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CADERNOS DO CINEMA nº 7
I. O FILME
Sinopse
Uma grande história de amor, em todos os
seus sentidos: a luta; os ideais; o marido; a ma-
ternidade. Da infância burguesa na Alemanha
à morte numa das câmaras de gás de Hitler, o
filme retrata a vida e a alma da revolucionária
Olga Benário Prestes.
Filha de Eugenie Gutmann Benário, descen-
dente de uma rica família judia da alta socieda-
de, e de Leo Benário, advogado e influente per-
sonalidade do Partido Social Democrata, Olga
ingressou na Juventude Comunista aos 15 anos
e se destacou por sua destemida coragem física.
Cinco anos depois, invadiu a prisão de Moabit
e, numa ação espetacular, resgatou o professor
“vermelho” Otto Braun, acusado de traição à
pátria.
Perseguida, fugiu para Moscou. Recebeu
treinamento militar, ganhou altos postos na hie-
rarquia comunista e foi designada para uma im-
portante missão do Comintern, partido comu-
nista russo: cuidar da segurança pessoal de Luís
Carlos Prestes, revolucionário brasileiro que per-
correu, a pé, 25 mil km na luta contra a miséria
e a opressão. Perseguido, refugiou-se na União
Soviética. Sua nova missão era voltar ao Brasil
para comandar a Revolução de 1935, episódio
conhecido como a Intentona Comunista.
Em uma viagem arriscada, passando pela
Europa e Estados Unidos, Olga e Prestes se apai-
xonaram e o militar experiente e disciplinado, aos
37 anos, pela primeira vez esteve com uma mu-
lher. No Brasil, reúnem-se com outros membros
enviados pelo Comintern e, na clandestinidade,
2 ANGLO VESTIBULARES
organizam a ação, enquanto Olga tenta enten-
der as cores fortes, o sol, a música e a desconcer-
tante alegria do Brasil e compara o país ao pa-
raíso.
Em 1936, foram presos e nunca mais se vi-
ram. Entregue a Hitler pelo Governo Vargas, Ol-
ga foi deportada, grávida de sete meses. Entre
prisões e campos de concentração, teve sua fi-
lha Anita, trocou correspondências com o ma-
rido, sofreu com a solidão do cárcere e conti-
nuou pregando seus ideais de liberdade e justi-
ça social. Em 1942, foi uma das primeiras vítimas
da solução final nazista: a câmara de gás.
O thriller histórico-político de Jayme Mon-
jardim se concentra na vida de Olga nas déca-
das de 1920 a 1940: a trajetória revolucionária,
a história de amor com Prestes e a barbárie de
que foi vítima nos campos de concentração e de
extermínio nazistas.
Anita Leocádia Prestes, filha de Olga e de
Prestes, publicou na revista Nossa História (Biblio-
teca Nacional, julho de 2004), um artigo que
afirma considerar o filme de acordo com o per-
fil de sua mãe.
Ficha Técnica
e
Elenco
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Milena Toscano (Hannah) Anderson Muller (Paul Gruber)
Oscar Simch (Herr Fischer) Gilles Gzwidek (Leon Julles Valee)
Odilon Wagner (Capitão do navio) Maria Clara Fernandes (Carmem)
Eliana Guttman (Enfermeira-Chefe) Leona Cavali (Maria)
Paschoal da Conceição (Dimitri Manuilski) Eduardo Semerjian (Galvão)
Sabrina Greve (Elza Colônio) Telmo Fernandes (Bangu)
Ranieri Gonzales (Miranda) Helio Ribeiro (Padre Leopoldo)
Raul Serrador (Rodolfo Ghioldi) Edgard Amorim (Agildo Barata)
Bruno Dayrrel (Victor Barron) Zé Carlos Machado (Ministro da Guerra)
4 ANGLO VESTIBULARES
II. AS PALESTRAS
OLGA BENÁRIO, uma vida por “pelo justo,
pelo bom e pelo melhor do mundo”
Quando lançou a obra que expõe suas pesquisas sobre a saga desta heroína de
várias pátrias, escreveu Fernando Morais: “Este livro não é a minha versão sobre a vida
de Olga Benário ou sobre a revolta comunista de 1935, mas aquela que acredito ser
a versão real desses episódios”. E justificou por meio de documentos que viessem
confirmar os fatos relatados. Acontecimentos reais que nada ficam a dever à mais
imaginosa obra de ficção que um brilhante roteirista poderia montar para o cinema.
