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CADERNOS DO CINEMA nº 7

I. O FILME
Sinopse
Uma grande história de amor, em todos os
seus sentidos: a luta; os ideais; o marido; a ma-
ternidade. Da infância burguesa na Alemanha
à morte numa das câmaras de gás de Hitler, o
filme retrata a vida e a alma da revolucionária
Olga Benário Prestes.
Filha de Eugenie Gutmann Benário, descen-
dente de uma rica família judia da alta socieda-
de, e de Leo Benário, advogado e influente per-
sonalidade do Partido Social Democrata, Olga
ingressou na Juventude Comunista aos 15 anos
e se destacou por sua destemida coragem física.
Cinco anos depois, invadiu a prisão de Moabit
e, numa ação espetacular, resgatou o professor
“vermelho” Otto Braun, acusado de traição à
pátria.
Perseguida, fugiu para Moscou. Recebeu
treinamento militar, ganhou altos postos na hie-
rarquia comunista e foi designada para uma im-
portante missão do Comintern, partido comu-
nista russo: cuidar da segurança pessoal de Luís
Carlos Prestes, revolucionário brasileiro que per-
correu, a pé, 25 mil km na luta contra a miséria
e a opressão. Perseguido, refugiou-se na União
Soviética. Sua nova missão era voltar ao Brasil
para comandar a Revolução de 1935, episódio
conhecido como a Intentona Comunista.
Em uma viagem arriscada, passando pela
Europa e Estados Unidos, Olga e Prestes se apai-
xonaram e o militar experiente e disciplinado, aos
37 anos, pela primeira vez esteve com uma mu-
lher. No Brasil, reúnem-se com outros membros
enviados pelo Comintern e, na clandestinidade,

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organizam a ação, enquanto Olga tenta enten-
der as cores fortes, o sol, a música e a desconcer-
tante alegria do Brasil e compara o país ao pa-
raíso.
Em 1936, foram presos e nunca mais se vi-
ram. Entregue a Hitler pelo Governo Vargas, Ol-
ga foi deportada, grávida de sete meses. Entre
prisões e campos de concentração, teve sua fi-
lha Anita, trocou correspondências com o ma-
rido, sofreu com a solidão do cárcere e conti-
nuou pregando seus ideais de liberdade e justi-
ça social. Em 1942, foi uma das primeiras vítimas
da solução final nazista: a câmara de gás.
O thriller histórico-político de Jayme Mon-
jardim se concentra na vida de Olga nas déca-
das de 1920 a 1940: a trajetória revolucionária,
a história de amor com Prestes e a barbárie de
que foi vítima nos campos de concentração e de
extermínio nazistas.
Anita Leocádia Prestes, filha de Olga e de
Prestes, publicou na revista Nossa História (Biblio-
teca Nacional, julho de 2004), um artigo que
afirma considerar o filme de acordo com o per-
fil de sua mãe.

Ficha Técnica
e
Elenco

Título Original: Olga (Brasil, 2004, 141min, Elenco


cor) Camila Morgado (Olga Benário)
Gênero: drama Caco Ciocler (Luís Carlos Prestes)
Estúdio: Globo Filmes, Nexus Cinema e Fernanda Montenegro (D. Leocádia Prestes)
Vídeo, Europa Filmes e Lumière Luís Mello (Leo Benário)
Distribuição: Lumière Eliane Giardini (Eugénie Benário)
Direção: Jayme Monjardim Jandira Martini (Sarah)
Roteiro: Rita Buzzar, baseado em Mariana Lima (Lígia Prestes)
livro de Fernando Morais Renata Jesion (Elise Ewert Sabo)
Produção: Rita Buzzar Werner Schünemann (Arthur Ewert)
Música: Marcus Vianna Guilherme Weber (Otto Braun)
Fotografia: Ricardo della Rosa Osmar Prado (Getúlio Vargas)
Direção de Arte: Tiza de Oliveira Floriano Peixoto (Filinto Müller)
Figurino: Paulo Lois Murilo Rosa (Estevan)
Edição: Pedro Amorim José Dumont (Manuel)

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Milena Toscano (Hannah) Anderson Muller (Paul Gruber)
Oscar Simch (Herr Fischer) Gilles Gzwidek (Leon Julles Valee)
Odilon Wagner (Capitão do navio) Maria Clara Fernandes (Carmem)
Eliana Guttman (Enfermeira-Chefe) Leona Cavali (Maria)
Paschoal da Conceição (Dimitri Manuilski) Eduardo Semerjian (Galvão)
Sabrina Greve (Elza Colônio) Telmo Fernandes (Bangu)
Ranieri Gonzales (Miranda) Helio Ribeiro (Padre Leopoldo)
Raul Serrador (Rodolfo Ghioldi) Edgard Amorim (Agildo Barata)
Bruno Dayrrel (Victor Barron) Zé Carlos Machado (Ministro da Guerra)

Depoimento de Jayme Monjardim, o diretor

“Comecei a vida profissional com um documentá-


rio sobre minha mãe, Maysa, e produzi muitos cur-
tas. Mas posso dizer que minha experiência na TV,
em muitas tramas históricas, me deu agilidade. So-
bre o estilo, inicialmente fiquei em conflito, pensei
em elaborar algo diferente de tudo o que eu já ti-
nha feito. Mas logo percebi que prevalecia minha es-
tética pessoal, que são os closes, mas alternando
com as cenas grandiosas. Se isso é cinema ou tele-
visão, pouco me importa. É assim que eu sei fazer e
fiquei satisfeito. Tanto que fotografei toda a filma-
gem e a transformei num livro.
O que se chama de TV cinematográfica é a tele-
visão menos viciada, que busca mais ângulos, mais
opções e vai atrás de um conceito, seja novela, seja
minissérie. São diretores que buscam belas loca-
ções, grandes tomadas e acabam fazendo também
algo mais autoral.
O filme é atual quando fala de violência, de injus-
tiça social, problemas que persistem. A fala de Olga
antes de ser deportada, questionando se o Brasil
queria ser mudado, é muito presente ainda, na
minha opinião. Preferi dar ênfase à emoção, não à
política, mas acho que através desse discurso emo-
cional se chega à questão do desejo de mudança
que eles tinham. Além disso, acredito que Olga tem
muito a mostrar a cada mulher. Todas têm alguma
coisa de Olga, dessa força, mesmo que não saibam.
Essa história me fascinou desde o início, sempre
tive interesse em filmá-la. A História brasileira é
repleta de grandes mulheres e suas vidas ainda são
pouco exploradas. Sem a obra de Fernando Mo-
rais, Olga não existiria para o mundo.”

