatal uma postura moral condizen-
te com os princípios da boa administração em benefício da coletividade.
Isso permite que cada cidadão se torne parte do processo demo-
crático, assumindo e dividindo responsabilidades junto com o Estado
quanto às decisões escolhidas e implementadas na proteção da res pu-
blica. Nessa senda, não resta outra alternativa ao Estado que não abrir
espaço para o exercício da cidadania tributária, posto que é o povo que
legitima as ações estatais.
Referências
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ÁVILA, Humberto. Limites à tributação com base na solidariedade social. In: GRECO, Marco
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TIPKE, Klaus. Moral tributária do Estado e dos contribuintes. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Ed., 2012.
120
DO CONSTITUCIONALISMO À
EMERSÃO DA SOCIEDADE DE RISCO
GLOBALIZADA: A NECESSÁRIA
PROTEÇÃO DO DIREITO À SAÚDE
Considerações iniciais
A condição humana estabelecida no início do século XXI, em vir-
tude das transformações perpassadas pela sociedade contemporânea
por influência do fenômeno da globalização do mundo, caracteriza-se
pela presença de riscos incalculáveis e inseguranças que se instalaram de
forma generalizada em todo o mundo. As ameaças aos direitos humanos
geram consequências que escapam ao controle das ordens governamen-
tais e tornam-se assunto na ordem do dia. Isso significa que passamos a
compreender que vivemos, de fato, numa sociedade de risco global.
O resultado dos riscos e incertezas presentes no mundo globali-
zado é que nunca se teve tanto medo e, tampouco se assumiu uma di-
mensão tão onipresente. O certo é que, quando o medo pauta a razão
frente aos riscos da contemporaneidade, a noção da busca pela prote-
ção dos direitos humanos é, muitas vezes, esquecida pelo jogo político.
Aline Michele Pedron Leves; Carolina Andrade Barriquello & Janaína Machado Sturza
Constitucionalismo Contemporâneo
oriundos da nova ordem mundial com as questões enfrentadas em prol
da proteção da saúde pública, o que justifica a análise realizada ao longo
deste estudo, a fim de que o direito humano fundamental à saúde não
permaneça à margem dos atuais processos de produção e multiplica-
ção dos riscos existentes. Assim, o presente artigo enfrenta a temática e
as hipóteses levantadas através do emprego do método de abordagem
hipotético-dedutivo e da técnica de pesquisa bibliográfica e documen-
tal. Objetiva-se, desta forma, identificar a interferência da sociedade de
risco formulada por Ulrich Beck na proteção dos direitos humanos e,
em especial, compreender como o surgimento destes riscos mundiais
influenciam direta e/ou indiretamente na proteção do direito à saúde
frente à atual sociedade globalizada.
Constitucionalismo Contemporâneo
mente desequilibrados e fora de escala. Isto posto, pode-se afirmar
que vivemos atualmente em um mundo que se caracteriza “pelo apa-
recimento de um conjunto de possibilidades concretas, que modifi-
cam equilíbrios preexistentes e procuram impor sua lei e suas deter-
minações” (SANTOS, 1997, p. 48).
Nesta esteira de pensamento, Wagner Menezes (2005, p. 107-
108) compreende que a aldeia global é
Constitucionalismo Contemporâneo
to de risco “apreende e transmite a verdadeira novidade inserida na
condição humana pela globalização”, representado de modo indireto e
reafirmando tacitamente “o pressuposto da regularidade essencial do
mundo” (BAUMAN, 2008, p. 129).
Por conseguinte, pode-se afirmar que
Constitucionalismo Contemporâneo
saudável. Propriamente dita, costuma ser tratada como a ausência de
doenças, contudo, o tema abarca um conjunto muito maior de fatores.
A busca pela saúde remonta aos primórdios da humanidade, atingin-
do uma dimensão de preocupação por parte dos seres, exteriorizada
pelo medo da morte.
Refere Cury (2005, p. 30-31) que “A primeira atividade sanitária
encontrada ao longo da história foi a construção de sistemas de supri-
mento e drenagem de água no antigo Egito, na Índia, na civilização cre-
ta-micênica, em Tróia e na sociedade inca.”. Já o primeiro conceito de
saúde, segundo Schwartz (2001), advém dos gregos, pela máxima Mens
Sana in Corpore Sano, que significa o equilíbrio do corpo e da mente do
ser. Contudo, com a chegada da Idade Média, houve significativo retro-
Constitucionalismo Contemporâneo
saúde da população, esta passou a ser objeto de inúmeras conven-
ções internacionais na Europa e outras tantas na América. Foi a par-
tir daí que surgiu o que se conhece hoje por Organização Mundial da
Saúde (OMS ou WHO). Após a OMS, surgiram a OIT, a Unesco, a OUA,
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Organização Pan-
Americana de Saúde (OPAS), entre outras. No texto da Constituição da
OMS, “a responsabilidade governamental pela saúde pública é explici-
tamente reconhecida e o direito à saúde é expressamente menciona-
do. A saúde é considerada o fator essencial na realização dos direitos
fundamentais e até mesmo para se alcançar a segurança individual e
dos Estados” (CURY, 2005, p. 44).
Foi justamente a Constituição da Organização Mundial de Saúde
1
Esse processo sistêmico advém da teoria sistêmica apresentada por Niklas Luhmann, um
método de observação social que se funda na ideia de que a organização de um siste-
ma é autorreferencial e autorreprodutiva. Através dos estudos de Luhmann, entende-se
o direito, em seu viés autopoiético, como uma ciência que se cria ou recria com base nos
seus próprios elementos. Sua autorreferência permite que o direito mude a sociedade e se
altere ao mesmo tempo movendo-se com base em seu código binário (direito/não direito),
permitindo a construção de um sistema jurídico dinâmico e adequado à sociedade atual.
Conforme Dallari (1988, p. 59 apud SCHWARTZ, 2001, p. 42-43)
“a saúde é antes de tudo um fim, um objetivo a ser alcançado. Uma ‘ima-
gem-horizonte’ da qual tentamos nos aproximar. É uma busca constante
do estado de bem-estar”, podendo ser conceituada como
Constitucionalismo Contemporâneo
Entretanto, os riscos que assombram os ideais e os trabalhos voltados
para a proteção da saúde, enquanto um direito humano fundamental,
são avassaladores em virtude da crescente importância atribuída aos
processos de modernização oriundos do fenômeno da globalização.
Ademais, Beck (2010) define a concepção do risco enquanto uma
forma sistemática de lidar com as incertezas e os perigos da atualidade,
introduzidos pelo processo de modernização em si. Deste modo, os ris-
cos constituem-se como consequências relacionadas à força ameaçado-
ra inserida na sociedade pelo fenômeno da globalização.
O referido autor estabelece cinco teses acerca da distribuição
do riscos como potenciais que autoameaçam a civilização: 1) os riscos
produzidos no estágio mais avançado do desenvolvimento das forças
134
135
Um dos principais fatores que acomete a sociedade e obsta a garan-
Constitucionalismo Contemporâneo
tia da saúde é, como já mencionado anteriormente, a pobreza, pois cons-
titui um perigo à prosperidade dos cidadãos em âmbito geral. Além disso,
conforme exposto pela Declaração de Filadélfia, a paz para ser duradoura
e universal deve estar baseada na justiça social. Segundo Supiot (2014,
p. 41), a contribuição dessa Declaração “foi dar uma definição de alcance
universal da justiça social, e de fazer de sua realização um ‘objetivo funda-
mental’ ligando a política econômica de todos os Estados”. Nesse sentido,
numa análise à teoria dos riscos proposta por Ulrich Beck em relação à
saúde, Sippert e Thomé (2016, p. 86) mencionam que
A saúde, até bem pouco tempo, era tema a ser tratado no âmbito
interno dos países. No entanto, com o alto desenvolvimento tecnológico
e a crescente globalização, os horizontes se ampliaram, e a sociedade
internacional passou a requerer soluções globais para seus problemas.
“Nesse sentido, o Direito Internacional [...] se legitima como instrumen-
to jurídico capaz de regular a sociedade que se desenha, assemelhando-
se a um ordenamento jurídico interno [...]” (MENEZES, 2005, p. 114),
tendente a elevar a garantia de saúde global a todos os povos.
Contudo, segundo Sarlet (1988, p. 21), “mesmo com os inegáveis
avanços no sentido da busca da máxima efetivação de direitos funda-
mentais – saúde –, [...] a verdade é que estamos muito distantes – e isso
no terceiro milênio – de ter solucionado a miríade de problemas e de-
safios que a matéria suscita”. Portanto, a importância desse trabalho,
uma vez que, embora busque-se a saúde plena, conforme assegurada
pelo OMS, esta ainda está longe de ser alcançada, devido aos riscos fre-
quentemente apresentados e avaliados em uma sociedade. Daí também
a necessidade de se cuidar da promoção da saúde em âmbito global, não
mais internacional, quanto menos, nacional, pois os riscos são generali-
zados e transcendem as fronteiras nacionais.
Considerações finais
Frente ao atual cenário global preestabelecido nas últimas déca-
das, evidencia-se a existência de um verdadeiro desafio pressuposto pela
136
137
discussão em estudo, com o intuito de conjugar o controle dos riscos e a
Constitucionalismo Contemporâneo
promoção da saúde pública. Desta forma, na contemporaneidade, deve-
mos levar em conta, em um primeiro momento, as lacunas oriundas da
civilização industrial que contribuem para a existência dos riscos e inse-
guranças globais. Em um segundo momento, torna-se necessário o apri-
moramento dos recursos teórico-metodológicos, científicos, econômicos
e políticos, de tal modo que seja eficaz a proteção do direito humano fun-
damental à saúde frente à atual sociedade de risco globalizada.
A preocupação e o senso de responsabilidade em relação à saú-
de, portanto, remontam dos primórdios da humanidade, juntamente
com os riscos que se faziam presentes naquele momento, e continuam
na atualidade, sendo que não há qualquer garantia de que algum dia
eles possam deixar de existir, pois inclusive a tecnologia tem sido um
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Notas introdutórias
A previdência social dos cidadãos brasileiros possui uma complexa
organização, que envolve a compreensão de diferentes regimes previden-
ciários, todos eles com a função de proteger o segurado de infortúnios
próprios da vida humana. No caso dos servidores públicos, titulares de
cargos efetivos, conforme se detalhará adiante, a Constituição Federal
lhes assegura a vinculação a um Regime Próprio de Previdência Social.
Pois bem. Partindo do pressuposto de que a previdência visa a
proteção contra contingências, não menos correta é a afirmação de que
a gestão previdenciária deve estar preparada e valer-se de mecanis-
mos que visem eliminar fraudes na concessão de benefícios, como, por
exemplo, a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez,
considerados benefícios por incapacidade física do segurado.
Recentemente foi noticiado que o Instituto Nacional do Seguro
Social está fiscalizando seus segurados em gozo dos benefícios previ-
denciários de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, por meio
da rede social Facebook (FOLHA DE S. PAULO, 2016).
Ainda que não tenham sido verificadas notícias acerca da utiliza-
ção desse meio de fiscalização no Regime Próprio de Previdência, é pos-
sível supor que venham a valer-se dessa forma de fiscalização também
para esta classe de segurados.
Nesse sentido, pretende-se responder ao seguinte problema: É
possível que os Regimes Próprios de Previdência fiscalizem a vida pes-
soal dos seus segurados, em gozo de auxílio-doença e aposentadoria por
invalidez, por meio do Facebook? E como deve ocorrer essa fiscalização,
levando-se em consideração os direitos e garantias fundamentais, sem
descurar das normas constitucionais afetas aos servidores públicos?
O problema proposto envolve o estudo dos direitos e garantias
fundamentais em face da denominada sociedade da informação, o que
enseja um estudo acerca das possibilidades de fiscalização estatal em
um ambiente permeado por novas tecnologias que podem ser utiliza-
das pelo Poder Público para prevenção de fraudes.
Em relação às diretrizes metodológicas, será utilizado o método
hipotético-dedutivo, por meio de pesquisas bibliográficas e jurispru-
denciais. Os métodos de pesquisa empregados envolvem pesquisas bi-
bliográficas e jurisprudenciais. Serão utilizados autores especializados
em direito previdenciário, assim como teóricos que tratam da socieda-
de informacional, com o fito de propiciar uma comunicação entre esses
ramos do conhecimento.
Na primeira parte do presente artigo será abordada a previdência
social no Brasil, com ênfase nos Regimes Próprios de Previdência Social,
a fim de ficar bem delimitado o seu caráter de jusfundamentalidade.
Pretende-se traçar, ainda, a evolução histórica da previdência dos ser-
vidores públicos, para facilitar a compreensão e a interpretação desse
Jonas Faviero Trindade
regime previdenciário.
No tópico seguinte, serão abordados aspectos e conceituações
relevantes acerca da sociedade de informação, a fim de verificar a cor-
relação entre as consequências dos aspectos tecnológicos dessa nova
configuração social em face de direitos e garantias fundamentais.
Na terceira parte, pretende-se responder ao problema desta
pesquisa, evidenciando de que forma o Estado poderia (ou não) valer-
142
143
-se de pesquisas sobre a vida pessoal dos segurados nas redes sociais,
Constitucionalismo Contemporâneo
como o Facebook.
Justifica-se a presente pesquisa, visto que a sociedade da informa-
ção está constantemente transformando e influenciando as relações ju-
rídicas, sendo pertinente abordar a temática e sua relação com o direito
previdenciário e outros direitos e garantias previstos na Constituição
da República.
Constitucionalismo Contemporâneo
a doutrina aponta que os direitos sociais estão submetidos ao regime
jurídico dos demais direitos fundamentais, inclusive dotados de aplica-
bilidade direta, devendo o jurista verificar sempre a aplicabilidade do
direito em harmonia com outros direitos fundamentais, sejam sociais
ou individuais, princípios e interesse público (SARLET; MITIDIERO;
MARINONI, 2016).
Nessa seara, cumpre observar que, sendo a previdência uma
política pública, positivada no rol dos direitos sociais do texto cons-
titucional, tal direito pode ser concebido como um direito de terceira
geração, até mesmo em função da solidariedade que é materializada
no sistema protetivo previdenciário atualmente, ainda que usual-
mente a doutrina o classifique como um direito de segunda geração
Constitucionalismo Contemporâneo
(CASTELLS, 2005).
Na atual era do conhecimento, portanto, a informação é o vetor
central da produção econômica, sendo certo que as relações sociais e
jurídicas sofreram impactos com o nascimento dessa nova sociedade
baseada na informação, surgida posteriormente ao pós-modernismo
(SIQUEIRA JR, 2013).
O ciberespaço (rede), portanto, é o meio de comunicação mais di-
fundido na sociedade da informação, englobando uma infinidade de in-
formações, assim como indivíduos que alimentam esse espaço, em uma
perspectiva de comunicação interativa e comunitária (LEVY, 1999).
Cabe destacar ainda que a grande quantidade de informações
Constitucionalismo Contemporâneo
da intimidade e privacidade), privada (que envolve questões não sigilosas
do indivíduo, que podem ser ponderadas com outros bens jurídicos) e
social (no qual se abarcam o direito à honra e à palavra, fora do âmbito
da intimidade e privacidade), ainda pode ser um referencial importante,
sendo certo que a violação à privacidade, em sentido amplo, deve ser ve-
rificada no caso concreto (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2016).
A justiça trabalhista, exemplificativamente, já decidiu no sentido
de que haveria justa causa na demissão de trabalhadora que se ausen-
tou do serviço sob o pretexto de estar doente, sendo comprovado, por
meio de divulgações no Facebook, que a empregada estava em uma reu-
nião festiva na mesma data (BRASIL, 2015a).
1
Ademais, cumpre observar que o Facebook oferece mecanismos de privacidade para
que apenas os contatos do usuários visualizem postagens e imagens, de sorte que, ao
torná-las pública para qualquer usuário, inegavelmente o usuário abriu mão de qualquer
privacidade acerca daquelas informações.
O princípio do devido processo legal assinala que a decisão não
deve ser apenas regular, mas a partir de uma concepção substancial, exi-
ge que exista um processo justo e adequado, atendendo a princípios de
justiça, de sorte que ele deve ser considerado em processos judiciais e ad-
ministrativos, sendo decorrente desses princípios o contraditório e a am-
pla defesa; o primeiro relacionado à ciência bilateral dos atos do processo
com a possibilidade de contrariá-los, ou seja, partindo de uma ideia de
informação e reação, e o segundo, o princípio da ampla defesa, decorren-
te do contraditório, significando que o indivíduo pode se valer de todos
meios legais e moralmente admitidos para sua defesa (NOVELINO, 2009).
O princípio do contraditório está relacionado ao próprio direito
de se manifestar acerca de documentos, fatos ou argumentos da parte
contrária, sendo que a ampla defesa permite que o segurado possa pro-
duzir provas para defender seu direito, a partir dos meios e recursos
inerentes (MAUSS; TRICHER, 2015).
Ademais, no âmbito do RGPS, a Instrução Normativa nº 77/2015
já determina que o Instituto Nacional do Seguro Social deve respeitar o
contraditório e a ampla defesa, quando houver cancelamento de bene-
fícios (BRASIL, 2015).
Superada a não violabilidade da vida privada, a depender da aná-
lise do caso concreto, assim como a necessária vinculação ao devido
processo legal e seus consectários lógicos do contraditório e da ampla
defesa, cabe analisar as normas constitucionais próprias dos servidores
públicos e da Administração Pública.
Conforme já visto neste artigo, a consagração de um regime de
previdência contributivo afastou o caráter de benesse dos benefícios
pagos aos servidores, ganhando esses benefícios o status de previden-
ciários, em face de suas contribuições vertidas ao sistema protetivo.
Dessa forma, existe uma bipartição na relação jurídica entre o
Jonas Faviero Trindade
Constitucionalismo Contemporâneo
dispositivos constitucionais no caso concreto, diferenciando a relação
estatutária (servidor e Estado) da relação securitária (contribuinte e
Estado). Portanto, se um contribuinte comete fraude para receber um
benefício previdenciário, a Administração Pública, sob o manto dos
princípios previstos no artigo 37 da Constituição Federal, poderá fis-
calizar e revogar a concessão, em vista da relação jurídica de seguro
existente e da verificação da inexistência de requisitos para concessão
do benefício. Inclusive poderá punir o servidor, agora já sob o aspecto
da relação funcional-estatutária. Contudo, direitos previdenciários já
incorporados ao patrimônio jurídico do segurado não podem ser supri-
midos em vista da relação securitária.
A partir da Emenda Constitucional nº 20/1998, os regimes de
Constitucionalismo Contemporâneo
tatutária entre servidor público e Estado, e uma relação de seguro pre-
videnciário entre o segurado e o RPPS, sendo um desafio ao operador
do direito a identificação da relação jurídica que deve ser observada em
cada situação problemática.
A sociedade informacional, portanto, demanda que o Estado,
em sua atividade de gestão de benefícios previdenciários, esteja aten-
to às formas de fiscalização na concessão dos benefícios, sem descu-
rar de princípios e direitos constitucionais. O advento da sociedade da
informação exige, nesse sentido, uma nova compreensão das relações
jurídicas e uma constante interpretação dos direitos e garantias fun-
damentais, a fim de que a Administração Pública não fique vulnerável
a fraudes, quando existem mecanismos à disposição para identificação
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Introdução
Os direitos sociais foram incluídos na Constituição de 1988 como
direitos fundamentais. Esse fato representou um avanço na busca
pela igualdade social, que constitui um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil.