O que poderia levar uma jovem pequeno-burguesa nascida em Munique em
1908, filha de judeus e bem educada, a abandonar uma vida de regalias para abraçar
uma luta revolucionária? Segundo ela própria, foi mais a leitura dos autos de proces-
sos sofridos pelos pobres defendidos pelo pai, jurista conceituado, que a pôs a refle-
tir sobre a sociedade em que vivia. Daí para os primeiros contatos com a social-demo-
cracia alemã e a indignação com a ascensão do nazismo em seu país, nos anos vinte,
foi um curto caminho. O Putsh da Cervejaria (1924) falhou em sua cidade, mas os
confrontos de rua com os nazistas a fizeram ingressar na Juventude Comunista e en-
cantar-se com um jovem militante revolucionário de formação intelectual rígida. A fir-
meza ideológica que a fez romper com a família juntou-se, então, à paixão pelo que
Otto Braum simbolizava em seus ideais. Só uma paixão assim explica a aventura de
invadir, em 1928, a penitenciária de Moabit, em Berlim, para libertar seu herói, Otto,
no comando de um grupo de jovens armados de pistolas descarregadas. E era só o
começo, pois as perseguições policiais fizeram com que ambos fugissem para a União
Soviética atrás do sonho de construir o socialismo.
Na pátria de Stálin, Olga elevou a revolução acima de quaisquer outros objetivos
de vida. Entregou-se de corpo e alma à formação política e militar. Tornou-se oficial
de cavalaria do Exército Vermelho, era pára-quedista e cumpriu várias missões como
agente do Comissariado do Povo para Assuntos Internos (NKVD), em que se desta-
cou como a espiã Eva Krüger, a serviço de Moscou. Chegou até a se casar com um ca-
marada russo, pois tinha na política sua razão de viver.
Foi assim que, em 1934, as autoridades soviéticas encarregaram Olga de uma
perigosa missão fora da Europa. Hitler acabara de ascender ao poder na Alemanha.
E os comunistas, assim como os judeus, eram caçados como inimigos do III Reich e da
“raça superior ariana”. Olga era procurada pelas SS nazistas juntamente com outros
oposicionistas alemães. Tratava-se de acompanhar, de volta ao seu país, um ex-mili-
tar recém-ingressado no Partido Comunista do Brasil (PCB), e que se encontrava na
URSS desde 1931. Era Luiz Carlos Prestes, chamado de “Cavaleiro da Esperança”, len-
dário líder da Coluna de 1924-1927 que combatera o regime oligárquico dos latifun-
diários conservadores. No Brasil vigorava, desde o Golpe de 1930, liderado pelo caudi-
lho Getúlio Vargas, um regime burguês autoritário com projetos modernizadores. E
os comunistas viam ali um momento propício para o levante armado que levaria o
país à opção socialista. Era a hora de Prestes voltar e assumir o comando da revolução
brasileira.
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A educação refinada que a jovem havia recebido servia-lhe então para um papel
que se chocava com a vida austera escolhida. A agente do NKVD seria a falsa esposa
de um capitalista português em lua-de-mel pelos mares do mundo. Ele, o capitão
Prestes, assumia agora a farsa de ser o rico Antônio Vilar; ela, sua segurança pessoal,
era Maria Bergner Vilar, mal disfarçando o sotaque alemão. Com dinheiro bancado
por Moscou e passaportes falsos, percorreram vários países no luxo de trens e transa-
tlânticos povoados de gente rica e poderosa. Era uma ótima forma de evitar as sus-
peitas dos serviços secretos anticomunistas. Aportaram na América do Sul já em 1935,
após a lua-de-mel em Nova Iorque. O não previsto é que a virada do ano no mar
transformara a farsa em realidade. Eram marido e mulher de fato.
