EXPEDIENTE

A inclusão escolar de alunos com

Uníntese | UnínteseVirtual Transtorno do Espectro Autista
Diretos Autorais reservados à UNÍNTESE
Pedro Stieler
Diretor
Pedro Stieler
Coordenador Geral
Maria Bernardete Bechler
Vice Diretora
Marcia Doralina Alves
Wilton Dourado Teixeira Taís Guareschi
Gestor Acadêmico Texto

Roberto de Oliveira Ano de publicação: 2016

Gestor Administrativo-Financeiro

Carmem Regina dos Santos Ferreira

Gestora Comercial e de Marketing

Aline Dornelles Madrid Dorneles

Designer Educacional

Pedro
Uníntese
01/01/2011
[Capacitação em Autismo] Página 2 de 31

A inclusão escolar de alunos com Transtorno

do Espectro Autista

Neste capítulo discorreremos acerca da inclusão escolar

dos alunos com transtorno do espectro autista, apresentando

Marcia Doralina Alves1 algumas estratégias pedagógicas para o trabalho com esses
sujeitos. No capítulo anterior utilizamos os aspectos estruturais e
Taís Guareschi 2
os aspectos instrumentais do desenvolvimento humano para
pensar a construção do aprendizado e as especificidades desses
estudantes. Afirmamos que nesses quadros é possível
observarmos uma desarmonia “entre a passagem do tempo
cronológico, aquisições instrumentais e mudança de posição

UNÍNTESE
1 2
Psicóloga e Educadora Especial. Mestre em Educação pela UFSM/RS e Doutora em Educadora Especial. Mestre em Educação pela UFSM/RS e doutoranda em Educação
Educação pela Unisinos/RS. Professora dos cursos extensão e pós-graduação da pela mesma Instituição. Professora dos cursos extensão e pós-graduação da Uníntese.
Uníntese.
[ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ]
psíquica de um sujeito em relação à vida” (JERUSALINSKY,
2002, p.171).
É importante relembrarmos que na síndrome de Rett há
uma patologia orgânica que ocasiona um déficit significativo dos
aspectos instrumentais. Esse déficit implicará em
particularidades na forma como a aprendizagem desses alunos
será levada a termo. No transtorno do espectro autista, ocorre um
impasse na constituição subjetiva, ou seja, nos aspectos
estruturais. Esse impasse provocará alterações nas aquisições
instrumentais, como a linguagem e o brincar, por exemplo. Muitas
vezes as aquisições instrumentais ocorrem, porém estão
desorganizadas. Assim uma criança pode falar sem, no entanto,
estabelecer um diálogo com o outro.
Com base nisso, elencamos aspectos instrumentais a
serem trabalhados neste capítulo para contribuir na prática
pedagógica do professor. Lembramos que os aspectos
estruturais e instrumentais estão sempre relacionados, sendo
que os instrumentos que um sujeito constitui para realizar trocas
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com o meio (linguagem, psicomotricidade, jogos, etc.) terão como
base as estruturas orgânica e psíquica.
Assim, trataremos dos seguintes aspectos instrumentais:
o brincar (jogo), a linguagem, a psicomotricidade e a
aprendizagem. A abordagem desses aspectos tem por objetivo
contribuir para que possamos pensar em práticas pedagógicas
para alunos com transtorno do espectro autista.
Para adentrar na discussão desses aspectos instrumentais
é pertinente destacar que essas separações são apenas
didáticas, a fim de facilitar a compreensão de cada conceito. Nas
palavras de Yañez (2001, p. 215):
Não podemos aprender sem o suporte da linguagem
e dos aspectos psicomotores; nem desenvolver práxis
psicomotoras aprimoradas quando a criança ainda
não tem experiências na organização dos hábitos da
vida diária, de brincar sem o sustento da linguagem e
das aprendizagens, e assim sucessivamente.
UNÍNTESE
 [Capacitação em Autismo] Página 4 de 31

Conforme a autora as produções instrumentais não podem

ser pensadas separadamente, uma vez que são articuladas umas
as outras.

1. 1 | O brincar O brincar é a forma de expressão por excelência da

infância e está presente nas mais variadas culturas. No entanto,
ele não é tão natural como, muitas vezes, imaginamos. No caso
dos alunos com transtorno do espectro autista é importante que
o professor o leve em consideração, incluindo esse aspecto
instrumental em sua avaliação e em seu trabalho pedagógico.

O brincar de alunos com transtorno do espectro autista

normalmente é empobrecido ou poderá mesmo estar ausente. Na
síndrome de Rett observamos alterações psicomotoras, como a
dificuldade no uso funcional das mãos, que obstaculizam a