No entanto, para que esses direitos sejam efetivamente con-
cretizados, faz-se necessário um esforço conjunto de vários setores
da sociedade, a fim de que haja um eficaz planejamento acerca da
conceituação desses direitos, suas prioridades, o orçamento neces-
sário para sua efetivação, bem como as melhores políticas públicas
capazes de atendê-los.
Atuação simultânea dos poderes públicos é essencial, haja vista
o caráter prestacional positivo desses direitos, que devem ser atendi-
dos pelo Estado, o qual deve fornecer bens e serviços para promoção
da saúde, educação, assistência aos desamparados, moradia, dentre
outros direitos.
Quando se fala em disponibilidade de recursos financeiros es-
tatais, alguns autores sustentam que poderia ser aplicada a teoria da
“reserva do possível”, segundo a qual a efetivação dos direitos sociais
estaria limitada às possibilidades orçamentárias do Estado. No entanto,
Vasconcelos Neto
Direitos fundamentais
Diversos são os autores que tratam acerca da conceituação e
delimitação do termo direitos fundamentais. Assim, objetivando dar
início a este estudo, transcrevemos o entendimento de Sarlet (2012,
p. 85), para o qual os direitos em questão afiguram-se como posições
jurídicas relativas a todas as pessoas, sendo que, do ponto de vista do
direito constitucional positivo, devido ao seu conteúdo e importância,
os direitos fundamentais são aqueles que foram integrados junto ao
seio da Constituição.
Os direitos fundamentais constituem o alicerce de uma sociedade
mais justa. Isso porque, por meio deles, possibilita-se que as diferen-
ças entre os cidadãos não sejam tão alarmantes. Denominam-se funda-
mentais por serem essenciais a uma vida digna, essencialidade esta que
muda de acordo com a sociedade em que se encontram.
158
159
Assim, tem-se que “a ampliação e a transformação dos direitos
Constitucionalismo Contemporâneo
fundamentais do homem no evolver histórico dificulta definir-lhes um
conceito sintético e preciso” (SILVA, 2006, p. 175).
Nesse sentido, encontramos na frase do autor fundamentos para
afirmar que os direitos fundamentais não são estáticos. Tratam-se de
direitos relativos à pessoa humana e por isso se modificam de acordo
com seu momento histórico e sua condição.
Inúmeras são as expressões utilizadas ao longo da história e em
cada momento para designá-los. Assim, utilizaremos, para fins de con-
ceituação, a expressão direitos fundamentais do homem. Nesse sentido,
José Afonso da Silva (2006, p. 178) entende que:
Constitucionalismo Contemporâneo
enquadrados dentre os fundamentais. Por regra, as normas que
consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e indivi-
duais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto
os que definem os direitos econômicos e sociais tendem a sê-lo
também na Constituição vigente.
Os direitos fundamentais no
A reserva do possível
A reserva do possível teve origem no julgamento do caso “nu-
merus clausus” pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha,
julgado em 1972. Discutia-se o acesso ao curso de medicina e a com-
patibilidade de certas regras legais estaduais que restringiam esse
acesso ao ensino superior (numerus clausus), com a Lei Fundamental,
que garantia a liberdade de escolha da profissão. O Tribunal decidiu
que a prestação exigida do Estado deve corresponder ao que o indi-
víduo pode razoavelmente exigir da sociedade, e entendeu que não
seria razoável impor ao Estado a obrigação de acesso a todos os que
pretendessem cursar medicina. A reserva do possível nesse caso,
portanto, relacionou-se à exigência de prestações dentro do limite
da razoabilidade, não da escassez de recursos, como ocorre no Brasil
(OLSEN, 2006).
162
163
Andreas J. Krell (2002) critica a importação da reserva do possí-
Constitucionalismo Contemporâneo
vel pelo sistema brasileiro, ressaltando a grande diferença socioeconô-
mica entre os dois países:
ta, a ponto de não sobrar coisa alguma que lhe confira substância;
também a ponderação tem limites. (BARCELLOS, 2002, p. 252)
Constitucionalismo Contemporâneo
nescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo
existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de priori-
dades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a
reserva do possível. (BARCELLOS, 2002, p. 252)
166
167
Nota-se que ativismo não se trata simplesmente de uma interpre-
Constitucionalismo Contemporâneo
tação livre do magistrado ao julgar determinado caso concreto, mas sim
de uma postura não ortodoxa de aplicação do direito positivo, baseada
sobretudo na força normativa dos princípios constitucionais.
Já a judicialização da política é mais ampla, porquanto é contin-
gencial, decorrendo da omissão dos Poderes Executivo e Legislativo
na implementação dos direitos fundamentais sociais. Ainda sobre a
Judicialização da Política, Barroso (2008) leciona que “judicialização
significa que algumas questões de larga repercussão política ou social
estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário e não pelas ins-
tâncias políticas tradicionais [...]”. Esclarece também que a judicializa-
ção abrange uma transferência de poder para juízes e tribunais, com
alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de
e tampouco aprova leis que visem concretizar tais direitos. Por outro
lado, o Executivo, além de descumprir o seu papel de instituição de po-
líticas públicas concretizadoras, se abstém alegando não possuir recur-
sos suficientes para atender à demanda.
Um exemplo disso é alegação de insuficiência de verbas para a
saúde, motivo pelo qual inúmeras pessoas morrem todos os anos devi-
do à falta de leitos em hospitais, remédios, atendimentos especializados
etc., não se podendo esquecer também de outros direitos sociais que
sofrem com inoperância e ineficiência do Estado, tais como moradia,
alimentação, etc.
Nesse contexto de falhas como as citadas acima é que surgem
diversas indagações e sugestões acerca da problemática que envolve a
concretização dos direitos sociais. Se, por um lado, existe um procedi-
mento previsto constitucionalmente, este não parece estar dando conta
sozinho de todas as necessidades dos cidadãos.
168
169
Nessa seara, a intervenção do Poder Judiciário é justificada no in-
Constitucionalismo Contemporâneo
tuito de garantir a efetividade dos direitos sociais, especialmente, o direi-
to à saúde, que constitui um bem essencial à vida e à integridade humana,
e, como tal, é objeto da tutela no seu aspecto de direito fundamental.
É certo que a saúde também é dever fundamental, nos termos do
artigo 196 da Constituição Federal, que preceitua a obrigação estatal
de proteção e promoção desse direito. Na esteira desse entendimento
Andreas J. Krell (2002, p. 17) destaca:
Constitucionalismo Contemporâneo
A efetivação dos direitos sociais na sociedade brasileira é um
tema delicado, mas necessita ser enfrentado e discutido devido à
sua essencialidade para que realmente o Brasil seja um País que zela
pela dignidade de seu povo. Para que se logre êxito na concretização
desses direitos, muitos são os obstáculos a serem superados. Dessa
forma, buscou-se trazer uma reflexão acerca do tema, no sentido das
alternativas disponíveis ante à ineficiência dos Poderes Executivo e
Legislativo.
Com relação ao mínimo existencial, observa-se que a doutrina
majoritária entende que o seu conteúdo não poderia ser, em nenhuma
hipótese, restringido. Outros, entretanto, admitem eventual restrição
GOMES, Luiz Flávio. O STF está assumindo um ativismo judicial sem precedentes? Jus
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172
TELETRABALHO TRANSNACIONAL EM
FOCO: ANÁLISE DOS CRITÉRIOS DE
SOLUÇÃO DE CONFLITOS EM FACE DA
EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS
LABORAIS
Natalia Berna
Bacharel em Direito pela Universidade de Passo Fundo.
Advogada.
Introdução
O teletrabalho transnacional é um tema atual no direito traba-
lhista brasileiro, trazendo consigo muitas dúvidas, polêmicas e dis-
cussões com relação ao conflito de normas espaciais, que ocorrem
pelo fato de o teletrabalhador executar o trabalho em local distante,
e muitas vezes até em país diferente ao do empregador, rompendo-se
assim barreiras geográficas, e colocando em conflito ordenamentos
jurídicos distintos, devendo-se assim decidir a norma de qual territó-
rio deverá ser aplicada ao caso concreto.
A globalização trouxe diversas mudanças em diferentes setores
do cenário social e jurídico brasileiro, fazendo surgir na rotina traba-
lhista novas modalidades de prestação de serviço a distância. Com o
avanço das tecnologias, o desenvolvimento da informática e das te-
lecomunicações e a praticidade da resolução de diversas situações
pelos meios eletrônicos, o teletrabalho transnacional se adapta muito
bem ao cenário contemporâneo, e transformando as tradicionais re-
lações laborais.
No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro carece de normas
que regulamentem de forma ampla e específica os direitos cabíveis ao
teletrabalhador, tendo em vista que essa nova modalidade de trabalho
acaba por ocasionar pontos obscuros e lacunosos, possibilitando várias
formas de interpretação, nos mais diversos aspectos, em especial com
relação ao teletrabalho transnacional, e o seu decorrente conflito com
normas espaciais.
Dentre essas modificações na seara trabalhista, os direitos hu-
manos do trabalhador não podem ser esquecidos, devendo existir uma
solução para esta problemática, que não busque apenas solucionar a
questão do conflito de normas, mas, sim, que traga, além de uma segu-
rança jurídica para esses teletrabalhadores, uma proteção integral de
seus direitos básicos e fundamentais.
No primeiro tópico deste artigo, objetiva-se a análise da regula-
mentação da relação de emprego no Brasil, preocupando-se em dis-
correr sobre seus aspectos históricos e característicos. Após, busca-se
um entendimento sobre a proteção internacional do trabalho. Por fim,
é feito um estudo do teletrabalho transnacional, investigando qual é o
melhor critério a ser utilizado para solucionar o conflito de normas tra-
balhistas no espaço dele decorrente.
Constitucionalismo Contemporâneo
internacionais, visando solucionar os problemas quanto à lei aplicável,
no caso de conflito entre normas de dois ou mais países diferentes, em
uma relação de trabalho prestado fora do país de origem do trabalhador
(NASCIMENTO, 2011, p. 125).
O direito internacional do trabalho é o ramo do direito internacio-
nal público que cuida da proteção dos direitos dos trabalhadores, obje-
tivando universalizar os princípios que se destinam à proteção do tra-
balhador, buscando alcançar melhores condições de vida e de trabalho,
além de lutar pela tão sonhada simetria entre capital e trabalho (ABUD;
MARQUES, 2013, p. 167).
O meio utilizado pelo direito internacional do trabalho para al-
cançar seus objetivos é o tratado, sendo ele um acordo internacional
Constitucionalismo Contemporâneo
vista que a expressão direitos humanos é utilizada para referir-se a di-
reitos consagrados em tratados internacionais; já a expressão direitos
fundamentais é empregada aos mesmos direitos, mas em escala cons-
titucional, direitos estes inseridos nas Constituições internas de cada
país (CASADO FILHO, 2012, p. 15).
Destarte, para este estudo, é importante que se traga a conceitua-
ção e o entendimento de direitos humanos.
Constitucionalismo Contemporâneo
dos Direitos Humanos (PIOVESAN, 2015, p. 176).
Longo caminho teve que ser percorrido para se chegar a este obje-
tivo. Somente em 1966 a Assembleia Geral da ONU adotou o Pacto sobre
Direitos Civis e Políticos e o Pacto sobre Direitos Sociais, Econômicos e
Culturais (AMARAL JÚNIOR, 2013, p. 510).
A união da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e do Pacto Interna-
cional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais forma a Carta
Internacional dos Direitos Humanos, que é o documento básico do sis-
tema global de Proteção Internacional dos Direitos Humanos da ONU
(MALHEIRO, 2015, p. 112).
sos são os setores da área do direito que sofreram com seus reflexos. Com
relação ao direito do trabalho, foi observada uma diminuição geral quan-
to à quantidade de empregos disponibilizados, chamando atenção tam-
bém a transição da sociedade industrial para a sociedade pós-industrial,
pela criação de novos setores de serviço advindos da alta modernidade
das tecnologias, pela descentralização da empresa e informatização do
trabalho da pessoa física, bem como pela a requalificação do trabalhador,
exigindo-se dele um grau determinado de ensino para adentrar como tra-
balhador (NASCIMENTO, 2011, p. 76-77).
A globalização pode ser dividida em três fases. A primeira, con-
siste na exploração do mundo e na descoberta de novas fronteiras; a
segunda fase caracteriza-se pela exploração máxima das potencialida-
des que os trabalhadores tinham a oferecer, nos parâmetros estudados
anteriormente, correspondendo essa fase ao período da Revolução
Industrial; a terceira, contudo, caracteriza-se pela união das duas fases
180
181
anteriores, harmonizando a existência de fronteiras com a exploração
Constitucionalismo Contemporâneo
dos trabalhadores, surgindo a possibilidade de buscar o melhor lugar
para aproveitar os investimentos com mão de obra, desfrutando ao má-
ximo o que o trabalhador tem a oferecer, ainda que isso afronte seus di-
reitos fundamentais (BERTAGNOLLI; RIZZOTO; TONIAL, 2010, p. 138).
Perceptível é a vasta influência da globalização no cenário traba-
lhista. Seus efeitos, com a chegada das tecnologias, por meio da internet,
propiciaram o fácil acesso aos meios de comunicação e de informação,
bem como trouxeram novas possibilidades quanto à forma de produção
utilizada pelas empresas, fazendo nascer algumas questões importan-
tes que necessitam de atenção, sendo elas: a automação, a flexibilização
das normas trabalhistas e o dumping social.
Constitucionalismo Contemporâneo
paço e relevância dentre as formas tradicionais de se obter mão de obra.
A mundialização da economia, facilitada pela globalização, trou-
xe consigo consequências igualmente sentidas com muita intensidade
no âmbito laboral. Cogita-se a flexibilização não só quanto às leis, mas
também quanto ao local da prestação dos serviços por parte dos traba-
lhadores, criando a possibilidade de utilização de recursos telemáticos
para a execução da atividade laboral, fazendo surgir uma descentrali-
zação produtiva em virtude do funcionamento em rede das empresas
(NOGUEIRA, 2006, p. 130).
Nesta linha, com maior destaque a partir da década de setenta,
com base em estudos mais avançados sobre a chamada sociedade da
Constitucionalismo Contemporâneo
plo, o trabalho é realizado em um edifício de escritórios de inteira
propriedade da empresa, e que o teletrabalhador opta por trabalhar
naquele local por ser mais próximo à sua casa, sendo assim mais fácil
seu acesso; teletrabalho internacional, que é o trabalho realizado em
um país diferente do país sede da empresa, no qual o trabalho é reali-
zado com o uso de tecnologias e na residência do trabalhador, possibi-
litando maior flexibilidade de horário na realização das atividades por
parte do empregado; e ainda, teletrabalho para central de atendimento
de serviços (call-center), que é o trabalho realizado em local distinto
do local físico da empresa, cujo horário cumprido pelo trabalhador
deve ser o horário estabelecido pela empresa para tal cargo, ou seja,
o trabalhador tem um horário a ser cumprido (GOULART, 2009, p. 36-
1
Tradução livre da autora: “Artigo 1: Sobre os efeitos da presente Convenção: (a) a ex-
pressão trabalho em domicílio significa o trabalho que uma pessoa, designada como
trabalhador em domicílio, realiza: (i) em seu domicílio ou em outros locais que esco-
lha, distintos dos locais de trabalho do empregador; (ii) em troca de uma remuneração;
(iii) com o fim de elaborar um produto ou prestar um serviço conforme as especificações
do empregador, independentemente de quem proporcione o equipamento, os mate-
riais ou outros elementos utilizados para isso, a menos que essa pessoa possua auto-
nomia e independência econômica necessária para ser considerada como trabalhador
independente em virtude da legislação nacional e de decisões judiciais”.
2
Constituição Federal, Art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviola-
bilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: [...]”.
186
187
7º, XXXII , da Constituição Federal, bem como nos artigos 6º e 83 da CLT
3
Constitucionalismo Contemporâneo
(GARCIA, 2013, p. 233).
Na esfera internacional, o teletrabalho, com a existência da
Convenção nº 177 da OIT, ganha importância e reconhecimento, afinal,
toda a sociedade mundial passou por fortes modificações no campo
das tecnologias, trazendo para o seio da sociedade as necessidades de
adaptações nas relações de emprego. No Brasil, o teletrabalho vem ga-
nhando um vasto espaço, fazendo com que estudiosos e legisladores da
área trabalhista busquem soluções para as questões que envolvem esse
modelo de trabalho, bem como discutam sobre seu enquadramento ju-
rídico na legislação brasileira.
No Brasil, não existe atualmente uma legislação específica sobre o
teletrabalho, que abranja todas as suas peculiaridades (PONTES, 2010,
3
Constituição Federal, Art. 7º [...] “XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual,
técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; [...]”.
subordinação jurídica do empregado com relação às formas tradicio-
nais de trabalho (ALVARENGA, 2014, p. 3).
A forma de entendimento e aplicação da subordinação sofreu al-
terações significativas com a Lei nº 11.551, de 11 de dezembro de 2011,
a qual modificou a redação do artigo 6º da CLT, além de acrescentar um
parágrafo único a este artigo. Essas modificações incorporaram, de for-
ma implícita, os conceitos de subordinação objetiva e de subordinação
estrutural, igualando essas dimensões, para fim de reconhecimento de
relação de emprego, à subordinação clássica, em que a subordinação é
realizada por meio direto e pessoal de comando, controle e supervisão
do trabalho (DELGADO, 2014, p. 307).
A partir disso, passa a estar positivada a afirmação de que o con-
trole do trabalho pode ocorrer a distância e por meios informatizados
e telemáticos, equiparando-se, assim, aos meios pessoais e diretos de
comando (MENDES; SALES, 2013, p. 309).
A referida lei possibilita uma ampliação do artigo em questão,
aceitando que o trabalho a distância seja realizado tanto no domicílio
do empregador como em qualquer outro local que for escolhido pelo te-
letrabalhador. Porém, neste caso, trata-se de teletrabalho subordinado
e não de teletrabalho autônomo, e, como tal, o teletrabalho subordinado
faz jus a todos os direitos trabalhistas como a qualquer outro emprega-
do (ESTRADA, 2014, p. 91).
Natalia Berna & Paulo Henrique Schneider
Constitucionalismo Contemporâneo
rotina de trabalho modificada pelo uso das tecnologias, na qual o trabalho
em local distante do ambiente da empresa tomadora do serviço e o exer-
cício e o controle deste serviço são feitos por meios eletrônicos.
O teletrabalho transnacional traz consigo um ponto nevrálgico,
colocando em conflito a lei de países distintos para a solução de pro-
blemas que surgem dessa relação laboral. Da mesma forma, a doutrina
traz posicionamentos antagônicos quanto às possibilidades de soluções
existentes para esses conflitos de leis trabalhistas no espaço; por seu
turno, a jurisprudência está mais pacífica quanto a isso.