O que mais, além de uma paixão profunda, pode tê-la retido no Brasil? Era um
país estranho, mas que logo a cativou. Era um povo diferente, mas que a desafiava a
quebrar uma ordem social injusta. E Olga tinha
em Prestes um novo herói vivo. A preparação da
Insurreição envolveu-os ansiosamente naqueles
meses até o desfecho do golpe de novembro de
1935. Iludiram-se com pretensos apoios mil-
itares, com a popularidade do Partido e com a
eficácia dos companheiros estrangeiros enviados
para auxiliar o movimento. Iludiram-se com a fra-
queza do governo Vargas. A Insurreição foi um fra-
casso. E os responsáveis haveriam de pagar caro
pela ousadia. O que Olga não podia imaginar é
o quão caro lhe sairia a escolha.
Prestes e Olga foram presos pela polícia po-
lítica brasileira em março de 1936, no bairro do
Méyer, na periferia carioca. Vários companheiros
detidos anteriormente já estavam sendo tortura-
dos e a cabeça de Prestes havia sido posta a prê-
mio pela repressão. Se a agente comunista havia Olga Benário por ocasião de sua pri-
sido designada para proteger o agora marido, o são em 1936.
fez competentemente quando impediu que Pres-
tes fosse fuzilado pelos policiais na invasão de sua casa. Mas foi dele separada diante
de um elevador de serviço no distrito policial. E nunca mais se viram. Estava grávida,
mas não sabia. E caía então nas mãos do coronel Filinto Müller, fiel seguidor de Ge-
túlio Vargas e responsável pela Polícia Especial da ditadura. Filinto nutria ódio pessoal
contra Prestes desde os tempos da Coluna e mantinha excelentes relações com a Ges-
tapo nazista. Naqueles dias, o governo Vargas flertava com as potências liberais e as
do Eixo. Getúlio esmerava-se em agradar Hitler e Mussolini, interessado nos ganhos
econômicos que poderiam advir dessa aproximação. Foi quando despachos de Berlim
confirmaram que a prisioneira no Rio de Janeiro era ninguém menos que Olga Bená-
rio, a judia comunista procurada desde 1928.
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OFÍCIO DA EMBAIXADA BRASILEIRA EM BERLIM AO ITAMARATY:
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Três anos depois, Prestes compareceu a um comício em apoio a Vargas e à
Assembléia Constituinte, realizado no Pacaembu, São Paulo. Ao retirar-se recebeu das
mãos de um repórter da United Press um telegrama que dizia:
Berlim — As autoridades aliadas acabam de informar que entre as 200 mulheres
executadas na câmara de gás da cidade alemã de Bernburg, na Páscoa de 1942, esta-
va a senhora Olga Benário Prestes, esposa do dirigente comunista brasileiro Luís Car-
los Prestes.
A última carta enviada por Olga ao marido e à filha confirmou suas convicções:
Queridos,
Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso,
não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a minha
própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim
imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te
em meus braços ansiosos. Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças - ah, não, elas
foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tu-
do, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo.
Sua avó, em princípio, não estará muito de acordo com isso, mas logo nos entendere-
mos muito bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como o teu pai e eu
fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica... Vês, já volto a sonhar, como tantas noites,
e esqueço que esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a idéia
de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a morte.
Carlos, querido amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que
me destes? Conformar-me-ia, mesmo que não pudesse ter-te muito próximo, que teus
olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tan-
to. E estou tão agradecida à vida, por ela haver me dado a ambos. Mas o que eu gostaria
era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será pos-
sível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?
Querida Anita, meu querido marido, meu Garoto: choro debaixo das mantas para
que ninguém me ouça, pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para
suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que esforço-me para despedir-me de
vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, que-
ro viver para este futuro tão breve que me resta. De ti, aprendi, querido, o quanto signifi-
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ca a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo jus-
to, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o últi-
mo instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem:
preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente
quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último
momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais
forte amanhã. Beijo-os pela última vez.