UNÍNTESE
interação com os objetos, o que dificulta ou, por vezes,
impossibilita o brincar. No transtorno do espectro autista, as
alterações nos aspectos estruturais do desenvolvimento terão
[ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ]
como consequência alterações no brincar. É importante
lembrarmos que um dos sinais que deve ser observado na
detecção do autismo é o fato de a criança não brincar montando
cenas com os objetos.
É interessante apresentarmos os tempos do
brincar para que possamos compreender como esse aspecto
instrumental vai se constituindo na infância. Nos bebês podemos
observar os primórdios do brincar através dos jogos constituintes
do sujeito ou jogos de litoral. A partir dos jogos constituintes se
estabelece o jogo do Fort-Da, que é precursor do brincar
simbólico. Com o aparecimento da linguagem inicia-se a
produção do brincar simbólico, ou seja, o faz-de-conta que
possibilita, por exemplo, que uma menina monte uma cena com
sua “filhinha”, dando remédio e verificando sua temperatura. Por
volta dos cinco ou seis anos o brincar simbólico dá lugar, pelo
menos em parte, aos jogos de regras.
Os jogos constituintes do sujeito, jogos de litoral ou jogos
de borda são as brincadeiras entre a mãe e o bebê ou entre o
cuidador (professor da Educação Infantil, babá, pai, avós, etc) e
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o bebê. Esses jogos são considerados os primórdios do brincar.
No início o bebê não tem noção do que é seu corpo e o que é o
corpo do outro, tampouco possui uma imagem corporal unificada.
É por meio dos jogos de litoral que o sujeito irá se constituindo,
diferenciando “eu” e “outro” e construindo o litoral, as bordas de
seu corpo, ou seja, a noção de limite corporal (por isso a
denominação jogos de litoral ou de borda).
Em um primeiro tempo a mãe, ao alimentar ou fazer a
higiene de seu bebê, irá propor as brincadeiras iniciais. Assim, a
mãe não se preocupará somente com a satisfação das
necessidades fisiológicas de seu filho, mas introduzirá
brincadeiras que dão prazer como deixá-lo brincar com o bico do
seio, chupar outras partes do corpo. A mãe também morde as
mãozinhas, pezinhos ou a barriga do filho. A produção desses
jogos dá início à construção dos limites do corpo e, quando a
criança for um pouco maior, irá se evidenciar no interesse pelos
jogos de mapear seu corpo como, por exemplo, a brincadeira da
formiguinha que vai subindo, subindo...; o versinho janela,
UNÍNTESE
janelinha, porta, campainha, biiii!; bem como contornar as mãos
com caneta em folha de papel (JERUSALINSKY, 2011;
ALENCAR, 2011).
[Capacitação em Autismo]
É possível observar que nesse primeiro tempo as
brincadeiras ocorrem no corpo materno e no corpo do bebê. Num
segundo momento, quando o bebê começa a engatinhar ou
caminhar, as brincadeiras passam a acontecer além dos limites
do corpo da mãe e do bebê. Nesse tempo aparece o interesse
por buracos, fendas, cantos, bordas, degraus, explorando todos
esses ambientes. O bebê apresenta também interesse pelas
relações continente-conteúdo: tirar e colocar objetos de gavetas,
armários (retirar as panelas da mamãe do armário da cozinha,
por exemplo) e caixas, virar o copinho de água ou suco durante
a alimentação. Jerusalinsky (2011, p. 245) afirma que:
Se inicialmente o bebê, ao estar no colo ou ser
amamentado, desloca a mão pela superfície do corpo
materno e pela do seu próprio corpo, experimentando
a continuidade e descontinuidade dessa sensação na
pele, em um segundo tempo busca produzir este jogo
com a comida, espalhando-a sobre as mãos e sobre a
mesa, assim como com água, barro, tinta ou outras
substâncias que eventualmente possam ter-lhe sido
oferecidas.
Evidencia-se com as afirmações da autora a importância
de permitir que o bebê explore esses materiais, espalhando-os
sobre seu corpo. No contexto escolar é importante que o
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professor ofereça esses materiais e permita essa exploração. É
comum encontrarmos crianças maiores que ainda realizam esse
jogo. Podemos citar o exemplo de Carolina, uma menina com
cinco anos de idade, que no Atendimento Educacional
Especializado iniciou um jogo de pintar o rosto e os braços da
professora e o seu próprio corpo com caneta. Além disso,
Carolina oferecia sua mão para que ela fosse contornada com
caneta em uma folha de papel.
Jerusalinsky (2011) destaca que a produção desses jogos
para além do limite corporal da mãe e do bebê depende de
ofertas que essa faça: chocalhos, ursinhos, paninhos que
substituam o corpo materno e auxiliam a criança a suportar sua
ausência. Assim, observamos muitas crianças chegando à escola
com seu paninho, brinquedo favorito, um pequeno edredom. É
importante que o professor permita que essa criança permaneça
com esse objeto enquanto sentir necessidade, uma vez que lhe
ajudará a suportar a angústia da separação da mãe.
UNÍNTESE
Em um terceiro tempo podemos observar dois jogos:
lançamento de objetos e “cadê-achou”. No jogo de lançamento
[ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ]
de objetos o bebê lança ou deixa cair um objeto e um adulto o
recupera devolvendo-o, ao mesmo tempo em que diz: “caiuuuuu,
peguei!”. Instaura-se o jogo em que o bebê passa a lançar objetos
ao chão, para fora do cercado, do berço e olha atentamente,
esperando que o adulto pegue-os e os devolva. Especialmente
na Educação Infantil é importante que o professor estabeleça
esse jogo com o bebê, podendo decidir a hora de parar a
brincadeira.
No jogo “cadê-achou”, o adulto cobre o rosto do bebê com
um pano, ato acompanhado da pergunta: “Cadê o João?”. Em
seguida descobre o rosto do bebê e emite um sonoro
“achouuuuu!”. É assim que tem início as brincadeiras de
esconde-esconde, que também vão se sofisticando à medida em
que a criança fica maior. As crianças menores não conseguem
permanecer por muito tempo no esconderijo e dão pistas de onde
estão, falando ou deixando partes do corpo a mostra para que os
outros as encontrem. No terceiro ano de vida a criança já
consegue permanecer escondida, uma vez que deve “estar
suficientemente separada do olhar do outro para suportar sua
própria ausência durante sua permanência no esconderijo,
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antecipando a surpresa que causará ao aparecer no lugar em que
não era esperada” (JERUSALINSKY, 2008, p.133).
Nas crianças com transtorno do espectro autista, mesmo
após o terceiro ano de vida, observamos uma dificuldade em
permanecer no esconderijo. É assim que Carolina aos cinco
anos, durante o Atendimento Educacional Especializado, escolhe
sempre dois locais para se esconder: um quadro de avisos fixado
em uma estrutura metálica que deixa suas pernas aparecendo e
um armário, em que se esconde e deixa a mão para fora
acenando ao mesmo tempo em que diz: “Oi!”.
Esses dois jogos, o lançamento de objetos e o “cadê-
achou”, são precursores imediatos do jogo do Fort-Da. O jogo do
Fort-Da foi descrito por Freud ao relatar que seu neto de um ano
e seis meses, com a partida da mãe, joga um carretel para baixo
do berço, emitindo “oooo”, e depois puxa o carretel de volta por
meio do cordão e emite um sonoro “aaaa”. Freud interpreta o
primeiro som como a palavra alemã “Fort”, que significa “foi”, e o
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segundo balbucio como “Da”, que significa “cá” (FREUD, 1996).
Por meio desta brincadeira o bebê encenava a saída e o retorno
[Capacitação em Autismo]
da mãe, lidando com a angústia da ausência materna através do
jogo.
De acordo com Alencar (2011), no caso acima o bebê,
através do jogo, faz a passagem da passividade para atividade,
ou seja, vivencia de forma ativa na brincadeira o que na realidade
vive de forma passiva, sem controle da situação (o bebê não
controla a saída ou o retorno da mãe). Essa passagem da
passividade para a atividade no jogo do Fort-Da é uma das
características do brincar simbólico.
Assim, o jogo do Fort-Da é o marco inicial do brincar
simbólico que irá se sofisticando cada vez mais. O brincar de faz-
de-conta tem seu início com o aparecimento da linguagem na
criança, sendo que esse modo de brincar será a produção por
excelência da criança até os cinco ou seis anos, quando aparece
o interesse pelos jogos de regras.
Conforme destacado é por meio do brincar de faz-de-conta
que a criança vive ativamente o que na vida ela vivencia de forma
passiva. Então, na brincadeira “agora eu sou...” ou “faz de conta
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que eu era” a criança pode vivenciar o papel de mãe, pai,