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II. AS PALESTRAS
OLGA BENÁRIO, uma vida por “pelo justo,
pelo bom e pelo melhor do mundo”
Quando lançou a obra que expõe suas pesquisas sobre a saga desta heroína de
várias pátrias, escreveu Fernando Morais: “Este livro não é a minha versão sobre a vida
de Olga Benário ou sobre a revolta comunista de 1935, mas aquela que acredito ser
a versão real desses episódios”. E justificou por meio de documentos que viessem
confirmar os fatos relatados. Acontecimentos reais que nada ficam a dever à mais
imaginosa obra de ficção que um brilhante roteirista poderia montar para o cinema.
O que poderia levar uma jovem pequeno-burguesa nascida em Munique em
1908, filha de judeus e bem educada, a abandonar uma vida de regalias para abraçar
uma luta revolucionária? Segundo ela própria, foi mais a leitura dos autos de proces-
sos sofridos pelos pobres defendidos pelo pai, jurista conceituado, que a pôs a refle-
tir sobre a sociedade em que vivia. Daí para os primeiros contatos com a social-demo-
cracia alemã e a indignação com a ascensão do nazismo em seu país, nos anos vinte,
foi um curto caminho. O Putsh da Cervejaria (1924) falhou em sua cidade, mas os
confrontos de rua com os nazistas a fizeram ingressar na Juventude Comunista e en-
cantar-se com um jovem militante revolucionário de formação intelectual rígida. A fir-
meza ideológica que a fez romper com a família juntou-se, então, à paixão pelo que
Otto Braum simbolizava em seus ideais. Só uma paixão assim explica a aventura de
invadir, em 1928, a penitenciária de Moabit, em Berlim, para libertar seu herói, Otto,
no comando de um grupo de jovens armados de pistolas descarregadas. E era só o
começo, pois as perseguições policiais fizeram com que ambos fugissem para a União
Soviética atrás do sonho de construir o socialismo.
Na pátria de Stálin, Olga elevou a revolução acima de quaisquer outros objetivos
de vida. Entregou-se de corpo e alma à formação política e militar. Tornou-se oficial
de cavalaria do Exército Vermelho, era pára-quedista e cumpriu várias missões como
agente do Comissariado do Povo para Assuntos Internos (NKVD), em que se desta-
cou como a espiã Eva Krüger, a serviço de Moscou. Chegou até a se casar com um ca-
marada russo, pois tinha na política sua razão de viver.
Foi assim que, em 1934, as autoridades soviéticas encarregaram Olga de uma
perigosa missão fora da Europa. Hitler acabara de ascender ao poder na Alemanha.
E os comunistas, assim como os judeus, eram caçados como inimigos do III Reich e da
“raça superior ariana”. Olga era procurada pelas SS nazistas juntamente com outros
oposicionistas alemães. Tratava-se de acompanhar, de volta ao seu país, um ex-mili-
tar recém-ingressado no Partido Comunista do Brasil (PCB), e que se encontrava na
URSS desde 1931. Era Luiz Carlos Prestes, chamado de “Cavaleiro da Esperança”, len-
dário líder da Coluna de 1924-1927 que combatera o regime oligárquico dos latifun-
diários conservadores. No Brasil vigorava, desde o Golpe de 1930, liderado pelo caudi-
lho Getúlio Vargas, um regime burguês autoritário com projetos modernizadores. E
os comunistas viam ali um momento propício para o levante armado que levaria o
país à opção socialista. Era a hora de Prestes voltar e assumir o comando da revolução
brasileira.

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A educação refinada que a jovem havia recebido servia-lhe então para um papel
que se chocava com a vida austera escolhida. A agente do NKVD seria a falsa esposa
de um capitalista português em lua-de-mel pelos mares do mundo. Ele, o capitão
Prestes, assumia agora a farsa de ser o rico Antônio Vilar; ela, sua segurança pessoal,
era Maria Bergner Vilar, mal disfarçando o sotaque alemão. Com dinheiro bancado
por Moscou e passaportes falsos, percorreram vários países no luxo de trens e transa-
tlânticos povoados de gente rica e poderosa. Era uma ótima forma de evitar as sus-
peitas dos serviços secretos anticomunistas. Aportaram na América do Sul já em 1935,
após a lua-de-mel em Nova Iorque. O não previsto é que a virada do ano no mar
transformara a farsa em realidade. Eram marido e mulher de fato.
O que mais, além de uma paixão profunda, pode tê-la retido no Brasil? Era um
país estranho, mas que logo a cativou. Era um povo diferente, mas que a desafiava a
quebrar uma ordem social injusta. E Olga tinha
em Prestes um novo herói vivo. A preparação da
Insurreição envolveu-os ansiosamente naqueles
meses até o desfecho do golpe de novembro de
1935. Iludiram-se com pretensos apoios mil-
itares, com a popularidade do Partido e com a
eficácia dos companheiros estrangeiros enviados
para auxiliar o movimento. Iludiram-se com a fra-
queza do governo Vargas. A Insurreição foi um fra-
casso. E os responsáveis haveriam de pagar caro
pela ousadia. O que Olga não podia imaginar é
o quão caro lhe sairia a escolha.
Prestes e Olga foram presos pela polícia po-
lítica brasileira em março de 1936, no bairro do
Méyer, na periferia carioca. Vários companheiros
detidos anteriormente já estavam sendo tortura-
dos e a cabeça de Prestes havia sido posta a prê-
mio pela repressão. Se a agente comunista havia Olga Benário por ocasião de sua pri-
sido designada para proteger o agora marido, o são em 1936.
fez competentemente quando impediu que Pres-
tes fosse fuzilado pelos policiais na invasão de sua casa. Mas foi dele separada diante
de um elevador de serviço no distrito policial. E nunca mais se viram. Estava grávida,
mas não sabia. E caía então nas mãos do coronel Filinto Müller, fiel seguidor de Ge-
túlio Vargas e responsável pela Polícia Especial da ditadura. Filinto nutria ódio pessoal
contra Prestes desde os tempos da Coluna e mantinha excelentes relações com a Ges-
tapo nazista. Naqueles dias, o governo Vargas flertava com as potências liberais e as
do Eixo. Getúlio esmerava-se em agradar Hitler e Mussolini, interessado nos ganhos
econômicos que poderiam advir dessa aproximação. Foi quando despachos de Berlim
confirmaram que a prisioneira no Rio de Janeiro era ninguém menos que Olga Bená-
rio, a judia comunista procurada desde 1928.

