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de Sri Aurobindo
Partes V a VII
Editora Shakti
O Yoga de Sri Aurobindo
Partes V a VII
1ª Edição Eletrônica
Julho de 2012
Tradução do livro
Pondicherry, India
Nota da Editora
Nolini Kanta Gupta, um dos primeiros e mais antigos discípulos de Sri Aurobindo
e d’A Mãe, nasceu no dia 13 de janeiro de 1889 em Faridpur, a leste de Bengala,
Índia. Quando jovem, participou do movimento de libertação da Índia, ao lado de
Sri Aurobindo.
Ele faleceu no dia 7 de fevereiro de 1984, às 16:42 horas, em seu quarto no Ash-
ram de Sri Aurobindo, com a idade de noventa e cinco anos. Seu corpo foi enter-
rado no cemitério de Casanove, uma propriedade do Ashram, na manhã do dia 9
de fevereiro.
Parte V ..................................................................................................... 11
NA ORIGEM DA IGNORÂNCIA ............................................................... 11
MÉDICO, CURA-TE A TI MESMO ........................................................... 12
O CORPO NATURAL .............................................................................. 14
A MEDIDA DO TEMPO .......................................................................... 16
O HOMEM, O PROTÓTIPO .................................................................... 17
O PAPEL DO MAL .................................................................................. 20
O HOMEM E O SUPER HOMEM ............................................................ 21
VERDADEIRA CARIDADE ....................................................................... 24
VARIEDADES DE EXPERIÊNCIA RELIGIOSA ............................................. 26
CRIANÇAS E MENTALIDADE INFANTIL................................................... 28
A ALMA DE UMA NAÇÃO ...................................................................... 31
A ALMA E SUA JORNADA ...................................................................... 33
Parte VI .................................................................................................... 42
O FIM DE UMA CIVILIZAÇÃO ................................................................. 42
DA ESCURIDÃO PARA A LUZ.................................................................. 45
TIPOS DE MEDITAÇÃO .......................................................................... 46
O SER CONSCIENTE ............................................................................... 49
A HISTÓRIA DA CRIAÇÃO ...................................................................... 50
A TERRA, UM SÍMBOLO ........................................................................ 52
TOTAL TRANSFORMAÇÃO EXIGE TOTAL REJEIÇÃO ............................... 52
O INDIVÍDUO E O COLETIVO ................................................................. 53
COMO ESPERAR.................................................................................... 55
FADIGA E TRABALHO ............................................................................ 56
OS PASSOS DA ALMA ............................................................................ 58
A EXPANSÃO DA CONSCIÊNCIA DO CORPO .......................................... 61
O CORPO, O AGENTE OCULTO .............................................................. 63
A REALIZAÇÃO INTEGRAL ..................................................................... 64
SEMPRE VERDE..................................................................................... 65
UMA PÁGINA DE HISTÓRIA OCULTA ..................................................... 67
MUDANÇA DIRIGIDA ............................................................................ 68
O VALOR DA GINÁSTICA MENTAL OU OUTRA QUALQUER.................... 70
O SILÊNCIO MENTAL ............................................................................. 70
MENTE, ÓRGÃO DA CONSCIÊNCIA SEPARATIVA ................................... 73
O PESSOAL E O IMPESSOAL .................................................................. 74
"NÃO TENHO NADA, NÃO SOU NADA" ................................................. 75
AQUI OU EM OUTRO LUGAR ................................................................ 76
QUANDO A IMPERFEIÇÃO É MAIOR QUE A PERFEIÇÃO ........................ 77
A ALMA INDIVIDUAL E A COLETIVA ...................................................... 78
A MARAVILHA DE TUDO ISSO ............................................................... 79
APRENDER E COMPREENDER ............................................................... 80
A VINDA DO SUPER-HOMEM ................................................................ 81
EM DIREÇÃO À REDENÇÃO ................................................................... 82
DOCES LÁGRIMAS SAGRADAS .............................................................. 85
IDENTIFICAÇÃO DE CONSCIÊNCIA......................................................... 86
A CONSCIÊNCIA CENTRAL ..................................................................... 89
OS CONSTANTES DO ESPÍRITO.............................................................. 90
O TRABALHADOR DESPRENDIDO .......................................................... 91
SEGUNDA VISÃO .................................................................................. 91
A MÃE SOBRE SI MESMA ...................................................................... 94
PARTE VII .................................................................................................. 96
REALIZAÇÃO, PASSADA E FUTURA ........................................................ 96
O UNIVERSO EM ESPIRAL ..................................................................... 98
ESTE UNIVERSO EM EXPANSÃO .......................................................... 100
O MUNDO SERPENTE ......................................................................... 102
ESTE MISTÉRIO DA EXISTÊNCIA .......................................................... 102
O REGISTRO DA HISTÓRIA DO MUNDO .............................................. 103
LIBERDADE E DESTINO........................................................................ 105
A VERDADE DIVINA — SEU NOME E SUA FORMA ............................... 107
A IGNORÂNCIA SIMBÓLICA................................................................. 108
DOENÇAS E ACIDENTES ...................................................................... 109
O PROBLEMA DO MAL ........................................................................ 113
ESTA FEIÚRA NO MUNDO ................................................................... 116
A JUSTIÇA DIVINA ............................................................................... 117
O SOFRIMENTO DIVINO ...................................................................... 119
O DESGOSTO DIVINO .......................................................................... 121
COISAS SIGNIFICANTES E COISAS INSIGNIFICANTES ........................... 123
POR QUE ESQUECEMOS COISAS? ....................................................... 123
COMO LIVRAR-SE DE PENSAMENTOS DESAGRADÁVEIS ..................... 124
MÁ FORMAÇÃO DE PENSAMENTO ..................................................... 125
POR QUE OS SONHOS SÃO ESQUECIDOS? .......................................... 129
SOBRE OCULTISMO ............................................................................ 130
MISTICISMO E OCULTISMO ................................................................ 133
MEDITAÇÃO E ALGUMAS PERGUNTAS ............................................... 135
MEDITAÇÃO E MEDITAÇÃO ................................................................ 137
PRECE E ASPIRAÇÃO ........................................................................... 139
OFERENDA E ENTREGA ....................................................................... 141
IGUALDADE DO CORPO — IGUALDADE DA ALMA .............................. 142
O ESFORÇO E VONTADE PESSOAIS ..................................................... 143
COMO SENTIR QUE PERTENCEMOS AO DIVINO ................................. 144
SINCERIDADE É VITÓRIA ..................................................................... 146
IMAGENS DE DEUSES E DEUSAS ......................................................... 148
OS CENTROS YÓGUICOS ..................................................................... 149
O INTERIOR E O EXTERIOR .................................................................. 152
E ESTA RAZÃO ÁGIL ............................................................................ 152
A FORÇA DA CONSCIÊNCIA DO CORPO ............................................... 153
O CORPO E O PSÍQUICO ...................................................................... 154
O SER PSÍQUICO - ALGUNS MISTÉRIOS ............................................... 159
VIDAS PASSADAS E O SER PSÍQUICO ................................................... 164
O SER HOMOGÊNEO ........................................................................... 165
SERVIÇO HUMANO E SERVIÇO DIVINO ............................................... 167
A FAMÍLIA DIVINA .............................................................................. 170
A NATUREZA E O DESTINO DA ARTE ................................................... 171
MÚSICA — SUA ORIGEM E NATUREZA ............................................... 175
MÚSICA — INDIANA E EUROPEIA ....................................................... 178
ESPECIALIZAÇÃO ................................................................................ 179
ESBOÇO DA VIDA DA MÃE ...................................................................... 181
ESBOÇO DA VIDA DE SRI AUROBINDO .................................................... 183
ENDEREÇOS PARA OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES.................................. 185
11
PARTE V
NA ORIGEM DA IGNORÂNCIA
1
N.E.: segundas intenções
12 PARTE V
Não é que a humanidade não saiba nem sinta a necessidade de uma mudan-
ça radical em si. Em todo lugar, o homem reconhece que, se os problemas e as
dificuldades com os quais se defronta têm que ser resolvidos satisfatoriamente,
deve haver uma completa revisão de sua perspectiva e natureza; não meramen-
te remendar os sinais e sintomas superficiais de uma doença orgânica através de
paliativos, expedientes e panaceias, mas com uma operação de maior importân-
cia. De fato, se deseja ser curado, ele deve transcender sua natureza presente e
ser alguma coisa mais.
E contudo, ele não muda. Não tem a vontade sincera de mudar. Pelo menos,
segue o caminho errado para isso. E a razão é que ele não adota, sem restrição,
o curso que sabe ser o único certo. Está dividido em seu ser; uma parte sabe
realmente, mas a outra, a maior, a parte dinâmica, não se aproveita desse
conhecimento, ignora-o e segue uma trilha oposta, a trilha habitual da ignorân-
cia e do laissez-faire.
Sem dúvida, já deveria ter sido provado que não é isso que ocorre. O único
modo de curar o mundo fora, é curar-se primeiro dentro. O antigo provérbio
ainda é válido: o macrocosmo é apenas uma ampliação do microcosmo. O
microcosmo é o macrocosmo em miniatura. O universo é uma transcrição, uma
projeção, em escala maior, da natureza interior do indivíduo. O que está lá, está
aqui e o que não está aqui, não é encontrado lá. Quando vemos algum erro no
mundo, algo que deve ser retificado, se, em vez de corrermos para fora e ten-
tarmos resolvê-lo no campo externo, se nos contivéssemos e olhássemos para
dentro, certamente acharíamos, talvez para nossa surpresa e nosso esclareci-
mento, um movimento muito semelhante, frequentemente uma réplica exata,
em nossa própria consciência e nosso caráter, daquilo que encontramos no
movimento anônimo maior da natureza e da sociedade. Bem, podemos argu-
mentar que quase não temos nenhum controle sobre nossa natureza, que o
mundo exterior está além do nosso alcance e não podemos organizá-lo ou mol-
dá-lo como queremos. Mas o mundo menor que somos nós, não está tão longe
e nem é tão grande para nós. Nossa própria natureza individual e caráter são
nossos, e nos foram dados poder e liberdade suficientes para reformá-los, reno-
vá-los e refazê-los como quisermos. Isto é o segredo, embora pareça ser uma
verdade muito simples, quase um truísmo.
2
N.E.: rei preguiçoso, indolente, inativo.
14 PARTE V
E quando ele tiver feito isso, quando se tiver salvado, através disso salvará
também o mundo à sua volta. A medida do sucesso interior será a medida do
sucesso exterior.
O CORPO NATURAL
nismo humano, entre estes dois tiranos. O vital age através da voracidade, da
repulsa e atração, impulso para o excesso (algumas vezes para seu oposto, a pri-
vação). Ao que está acostumado e ao que satisfaz seu capricho, ele se agarra, e
se o corpo não cumprir o que ele prescreve, lança-lhe a sugestão de que cairá
doente. A mente física tem suas próprias noções e esquemas, ideias e planos
favoritos (talvez tirados daquilo que tenha lido em livros ou ouvido de pessoas)
a respeito das necessidades do corpo. Ela pensa que se uma determinada pres-
crição não for seguida, o corpo sofrerá. A mente e o vital são íntimos amigos e
cúmplices em condicionar o corpo. Impõem-lhe suas próprias exigências e pre-
conceitos, e o corpo, desamparado acaba por emaranhar-se neles e perde seu
instinto natural. O corpo, deixado a si mesmo, é maravilhosamente autocons-
ciente; sabe espontânea e infalivelmente o que é bom para sua saúde e força.
Geralmente os animais, em especial aqueles da floresta, ainda conservam intac-
to este instinto do corpo, pois não têm nenhuma mente para tiranizá-los, nem
seu vital é da espécie que vai contra as exigências normais do corpo. O corpo,
isolado da mente e do vital, pode facilmente escolher a qualidade certa e a
quantidade exata de comida e até mesmo variá-las de acordo com as condições
variantes do corpo. Bom senso é um atributo inerente à consciência do corpo;
nunca erra do ponto de vista de excesso e imoderação ou perversidade. O vital é
dramático, a mente imaginativa, mas o corpo é a própria sanidade. E isto não é
um sinal de sua inconsciência ou inércia. A imobilidade apática e surda de que é
algumas vezes acusado, talvez seja uma forma de autodefesa contra as divaga-
ções desenfreadas da mente e do vital, que tão frequentemente o solicitam para
emprestar seu apoio. Na verdade, pode bem ser que a acusação de que a "carne
é fraca", seja apenas uma opinião ou sugestão imposta ao corpo pelo vital-
mental que lança toda a culpa no corpo, só para fugir de sua responsabilidade. O
vital é impaciente e barulhento, e se for pressionado e coagido — em direção à
execução e realização físicas — torna-se normalmente confuso, perturbado,
obscurecido e duplamente distorcido, quando aconselhado e apoiado por uma
mente estreita e superficial, que não enxerga um palmo adiante do nariz, limita-
da por uma moldura de noções emprestadas e incorretas.
O corpo, exatamente por causa de sua natureza negativa, sua inércia surda,
como é chamada, precisamente porque não tem nenhum problema próprio a
resolver, como não tem fantasias e impulsos, planos e esquemas dos quais pos-
sa se orgulhar, precisamente por causa de sua inocência infantil, tem uma plas-
ticidade formidável e uma estabilidade calma, quando não é perturbado pela
mente ou pelo vital. Na verdade, as qualidades divinas que estão ocultas no cor-
po, que ele procura conservar e expressar, são as de harmonia estável, de esta-
bilidade e de equilíbrio, capazes de suportar o peso total de todos os níveis de
consciência, desde o pico mais alto aos abismos mais baixos, assim como fisica-
16 PARTE V
A MEDIDA DO TEMPO
Quando se diz que a Realização está decretada, será que isto significa tam-
bém que o tempo para ela tenha sido fixado? Se assim for, todo esforço indivi-
dual e de liberdade de ação parecem fora de cogitação, tornando-se irrelevan-
tes, nem apressando, nem retardando o processo. O que acontece é um pouco
diferente, nem tão simples, nem tão drástico.
Quando as coisas são dispostas desta maneira, a coisa certa no lugar certo, é
que a perfeição divina, a Realização no plano material, é alcançada. E para que
esta consumação se realize, o processo seguido é uma infiltração cada vez mais
alta de forças, dentro do campo da desordem, da nossa vida normal e consciên-
cia. O tempo tomado simplesmente indica que o processo está sendo planejado;
é uma expressão do ritmo de procedimento. Mas para o Divino, a Consciência
Suprema que trabalha, o tempo em si não tem sentido separado, ou qualquer
valor intrínseco; para ela, mil ou um milhão de anos não significam mais que um
momento para nós. De fato, a lentidão do tempo somente marca os passos dos
acontecimentos nos estágios mais baixos da criação; enquanto nos elevamos
cada vez mais alto, forças de lá descem para o campo inferior, e o tempo dos
acontecimentos torna-se mais rápido. Finalmente, quando o pico mais alto é
alcançado e suas forças descem e intervém na ordem dos níveis mais baixos,
então a mudança, o arranjo que está sendo planejado, é concluído imediata-
mente e sem demora. O atraso do tempo é abolido completamente. O tempo
pode ser comparado a uma espécie de fita elástica que liga o mais alto ao mais
baixo, passando pelas zonas intermediárias. Contrai-se quando movemos para
cima e vai se encaixando no topo, por assim dizer.
O HOMEM, O PROTÓTIPO
A terra foi criada para um propósito especial; tem um papel divino a realizar.
E assim, há somente uma terra e não muitas, a despeito do que os cientistas
possam dizer. A terra não é uma massa de matéria morta, não é meramente a
morada de crescimentos que ocorrem nela, de plantas e animais e homens. Ela
é o lar e a mãe de todos eles. Tem uma consciência e uma personalidade. A for-
ma externa que vemos é somente seu corpo.
De fato, todos os luminares do céu têm, cada um, a sua personalidade cons-
ciente: os planetas, a lua e sobretudo o grande sol. Não é uma fantasia ou ima-
ginação fútil que fez os astrólogos atribuírem influências definidas a estes cor-
pos celestes. Na astrologia hindu, por exemplo, eles são considerados como
pessoas reais, cada um com forma e caráter definidos, um dhvāna rūpa. Os
chamados deuses da Natureza, nos Vedas ou na mitologia antiga, não são,
geralmente, criações de mera imaginação poética também: são realidades mais
reais, num sentido, do que os objetos reais que os representam e os encarnam.
Não apenas isso. Nossa mente e nossos sentidos limitados estão acostuma-
dos a ver e reconhecer unicamente indivíduos como pessoas. Mas há personali-
dades-grupo da mesma forma. Assim, cada espécie tem uma personalidade
genérica, uma consciência e um ideal ou forma intrínseca também: os indivíduos
18 PARTE V
no plano físico são suas várias encarnações, projeções e formações. O velho Pla-
tão não era tão ingênuo como somos hoje propensos a acreditar, quando falou
da realidade real das ideias gerais. Os atributos, qualidades e funções da perso-
nalidade genérica, são a fonte e o padrão daquilo que os indivíduos que formam
o grupo realmente são. A pessoa-grupo é o rei, é também o corpo do Dharma3
governando o domínio. Qualquer mudança na lei do ser da pessoa grupal é
necessariamente traduzida em uma mudança semelhante na natureza e na ati-
vidade dos indivíduos da espécie. O que os evolucionistas descrevem como uma
súbita variação ou mutação, e cuja causa ou gênese nem vestígios eles são capa-
zes de achar, é precisamente devido a uma mudança oculta na consciência e
vontade da alma-grupo.
3
A lei da conduta do ser.
O HOMEM, O PROTÓTIPO 19
4
O Ser consciente, a alma, o elemento divino no tornar-se.
20 PARTE V
O PAPEL DO MAL
Mal é mal, não há dúvida; não é divino e não é uma ilusão. É um borrão real
na bela face da criação. Sua existência não pode ser justificada no sentido de
que seja a coisa certa e tenha que ser bem-vinda e mantida, já que forma parte
da sinfonia universal, não apenas no sentido de um teste e de uma provação
colocados pelo Divino, para o justo provar seu mérito. Não foi colocada ali com
um propósito definido, mas já que aconteceu, foi a ocasião para um milagre,
porque ofereceu a oportunidade para a manifestação de algo único, esplêndido
e grandioso, maravilhoso e belo. A presença do mal tocou o Divino — giustizia
mosse il mio alto fattore — e a Graça nasceu. Ele desceu, o Distante e o Trans-
cendente, em todo seu amor e compaixão, para esse vale de lágrimas. Ele des-
ceu direto, dentro de nosso meio, sem parar em nenhum lugar, na infinita gra-
dação, que marca a distância entre o mais alto e o mais baixo. Ele desceu, do
mais elevado para o mais baixo, nada pedindo, não impondo nenhuma condição
à alma na Ignorância, nada exigindo da terra sob as garras do mal. Assim foi que
essa Vida alojou-se no lar da morte, a Luz achou seu caminho na caverna distan-
te da obscuridade e da inconsciência, o Deleite floresceu no cerne da miséria. A
Esperança foi acesa, uma chama se ergueu das trevas mais profundas, em dire-
ção à Aurora. Se não fosse o espírito de negação, não teríamos conhecido esta
figura da Mãe graciosa, próxima e íntima.
vez, que desaparecer e dar lugar a algo pacífico e harmonioso, porém monóto-
no, insípido, não progressivo. O próprio caráter da vida humana é sua paixão de
lutar até o fim, mesmo que nem sempre chegue satisfatoriamente até esse
"fim". Pois, é frequentemente dito, que o fim ou o objetivo não importa, o alvo
é sempre incerto. São os caminhos, os meios e a ação imediata que são de con-
sequência suprema,. pois é isto que testa a maturidade do homem, dá-lhe o
valor que possa ter. E acima de tudo, é pedido ao homem que desista da própria
coisa que ele se esforçou para construir através de milênios de sua vida terres-
tre, sua individualidade, sua personalidade, pois a exigência é de que ele deva
perder seu ego para atingir o status de super-homem.
homem também; de fato, ele será a perfeita ajuda que mesmo a humanidade
comum possa desejar e receber.
te, em direção a seu alvo elevado, o resultado está nas palavras gráficas da
Bíblia:
"Todos os que caírem sobre esta pedra ficarão em pedaços; e aquele sobre
quem ela cair ficará reduzido a pó". (Mateus, 21)
VERDADEIRA CARIDADE
calma e a felicidade que lhe vem como se fosse do nada. Muitos médicos têm
esta espécie de poder curador; na verdade, sem isso, um simples médico, com
sua farmacopeia, não é um médico. Pode não ser bem conhecido nem reconhe-
cido, mas é um fato que uma boa parte da eficácia dos remédios está na
influência sutil, na saúde vital que o médico adiciona a seu remédio ou mesmo
diretamente ao corpo do paciente. E no caso de um Bhishak (médico) espiritual,
o poder pode ser aumentado ao grau infinito. O curador não precisa nem mes-
mo estar presente fisicamente, perto do paciente, porque sua influência pode
muito bem agir à distância. É bastante natural e compreensível que seja assim.
O poder curador está na consciência espiritual, na felicidade inalienável do pró-
prio status no Espírito. Ele se torna identificado com todo objeto, pessoa ou coi-
sa, dentro de seu próprio eu, no verdadeiro ser e substância; e a luz e a felicida-
de que ele possui transferem-se num fluxo espontâneo para outros que não são
realmente outros, mas partes e porções integrais do mesmo eu.
Mas podemos nós dizer, "nasci de Deus e contudo não sou Deus?". Assim, os
indianos audaciosamente declaram que tudo isto é o Divino supremo, não há
nada que não seja o Divino — sarvam khalvidam brahma — Eu sou Ele, Tu és
Aquilo, ou ainda, Aquilo que está em mim e o Ser consciente que está lá no sol,
são uma e a mesma coisa. Deus criou o homem e o mundo, Ele está no homem
e no mundo, Ele tornou-se e é o homem e o mundo. Não apenas isso. Deus não
apenas tornou-se o torrão de terra reduzindo Seu potencial a zero, por assim
dizer, mas Ele desce, frequentemente, em Seu próprio Ser e consciência, aqui
para baixo, assumindo uma forma humana, para um trabalho e propósito espe-
ciais. Esta é a concepção indiana do Avatar.
5
Salokya: morada da alma do Divino.
6
Sadharmaya: identidade em natureza
7
Sayujya: identificação com o Real e o Eterno.
28 PARTE V
Mas, se o ocultismo deve ser temido por causa do seu mau uso e perigo
potencial, a espiritualidade também deve ser colocada no mesmo plano. Todas
as boas coisas no mundo têm sua deformação e perigo, mas isto não é razão
para que sejam completamente evitadas. É necessário a atitude e discriminação
corretas, treinamento e disciplina. Visto sob a luz verdadeira, o ocultismo é espi-
ritualidade dinâmica. Em outras palavras, procura expressar, executar e trazer
para a vida material, os poderes e princípios do Espírito, através da intervenção
de forças mais sutis da mente e da vida e do físico sutil. O ocultismo é natural-
mente evitado por aqueles que adoram, que procuram experimentar o Espírito
transcendente, Deus nos Céus, mas é um instrumento indispensável para aque-
les que se empenham em manifestar o Divino em uma forma concreta.
Muitas vezes as crianças são consideradas cruéis com os animais. Por que é
assim? É especialmente notório seu modo de tratar os passarinhos. Procurar
ninhos e derrubá-los, capturar filhotes e torturá-los de todos os modos, pegar
ovos e esmagá-los, são brincadeiras fascinantes para as crianças. Parecem sentir
um prazer especial em variar e intensificar tanto quanto possível a tortura que
possam infligir. Uma das razões a que pode ser atribuído o endurecimento da
sensibilidade da criança é o seu egocentrismo: ela está inteiramente voltada
para si mesma, isolada dos outros, e ainda não aprendeu as necessidades e vir-
tudes sociais. Tudo que faz e sente é para si mesma, para seu próprio prazer e
autoafirmação. A fim de desenvolver-se, sua crescente individualidade afasta-a
dos outros e faz com que ela não respeite o senso de valor que os outros pos-
sam ter. Exclusivamente preocupada consigo mesma, deixa de se incomodar
com os demais. Sentimento pelo outro é uma sensibilidade que cresce mais tar-
de, como resultado de choques de intercâmbio mútuo. Simpatia real é um
movimento da consciência madura.
CRIANÇAS E MENTALIDADE INFANTIL 29
Mas se é a natureza que até certo ponto torna a criança tão indiferente,
preocupada consigo mesma e cruel, esta não é a única causa e não é a história
toda. Há outros fatores muito ativos na vida que afetam e moldam a consciência
da criança desde o princípio.
A criança, podemos dizer, vem ao mundo com uma ardósia mais ou menos
limpa para gravar as reações da vida. No primeiro período, ela ainda está muito
perto de seu ser psíquico, que ainda não foi lançado para trás e encoberto pelos
impactos e impressões do mundo. Os primeiros contatos conscientes com o
mundo não são geralmente felizes para a criança. Ela encontra coisas à sua volta
que vão contra a natureza da sua consciência psíquica ainda sensível. A primeira
briga que ela presencia entre seus pais, o primeiro comportamento ou movi-
mento áspero de um adulto que afete sua observação, a primeira mentira que
ela ouve pronunciada por seu professor, agem quase como neuroses de guerra
em seus nervos. E, enquanto cresce, lições como essas são derramadas sobre ela
de todos os lados e não é de admirar que sua consciência se torne, desde muito
cedo, deformada e distorcida, e ela também comece seu próprio jogo, seguindo
a mesma linha que observa e experimenta. Apenas, não sendo guiada ou con-
trolada pela razão e experiência, ela exagera a coisa e por causa de sua idade, o
que no adulto é sem importância, trivial e insignificante, no seu caso assume
largas e funestas proporções. O ambiente em que uma criança vive e cresce,
forma a atmosfera que ela respira a cada momento e, se há veneno nela, ela o
inala e o absorve e ele se torna parte de sua natureza e substância. Um ambien-
te puro é necessário para que um impulso de vida puro seja formado e desen-
volvido.
2) perder a paciência.
Uma criança pode facilmente descobrir se você está inventando uma história
ou não. Ela é inquisitiva, irreprimivelmente curiosa e, acima de tudo, tem sua
maneira e ângulo apropriados de ver as coisas. Ela faz perguntas de todos os
modos, sobre todas as coisas e assuntos que parecem estranhos do ponto de
vista do adulto. Também suas respostas a perguntas, suas soluções aos proble-
mas são pouco ortodoxas e bizarras. Porém é trabalho do adulto de não apenas
tolerar todas estas fantasias, mas também, com grande simpatia e paciência,
apreciar e entender o que a criança tenta expressar. Se você ficar irritado e com
raiva, e tentar censurá-la ou afastá-la, isto significará o fim de toda relação cor-
dial entre você e ela. Ou ainda, se você tentar enganá-la, dar uma resposta falsa
para esconder sua ignorância, neste caso também a criança não será enganada,
porque descobrirá e perderá todo respeito por você. É muito melhor admitir sua
própria ignorância, dizendo que não sabe, do que se apresentar como um sabe-
tudo. Embora isto possa afetar, de certo modo, o sentimento de adoração, o
respeito e a estima com que estava acostumada a admirá-lo, entretanto você
não perderá sua afeição e confiança. Do professor ou dos pais que queiram
A ALMA DE UMA NAÇÃO 31
Uma nação é uma personalidade viva, e tem uma alma, do mesmo modo
que um indivíduo humano. A alma de uma nação é, também um ser psíquico,
quer dizer, um ser consciente, uma formação da Divina Consciência e em direto
contato com ela, um poder e um aspecto da Mahashakti8. Uma nação não é
meramente a soma total dos indivíduos que a compõem, mas uma personalida-
de coletiva da qual os indivíduos são como células, como células de um orga-
nismo vivo e consciente. O ser psíquico ou a alma de uma nação é verdadeira-
mente consciente; conhece sua raison d'être, seu propósito de vida, seu destino,
o papel que tem de desempenhar no esquema divino como instrumento divino.