Olga
ANGLO VESTIBULARES 9
Fachada do quartel do 3º R.I., no Rio de Ja-
neiro, após bombardeio das tropas gover-
namentais.
10 ANGLO VESTIBULARES
A transformação da Chefia de Polícia do Distrito Federal em Departamento Fe-
deral de Segurança Pública (DFSP) pelo Decreto nº 6378, de 1944, foi parte de uma
reforma do Poder Judiciário realizada durante o Estado Novo. A DESPS tornou-se en-
tão a Divisão de Polícia Política e Social, com duas delegacias, uma responsável pela
matéria política e outra pela matéria social. Essas delegacias dariam continuidade à
política de especialização dos serviços referentes à segurança pública e seguiriam orien-
tando o controle político e social após a queda de Vargas em 1945.
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Durante a República Populista (1945-1964), o ladrão da Coluna Prestes, delega-
do torturador e espião nazista, atuou no Partido Social Democrático. Em 1946 foi elei-
to senador mato-grossense. Em seguida, líder do PSD no Senado, entre 1955 e 1960.
Em 1964, apoiou os generais vitoriosos. Sua carreira política estava consagrada. Em
1965, foi um dos articuladores da ARENA, o partido político que dava sustentação ao
regime militar. Desde 1966, liderou esse partido no Senado. Em 1972, tornou-se tam-
bém presidente nacional da ARENA.
Faleceu em 1973, num acidente aéreo em Orly, próximo de Paris.
Boletim n.º 5
Acantonamento de Porto Mendes, Estado do Paraná, aos 25 de abril de
1925.
Para conhecimento desta Divisão e devida execução, publico o seguinte:
Expulsão de Oficial.
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Seja excluído do estado efetivo das forças revolucionárias o capitão Filinto
Müller, por haver, covardemente, se passado para o território argentino, dei-
xando abandonada a localidade de Foz do Iguaçu, que se achava sob a sua
guarda, resultando que as praças que compunham a mencionada guarda o
imitaram, neste gesto indigno, levando armas e munições pertencentes à Re-
volução. Oxalá que esse oficial futuramente se justifique perante seus compa-
nheiros que ainda lutam em defesa da República, dessa acusação que pesa na
sua consciência de filho desta grande Pátria.
Ass. General Miguel Costa. Comandante da 1ª Divisão Revolucionária.
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as cartas que a mãe ou mesmo Olga enviavam do exterior. Soube assim do nascimen-
to da filha Anita. Mas de Olga não recebeu mais nenhuma correspondência depois
de 1942. A última carta dela chegou anos após o fim da Guerra.
Ainda preso, foi eleito secretário-geral do PCB, em 1943. Com a queda do Esta-
do Novo, Prestes foi anistiado e solto. Apoiou a tese da “Constituinte com Getúlio”
do movimento Queremista de 1945 e teve que ouvir pelo resto da vida lhe pergun-
tarem o porquê do apoio ao algoz de sua amada. Para os comunistas, a morte de Hitler
e de Mussolini não era o fim do nazi-fascismo. Moscou recomendava aos partidos alia-
dos que apoiassem os regimes liberais e Prestes não misturou ódios pessoais com a
política partidária. Elegeu-se senador do Distrito Federal pelo PCB legalizado, com a
maior votação para a Constituinte de 1946. Em tempos de Guerra Fria, o Tribunal Su-
perior Eleitoral cassou a legalidade do PCB em 1947 e Prestes mergulhou outra vez na
clandestinidade.
Em 1952, Prestes casou-se com Maria Ribeiro, militante comunista com quem vi-
veu por 38 anos. Em 1958, após a denúncia dos crimes do estalinismo na URSS, o PCB
abraçou a tese da revolução pacífica do proletariado aliado à burguesia nacional. As
perseguições ao líder comunista foram relaxadas no governo JK e ele pôde retornar
às atividades legais. Vieram o golpe de 1964, a queda de Jango e o regime militar.