professora, super-herói, médico, enfermeira, etc. Através desse
ato a criança expressa seus sentimentos, medos, angústias,
desejos e interesses, elaborando conflitos e controlando suas
vivências (JERUSALINSKY, 2011).
No caso de brincadeiras de professora ou de mãe, por
exemplo, podemos observar que a criança repete muitas frases
que são ditas e comportamentos que são realizados com ela.
Assim, Sara, uma menina de três anos que frequenta uma escola
de educação infantil, brinca de “ser professora” e os adultos da
família são seus alunos. A pequena professora inicia a contação
de histórias, mas percebe que a conversa entre os adultos não
cessou e diz em um tom de voz indignado: “Não vou mais contar
história, vocês não estão comportados!”. Imediatamente pega um
pequeno papel, “escreve” o nome dos alunos e faz um “pontinho”
com caneta ao lado do nome daqueles que não se comportaram
como deveriam.
UNÍNTESE
O brincar de faz-de-conta pode acontecer tanto de forma
solitária quanto com outras crianças, sendo que brincar com
[ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ]
outros parceiros é muito importante para a constituição do sujeito
e desenvolvimento da criança. É interessante analisarmos as
afirmações de Jerusalinsky (2011, p. 232) acerca do brincar de
faz-de-conta da criança com seus semelhantes:
Brincar de faz-de-conta é uma produção que pode ser
posta em cena de modo solitário ou ser compartilhada
com outros parceiros, o que exige uma intensa
negociação no estabelecimento dos argumentos e na
distribuição de papéis. Para tanto, a criança precisará
contar com abertura à alteridade, a fim de poder
estabelecer de modo coletivo as vicissitudes das
personagens, e também com certa mobilidade
psíquica para poder mudar de posição no jogo com o
parceiro – alternando lugares filho-pai, filha-mãe,
mau-bom, vítima-algoz – em prol de uma trama
coletiva que se articula com e além de sua posição na
cena. Por isso brincar com pares, com semelhantes, é
constituinte para a criança.
Na brincadeira com seus pares a criança precisará,
portanto, negociar a distribuição de papéis, o destino de cada
personagem e aceitar a mudança de papel, ora será a mãe, ora
será a filha. A autora afirma que é por isso que brincar com seus
semelhantes é constituinte para a criança. Além disso, evidencia-
se que a brincadeira com os pares auxilia no processo de
socialização.
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Depois de haver certa elaboração do brincar de faz-de-
conta, “esse modo de brincar cede, pelo menos em parte, dando
lugar ao interesse pelos jogos de regras, nos quais se estabelece
a oposição entre vencedor-perdedor, certo-errado, justo-injusto,
bem-mal” (JERUSALINSKY, 2011, p. 233). Então, por volta dos
quatro ou cinco anos os jogos de regras começam a interessar à
criança, atingido o apogeu dos sete aos onze anos. Como
exemplos de jogos de regras podemos citar os jogos de mesa
(dominó, memória, damas, bingo) e os jogos esportivos (futebol,
pega-pega).
Os jogos de regras possuem suas próprias normas que
devem ser respeitadas por todos os jogadores, sendo que adultos
e crianças exigem o cumprimento das mesmas. Esses jogos
desafiam a criança em sua socialização, no desenvolvimento de
estratégias e habilidades e na assimilação de novos
conhecimentos e das regras de cada brincadeira.
No Atendimento Educacional Especializado é preciso
UNÍNTESE
observar se a mãe consegue estabelecer jogos com seu filho, e
se a criança brinca, se engaja nos jogos com a mãe, cuidadores
[Capacitação em Autismo]
ou professores. Quando a criança é maior, por volta dos dois ou
três anos, é preciso analisar se o brincar simbólico está se
instaurando. A criança brinca com panelinhas, por exemplo,
montando cenas em que faz comidinha ou simplesmente
manipula de forma mecânica os brinquedos? Se a criança
somente os manipula, sem encenar, isso indica que algo não vai
bem nesse aspecto instrumental do desenvolvimento que é o
brincar. Portanto, é imprescindível perceber se a criança monta
cenas com os brinquedos disponíveis, pois caso o brincar seja
inexistente ou empobrecido esse aspecto deverá ser trabalhado
na escola, tendo em vista sua importância na constituição do
sujeito e na construção dos processos de pensamento. O brincar
exerce papel fundamental para que o aprendizado formal, como
a alfabetização ou a construção do número, possa vir a termo.
Conforme afirmamos anteriormente no caso de alunos
com transtorno do espectro autista, o brincar pode ser
considerado primitivo para a idade da criança ou mesmo ser
inexistente. No Atendimento Educacional Especializado de
Carolina, observamos, aos quatro anos, que o brincar simbólico
era ausente. A aluna corria pela escola o tempo todo,
manipulando os brinquedos de forma mecânica, sem estabelecer
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um jogo. Nos primeiros atendimentos, que aconteceram na
pracinha da escola, pois Carolina não suportava ficar dentro de
uma sala, a professora tentava estabelecer uma brincadeira com
panelinhas e areia, fazendo “comidinha”. No momento em que a
professora narrava o cozimento de um delicioso feijão, Carolina
pegava a panelinha e comia a areia, evidenciando dificuldades
no pensamento simbólico, ou seja, Carolina não conseguia “fazer
de conta” que comia; ela comia de verdade, no real.
Nesse sentido, é importante que no espaço escolar o
professor proponha jogos com os mais diferentes brinquedos,
estimulando o faz-de-conta. Os brinquedos não necessariamente
precisam ser muito estruturados, pois a criança brinca com
qualquer objeto que sirva ao propósito daquela brincadeira.
Assim, é importante que haja na sala de recursos multifuncionais
ou na sala de aula uma caixa com as mais diferentes sucatas
para que jogos possam ser inventados. Também é importante
dispor de bonecas, carrinhos, panelinhas, acessórios para banho,
objetos para brincar de médico, maquiagem, fantasias para a
UNÍNTESE
criança vestir, restos de tecidos para criar personagens,
fantoches, dedoches, instrumentos sonoros, caixas grandes de
papelão, entre outros.
[ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ]
Por sua vez os jogos de regras, deverão ser estabelecidos
de acordo com o interesse dos alunos, observando-se que as
demandas desses jogos “não excedam as possibilidades de
serem sustentadas do ponto de vista subjetivo e cognitivo”
(YAÑEZ, 2001, p. 206). Yañez (2001) afirma que às vezes os
alunos com transtorno do espectro autista poderão apresentar
dificuldades para respeitar as normas e, em outros casos, os
jogos de regras poderão ser atividades mais fáceis para esses
sujeitos do que o brincar de faz-de-conta, justamente por terem
normas pré-estabelecidas.
É relevante destacar que o trabalho pedagógico com os
alunos com transtorno do espectro autista, especialmente os
menores, deverá levar em conta o brincar, aspecto instrumental
do desenvolvimento em que observamos, normalmente,
alterações significativas nesses casos. O professor precisa
trabalhar na tentativa de rechear o campo simbólico dessas
crianças.
Para ilustrar essas afirmações podemos relatar o caso de
Talita. Essa aluna, aos oito anos, não estabelecia nenhuma
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brincadeira ao chegar à escola, dificilmente manipulava os
objetos ou brinquedos dispostos ao seu redor e evitava o contato
com os outros, gritando muito quando alguém lhe tocava. Após
alguns encontros a professora do atendimento educacional
especializado consegue estabelecer, pela primeira vez, um jogo
com Talita. A aluna pega um chocalho, que estava sendo
manipulado pela professora enquanto cantava uma cantiga
infantil, e o jogou no chão. No momento em que o chocalho cai a
professora emite um sonoro “caiuuuuuuuu!”. Talita sorriu e
passou a atirar o chocalho no chão algumas vezes, aguardando
a exclamação da professora. Nos atendimentos seguintes esse
jogo se estabeleceu novamente. Em um deles, Talita que emitia
apenas balbucios, repete a exclamação da professora ao ver o
objeto sonoro cair: “iuuuuuuuuu!”.
É possível percebermos, por meio do exemplo acima, a
alteração presente no aspecto instrumental do brincar, que se
encontrava significativamente empobrecido nessa aluna, apesar
de ela ter oito anos de idade. O primeiro jogo estabelecido com
UNÍNTESE
Talita foi uma brincadeira realizada, normalmente, com bebês,
mas que possibilitou que outros jogos pudessem se instaurar
 [Capacitação em Autismo] Página 12 de 31