E sua vontade — pois tem uma vontade, a expressão de sua consciência, o
impulso Divino nela e através dela — é inevitável, mais cedo ou mais tarde, rea-
lizar-se-á. Do mesmo modo que a alma do homem, a alma da nação está por
trás de todos os movimentos que formam sua vida externa, apoiando, cons-
truindo, guiando sua composição política, econômica, social ou cultural. O indi-
víduo pode conhecer e entrar em contato com a alma da nação, dentro e atra-
vés de sua própria alma. Somente quando alguém se torna consciente de seu
ser psíquico, é que está em condições de tornar-se consciente do ser psíquico da
pessoa coletiva de sua nação, ou da nação com a qual tem afinidade interior.
8
Mahashakti: a Suprema Mãe.
32 PARTE V
Como o indivíduo, uma nação também morre. A Grécia Antiga e Roma, Egito
e Babilônia e Caldeia, não existem mais. Pode-se perguntar o que aconteceu às
suas almas. Bem, o que acontece com a alma do indivíduo, quando o corpo se
desagrega? A alma volta para o mundo-alma. Como a Psique individual, a Psique
coletiva também se retira para o seio da paz e da luz com todos seus tesouros,
com sua beleza e glória acumulados, como um pássaro que vai dormir dentro de
suas asas dobradas. O que a cultura e a civilização gregas foram, ainda conti-
nuam a existir na sua realidade pura, num mundo ao qual temos acesso se
tivermos afinidade de consciência e abertura psíquica necessárias. Essa alma
vive no seu próprio domínio, com toda a glória de suas aquisições e realizações
na sua forma mais pura; e de lá irradia seu esplendor, exerce sua influência, age
como um fermento vivo na herança cultural e no crescimento espiritual do
mundo.
Entretanto, quando a alma se retira, quando uma nação, num ciclo particular
da manifestação de sua alma, realizou seu papel e sua missão, o corpo da nação
entra gradualmente em decadência. Os elementos que compunham a realidade
orgânica, a consciência viva da vida nacional, desintegram-se, perdem sua ener-
gia e capacidade de coesão. Eles morrem e são dispersos, ou persistem por
algum tempo como uma mistura confusa de células desligadas e que se movem
mecanicamente. Mas pode acontecer também que, uma nação que está aparen-
temente morrendo ou morta, uma alma que se retirou, retorne novamente, não
na sua velha forma e modo de vida — pois isto não pode ser (o Egito se vivesse
novamente hoje, não poderia repetir as eras dos Faraós e das Pirâmides), —
mas teria sim uma nova personalidade, e um propósito de vida renovado. Em tal
caso, o que acontece é realmente uma ressurreição nacional, um Lázaro que
volta à vida pelo toque do Divino.
Não acreditamos que a índia tenha estado alguma vez completamente mor-
ta ou irremediavelmente agonizante: sua alma, embora nem sempre à frente,
A ALMA E SUA JORNADA 33
sempre esteve presente como uma força viva, presidindo de cima e guiando seu
destino. É por isso que existe nela uma capacidade perene de renovação e a
capacidade de passar por provações terríveis. E para viver à altura de seu gênio,
ela também precisa saber como marchar com os tempos, quer dizer, não se
agarrar a formas velhas e passadas — ser fiel à sua alma antiga não significa
eternizar as molduras e fórmulas externas que expressaram aquela alma em um
tempo ou noutro. De fato, a alma torna-se viva e vigorosa quando encontra uma
nova disposição do plano de vida que pode incorporar e traduzir uma atividade
criativa renovada, uma nova realização que emana das profundezas da alma.
–1–
Quando um homem morre, sua alma ou ser psíquico, depois de algum tem-
po, vai para o mundo psíquico e repousa lá até que chegue a hora de nascer de
novo num outro corpo na terra. Há, então, estes dois períodos na vida depois da
morte. Primeiro, a passagem e depois, o repouso. A passagem significa o des-
prendimento gradual de todos os outros revestimentos ou invólucros que
envolvem o ser psíquico e foram sua moldura terrestre. Com o corpo físico,
desaparece também o corpo sutil, depois o vital, e finalmente o mental. É esta a
razão pela qual não nos lembramos de vidas passadas, porque deixamos para
trás o instrumento da memória, a mente-cérebro, com a nossa morte. Não car-
regamos para cima, com o ser psíquico, as outras partes que constituem a vida
terrestre. Elas são dispersas e dissolvidas nas suas respectivas esferas cósmicas.
O corpo sutil entrega seus elementos ao plano físico sutil, os elementos vitais
são absorvidos pelo mundo vital e os elementos mentais vão para o mundo
mental, a não ser que o ser psíquico seja altamente desenvolvido e tenha orga-
nizado à sua volta, como seu instrumento de auto expressão, qualquer destes
elementos. Nesse caso, o tanto das partes terrestres, isto é, do corpo sutil e vida
e mente, que tenha entrado em contato direto com o psíquico e sido impressio-
nado e moldado por sua consciência, somente isto, persistirá e participará da
imortalidade da alma. Normalmente, os elementos do veículo humano formam
um agregado disperso e desorganizado, amontoado à volta do centro psíquico.
Quando o centro se retira, eles também caem automaticamente e são espalha-
dos no armazém universal da Natureza. Unicamente quando eles forem organi-
zados e tiverem adquirido uma forma definida e um caráter que expresse algu-
ma coisa da natureza psíquica, é que eles conservam sua identidade, pois sua
identidade é parte e parcela da identidade psíquica.
34 PARTE V
–2–
teve Virgílio como seu Mestre. Podemos notar aqui, que a passagem de Dante,
do Inferno através do Purgatório para o Céu, cruzando seus vários níveis, é qua-
se uma imagem exata do que acontece à alma depois da morte. O Céu mais alto
onde Dante encontra Beatriz pode ser considerado como o mundo psíquico e a
própria Beatriz, a Graça Divina que banha, ilumina e conforta o ser psíquico.
Uma passagem fácil e rápida para o lugar de repouso é o que ser precisa e
pede depois da morte. Isto é determinado pelo Karma de cada um na vida e
pelo último desejo e última prece no momento da morte, pois a força de cons-
ciência, neste momento crítico, age não somente sobre o caráter da passagem
mas sobre o caráter até mesmo do próximo nascimento. Independentemente
de seus próprios méritos, pode-se ser ajudado por outros que ainda estão na
terra e que se dizem seus parentes e amigos, ou por aqueles que o estimam
muito. Não como se faz atualmente, quer dizer, angustiando-se e lamentando-
se, ou mesmo executando rituais e cerimônias que frequentemente retardam
em vez de acelerar a passagem, mas por um desprendimento interior e prece
tranquila e boa vontade. A melhor maneira para ajudá-lo, talvez, seja esquecê-
lo. Um auxílio consciente, na verdade, pode ser dado somente por alguém que
tenha o necessário poder oculto e realização espiritual, o Guru, por exemplo.
–3–
Uma vez no seu lugar de repouso, a alma desfruta de profundo deleite e paz,
e fica numa espécie de sono luminoso. Lá, ela assimila todas as experiências de
sua última vida, quer dizer, absorve delas toda a substância que vai aumentar e
fortalecer sua consciência, a seiva que se oferece para o crescimento da forma e
estrutura do ser. Estas experiências têm a função de trazer a alma mais para
perto, cada vida sendo um degrau mais próximo, para a plenitude de sua união
com a Consciência
Divina, de onde ela veio originalmente e apareceu na terra, como uma mera
fagulha, uma parcela ainda separada. Este processo pode ser longo ou curto, de
36 PARTE V
correm para baixo. E pode mesmo acontecer que no correr para baixo, o ser
psíquico não seja tão cuidadoso ou meticuloso a respeito do instrumento, o veí-
culo que escolhe para habitar; qualquer um que esteja à mão e mais próximo, e
no conjunto conveniente a seu propósito, ele pega e continua. Ele toma tudo
como uma aventura e tem a alegria da luta e o espírito do guerreiro que pode
saborear a vitória somente quando obtida com dificuldade. E assim que, comu-
mente, encontramos uma discrepância considerável entre o ser interno de um
homem e sua habitação terrestre, sua alma e seu caráter externo e sua natureza
física. Há um significado na escolha, um sentido na utilização de condições des-
favoráveis: há um método na loucura.
–4–
significa quando falamos de almas afins. Quando há uma afinidade ou uma simi-
laridade inexplicável ou natural entre duas almas, acontece, nesse caso, que as
almas são emanações da mesma Sobre-Alma. E também acontece algumas
vezes que o anjo protetor ou demônio com quem possamos entrar em contato,
não é outro senão a nossa própria Sobre-Alma. O termo Sobre-Alma toma assim
um significado literal e profundo.
Mas ainda assim, a Realidade Pura desce indesviável na sua própria linha e o
homem a entesoura dentro de si, o fogo imortal que o purificará e o conduzirá à
fonte de onde veio. E há deuses luminosos que o ajudam e eles próprios querem
participar da transformação terrestre. Há uma pressão de cima e há um anseio
de baixo, e entre estas duas infinitudes, tudo é triturado e moldado e mudado.
Mesmo os Senhores da Negação vão mudar no fim e aprender a aceitar, tornan-
do-se novamente o que eram e são verdadeiramente.
–5–
Pois, deve ser lembrado que a alma humana, afinal, não é um ser simples e
unilateral, é um pequeno cosmos em si mesma. A alma não é meramente um
ponto ou simples raio de luz vindo diretamente do seu arquétipo divino ou do
próprio Divino, é também um fogo em desenvolvimento que cresce e se enri-
quece através de múltiplas experiências de progresso evolucionário - não ape-
nas cresce em altura, como também em amplidão. Mesmo que tenha original-
mente emanado de um único principio e Personalidade unos, absorve para seu
desenvolvimento e sua realização, influências e elementos de outros também.
Na verdade, sabemos que as quatro personalidades primordiais do Divino não
são separadas e distintas sem disparidade. Os próprios deuses Védicos são tão
interligados, tão interpenetrados que, afinal, se pode afirmar que só há uma
única existência, à qual é dada muitos nomes. Todas as personalidades divinas
são aspectos do Divino, não podendo ser senão um complexo de muitas perso-
9
Chaitanya: um santo hindu.
A ALMA E SUA JORNADA 41
PARTE VI
Sabemos que mundos — mundos vitais — são feitos dos horrores mais ini-
magináveis, de fealdade e artes diabólicas. Muitos já tiveram ocasião de entrar
em contato com esses domínios, quer conscientemente, no curso de suas expe-
riências yóguicas, quer inconscientemente, em pesadelos. Eles dão testemunho
da rematada monstruosidade destes mundos — a escuridão e o medo, a dor e a
tortura, a perdição e a condenação reinam lá. Todo esse mundo interior parece
ter-se precipitado sobre a terra e tomado corpo aqui. Um poeta brilhante falou
10
Kshatria: a classe dos guerreiros.
O FIM DE UMA CIVILIZAÇÃO 43
do Paraíso que era transplantado para a terra na forma de uma cidade feliz (a
cidade de Raghus). Hoje, fazemos o milagre inverso, a capital do demônio está
instalada na terra, ou até mesmo algo pior. Pois nos mundos mais sutis há, afi-
nal, a graça salvadora. Se você, em algum lugar, tiver dentro de si uma aspira-
ção, uma confiança, uma fé, uma luz, o inimigo não poderá tocá-lo ou maltratá-
lo gravemente. Você também pode ter lá, à sua volta, seres que o ajudam, um
mestre, um guia que esteja perto, visível ou invisivelmente, para lhe dar o
necessário aviso ou proteção. Mas, aqui em baixo, quando o inimigo se reveste
de forma material e mune-se de armas materiais, você está quase indefeso. Para
salvar-se de um choque físico, nem sempre é suficiente possuir consciência inte-
rior apropriada. Algo mais é necessário.
Talvez tenha sido necessário que assim fosse. Um pralaya, um Dilúvio tem
que acontecer para terminar uma época e começar uma nova. De fato, a civiliza-
ção que o homem construiu através de milênios, alcançou seu auge no cientis-
mo moderno. Qualquer contribuição que possa ter acrescentado ao homem,
mesmo que tenha sido grande, poderosa e bela, no apogeu de sua própria esfe-
ra, foi ainda uma limitação, tendo agido como um freio para um salto e um pro-
gresso da consciência no porvir. O ciclo humanístico tem reinado, desde a Grécia
antiga até a América moderna. Não é tempo para que uma outra consciência
intervenha, outros deuses façam sua aparição?
*****
Olhe para o indivíduo. Por que existe nele o impulso-vida para persistir, para
perseverar, para sobreviver? Se a vida não tivesse nenhum outro significado do
que o mero viver, então a melhor coisa seria deixar o corpo, tão logo ele estives-
se seriamente afetado ou incapacitado pela doença, acidente ou velhice. Em vez
disso, por que esta tentativa de prolongá-lo, recusando aceitar as dificuldades e
desvantagens presentes? A razão é que a vida requer tempo para crescer em
consciência, para adquirir experiências, para assimilá-las e utilizá-las e assim
transformá-las em poderes de ser, de tempo, quer dizer, de construir e forjar o
instrumento para que ele possa abrigar a consciência e existência mais elevadas.
Na formação presente, o corpo, a um certo estágio, tem que ser abandonado,
pois a moldura torna-se muito rígida e dura para acompanhar o movimento
crescente e mais rápido da consciência interior. O fio é retomado novamente
em outra vida, mas há sempre uma considerável repetição neste processo natu-
ral; deve-se repisar o estágio da infância e imaturidade, uma retempera do ins-
trumento, até que este seja capaz de outros usos. Na verdade, alguma coisa das
experiências, de sua essência, fica armazenada em algum lugar, nas profundezas
do ser; mas não é utilizada completamente, não é um elemento efetivo na cons-
ciência normal. E embora uma pessoa sempre se baseie no seu passado, o edifí-
cio construído parece novo cada vez. O yoga, no indivíduo, procura eliminar este
elemento de repetição e inconsciência e atraso no processo de crescimento e
evolução: sua meta é completar o ciclo de crescimento individual numa única
vida.
DA ESCURIDÃO PARA A LUZ 45
Pois aqui está o sentido da crise. O mantra dado para a nova era é que o
homem será transcendido e, no processo, o homem, como ele é, passará. O
homem passará, mas algo do veículo que o presente ciclo preparou permanece-
rá. Pois essa é precisamente a função da civilização que passa, especialmente
nos seus últimos estágios, isto é, construir um templo terrestre para o Senhor. A
aberração e a deformação desenfreadas de hoje, representam apenas um
excesso de pressão sobre este aspecto, sobre a apresentação externa que foi
ignorada ou não suficientemente considerada nas primeiras e mais altas curvas
da civilização presente. Os valores espirituais declinaram, porque os valores
materiais vieram a ser considerados como destituídos de valor, e isto perturbou
a economia ou o equilíbrio da natureza. É verdade que nós fomos longe, muito
longe, na nossa revanche. E o problema com o qual nos defrontamos hoje é
este: se a humanidade será capaz de mudar suficientemente e transformar-se
no ser superior que habitará a terra, como seu coroamento, no ciclo vindouro,
ou, sendo incapaz, se extinguira totalmente, desaparecerá de todo ou será rele-
gada à estagnação da vida terrestre, e algo como as tribos aborígenes de hoje.
homem representa a ascensão que ele tem que fazer, que está destinado a rea-
lizar.
Talvez você não possa fazer a coisa ideal num dado momento. Pode não ser
capaz de executar o gesto perfeito que é esperado de você num conjunto de
circunstâncias. O Divino pode lhe parecer velado e você não ouvir sua voz direta.
Mas não tem importância. O que se espera de você é que faça o melhor, o
melhor que é capaz de fazer naquele momento. Esse mais elevado que está pre-
sente em você, as culminâncias disponíveis no momento e sob as circunstâncias
da ocasião — isso deveria ser a fonte e a inspiração de seu ato. Aja das alturas
de onde você se encontra e aspire por alturas ainda mais elevadas.
TIPOS DE MEDITAÇÃO
Há outros processos mais seguros e até mais fáceis para alcançar o mesmo
fim. Assim, em vez de empenhar-se e lutar e impor a sua vontade sobre as
ondas inquietas, você simplesmente relaxa, deixa-as de lado por assim dizer;
espera e aspira e abre-se em direção ao Silêncio que paira acima; chama pelo
silêncio com fé e confiança e ele vem, frequentemente como uma inundação
maciça, um fluxo glacial que automaticamente o domina, afogando-o e enchen-
do-o de alto a baixo.
O SER CONSCIENTE
A mente, contudo, tem uma consciência central que pode ser chamada de
Mente Testemunha, o Purusha11 na mente. Ele fica à parte e observa o que está
acontecendo na mente, bem como em outras partes; é, de fato, o observador
de todo ādhāra12. As outras partes são o vital e o físico. O vital também tem sua
própria consciência central, sua testemunha Purusha, que observa todos os
movimentos vitais e também as outras partes, através de seu próprio ângulo. Do
mesmo modo, o físico tem um Purusha e ele também observa através de sua
própria consciência. O Purusha mental diz, "Eu vejo que estou pensando, racio-
cinando etc."; o Purusha vital diz, "Eu vejo que estou zangado, violento ou gos-
tando, infundindo energia etc."; o Purusha físico diz, "Eu vejo que estou agindo,
andando, correndo etc.". Bem, numa pessoa comum, cada um destes três Puru-
shas permanece separado e cada um é consciente a seu modo. Eles não são
inteiramente conscientes uns dos outros, misturam-se, mas não apropriada-
mente, e na maior parte das vezes não se entendem. Muito raramente unificam-
se, harmonizam-se ou reúnem-se como um time para servir a um propósito
comum, a um único objetivo. Essa união e harmonização somente pode ser feita
através do Purusha Supremo, a Testemunha Divina, que é o verdadeiro Ser
consciente, o único Purusha atrás e acima de todos os outros, cuja luz, antes de
tudo, centraliza-se no ser psíquico e, então, através dele, é canalizado para seus
representantes ou emanações nos níveis inferiores, a mente, o vital e o físico.
11
Purusha: a alma consciente, o elemento divino no tornar-se
12
Ādhāra: receptáculo; o sistema abrangente composto de 5 invólucros, dos princípios que
constituem o físico, o vital, o mental, o supramental e o ser espiritual.
50 PARTE VI
A HISTÓRIA DA CRIAÇÃO
13
Maheshwari – sabedoria; Mahakali – força e energia; Mahalakshmi – beleza e harmonia;
Mahasaraswati – ordem e perfeição.
A HISTÓRIA DA CRIAÇÃO 51
Era um silêncio de morte, mais silencioso que a Morte e mais morto que o
Silêncio mesmo. E era completo o abandono, e total o desespero. A Divina Cons-
ciência — Aditi — viu a terrível linha de destino que a liberdade tinha tomado e
onde tinha acabado: ela não pode suportar isto por mais tempo e emitiu um gri-
to pedindo socorro, por ajuda. E a resposta veio imediatamente, um raio foi dis-
parado para baixo pela Única Consciência Suprema e entrou no ventre da
Inconsciência. Veja! O milagre, a Matéria nasceu, a primeira criação, a primeira
manifestação da Graça Suprema. A Matéria contém em si a centelha da cons-
ciência que deve crescer e desabrochar, brilhar cada vez mais dentro da escuri-
dão envolvente da Inconsciência, iluminando-a cada vez mais longe, empurran-
do suas fronteiras sempre para trás e mais além.
A TERRA, UM SÍMBOLO
Para cada lado positivo do "Sadhana"14 deve existir também um lado negati-
vo. A Realização ou experiência deve ser acompanhada pela rejeição das coisas
que se lhe opõem. As pessoas se admiram que uma experiência desapareça tão
depressa ou que não se repita facilmente, ou então, que uma situação feliz não
continue por mais tempo, mas seja seguida quase que inevitavelmente por uma
condição de desânimo.
14
Sadhana – disciplina espiritual.
15
Sadhak – aquele que pratica “Sadhana”.
O INDIVÍDUO E O COLETIVO 53
então, o vital vem à tona e tenta aprisionar a experiência e utilizá-la para seus
próprios fins: é apreciada como uma comida saborosa, feita para servir à sua
ambição ou vaidade, algum impulso egoísta, mais baixo e ignorante. Ou ainda, o
físico, a consciência do corpo não pode de modo algum participar da experiên-
cia, permanece indiferente, apática, inerte, sem impulso ou entusiasmo para por
em prática a experiência de sua consciência interior. Qualquer desses empeci-
lhos ou dessas tendências contrárias são suficientes para prejudicar e diminuir e
até mesmo apagar a experiência. E, geralmente, todos três estão lá, afinal, com-
binando-se e empenhando-se para estragar tudo.
O INDIVÍDUO E O COLETIVO
lo, considerá-lo como uma entidade circundada por sua própria consciência; na
verdade, estas escolas classificam os indivíduos como um todo distinto e sepa-
rado, cada qual um círculo fechado ou esfera, mal podendo tocar-se, mas nunca
interpenetra-se ou intercomunicar-se. Cada um é como uma ilha solitária, todas
juntas formando o vasto arquipélago do universo. Esta é uma posição, não há
dúvida, que pode ser adquirida por uma espécie de disciplina de consciência,
apesar de não atingir uma grande perfeição; mas não é um equilíbrio natural ou
necessário. Normalmente, os indivíduos fundem-se uns nos outros e formam
uma trama de dar e receber. Um desejo, um impulso, mesmo um pensamento
que surge em você, sai, ultrapassa-o e se espalha à volta e vai até mesmo ao
limite extremo da terra, como uma onda hertziana. Repito, qualquer movimen-
to, em qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, alcançá-lo-á, penetrá-lo-á
e provocará em você uma vibração semelhante, mesmo que não possa reconhe-
cê-la mas a considere como algo que lhe pertença exclusivamente. Você emite
vibrações para o mundo e o mundo emite vibrações para você. A vida individual
é o campo de confluência destas forças de saída e entrada. É precisamente para
evitar este círculo ou ciclo de vibrações-mundo que os antigos Yogues costuma-
vam deixar o mundo, afastar-se da sociedade, retirar-se para o topo das monta-
nhas, dentro da floresta virgem, onde esperavam encontrar-se sozinhos e dis-
tantes, para ser um só com o Único Eu. Esta é uma saída, mas não a única ou
melhor solução. Não é a melhor solução porque, apesar de aparentemente sozi-
nho no topo da colina ou numa cripta deserta ou no seio da floresta, carregamos
sempre dentro de nós um mundo inteiro, a natureza normal com todos seus ins-
tintos e impulsos, reações, memórias e esperanças; você decepa o exterior, foge
para longe dele, mas, e quanto ao exterior que está dentro de você? O gosto por
uma coisa gostosa não desaparece com a remoção do objeto. Em segundo lugar,
tal solução individual, mesmo que fosse possível, seria ainda um recurso pura-
mente pessoal e, em última análise, egoísta.
E este centro não é uma entidade isolada em sua natureza; é como se fosse
um centro universal, por assim dizer, que se liga indissoluvelmente, em um sen-
tido secreto de identidade, com todos os outros centros. Porque este eu é ape-
nas um dos seus, através do qual o Único Eu multiplicou-se em uma auto-
COMO ESPERAR 55
objetivação variada. A luz que brilha aqui, o fogo que arde aqui e o deleite que
flui aqui, ilumina, purifica e revitaliza não apenas o indivíduo no qual mora, mas
espalha-se amplamente à volta e estende-se a outros indivíduos com os quais
vive em identidade espiritual.
COMO ESPERAR
"Se você souber esperar, ganhará tempo". Geralmente, quando você está
para fazer uma coisa, seu impulso é correr para ela e apressá-la. Entre a ideia e a
execução, você não deixa nenhum intervalo, não faz uma pausa para olhar à vol-
ta, examinar as condições e circunstâncias, pensar na melhor forma de trabalhar
em direção ao objetivo. A pressa resulta em mau êxito, muito frequentemente
em malogro total. Você tem que começar tudo de novo. Pode ter até mesmo de
recomeçar várias vezes se não aprender a lição dada. Evidentemente, você per-
de tempo, perde energia e perde seu sucesso.
Em vez disso, o que deve fazer antes de realmente iniciar seu trabalho, não é
saltar sobre ele, mas compreender o seu significado e o que ele envolve, ter
diante do olho da mente uma clara configuração ou padrão da coisa a ser
empreendida. Não se guiar por uma noção vaga e indefinida sobre ela, algo que
tomará forma, que cuidará de si mesmo enquanto você prossegue. Deve ter
uma nítida concepção do seu trabalho e também descobrir os meios e modos
exatos para executá-lo e ter à mão os melhores implementos. Somente quando
você estiver completamente armado com o equipamento necessário, é que ele
pode estar certo do sucesso, sem desperdício de tempo ou de energia.
E ainda assim existe um tempo, um tempo apropriado para cada coisa. Uma
coisa não pode ser feita a qualquer tempo, tem sua própria hora marcada. Você
não pode ter sucesso antes da hora certa, mesmo que tente cem vezes. Mas
quando o tempo está maduro, como parece fácil empreender algo! No que con-
siste esta maturidade do tempo, quais são os sinais da hora propícia? Isto ocorre
quando você está na posse completa dos instrumentos corretos e quando a dis-
posição das circunstâncias é tal que ela concorre para ajudar e executar, e não
para prejudicar e obstruir. Mas como descobrir ou reconhecer quando essas
condições estão disponíveis? Não é através de sua mente ou raciocínio externo.
Você deve ter a intuição, uma percepção instintiva da situação. A indicação
sempre existe no próprio equilíbrio de sua consciência. Quer dizer, quando ela
está repleta de grande calma, de fé e confiança e de concentração luminosa.
56 PARTE VI
FADIGA E TRABALHO
A questão não diz respeito a seu alcance e sua capacidade. Tudo depende de
sua atitude, da consciência com que você se acerca de um trabalho, especial-
mente quando você é um sadhak. Quando um trabalho aparece ou quando você
tem que fazê-lo, deve assumi-lo como algo que valha a pena ser feito. Seja qual
for o valor que lhe é dado normalmente ou que você próprio lhe dá, não deveria
ser negligenciado ou meramente tolerado, mas ser bem recebido e você deveria
dedicar-se a ele com a máxima escrupulosidade. Mesmo que seja algo insignifi-
cante como, por exemplo, um trabalho doméstico, não o considere vil ou abaixo
de sua dignidade. Assim que você começar a fazer uma coisa no espírito certo,
descobrirá que ela se torna extraordinariamente interessante. Tente trazer per-
feição, mesmo para aquele pouco de insignificância. Faça-o de boa vontade,
mesmo se for esfregar o chão, dizendo para si mesmo: "Devo fazê-lo o melhor
possível, quer dizer, poderei fazê-lo até mesmo melhor que um empregado.
Farei com que o chão pareça realmente em ordem, limpo e bonito". Este é o
16
Tamas: inércia, incapacidade, obscuridade.
FADIGA E TRABALHO 57
Contudo, isso não quer dizer que não haja um trabalho que lhe seja ineren-
te, para o qual você não tenha uma aptidão especial, no qual e através do qual
sua alma, o Divino, possa expressar-se plena e completamente, de um modo
especial. Mas qual é esse trabalho? O kartavyam karma — o trabalho que se
tem obrigação de fazer, derivado de seu swadharma — sua autonatureza? Evi-
dentemente não é aquele de sua natureza superficial que a mente escolhe, que
o vital prefere, e o corpo acha conveniente. Para encontrar seu verdadeiro tra-
balho ou o trabalho de sua alma, você deve passar por uma disciplina considerá-
vel e por um treinamento rigoroso.