Dentro do território de um Estado, existe sempre um complexo
de normas que impõem direitos e obrigações aos seus habitantes, e esse
sistema jurídico não é o mesmo para todos os países. O ordenamento
4
Artigo 198 do Código de Bustamante: “Também é territorial a legislação sobre acidentes
do trabalho e proteção social do trabalhador.”.
cial do trabalhador, regendo-se, assim, pela lei do local do trabalho, não
podendo prevalecer a autonomia da vontade (MARANHÃO, 2005, p.
172, grifo do autor). A Convenção de Roma, em seu artigo 6º, 2, letra
“a”5, também se manifesta neste sentido, estabelecendo que, para solu-
cionar o conflito de leis no espaço, aplica-se o critério da territorialida-
de (BITENCOURT; FINCATO, 2015, p. 2.243).
Esse entendimento foi por longo tempo aplicado e resguardado
pela Súmula 207 do TST6, porém, essa súmula foi cancelada no ano de
2012 (DELGADO, 2014, p. 245). No entanto, para a corrente doutrinária
adepta ao critério da territorialidade, mesmo com o cancelamento da
Súmula 207 do TST, mantém-se a aplicação do artigo 198 do Código de
Bustamante, no sentido de que a relação de emprego deve ser pautada
pela lei do local da prestação do serviço (GARCIA, 2012a, p. 5).
Da mesma forma, a esse propósito, é importante destacar que
existe entendimento jurisprudencial, o qual concorda que, mesmo com
o cancelamento da Súmula 207 do TST, continua prevalecendo o dispos-
to no Código de Bustamante, alegando que, o cancelamento da referida
súmula não cria entendimento contrário ao princípio da lex loci execu-
tionis. Para tanto segue trecho do recurso ordinário de nº. 0001210-
31.2011.5.01.0040, externado pela nona turma do Tribunal Regional do
Trabalho da 1ª Região:
5
Artigo 6º da Convenção de Roma: “Contrato individual de trabalho [...] 2. Sem prejuízo
no disposto no artigo 4º e na falta de escolha feita nos termos do artigo 6º, o contrato
de trabalho é regulado: a) Pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do
contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado tem-
porariamente para outro país [...].”.
6
Súmula 207 do Tribunal Superior do Trabalho: “A relação jurídica trabalhista é regida pelas
leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação.”.
190
191
trabalhador, pois evita que se utilize o local da contratação como
Constitucionalismo Contemporâneo
forma para fugir a encargos trabalhistas. (Rio de Janeiro, Tribunal
Regional do Trabalho da 1ª Região, 2013, p. 6)
Esta se torna uma questão muito sensível, pelo fato de ser difícil a
identificação do espaço virtual em que o teletrabalhador está inserido,
sendo necessário um conhecimento do que consiste ser o ciberespaço
para a compreensão do que seria o espaço virtual utilizado pelo teletra-
balhador para exercer o seu labor.
Por este ângulo, o referido critério, que é pautado pela solução do
conflito de leis com base na legislação do país em que está localizada a
sede da empresa, surge com o argumento de que o teletrabalho trans-
nacional é realizado no ciberespaço, e, para elucidar sua compreensão,
faz-se uma conceituação desse termo:
Constitucionalismo Contemporâneo
tuação, que vai em desencontro ao critério de conexão da territoriali-
dade e do local de recebimento dos serviços. É valoroso acentuar que,
antes mesmo do cancelamento da Súmula 207 do TST, o critério da ter-
ritorialidade já vinha sendo atenuando, permitindo, dessa maneira, a
aplicação no direito do trabalho brasileiro, do critério do princípio da
norma mais favorável. Esse princípio foi sendo utilizado com base na
Lei nº 7.064/82 que tutelava as relações jurídicas do empregado que
fosse transferido para o exterior depois de já ter laborado no Brasil para
o mesmo empregador. Contudo, em abril de 2012, com o cancelamento
definitivo daquela lei, foi se firmando o entendimento pleno de que o
princípio da norma mais favorável seria a solução para este tema jurídi-
co (DELGADO, 2014, p. 245-246, grifo nosso).
7
Artigo 3º da Lei 7.064/82: “A empresa responsável pelo contrato de trabalho do em-
pregado transferido assegurar-lhe-á, independentemente da observância da legis-
lação do local da execução dos serviços: [...] II - a aplicação da legislação brasileira
de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei,
quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em
relação a cada matéria.”
normativo inserido na antiga Súmula 207 do TST (lex loci exe-
cutionis) para regulação dos fatos congêneres multiplicados
nas duas últimas décadas. Nesse contexto, já vinha ajustan-
do sua dinâmica interpretativa, de modo a atenuar o rigor da
velha Súmula 207/TST, restringido sua incidência, ao mesmo
tempo em que passou a alargar as hipóteses de aplicação das
regras da Lei n. 7.064/1982. Assim, vinha considerando que
o critério da lex loci executionis (Súmula 207) – até o advento
da Lei n. 11.962/2009 – somente prevalecia nos casos em que
foi o trabalhador contratado no Brasil para laborar especifi-
camente no exterior, fora do segmento empresarial referido
no texto primitivo da Lei n. 7.064/82 [...]. (BRASIL, Tribunal
Superior do Trabalho, 2016, p. 11)
8
Artigo 620, da Consolidação das Leis do Trabalho: “As condições estabelecidas em
Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo.”
194
195
[...] tendo em vista o princípio constitucional da norma mais fa-
Constitucionalismo Contemporâneo
vorável, previsto no art. 7º, caput, da CF de 1988 [...] bem como
o art. 4º, incs. II e IX, da CF de 19889, esta interpretação deveria
ganhar em sustentação. De fato, independentemente de qualquer
lei regulando a matéria, o que realmente deveria prevalecer é o
princípio previsto expressamente no caput do art. 7º da CF de
1988 que, como se disse, é um princípio fundamental de inter-
pretação e, portanto, obrigatório não só para o juiz, mas também
para o legislador. (VECHI, 2014, p. 358, grifo do autor)
9
Artigo 4º, da Constituição Federal: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas
relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] II - prevalência dos direitos hu-
manos; [...] IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; [...].”
Conclusão
Com esse novo horizonte, de avanços tecnológicos e informacio-
nais, abre-se espaço para a inserção de novas modalidades de trabalho
que se utilizam dessas ferramentas para o seu desenvolvimento. O tele-
trabalho transnacional enquadra-se perfeitamente dentro dessas pos-
sibilidades, caracterizando-se por ser um conceito contemporâneo de
organização de trabalho, por meio do qual o teletrabalhador presta seus
serviços virtualmente, por meios telemáticos, cumprindo os objetivos
contratuais em local distante do local em que está situada a empresa, ou
seja, o trabalhador não se encontra fisicamente na sede de trabalho de
seu empregador. No entanto, esta nova espécie de trabalho traz consigo
um ponto crítico, ou seja, coloca em conflito a lei de países distintos
para a solução de problemas que surgem dessa relação laboral.
Dentre as soluções trazidas pela doutrina para solucionar o con-
flito de leis no espaço decorrente do teletrabalho transnacional, assi-
nala-se que, de acordo com a primeira corrente, aplica-se o critério da
territorialidade (lex loci laboris ou lex loci executionis), importando o
local em que o empregado efetivamente presta seus serviços, sendo-
-lhe aplicável a respectiva lei daquele local. Esta corrente esteve fun-
damentada, por muito tempo, pela Súmula 207 do Tribunal Superior
do Trabalho, porém ela foi cancelada no ano de 2012. Por outro lado,
uma segunda corrente defende que a solução do conflito de leis deve
Natalia Berna & Paulo Henrique Schneider
ser feita com base na legislação do país onde está localizada a sede
da empresa. Esse posicionamento baseia-se no argumento de que o
teletrabalho não é realizado em local físico, mas sim em local virtual,
sendo competente, neste caso, a lei do país que recebe o seu trabalho,
que recebe as informações por ele emitidas, aplicando-se assim, a lei
do Estado em que se encontra localizada a sede da empresa, para a
qual o teletrabalhador presta seus serviços.
Não obstante, a terceira e mais adequada corrente vai em desen-
contro com critério de conexão da territorialidade e do local de rece-
bimento dos serviços, aplicando-se, segundo este posicionamento, o
critério da norma mais favorável ao trabalhador, o que tomou ainda
mais força com o cancelamento definitivo da Súmula 207, firmando o
entendimento pleno de que o princípio da norma mais favorável seria a
solução para este tema jurídico.
196
197
À vista disso, pode-se dizer que, existindo conflito espacial de
Constitucionalismo Contemporâneo
normas trabalhistas, a aplicação do critério da norma mais favorável
mostra-se mais congruente e adequado para solucionar esta questão,
pelo fato de primar pela proteção ao hipossuficiente da relação labo-
ral, que, neste caso, é o trabalhador. E isso, justifica-se, por tudo o que
foi relatado no presente estudo, desde as humilhações e explorações
pelas quais os trabalhadores foram obrigados a suportar ao longo de
muitos anos, bem como pelo reconhecimento por todas as lutas e ma-
nifestações em que foram protagonistas, com o intuito de conseguir ver
reconhecida uma proteção quanto às condições de trabalho, de garantia
de seus direitos fundamentais e trabalhistas dentro da relação de em-
prego, bem como pelo respeito à sua dignidade e direitos fundamentais.
Diante do cenário social contemporâneo, que passa por constan-
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202
A HERMENÊUTICA
CIVIL-CONSTITUCIONAL E OS
PRÉSTIMOS DA BOA-FÉ OBJETIVA
COMO FERRAMENTAS PARA O
RECONHECIMENTO DE NOVOS DIREITOS
Liane Tabarelli
Professora adjunta da Escola de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Docente
de cursos de pós-graduação e preparatórios para concur-
sos públicos. Doutora em Direito pela PUCRS. Ex-bolsista
da Capes de Estágio Doutoral (Doutorado Sanduíche) na
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Portugal.
Autora de obras e de diversos capítulos de livros e artigos ju-
rídicos. Advogada e parecerista.
(liane.tabarelli@pucrs.br)
Introdução
Na contemporaneidade, todos os ramos do Direito exigem uma
leitura constitucionalizada. Os princípios vetores constitucionais e, em
especial, os que se referem aos direitos fundamentais, demandam que
todos os Poderes da República reúnam esforços conjuntos para suas
concretizações. Desse modo, a tarefa da interpretação civil-constitucio-
nal adquire significativa importância para fins de cumprir esse compro-
misso nas relações intersubjetivas.
O presente trabalho visa refletir sobre a interpretação civil-cons-
titucional e a tutela da boa-fé nas relações negociais entre particulares.
Nessa linha, fundamental observar que a presente reflexão se pres-
ta a ratificar a necessária eficácia dos direitos fundamentais nas relações
privadas, tendo em vista que a tutela da boa-fé, em última instância, re-
presenta a concretização do princípio da dignidade humana.
Por fim, ainda como reflexo disso tudo, a temática do reconhe-
cimento de novos direitos na sociedade contemporânea é objeto de
enfrentamento, em especial acerca do surgimento de direitos que de-
rivam da imposição do cumprimento de deveres anexos nas relações
contratuais, como corolário da tutela da boa-fé objetiva no direito civil
brasileiro.
Hermenêutica constitucional
A palavra, o uso do vernáculo, é e sempre foi instrumento de traba-
lho do jurista. Seja ela escrita ou falada, aquele que opera o Direito sem-
pre se dedicou a compreender, delimitar, apreender, enfim, interpretar o
sentido que as palavras podem adquirir em um texto. Interpretar é esta-
belecer o alcance de uma proposição, revelar o seu sentido.
Não obstante as contribuições de Kelsen (1996) para a Ciência do
Direito, nos dias atuais o Direito é “contaminado” por inúmeros axiomas,
proposições valorativas, éticas, morais, entre outras, que, muitas vezes,
Souza
Constitucionalismo Contemporâneo
uma interpretação concretizante dos preceitos e da axiologia constitu-
cional presente, em particular nos seus fundamentos, urge conhecer os
vetores principiológicos contidos nela. O Direito atual, acompanhando
os ensinamentos de Alexy (2008), cuida de uma rede de princípios e
regras. Essa teia de mandamentos, de densidades e hierarquias distin-
tas, demanda intérpretes preparados para otimizar-lhes os comandos e
produzir a máxima eficácia possível.
Veja-se, por oportuno, as contribuições de Freitas (2000, p. 43-46)
acerca de preceitos propostos em estudo de interpretação constitucional:
Constitucionalismo Contemporâneo
quização converte o critério hierárquico axiológico numa diretriz
operacional superior em confronto com os demais critérios (cro-
nológico e da especialidade), sendo necessário, também, assumir
os consectários desta onipresença hierarquizante, especialmente
ao lidarmos com o fenômeno da colisão de princípios e, de resto,
com as denominadas antinomias de segundo grau.
[...]
Hierarquizar é, pois, a nota suprema da interpretação jurídica como
um todo. Hierarquizando os princípios e as regras constitucionais,
mais evidente transparece o papel concretizador do intérprete
(juiz ou o cidadão em geral) de ser o positivador, aquele que dá
vida ao ordenamento, sem convertê-lo propriamente em legisla-
dor. Ultrapassa-se, desse modo, a polêmica, sem sentido dialético,
entre objetivismo e subjetivismo. Mais intensa se mostra a valia da
Constitucionalismo Contemporâneo
que a exegese deve servir como energético anteparo contra o des-
cumprimento de preceito fundamental, razão pela qual deve ser
evitado qualquer resultado interpretativo que reduza ou debilite,
sem justo motivo, a máxima eficácia possível dos direitos funda-
mentais. Em outras palavras, a interpretação deve ser de molde a
levar às últimas conseqüências a ‘fundamentalidade’ dos direitos,
afirmando a unidade do regime dos direitos das várias gerações,
bem como a presença de direitos fundamentais em qualquer rela-
ção jurídica. (FREITAS, 2002, p. 19)
Interpretação civil-constitucional e
tutela da boa-fé objetiva
Souza
Constitucionalismo Contemporâneo
isso pareça uma flagrante obviedade, em um sistema dominado
por uma orientação monolítica e concentrada, o reconhecimento
dessa realidade se mostra relevante. (FACHIN, 2012, p. 247-248)
de 2002, tal como a boa-fé objetiva, apresentam-se de forma que sua “es-
trutura tem maleabilidade suficiente para se adequar às transformações
de
Constitucionalismo Contemporâneo
Deve este, ao julgar demanda na qual se discuta a relação con-
tratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva, que impõe ao
contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja,
com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem
comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lu-
gar. (GONÇALVES, 2013, p. 54)
2012, p. 203)
Liane Tabarelli & Cristina Klose Parise
214
215
Logo, diz-se que “o vínculo obrigacional abriga, no seu seio, não
Constitucionalismo Contemporâneo
um simples dever de prestar, simétrico a uma prestação creditícia,
mas antes vários elementos jurídicos dotados de autonomia bastan-
te para, de um conteúdo unitário, fazerem uma realidade composta.”
(CORDEIRO, 2001, p. 586). Assim sendo, a boa-fé objetiva, ao proteger
a confiança negocial, exige que o intérprete/juiz, ao apreciar o compor-
tamento das partes contratantes, constate se houve ou não abuso de
direito e determine o alcance do conteúdo do pacto, por meio de sua
atividade interpretativa, de forma mais adequada a concretizar os dita-
mes constitucionais. Nessa linha:
O art. 422 do Código Civil é uma norma legal aberta. Com base
no princípio ético que ela acolhe, fundado na lealdade, confian-
ça e probidade, cabe ao juiz estabelecer a conduta que deveria
1
Vide REsp. 591.917/GO, 3ª T., j. 16.12.2004, Relª. Minª. Nancy Andrighi, DJ 01.02.2005.
216
217
obstante permita diversas interpretações por meio de conceitos discri-
Constitucionalismo Contemporâneo
cionários por parte do intérprete/juiz, não conduz à insegurança do sis-
tema, já que a tarefa interpretativa encontra limite na concretização da
principiologia constitucional de 1988.
Oportuno, nessa linha, invocar os ensinamentos de Gadamer
(1977) para quem a verdade de um texto não está na submissão in-
condicionada à opinião do autor, nem só nos preconceitos do intérpre-
te, senão na fusão dos horizontes de ambos, partindo do ponto atual
da história do intérprete que se dirige ao passado em que o autor se
expressou.
Assim, a real finalidade da hermenêutica jurídica é “encontrar o
Direito” (seu sentido) na aplicação “produtiva” da norma, pois a com-
Constitucionalismo Contemporâneo
DA SEGURADORA EM INDENIZAR. IRREGULARIDADE DA
SEGURADORA AO NEGAR O PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO.
VALORES DEVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. A prova oral produzi-
da comprovou que efetivamente ocorreu irregularidade por parte
da ré em negar o pagamento do valor da indenização relativa ao
seguro mantido pela autora. Em relação ao valor da indenização,
em se tratando de contratos de seguro, há que se presumir a boa-fé
subjetiva dos consumidores e se impor deveres de boa-fé objetiva
para os fornecedores. O valor pago pelo seguro deve ser aquele es-
pecificado na oferta, o qual despertou a confiança do consumidor
e sobre o qual a autora pagou suas contribuições O valor do prê-
mio é calculado de acordo com o valor projetado para a cobertura
ou indenização securitária. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível
nº 70038402533, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
2
Para aprofundamentos, consulte-se: SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A Boa-Fé e a Violação
Positiva do Contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
220
221
mento ou intervenção médica” – lição doutrinária. - Dano moral
Constitucionalismo Contemporâneo
ocorrente por presunção, in re ipsa. Morte de familiar dos auto-
res por infecção decorrente de rompimento de órgão. Violação
ao dever de consentimento informado. Precedentes desta Corte.
- Valor da indenização que deve considerar que o erro não
ocorreu na intervenção cirúrgica ou nos atos pós-operatórios,
mas decorreu da ausência do consentimento do procedimen-
to. Jurisprudência deste Tribunal quanto ao tópico. - Ausente
sistema tarifado, a fixação do quantum indenizatório ao dano
extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz.
Valor fixado em R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais) para cada
autor a ser arcado exclusivamente pelo médico réu. DERAM
PROVIMENTO EM PARTE À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação
Cível nº 70067906073, Décima Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado
Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que a codificação civil na atualida-
de é recheada de normativas abertas, as quais permitem a atualização
do sistema por parte do próprio intérprete. O dogma da completude,
o qual foi notável durante o Positivismo Jurídico, cedeu diante da di-
namicidade da sociedade contemporânea. O Direito é alimentado pelos
fatos sociais e pela cultura da sociedade na qual ele vige. Assim, Direito
e sociedade são indissociáveis, e qualquer tentativa de “engessar” um
dos dois sistemas está fadada ao fracasso.
Dentre as cláusulas gerais disciplinadas na codificação civil de
Souza
Constitucionalismo Contemporâneo
observado, valorizando a confiança.