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OFÍCIO DA EMBAIXADA BRASILEIRA EM BERLIM AO ITAMARATY:

Berlim, 24 de abril de 1936.


Nº 145. Confidencial.
A propaganda comunista no Brasil.
(...) Depois de apuradas syndicancias o serviço secreto alemão informou-me
ter pedido identificar Maria Prestes que ahi se intitula esposa de Luiz Carlos Prestes.
(...) 6. Pelas informações agora obtidas, e como referi no meu telegrama
nº 40, Olga Meirelles, Olga Villar, Maria Bergner ou Maria Prestes, citada nos jornaes
brasileiros como esposa de Luiz Carlos Prestes, pode ser identificada como sendo
Olga Benario, agente comunista da III Internacional deveras efficiente, de grande
intelligencia e coragem.
Olga Benario é de raça israelita tendo nascido em 12 de Fevereiro de 1908,
em Munich, na Baviera. Desde o ano de 1925 que Olga Benario é conhecida da po-
lícia alemã...

De nada adiantaram os protestos dos companheiros presos e os pedidos encam-


inhados a Getúlio Vargas para que Olga não fosse deportada para a Alemanha. Em
28 de agosto os jornais noticiavam que
“O presidente da República assinou decreto na pasta de Justiça expulsando do
território nacional, por se ter constituído elemento nocivo aos interesses do país e pe-
rigosa à ordem pública a alemã Maria Bergner Vilar, que também usa os nomes de
Frieda Wolf Behrendt, Olga Bergner, Olga Meireles, Eva Kruger, Maria Prestes e Olga
Benario”.
Era um presente de Vargas a Hitler. E uma revanche pessoal de Filinto Müller con-
tra o capitão que o expulsara da Coluna Prestes.
Após a gestação da criança que viria a nascer num hospital-prisão de Berlim,
Olga foi separada da filha, Anita Leocádia, e enviada para os campos de concentração
de Lichtenburg e de Ravensbrück, onde milhares de prisioneiros do nazismo serviam
de mão-de-obra escrava para algumas das grandes indústrias alemãs. Forças progres-
sistas mobilizaram-se mundo afora numa campanha pela libertação de Olga e de
Prestes. No caso dela, foi particularmente impor-
tante a ação incansável da mãe de Prestes, D.
Leocádia, e do advogado Heráclito Sobral Pinto.
Conseguiram salvar a pequena Anita sob a ale-
gação de sua paternidade brasileira. Cabe lem-
brar que o Brasil ainda não havia rompido rela-
ções com a Alemanha e os nazistas almejavam o
apoio brasileiro no confronto com os Aliados. Ol-
ga, porém, após quase seis anos de martírios no
holocausto nazista, foi enviada para o “hospital
psiquiátrico” de Bernburg, na verdade, um cam-
po de extermínio. Foi executada na câmara de A pequena Anita com a avó, D. Leo-
gás em 1942. cádia, após ter-lhe sido entregue pe-
la GESTAPO em 1938.

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Três anos depois, Prestes compareceu a um comício em apoio a Vargas e à
Assembléia Constituinte, realizado no Pacaembu, São Paulo. Ao retirar-se recebeu das
mãos de um repórter da United Press um telegrama que dizia:
Berlim — As autoridades aliadas acabam de informar que entre as 200 mulheres
executadas na câmara de gás da cidade alemã de Bernburg, na Páscoa de 1942, esta-
va a senhora Olga Benário Prestes, esposa do dirigente comunista brasileiro Luís Car-
los Prestes.

Câmara de gás em que Olga foi executada no “hospital psiquiátrico” de Bernburg.

A última carta enviada por Olga ao marido e à filha confirmou suas convicções:
Queridos,
Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso,
não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a minha
própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim
imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te
em meus braços ansiosos. Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças - ah, não, elas
foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tu-
do, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo.
Sua avó, em princípio, não estará muito de acordo com isso, mas logo nos entendere-
mos muito bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como o teu pai e eu
fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica... Vês, já volto a sonhar, como tantas noites,
e esqueço que esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a idéia
de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a morte.
Carlos, querido amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que
me destes? Conformar-me-ia, mesmo que não pudesse ter-te muito próximo, que teus
olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tan-
to. E estou tão agradecida à vida, por ela haver me dado a ambos. Mas o que eu gostaria
era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será pos-
sível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?
Querida Anita, meu querido marido, meu Garoto: choro debaixo das mantas para
que ninguém me ouça, pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para
suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que esforço-me para despedir-me de
vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, que-
ro viver para este futuro tão breve que me resta. De ti, aprendi, querido, o quanto signifi-

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ca a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo jus-
to, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o últi-
mo instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem:
preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente
quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último
momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais
forte amanhã. Beijo-os pela última vez.
Olga

Foto de Anita enviada em 1941


a Olga, presa em Ravensbrück.

A Insurreição de 1935 e a repressão getulista


A radicalização política vivida no entre-guerras (1918-1939) teve sua versão bra-
sileira expressa no surgimento da Ação Integralista Brasileira, em 1932, e na Aliança
Nacional Libertadora de 1935. Aquela se constituía em partido de extrema direita,
com suas propostas totalitárias e conservadoras e a ANL mobilizava uma frente popu-
lar antilatifundiária e antiimperialista. Nesse quadro, o primeiro semestre de 1935 fi-
cou marcado por violentos confrontos de rua entre as duas facções num clima de in-
segurança e boatos golpistas. Valendo-se do clamor da sociedade pela “ordem públi-
ca”, o governo Vargas cassou a legalidade da ANL em julho e os esquerdistas incon-
formados com a opção direitista que se esboçava se articularam pelo contra-golpe
que viria a ser a revolta armada de novembro.
Na conspiração militar oriundos da esquerda tenentista, como o capitão Agildo
Barata, uniram-se à direção do Partido Comunista do Brasil. E nessa ligação destacou-
se Luiz Carlos Prestes, na ocasião líder dos dois grupos. Exilado na URSS, Prestes con-
tou com a colaboração do Comintern que escalou uma equipe de agentes para apoio
ao movimento no Brasil. Todos iludidos com a possibilidade de derrubar Getúlio e to-
mar o poder para iniciar a construção do socialismo no país.
A polícia política de Vargas tinha informantes infiltrados no movimento golpista
e não teve dificuldades para preparar a repressão. O levante militar ocorreu entre 25
e 27 de novembro de 1935, com choques violentos entre rebeldes e legalistas, sobre-
tudo nas cidades de Recife, Natal e na Capital Federal. Foi imediatamente decretado
o estado de sítio sob o qual o país permaneceu até o golpe de 10 de novembro de
1937. E o regime pôde, então, protagonizar uma das maiores perseguições a oposito-
res já vistas no Brasil.

