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PSICOPATOLOGIA CRÍTICA*

CONFERENCIA PROFERIDA NA SEMANA DE PSICOLOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO


CEARÁ EM 11 DE JULHO DE 2002

Virginia Moreira**
Universidade de Fortaleza, Brasil

Uma Psicopatologia Crítica não tem a ambição de ser um enfoque ou, menos ainda,
uma disciplina. Trata-se de uma compreensão des-ideologizadora das manifestações
psicopatológicas onde, a partir da compreensão do complexo arcabouço ideológico que
sustenta a psicopatologia hoje, se construam caminhos para uma prática clínica que vá
além, perpassada pela utopia de uma psicologia realmente comprometida com o humano.
No lastro da Psicologia Crítica, esta compreensão crítica da psicopatologia põe em
cheque a epistemologia individualista que perpassa as abordagens tradicionais da
psicopatologia, marcadas pela ideologia individualista que faz parte do mundo ocidental
como um todo. Transcende o modelo etiológico onde a origem e responsabilidade da
doença mental é atribuída a um indivíduo e de um ponto de vista interno. Entende a
psicopatologia como mutuamente constituída em seus múltiplos contornos – não apenas
biológicos e psicológicos como também históricos, sociais, políticos, antropológicos –
portanto, culturalmente produzidos a partir de processos ideológicos.
Mas antes de apresentar para vocês o que estou chamando de psicopatologia crítica,
vejamos a perspectiva que estou tomando para pensar esta psicopatologia crítica:

Do olhar fenomenológico com múltiplos contornos

Em La doute de Cézanne Merleau-Ponty (1966) faz uma analogia entre sua filosofia
e a pintura de Cézanne, mostrando que nesta pintura se pode constatar que o real se mistura
com a realidade, deformando, assim, a realidade. Para Merleau-Ponty (1966) a pintura de
Cézanne, assim deformada e com múltiplos contornos é muito mais real que uma
fotografia, por exemplo, que pretende retratar a realidade exata de um determinado
momento. A fotografia perde o movimento e separa o real do imaginário, o que a
transforma em algo fictício, irreal, já que a realidade, tal como percebida, está sempre em
movimento e é sempre deformada, sobretudo porque não existe uma demarcação definida
entre o real e o imaginário (Moreira, 1998 e 2001). Nas palavras de Merleau-Ponty (1966)
“Não assinalar nenhum contorno seria privar os objetos de sua identidade. Assinalar
somente um, significaria sacrificar a profundidade, quer dizer, as dimensões que nos facilita

*
O texto desta palestra foi elaborado a partir do livro Moreira, V. & Sloan, T. (no prelo). Personalidade,
Ideologia e Psicopatologia Crítica. São Paulo: Escuta, com fins de apresentção em forma de conferencia.
**
Psicóloga, Doutora em Psicologia Clínica, Visiting Scholar como Fulbright Fellow no Programa de
Medicina Antropológica do Medical School da University of Harvard, E.U.A., Professora Titular do
Mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza. Av. Washington Soares 1231, Fortaleza, Ceará,
Brasil. E-mail: virginiamoreira@unifor.br