Nesse contexto, é fundamental mencionar a importância da ativi-
dade interpretativa, no âmbito de um direito civil com inspiração cons-
titucional e cuja leitura de seu texto jamais pode olvidar, por parte do
intérprete, a concretização dos direitos fundamentais nas relações hori-
zontais. Para fins deste artigo, importa uma interpretação civil-constitu-
cional concretizante dos direitos fundamentais, que, de modo especial,
prestigie e enalteça a dignidade humana, reconhecendo sua íntima rela-
ção com a tutela da confiança na seara das relações negociais, bem como,
como consequência disso, o reconhecimento de novos direitos decorren-
tes da observância da boa-fé objetiva no âmbito contratual.
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224
O ESTADO E SUAS CRISES:
CONTEMPORANEIDADE E
GLOBALIZAÇÃO
Constitucionalismo Contemporâneo
move a participação das famílias e de seus descendentes na ven-
tura de uma existência independente, inteiramente ao abrigo da
miséria. Em outras palavras, o bem comum.
e formatação a uma nova forma Estado, agora, Estado liberal, que viria
Robson Alves
Constitucionalismo Contemporâneo
controlado, com o dever de obediência a certas normas jurídicas,
cuja finalidade é impor limites ao poder e permitir, em conse-
quência, o controle do poder pelos seus destinatários. O poder
soberano não está mais exclusivamente nas mãos uma única pes-
soa (rei), mas antes nas mãos do povo (soberania popular).
políticas, o Estado, nessa nova quadra histórica tem como missão precí-
Robson Alves
Constitucionalismo Contemporâneo
teção social, o aumento do poder regulatório e aumento da criação de
impostos para o custeio dos novos serviços estatais para a satisfação
coletiva. Conforme ressalta Bolzan de Morais (2011, p. 18):
Ou seja, o Welfare State seria aquele Estado no qual o cidadão,
independentemente da situação social, tem direito a ser protegi-
do por meio de mecanismos/prestações públicas estatais, contra
dependências e/ou ocorrências onde a questão da igualdade e do
bem-estar aparecem – ou deveriam aparecer – como fundamento
para a atitude interventiva do Estado.
Constitucionalismo Contemporâneo
sultante sobre a maneira de prosseguir são frequentes, comuns,
talvez, um acompanhamento universal da experiência existencial
humana. Todo ser-no-mundo humano é reflexivo, sempre implica
a recapitulação e análise, não pode durar muito sem autocrítica.
(BAUMAN, 2000, p. 146)
Constitucionalismo Contemporâneo
tema global, um sistema político e econômico cujas instituições
centrais, além dos clássicos Estados-nação, são a Organização
das Nações Unidas e o sistema jurídico construído em torno dela.
Nesse sistema, poder e recursos continuam sendo distribuídos
de modo altamente desigual entre as nações e os indivíduos, o
conflito de interesse continua sendo a regra [...].
Constitucionalismo Contemporâneo
tido da passagem do Estado clássico liberal para o Estado social. Essa
evolução representou também uma evolução no conceito de soberania,
outrora entendida como elemento essencial do Estado moderno, incon-
trastável, a soberania, agora mitigada pelos influxos globalizantes, não é
marca mais elementar do conceito de Estado. O Estado do Welfare State,
com sua função de suplantar as desigualdades sociais e referendar o
patrocínio da justiça social, forjou a ideia de solidariedade do poder es-
tatal, que, para muitos, substitui o atributo soberano para a promoção
do bem-estar social.
Mas não foi somente ao conceito de soberania que a globalização
acarretou consequência. Esta também teve papel decisivo, juntamen-
te com a crise fiscal e o movimento ideológico neoliberal, na crise do
Considerações finais
Observa-se pela leitura deste trabalho em que circunstâncias o
aparecimento do Estado moderno, liberal, surgiu e suas principais ca-
racterísticas até o momento de transição ao Estado social do século XX,
transição essa que mudou o perfil de atuação da entidade estatal na
Almeida Diniz
Constitucionalismo Contemporâneo
fundas transformações no Estado, mormente no que tange a uma multi-
plicidade de loci de poder, não sendo mais considerada a única e exclu-
siva entidade concentrada de poder, com uma expressiva mitigação do
conceito de soberania estatal.
Ainda assim, é necessário um aprofundamento sobre os temas re-
levantes trabalhados neste artigo pela relevância que o assunto possui,
a fim de identificar os progressos esperado na teoria política contempo-
rânea, de maneira prática.
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Almeida Diniz
de
Robson Alves
240
O COMBATE À SEGREGAÇÃO RACIAL
NOS ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA EM PERSPECTIVA
JURÍDICO-CONSTITUCIONALISTA:
DA VIGÊNCIA DOS BLACK CODES NO
SUL À EDIÇÃO DAS LEIS JIM CROW1
1
O Grupo de Estudos de “Direito Comparado e História das Instituições Jurídicas” apre-
sentou o resultado das pesquisas científicas realizadas sobre o objeto de estudo propos-
to numa das linhas propostas, in casu, “a Gênese do Moderno Constitucionalismo”,
nos encontros dos dias 12 e 13 dos meses de maio e agosto de 2016, por ocasião do I
Seminário de Pesquisa realizado no Campus II, Águas Claras, no Distrito Federal. O pre-
sente artigo, pois, é o resultado daqueles debates, encontros de pesquisa e ministrações
proferidas perante a comunidade acadêmica da Faculdade Processus.
A declaração de emancipação de
Abraham Lincoln: a pavimentação
do caminho para a liberdade formal
Logo no primeiro dia do mês de janeiro de 1863, Abraham
Lincoln (1809-1865) assinou aquele que seria considerado um dos
‘dez documentos legais de maior relevo em toda a história do Direito
dos Estados Unidos da América’. Trata-se da chamada “Proclamação
de Emancipação” (Emancipation Declaration) – a festejada medida
jurídica pela qual o presidente em questão concedia alforria aos es-
Lacerda Lucas & Carlos Eduardo Araujo Faiad
2
No rol destes estados estavam, entre outros, o Kentucky, Maryland, Missouri e Delaware,
pelo simples fato de que eles não levantaram oposição à União.
242
243
As 13ª, 14ª e 15ª emendas constitucionais, as
Constitucionalismo Contemporâneo
tentativas de reconstrução nacionais iniciadas
por Abraham Lincoln e o surgimento dos Black
Codes – a legislação racista dos Estados do Sul
Nos Estados Unidos, a discriminação racial remontava ainda às
terríveis feridas deixadas abertas pelos trágicos anos em que perdurou
a sangrenta Guerra da Secessão (1861-1865). Assim, diversas leis tendo
por objeto ratificar a institucionalização do preconceito contra afro-ame-
ricanos foram editadas nos estados do Sul logo após o término do conflito
civil que dividiu o país. Estas regras que entraram em vigor no biênio
1865-1866 tinham por finalidade manter a supremacia branca no meio
3
Estima-se, grosso modo, que eram cerca de quatro milhões de pessoas sujeitas a tal
situação.
resses nacionais, poderiam ser convocados a realizar algumas tarefas de
interesse da administração pública, como, por exemplo, a ‘construção de
estradas’, o ‘serviço nas forças armadas’ ou ‘participação em tribunais do
júri’. Entretanto, não tardaria a perceber-se com o decurso do tempo, que
a 13ª Emenda carecia da devida efetividade, pois, apesar de um antigo
anseio jurídico ter sido realmente alcançado por parcela significativa da
população do país, consubstanciado com a abolição do regime de escra-
vidão e, ainda, desta ter, a priori, contribuído para a libertação de aproxi-
madamente quatro milhões de pessoas sujeitas à infame condição de ser-
vidão, o referido diploma legal não foi, de fato, elemento suficiente para
Lacerda Lucas & Carlos Eduardo Araujo Faiad
4
Para saber mais, confira a obra de KOMAN, Rita G. The Freedmen’s Bureau: Catalyst for
Freedom? California: The Regents (University of California), 1988. p. 1-6.
244
245
no entanto, mostraram-se inócuas por vários motivos. O assassinato
Constitucionalismo Contemporâneo
de Abraham Lincoln, que assistia à apresentação de uma peça de tea-
tro quando foi atingido pelo disparo de John Wilkes Booth, aos 15 de
abril de 1865, modificou este cenário inicialmente favorável às políticas
públicas de inclusão que poderiam ter sido bastante promissoras no
que concerne ao reconhecimento dos direitos aos libertos. Na verda-
de, a proclamação do “Civil Rights Bill” (1866) pelo presidente Andrew
Johnson (encarregado do projeto de reconstrução nacional) garantia
status de cidadão americano a todas as pessoas nascidas nos Estados
Unidos, à exceção dos povos indígenas. Da mesma maneira, buscava es-
tender benefícios igualitários a todos, tendo por fulcro maior a garan-
tia da segurança pessoal e a proteção da propriedade privada destas
pessoas. Contudo, o grande vácuo legislativo e o clima de incerteza que
5
A 14ª Emenda fazia de todos os nascidos em solo americano ou naturalizados cidadãos
dos Estados Unidos da América.
nação arvorando a pretensa bandeira da “supremacia branca”. Alguns
membros da organização conseguiram fugir, outros tantos foram julga-
dos por jurados predominantemente negros e apenados com multa e
prisão. Em 1875, o Congresso aprovou o “Civil Rights Act” – lei federal
que passou a garantir, a todos no país, acesso igualitário aos locais e
instalações públicas, independentemente de raça ou cor. A legislação
em tela, todavia, não alcançou qualquer eficácia. Depois de diversos re-
cursos à Suprema Corte, em 1883, a ordenança foi considerada incons-
titucional. A partir desta histórica e surpreendente decisão, os estados
sulistas refizeram suas Constituições, revogando, para tanto, os direitos
Lacerda Lucas & Carlos Eduardo Araujo Faiad
édito real composto por 60 artigos, emanado do cetro de Luís XIV (1638-
Rodrigo Freitas Palma; Ester
6
A legislação da Louisiana era um pouco mais resumida quando comparada ao Code Noir,
pois, apesar da inequívoca similaridade entre as duas, aquela possuía 54 artigos, portan-
to, seis disposições legais a menos.
246
247
rida legislação , fundada na mais absoluta intolerância religiosa, afetava
7
Constitucionalismo Contemporâneo
também outros grupos minoritários residentes naquelas possessões do
império, como os judeus, que, a partir de então, não poderiam mais resi-
dir nos domínios pertencentes à Coroa (art. 1) ou, ainda, os próprios pro-
testantes, impedidos de realizar seus cultos em lugares públicos (art. 3)8.
Somente aqueles casamentos celebrados por padres seriam tidos como
válidos (art. 8). Aos escravos, por sua vez, determinava-se o batismo se-
gundo os ritos tradicionais da Igreja Católica Apostólica Romana (art. 2).
O matrimônio somente poderia ser realizado depois de alcançada a de-
vida permissão dos seus senhores (arts. 10 e 11) e os eventuais filhos
advindos desta união (ou de outras relações não autorizadas pela letra
da lei, como a conjunção carnal entre um homem livre e uma escrava)
seriam igualmente escravos (arts. 12 e 13). Entre outras coisas, e para
7
O “Code Noir”, na íntegra, pode ser lido na obra de MARYLANDER, A. The Law of Slavery
in the State of Louisiana. Washington, DC: The National Era, 1847 (African American
Newspapers).
8
De semelhante modo, enveredou a Constituição Brasileira de 1824 nesta mesma trilha.
9
Nesse sentido veja RIDDELL, Renwick. Le Code Noir. The Journal of Negro History. v. 10,
n. 3. jul., 1925, p. 321.
servil. Os escravos, pois, durante todo o período em que esteve em vigor
o regime, eram vistos como propriedade, uma matéria circunscrita ao
“direito das coisas”. Tanto é verdade que em um curioso documento de
partilha de bens datado do ano de 1829, na própria Louisiana, mais es-
pecificamente na cidade de West Feliciana, cuidou-se de registrar num
interessante caso em que à esposa, em função da separação, caberiam
“640 acres” de terra, além, dos escravos que assim foram, na ocasião,
nomeados (DURANTE JR.; KNOTTERUS, 1999, p. 198).
Ora, o presente contexto demonstra claramente o vil desiderato
dos particulares envolvidos em tais transações, os quais eram possui-
Lacerda Lucas & Carlos Eduardo Araujo Faiad
Constitucionalismo Contemporâneo
constituídas no Texas a partir do ano de 1866 (CROUCH, 2007, p. 149).
Não se deve olvidar que, no contexto em questão, a condenação à morte
era um veredicto bastante recorrente. Relações conjugais entre pessoas
brancas e negras eram grandemente desencorajadas no meio social e
consideradas inaceitáveis em muitos destes lugares.
Outro grande dilema enfrentado pelos recém-alforriados consistia
na difícil tarefa de inserção destes no mercado de trabalho. Apenas servi-
ços braçais dos mais árduos eram a eles reservados, delimitando-se, as-
sim, os contornos de um sistema fundado numa profunda exclusão social.
No Mississipi, vale notar, foram estabelecidos diversos impedimentos
legais para que os negros pudessem vir a adquirir propriedades rurais
(FORTE, 1998, p. 601). Some-se a isso o fato de que a “vadiagem”10 foi
Constitucionalismo Contemporâneo
chamados Black Codes editados logo após o fim da Guerra de Secessão
constituíram-se nas primeiras manifestações jurídicas de teor racista
produzidas no terreno da legalidade nos diversos estados do Sul, as leis
Jim Crow representavam a continuidade de toda a forma de discrimina-
ção social imposta às pessoas recém-alforriadas, mesmo após o advento
da abolição da escravidão.
Ocorre que, de forma sistemática, os ordenamentos jurídicos
de diversas unidades da federação continuaram a perpetuar tal situa-
ção de exclusão social mesmo, no decorrer de todo o século XX. Este
conjunto de regras chamadas de Jim Crow vigorou até o ano de 1964,
quando, finalmente, foi promulgado o Civil Rights Act de 1964, ver-
dadeiro marco jurídico no combate à intolerância racial nos Estados
12
Para saber mais sobre as origens do termo “Jim Crow” confira a obra de PACKARD,
Jerrold M. American Nightmare: The History of Jim Crow. St. Martin’s Press, 2003.
13
Veja a esse respeito THOMPSON-MILLER, Ruth; FEAGIN, Joe R. “The Reality and Impact of
Legal Segregation in the United States”. In: VERA, Hernan; FEAGIN, Joe R. Handbook of the
Sociology of Racial and Ethnic Relations. New York City: Springer Science, 2007, p. 455.
permeava o cotidiano das pessoas e se projetava em regras de convi-
vência para utilização do transporte público, das escolas, bibliotecas,
cinemas, teatros, prisões, bebedouros, hotéis, restaurantes, parques,
alojamentos e outros mais. Oportunamente, lembra Tischauser (2012,
p. 35), que existiam até mesmo Bíblias separadas para que negros e
brancos repousassem suas mãos nos tribunais (por ocasião do célebre
juramento exigidos naquelas cortes). Até o ano de 1950, 42 estados da
Federação, dentre o total de 50 – incluindo-se neste âmbito o próprio
Distrito Federal, ainda possuíam leis segregatórias em seus ordena-
mentos jurídicos.
Lacerda Lucas & Carlos Eduardo Araujo Faiad
Constitucionalismo Contemporâneo
BABAT, David. The Discriminatory History of Gun Control. University of Rhode Island (Program
at University of Rhode Island, Senior Honors Project). Paper 140, 2009, p. 1-32.
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Capstone Press, 2015.
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO:
MOVIMENTOS SOCIAIS EM REDE
NO COMBATE À CORRUPÇÃO E
PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Introdução
Não há dúvidas de que a corrupção está como uma das maiores
preocupações da sociedade, tanto em nível nacional como internacio-
nal. Isso porque seus efeitos acabam por gerar consequências até mes-
mo de nível global, atingindo diversas esferas da sociedade, que teriam
seus direitos fundamentais diretamente afetados.
Tendo em vista essas razões, o objetivo é buscar esforços contí-
nuos entre cidadãos, sociedades, ou mesmo países, procurando formas
de enfrentamento desse entrave com efeitos nefastos. Por esse fato,
propõe-se diretamente pensar sua ligação com a sociedade da informa-
ção que confortaria todas as áreas de conhecimento em escala mundial.
Desse modo, a ideia é de que a própria sociedade da informação,
por meio dos movimentos sociais em rede na internet, possibilita apor-
tes necessários para o combate da corrupção e preservação dos direitos
fundamentais. Assim, o estudo aqui apresentado tem como problema a
seguinte indagação: os movimentos sociais em rede, no uso da internet
na sociedade da informação, podem contribuir para combater a corrup-
ção e preservar os direitos fundamentais?
Com o intuito de responder ao problema apresentado, primeira-
mente faz-se a análise do que constitui o fenômeno da corrupção, suas
características e efeitos nos diretos fundamentais para estar se tratan-
do do assunto. Posteriormente, no segundo tópico, busca-se a perspec-
tiva do que seria a sociedade da informação, a sociedade em rede, sua
propagação com a internet e os direitos fundamentais nela envoltos. E,
num terceiro momento, tendo a pretensão de chegar ao objetivo geral,
trata-se dos movimentos sociais em rede na era da internet, por meio
da perspectiva de Manuel Castells, verificando-se a possibilidade de seu
combate à corrupção e preservação dos direitos fundamentais.
Para formar essas ligações, utiliza-se o método dedutivo, partin-
do da premissa geral da sociedade da informação, tratando a particular
por meio dos movimentos sociais na internet. Como técnica de pesquisa
Silva
256
257
característica primordial seria possuir um conceito amplo. Na verdade,
Constitucionalismo Contemporâneo
o termo corrupção tem sua origem no latim corruptione, significando a
ideia de corromper, no sentido de decomposição, putrefação, desmora-
lização, suborno (LEAL, 2013).
A ideia de corrupção, historicamente, sempre esteve associada à
participação do Estado e à atuação criminosa dos agentes públicos ou a
condutas descritas nos tipos penais dos crimes contra a Administração
Pública (FURTADO, 2015). Contudo, essa visão acaba por se modificar.
Pode-se se dizer que, em um pensamento mais atual, não há consenso do
que venha a ser a definição do conceito de corrupção.
Observa-se que as condutas envolvendo a corrupção são enten-
didas como extremamente complexas. Seu envolvimento abrange agen-
Características e classificações da
corrupção: complexidade que enseja
um pensar em suas consequências
Furtado (2015) aponta características de identificação da cor-
rupção ou do que venha ser um ato corrupto. Refere, primeiramente, a
característica do ato corrupto importar abuso de posição e transgres-
são das regras de conduta acerca do exercício de uma função ou cargo;
em segundo, a característica de requerer a violação de dever previsto
em um sistema normativo que sirva de referência; em terceiro, o fato
de os atos corruptos estarem sempre vinculados à expectativa de ob-
tenção de benefício de natureza política, sexual, profissional ou, até
mesmo, promessa futura; e, por quarto, a característica da corrupção
estar revestida de sigilo, por isso se insurge como medida preventiva
a questão da transparência.
Tendo em vista as características apontadas para tentar estrutu-
rar os tipos de corrupção existentes, pode-se utilizar como parâmetro
os apontamentos de Nascimento (2014) que, contribuindo ao tema, traz
a corrupção sistêmica, a corrupção esporádica, a corrupção política e a
corrupção burocrática.