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Fachada do quartel do 3º R.I., no Rio de Ja-
neiro, após bombardeio das tropas gover-
namentais.

O texto a seguir, do CPDOC-FGV, faz um histórico dos órgãos repressivos criados


a partir daquela época:
“A Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS) foi criada em 10 de
janeiro de 1933 pelo Decreto nº 22 332 com o objetivo de entrever e coibir comporta-
mentos políticos divergentes, considerados capazes de comprometer“ ordem e a se-
gurança pública”. Era diretamente subordinada à Chefia de Polícia do Distrito Federal
e possuía uma tropa de elite, a Polícia Especial, popularmente conhecida como os
“cabeças de tomate”, em alusão à boina vermelha de seu uniforme. Constavam de
suas atribuições examinar publicações nacionais e estrangeiras e manter dossiês de to-
das as organizações políticas e de indivíduos considerados suspeitos.
A DESPS serviu de modelo para a criação de delegacias estaduais, já que à Chefia
de Polícia do Distrito Federal cabia determinar as diretrizes básicas do controle social
a ser exercido pelas polícias dos estados, ainda que estas fossem formalmente subor-
dinadas aos governos locais. Para essa centralização foi decisiva a atuação de Filinto
Müller, homem de confiança de Vargas e chefe de polícia do DF de 1933 a 1942.
Os antecedentes institucionais da polícia política criada na Era Vargas remonta-
vam ao início do século. Três órgãos se sucederam a partir de 1907; o mais famoso
deles foi a 4ª Delegacia Auxiliar, criada em 1922 e da qual a DESPS herdou as funções.
As atividades da polícia política iriam se intensificar em meados da década de 1930,
sob o pretexto de combater manifestações perturbadoras da ordem. O rápido cresci-
mento da ANL — Aliança Nacional Libertadora — justificou a promulgação, em 4 de
abril de 1935, da Lei de Segurança Nacional, definindo crimes contra a ordem políti-
ca e social. Em seguida, a revolta comunista de novembro serviu para justificar o au-
mento da ação repressiva contra todos aqueles que possuíssem vínculos reais ou pre-
sumidos com o Partido Comunista do Brasil e o comunismo internacional.
A instauração do Estado Novo em 1937, o levante integralista de 1938 e o de-
senrolar da II Guerra Mundial reforçaram a tendência de criminalizar toda e qualquer
dissidência política em relação ao governo. Juntaram-se assim aos comunistas, como
alvo das ações repressivas, os integralistas e os “estrangeiros nocivos”, considerados
difusores de “ideologias exóticas”.

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A transformação da Chefia de Polícia do Distrito Federal em Departamento Fe-
deral de Segurança Pública (DFSP) pelo Decreto nº 6378, de 1944, foi parte de uma
reforma do Poder Judiciário realizada durante o Estado Novo. A DESPS tornou-se en-
tão a Divisão de Polícia Política e Social, com duas delegacias, uma responsável pela
matéria política e outra pela matéria social. Essas delegacias dariam continuidade à
política de especialização dos serviços referentes à segurança pública e seguiriam orien-
tando o controle político e social após a queda de Vargas em 1945.

Os “Cabeças de Tomate” e o terror de Estado


Filinto Müller nasceu em Cuiabá, em 1900. Fez o curso militar no Rio de Janeiro.
Tornou-se oficial e participou das revoltas Tenentistas de 1924. Quando se iniciava a
Coluna Miguel Costa-Prestes, em Guairá, o capitão Filinto Müller debandou para a
Argentina com vários subordinados, levando consigo o dinheiro sob sua guarda. Por
isso foi expulso da Coluna. Voltou para o Brasil em 1927 e permaneceu preso durante
dois anos. Participou da Revolução de 1930. Durante o regime getulista, apresentou
sua tenebrosa face.
Em 1932, foi nomeado delegado especial da Segurança Política e Social do Dis-
trito Federal e chefe de Polícia, cargos que ocupou até 1942. Nesse período, teve des-
tacada participação na política do Mato Grosso. Em 1935, comandou a repressão à
Aliança Nacional Libertadora e, graças aos seus agentes infiltrados no PCB, informou
o Comando Militar do Rio de Janeiro das preparações do Levante Comunista de no-
vembro de 1935. Depois desta insurreição, manteve contato intenso com a polícia re-
pressiva de Hitler e com o FBI americano. O resultado foi espantoso: em 1936 já havia
mais de dez mil presos políticos no Brasil. Com o Estado de Guerra decretado, insta-
lou-se o regime do terror. Nos porões da repressão a tortura era tolerada, estimulada
e protegida. Getúlio escreveu para Oswaldo Aranha: Filinto era “incansável... sereno
e persistente..., obtendo resultados felizes sem necessidade de excesso”. Assim co-
meçava a tragédia de Olga Benário Prestes.
Em 27 de setembro de 1937, participou de uma reunião no gabinete do Ministro
da Guerra, general Dutra, com membros do alto comando, quando se finalizavam os
preparativos do golpe político-militar que criou o Estado Novo. Três dias depois o ge-
neral Góis Monteiro divulgava o Plano Cohen, farsa escrita pelo capitão Olimpio Mou-
rão Filho.
Durante a ditadura, esteve alinhado ao grupo militar
afinado com o Eixo. Em 1942, o governo decidiu apoiar os
Aliados: foram afastados do núcleo do poder vários setores
que nutriam simpatias pelo nazi-fascismo. Filinto Muller de-
mitiu-se da chefia de Polícia. Logo depois, foi nomeado ofi-
cial de gabinete do ministro da Guerra (Dutra). Com a que-
da do Estado Novo, foi acusado de ser espião nazista no
Brasil pelo governo dos EUA. Foi inocentado pela Comissão
Parlamentar de Inquérito porque contava com poderosos
protetores. Major Filinto Müller em
farda de gala (1943).