Prestes, cassado pelo AI-1, foi condenado à revelia a 14 anos de prisão. Seu crime: ser
comunista. Exilou-se, então, na URSS em 1971 e só retornou ao Brasil com a anistia do
governo Figueiredo, assinada em 1979.
Sempre seguro de suas convicções, rompeu com o PCB em 1983, por entender
que o partido abandonava os princípios marxistas–leninistas. Prestes acompanhou o
desmantelamento da União Soviética e o retorno do Brasil ao regime político liberal.
Uma leucemia o tirou da vida em 7 de março de 1990. Certa vez, ouvi (Prof. Jucenir)
um simpatizante de Prestes perguntar-lhe, ainda nos tempos da ditadura militar, co-
mo poderiam ser atingidos os objetivos a que os comunistas se propunham, visto ser
aquela uma tarefa muito difícil. Ao que Luiz Carlos Prestes respondeu:
“São mesmo tarefas muito difíceis estas que se apresentam a nós todos hoje; mas
é exatamente para enfrentar tarefas difíceis que nós somos revolucionários”.
14 ANGLO VESTIBULARES
As ditaduras revisitadas e a anistia para Anita Prestes
Após a queda do Estado Novo, em 1945, formou-se a Comissão Parlamentar
de Inquérito dos Atos Delituosos da Ditadura. A função dessa CPI era a investiga-
ção dos crimes cometidos pela polícia durante a ditadura varguista. Ocorre que a
maioria dos criminosos permaneceu nos órgãos policiais depois da extinção da Polícia
Especial. Muitos civis e militares envolvidos nas torturas e assassinatos, a exemplo de
Filinto Müller, ascenderam mesmo a postos importantes no Estado. Isto explica por-
que os levantamentos feitos entre 1946 e 1947 foram abafados e freqüentemente
caíram no esquecimento dos casos arquivados.
Dentre esses dados levantados pela CPI constam prisões arbitrárias, torturas e
“misteriosos” desaparecimentos. Os espancamentos tornaram ilustre o “pau-de-ara-
ra”, em que os presos tinham pés e mãos amarrados com os braços envolvendo as
pernas; entre os membros, era transposto um pedaço de cano ou madeira. Depois a
vítima era erguida e, nua, permanecia à mercê das sevícias dos algozes. Pauladas, quei-
maduras com pontas de cigarros, farpas sob as unhas e dentes arrancados com alica-
tes eram práticas comuns. Isso quando os torturadores também não se valiam de ma-
çaricos e choques elétricos nas partes mais sensíveis do corpo. Homens e mulheres de
quaisquer idades, além de crianças, caíram naqueles interrogatórios sangrentos. Tor-
turar esposas, namoradas, mães ou filhas dos detidos para obter informações ou con-
fissões era para muitos policiais um prazer. E os exageros cometidos freqüentemente
levavam pessoas à morte. Nesses casos, os cadáveres mutilados eram enterrados sem
identificação ou forjava-se o “suicídio” dos presos políticos.
Derrubada a ditadura, não só tais crimes permaneceram impunes, como as orga-
nizações desativadas, as pessoas envolvidas, os arquivos e os métodos — que fariam
inveja aos aparelhos secretos nazistas ou estalinistas — foram diluídos em outros or-
ganismos e disfarçados sob novas siglas para, como que adormecidos, aguardar por
serem novamente úteis sempre que os donos do poder julgassem conveniente.
Veio o golpe militar de 1964 e a nova ditadura dos generais que se estendeu até
1985. O regime de exceção dos Atos Institucionais legalizou a prática das persegui-
ções aos opositores e o Serviço Nacional de Informações (SNI) foi criado para coor-
denar a repressão a todas as organizações de esquerda, armadas ou não, que lutavam
contra o modelo econômico do “Milagre Brasileiro” dos anos 1970. Enquanto a As-
sessoria Especial de Relações Públicas da Presidência (AERPP) cuidava, nos moldes do
DIP, de divulgar o espírito do “Brasil, ame-o ou deixe-o”, a Operação Bandeirante, em
São Paulo, e os DOIs-CODIs militares ressuscitavam os porões da repressão. Cada Divi-
são de Operações e Informações (DOI) era subordinada a um Centro de Operações
de Defesa Interna (CODI) e suas ações aprimoraram a experiência sombria do Estado
Novo.