Você não pode desprezar este ou aquele trabalho ao acaso, declarando que
não são adequados a você, ou pegar qualquer coisa que sua imaginação favore-
ça. Na verdade, não pode desprezar nada, desperdiçar nada, simplesmente por-
que seja desagradável ou não suficientemente agradável. Quanto mais violen-
tamente tentar afastar uma coisa de si, tanto mais ela se apegará a você. Em vez
disso, você deve aprender a deixar uma coisa cair por si mesma, tranquila,
58 PARTE VI
OS PASSOS DA ALMA
personalidades que ele possui. Quer ele viva principalmente no físico ou no vital,
ou no plano mental ou em qualquer seção particular destes planos, ou nos pla-
nos acima ou além, de acordo com isso existirão diferenças na constituição ou
construção psicofísica da personalidade individual. Quanto mais alto se eleva,
tanto mais rica é a personalidade, porque ela vive não apenas no seu próprio
nível normal, bem como em todos os que estão abaixo, aos quais transcendeu.
O homem completo ou integral, dizem alguns ocultistas, possui 365 personali-
dades; na verdade podem ser muito mais (os Vedas falam de 3’033’033’000
deuses que podem estar alojados no veículo humano — os três básicos sendo
evidentemente o status triplo ou o mundo do Corpo, Vida e Mente).
complexa e, contudo, mais integrada. Almas novas são aquelas que são recém-
emergidas ou estão emergindo da mera existência físico-vital; estas são como
organismos simples, feitas de poucos componentes, relacionando-se geralmente
com a vida corporal, com apenas um mínimo do mental. É a alma, entretanto,
que cresce através de experiências e é a alma que constrói e enriquece a perso-
nalidade. Qualquer porção da vida exterior, qualquer elemento na mente ou no
vital ou no corpo que entrar em contato com a consciência psíquica, quer dizer,
que for capaz de sofrer sua influência, é absorvido e lá abrigado: ele permanece
no ser psíquico como sua memória viva e aquisição permanente. São esses ele-
mentos que formam a base, o campo de trabalho sobre o qual a estrutura de
personalidade verdadeira e integral é levantada.
A primeira coisa, então, a fazer é descobrir o que você quer realizar, qual o
papel que você tem que desempenhar, sua missão particular e a capacidade ou
qualidade que você tem que expressar. Você tem que descobrir isto e também o
que se lhes opõem ou não permite seu florescimento ou que cheguem a plena
manifestação. Em outras palavras, você tem que se conhecer, reconhecer sua
alma ou ser psíquico.
Para isso você tem que ser absolutamente sincero e imparcial. Você deve se
observar como se estivesse observando e criticando uma terceira pessoa. Você
não deve começar com a ideia de que isso é a missão de sua vida, de que essa é
sua capacidade particular, que vai fazer isto ou tem que fazer aquilo, que nisso
está seu talento ou gênio, etc. Isto levá-lo-á para longe de sua verdadeira trilha.
Não é o gostar ou desgostar de seu exterior, sua escolha mental ou vital ou física
que determina a verdadeira linha de seu crescimento. Nem deveria você assu-
mir a atitude oposta e dizer: "Eu não sirvo para nada neste assunto, sou inútil
naquele outro, isso não é para mim". Nem vaidade, arrogância, autodepreciação
ou falsa modéstia deveriam movê-lo. Como disse, você deve ser absolutamente
imparcial e despreocupado. Você deveria ser como um espelho que reflete a
verdade e não julga.
ras qualidades de seu ser, os vestígios de sua personalidade divina, o que você
realmente é e o que tenciona ser.
Tudo isso significa que o corpo físico não é o único meio de ação do homem
no mundo físico. O físico estende-se e expande-se em modos de atividade cada
vez mais sutis e, contudo, efetivos por essa mesma razão. Por trás do físico está
o físico sutil, atrás do qual está o físico vital e as várias gradações do vital. Na
verdade, o vital ou energia-vida, como um todo é o dinamismo real de todas as
nossas atividades físicas e, se ele usualmente age através dos instrumentos do
corpo, pode agir independentemente deles também. De modo geral e frequen-
temente, ele age deste modo, só que não somos suficientemente conscientes
ou observadores para notar. Uma concentração consciente da energia vital diri-
gida sobre um objeto material pode lidar com ele com a efetividade da energia
material. Quando necessita de condições físicas, ela as cria como a energia pro-
tetora vital do jovem criou a disposição física dos objetos que formaram uma
cobertura para a moça.
nas alcançar seu fim imediato, mas fazer muito mais. A história de muitos que
quebraram recordes olímpicos comprova isso. Do mesmo modo, pode-se domi-
nar as forças sutis, se se fizer a coisa honestamente e da maneira certa. É mais
difícil — muito mais talvez — mas o caminho está aí, desde que a vontade tam-
bém esteja.
evitar a ira dos deuses e trazer vitória aos gregos. Algumas vezes, um animal
substituía a vítima humana e servia ao mesmo propósito e do mesmo modo. E
num sentido mais elevado, realmente num sentido mais alto, um corpo pode
sacrificar-se de tal modo — total e integralmente — para produzir uma reversão
ou reavaliação integral correspondente no mundo físico. Um corpo humano que
faz de si um holocausto, que se oferece no altar do Divino, não guardando nada
para si, vivendo para o Divino apenas, chamando para dentro de si a vontade
divina, traz também para a vida da terra uma presença e transformação divinas.
Um total sacrifício físico resulta inevitavelmente numa total expressão e incor-
poração do Divino ao mundo físico.
A REALIZAÇÃO INTEGRAL
Infindáveis são os caminhos para o Divino. Cada um, seguido até o fim com
sinceridade, honestidade e persistência, leva ao mesmo alvo. Bem, se o fim fos-
se unicamente alcançar as alturas supremas, o ponto além, o Deus transcenden-
te, e estabelecer-se lá, qualquer linha seria inteiramente suficiente para esse
propósito. E mesmo se diversas ou todas fossem experimentadas, como Ramak-
rishna fez, isto seria apenas para provar o fato e encorajar a todos a palmilhar
seu próprio caminho, e não ficar desencorajados se outros não o aprovarem ou
mesmo o negarem. No máximo, seria uma experiência mais rica no sentido de
que a mesma verdade fosse testada e apreciada de vários modos.
Mas tal não é o caráter do Yoga Integral ou Supramental. Este Yoga não visa
dar um pontapé na escada da existência, uma vez que se esteja lá em cima,
além. Procura integrar o Além e o Aqui-Embaixo, fazer do mundano uma expres-
são e encorporamento do Espírito. Assim sendo, as tentativas de aproximação
em direção ao Divino não são meras verdades provisórias, mas facetas de uma
realidade total orgânica encarnando a consciência divina em uma vida divina.
Nos outros métodos que levam a uma fuga, você alcança um estado em que
fica feliz e satisfeito, sente que atingiu o mais alto, o máximo que vale a pena
alcançar e não necessita avançar ou procurar por nada mais. O yogue integral
não fica preso a uma única experiência. Ver-se-á sempre fugindo do status já
alcançado, não importa quão elevado seja, e explorando além. Mesmo que ten-
te repetir uma experiência que tenha apreciado e considere válido repeti-la e
tente os passos usuais para recobrá-la, poderá descobrir que, em vez da expe-
riência desejada, foi-lhe dada uma completamente nova.
tas, fazer delas uma síntese. Esta síntese é o verdadeiro caráter do Yoga Integral.
E pode ser alcançada unicamente elevando-se além das experiências dadas para
a síntese. Só um elevado equilíbrio de consciência pode encontrar o ponto de
união entre os diferentes elementos e a função e o papel de cada um na harmo-
nia composta. O status supra-mental é o centro sintético mais alto; aí, todas as
experiências e realizações elevam-se até sua realidade original e verdadeira e
acham sua perfeita expressão.
SEMPRE VERDE
Quando você tem uma experiência interior, sua tendência natural é repeti-la
e repeti-la, seguir pelo mesmo caminho e do mesmo modo. Em meditação, por
exemplo, você se abstrai dos contatos exteriores e entra num estado que se lhe
tornou familiar, que o agradou e que considera suficientemente elevado, um
equilíbrio recomendável de consciência. Assim, todas as vezes que se senta para
meditar, automaticamente você segue a mesma trilha habitual, sem nenhum
esforço, e lá permanece o tempo que lhe é conveniente. Evidentemente, a
experiência tornou-se um hábito, isto é, mecânica e sem vida, mas você se tor-
nou tão inconsciente que não o percebe. Isto significa que não há mais progres-
so, que você se fechou numa caixa trancada, por assim dizer. E pode continuar a
proceder deste modo durante a vida inteira, que não avançará um único passo;
ao contrário, poderá até regredir.
Todas as vezes que você se interiorizar para buscar equilíbrio, não procure
por conhecimentos antigos, por experiências familiares, não carregue nas costas
o fardo do passado, mas prossiga como se fosse uma trilha virgem, fazendo des-
cobertas totalmente novas e abrindo perspectivas inesperadas a cada passo.
66 PARTE VI
Você poderá fazer até uma experiência com seu corpo físico, isto é, levar sua
consciência física a partilhar também de sua aventura de descobertas sempre
novas. Então você pode, por exemplo, esquecer seu hábito de comer ou mesmo
andar, verdadeiramente esquecer e tentar aprender uma vez mais, assim como
fez pela primeira vez quando criança. Você deve conquistar conscientemente
uma capacidade do corpo, que se tenha tornado quase uma ação reflexa incons-
ciente. É uma experiência maravilhosa e estimulante. Naturalmente você não
pode repetir como frequência, ou levar muito longe uma experiência desta
espécie, no plano físico. Mas pode relacionar-se livremente com sua vida e
consciência interiores. Você pode fazer de sua mente e de seu vital uma lousa
limpa, tanto quanto quiser, não apenas uma vez na vida, mas a cada momento.
Que descobertas e novas aberturas lhe chegam continuamente, quando você
constata as pressões exercidas pelo mundo exterior sobre sua consciência! Pode
sempre livrar-se das vibrações costumeiras nos níveis normais de sua existência,
o físico, o vital e o mental; e mesmo, ir além de sua formação psíquica e ser o
amplo, o vasto, o ilimitado, o próprio Infinito, vazio de todo nome e forma. E
assim, com essa consciência virgem, cair direto dentro do mundo de vida e for-
ma materiais, dentro de seu corpo e reações corpóreas. O mundo entregar-se-á
a você em sua pureza prístina, sua beleza e verdade originais, sempre luminosas
e gloriosas. Esta experiência deve ser a maneira normal de seu viver, não sim-
plesmente a culminância ou acme de seu ser, um status fixo e estagnado, mes-
mo se for considerado o mais elevado, o summum bonum. É assim que você
pode conservar-se, e ao mundo ao redor, sempre vivificado e jovem e novo.
humano, foi criada, por causa da rebelião dos Primeiros Senhores (a Quaterni-
dade Asúrica), uma segunda hierarquia de seres luminosos, os Devas, os deuses.
(Alguma coisa desta história interior do mundo está representada na lenda Gre-
ga da luta entre os Titãs e os Olimpienses). Estes deuses, contudo, sendo uma
criação posterior, talvez por serem mais jovens e inexperientes, não podiam de
imediato competir em pé de igualdade com seus antepassados mais fortes. É
por isso que vemos nas lendas mitológicas, os deuses muitas vezes derrotados
pelas mãos dos Asuras, Indra escondendo-se em baixo do mar, Zeus ameaçado
frequentemente pela derrota e desastre. Era apenas a intervenção do Supremo
(os Gregos chamavam a isto de Destino) que os salvava no fim e restaurava o
equilíbrio.
Foi assim que as coisas se tornaram difíceis sobre a terra e estão atrasando a
consumação final que, entretanto, virá a seu tempo, quando a roda do Tempo
ou do Destino tiver fechado seu círculo completo.
MUDANÇA DIRIGIDA
Você tem que aceitar este princípio de mudança e continuar, para ser uno
com o espírito cósmico, e nunca ficar parado ou voltar atrás, mas olhar para
frente e avançar. Ficar estagnado significa morrer e tornar-se fossilizado. Assim,
se as coisas mudam continuamente, significa que as coisas podem mudar e
devem ser mudadas. Só que se deve ver em que direção a mudança ocorre. Uma
mudança pode ser, afinal, para melhor ou para pior. E você tem o poder, se esti-
ver consciente e com a consciência certa, de dirigir a mudança ou mesmo iniciar
uma que seja da ordem certa. Você já escalou um morro? Existem vários modos,
caminhos e saídas que levam ao topo, alguns mais ou menos diretos, alguns em
zigue zague, outros serpenteantes ou fazendo uma longa curva. Não importa,
desde que olhe para cima e tenha o senso da direção para o cume, você poderá
então escalar. Caso contrário, se tiver seu rosto virado para baixo ou olhar Para
baixo, você se dirigirá para baixo, afastando-se do topo. Da mesma forma, as
mudanças que ocorrem serão dirigidas de acordo com a direção de seu olhar. E
existe apenas uma direção para onde você deve volver seu olhar: em direção ao
cume, em direção ao objetivo mais elevado. E crescer consciente, crescer cada
vez mais consciente, ser consciente de si, ser consciente do universo e ser cons-
ciente do Divino que mora em você e permeia o mundo e assim manifestar o
Divino na sua vida física e na vida física no mundo.
70 PARTE VI
No corpo físico não precisa que seu ideal seja tornar-se um "homem-
músculo". Entretanto você não gostaria de ter membros frágeis, mal desenvol-
vidos e raquíticos, que fossem fracos e desproporcionados. Com relação a seu
corpo mental também, não seria de nenhuma utilidade ter uma mente ou um
intelecto que fosse incapaz de pensar com energia, convicção e clareza. E preju-
dicial quando você se dedica à ginástica mental apenas por ela mesma, dispon-
do-se a acrobacias exclusivamente intelectuais — discussões, disputas, sofismas
verbais etc. etc. Isso resulta em crescimento desproporcionado. Mas o desen-
volvimento da mente, mesmo da mente lógica, pode e deve fazer parte do
desenvolvimento integral, deve alcançar sua forma, estrutura e força verdadei-
ras, como finalidade e auxílio em direção de uma expressão, no seu próprio
campo, da divindade, a consciência mais rica e mais alta no homem. Assim tam-
bém, o corpo deve expressar e tornar concretos a beleza e o vigor supremos do
ser perfeito.
O SILÊNCIO MENTAL
ver os prós e os contras, pesar, raciocinar, deduzir; chega a uma espécie de con-
clusão que leva ao sucesso ou ao fracasso, quase por acaso. Aparte desta ativi-
dade consciente ou voluntária', existe na mente uma região inteira de atividades
involuntárias, quer dizer, ela é assaltada, por todos os lados, por centenas de
pensamentos, ideias e noções Que vêm de fora e enchem sua cavidade cerebral
e sobre as quais você não tem nenhum controle. Cada qual experimenta empur-
rar para frente, assegurar um lugar para si, clamar por satisfação e realização.
Estão todos excitados por propósitos contrários e a mente não conhece paz ou
alternativa.
É chamar para dentro a paz que está além, que já existe lá em algum lugar.
Acontece por uma sincera insistência ou aspiração na consciência, uma certa
disponibilidade no ser. Quando isso sucede (algo da maneira do Upanishadico
vivṛṇute tanun svām — ele revela a si mesmo seu próprio corpo), você sente
como se houvesse um completo branco, mesmo como se um vazio negro o hou-
vesse penetrado e aprisionado. Até no meio do turbilhão das atividades, vem
uma parada repentina. Não há nada lá, agora, nenhuma ideia, nenhum pensa-
mento, nenhuma noção, nenhum movimento mesmo — um imenso vazio devo-
rou e engolfou tudo. Fique firme e espere. Nesta quietude, alguma coisa se
ergue — para cima, para cima — e escapa para longe, um tranquilo raio de
consciência. E então algo desce, de longe — uma paz, uma luminosidade, autên-
tica e absoluta em sua realidade. Ela desce, penetra-o, apossa-se de seu cérebro
e de seu corpo. Você descobre que ela resolveu todos os problemas, harmoni-
zou todos os contrários e conflitos, porque vem do lar da verdade-mãe. Agora
você não luta, mas conhece: você não tateia, porque é guiado. Você espera e a
cada momento recebe a direção quanto ao que deve ser feito; não tem nenhum
pensamento ou preocupação, o movimento inspirado vem automática e infali-
velmente.
Bem, o valor de uma ideia não pode ser determinado pela própria ideia.
Usualmente ela é escolhida por causa de uma outra razão externa: a própria
educação, o ambiente, o temperamento de cada um, gostos e antipatias têm
uma grande influência em determinar a própria escolha. Assim, a primeira coisa
que você tem a fazer, é não permitir que pensamentos venham em confusão,
como e quando quiserem. Pensamentos devem vir apenas quando você os esco-
lher e apenas aqueles que escolher. Deve haver uma seleção consciente. Como
proceder neste trabalho? Como seus próprios pensamentos não podem esco-
lher-se a si mesmos, o que você deve fazer, no início, é invocar uma direção
mais elevada e colocar-se absolutamente imparcial e passivo em suas mãos. Um
vazio é necessário, um branco, em algum lugar atrás, mesmo que ele não venha
para ocupar a fronte também. Desista da escolha pessoal e espere pela Direção
Mais Alta — o Divino — para fazer com você aquilo que Ele quiser. Propiciados o
necessário silêncio e confiança, a decisão vem inevitavelmente e você é impul-
sionado a fazer automaticamente o que é preciso ser feito, de momento para
momento.
MENTE, ÓRGÃO DA CONSCIÊNCIA SEPARATIVA 73
Contudo, não precisaria ser assim. O homem é solidamente uno com o uni-
verso, é verdade, mas tem em si uma faculdade pela qual pode separar-se e iso-
lar-se do resto do mundo. É o poder mental de autodivisão e dissociação. Atra-
vés desta faculdade, o homem pode colocar o mundo de lado e fora de si (pelo
menos por algum tempo), desligar-se dele e concentrar-se em seu próprio ser,
sua verdade interior. Em outras palavras, fazer o progresso em si mesmo, tão
rápido quanto possível, independentemente, sem esperar pelos outros ou pelo
progresso do mundo, em qualquer grau. E então quando, por sua vez, tiver feito
o progresso em si, alcançado um status mais elevado, ele pode retornar ao
mundo, fazer valer a força de seu progresso e estabelecer um progresso mais
amplo.
Este poder, que na consciência inferior humana aparece como mente ou dis-
cernimento mental, é a imagem ou representação aqui em baixo daquela mes-
ma força de consciência que originalmente separou o mundo do Divino, criou o
ego e colocou-se como uma realidade objetiva contra si mesma. Era uma força
de consciência divisória de concentração exclusiva que criou a brecha no status
74 PARTE VI
original indiviso do Divino: foi isto que precipitou o mundo de negação, de igno-
rância e de inconsciência para fora da Luz e Realidade supremas.
O PESSOAL E O IMPESSOAL
Quando você se eleva em consciência até a origem das coisas, chega final-
mente ao término de tudo: encontra-se além dos nomes e das formas que cons-
troem o universo, além mesmo dos nomes e formas sutis.
17
Upanishad – livro sagrado dos Hindus.
"NÃO TENHO NADA, NÃO SOU NADA" 75
Assim todo o ser, em todas suas partes agia como um agente que grava e
transmite. Foi sob estas condições — no ponto zero da personalidade e cons-
ciência humanas — que o instrumento, que por tanto tempo vivera aparte e por
trás, preocupado mais ou menos consigo próprio, foi levado à frente e assumiu
o trabalho que o Divino dele exigia. O recipiente estava completamente vazio,
uma forma universal e transcendental começou, gradualmente, a plenificar-se
com a própria vontade do Divino e suas formações.
Uma casa está pegando fogo. Tem um telhado de piche. Pode-se facilmente
entender a fúria do fogo. Alguns moradores que estavam presos conseguiram
sair a tempo, embora um tanto machucados e queimados. Mas havia outros,
algumas crianças deixadas no seu interior. Um daqueles que havia saído, corre
novamente para dentro, através das chamas, num vai e vem, até que todos
sejam salvos. Ficou gravemente queimado, arriscou a vida: ele não se importou
porque não podia permanecer afastado a uma distância segura. Não podia se
contentar em salvar-se, o que era certamente uma aquisição suficiente sob um
aspecto. Esta alma tinha consciência de seu eu mais amplo.
sa entrar em contato vivo com a consciência obscura mais baixa e nela colocar
Sua Luz e, gradualmente, purificá-la e iluminá-la. Se, contudo, a consciência reti-
ver sua plenitude de poder e luz e aparecer como tal, ela pode deslumbrar e
conquistar, como um milagre meteórico, mas não deixa nada substancial atrás.
Isto é o que tem acontecido no passado da história do homem. Os santos e os
sábios, os maiores e mais genuínos dentre eles viviam em consciência, na sua
grande maioria, apartados da humanidade e mesmo longe do contato humano.
A terra, por conseguinte, não podia se beneficiar inteiramente de seu exemplo.
Por isso a Mãe diz em suas "Preces e Meditações" que tendo passado além
de todos os desejos, teve, no entanto, que viver no meio do desejo. Sem escolha
própria, sem nenhuma preferência, nenhum apego, nenhuma necessidade de
nada, foi, contudo, colocada em condições comuns de vida, de vida normal
humana. Teve de lidar com o homem comum, tratar de objetos pequenos e
insignificantes da existência material. Numa parte de seu ser, ela tinha que se
identificar com a ignorância e obscuridade, de tal modo que mesmo a distinção
entre consciência e inconsciência — o consciente e o inconsciente — ficou obli-
terada por algum tempo. Naturalmente, o ser mais interior no seu recôndito eu
permaneceu sempre calmo, luminoso, inviolável, mas colocou à sua volta este
corpo de natureza comum para se defrontar com suas reações normais e, atra-
vés delas, gradualmente elevá-lo e treiná-lo para manifestar e encarnar o Divino
mais profundo.
Os deuses são perfeitos; mas, dizem, têm que se tornar homens, descer à
terra e assumir proporções humanas — quer dizer, imperfeições — se quiserem
progredir mais além, atingir níveis ainda mais elevados de consciência. Pois os
deuses são perfeitos, cada um em seu próprio tipo limitado, bem definido e,
portanto, imutável; mas o homem significa uma alma aspirante, quer dizer, infi-
nita — sua própria imperfeição é um sinal e um símbolo de possibilidades sem-
pre maiores. A fluidez de sua natureza significa uma oportunidade.
sua natureza, tradição e cultura. Mesmo um continente tem uma alma. Pode-se
falar da consciência da alma da Europa, da Ásia ou da África. De fato, cada célula
de um organismo tem uma consciência própria; ela pode ser chamada de a
consciência da unidade individual. Muitas destas células se combinam para for-
mar o organismo, o indivíduo (que deste modo pode ser visto como um ser
composto ou coletivo). Muitos indivíduos formam a família — cada família com
suas consciências de grupo (daí a ideia de kuladharma, o gênio da família ou
tradição e o selo da Casa Real). Muitas famílias formam a tribo, aqui também,
cada uma com sua consciência particular. E então famílias e tribos formam a
nação moderna, cada uma com uma alma distinta e quase bem desenvolvida. O
agrupamento continua a alargar-se e temos as várias nações combinando-se
para formar o grupo humano como um todo. A humanidade também tem sua
própria consciência e sua própria alma. Não há um limite de volume ou dimen-
são de um grupo. A terra tem sua consciência de alma, assim como o sol ou uma
estrela ou qualquer outro planeta. O sistema solar ou um sistema galáctico tam-
bém é movido por sua própria consciência secreta.
Quanto mais avança, quanto mais a luz cresce em você, tanto mais sua
admiração aumenta. Conforme sua percepção cresce, seu interesse também se
amplia. Uma nova beleza rodeia, emana de cada objeto e de cada acontecimen-
to. Você não aceita graciosamente as coisas e as deixa passar mecanicamente,
mas cumprimenta cada uma delas como a um convidado, com quem você quer
travar conhecimento e tornar-se familiar, cada qual tendo uma mensagem para
você e você mesmo algo para transmitir. Essa é a fonte de inexaurível deleite e
de um conhecimento sempre crescente.
80 PARTE VI
APRENDER E COMPREENDER
deveria ser aberto, que sua mente e sua consciência deveriam voltar-se e afinar-
se com o objeto que querem apreender. Deve haver alguma luz nelas para rece-
berem a luz de fora e além. Se for mera escuridão, a luz não iluminará; mesmo
que consiga vir, irá embora logo ou será engolfada pela escuridão.
Então, qual é o caminho para esta experiência, para esta abertura da cons-
ciência? A Presença está aí, a Luz está aí, a Graça sempre se inclina para você,
cercando-o. Por seu lado você deve fazer um gesto correspondente. Deve pedir
pela coisa com sinceridade, com seriedade, aspirar por ela incansavelmente.
Deve pedir por ela persistentemente, sem perder a fé ou a confiança, deve con-
tinuar perseverantemente, sem contar o tempo gasto.
Lá está uma porta de ferro, pregada e fixa. Tem que ser arrombada. É a por-
ta que o fecha dentro de sua estreita consciência-ego. Você tem que derrubar a
barreira e abrir-se para fora. Tem que desejar isso, lutar por isso com uma cons-
tância decidida. Há a pressão do outro lado também, a pressão da Graça. Quan-
do sua vontade aspirante encontrar a Graça, certamente fará a abertura neces-
sária na parede morta.
A VINDA DO SUPER-HOMEM
Dizem que quando o supramental descer, virá com tal força, irresistível e
esmagadora, que toda a humanidade será transformada imediatamente. Quer
dizer, que todos os homens, quer queiram ou não, quer a procurem ou não,
82 PARTE VI
serão automaticamente transformados? Não pode ser assim: esta é uma doutri-
na cômoda que premia a preguiça e a inércia.
EM DIREÇÃO À REDENÇÃO
18
Dharma – a lei do ser, a verdade do ser.
EM DIREÇÃO À REDENÇÃO 83
*****
Era um longo e árduo trabalho. Levou e está levando, mesmo agora, séculos
e mais séculos para o único Ser que podia fazer isso, preparar-se vagarosamen-
te, escalar gradualmente os degraus pelos quais a criação escorregara, recupe-
rar penosamente o terreno e alcançar o propósito escondido, reivindicando
amplamente o desvio e a queda. Através de caminhos tortuosos, longos e sinuo-
sos, através de caminhadas árduas, o espírito de evolução labuta há milênios; foi
o instrumento utilizado pela Graça Divina.
dar e tomar, para que até mesmo existir significasse existir através dos outros. A
sociedade humana começou desse modo. O animal humano solitário, em bene-
fício próprio, teve de sair de sua solidão, tomar uma companheira e assim gra-
dualmente constituir família. A parede do egoísmo foi derrubada até este ponto,
sua esfera ampliada. Este alargamento do ego continuou — e ainda continua —
aumentando a capacidade da unidade. Da família, o ego humano ampliou-se na
tribo e o ego tribal alargou-se agora na nação. Agregados cada vez mais exten-
sos estão sendo formados em lugar das unidades individuais originais. As nações
também estão agora se aproximando e interpenetrando-se e de muitos modos o
todo da humanidade começou a viver como um agregado. O indivíduo tem
assim aprendido a encontrar-se a si mesmo na vida da humanidade como um
todo. Ele tem que olhar — ou logo terá de fazê-lo — para toda criação como
uma única existência na qual e através da qual ele tem que existir. Assim, o uni-
verso está recobrando a sua unidade indivisível original, tendo também ganho
alguma coisa no processo; porque não é mais a unidade inexpressiva da fonte,
mas a unidade enriquecida e múltipla em expressão. Sobretudo o indivíduo
pode continuar ainda mais além. Ele tem e agora está apto, não somente em
sua consciência individual como também na coletiva, a voltar-se e caminhar
direto para sua unidade original; ele pode estabelecer contato direto, comungar
e unir-se com o Próprio Divino de onde veio e do qual se afastou. Os planos de
ascensão estão dentro de si e são paralelos àqueles no exterior, que o universo
está percorrendo no seu caminho de evolução. Tal é o processo que a Graça
Divina empreendeu para cumprir o propósito Divino na criação.