1
a coisa” (p. 25). O desenho resulta, assim, da cor, e não de um traço único e o mundo se
coloca em sua espessura, como uma massa densa, um organismo de cores, e de linhas. A
cor lhe dá textura e consistência através de seus múltiplos contornos e não de um traço
único e limitante, de maneira que a pintura de Cézanne retrataria, assim, o pensamento de
Merleau-Ponty pela ruptura definitiva das dicotomias, através do reconhecimento das
ambigüidades inerentes ao ser humano na idéia de múltiplos contornos (Moreira, 1998 e
2001).
Em estudos anteriores (Moreira, 1998 e 2001) utilizei esta idéia de múltiplos
contornos para uma compreensão fenomenológica mundana da psicopatologia, propondo a
compreensão do psicótico como a aquele que fica sem contornos. O vivido na psicose,
fazendo uma analogia com a pintura de Cézanne, é pura cor que se dispersa sem limites,
ocasionando muito sofrimento psíquico. Por outro lado o neurótico contemporâneo (que
incluiria as síndromes de caráter enrijecedor da personalidade caracterizadas por
comportamentos impulsivos e ansiosos) tão pouco vive um múltiplo contorno com o
mundo, mas um contorno rígido, supostamente exato e definido com pouca ou nenhuma
cor, sendo puro traço, com a mesma exatidão mentirosa que Merleau-Ponty (1966) com
aponta na fotografia. Nesta perspectiva, o doente mental teria sua existência estacionada,
sem movimento, seja por encontrar-se sem contornos com a realidade, seja por encontrar-se
com contornos rígidos, vivendo, em ambos os casos, em um mundo descolorido.
Retomo, agora, esta compreensão da psicopatologia a partir dos múltiplos contornos
para desenvolver uma psicopatologia crítica compreendida de forma des-ideologizadora a
partir da relação entre o endógeno, a cultura e a situação.

Perspectiva histórica

Psicopatologia [de psic(o)- + patologia.] se define como patologia das doenças


mentais ou como o estudo das causas e natureza das doenças mentais. Psic(o)- vem do
grego – psyché – que significa alento, sopro de vida, alma. Este termo já se documenta em
vocábulos no próprio grego, como psicagogo e em muitos outros. Patologia, afecção, dor,
pato, que também provém do grego – pathos – significa ‘doença, paixão, sentimento’.
Ambos os termos foram introduzidos na linguagem científica internacional a partir do
século XIX (Cunha, 1997).
A compreensão psicológica da doença mental se inaugurara a partir do momento em
que a doença mental foi abordada como uma entidade, através de especulações de ordem
filosófica, o que era possível em uma psicologia ainda não individualizada, expressada na
filosofia e na medicina, que se preocupava em tratar doentes atingidos psiquicamente. O
termo psicopatologia foi utilizado pela primeira vez em alemão, em 1878, por
Emminghaus, mas neste momento eqüivalia à psiquiatria clínica. Enquanto método e
disciplina, a psicopatologia nasce no início do século XX com o filósofo Theodule Ribot e
a criação do método psicopatológico enquanto psicologia patológica, um ramo da
psicologia científica diferente da psicologia experimental ou genética. Neste período existia
na Sorbonne a cátedra e um laboratório de psicologia patológica, denominação que pouco a
pouco foi sendo substituída, na França, por conta da ambigüidade do termo (psicologia do
patológico ou patologia do psicológico, psicologia do normal e do patológico) e pela
referencia à perspectiva única de Ribot. Posteriormente, em 1913, Karl Jaspers, na
Alemanha, faz nascer a psicopatologia propriamente dita, com a publicação de
Psicopatologia Geral, que representa um corrente diferente da de Ribot (Bauchesne, 1993).

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De lá para cá surgiram várias abordagens em psicopatologia. No entanto, uma
rápida visão histórica da psicopatologia mostra que esta em nenhum momento adotou uma
perspectiva realmente crítica do fenômeno psicopatológico em nenhuma de suas principais
perspectivas tais como a Psicopatologia Geral, a Psicopatologia Fenomenológica, a
Psicopatologia Fundamental, a Etnopsicopatologia ou a Psicopatologia Social.