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Durante a República Populista (1945-1964), o ladrão da Coluna Prestes, delega-
do torturador e espião nazista, atuou no Partido Social Democrático. Em 1946 foi elei-
to senador mato-grossense. Em seguida, líder do PSD no Senado, entre 1955 e 1960.
Em 1964, apoiou os generais vitoriosos. Sua carreira política estava consagrada. Em
1965, foi um dos articuladores da ARENA, o partido político que dava sustentação ao
regime militar. Desde 1966, liderou esse partido no Senado. Em 1972, tornou-se tam-
bém presidente nacional da ARENA.
Faleceu em 1973, num acidente aéreo em Orly, próximo de Paris.

LUIZ CARLOS PRESTES, uma vida pelo ideal revolucionário


Por várias vezes o capitão repetiu: “a insurreição de 1935 foi o maior erro políti-
co da história do PCB”. Partido que havia sido fundado em 1922, quando Prestes nem
sonhava com o comunismo. Jorge Amado o chamou de “cavaleiro da esperança” des-
de que comandou, com outros expoentes do Tenentismo, a marcha da Coluna Pres-
tes. Naqueles difíceis anos vinte, os jovens militares, revoltados com a situação social
do país, conheceram, em sua marcha de mais de 24 mil quilômetros pelo interior,
uma realidade de miséria, exploração e opressão. A coluna não conseguiu derrubar o
regime dos coronéis, mas deixou marcas profundas na formação política de muitos
daqueles oficiais.
Filho de militar, o menino Luiz Carlos nasceu em Porto Alegre em 3 de janeiro de
1898. Perdeu o pai ainda criança e ingressou na carreira militar para formar-se em
engenharia. Teve entre os colegas de turma Eduardo Gomes, Juarez Távora e Siqueira
Campos com quem dividiria a liderança do movimento tenentista posteriormente.
Não participou do levante dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922, porque esta-
va hospitalizado com tifo. Mas era ativo componente dos debates políticos travados
no Clube Militar. A febre que o livrou do confronto de 22 não impediu que o gover-
no o punisse pelas conspirações; o capitão foi, então, transferido para o Batalhão Fer-
roviário de Santo Ângelo, na região das Missões gaúchas. Suas preocupações com o
analfabetismo dos soldados, obrigando-os a estudar, valeram-lhe o respeito e fideli-
dade dos comandados. Ao saber da eclosão da Revolução de 1924 em São Paulo, co-
mandada pelo major Miguel Costa e pelo general Isidoro Dias Lopes, Prestes levantou
seus homens contra as tropas do marechal Rondon e partiu ao encontro dos cama-
radas paulistas. Da junção das duas revoltas nasceu a Coluna Miguel Costa-Prestes,
que lutou de 1924 a 1927.
Nesse processo é que Prestes, como lugar-tenente do general Miguel Costa,
recomendou a expulsão do então capitão Filinto Müller, assim expedida:

Boletim n.º 5
Acantonamento de Porto Mendes, Estado do Paraná, aos 25 de abril de
1925.
Para conhecimento desta Divisão e devida execução, publico o seguinte:
Expulsão de Oficial.

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Seja excluído do estado efetivo das forças revolucionárias o capitão Filinto
Müller, por haver, covardemente, se passado para o território argentino, dei-
xando abandonada a localidade de Foz do Iguaçu, que se achava sob a sua
guarda, resultando que as praças que compunham a mencionada guarda o
imitaram, neste gesto indigno, levando armas e munições pertencentes à Re-
volução. Oxalá que esse oficial futuramente se justifique perante seus compa-
nheiros que ainda lutam em defesa da República, dessa acusação que pesa na
sua consciência de filho desta grande Pátria.
Ass. General Miguel Costa. Comandante da 1ª Divisão Revolucionária.

Sem apoio para prosseguir lutando, os combatentes marcharam para a Bolívia,


onde depuseram suas armas e dissolveram a coluna. Somente no exílio, Prestes teve
os primeiros contatos com leituras marxistas. Foi procurado por Astrogildo Pereira e
dirigentes do PCB que lhe ofereceram as propostas da revolução comunista. Foi, en-
tão, se aproximando do socialismo antes mesmo de ingressar no partido. Este, aliás,
não apoiava sua entrada, pois era visto por muitos comunistas como um pequeno-bur-
guês alienado e distante dos interesses do proletariado.
Em 1930, recusou a oferta feita por Getúlio Vargas para assumir a chefia militar
da revolução. No Manifesto de Maio, Prestes denunciou o “programa anódino” da
Aliança Liberal e defendeu o levante popular con-
tra o imperialismo anglo-americano e seus aliados
latifundiários. Preso na Argentina, conseguiu nego-
ciar sua ida para a União Soviética, e partiu em
outubro de 1931. Estudando o marxismo e trabal-
hando como engenheiro em Moscou, Prestes foi
finalmente admitido como membro do PCB, em
1934.
No retorno clandestino ao Brasil, acompan-
hado de Olga Benário, Prestes foi eleito presidente
de honra da Aliança Nacional Libertadora, a ANL.
Foi a cassação da legalidade da ANL que precipitou
os militares e líderes esquerdistas ao golpismo da
Intentona de 1935. Com o fracasso do levante, Pres-
tes e Olga refugiaram-se numa casa situada na Rua Prestes em Montevidéu (1931),
Honório, 279, no Meyer; ali, em 5 de março de 1936 quando de sua partida para Mos-
foram presos pela Polícia Especial de Filinto Müller. cou.
A tortura de Prestes foi ouvir de sua cela soli-
tária os gritos dos companheiros supliciados nas celas vizinhas, sem nada poder fazer,
saber da deportação de Olga para a Alemanha, e acompanhar o golpe de estado de
1937 que instaurou a ditadura do Estado Novo no Brasil. A “justiça” varguista conde-
nou-o a 48 anos de prisão. Os mesmos tribunais a que o advogado dos comunistas,
Dr. Sobral Pinto, invocou a lei de proteção aos animais para tentar amenizar as tortu-
ras infligidas a Arthur Ewert, codinome Harry Berger. Este companheiro de partido mor-
reu enlouquecido pelos sofrimentos na cadeia. Eventualmente, permitiam-lhe receber

ANGLO VESTIBULARES 13
as cartas que a mãe ou mesmo Olga enviavam do exterior. Soube assim do nascimen-
to da filha Anita. Mas de Olga não recebeu mais nenhuma correspondência depois
de 1942. A última carta dela chegou anos após o fim da Guerra.
Ainda preso, foi eleito secretário-geral do PCB, em 1943. Com a queda do Esta-
do Novo, Prestes foi anistiado e solto. Apoiou a tese da “Constituinte com Getúlio”
do movimento Queremista de 1945 e teve que ouvir pelo resto da vida lhe pergun-
tarem o porquê do apoio ao algoz de sua amada. Para os comunistas, a morte de Hitler
e de Mussolini não era o fim do nazi-fascismo. Moscou recomendava aos partidos alia-
dos que apoiassem os regimes liberais e Prestes não misturou ódios pessoais com a
política partidária. Elegeu-se senador do Distrito Federal pelo PCB legalizado, com a
maior votação para a Constituinte de 1946. Em tempos de Guerra Fria, o Tribunal Su-
perior Eleitoral cassou a legalidade do PCB em 1947 e Prestes mergulhou outra vez na
clandestinidade.