Por corrupção sistêmica entende-se aquela que ocorre como
aspecto integrado e essencial do sistema econômico, social e político.
Nesse sentido, a maioria das instituições e processos do Estado está ro-
tineiramente dominada e utilizada por indivíduos e/ou grupos que não
possuem outra alternativa a não ser lidar com a corrupção, que já faz
parte do plano estrutural (NASCIMENTO, 2014).
Por corrupção esporádica ou individual, configura-se o conceito
oposto da corrupção sistêmica, ocorrendo de forma irregular. Por ela,
numa drenagem de recursos, os campos da moral pública e da econo-
mia estão diretamente afetados (NASCIMENTO, 2014).
Já a corrupção política ou macrocorrupção, é aquela que engloba
qualquer transação entre os agentes dos setores públicos e privados em
Silva
Constitucionalismo Contemporâneo
esferas da sociedade. Isso é o que se passa a analisar.
Constitucionalismo Contemporâneo
dos como forma de violação do sistema jurídico como um todo.
Vê-se, nesse sentido, que a corrupção impede que a pessoa hu-
mana tenha seus direitos respeitados em todos os âmbitos, assim como,
sua inserção social (PILAY, 2013). A corrupção é um enorme obstáculo
à realização de todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais, bem como o direito ao desenvolvimento, e, nesse contexto,
viola os princípios fundamentais de transparência, responsabilização,
não discriminação e participação significativa em todos os aspectos da
vida da comunidade.
É interessante observar que no índice de percepção da corrupção rea-
lizado pela Transparência Internacional em 2015, considerando 168
países do mundo, o Brasil em comparação à percepção de 2014 foi
Constitucionalismo Contemporâneo
tístico, religioso, associado ao respeito à diversidade e ao direito das
minorias (GORCKZEVSKY, 2009).
Ainda, como direito de quinta dimensão, observam-se aqueles
reflexos da sociedade virtual, seriam os direitos à informática ou da
era digital (GORCZEVSKY, 2009). Isso porque, no fim do século XX e no
início do novo milênio, marcou-se a passagem da sociedade industrial
para a sociedade virtual, quando há o desenvolvimento da cibernética,
das redes de computadores, do comércio eletrônico, da inteligência ar-
tificial, da realidade virtual, da massificação da internet. Esses direitos
de quinta dimensão são resultantes do desenvolvimento da sociedade
da informação com os meios tecnológicos.
Todos esses direitos são profundamente afetados pela corrupção,
1
Refere Castells que é necessária, mas não suficiente.
264
265
municação e informação fundamentadas na microeletrônica e em redes
Constitucionalismo Contemporâneo
digitais de computadores que geram, processam e distribuem informa-
ção a partir de conhecimento acumulado nos nós dessas redes, as quais
são estruturas abertas que evoluem, acrescentando ou removendo nós
de acordo com as mudanças necessárias dos programas que conseguem
atingir os objetivos de performance para a rede (CASTELLS, 2005).
Na concepção de Castells (2005), a estrutura de uma sociedade
em rede resulta da interação entre o paradigma da nova tecnologia e
a organização social num plano geral. Ela se manifesta de diversas for-
mas, conforme a cultura, as instituições e a trajetória histórica de cada
sociedade. Levy (2000) explana que há uma possibilidade de expressão
pública, de interconexão sem fronteiras e de acesso à informação sem
precedente na história humana.
de, o Marco dispõe que a internet é essencial para que cada cidadão pos-
Rogério Gesta Leal & Carla Luana
Constitucionalismo Contemporâneo
informação com os meios tecnológicos e a ideia da internet como propul-
sora, propõe-se então, a análise dos movimentos sociais em rede na era
da internet, a partir da perspectiva do autor Manuel Castells, no combate
às práticas corruptivas e preservação dos direitos fundamentais.
2
Cabe salientar que o presente estudo tem por base as descrições desenvolvidas no
prefácio da obra de Castells.
A análise de Castells (2013) tem por base uma teoria fundamen-
tada do poder, que fornece substrato para a compreensão dos movi-
mentos sociais.
Na teoria citada, Castells (2013) parte da premissa de que as re-
lações de poder são constitutivas da sociedade, porque os que o detêm
constroem as instituições segundo seus valores e interesses. O poder
é exercido por meio da coerção e/ou pela construção de significado na
mente das pessoas, mediante mecanismos de manipulação simbólica,
que se encontram embutidos nas instituições da sociedade, em especial
no Estado. Relata também, a existência de um contrapoder, que é a capa-
cidade dos atores de desafiarem o poder, reivindicando a representação
de seus próprios valores e interesses. Diz que existe dependência dessa
constante interação de poder e contrapoder.
Para a vontade dos que controlam o poder, são elementos essen-
ciais a coerção e a intimidação, mas, além disso, a construção de signifi-
cado na mente das pessoas e uma fonte de poder mais decisiva e estável.
O modo como as pessoas pensam determina o destino das instituições,
normas e valores sobre os quais a sociedade é organizada, e por isso
pode-se dizer que a luta pelo poder é a batalha pela construção de sig-
nificados na mente das pessoas (CASTELLS, 2013).
Refere Castells (2013) que os seres humanos criam significados
interagindo com seu ambiente natural e social, conectando suas redes
Silva
Constitucionalismo Contemporâneo
teresses e valores de atores habilitados. Assim, as redes de comunica-
ção são fontes decisivas de construção do poder3.
Nesse desenrolar, Castells (2013) explana que, quem detém o
poder na sociedade em rede são os programadores, com a capacidade
de elaborar cada uma das principais redes de que depende a vida das
pessoas, e os comutadores, que operam as conexões entre diferentes
redes. E já o contrapoder vem com a tentativa deliberada de alterar as
relações de poder e as redes em torno de outros interesses e valores,
e/ou rompendo as alternâncias predominantes, ao mesmo tempo em
que se modificam as redes de resistência e mudança social.
Segue Castells (2013) referindo que, ao longo da história, os mo-
vimentos sociais são produtores de novos valores e objetivos. Em torno
3
Cabe salientar, que é por meio do Estado que diferentes formas de exercício do poder,
em distintas esferas sociais, relacionam-se ao monopólio da violência como a capacida-
de de, em última instância, impor o poder. Assim, enquanto as redes de comunicação
processam a construção de significado em que se baseia o poder, o Estado constitui a
rede-padrão para o funcionamento adequado de todas as outras redes de poder.
Isso exige um processo de comunicação de uma experiência individual
para outras. Ainda, para que o processo de comunicação opere há duas
exigências: a consonância cognitiva entre emissores e receptores da men-
sagem, e um canal de comunicação eficaz (CASTELLS, 2013).
Na atualidade, demonstram-se como eficazes as redes digitais, mul-
timodais, de comunicação horizontal, que são os veículos mais rápidos e
mais autônomos, interativos, reprogramáveis e amplificadores de toda a
história. É por isso que os movimentos sociais em rede da era digital re-
presentam uma nova espécie em seu gênero (CASTELLS, 2013).
Para que as redes de contrapoder prevaleçam sobre as redes de
poder embutidas na organização da sociedade, elas precisam reprogra-
mar a organização política, a economia, a cultura ou qualquer dimensão
que pretendam mudar, introduzindo nos programas das instituições,
assim como em suas próprias vidas, outras instruções, incluindo a re-
gra de não criar regras sobre coisa alguma. Além disso, devem acionar
a conexão entre diferentes redes de mudança social (CASTELLS, 2013).
Observando os movimentos sociais, existiria um tema predominan-
te, um grito de pressão, um sonho revolucionário, e o apelo a novas formas
de deliberação, representação e tomadas de decisão políticas. Isso porque
a governança democrática eficaz é um pré-requisito para a concretização
de todos os projetos e demandas (CASTELLS, 2013).
Esses movimentos sociais em rede são novos tipos de movimen-
tos democráticos que estão reconstruindo a esfera pública no espaço de
Silva
Constitucionalismo Contemporâneo
dãos, por eleições controladas por dinheiro e meios de comunicação,
por corrupção sistêmica de todos os partidos políticos e em quase todos
os países (CASTELLS, 2015).
Sob esse cenário, refere que a comunicação em rede oferece mui-
tas possibilidades de incrementar a participação cidadã, no sentido de
revitalizar a democracia por meio da crítica aos partidos burocratiza-
dos e aos políticos corruptos. As novas mídias concedem ao cidadão,
além de um novo espaço de troca e busca de informações, a possibi-
lidade de alterar o comportamento por poder ter uma postura ativa e
independentemente dos meios tradicionais (CASTELLS, 2015).
Para se pensar no combate à corrupção, tem-se que a comunica-
ção permite que ela seja feita de muitos para muitos em tempo escolhi-
Conclusão
O problema norteador da pesquisa foi analisar se os movimen-
tos sociais em rede, com o uso da internet na sociedade da informação,
poderiam contribuir para combater a corrupção e preservar os direitos
fundamentais. Ao longo da pesquisa, viu-se que a ideia para se tratar
o tema foi devido à elevada preocupação com a corrupção e os efeitos
Silva
Constitucionalismo Contemporâneo
pectiva de Manuel Castells.
Devido à possibilidade da comunicação de muitos para muitos em
tempo escolhido e a uma escala global, devido à propagação da insatisfa-
ção com as injustiças e ferimentos a direitos fundamentais que acabam
por se espalhar por contágio num mundo ligado pela internet, e devido
ao fato de os movimentos sociais exercerem um contrapoder por meio da
internet que é de difícil controle, e ainda devido à característica primor-
dial de mobilizar os indivíduos a uma ação coletiva, entre outros motivos,
entendeu-se que os movimentos sociais em rede na era da internet con-
tribuem sim no combate à corrupção, e, somam formas e mecanismos à
sua erradicação, além da preservação dos direitos fundamentais.
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274
O TRABALHO INFANTIL NO MEIO
ARTÍSTICO E A VIOLAÇÃO DA PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL
Paula Cunha
Graduanda em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul
– UNISC. (paulacunha.94@gmail.com)
Introdução
Ainda que o ordenamento jurídico brasileiro assegure a prote-
ção integral a crianças e adolescentes, sabe-se que a exploração do
trabalho infantil ainda é uma realidade. A luta contra a exploração
da mão de obra de crianças e adolescentes não é recente, e as orga-
nizações e órgãos competentes permanecem há vários anos na busca
pela sua erradicação. Todavia, atualmente, a presente questão vem
ganhando maior destaque, tendo em vista que cada vez mais crianças
são introduzidas no cenário midiático, seja na forma de atores(as)
mirins, cantores(as), apresentadores(as), entre outros, e, em razão
de suas peculiaridades, esta forma de trabalho sequer é reconhecida
como tal.
O presente trabalho aborda o tema trabalho infantil artístico, bem
como se propõe a investigar de que maneira o trabalho artístico pode
ser desvirtuado, gerando uma relação de emprego, e que, por inúmeras
razões, abarca condições aparentemente lícitas para a sociedade.
Neste sentido, questiona-se: tendo em vista que a Constituição
Federal proíbe qualquer espécie de trabalho infantil no Brasil, a explo-
ração de crianças e adolescentes no ramo artístico não afronta os pre-
ceitos constitucionais? Para responder a referida pergunta, é necessário
que se faça uma análise dos aspectos jurídicos e históricos que abrangem
o trabalho infantil, sem deixar de observar o crescimento da exploração
de mão de obra em ramos da mídia em geral, uma vez que, em razão da
maneira como é repassada a informação, o senso comum não contempla
ilicitude na atuação de crianças e adolescentes nos cenários midiáticos.
Entretanto, é importante evidenciar que estas crianças e adoles-
centes não estão ali por lazer, mas, sim, pela prestação de um serviço,
tendo em vista que há a caracterização da situação de trabalho, uma vez
que estão presentes todos os requisitos que configuram a relação de
emprego. Ademais, ao tratar do tema em questão, também é relevante
abordar as possíveis consequências e prejuízos que a exploração preco-
ce no trabalho pode ocasionar, pois os referidos danos não carecem ne-
cessariamente da atividade braçal para ocorrer, podendo, muitas vezes,
levar as crianças à exaustão e ocasionar um dano severo às suas con-
dições psicológicas.
Para a realização da presente pesquisa, utilizou-
se o método hipotético dedutivo, visando oferecer uma solução para o
problema estabelecido, fazendo observações ativas e seletivas acerca
do assunto, partindo do princípio de que o conhecimento não tem início
com a exação de dados ou fatos, mas sim de um problema de grande
repercussão. Como técnica de pesquisa, foi adotada a bibliográfica.
idade mínima legal. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, inciso XXXIII,
proíbe a realização de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição
de aprendiz, a partir de quatorze anos.
276
277
jam estes públicos ou privados, nos primeiros ciclos do Brasil Colônia,
Constitucionalismo Contemporâneo
isto é, as crianças compartilhavam das mesmas vivências, partilhavam
trabalhos e jogos, de modo que padeciam com tal infortúnio, sem poder
contar com outra alternativa, haja vista as condições de extrema pobre-
za que acometia a população.
No mesmo sentido, corrobora Rizzini (1996), que na Inglaterra,
durante a Era Vitoriana, considerava-se revigorante que crianças, em
sua grande maioria menos favorecidas economicamente, trabalhassem
desde os oito anos, de forma que a sociedade da época acreditava que a
prática pudesse combater à criminalidade.
No Brasil, nesse mesmo período, em meados do século XIX, o pen-
samento do trabalho como sendo “causa celeste” da organização social,
associa-se à fase de alteração do trabalho escravo para as atividades rea-
não significa que ambas não andam lado a lado no quesito proteção.
Neste sentido, causa espanto que cotidianamente crianças e ado-
lescentes trabalhem, em meios tão ostensivos quanto os de comunica-
ção, e que esta situação seja ignorada, porque pressupõe-se que seja uma
atividade lícita. Sejam atores, cantores, apresentadores ou jogadores de
futebol, não se pode ignorar o fato de que essas crianças estão ali não por
mero divertimento, mas sim em razão da prestação de um serviço.
O trabalho infantil artístico, nesta perspectiva, demonstra uma
da
Constitucionalismo Contemporâneo
da Consolidação das Leis do Trabalho, tem-se uma relação de emprego.
No caso do trabalho infantil artístico, resta evidente a presença
do requisito da pessoalidade, na medida em que não há a possibilidade
daquele ator simplesmente ser substituído por outro no curso de uma
novela, por exemplo. Resta caracterizado também o requisito da não
eventualidade, vindicando uma continuidade do empregado no servi-
ço ao qual está realizando as suas atividades. Por este ângulo, levando-
-se em consideração que o núcleo de atores de uma novela é invariável,
bem como que ela é exibida diariamente, pressupõe-se que as grava-
ções também sejam diárias. Além disso, está caracterizada a obrigação
dos atores em gravar em horários determinados, muitas vezes por ho-
ras a fio ou gravações noturnas. A onerosidade está diretamente ligada
2
Corroborando o assunto, destaca-se a matéria feita pelo site de entretenimento Portal
Guimalari (2013, http://portalguimalari.blogspot.com.br), cujas fontes foram retiradas
da Revista Caras, a qual afirmou que a média de idade entre os atores da novela infantil
“Carrossel” é de 11 (onze) anos, e que, apesar da pouca idade, eles possuem responsabil-
idades semelhantes às de um adulto, pois, além das atividades rotineiras que demandam
muita responsabilidade, os atores ainda necessitam aprender a encarar o salário que
recebem. O site ainda afirma que o salário pago aos atores os permitiram realizar alguns
sonhos, pelo que se ressalta do depoimento da atriz mirim Larissa Manoela, que afirmou
(2013, http://portalguimalari.blogspot.com.br): “Salário é uma necessidade, mas a gente
não depende só daquilo. Eu gosto de fazer o que eu faço, isso é mais importante.”.
Outrossim, conforme assevera Cavalcante (2011), existe um ter-
ceiro que irá se beneficiar financeiramente daquela atividade que está
sendo prestada, destacando que, nestes casos, não é necessário que
haja o pagamento direto ao artista mirim para que seja caracterizado o
trabalho infantil. Tal prática (beneficiar-se da mão de obra infantil sem
a devida contraprestação em valor) são inclusive frequentes, princi-
palmente nos trabalhos que envolvem desfiles ou fotos para catálogos,
quando os empregados infantojuvenis recebem somente roupas pelos
serviços prestados.
Por fim, resta presente o requisito da subordinação, que diz respei-
to à relação de hierarquia existente entre o empregado e seu empregador,
onde o primeiro está subordinado às determinações do segundo. A su-
bordinação, portanto, decorre do poder de comando do empregador, que
dirige e fiscaliza a prestação dos serviços (CASSAR, 2015).
Presentes os requisitos da relação empregatícia, tem-se configu-
rada a relação de emprego entre o ator mirim e a emissora que o está
contratando ou utilizando os seus serviços. Trata-se, portanto, de traba-
lho e não de atividade lúdica e artística.
Por fim, vale dizer que as mesmas atividades que exigiam tama-
nho esforço físico e o uso da força além do permitido, bem como as ati-
vidades domésticas executadas por meninas em “casas de família”, as
quais há menos de um século eram extremante comuns, hoje já são vis-
tas com olhar de reprovação pela grande maioria da sociedade brasilei-
ra. Todavia, esses mesmos olhares de reprovação mudam seu ponto de
da
Constitucionalismo Contemporâneo
observação importante referente ao assunto: o trabalho artístico é
abordado como trabalho infantil das classes superiores, porque conduz
considerável fatia da classe média. Além de ser um trabalho melhor re-
munerado do que o “clássico” trabalho infantil, o trabalho artístico tem
motivações que não são apenas financeiras, como a vaidade dos pais e
a ideia de que “se dar bem na vida” é conseguir sucesso e fama. Assim,
não obstante o pensamento das pessoas tenha evoluído em relação à
gravidade do trabalho infantil, ainda será necessário muito tempo de
aprendizado para que se consolidem as diversas formas de exploração
da mão de obra de crianças e adolescentes e proibição absoluta, ainda
que repassada de forma mascarada.
É preciso deixar claro que as atividades que visam à formação
3
Ao fazer uma análise em um site destinado a recrutamento de atores mirins, confir-
mou-se a efetiva existência de um contrato a ser firmado, embora não se tenha aces-
so ao documento próprio. Ademais, além do extenso rol de atores(as) disponíveis no
referido site, também chama atenção a descrição de cada criança/adolescente, a ex-
emplo da atriz “Gabi Lopes”, a qual relata, além das características físicas, uma vasta
experiência no meio artístico: A atriz Gabi Lopes nasceu em 23/07/1994 e possui 12
anos de carreira como atriz e apresentadora. Passou por cursos e workshops na área de
interpretação para TV, teatro e cinema em escolas como Recriarte, Fátima Toledo e Wolf
Maya. Iniciou carreira de atriz na publicidade, realizando comerciais e campanhas para
diversas marcas. (Disponível em www.fivecasting.com.br)
A possibilidade de inscrição previdenciária inicia-se aos 14 anos
para aqueles que exercem atividades na condição de aprendiz, bem
como aos 16 anos, nos termos das disposições normativas. Assim, res-
tam evidenciados os danos decorrentes da falta de filiação ao regime
da Previdência Social, tanto do ponto de vista laboral como previden-
ciário, pois a falta de reconhecimento do trabalho executado por essas
crianças ou adolescentes impossibilita-os de se socorrerem à tutela do
sistema trabalhista e/ou previdenciário (REIS, 2015).