para constituir-se o brincar simbólico, imprescindível para o

desenvolvimento infantil.

2. 2 | A linguagem

UNÍNTESE
A linguagem preexiste à criança. Mesmo antes de nascer
ela já é falada e quando nasce é imersa em um banho de palavras
[ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ]
por quem a cerca. A mãe ou cuidadores falam com o bebê,
cantam para ele, fazem perguntas, silenciam aguardando
respostas mesmo quando ele ainda não fala, interpretam seus
balbucios. Assim, os primeiros “mamama” ou “papapa” vão
ganhando significados: mamãe, papai, papinha. E é porque o
outro supõe significado nessas emissões que elas adquirem tal
significação.
De acordo com Jerusalinsky (2008) o ponto de partida para
a aquisição da linguagem de uma criança é a voz materna, que
ela aprende a reconhecer desde muito cedo. Assim, o manhês,
ou seja, a fala materna dirigida ao bebê com um tom de voz
particular, é fundamental para a aquisição da linguagem. A esse
manhês o bebê responde, ou pelo menos deveria responder, com
sorrisos entusiasmados, balbucios, expressões faciais ou
movimentos corporais.
Dessa forma, percebemos que o bebê está desde cedo
imerso no campo da linguagem e que o manhês é o ponto de
partida para sua aquisição. Além disso, é imprescindível que haja
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alguém para dar sentido às emissões do bebê para que continue
suas produções dirigidas ao outro.
Ao analisarmos o desenvolvimento da linguagem em uma
criança perceberemos que desde muito cedo ela utiliza diferentes
formas de comunicação com o outro. Conforme Jerusalinsky
(2010) dos 0 aos 4 meses incompletos o bebê irá reagir ao
manhês, dos 4 aos 8 meses incompletos a criança utilizará sinais
diferentes para expressar suas necessidades, dos 8 aos 12
meses incompletos a criança fará gracinhas (bater palminhas,
dançar, balançar a cabeça, apontar, dar tchau) e dos 12 aos 18
meses a mãe passará a solicitar que a criança nomeie o que
deseja, não se contentando apenas com gestos, incentivando
dessa maneira a fala do bebê.
Em relação ao desenvolvimento da fala é possível
observarmos, normalmente, no primeiro ano de vida os
balbucios, sendo que inicialmente o bebê emite o som de vogais
e mais tarde inicia a combinação de vogais e consoantes
UNÍNTESE
(“papapa”). Por volta de um ano a criança começa a falar as
primeiras palavras e em torno dos 18 meses iniciam-se as
[Capacitação em Autismo]
primeiras combinações de palavras (“nenê papá”). Em torno de
24 meses começa a dizer frases simples (“Luíza qué papa”) e seu
vocabulário se amplia consideravelmente. Entre os três e os
quatro anos a criança possui um significativo domínio da
linguagem, formulando frases corretas, fazendo perguntas,
expressando-se adequadamente e compreendendo o que lhe é
dito.
No transtorno do espectro autista é possível observarmos
alterações na linguagem. Nesses quadros ocorre, de maneira
peculiar a cada aluno, uma alteração nas capacidades de
comunicação. Na síndrome de Rett, a fala está, normalmente,
ausente, conforme afirmado no capítulo que trata dessa doença
genética. Isso não significa que esse sujeito não será capaz de
se comunicar, pois será possível compreendê-lo por meio de
balbucios, aos quais é preciso dar sentido para que algo além
possa se produzir, expressões faciais, sorrisos, choro, etc.
No caso do transtorno do espectro autista, as alterações
na linguagem podem ser observadas já no bebê. É interessante
retomarmos as afirmações de Jerusalinsky (2005) acerca das
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manifestações apresentadas pela criança que podem levar à
suspeita de autismo. Assim, é considerado um signo de suspeita
o fato de a criança parecer surda, mas ouvir perfeitamente. Esse
caso sugere que ela ouve, mas é indiferente à voz humana,
podendo não responder quando lhe chamam. Um indicador que
deve ser observado é se a criança tem mais de cinco meses e
não reconhece o manhês, não reagindo a essa forma particular
de fala endereçada a ela. Outras alterações na linguagem que
podem indicar suspeita de autismo são: a criança tem um ano e
não balbucia e também não são observados gestos de apontar
ou dar tchau; ou se a criança tem dezesseis meses e não fala; se
a criança com oito meses não imita comportamentos de adultos
buscando reproduzir brincadeiras como bater palmas, colocar a
língua para fora, balançar a cabeça ou dançar.
De maneira geral, poderemos observar que algumas
crianças com transtorno do espectro autista não falam apesar de
ouvirem, outras recorrem à ecolalia (repetição de palavra ou
frase), uso estereotipado de frases “da moda” (por exemplo:
UNÍNTESE
“Lugar de criança é na escola!”), inversão pronominal (uso da
terceira pessoa para se referir a si mesmo), dificuldade para
estabelecer um diálogo com o outro e para compreender
[ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ]
metáforas. “Há casos em que as palavras se sucedem, umas
após as outras, sem ordem gramatical e sem nexo para enlaçá-
las” (YAÑEZ, 2001, p. 199).
Com base nesses pressupostos, poderíamos nos
interrogar sobre como trabalhar as especificidades da linguagem
desses alunos no contexto escolar. Primeiramente é preciso
investir na capacidade de comunicação desses sujeitos,
procurando dar sentido aquilo que dizem das mais diferentes
formas: palavras, frases, ecolalia, gritos, estereotipais, etc. É
preciso supor sempre que o aluno pretende dizer algo com
qualquer emissão desde um grito até uma palavra ou frase,
buscando compreendê-lo. Assim, se inicialmente apenas repete
o que lhe é dito poderá, com o tempo, utilizar esse repertório de
palavras para falar de si, falar sobre seus desejos e angústias.
Esse trabalho deve ser realizado em conjunto com a
família, pois os pais, na maioria das vezes, entendem os sinais,
gestos ou vocalizações dos filhos e podem nos auxiliar nessa
compreensão. Além disso, é importante mostrar aos pais que
cada produção, gestual ou vocal, de seu filho tem um significado.
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E mais: a essa produção é preciso dar significação para que não
se perca no vazio. Com base nisso, um aluno com transtorno do
espectro autista que tapa os ouvidos com as mãos e grita
possivelmente esteja incomodado com o barulho do ambiente ou
com outro fator que precisa ser descoberto. É dessa forma que
consegue expressar que há algo lhe importunando naquele
momento.
A partir dos princípios apresentados, podemos tecer no
espaço escolar, atividades pedagógicas que possibilitem a
significação e a ampliação das formas de comunicação desses
alunos, bem como forneçam “marcas impressas pela linguagem
fundamentais à constituição subjetiva” (VIEIRA; ALMEIDA, 2010,
p. 194). Tendo isso em vista é relevante iniciarmos essa tessitura
com os gêneros orais da infância, tratados por Belintane (2008).
Para esse autor os gêneros orais infantis são importantes tanto
na aquisição da fala quanto “na preparação das bases que
permitem a entrada da criança no universo da escrita”
(BELINTANE, 2008, p. 69). Os gêneros citados pelo autor são os
UNÍNTESE
jogos lúdicos orais, bastante conhecidos por todos: cantigas
infantis, brincadeiras de colo e com o corpo da criança pequena.
[Capacitação em Autismo] Página 16 de 31