Prestes em campanha de apoio a Getúlio em 1945.

Em 1952, Prestes casou-se com Maria Ribeiro, militante comunista com quem vi-
veu por 38 anos. Em 1958, após a denúncia dos crimes do estalinismo na URSS, o PCB
abraçou a tese da revolução pacífica do proletariado aliado à burguesia nacional. As
perseguições ao líder comunista foram relaxadas no governo JK e ele pôde retornar
às atividades legais. Vieram o golpe de 1964, a queda de Jango e o regime militar.
Prestes, cassado pelo AI-1, foi condenado à revelia a 14 anos de prisão. Seu crime: ser
comunista. Exilou-se, então, na URSS em 1971 e só retornou ao Brasil com a anistia do
governo Figueiredo, assinada em 1979.
Sempre seguro de suas convicções, rompeu com o PCB em 1983, por entender
que o partido abandonava os princípios marxistas–leninistas. Prestes acompanhou o
desmantelamento da União Soviética e o retorno do Brasil ao regime político liberal.
Uma leucemia o tirou da vida em 7 de março de 1990. Certa vez, ouvi (Prof. Jucenir)
um simpatizante de Prestes perguntar-lhe, ainda nos tempos da ditadura militar, co-
mo poderiam ser atingidos os objetivos a que os comunistas se propunham, visto ser
aquela uma tarefa muito difícil. Ao que Luiz Carlos Prestes respondeu:
“São mesmo tarefas muito difíceis estas que se apresentam a nós todos hoje; mas
é exatamente para enfrentar tarefas difíceis que nós somos revolucionários”.

14 ANGLO VESTIBULARES
As ditaduras revisitadas e a anistia para Anita Prestes
Após a queda do Estado Novo, em 1945, formou-se a Comissão Parlamentar
de Inquérito dos Atos Delituosos da Ditadura. A função dessa CPI era a investiga-
ção dos crimes cometidos pela polícia durante a ditadura varguista. Ocorre que a
maioria dos criminosos permaneceu nos órgãos policiais depois da extinção da Polícia
Especial. Muitos civis e militares envolvidos nas torturas e assassinatos, a exemplo de
Filinto Müller, ascenderam mesmo a postos importantes no Estado. Isto explica por-
que os levantamentos feitos entre 1946 e 1947 foram abafados e freqüentemente
caíram no esquecimento dos casos arquivados.
Dentre esses dados levantados pela CPI constam prisões arbitrárias, torturas e
“misteriosos” desaparecimentos. Os espancamentos tornaram ilustre o “pau-de-ara-
ra”, em que os presos tinham pés e mãos amarrados com os braços envolvendo as
pernas; entre os membros, era transposto um pedaço de cano ou madeira. Depois a
vítima era erguida e, nua, permanecia à mercê das sevícias dos algozes. Pauladas, quei-
maduras com pontas de cigarros, farpas sob as unhas e dentes arrancados com alica-
tes eram práticas comuns. Isso quando os torturadores também não se valiam de ma-
çaricos e choques elétricos nas partes mais sensíveis do corpo. Homens e mulheres de
quaisquer idades, além de crianças, caíram naqueles interrogatórios sangrentos. Tor-
turar esposas, namoradas, mães ou filhas dos detidos para obter informações ou con-
fissões era para muitos policiais um prazer. E os exageros cometidos freqüentemente
levavam pessoas à morte. Nesses casos, os cadáveres mutilados eram enterrados sem
identificação ou forjava-se o “suicídio” dos presos políticos.
Derrubada a ditadura, não só tais crimes permaneceram impunes, como as orga-
nizações desativadas, as pessoas envolvidas, os arquivos e os métodos — que fariam
inveja aos aparelhos secretos nazistas ou estalinistas — foram diluídos em outros or-
ganismos e disfarçados sob novas siglas para, como que adormecidos, aguardar por
serem novamente úteis sempre que os donos do poder julgassem conveniente.
Veio o golpe militar de 1964 e a nova ditadura dos generais que se estendeu até
1985. O regime de exceção dos Atos Institucionais legalizou a prática das persegui-
ções aos opositores e o Serviço Nacional de Informações (SNI) foi criado para coor-
denar a repressão a todas as organizações de esquerda, armadas ou não, que lutavam
contra o modelo econômico do “Milagre Brasileiro” dos anos 1970. Enquanto a As-
sessoria Especial de Relações Públicas da Presidência (AERPP) cuidava, nos moldes do
DIP, de divulgar o espírito do “Brasil, ame-o ou deixe-o”, a Operação Bandeirante, em
São Paulo, e os DOIs-CODIs militares ressuscitavam os porões da repressão. Cada Divi-
são de Operações e Informações (DOI) era subordinada a um Centro de Operações
de Defesa Interna (CODI) e suas ações aprimoraram a experiência sombria do Estado
Novo.
Por triste ironia, não só oposições liberais, os esquerdistas em geral e o PCB de
Prestes foram novamente vítimas dos governos militares. Dentre os perseguidos, in-
cluiu-se Anita Leocádia Benário Prestes, a filha de Olga. Seu crime: compor os quadros
do Partido Comunista Brasileiro. Criada pela avó, D. Leocádia, e pela tia Ligia Prestes,
Anita retornou ao Brasil e reencarnou o ideal revolucionário dos pais militando no
PCB. Foi indiciada num Inquérito Policial Militar por subversão em 1972. Julgada à re-