Por triste ironia, não só oposições liberais, os esquerdistas em geral e o PCB de
Prestes foram novamente vítimas dos governos militares. Dentre os perseguidos, in-
cluiu-se Anita Leocádia Benário Prestes, a filha de Olga. Seu crime: compor os quadros
do Partido Comunista Brasileiro. Criada pela avó, D. Leocádia, e pela tia Ligia Prestes,
Anita retornou ao Brasil e reencarnou o ideal revolucionário dos pais militando no
PCB. Foi indiciada num Inquérito Policial Militar por subversão em 1972. Julgada à re-
ANGLO VESTIBULARES 15
velia, foi condenada a prisão por quatro anos e seis meses. Exilou-se na União Sovié-
tica e, de volta ao país, formou-se em História, sendo hoje catedrática da UFRJ. Teve
sua vida profissional prejudicada até pela discriminação contra seu nome e, pela Lei
de Anistia em vigor, teve direito a uma indenização de R$ 100 mil.
Declarou, no entanto, que doará a quantia cedida pela Comissão de Anistia do
Ministério da Justiça ao Instituto Nacional do Câncer por discordar dos critérios ado-
tados para a indenização dos perseguidos e suas famílias. Nas suas palavras “não tem
cabimento eu receber dinheiro do governo. Sou uma pessoa que trabalha, e há out-
ros anistiados que precisam mais do que eu ser contemplados. Quando assumi deter-
minadas posições políticas, sabia das conseqüências. Isso não se paga com dinheiro,
pelo menos no meu caso. Mas não quero julgar ninguém”.
Na reedição histórica das ditaduras brasileiras do século XX, a repressão que atin-
giu Olga também caçou Anita. E estas passagens da política nacional continuam sen-
do tratadas segundo a ótica das elites dominantes, ou seja, como momentos que pro-
piciaram práticas aterradoras contra os mais elementares direitos humanos, mas que
“teriam sido necessárias e inevitáveis”. Daí a preservação dos instrumentos de repres-
são e da impunidade. Convém não fecharmos os olhos ao fato de que o fim das tor-
turas a presos políticos no Brasil não significou a abolição da tortura em nossas prisões
até os dias de hoje. Que o sacrifício de Olga sirva de exemplo e o exemplo de Anita
frutifique.
16 ANGLO VESTIBULARES
2 (UERJ/98) Não nos enganemos. So- mento popular que assumiu, durante
mos governados por uma minoria curto espaço de tempo, uma dimen-
que, proprietária das fazendas e lati- são significativa que marcou a histó-
fúndios, senhora dos meios de pro- ria social e política brasileira.
dução e apoiada nos imperialismos Trata-se do programa
estrangeiros que nos exploram e nos a) da União Democrática Nacional, de
dividem, só será dominada pela ver- 1943.
dadeira insurreição generalizada, pe- b) do Movimento Democrático Brasilei-
lo levantamento consciente das mais ro, de 1966.
vastas massas das nossas populações c) da Aliança Nacional Libertadora, de
dos sertões e das cidades (...). 1935.
(Luís Carlos Prestes. Manifesto de Maio- d) da Ação Integralista Brasileira, de
1930. Citado por CARONE, Edgar.
O tenentismo. São Paulo, Difel,1975.) 1932.
e) da Aliança Liberal, de 1930.