*****
As lágrimas que a alma derrama são santas, são doces. Enviadas pelo Divino,
são abençoadas por Sua Presença. Como o orvalho do céu, são puras, espontâ-
neas, jorrando de um coração de franqueza inocente. A sensação é infinitamen-
te impessoal, completamente desligada do ego. Há apenas um intenso movi-
mento de autodoação, total e simples. As lágrimas são a expressão natural de
alguém que precisa de ajuda, que tem a entrega completa e a simplicidade de
uma criança, a abdicação de toda a vaidade. Estas lágrimas são bonitas em sua
natureza e benéficas em caráter. São como gotas de orvalho que pertencem aos
céus e vêm de lá com uma virtude curadora soberana. Estas lágrimas não são
"lágrimas frívolas", como diz o poeta inglês num veio de melancolia, mas são
investidas de um poder, uma energia efetiva que traz alívio, calma e paz. Este
sentimento formado de intensidade e aspiração e entrega tranquilas, sem mis-
tura, livre de qualquer exigência ou necessidade de recompensa ou devolução
não é somente puro, mas purificador. É tão impessoal que a aspiração torna-se,
por assim dizer, até mesmo independente do objeto pelo qual existe.
Numa suprema crise da alma, quando parece não haver solução, se você se
abrir, na simplicidade singela de todo seu ser, numa torrente de autodoação,
Àquele que possa ser seu refúgio — no fim, só o Divino pode ser isso — e que
possa responder totalmente à intensidade e ardente sinceridade de sua aproxi-
mação, quando vier segurando sua alma em lágrimas, numa completa autodoa-
ção, você nem sabe que tremenda resposta evoca, a bênção divina que você traz
para si e à sua volta.
19
“Preces e Meditação” da Mãe, 03/09-19
86 PARTE VI
Não foi fácil preparar o Banquete. Tive de suportar o peso total da cruz e
ascensão ao Calvário. Jesus, enquanto subia para seu destino com a Cruz às cos-
tas, tropeçava frequentemente, e caía e se levantava novamente, com membros
feridos, para começar novamente a penosa jornada. Mesmo assim, este ser
também teve que passar através de muitas desilusões e decepções, muitas
experiências brutais e dolorosas. Não foi uma caminhada suave e reta, mas uma
subida tortuosa e perigosa. Mas no fim do túnel sempre existe a luz. O Calvário e
a crucificação culminaram na Ressurreição: a divina Paixão de Cristo floresceu
nesta suprema Recompensa. Aqui também, depois de todas as vicissitudes escu-
ras e adversas, está a realização da transformação. Deve-se passar através de
todo o vale da morte e elevar-se ao cume mais alto para receber e alcançar a
plenitude da glória. Deve-se deixar para trás todos os níveis inferiores de igno-
rância, o domínio inteiro da consciência humana, e sair da imperfeição da qual o
homem é feito. Somente então ele vestirá a natureza divina como seu próprio
corpo e substância.
*****
IDENTIFICAÇÃO DE CONSCIÊNCIA
sas e seres, com o mundo exterior. A isso as "Preces" também se referem cons-
tantemente. Na realidade, entretanto, há somente uma consciência; está em
todo lugar, em todos os objetos, no universo e além. Quando, em algum lugar,
um limite é colocado à sua volta, uma moldura é levantada, então ela se torna
ou parece se tornar uma consciência individual. É o ego do homem, um lugar ou
ponto que separa e se isola da consciência global, e assim se desliga do Divino; é
a esse ego, a essa consciência separativa que se pede para exceder os próprios
limites e recuperar sua unidade natural com a consciência única. E quando ela
pode fazê-lo, diz-se ter sido feita a identificação com o Supremo. Contudo, ao
lado disso, apesar da consciência ter se separado e se individualizado em dife-
rentes centros, mesmo assim ela existe e age escondida em todas as múltiplas
variedades de formas, desde a mais pequenina até a maior. A mesma consciên-
cia está viva no átomo, na pedra, na planta, no animal, na terra e no sol e nas
estrelas, no universo como um todo. Cada objeto, grande ou pequeno, vivo ou
não, consciente ou inconsciente, contém essa consciência no seu centro e
incorpora-a ou expressa-a de vários modos.
Considere, por exemplo, seu país, a índia. Quando você diz "Índia", o que
quer expressar? É o limite geográfico que recebe esse nome ou a expansão de
solo contida dentro daquele limite, ou seus morros e rios, florestas e campos, ou
as feras que nela vagueiam, ou seus habitantes humanos, ou tudo isso junto?
Não, é algo mais, é um centro de consciência que tem como sua moldura corpó-
rea um limite geográfico particular. É isto que habita nas suas montanhas e pra-
dos, vibra em sua vegetação, vive e se move no seu reino animal. E é isto que
está por trás da mente e da aspiração de seu povo, animando sua cultura e civi-
lização e movendo-a em direção à iluminações e conquistas cada vez mais ele-
vadas. Não é apenas a índia, mas cada país na terra tem sua consciência que é o
núcleo central de sua vida e cultura. Não apenas isso, mas a própria terra, a ter-
ra como um todo, tem uma consciência no seu centro e é a incorporação dessa
consciência; e a evolução da terra significa o crescimento e a expressão dessa
consciência. Da mesma forma, o sol também tem uma consciência solar, um ser
solar que preside seu destino. Além disso, o universo também tem uma cons-
ciência cósmica, una e indivisível, movendo-o e guiando-o. E ainda além existe a
consciência transcendental fora da criação e da manifestação.
A CONSCIÊNCIA CENTRAL
OS CONSTANTES DO ESPÍRITO
O TRABALHADOR DESPRENDIDO
A Prece diz: "Eu procuro minha mente consciente e não a acho mais..." Nor-
malmente, a pessoa é consciente de si. Tudo que faz, ou todas as vezes que faz
algo, a consciência sempre permanece por trás, "Eu estou aqui, Eu estou fazen-
do". E se esta percepção de "Eu estou" não estiver lá, não se pode fazer nada.
Toda ação para automaticamente se eu não vejo ou não sinto que estou agindo.
Mas esta é a natureza da consciência comum; na consciência espiritual, as coisas
são de outra forma. Consciência espiritual significa a consciência na qual este
sentido de "Eu estou fazendo" ou mesmo "Eu sou" desapareceu, dissolveu-se.
Na verdade, o trabalho é feito não por mim, no sentido "Eu-ismo", mas pela
Prakriti, a Natureza, aparentemente pela Natureza Inferior, secretamente pela
Natureza Superior. Quando o "Eu" desaparece, a força que estava trabalhando,
continua a trabalhar, somente o senso do "Eu" ligado a ela (na ignorância e por
ignorância) não está mais aí. Ou, o "Eu" submergiu completamente na Força que
trabalha e está uno com ela. O que é consciente não é a personalidade ou o Eu
individual, mas a Força de ação.
SEGUNDA VISÃO
o psíquico). Não apenas isto, em cada nível ou plano todos os outros estão
envolvidos, isto é, acham-se ocultos. Assim, na mente existe uma mente vital e
uma mente física; no vital, há um vital mental e um vital físico. Assim no físico
também existem estas três gradações: 1) o físico físico, 2) o físico vital e 3) o físi-
co mental.
Mas existe uma outra classe onde não se cogita de vibração material; é a
vibração vital no físico que toca o físico vital do receptor. O elefante que acha
água ou sente a estrada oca é um exemplo disso. O físico mental, o último dos
três, é uma espécie de intuição no físico; é o que usualmente se chama "instin-
to". Um gato, por exemplo, colocado num saco e levado de sua casa a uma dis-
tância de várias milhas, achará seu caminho de volta. Um cão andará quase o
mundo todo e achará e reconhecerá seu dono mesmo depois de muitos anos (o
primeiro a reconhecer Ulisses foi seu cão).
da a uma vida fechada, perde seu instinto natural, torna-se confusa e não sabe
distinguir a comida certa da errada, porque lhe dão sempre coisas preparadas
pelo dono.
Dizemos que o animal age por instinto, quer dizer, ele vai direto à coisa a ser
feita. A fim de fazê-la, ele não faz uma escolha entre possibilidades, não há
nenhum processo seletivo em sua consciência. E somente a consciência humana
que diz, "isto não é para ser feito, mas aquilo é para ser feito, não isto mas aqui-
lo", ou formula a pergunta "qual deles, ser ou não ser?" Isto é o que queremos
dizer por discriminação ou deliberação. Normalmente esta faculdade está
ausente no animal. Falamos de sentimentos refinados no homem; "refinados"
aqui não significa sempre enobrecidos ou moralmente elevados. Também
podem significar mais sutis, mais complicados e ser aplicados a alguns sentimen-
tos mais básicos — acentuadamente perversos — que são talvez peculiarmente
humanos. Os animais domésticos, algumas vezes, os contraem dos homens:
inveja, desprezo, represália, vingança a um extremo grau, provavelmente se
encontram mais entre animais que convivem com homens do que entre os que
se encontram em estado selvagem. Ouvimos falar de elefantes remoendo-se
durante longos meses por causa de um ferimento ou mesmo um insulto, e vin-
gando-se quando a ocasião se lhes apresenta. E ouvimos falar de um gato que se
atirou de uma janela para a rua e se matou, simplesmente porque pensou que
sua dona mostrasse mais amor por um outro gato.
Há duas coisas que não deveriam ser confundidas uma com a outra, a saber,
o que se é e o que se faz, o que se é essencialmente e o que se faz no mundo
exterior. Elas são muito diferentes. Sei o que sou. E o que os outros pensam e
dizem ou qualquer coisa que aconteça no mundo, não altera essa verdade que
permanece inabalável, inalterável, um fato. É real para si mesma e a negação ou
a afirmação do mundo não aumenta nem diminui essa realidade. Mas sendo o
que sou, o que faço realmente é totalmente uma questão diferente: dependerá
das condições e circunstâncias onde as coisas estão e nas quais e através das
quais eu deva trabalhar. Conheço a verdade que trago, mas quanto dela acha
expressão no mundo, depende do próprio mundo. O que trago, o mundo deve
ter a capacidade e a vontade de aceitar: de outra forma mesmo se eu trouxesse
comigo a verdade mais alta e mais imperativa, ela seria, absolutamente inexis-
tente para uma consciência que não a reconhecesse nem a recebesse: o ser com
essa consciência não tiraria dela o mínimo proveito.
mento que viaja, a alma, uma colaboração consciente deve ser despertada, um
consentimento inicial e uma adesão renovada constantemente. É isto que traz
para fora, pelo menos ajuda a estabelecer no exterior, no plano físico, a força
que já está e tem sempre estado a trabalhar dentro e nos planos mais altos e
mais sutis. Esse é o esquema do jogo, o sistema de condições sob os quais o jogo
é executado. A Graça trabalha e se incorpora em e através de um corpo de cola-
boradores conscientes e de boa vontade: estes tornam-se parte e parcela da
Força que trabalha.
PARTE VII
Todo o mundo material e físico, toda a terra — refiro-me à terra porque nos
preocupamos mais diretamente com ela do que com outras regiões — tem sido
até agora governada por forças de consciência que vêm daquela região que Sri
Aurobindo chama de Sobremente. Mesmo a coisa que o homem chama de Deus
é uma força, um poder na Sobremente. O universo inteiro tem estado, por assim
dizer, sob o domínio deste status de consciência. Mesmo assim, você tem de
passar por muitos graus ou níveis intermediários para chegar à Sobremente e
quando você chega lá, a primeira impressão é de uma luz ofuscante que quase o
cega. Mas pode-se e deve-se pressionar e ir além. Sri Aurobindo diz que a
regência da Sobremente está agora justamente chegando ao fim e a regência da
Supermente tomará seu lugar. Todas as experiências espirituais do passado
foram concernentes à Sobremente. Assim, isso é uma coisa conhecida de todos
que encontram o Divino e que estão identificados com Ele. O que Sir Aurobindo
diz é que existe alguma coisa além da Sobremente, que está situada num degrau
mais alto e que agora é a vez deste status mais elevado descer e reinar. Não
precisamos falar muito da Sobremente, porque todos os santos e videntes,
todas as religiões e disciplinas espirituais, escrituras e filosofias falaram dela
detalhadamente. Todos os deuses conhecidos e familiares aos homens estão lá
no seu panteão. O que queremos, o que é necessário agora é uma nova revela-
ção, uma manifestação de certo modo nova, da qual muito poucos estiveram
conscientes no passado. Não estamos aqui meramente para repetir o passado.
Mas isso é tão difícil! É difícil para as pessoas deixarem experiências que
tiveram, largarem aquilo que, repetidamente e em toda parte, ouviram e leram
a respeito. E difícil não pensarem na Supermente em termos de Sobremente,
não confundirem a Supermente com a Sobremente. São incapazes de conceber
algo além ou diferente. Sri Aurobindo costumava sempre dizer que seu Yoga
começava onde todos os Yogas passados terminavam. Para realizar o Yoga dele
já se deve ter chegado ao limite extremo daquilo que os antigos realizaram. Em
outras palavras, já se deve ter tido a percepção do Divino, a união e identifica-
ção com o Divino. Esta divindade, diz Sri Aurobindo, é o Divino da Sobremente,
que já é em si algo bastante inconcebível para a consciência humana e mesmo
para chegar lá, é necessário elevar-se através de muitos planos de consciência e,
como disse, fica-se ofuscado e atordoado, mesmo neste nível.
REALIZAÇÃO, PASSADA E FUTURA 97
Há seres do mundo vital que, todas as vezes que aparecem aos homens, são
por eles tomados por deuses supremos. Você pode chamar isso de ilusão mas é
uma aparência enganosa muito bem sucedida, pois frequentemente pessoas
que os veem ficam totalmente convencidas de que aquilo que veem é na verda-
de o próprio Deus. Contudo, esse Deus é somente um ser vital. Mesmo assim, os
seres da Sobremente são tão assombrosos em comparação conosco, seres
humanos, que ficamos verdadeiramente atordoados toda vez que entramos em
contato com essas entidades. E a Supermente e os seres supramentais estão
ainda mais além. Assim, você pode compreender a distância a ser ainda percor-
rida.
Mas há uma espécie de Graça que vem a seu auxílio. Se um cientista tivesse
novamente que repassar todas as experiências que já foram feitas, tudo que os
outros descobriram no passado em seu ramo, para fazer um progresso mais
além, para chegar a uma nova descoberta, então, ele teria de passar toda a vida
repetindo o passado e não sobraria tempo para nada mais. O cientista, em vez
disso, abre um livro ou consulta uma outra pessoa que esteja familiarizada com
o passado e adquire todo o conhecimento que requer sobre o assunto. Sri Auro-
bindo quis fazer algo semelhante no domínio espiritual. Pede-lhe para recolher a
experiência do passado — está toda aí gravada na história da terra — e conti-
nuar. Baseando-se nisso você se eleva a planos ainda mais altos. Entretanto,
você pode perguntar pertinentemente, porque nós não começamos com seres
sobrementais; deveríamos ter aqui, digamos, apenas Vivekanandas e não criatu-
ras frágeis e comuns.
Você pensa que o trabalho teria sido mais fácil? Tais seres, ao contrário,
teriam sido menos controláveis e maleáveis. Pois é muito difícil convencer
alguém que já tenha tido uma realização. Ele acredita que já alcançou a meta e
que nenhum progresso posterior lhe seja necessário. Geralmente acontece,
especialmente com homens que se esforçaram e realizaram o objetivo de seus
esforços, que eles não progridem mais e param nisso, porque sentem que já
alcançaram sua meta final. Acomodam-se e lá se fixam. Era seu alvo pessoal e o
conseguiram. O cérebro deles torna-se cristalizado e sua consciência fossilizada.
Viverão lá toda a vida e nunca saberão como continuar. Assim, digo eu, aqueles
que tiveram uma experiência ou realizaram algo em si próprios, não são neces-
sariamente os mais adiantados porque falta-lhes um elemento de simplicidade,
de modéstia, de plasticidade, que ocorre com alguém que sinta que não se
desenvolveu plenamente e tem que se desenvolver ainda mais.
de um mostruário, num museu. Ela é uma amostra do que foi feito e do que
pode ser feito. Mas aí você não tem o estofo para prosseguir. Preferiria, para
meu trabalho, alguém Que tivesse talvez pouco conhecimento mas muita boa
vontade, uma grande aspiração, que sentisse dentro de si esta chama, esta
necessidade de ir para frente. Digo, ela pode saber pouco, ter realizado ainda
menos, mas aqui está um bom material, com o qual se pode ir longe, muito lon-
ge. Além disso, há um outro ponto a ser considerado. Como no alpinismo, um
guia é muito útil, mesmo indispensável, para que possa lhe mostrar o caminho
certo e torná-lo mais fácil para que você possa escalar alturas cada vez mais ele-
vadas. Assim, na ascensão espiritual, um guia, se você tiver a boa sorte de
encontrar um, ajudá-lo-á a elevar-se muito mais alto do que poderia fazê-lo por
sua força e visão pessoais de um objetivo fixo. Você não fica orgulhoso de sua
descoberta e não perde tempo ou energias em buscas e investigações inúteis.
O UNIVERSO EM ESPIRAL
A evolução não se processa em linha reta, mas em espiral. Quer dizer, não é
um constante progresso em uma única direção, mas consiste em progressão,
regressão e uma progressão final. O movimento em espiral significa que todas as
coisas devem entrar no fenômeno de evolução, para evitar que apenas uma úni-
ca coisa progrida deixando as outras para trás, mas que tudo se mova para fren-
te — tudo se move para frente mas em diferentes velocidades e também de
diferentes pontos de partida. E elas se movem, não em linha reta como o vôo do
corvo, mas em círculo, como a águia que paira nas alturas. Se você concentrar-
se sobre um ponto do círculo, verá, em relação a ele, que muitos outros não
avançam de modo algum, mas recuam e o ponto mesmo parecerá às vezes estar
retrocedendo em direção a uma posição ocupada anteriormente. Anda-se para
trás para apanhar certos elementos que não foram incluídos no progresso, não
devidamente trabalhados. Acontece, usualmente, que quando você progride
numa coisa, esquece outra; assim tem que voltar para apanhar o elemento
negligenciado. Então, você tem que dar voltas e mais voltas, por assim dizer, até
abranger a totalidade de seu ser, até mesmo abraçar a totalidade do universo.
Contudo, quando tiver reunido o fator negligenciado e voltado à posição original
de onde tinha aparentemente regredido, você descobrirá que não está exata-
mente no mesmo ponto, mas num ponto correspondente em um plano mais
alto. Isto forma uma espiral, não meramente um círculo.
O UNIVERSO EM ESPIRAL 99
Você pode trazer para dentro dele uma ordem melhor, com menos desper-
dício e mais eficiência, uma organização mais consciente. Mas para isto, o
homem deve mudar primeiro sua própria organização interior. Em sua própria
consciência e ser, ele deve introduzir uma nova ordem, um novo cosmos.
100 PARTE VII
O MUNDO SERPENTE
Alguma vez você já se perguntou porque este universo existe afinal, pelo
menos esta terra com a qual estamos tão preocupados e que nos parece tão
O REGISTRO DA HISTÓRIA DO MUNDO 103
real, tão autêntica? Seria talvez mais sábio de sua parte não perguntar. Frequen-
temente tenho lhes falado de Théon. Ele era verdadeiramente um sábio, a seu
modo. As pessoas costumavam procurá-lo e fazer-lhe perguntas. Muitos per-
guntavam porque existia um universo. Ele respondia: "Mas o que lhe importa
isso?" Alguns perguntavam "Por que o universo é assim?" a isso ele dizia: "Ele é
o que é, que diferença faz para você?" Outros ainda comentavam: "Eu não con-
sidero o mundo um acontecimento satisfatório". Agora chegamos mais ao ponto
principal. Para aqueles que acham o mundo insatisfatório, dizia: "Comece a tra-
balhar, tente mudá-lo. Descubra um modo de fazê-lo de outra forma, para que
possa torná-lo melhor". As coisas são o que são, não adianta especular a respei-
to e preocupar-se. Procure meios de remediá-las para que possam tornar-se o
que deveriam ser. Por que as coisas são o que são? Não que não se possa saber
a razão, embora nunca se tenha certeza. A melhor coisa a fazer é aceitar o que
quer que seja como é, e tentar mudá-lo naquilo que deveria ser. Agora, a mara-
vilha disto é que se você for sincero, se desejar saber verdadeiramente e traba-
lhar honestamente, saberá porque as coisas são o que são — a causa, a origem e
o processo — pois são apenas um. Há uma única verdade na base das coisas; se
ela não estivesse lá, nada existiria. Se você captar essa verdade, conhecerá ao
mesmo tempo a origem da criação e os meios de mudá-la também. Em outras
palavras, se estiver em contato com o Divino — pois o Divino é essa base —
você estará de posse da chave de todas as coisas, saberá 0 porquê, o como e o
processo para a mudança. A coisa a fazer, então, é começar a transformá-la.
Mas você Poderá dizer que ela é grande demais, muito difícil, enorme, para que
você possa trabalhá-la no mundo ou para o mundo. Muito bem, comece então
por você mesmo. Você é uma pequena massa de substância, um símbolo ou
representante do universo. Que seu trabalho seja o de formar e remodelar essa
partícula. Concentre-se nela, aprofunde-se dentro daquela sua pequena pessoa
e achará a chave há tanto procurada.
Tudo que aconteceu na terra, tudo, desde o começo da criação até agora,
tudo sem exceção, foi registrado em algum lugar, em algum mundo particular
ou região de consciência. Tudo que o homem pensou, suas pesquisas e desco-
bertas, seus achados e suas conclusões são conservados intactos, cuidadosa-
mente armazenados. Se você quiser saber qualquer coisa da história passada da
terra, algum acontecimento num determinado tempo e lugar, você deverá sim-
plesmente transportar-se para aquele mundo e procurar nos registros.
A questão, entretanto, é como chegar até lá. Bem, a primeira coisa a fazer é
silenciar sua mente completamente. Cogitações mentais e agitações devem ser
deixadas para trás, nenhum pensamento deve entrar em sua consciência, ela
deve estar tranquila e imóvel como um lençol de água transparente ou lisa e
polida como um espelho. A descrição que fiz de uma biblioteca é apenas uma
imagem, a coisa real é algo diferente. Entretanto, desta forma você tem alguma
ideia para se basear. Na mente silenciosa você forma um ponto de consciência e
o envia como mensageiro para colher a informação requerida. Este ponto de
consciência deve estar totalmente desligado e ter a liberdade de ir para onde
quiser, pois se ficar preso a qualquer forma dos movimentos normais de sua
própria mente, então, você não irá mais longe do que existe em sua cabeça.
Você deve ser capaz de tornar seu cérebro vazio, não deve ter nenhuma noção
preconcebida, nenhuma ideia de que a solução de seu problema esteja neste ou
naquele caminho. Como disse, sua mente tem que se tornar uma página absolu-
tamente em branco, uma lousa limpa, sem nada escrito nela,nem mesmo uma
marca. Deverá haver, em vez disso, uma aspiração sincera para conhecer a ver-
dade, sem postular de antemão que espécie de verdade deverá ser, senão você
encontrará no cérebro sua própria formação.
É como a imagem de ler um livro que lhe dei. Mas é, como disse, apenas
uma imagem. O que ocorre realmente, é uma espécie de percepção. E a percep-
ção pode ser na forma de uma imagem, pode ser na forma de uma narrativa.
Outras vezes pode ser uma simples resposta a uma determinada questão. Há
muitas espécies e variedades de registros, diferindo de acordo com os tipos ou
níveis de consciência que você alcança.
LIBERDADE E DESTINO
Você pode chamar a isto de intervenção da Graça, porque sem a Graça Divi-
na isto não podia acontecer. Existe uma consciência e uma visão das coisas na
qual tudo é trazido de volta a esta única força; apenas a Graça existe, não há
nada mais ali. Isso faz tudo. Mas como você não se elevou até este ápice, não
teve essa realização extrema, tem que tomar em consideração sua própria pes-
soa, sua aspiração pessoal, a coisa que chama pela Graça, à qual a Graça res-
ponde. Os dois são necessários aqui. Enfim, ambos são modos de ver a mesma
verdade, a mente, contudo, acha difícil conceber os dois em um movimento
simultâneo. As rígidas distinções que faz, desperdiçam muito da verdade inte-
gral, sutil e flexível de uma experiência total.
A VERDADE DIVINA — SEU NOME E SUA FORMA 107
A verdade divina no âmago das coisas tem sido chamada por toda espécie
de nome, cada um apresentando-se segundo seu próprio ângulo de experiência.
Mas ela é sempre a Realidade única. Há milhões de modos que conduzem a ela.
Mas uma coisa é certa: você pode encontrá-la e qualquer que seja o caminho
que siga, qualquer que seja a forma que lhe dê, o resultado é sempre o mesmo,
a experiência final é idêntica. Se todos tiverem-na alcançado, esbarram sempre
na mesma coisa. E a prova de que entraram em contato com a verdade divina é
que ela é a mesma para todos; se não fosse a mesma coisa, não a teriam tocado.
Você pode lhe dar o nome que quiser, pois um nome é apenas uma palavra.
Qual é o valor de uma palavra, afinal? Você já notou que há pessoas que não
o entendem, embora lhes fale claramente? Há outras, ainda, que o entendem
mesmo que você pronuncie apenas duas palavras. A forma externa — o som de
uma palavra — só tem sentido se existir uma força de pensamento por trás.
Quanto maior a força de pensamento, mais poderosa e precisa e clara ela é,
maior a chance das pessoas receberem a força e entenderem a palavra que car-
rega a força. Mas quando alguém fala sem pensar, de modo geral, é impossível
entendê-lo; ouve-se apenas um barulho.
Você deve ter notado também que pessoas que vivem juntas e estão habi-
tuadas ao pensamento e ao modo de falar uma da outra, não necessitam definir
as palavras que usam ou mesmo usá-las em profusão para se entenderem. Hou-
ve um ajustamento mental e as palavras são apenas o pretexto para o contato
interior, o contato entre o cérebro e cérebro, que está subjacente ou mesmo
precede as palavras. Mas quando você faz um novo conhecimento, leva algum
tempo para se adaptar, e se ajustar para compreender as palavras que o outro
usa.
Você espera ver uma forma divina em todas as coisas? Pode acontecer, mas
não posso afirmar com certeza. Tenho a impressão de que há uma grande dose
de imaginação nessas experiências. Você pode, por exemplo, ver a forma de
Krishna ou de Cristo ou Buda em cada ser ou coisa. Mas digo-lhe que muito da
concepção humana entra nesta percepção. De outra forma, como estava dizen-
do justamente agora, não seria verdade. Disse que todos que têm a consciência
do Divino, todos que entram em contato com o Divino, onde quer que estejam,
em qualquer era ou país a que pertençam, todos têm a mesma experiência
essencial. Se não fosse assim, os hindus veriam sempre um de seus deuses, os
europeus um de seus, os japoneses uma terceira variedade e assim por diante.
Isso pode ser uma adição da própria formação mental de cada um, mas não
seria a Realidade na sua essência ou pureza, que está além de qualquer forma.