Fundamentos para uma Psicopatologia Crítica

1. A psicopatologia crítica será compreendida de forma não dicotomizada,


mundana. Sabe-se que a Psicologia em geral e a psicopatologia tradicional, desenvolvidas
no âmbito do pensamento ocidental, se inserem em uma tradição dualista cartesiana, onde o
homem tem um dentro e um fora, uma dimensão social e outra individual, um mundo
externo e um mundo interno, e assim por diante. Estudos anteriores no âmbito da clínica
psicológica e psiquiátrica fenomenológica mostram como a psicopatologia escolhe como
objeto de estudo o dentro, o individual, o interno (Tellenbach 1967; Tatossian, 1997;
Moreira, 2001).
Teóricos da psicopatologia fenomenológica bem como da psicologia humanista
fazem um esforço para compreender a doença mental de forma mais ampla, que transcenda
o dualismo tradicional. Estes esforços são, no entanto, ainda insuficientes, talvez pelo fato
de que os mesmos psiquiatras e psicólogos clínicos têm uma formação fortemente
positivista. Como exemplo temos um grande nome da psicologia humanista, Carl Rogers,
criador do Enfoque Centrado na Pessoa, que ao mesmo tempo em que entende a patologia
mental como uma forma de expressão do doente em seu mundo (Rogers & Stevens, 1976),
trabalha prioritariamente aspectos internos ou centrados na pessoa do doente, em
detrimento de aspectos « externos », dentro de uma visão dualista, tal como analisei em
pesquisas anteriores (Moreira, 2001).
Assim como Rogers, não é nada incomum encontrar profissionais psi que
desenvolvem uma prática clínica ancorada em princípios da fenomenologia ou da
psicologia humanista ao mesmo tempo em que se utilizam do DSM-IV quando se trata de
abordar a psicopatologia e diagnosticar. Está claro que esta opção muitas vezes tem a ver
com demandas institucionais e aceitação no mercado de trabalho. No entanto, o resultado é
que mesmo os profissionais psi que se aproximam de uma visão não dicotomizada de
homem em sua prática clínica se mantém prisioneiros de uma visão extremamente
dicotomizada da psicopatologia.
A superação desta visão dualista e dicotomizada é proposta aqui com base no
conceito de mundano, originário da fenomenologia de Merleau-Ponty e utilizado por mim
em estudos anteriores para pensar uma prática clínica psicológica para além da pessoa, que
seja histórica, comprometida com a sociedade onde se constitui (Moreira, 2001). O
conceito de mundano em Merleau-Ponty (1960, 1964) rompe, definitivamente, com a
dicotomia homem/mulher-mundo, sujeito-objeto, indivíduo-sociedade e, sobretudo, real-
imaginário, tema fundamental para a leitura dos processos patológicos de delírio e
alucinação compreendidos como formas de relação entre o doente mental e o mundo. A
vida humana se encontra envolvida no mundo sensível, na história, ou, poderíamos
acrescentar, na cultura. O mundo sensível seria então, para o filósofo francês, a extensão do
ser humano, ou tudo o que lhe dá continuidade, existindo em mútua constituição com este.
O ser humano – doente ou sadio - está implicado no mundo e sua abertura a este mundo
histórico não é um a priori ou uma ilusão, mas uma característica inerente ao ser.

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Penso que uma compreensão filosófica da psicopatologia, baseada na superação de
um pensamento dualista através de uma visão mundana da psicopatologia, será fundamental
para os princípios que se seguem, prioritariamente vinculados a uma perspectiva
desenvolvida pela psicologia crítica (Fox & Prilleltensky, 1996; Sloan, 2000).