ANGLO VESTIBULARES 15
velia, foi condenada a prisão por quatro anos e seis meses. Exilou-se na União Sovié-
tica e, de volta ao país, formou-se em História, sendo hoje catedrática da UFRJ. Teve
sua vida profissional prejudicada até pela discriminação contra seu nome e, pela Lei
de Anistia em vigor, teve direito a uma indenização de R$ 100 mil.
Declarou, no entanto, que doará a quantia cedida pela Comissão de Anistia do
Ministério da Justiça ao Instituto Nacional do Câncer por discordar dos critérios ado-
tados para a indenização dos perseguidos e suas famílias. Nas suas palavras “não tem
cabimento eu receber dinheiro do governo. Sou uma pessoa que trabalha, e há out-
ros anistiados que precisam mais do que eu ser contemplados. Quando assumi deter-
minadas posições políticas, sabia das conseqüências. Isso não se paga com dinheiro,
pelo menos no meu caso. Mas não quero julgar ninguém”.
Na reedição histórica das ditaduras brasileiras do século XX, a repressão que atin-
giu Olga também caçou Anita. E estas passagens da política nacional continuam sen-
do tratadas segundo a ótica das elites dominantes, ou seja, como momentos que pro-
piciaram práticas aterradoras contra os mais elementares direitos humanos, mas que
“teriam sido necessárias e inevitáveis”. Daí a preservação dos instrumentos de repres-
são e da impunidade. Convém não fecharmos os olhos ao fato de que o fim das tor-
turas a presos políticos no Brasil não significou a abolição da tortura em nossas prisões
até os dias de hoje. Que o sacrifício de Olga sirva de exemplo e o exemplo de Anita
frutifique.

JUCENIR DA SILVA ROCHA / ARTUR LESSA


Professores de História do Sistema Anglo de Ensino

III. A PROVA DO FILME II. propagar um conjunto de refor-


mas políticas, visando ao fim da
dominação das oligarquias.
III. desencadear uma transformação
socioeconômica, a partir da extin-
ção da propriedade privada.
Está(ão) correta(s) a(s) afirmação(ões):
a) apenas I.
1 (UF S. Maria/2000) A Coluna Prestes
b) apenas II.
(1924-26) pretendia
c) apenas III.
I. realizar uma guerra de movimen-
d) apenas I e II.
to pelo interior do Brasil, baseada
e) apenas II e III.
no modelo cubano.

16 ANGLO VESTIBULARES
2 (UERJ/98) Não nos enganemos. So- mento popular que assumiu, durante
mos governados por uma minoria curto espaço de tempo, uma dimen-
que, proprietária das fazendas e lati- são significativa que marcou a histó-
fúndios, senhora dos meios de pro- ria social e política brasileira.
dução e apoiada nos imperialismos Trata-se do programa
estrangeiros que nos exploram e nos a) da União Democrática Nacional, de
dividem, só será dominada pela ver- 1943.
dadeira insurreição generalizada, pe- b) do Movimento Democrático Brasilei-
lo levantamento consciente das mais ro, de 1966.
vastas massas das nossas populações c) da Aliança Nacional Libertadora, de
dos sertões e das cidades (...). 1935.
(Luís Carlos Prestes. Manifesto de Maio- d) da Ação Integralista Brasileira, de
1930. Citado por CARONE, Edgar.
O tenentismo. São Paulo, Difel,1975.) 1932.
e) da Aliança Liberal, de 1930.
As palavras de Luís Carlos Prestes re-
ferem-se ao movimento que ficou co- 4 (UFMG/98) Leia o texto.
nhecido como Revolução de 1930 e “A enorme simpatia da massa popular às
tinha o seguinte significado: lutas revolucionárias de novembro, espe-
a) movimento amplo de caráter militar, cialmente em Pernambuco, Rio Grande do
aliando tenentes e povo contra o do- Norte e demais estados do nordeste [fazi-
am surgir] naturalmente os grupos guer-
mínio oligárquico rilheiros, cada dia em maior número, em
b) cisão na República do “café com lei- todo o País, especialmente no nordeste,
te”, levando à união entre as oligar- heróicos brasileiros — operários, campone-
quias paulista e gaúcha ses, soldados populares — levantam, de
c) ruptura parcial dos interesses oligár- armas nas mãos, o cartel [sic] do desafio
quicos, acarretando o fim da hege- lançado à Nação por Getúlio e seus ami-
monia política dos cafeicultores gos imperialistas. [...] A insurreição de no-
d) vitória dos interesses da burguesia in- vembro foi o início de grandes combates.
As guerrilhas são uma forma de seu pros-
dustrial, apoiando o exército na luta seguimento”.
contra os interesses oligárquicos.
Esse trecho, extraído de um folheto
3 (FGV-jan/87) “Nas condições atuais do de época, faz referência a um movi-
Brasil, frente à ameaça do mais terrível mento história do Brasil republicano
fascismo, frente à completa coloniza- provocado pelo(a)
ção do nosso país pelo imperialismo, a) embate entre getulistas e prestistas
(...) proclamamos a necessidade de um por ocasião do massacre da Coluna.
governo surgido realmente do povo b) revoltas dos comunistas com a vio-
em armas, compreendendo como um lência da reação de Getúlio ao movi-
povo a totalidade da população de um mento de 1935.
país, com exclusão somente dos agen- c) denúncia de que o movimento de li-
tes do imperialismo e da minoria insig- bertação nacional preparava a morte
nificante que os segue.” de Getúlio.
Este fragmento exprime a ideologia d) desejo de Getúlio de se aliar aos na-
presente no programa de um movi- cional — libertadores para combater
o imperialismo.