Uma pessoa pode ter uma percepção da Presença Divina, uma percepção muito
concreta, pode mesmo ter um contato pessoal com o Divino. Mas não precisa
acontecer na forma e através da forma específica que imagina. É algo inexprimí-
vel, além de toda explicação ou definição, evidente apenas para aquele que tem
a experiência. Quando você é subitamente elevado a uma condição peculiar e se
encontra na presença do Divino, pode ser que Ele tome uma forma que lhe
pareça familiar, uma forma que você esteja acostumado a associar ao Divino por
causa de sua educação, de sua formação e tradição. Mas, digo, não é a suprema
essência da experiência: afinal, a forma dá uma limitação à experiência, tira dela
sua universalidade e grande parte de seu poder.
A IGNORÂNCIA SIMBÓLICA
DOENÇAS E ACIDENTES
Não necessariamente, sem dúvida. Doenças são geralmente, como lhes dis-
se, um deslocamento entre as diferentes partes do ser, uma espécie de desar-
monia. Pode ser que o corpo não tenha acompanhado o movimento ! de pro-
gresso, possa ter ficado para trás enquanto as outras partes, ao contrário, fize-
ram progresso. Neste caso existe um desequilíbrio, uma quebra de harmonia
que produz uma doença, quero dizer, no corpo, pois a mente e o vital também
podem continuar bem. Há muitas pessoas que estão doentes há anos, sofrendo
de doenças terríveis e incuráveis e contudo mantém seu poder mental maravi-
lhosamente claro e ativo e continuam, a fazer progresso naquele setor. Houve
um poeta francês, um ótimo poeta chamado Sully Prudhomme que estava mor-
talmente doente; foi durante essa época que escreveu seus poemas mais boni-
tos. Estava sempre de bom humor, encantador e sorridente, agradável a todos,
enquanto seu corpo decaía. Você deve se lembrar como o grande Luiz XIV cos-
tumava brincar e rir quando, nos últimos dias de sua vida, seu corpo estava sen-
do dilacerado e entregue às sanguessugas pelos médicos e cirurgiões. Varia de
indivíduo para indivíduo. Pois há pessoas de outro tipo que ficam totalmente
perturbadas, da cabeça aos pés se houver a mais leve indisposição física. Cada
um tem sua própria combinação de elementos.
É claro que há uma relação entre a mente e o corpo, uma relação bem ínti-
ma. Na maioria dos casos é a mente que faz o corpo ficar doente, pelo menos é
o fator mais importante na doença. Como disse, há pessoas que mantém a men-
te clara embora o corpo sofra.
Mas é muito raro e muito difícil manter o corpo sadio quando a mente sofre
ou está desequilibrada. Não é impossível, mas muito, muito raro. Pois como lhe
expliquei, a mente é que é a mestra do corpo, o corpo é um servo obediente e
obsequioso. Infelizmente, não sabemos como usar a nossa mente, não apenas
isso, usamo-la mal, da pior forma possível. A mente possui um considerável
poder de formação e de ação direta sobre o corpo. É precisamente este poder
que é usado pelas pessoas para fazerem seus corpos doentes. Assim que algo
não vai bem, a mente começa a se preocupar, cria formações de catástrofes
vindouras, cultiva toda espécie de futuros perigos imaginários. Bem, se em vez
de deixar a mente atacar e destruir, se a mesma energia fosse usada para um
propósito melhor, se boas formações fossem feitas, por exemplo, dando auto-
confiança ao corpo, dizendo-lhe que não há nada para se preocupar, que é ape-
nas um mal estar passageiro e assim por diante, nesse caso, o corpo seria colo-
cado numa certa condição de receptividade e a doença iria embora tranquila-
110 PARTE VII
mente como veio. Assim é que se deve ensinar a mente a dar boas sugestões ao
corpo e não amesquinhá-lo. Resultados maravilhosos serão conseguidos se você
fizer isto apropriadamente.
se você for tomado pelo medo, por previsões tenebrosas ou se em sua cons-
ciência se sentir derrotado, então, você estará perdido.
Como digo, não é a mente que decide. É uma atitude interior, um equilíbrio
do ser, a consciência certa que reage da maneira certa. Seu efeito vai muito lon-
ge. Você não sabe que poder é. Mesmo se for somente por uma fração de
segundo, ela faz milagres. Só que ela já deve estar lá, você já deve estar no esta-
do de alerta, porque naquele momento você não tem tempo de invocá-la.
Você pode dizer outra vez que é a Graça Divina que salva. Mas poderia expli-
car como ela trabalha? Seria interessante, na verdade, descobrir que, quem
tinha precisamente a consciência desperta, tinha também fé e confiança inte-
rior, havia chamado por auxílio e tinha em si aquilo que respondeu automatica-
mente — e mesmo de uma certa forma inconscientemente — a algo que veio
para dentro. A inteligência humana é uma coisa relativa e tem graus de poder
que variam. Usualmente ela entende por contrastes e opostos. Não entende
uma verdade na sua tonalidade. Por exemplo, tenho recebido centenas de car-
tas de pessoas agradecendo-me por terem sido salvas do perigo. Mas não me
lembro de ter recebido nenhuma carta agradecendo-me por que as coisas foram
normais e nada aconteceu. Os homens percebem a a ação da Graça somente
quando há a atmosfera pessimista e há um perigo do qual escapam, quer dizer,
quando já há prenuncio do acidente e quando o acidente foi evitado. Quando
escapam do perigo em segurança então é que prestam atenção à força que sal-
va. De outra forma não teriam sequer pensado nela. Se a viagem que fizeram
tiver ocorrido sem nenhum acidente, não pensariam que estivesse Presente
qualquer ação da Graça. Aceitam-na como uma coisa normal. Mas precisamente
porque é assim, talvez haja uma Graça de uma ordem superior atuando aí e pos-
sa já existir uma harmonia pré existente mais profunda entre a consciência da
pessoa e a força mais alta à qual ela responde. A chance de um acidente já é o
começo do deslocamento do qual falei. Mas a situação torna-se complicada se é
o caso de acidente coletivo. O resultado então depende da atmosfera das pes-
soas envolvidas. É a proporção destes dois elementos nas pessoas envolvidas
num acidente coletivo, que determina o caráter e a magnitude do acidente.
Vou lhe contar uma história, quero dizer, uma história verdadeira a esse res-
peito. Havia um piloto que era considerado o que se chama de um ás entre os
seus companheiros da Primeira Guerra Mundial. Era um aviador extraordinário e
um herói de muitas vitórias. Nada jamais lhe acontecera em tempo algum. Mas
perto do fim da vida, um acidente ocorreu — alguma tragédia particular — e
subitamente teve a sensação de que algo iria lhe acontecer, um acidente talvez
e tudo estaria terminado para ele. Havia saído da guerra mas ainda estava no
112 PARTE VII
exército. Queria fazer um vôo à África do Sul, da França direto ao sul da África.
Partiu da França e dirigiu-se à Madagascar, ao que me lembro, e então queria
voar de volta para a França. Bem, meu irmão era nessa época o governador do
Congo e precisava voltar a seu posto o mais breve possível. Ele pediu um lugar
no avião do piloto de quem estou falando. Não era um avião de serviço regular,
mas um destes usados para testes, para mostrar a habilidade do aviador e a
capacidade das máquinas. Muitos tentaram dissuadir meu irmão de fazer a via-
gem, dizendo que estas viagens aventurosas eram sempre perigosas. Meu
irmão, contudo, não se importou com o risco. Nada sério aconteceu, exceto um
ligeiro enguiço no meio do Saara, que foi facilmente reparado e o avião fez uma
jornada a salvo e deixou-o em seu lugar no Congo. O avião continuou em dire-
ção à Madagascar. Bem, o piloto começou a voltar, fez metade da viagem, e
então seu avião espatifou-se e ele morreu imediatamente. Explicarei a vocês o
que realmente ocorreu. O que aconteceu tinha que acontecer, era um resultado
previsto. Meu irmão tinha uma absoluta fé no seu destino, uma certeza que
nada o tocaria. A consciência do outro era, ao contrário, cheia de dúvidas e
apreensões. Assim, a mistura das duas atmosferas fez com que em primeiro
lugar, o acidente não pudesse ser evitado, mas impediu que se tornasse uma
catástrofe.
Se você olhar a coisa de um modo comum, não percebe nada. Mas o fato
está aí. Você deve ser muito cuidadoso com suas associações. Uma associação
infeliz pode ser desastrosa para você. O Karma dos outros pode cair-lhe em
cima, a não ser que você tenha o conhecimento interior, a visão e o necessário
poder. Se você vir uma pessoa com algo como um redemoinho escuro à volta,
O PROBLEMA DO MAL 113
evite-o de todos os modos. A moral disto tudo é que, é muito útil olhar para as
coisas um pouco mais profundamente do que observar apenas a superfície.
O PROBLEMA DO MAL
Deus criou o mundo, o mundo material como ele é? Sim e Não, mais "Não"
do que "Sim". Porque Ele não criou diretamente. Houve muitos criadores,
melhor "formateurs", fazedores de formas, entre o mundo e Deus, que se junta-
ram no trabalho da criação, quem eram eles? Deram-lhes vários nomes. A cria-
ção geralmente segue um princípio de gradação. É feita passo a passo, mundo
surgindo de mundo, sucessivamente. Cada mundo é um estado particular de
ser, um modo particular de consciência. Cada estado é habitado por entidades,
individualidades, personalidades e cada uma criou um mundo à sua volta ou
ajudou na criação de certos tipos ou espécies na terra . Os últimos destes cria-
dores ou formadores foram os do mundo vital. No topo estão aqueles que
moram na região que Sri Aurobindo chama de sobremente. Pode-se dizer que
foram estes que deram as primeiras formas aos seres e coisas terrestres. Eles
emitiram suas emanações e estas, por sua vez, emitiram outras e assim por
diante. Então, não foi a Vontade Divina que agiu diretamente sobre a Matéria e
deu ao mundo a forma que podia ou deveria ter tido. Existem camadas ou pla-
nos, gradações intermediárias sucessivas, através das quais a Vontade teve que
agir. Falei do plano sobremental e do plano vital. Há também o plano mental
entre eles. Existem os seres mentais que são também criadores, dando forma a
alguns seres que tomaram corpo na terra.
Por isso, existe uma tradição que diz que o mundo dos insetos é produto dos
criadores do mundo vital. É por essa razão que quando você vê insetos sob o
microscópio, eles assumem aparências que são absolutamente diabólicas.
Aumentados numa tela, parecem verdadeiros monstros, tão horríveis são. São
monstros microscópicos. Dizem então, que seres do mundo vital pensaram em
se divertir e criaram estas coisas detestáveis e insuportáveis, que tornam a exis-
tência humana desagradável.
luminoso, o mais poderoso dos seres pode seguir seu próprio movimento , em
vez de obedecer ao movimento divino. Eles podem ser até mesmo seres maravi-
lhosos e os seres humanos, se os vissem, tomá-los-iam pelo próprio Divino e
contudo eles podem, se seguirem sua própria vontade e trabalhar em desarmo-
nia com o universo, ser a fonte das maiores desordens. Não existe nada que não
seja Divino, só que acontece uma desordem, quer dizer, cada coisa não está no
seu devido lugar. O problema é como isso vai ser remediado.
Quanto à questão porque existe este desvio, este mal, posso dizer em pri-
meiro lugar, que o que você chama de mal, pode ser apenas aquilo que não é
conveniente a você. Mas do ponto de vista da disposição universal, isto pode ser
o mais acertado. Segundo, a coisa pode ter sido só um acidente, por assim dizer,
no começo. E o que lhe diz respeito não é tanto o seu porquê ou mesmo como,
mas o remédio a ser encontrado para o mal que está aí.
Para ser capaz de entender, você deve tornar-se. Se você quiser entender o
"porquê" e o "como" do universo, você deve identificar-se com o universo. E isto
não é fácil.
sa, uma forma visível. O mundo foi o resultado. Evidentemente vemos uma por-
ção de erros em seu trabalho. Concluímos que o criador é, talvez, uma pessoa
benevolente e bem intencionada, mas não toda-poderosa: uma outra coisa ou
um outro ser existe que o contradiz. Ou talvez, ele seja todo-poderoso mas não
tem coração e deve ser a crueldade em pessoa — considerando as condições de
sua criação, que é uma história de tristeza e transtorno e miséria. Tal ideia digo,
é a própria simplicidade, a simplicidade do cérebro de uma criança. Quando se
fala de Deus, o criador, como de um oleiro fazendo um vaso, pensa-se nele
como um ser humano, só em proporções maiores. Na verdade, não foi Deus
quem fez o homem à sua imagem, foi o homem quem fez Deus à sua imagem.
O universo e seu criador não são coisas separadas, são unas e idênticas em
sua origem. O universo é o próprio Deus projetado no Espaço (e no Tempo).
Assim, o universo é o Divino num aspecto ou noutro. Você não pode dividir os
dois fazendo um, o criador, e o outro, seu trabalho, o relojoeiro e seu relógio.
Você coloca suas ideias do Divino Nele, e pergunta porque Ele criou um mundo
tão sórdido. Se o Divino fosse responder, diria: "Não sou Eu, é você. Torne-se
outra vez Eu mesmo e você não sentirá ou verá como vê agora. Você não é você
mesmo, por conseguinte sua questão e seu problema!" Na verdade, quando
você une sua consciência à Consciência Divina, não existe mais qualquer pro-
blema. Tudo então parece natural e simples e correto e como deveria ser. É
quando você se separa de sua origem e fica fora, face a Ela ou contra Ela, que
todos os problemas começam. Certamente você pode perguntar como é que o
Divino tolerou que uma parte de si fosse embora, separando-se, criando toda
esta desordem. Eu responderia, em favor do Divino: "Se você quiser saber, seria
melhor unir-se ao Divino, pois este é o único modo de saber porque ele fez
assim". Não é questionando-o com sua mente que você receberá a resposta. A
mente não pode saber. E eu repito, quando você chegar a esta identificação,
todos os problemas estarão resolvidos. O sentimento de que as coisas não estão
certas, de que elas deveriam ser de outro modo, procede exatamente do fato de
que há uma vontade divina desdobrando-se em uma progressão contínua. Coi-
sas que eram e são, têm que dar lugar às coisas que serão e serão melhores do
que têm sido. O mundo que ontem era bom, não será assim amanhã. O universo
talvez tenha aparentado ser completamente harmonioso em alguma outra épo-
ca, mas agora parece totalmente discordante: é porque vemos uma possibilida-
de de um universo melhor. Se o achássemos como deveria ser, não faríamos o
que temos de fazer, não tentaríamos fazê-lo melhor. Mesmo assim, concebe-
116 PARTE VII
É esta perfeita verdade, deixe-me repetir, que se espalhou para longe, nes-
ses inúmeros pequeninos átomos, nestas insignificantes células do cérebro que,
apesar de toda a sua ignorância, são ainda movidas por um estímulo secreto de
consciência. Estas pequenas partículas de escuridão esforçam-se para alcançar a
luz, que podem encontrar, porque está dentro delas. Elas chegarão ao que pro-
curam. Pode levar mais ou menos tempo, mas alcançá-la-ão no fim. Esse é então
o remédio: encontra-se dentro do próprio coração do mal.
A JUSTIÇA DIVINA
Por que as pessoas recebem força do Divino, mesmo quando Ele sabe que
elas não estão sendo sinceras?
Você deve compreender de uma vez por todas que o Divino quando age, não
é movido por noções humanas. Possivelmente ele faz coisas mesmo sem aquilo
que chamamos razão. Em todo caso, as razões não são de espécie humana; aci-
ma de tudo, o Divino não tem esse senso de justiça que o homem tem. Por
exemplo, quando você vê um homem cheio de ganância por dinheiro, tentando
118 PARTE VII
enganar pessoas apenas para ganhar algumas rupias a mais, sua ideia de justiça
clama que ele seja despojado de todo dinheiro, e reduzido à pobreza. Mas na
realidade, você descobre que as coisas acontecem ao contrário. Contudo, essa é
somente a aparência das coisas; por trás, existe um quadro completamente
diferente. O ganancioso consegue o objeto de sua ganância, mas ele tem que
fazer uma troca, desistir de algumas outras possibilidades. Ele consegue dinhei-
ro, mas decai em sua consciência. E então, acontece também frequentemente
que, quando ele consegue aquilo que tanto desejou, não se sente assim tão
feliz, geralmente, até menos feliz do que antes; está atormentado pela riqueza
que ganhou. Você não deve julgar nada pelo sucesso ou fracasso aparente.
Pode-se dizer, de modo geral, que o Divino dá aquilo que se pede e esse é o
melhor modo pelo qual se aprende a lição. Se seu desejo for ignorante, incons-
ciente, obscuro e egoísta, você cresce em ignorância, inconsciência, obscuridade
e egoísmo, quer dizer, afasta-se cada vez mais da verdade e consciência e felici-
dade, em outras palavras, afasta-se do Divino. Para o Divino, contudo, existe
apenas uma coisa que é verdadeira, a divina consciência, a divina União. Cada
vez que você coloca coisas materiais à sua frente, você se torna mais e mais
material, empurra cada vez mais para trás o Divino. Do ponto de vista do igno-
rante, você pode ter toda a aparência de sucesso maravilhoso, mas este suces-
so, do ponto de vista da verdade, é uma terrível derrota, porque você trocou a
verdade pela falsidade.
sucesso não os toca. Mas a pessoa tem que se elevar muito alto para ser capaz
de suportar o fardo do sucesso. É talvez o último dos testes a que o Divino sub-
mete alguém. Ele diz: ''Agora que você é nobre e elevado e desprendido, você
Me pertence a Mim somente, fá-lo-ei triunfar. Veremos se você pode suportar o
golpe!"
O SOFRIMENTO DIVINO
outros, então surge uma mistura. Quer dizer, ao seu pesar pessoal, é acrescen-
tado um elemento psíquico que descrevi como a imagem reversa da Compaixão
Divina. Agora, se você puder distinguir entre os dois, a angústia pessoal e a tris-
teza desinteressada, sair do que é egoístico e se concentrar no elemento divino,
tornar-se uno com ele, desta forma você poderá entrar em contato com a gran-
de compaixão universal, que é algo imenso, vasto, calmo, poderoso, profundo,
que é paz perfeita e Bem-Aventurança infinita. Se você souber como entrar em
seu sofrimento, descer fundo nele, passar além da porção que é egoísta e pes-
soal, avançar mais, então você chegará às portas de uma revelação maravilhosa.
Não que deva procurar o sofrimento por amor ao sofrimento e para ter a expe-
riência. Mas quando ele tiver chegado, quando se abater sobre você, então ten-
te o que sugeri, cruze a fronteira, a barreira do egoísmo do seu sofrimento. Ano-
te primeiro onde está a parte egoísta, o que é que o faz sofrer, qual a razão
egoística do seu sofrimento, então passe através e além de tudo isso, em dire-
ção a algo universal, em direção a um princípio maior. assim, você entra na vas-
tidão, na compaixão infinita, a porta do Psíquico abre-se para você. Se, neste
domínio, você me vir em lágrimas, como disse que me viu em seu sonho, você
poderá se identificar comigo naquele momento, entrar naquelas lágrimas, por
assim dizer, derreter-se nelas. Isso abrirá a porta e lhe trará uma experiência,
uma experiência muito especial que deixa sempre uma profunda marca na
consciência. Nunca é apagada de todo, mesmo que a porta se feche novamente
e você volte a ser o que era em seus movimentos comuns. Aquela experiência,
aquela marca, permanece por trás e você pode recordá-la, retornar a ela, recor-
rer a ela em seus momentos de concentração. Então, você sente a imensidão de
uma doçura infinita, uma grande paz, permeando todo seu ser, não somente em
seu pensamento; ela sai e se compadece de tudo e pode curar tudo.
Só que você deve desejar sinceramente, deve ter a vontade de ser curado.
Tudo está aí. Bem, eu sempre volto ao mesmo tema. Você deve ter sincero. Se
desejar uma experiência por causa da experiência, e quando a conseguir, retor-
nar a seu modo de viver comum, isto de nada lhe servirá. Você deve desejar sin-
ceramente ser curado — curado precisamente dos caminhos comuns — deve
ter a aspiração, a verdadeira aspiração para superar o obstáculo, elevar-se cada
vez mais alto, acima e além de si mesmo, para que possa derrubar tudo que o
puxe para trás, que o arraste para baixo, que possa quebrar todos os limites,
esclarecer-se e purificar-se, livrar-se de tudo que está em seu caminho. Se você
tiver esta vontade, a verdadeira vontade intensa de não cair novamente nos
erros passados, de elevar-se da obscuridade e da ignorância em direção à luz,
despojar-se de tudo que é humano, muito humano — muito pequeno, muito
ignorante — então, essa vontade e essa aspiração agirão, agirão gradualmente,
intensa e positivamente, trazendo-lhe um resultado completo e definitivo. Mas
O DESGOSTO DIVINO 121
tome cuidado, não deve existir nada que se apegue a movimentos antigos que
não se revelam mas que escondem a cabeça e quando a ocasião se apresenta,
põem o nariz para fora.
O DESGOSTO DIVINO
No nível moral, a ação pode ser claramente notada. Por exemplo, você pode
sofrer um choque emocional, não em cegueira egoística, quer dizer, identifican-
do-se com ele ou afogando-se nele. Você pode mantê-lo afastado de si, observá-
lo de modo objetivo, ver o que é, notar a natureza de suas vibrações etc., etc., e
então colocar a luz de seu conhecimento sobre ele, o raio ultra violeta da verda-
de. Disso resulta uma nova disposição e o choque perde seu efeito. Todavia, o
resultado físico de um golpe físico pode ser remediado. Se não fosse possível,
qual seria a utilidade do Divino tomar sobre si a coisa errada? O mal continuaria
igual e o mundo a sofrer do mesmo jeito. Precisamente porque as vibrações são
transformadas em vibrações de luz na divina consciência, é que o Divino toma
sobre si e dentro de si todos os males do mundo.
Há outra coisa. À parte do fato de que a memória seja por si mesma, em sua
própria natureza, um órgão imperfeito, temos que considerar a existência de
diferentes estados de consciência, que são sucessivos. Cada estado grava fiel-
mente os fenômenos daquele momento, quaisquer que sejam. Bem, se sua
mente estiver tranquila e clara, ampla e forte, você pode, concentrando sua
consciência naquele momento, trazer para fora e recordar, em seu estado ativo
presente, o que foi gravado lá dos seus movimentos naquela ocasião. Quer
124 PARTE VII
na, a preocupação volta, se ele não tiver aprendido a controlar seus pensamen-
tos neste entretempo. Assim, existe o segundo método que é um pouco mais
difícil. Você tem que aprender um movimento de rejeição. Do mesmo modo que
rejeita ou joga fora um objeto físico, você deve lançar fora e rejeitar o pensa-
mento. É mais difícil, mas se conseguir, será o mais eficaz. Deve praticar e se
esforçar, repetir e perseverar e não há razão para temer o insucesso, desde que
seja absolutamente sincero e autêntico.
Existe um terceiro método. É trazer do alto uma luz maior, que é em sua
natureza o oposto dos pensamentos com os quais você está preocupado, oposto
num sentido muito radical e profundo. Quer dizer, se os pensamentos que o
perturbam forem obscuros e ignorantes, especialmente se eles brotarem do
subconsciente ou do inconsciente, suportados por meros instintos, então, cha-
mando para baixo a Luz de cima e dirigindo-a sobre os pensamentos sombrios,
você pode simplesmente dissolvê-lo ou transformá-los, sempre que for possível.
É o meio supremo, mas talvez não esteja ao alcance da capacidade de todos.
Mas se você tiver sucesso nisto, os pensamentos não mais ocorrerão porque sua
verdadeira causa foi removida. O primeiro método é desviar, o segundo enfren-
tar e lutar, o terceiro é elevar-se e transformar. No terceiro você não apenas fica
curado, mas faz um progresso — um verdadeiro progresso.
MÁ FORMAÇÃO DE PENSAMENTO
Um mau pensamento é um ato mau. Você pode não saber, mas um pensa-
mento maldoso é verdadeiramente um ato maldoso. Se você pensar mal de um
homem e desejar-lhe mal, será responsável pela infelicidade que lhe possa
advir, no mesmo grau como se fosse um ato concreto. Infelizmente, um pensa-
mento maldoso não é um crime reconhecido e ninguém intervém quando você
pensa mal. Não apenas isso, existe muita gente boa que se diverte em estimular
pensamento perverso nos outros. Fazem-no assim (inocentemente, pensam)
algumas vezes por pura estupidez, mais frequentemente por vaidade, com um
ar de autoimportância por terem dito algo interessante.
Quando descobre a causa, o que deve fazer é espantá-la como se fosse uma
mosca. As moscas são, às vezes, muito importunas; quanto mais você as espan-
126 PARTE VII
ta, tanto mais elas vêm e acham o jogo divertido. Mas se você levar isto a sério e
persistir, conseguirá expulsá-las. Do mesmo modo, quando uma má formação
procurar se apossar de você ou tocá-lo, afaste-a imediatamente, continuamen-
te, até ela desaparecer.
Você deve ir à própria origem das coisas. Por que existe ignorância, incons-
ciência e obscuridade? Você pergunta o porque e a razão do universo. Por que a
criação é assim e não de outro modo? Cada um tem explicado à sua maneira. Os
filósofos assim o fizeram e os cientistas também, em linhas diferentes. Mas nin-
guém encontrou uma saída. Você pergunta porque existe uma má vontade, mas
a coisa verdadeiramente interessante e importante é achar os meios pelos quais
ela possa deixar de existir. Qual a utilidade de perguntar porque há dor e sofri-
mento e miséria, a não ser para achar o remédio? Se você procurar o porquê,
pode achar tantas explicações quantas quiser, cada uma útil a seu modo, mas
nenhuma que o leve a algum lugar, exceto a um beco sem saída.
Existem muitas coisas no mundo que você não aprova. Algumas pessoas,
como elas assim colocam, querem ter o conhecimento para saber porque é
assim. É uma linha do conhecimento. Mas eu digo que é muito mais importante
descobrir como fazer as coisas diferentes do que são presentemente. Isso foi
exatamente o problema que Buda colocou diante de si. Ele sentou-se em baixo
de uma árvore e continuou lá até achar a solução. A solução, contudo, não é
muito satisfatória: "Você diz que o mundo é mau, vamos então acabar com o
mundo", mas em benefício de quem, como Sri Aurobindo pergunta pertinente-
mente? O mundo não será mais mau, já que não existe mais. O mundo terá que
ser enrolado de volta à sua origem, à pura existência original ou não-existência.
Então o homem será, nas palavras de Sri Aurobindo, o senhor todo-poderoso de
algo que não existe, um imperador sem império, um rei sem reino. É uma solu-
ção. Mas existem outras que são melhores e consideramos a nossa, a melhor.
Alguns dizem, como Buda, que o mal vem da ignorância; remova a ignorância e
o mal desaparecerá. Outros dizem que o mal vem da divisão, da separação: se o
universo não fosse separado de sua origem, não haveria mal. Outros declaram
ainda que um propósito iníquo é a causa de tudo, da separação e da ignorância.
Então, a questão é, de onde vem o propósito iníquo? Se fosse da origem das coi-
sas, deveria estar na própria origem. E alguns questionam até mesmo o propósi-
to iníquo — não existe tal coisa, essencialmente, fundamentalmente, é pura ilu-
são.