2. Uma psicopatologia crítica será necessariamente não individualista,


priorizando uma compreensão cultural e histórica do fenômeno psicopatológico, sem
perder de vista sua compreensão também biológica. Como assinalam Hare-Mustin &
Marecek (1997) para uma psicologia crítica da anormalidade e da psicologia clínica, o
objetivo de uma psicopatologia crítica também será explicitamente de redirecionar as
atenções para o contexto social, sem perder de vista o biológico, considerando
particularmente como a distribuição desigual de bens e o poder social contribuem para o
sofrimento psíquico. Trata-se de utilizar uma lente cultural para entender a experiência
psicopatológica em sua complexidade histórica, que inclui, por exemplo, a identificação de
situações de injustiça e desigualdade sociais como parte da etiologia. Um bom exemplo que
pode ajudar a entender esta proposta foi analisado por Kleinman & Lock (1997) e Lira
(2000) quando se referem ao engano de se diagnosticar como stress pós-traumático,
situações de violência política vividas por pacientes. Não que estas pessoas não estejam
doentes, ao contrário, sofrem muito, mas a patologia mental aqui se insere no âmbito da
opressão e violência social, e não apenas da psicologia, tanto em nível de diagnóstico como
de tratamento (todos os modelos « neutros » de psicoterapia são ineficientes para esta
patologia).
Já existe um caminho bastante longo percorrido pelas pesquisas transculturais, que
mostram que a psicopatologia tem tanto características universais, no que se refere a seus
aspectos biológicos, quanto singulares, no que diz respeito a seus aspectos históricos e
culturais (Tellenbach, 1969; Marsella & White, 1982; Sartorius, 1983; Kleinman & Good,
1985; Schumaker, 1996, 2001;Tatossian, 1997; Morris, 1998; Marsella & Yamada, 2000;
Moreira, 2000). Este mesmo fato é também observado por psiquiatras e psicólogos clínicos
que trabalham com pacientes provenientes de distintas culturas (Nathan, 1999; Cuéllar &
Paniagua, 2000; Leanza & Klein, 2000). No entanto, estes resultados permanecem, na
maioria das vezes, como parte de uma literatura marginal no âmbito da psicopatologia.
Estudos em psicologia cultural e etnopsiquiatria começam a inserir o conceito de cultura na
discussão da psicopatologia, questionando, portanto, a abordagem puramente individualista
da psicopatologia (Sartorius, 1983, Kleinman & Good, 1985; Nathan, 1999; Schumaker &
Ward, 2001). No entanto, como assinala Sloan (2001), muito freqüentemente o conceito de
cultura é reduzido a mero sinônimo de lugar onde ocorre tal fenômeno a ser comparado
com outro lugar, o que mais que empobrecer o conceito de cultura mantém a tradição
individualista da abordagem dos problemas psicológicos e da psicopatologia mais
especificamente.
A proposta de uma psicopatologia crítica inclui a priorização de uma lente cultural
que possibilite uma análise histórica e ideológica da doença mental, rompendo,
radicalmente, com os modelos mais conhecidos de psicopatologia que atribuem a origem e
responsabilidade da doença mental ao indivíduo. Tradicionalmente, por mais que a queixa
de um paciente se refira a questões de opressão social no trabalho, a preconceitos, a stress,
a perseguições políticas, à violência, injustiça ou exploração social, o sofrimento psíquico
ocasionado por tudo isto será atribuído ao enfermo, que, portanto, deverá ser submetido a
um tratamento também dentro do modelo individualista. Na verdade, todo o enorme arsenal

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de tratamentos psi, tais como a psicoterapia ou a psicofarmacologia, está dirigido ao
tratamento do indivíduo, dado que a doença mental é vista de forma totalmente
individualista, o que pretende ser superado em uma psicopatologia crítica.