ANGLO VESTIBULARES 17
TEXTO PARA A QUESTÃO 5 tamancos batiam firmes no chão mo-
vediço. Doía-me saber que essas rijas
“Uma noite chegaram-nos gri-
manifestações não teriam nenhum
tos medonhos do pavilhão dos pri-
efeito no exterior. As duas mulheres
mários, informações confusas de vo-
sairiam do Brasil se a covardia nacio-
zes numerosas. Aplicando o ouvido,
nal as quisesse entregar ao assassino
percebemos que Olga Prestes e Elisa
estrangeiro. A idéia repelida voltava:
Berger iam ser entregues à Gestapo:
enfraquecia o desejo de amortecê-la.
àquela hora tentavam arrancá-las da
Para que buscar a gente enganar-se?
sala 4. As mulheres resistiam, e perto
Eram capazes de tudo. O rumor cres-
os homens se desmandavam em ter-
cia, as vozes aumentavam. Em ligei-
rível barulho. Tinham recebido aviso,
ras pausas nessa borrasca inútil, en-
e daí o furioso protesto, embora a po-
garrafada, chegavam-nos informes
lícia jurasse que haveria apenas mu-
que, para ser compreensíveis a tal dis-
dança de prisão.
tância, vinham, julguei, dos pulmões,
— Mudança de prisão para a
poderosos como foles, do tremendo
Alemanha, bandidos.
Lacerdão. Nesses hiatos visitava-me a
Frases incompletas erguiam-se
esperança de que os bichos antipáti-
no tumulto, suspenso às vezes com a
cos se houvessem retirado.
transmissão de pormenores. Isso du-
(...) Olga Prestes, casada com
rou muito. Pancadas secas nos mos-
brasileiro, estava grávida. Teria filho
travam de longe homens fortes ba-
entre inimigos, numa cadeia. Ou tal-
lançando varões de grades, tentando
vez morresse antes do parto. A sub-
quebrar fechaduras. No dia seguinte
serviência das autoridades reles a um
vários cubículos estariam arrombados,
despotismo longínquo enchia-me de
imprestáveis algum tempo. Na sala da
tristeza e vergonha. Almas de escra-
capela um rumor de cortiço zangado
vos, infames; adulação torpe à dita-
cresceu rápido, aumentou a algazar-
dura ignóbil. Nasceria longe uma cri-
ra. Apesar da manifestação ruidosa,
ança, envolta nas brumas do Norte;
inclinava-me a recusar a notícia: inad-
ventos gelados lhe magoariam a car-
missível. Sentado na cama, pensei
ne trêmula e roxa. Miséria — e nessa
com horror em campos de concen-
miséria abatimento profundo.
tração, fornos crematórios, câmaras
(...) Outras figuras em roda per-
de gases. Iriam a semelhante misé-
maneciam inertes como eu, cabisbai-
ria? A exaltação dominava os espíri-
xas, olhos no chão. Carlos Prestes iso-
tos em redor de mim. Brados lamen-
lado, estaria assim, mas ignorava as
tosos, gestos desvairados, raiva impo-
ameaças à companheira. Chegar-lhe-
tente, desespero, rostos convulsos na
ia aos ouvidos um som confuso do
indignação. Um pequeno tenente so-
imenso clamor. De que se tratava?
luçava, em tremura espasmódica:
Pegaria um livro, mergulharia no es-
— Vão levar Olga Prestes.
tudo vagaroso e tenaz. A vozeria aba-
(...)
fada não tinha para ele significação.
Em roda entraram a sacudir as
E passaria meses sem poder inteirar-
persianas velhas, jogaram no pátio as
se da enorme desgraça. O tenente
moringas: privaram-nos de água. Os
gemia, e as palavras invariáveis pare-

18 ANGLO VESTIBULARES
ciam ter apagado as outras, escorrega- 5 O texto acima foi extraído de uma
vam num soluço: obra publicada em 1953, logo após a
— Vão levar Olga Prestes. morte de seu autor. Narrativa amar-
(...) As horas arrastavam-se, va- ga, testemunha com fidelidade as tor-
garosas, a balbúrdia aumentava um turas e privações dos presos políticos
pouco, diminuía. Em frente à sala 4, a durante a ditadura do Estado Novo.
policia jurava que as duas vítimas não a) Qual foi essa obra e quem é seu au-
sairiam do Brasil. A promessa nos era tor?
transmitida com hiatos, abafada e rou- b) Como se posiciona o narrador diante
ca. Espaçavam-se os gritos, as forças dos trágicos acontecimentos políticos?
minguavam, não se prolongaria a re-
sistência. Resposta
Tarde, a matilha sugeriu um a- a) Memórias do Cárcere, de Graciliano
cordo: Olga e Elisa seriam acompa- Ramos.
nhadas por amigos, nenhum mal b) O narrador se posiciona como ser hu-
lhes fariam. Aceita a proposta, arru- mano que sente e se revolta com os
maram a bagagem, partiram juntas acontecimentos à sua volta. Como se
a Campos da Paz Filho e Maria percebe pela leitura dos fragmentos
Werneck. Ardil grosseiro. Apartaram- da referida obra (cap. 20), transcritos
nos lá fora. Campos da Paz e Maria acima, Graciliano faz um emocionado
Werneck regressaram logo ao pavi- relato, mostrando-se indignado ao sa-
lhão dos primários. Olga Prestes e ber que Olga Benário Prestes, sua com-
Elisa Berger nunca mais foram vis- panheira de presídio, judia e grávida, ia
tas. Soubemos depois que tinham ser entregue pelo Governo Vargas à
sido assassinadas num campo de con- Gestapo de Hitler. O Brasil não podia
centração na Alemanha.” fazer isso com ela.

IV. SUGESTÕES PARA LEITURA


MORAIS, Fernando. Olga. São Paulo, Ed. Companhia das Letras, 2004.
MORAES, Dênis de. Prestes com a Palavra. Campo Grande / MS, Letra Livre Ed., 1997.
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da Ilusão. A Revolução Mundial e o Brasil 1922
— 1935. São Paulo, Cia. das Letras, 1991.
RAMOS, Graciliano. Memórias do Cárcere. Rio de Janeiro, Record, 1986.

ANGLO VESTIBULARES 19
anglo
VESTIBULARES

Coordenação do projeto: RENAN Garcia Miranda


Apoio estratégico: ERNESTO Mircea Birner
Pesquisa: José Carlos Pires de MOURA (Supervisor de História);
Palestra: JUCENIR da Silva Rocha (História); ARTUR Lessa (História)
Edição: DÁCIO Antônio de Castro
Criação gráfica: ANGLO MULTIMÍDIA
Composição e Impressão: GRÁFICA EDITORA ANGLO
Marketing: ANTONIO Joaquim da Silva Filho
MARCO ANTÔNIO Gabriades
TATIANA Gabriades
Coordenação Geral: NICOLAU Marmo
Direção: Emílio GABRIADES e GUILHERME Faiguenboim

Coordenação: PATRÍCIA Durães e IVETE Lima Beraldi


Apoio técnico: JOSÉ dos Santos

Cadernos do Cinema
• nº 1 (setembro/2003): O Filho da Noiva
• nº 2 (outubro/2003): Paulinho da Viola — Meu tempo é hoje
• nº 3 (abril/2004): Adeus, Lênin!
• nº 4 (maio/2004): Janela da Alma
• nº 5 (junho/2004): Raízes do Brasil
• nº 6 (agosto/2004): Pelé eterno
• nº 7 (setembro/2004): Olga

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