Acho que não. As coisas monstruosas faladas a respeito de animais não são
devidas realmente a esta inclinação. Tomemos, por exemplo, o mundo dos inse-
tos. De todos os animais é esta a espécie que parece ter a maior característica
de maldade, algo parecido com uma índole má. Contudo, pode ser que esteja-
mos simplesmente aplicando nosso próprio modo de consciência ao deles, atri-
buindo uma índole má a uma ação que não é realmente assim. Por exemplo,
existem insetos cuja larva só pode viver sobre um ser vivo; tem que se alimentar
de uma criatura viva, não pode conseguir nutrição de carne morta. Assim, os
pais do inseto, antes de deitarem os ovos que se tornarão larvas, preparam pri-
meiro o terreno. Encontram um outro inseto ou um animal pequeno, dão-lhe
uma picada no centro nervoso e paralisam-no; então, colocam os ovos com
segurança neste corpo paralisado que, não sendo morto, alimenta as larvas
quando saem dos ovos. Tudo isso parece muito maquiavélico. Mas nada é racio-
cinado aí, é puro instinto. Chamaria você a isto de índole má? É simplesmente a
vontade de multiplicar-se. Você pode dizer que estes insetos são movidos por
um espírito das espécies que é consciente e tem uma vontade consciente e que
esta vontade é de inclinação perversa. Estes seres que criam ou formam as
várias espécies do mundo dos insetos — muitos agindo de modo muito mais
monstruoso do que o exemplo que dei — devem ser, então verdadeiramente
assustadores, inspirados por uma imaginação perversa e diabólica. Bem possí-
vel. Pois é dito que a origem do mundo dos insetos está no vital; os construtores
deste mundo pertencem ao vital e não ao plano material de consciência. Em
outras palavras, eles não apenas simbolizam, mas representam e vivem a incli-
nação perversa. Estão inteiramente conscientes dela e a exercitam deliberada-
mente e com um propósito definido. A inclinação perversa do homem é fre-
quentemente um reflexo, apenas uma imitação da índole malévola dos seres
vitais, que é de uma determinação claramente hostil ao mundo criado, e cuja
expressa intenção é fazer as coisas tão dolorosas, tão difíceis, tão feias, tão
monstruosas quanto possível. Estes seres , dizem criaram os insetos. Mesmo
assim, os insetos não podem ser descritos como representantes desta intenção
má, já que não fazem o mal propositadamente, mas são movidos por uma von-
tade inconsciente neles. Na verdade, a inclinação perversa é essa vontade que
faz o mal pelo amor ao mal, que procura destruir por amor à destruição, que
tem prazer em fazer o mal. Não penso que exista no animal esta espécie de
inclinação perversa, especialmente nas espécies mais elevadas. O que existe é o
instinto de autopreservação, reações obscuras e violentas, mas não a espécie de
mal que a vontade humana mostra no mental humano perverso. Acredito que é
a mente humana, sob a influência direta de seres vitais que começa a trabalhar
de maneira perversa. Titãs, Asuras, são os seres de determinação malévola que
pertencem totalmente ao mundo vital e, quando eles se manifestam nesse nos-
128 PARTE VII
so mundo, fomentam discórdias, fazem o mal por amor ao mal, destroem por
amor à destruição, têm o deleite na negação.
Há, entretanto, muitos modos de organizar a coisa. Pois você deve saber que
suas noites não são todas do mesmo modo. Cada uma é diferente e traz sua
própria espécie de sono e sonho. Como cada dia é diferente, tendo sua própria
característica particular de atividade, da mesma forma cada noite também vem
com suas experiências peculiares. Você pode pensar que um dia seja mais ou
menos exatamente como o anterior, que você está fazendo a mesma coisa dia
após dia; mas não é assim. Externamente, as atividades podem aparentar ser as
mesmas mas, realmente, sua natureza e seu significado variam de um dia para
outro. Nunca dois momentos são iguais no universo. Sua noite também é um
universo de sua própria espécie. Cada noite traz seu próprio problema e precisa
de sua própria solução.
SOBRE OCULTISMO
É por isso que eu, até agora, ainda não lhes havia falado disso. Mas se
alguém entre vocês sentir inclinação para estes assuntos, ou alguma aptidão
especial nesta direção e estiver pronto para sobrepujar todas as fraquezas, bem,
estou à disposição, pronta para ajudá-lo e iniciá-lo nestes mistérios. Mas receio
que vocês tenham ainda que crescer um pouco mais, tornar-se mais maduros
antes que eu possa assumir a responsabilidade.
SOBRE OCULTISMO 131
Contarei uma história para ilustrar o meu ponto de vista. Conheci um dina-
marquês que era pintor, um pintor de algum talento. Estava interessado em
ocultismo. Alguns de vocês talvez tenham ouvido falar nele. Havia vindo para cá
e encontrado Sri Aurobindo. Ele fez um retrato de Sri Aurobindo também. Foi
durante a Primeira Grande Guerra. Retornou à França e veio ver-me. Pediu-me
para ensinar-lhe esta ciência. Eu lhe ensinei como sair do corpo, como manter o
controle etc., etc., e disse-lhe especificamente, o que digo a vocês agora, para
não ter medo. Então, um dia, ele me procurou e narrou sua experiência de uma
noite. Havia tido um sonho, mas é claro que não foi um sonho, soube como sair
do corpo e ficar fora conscientemente. Uma vez fora, ele estava tentando des-
cobrir onde estava. De repente, viu, movendo-se em sua direção, um tigre,
enorme e formidável, evidentemente com terríveis intenções. Contudo, ele se
lembrou de meu aviso. Assim, conservou-se calmo e quieto e disse para si mes-
mo: "Não há perigo, eu estou protegido, nada pode me acontecer, estou cerca-
do pelo poder de proteção". E olhou direto para o animal, calma e destemida-
mente. Enquanto ele mantinha firme o olhar, estranho dizer, viu o tigre diminuir
de tamanho, encolher, encolher, até tornar-se, finalmente um gatinho inofensi-
vo.
co, assim também no mundo oculto existe uma lei de ação e reação ou de
movimento de retorno. Você alimenta um mau pensamento, ele retorna como
um ataque de fora. Assim, o tigre poderia representar algum mau pensamento
ou impulso que retornou a ele, como se fosse um bumerangue. Esta é exata-
mente, uma das razões porque se deveria ter controle sobre os próprios pensa-
mentos, sentimentos e sensações. Pois se você pensar mal de alguém, desejar-
lhe coisas desagradáveis, então em seu sonho, provavelmente, você verá a pes-
soa vindo para atacá-lo, mais violentamente talvez do que você pensou fazê-lo.
Na sua ignorância e impulso de autojustificação, você diz: "Ora veja, não estava
eu certo nos meus sentimentos para com este homem, ele queria me matar!"
Contudo, o contrário é que é a verdade. Existe uma lei comum no ocultismo
que, quando você faz uma formação — uma formação mental, por exemplo,
com o propósito de que um acidente ou algo desagradável aconteça a uma pes-
soa, e manda a formação fazer seu trabalho, então, se acontecer que a pessoa
em apreço esteja num nível mais elevado de consciência, quer dizer, que não
deseje mal a ninguém, seja completamente desinteressado e indiferente a esse
respeito, então, quando a formação se aproxima dela, não entra na sua atmos-
fera ou a toca, mas retorna àquele que o enviou. Neste caso, um sério acidente
pode acontecer ao que mandou a formação: se alguém desejar a morte do
outro, a morte pode vir para ele próprio. Este é frequentemente o resultado da
magia negra, que é uma deformação do ocultismo.
Contar-lhe-ei uma outra história com relação a isso, porque tem um signifi-
cado oculto.
Havia um cientista muito conhecido em Paris. Ele escreveu esta história num
livro seu. Queria saber até que ponto a razão humana poderia afetar ou influen-
ciar seus movimentos reflexos, até onde era possível controlar os próprios
impulsos instintivos ou subconscientes pela força da inteligência consciente.
Assim, um dia, ele foi ao Zoológico. Entre os animais, havia cobras enormes,
uma delas particularmente conhecida por seu caráter malévolo, quer dizer,
podia ser facilmente excitada e enfurecida. Era um animal enorme, negro, no
entanto, belo. As serpentes eram evidentemente guardadas em caixas de vidro,
sendo o vidro suficientemente grosso para prevenir qualquer possibilidade de
acidente. Ele chegou antes da hora da refeição, quando ela estava faminta, por-
que depois elas vão dormir. Ficou diante da vidraça, bem perto, e começou a
MISTICISMO E OCULTISMO 133
provocar e excitar o animal. Não me lembro o que fez exatamente para irritá-la,
mas lá estava ela louca de raiva; saltou como uma mola e se arremessou no ros-
to do senhor que estava justamente do outro lado do vidro, quase tocando-o.
Ele sabia muito bem que nada podia lhe acontecer, a barreira era completamen-
te segura e, no entanto, cada vez que a cobra se arremessava contra ele, ele
pulava para trás, como se fosse para evitar o golpe. A coisa se repetia continua-
mente e não obstante todas as provas de proteção e segurança que incessan-
temente dava a si mesmo, o gesto reflexo não podia ser controlado.
MISTICISMO E OCULTISMO
Misticismo é uma relação mais ou menos emocional com aquilo que senti-
mos ser o Poder Divino — é uma relação mais íntima, emotiva e intensa com
algo invisível que tomamos pelo Divino.
Todavia, é uma coisa que pode ser aprendida. Mas deve-se ter aptidão. Se
você tem o poder latente em si, pode desenvolvê-lo pela prática, mas se você
não o tiver, pode tentar 50 anos que não chegará a nada. Nem todos podem ter
o poder oculto; é como se você dissesse que qualquer pessoa no mundo poderia
134 PARTE VII
Tudo isto quer dizer que ocultismo não é uma brincadeira ou um mero jogo;
você não pode interessar-se por ele simplesmente para divertir-se. Deve-se lidar
com ele como deve ser feito, sob condições apropriadas e com grande cuidado.
A única coisa absolutamente essencial, repito mais uma vez, é ser totalmente
destemido. Se encontrar em seus sonhos cenas terríveis e ficar amedrontado,
então você não deve se aproximar do ocultismo. Caso contrário, se você puder
permanecer perfeitamente tranquilo em face das ameaças mais assustadoras, e
elas simplesmente o divertirem, se puder lidar com tais situações em segurança
e com sucesso, isto mostra que você tem alguma capacidade e assim pode ten-
MEDITAÇÃO E ALGUMAS PERGUNTAS 135
Porque não aprendeu a fazê-lo. Uma fantasia súbita se apossa de você e diz:
"Agora vou me sentar e meditar." Mas sentar-se de pernas e braços cruzados e
olhos fechados, não é fazer meditação. Você tem que aprender a meditar, como
aprende matemática ou tocar piano. Há cursos regulares de meditação dados
por professores, em todas as épocas e países. Há muitas regras e regulamentos.
Há toda espécie de instrução, tais como conservar a mente quieta, como ficar
silencioso e não pensar, como reunir todos seus pensamentos e concentrá-los
etc. etc. Ensinaram-lhe como sentar-se, ficar de pé, andar e comer. Você não se
lembra do método e da disciplina, porque aprendeu-os quando era muito crian-
ça. Se, da mesma forma, na sua infância tivessem lhe ensinado como meditar,
hoje você não teria dificuldade em fazê-lo. Infelizmente não lhe ensinaram. Coi-
sas dessa espécie não são ensinadas. Não lhe é ensinado nem mesmo como
dormir. Você acha que ir para a cama e deitar-se de qual quer jeito é a maneira
de dormir. De forma alguma. Você deve aprender a dormir exatamente como
aprendeu a andar ou comer. Muitas coisas você não aprendeu porque não lhes
foram ensinadas. Conforme vai crescendo, vagarosamente, laboriosamente,
através de experiências desagradáveis, através de sofrimento e erro, você chega
finalmente a conhecer certas coisas fundamentais. E quando fica velho e seus
cabelos grisalhos, verá que está começando a aprender algo, mas já é muito tar-
de. Em vez disso, se seus pais, se as pessoas que cuidaram de você, tivessem
tido a preocupação de ensinar-lhe o que devia fazer, e fazê-lo bem — agir bem,
pensar bem, sentir bem, da maneira correta — então poderia ter evitado todos
os enganos que fez durante toda sua vida. Você fica surpreso quando fica doen-
te, quando se sente cansado e exausto, porque não sabe nada. Anos são exigi-
dos para aprender alguma coisa, para aprender mesmo as coisas mais elementa-
res, como, por exemplo, ser limpo.
Viver como se deveria, de modo correto, é uma arte muito difícil. Requer
estudo, requer pratica. Tente simplesmente conservar o corpo sadio, mente
quieta, e o coração cheio de boa vontade — estes são apenas alguns dos ele-
mentos indispensáveis para a base de uma vida decente. Você verá que a coisa
não é fácil.
136 PARTE VII
Depende de você, de sua meta. Se você desejar fazer Sadhana, deveria natu-
ralmente dedicar pelo menos algum tempo a um trabalho que não fosse egoísta,
que não fosse feito para si mesmo. Estudo é muito bom, muito necessário, até
mesmo indispensável, precisamente porque é exatamente uma das coisas a que
me referi um pouco antes, que você deveria aprender quando jovem, porque
torna-se difícil mais tarde quando for adulto. Pode chegar, naturalmente, a uma
idade em que, depois de ter feito seus estudos básicos, sinta o impulso de fazer
Sadhana. Então você deve dedicar-se a algo que não seja exclusivamente pes-
soal. Deve fazê-lo desinteressadamente, sem que lhe diga respeito. Importando-
se apenas consigo mesmo, você se fecha dentro de uma espécie de concha e
não se abre às forças universais. Um movimento desinteressado, uma ação
altruísta, embora pequena, abre a porta para algo mais que seu pequeno eu.
Normalmente você está aprisionado em sua concha e toma conhecimento da
existência de outras conchas semelhantes somente quando se choca com elas.
Mas ser consciente da única Força que permeia tudo, da mútua dependência
das coisas e dos seres, é um outro assunto muito diferente: é a base indispensá-
vel para o Sadhana.
“Mas não se pode estudar por amor ao Divino, e preparar-se para trabalho
divino?”
Pode-se, mas isso requer uma atitude bastante diferente. Você tem que
estudar com um espírito completamente diferente. Antes de tudo, não deveria
existir assunto que lhe agrade, nenhum que lhe desagrade, nenhuma aula que o
aborreça, nenhuma que o divirta. Não deveria haver lições difíceis nem fáceis,
nem deveria haver professor que fosse desagradável, nem um outro que fosse
agradável. Todos estes gostos e desgostos, preconceitos e preferências desapa-
recem. Você entra num estado em que começa a aprender de tudo que encon-
tra, tudo é uma ocasião para uma experiência, um conhecimento. Tudo o prepa-
ra para o trabalho divino, tudo é interessante. Se você estudar com este espírito,
está tudo bem.
“Por que é permitido que tanto dinheiro seja desperdiçado aqui? As pessoas
incumbidas de um trabalho parecem gastar profusamente de acordo com seus
caprichos?”
Quem pensa nisso? — que exista esta Força, que é infinitamente maior, infi-
nitamente mais preciosa do que todo poder do dinheiro, que esta força exista e
esteja sendo dada conscientemente, constantemente, com uma paciência e per-
severança infinitas, com uma simples finalidade em vista, a de realizar o traba-
lho divino — digo, quem pensa em não desperdiçá-la? Quem se lembra de que
todos têm um dever sagrado de progredir, preparar-se para que possam com-
preender melhor e viver melhor? É porque você vive pela energia divina e pela
divina consciência, que você pode nutrir-se delas, e gastá-las para seu próprio
benefício. As pessoas ficam chocadas quando veem um punhado de mil rupias
desperdiçadas, mas não percebem que uma torrente inteira de consciência e
conhecimento está sendo desviada de sua verdadeira direção.
Se alguém quiser fazer um trabalho divino na terra, deve vir com toneladas
de paciência e resignação, deve ser capaz de viver na eternidade e esperar até
que a consciência desperte em cada um, a consciência da verdadeira honestida-
de.
MEDITAÇÃO E MEDITAÇÃO
mesmo a seu ponto central. Isso também é muito bom. Mas a maioria entra
num estado de semi sonolência muito tamásica20. A mente fica inerte, a aspira-
ção inerte, o ser completo inerte. Podem permanecer assim por horas a fio.
Bem, nada é mais durável que a inércia. E quando saem dela, pensam que alcan-
çaram algo muito elevado. Mas elas simplesmente caíram na inconsciência.
Sim, há pessoas que sabem meditar. Porém mesmo supondo que você saiba
como entrar na consciência divina, essa experiência deve ter algum efeito sobre
sua vida exterior — é claro que isso difere de pessoa para pessoa. Existem algu-
mas que se dividem distintamente em duas. Estas, como disse, quando entram
em meditação, têm ou pensam ter experiências e experiências muito boas.
Porém quando voltam à consciência normal e começam a agir, tornam-se pes-
soas bem comuns, com as reações mais comuns, fazendo toda espécie de coisas
que não deveriam fazer. Pensam somente em si mesmas, ocupadas em arrumar
suas próprias vidas, sem um pensamento sequer para os outros ou se poderiam
ser úteis ao mundo ou não. E entretanto, em meditação atingem um contato
com alguma consciência e realidade mais alta e mais profunda. É por isso que
aqueles que acharam difícil mudar a natureza humana declararam ser isso
impossível e aconselharam que a única coisa a fazer sob as circunstâncias pre-
sentes era abandonar o mundo e escapar. Naturalmente se todos pudessem
fugir, não haveria mais mundo algum. Mas felizmente ou infelizmente, a exis-
tência do mundo não depende da vontade de indivíduos que não tiveram
nenhuma influência na criação dele e nem mesmo sabem como ele surgiu. Não
é simplesmente porque alguns fogem do mundo que ele deixará de existir —
para estes talvez, mas quanto aos outros? Não tenho nem mesmo certeza se
realmente conseguem escapar. Em todo caso, não acredito que possam se
transformar através da meditação. No entanto, se houver um trabalho a fazer e
você o fizer bem quanto possível e enquanto o estiver fazendo tomar o cuidado
de não se esquecer do Divino e se entregar a Ele para que possa mudar seu ser,
mudar suas reações em algo bonito e luminoso, então, de fato, o Divino irá
transformá-lo.
Nunca vi ninguém que tendo deixado tudo de lado para se sentar em medi-
tação mais ou menos vazia, fazer qualquer progresso. Mesmo se o fizer, será um
progresso muito pequeno. Contudo, já tive ocasião de encontrar pessoas cheias
de entusiasmo pelo trabalho de transformação do mundo, devotando-se a esse
trabalho sem reservas, entregando-se sem nenhuma ideia de salvação pessoal.
Sim, são essas pessoas que vi fazerem progressos maravilhosos. Por outro lado,
20
Tamas: inércia.
PRECE E ASPIRAÇÃO 139
tenho visto muitas vivendo em mosteiros; bem, não vale a pena falar delas. Não
é fugindo do mundo que você irá mudá-lo. É somente trabalhando constante-
mente nisso que você pode efetuar a mudança.
Meditação virá tanto quanto lhe for necessário. Quando vier ela apoderar-
se-á de você, então não deveria resistir-lhe. Você se senta, volta-se para dentro
de si, recolhe-se e faz o progresso interior necessário. Depois disso, você sai e
começa de novo seu trabalho. Mas acima de tudo, não seja vaidoso. As pessoas
que se consideram criaturas excepcionais e cheias de mérito, colocam uma bar-
reira a todo progresso. Devo insistir na necessidade da humildade. Fala-se muito
a respeito dela, mas sem entendê-la muito bem. Seja humilde, mas da maneira
certa. Se você pudesse desenraizar esta erva daninha que é a vaidade! Como é
difícil, sim, como é difícil! Você não pode fazer uma única coisa boa, fazer o mais
leve progresso sem ficar inflado secretamente em algum lugar, acariciando uma
autossatisfação escondida! Você deve martelar várias vezes para quebrar esse
duro cerne de egoísmo. Tem de trabalhar toda sua vida para destruir essa erva
venenosa. Você pensa que o conseguiu e fica muito satisfeito com a ideia de tê-
lo feito finalmente.
PRECE E ASPIRAÇÃO
As preces são de várias espécies. Há uma que é externa e física, quer dizer,
palavras simplesmente aprendidas de cor e repetidas mecanicamente. Não sig-
nifica muito mas, geralmente, consegue acalmá-lo. Se você repetir continua-
mente umas poucas palavras ou sons durante algum tempo, eles acabarão por
levá-lo a um estado de tranquilidade. Há uma outra que é a manifestação natu-
ral de um desejo; você almeja uma determinada coisa e a expressa claramente.
Pode-se orar por uma pessoa ou por si mesmo. Há ainda uma outra espécie na
qual a prece se aproxima da aspiração e as duas se encontram: é a formulação
espontânea de uma experiência que se teve. Ela brota das profundezas do ser; é
a expressão oral de alguma coisa vivida dentro que deseja manifestar gratidão
pela experiência e pede por sua continuação ou busca uma explicação. É, como
disse, quase uma aspiração. No entanto, a aspiração não é formulada necessa-
riamente em palavras; se as usa, faz delas uma espécie de invocação. Por exem-
plo, você deseja alcançar um certo estado. Encontrou dentro de si algo que não
está em harmonia com seu ideal, um movimento de obscuridade ou de ignorân-
cia, mesmo de má vontade e quer transformá-lo. Você não vai expressá-lo em
muitas palavras, mas uma prece se eleva dentro de si como uma chama, uma
oferenda ardente feita da própria experiência que procura crescer e ampliar-se
140 PARTE VII
para se tornar mais clara e precisa. É verdade que tudo isso pode ser expresso
em palavras, se você tentar recordar e anotar a experiência. Porém, a experiên-
cia, a própria aspiração é, como disse, uma chama que se arremessa para cima
levando em seu âmago a coisa que pede. Digo "pede" mas o movimento não é
absolutamente de desejo; é verdadeiramente uma chama, a chama da vontade
purificadora que carrega em seu cerne o verdadeiro objetivo que deseja realizar.
A descoberta de uma falta dentro de si oferece uma ocasião para um maior pro-
gresso, uma maior autodisciplina, uma ascensão mais elevada em direção ao
Divino. Ela abre uma porta para o futuro que você gostaria que fosse mais claro,
mais verdadeiro e mais intenso. Tudo isso se reúne no seu interior como uma
força concentrada que você lança para cima num movimento de ascensão. Não
é necessário expressá-la em palavras. Na verdade é uma chama que se eleva.
Assim, é verdadeiramente uma aspiração. A prece é, geralmente, uma coisa
mais externa e trata de um objetivo mais preciso.
Resumindo, então, pode-se dizer que uma prece é sempre formada de pala-
vras. As palavras têm diferentes valores, de acordo com o estado de consciência
da pessoa no momento em que é formulada. Mas a prece é sempre uma coisa
enunciada. A aspiração, no entanto, não necessita de expressão. A prece tam-
bém precisa de uma pessoa a quem orar. Existe uma certa classe de pessoas
cuja concepção do universo é tal que não há lugar para o Divino (Laplace, o
famoso cientista francês, por exemplo). Essas pessoas provavelmente não reco-
nhecem a existência de nenhum ser superior a quem possam apelar ou procurar
orientação ou ajuda. Podem não acreditar em Deus, mas podem acreditar no
progresso. Talvez concebam o mundo como um movimento progressivo que vai
se tornando cada vez melhor, elevando-se cada vez mais, crescendo constante-
mente em direção a uma realização mais nobre. Eles podem pedir, desejar, aspi-
rar por esse progresso; não necessitam procurar pelo Divino. A aspiração requer
fé, certamente, mas não a fé especificamente num Deus pessoal. Porém a prece
é sempre dirigida a uma pessoa, uma pessoa que ouve e responde. Ai está a
grande diferença entre as duas. Os intelectuais admitem a aspiração, mas consi-
deram a prece como uma coisa inferior, adequada aos não intelectuais. Os mís-
ticos acham que a aspiração está certa, mas para que sua aspiração seja ouvida
e realizada, você deve também orar, saber como orar e a quem — a quem mais
senão ao Divino? A aspiração não precisa ser dirigida a alguém: pede por um
estado de consciência, um conhecimento, uma realização. A prece acrescenta a
isso a relação com uma pessoa. E uma coisa pessoal endereçada a alguém para
implorar por uma coisa que só ele pode conceder.
OFERENDA E ENTREGA
Não são bem a mesma coisa. Melhor, são dois aspectos da mesma coisa.
Não pertencem inteiramente ao mesmo nível de consciência. Por exemplo, você
resolveu fazer uma oferenda de sua vida ao Divino. Então, de repente, acontece
alguma coisa muito desagradável que você não esperava. Seu primeiro movi-
mento é de reagir e protestar. E no entanto, você fez a oferenda. Mas algo em
você se revolta. Se, entretanto, estiver firme em sua oferenda, você segurará em
suas mãos a parte que protesta e a colocará diante do Divino dizendo, "que seja
feita a Tua vontade". Na entrega, por outro lado, há uma adesão natural, espon-
tânea e sem protesto. Mesmo se acontecer algo desagradável ou contrário às
suas expectativas, você ficará igualmente imperturbável e tranquilo.
A sinceridade perfeita não quer errar: desistirá de tudo para não viver numa
ilusão. É um movimento muito preciso, porém muito delicado. Pois quando você
faz uma coisa, mesmo a coisa certa, o mental e o vital estão presentes para pro-
curar se aproveitar dela, pelo menos um proveito de satisfação pessoal, para ter
uma boa opinião de si mesmo. É muito difícil alguém não se enganar a si pró-
prio.
Igualdade do ser externo significa boa saúde, um corpo sólido, nervos con-
trolados, quando você não é abalado pelo menor choque, quando é calmo, quie-
to, equilibrado, ponderado. Nessas condições, você pode receber dentro de si
uma grande força de cima (ou, da energia que o cerca) e contudo não ficar per-
turbado. Se qualquer um de vocês, em algum momento, houver recebido essa
força, deve saber por experiência que, sem uma saúde física perfeitamente sã,
não poderá contê-la ou conservá-la. Você não consegue permanecer quieto, fica
agitado, anda para lá e para cá, fala, grita, chora, pula ou dança, somente para
lançar fora a energia que não é capaz de reter. Você espalha ao redor o que não
pode reunir e assimilar. Para poder reunir e assimilar a força, o corpo e os ner-
vos devem estar quietos e fortes.
O ESFORÇO E VONTADE PESSOAIS 143
Não com a cabeça, embora seja possível começar por ela, porque a luz toca
primeiro a cabeça. Deve-se sentir com a própria sensação, isto é, senti-lo em
uma aspiração flamejante que procura se realizar. Por exemplo, como pode
acontecer às vezes com um atleta; suponhamos que você está tentando levantar
um peso e está intensamente concentrado nisso. De repente, você sente sem
saber como, que uma outra Força está levantando o peso: algo que se apossou
de suas mãos, obrigando-as a fazer o impossível. O corpo parece não existir nes-
se momento. Muitos escritores têm também a mesma experiência. Há alguma
coisa nele que não é seu próprio eu, que pensa, vê muito mais claramente, é
infinitamente mais consciente, que organiza os pensamentos e as palavras. Não
é o escritor quem escreve mas esse algo mais. Nesses momentos a pequena
pessoa que se esforça e tenta, não está mais presente. De fato, para a experiên-
cia ser completa e não ser perturbada, a pessoa física deve conservar-se quieta
tanto quanto possível.
Para ter essa experiência, você deve primeiro ter vontade de tê-la; deve
querer e aspirar, tentar ser cada vez menos egoísta, ter cada vez menos o sen-
timento de ser uma pessoa particular. Deve ter dentro de si esta flama, este
anseio ardente, esta necessidade de união. É uma espécie de entusiasmo lumi-
noso que se apossa de você, uma necessidade irresistível de seu ser para dissol-
ver-se no Divino e não ficar separado dele. É verdade que é um estado que não
dura muito no começo, a experiência contrária vem imediatamente depois.
