Algumas reflexões sobre a política econômica brasileira após
1964.
Desempenho da economia durante o assim chamado “milagre” suscitaram um
otimismo sobre o “futuro imediato”, ainda que este período possa ser tomado como exemplo de que as reformas estruturais profundas que o tornaram possível não são compatíveis com a democracia “no Brasil ou em qualquer lugar” (p. 7). Em seu trabalho, FISHLOW examina este processo de um ponto de vista crítico, afirmando que o modelo instituído a partir de 1964 foi resultado de uma análise inadequada da economia e que o seu sucesso “deve ser atribuído em grande escala, e paradoxalmente, aos resíduos do processo político, que contribuiu para reorientação da política econômica em 1967”. Ademais, afirma que seria uma “confusão semântica” considerar este programa de estabilização econômica um sucesso se considerarmos que seus custos recaíram sobre os mais pobres. Quanto ao real motivo da elevada taxa de crescimento que se observa, o autor afirma que é expressão “de um ajustamento cíclico defasado ao processo anterior de desenvolvimento industrial mediante substituição de importações.”
Com o golpe, a economia brasileira se tornou um laboratório perfeito para a
ortodoxia econômica. A situação econômica estava de tal modo deteriorada que Castelo Branco dá “carta branca” a Roberto Campos e Otávio Bulhões, responsáveis pela política econômica do governo. O diagnóstico era de que ocorria uma inflação de demanda na economia brasileira, já que a despesa governamental era superior ao poder aquisitivo retirado do setor privado e a propensão a consumir era incompatível com a expansão do crédito às empresas. Para estabilizar a inflação seria necessário, portanto, reduzir os déficits do governo, restringir a expansão do crédito para o setor privado e conter a subida dos salários (p. 9). Estas políticas foram aplicadas efetivamente, como mostra a TABELA 1, mas seus resultados não foram sentidos até 1967, com exceção de pequena melhora no quadro inflacionário.
Diante dessas incertezas, o governo militar inverte completamente sua política
econômica aumentando o déficit, o crédito ao setor privado e estabelecendo uma política de reajuste dos salários que acompanhasse mais de perto a alta no custo de vida, demonstrando o mesmo ceticismo quanto à ortodoxia econômica que os governos civis. Assim se estabelece um momento de heterodoxia nas políticas econômicas pós-1967. Isso demonstra a inadequação empírica da intepretação ortodoxa do processo inflacionário que ocorria ne época, já que o salário mínimo real tinha crescido a taxas inferiores ao do aumento da produtividade na década de 60 (p. 13). No mesmo período, o crédito bancário ao setor privado tinha declinado em termos reais, e a inflação continuou a acelerar. Por fim, a própria oferta monetária tinha influencias diversas que não apenas os déficits federais, como a política cafeeira de aquisição dos estoques que consumia recursos do governo federal a tal ponto que em alguns anos chegava a ultrapassar a renda com as exportações de café, como em 1959 (p. 14). Nesse sentido, FISHLOW sustenta que mesmo com ausência de excesso de demanda agregada, outras tensões inflacionárias agiam sobre a economia brasileira, como um setor industrial estruturado de forma pouco competitiva, resultado de privilégios e monopólios voltados para atrair recursos àqueles setores. Como exemplo, “para produtos específicos como refrigeradores, máquinas de lavar, motores elétricos, implementos agrícolas, lâminas e outros, a participação das três firmas maiores era superior a 80%” (p. 16). Somente nas indústrias têxteis, couros, madeira e móveis havia competição.
“Essas considerações nos conduzem a questão central: os preços permaneciam
recalcitrantes devido à ação do processo inflacionário preexistente, ou a inflexibilidade decorria, mais fundamentalmente, da própria estrutura da economia brasileira? Em particular, o aumento contínuo dos preços refletia parcialmente o aumento dos custos dos insumos derivado do próprio processo de controle da inflação?”
Se fosse verdade, os remédios ortodoxos aplicados teriam resultado perverso
sobre os mais pobres e não teriam garantia de sucesso no controle da inflação. O que de fato aconteceu, já que em 1967 se observa uma correlação positiva entre o nível do produto e as variações dos preços. Em um período em que 14 dos 16 setores observados tiveram queda no nível do produto, de fato a inflação foi afetada (p. 17). Mas a magnitude da queda do produto que provoca uma queda suficiente nos preços mostra que há uma inflexibilidade profundamente enraizada nos preços dos produtos no Brasil para o período.
Quando Delfim Netto assume a política Econômica, a estratégia muda tendo
como base a mudança de diagnóstico sobre as reais causas da inflação, que teriam mudado de inflação de demanda para inflação de custo. Nesse sentido, se estabeleceu uma nova política econômica, com déficits governamentais maiores e aumento do crédito para o setor privado, provocando considerável aumento da oferta monetária (p. 20) . Essa mudança de rumo não provocou uma aceleração da inflação, e ainda teve como consequência um aumento do produto real. A essas medidas se seguiu uma diminuição nas taxas nominais de juros, uma melhora nas expectativas de crescimento e se estabeleceu uma constante vigilância sobre os preços do setor privado (p.21).
Em oposição ao fracasso das políticas econômicas ortodoxas, a heterodoxia teve
resultados excelentes. A inflação permaneceu estável em 20% ao ano e a produção cresceu a taxas espantosas. Essa mudança de rumo a partir de 1967 deixa claro que mesmo que o processo político estivesse suspenso, o debate econômico estava presente. Nesse sentido, a rigidez política não deve ser considerada a fórmula mágica através do qual se fez bem sucedido o plano de estabilização (p. 22). Um exemplo significativo deste debate econômico em curso era a resistência dos agentes estrangeiros em aceitar o abandono da ortodoxia, pela qual faziam lobby efetivo com abundância de recursos, que podemos notar observando que apenas Índia, Paquistão e Vietnã do Sul recebiam mais recursos estrangeiros do que o Brasil no período 1964-67 (idem). Uma vez restaurada certa independência na formulação das políticas econômicas, expressa na adoção com sucesso da heterodoxia contrariando os organismos internacionais de tutela, a influência estadunidense jamais atingirá novamente os níveis do período 1964-67 (p.23).
Outro resultado marcante da implementação de políticas econômicas ortodoxas,
que atribuíam erroneamente a responsabilidade pela espiral inflacionária a um excesso de demanda agregada, foi um aumento dramático das desigualdades de na distribuição de renda, notadamente favorecendo as rendas do capital em detrimento das rendas do trabalho, especialmente dos trabalhadores menos qualificados (p. 33). O coeficiente Gini aumenta de 0,49 para 0,56 entre 1960 e 1970, variação brutal para um período tão curto. Isso demonstra o custo social pago pelos mais pobres durante o plano de estabilização, suficiente para questionar seu sucesso.
Podemos considerar que as políticas econômicas mais importantes do período
foram o estímulo à poupança privada voluntária e forçada (p. 37); o ênfase nas exportações como forma de financiamento em moeda estrangeira, que através de subsídios que diminuíam em 40% os preços de exportação em relação aos preços praticados no mercado inteiro fizeram com que a parcela de produtos manufaturados na pauta de exportação subissem de 5% em 1964 para 20% em 1972 (p. 38).