Conforme Medeiros Neto e Marques (2013), o trabalho infantil
artístico pode ser caracterizado como toda e qualquer relação de traba-
lho cuja prestação de serviços ocorra por meio de expressões artísticas
variadas, por exemplo, no campo do teatro, da televisão, do cinema, do
circo e do rádio.
Isto posto, tem-se como necessário diferenciar a participação da
criança em atividades artísticas, tais como teatro, música, dança, dentre
outras, a fim de que se possa evidenciar o caráter educativo e pedagógi-
co dessas realizações. Diferentemente do trabalho infantil, as atividades
artísticas não possuem um fim lucrativo imediato, sem objetivo econô-
mico. O trabalho artístico é resultado de uma composição artística, que
tem como objetivo agregar valor e gerar lucro.
tre tantos outros motivos que se tem quando a maturidade ainda não foi
atingida. No caso dos atores mirins, tão jovens e já conquistando uma le-
gião de fãs, a vida de artista é tida como glamorosa, invejada pelos colegas
da escola que apenas sonham em um dia também poder cantar, atuar etc.
Mas, e quando esse glamour se torna um martírio na vida desse jovem?
E quando fazer o que até então parecia uma brincadeira se torna um sa-
crifício? Quando se descobre que ser adulto acarreta responsabilidades
muito maiores que aquelas que se imaginava ter, principalmente quando
se trata de alguém que atingiu a fama e tem seu rosto e sua vida pessoal
da
Constitucionalismo Contemporâneo
maioria das vezes, necessitam abrir mão de coisas que são típicas da
sua faixa etária, coisas simples, como uma brincadeira saudável de pe-
ga-pega, pois correr pode levar a quedas, e quedas a ferimentos, e,
tendo em vista que a imagem dessa criança vai ser reproduzida em
vários sites e manchetes, preservar sua integridade física é essencial.
Para uma menina que sonha em ser modelo, tomar um sorvete com
as amigas já não é mais possível, pois agora as restrições alimentares
fazem parte de seu cotidiano.
Drosghic (2013, [s.p.]) enfatiza que
[...] a criança que trabalha na mídia televisiva tem uma rotina ex-
tremamente exaustiva, se assemelhando a de um adulto, são mui-
4
Gustavo Foster esboçou o tema em uma matéria para o jornal gaúcho Zero Hora, tratan-
do do assunto com o seguinte questionamento: “Funkeiros mirins: sexualização precoce
ou reflexo do cotidiano?”. O referido tema foi abordado em razão de um videoclipe gra-
vado pelos Mc’s mirins Brinquedo e Pikachu. Neste, os jovens cantores expostos como
celebridade, junto aos Mc’s Bin Laden e 2k, causam histeria na legião de fãs que os
aguarda em frente a uma residência, cantando as suas músicas. Todavia, o que mais cha-
ma atenção é o conteúdo mostrado dentro do automóvel que os transporta: porquanto
os dois cantores adultos possuem ao seu dispor garrafas de vodka, os funkeiros mirins
bebem suco e toddynho, em razão de sua pouca idade, sendo que Mc Pikachu possui
da
15 anos e Brinquedo apenas 13. A matéria ainda adverte sobre as letras que compõem
as músicas apresentadas por esses funkeiros mirins, cujo contexto nada tem de infan-
Suzéte
til, indicando como exemplo uma cantora ainda mais jovem: Mc Melody, detentora da
música chamada “Eu não quero mais”, que apresenta frases como (FOSTER, 2015): “E te
confesso que um beijo já me desperta o desejo”.
284
285
surgia a seguinte frase “use e se lambuze”. O apelo erótico da imagem
Constitucionalismo Contemporâneo
revela que a preocupação não é, efetivamente, com o desenvolvimento
da capacidade e das habilidades artística. Ao contrário, a utilização de
crianças revela-se um atrativo muito grande e contribui para o desen-
volvimento do consumismo.
Além destes, inúmeros outros danos decorrem do trabalho infan-
til. O guia jornalístico elaborado pela Agência de Notícias dos Direitos
da Infância em parceria com a Organização Internacional do Trabalho
(ANDI, 2007) traz alguns aspectos importantes a serem observados
quando do desenvolvimento das crianças que trabalham. Além dos da-
nos físicos e que envolvem a saúde dos atores mirins, é preciso conside-
rar os danos emocionais. Nas crianças que têm sua imagem e intelecto
explorados, como é o caso dos atores mirins, as consequências podem
[...] toda criança deve ter tempo para brincar, estudar e se diver-
tir. A sociedade rejeita todos os tipos de trabalho infantil, com
exceção ao trabalho na mídia televisiva, contudo, este trabalho
deve ser tratado de igual forma, pois ele é tão prejudicial como
todos os outros.
5
Exemplo disso foi o que ocorreu com a menina Maísa, em maio de 2012, no programa
apresentado por Silvio Santos. Maísa era uma estrela mirim conhecida hoje por todo o
da
País, na época com apenas 10 anos de idade. Ao sofrer humilhações pelo apresentador,
deixou o palco aos prantos. No momento em que se retirava, a menina colidiu com uma
Suzéte
câmera e passou a ser chamada de medrosa pelo público do auditório. Não bastasse
toda a situação vexatória, sua mãe a empurrou de volta para o palco, pois ela precisava
cumprir o contrato que firmara com o programa e a emissora.
286
287
não coadunam com a sua idade e estado emocional. Situações como
Constitucionalismo Contemporâneo
brincar com os amigos nas praças ou parques se tornam conturbadas,
de modo que a criança já não pode mais exercer seu livre-arbítrio de
forma plena, sem que seja sitiada por pessoas que admiram sua fama
(REIS, 2015). Desta forma, a criança deixa de apreciar um período fun-
damental de sua vida e sua formação, sendo tolhida de conviver livre-
mente com crianças da mesma fixa etária.
Constitucionalismo Contemporâneo
belecem que alguns requisitos para a efetiva concessão dos alvarás men-
cionados devam ser observados, dentre eles a excepcionalidade, isto é,
casos em que a atividade artística em questão não possa ser suprida pelo
maior de dezesseis anos, sendo imprescindível a contratação do trabalha-
dor infantil. Entretanto, as autorizações, até onde se sabe, não fazem qual-
quer limitação, sendo que há vários exemplos de atores e atrizes mirins
que trabalham por longos períodos de tempo para a mesma emissora.
Outro aspecto que merece atenção é quanto à remuneração. A
criança ou o adolescente trabalha, porém, o valor da remuneração é
administrado pelos pais. Ou seja, inverte-se a obrigatoriedade de as-
segurar a proteção integral que deverá ser garantida pela família, pela
sociedade e pelo Estado: no caso, a criança ou o adolescente é que
[...] até agora ainda os alvarás têm sido emitidos pelo juizado
da infância e adolescente e não pelo juiz do trabalho, é por isso
que nós insistimos que a competência seja do juiz do trabalho.
O juiz da infância e adolescência tem contato com a criança e
o adolescente quando eles já são infratores, quando eles pra-
ticam algum ato que seja contrário à legislação, e eles têm que
ir lá para receber medidas socioeducativas. Ou vai ter que ficar
num educandário, vai passar um outro tipo de medida educati-
va, como passar por um programa que o juiz indicar; o contato
da
Constitucionalismo Contemporâneo
nio que eles fazem. E não percebem que a criança tem direito a
um não trabalho, que quando se estabelece uma idade mínima é
justamente para isso, proteger o desenvolvimento físico e men-
tal dessas crianças. Então esses juízes quando eles estabelecem
quais são os requisitos que o empregador deve atender nos ca-
sos de trabalho infantil artístico, pouco se observa da legislação,
como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição
Federal.
6
Em que pese a grande questão estar relacionada com o teor da ação Direta de
Inconstitucionalidade 5.326, o primeiro questionamento que deve ser feito é a respeito
da legitimidade da Associação para interpor a referida ação junto ao Supremo Tribunal
Federal, eis que se trata de uma associação civil.
Para Feliciano (2015), é entendimento pacífico da doutrina e do próprio Supremo
Tribunal Federal que as entidades de âmbito nacional referidas pelo artigo 103, VIII,
da Constituição Federal, são assim consideradas aquelas que, de fato, possuam cunho
nacional, com representação irrestrita e que tenham membros espalhados em um terço
dos estados da Federação, pelo menos.
Desta forma, não se vislumbra legitimidade ativa a qualquer associação civil com vo-
da
rádio e televisão impetre uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para que a Justiça
do Trabalho não seja considerada competente para definir se crianças e adolescentes
poderão ou não trabalhar nos espetáculos artísticos e estabelecer suas condições.
292
293
Conclusão
Constitucionalismo Contemporâneo
Ao final, pode-se chegar à solução da pergunta que deu origem ao
presente trabalho: Tendo em vista que a Constituição Federal proíbe qual-
quer espécie de trabalho infantil no Brasil, questiona-se: a introdução de
crianças e adolescentes no ramo artístico não afronta a legislação? Embora
existam algumas contrariedades, é possível afirmar com convicção que
sim, o trabalho de crianças e adolescentes no ramo artístico afronta di-
retamente a legislação brasileira. Tal resposta deriva, especialmente, da
análise dos requisitos da relação de emprego, elencados pelo artigo 3º da
Consolidação das Leis do Trabalho, tendo em vista que eles estão presen-
tes nas relações entre os atores mirins e as empresas do ramo artístico.
Apesar de ser recorrente a ideia de que somente questões finan-
ceiras são relevantes para o ingresso no mundo do trabalho, no caso do
Referências
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tos humanos e o direito interno brasileiro. Revista eletrônica Díke, 2011. Disponível em:
<http://portais.tjce.jus.br/esmec/wp-content/uploads/2015/07/Antinomia-Flavia-Allemao.
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Silva Reis & Paula Cunha
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<https://jus.com.br/artigos/28669/trabalho-infantil-na-televisao-sob-a-otica-juridica>.
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Constitucionalismo Contemporâneo
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Público, 2013. Disponível em: <https://www.mprs.mp.br/areas/infancia/arquivos/manual
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SUCUPIRA, Fernanda. Os limites do trabalho artístico infantil. [S.l.], 2012. Disponível em:
<http://meiainfancia.reporterbrasil.org.br/os-limites-do-trabalho-artistico-infantil/>.
Acesso em: 23 out. 2016.
TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO
JURÍDICA E A ORDEM DEMOCRÁTICA:
RACIONALIDADE DA DECISÃO DAS
SALVAGUARDAS INSTITUCIONAIS
NA AÇÃO POPULAR NO CASO DA
DEMARCAÇÃO DE TERRAS DA RESERVA
INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL
Introdução
Toda vez que se pensa em decisão judicial, o que parece vir à tona
é a necessidade de discutir seus limites considerando a Constituição e
o Estado Democrático de Direito, principalmente em termos de cria-
ção judicial. Entendendo a importância de discutir o problema de de-
cidibilidade, delineou-se como objetivo ao trabalho realizar a análise
de uma decisão judicial, que se entende por incorreta, sob a ótica da
teoria do discurso de Alexy.
O problema que embasa o trabalho tem como pressuposto a seguin-
te indagação: sob a ótica do modelo discursivo, da Teoria de Argumentação
Jurídica de Robert Alexy, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal no caso da Ação Popular, na resolução de demarcação de terras
indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol, no que tange às salvaguardas
institucionais ali dispostas, obteve obediência às regras do discurso ju-
rídico preservando uma ordem democrática? Assim, tem-se como tema
central a análise da legitimidade das salvaguardas institucionais na deci-
são do caso da demarcação de terras indígenas na Reserva Raposa Serra
do Sol sob a ótica da teoria da argumentação jurídica.
Com o intuito de resolver a indagação levantada, o objetivo é pri-
meiramente fazer um estudo quanto ao problema de decidibilidade
contemporâneo, voltando-se para a figura do ativismo judicial (junta-
mente com o velho debate em seu entorno), e, com isso, o estudo da
teoria do direito que teria por preocupação o estudo dessas questões
Silva Pessôa
Constitucionalismo Contemporâneo
cia do Supremo Tribunal Federal.
Constitucionalismo Contemporâneo
forma positiva e não negativa, como deveria acontecer, pondo em risco,
desse modo, o próprio sistema democrático.
Miozzo (2014) explica que o protagonismo judicial envolve discus-
são profunda em dois dos alicerces do Estado de direito, a separação fun-
cional de poderes e o princípio democrático, ambos relacionados como
princípios fundamentais. “Um dos pontos nevrálgicos desta delicada re-
lação diz respeito ao limite e intervenção do Judiciário no controle e no
impulso da atuação dos demais poderes” (MIOZZO, 2014, p. 22).
Streck (2002) aufere que, mesmo com todos esses impasses, a ex-
periência aponta para o fato de que o Estado Democrático de Direito não
pode mais funcionar sem a justiça constitucional. Com isso, para Leal
do problema de decidibilidade
de
nas decisões judiciais, Alexy (2010) explica que se pode obter cinco
tipos de matrizes teóricas1, ou seja, as matrizes de teorias do direito
que ele desenvolveu em seus estudos no campo da decidibilidade.
Primeiro, o autor desenvolve a Matriz Deducionista, ou seja,
aquela que se utiliza da técnica do inducionismo, de acordo com a ló-
gica de que qualquer caso jurídico decorre evidentemente de normas
da
1
Essa percepção de matrizes teóricas relacionadas no artigo é própria de Robert Alexy,
existindo outras classificações, por outros autores, que aqui não foram abordadas.
302
303
logicamente de normas válidas, juntamente com definições de concei-
Constitucionalismo Contemporâneo
tos jurídicos, os quais eram pressupostos como certos, e de sentenças
empíricas” (ALEXY, 2010, p. 2).
Conforme o mesmo autor, essa matriz sofreu críticas quanto a
questões como a imprecisão da linguagem das normas, a possibilida-
de de conflitos ou colisões entre elas, o fato de que possa não haver
uma norma para a decisão de um determinado caso e a possibilidade de
um desenvolvimento do Direito contrário à formulação literal de uma
norma. Nesse mesmo ponto de crítica, entende-se que a lei escrita não
cumpre a tarefa de resolução dos problemas aquém, onde a decisão ju-
dicial completa certa brecha de acordo com padrões da razão prática e
conceitos e justiça fundados na comunidade.
Uma segunda matriz de decisão judicial é a Decisionista, que sain-
Constitucionalismo Contemporâneo
quando na análise de um caso concreto, teriam uma carga de discriciona-
riedade e subjetivismo aumentadas. No controle desta, a argumentação
jurídica tem relevância no sentido de demarcar parâmetros e ferramen-
tas de interpretação/aplicação pelo aplicador do Direito, tendo em vista a
preservação de uma ordem democrática, ou seja, contribuindo para a ra-
cionalidade do processo de decisão. Desse modo, o problema inicial aqui
levantado quanto à decidibilidade estaria por ser minimizado.
Admitindo que o modelo discursivo é uma reação às deficiências de
todos os modelos postos anteriormente, e que seria, segundo Alexy, uma
proposta de solução à decidibilidade, caminha-se agora para avaliação do
que engloba a Teoria da Argumentação Jurídica proposta pelo autor, ana-
lisando notadamente sua obra Teoria da Argumentação Jurídica, especifi-
2
Segundo Toledo (2005), seria desde Ética Analítica (de Stevenson), Regras do Discurso
(analisadas por Wittgenstein, Austin, Hare, Toumin e Baier) e a Teoria da Argumentação
(por Perelman), até a teoria consensual da verdade, de Habermas.
transição, além de delinear as formas de argumentos do discurso práti-
co” (TOLEDO, 2005, p. 49).
Alexy (2010) esclarece que a teoria do discurso gira em torno da
ideia de que qualquer um pode racionalmente discutir sobre questões
práticas numa pretensão de correção. Os discursos práticos gerais3,
explicação que se verá mais adiante, são racionais quando preen-
chem condições da argumentação racional prática, tornando-se cor-
retos. Assim, uma teoria do discurso é “uma teoria procedimental da
correção prática” (ALEXY, 2010, p. 7). Essas condições de racionali-
dade podem ser resumidas em um sistema de regras do discurso que,
quando utilizadas, têm a capacidade de proporcionar a resolução de
questões práticas.
As regras do discurso podem se referir à estrutura dos argu-
mentos4 ou, diretamente, ao procedimento do discurso5. Essas possi-
bilitam a participação, bem como asseguram liberdade e igualdade de
participação, demonstrando o caráter universalista da teoria do dis-
curso. Pode-se dizer que “elas correspondem aos princípios básicos
do Estado Democrático constitucional, que são a liberdade e a igual-
Silva Pessôa
3
Segundo Alexy, esses discursos não são argumentos institucionalizados sobre o que é
obrigatório, proibido ou permitido ou sobre o que é bom ou ruim, mas sim aqueles que,
pela compreensão de Habermas, são argumentos morais, éticos e pragmáticos.
4
A esse grupo pertencem, segundo Alexy, as demandas pela liberação da contradição,
pela possibilidade de universalização, pela adaptação linguística e clareza conceitual,
pela verdade das premissas empíricas aplicadas, por uma integralidade dedutiva dos ar-
gumentos, pela consideração em relação às consequências, pelo balanceamento entre
os argumentos, pela hipótese de troca de papéis e por uma análise a convicções morais.
da
5
Com o objetivo de garantir a imparcialidade da argumentação concreta, esse grupo,
Carla Luana
segundo Alexy, seria das regras específicas do discurso, onde as mais importantes são:
(1) qualquer pessoa poderá tomar parte do discurso; (2) (2.1) qualquer um pode ques-
tionar qualquer afirmação; (2.2) qualquer um pode introduzir qualquer afirmação no
discurso; (2.3) qualquer um pode expressar atitudes, desejos e necessidades; (3) nen-
hum interlocutor será proibido de exercer os direitos postos nos itens 2.1 e 2.2 por sorte
de coerção interna ou externa ao discurso (2.3).
306
307
além de regras práticas gerais, faz-se necessária a formulação de outras
Constitucionalismo Contemporâneo
que lhe são próprias.
6
O discurso jurídico não é uma sentença só racional, mas racionalmente fundamentada
no contexto de um ordenamento jurídico vigente. Nesse sentido, a exigência de fun-
damentação e a pretensão de correção ligada a ela podem fundamentar-se mediante
o direito positivo, falando em decisões judiciais. Diz-se que os juízes, na maior parte,
precisam fundamentar suas decisões, por isso a decisão judicial, observado o direito
positivo, é submetida à pretensão de correção. A falta de pretensão de correção de
uma decisão não retira seu caráter de validade, mas a torna defeituosa. A pretensão de
correção também é um elemento que estabelece a conexão com a moral.
O núcleo da tese do caso especial está em sustentar que a pretensão de
correção também se formula no discurso jurídico, contudo, essa preten-
são não se refere à racionalidade das proposições normativas, mas do
ordenamento jurídico vigente.