As parlendas de colo associam os versinhos recitados ou Outros gêneros orais da infância citados por Belintane
cantados com movimentos corporais e tem início assim que o (2008) são as cantigas ou versos que envolvem o bater palmas e
bebê adquire um pouco mais de firmeza. Nessas parlendas “não o mapear o corpo. Esses gêneros são importantes tanto para a
raro, a voz da criança que ainda não aprendeu a falar acompanha aquisição da linguagem quanto para o desenvolvimento motor e
com um murmúrio mais ou menos rítmico” (BELINTANE, 2008, p. o reconhecimento das partes do corpo.
70). Então, o bebê começa, por meio dessas parlendas, a
Palminhas, palminhas nós vamos Janela, janelinha.
dominar alguns movimentos e “a descobrir uma língua em versos, bater. Porta, campainha.
com métrica, ritmo e rima” (BELINTANE, 2008, p. 70). Nas Depois as mãozinhas pra trás
cantigas abaixo o adulto canta de mãos dadas com a criança, esconder.

imitando os movimentos da serra. De um lado e do outro nós vamos

Serra madeira, João carpinteiro
Serra direito pro Arthur ganhar
dinheiroooooo
bater.
Depois as mãozinhas pra trás
esconder. Imagem disponível em <créditos:
http://guiadobebe.uol.com.br> Acesso
em 28 d ejulho de 2016.
Serra, serra, serradô Bate palminha bate.
Serra o papo do vovô Palminha de São Tomé. Minguinho,
Quantas tábuas já serrô Bate palminha bate. Seu vizinho,
Já serrou vinte e quatro Pra quando o papai vié! Pai de todos,
Uma, duas, três, quatro Fura-bolo,
Mata-piolho!

UNÍNTESE
[ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] Página 17 de 31

Imagem disponível em Uni, duni, tê. Passa, passa, passará.

<https://br.pinterest.com/pin/541909767635643587/
>Acesso em 28 de julho de 2016.
Salamê minguê. Quem de trás ficará.
Um sorvete colorê. Seu Martinho pescador, dá
licença de eu passar.
O escolhido foi você!
Passa um, passa dois, o
terceiro ficará.

As fórmulas de escolha são gêneros orais com palavras

ritmadas que tem como função indicar o pegador de brincadeiras
como pega-pega, esconde-esconde, entre outras. Essas
fórmulas também são muito conhecidas entre as crianças.
Imagem disponível em Obra “Passarás” de Ivan cruz, disponível em <
<http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTe http://projetobrincadeirasdecrianca.blogspot.c
cnicaAula.html?aula=26747> Acesso em 01 om.br/> Acesso em 01 de agosto de 2016.
de agosto de 2016.

Esses gêneros orais da infância contribuem com a

aquisição da linguagem oral e terão papel importante na
aquisição da linguagem escrita. Nas palavras de Belintane (2008,
p. 74-75):

UNÍNTESE
Em nossas pesquisas temos observado, com bastante
clareza, que as crianças que não passaram por esse
traquejo do “entre textos”, por essas possibilidades
que os jogos lúdicos infantis permitem, experimentam
[Capacitação em Autismo]
muitas dificuldades no momento em que iniciam a
aprendizagem da escrita. Já aquelas acostumadas
aos jogos lúdicos orais tendem a se apegar aos jogos
da escrita. Extrair da memória um texto inteiro de uma
palavra ouvida, cotejar formas semelhantes (rimas,
repetições, paralelismos), escandir palavras, dar
destaque às sílabas ou versos ao pronunciá-los, de
acordo com o movimento do corpo, tudo isso se torna
fundamental no momento de aprender e de expandir
as habilidades de leitura.
No caso dos alunos com transtorno do espectro autista
trabalhar esses jogos lúdicos orais é significativo, especialmente
quando se trata de alunos menores (educação infantil ou anos
iniciais, em processo de alfabetização). Esse trabalho
pedagógico contribuirá tanto com o desenvolvimento da
linguagem oral e a aquisição da linguagem escrita, quanto com o
aspecto instrumental do brincar. Sabemos o quanto é importante,
nesses casos, que o trabalho do professor leve em conta esse
aspecto. Além disso, os jogos lúdicos orais contribuirão no
desenvolvimento motor e no reconhecimento das partes do
corpo, ou seja, na psicomotricidade.
Além dos jogos lúdicos orais da infância outra ferramenta
que poderá ser utilizada pelo professor no trabalho pedagógico
para alunos com transtorno do espectro autista são as histórias
Página 18 de 31
infantis. Na apresentação, leitura, interpretação ou dramatização
das mais variadas histórias infantis o professor trabalhará com o
aspecto instrumental da linguagem. Tanto a linguagem
expressiva quanto a compreensiva dos alunos serão
contempladas.
As histórias infantis, assim como o brincar, são
fundamentais para o desenvolvimento da criança, auxiliando-a a
compreender o mundo e a se organizar para o futuro, através da
fantasia (CORSO; CORSO, 2011). Por meio das histórias infantis
as crianças também podem viver ativamente o que na vida
vivenciam passivamente. Dessa forma, essas narrativas são
“brinquedos verbais, são peças de um sistema lógico que a
criança pode encaixar à sua maneira, tanto para antecipar papéis
pelos quais julga que vai passar quanto para elaborar o que já
viveu” (CORSO; CORSO, 2011, p. 40).
No caso de alunos com transtorno do espectro autista as
histórias infantis poderão também operar no campo simbólico,
UNÍNTESE
aspecto em que observamos alterações, evidenciadas na
pobreza ou ausência do brincar ou na dificuldade para
[ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ]
compreender que é o lobo, vestido de vovó, quem diz à
Chapeuzinho: “Pode entrar minha netinha!”.
É possível ilustrarmos um trabalho envolvendo histórias
infantis no atendimento educacional especializado de Leonardo,
um aluno com oito anos e hipótese diagnóstica de autismo. No
atendimento de Leonardo observamos um interesse muito
grande por vídeos da história “Thomas e seus amigos”. Apesar
de Leonardo interessar-se por essas histórias resistia às demais
narradas ou lidas pela professora. A cada iniciativa por parte da
professora em contar uma história o aluno repetia: “Não! Não
precisamos de histórias!”. Acreditando na importância das
histórias infantis para o desenvolvimento de Leonardo a
professora buscou um livro que contasse histórias de “Thomas e
seus amigos”, pelas quais mostrava preferência. No início do
trabalho o aluno continuava resistindo às tentativas de narrativas
da professora. Porém, após alguns encontros, interessou-se pela
história. E a partir disso outras puderam ser narradas.
Inicialmente eram histórias sobre trens e posteriormente foram se
diversificando. Algum tempo depois, Leonardo chegava à sala de
recursos multifuncionais e selecionava o livro que gostaria que a
professora lesse. A partir das narrativas outras atividades se
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seguiam: dramatizações, desenhos, escrita, brincadeiras,
músicas, etc.
Na contação de histórias inúmeras atividades podem ser
pensadas. O professor poderá contar uma história lendo um livro,
utilizando fantoches, dedoches, bonecos, personagens
desenhados pelo aluno e colados em palitinhos, entre outros. É
importante sempre explorar a criatividade e a livre expressão do
aluno, despertando de forma lúdica o interesse pelas narrativas.
Além das ferramentas apresentadas até o momento,
outras atividades poderão ser pensadas para trabalhar a
linguagem dos alunos com transtorno do espectro autista no
contexto escolar. Abordaremos, de forma resumida, alguma
delas, sem a intenção de esgotar as possibilidades:
- Conversas: estabelecer diálogos com o aluno, perguntando-lhe
sobre seu dia-a-dia, escutando o que esse aluno tem a dizer.
UNÍNTESE
Lembrando sempre que cada aluno falará a sua maneira: por
meio de palavras, gestos, gritos, choros, sorrisos.
[Capacitação em Autismo]
- Trabalho com músicas de interesse do aluno: a música é um
recurso importante, pois além de normalmente interessar aos
alunos oferece a oportunidade de exploração da língua oral. O
professor poderá cantar e fazer pequenas pausas na música,
estimulando a criança a seguir a canção ou dizer a palavra que
está faltando.
- Histórias seriadas: propor ao aluno que ele coloque em ordem
as diferentes cenas de uma história seriada e depois fale sobre
cada uma delas, criando um enredo, é uma interessante forma
de explorar a linguagem oral. Além disso, a história seriada
trabalhará a noção temporal e o raciocínio lógico do aluno.
- Solicitar que o aluno fale sobre suas produções: sempre que
fizer um trabalho proposto pela professora, como um desenho,
por exemplo, é interessante solicitar que ele fale sobre essa
produção: o que desenhou, por que desenhou dessa forma, se
há algo mais que possa acrescentar. Esse é um importante
espaço para conhecermos um pouco mais sobre esse aluno,
trabalhando a linguagem e oferecendo desafios cognitivos.
Página 20 de 31
Na realidade a linguagem, tanto expressiva quanto
compreensiva, é trabalhada sempre e de diferentes formas na
escola. Nesse trabalho é fundamental que o professor suponha
que seu aluno tenha algo a dizer, sem a necessidade de que os
outros falem por ele. Uma simples vocalização poderá ser
tomada como um pedido, uma demanda, uma tentativa de se
expressar. É necessário que o profissional da educação faça
pausas em sua fala, durante as intervenções pedagógicas, para
que a linguagem da criança possa aparecer. Frequentemente os
professores e outros profissionais falam incessantemente na
tentativa de suportar o vazio causado pela angústia de uma
criança que poderá não falar, não responder às solicitações,
evitando o contato com o outro.
UNÍNTESE
3. 3 | A psicomotricidade
[ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] Página 21 de 31