As palavras de Luís Carlos Prestes re-
ferem-se ao movimento que ficou co- 4 (UFMG/98) Leia o texto.
nhecido como Revolução de 1930 e “A enorme simpatia da massa popular às
tinha o seguinte significado: lutas revolucionárias de novembro, espe-
a) movimento amplo de caráter militar, cialmente em Pernambuco, Rio Grande do
aliando tenentes e povo contra o do- Norte e demais estados do nordeste [fazi-
am surgir] naturalmente os grupos guer-
mínio oligárquico rilheiros, cada dia em maior número, em
b) cisão na República do “café com lei- todo o País, especialmente no nordeste,
te”, levando à união entre as oligar- heróicos brasileiros — operários, campone-
quias paulista e gaúcha ses, soldados populares — levantam, de
c) ruptura parcial dos interesses oligár- armas nas mãos, o cartel [sic] do desafio
quicos, acarretando o fim da hege- lançado à Nação por Getúlio e seus ami-
monia política dos cafeicultores gos imperialistas. [...] A insurreição de no-
d) vitória dos interesses da burguesia in- vembro foi o início de grandes combates.
As guerrilhas são uma forma de seu pros-
dustrial, apoiando o exército na luta seguimento”.
contra os interesses oligárquicos.
Esse trecho, extraído de um folheto
3 (FGV-jan/87) “Nas condições atuais do de época, faz referência a um movi-
Brasil, frente à ameaça do mais terrível mento história do Brasil republicano
fascismo, frente à completa coloniza- provocado pelo(a)
ção do nosso país pelo imperialismo, a) embate entre getulistas e prestistas
(...) proclamamos a necessidade de um por ocasião do massacre da Coluna.
governo surgido realmente do povo b) revoltas dos comunistas com a vio-
em armas, compreendendo como um lência da reação de Getúlio ao movi-
povo a totalidade da população de um mento de 1935.
país, com exclusão somente dos agen- c) denúncia de que o movimento de li-
tes do imperialismo e da minoria insig- bertação nacional preparava a morte
nificante que os segue.” de Getúlio.
Este fragmento exprime a ideologia d) desejo de Getúlio de se aliar aos na-
presente no programa de um movi- cional — libertadores para combater
o imperialismo.
ANGLO VESTIBULARES 17
TEXTO PARA A QUESTÃO 5 tamancos batiam firmes no chão mo-
vediço. Doía-me saber que essas rijas
“Uma noite chegaram-nos gri-
manifestações não teriam nenhum
tos medonhos do pavilhão dos pri-
efeito no exterior. As duas mulheres
mários, informações confusas de vo-
sairiam do Brasil se a covardia nacio-
zes numerosas. Aplicando o ouvido,
nal as quisesse entregar ao assassino
percebemos que Olga Prestes e Elisa
estrangeiro. A idéia repelida voltava:
Berger iam ser entregues à Gestapo:
enfraquecia o desejo de amortecê-la.
àquela hora tentavam arrancá-las da
Para que buscar a gente enganar-se?
sala 4. As mulheres resistiam, e perto
Eram capazes de tudo. O rumor cres-
os homens se desmandavam em ter-
cia, as vozes aumentavam. Em ligei-
rível barulho. Tinham recebido aviso,
ras pausas nessa borrasca inútil, en-
e daí o furioso protesto, embora a po-
garrafada, chegavam-nos informes
lícia jurasse que haveria apenas mu-
que, para ser compreensíveis a tal dis-
dança de prisão.
tância, vinham, julguei, dos pulmões,
— Mudança de prisão para a
poderosos como foles, do tremendo
Alemanha, bandidos.
Lacerdão. Nesses hiatos visitava-me a
Frases incompletas erguiam-se
esperança de que os bichos antipáti-
no tumulto, suspenso às vezes com a
cos se houvessem retirado.
transmissão de pormenores. Isso du-
(...) Olga Prestes, casada com
rou muito. Pancadas secas nos mos-
brasileiro, estava grávida. Teria filho
travam de longe homens fortes ba-
entre inimigos, numa cadeia. Ou tal-
lançando varões de grades, tentando
vez morresse antes do parto. A sub-
quebrar fechaduras. No dia seguinte
serviência das autoridades reles a um
vários cubículos estariam arrombados,
despotismo longínquo enchia-me de
imprestáveis algum tempo. Na sala da
tristeza e vergonha. Almas de escra-
capela um rumor de cortiço zangado
vos, infames; adulação torpe à dita-
cresceu rápido, aumentou a algazar-
dura ignóbil. Nasceria longe uma cri-
ra. Apesar da manifestação ruidosa,
ança, envolta nas brumas do Norte;
inclinava-me a recusar a notícia: inad-
ventos gelados lhe magoariam a car-
missível. Sentado na cama, pensei
ne trêmula e roxa. Miséria — e nessa
com horror em campos de concen-
miséria abatimento profundo.