3. A psicopatologia crítica não pretende uma neutralidade científica. Com este


princípio esta proposta também se diferencia radicalmente do que é ensinado como dogma
na clínica psicológica e psiquiátrica tradicional. A neutralidade científica por parte do
profissional justifica a abordagem individualista da psicopatologia e vice-versa, ou seja, só
na medida em que o sofrimento psíquico é visto individualmente é que é possível uma
abordagem clínica neutra ou asséptica, ao mesmo tempo em que a restrição do olhar
individualista se impõe no horizonte do cientista humano que se pretende neutro.
A neutralidade científica na psicologia e na psiquiatria está ancorada no modelo
biologicista, que como bem assinalam Marsella & Yamada (2000), continua predominante
no mundo contemporâneo, como parte de um jogo ideológico do poder médico. O
psicólogo clínico, o psiquiatra, ou outros profissionais da área de saúde mental, deveriam,
segundo este modelo, lidar com a doença mental a partir de uma abordagem unicamente
biológica, o que se vincularia, por exemplo, ao enorme progresso da psicofarmacologia nas
últimas décadas.
Uma abordagem crítica da psicopatologia pretende exatamente o contrário, isto é,
em vez da neutralidade científica propõe um comprometimento científico com o bem estar
humano. Trata-se, portanto, de priorizar uma cientificidade que seja ética e moral, onde a
leitura do quadro psicopatológico seja também social, cultural, ideológica, indo bastante
além do mero biológico sem, no entanto, esquecê-lo. Em outras palavras, uma
psicopatologia crítica, além de avaliar o contexto da experiência patológica, se posiciona
frente a questões que lhe são intrínsecas, buscando o bem estar humano em seu sentido
mais amplo. Não se trata de simplesmente prescrever um ansiolítico ou desenvolver uma
psicoterapia que possibilite ao indivíduo sobreviver à ansiedade, mas de compreender o
porquê da ansiedade e do sofrimento psíquico, no âmbito de sua vida comunitária, para
poder, então, tratá-la.

4. A psicopatologia crítica busca a etiologia da enfermidade mental, não se


restringindo à sua sintomatologia. Não que os sintomas não sejam importantes, mas são
entendidos apenas como uma linguagem, tal como já postulava Rogers & Stevens (1976).
Trata-se de uma compreensão do fenômeno psicopatológico que transcenda sua
sintomatologia (Minkowski, 1999/1966). Isto significa que eles devem necessariamente ser
escutados, pois são a expressão do pathos, do sofrimento e das paixões (Berlinck, 2000),
mas através de uma escuta múltipla (Moreira, 2001). Desta forma, uma psicopatologia
crítica resgata necessariamente o lugar clínico, em seu sentido amplo. Esta perspectiva vai
de encontro ao que se constata comumente em nossa sociedade, que é uma pressa enorme
em simplesmente eliminar o sintoma, como se sua simples extinção significasse a cura.
Psicofármacos, então, estão na ordem do dia, na medida em que têm efeitos imediatos neste
sentido e a busca de respostas eficientes e instantâneas é exatamente uma das características
das sociedades pós-modernas (Morris, 1998). No entanto, como coloca Fédida (2001), não
é que o paciente que sofre de depressão, por exemplo, não fique curado quando toma a
medicação; o que acontece é que surge uma outra patologia que é a do paciente que toma
antidepressivo.

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Uma psicopatologia crítica prioriza a etiologia [aitología, do grego e aetilogia, do
latim], enquanto o estudo da origem do fenômeno psicopatológico. Trata-se de
compreender o que determina a experiência psicopatológica para, então, poder tratá-la a
partir de sua constituição. O tratamento dos sintomas sem o tratamento da origem da
doença é simples paliativo, por isso uma psicopatologia crítica resgata sua vocação
etiológica. O que se encontrará no estudo das origens das manifestações psicopatológicas,
entendidas de forma não individualista e com uma lente cultural, tal como indicam os itens
anteriores, é que, em grande parte, os doentes mentais são fruto de sociedades doentes, de
desigualdade social, de pobreza e exploração humana, além dos inúmeros processos
ideológicos que instauram o vazio, a despotencialização e a falta de significado da vida.
Esta é uma descoberta assustadora porque, se assumimos que esta constitui a doença, o
tratamento da psicopatologia será muito mais complexo que o que vem sendo pensado
tradicionalmente no âmbito da Psiquiatria ou da Psicologia Clínica, devendo priorizar
processos políticos e comunitários que possibilitem e preservem a saúde mental.