características normais, atingindo o funcionamento no tempo

esperado. No entanto, as funções psicomotoras estão
comprometidas” (YAÑEZ, 2001, p. 202). Assim, é possível
observarmos que em muitas dessas crianças as aquisições
instrumentais como sentar, engatinhar ou andar aconteceram
dentro do período esperado. Porém, essas aquisições podem
estar desorganizadas e as crianças poderão apresentar, por
exemplo, movimentos estereotipados, como andar na ponta dos
pés e agitação psicomotora.

Além disso, uma função psicomotora que se encontra,

frequentemente, alterada é a noção de esquema corporal. Esses
alunos apresentam dificuldade no reconhecimento de seu corpo
e da unidade corporal. Essa dificuldade poderá evidenciar-se no
desenho da figura humana em que as partes do corpo aparecem
representadas pelo aluno de forma fragmentada (separadas).

O professor, ao trabalhar esse aspecto do

A psicomotricidade é um aspecto instrumental importante
desenvolvimento, precisa se ocupar além do corpo em

UNÍNTESE
a ser avaliado e trabalhado na inclusão escolar de alunos com
movimento, considerando também o sujeito que o habita. No
transtorno do espectro autista. “Na maioria dessas crianças, o
corpo a ser trabalhado há um sujeito para além de gestos mais
padrão maturativo do equipamento orgânico apresenta
[Capacitação em Autismo] Página 22 de 31

ou menos desarmônicos. Considerando esse pressuposto em linguagem, em que são atribuídos significados aos sons emitidos
sua prática o professor irá transcender exercícios meramente pelo bebê; e o aspecto psicomotor, cujo desenvolvimento
repetitivos e mecânicos e poderá propor atividades que levem em depende da linguagem, dos significados produzidos para esse
conta o sujeito. Nas palavras de Levin (2001, p. 68): corpo.

[...] o corpo de uma criança metaforiza-se na Para a criança o investimento dos pais e a significação
linguagem, esta é a condição do corpo humano.
Quando a mãe olha, fala, ou acaricia seu filho, dá um dada a seu corpo e as suas produções é determinante. Se os pais
sentido a esta experiência corporal, dá a linguagem,
ela decodifica e compreende a pura experiência possuem dificuldade em investir e apostar nesse corpo isso
corporal e transforma-a num dizer, ou seja, articula-a
numa cadeia discursiva.
poderá se tornar um obstáculo ao desenvolvimento psicomotor.
Da mesma forma é importante que os professores e outros
Dessa forma, evidencia-se a importância de os pais darem
profissionais que trabalham com essa criança possam fazer esse
sentido ao corpo do bebê (ou a seus balbucios, no caso da
investimento. Evidentemente que em alguns casos há um
linguagem), que é inicialmente puro organismo biológico. É por
comprometimento motor orgânico, como na síndrome de Rett,
meio desse banho de palavras que os gestos e movimentos, o
porém o investimento é essencial para que não se imponha a
puramente corporal começam a ter uma significação. Assim, “a
esse sujeito um limite maior que o próprio limite orgânico.
linguagem significa, dá um sentido e uma forma à experiência
corporal. Esta é a condição de todo corpo humano” (LEVIN, 2001,
p. 69). Na escolarização de alunos com transtorno do espectro
autista é importante que o professor utilize a ludicidade e o brincar
espontâneo para avaliar e trabalhar a psicomotricidade, evitando

UNÍNTESE
É possível observarmos aqui o cruzamento dos aspectos
exercícios mecânicos e sem sentido para a criança.
instrumentais que tratamos até o momento: o brincar, quando a
mãe estabelece jogos que mapeiam o corpo do bebê; a
 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] Página 23 de 31

Em brincadeiras espontâneas como vestir fantasias para

representar uma história; passar por dentro do minhocão que se
transformou na toca em que Alice, da história Alice no País das
Maravilhas, cai ao seguir o coelho; construir labirintos com caixas
de papelão para que a criança possa percorrer até encontrar a
saída; andar pelo caminho que João e Maria fizeram até chegar
à casa de doces; construir as casinhas dos Três Porquinhos que
o Lobo Mau derrubou; entre outros.