tração, fornos crematórios, câmaras
(...) Outras figuras em roda per-
de gases. Iriam a semelhante misé-
maneciam inertes como eu, cabisbai-
ria? A exaltação dominava os espíri-
xas, olhos no chão. Carlos Prestes iso-
tos em redor de mim. Brados lamen-
lado, estaria assim, mas ignorava as
tosos, gestos desvairados, raiva impo-
ameaças à companheira. Chegar-lhe-
tente, desespero, rostos convulsos na
ia aos ouvidos um som confuso do
indignação. Um pequeno tenente so-
imenso clamor. De que se tratava?
luçava, em tremura espasmódica:
Pegaria um livro, mergulharia no es-
— Vão levar Olga Prestes.
tudo vagaroso e tenaz. A vozeria aba-
(...)
fada não tinha para ele significação.
Em roda entraram a sacudir as
E passaria meses sem poder inteirar-
persianas velhas, jogaram no pátio as
se da enorme desgraça. O tenente
moringas: privaram-nos de água. Os
gemia, e as palavras invariáveis pare-
18 ANGLO VESTIBULARES
ciam ter apagado as outras, escorrega- 5 O texto acima foi extraído de uma
vam num soluço: obra publicada em 1953, logo após a
— Vão levar Olga Prestes. morte de seu autor. Narrativa amar-
(...) As horas arrastavam-se, va- ga, testemunha com fidelidade as tor-
garosas, a balbúrdia aumentava um turas e privações dos presos políticos
pouco, diminuía. Em frente à sala 4, a durante a ditadura do Estado Novo.
policia jurava que as duas vítimas não a) Qual foi essa obra e quem é seu au-
sairiam do Brasil. A promessa nos era tor?
transmitida com hiatos, abafada e rou- b) Como se posiciona o narrador diante
ca. Espaçavam-se os gritos, as forças dos trágicos acontecimentos políticos?
minguavam, não se prolongaria a re-
sistência. Resposta
Tarde, a matilha sugeriu um a- a) Memórias do Cárcere, de Graciliano
cordo: Olga e Elisa seriam acompa- Ramos.
nhadas por amigos, nenhum mal b) O narrador se posiciona como ser hu-
lhes fariam. Aceita a proposta, arru- mano que sente e se revolta com os
maram a bagagem, partiram juntas acontecimentos à sua volta. Como se
a Campos da Paz Filho e Maria percebe pela leitura dos fragmentos
Werneck. Ardil grosseiro. Apartaram- da referida obra (cap. 20), transcritos
nos lá fora. Campos da Paz e Maria acima, Graciliano faz um emocionado
Werneck regressaram logo ao pavi- relato, mostrando-se indignado ao sa-
lhão dos primários. Olga Prestes e ber que Olga Benário Prestes, sua com-
Elisa Berger nunca mais foram vis- panheira de presídio, judia e grávida, ia
tas. Soubemos depois que tinham ser entregue pelo Governo Vargas à
sido assassinadas num campo de con- Gestapo de Hitler. O Brasil não podia
centração na Alemanha.” fazer isso com ela.
ANGLO VESTIBULARES 19
anglo
VESTIBULARES
Cadernos do Cinema
• nº 1 (setembro/2003): O Filho da Noiva
• nº 2 (outubro/2003): Paulinho da Viola — Meu tempo é hoje
• nº 3 (abril/2004): Adeus, Lênin!
• nº 4 (maio/2004): Janela da Alma
• nº 5 (junho/2004): Raízes do Brasil
• nº 6 (agosto/2004): Pelé eterno
• nº 7 (setembro/2004): Olga
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