O autor refere que nos discursos jurídicos tratar-se da justifica-
ção de um caso especial de proposições normativas, ou seja, as decisões
judiciais. Essa justificação pode ser interna, onde se verifica se a decisão
segue logicamente as premissas de fundamentação, e, externa, que é a
correção dessas premissas. “Não obstante, em face da especificidade do
discurso jurídico, além das regras práticas gerais, faz-se necessária a
formulação de outras que lhes são próprias. São elas, as formas e regras
de justificação interna e de justificação externa do discurso jurídico”
(TOLEDO, 2005, p. 55, grifos originais).
cidam a questão, bem como que uma quarta e quinta regra seriam neces-
Carla Luana
308
309
Todas essas regras se referem à estrutura formal da fundamenta-
Constitucionalismo Contemporâneo
ção jurídica, que não dizem respeito somente à dedução a normas pre-
estabelecidas, como também a premissas não extraídas diretamente do
direito positivo; nesse caso, fundamentar essas premissas é uma tarefa
da justificação externa, que busca a profundidade tanto nas especificida-
des dos fatos como nas particularidades das normas (com possibilidade
de todos os argumentos admissíveis no discurso) (ALEXY, 2001). Ainda
refere que, na justificação interna, há de ficar claro quais premissas de-
vem ser justificadas externamente.
7
São, segundo Alexy, características vantajosas da teoria do discurso a dimensão prag-
mática da fundamentação e a ideia de critérios que aumentem a probabilidade de uma
decisão correta, ou racional.
8
Por uma dimensão empírico-descritiva (descrição do direito vigente), analítico-lógica
(análise sistemática e conceitual) e prático-normativa (elaboração de propostas para a
solução de questões jurídicas).
310
311
série de modelos de soluções que não apareceriam se tivesse que come-
Constitucionalismo Contemporâneo
çar novamente) (ALEXY, 2001).
Todo esse desenvolvimento da dogmática leva Alexy (2001) a ex-
plicar que isso traz uma visão instrumentalizada da dogmática, e que
essa argumentação é racional na medida em que remonta a argumenta-
ção prática geral. Assim, vê que o uso de argumentos dogmáticos não é
contra os princípios da teoria do discurso, mas um tipo de argumenta-
ção exigido por esse (ALEXY, 2001).
Quanto ao uso dos precedentes, vê-se que eles também trazem
aspectos essenciais à teoria da argumentação jurídica. Observa-se, nes-
se sentido, que o fundamento do uso dos precedentes é constituído pelo
uso do princípio da universalidade. Quando faz uso da regra da carga de
argumentação (ideia de que a decisão somente pode ser mudada quan-
Constitucionalismo Contemporâneo
e para a solidez do Estado de Direito” (TOLEDO, 2005, p. 55).
Sob a ótica da Teoria da Argumentação Jurídica, que, por meio
do discurso jurídico, preserva os ideais de um Estado Democrático de
Direito, passa-se a analisar a consistência da decisão proferida pelo
Supremo Tribunal Federal na Petição 3388, Ação Popular que decidiu
sobre a demarcação de terras indígenas no caso da Reserva Raposa
Serra do Sol. Nessa análise, dá-se atenção específica às salvaguardas
institucionais presentes, utilizadas como fonte para os argumentos aqui
construídos na averiguação de sua racionalidade, tendo em vista uma
postura ativista dos aplicadores, em contraponto com a preservação de
uma ordem democrática.
9
Sustentou o autor, em síntese, que a Portaria em questão possuía os mesmos vícios
da Portaria 820/98, que a antecedeu, em razão da não observância das normas dos
estado roraimense10. “Tudo a prejudicar legítimos interesses dos ‘não-
-índios’, pessoas que habitam a região há muitos anos, tornando-a pro-
dutiva no curso de muitas gerações” (PET 3388, 2009, p. 246, grifos ori-
ginais). Ainda sustentavam o ferimento do princípio da razoabilidade,
privilegiando a tutela do índio em detrimento da livre-iniciativa por ha-
ver desequilíbrio da Federação, já que a área demarcada, ao passar para
o domínio da União, estaria suprimindo parte significativa do território
roraimense (PET 3388, 2009).
Na oportunidade, a União arguiu defesa rebatendo cada um dos
argumentos11. Em 2008, a Procuradoria Geral da República deu seu pa-
recer pela improcedência da ação. Ainda no mesmo ano, encerrada a
instrução do processo, compareceu a Funai requerendo seu ingresso
como parte interessada, e o estado de Roraima na condição de autor,
pela defesa de seu patrimônio12. Abriu-se vista ao Ministério Público
Federal, que atacou os fundamentos dos requerentes e reconheceu seu
interesse jurídico na causa (PET 3388, 2009).
Com decisão publicada em 2009, o julgamento estabeleceu no-
vos parâmetros para a demarcação de terras indígenas, disciplinando
Silva Pessôa
Decretos 22/91 e 1.775/96, por não terem sido ouvidas todas as pessoas e entidades
afetadas pela controvérsia, e o laudo antropológico sobre a área em discussão teria sido
assinado por apenas um profissional, o que seria prova de presumida parcialidade.
10
Tanto os aspectos comercial, econômico e social no estado quanto os interesses do País,
por comprometer a segurança e a soberania nacionais.
11
Dispôs que “a) não há lesão ao patrimônio público; b) o autor não comprovou a ocor-
da
rência dos vícios apontados na inicial; c) a diferença de 68.664 hectares, detectada entre
Carla Luana
Constitucionalismo Contemporâneo
nas, considerando ser um capítulo avançado do constitucionalismo, com a
inclusão comunitária por via da identidade étnica (PET 3388, 2009).
Agregou-se à decisão “salvaguardas institucionais ditadas pela su-
perlativa importância histórico cultural da causa [...] ampliadas a partir de
voto-vista do Ministro Menezes Direito e deslocadas para a parte disposi-
tiva da decisão” (PET 3388, 2009, p. 230). Seriam dezenove medidas su-
geridas para que se implementasse a decisão do órgão, ou seja, uma série
de condições para a execução da decisão, que seria supervisionada pelo
Supremo com apoio do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
Em 2013, foram interpostos embargos de declaração opostos pelo
autor, por assistentes, pelo Ministério Público, pelas comunidades indíge-
nas, pelo estado de Roraima e por terceiros, pedindo esclarecimentos e
por parte da União. Segundo o Ministro Brito, essa seria uma técnica
inovadora, e que, embora não usual do ponto de vista operacional, não
de
docID=630133>.
316
317
e do devido processo legal, uma vez que as condições indicadas não te-
Constitucionalismo Contemporâneo
riam sido objeto de contraditório (PET 3388 ED/RR, 2013). Para a PGR,
não caberia ao STF traçar parâmetros abstratos de conduta, devido es-
ses temas não terem sido sequer objeto de discussão no processo, e por
não terem permitido o direito ao contraditório. Para a Procuradoria, a
Corte teria extrapolado os limites da causa.
Na própria discussão da Petição 3388 já existia a suscitação en-
tre os Ministros quanto à legitimidade da estipulação das salvaguar-
das. Isso porque nada disso teria sido pedido na ação popular. Na Ação
somente foi pedido a nulidade de todo o processo de demarcação e,
sobretudo, a descaracterização do formato demarcatório contínuo
(PET 3388 ED/RR, 2013).
Na decisão quanto aos embargos de declaração e a suscitação da
decidibilidade, tem-se que ela é uma decisão atípica e que não reflete
nenhuma matriz teórica daquelas dispostas por Alexy. Pondo-se a ana-
lisar a decisão referida sob a ótica específica da matriz discursiva, sob a
perspectiva da Teoria da Argumentação Jurídica de Alexy, concretiza-se
a avaliação de que essa decisão não reflete os princípios de um Estado
da
lidade. A decisão demonstra uma postura criativa por parte dos magistra-
Carla Luana
dos, apontada expressamente em seus votos. Postura essa que não teria
apresentado racionalidade para sua consistência, mostrando-se defeituosa.
Quando se examina a justificação interna da decisão de eviden-
ciar todas as premissas sob as quais a decisão se fundou e inferir lo-
318
319
gicamente delas a decisão, para após investigar sua legitimidade, em
Constitucionalismo Contemporâneo
primeira análise vê-se que a disposição de salvaguardas sequer estava
presente nos pedidos do processo.
Não bastasse isso, a determinação de tais salvaguardas estaria in-
vadindo a esfera dos outros poderes. Diz expressamente a Constituição
que cabe à União14 questões relacionadas à demarcação de terras indí-
genas, sendo que medidas impostas ao Poder Executivo estaria usur-
pando a função daquele Poder, e que quem deve legislar sobre a questão
é o Congresso Nacional. Logo, a atuação do Supremo como legislador
positivo não seria uma inferência possível.
Vê-se expressamente que, quando da aplicação das regras do dis-
curso jurídico, perseguem-se os requisitos indispensáveis à democracia
Somente à União, por atos situados na esfera de atuação do Poder Executivo, compete
14
Conclusão
O problema norteador da pesquisa foi analisar sob a ótica do mo-
delo discursivo, da Teoria de Argumentação Jurídica de Robert Alexy,
se a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no caso da Ação
Popular, na resolução de demarcação de terras indígenas da Reserva
Raposa Serra do Sol, no que tange às salvaguardas institucionais ali dis-
postas, obteve obediência às regras do discurso jurídico, preservando a
ordem democrática.
Silva Pessôa
há muito têm sido temas de estudo das teorias do direito, que oferecem
base para sua compreensão. Sob a ótica da matriz discursiva, optou-se
de
Constitucionalismo Contemporâneo
Supremo Tribunal Federal na Petição 3388. Respondendo à indagação
levantada para o presente estudo, constatou-se que a decisão referida
não ensejou a adequação a nenhuma matriz teórica de decisão, sendo
relacionada como atípica. Assim, a postura revelada pelo Tribunal não
teria apresentado racionalidade para sua consistência, mostrando-se
defeituosa. Desse modo, a decisão, no que tange às salvaguardas, não
evidenciou a obediência às regras do discurso e, ao mesmo tempo, não
refletiu os princípios de um Estado Democrático.
Referências
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______. A argumentação jurídica como discurso racional. In: TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski;
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e os limites da jurisdição constitucional na ordem democrática: uma abordagem a partir das
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do Advogado, 2010.
Silva Pessôa
322
UM OLHAR CONSTITUCIONAL SOBRE
AS LICITAÇÕES PÚBLICAS: O SISTEMA
DE REGISTRO DE PREÇOS À LUZ DO
PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Introdução
A presente pesquisa tem como objetivo geral apresentar um olhar
constitucional sobre as licitações públicas, investigando o sistema de re-
gistro de preços, tendo como parâmetro o princípio da eficiência.
Para o desenvolvimento deste tema, surge a seguinte problemá-
tica: muito embora o princípio da eficiência não esteja apresentado ex-
pressamente na lei geral de licitações (Lei 8.666/93), é possível identi-
ficá-lo como corolário do sistema de registro de preços?
A hipótese está associada com a identificação da eficiência do
sistema de registro de preços enquanto mecanismo que atende de ma-
neira mais adequada à eficiência administrativa na condução de com-
pras públicas.
No que diz respeito à metodologia, do ponto de vista dos seus
objetivos, a pesquisa é exploratória, e será desenvolvida a partir de le-
vantamento bibliográfico e da jurisprudência de tribunais. Outrossim,
a pesquisa é qualitativa, adotando-se como método de procedimento o
hipotético-dedutivo.
Os objetivos específicos, desse modo, são: contextualizar os prin-
cípios constitucionais da administração pública e verificar a reforma
administrativa que culminou com a inclusão do princípio da eficiência
como princípio constitucional; destacar considerações gerais quanto às
licitações públicas; e, finalmente, abordar o sistema de registro de pre-
ços sob o olhar constitucional da eficiência.
Registra-se, ainda, que o tema apresentado está inserido no âm-
bito de estudos e pesquisas realizados na seara do constitucionalismo
contemporâneo, por integrar o direito público aplicado em decorrência
dos ramos do direito constitucional e administrativo.
Constitucionalismo Contemporâneo
mento constitucional, da EC n. 19/98, que o incorporou ao texto primiti-
vo da Constituição de 1988 (art. 37, caput)” (BULOS, 2014, p. 1).
Ao se somar aos princípios constitucionais da administração públi-
ca, a eficiência estabelece que “toda ação administrava deve ser orientada
para concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo
os cânones jurídico-administrativo” (FRANÇA, 2000, p. 128).
Observam-se, ainda, as seguintes características básicas do prin-
cípio da eficiência: “Direcionamento da atividade e dos serviços públicos
à efetividade do bem comum, imparcialidade, neutralidade, transpa-
rência, participação e aproximação dos serviços públicos da população,
desburocratização e busca da qualidade.” (MORAES, 2008, p. 328).
Constitucionalismo Contemporâneo
22 da Lei 8.666/93, cujas características podem ser sintetizadas da se-
guinte forma:
Constitucionalismo Contemporâneo
formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens,
para contratações futuras”.
Deve ser observado, ainda, que o sistema de registro de preços
não se trata de uma modalidade da licitação, e tampouco um tipo de
processo licitatório. Representa, isso sim, um conjunto de procedi-
mentos visando agilizar a sistemática de compras. Essa sistemática
deve ser adotada nas hipóteses estabelecidas no artigo 3º do Decreto
7.892/2013. Veja-se:
Constitucionalismo Contemporâneo
repetição de um processo oneroso, lento e desgastante quando já alcan-
çada a proposta mais vantajosa” (FERNANDES, 2009, p. 676).
Ainda sobre as vantagens da figura do “carona”:
A possibilidade de uso de uma ata por várias unidades orçamen-
tárias constitui um dos aspectos mais interessantes e dinâmicos
do sistema de registro de preços, sendo de extrema importância
em termos de mecanismo administrativo, já que possibilita uma
grande agilização das providências do Poder Público relativas às
aquisições, modernizando, na prática, o ritmo moroso e burocrá-
tico a esta sempre atribuído e possibilitando assim que suas ati-
vidades se aproximem um pouco mais daquelas praticadas pela
iniciativa privada na realidade atual. (LEÃO, 2001, p. 158)
Constitucionalismo Contemporâneo
outros Órgãos e Entidades da União, dos Estados ou Municípios
de que trata o artigo 15 da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de
1993, será feita de acordo com o disposto neste Decreto.
Art. 2º Os Órgão e Entidades da Administração Pública Estadual
que não tiverem participado do certame licitatório realizado por
Órgãos e Entidades da União, Estados ou Municípios, poderão
aderir à Ata de Registro de Preços vigente, mediante prévia con-
sulta ao respectivo órgão gerenciador, desde que demonstrada a
vantagem econômica, observadas todas as condições estabeleci-
das na respectiva Ata.
Considerações finais
A pesquisa permitiu concluir que, apesar de o princípio da eficiên-
cia não estar apresentado de maneira explícita na Lei 8.666/93, é perfei-
tamente possível identificá-lo no sistema de registro de preços, na medida
em que esse sistema atende de maneira adequada a eficiência administra-
tiva para a aquisição pública de obras e serviços públicos.
Com efeito, partiu-se inicialmente de uma contextualização dos
princípios constitucionais, lembrando que o princípio da eficiência foi
inserido no caput do artigo 37 da Constituição Federal a partir da re-
forma administrativa delineada pela Emenda Constitucional nº 19/98.
A eficiência, portanto, está relacionada com a produção de resul-
tados de uma maneira mais adequada, visando à concretização da fina-
lidade legal, observadas as medidas administrativas que assegurem a
economicidade na tomada de decisões.
Essa economicidade, no âmbito das licitações, está relacionada
inclusive aos procedimentos adotados para a aquisição pública.
Nesse passo, observa-se que o sistema de registro de preço pro-
picia uma maior eficiência na realização da aquisição pública, tendo em
vista a possibilidade de serem reduzidas ao menos duas etapas comple-
xas da licitação, quais seja, a elaboração de edital e a formalização de
contrato administrativo.
Referências
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334
335
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Vinícius Oliveira Braz Deprá & Cláudio Ricardo Pereira
336
TRANSPARÊNCIA PÚBLICA NA
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO:
A EDIÇÃO DA LEI DE ACESSO À
INFORMAÇÃO EM UM CONTEXTO DE
CIBERDEMOCRACIA
Considerações iniciais
A Sociedade da Informação ou Sociedade em Rede1 é a denomi-
nação que se atribui à sociedade contemporânea, por se constituir, no
século XXI, em uma comunidade globalizada, calcada na utilização e di-
vulgação aberta de informações e conhecimentos. Essa sociedade tem
sua gênese na revolução tecnológica, e tem implicado, ao longo das úl-
timas décadas, profundas alterações nas relações sociais, econômicas,
políticas e governamentais dos Estados, exigindo dos mecanismos de
regulação social, como o Direito, novas perspectivas de atuação, seja no
âmbito da produção legislativa, ou através da exigência de concreção
dos novos direitos advindos desse paradigma.
Nessa seara, o marco legal da transparência e do acesso à infor-
mação pública no Brasil, a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011
(Lei de Acesso à Informação – LAI), que entrou em vigor em maio de
2012, visou regulamentar o artigo 5º da Constituição Federal, dispon-
1
Conceito usado por Manuel Castells em sua obra A sociedade em rede (1999).
do acerca da possibilidade de obtenção de informações públicas, por
pessoa física ou jurídica, sem motivação, em qualquer esfera de Poder
e também em face das entidades privadas sem fins lucrativos, no que
tange à destinação de recursos públicos por elas recebidos.
A edição da LAI, ainda que recente, significou um relevante
avanço na consolidação do regime democrático (ou ciberdemocráti-
co) no Brasil, ao robustecer os mecanismos de controle externo da
Administração e, nesse escopo, ter ampliado e aperfeiçoado os meios
de atuação do controle social. O próprio paradigma administrativo,
quanto à disponibilização de dados, foi alterado por meio dessa legis-
lação, já que o sigilo da informação pública é hoje medida excepcional
que só se justifica em casos legalmente previstos ou quando se trata
de informação de caráter pessoal.
Dessa forma, dado esse contexto, o Estado deve ter seus fluxos e
decisões cada vez mais abertos à sociedade, já que a transparência na
gestão pública, na Sociedade da Informação, é uma das bases das de-
mocracias dos países ocidentais, constituindo-se, também, numa peça
fundamental à construção de uma ciberdemocracia. E essa nova propos-
ta de democracia, isso é, de “nova dimensão da vida na pólis” (LEMOS;
Moura Ertel
LÉVY, 2010, p. 29), não se propõe a apresentar uma solução que satisfa-
ça as lacunas deixadas pela democracia representativa no ocidente, mas
sim, auxiliá-la e complementá-la, de forma determinante, no aprimora-
mento da cidadania.
de
Definindo a ciberdemocracia
As Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) causaram
uma verdadeira transformação, nas últimas décadas, no modus ope-
randi das sociedades democráticas pós-modernas. Tal cenário trouxe
reflexos também às relações entre cidadãos e Estado. Assim, a ciber-
democracia, ou democracia digital, se constitui em uma via de criação
338
339
de processos e mecanismos de interação e deliberação entre indivíduos
Constitucionalismo Contemporâneo
(ou sociedade civil) e Estado, para acompanhamento das tomadas de
decisões deste último, e para que os primeiros possam acompanhar os
fluxos e alcances da Administração Pública.