Para trabalhar com alunos com transtorno do espectro

autista poderemos utilizar, ainda, materiais como a massa de
modelar ou argila que permitem unificar a fragmentação da
imagem corporal. Bonecas de pano que podem ser cortadas e
recosturadas também proporcionam essa unificação. Linha e
barbante usados nas brincadeiras ajudam a “amarrar” e
simbolizar esse corpo que parece não se adequar ao ambiente.

A aprendizagem é um aspecto instrumental que também

UNÍNTESE
apresentará alterações no caso de alunos com transtorno do
4. 4 | A aprendizagem
espectro autista, tendo em vista os impasses na estrutura
[Capacitação em Autismo] Página 24 de 31

subjetiva (aspectos estruturais). A aprendizagem desses alunos

se revelará bastante singular no contexto escolar.

No que tange à aprendizagem daremos ênfase ao

desenho e à escrita, duas importantes ferramentas no trabalho
com alunos com transtorno do espectro autista. As primeiras
produções gráficas das crianças caracterizam-se por traçados
em diversos ângulos do papel, de uma mesa, um quadro-negro
ou até mesmo nas paredes de sua casa. Estas primitivas formas
se transformarão mais tarde em linhas, círculos, formas ovais e,
Fonte: MÈREDIEU, F. de. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 2004, p. 26.
por fim, letras.
Inicialmente a criança nem percebe que gerou
determinada marca, é só mais tarde que começa certa
Com um ano e meio a criança se vê envolvida com suas
intencionalidade no traço. Nesse momento o olho passa a guiar
primeiras garatujas, que são traços casuais sem qualquer tipo de
a mão e os círculos são nomeados: é um urso, um balão ou, daqui
controle. Primeiramente serão traços na vertical, produzidos por
a pouco, será um leão. Vale lembrar que o desenho representa a
um vaivém que evoluirão à posição horizontal. No fim desse
visão de mundo da criança que nele projeta seu universo interior.
período a criança começa a desenhar formas circulares
geralmente abertas e espirais.
Adentrando nas questões relativas à leitura e à escrita,

UNÍNTESE
conforme Ferreiro e Teberosky (1999), quando perguntamos às
crianças pequenas (em torno de quatro anos de idade), onde
poderemos ler, elas dizem que é possível ler tanto no texto
[ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ]
quanto no desenho. Quando solicitadas a nos fornecerem uma
interpretação como: “o que diz aqui?”, respondem como se
perguntássemos “o que é isso?”. É somente após os quatro anos
de idade que as crianças começam a fazer a distinção entre
desenho e escrita e passam a percebê-los com funções e
naturezas diferentes. O desenho passa a representar a forma dos
objetos e a escrita representará o nome desses. É nos estágios
finais do desenho que a criança começa a construir o sistema de
escrita.
Pillar (2012) afirma que ao começar a diferenciar o
desenho da escrita, a criança se preocupa também com as
diferenciações no interior de cada uma dessas linguagens.
Percebe que a forma como escrevemos não tem relação com a
forma dos objetos, sendo que na escrita se distribuem símbolos
linearmente sobre a superfície, ou seja, da esquerda para a
direita.
Ao observar as fases do desenho o professor poderá
acompanhar a evolução dos traçados gráficos da criança que
terão por finalidade última o traçado das primeiras letras.
Página 25 de 31
Conforme Mèredieu (2004), podemos resumir os quatro estágios
do desenvolvimento gráfico do desenho da criança em: realismo
fortuito, realismo fracassado, realismo intelectual e realismo
visual.
Realismo fortuito: este estágio começa por volta de dois
anos e põe fim a fase dos rabiscos. A criança que antes
desenhava sem um desejo de representação agora começa a dar
forma e nome aos objetos.
Realismo fracassado: após ter descoberto a forma dos
objetos, a criança procura reproduzir esta forma por volta dos
três/quatro anos. Aqui a criança tem a convicção de que pode
representar através do desenho tudo o que deseja. Dá aos
detalhes o grau de importância que tem para ela naquele
momento, exagerando ou omitindo partes conforme seu ponto de
vista.
UNÍNTESE
Realismo intelectual: essa fase que começa por volta dos
quatro anos caracteriza-se pelo fato da criança desenhar do
objeto não aquilo que vê, mas aquilo que sabe. Aparece a
[Capacitação em Autismo]
transparência dentro dos objetos. Desenha uma casa com os
cômodos e os objetos dentro, por exemplo. Também poderá
desenhar uma mulher grávida e o bebê aparecer em
transparência no ventre da mãe.
Realismo Visual: por volta dos oito/nove anos aparece o
fim do desenho infantil e a criança desenha o que vê. Aparecem
as especificidades e os detalhes dos desenhos, particularizando
as formas que antes eram genéricas.
Com a evolução dos rabiscos e a produção de grafismos
mais ricos e complexos surge, a partir dos três anos e meio, o
desenho do boneco girino. No começo esse boneco é quase
sempre representado pelos membros superiores fixados na
cabeça e sem tronco. Essa imagem do boneco girino permanece
por um tempo até chegar à forma convencional da figura humana.
Saindo da fase do girino, a criança começará a incluir o tronco,
porém, ainda desenhará os membros saindo da cabeça. Aos
quatro anos a criança começa a acrescentar detalhes como
dedos, orelha e umbigo. Passará a desenhar de acordo com as
influências da sua cultura e também com valor afetivo. Conforme
Página 26 de 31
Mèredieu (2004) a criança projeta no papel o seu próprio
esquema corporal, traduzindo a maneira como vive seu corpo. É
por volta dos cinco anos que a criança começa a estruturar a
figura humana com todos os seus detalhes e riquezas.
Para concluir esta breve incursão sobre o desenho infantil,
apresentaremos, a partir das postulações de Mèredieu (2004) e
Perondi et al (2001), a evolução da figura boneco, partindo do
círculo e do boneco girino até chegar à forma humana mais
evoluída:
Boneco-batata: nasce do girino de quatro membros e com
o acréscimo de um círculo que dá forma ao corpo. Os membros
saem da cabeça até tomarem sua posição ao tronco.
Boneco-estrada: derivado do girino de dois membros, os
quais formarão o corpo e os membros inferiores. Os membros
superiores aparecem acrescidos nas laterais do corpo.
UNÍNTESE
[ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] Página 27 de 31

Boneco-flor: prolongamento do girino de um só membro determinado estágio do desenho ou da escrita, mas entender a
para representar o corpo, posteriormente os membros são construção que a criança faz desde as primitivas garatujas até o
colocados nas laterais. esboço das primeiras letras.

Esse profissional precisará conhecer as fases do desenho

para analisar a produção gráfica do aluno. Caso a produção seja
primitiva para a idade, o professor deverá realizar atividades que
envolvam a noção de corpo e sua relação com o espaço,
brincadeiras como: rolar, rastejar, pular, passar por baixo de
obstáculos, desenhar o corpo no chão da quadra da escola.
Essas vivências possibilitarão a aquisição das noções de
esquema corporal, refletindo na construção do desenho, tanto de
objetos como da figura humana.