Porém, se continuar, se persistir na sua vontade e aspiração, o outro estado vol-
tará. Os dois se alternam por algum tempo até que a completa fusão é alcança-
da. Finalmente não há mais distinção entre o seu ser pessoal e o Ser Divino, os
dois são unos. Não há mais o estado de ansiedade em direção a um sentido
estático de submissão no qual os dois estão ainda separados. O estado de fusão
e mistura, de completa identidade são extremamente simples e supremamente
espontâneos. Ouvi, uma vez, de um Sufi Indiano, em Paris, algo referente a este
estado de consciência. Eles também conhecem-no.
Não há fim para o progresso. Porque esta união perfeita pode acontecer
antes da transformação do corpo. União é uma coisa da consciência. Há uma
grande diferença mesmo entre a consciência física e a matéria física. O mais
avançado místico pode alcançar a realização na consciência física, mas isso não
COMO SENTIR QUE PERTENCEMOS AO DIVINO 145
inclui a matéria física. A transformação do corpo material não foi feita ainda,
nem mesmo tentada no passado. Só pode ser feita se a vida for suficientemente
prolongada; você não deixa o corpo, a não ser que queira, e assim tem a seu
dispor o tempo necessário para realizar a mudança. Sri Aurobindo disse uma vez
— e ele disse isso sem a menor hesitação — que levará cerca de trezentos anos
para fazê-lo e eu posso acrescentar, como descrevi, que será a partir do
momento em que o último estágio de união com o Divino for alcançado.
Trezentos anos é o mínimo, diria. Você deve imaginar o que significa trans-
formar o corpo. O corpo com todos seus órgãos e funcionamento trabalha
automaticamente sem a intervenção de sua consciência e é construído de acor-
do com um plano animal. Se seu coração parar por um centésimo de segundo,
seu corpo vai embora. Você não pode dispensar nenhum de seus órgãos e deve
observar seus próprios funcionamentos. Transformação significa a substituição
deste arranjo puramente material por uma concentração sistemática de forças.
Você deve provocar uma distribuição de forças de acordo com uma certa espé-
cie de vibração, substituindo cada órgão por um centro de energia auto-
consciente que governe através da concentração de uma força mais elevada.
Não haverá mais um estômago, nem mesmo um coração. Estas coisas darão
lugar a um sistema de vibrações que representem o que eles realmente são. Os
órgãos materiais são símbolos de centros energéticos; não são a realidade
essencial, eles apenas dão uma forma ou figura a ela sob certas circunstâncias.
O corpo transformado funcionará através de seus centros de energia, não atra-
vés de seus representantes como foram desenvolvidos no corpo animal. Para
isso deve-se, primeiro que tudo, ser consciente destes centros e de seus funcio-
namentos e em vez de um movimento inconsciente automático, deve haver um
movimento de controle consciente. Assim, ter-se-á ao dispor não órgãos físicos
animais, porém vibrações simbólicas, as energias simbólicas. Isso não significa
que não haverá alguma forma reconhecível definida. A forma será construída
com qualidades, em lugar de partículas sólidas (poeira). Será, por assim dizer,
uma forma prática ou pragmática: será flexível e móvel, diferente da forma fixa
grosseiramente material. Como a expressão de seu rosto muda conforme seus
sentimentos e impulsos, do mesmo modo o corpo mudará de acordo com a
necessidade do movimento interior. Você nunca teve esta espécie de experiên-
cia em seu sonho? Você se eleva no ar e dá com seu cotovelo um empurrão
numa certa direção e seu corpo se estende para lá; você dá um chute com o pé
e vai parar em outro lugar; você pode ficar transparente à vontade e pode pas-
sar facilmente através de uma parede sólida! O corpo transformado se compor-
tará mais ou menos do mesmo modo, será leve, luminoso, elástico. Leveza,
luminosidade, elasticidade serão as verdadeiras qualidades fundamentais do
corpo.
146 PARTE VII
Para preparar tal corpo, 300 anos não é nada; mesmo mil anos não será mui-
to. Naturalmente, estou falando do mesmo corpo. Se você trocar o corpo nesse
meio tempo, não será o mesmo corpo. Aos 50 anos o corpo já começa a decli-
nar. Mas se, ao contrário, você tiver um corpo que for se aperfeiçoando, se cada
ano representar um passo em progresso, então você pode continuar indefini-
damente, porque, afinal, você é imortal.
SINCERIDADE É VITÓRIA
Ser sincero e ser cândido não é a mesma coisa. Ser cândido significa uma
simplicidade baseada, em grande parte, na ignorância das coisas. Uma criança é
cândida porque é simples e ignorante e não esconde nada. E incapaz disso e não
tem vontade de enganar ninguém. Mas sinceridade é diferente.
mais que o Divino, vivem para Ele e por Ele. E isso não é coisa fácil. Ser sincero
numa parte, ser sincero no todo, ser sincero em momentos, é bastante fácil,
todos podem fazê-lo ou chegar a esse ponto. Está dentro da capacidade de
qualquer ser humano de boa vontade normal, ser sincero em seus movimentos
psíquicos, mesmo se estes forem raros. Mas ser sincero em cada célula do corpo
físico é uma façanha ainda mais rara e mais árdua. Dirigir as células do corpo
para essa única direção, a tal ponto que sintam que não podem viver senão para
o Divino, nele e, através dele, é sinceridade verdadeira e é o que você deve ter.
Primeiro, você deve observar que não há um dia em sua vida, nem uma
hora, nem mesmo um minuto em que não tenha de retificar ou intensificar sua
sinceridade. Não digo que você engane ao Divino. Ninguém pode enganá-Lo,
nem mesmo o maior dos Asuras. Mesmo quando você tiver entendido isso,
sempre haverá momentos em sua vida diária em que tentará enganar-se a si
mesmo. Quase automaticamente, você apresenta razões para qualquer coisa
que faça. Não falo de coisas mais vulgares, como quando você briga com uma
pessoa, por exemplo, e na sua raiva, lança toda a culpa nela. Conheci uma crian-
ça que dava um chute na porta porque pensava que ela fosse culpada. E sempre
a outra parte que está errada. Mas mesmo que você tenha passado além deste
estágio infantil, quando já é de se esperar que tenha um pouco mais de bom
senso, você faz as maiores tolices e tenta justificá-las de todo modo. O teste real
de sinceridade, do mínimo de sinceridade verdadeira, está na sua reação a uma
dada situação: se você pode assumir automaticamente a atitude certa e fazer
exatamente a coisa a ser feita. Por exemplo, quando alguém lhe fala zangado,
você se contagia e fica bravo também, ou é capaz de manter uma calma e clare-
za inabaláveis, ver o ponto de vista do outro e comportar-se como deve?
cero, pode haver movimentos que não sejam muito corretos, atrás dos quais, se
você sondar persistentemente, encontrará escondido algo indesejável. Observe
os pequenos movimentos, os pensamentos, as sensações e impulsos que se
amontoam à margem de sua vida diária. Quantos são unicamente voltados para
o Divino, quantos são inflamados por uma aspiração em direção a algo mais ele-
vado? Você deveria se considerar feliz se encontrasse pelo menos alguns dessa
espécie.
Quando digo que se você for sincero estará seguro da vitória, quero dizer
aquela espécie de sinceridade total e não dividida, a flama pura que se queima
em oferenda, a intensa alegria de existir para o Divino somente, onde nada mais
existe, nada que tenha qualquer significado ou razão para a existência, a não ser
o Divino. Nada tem valor ou interesse se não for este chamado, esta aspiração,
esta abertura à verdade suprema, a tudo isto que chamamos de Divino. Você
deve servir à única razão pela qual o universo existe: remova-a e tudo o mais
desaparece.
Tenho visto algumas destas formas no mundo vital e também no mental; são
verdadeiramente criações do homem. Há um Poder do além que se manifesta,
mas neste mundo triplo de Ignorância o homem cria o Próprio Deus à sua ima-
gem e os seres que lá aparecem são mais ou menos o resultado do pensamento
humano criativo. Assim, algumas vezes, vemos realmente coisas que são real-
mente assustadoras. Tenho visto formações tão obscuras, tão incompreensíveis,
tão inexpressivas! Há alguns seres divinos que são tratados de maneira pior que
outros. Tome, por exemplo, esta pobre Mahakali21. O que o homem fez dela foi
21
Mahakali: a deusa da suprema força, um dos quatro principais Poderes e Personalidades da
Mãe.
OS CENTROS YÓGUICOS 149
OS CENTROS YÓGUICOS
E, contudo, não é irrealizável. Não apenas é factível como temos que torná-
lo possível. E também porque o destino do homem exige que isto seja inevitável.
Se o homem tiver que se transformar, se for para encarnar aqui embaixo algo da
Realidade Divina, se a sua vida social na terra tiver que ser a expressão da luz e
da harmonia da Consciência do Espírito, então ele tem que descer até estas
regiões afastadas, romper o mais baixo, como fez em relação ao mais alto, e unir
os dois.
Aqui temos uma estória curiosa sobre o homem e seu destino. O que é ele, o
homem normal? É um escravo. Ele pode ter a ilusão de que tem ideias e movi-
mentos que lhe pertencem, tem até mesmo campo livre para pô-los em execu-
ção. Mas não levará muito tempo para descobrir que é uma ilusão, uma grande
decepção. Seus planos não amadurecem, seus esforços batem numa parede de
ferro. Quanto mais ele observa e vê as coisas corretamente, tanto mais desco-
bre que está atado pelos pés e mãos. Ele é guiado por forças e coisas sobre as
quais não tem o mínimo controle. É um escravo das circunstâncias, e reprimido
pela vontade dos outros. Sua própria vontade não tem nenhum poder ou alcan-
ce, é totalmente ineficaz. Cada vez mais sente uma grande carga que pressiona a
cabeça, empurrando-a para baixo; um grande peso está sobre seus ombros. De
algum modo, arrasta-se como um animal de carga. Não tem livre escolha nem
vontade própria; suas vontades e desejos não são consultados. Desamparada-
mente, ele é conduzido para a frente.
Mas a história não termina aqui. O homem pode, se quiser, alterar a situa-
ção, mudar a sorte. Tem em si a fonte da liberdade, o que ele vagamente sente
na sua consciência externa. Há um centro de onde ele é capaz de reagir e rea-
firmar-se. É o centro onde esta o seu dharma, a lei de seu ser. É sua alma. Uma
vez em contato com ela, se fizer dela a base de sua vida, daquele momento em
diante está livre. Mantém a cabeça ereta, não mais se curva. A carga de circuns-
tâncias inexoráveis não mais pesa sobre si. Tendo transcendido as circunstân-
cias, permanece acima delas, olha por cima delas. Agora é o senhor e elas o
obedecem, não tem mais que obedecê-las.
O INTERIOR E O EXTERIOR
A parte externa do ser está voltada para o Divino: você está consciente de
seu ideal e tanto quanto possível, ajusta seu comportamento a ele. Você apa-
renta o que quer ser. Mas exatamente por trás da linha, no outro lado de sua
consciência — no subconsciente como é chamado — o quadro é diferente. A luz
não chegou lá: os movimentos vão em outra direção. Coisas — pensamentos,
impulsos, sentimentos — escondem o que você não gostaria de possuir. Não
que consciente e deliberadamente os esconda: mas eles estão lá como uma par-
te e parcela inevitáveis da natureza comum original. Eles formam o quintal da
consciência; há toda espécie de ângulos e cantos, até mesmo espaços inteira-
mente abertos, que acumularam escuridão e sujeira. Esta dualidade é comum,
de fato, universal; você tem que ser unificado, quer dizer, numa só peça, intei-
ramente voltado para a luz. Deve ser consciente destes elementos escondidos e
trazê-los para fora, expô-los à luz, calma, cândida e destemidamente, para que
assim, a força luminosa possa agir sobre eles. Eles têm que ser empurrados e
rejeitados, se possível, purificados e mudados. Alguns são capazes de mudança e
tornam-se movimentos corretos; outros, que são totalmente errados, perten-
cem à consciência inferior e têm que ser lançados fora sem piedade.
É então para se dizer que esta faculdade é uma mentira e que ela pode ape-
nas levar à falsidade? Não necessariamente. Torna-se uma mentira quando você
experimenta viver de acordo com ela, de acordo com uma ideia ou ideias com as
quais se encantou; porque então está destinada a levá-la a contradições. De
outro modo, se não for uma questão de aplicação prática, se for meramente um
A FORÇA DA CONSCIÊNCIA DO CORPO 153
Gostaria que você tivesse a experiência direta e fizesse o teste, já que seu
ideal é ter domínio sobre si mesmo. Mas não apenas isso. Você não deveria ser
apenas senhor de si, mas também dominar as circunstâncias de sua vida, pelo
menos aquelas que estão imediatamente à sua volta e que lhe dizem respeito.
Você deve notar que isto é uma experiência que não é confinada à mente
somente. Não precisa acontecer na sua cabeça apenas, pode, e na verdade
deve, continuar no corpo. É certamente uma realização que exige grande esfor-
ço, muita concentração e autocontrole. Você tem que forçar a consciência para
dentro do corpo, para dentro da matéria densa. É a atitude do corpo que final-
mente determinará tudo: choques e contatos do mundo exterior mudarão sua
natureza de acordo com o modo pelo qual são recebidos pelo corpo. E se você
alcançar a perfeição nesta linha, poderá até mesmo tornar-se senhor de aciden-
tes.
Isso é possível, não apenas possível, mas fadado a acontecer, pois é um pas-
so à frente no progresso do homem. Antes de tudo, você deve realizar o poder
154 PARTE VII
na sua mente, a ponto de ser capaz de agir sobre as circunstâncias e mudar seus
efeitos sobre si. Então, o poder pode descer dentro da Matéria, dentro das subs-
tâncias, dentro das células de seu corpo e dotá-lo com esta capacidade de con-
trole sobre as coisas exteriores e a seu redor.
O CORPO E O PSÍQUICO
—1—
Isso depende. Algumas vezes há uma espécie de progresso. Há, por exemplo,
escritores, músicos, artistas, pessoas que viveram num alto nível mental, que
sentem que ainda têm algo a fazer sobre a terra, que não terminaram seu traba-
lho, não realizaram sua missão, não alcançaram a meta que colocaram diante de
si. Assim, desejam permanecer na atmosfera da terra tanto quanto possível,
para reter tanta coesão de seu ser quanto necessário e procurar manifestá-las e
progredir através de outras formas humanas vivas. Vi muitos casos como esses.
Vou contar-lhe o caso muito interessante de um músico, um pianista, um pianis-
ta de uma categoria muito alta; ele tinha mãos que haviam se tornado algo
maravilhoso, cheias de habilidade, exatidão, precisão, de força e de rapidez;
eram realmente notáveis. Ele morreu relativamente jovem, com a sensação de
que se tivesse vivido, teria continuado a progredir na sua autoexpressão musi-
cal. Tal foi a intensidade de sua aspiração, que suas mãos sutis retiveram a for-
ma sem se dissolver, e em qualquer lugar que houvesse alguém passivo e recep-
tivo e fosse ao mesmo tempo um bom músico, as mãos do morto entrariam nas
mãos vivas que estavam tocando. No caso que vi, esse homem costumava tocar
normalmente muito bem, mas de maneira comum. Tornava-se, enquanto conti-
nuava a tocar, subitamente, não só um virtuoso, mas um artista maravilhoso;
eram as mãos da outra pessoa que faziam uso dele. A mesma coisa pode acon-
tecer com relação a um pintor; neste caso também, as mãos são o instrumento.
Tal coisa pode acontecer também com certos escritores; mas neste caso é o
cérebro do homem morto que retém sua formação e é isto que entra no cére-
bro do escritor vivo, que deve ser suficientemente receptivo para permitir a
formação em toda sua precisão. Vi um escritor que não era nada extraordinário
na sua capacidade normal, mas costumava escrever coisas muito mais bonitas,
naqueles momentos, do que era capaz de fazer ou que fazia usualmente.
Conheço o caso de um compositor de música, não um executor como o outro a
quem me referi antes que era particularmente notável. No caso do compositor,
como do escritor, é o cérebro que o serve; para o executor, as mãos é que são o
instrumento principal. Beethoven, Bach, César Franck foram grandes composito-
res, embora o último fosse também um executor. A composição de música é
uma atividade cerebral. Bem, o cérebro de um grande músico costumava entrar
em contato com o daquele compositor e fazer com que escrevesse peças mara-
vilhosas. O homem estava escrevendo uma ópera musical. Você deve se lembrar
como uma música de ópera é uma coisa complicada. É um todo complexo no
qual os papéis são distribuídos a um grande número de executores, cada qual
tocando de maneira diferente, em diferentes instrumentos e todos eles devem
juntos expressar rigorosamente a ideia e o tema que o compositor tem em men-
te. Bem, esse homem de quem estou falando, quando se sentava com o papel
em branco à sua frente, costumava receber a formação musical no seu cérebro
156 PARTE VII
Você deve notar aqui que quando falo de uma formação entrando em uma
pessoa viva, a formação não significa o próprio homem que está morto, quer
dizer, sua alma ou ser psíquico. Eu digo que é somente uma faculdade especial
que continua a permanecer na atmosfera da terra, mesmo depois da morte do
homem a quem a faculdade pertencia. Era tão bem desenvolvida, tão bem for-
mada que continuou a reter sua identidade independente. A alma, o verdadeiro
ser do homem, não mais está aí; tenho falado frequentemente que depois da
morte ela vai embora, assim que possível, para o mundo psíquico, seu próprio
mundo, para descanso, assimilação e preparação. Não que não possa acontecer
de outra forma. Uma alma que se encarna como um grande músico, pode se
encarnar outra vez num músico ou como um grande músico, embora tenha dito
em outra referência que uma alma geralmente prefere variar, mesmo para con-
trastar e contradizer suas outras encarnações.
Tome, por exemplo, o grande violinista Isaie; ele era belga e o violinista mais
maravilhoso do seu século. Eu o conheci e tenho certeza que era uma encarna-
ção, pelo menos, uma emanação da alma que fora o grande Beethoven. Pode
não ter sido o ser psíquico total que assim reencarnou, mas a alma na sua capa-
cidade musical. Ele tinha a mesma aparência, a mesma cabeça. Quando o vi apa-
recer no palco pela primeira vez, fiquei muito surpresa e disse para mim mesma
que ele se parecia muito com Beethoven, o próprio retrato daquele grande
gênio. E lá estava ele de pé, o arco equilibrado, um acorde, eram apenas três ou
quatro notas, mas três ou quatro notas supremas, cheias de poder, de grandeza
e magnificência; a sala inteira ficou impregnada de uma atmosfera maravilhosa
e única. Pude muito bem reconhecer o gênio musical de Beethoven por trás. É
bem possível que neste caso, também a alma de Beethoven em sua totalidade
— o ser psíquico total — não estivesse presente; o psíquico central poderia
estar em qualquer outro lugar juntando experiências mais modestas e comuns,
como a de um sapateiro, por exemplo. Mas o que sobrou e o que se manifestou
era algo muito característico do grande músico. Ele tinha disciplinado seu ser
mental e vital e até mesmo seu ser físico em função de sua capacidade musical e
esta formação permaneceu firme e procurou se reencarnar. O ser musical foi
originalmente organizado e moldado em volta da consciência psíquica e assim
adquiriu seu poder peculiar e sua força de persistência, quase uma imortalidade.
O CORPO E O PSÍQUICO 157
Tais formações, embora não em si o ser psíquico, têm uma qualidade psíquica,
são seres independentes, possuem uma vida própria e procuram sua realização,
manifestando-se e encarnando-se sempre que a ocasião se apresente.
O assunto não é tão simples assim. Já lhes disse frequentemente que o ser
psíquico é o resultado de uma evolução, quer dizer, é a expressão da consciên-
cia divina que entrou e se espalhou na matéria, elevando-a e desenvolvendo-a
vagarosamente para que possa retornar ao Divino. O ser psíquico é formado
progressivamente pelo centro divino através de muitas vidas ou encarnações.
Depois vem um período em que ele atinge uma espécie de perfeição, a perfei-
ção de seu crescimento e formação. Frequentemente tem então uma aspiração
em direção a uma realidade maior, um progresso posterior para manifestar o
Divino melhor ou acrescido. Como resultado deste impulso, geralmente atrai
para si um ser de uma ordem superior, de um plano mais alto, da Sobremente,
como Sri Aurobindo diz, um ser de involução que se encarna no ser psíquico.
Estas entidades sobrementais são classificadas pelos homens de deuses e divin-
dades. Então, quando a fusão acontece, de um deus com um ser psíquico, este
último naturalmente cresce em estatura e partilha da natureza do deus e adqui-
re também a capacidade de produzir emanações; que dizer, projeta para fora de
si uma parte que possui uma existência independente e pode encarnar em
outros. Deste modo poderá haver não somente duas, mas várias emanações ou
projeções do mesmo ser original. Em outras palavras, pode haver uma única ori-
gem psico-divina, mas muitas personalidades que vêm dela. Assim o que acon-
tece, é que algumas vezes pessoas diferentes sentem uma espécie de afinidade
e mesmo identidade, e com razão, porque carregam dentro delas a mesma
divindade, da qual eles, isto é, seu ser psíquico veio. Não é a mesma coisa que a
dupla personalidade, onde lançando-se para fora, perde-se uma parte, como
quando você corta um corpo em dois: há somente duas metades. Aqui a proje-
ção é um todo e uma personalidade independente. Se você emanar um ser para
fora de si, você permanecerá inteiro e total, sem perder nada de si mesmo e a
emanação também será um ser total vivendo sua vida independente.
—2—
Assim digo, somos obrigados a admitir que é uma virtude excepcional no ser
humano abrigar o ser psíquico em si. Mas para dizer a verdade, ele não parece
ter se beneficiado com isso. Ele não parece considerar essa sua virtude como
algo muito desejável pela maneira como tem tratado esta presença. Ele prefere
seus ideais mentais a ela, prefere suas exigências vitais a ela e seus hábitos físi-
cos a ela. Não sei quantos de vocês já leram a Bíblia. Nela há uma história que
sempre gostei muito. Havia dois irmãos, Esaú e Jacob. Esaú havia saído para
caçar e sentia-se cansado e faminto. Voltou para casa e encontrou seu irmão
preparando um prato. Pediu a Jacob que lhe desse comida. Jacob disse que lhe
daria se ele, Esaú, vendesse seu direito de primogenitura. Esaú pensou, "de que
me serve o direito de primogenitura agora", e vendeu-o a seu irmão. Você com-
preende o significado? Você pode, é claro, tomar isso de um modo superficial.
Mas eu o entendi de maneira diferente. O direito de primogenitura é o direito
de ser filho de Deus. E Esaú estava pronto a ceder seu direito divino por um pra-
to de sopa. É uma velha história, mas eternamente verdadeira.
O SER PSÍQUICO - ALGUNS MISTÉRIOS 159
lugar. No mundo psíquico existe uma espécie de repouso jubiloso. Você perma-
nece o que é e onde está, sem avançar.
Tudo na terra progride, tem que progredir. Todos os homens, sem exceção,
mesmo aqueles que não têm a mínima noção do psíquico, quer desejem ou não,
devem progredir. O psíquico progride neles a despeito de si mesmos e eles têm
que seguir a curva de seu crescimento e desenvolvimento. Quer dizer, o homem
ascende na escala da vida e cresce, cresce exatamente como faz uma criança.
No processo de crescimento chega um tempo em que ele alcança o ápice e
muda a direção ou o plano de seu progresso. No começo existe o progresso
puramente físico, como o de uma criança. Então vem o progresso mental, mais
tarde o progresso psíquico e o espiritual, de modo que, a não ser que o progres-
so mude sua direção, quando tiver alcançado seu limite num nível particular, é
necessário descer a curva, quer dizer, em vez de progressão haverá regressão,
que significa, no fim, desintegração e decomposição. Precisamente porque, no
mundo puramente físico, não pode existir um progresso perpétuo e constante:
há neste domínio esta curva de crescimento, apogeu, declínio e decomposição.
Tudo que não avança, deve retroceder. Isso é exatamente o que acontece no
domínio da matéria. A matéria não sabe como progredir indefinidamente, não
aprendeu; assim, depois de algum tempo, está cansada de progredir ou crescer.
Alcançada esta estrutura, não pode ir além do limite. Mas existe no homem, ao
lado de seu crescimento físico, um crescimento vital, bem como um mental. O
mental especialmente pode progredir por longo tempo, depois que o corpo
tenha cessado de fazê-lo. O corpo não cresce; mesmo quando está declinando, a
mente ainda pode continuar a crescer, a elevar-se a alturas mais altas. Existe
uma ascensão mental, em oposição à descida física. Mas aqueles que fazem
Yoga, que se tornaram conscientes de seu ser psíquico e estão identificados com
ele, que vivem com a vida dele, nunca cessam de progredir, avançam para cima
até o último alento de sua vida; mesmo quando morrem, seu progresso não
pára. O corpo declina porque não pode acompanhar a marcha progressiva inte-
rior, não pode transformar-se e moldar-se dentro do ritmo da consciência inte-
rior. A discrepância aumenta de tal modo entre os dois que ocorre, no fim, uma
ruptura e isso é a morte. Contudo, no nível puramente espiritual também não
há progresso. O domínio do espírito puro significa uma condição estática; não há
movimento progressivo lá, porque está além da esfera de progresso, além de
toda manifestação. Pois quando você imerge no Espírito é excluído da criação e
a questão de progresso, ou mesmo de qualquer movimento, deixa de ser impor-
tante.
“Quando o psíquico está para renascer, escolhe ele sua forma com antece-
dência?”
O SER PSÍQUICO - ALGUNS MISTÉRIOS 161
Depende. Como disse agora, existem seres psíquicos que estão exatamente
no caminho de formação e crescimento e esses, geralmente, não podem esco-
lher no começo, não podem escolher muito. Mas quando chegam a um certo
grau de desenvolvimento e consciência, eles fazem a escolha. Geralmente,
quando ainda estão no corpo, quando juntaram uma certa quantidade de expe-
riência, decidem qual será seu próximo campo de experiência. Dar-lhe-ei uma
ilustração, apesar de ser, de certa forma, superficial. Um ser psíquico, por
exemplo, precisava da experiência de poder, de autoridade, de comando e que-
ria conhecer as reações destes movimentos e também saber como virá-los em
direção ao Divino para aprender, em outras palavras, o que estas coisas podem
ensinar. Assim, a alma tomou o corpo de um rei (ou de uma rainha). Quando
teve a necessária experiência, aprendeu o que queria aprender, deixou o corpo
que não lhe era mais útil. É nesse momento, quando ele decide deixar o corpo,
que a alma, ainda no corpo, faz a escolha para a próxima experiência. A escolha,
frequentemente, toma o curso de ação e reação. Se a alma experimentou e
estudou um setor particular, sua escolha, na oportunidade seguinte, cai num
campo contrário. Assim, se a alma tiver tido a experiência de uma posição real e
trabalhado através disto para entrar em uma consciente relação com o Divino
então, no momento de deixar o corpo que serviu com Poder, autoridade e
comando, dirá talvez: "Desta vez escolherei uma posição média, nem alta nem
baixa, onde não exista nenhuma necessidade de levar, principalmente, uma vida
exteriorizada, onde não se esteja nem em grande luxo, nem em grande miséria".