5. A psicopatologia crítica compreende toda experiência psicopatológica como


uma experiência de despotencialização, sem confundir sofrimento com psicopatologia.
Independente do quadro clínico pode-se observar que o processo de despotencialização, que
se estende à incapacidade de viver significativamente, caracteriza todos os quadros
psicopatológicos (Sloan, 2001). O indivíduo doente se sente sem poder, sem capacidade de
desenvolver projetos de vida, vivendo uma experiência de opressão em que se sente em um
beco sem saída, sem perspectivas de ir adiante. Falta-lhe energia, vontade, esperança, sofre
de um niilismo que parece crônico. A sociedade ocidental contemporânea não apenas
contribui para criar este estado pessoal, a partir de processos individualistas e narcisistas
que perpetuam a injustiça social, como também para mantê-lo: o doente é incapaz de sair
desta situação sem ajuda profissional e deve buscar um especialista que irá tratar sua
doença (Prilleltensky, 1994). Este processo de despotencialização é vivido simultaneamente
à incapacidade de viver significativamente, gerando a sensação de vazio própria da angústia
contemporânea.
A patologia mental é culturalmente determinada através de processos sociais e
ideológicos de opressão que, por sua vez, também geram, obviamente, sofrimento psíquico.
O perigo é tratar este sofrimento psíquico como se fosse doença, que é o que acontece na
‘cultura da psicopatologia’ na sociedade em que vivemos. Antidepressivos são prescritos
para alguém que vive o luto pela perda de um ente querido e ansiolíticos para dar conta da
vida competitiva do mundo pós-moderno. Quando na verdade o sofrimento faz parte do
luto e a ansiedade é mais que natural e sadia na competição. Mais grave ainda é o que
acontece quando se pretende tratar o sofrimento psíquico que se refere a situações de
opressão e exploração social.
A patologia mental sempre incluirá sofrimento, que é inclusive um critério clínico.
No entanto, o contrário não é verdadeiro, ou seja, sofrimento psíquico não significa doença
mental. Por um lado, vivemos no mundo ocidental o culto do prazer, em uma sociedade
marcadamente hedonista. Sofrimento é algo para ser eliminado, vive-se em busca de um
ideal de felicidade para si mesmo, enquanto centro narcísico do mundo, o que leva este
mesmo indivíduo a viver a era do vazio (Lypovetsky, 1996). E, para agravar este quadro, o
sofrimento deve ser eliminado de forma rápida. O sujeito pós-moderno não agüenta sofrer,
o que explica todo o arsenal de tratamentos psi. Ou não seriam estes tantos tratamentos que
explicariam a atual incapacidade humana para o sofrimento psíquico ?

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6. A psicopatologia crítica é des-ideologizadora. Este é talvez o principio
central desta abordagem da psicopatologia. Na medida em que entende a doença mental
com as lentes dos princípios anteriores, sua compreensão será essencialmente des-
ideologizadora, utilizando-se deste conceito tal como definido por Martin-Baró (1985). Ou
seja, na medida em que se entende a patologia mental como culturalmente produzida,
também a partir de processos ideológicos, a psicopatologia, enquanto o lugar de seu estudo,
deverá ser des-ideologizadora.
Entendendo ideologia como idéias ou imagens que sustentam injustiças sociais
promovendo interesses particulares (Sloan, 1997), uma psicopatologia crítica buscará a
compreensão ideológica da situação do doente mental dentro da estrutura sócio-histórica
em que este vive, se relaciona, trabalha e adoece. Ou seja, se perguntará qual a função da
doença neste contexto ou em que medida existe um grupo específico da sociedade que tem
interesse em que ela exista. O exemplo mais óbvio desta situação é o da atual epidemia da
depressão. Esta doença existe agora, como existiu desde a Grécia antiga. Mas se, por um
lado, os modos de viver narcísicos do mundo contemporâneo incentivam a depressão, fica
difícil identificar até que ponto se diagnostica a depressão de fato ou o simples sofrimento
psíquico. Afinal de contas a palavra « triste » está quase desaparecendo do vocabulário do
sujeito pós-moderno, que cada vez menos expressa sua tristeza, enquanto sofrimento
psíquico, para pensar-se cada vez mais como alguém que está « deprimido », necessitando,
portanto, tratamentos psi de toda ordem. E está aí todo o mercado psi para tratá-lo (ou
explorá-lo?).

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