As metamorfoses sofridas pelo boneco. Fonte: MÈREDIEU, F. de. O desenho infantil. São Paulo:
É interessante salientar que a escrita surge
Cultrix, 2004, p. 34. concomitantemente com a constituição da imagem corporal.
Assim, brincadeiras de pintar e bordejar o corpo são prelúdios da
escrita: de um rosto lambuzado com tintas as cores e os rabiscos
O professor deverá compreender os sistemas de desenho “escorregam” para o papel. Essas afirmações ressaltam a

UNÍNTESE
e de escrita, bem como seus níveis de evolução para que possa importância de atividades que envolvam a pintura de partes do
ter a noção do momento gráfico em que seu aluno se encontra. corpo da criança.
Não quer dizer que tenhamos que enquadrar a criança em
[Capacitação em Autismo]
Muitas vezes observamos dificuldades nas crianças com
transtorno do espectro autista para fazer traços no papel. Dessa
forma, alguns poderão saber todas as letras, mas evitarão traçá-
las ou poderão nomear as partes do corpo, no entanto se
recusam a desenhar no papel uma figura humana. Uma
estratégia que pode ser utilizada nesses casos é oferecer jornal
para as crianças que tem dificuldade de simbolizar o corpo.
Desenhar sobre o jornal é mais produtivo porque a folha em
branco poderá ocasionar maior desorganização psíquica, pois
sua superfície branca remete ao vazio. Outra estratégia seria
utilizar folhas de papel pardo em tamanho grande colada na
parede para que a criança possa desenhar em um espaço maior
do que uma folha A4 oferece.
A escrita é outra ferramenta importante que, assim como
o desenho, poderá ser utilizada no trabalho alunos com
transtorno do espectro autista. Quando o aluno escreve tem que
fazer um intervalo, há uma linha após a outra, uma palavra após
a outra. Isso dá um ordenamento, tendo efeitos subjetivantes
nesses casos. Não é necessário um método específico de
alfabetização para esses alunos. Os pressupostos que temos
apresentado, desde o brincar até o desenho, servirão de base
Página 28 de 31
para a aquisição da escrita dos alunos. No entanto, para esses
sujeitos em particular a escrita poderá oferecer algo a mais, pois
terá valor terapêutico. Nas palavras de Bastos (2012, p. 150) é
importante:
[...] fornecer para a criança instrumentos como a
leitura e a escrita, dentro de suas possibilidades
subjetivas e cognitivas, fazendo-se uma aposta de
que esses instrumentos poderão ser úteis tanto para
reordenar o campo simbólico como para lidar com a
angústia siderativa.
A escrita poderá ser um reordenador psíquico para a
criança uma vez que através de traços, rabiscos, desenhos e
letras poderá colocar em ato parte do seu mundo simbólico nos
dando pistas de como trabalhar com suas questões psíquicas e
cognitivas.
Para finalizar as considerações acerca da inclusão escolar
de alunos com transtorno do espectro autista é pertinente
UNÍNTESE
pontuarmos alguns aspectos sobre o trabalho pedagógico. Em
relação às estereotipias, manifestações bastante observadas na
escola, o professor precisará considerá-las, dando-lhes sentido.
[ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ]
Por exemplo, o balanceio de corpo poderá ser lido como uma
dança e a música poderá ser introduzida; uma batida insistente
do apagador no quadro poderá ser vista como a tentativa de
apagar; riscos feitos de forma aleatória no quadro negro poderão
ser atribuídos sentidos de escrita. Quem sabe um simples risco
não se transforma na letra I, inicial do nome do aluno? Gestos
descompassados ou rodopios ao redor de si poderão ser
considerados estereotipias típicas do transtorno do espectro
autista ou poderão vir carregados de significado. Criar um
contexto, dar sentido, atribuir um nome às produções do aluno
fará toda a diferença. Dessa forma, aluno e professor darão vida
às suas histórias e a escola se transformará num lugar para
invenções, onde a criatividade abrirá portas para acolhermos a
todos que quiserem usufruir desse espaço à sua maneira.
O segundo ponto que devemos considerar refere-se à
resistência a alterações na rotina. O diálogo é uma ferramenta
importante para trabalhar essa dificuldade. Caso uma alteração
ocorra deverá ser explicado desde o início que algo no ambiente
sofrerá modificações. É preciso que o professor dê sentido a
essas mudanças, ouça e compreenda a angústia de seu aluno,
Página 29 de 31
colocando palavras, ressignificando cada ato, cada ajuste na
rotina.
Um exemplo do que anteriormente falamos é uma aluna
que comia com frequência iogurte na escola. Ela não consegue
compreender, não sem sofrimento, que em determinado dia não
há esse alimento. A menina chega ao refeitório, como sempre
fazia, e diz a palavra iogurte para solicitar seu lanche favorito. No
momento em que a merendeira avisa que não há, a aluna se
desorganiza: chora e joga-se no chão. A professora, então,
explica a ela que hoje não tem, mas que outro dia terá e ela
poderá comer novamente. As palavras são ditas calmamente,
nomeando esse sofrimento e explicando o que aconteceu. Nesse
sentido, é importante introduzir noções como: agora não, depois,
amanhã, espera, outro dia. Poder dar nome aos sentimentos do
aluno, dizer-lhe que compreendemos sua angústia é organizador
para eles, pois dessa forma possibilitamos que algo seja dito e
que um vazio não se instaure diante da sua dor.
UNÍNTESE
A resistência à escrita no papel é outro aspecto que poderá
ser observado no trabalho pedagógico com alguns alunos com
[Capacitação em Autismo]
transtorno do espectro autista. A introdução de algumas
alternativas contribuirá para que os traços que antes figuravam
como simples rabiscos sem direção escorreguem para o papel.
O professor poderá propor escrita em diferentes materiais como
papel pardo ou folha de jornal, no chão ou no quadro com
materiais diversos. O computador também é uma importante
ferramenta no processo de alfabetização desses alunos, pois
muitas vezes se interessam mais pela digitação do que pela
escrita no papel.
Por fim, é preciso considerar que, conforme afirmamos
anteriormente, os interesses desses alunos podem ser bastante
específicos e peculiares. Enquanto um poderá se interessar por
dinossauros, outro quem sabe permaneça durante muito tempo
jogando para cima uma garrafa pet. Outro talvez folheie revistas
insistentemente, de trás para frente e de forma sistemática sem
se deter em nenhuma página. O professor precisará acolher
esses interesses e iniciar o trabalho pedagógico por eles. Que
trabalhos poderão ser pensados a partir de dinossauros, garrafas
pets ou revistas? De que forma envolver a turma toda nessas
propostas, favorecendo a interação social? Nas salas de aula
cantinhos, nichos poderão ser construídos com materiais de
Página 30 de 31
interesse do aluno, para que possa procurá-los no momento em
que as atividades apresentadas não lhe atraírem ou a dinâmica
da sala de aula estiver lhe angustiando.
Todos esses exemplos e muitos outros poderão ser
desenvolvidos na escola para favorecer o processo de
aprendizagem dos alunos com transtorno do espectro autista.
Sabemos que o trabalho na escola nos absorve e por vezes nos
impede de vermos esses alunos nas suas especificidades. Para
tanto, há que se ter um olhar cuidadoso, procurando localizar em
cada um aquilo que os faz únicos, detentores de um estilo próprio,
uma marca que os identifique para que possam dizer a que
vieram.
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Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Área de concentração: psicologia Escolar e do Desenvolvimento
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