Ademais, esse ambiente complexo gerado pela expansão da tecno-
logia e da internet fomenta o crescimento da cultura política, isso porque
“sempre que podemos emitir livremente e nos conectar com os outros,
cria-se uma potência política, social e cultural: a potência da reconfigu-
ração e da transformação” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 27). Destarte, quanto
mais informações são produzidas, distribuídas e compartilhadas em uma
dada sociedade, mais consciente politicamente esta tende a ficar.
Segundo Lemos e Lévy (2010), de todas as mutações que advêm
do crescimento da internet, aquelas que concernem à vida política e à
Constitucionalismo Contemporâneo
pública como direitos fundamentais:
a edição da Lei nº 12.527/2011
Conforme acima exposto, a ciberdemocracia se constitui em uma
nova forma de pensar o Estado, em sinergia com os preceitos de uma
governança conectada aos ciberespaços de organização civil cidadã e
com os ideais de transparência dos fluxos e da tomada de decisões dos
entes governamentais.
2
Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liber-
dade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações
e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Humanos (Pacto de San José da Costa Rica)3, o item 4 da Declaração
Interamericana de Princípios de Liberdade de Expressão (o qual bem
explicita o direito ao acesso à informação em poder do Estado)4, bem
como o artigo 10 da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção
– enfática quanto à necessidade de medidas tendentes a aumentar a
transparência da Administração Pública.
Esta última, promulgada no Brasil por meio do Decreto nº 5.687,
de 31 de janeiro de 2006, na parte referente ao direito de acesso à
informação pública traz inequívoco amparo ao direito humano ora es-
tudado. Leia-se:
3
Liberdade de pensamento e de expressão: 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade
de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e
difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras,
verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio
de sua escolha. [...].
4
O acesso à informação em poder do Estado é um direito fundamental do indivíduo.
Os Estados estão obrigados a garantir o exercício desse direito. Este princípio só ad-
mite limitações excepcionais que devem estar previamente estabelecidas em lei para
o caso de existência de perigo real e iminente que ameace a segurança nacional em
sociedades democráticas. [...].
342
343
tes documentos de direito internacional. Assim, a informação produ-
Constitucionalismo Contemporâneo
zida, gerenciada ou guardada pelo Estado, em nome da sociedade, se
constitui em bem público e o seu acesso é direito de todos os cidadãos.
5
A LAI prevê como exceções à regra geral de acesso amplo de dados, as informações que
consignem dados pessoais (que terão seu acesso restrito aos próprios indivíduos e a ter-
A LAI foi originariamente arquitetada pelo Conselho de Trans-
parência e Combate à Corrupção6, órgão vinculado à Controladoria-
Geral da União, que, dentre as suas competências, sugere e debate me-
didas de aperfeiçoamento dos métodos de controle e incremento da
transparência na gestão da Administração Pública. Por meio dessa lei,
a Administração Pública cumpre seu papel quando promove a divulga-
ção proativa de suas ações e serviços, independentemente de requeri-
mento, consagrando a denominada transparência ativa (vide art. 8º) e,
também, quando recebe demandas específicas e divulga informações
em atendimento às solicitações da sociedade, realizando a denominada
transparência passiva (vide art. 10).
Pontua-se que um dos principais focos de ação do marco regu-
latório é a mudança de paradigmas no tocante à disponibilização das
informações públicas. Isto é, busca-se fomentar uma cultura de acesso,
a partir da qual os órgãos, entidades e agentes públicos têm consciência
de que a informação pública pertence originariamente ao cidadão e que
cabe ao Estado, por meio de cada um dos entes federativos, provê-la
tempestiva e compreensivelmente. Nesse sentido, na própria explana-
ção das diretrizes da lei “fica evidente que a cultura da transparência na
Moura Ertel
Constitucionalismo Contemporâneo
as ações dos gestores e a consequente responsabilização por seus atos.
Logo, não há que se falar em controle, sem o devido cumprimento dos
deveres de transparência pública”.
Também, segundo Stahlhöfer e Souza (2015, p. 140), espera-
-se que a ampliação dos processos de interação pelas novas mídias (a
exemplo dos portais de transparência, e dos portais na internet de insti-
tuições públicas, como o e-democracia) efetivamente culminem no im-
plemento das deliberações públicas, e espera-se que por meio delas as
minorias tenham seus intentos ouvidos.
Registra-se que, inobstante exista um cenário no Brasil que se
alinhe com a construção de um ciberespaço estatal, há aspectos que po-
7
Segundo a Controladoria-Geral da União, um exemplo de linguagem cidadã é a utiliza-
ção da nomenclatura: Transferência de Renda Diretamente às Famílias em Condição de
Pobreza e Extrema Pobreza, para o programa Bolsa Família.
8
As informações públicas devem ser acessíveis a todos, inclusive às pessoas portadoras
de deficiências.
9
Mais informações e dados relativos às informações disponibilizadas podem ser verificados em:
<http://www1.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/tcers/institucional/acesso_a_informacao>.
Entretanto, insubstituível é o controle externo titularizado pela
sociedade, controle social, já que, conforme pontuam Müller e Reck
(2016, p. 98) “o controle social ocorre [...] com intuito de verificar se as
decisões tomadas seguiram seu curso e foram concretizadas pela admi-
nistração pública da forma estabelecida em lei”.
Portanto, é certo que os avanços em termos de ampliação do aces-
so da sociedade aos fluxos da Administração Pública, trazidos pela Lei
de Acesso à Informação, são louváveis, além de demonstrarem o ama-
durecimento do Estado de direito brasileiro. Entretanto, é inequívoco
que continuidade dessa evolução e o aprimoramento das práticas de
transparência só ocorrerão mediante a união de esforços, tanto da so-
ciedade (se interessando e exigindo dos Poderes Públicos a máxima
efetividade da LAI), como da esfera governamental – a quem compete
profissionalizar e facilitar os mecanismos de divulgação de informações
públicas (seja ativa ou passivamente).
Por fim, como bem apontado por Lemos e Lévy (2010, p. 182),
o verdadeiro Estado, aquele que é ciberdemocrático universal e trans-
parente, ainda não existe e está por ser construído. Para os autores, o
Moura Ertel
ciberdemocrático.
Constitucionalismo Contemporâneo
pação política, verdadeiramente ativa e sem lastro histórico. Segundo
as autoras, esse processo “constitui-se em um verdadeiro embrião de
uma futura democracia em rede mais qualitativa e que efetivamente sa-
tisfaça os interesses dos cidadãos. Ou seja, as novas mídias facilitam o
engajamento entre Estado e sociedade civil”.
Acerca do conceito de democracia, cabe sinalar que este não se
restringe ao seu viés formal, ou seja, “um processo de legitimação de
aquisição e exercício do poder estatal com base na noção de sobera-
nia popular”, inobstante “tal dimensão siga sendo imprescindível e seja
mesmo constitutiva da democracia” (SARLET, 2016, p. 695-696). Isso
porque o postulado também tem um viés material, haja vista que em um
Estado Democrático não haverá democracia “sem o reconhecimento,
Considerações finais
Dado o problema proposto, entende-se, por fim, que a edição da
Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) insere, efetivamente,
a esfera governamental, ao menos num primeiro momento, no paradig-
ma de uma ciberdemocracia. Isso porque, como visto, um Estado efeti-
vamente transparente espelha os processos de funcionamento da socie-
dade e permite uma atuação efetivamente cidadã dos seus integrantes,
haja vista que ninguém pode pleitear por algo que desconhece.
Inclusive, conforme o referencial teórico de Lemos e Lévy utiliza-
do neste trabalho, o futuro do Estado transparente caminha no senti-
do da criação de ciberespaços virtuais (locais, nacionais, continentais e
mundiais), aptos a estimular um debate democrático aberto, por parte
de todos os cidadãos interessados. Nesse sentido, também a importân-
348
349
cia de que sejam mantidas e criadas as comunidades virtuais especial-
Constitucionalismo Contemporâneo
mente concebidas para o diálogo e deliberação política.
Nesse escopo, a edição da LAI insere-se nesta mudança de cenário
estatal, no tocante à disponibilização da informação pública, que tem am-
plitude mundial10, especialmente propiciada pela interação multiforme
oferecida pela rede mundial de computadores (world wide web). Através
desta interação, é possível a difusão da expressão democrática, haja vista
a facilidade de manifestação de opiniões e de demonstração da pluralida-
de cultural por meio da rede, além da possibilidade de construção de es-
paços públicos virtuais e da criação de procedimentos online de atuação
cidadã, a exemplo, no Brasil, do portal e-democracia, que incentiva a par-
ticipação popular, de maneira virtual, junto à Câmara dos Deputados11.
Referências
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Senado Federal, 1988.
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contra a Corrupção, adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de
2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. Publicado em 1º.02.2006.
10
Sinala-se que, segundo informação trazida pela Controladoria-Geral da União, no site
<http://www.acessoainformacao.gov.br/>, mais de 90 países já editaram leis seme-
lhantes à LAI.
11
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DE HERÓI A CRIMINOSO:
RECATEGORIZAÇÃO DO PERSONAGEM
ROBIN HOOD ANTE AS CONCEPÇÕES
DE JUSTIÇA
Introdução
Para a realização desta pesquisa, utilizou-se o método indutivo,
visto que ele se caracteriza como um processo mental em que se parte
de dados particulares, suficientemente constatados, para que se pos-
sa chegar a uma conclusão geral ou universal. Segundo Mattar Neto
(2002), o método indutivo parte do particular, por meio da observação
criteriosa dos fenômenos concretos da realidade e das relações existen-
tes entre eles, para se chegar à generalização. Esse método baseia-se
na experiência empirista, desconsiderando verdades pré-concebidas.
Partiremos, então, da observação dos dados da realidade representada
por meio da narrativa que compõe a lenda em estudo.
A justificativa pelo referido método tem como fundamento o fato
de que, embora se possa demonstrar a certeza dos fatos e, com isso, afir-
mar que a conduta de Robin é ilícita de acordo com os moldes do siste-
ma penal vigente, por outro lado, acredita-se que toda generalização de
verdade, nesse caso específico, carece de observações feitas não apenas
sob a ótica do Direito, enquanto sistema de normas punitivo, mas, a par-
tir da análise dos fatos em sua essência, baseado em uma concepção de
justiça em sua totalidade, isto é, de todos os atos, independentemente
da sua natureza, que incidem para que ela realize o seu bem.
Adotou-se, ainda, para auxiliar na realização desta pesquisa, o
método histórico, que tem como premissa básica a “crença na História
Santana & Fernando Oliveira Piedade
Constitucionalismo Contemporâneo
positivo realiza a justiça que efetivamente idealizamos?
Diversos gêneros de textos, como contos populares, lendas, mitos,
que trazem histórias da cultura popular e já se incutiram no imaginá-
rio coletivo da sociedade, são importantes fontes de inspiração para a
Literatura e suas diversas vertentes. Encontramos nesses textos mui-
tas histórias nas quais estão diluídas diferentes concepções de justiça,
o que possibilita que elas sejam relacionadas com o direito, permitindo
uma compreensão prazerosa e criativa de muitos dos aspectos dessa
instância.
Assim, conforme Ferraz Júnior (2003, p. 16), “o direito é um dos
fenômenos mais notáveis na vida humana. Compreendê-lo é compreen-
der uma parte de nós mesmos. É saber em parte por que obedecemos,
Constitucionalismo Contemporâneo
onde passa a viver com um grupo de homens que também não tinha
onde morar, e a partir de então torna-se líder do grupo numa batalha
contra o novo rei. Sua intenção era reaver seus bens e ajudar aos pobres,
todos submetidos aos desmandos do rei John, e por isso organizava as
emboscadas na floresta; entretanto, os produtos dos roubos eram dis-
tribuídos aos que tinham necessidades. Robin, agora chamado Robin
Hood devido a um apelido que recebera, ficou conhecido como um dos
maiores ladrões da história da Inglaterra.
Aclamado pelos pobres em virtude da generosidade de suas
ações, já que Robin posicionava-se e agia contra o governo para obter,
por “meios ilícitos”, os bens e os recursos que dava aos carentes, fora
indicado como exemplo de um ideal de justiça social. Tomando como
Constitucionalismo Contemporâneo
A justiça distributiva tem lugar numa relação público-privado
em que há relação de subordinação entre governantes e gover-
nados. Pois, deve ser ao mesmo tempo “intermediária, igual e
relativa”. Intermediária porque deve encontrar-se entre certas
coisas. Igual porque envolve duas coisas. E, finalmente, relativa,
ou seja, para certos destinatários. A justiça distributiva é aquela
que se estabelece nas relações de subordinação público-privado,
em que a divisão de ônus e benesses deve ser feita de acordo com
a proporcionalidade ensejada pelo critério de mérito escolhido
pela constituição de dada comunidade. Prosseguindo no texto,
Aristóteles passa à definição da justiça corretiva. Diferentemente
da justiça distributiva, que se estabelece em relações de subor-
dinação, a justiça corretiva é estabelecida entre indivíduos que
que amava a todos, os tratava como desiguais de acordo com seu mérito
(mérito no sentido de riqueza), visto que não havia mobilidade social
nessa época.
Dessa forma, pode-se afirmar que na Idade Média a concepção de
justiça era baseada na meritocracia, ensejando a desigualdade social, pois
“quem era pobre, morria pobre”, havendo a justificativa de que era essa a
vontade de Deus. Assim, sobre o terceiro estado recaíam todos os impos-
tos e a consequência era miséria e escravidão, pois muitos à época não
tinham condições mínimas de dignidade para sua existência social.
Segundo Cotrim (2012, p. 79), as principais obrigações impostas
aos pobres eram: 1) Corveia: trabalho compulsório. Ou seja, trabalho
gratuito nas terras do senhor durante três ou mais dias na semana;
de
Tributo que era pago pelos vassalos para o custeio da defesa do feudo.
Consistia de parte da produção realizada na unidade agrícola (feudo).
Era a porcentagem da produção obtida do trabalho no manso servil que
era para o Senhor Feudal; 3) Banalidade: tributo cobrado pelo uso de
instrumentos ou bens do feudo, como o moinho, o forno, o celeiro, as
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pontes; 4) Capitação: imposto pago por cada membro da família (por
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cabeça); 5) Tostão de Pedro ou dízimo: 10% da produção do servo era
pago à Igreja, utilizado para a manutenção da capela local; 6) Censo:
tributo que os vilões (pessoas livres, vila) deviam pagar em dinheiro à
nobreza; 7) Taxa de Justiça: os servos e os vilões deviam pagar para
serem julgados no tribunal do nobre. Essa taxa o servo ou o vilão pa-
gavam ao senhor feudal para que se fizesse justiça dentro do feudo.
Quando o servo cometia uma infração, o senhor cobrava a taxa para
que o julgamento acontecesse em um tribunal presidido pelo senhor ou
seu representante; 8) Formariage: quando o nobre resolvia se casar,
todo servo era obrigado a pagar uma taxa para ajudar no casamento;
era também válida para quando um parente do nobre iria casar; 9) Mão
Morta: era o pagamento de uma taxa para permanecer no feudo da fa-
Constitucionalismo Contemporâneo
pelo qual se garante a estabilidade das instituições, mas a prioridade
de um critério normativo independente, que permite analisar a justiça
de uma ordem social dada em cotejo com a justiça ideal. Assim, a “de-
sigualdade, sendo quase nula no estado natural, tira a própria força e
o próprio incremento do desenvolvimento das nossas faculdades e do
progresso do espírito humano, tornando-se, por fim, estável e legítima
para a instituição da propriedade e das leis” (PESSOA, 2011, p. 34).
Na obra “Doutrina do Direito” (1993), Kant questiona sobre o con-
ceito de direito, afirmando ser este um conjunto de condições através
do qual o livre-arbítrio pode harmonizar-se entre os homens, de acordo
com uma universalização da palavra liberdade. A concepção de justo em
Kant relaciona-se ao ideal de liberdade. Tem-se por justa a ação, quan-
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contratualista que, associada ao “véu de ignorância” em que se
encontram os indivíduos, leva à escolha de dois princípios funda-
mentais: o da liberdade e o da distribuição, este último subdividi-
do nos princípios da diferença (toda e qualquer desigualdade so-
mente se justifica se beneficiar os menos afortunados) e da igual-
dade de oportunidades. Na segunda etapa, os indivíduos, embora
desconheçam ainda a sua posição econômica ou social, estão
cientes dos princípios de justiça e do modelo econômico-cultural
da sociedade que pretendem organizar através de normas cons-
titucionais. A posição original é uma ficção teórica que permite
operar com a ideia de justiça como equidade, na medida em que
os indivíduos hipotéticos que deliberarão sobre os princípios de
justiça encontram-se em pé de igualdade, igualdade que seria ini-
maginável se considerássemos os indivíduos enquanto inseridos
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que moviam o “herói medieval”, isto é, deveria ser aplicada a ele pena de
igual valor àquela que fosse aplicada a um indivíduo que tivesse como
motivação dos roubos lograr benefício próprio? Ferreira (2003) ressal-
ta que a culpabilidade é a medida da pena, e quanto maior a culpabili-
dade do indivíduo, maior será sua pena. Por exemplo, quando um crime
de maior potencial ofensivo em que o réu atinja a vítima pelas costas ou
surpreenda-a com arma impossibilitando sua defesa, como é o caso de
Robin Hood, sua pena deverá ser maior do que a de quem comete um
simples furto. Porém, enfatiza-se novamente as motivações de seus cri-
mes que eram configuradas por seu ideal de justiça social.
Robin agia no intuito de fazer justiça (com as próprias mãos) aos
pobres, que não possuíam renda para se manterem em condições míni-
Considerações finais
Quem é mais criminoso, o Estado, em sua omissão, ou Robin,
em sua ação? Que fique claro, só se pode falar em política meritocrá-
tica se houver efetivamente condições de igualdade para os cidadãos.
Igualdade, não em seu aspecto teórico, mas, na prática, pois, segundo as
atuais condições, direitos iguais ocasionam desigualdades.
É possivelmente cabível considerar que o herói medieval – fora
da lei – lutasse contra a desigualdade social e a má distribuição de ren-
da, e a favor do bem comum, embora, para lutar por sua causa, por seu
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trabalho social, tenha optado pelos meios ilícitos, por não haver alter-
nativa possível para ajudar as comunidades carentes de seu país. Quais
são, então, seus verdadeiros crimes? Como deveria ser seu julgamento?
Deveria ele ser julgado, de fato, culpado, ou deveria ser extinta a sua
punibilidade? E qual a medida de sua culpa, caso seja julgado culpado?
Até que ponto Robin deve ser julgado como um criminoso, da-
das às motivações que o levavam a praticar tais ações? Deixaremos as
perguntas para que o leitor possa refletir, discutir e conceber sobre a
conduta de Robin Hood, tomando por base as diversas concepções de
justiças aqui apresentadas, sobretudo a ideia de justiça que predomina-
va na Idade Média.
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Constitucionalismo
Contemporâneo
e suas formas contemporâneas
ORGANIZADORES
CLOVIS GORCZEVSKI