Com essa resolução, retorna ao mundo psíquico para o necessário descanso,
para assimilação das experiências passadas e preparação para a futura. Quando
chega o tempo de retornar à terra, para a descida dentro de um corpo físico, ela
naturalmente se lembra da escolha que fez, mas daquele plano mais alto e mais
sutil, naquele momento, o mundo material não é visto do mesmo modo como o
vemos, aparece de forma diferente. Contudo pode-se notar as diferenças no
ambiente e nas atividades. Não se tem a visão total e global dos detalhes. Ela
pode escolher uma atmosfera, pode escolher mesmo um país particular.
esteja procurando por algo mais elevado, neste caso, a coisa aparece para o ser
psíquico como uma luminosa vibração que acena para ele. É a resposta à sua
vontade, Ela mostra o lugar para onde ir. Não pode fixar o dia de seu nascimen-
to. Haverá naturalmente um período de incerteza mas que não ultrapassará
mais que um ano. O segundo fator, que de algum modo modifica ou qualifica
sua escolha, vem da natureza do próprio nascimento. A alma, o ser consciente,
precipita-se dentro da inconsciência, porque o mundo físico, mesmo a consciên-
cia humana mais elevada, são inconscientes quando comparados à consciência
psíquica. É como se a alma caísse de ponta-cabeça. Isto a faz atordoada e por
um longo tempo não sabe o que acontece. Não sabe onde está, o que está
fazendo e porque está lá; fica num completo vazio. Não é capaz de se expressar,
especialmente como um bebê que não tem a apropriada quantidade de cérebro
para compreender ou manifestar alguma coisa. As crianças muito raramente
mostram o ser excepcional que contêm escondido. Casos ocorrem, na verdade,
mas são muito raros e pouco frequentes. Geralmente leva tempo para a alma se
achar. Ela acorda vagarosamente de seu entorpecimento, e apenas gradualmen-
te, começa a compreender que está lá por alguma razão e por escolha. Este
esquecimento é ocasionado pela presença da mente e da educação mental que
a separam completamente da consciência psíquica. Todas as espécies de cir-
cunstâncias, acontecimentos, experiências — externas e emocionais — são
então necessárias para arrombar as portas internas, para trazer à memória de
que se veio de outro lugar e por uma razão muito especial. É o processo normal
mais longo. Mas pode-se ter a chance de encontrar bastante cedo alguém que
sabe; então, em vez de tatear e procurar às cegas através da ignorância e escu-
ridão, ela consegue a luz e o auxílio que lhe dá o contato rápido e direto.
“Como é possível para um ser psíquico que viveu uma vez uma vida de inteli-
gência e criatividade entrar de novo numa vida de estupidez e vulgaridade?”
Não disse que é bem assim. O ser psíquico não é estúpido. O que acontece
pode ser descrito desta maneira: por exemplo suponhamos que o ser psíquico
O SER PSÍQUICO - ALGUNS MISTÉRIOS 163
A maior parte das pessoas não está, de modo algum, consciente do que está
acontecendo dentro de si. Sua consciência ou ser é uma mistura de elementos
mentais, vitais e físicos, uma confusão. Há muito poucos, muito poucos na ver-
dade, que são conscientes — conscientes do que está além desses três elemen-
tos, isto é, de seu ser psíquico. Porque é somente esse elemento que perdura,
persiste através de vidas sucessivas. Certas pessoas tiveram conhecimento ou
aprenderam alguns rudimentos do assunto e acreditam em renascimento, mas o
concebem da forma muito pueril. A ideia deles é a de que se muda de corpo
como se muda de roupa. Há pessoas mesmo que escreveram livros descrevendo
seriamente todas as vidas que viveram, desde o tempo em que eram macacos!
Como disse, é o elemento psíquico apenas que persiste depois da morte, todo o
resto se dissolve. E em 999 casos em 1000, o psíquico é uma formação muito
pequena que está por trás e toma pequena parte na vida real da pessoa. Estou
falando do homem médio, não de um Yogue, quer dizer, aquele que tem um ser
psíquico desenvolvido a tal ponto que é capaz de controlar e guiar sua vida exte-
rior. Quantas vezes um homem comum entra em contato com seu ser psíquico?
Anos e anos passam para que muitos, ou a maioria, tenham só um vislumbre
passageiro deste movimento. É este momento que perdura e é levado para a
próxima vida, todas as outras coisas são simplesmente apagadas. Num dado
momento de nossa vida, há uma situação especial, há um chamado interior,
uma absoluta necessidade que faz aflorar o psíquico e o contato se faz, talvez
por um instante. Essa experiência é preservada na memória psíquica. Mais do
que as circunstâncias exteriores e os eventos físicos, o que é guardado com cari-
nho na consciência é a emoção íntima, a vibração que acompanha a percepção
do momento. Quando muito, uma palavra dita, uma frase ouvida, simplesmente
uma cena que passa, é tudo que é guardado, límpido e transparente, como se
fosse uma gravação. Mas acima de tudo, é o estado da alma que é o mais impor-
tante. São estes elementos esparsos que servem de degraus ou faróis durante a
progressiva jornada da alma para frente. Eles são a constante que constrói a
personalidade de um homem. Em raras ocasiões existe uma clareira mais ampla,
as situações preservadas são suficientemente definidas para determinar uma
data e uma pessoa pertencente ao passado. Usualmente, contudo, não se pode
dizer, "Fui tal pessoa, vivi em tal país ou fiz tais coisas". Estes lampejos psíquicos,
mais em alguns casos, do que em outros, são os únicos marcos genuínos e
autênticos da história das vidas de uma pessoa.
Divino, é que pode se lembrar ou conservar na sua consciência algo como a tota-
lidade de sua história pessoal. Pois nesse caso, mesmo quando o corpo cai, as
outras partes, estando integradas e assimiladas na substância da alma, mantêm
sua existência individual. A personalidade formada ao redor do psíquico conti-
nua a existir com sua memória intacta: pode até mesmo passar de uma vida
para outra sem perder a consciência.
Há pessoas que dizem e talvez acreditem que foram tais e tais pessoas e
chegam a dar descrições detalhadas de suas vidas passadas. Existe também as
tão conhecidas comunicações através de um médium nas sessões espíritas.
Alguém vem e lhe diz que era Napoleão, um outro era Shakespeare e assim por
diante. Quantos Shakespeares e Napoleões e Césares se manifestaram deste
modo, não há conta! Há espíritos que são extremamente falantes e enfeitiçam-
no com histórias extraordinárias, muitas delas que parecem, à primeira vista,
verdadeiras e genuínas; outras, é claro, cheias das mais vulgares contradições. O
fato, contudo, é que usualmente estes espíritos são pequenos seres do vital,
muitas vezes, restos de uma pessoa morta, pedaços partidos de sua decomposta
personalidade, de desejos que persistiram, imaginações coaguladas libertas que
andam de um lado para o outro e procuram possuir e apossar-se de uma pessoa
viva. Estes pequenos espíritos do vital não são frequentemente de boa índole;
divertem-se à custa do crédulo ser humano, fazendo-o de tolo. Nesse mundo é
fácil ler a mente dos outros: o espírito vê claramente o que está lá na sua cabe-
ça, mesmo que você não diga o que pensa. Deste modo, ele revela segredos
conhecidos apenas por você, mesmo os totalmente esquecidos. Podem imitar
outras personalidades. Eles conhecem muitos outros pequenos truques para
confundi-lo ou espantá-lo.
O SER HOMOGÊNEO
sua própria natureza e atividade, exige sua própria realização, age quase como
uma personalidade independente. Somos, de fato, compostos de personalida-
des múltiplas.
Assim, por exemplo, você pode agora estar num estado de consciência mui-
to bom. Tem a sensação de que, realmente, vive por um ideal, pelo Divino, e
está feliz. Subitamente algo acontece; você encontra alguém não muito desejá-
vel ou faz algo não muito recomendável, ou está no meio de alguma ocorrência
adversa e descobre que perdeu sua experiência a tal ponto que pode até perder
a lembrança dela. Você se admira de como isso possa ter acontecido. Uma parte
submersa do seu ser veio à tona, um elemento que estava de lado, agora está à
frente, e veio obscurecendo ou empurrando o outro para trás.
Conheci uma pessoa que tinha uma vontade firme, uma clareza de pensa-
mento e ideias, que preparava inteligentemente tudo que precisava ser feito em
relação a um trabalho determinado. De repente, acontecia uma reviravolta no
ser inteiro. Uma outra pessoa irrompia, que não apenas não executava o traba-
lho de seu predecessor, mas desmanchava-o completamente. Destruía em dez
minutos aquilo que tinha levado meses para o outro construir. E você pode
entender o desalento da primeira pessoa quando voltava e via a devastação fei-
ta e tinha que começar tudo novamente.
gradáveis tiver forçado seu caminho para cima e ocupado um lugar próximo ao
centro, você deve adverti-lo severamente e afastá-lo e dar-lhe seu lugar apro-
priado. Quando ele tiver se reconhecido e se transformado, somente então lhe
será permitido um lugar dentro de um círculo mais próximo. E desta forma que
você deveria arranjar e agrupar todos os elementos de seu ser, de acordo com o
valor e a qualidade de cada um, à volta da consciência central. Assim é como
você organiza seu ser. Você constrói um modelo de anéis concêntricos e quanto
mais próximo do anel do centro, mais puros devem ser os elementos que o
compõem e consequentemente, de maior valor e significado. Se, dessa forma,
você puder arranjar todas as partes e parcelas do seu ser em volta do ser psíqui-
co, cada um em seu lugar apropriado, de acordo com seu papel e função, todos
voltados em direção à consciência central e por ela inspirados e movidos, e não
houver nenhum elemento que toque uma nota discordante, então você terá a
perfeita homogeneidade de sua natureza.
Por que você quer servir à humanidade? Qual o seu propósito? Qual o seu
motivo? Você sabe em que consiste o bem da humanidade? E você sabe melhor
que a própria humanidade o que é bom para ela? Ou você sabe melhor que o
Divino? Você diz que o Divino está em todo lugar, assim, se servir à humanidade,
é ao Divino que você serve. Bem, se o Divino está em todo lugar, ele também
está em você; portanto, a coisa melhor e mais lógica seria começar servindo a si
mesmo.
Foi assim, pergunto eu? Você tentou ajudar algumas pessoas aqui e ali. Mas
o que vale isso comparado ao que precisa ser feito? A proverbial gota no oceano
ou até menos que isso! Você se lembra da história de São Vicente de Paula? Ele
começou dando esmolas aos pobres. No primeiro dia havia dez, no segundo
mais ou menos vinte, no terceiro mais que cinquenta e o número continuou
aumentando mais do que uma progressão geométrica. E então, Colbert, o
Ministro do Rei observou, vendo a situação do santo: "Nosso irmão parece que
está gerando continuamente seus pobres".
auto glorificação: dá-se e não se sabe quem deu. E algo a mais para se ficar
orgulhoso.
Você fará uma descoberta notável quando começar a saber o que você é e
quem você é. É assim que deveria principiar: "Quero servir à humanidade. Como
posso eu servi-la? Quem é este "eu" que quer servir?" Você diz: "Eu sou esta
pessoa, esta forma e este nome". Mas a forma que você é agora, não é aquela
que você tinha quando era um bebê. Ela está mudando constantemente. Todos
os elementos de seu corpo estão sendo completamente renovados. Nem as suas
impressões e sentimentos são aqueles que você tinha há poucos anos atrás.
Seus pensamentos e ideias sofreram revoluções. O "eu" cobre uma soma de
fatores sempre mutáveis. Não há nada especialmente para ser chamado de
"eu", é apenas um círculo de mudanças. Um nome vazio parece ser a única coisa
constante. Um elemento, num certo momento, vem à frente — uma ideia, um
sentimento, um impulso — e isso é seu "eu" por um momento. Num outro
momento, um outro elemento surge e se torna seu "eu". Você não é um "eu"
único, mas uma multidão de muitos "eus". Portanto, que valor tem a afirmação
de que um destes "eus" encontrou o alvo, a verdade, o dever que você tem que
seguir? E se você prosseguir mais além, questionando-se e analisando-se com-
pleta e sinceramente, tropeçará na realidade. Você descobrirá que o "eu" não
existe de modo algum. O que existe é alguma coisa mais: é a realidade indivisí-
vel, o Divino apenas.
Disse que seu ego é uma ilusão. Seu "eu" não existe em absoluto. Não há
nada como individualidades distintas e separadas e realização individual.
Somente o Divino existe e a Vontade Divina. Ele é a realidade solitária e única e
omni-abarcante. O que é então a fonte desta variedade e diversidade de exis-
tências? Qual é a significação, se existe alguma, das várias individualidades e
personalidades, seu aparecimento e desempenho no palco do mundo?
A FAMÍLIA DIVINA
O mundo material está cheio de coisas que o afastam da busca de sua alma,
do aproximar-se de seu lar. Normalmente, você é jogado de lá para cá por forças
da Natureza ignorante e é levado mesmo a fazer as piores tolices. Existe uma
única solução, achar seu ser psíquico; e quando o tiver achado, agarrar-se a ele
desesperadamente e não permitir ser afastado dele por nenhuma tentação,
nenhum outro impulso que seja.
de divina, a arte deve servir como reveladora e mestra desta beleza divina na
vida. Em outras palavras, o artista deve ser capaz de entrar em comunhão com o
Divino e receber a inspiração quanto à forma ou formas para a realização mate-
rial da beleza divina. Ao mesmo tempo, ao expressar a verdadeira beleza no físi-
co, ele também estabelece um exemplo, torna-se um instrumento de educação.
A arte não apenas cria beleza, mas educa o gosto das pessoas para encontrar a
beleza verdadeira, a beleza essencial que expresse a verdade divina. Esse é o
verdadeiro papel da arte. Mas entre isso e o que existe agora, há uma grande
diferença.
expressas de um modo belo. Então, segue-se uma época que está cansada das
coisas velhas e tenta encontrar coisas novas e expressá-las de outra maneira. A
época de Louis XIV, por exemplo, foi uma era dominada pela criação artística e
representou o ápice de um certo tipo da verdadeira beleza na arte e na vida. No
decorrer da evolução social, outras ideias, outras necessidades apareceram —
as da era comercial. Assim a curva tomou um curso para baixo. Não há nada
mais contrário à arte do que o comércio. Pois a associação do comércio com a
arte significa a popularização de algo que é excepcional, é colocar ao alcance de
todos uma coisa que é compreendida e apreciada somente por uns poucos esco-
lhidos, a elite. Talvez seja por causa disso que a arte não teve escapatória no
mundo, porque havia se voltado nestes dias para outras direções, para os domí-
nios do mental e do vital, para desvios e veredas da consciência. Quando, entre-
tanto, melhores condições prevalecerem, quando, em vez do espírito de mer-
cantilismo aparecer sobre a terra o senso de uma realidade mais bonita, então a
arte renascerá e voltará a ser o que era. Isso parece estar ainda muito distante.
Nos tempos antigos, nas grandes épocas, na Grécia por exemplo, ou mesmo
durante a Renascença Italiana, mais particularmente na Grécia e no Egito, cons-
truções eram feitas e monumentos erigidos para ser de utilidade pública. As
construções tinham a finalidade, na maioria das vezes, de servir de templos e
santuários, de abrigar seus deuses e suas divindades. O que tinham em vista era
algo total, completo e inteiro, bonito e integral em si mesmo. Era o propósito da
arquitetura incorporar a harmonia de linhas impetuosas e majestosas. A escultu-
ra era parte da arquitetura, fornecendo detalhes de expressão e mesmo a pintu-
ra servia para completar a expressão. Mas o todo mantinha-se coeso em uma
174 PARTE VII
unidade coordenada que era o próprio monumento; não que elas fossem sepa-
radas umas das outras e existissem por si mesmas e não soubessem porque
estavam lá. Na índia, quando um templo estava sendo construído o que se tinha
em vista era uma criação total, todas as partes combinadas para dar efeito a um
fim, para fazer uma vestimenta bonita para Deus, o único objetivo de sua adora-
ção. Todas as grandes épocas da arte foram desse tipo. Mas nos tempos moder-
nos, na última parte do século passado, a arte tornou-se um negócio. Um qua-
dro era feito para ser vendido. Você faz suas pinturas, coloca-as cada uma em
uma moldura e arranja-as lado a lado ou agrupa-as, isto é, amontoa-as juntas
sem muita razão. O mesmo em relação à escultura. Você faz uma estátua e a
instala em qualquer lugar, sem qualquer conexão com o ambiente. É sempre
algo alheio, estranho ao cenário, como o cogumelo ou o parasita. A coisa em si
pode não ser muito feia, mas está deslocada, não faz parte de um todo orgâni-
co. Hoje exibimos arte. De fato, é exibicionismo, é uma demonstração de malí-
cia, talento, habilidade, virtuosismo. Uma peça de arquitetura não encarna uma
força viva como costumava ser antigamente. Não é mais a expressão de uma
aspiração, de algo que enaltece o espírito, nem a expressão da magnificência do
Divino, para quem a moradia deveria ser destinada. Você constrói casas aqui e
ali desordenadamente ou de uma forma justaposta, sem nenhuma ideia coor-
denada governando-as, sem qualquer relação com o meio ambiente onde estão
situadas. Quando você entra numa casa, é a mesma coisa. Algumas pinturas
aqui, algumas esculturas ali, uns objetos de arte num canto, outros em outro
canto. Sim, é uma exibição, um museu, uma coleção caleidoscópica. É chocante
para o gosto artístico verdadeiramente sensível.
Não digo que um museu não seja necessário ou útil. É um bom meio de edu-
cação, quer dizer, para se conseguir informações sobre o que as pessoas de
outras épocas fizeram. E um auxílio para o conhecimento histórico das coisas.
Mas está longe de ser artístico. Um museu não é um lugar onde a arte possa
encontrar sua expressão verdadeira e mais elevada. Há uma arte que procura
coordenar, integrar objetos contrários, distintos e desagregados. É chamada de
arte decorativa. E à medida que esta arte tiver sucesso, estaremos dando então
um passo à frente em direção à arte verdadeira.
da tem diante de si, a seu alcance, os velhos templos, as velhas pinturas, para
ensiná-lo que a criação de arte é para expressar uma fé, para dar-lhe um sentido
de totalidade e organização. Você notará a este respeito um outro fato que é
muito significativo: todas essas pinturas, todas essas esculturas em cavernas e
templos não trazem assinatura. Não foram feitas com a ideia de fazer nome.
Hoje você grava seu nome em cada pedaço de trabalho que faz, anuncia o acon-
tecimento com grande estardalhaço nos jornais, para que a coisa não seja
esquecida. Naqueles dias, o artista fazia o que tinha de fazer, sem se importar se
seria lembrado pela posteridade ou não. O trabalho era feito num impulso de
aspiração para expressar uma beleza superior e, acima de tudo, com a ideia de
preparar uma morada adequada para a divindade a quem invocava. Na Europa,
nas catedrais da Idade Média, as coisas eram feitas com o mesmo espírito. Tam-
bém naquela época, os trabalhos eram anônimos e não traziam a assinatura do
autor. Se qualquer nome veio a ser preservado, foi mais ou menos por acidente.
Você deve se lembrar que a música, como qualquer outra arte, é um meio
de expressar algo — uma ideia, um sentimento, uma emoção, uma certa aspira-
ção e assim por diante. Há até um domínio onde todos estes movimentos exis-
tem e de onde são trazidos para baixo sob uma forma musical. Um bom compo-
sitor com alguma inspiração costuma produzir boa música; é então chama do de
bom músico. Um mau músico pode também ter uma boa inspiração, pode rece-
ber algo de regiões mais altas, mas não possuindo capacidade musical, sua com-
posição torna-se medíocre, vulgar e desinteressante. Contudo, se você for além,
precisamente acima deste lugar onde está situada a origem da música, captar a
ideia, a emoção, a inspiração que está por trás poderá então ter a experiência
destas coisas, sem ser retido pela forma. Entretanto esta forma musical pode ser
176 PARTE VII
acrescentada àquilo que está por trás ou além da forma pois é isso que origi-
nalmente inspira o músico a compor. Bem, há casos em que não existe inspira-
ção alguma, onde a fonte é apenas uma espécie de sons mecânicos, nem sem-
pre agradáveis. O que quero dizer é que há um estado interior no qual a forma
exterior não é a coisa mais importante: lá encontra-se a origem da música, a
inspiração que está além. É banal dizer, mas frequentemente a pessoa esquece
que não é o som que faz a música; o som tem que expressar algo.
Existe música que é bem mecânica e não tem inspiração. Há músicos que
tocam com grande virtuosidade, quer dizer, dominam a técnica e executam
impecavelmente os movimentos mais complicados e rápidos. Talvez seja música
embora não expresse nada; é como uma máquina. É engenhosa, hábil, mas não
prende a atenção porque é sem alma. A coisa mais importante, não apenas na
música, mas em todas as criações humanas e em tudo que o homem faz, é, repi-
to, a inspiração que está por trás. Espera-se naturalmente que a execução esteja
ao nível da inspiração; mas para expressar-se verdadeiramente bem, deve-se ter
realmente grandes coisas para expressar. Não que a técnica não seja necessária,
ao contrário, deve-se possuir uma técnica muito boa; é até mesmo imprescindí-
vel. Apenas não é a única coisa indispensável, nem é tão importante quanto a
inspiração. Porque a qualidade essencial da música vem da região onde está
situada sua fonte.
Fonte ou origem significa a coisa sem a qual um objeto não existiria. Nada
pode se manifestar na terra fisicamente a não ser que tenha sua fonte em uma
verdade mais elevada. Assim a existência material tem sua fonte e inspiração no
vital, o vital por sua vez tem atrás de si o mental, o mental tem o sobremental e
assim por diante. Se o universo fosse um objeto plano, tendo sua origem em si
mesmo, ele rapidamente deixaria de existir. (Isto é talvez o que a ciência quer
dizer quando postula a impossibilidade do movimento perpétuo). É porque há
uma fonte superior que o inspira, uma energia secreta que o impulsiona em
direção à manifestação, que a Vida continua. De outra forma, esgotar-se-ia mui-
to cedo.
outro lugar. Mas se fosse para expressá-la perfeitamente, executá-la, você teria
que passar também esta música através do vital. A música que vem do alto
pode, contudo, resultar em algo completamente inexpressivo na execução, se
você não tiver aquela intensidade de vibração vital que, exclusivamente, lhe
pode dar seu poder e esplendor. Conheci pessoas que possuíam inspiração mui-
to elevada, mas sua música resultava bastante medíocre porque não conse-
guiam motivar o seu vital, que ficava quase completamente adormecido pela
prática espiritual. Sim, estava literalmente adormecido e não trabalhava de for-
ma alguma. Sua música, dessa forma, vinha direto para o físico. Se você pudesse
chegar mais além e captar a fonte, veria que, mesmo lá, realmente havia algo
maravilhoso, embora externamente não fosse tão vigorosa ou efetiva. O que
vinha para fora era uma melodia muito pobre e fraca, não tendo nada do poder
de harmonia que existe quando se pode trazer para o jogo da vida a energia
vital. Se alguém pudesse colocar todo este poder de vibração que pertence a
esse vital, dentro da música de origem superior, teríamos a música de um gênio.
De fato, para a música e para toda criação artística, na verdade, para a literatu-
ra, para a poesia, a pintura etc. um intermediário é necessário. Qualquer coisa
que se faça nestes domínios depende, sem dúvida, para seu valor intrínseco, da
fonte de inspiração, do plano ou da altura onde se está. Mas o valor da execu-
ção depende da força vital que expressa a inspiração. Para um gênio verdadeiro
ambos são necessários. A combinação é rara, geralmente é um ou outro, mais
frequentemente é o vital que predomina e ofusca.
Algo semelhante a essa experiência pode lhe acontecer quando sua cons-
ciência está toda atenta e concentrada. Você sente, subitamente, que está sen-
178 PARTE VII
do arrebatado, que todas suas energias estão reunidas e elevadas, como se sua
cabeça se abrisse e você fosse lançado no espaço livre para espaços distantes,
de alturas extraordinárias e luzes magnificentes. A experiência lhe dá, em uns
poucos segundos, o que se pode alcançar no curso normal das coisas, depois de
muitos anos de difícil Yoga. Só que, imediatamente após a experiência, você
despenca para baixo porque a base não foi construída; até mesmo você poder
começar a duvidar se realmente teve a experiência. No entanto, a consciência
foi preparada, algo definitivo foi feito e permaneceu.
Gosto dessa espécie de música, que tem um tema, um único tema, moven-
do-se e desenvolvendo-se gradualmente com variações: inúmeras variações
executando o mesmo tema constante, variações ramificando-se e voltando
ESPECIALIZAÇÃO 179
ESPECIALIZAÇÃO
Você deve expandir, ampliar e enriquecer sua mente. Ela deve ser repleta de
pensamentos e ideias. Deve acumular os resultados de sua observação e de seus
estudos para não ter uma "mente pobre", uma mente, por assim dizer, sem
muitas ideias ou capacidade de raciocínio e argumentação. Sua mente deve ser
capaz de pensar sobre diversos assuntos, reunindo conhecimento de várias
espécies, considerando um problema de diversos ângulos, não apenas seguindo
uma única linha ou trilha. Deve ser como um leque japonês abrindo-se em um
círculo completo, em todas as direções.
Você tem, por exemplo, várias matérias para aprender na escola. Bem,
aprenda tantas quanto puder. Se você estudar em casa, leia tanto quanto possí-
vel. Sei que, de modo geral, aconselham-no a seguir um caminho diferente, isto
é, que você deve escolher o menor número possível de matérias e "especializar-
se". Sim, essa é a ideia geral: "especialização", ser um perito em qualquer coisa.
Se você desejar ser um bom filósofo, leia apenas filosofia; se desejar ser um
bom químico, faça apenas química; dizem até mesmo que você deveria concen-
trar-se sobre um único problema ou tema de filosofia ou química. Pedem que
faça o mesmo nos esportes. Escolha um item e fixe sua atenção apenas nisso. Se
você desejar ser um bom jogador de tênis, pense somente em tênis. Entretanto,
não sou dessa opinião. Minha experiência é diferente. Acredito que há faculda-
des gerais no homem que ele deveria adquirir e cultivar mais do que se especia-
lizar. Obviamente, se sua ambição é ser um Monsieur ou Madame Curie que
queriam descobrir uma coisa determinada, um mistério novo de uma espécie
definida, então você deve se concentrar sobre essa única coisa. Mas, mesmo
assim, quando tiver alcançado seu objetivo, você pode muito bem voltar-se para
outras coisas. Além disso, não é impossível, no meio da busca em uma única
direção, achar ocasião e oportunidades para se interessar por outras coisas.
Desde minha infância tenho ouvido a mesma observação. Receio que ela
tenha sido ensinada também nos dias de nossos pais e avós e bisavós, isto é,
180 PARTE VII
que se você quiser ter sucesso em alguma coisa, deve se concentrar apenas nis-
so e nada mais. Fui muito repreendida porque estava ocupada com coisas dife-
rentes ao mesmo tempo. Disseram-me que no fim eu não serviria para nada.
Estudava, pintava, fazia música e muitas outras coisas. Repetidamente fui adver-
tida que minha pintura seria sem valor, minha música seria sem valor, meus
estudos seriam incompletos e falhos se seguisse meu modo de ser. Talvez fosse
verdade; mas descobri que meu caminho também tinha suas vantagens — pre-
cisamente as vantagens das quais estava falando no começo, quer dizer, de
ampliar e enriquecer a mente e a consciência, torná-la ágil e flexível, conferindo-
lhe um poder espontâneo para compreender e lidar com qualquer coisa nova a
ela apresentada. Se, entretanto, tivesse a intenção de me tornar um executor de
primeira classe, para tocar em concertos, então, é claro, teria que me restringir.
Ou na pintura, se tivesse por objetivo ser um dos grandes artistas da época,
poderia ter feito isso e nada mais. É perfeitamente compreensível esta posição,
mas é somente um ponto de vista. Não vejo porque deveria me tornar a maior
musicista ou a maior pintora. Parece-me não ser nada mais que vaidade.
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